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em Serviço Social
Autoras: Profa. Daniela Emilena Santiago
Profa. Renata Leandro
Colaboradores: Profa. Amarilis Tudela Nanias
Profa. Maria Francisca S. Vignoli
Professoras conteudistas: Daniela Emilena Santiago / Renata Leandro
Assistente social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Violência Doméstica
contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Psicologia pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Assis/SP. Atualmente é funcionária pública do município de Quatá/
SP, atuando como Assistente Social junto à Secretaria Municipal de Promoção Social. Exerce também a função de
docente no curso de Serviço Social da Universidade Paulista (Unip), campus de Assis/SP.
Partindo de sua vinculação à Unip, enquanto docente do curso de Serviço Social no campus de Assis-SP, emergiu a
oportunidade de seu atrelamento também ao curso de graduação em Serviço Social na modalidade SEI, oferecida pela
Unip Interativa, o que lhe proporcionou a oportunidade de ministrar aulas da disciplina de Política Social de Habitação
nessa modalidade. Além disso, também ministrou, na modalidade SEPI, aulas da disciplina Política Social de Saúde no
curso de pós-graduação de Gestão em Políticas Sociais, oferecido pela Unip. O vínculo com essa universidade também
lhe possibilitou elaborar o presente material.
Renata Leandro
Reside no município de Campinas (SP). Em 2002, graduou-se em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica
de Campinas (PUC-Campinas); tem especialização na área de Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pelo
Laboratório da Criança (Lacri) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP – 2005), em Sexualidade
Humana pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP – 2009) e é pós-graduanda
em Formação em EaD pela UNIP.
Atualmente é docente na UNIP, campus de Sorocaba, consultora em Gestão Pública e captadora de recursos e
responsabilidade social no primeiro e no segundo setor. Possui experiência em gestão social, tendo atuado como gestora no
município de São Thomé das Letras (MG) e na Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Rio de
Janeiro. Atuou também em Centros de Referência de Assistência Social (Cras) no município de Campinas, no atendimento
matricial de famílias e na área de crianças e adolescentes com suas respectivas famílias, bem como no Projeto Rotas Recriadas
(atualmente denominado Programa Municipal de Enfrentamento à Exploração Sexual Infantojuvenil), de 2003 a 2007.
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© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Juliana Maria Mendes
Michel Kahan
Amanda Casale
Sumário
Perspectivas Profissionais em Serviço Social
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 O TRABALHO NO CAPITALISMO.................................................................................................................. 11
1.1 Marx e o trabalho no capitalismo.................................................................................................. 12
1.2 A mais-valia............................................................................................................................................. 13
1.3 Como o trabalho se transforma em mercadoria...................................................................... 14
2 AS CONTRADIÇÕES DO TRABALHO NO CAPITALISMO...................................................................... 16
2.1 O capitalismo e a exploração da força de trabalho................................................................. 17
2.2 Estratégias do capitalismo para alcançar seus interesses.................................................... 18
2.3 A Revolução Industrial e a maior precarização da relação entre capital e
trabalho............................................................................................................................................................. 19
2.4 A relação entre capital e trabalho.................................................................................................. 21
2.4.1 Capital e trabalho: uma relação de conflitos sociais................................................................ 22
2.5 A organização da assistência social e o importante estudo de Mary Richmond....... 25
3 O NEOLIBERALISMO E A PRECARIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO................................ 28
3.1 O significado contemporâneo da Questão Social no Brasil................................................. 31
3.2 O neoliberalismo e a “nova Questão Social”.............................................................................. 31
3.3 A Questão Social em uma sociedade em transformação..................................................... 32
3.4 Decifrando a nova Questão Social... Não tão nova assim!................................................... 34
3.5 Formas de enfrentamento da Questão Social no Brasil........................................................ 36
3.6 Reflexão acerca da exclusão social................................................................................................ 38
4 TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL: A PROFISSÃO ANTE AS TRANSFORMAÇÕES
SOCIETÁRIAS RECENTES.................................................................................................................................... 43
4.1 Trabalho e Serviço Social.................................................................................................................... 44
4.2 O cenário atual, suas incidências na Questão Social e a consolidação do
projeto ético-político do Serviço Social.............................................................................................. 51
4.3 O redimensionamento da profissão: o mercado e as condições de trabalho............... 58
Unidade II
5 AS DEMANDAS E AS RESPOSTAS DA CATEGORIA PROFISSIONAL AOS PROJETOS
SOCIETÁRIOS.......................................................................................................................................................... 68
5.1 As demandas profissionais no âmbito das relações entre o Estado e a sociedade ... 69
6 CONDIÇÕES DE TRABALHO E RESPOSTAS PROFISSIONAIS............................................................. 74
Unidade III
7 A INSTRUMENTALIDADE NO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL................................................ 80
7.1 A prática do assistente social: conhecimento, instrumentalidade e
intervenção profissional............................................................................................................................. 80
7.1.1 A pré-história dos instrumentais no Serviço Social e as práticas
desenvolvidas pelos primeiros profissionais............................................................................................ 81
7.1.2 Instrumentalidade e fazer profissional na contemporaneidade.......................................... 87
8 AS DIMENSÕES ÉTICO-POLÍTICA, TÉCNICO-OPERATIVA E TEÓRICO-METODOLÓGICA
NO SERVIÇO SOCIAL CONTEMPORÂNEO E OS RUMOS ÉTICO-POLÍTICOS DO
TRABALHO PROFISSIONAL................................................................................................................................ 93
8.1 As competências do Serviço Social na contemporaneidade: política, ética,
investigação e intervenção....................................................................................................................... 96
APRESENTAÇÃO
Tal concepção torna-se fundamental, posto que é a partir da administração dos conflitos entre
as classes e ainda junto às expressões da Questão Social por parte do Estado que são constituídos
os espaços de atuação profissional do assistente social, ou, dito de outra forma, constituem-se suas
possibilidades de instituição em um espaço sócio-ocupacional. Esses espaços de trabalho podem ser
por nós compreendidos como as perspectivas profissionais do Serviço Social, que englobam tanto os
conceitos relacionados à prática da profissão quanto os afetos ao mercado de trabalho do profissional
da área.
Para isso, é importante ainda lembrar que a Questão Social está relacionada às estruturas sociais,
históricas e políticas de um país e apresenta-se de forma diferente nas diversas sociedades; no interior
delas, configura-se e reconfigura-se de acordo com as mudanças estabelecidas pelas estruturas
capitalistas. Nesse sentido, a compreensão do mercado de trabalho e das perspectivas profissionais
demanda também a compreensão do que se convencionou denominar Questão Social e dos processos
que viemos vivenciando e que têm provocado alterações nesse fenômeno.
Diante de toda essa conjuntura, é necessário entender os meios de que a profissão dispõe para atuar
junto à Questão Social. Atualmente, toda a nossa categoria profissional tem refletido sobre o conceito de
instrumentalidade, e, a fim de melhor compreendê-lo, também refletiremos sobre a instrumentalidade
do Serviço Social. A instrumentalidade de que se vale o profissional refere-se à capacidade adquirida por
meio da profissão, que possibilita responder às demandas apresentadas ao Serviço Social com o exercício
de sua práxis, não representando somente um conjunto de instrumentos com o qual os assistentes
sociais realizam seu trabalho.
Assim, a disciplina Perspectivas Profissionais em Serviço Social tem como objetivo possibilitar ao
educando a compreensão crítica do profissional em suas diferentes realidades de trabalho, visando a
ações baseadas em teorias e legislações, para distanciar-se de ações imediatistas, com o entendimento
dos instrumentos técnico-operativos utilizados, para potencializar sua atuação diante dos desafios das
expressões da Questão Social.
Para tanto, também busca a compreensão da institucionalização do Serviço Social; da relação deste
com o capitalismo; do surgimento da Questão Social a partir dos fatores históricos, políticos, sociais
e econômicos; e da atuação do Estado no modo econômico capitalista. Além disso, busca entender o
7
enfrentamento dos reflexos da Questão Social, as relações de trabalho e sua construção, sua precarização
e o desemprego como a própria “nova questão”, bem como suas manifestações na sociedade brasileira.
INTRODUÇÃO
Portanto, esta disciplina não pretende elaborar um manual de atuação profissional com modelos
inquestionáveis a serem seguidos. Considerando a diversidade de campos de atuação existente, não
pretendemos aqui esgotar uma discussão sobre o estudo, mas sim definir algumas das atribuições e
práticas do profissional e proporcionar análises de situações e conceitos utilizados pelo Serviço Social.
Com tal intento, organizaremos o presente material da seguinte maneira: iniciaremos com uma
discussão sobre a categoria trabalho para, em seguida, discutirmos o conceito da instrumentalidade,
concluindo com as respostas da categoria profissional às demandas emergentes.
Dando sequência a tais conteúdos, pensaremos sobre as demandas que são impostas a nossa
categoria profissional e as possibilidades de resposta a elas. Assim, na Unidade II, destacaremos as
respostas conferidas pela categoria profissional às demandas apresentadas pelo Estado e pela sociedade
civil, lembrando que tais respostas são condicionadas pelas relações de classe da sociedade capitalista e
mediadas pelo Estado.
Considerando tal concepção, introduziremos ainda o debate sobre a instrumentalidade, com algumas
considerações acerca dos instrumentais técnico-operativos que possibilitam o fazer profissional, além
de enfatizarmos alguns outros conceitos relacionados à questão em debate. Tal conteúdo será tratado
na Unidade III deste livro-texto.
Após a exposição dos conteúdos, ao final de cada unidade, serão propostos exercícios para que
você possa fortalecer seu processo de aprendizagem. Recorra a esses instrumentais para melhorar a
apreensão dos conteúdos tratados.
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PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Unidade I
1 O TRABALHO NO CAPITALISMO
Nesta Unidade, conforme sinalizado na introdução, estudaremos com maior profundidade o trabalho,
considerando a realidade capitalista. Para compreendê-la, recorreremos à tradição marxista, que, embora
tenha em Marx seu principal expoente, na contemporaneidade, é defendida também por outros autores,
que destacaremos neste item. Dessa forma, estaremos atentos aos seguintes conceitos:
• a produção da mais-valia;
Iniciamos assim pela compreensão do modo de produção capitalista para, na sequência, tratarmos
dos demais conceitos.
O modo de produção capitalista marcou o fim do modelo de sociedade baseado no feudalismo. Como
sabemos, o regime feudal possuía uma forma de organização econômica, política e social totalmente
diferenciada da organização capitalista, tendo começado a ruir em fins do século XVI. O capitalismo
nasceu com a característica central de compra e venda da mão de obra humana, baseado num sistema
de assalariamento: o trabalhador que antes realizava o seu trabalho de maneira artesanal e participava
de todo o processo de produção passou a vender a sua mão de obra.
É certo que as condições de vida e de trabalho no feudalismo não eram nada boas; todavia, no
capitalismo, a situação não melhorou: o trabalhador passou a valer pelo que produzia e pelas condições
estabelecidas no mercado. Nesse caso, o trabalho caracteriza-se pela separação do homem de seus
meios de produção, como terras, máquinas e ferramentas.
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Unidade I
Com a Revolução Industrial (século XVIII), muitos tinham a esperança de que a vida seria melhor,
uma vez que, com o dinheiro fruto da atividade laborativa, poderiam realizar seus desejos, adquirir
produtos e serviços. Na verdade, a vida não seria tão simples assim, uma vez que a exploração era uma
das principais características desse sistema.
Quem estudou a sociedade capitalista de maneira crítica foi o pensador alemão Karl Marx (1818-
1883), conforme pontuamos. Para esse teórico, o trabalhador é bastante explorado no capitalismo.
Essa exploração se dá quando o trabalhador começa a vender sua força de trabalho, visto
que, para Marx, no sistema capitalista, há apenas duas classes sociais: a classe trabalhadora ou
operária, que detém a força de trabalho, e a classe burguesa, que detém os meios de produção.
Quando esse processo de compra e venda da força de trabalho se inicia, o capitalista, ou burguês,
compra a força de trabalho pelo “preço” que desejar. O trabalhador, por sua vez, como não possui
alternativa para ter suas necessidades atendidas, vende sua força de trabalho ao burguês pelo
preço ofertado. Nesse processo de compra e venda da força de trabalho, os preços pagos pelo
burguês ou capitalista são sempre baixos em relação ao lucro que ele obtém com a venda da
mercadoria.
Essa relação de compra e venda da força de trabalho reforça a desigualdade entre as classes
sociais. Mandel (1982) coloca que é por meio da compra da força de trabalho que a desigualdade
inerente a esse sistema se mantém. Seguindo tal raciocínio, se não houver venda da força de
trabalho, o sistema não se sustentará. Porém, não há como contarmos com isso, visto que a única
forma de termos nossas necessidades atendidas, nessa sociedade, é por meio do trabalho.
É também por meio do trabalho que acontece a alienação do trabalhador, conforme Marx (1988)
destaca e Mandel (1982) também sinaliza. A primeira forma de alienação do trabalhador é quando
ele é separado do seu meio de produção. Em um segundo momento, vem a alienação pela falta de
conhecimento da realidade de exploração que está vivendo. Isso faz o sistema continuar se perpetuando
ao longo dos anos.
Em síntese, é por meio do trabalho que o homem tem suas necessidades atendidas. Na sociedade
capitalista, essa atividade é marcada pela exploração. Esta acontece para que o capitalista possa alcançar
o lucro, ou mais-valia, conforme poderemos ver melhor no decurso desta Unidade.
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PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Saiba mais
1.2 A mais-valia
Assim, a partir de seus estudos sobre o trabalho no capitalismo, Marx chegou à conclusão de que o
trabalhador não recebe justamente o seu salário, o qual deveria suprir suas necessidades de alimentação,
vestuário, lazer e garantir o bem-estar de sua família, tal como apontamos anteriormente.
Esse teórico crítico do capitalismo apontou que o salário pago ao trabalhador não corresponde ao
tempo gasto no processo de produção, de modo que a maior parte do lucro resultante fica em poder
do dono dos meios de produção, isto é, do capitalista. Marx (1988) chamou essa diferença entre o valor
pago pela mercadoria e o preço pelo qual ela é vendida de mais-valia. Vejamos uma explicação desse
termo, feita por Tomazi (2000):
As ideias apresentadas por Marx (1988) chamaram a atenção de muitas pessoas, trabalhadores e
capitalistas; estes, por sua vez, ficaram preocupados e até irritados com tudo o que foi demonstrado
claramente sobre mais-valia, o que dividiu nitidamente os que defendiam o capitalismo e os que se
colocavam contrários a esse modelo.
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Unidade I
Entretanto, nem todos percebem a exploração em que vivem os trabalhadores, de modo que criticam
greves e movimentos sociais em geral que se colocam em defesa de melhores salários e condições de
trabalho e de vida.
Pode parecer complicado imaginar que o trabalho se transforma em mercadoria, mas utilizaremos
este tópico para refletir mais profundamente sobre o ponto proposto. No capitalismo, o trabalhador
precisa trabalhar para atender às suas necessidades básicas (como alimentação, vestuário e lazer) e, em
troca, recebe um salário que possa atender aos seus objetivos.
Podemos imaginar a situação de um professor que ministra as suas aulas numa determinada escola:
na realidade, toda relação de trabalho se dá a partir de um contrato, estabelecido pelas leis do mercado,
entre o trabalhador (no caso, o professor) e o empregador; o produto esperado são as aulas, cujo
beneficiário é o aluno. Este material que você tem em mãos só se tornou possível devido à relação de
compra e venda da força de trabalho.
Pensar nessa situação parece algo fora do comum, fora de lógica ou que não se encaixa na realidade
educacional, mas esse é o modelo de produção e de funcionamento do capitalismo que muitas vezes
poderá tornar-se uma relação conflituosa e também desrespeitosa, se, em nosso exemplo, o professor
for visto como um mero vendedor de sua força de trabalho, e não como um intelectual a favor do
conhecimento, do aprendizado e da cidadania.
Em contrapartida, quando o aluno se coloca como simples cliente receptor dos serviços, afasta toda
a possibilidade de uma educação primorosa e de qualidade.
Por diversas situações, como as mostradas anteriormente, no tocante às relações de trabalho, podemos
afirmar que, principalmente nas sociedades em que a exploração se mostra de maneira patente, essas
relações são constituídas por conflitos.
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PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Tais movimentos se estenderam por vários estados do Brasil, tendo seus pontos mais fortes na
Paraíba e em Pernambuco. A partir da década de 1980, passamos a ter o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), que se assemelha às Ligas Camponesas, por agir em defesa da reforma agrária
e de melhores condições de vida e de trabalho para o homem do campo.
Nas cidades, temos vários movimentos formados por inúmeras categorias de trabalhadores, como
os da construção civil, dos metalúrgicos, dos professores, dos comerciários, entre outros, os quais se
organizam e reivindicam melhorias para os seus pares.
Em síntese, o conceito de trabalho, de forma geral, refere-se à maneira como os seres humanos
realizam atividades, transformando a natureza e desenvolvendo a cultura da coletividade. As diferentes
sociedades constituídas ao longo do tempo nos mostram como o trabalho assume características
distintas.
Por isso, é muito importante saber que o desenvolvimento dos grupos humanos depende da forma
como os indivíduos realizam o trabalho, inclusive para que não adotemos uma postura preconceituosa
quando nos depararmos com culturas diferentes da nossa.
As concepções dos teóricos da Sociologia, como Durkheim e Karl Marx, demonstram como o
tema requer conhecimento amplo; afinal, cada teoria é fruto de uma visão de mundo, de uma
ideologia. Se você se remeter apenas a uma concepção, como se fosse a única, ficará limitado;
entretanto, com base nas diferentes teorias, terá condições de perceber como se organiza o
trabalho na sociedade atual, quais as transformações ocorridas e qual a perspectiva da sociedade
futura.
Enquanto teóricos como Durkheim fazem uma abordagem da sociedade e do trabalho fundamentando
o capitalismo, Karl Marx apresenta-se como um crítico desse sistema.
Diante de tais conceitos, podemos orientar nosso debate, especificamente, para a compreensão
das contradições inerentes à sociedade capitalista que se tornam mais perceptíveis analisando-se a
categoria trabalho.
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Unidade I
Você já deve ter observado e analisado que, na visão dialética marxista, a contradição do capitalismo
está em manter a sociedade em condições de desenvolvimento e perpetuar esse tipo de economia.
Nessa perspectiva, a sociedade capitalista é estruturada em classes sociais, que, por sua vez,
são antagônicas. Enquanto os capitalistas, proprietários dos meios de produção, buscam a todo
custo manter-se na riqueza e na opulência à custa da exploração dos trabalhadores, estes tentam,
de todas as formas possíveis, primeiramente, sobreviver, tornando-se alienados no processo de
relações de produção.
Não somente no Brasil, mas também na maioria dos países, as contradições do capitalismo fazem-
se evidentes quando observamos a própria configuração das cidades, nas quais podemos perceber
claramente a geografia formada por setores diferenciados: de um lado, áreas nobres, com casas luxuosas;
de outro, núcleos residenciais (anteriormente denominados favelas), cortiços e um emaranhado de
pessoas vivendo em condições subumanas.
A forma pela qual os indivíduos podem realizar seus objetivos e atender às suas necessidades básicas
é o trabalho. Em razão disso, muito fazem para obtê-lo. A História tem demonstrado que a realidade do
trabalho tem sido marcada por profundas situações de conflito e sofrimento, enquanto o Estado fica
com a melhor parte: o lucro.
Para a realização do trabalho, existe o que chamamos de relações de produção, o que se dá, muitas
vezes, de forma conturbada ou conflituosa. Para uma maior compreensão do que isso significa, vejamos
um exemplo: quando a pessoa necessita atender às suas necessidades básicas de alimento, vestimenta
e lazer, precisa fazer alguma coisa, o que resulta num trabalho; para tanto, se não há como conseguir
tudo na natureza, da maneira mais simples possível, o indivíduo passa a buscar outra forma de atender
às suas necessidades. Assim, nasceram o escravismo, o feudalismo e o capitalismo.
No capitalismo, as pessoas vendem a sua força de trabalho, conforme determina o mercado capitalista.
Desta feita, o trabalhador passa a ser uma mercadoria e, em muitas situações, trabalha demasiadamente
e não recebe o salário justo, o que, consequentemente, não lhe permite comprar alimento suficiente,
vestir-se, pagar moradia, luz, água etc.
A realidade brasileira apresenta uma desigualdade considerável, uma vez que os capitalistas exploram
o máximo possível e não oferecem condições de vida digna aos trabalhadores.
[...] a situação dos trabalhadores no Brasil tem sido uma das mais terríveis e
trágicas de toda a sua história. Existem estudos comparativos que buscam
analisar a situação dos trabalhadores brasileiros nos últimos tempos, em
comparação com sua situação em épocas anteriores. A triste conclusão a
que chegaram é que a maioria deles, hoje em dia, encontra-se em condições
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PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Esse fenômeno condiciona grande parte da população brasileira que depende da venda de sua força
de trabalho para sobreviver. Tal relação constitui-se de tal forma pelo fato de a classe trabalhadora ser
explorada pela classe que compra sua força de trabalho. No item a seguir, discutiremos um pouco mais
sobre essa exploração.
O Serviço Social, antes de ocupar espaço no campo universitário, já existia como prática social que
respondia às demandas do sistema capitalista, no atendimento da Questão Social aberta pela exploração
da força de trabalho.
Martinelli (2006, p. 53) afirma que o sistema capitalista é um “[...] modo de produção profundamente
antagônico e pleno de contradições que desde o início de sua fase industrial instituiu-se como um
divisor de águas na história da sociedade e das relações ente os homens”.
O homem capitalista sempre utilizou estratégias para alcançar o seu maior interesse: acumular
lucros. Sobre a exploração da força de trabalho, Martinelli (2006, p. 55) diz que: “[...] visualizando a classe
trabalhadora como um mero atributo do capital, como um modo de existência deste, os capitalistas não
hesitavam em criar formas coercitivas de recrutamento do operariado e de sua abusiva exploração”.
A exploração da força de trabalho ganhou maior dimensão a partir da Revolução Industrial, que
abriu caminho para que o processo de industrialização se tornasse permanente, demandando uma
intensiva mão de obra até a contemporaneidade. Martinelli (2006) afirma também que:
Os trabalhadores que se recusavam a vender sua força de trabalho para os capitalistas podiam
ser recolhidos em casas de correção, que ofereciam como penalidade restrição alimentar e trabalhos
forçados, entre outras. O Estatuto dos Trabalhadores, de 1349, assegurava às autoridades locais o
direito de determinar o valor do salário a ser pago ao trabalhador, bem como formas de coerção para
recrutamento de mão de obra. Sobre isso, Martinelli (2006) diz que:
Notamos que a força de trabalho, no modo de produção capitalista, foi mercantilizada, isto é,
o trabalhador foi obrigado a vender sua mão de obra para os donos do capital e a submeter-se a
todo o processo de exploração do trabalho. Esse processo fez que a classe trabalhadora se organizasse
contra as formas de exploração impostas pelo capitalismo. Os trabalhadores uniam-se por meio de
movimentos sindicais reivindicatórios, que tinham como bandeira de luta questões trabalhistas – como
a regulamentação da jornada de trabalho, que, na época, chegava a 14 horas diárias. Assim, Martinelli
(2006) assevera que:
Para conter as reivindicações dos trabalhadores, “as classes dominantes procuram direcionar as lutas
populares, enquadrando-as no âmbito da legislação burguesa, cuja tramitação e controle cabem ao
Estado” (CASTRO, 2003, p. 45).
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PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Vê-se que a intenção era resolver ou apaziguar os problemas e continuar alcançando seu objetivo:
aumentar suas riquezas. No entanto, conforme aponta Castro (2003),
A classe operária teve de se organizar de acordo com sua condição de assalariada e vendedora de sua
única mercadoria (força de trabalho), passando a vida do operário a ser dirigida conforme sua situação
de proletário.
O processo de adaptação a essa nova vida exigia profissionais para exercerem a função de adaptar
os operários à sua nova condição de assalariados. Assim emergiu, no final do século XIX – com a
ascensão da sociedade burguesa e com o aparecimento de classes sociais (com a burguesia como classe
social dominante) –, o Serviço Social, para assumir uma prática que controlasse a força de trabalho e
minimizasse os problemas sociais.
Ao perceber que a luta de classes não poderia ganhar maior dimensão, pois isso prejudicaria a
legitimação do capital, o grupo hegemônico levou a luta para o campo ideológico, visando instaurar, na
sociedade, mecanismos de intervenção para dar continuidade ao desenvolvimento do capital. É dessa
lógica que derivam critérios para o desenvolvimento do Serviço Social. Para Martinelli (2006),
Portanto, o Serviço Social, em sua prática, teve a missão de difundir, no seio das famílias proletárias,
a ideia de que o trabalhador era o vendedor de sua força de trabalho e, ainda, de levá-lo a aceitar as
condições de exploração impostas pelos donos do capital. A competência do Serviço Social era difundir
a ideologia da classe dominante para, assim, contribuir para a consolidação e legitimação do sistema
capitalista.
No século XVIII ocorreram extremas mudanças: sociais, culturais, políticas, científicas, mas, sobretudo,
econômicas. Foi como se expressou, sobre esse período, uma testemunha ocular, o pensador político
Alexis de Tocqueville: “Estamos dormindo sobre um vulcão [...]. Os senhores não percebem que a terra
treme mais uma vez? Sopra o vento das revoluções, a tempestade está no horizonte” (HOBSBAWM,
2002, p. 27).
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Unidade I
Iniciada na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, a Revolução Industrial imprimiu profundas
e duradouras marcas na sociedade, fato que pode ser compreendido a partir de determinados elementos,
tais como:
A Revolução Industrial consolidou duas classes antagônicas: o empresariado (donos do capital, das
fábricas, das máquinas, das matérias-primas e dos bens produzidos); e os operários, que vendiam sua
força de trabalho aos empresários sem a justa remuneração.
Esse período provocou o aumento da população nas cidades, concentrando os trabalhadores nas
fábricas. Com o objetivo de aumentar a produção, as linhas de montagem, no início do século XX,
tornaram a divisão técnica do trabalho cada vez mais específica.
A cidade se apresentava como o símbolo exterior desse mundo industrial que surgia. Foi na cidade
que o progresso se manifestou e, nela, consolidaram-se os problemas básicos que até hoje padecemos,
tais como: miséria, fome, desemprego e falta de habitação. Em relação a isso, Hobsbawm (2002) afirma
que:
não dava lucro, comparado ao dos ricos com seus negócios especializados
(HOBSBAWM, 2002, p. 295).
A oferta de mão de obra e o desemprego iniciado pelo uso de máquinas obrigaram o trabalhador a
submeter-se ao controle do empregador com péssimas condições de trabalho e de salário. Democracia
e direitos humanos e trabalhistas eram apenas reflexos de um discurso vazio que, ainda no século XVIII,
não ganhou espaço.
Os empresários impunham duras condições aos operários para que aumentassem a produção e
garantissem maior margem de lucro ao capital. A falta de cuidados especiais com a mulher, o trabalho
infantil, a precariedade das instalações fabris (má iluminação e má circulação de ar) e jornadas de
trabalho que ultrapassavam 15 horas diárias provocavam inúmeros acidentes, doenças, redução do
tempo de vida etc. O desemprego, a pobreza e a falta de moradia também são problemas sociais
provocados pela Revolução Industrial.
Todos os problemas sociais anteriormente mencionados exigiram uma resposta por parte do Estado,
que passou a intervir junto à classe operária visando minimizar os problemas sociais provocados pela
Revolução Industrial. O Estado contou com o apoio da Igreja Católica e de seus membros para intervir
nos problemas sociais, com a finalidade de prover condições mínimas de sobrevivência para a classe
operária. A intervenção da Igreja Católica foi realizada por meio de um trabalho que teve como base a
filantropia e a caridade. Realizava arrecadação na forma de doações, bem como campanhas e ações nas
áreas da educação, saúde e assistência social.
Porém, é importante diferenciar caridade de ação social, que visa à emancipação. Por exemplo, no
Período Colonial da História brasileira, a Igreja Católica era encarregada de zelar pelo bem-estar da
população local, como estratégia para tirar de foco o desinteresse da nação colonizadora pelas questões
sociais da Colônia. Enquanto o Estado se utilizava do Exército para efetivar seu controle social, a Igreja,
alinhada à política colonizadora de Portugal, proclamava a opção pelo Evangelho, o que, na prática,
significava optar pelos pobres, ajudando quem necessitasse.
Reiterando, para Karl Marx, o modo de produção capitalista, baseado na relação entre capital e
trabalho, é definido como aquele cujos meios estão nas mãos de uma minoria, que constitui uma classe
distinta da sociedade. O trabalhador vende a sua força de trabalho e, pela falta de poder de negociação,
submete-se a trocar seu esforço físico, na produção, pela remuneração necessária ao atendimento de
suas necessidades mais elementares.
Os trabalhadores explorados organizam-se coletivamente, por meio dos sindicatos, para reivindicar
seus direitos.
Nessa relação de trabalho, surgem inúmeras demandas sociais não atendidas ou atendidas de
maneira precária pelo capitalismo, como a atenção à saúde do trabalhador, sua alimentação, assistência
social extensiva à família, seguridade social, acesso aos serviços públicos de educação etc.
21
Unidade I
Observação
A relação entre capital e trabalho expressa conteúdo significativo no que tange à prática do
assistente social, a qual se configura como atividade inserida em um processo de trabalho historicamente
construído e socialmente determinado pela correlação de forças articuladoras de uma dada totalidade
social. Iamamoto (2004) ressalta, portanto, ser essencial que compreendamos a categoria trabalho na
sociedade contemporânea. Diante disso, vamos relembrar o conceito de trabalho, considerando que essa
categoria reúne diversas definições.
Nesse processo, Guerra (2000) afirma que o homem, após a satisfação de suas necessidades imediatas,
cria outras e percorre sua trajetória na busca constante de saciá-las. Para isso, elabora novas formas
e meios (instrumentos e técnicas) para realizar o trabalho e aperfeiçoa-se, nesse ínterim, adquirindo
novos conhecimentos.
Lembrete
O que é trabalho?
Note que, na relação de produção de bens materiais, o homem produz não somente objetos, mas
também atividades críticas.
22
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Observação
A autora em foco afirma ainda que, no processo de produção material das nossas necessidades,
inventamos e reinventamos instrumentos, ou seja, realizamos a conversão daquilo de que dispomos
na natureza em meios para a obtenção dos resultados pleiteados. Para a materialização das ideias,
imprimimos esforços para atingirmos metas e objetivos e, nesse processo, criamos e recriamos a natureza
e nos modificamos por meio dela.
Iamamoto (2004, p. 26-7), ao citar Marx, afirma que “a produção/reprodução das relações sociais
abrange [...] ‘formas de pensar‘, isto é, formas de consciência, através das quais se apreende a vida
social”. Diante do exposto, você pode compreender que, ao longo do desenvolvimento das sociedades, o
homem foi aperfeiçoando o trabalho para satisfazer às suas necessidades, as quais ampliaram o leque
da produção material das satisfações imediatas.
23
Unidade I
As relações sociais engendradas pelo capital são responsáveis por essa exploração de trabalho, a
qual não se revela na imediaticidade/superficialidade do olhar, uma vez que se apresenta de forma
camuflada, mascarada, o que dificulta uma leitura crítica da realidade pela classe que vive do trabalho.
Esta vende sua mão de obra, porém o lucro pertence ao capitalista, detentor dos meios de produção.
A diferença entre o valor da venda da mercadoria e o salário pago ao trabalhador é chamada de mais-
valia, conforme vimos anteriormente.
Nessa dimensão do mundo do trabalho, o modo de produção capitalista revela com tenacidade sua
característica central: a acumulação. Logo, torna-se imprescindível aos capitalistas a produção de bens
e serviços em grande escala, conquista adquirida mediante a compra da força de trabalho humano e a
exploração.
Em decorrência disso, surgem a Questão Social e suas expressões: a divisão entre classes, os
antagonismos e os conflitos na sociedade.
Observação
Saiba mais
24
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Tal afirmação mostra como a dinâmica social do sistema capitalista, fundado em um regime de
acumulação, traz em seu bojo intensas e profundas contradições, as quais demandam o surgimento do
Serviço Social enquanto profissão que desempenhará o papel de mediadora dos conflitos sociais advindos
da exploração capitalista. A trajetória histórica do Serviço Social é reveladora dos avanços ocorridos no
seio dessa profissão, a qual, com o intuito de intervir nos problemas sociais, paulatinamente abandona
ações de cunho caritativo e bondosas, optando por realizar atividades organizadas e sistematizadas, fato
que imprime base científica e técnica às ações. Vejamos, na sequência, uma intervenção relevante nesse
sentido. Quanto à Questão Social, retomaremos tal assunto quando estudarmos a noção de processo de
trabalho.
Nessa época, negócios eram para homens. As mulheres pertencentes ao segmento de renda alta
limitavam-se, via de regra, a cuidar da casa, dos filhos e a participar dos grupos e trabalhos da Igreja.
As damas de caridade, fortes aliadas dos movimentos filantrópicos eclesiais, tornaram-se comuns na
sociedade através dos séculos. Eram voluntárias, utilizavam sua sensibilidade para chegar até os mais
pobres e “supriam”, por meio de doações, as necessidades mais elementares destes, como alimentos,
roupas e medicamentos. Elas desempenharam um papel importante na diminuição do sofrimento,
um papel de remediação da situação social, não de emancipação. Na assistência social prestada pelas
damas de caridade, não havia organização ou sistematização. As justificativas eram ideológicas ou
religiosas.
Em 1833, as conferências São Vicente de Paulo organizaram seus trabalhos a partir da divisão
territorial para visitas, ajudas em domicílio e apoio estruturado em programas para crianças, jovens e
idosos.
25
Unidade I
As damas de caridade ou outras pessoas que tinham tempo disponível para a ajuda aos necessitados
realizavam:
A partir desse trabalho sem sistematização, mas que tinha claro enfoque de atendimento às
demandas sociais, em 1869 foi criada a Sociedade de Organização da Caridade, em Londres, que tinha
como princípio a prática da assistência social contemporânea, ou seja:
Esse tipo de organização proliferou pelos países capitalistas, tendo como enfoque a organização
da assistência social (especialmente estampada pelas ações de filantropia das igrejas e das damas de
caridade) e a oferta de uma formação às pessoas interessadas em atuar nessa área. Temos o “berço” das
escolas de Serviço Social.
Antes da criação da primeira escola de Serviço Social no mundo, havia a Escola de Filantropia Aplicada.
Ela foi proposta por Mary Richmond, da Sociedade de Organização da Caridade de Baltimore, durante
a realização da Conferência Nacional de Caridade e Correção, em Toronto (1897). Essa escola realizava
cursos de aprendizagem da aplicação científica da filantropia, visando, conforme afirma Martinelli
(2006, p. 106), desenvolver “a tarefa assistencial como eminentemente reintegradora e reformadora do
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PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
caráter [...]”. Richmond contribuiu para desenvolver a concepção, dominante na sociedade capitalista, de
que os problemas sociais estavam diretamente associados aos problemas de caráter.
Mary Richmond foi uma assistente social norte-americana do início do século XX, autora do livro
Caso social individual, publicado em 1917, que trata da prática profissional do assistente social. Iniciou o
estudo e a elaboração de documentos sobre o Serviço Social e apontou que praticar a “assistência social”
como filantropia ou caridade era diferente de desenvolver o Serviço Social.
Observação
Para Richmond, Serviço Social não era prover os necessitados de ajuda material; o correto exercício
da profissão seria iniciar minuciosa investigação sobre a pessoa em seu meio social (escola, família,
trabalho, comunidade).
Portanto, os estudos de Mary Richmond atribuíram um caráter científico à ação social filantrópica,
que marchou decisivamente para a institucionalização da filantropia. O processo de organização da
assistência social contribuiu para o surgimento do Serviço Social como profissão, e, antes de terminar
o século XIX (ainda no ano de 1899), foi fundada a primeira escola de Serviço Social do mundo, em
Amsterdã, na Holanda.
A tese de Mary Richmond convenceu os donos do capital de que os problemas apresentados pela
classe trabalhadora estavam associados aos desvios de caráter. Assim, trabalhar e reformar o caráter do
indivíduo contribuiria para que este retornasse ao mercado de trabalho. Essa proposta resultou em um
curso que ocorreu em 1898, em Nova Iorque.
Observação
Após o referido curso, a ação social realizada com base na filantropia caminhou rumo ao processo
de institucionalização do Serviço Social. Em 1899, foi fundada a primeira escola de Serviço Social no
mundo, em Amsterdã, capital da Holanda, conforme vimos anteriormente.
A primeira escola da América Latina foi criada em Santiago, no Chile, pelo médico Alejandro Del
Rio. O Serviço Social era considerado como uma subprofissão da Medicina, pois auxiliava os médicos
no atendimento aos pacientes. Resumia-se em fazer o bem ao próximo por amor a Deus, a partir de
práticas imediatistas e assistencialistas.
No Brasil, o Serviço Social foi primeiramente implantado em São Paulo, em 1936; depois, no Rio de
Janeiro, em 1938.
Segundo Lima (2001), as escolas de Serviço Social visavam formar profissionais a partir de uma
personalidade cristã. Não bastava ter técnica profissional: necessitava-se de profissionais com uma
mentalidade cristã diante do homem e da sociedade, na perspectiva da justiça social e da caridade, por
amor a Deus e ao próximo.
O objetivo último das escolas era formar a personalidade dos profissionais. Tudo em prol de uma
prática conservadora, fundamentada na caridade cristã, por meio de uma prática assistencialista.
Lembrete
Esse profissional atua na administração de recursos institucionais. Sua função intelectual resulta
na distribuição e no controle desses recursos junto à população que se encontra em situação de
vulnerabilidade socioeconômica e cultural, intervindo em suas necessidades básicas de sobrevivência.
Ao final da década de 1970, o Brasil iniciou uma nova fase econômica que, consequentemente,
influenciou diretamente a vida social contemporânea. Essa vivência junto à realidade brasileira provém
da influência de todo o globo e não se mostra apenas na realidade brasileira. Assim, nesse período,
houve a transição do modelo keynesiano para o neoliberal.
28
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
O keynesianismo, nos termos de Behring e Boschetti (2010), surgiu após a Segunda Guerra Mundial e
propunha alternativas ao papel do Estado, dentre as quais a intervenção desse órgão junto aos problemas
sociais. Nesse sentido, o Estado realizava intervenções nos problemas sociais, junto às expressões da
Questão Social, por meio da constituição dos serviços públicos, as políticas sociais. Colaborava ainda
para criar mecanismos a fim de incentivar o consumo, por exemplo, estimulando o pleno emprego. No
entanto, essa forma de governança começou a entrar em declínio, visto que argumentava de forma
contrária aos gastos sociais empreendidos com tal “objetivo”.
Já o neoliberalismo é uma política econômica que envolve vários aspectos, como: privatizações de
empresas estatais, desresponsabilização da área social com redução de gastos e cortes nas políticas
públicas e flexibilização das relações trabalhistas, ocasionando a precarização do trabalho, denominada
de reestruturação produtiva. A política neoliberal é um retrocesso, no campo social, para os diversos
segmentos minoritários da sociedade, pois fortalece a exploração e a acumulação capitalista, bem como
acirra as expressões da Questão Social com uma expansão constante da desigualdade e do desemprego
estrutural.
Exemplo disso são empresas de grande porte que ameaçam manter os empregos dos seus
trabalhadores somente se houver a redução dos encargos trabalhistas – como o INSS, o décimo terceiro
salário e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) –, sob a alegação de cortar gastos e custos
em função de dificuldades financeiras.
Essa mudança no âmbito da produção ainda pressupõe como regra o just-in-time, ou seja,
o melhor aproveitamento possível do tempo durante o processo produtivo, e a recorrência ao
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Unidade I
sistema Kanban, que disciplina inclusive a utilização de senhas, com o objetivo de repor peças
no processo produtivo. Esse sistema de produção também tem como enfoque atingir níveis mais
elevados de qualidade, sendo esses processos construídos para se alcançar a esperada qualidade
total (ANTUNES, 1999).
Nessa abordagem, segundo Antunes (1999), há uma precarização das relações trabalhistas. Assim, o
autor coloca que há uma redução considerável do proletariado fabril, em decorrência dos processos de
inovação tecnológica, nos quais há uma economia do trabalho vivo pelo trabalho morto, ou tecnológico.
O trabalho formal declina, e aumenta substancialmente o setor da prestação de serviços. O trabalho
feminino, nesse momento, também aumenta, apesar dos baixos salários em relação ao trabalho
masculino, e há exclusão de jovens e idosos do mercado de trabalho.
Enfim, exige-se que o trabalhador esteja bem-preparado para atuar em empresas e/ou instituições
com vocação para a polivalência. Isso quer dizer que deverá ser conhecedor de diversas áreas, “um
faz-de-tudo-um-pouco”, o que é muito negativo, porque descaracteriza a mão de obra especializada e
torna o fazer mais superficial. Além disso, sobrecarrega funcionários que se desdobram para desenvolver
atividades que comportariam mais pessoas. Consequentemente, isso gera mais riqueza às empresas/
instituições e inúmeras doenças aos trabalhadores.
Em suma, diríamos que vivemos a reinvenção do trabalho e das interações sociais norteada pela
sociedade de consumo, e essas relações tornam-se cada vez mais precárias, sobretudo no que diz
respeito ao trabalhador.
O trabalho não deixará de existir, mas está sofrendo transformações profundas. Antunes (1999)
assim resume esse período:
No entanto, como pontua Antunes (1999), apesar de o trabalho não “acabar”, as condições de sua
efetivação tornam-se cada vez mais diferenciadas para atender às demandas do sistema capitalista.
Vivenciamos más condições de trabalho e ainda a expulsão de grande parte dos trabalhadores do
mercado. Esses fenômenos só tornam piores as expressões da Questão Social, ou, melhor dizendo, só
tornam os problemas sociais mais latentes, e será sobre esses problemas sociais que nós, assistentes
sociais, atuaremos.
No item seguinte, faremos algumas reflexões a respeito desse fenômeno que convencionamos
denominar Questão Social e sobre o qual iremos atuar.
Para melhor compreender o fenômeno da Questão Social, é necessário compreender a História, não
apenas a do Brasil, mas a Geral, que trouxe condicionantes da realidade brasileira. Assim, retomamos o
período denominado Idade Média, no qual os centros comerciais eram o local em que se realizavam as
trocas de produtos; posteriormente, esses centros tornaram-se cidades, e, com a Revolução Industrial
(séculos XVIII e XIX), a humanidade passou por um forte processo de urbanização, no qual as famílias
saíam do campo para buscar oportunidade nas fábricas localizadas nas cidades.
É importante compreender que a exploração capitalista gera inúmeras demandas sociais, que
preocupam diversos segmentos da sociedade, inclusive o Serviço Social. Os assistentes sociais, em
especial, atuarão diretamente nas diversas expressões da Questão Social e, por isso, precisam aprofundar
seu conhecimento acerca de como estas se originam e se apresentam. Apontaremos a seguir, de forma
sucinta, algumas formas de violação, discriminação e exclusão que atingem as minorias sociais, indicando
ainda como essas situações se dão a partir do neoliberalismo.
O mundo passou a ser muito mais competitivo após a Segunda Guerra Mundial, com um novo tipo
de sociedade e com novas relações entre o capital e o trabalho. Passaram a ser usadas novas e modernas
tecnologias, o que ocasionou profundas transformações no mundo do trabalho e fez acreditar que
o trabalhador deixaria de existir para dar lugar às máquinas altamente evoluídas, com recursos de
Microeletrônica, Robótica etc. No entanto, houve e continuará havendo inúmeras transformações no
mundo do trabalho que causarão o desaparecimento de certas profissões, dando lugar a outras que
atendam às necessidades contemporâneas.
Portanto, falar em nova Questão Social, atualmente, é somar todos os problemas históricos que
tínhamos ao desemprego e à precarização do trabalho, o que agrava a realidade contemporânea. Diante
dessa nova realidade complexa, pensar formas de enfrentamento torna-se imprescindível.
Sabemos que o tema Questão Social nada mais é do que a contradição existente entre o trabalho e
o capital, relacionando-se diretamente ao âmbito da produção capitalista.
Saiba mais
Para saber mais sobre Questão Social, leia o artigo científico Questão
Social: objeto do Serviço Social?, escrito por Ednéia Maria Machado, que se
encontra no site <http://www.uel.br/revistas/ssrevista/n1v2.pdf>.
Portanto, tivemos mudanças, na sociedade mundial no século XX, principalmente com a flexibilização
da economia, que redesenharam a linha de produção e, consequentemente, o papel do Estado e dos
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PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
instrumentos legais que foram conquistados pelos trabalhadores e difundidos pelas diversas sociedades
regidas pela produção industrial.
Podemos afirmar que a temática Questão Social não é consenso entre os estudiosos. Nesse sentido,
Machado (1999) realiza a seguinte análise:
O século XXI assiste ao fechamento de um ciclo no processo produtivo da sociedade. Isso pôde ser
observado ao longo do século XX, em que se construíram novos modelos produtivos e se desenvolveram
tecnologias que, aos poucos, foram redesenhando o perfil da mão de obra empregada na linha de
produção e tornando o papel do Estado cada vez mais secundário na garantia dos direitos trabalhistas.
Percebemos que, na virada do século XX, a mulher ainda era discriminada no mercado de trabalho,
mesmo depois da força que teve o movimento feminista na segunda metade do século, com lutas pela
igualdade do gênero: temos essa discriminação estampada no mercado de trabalho.
33
Unidade I
Nesse quadro, percebemos que a Questão Social serve como argamassa para o profissional
de Serviço Social entender a lógica do capital e a lógica do trabalho, assim como o processo de
desigualdade existente na contradição dessas duas expressões da sociedade contemporânea. Ou,
como afirma Machado (1999):
Esse é o contexto que foi gerado pela sociedade contemporânea e que tem como meta a flexibilização
tanto da mão de obra quanto da linha de produção; isso se expressa também nas outras esferas da vida
social e passa a impregnar a atitude do Estado e das instituições sociais.
Nas leituras sobre Questão Social, a todo momento nos deparamos com a dicotomia velha/nova
Questão Social. Historicamente, a Questão Social começou quando da ordem capitalista, em dois
momentos:
• a nova Questão Social iniciou-se quando, já nos anos 1970, no Brasil, o capital passou por um
novo estado de metamorfose, reorganizando suas formas e forças produtivas.
Na segunda metade do século XX, houve a precarização da sociedade salarial, com o agravamento
das tensões sociais. Autores como Castel, Wanderley e Belfiore (2000, p. 240-1) afirmam: “Verifica-se
então um processo de precarização como o grande fenômeno que atingiu as situações de trabalho, no
sentido de sua mercantilização e de soluções na ordem do mercado, como a globalização”.
Poderíamos ser levados à falsa compreensão de que a existência de uma nova Questão Social
conduziria ao esquecimento das antigas formas de enfrentamento da velha Questão Social. No entanto,
34
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
ambas (antiga e nova) continuam a manter os traços essenciais e constitutivos da sua origem. Os antigos
problemas encontram-se agora potencializados pela globalização.
Dessa forma, a nova Questão Social parte da seguinte problemática: como as sociedades atuais
interrogam-se sobre sua coesão social? O autor propõe um modelo para medir o grau de coesão
e tem como partida a existência de uma forte relação entre a integração pelo trabalho (emprego
estável, emprego precário, expulsão do emprego) e a participação nas redes de sociabilidade
(inserção relacional forte, frágil ou isolamento). Dos dois eixos partem quatro zonas diferentes
das formas de coesão social: integração, vulnerabilidade, desfiliação e assistência. Assim afirma
Castel (apud PASTORINI, 2004):
O equilíbrio entre as diferentes zonas servirá como indicador para a avaliação do nível de coesão
social. A zona de vulnerabilidade ocupa uma posição singular e estratégica e é vista como o termômetro
da coesão social, pois, controlada e reduzida, permite a estabilidade, mas, quando em expansão, alimenta
as contradições, colocando em risco a estabilidade e a própria coesão social.
Portanto, desvelar a nova Questão Social significa entender a relação capital versus trabalho no início
da industrialização e avançar no deciframento da realidade para compreender, criticamente, o quanto
o neoliberalismo transformou e agravou as manifestações da Questão Social, por meio do desemprego
e da precarização do trabalho.
35
Unidade I
Não há uma receita para enfrentar as questões sociais, mas há de se discutir no Brasil a necessidade
de se ter instrumentos eficientes que estabeleçam políticas públicas capazes de atender às demandas
sociais de um país que tem crescimento econômico pífio, concentração de renda absurda e que, por isso,
não consegue gerar uma riqueza mais homogênea e equitativa.
A pobreza faz parte de uma conjuntura estrutural e social e tem suas bases históricas, mas não pode
ser aceita como um fenômeno natural, e seus graus referem-se a contextos específicos. Essa discussão
nos remete a duas formas de enfrentamento dessa Questão Social. A primeira, restrita ao campo das
ideias e fomentadora de referenciais teóricos, pode servir de suporte para a tomada de decisões. A
segunda é que a Questão Social deve ser vista pelo prisma político, tornando-se indispensável, nesse
espaço, a luta para erradicar as causas mais conhecidas e minorar os efeitos mais perversos de sua
existência. Daí também a necessidade de políticas públicas realmente efetivas, que endossem as formas
de enfrentamento da Questão Social.
As políticas sociais são, segundo Demo (1998), formas organizadas de enfrentamento da Questão
Social, conduzindo os estudos à compreensão de que o planejamento das ações deve sempre existir e
considerar as variáveis regionais, os recursos disponíveis e os parceiros institucionais como aspectos que
podem conduzir o processo a um maior ou menor grau de eficiência.
se desresponsabilizar e ser menos pressionado por intervenções nesse âmbito, o que se combina
muito bem com a ideologia neoliberal.
É inegável que as políticas públicas, por meio dos programas sociais, também deixam muito
a desejar, devido à limitação de recursos (por fatores diversos, como o alto custo político das
estruturas governamentais e as metas de redução de gastos públicos definidas pelos credores
internacionais). Assim, os programas acabam se tornando, mais uma vez, compensatórios e não
universalistas.
No Brasil, o Estado atua em diversas frentes, como no Programa Nacional de Reforma Agrária, no
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), no Programa Fome Zero e no Programa de Controle
do Diabetes.
A educação tem sido um dos principais instrumentos de combate à exclusão social. Em nossa
sociedade, há uma demanda social por educação de qualidade e pela sua universalização, tanto no nível
básico quanto no superior.
Para tal, exige-se o empoderamento das pessoas, para que conheçam seus direitos e se mobilizem
em prol deles. O grande desafio é justamente atuar nessa contramão, na qual os serviços estão sendo
reduzidos, os direitos, negligenciados, e a maioria da população está inerte, sem reação, despolitizada e
manipulada por uma mídia neocapitalista, alienante e atrelada ao capital.
37
Unidade I
Todas as pessoas pauperizadas, sem acesso aos direitos e serviços sociais, em núcleos residenciais
com vulnerabilidade social, econômica, cultural, familiar e assim por diante podem ser denominadas
excluídas?
De maneira geral, à primeira vista e em resposta rápida, pode-se definir (de maneira errada) que
somente as pessoas desprovidas de condições financeiras caracterizam-se como excluídas ou vítimas da
exclusão social.
Assim, a maneira mais comumente utilizada na definição da exclusão social ainda está estritamente
ligada a expressões sociais como indigência, pobreza, desnutrição, analfabetismo, desemprego duradouro
etc.
No entanto, faz-se necessário o aprofundamento dos estudos, para não incorrer na superficialidade
de uma definição que pode, incorretamente, generalizar situações de exclusão de diferentes tipos ou
mesmo subalternizar à condição de camadas sociais economicamente vulneráveis comunidades e
nações devido às suas características culturais.
O conceito e o emprego da expressão exclusão social são recentes, e esta passou a ser usada na
França, por volta de 1992, compreendida como a própria Questão Social.
Castel, Wanderley e Belfiore (2000) elencam alguns motivos pelos quais devemos tomar cuidado
com esse termo:
• Heterogeneidade – por englobar muitos fatores, o termo exclusão acaba por esconder as
especificidades de cada um deles. Com isso, perde-se enormemente em compreensão dos fatos.
• Atomiza situações que só têm sentido quando colocadas no processo – excluído seria um termo
para ser usado somente nos casos em que os sujeitos nunca tivessem estado nas relações habituais
de trabalho e de socialização. Porém, o termo exclusão está sendo utilizado para nomear situações
de degradação em relação à posição anterior, o que é dinâmico e oscila muito. O termo mais
adequado para se utilizar, nesses casos, seria desfiliado, que significa dissociado, apartado.
• Exclusão pode ser uma armadilha de reflexão e ação, por tentar combater somente as expressões
da Questão Social, sem ir à sua essência, que é a contradição capital versus trabalho. O grande
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PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
desafio é tentar conciliar, controlar essa relação entre a lógica econômica e a coesão social, antes
que chegue à ruptura social.
• Os excluídos compõem categorias cada vez mais numerosas: pessoas com deficiência, pessoas
idosas etc. Os excluídos até que poderiam representar uma “nova” categoria, mais ampla e
indeterminada, que, no entanto, exigiria uma intervenção especializada. Além disso, a maioria dos
que são chamados de excluídos foi “invalidada” pela conjuntura, e não por deficiência pessoal: são
os sobrantes.
• As políticas sociais mais gerais, que possuem caráter preventivo, acabam por se tornar medidas
contra a exclusão, transformando-se meramente em reparadoras dos efeitos, e não das causas.
Pode-se dizer que é dado um tratamento técnico, em vez de político. Um tratamento político
exigiria uma transformação completa das relações de trabalho. É o mesmo deslocamento do
centro à periferia que se opera quando hoje se reduz a Questão Social à questão da exclusão.
— supressão completa da sociedade (por exemplo, a expulsão dos judeus da Alemanha durante a
Segunda Guerra Mundial, quando foram banidos, torturados e mortos);
— aquisição de um status social que permite ao subconjunto coexistir na comunidade, mas com
privações de certos direitos de participação em atividades sociais (os índios, sob o código
especial, e as mulheres sem o direito de votar).
Portanto, a exclusão não é arbitrária nem acidental. Ela emana de uma ordem de razões proclamadas,
e sua legitimidade é dada pela sociedade. Exemplo disso, na atualidade, é quando legitimamos a reclusão
de adolescentes em conflito com a lei. Mesmo sabendo que sua recuperação é pouco provável, devido a
uma série de falhas no sistema carcerário, ainda assim defendemos e propagamos que sejam retirados
39
Unidade I
de nosso meio, por pensarmos ser o correto. Isso é legitimar e aceitar uma realidade sem compreender
todo o contexto em que está inserida.
O termo exclusão pode ser utilizado desde que compreendamos a sua abrangência. Comumente,
usávamos denominar de excluídas as pessoas com déficit de integração quanto à falta de trabalho,
moradia, educação etc. No entanto, esses são processos de marginalização que podem resultar em
exclusão propriamente dita, num tratamento explicitamente discriminatório dessas populações.
Observação
Há autores que pensam de forma diferente de Castel, Wanderley e Belfiore (2000). No entanto, pela
coerência e riqueza de análise que esses autores trazem, convencem-nos a refletir sobre a utilização do
termo exclusão.
Utilizando como exemplo essa época, os excluídos eram aqueles que, de alguma forma, ameaçavam
os valores e dogmas da igreja (FOUCAULT, 1997). Com o surgimento de hospitais, já no final do século
XVIII, alternativas às torturas ou execuções surgiram. A partir daí, a ciência passou a condenar os
excluídos, ocupando o lugar da Igreja.
Condenavam aqueles que fugiam dos padrões adotados pelo conhecimento científico e pela
burguesia. As pessoas anormais ou patológicas deviam ser submetidas a intervenções curativas, a fim de
recuperar a normalidade, por meio de ações coercitivas realizadas por médicos psiquiatras, psicólogos
e educadores da época. Aqueles que apresentassem divergência na forma de pensar, de ser e de agir
deviam ser excluídos, ou seja, privados de convivência social (BORTOLI; CAMPANER; CHAVES, 2002).
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PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Ao longo da história da humanidade, o conceito de exclusão faz parte da sociedade, mesmo que
por diferentes razões (raça, etnia, gênero, cultura, religião etc.). No decorrer da História, os excluídos
assumem significados diferentes, mas em todos eles há uma relação entre poder e exclusão (FOUCAULT,
1997).
Atualmente esse conceito ainda está associado às questões do poder, porém aparece no contexto
social de forma diferente. A globalização e a competitividade mantêm, infelizmente, as relações
excludentes, sinônimo de funcionamento do sistema (SAWAIA, 2006).
A definição desse termo está ligada aos aspectos econômicos (desemprego etc.), sociais (pobreza,
perda de status etc.), psicológicos (autoestima etc.), físicos (doenças) e culturais (valores). O fenômeno
da exclusão, considerando sua dimensão no cotidiano e nas questões sociais, torna-se, para muitos, uma
fatalidade diante do conformismo da sociedade perante a problemática. Torna-se natural e inevitável,
conforme destacado anteriormente. Mas não podemos aceitar essa condição: precisamos ver a exclusão
sob uma nova ótica, acreditar que é possível sua abolição ou, pelo menos, a diminuição de situações
que a geram.
Por isso, convidamos você a discutir a questão da exclusão, numa perspectiva mais social, que é o
interesse e o foco da disciplina, direcionada ao curso de Serviço Social.
Isso significa que é preciso considerar a dicotomia entre exclusão e inclusão, para entender o processo
a partir de uma análise dialética, levando em consideração as relações sociais que se constroem nas
práticas cotidianas pelos indivíduos.
Wanderley apud Sawaia (2006) reflete a exclusão como algo social, ligado a princípios de
funcionamento das sociedades modernas que atingem todas as classes socioeconômicas da sociedade.
Por isso, a exclusão, na contemporaneidade, é vista além da ótica discriminativa ou de segregação.
41
Unidade I
Um dos fatores que contribuem para a exclusão nas relações sociais e a alimentam é o preconceito.
Tudo isso tem como consequência a vulnerabilidade e a “desorganização” familiar e comunitária, a
socialização defeituosa, a alienação e a desmoralização dos indivíduos. Isso se instaura e se mantém
baseado nas representações sociais que os meios de comunicação, tanto sociais quanto de mídia,
colaboram imensamente para disseminar.
Nesse sentido, Jodelet apud Sawaia (2006, p. 64) afirma que “a exclusão que é hoje objeto de políticos e
de debates sociais é um fenômeno social, econômico e institucional cuja análise ressalta das ciências sociais”.
Guareschi citado por Sawaia (2006) aponta que, considerando o estudo da exclusão sob uma ótica
psicossocial, é importante discutirmos dois aspectos que são decisivos para a criação e a perpetuação
desse fenômeno: a competitividade e a culpabilização.
Para ele, no mundo atual, competitividade é palavra sagrada e provoca diferenças e exclusões, pois
o progresso e o desenvolvimento só são possíveis por meio dela. As exigências do mercado capitalista
fazem que as pessoas lutem para não ser rejeitadas e excluídas, o que gera, consequentemente,
privilégios para alguns e exclusão para outros. Por exemplo: o trabalhador rural que vai para a capital
em busca de qualidade de vida geralmente é excluído por não apresentar qualificação suficiente para
atender às exigências do mercado de trabalho. Segundo Guareschi apud Sawaia (2006, p. 147), “o ser
humano, como ser isolado e egoísta (preceito do liberalismo), tem de competir para sobreviver, de um
lado, e de outro lado, para trazer progresso”. Ele ainda acrescenta que “a consequência palpável do
estabelecimento e funcionamento dessa relação de competitividade é a exclusão não apenas de alguns,
mas de milhões, ou bilhões, de seres humanos”. Isso se torna uma problemática social diante do grande
número de indivíduos empobrecidos e descartáveis.
Agora que já sabemos o que vem a ser a exclusão social, como podemos definir inclusão?
A inclusão social pode ser pensada como um processo de disciplinarização dos excluídos. Trata-se de
incluir socialmente aqueles que estão privados de qualquer tipo de convivência social.
Sawaia (2006, p. 108), ao basear-se nos pensamentos de Foucault, descreve a inclusão social como
um “processo de controle social e manutenção da ordem na desigualdade social”, desde que partamos
do raciocínio dos indivíduos que são excluídos da sociedade capitalista. A partir disso, por meio de
projetos de inclusão, a sociedade procura incluir as vítimas da exclusão social. Esses projetos devem
42
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
ir além de uma ação assistencialista, mas promover a inserção laboral, objetivando a supremacia da
cidadania (DEMO, 1998).
Saiba mais
Podemos dizer que a exclusão é um processo complexo e multifacetado. É também dialética, por
existir somente em relação à inclusão, como parte constitutiva desta.
Arroladas tais colocações, passaremos a discutir sobre a questão do trabalho e sua relação com o
Serviço Social. Nos termos apresentados, compreenderemos que este também está inscrito nas relações
de trabalho e está sujeito à ocorrência destas de forma precária. Essa discussão nos levará a compreender
o processo de trabalho, conforme sumariamos na sequência.
apresentadas pelo mercado de trabalho. Para que você possa apreender todas as vicissitudes que essa
relação engloba, didaticamente dividiremos o presente material de acordo com os seguintes tópicos:
trabalho e Serviço Social; o cenário atual e suas incidências na Questão Social; a consolidação do
projeto ético-político do Serviço Social na contemporaneidade e o redimensionamento da profissão,
considerando o mercado de trabalho e as condições laborais que acometem os assistentes sociais. No
entanto, você deve considerar essa divisão apenas com uma finalidade didática, posto que todos os
fenômenos aqui descritos estão inter-relacionados em uma realidade que é, por excelência, dialética.
Começaremos então pela relação entre trabalho e Serviço Social.
A prática profissional do assistente social é considerada trabalho, pois, nessa área, este é
orientado para uma finalidade, possuidor de uma teleologia. Esse profissional é um trabalhador
assalariado. Em tal condição, “também sofre todas as injunções decorrentes da divisão social do
trabalho, da reestruturação produtiva e das reformas por que vem passando o Estado” (ABESS/
CEDEPESS, 1996, p. 163-4).
Embora o assistente social esteja sujeito às alterações do mercado de trabalho, deve estabelecer um
distanciamento crítico desse mercado, a fim de apreender a dinâmica da sociedade. Essa mediação é
determinante para a sobrevivência do Serviço Social.
O processo de exercício do Serviço Social vê-se sufocado tanto pelas transformações societárias
como pela globalização, cujas repercussões sociais destacamos em outras disciplinas, quanto pelo
retraimento do Estado em relação às políticas sociais e aos cortes nos gastos sociais.
O produto desses dois últimos itens tem apontado as mais diversas práticas sociais, pois o assistente
social é um profissional que dialoga com as mais diversas teorias sociais, que subsidiam-no para conhecer
a fim de propor e intervir.
O conhecimento, instigado por reflexões, debates, pesquisas, estudos, como o que estamos fazendo
agora, não pode ser pensado isoladamente da prática profissional. Deve ser um meio pelo qual seja
possível decifrar a realidade e iluminar o processo de trabalho a ser realizado.
Segundo assevera Iamamoto (2004, p. 63), “as bases teórico-metodológicas são recursos [...] que o
assistente social aciona para exercer seu trabalho: contribuem para iluminar a leitura da realidade e
imprimir rumos à ação, ao mesmo tempo que a moldam”.
Entendemos a profissão como dependente das instituições para disponibilizar os recursos necessários
à realização de projetos, programas e atividades desenvolvidos por esse profissional. Dessa forma, o
assistente social tem seu trabalho ligado às entidades empregadoras de seus serviços, onde realiza sua
intervenção.
45
Unidade I
Por que a palavra intervenção? Podemos também dizer ações, proposições, mas intervenção é mais
corrente na prática e na teoria do Serviço Social. Até porque a palavra intervir tem um sentido mais
direto e claro do que agir ou propor. O uso do termo fica a critério do profissional.
O assistente social é um profissional de formação genérica crítica, visto que se apropria de matrizes
teórico-explicativas de outras áreas do saber, buscando uma visão de homem e de mundo na perspectiva
da totalidade.
A crítica de que aqui falamos é o diálogo com as teorias sociais, que estão permeando sua formação
profissional. Ser crítico não é criticar tudo e todos. É ser leitor da realidade, com ética, respeito à
diversidade e conhecimento teórico-metodológico (teoria, habilidades, valores); analisar as expressões
da Questão Social com os devidos aportes que citamos, para que se possa intervir de forma crítica e
propositiva, perguntando-se: “Que parâmetros utilizarei para minha prática profissional?”.
Notamos que o processo de trabalho do assistente social é pautado pelo instrumental técnico-
operativo utilizado por ele.
O profissional acrítico (não crítico), de certa forma, acaba reforçando o poder dominante, a realidade,
o sistema em que está inserido. Esse profissional que não tem ou não consegue fazer uma leitura da
realidade de modo que possa contribuir para a mudança está fadado à acomodação e não contribui para
46
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
o processo de transformação da realidade, para que as pessoas se emancipem, tenham plena cidadania
e acesso de fato a serviços sociais. Resumindo, não sabe o que é e o que faz o Serviço Social.
Ainda sobre a relação entre trabalho e Serviço Social, Iamamoto (2004) chama a nossa atenção
para o fato de que a relação trabalhista deve ser compreendida como impregnada pelas relações de
gênero. Nesses termos, segundo coloca a autora, é uma profissão essencialmente feminina, ou “de
predominância feminina”. Isso, em grande parte, pode explicar também a baixa remuneração em alguns
setores.
A autora ainda coloca que também são perceptíveis nas relações de trabalho do assistente social
posturas messiânicas e voluntárias. A postura messiânica estaria relacionada a comportamentos
profissionais com a pretensa intenção de alterar as estruturas sociais, ao passo que a voluntária estaria
relacionada a profissionais que não assumem o necessário compromisso com seu público-alvo.
Contudo, recorrendo mais uma vez a Iamamoto (2004), precisamos compreender que nossa prática
profissional só se efetiva por tratar-se de um processo de trabalho. Tratadas tais colocações, vamos
realizar uma sistematização para que você compreenda como a autora em questão e toda a categoria
compreendem a noção de processo de trabalho.
Iamamoto (2004), extraindo as compreensões de Marx acerca do processo de trabalho, aponta que
todo processo de trabalho incorpora as seguintes dimensões: o trabalho, seu objeto e seus instrumentos
ou meios; essas dimensões combinadas resultarão em um produto.
Partindo de tal assertiva, a autora nos diz que essa definição de processo de trabalho se aplica a
qualquer tipo de intervenção, seja o trabalho manual, intelectual ou artístico. Assim, seja um trabalho de
natureza artística, intelectual ou um trabalho que demande uma intervenção material, essa ação estará
conformada por um processo.
Nesse sentido, o trabalho é compreendido como qualquer ação desenvolvida com uma finalidade
a ser alcançada, independentemente de sua natureza. Apesar disso, demanda meios e instrumentos
para ser colocado em prática: para que a ação, a atividade possa ser alcançada, é necessário que sejam
utilizados instrumentos ou meios de trabalho.
“Para ser consumida e transformada em atividade, a força de trabalho exige meios ou instrumentos
de trabalho e uma matéria-prima ou objeto de trabalho que sofrerá alterações mediante a ação
transformadora do trabalho” (IAMAMOTO, 2004, p. 99).
Isso de forma que a ação, o trabalho em si, seja executada apenas em decorrência dos meios ou
instrumentos de trabalho. No caso do Serviço Social, esses meios ou instrumentos fazem referência
a recursos “materiais, humanos e financeiros” que são necessários para a realização da intervenção
profissional. Apesar de o profissional possuir, nos termos da autora, autonomia para desenvolver
suas ações, não detém todos os meios para isso e depende de que uma instituição empregadora
disponha dos recursos materiais, humanos e financeiros que viabilizem a operacionalização de sua
prática profissional.
47
Unidade I
Assim, a autora destaca que a instituição empregadora, seja pública ou privada, condiciona a prática
do assistente social. “Ora, se assim é, a instituição não é um condicionante a mais do trabalho do
assistente social. Ela organiza o processo de trabalho do qual ele participa” (IAMAMOTO, 2004, p. 63).
No caso, salienta a autora que não podemos compreender a questão dos meios ou instrumentos
considerando apenas a importância do chamado “arsenal de técnicas”, ou então os recursos da instituição,
mas precisamos compreender a relevância do “conhecimento como um meio de trabalho”, destacando
ainda que, sem o conhecimento, o profissional não consegue desempenhar seu trabalho.
Sinaliza assim que os instrumentos ou meios comportam a bagagem teórica, o conhecimento de que
cada profissional, cada assistente social dispõe. A autora descreve esses conhecimentos com a expressão
“bases teórico-metodológicas”, o que corresponde a conteúdos teóricos, mas também à compreensão
de mundo. Para ela, a questão teórico-metodológica é dada aos profissionais essencialmente pela
graduação e pode ser complementada por estudos posteriores.
A autora coloca ainda que essa dimensão teórica é expressão de toda a evolução histórica e teórica
alcançada pela profissão em seu processo de amadurecimento intelectual. Ela nos diz que:
Os valores e conhecimentos que vamos adquirindo em nossa vivência profissional irão conformar
nossa postura, que estará expressa em nossas relações trabalhistas, estabelecidas pelo Serviço Social
durante o processo de trabalho.
Em síntese, o que Iamamoto (2004) coloca a respeito disso é que não devemos compreender
instrumentos ou meios do trabalho apenas com uma visão das técnicas, embora estas sejam importantes
mecanismos de intervenção profissional. Precisamos compreender as técnicas associadas a um referencial
teórico-metodológico. A respeito desses componentes do processo de trabalho, a autora nos diz que
são aspectos que contribuem para “moldar” o exercício profissional. Este, segundo Iamamoto (2004),
é organizado, é desenvolvido com base em um objeto, sobre o qual será realizada a ação. Tal objeto,
segundo a definição da autora, seria a Questão Social, fenômeno compreendido como suas múltiplas
formas de expressão. Vejamos o que nos diz a autora:
Assim, a Questão Social é tratada pela autora como as diversas situações que afetam de forma
negativa a vida dos segmentos subalternizados. Acerca da Questão Social, já estudamos itens anteriores
neste livro-texto. Porém, Iamamoto (2004) chama a atenção para o fato de que a Questão Social possui
múltiplas formas de expressão, as quais são vivenciadas pelos seres humanos em sua realidade cotidiana,
no seu dia a dia. Não se trata de uma categoria que se manifesta apenas no pensamento, mas na
realidade concreta.
A autora ainda chama a nossa atenção para o fato de que a Questão Social, ou seja, a matéria-prima
de nossa profissão não possui as mesmas peculiaridades em todas as regiões. As expressões da Questão
Social assumem os “[...] níveis regional, estadual e municipal e as alterações sócio-históricas que nelas
vêm se processando, também em função das formas coletivas com que possam estar sendo enfrentadas
pelos sujeitos envolvidos” (IAMAMOTO, 2004, p. 100). Essas expressões são condicionadas pela realidade
na qual estão se manifestando e também pelas formas de enfrentamento encontradas pelos sujeitos
que as experienciam.
Para apreender a Questão Social em suas múltiplas formas de expressão, a autora destaca
que precisamos conhecer profundamente a realidade sobre a qual iremos atuar. Isso nos remete à
possibilidade de conhecer profundamente essa realidade, recorrendo aos dados obtidos por meio de
pesquisas, sobretudo, dados e indicadores que devam ser sistematizados e transformados em referências
para o fazer profissional.
Essa autora inicia suas discussões apresentando o seguinte questionamento: “O que o assistente
social produz?”. Como resposta, a autora coloca que a intervenção do profissional produz alterações nas
condições materiais e sociais daqueles com os quais trabalha e ainda produz a elaboração de conceitos
junto aos segmentos nos quais está atuando.
Nesses termos, Iamamoto (2004) vem nos dizer que as intervenções voltadas à atenção a condições
materiais e sociais estarão relacionadas a ações que possuem o potencial de garantir a reprodução dos
segmentos atendidos por meio dos serviços sociais mediados. A nosso ver, nesse rol de “ações” estão
incluídas aquelas caracterizadas pela concessão de benefícios ou serviços a determinados segmentos que
não poderiam ser usufruídos por esses grupos em decorrência da situação de vulnerabilidade vivenciada.
Podemos assim exemplificar com a concessão de benefícios como a cesta básica, a transferência de
renda ou outros mais, que garantam o acesso aos serviços básicos e necessários à sobrevivência.
Já a produção de conceitos está relacionada a uma dimensão subjetiva que a profissão alcança.
Iamamoto (2004) coloca que nossas ações possuem a conotação de formar conceitos nas pessoas com
as quais atuamos. Esses conceitos formados pelas pessoas por nós atendidas, segundo a autora, podem
situar-se no âmbito da subordinação ou da insubordinação. Para ela, nossa prática, nossa intervenção
possui o potencial de fazer nossos atendidos se colocarem contrários à ordem estabelecida, ou então
pode reforçar sua alienação.
49
Unidade I
Por meio desse entendimento é que Iamamoto (2004) compreende a noção de processo de
trabalho. Para melhor apreendermos esses conceitos, observemos a figura a seguir, na qual é feita
uma representação desse entendimento do processo de trabalho. Na imagem estão relacionados
a terminologia marxista e os itens correspondentes à interpretação da autora aplicada ao Serviço
Social. Serve como uma espécie de sistematização do que discutimos até o presente momento
e pretende auxiliar você na compreensão dos conteúdos apreendidos até agora. Oferece ainda
uma noção dialética de processo de trabalho, indicando que esta é representada por conceitos
totalmente inter-relacionados e interdependentes que estão em constante construção e
reconstrução.
De tal forma, podemos compreender ainda que o processo de trabalho no Serviço Social é uma
constante, uma intervenção que está em contínuo movimento. No entanto, é fundamental que você
consiga se apropriar dos conceitos tratados até o presente momento, sobretudo com relação à ideia de
processo de trabalho.
Nos próximos itens, discutiremos o cenário atual, suas incidências na Questão Social e seu vínculo
com a consolidação do projeto ético-político do Serviço Social, bem como as condições do mercado de
trabalho do assistente social.
Vamos a esses tópicos, relembrando a você a importância de tais conteúdos e destacando que é
fundamental uma leitura atenta dos temas tratados.
Saiba mais
50
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Lembrete
Ainda no que diz respeito aos conteúdos, recorreremos mais uma vez a Iamamoto (2004).
Nos termos apresentados, a autora inicia suas argumentações referindo que o processo de
acumulação flexível iniciado na década de 1970 provocou profundas alterações no processo de produção.
Os argumentos de Iamamoto (2004) estão relacionados às mudanças ocorridas tanto nesse processo
quanto nas relações trabalhistas. Acerca dessas modificações, é necessário pontuar que já estudamos,
no início deste livro-texto, parte das informações desse processo, bem como dos resultados nocivos que
afetaram e afetam grande parcela de nossa população, sobretudo a “classe que vive do trabalho”, como
sabiamente afirma a autora.
Além dos processos que já estudamos, a autora destaca a globalização. Para ela, a globalização
econômica, respaldada na introdução de novas tecnologias, faz os processos de compra, venda e
produção perderem os limites, ou seja, já não há fronteiras que impeçam o comércio. No entanto,
ressalta que esse fenômeno não traz benefícios para grande parte da nossa população, ao passo
que a inovação tecnológica acarreta, no reverso da medalha, a expulsão de muitos trabalhadores
do mercado de trabalho. De tal sorte que a globalização é um fenômeno excludente e desigual,
segundo a autora.
De qualquer forma, o que ela pretende é afirmar que cada vez mais as condições de trabalho
tornam-se precárias; nesse caso, os salários sempre são mais baixos e ainda há grande perda dos direitos
trabalhistas. Em contrapartida, o contingente de desempregados também cresce, fazendo o exército
industrial de reserva ampliar-se consideravelmente. Em síntese, as condições de sobrevivência tornam-
se cada vez mais complexas e resultam em uma grande expansão das expressões da Questão Social, as
quais são, segundo Iamamoto (2004, p. 115), “o desemprego e a ampliação da precarização das relações
de trabalho”, apesar de não serem as únicas.
Diante dessa agudização da Questão Social, novos modos de enfrentamento também são colocados
pelo Estado, sendo este, até o presente momento, o grande interventor nesse fenômeno. “Tais processos
introduzem novas mediações históricas na gênese e expressões da Questão Social, assim como nas
formas, até então vigentes, de seu enfrentamento, seja por parte da sociedade civil organizada ou do
Estado [...]” (IAMAMOTO, 2004, p. 112-3). A autora aponta que as intervenções empreendidas pelo Estado
tendem a retrair-se, ao passo que a sociedade civil acaba se organizando e atendendo uma parcela da
população que não possui assistência estatal.
51
Unidade I
Observação
Nesse sentido, o Estado acaba retraindo suas ações na área social. Ganham grande embalo
os ideais neoliberais, conforme também já sumariamos no início deste livro-texto. Isso resulta
na adoção de um modelo gerencial, em decorrência da chamada crise fiscal do Estado. Segundo
essa orientação, busca-se reduzir os custos com os gastos sociais, o que é apresentado como
uma “melhora” do papel assumido pelo Estado e como uma alternativa à “crise fiscal” até então
vivenciada (IAMAMOTO, 2004).
O que Iamamoto (2004) nos apresenta diante dessas alterações é que as expressões da Questão
Social tornam-se cada vez mais latentes e afetam grande parte da população. Essas expressões tornam-
se mais agudas, considerando que há ausência da ação estatal. Entretanto, nessas condições, como
efetivar o projeto ético-político do Serviço Social?
Antes de respondermos a essa pergunta, cabe um recorte sobre como a autora em questão compreende
o projeto ético-político dos assistentes sociais. Esse projeto está previsto na lei que regulamenta a
profissão, no Código de Ética do Assistente Social e em uma série de documentos normativos que
orientam as ações.
No que concerne ao Código de Ética, nele são trazidas a democracia como valor ético-político e
a igualdade e a justiça social como valores éticos centrais que devem ser seguidos pelos assistentes
sociais. Tais valores, segundo Iamamoto (2009), precisam ser colocados em prática durante o
exercício profissional cotidiano, mesmo em tempos de reestruturação produtiva, de acumulação
flexível e de globalização excludente. A autora chama a atenção para a importância que assume
a democracia nesse processo, mas destaca que todos esses princípios estão inter-relacionados
e imbricados, assim como todos os princípios fundamentais tratados no referido documento.
Vejamos os princípios fundamentais:
52
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
A ênfase na análise da autora recai sobre o princípio da democracia, demonstrando que todos
os demais princípios estão relacionados a ele e poderão ser alcançados a partir a efetivação
deste.
Assim, a autora destaca que, para que possamos alcançar a democracia, é necessário que
o assistente social adote uma prática que possibilite a ampliação dos espaços de efetivação
da cidadania. Além disso, tais espaços devem servir para consolidar, fazer valer os direitos já
constituídos e ainda para conquistar novos direitos. Isso só se efetivará se houver possibilidade de
democratização dos espaços públicos.
Iamamoto (2004) coloca que é urgente e necessária a constituição de espaços que possibilitem
a ampliação da esfera pública, dos espaços públicos. Assevera que espaços como conselhos e outros
53
Unidade I
semelhantes devem tornar-se, de fato, públicos. Para isso, entretanto, é preciso que seja constituída uma
cultura pública e democrática, ou seja, uma cultura junto à população que ressalte a relevância desses
espaços.
Partindo da consolidação desses espaços, a nosso ver, será possível trazer a pessoa atendida pelos
serviços sociais para o debate público, para a deliberação pública, tornando possível a efetivação dos
direitos sociais.
Trata-se, porém, do primeiro ato apresentado pela autora. Por meio dessas “ações”, torna-
se possível ainda “[...] reconhecer a autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos
sociais, reforçando princípios e práticas democráticas” (IAMAMOTO, 2004, p. 141). Segundo ela,
seria possível, derivando dessas ações, realizar a defesa intransigente dos direitos humanos, a
recusa ao arbítrio e ao autoritarismo, bem como a busca da eliminação de todas as formas de
preconceito.
É ainda por meio da democratização que é possível obter, segundo Iamamoto (2004), a divisão
da riqueza socialmente produzida, alcançando assim a justiça social, apresentada como principio
fundamental. Entretanto, as colocações da autora sinalizam que nossa profissão deve estar
orientada para a defesa de todos os direitos sociais, conforme podemos compreender por meio da
análise da legislação destacada, disponível nos sites do CRESS em todos os estados do território
nacional.
Para isso, Iamamoto (2004) faz uma série de orientações, dentre as quais a de decifrar os
determinantes e as múltiplas formas de expressão que assume a Questão Social. Para isso, é
fundamental compreender a realidade de forma integral, evitando-se assim qualquer “reducionismo
econômico, político ou ideológico”, ou seja, precisamos compreender os fenômenos sociais
amplamente, considerando, para tanto, as questões econômicas, políticas, sociais e ideológicas
com as quais nos relacionamos.
A autora chega a exemplificar com dados coletados em uma série de locais, espaços, para que estes
possam desnudar a realidade em que se estabelece a intervenção. Sem essas informações, que são
fundamentais, torna-se impossível conhecer a realidade e as expressões da Questão Social, tampouco
é possível efetivar o compromisso ético-político assumido pela categoria profissional e os valores a ele
inerentes.
Observe a tabela que segue. Trata-se de uma representação de dados obtidos pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A tabela foi construída para demonstrar o rendimento
médio dos brasileiros em cada região. Com base nessa análise, podemos constatar que a maioria
da população que possui renda de até dois salários-mínimos reside na região Nordeste e ainda
54
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
concluir, com base nesses mesmos dados, que a maioria da população brasileira com baixa renda
reside nessa região. Vejamos:
Fonte: Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999 [CD-ROM]. Microdados. Rio de Janeiro: IBGE, 2000.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 30 mar. 2012.
Disso podemos concluir ainda que as famílias com renda acima de vinte salários-mínimos, ou seja,
com maior poder aquisitivo, residem na região Sudeste, como elencado anteriormente.
Os dados obtidos também nos permitem compreender as expressões da Questão Social. Por meio
dos dados expostos na tabela em questão, conseguimos ter uma ideia das informações sobre a renda
das pessoas, sobre a região em que estão concentradas as famílias de menor poder aquisitivo e assim
sucessivamente; mediante tais informações, podemos deliberar sobre as ações que nos dispomos a
realizar.
Em nosso caso, se atuarmos junto a um município, ou então a uma região, direcionaremos nossa
atenção para os dados obtidos nesse espaço de atuação, obviamente; porém, conhecer a realidade de
nosso país é imprescindível em nossa prática profissional.
Outro exemplo que desejamos destacar poderá ser expresso se analisarmos a representação a
seguir:
55
Unidade I
Figura 2 – Proporção de famílias pobres atendidas pelo Programa Bolsa Família por município – 2008.
Esse mapa foi elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nele observamos
a localização, em todo o território nacional, das famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família.
Observamos assim que há um grande percentual de famílias atendidas pelo programa que está
localizado na região do Pará. Em contrapartida, vemos que há muitos estados com percentual “baixo”
de atendimentos, como algumas regiões do Mato Grosso.
A análise dos dados não pressupõe apenas “olhar” indicadores expostos. Mais que isso, demanda
essencialmente um profissional culto e atento, capaz de apreender as informações obtidas. Precisa
ser um profissional “informado, crítico e propositivo”, além de ser “versado no instrumental técnico-
operativo”.
O profissional propositivo, por seu lado, é descrito pela autora como aquele que é comprometido
com a atualização permanente e, além disso, deve ser envolvido com a pesquisa, ou, como coloca
Iamamoto (2004), profissional pesquisador. A nosso ver, esse profissional propositivo não é algo
hipotético, mas sim uma necessidade, afinal, a atualização constante é uma demanda para qualquer
profissão, inclusive a nossa. É fundamental estar ambientado com a pesquisa, pois, se não for
“acostumado” a isso, o assistente social não conseguirá fazer as leituras da realidade, e não será
possível compreender a Questão Social e suas múltiplas formas de expressão.
Observação
Iamamoto (2004) diz que a pesquisa está inteiramente relacionada à nossa capacidade de decifrar
a realidade, de nos apropriarmos dessa realidade sobre a qual iremos intervir. Por meio dessa pesquisa,
será possível aos profissionais a construção de respostas criativas, de alternativas diferenciadas para a
efetivação dos direitos sociais da população com a qual atuamos. Comenta que, por meio dessa postura,
será possível alcançar os princípios apresentados pelo compromisso ético-político de nossa profissão,
bem como ampliar as bases que legitimam a necessidade dos assistentes sociais nos mais diversos
espaços sócio-ocupacionais. Assim, o profissional alcançará o reconhecimento da população com a qual
atua e também das instituições a que está vinculado.
Entretanto, prezado aluno, diante de uma série de considerações aqui tratadas, cabe uma síntese.
Nos termos em questão, o que Iamamoto (2004) quer nos dizer é que as mudanças econômicas, políticas
e sociais que observamos no Brasil, partindo da década de 1970, têm colaborado para uma ampliação
das expressões da Questão Social. Para que possamos intervir nessas expressões, é fundamental que
conheçamos a Questão Social, que sejamos engajados na pesquisa e na atualização permanente. Isso
nos levará, consequentemente, a alcançar o projeto ético-político que é assumido por toda a nossa
categoria profissional e que sempre denotará a defesa dos segmentos menos favorecidos de nossa
sociedade.
57
Unidade I
Saiba mais
Para discutir o redimensionamento da profissão, Iamamoto (2004) recorre a uma pesquisa que
fora realizada no período pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e, por meio de análise, consegue
apreender o perfil do profissional daquele período, além de tecer uma série de recomendações que
deveriam ser seguidas pelos profissionais que desejassem desenvolver uma prática coerente com a
realidade de nossa profissão.
Lembrete
Com relação às recomendações, Iamamoto (2004) volta a chamar a atenção para a necessidade
imperiosa de conhecimento da realidade. Nesses termos, destaca que precisamos atentar para a questão
regional e para o poder local. Isso significa conhecer toda a realidade econômica, social e política de
dada região na qual atuaremos. Já a questão do poder local incorpora a noção de conhecimento das
instâncias de participação e poder que são constituídas e que tendem a fortalecer a democratização nas
esferas locais.
A autora aponta que devemos ter sempre em mente que nossa profissão está sujeita a todas as
situações laborais que afetam as outras profissões. Por isso, também precisamos considerar que todas as
situações, boas e más, que afetam as demais atividades profissionais condicionarão a nossa.
Já com relação ao mercado de trabalho, a autora constatou, partindo da pesquisa da PUC citada
anteriormente, que grande parte dos profissionais atuava no setor público. Neste, quando da realização
da pesquisa, encontramos boa parte deles nas áreas da saúde e da assistência social, sendo, no período,
hegemônica a atuação junto à saúde.
58
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Entretanto, ainda são apontadas outras possibilidades de atuação: junto aos conselhos de direitos,
na gestão de políticas públicas e ainda junto às empresas privadas.
Na atuação junto aos conselhos, é comum que o assistente social desempenhe uma prática mais
voltada à assessoria a esses organismos, visto que se trata de espaços de debate, de partilha, mas
compostos por voluntários, o que, em tese, dificultaria o desenvolvimento, por parte dos membros, das
atividades rotineiras ou burocráticas.
Já a atuação junto à gestão das políticas públicas é apontada por Iamamoto (2004) como uma
tendência em nossa profissão. Corresponde à gestão, à organização dos serviços de natureza pública.
Essa intervenção pode ser compreendida como a desempenhada nos serviços de secretaria e de “gestão”
propriamente ditos, bem como de outras atividades que têm a natureza de disciplinar os serviços públicos.
A atuação em empresas privadas, segundo a autora, precisa ser compreendida como a prática
desenvolvida em organizações de natureza privada ou não governamental. As empresas privadas têm
organizado fundações e outras instituições do gênero, que não possuem finalidade lucrativa, mas atuam
nas expressões da Questão Social. Por sua vez, as organizações não governamentais são instituições
criadas pela sociedade civil para atuar junto às expressões da Questão Social, mas também não podem
visar ao lucro.
Iamamoto (2004) assevera que essas instituições privadas só se constituem porque o Estado se
retrai no que concerne a atender às demandas da Questão Social, ou seja, a sociedade se organiza para
atender às demandas sociais não contempladas pela ação estatal. No entanto, esse processo, que a
autora chama de “refilantropização”, ou nova forma de filantropia, é por ela compreendido como outro
espaço de atuação profissional, um espaço do mercado de trabalho dos assistentes sociais.
Diante dessa questão, Iamamoto (2004) destaca que cresce a possibilidade de atuação nas empresas
privadas, por exemplo, destacando desde a atuação na própria empresa até o trabalho nas organizações
privadas geridas por particulares e relacionadas à empresa. Nesses termos, a autora aponta que a prática
do assistente social nas empresas privadas se altera: antigamente, estava mais voltada para eliminar
tensões, estimular um comportamento produtivo, reduzir o absenteísmo e proporcionar uma série de
benefícios, mas agora, diante de uma série de mudanças, espera-se que o profissional, além de atender
às demandas tradicionais, ainda realize atividades para proporcionar a valorização do trabalhador e,
assim, alcance sua colaboração para produzir, e com qualidade. Já a atuação em fundações começa a se
desenvolver e se ampliar, dada a constituição desses espaços.
Cinquenta casais de São Gabriel do Oeste oficializarão sua união durante cerimônia do
Casamento Comunitário, que acontecerá neste sábado (24) no CTG Chama Crioula, às 17
horas. O evento será promovido pela Fundação Aury Luiz Bodanese e a Coopercentral Aurora
59
Unidade I
Os noivos receberão de presente a festa com decoração, coquetel, bebida, brinde, valsa,
entre outros. Além disso, terão descontos em empresas parceiras para aquisição de vestido
de noiva, vestido social, cabelo, maquiagem e na compra das alianças.
Nessa prática, a assistente social atuava junto a uma fundação, a Fundação Aury Luiz Bodanese,
vinculada à empresa Associação Empresarial São Gabriel, porém sem o objetivo de lucro. Como
demonstra a matéria elencada, a intervenção é desenvolvida para efetivar direitos sociais, mas essa ação
só é empreendida porque não há esse tipo de intervenção partindo do ente estatal.
Ainda com relação a práticas dessa natureza, Iamamoto (2004) coloca que, no espaço das ações
da nova filantropia, também é comum a grande adesão de voluntários. Nesse caso, como grande parte
das ações é realizada por pessoas físicas que doam seu tempo em prol de uma causa social, é comum
identificarmos indivíduos que atuam voluntariamente nos serviços em questão. A autora salienta que
nós, como profissionais, também conviveremos com essa realidade, tanto atuando junto a voluntários
quanto perdendo espaços de trabalho para esse tipo de serviço.
Assim, a autora destaca que para a atuação em campos já constituídos, como a assistência social e a
saúde, assim como para a atuação junto aos conselhos, à gestão e ainda junto às instituições de natureza
privada, são fundamentais capacidade e competência técnica. É necessário um perfil de profissional
propositivo e que possa apropriar-se dos espaços sócio-ocupacionais disponíveis. Concluindo, ela aponta
que, se nós não o fizermos, se não nos mostrarmos com condições para essas ações, outras categorias
profissionais o farão e se apropriarão do espaço deixado em aberto.
Para que você possa ter uma noção um pouco mais ampla do mercado de trabalho na atualidade,
recomendamos que recorra aos sites do Conselho Regional de Serviço Social, de acordo com o Estado
em que reside. Nos sites dos conselhos é comum observamos pesquisas sobre o mercado de trabalho
atual, assim como informações para acompanhar oportunidades de concursos e empregos.
Figura como exemplo a pesquisa de Trindade, Silva e Bispo (2007), que realizaram uma análise do
mercado de trabalho dos assistentes sociais considerando o governo Lula e a realidade de São Luís (MA).
60
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Essa pesquisa constatou que no período em questão houve alta taxa de desemprego, mas também
grande investimento em políticas sociais.
Decorrente desse investimento, houve uma ampliação do mercado de trabalho: segundo a pesquisa,
observou-se grande concentração de profissionais junto à gestão do Sistema Único da Assistência
Social, ao Programa Pró-Jovem, à Previdência Social e ainda junto às intervenções desenvolvidas pela
Política de Saúde, sobretudo as desenvolvidas junto ao SAMU e às UTIs, espaços em que não era comum
a intervenção do assistente social.
Trindade, Silva e Bispo (2007), ainda partindo da análise do mercado de trabalho dos assistentes
sociais, destacam que, em São Luís, houve grande alocação desses profissionais para atuação no
Programa Bolsa Família. Para as autoras, isso demonstra que o maior programa de transferência de
renda do governo Lula permaneceu sem a orientação e a prática dos assistentes sociais, sendo esse
espaço cooptado por outros profissionais.
Esperamos que você tenha aprofundado seus conhecimentos sobre os assuntos aqui discutidos e
que essas informações possam colaborar de maneira positiva durante todo o seu processo formativo.
Resumo
62
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Exercícios
Figura 3
Essa imagem pode ser compreendida como um protótipo do profissional conhecido como polivalente.
Esse perfil profissional foi gestado a partir da década de 1970, em todo o mundo e também no Brasil,
e é representativo das profundas mudanças vivenciadas no processo de produção. Essas mudanças,
no entanto, não foram restritas ao âmbito da produção e trouxeram impactos também à forma de
organização do Estado e à organização social como um todo. Acerca desses processos vivenciados a
partir da década de 1970, julgue as assertivas a seguir:
III – Foram gestadas novas exigências ao trabalhador, sendo requisitadas novas habilidades, além das
já possuídas.
63
Unidade I
I) Afirmativa incorreta.
Justificativa: com a emersão dos ideais neoliberais, passaram a ser destacadas propostas em relação
ao papel do Estado. Dentre tais propostas, observamos a recomendação de que os gastos com políticas
sociais fossem reduzidos, argumentando-se que o investimento demasiado na área social poderia resultar
em uma diminuição da atitude individual para superar deficiências, além de comprometer grande parte
do orçamento do ente federado. Segundo essa concepção, o Estado não deveria intervir em questões de
natureza social e, portanto, deveria diminuir os gastos em políticas sociais.
64
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
V) Afirmativa correta.
ONU apela para que países se esforcem para reduzir a pobreza extrema
No entanto, ele destacou que é preciso avançar e a meta é reduzir ainda mais os números
até 2015.
Nas reuniões com líderes estrangeiros, a presidenta Dilma Rousseff costuma destacar a
necessidade de associar o desenvolvimento econômico ao social. Segundo ela, é impossível
65
Unidade I
Nos próximos meses, deverá chegar ao Brasil a primeira-dama do Peru, Nadine Heredia,
para conhecer de forma mais detalhada os programas de transferência de renda executados
pelo governo brasileiro. Depois de ser eleito presidente peruano no ano passado, Ollanta
Humala veio a Brasília e disse que sua prioridade era adotar no Peru os programas sociais
brasileiros.
No começo desta semana, um relatório conjunto do Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que o mundo atingiu
a meta dos ODM de reduzir para metade o número de pessoas sem acesso à água potável.
I – A pobreza é uma das expressões da Questão Social e, como sugere a matéria, sua superação
depende da intervenção da ONU, que tende a regulamentar o processo de enfrentamento de tal
fenômeno (15).
II – A Questão Social possui múltiplas formas de expressão, dentre elas a pobreza, e esta é manifestada
no cotidiano dos seres humanos (10).
III – Para o enfrentamento da Questão Social, basta que cada país desenvolva seus esforços, pois esse
fenômeno é gerado apenas em países pontuais (17).
IV – A Questão Social incorpora também as possibilidades de resistência e luta da classe trabalhadora
(12).
66
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
V – A partir das mudanças geradas pelo processo produtivo, os antigos problemas sociais são
potencializados (7).
Se realizarmos uma soma dos valores correspondentes às assertivas corretas, obteremos o valor
equivalente a:
A) 32.
B) 7.
C) 22.
D) 29.
E) 17.
67
Unidade II
Unidade II
5 AS DEMANDAS E AS RESPOSTAS DA CATEGORIA PROFISSIONAL AOS
PROJETOS SOCIETÁRIOS
Para dar continuidade aos conteúdos tratados até agora, sobre a nossa prática e as perspectivas
de intervenção profissional, realizaremos reflexões sobre as demandas profissionais apresentadas aos
assistentes sociais no âmbito das relações firmadas entre o Estado e a sociedade civil. Esses conteúdos
serão tratados no subtópico 5.1.
Também refletiremos sobre as condições de trabalho e as respostas profissionais que são conferidas
pelos assistentes sociais às questões laborais. Esse conteúdo será apresentado no subtópico 5.2.
Vale observar que serão feitas algumas considerações com recorrência a Iamamoto (2004) e a outros
teóricos contemporâneos que têm discutido o assunto no âmbito da profissão.
Contudo, antes de iniciarmos essas colocações, cabe apenas uma pergunta: o que podemos entender
como projetos societários?
Aqui cabe a resposta: são projetos de determinada classe social. Assim, recorrendo mais uma vez à
teoria marxista, constatamos que na atualidade identificamos duas classes sociais: a classe burguesa e a
classe operária, tal como elencamos na Unidade I, logo no início de nossas considerações.
Cada classe social possui um projeto societário (de sociedade) que se espera construir. Assim, o
que a autora pretende colocar é que nós, como assistentes sociais, estaremos sempre na mediação
dessas relações entre as classes sociais. Ela ainda destaca o fato de que, em nosso fazer profissional,
estaremos em contato com os diferentes projetos societários que são defendidos por cada uma
delas.
Lembrete
68
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Quanto a essa questão, Iamamoto (2000) assevera que, para compreendê-la, precisamos entender
três premissas básicas: desvelar a prática profissional, considerar o primado da produção social e levar
em conta o privilégio da História.
A autora segue argumentando que, para desvelar a prática profissional, é necessário que a analisemos
com recorrência às relações sociais estabelecidas na sociedade capitalista madura e consolidada. Assim,
Iamamoto (2004) chama a nossa atenção para essa questão e nos remete essencialmente a compreender
a relação existente entre as classes sociais.
Quando a autora começa a refletir sobre esse conceito, pontua que a mediação que nós, assistentes
sociais, realizamos não é algo “tranquilo”, e sim um processo complexo em que a desigualdade existente
entre as classes torna-se facilmente perceptível. Além disso, torna-se um fator de difícil administração,
tanto que ela denomina esse processo de “jogo tenso das relações entre as classes sociais”.
Essa compreensão é tão importante para Iamamoto (2004) que a autora chega até a apontar que, se
o profissional não realizar essa leitura das relações sociais e da prática profissional atrelada a elas, estará
fadado a não entender a prática do assistente social em sua totalidade.
No tocante a essas relações, Iamamoto (2004) destaca que, além de compreender as classes sociais, é
fundamental entender o papel do Estado, que figura, do ponto de vista da autora, como um representante
da classe burguesa, mas que é um ator fundamental na compreensão de nossa prática profissional, das
demandas de nossa profissão, assim como sumariaremos.
Isso posto, precisamos considerar que essas relações entre as classes e destas com o aparato estatal
oferecerá influências às demandas apresentadas ao Serviço Social, mas, como dissemos, não é a única
premissa a ser considerada para uma compreensão dessas demandas e das respostas da categoria
profissional.
Dando seguimento ao assunto, passamos ao estudo do primado da produção social. Quanto a esse
assunto, Iamamoto (2004) coloca que precisamos compreender a relevância que possui o trabalho nessa
sociedade. Na verdade, é a única forma de ter acesso à satisfação das necessidades. Quando o trabalho
se torna precário, informal ou, sobretudo, quando assistimos à grande perda dos postos de trabalho,
precisamos saber que essas mudanças irão provocar alterações nas expressões da Questão Social, que,
conforme pudemos observar, é o nosso objeto de trabalho, a matéria-prima de nossa intervenção.
69
Unidade II
Observação
Assim, cabe considerar “o papel fundamental da produção da vida real, da produção dos indivíduos
sociais, que têm, no trabalho, a atividade fundante” (IAMAMOTO, 2004, p. 151), levando em conta que
o trabalho não determina “apenas” as condições de sobrevivência de uma determinada classe social,
mas funda também sua subjetividade, seu psiquismo, construindo assim os sujeitos sociais com os quais
iremos atuar.
Por fim, conforme exposto pela autora, ainda precisamos entender a importância do caráter
histórico, também outro condicionante das demandas apresentadas aos assistentes sociais. Para a
autora é extremamente importante, como a própria expressão sugere, a “compreensão da história”, e tal
história está relacionada ao desenvolvimento da história da sociedade brasileira e dos contornos que as
mudanças de natureza econômica, política e social conferem às expressões da Questão Social.
Também é importante considerar a história por nela estar contida a explicação para o surgimento e a
constituição dos problemas sociais de origem estrutural, e ainda pelo fato de esta portar as possibilidades
para a superação das deficiências vivenciadas em nosso país. Dessa maneira, na opinião da autora, é
necessário atentar para: “[...] o privilégio da história, por ser ela a fonte de nossos problemas e a chave de
nossas soluções. Destarte, para efetuar uma análise crítica das demandas profissionais, há que atribuir
densidade histórica à nossa problemática” (IAMAMOTO, 2006, p. 151).
Assim, podemos sistematizar os conhecimentos até então tratados da seguinte forma: para
compreender as demandas que são a nós apresentadas, precisamos entender as relações sociais
estabelecidas nessa sociedade capitalista, em que se afigura relevante compreender as classes sociais e o
Estado, o que também demanda, essencialmente, entender a importância do trabalho e da história nesse
processo. Tais aspectos, tratados por Iamamoto (2004) como “premissas”, precisam ser apreendidos por
nós como imprescindíveis para a compreensão de novas demandas, novas expressões da Questão Social
com as quais precisaremos atuar.
Buscando ainda identificar as pistas que nos são deixadas pela autora para que conheçamos com
profundidade a nossa demanda, é preciso que estejamos atentos aos “temas ocultos” em nosso fazer
profissional. A nosso ver, estes são tratados por Iamamoto (2004) como posturas assumidas por nossa
profissão e que dificultam entender nossa demanda em sua totalidade. Partindo de tal análise, a autora
tanto critica determinadas posturas profissionais como oferece pontos de reflexão para que possamos
repensar a prática profissional de uma forma diferenciada, bem como respaldá-la por ações que
permitam a apreensão de nossa demanda, de tal forma que possibilitem também colocar em prática os
princípios de nosso compromisso ético-político.
70
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Iamamoto (2004) destaca que, “para que possamos compreender as relações sociais, precisamos
‘olhar’ também para a sociedade civil”. Nesse caso, a autora coloca que os estudos, as análises e as
reflexões dos assistentes sociais têm se orientado mais para uma compreensão do papel do Estado
e menos para o entendimento da função da sociedade civil. Assim, segundo essa concepção, pela
característica assumida pela profissão no que concerne a realizar análises das políticas sociais, é usual
que o olhar seja voltado para a máquina estatal.
No entanto, esse privilégio do Estado, em análises de nossa categoria, é algo que precisa ser
mudado; não suprimido, mas alterado. Não precisamos abandonar essa forma de analisar e introduzir as
compreensões sobre a sociedade civil em nossos estudos. Precisamos “olhar” para a sociedade civil, para
que possamos melhor entendê-la. “No entanto, penso ser imprescindível que olhemos para a sociedade,
para o movimento das classes sociais, que têm sido relegados a uma posição de relativa secundariedade
no debate do Serviço Social” (IAMAMOTO, 2004, p. 152).
Ela ainda comenta que, nesse processo de olhar para a sociedade, é também importante compreender
os processos de trabalho, as mudanças no mercado nacional e as consequências de tais alterações junto
à força de trabalho brasileira. Como já salientado, essas configurações da força de trabalho, do mercado
nacional e dos processos de trabalho constituídos na realidade brasileira oferecem condicionantes às
nossas demandas.
Como vimos, essas alterações no âmbito da produção e do trabalho colaboram, muitas vezes, para
a precarização da vida da classe operária, e essa precarização se expressa de diversas formas, podendo
ser necessária a intervenção dos assistentes sociais. Por isso, esse tema não pode mais estar oculto em
nossa profissão e precisa ser por nós apropriado e debatido amplamente.
Isso pressupõe que o profissional realize uma análise baseada em informações com recorrência a
aspectos econômicos e políticos, visto que os fenômenos relacionados à organização da produção e do
trabalho também precisam ser considerados como resultados da organização política vigente no país.
Como nos diz a autora: “Na análise das demandas profissionais parece-me indispensável, pois, resguardar
uma profunda aliança entre a economia e a política” (IAMAMOTO, 2004, p. 152). Mais uma vez, a nosso ver,
é importante que o profissional possua uma formação condizente com esse perfil, pois se esta não oferecer
os subsídios necessários, poderá comprometer a realização de uma análise desse porte.
Lembrete
Por fim, Iamamoto (2004) destaca que, para compreender de fato nossa demanda profissional,
precisamos conhecer melhor a realidade rural. Segundo a concepção da autora, atualmente
vivenciamos uma predominância de estudos, pesquisas e intervenções junto às populações
residentes na zona urbana, ao passo que a zona rural acaba ficando depreciada nesse processo.
Ao discutir a questão da zona rural, ela elenca que o Estado brasileiro tem desenvolvido uma
série de ações nesse “espaço”, mas estas, via de regra, buscam privilegiar o grande produtor
rural. A autora chama nossa atenção para o fato de que o Estado brasileiro, desde a década
de 1970, tem empreendido uma série de projetos para o desenvolvimento agropecuário, e tais
projetos traduzem-se em investimentos, fornecimento de empréstimos e outras iniciativas para
desenvolver a produção.
No entanto, com a inovação tecnológica sendo apropriada por esses produtores, também no
âmbito rural, observamos grande expulsão dos trabalhadores da zona rural para o espaço urbano,
onde ficam subempregados ou mesmo desempregados. Já os que permanecem no espaço rural
nem sempre possuem boas condições de vida. A nosso ver, o que Iamamoto (2004) almeja é que
nossa categoria profissional passe a olhar para esse segmento, que está excluído do acesso aos
serviços públicos e que não vem recebendo, em nossa atuação, a devida assistência.
A apreensão dessa realidade, ou seja, dos aspectos da sociedade civil sobre as configurações
assumidas pela produção e pelo trabalho, das peculiaridades dos moradores da zona rural, não
é, a nosso ver, uma tarefa fácil, mas algo que precisa ser introduzido no cotidiano de nossas
ações profissionais e deve figurar como referência ao considerarmos as “perspectivas de trabalho
profissional”.
Para isso, Iamamoto (2004) indica a necessidade de dados e informações que devem ser
sistematizados por nós. Segundo ela, informações sobre trabalho, renda, organizações políticas e
todas mais que possamos coletar servirão para nos mostrar a “ponta do iceberg”, ou seja, servirão
de referência inicial para compreendermos a fundo nossa demanda de trabalho, bem como os
aspectos da Questão Social sobre os quais iremos atuar. Isso nos remeterá a pensar ainda em
novas demandas que serão geradas, partindo das situações constatadas, ou seja, a partir dos dados
colhidos, poderemos identificar demandas com as quais a profissão já atua ou então aquelas que
ainda não são de total conhecimento do Serviço Social, mas que serão apropriadas por nossa
categoria profissional.
Por fim, retomando a importância da história, a autora observa que precisamos considerar que
vivenciamos no passado e ainda hoje, na realidade brasileira, o que ela chama de “modernidade tupiniquim”.
Esse processo, segundo a autora, poderá ser entendido se estudarmos a História de nosso país, na qual
observamos a convivência de formas arcaicas e modernas de trabalho fundando o sistema capitalista
desde suas protoformas iniciais. Destaca que essa realidade ainda é observada contemporaneamente,
visto que temos a combinação de trabalhos formais, regulamentados e não regulamentados, nas áreas
industrial e agrícola, embalando a produção econômica de nosso país.
72
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Trata-se de uma modernização capitalista que traz no seu bojo a história de um país colonizado sob
a ótica da exploração, em que o sistema capitalista trouxe índices precários de desenvolvimento em
relação aos dos demais países. Tal sistema contou – e conta ainda hoje – com o Estado como o principal
agente executor de medidas para a efetivação das pretensões capitalistas. Entender a realidade brasileira
pressupõe, essencialmente, conhecer esses e outros processos de nossa realidade e, a partir disso, rever,
revisitar a nossa demanda profissional. Demanda que, não é difícil supor, vive e sobrevive com condições
precárias e é representada pela:
Assim, prezado aluno, essa não é uma tarefa inata. Não nascemos sabendo como olhar para
todos esses fatores sociais, mas tal habilidade é passível de aprendizagem. Todos nós precisamos
exercitar essa leitura de realidade, incorporando tal prática em nosso cotidiano. Partindo disso,
poderemos entender nossa demanda, o projeto societário apresentado por ela e, sobretudo, como
mediar esses direitos.
Na sequência, concluiremos nossos estudos nesta Unidade para que possamos discutir as condições
de trabalho e de exercício profissional, bem como as respostas da categoria às demandas.
73
Unidade II
Saiba mais
Chegamos ao fim dos conteúdos desta Unidade. Para concluir nossos estudos, discutiremos agora
as condições de trabalho dos assistentes sociais e as respostas profissionais que a categoria confere às
demandas apresentadas. Para isso, recorreremos aos conceitos já tratados, ou seja, de que precisamos
compreender a realidade de modo integral para que possamos conhecer, de fato, aquela na qual estamos
atuando.
Saiba mais
Para essa questão, Iamamoto (2004) relembra os processos já estudados nesta Unidade e na
anterior, especificamente destacando que observamos um fenômeno de relevância caracterizado pela
alteração dos processos de produção e pelo papel assumido pelo Estado na contemporaneidade.
Nesse caso, observamos que a precarização das relações trabalhistas tem acarretado más relações
laborais para grande parte da população brasileira e tem resultado em um crescente desemprego de
parcela significativa da população. Diante disso, observamos a ampliação significativa das expressões da
Questão Social, que será, como vimos no objeto de trabalho, nossa demanda profissional.
Em contrapartida, o Estado, principal responsável por atuar para minimizar essas expressões da
Questão Social, vem se retraindo desde a década de 1990, ou seja, vem restringindo suas intervenções
nas expressões da Questão Social.
74
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Diante dessas mudanças, segundo Iamamoto (2004), notamos alterações na atuação dos assistentes
sociais. A primeira observação da autora é que quando são reduzidas as intervenções em política
social, junto às expressões da Questão Social, espera-se que o mercado de trabalho dos assistentes
sociais também diminua. Como a grande quantidade de postos de trabalho está vinculada às ações
empreendidas pelo Estado, quando este reduz suas intervenções, consequentemente o mercado de
trabalho também tende a reduzir-se.
No entanto, esse não é o único condicionante do trabalho do assistente social, diante de todas
essas mudanças evidenciadas. A autora apresenta uma série de fatores que passam a ser observados na
prática profissional. Vamos a eles.
Ela coloca que, diante da redução de gastos na área das políticas sociais, os assistentes sociais que
estão atuando nesses espaços precisam ampliar a seletividade dos atendimentos, sendo nessas ocasiões
os responsáveis pelas triagens para avaliar a condição daqueles que poderão ser beneficiados ou não
pelos serviços sob sua responsabilidade.
A autora chega a comentar em seu livro o caso de um profissional que atuava na prefeitura de
uma grande cidade e que, para critério de concessão de cesta básica, observava se o requerente estava
desempregado. Nesse caso, com a retração dos recursos e a ampliação da demanda pelo benefício,
o assistente social passou a selecionar os mais pobres entre os desempregados, ou, como Iamamoto
(2004) coloca, os mais “pauperizados”.
Ela nos diz que dessa forma se torna cada vez mais difícil darmos respostas à nossa demanda de
acordo com o compromisso ético-político que fora assumido por toda a categoria profissional. Isso
pode resultar em uma prática essencialmente burocratizada e ainda em um “vazio profissional”. No caso,
o assistente social permanece longos períodos preso à burocracia da instituição, em decorrência das
triagens que precisa realizar. O fato de estabelecer uma prática de tal forma resulta no chamado “vazio
profissional”, ou seja, aquela sensação de não ter conseguido atingir as finalidades profissionais a que
se propôs.
Assim, observamos uma grande dificuldade de conferir respostas profissionais à nossa demanda,
de cumprir os princípios assumidos por nossa categoria profissional, e uma dificuldade ainda maior de
conviver com essa realidade. “Este quadro tem sido fonte de angústias e questionamentos sobre o nosso
papel profissional, diante da dificuldade de criar, recriar e implementar respostas de trabalho, podendo
estimular a burocratização e o vazio profissional” (IAMAMOTO, 2004, p. 161).
Não. Iamamoto (2004) nos apresenta algumas alternativas para a superação dessa realidade que
tanto asfixia os profissionais. Uma delas seria superar a perspectiva fatalista de que tudo está perdido
e nada mais pode ser feito, bem como evitar posturas idealizadas e que percebem a profissão de uma
forma romântica, como se não vivenciássemos esses e outros problemas observados em nossa categoria
profissional.
75
Unidade II
Partindo disso, a autora coloca ainda que a mudança na relação do Estado com a Questão Social
não é um objetivo apenas do Serviço Social, apenas de nossa categoria. Ela recomenda que realizemos
uniões a outros segmentos, categorias que partilhem dos princípios ético-políticos defendidos por nossa
categoria profissional como um todo.
Assim, a construção de respostas às demandas que nos têm sido apresentadas passa pela compreensão
da realidade como um condicionante, e não como um impeditivo de nossas ações. Pressupõe ainda o
estabelecimento de outras parcerias com categorias, segmentos e usuários que partilham dos mesmos
princípios que são defendidos pelos assistentes sociais.
Esperamos que você tenha conseguido ampliar seus conhecimentos sobre os assuntos tratados, mas
queremos – mais do que isso, esperamos – a reflexão crítica sobre a importância que essa profissão
assume na contemporaneidade e sobre como uma prática competente é sinônimo de posicionamento,
de atitude.
No final desta Unidade, você encontrará os exercícios para avaliar a aprendizagem até agora
proporcionada.
Bons estudos!
Resumo
Exercícios
A) Deve ser um profissional que proponha ações eficientes e eficazes diante das situações que
impõem riscos sociais aos usuários.
C) Deve desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade, a fim de construir propostas criativas de
efetivação de direitos sociais a partir de demandas do cotidiano.
D) Assegura, por meio de seu contato com a população, propostas individuais que sirvam de base para
as transformações societárias e sirvam de motivação para o rompimento de práticas tradicionais.
77
Unidade II
E) Como não possui condições dignas de desenvolver sua ação institucional para a efetivação de seu
trabalho, torna-se um profissional criativo e inovador.
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: ao discutir sobre o perfil do profissional propositivo diante das situações precárias
de vida que afetam grande parte de nossa população, bem como sobre as condições de trabalho dos
assistentes sociais, Iamamoto (2004) não faz menção à importância de ações eficientes e eficazes. Nesse
texto, apesar de não ser feita referência direta a essa autora, é possível perceber que tal concepção foi
extraída do texto de sua autoria e, por isso, podemos dizer que o profissional propositivo não é aquele
que foca sua intervenção nos aspectos da eficiência e da eficácia.
B) Alternativa incorreta.
C) Alternativa correta.
Justificativa: de acordo com Iamamoto (2004), o profissional propositivo é aquele que, por
meio de sua leitura e compreensão da realidade, consegue construir respostas ou propostas
criativas, de modo que possa efetivar os direitos sociais de uma determinada população, ou,
conforme ela sempre coloca, os direitos da população mais pauperizada de nossa sociedade e com
a qual atuamos.
D) Alternativa incorreta.
Justificativa: o profissional propositivo busca construir propostas que atendam uma coletividade, e
não a questões individuais.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: Iamamoto (2004) aponta que muitos profissionais, diante das condições apresentadas,
não conseguem desenvolver ações criativas, tampouco conferir respostas à população atendida; para
ela, muitos profissionais vivenciam cotidianamente o vazio profissional e o burocratismo. De tal forma,
nem todos os que vivenciam situações ruins de trabalho conseguem alterar sua postura profissional.
A assertiva também está incorreta porque, ao discorrer sobre as atitudes do profissional propositivo,
Iamamoto (2000) elenca outros aspectos, conforme sinalizamos.
78
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Questão 2 (UFRB Assistente Social – 2011). Sobre os conteúdos até então tratados, julgue os
itens a seguir, atribuindo a eles os valores Verdadeiro ou Falso.
I – Segundo Iamamoto, os assistentes sociais atuam, nos vários espaços de trabalho, no planejamento
e na execução de políticas públicas, nas áreas de educação, saúde, previdência, assistência social,
habitação, meio ambiente, entre outras, movidos pela perspectiva de defesa e ampliação dos direitos da
população, sem a necessidade de considerar o Projeto Ético-Político do Serviço Social ( ).
II – A produção e a reprodução das relações sociais não constituem preocupações para os profissionais
de Serviço Social, no que se refere à construção de relações mais igualitárias ( ).
III – A profissão tem olhado menos para a sociedade e mais para o Estado, levando a crer na hipótese
de que as reflexões sobre o fazer profissional têm priorizado a análise da intervenção do Estado, via
políticas sociais públicas, enquanto o olhar para a sociedade, para o movimento das classes sociais, tem
sido relegado a uma posição relativamente secundária no debate do Serviço Social ( ).
IV – No processo de reestruturação produtiva e com o Estado mínimo, a Questão Social toma novos
contornos, e o Estado lança mão da filantropização, do compartilhamento com a sociedade civil por
meio de parcerias mantidas com as organizações não governamentais ( ).
V – A competência profissional deve proporcionar que o assistente social, em sua atuação, apresente
soluções para as demandas profissionais que lhe são apresentadas ( ).
A sequência correta com relação aos valores atribuídos está expressa em:
A) V, V, V, V, V.
B) V, F, V, V, V.
C) F, F, V, F, V.
D) F, F, V, V, V.
E) F, F, V, V, F.
79
Unidade III
Unidade III
7 A INSTRUMENTALIDADE NO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL
Prezado aluno, chegamos à última parte de nossos estudos, em que faremos nossas reflexões finais.
Nesta Unidade, discutiremos o conceito de instrumentalidade.
Esse conceito será discutido porque pretendemos refletir sobre aspectos ligados à operacionalização
do fazer profissional do assistente social, pensando em suas atividades desenvolvidas cotidianamente.
Isso porque já realizamos as discussões sobre as mudanças ocorridas no trabalho e já refletimos como
tais mudanças afetam o mercado de trabalho do profissional e sua prática diária. A propósito, realizamos
uma série de apontamentos com relação à prática, ao perfil que é esperado do assistente social, sempre
com o objetivo de buscar uma atuação que enfoque a competência, a defesa das atribuições privativas
e, sobretudo, a efetivação dos direitos sociais dos segmentos mais empobrecidos de nossa sociedade.
No entanto, nesta Unidade direcionaremos nossa atenção para a questão instrumental presente
em nossa profissão e para a necessidade imediata de pensarmos as perspectivas profissionais e
o Serviço Social. Para tal, dividiremos didaticamente o texto em dois tópicos: o tópico 7 tratará da
prática do assistente social (conhecimento, instrumentalidade e intervenção profissional), bem como
das competências do Serviço Social na contemporaneidade (política, ética investigativa e intervenção).
Já o tópico 8 discorrerá sobre as dimensões ético-política, técnico-operativa e teórico-metodológica no
Serviço Social, além de abordar os rumos ético-políticos do trabalho profissional.
Vamos então iniciar nossos estudos tratando da prática do assistente social: conhecimento,
instrumentalidade e intervenção profissional.
Observação
Para que possamos melhor compreender nosso exercício profissional, precisamos conhecer melhor
nosso instrumental. Como vimos, para Iamamoto (2004), o profissional competente é aquele que, além
de uma série de habilidades, possui conhecimento e domínio do instrumental técnico. Para que possamos
ser versados nesse instrumental, é necessário conhecê-lo e entendê-lo de uma forma diferenciada.
Começaremos pelas informações que possuímos sobre a história de nossos instrumentais, dos “objetos”
que permitem e viabilizam nossa intervenção profissional.
80
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Cabe destacar, antes de tais considerações, que o conceito de instrumentalidade ainda é novo no
Serviço Social. Anteriormente, na década de 1990, os profissionais graduados (como uma das autoras
deste livro-texto) não conheciam esse conceito. O que era ensinado era como atuar, o que se denomina
de instrumentais e técnicas. Hoje ainda recorremos a estes, porém com uma visão diferenciada.
Contudo, para entender como a nossa profissão chegou a esse conceito, estudaremos os instrumentais
e as técnicas que foram sendo usados pelos profissionais durante o desenvolvimento histórico-social da
área no Brasil.
Saiba mais
Lembrete
Assim, para retomar a história e conhecer as origens de nossa profissão, precisamos entender a
história brasileira da década de 1920. Nesse período, o Brasil vivenciava economicamente a expansão
do sistema capitalista, mas também possuía uma economia voltada para as atividades de natureza
agropecuária. Vivenciávamos o período em que os proprietários de grandes porções de terra detinham
o poder político, época descrita por alguns historiadores como do governo “oligárquico”, em que as
oligarquias econômicas detinham o poder (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005).
Nesse período, segundo Iamamoto e Carvalho (2005), a população da República era composta por
muitos segmentos empobrecidos; formava esses segmentos um grande número de desempregados,
escravos libertos e até trabalhadores. Sim, prezado aluno, também trabalhadores. Ocorre que nesse
período estes possuíam péssimas condições de vida e de trabalho, chegando a trabalhar, em média, 14
horas por dia, e essas condições laborais afetavam inclusive mulheres e crianças.
81
Unidade III
Dessa forma, na República Velha, nos idos da década de 1920, as condições de grande parte
da população brasileira eram muito ruins. Isso significa dificuldade de alimentação, de moradia, de
sobrevivência digna. Segundo apontam Iamamoto e Carvalho (2005), para essas pessoas, que não
conseguiam garantir meios suficientes à sobrevivência ou que tinham dificuldade para tal, havia a
caridade da Igreja Católica.
Essa caridade empreendida pela Igreja contava com o serviço do laicato, ou do segmento leigo da
referida instituição. Este era composto por moças vinculadas à Igreja, pertencentes a famílias burguesas
e que exerciam a caridade para atender aos segmentos empobrecidos que se ampliavam na realidade
brasileira. Essas moças prestavam ajuda material e também buscavam transmitir os valores da Igreja
Católica a essas pessoas em suas intervenções. Ficaram popularmente conhecidas como “agentes sociais”.
Outra grande referência ao trabalho desenvolvido no período era a contenção das expressões
vinculadas ao Movimento Operário que se organizava no país – as quais representavam grande ameaça
à igreja e também ao poder político estabelecido até então.
A Igreja Católica desenvolvia essas intervenções porque pretendia recuperar os privilégios perdidos e
conter o avanço da religião evangélica. Por isso, recorria à caridade como uma alternativa para recuperar
os fiéis perdidos e o prestígio entre os segmentos da realidade brasileira (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005).
No entanto, essas iniciativas mostravam-se ineficazes para conter a pobreza do país que, aliás,
crescia a passos largos. Isso instigava ainda mais as pressões e manifestações populares. Diante dessa
situação, a Igreja começou a repensar sua atuação e considerou que a ampliação da pobreza, mesmo
com as intervenções realizadas, acontecia porque as agentes sociais não possuíam formação específica
na área de atuação.
Para sanar essas demandas, foram constituídas as semanas sociais, que eram organizadas para a
formação dessas moças (agentes) e eram ofertadas pela Igreja Católica. Em 1932, segundo Iamamoto e
Carvalho (2005), foi constituído o Centro de Estudos e Ação Social, ou Ceas, sendo esse o “equipamento”
criado pela Igreja Católica para oferecer essa formação suplementar.
No entanto, a constituição do Ceas serviu apenas para a Igreja Católica, mais uma vez, repensar sua
prática de formação. Em decorrência dessas reflexões, considerou-se que era necessária uma formação
por meio de um curso de graduação. Assim, em 1936 foi criada a primeira escola de Serviço Social,
localizada em São Paulo. Na sequência, foi constituída a escola do Rio de Janeiro, em 1937.
Se considerarmos o surgimento da profissão, veremos que o Serviço Social não possuía instrumentais
e técnicas próprios, e sim elaborações obtidas por adoção, ou seja, eram tomados de outras intervenções
e correntes de pensamento os instrumentais e as técnicas com os quais realizou parte de seu trabalho.
Essa adoção se deu de duas maneiras: recorrência aos métodos já utilizados pela caridade, por meio dos
quais as visitadoras sociais vinculadas às igrejas realizavam visitas, entrevistas, ajuda material direta e
82
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
indireta e aconselhamento; e adoção de técnicas das disciplinas atreladas às Ciências Sociais, tais como
a Sociologia, a Medicina e o Direito, das quais, por sua vez, foram transplantadas as técnicas de pesquisa,
bem como a prestação de informações e mesmo os métodos de vacinação e puericultura (PIRES, 2007).
No que diz respeito ao instrumental do Serviço Social, partindo da constituição das primeiras escolas
no Brasil e na América Latina como um todo, Pires (2007) coloca que se percebeu nítida influência dos
métodos de intervenção transplantados da Europa e dos Estados Unidos, e a recorrência aos métodos
norte-americanos teria se evidenciado somente a partir da década de 1940.
Nas protoformas de nossa profissão, observamos a influência até então hegemônica das escolas
europeias, sobretudo a recorrência a experiências das escolas franco-belgas. Foi dessas escolas que
surgiu a abordagem individual, que se consolidou até a década de 1950 como a principal metodologia
aplicada pelo Serviço Social.
Essa abordagem consistia em realizar um atendimento individual, caso a caso. Nesse atendimento,
os assistentes sociais podiam recorrer a entrevistas, visitas e outras abordagens, porém com o objetivo
de descobrir todas as informações possíveis sobre a vida e a personalidade da pessoa que atendiam. Essa
prática foi descrita por Iamamoto e Carvalho (2005) com a terminologia “inquéritos sociais”, tal era a
natureza da intervenção realizada.
As assistentes sociais desse período acreditavam que, se conseguissem descobrir todas as informações
de seus clientes, poderiam descobrir onde estava o problema e assim realizar o tratamento. Por essa ótica,
todos os problemas de cunho social eram compreendidos como de natureza “pessoal”, “individual”, e
jamais com raízes estruturais (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005).
Iamamoto e Carvalho (2005) destacam que o grande enfoque era na família operária. As profissionais
acreditavam que as reivindicações dessas famílias e sua vinculação ao marxismo eram representações de
seus problemas individuais. Acreditavam também que os problemas sociais resultavam da desestrutura
familiar que acometia grande parte desses segmentos e chegavam a destacar que parte dos problemas
estaria ligada à figura da mulher, que agora não mais se preocupava com sua família, com o ambiente
doméstico. Porém, para apreender toda essa dinâmica, era necessária a abordagem caso a caso.
Essa abordagem individual também ficou conhecida como “Serviço Social de Caso”. Destacam-se
como grande expressão dessa modalidade de intervenção os trabalhos de Mary Richmond, em que a
abordagem individual era sistematicamente ensinada aos assistentes sociais. O Serviço Social de Caso
recorria à Psicologia enquanto orientação teórica e desenvolvia técnicas de apoio, de influência direta,
de catarse e de discussão reflexiva sobre a pessoa-situação, mas todas com influência também da
doutrina social cristã (PIRES, 2007).
Nos centros de formação, as primeiras assistentes sociais eram doutrinadas para desempenhar
a intervenção de caso, mas essas orientações, apesar de recorrerem à Psicologia, eram fortemente
influenciadas pela doutrina social da Igreja Católica, como sumariamos anteriormente. Note que a Igreja
Católica foi a grande responsável pela constituição das primeiras escolas, e tal influência na formação
dos assistentes sociais tornou-se algo inevitável, segundo o que nos diz Aguiar (1995).
83
Unidade III
A influência da igreja era sentida, portanto, quando os profissionais iam atuar, prática que, como
vimos, também era adotada pelos agentes sociais. Nesse sentido, a fundamentação de recorrência, ou,
melhor dizendo, a teoria que orientava a ação era a Filosofia tomista, ou de São Tomás de Aquino. Tal
compreensão auxiliava os assistentes sociais a realizarem uma prática focada no individuo e a encontrar
alternativas para diagnosticar os problemas trazidos por esse atendido e para realizar o tratamento das
anomalias apresentadas (AGUIAR, 1995).
Por essa ótica, o indivíduo com o qual atuavam era compreendido como possuidor de corpo e alma.
Aguiar (1995) destaca, assim, que os assistentes sociais eram orientados para atender às necessidades
materiais e também espirituais do ser humano, ou seja, precisavam entender que sua intervenção
provocaria alterações na espiritualidade do ser humano com o qual estavam trabalhando.
Esse período da nossa profissão foi marcado pela convivência pacífica entre as correntes teóricas e
a doutrina social cristã, disseminada no Brasil de forma hegemônica pela Igreja Católica. Um exemplo
dessa “convivência” se expressa na formação oferecida aos primeiros profissionais.
Assim, Aguiar (1995) aponta que os profissionais eram orientados a desenvolver uma prática
com base em um método composto por quatro princípios: científico, técnico, de formação prática
e de formação pessoal, ou seja, eram instruídos para considerar em sua prática os princípios
elencados. Nos termos do referido autor, esses princípios deveriam ser observados desde a
formação do assistente social. O princípio científico fazia referência à formação que precisava
ser buscada em áreas como a Sociologia, a Psicologia, a Biologia e a Moral. Já a técnica fazia
referência à abordagem individual, que devia ter como enfoque a contenção dos desajustamentos.
A formação prática era a aprendizagem proporcionada pelo estágio, e a formação pessoal
congregava a realização de círculos de estudos e abordagens individuais para moldar o caráter do
futuro profissional.
Aguiar (1995) diz, no entanto, que as próprias alunas também eram submetidas à aceitação dessa
doutrina. O autor destaca que os professores deveriam orientá-las quanto à doutrina social da Igreja
e tinham até autonomia para corrigir possíveis desvios de caráter. Lembrando mais uma vez que, de
acordo com Iamamoto e Carvalho (2005), as assistentes sociais deveriam ser moças preferencialmente
pertencentes a boas famílias burguesas da época e católicas. Isso era tão importante que, segundo os
autores, para realizarem as matrículas nos centros de formação, as interessadas deveriam apresentar,
dentre vários documentos pessoais, a carta de recomendação de uma família. Entretanto, caso houvesse
“desvios” no padrão de comportamento esperado, após o ingresso no centro de formação, Aguiar (1995)
afirma que deveriam ser corrigidos por meio de orientações individuais ou grupais, dependendo do caso,
mas sempre com foco na doutrina social da Igreja.
Santos (2004), analisando o currículo dos principais centros de formação desse período,
destaca que as matérias oferecidas eram organizadas de forma fragmentada, sempre orientando
uma percepção setorizada das questões sociais, indicando assim uma fuga da visão da totalidade.
Partilhando das posturas dos autores citados anteriormente, destaca que os currículos eram
perpassados pelos valores cristãos, como teoria a que recorriam para orientar os futuros
profissionais.
84
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
O Serviço Social de Grupos, por sua vez, também recorreu à Psicologia enquanto matriz teórica,
incorporando ainda influências da Pedagogia e da Educação. As técnicas usadas pelo Serviço Social
oriundas desses ramos do saber, segundo Pires (2007), são as seguintes: psicodrama, técnicas de grupo,
técnicas de apoio, técnicas de motivação e incentivo, técnicas de condução do grupo, dinâmica de
grupo, dramatizações e debates. Aguiar (1995) nos coloca que o trabalho em grupo foi introduzido por
se considerar que os seres humanos possuíam dificuldades semelhantes e, por isso, seria possível realizar
um trabalho conjunto, de forma articulada entre os pares.
O Desenvolvimento de Comunidade fora trazido para o Brasil na década de 1940, transplantado dos
Estados Unidos, partindo da constituição da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945. Note-se
que a ONU foi inicialmente organizada para atender aos países acometidos pela guerra; com o tempo,
começou a realizar intervenções para promover o desenvolvimento de alguns deles, oferecendo ajuda
financeira e outros subsídios.
Devido a isso, o método de Desenvolvimento de Comunidade foi largamente utilizado pelos assistentes
sociais, pois, segundo Aguiar (1995), os profissionais passaram a ser requisitados para organizar os
processos de desenvolvimento no âmbito urbano e no rural, fato que causou um expressivo aumento do
número de profissionais da área.
Esse período pós-guerra foi marcado por orientações com relação à necessidade de adaptação dos
seres humanos, evitando assim o confronto e manifestações contrárias da população. A ameaça que
deveria ser contida pelos profissionais era o avanço dos ideais comunistas no interior do movimento
operário, que começava a ganhar força no Brasil (AGUIAR, 1995). Por isso, o currículo dessas unidades de
ensino estava totalmente orientado ao ensino de processo, com foco na adaptação dos seres humanos.
Para tal, os profissionais deveriam aprender com acuidade a desenvolver os métodos de Caso, Grupo
e Desenvolvimento de Comunidade, tendência observada na profissão até a década de 1950 (SANTOS,
2004). A partir dessa década, percebemos que a formação dos assistentes sociais não sofreu profundas
alterações, mas o currículo a ser ensinado pelos profissionais nas faculdades passou a enfatizar a
importância do planejamento social, do Desenvolvimento de Comunidade. Nesse período ainda eram
85
Unidade III
Devemos ainda considerar o momento político em nosso país, que, conforme sabemos, já vivenciava
um processo de governos militares sucessivos e de busca constante da minimização da participação
popular. Sabemos também que, de certa forma, essa metodologia usada pelo Serviço Social (métodos de
Caso, Grupo e Comunidade) acabava por ser funcional no controle necessário do sistema capitalista da
época e também na organização política adotada no Brasil e em alguns países da América Latina. Apenas
com a constituição dos movimentos sociais de luta pela abertura política e de requisição de melhores
condições de vida tornou-se possível um redimensionamento da questão operacional do Serviço Social,
reordenamento pensado inicialmente a partir do Movimento de Reconceituação. Apesar de haver no
currículo das universidades uma grande tendência ao tecnocratismo, ao burocratismo da prática na
busca de procedimentos técnicos que dessem “respostas” às questões sociais que se agudizavam cada
vez mais, nesse período começaram as orientações para uma postura crítica por parte da profissão
(SANTOS, 2004).
O primeiro momento teve seu início na década de 1960. Nesse período, algumas produções teóricas
analisadas por Pires (2007) teceram considerações sobre a questão instrumental. Assim, as técnicas
eram consideradas como definidoras da profissão enquanto uma modalidade de intervenção social.
Eram ainda tidas como um meio que o assistente social deveria utilizar para atingir um fim específico e
previamente determinado. Por isso, Pires (2007) considera que a técnica, no estágio em questão, era de
suma importância ao fazer profissional.
Possivelmente em razão disso surgiram colocações sobre a necessidade de que o instrumental técnico
do Serviço Social fosse mais bem-estudado, mais bem-elaborado e assim fosse possível oferecer uma
orientação mais sistemática e una aos profissionais. Derivando em parte dessa necessária orientação
a ser conferida aos assistentes sociais, começaram a se esboçar algumas propostas pela unificação
dos métodos, mas que nesse momento ainda não se tornaram concretas, havendo o predomínio de
orientações para cada tipo de abordagem. Estas consistem ainda nos métodos tradicionais de Caso,
Grupo e Comunidade, que se consolidaram, embora houvesse a minimização das propostas de orientação
do Serviço Social de Caso (PIRES, 2007).
O segundo momento evidenciado por Pires (2007) teve início na década de 1970 e caracterizou-
se por uma severa crítica ao instrumental até então utilizado pelo Serviço Social. Para a autora, essa
crítica decorreu da aproximação entre o Serviço Social e a tradição marxista por meio da qual alguns
profissionais passaram a compreender o instrumental como uma forma de controlar a população e,
assim, servir aos ideais burgueses. A autora ainda nos diz que, apesar de realizar essa crítica, autores que
representam essa forma de compreensão do instrumental não apresentam propostas alternativas para a
intervenção profissional, e o assistente social acaba ficando sem possibilidades para a sua prática.
86
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
O terceiro momento, por sua vez, teria se iniciado, nos termos de Pires (2007), em meados da década
de 1980. A autora aponta que houve uma nova aproximação com a questão instrumental, agora
considerada relevante para a formação profissional, sem, para tanto, deixar de reforçar a importância de
combater o tecnicismo, compreendido como a prática pautada apenas pela execução de técnicas, sem
reflexão. Começaram também as propostas de utilização do método único de intervenção.
Nesse momento surgiu uma tendência profissional que hoje se constitui em uma necessidade
profissional, a saber: compreender a importância da técnica de forma estritamente relacionada
à teoria, propondo de tal forma a prática reflexiva desenvolvida cotidianamente. No entanto,
essa posição ainda não é hegemônica na categoria: há ainda o predomínio da tecnificação entre
muitos profissionais.
Essa tendência veio, no entanto, ancorada na primeira reforma curricular de monta processada
pelo Serviço Social, na qual tornou-se latente a compreensão da necessidade de crítica ao sistema
capitalista, proporcionando também uma maior aproximação da categoria com a teoria marxista, na
década de 1980, já no momento de abertura política e de democratização do país. Essa revisão curricular
foi retomada na década de 1990, quando a categoria repensou mais uma vez sua teoria e sua prática,
definindo que a profissão deve ser orientada pelo entendimento marxista da realidade, tendo como foco
a compreensão da Questão Social, de seus principais eixos fundantes e das formas de intervenção junto
a essas expressões (SANTOS, 2004).
Atualmente, enquanto método, não há mais essa distinção entre Caso, Grupo e Comunidade, e a
intervenção é desenvolvida com base no chamado método único. Além da importância da questão
instrumental, nota-se também a importância da teoria de orientação, dentre outros e diversos aspectos
que perpassam por essa questão do Serviço Social.
Antes de iniciarmos nossas colocações, é preciso pontuar que esse conceito de instrumentalidade
foi trazido à nossa profissão pela professora Iolanda Guerra, principal teórica na difusão desses
conhecimentos.
Guerra (2007) explica que o sufixo “idade” que compõe a palavra em questão refere-se a uma
capacidade, qualidade ou propriedade de algo. Assim, diz que a instrumentalidade refere-se a uma
87
Unidade III
determinada capacidade ou propriedade de nossa profissão, por meio da qual são realizados um aporte
aos conhecimentos teóricos e uma recorrência a estes no momento da intervenção prática.
É uma condição para o reconhecimento social da profissão, segundo Guerra (2007), que os profissionais
estejam habilitados para a instrumentalidade, e é uma possibilidade de que esse profissional dispõe para
objetivar sua intencionalidade de ação, portanto é exercida no cotidiano profissional. Apesar disso, a
noção de instrumentalidade demanda uma vinculação ao projeto ético-político de nossa profissão, não
pressupondo apenas uma vinculação teórica, mas também operativa, no que concerne a colocar em
prática os postulados desse compromisso.
A autora, antes de tecer qualquer colocação sobre a instrumentalidade em si, destaca que esse
conceito é entendido de forma restrita por alguns profissionais, apenas como a utilização de instrumentais
e técnicas.
Assim, segundo Guerra (2010), as técnicas e os instrumentos são de suma importância para os
assistentes sociais, desde que sejam aplicados com recorrência a uma base teórica. Sem esse referencial,
a profissão acaba por ser exercida de forma “utilitarista”, “tecnocrática” e “instrumental”, apenas como
um solucionador de problemas de forma imediata e pontual, sem que haja reflexão sobre estes, ocorrendo
assim uma aplicação indiscriminada de técnicas.
Guerra (2010) salienta ainda que muitas produções teóricas no Serviço Social acabam reforçando
essa postura essencialmente tecnocrática e instrumental, portanto colaborando com a manutenção
dessa prática. Além de adotar uma abordagem essencialmente tecnicista, os profissionais acabam
“desconsiderando” o significado social e político da profissão. Em outras palavras, a postura adotada por
determinados profissionais encontra apoio na produção teórica.
Essa tendência profissional se apoia na forma fragmentada que o Estado usa para enfrentar os
problemas sociais. Assim, segundo Guerra (2010), o próprio Estado, por meio das políticas sociais e
dos programas e projetos a elas atrelados, realiza uma intervenção segmentada nas questões sociais,
fortalecendo a concepção de que o enfrentamento setorizado e de acordo com intervenções específicas
88
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
será capaz de resolver todos os problemas sociais; como se cada um deles, para ser resolvido, precisasse
apenas de uma técnica, e não de uma reflexão teórica.
A autora também comenta que o Serviço Social encontra lugar no mercado de trabalho
contemporâneo pelo fato de que, ao passo que estabelece uma relação de compra e venda de sua
força de trabalho, está vendendo um conjunto de procedimentos e habilidades que são reconhecidos
histórica e socialmente como capazes de produzir determinados resultados. Iamamoto (2004) introduz
essa discussão no mesmo sentido que Guerra (2010), porém destaca que o Serviço Social só é contratado
porque pode também “produzir algo” por meio de sua intervenção. Ambas, partindo do entendimento
da profissão como processo de trabalho, defendem que o Serviço Social tem condições de resultar em
um produto, por meio de uma metodologia específica.
Em razão disso, há uma ênfase exagerada nas técnicas e nos instrumentais, como se a profissão
pudesse ser reduzida à aplicação de procedimentos sistematizados.
Somente a partir da relação equilibrada entre a utilização dos instrumentos e a aplicação das
técnicas é que será possível ao assistente social desenvolver uma prática condizente com o projeto
ético-político de sua categoria e assim colaborar para fortalecer os segmentos menos favorecidos
de nossa sociedade. Isso seria a instrumentalidade, ou seja, a capacidade que o profissional adquire
durante a sua formação e que lhe permite congregar os instrumentais técnico-operativos a um
referencial teórico, que, no caso dos assistentes sociais, é o marxismo. Essa união deve resultar
em melhoria significativa da vida dos segmentos mais empobrecidos e pauperizados de nossa
sociedade.
Merece destaque o que Guerra (2010) coloca sobre a importância da teoria, a qual, para a autora,
é o que nos permite realizar essa reflexão sobre a intervenção empreendida; portanto, pensar a
instrumentalidade remete-nos a pensar essencialmente na junção necessária entre teoria e prática. Esse
processo se dá pela mediação. É possível fazer uma transposição do conhecimento teórico apreendido
em espaços destinados à formação mediante a prática profissional, a intervenção.
Guerra (2010) comenta que a instrumentalidade precisa estar ancorada nos aspectos teórico-
metodológicos, que irão, portanto, fazer referência à formação teórica por nós recebida, mas
ainda destaca que a instrumentalidade precisa também estar vinculada à dimensão ético-política,
ou seja, ao compromisso ético e político que é assumido por toda a nossa categoria profissional.
89
Unidade III
Lembrete
Nesse sentido, Guerra (2010) ainda aponta que a instrumentalidade pressupõe que o assistente social
se aproprie da realidade sobre a qual irá intervir. Esse conhecimento da realidade fora destacado por
Iamamoto (2004), como vimos na Unidade II, sendo considerado pela autora, no período em questão,
como algo fundamental ao exercício profissional competente. Também é destacado por Guerra (2010)
como algo importante no que concerne a contemplar a instrumentalidade na atuação profissional dos
assistentes sociais.
Observação
Ir no sentido da instrumentalidade não é tarefa fácil, é algo que precisa ser constantemente
construído e reconstruído em nosso cotidiano profissional, ou seja, nossa metodologia está em
constante movimento dialético, em constante construção. Entretanto, precisamos saber, conhecer
alguns procedimentos técnico-operativos, isto é, precisamos nos apropriar da questão instrumental. Há
alguns aspectos que devem ser observados no que concerne à forma e ao método a ser utilizado. Para
que você, aluno, possa ter uma formação nesse sentido, veremos as orientações de Santos (2004) em
relação a esse assunto e, na sequência, destacaremos também a importância do método de intervenção.
Santos (2004) expõe, assim, que os centros de formação devem orientar os alunos, buscando responder
às questões: “O que fazer?”, “Por que fazer?”, “Como fazer?” e “Para que fazer?”. As respostas conferidas
a essas questões poderão proporcionar a formação dos alunos com relação à questão operacional, mas
também irão incorporar essa perspectiva da reflexão sobre a ação a ser desenvolvida.
Para o autor, por meio da constituição de disciplinas, bem como da realização de seminários temáticos,
oficinas, laboratórios e atividades complementares, os centros de formação poderão colaborar para
que o aluno entenda a questão instrumental. O autor destaca ainda como relevante a introdução de
modalidades de estágio para os alunos.
90
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
que pode ser utilizado pelo assistente social em seu cotidiano. Santos (2004) realiza uma distinção,
agrupando-os em instrumentais de trabalhos diretos ou face a face e instrumentais de trabalho
indiretos ou “por escrito”. Para ele, esses instrumentais funcionam como mediadores da intervenção
do assistente social, mas todos são orientados pelo principal instrumento, que é a linguagem, a
possibilidade de comunicação de nossa profissão, e esse pensamento fora extraído de Iamamoto (2004),
autora que defende como principal instrumento de ação do Serviço Social a linguagem, recurso básico
de intervenção. A modalidade que é destacada por ambos os autores é a linguagem culta.
Partindo assim do que é ressaltado por Santos (2004), os instrumentos de trabalho face a face ou
diretos são aqueles em que há interação do profissional com o meio no momento de sua utilização.
O autor destaca que parte desses instrumentos vem sendo usada ao longo do desenvolvimento do
Serviço Social enquanto profissão, mas que, na atualidade, não são empreendidos com o mesmo
objetivo pelo qual foram “utilizados” anteriormente. São exemplos desses instrumentos: observação
participante, entrevista individual e grupal, dinâmica de grupo, reunião, mobilização de comunidade e
visita institucional.
Já os instrumentos de trabalho indiretos ou por escrito são aqueles constituídos após a realização
da abordagem direta ou face a face. Santos (2008) cita como exemplos desses instrumentos as atas de
reunião, os livros de registro, o diário de campo, o relatório social e o parecer social, destacando que, no
caso desses instrumentais, faz-se necessário o domínio da escrita pelo profissional.
Não cabe aqui realizarmos uma descrição de cada um desses métodos, visto que isso não se constitui
no objetivo da disciplina. O que você precisa saber é que a técnica ou o instrumental que irá utilizar é
importante, mas só alcançará a instrumentalidade se for seguido de uma reflexão sobre as abordagens a
serem adotadas. Não podemos permanecer presos às amarras da técnica e, caso isso se efetive, estaremos
fadados ao burocratismo e ao vazio profissional tão criticados por Iamamoto (2004) e apontados no
início desta Unidade.
A título de exemplo do que viemos discutindo, prezado aluno, observe a matéria a seguir:
91
Unidade III
De acordo com o conselheiro José Maria Ribeiro, a adolescente relatou a uma assistente
social que durante o período em que esteve presa, foi vítima de violência física e sexual. “Ela
confirmou que sofreu não só violência sexual, mas também maus-tratos. Foi espancada e
queimada pelos presos. Quando estava dormindo, colocavam papel entre os dedos dos pés
dela e acendiam fogo”, contou.
Sobre a violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que não permite que menores
de idade sejam presos como adultos, a Polícia Civil informou que ainda investigará se a
adolescente é menor de idade. De acordo com a assessoria da corporação, em outras duas
ocasiões em que foi presa, ela teria apresentado certidões de nascimento diferentes, por isso
não há garantias de que tenha menos de 18 anos.
Essa matéria destaca que o assistente social ouviu a adolescente e, por meio dessa escuta,
outros direitos foram efetivados. No caso, as argumentações de Guerra (2010) e de outros autores
contemporâneos não se colocam contrárias às técnicas, pois, como vimos, muitas vezes, é por meio
da utilização destas que são efetivados os direitos sociais. O que é necessário compreender é que tais
técnicas demandam reflexão e uma ação competente.
92
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Saiba mais
Por isso, a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), órgão
responsável por delimitar aspectos mínimos que precisam ser trabalhados pelos centros de
formação de assistentes sociais, reforça a necessidade da compreensão dessas dimensões. Assim,
segundo as Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, publicadas em 1997 pela ABEPSS, que
devem ser utilizadas como referência na formação dos futuros profissionais por todas as unidades
de ensino, em todo o território nacional, essas dimensões precisam ser trabalhadas nos centros
de estudos por meio de disciplinas, atividades complementares, estágios e outros mecanismos de
formação profissional (SANTOS, 2004).
Segundo Iamamoto (2004), por meio da recorrência à fundamentação teórica será possível realizar
uma reflexão sobre as práticas a serem desenvolvidas no futuro, ou seja, pensar o futuro e agir sobre
ele demanda reflexão teórica, com foco nos aspectos relacionados à história da nossa profissão e
da nossa sociedade, além de um conhecimento que explique a atual dinâmica social. Assim, vê-se a
“[...] fundamentação teórico-metodológica como o caminho necessário para a construção de novas
alternativas no exercício profissional” (IAMAMOTO, 2004, p. 53).
A dimensão ético-política, por sua vez, faz referência à necessária consolidação dos valores
apresentados pelo Código de Ética da categoria e pelo projeto ético-político assumido pela nossa
profissão. Significa que o profissional precisa ter um posicionamento político, não de cunho partidário,
mas tendo como foco a defesa dos direitos, conforme também sinalizado por Santos (2004).
Iamamoto (2004), ao tratar do aspecto ético-político, tece uma sutil crítica à postura de alguns
profissionais que apenas exercem o papel “político”, destacando que essa dimensão “sozinha” nunca
resultará em um profissional competente e que, de fato, exerça a defesa dos direitos sociais dos
segmentos marginalizados de nossa população.
A autora aponta que a dimensão política é muito presente em nossa profissão, mas que, em
virtude de alguns exageros, a prática acabou reduzida apenas a essa dimensão por alguns profissionais.
Prossegue em suas colocações apontando que essa prática foi muito importante para a profissão, pois
garantiu à categoria grande potencial para o questionamento, mas seria um reducionismo profissional
compreender essa dimensão como única ou mais relevante à formação e ao exercício profissional.
“Conquanto a militância tenha impulsionado o potencial questionador da categoria profissional, dela
não se pode derivar diretamente uma consciência teórica e uma competência profissional” (IAMAMOTO,
2004, p. 54).
Essa prática, que se respalda apenas na dimensão política, é descrita por Iamamoto (2004) como
uma “prática inócua”, ou seja, como uma intervenção inocente e que não consegue alcançar os objetivos
propostos, ou seja, algo que não possui sustentação. Em tese, segundo a autora, o que sustenta a nossa
intervenção é a relação entre os conhecimentos provenientes de todas as dimensões.
Para isso, é preciso que seja desenvolvida uma orientação quanto aos aspectos técnico-operativos
da profissão – considerados por Santos (2004) como centrais na formação, desde que devidamente
amparados pelos demais.
Para que essas dimensões sejam contempladas pelos centros de formação, a ABEPSS observa ainda
que é preciso eleger como metas a capacitação constante dos docentes e a interlocução junto ao
94
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
mercado de trabalho com profissionais atuantes, pela constituição de diversas modalidades de estágio
(SANTOS, 2004). A nosso ver, para que as dimensões citadas sejam alcançadas, faz-se necessário que os
docentes dos centros de formação estejam em um processo constante de formação continuada e que
possibilitem, além da base teórica, a introdução dos alunos nos campos de trabalho já estabelecidos,
favorecendo assim a constituição de diversas modalidades de estágio.
Essas dimensões são complementares, tal como é apontado pela ABEPSS e pelos diversos autores
aqui elencados. No entanto, há algumas colocações que precisam ser feitas para orientar a nossa
intervenção profissional. Iamamoto (2004) denominou essas orientações de “rumos ético-políticos”. São
atitudes, comportamentos e posturas que devem ser adotados pelos profissionais e buscam alcançar
as dimensões que foram destacadas. Segundo a autora, os rumos a serem seguidos pela profissão
estarão relacionados às três dimensões apresentadas, mas possuem também como enfoque o alcance
da competência profissional.
Assim, prezado aluno, vamos discorrer sobre os rumos ético-políticos que devem ser observados em
nossa prática profissional, para que seja possível “sintonizar o Serviço Social” com os novos tempos.
Iamamoto (2004) destaca que precisamos decifrar o movimento societário, ou seja, devemos nos
apropriar da realidade, com especial atenção para o Serviço Social imbuído em tais relações. Nesse
aspecto, a autora aponta que é necessário considerar a interlocução do Serviço Social em suas relações
estabelecidas entre o Estado e a sociedade civil.
A autora argumenta que essa aproximação da realidade nos permite ainda identificar as formas de
resistência e contraposição presentes, e essas possibilidades devem ser apropriadas pelos profissionais
que desejem romper com uma prática tutelar em detrimento do estímulo a formas de participação e
autonomia por parte de nossos usuários. Assim, o conhecimento da realidade:
Além disso, Iamamoto (2004) chama a atenção para o fato de que o profissional que não conhece
a realidade sobre a qual atua pode ser visto pelos atendidos como se fosse um estranho em seu
universo. Nesse sentido, destaca ainda que essa aproximação também passa pela necessidade de
uma devolução, por parte do técnico, aos segmentos com os quais atua, de todas as informações
que conseguiu obter a partir de suas aproximações da realidade, ou seja, todas as informações
95
Unidade III
e as práticas que pretende desenvolver devem ser divulgadas aos segmentos com os quais o
assistente social se relaciona.
Em relação à prática profissional a ser desenvolvida, a autora afirma que nosso papel de assistente
social deve trazer implícita a necessidade de uma prática educativa. Nesses termos, tal educação deve
ser desenvolvida para constituir espaços de fato públicos, ou seja, para democratizar os espaços possíveis
e que viabilizem a participação dos segmentos da sociedade civil.
Iamamoto (2004) destaca ainda que, além desses aspectos, precisamos observar todo o disposto
em nosso Código de Ética profissional, apontando que precisamos fazer o referido documento vigorar
na realidade, pois de nada adianta uma legislação que não é colocada em prática. “O desafio é a
materialização dos princípios éticos na cotidianidade do trabalho, evitando que se transformem em
indicativos abstratos, descolados do processo social” (IAMAMOTO, 2004, p. 77).
Concluindo suas colocações, destaca que esse profissional que congrega as dimensões em sua prática
e que está atento aos rumos ético-políticos deve ser informado, culto, crítico e competente. A respeito
da competência, discorreremos no próximo item.
Saiba mais
Pensar a prática profissional sob a ótica da competência remete à compreensão dos aspectos legais
que orientam a nossa ação. Isso posto, precisamos recorrer à Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993, que
regulamenta a profissão de assistente social, visto que é nesse documento que consta uma série de
colocações sobre as competências dos profissionais, bem como suas atribuições privativas.
96
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
IV – (Vetado);
O que é apresentado como competência profissional, segundo a normativa em questão, diz respeito
a uma série de atividades que o assistente social pode vir a desempenhar, ou seja, são práticas para as
quais ele possui formação. No entanto, essas atividades podem ser realizadas pelo assistente social ou
por outro profissional, desde que possua habilidade para isso.
97
Unidade III
Entretanto, para que possamos desempenhar de forma correta nossas competências profissionais
e também defender nossas atribuições privativas, precisamos ser capacitados, desenvolver uma prática
competente.
Vejamos os aspectos que precisamos discutir com o objetivo de melhor compreender a noção de
competência profissional, com ênfase em sua aplicação ao Serviço Social.
98
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
No sentido exposto, precisamos também recorrer às Diretrizes Curriculares que foram estabelecidas
pela ABEPSS. Nessas diretrizes, como vimos, estão descritas as necessidades para uma formação mínima
de todos os assistentes sociais do Brasil.
Nesse documento são apontados os conteúdos mínimos para que os assistentes sociais graduados
sejam competentes em sua atuação na realidade concreta. Para que tal competência seja possibilitada
no âmbito da formação e transferida para a prática profissional, as Diretrizes Curriculares destacam que
é preciso orientar essa formação segundo os núcleos: fundamentação teórico-metodológica, formação
sócio-histórica da sociedade brasileira e fundamentos do trabalho social, que possibilitam ainda o
alcance das dimensões que foram tratadas no item anterior.
O núcleo de formação sócio-histórica da realidade brasileira, por sua vez, destina-se a uma
compreensão profunda dessa realidade, bem como dos processos econômicos, políticos e sociais que
conferiram peculiaridade ao surgimento e à constituição da Questão Social. Tal núcleo também demanda
o entendimento das formas de constituição dessa sociedade na realidade contemporânea.
Esses núcleos possuem, como vimos, especificidades, mas, de forma combinada, visam a
alcançar as chamadas competências profissionais, que estão expressas, no referido documento,
como as competências teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política. As disciplinas
constituídas pelos núcleos elencados precisam ser organizadas de forma que as competências
possam ser alcançadas no processo formativo e transferidas, pelo profissional, para a sua prática.
Vejamos o que consta nas Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social (1996) sobre essa
questão:
99
Unidade III
Essas competências, tal como vimos, aparecem no referido documento como uma necessidade para
a prática da profissão e para que o assistente social possa aprender como se posicionar, como se colocar
diante das situações que lhe vão sendo apresentadas.
Tal documento ainda afirma que essas competências precisam ser estimuladas para criar nos futuros
profissionais e nos já graduados o hábito da pesquisa, descrita no documento com a expressão “postura
investigativa”.
O documento menciona também que a postura investigativa é importante para estimular a junção
entre o conhecimento teórico e a prática profissional, e esse processo de sistematização precisa ser
ensinado já na prática, para que, depois de apropriado durante o processo formativo, seja também
aplicado na realidade profissional cotidiana.
Dessa maneira, tais núcleos precisam ser constituídos segundo um padrão mínimo, para que todos
os profissionais e graduandos em diversos centros de formação possuam uma capacitação mínima para
a intervenção profissional. Assim, é por meio das disciplinas e das demais possibilidades de formação que
são oferecidas as competências teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, com ênfase na
intervenção profissional e na pesquisa.
As Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social (1996) ainda destacam que, para proporcionar a
competência, os centros de formação devem observar os seguintes princípios:
100
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
Esses princípios, como podemos ver, destacam muitos aspectos interessantes e que deveriam ser
observados pelos cursos de graduação em sua organização curricular, obviamente, para que o profissional
graduado possa desenvolver habilidades. Observamos nos princípios a importância do rigor teórico, da
necessidade de serem trabalhadas as dimensões investigativas e interventivas, além de asseverarem a
importância da interdisciplinaridade, do respeito ao pluralismo e da ética profissional.
O documento estabelece que a competência profissional só será atingida se esses princípios forem
observados em todos os centros de formação profissional. Aponta ainda que essa competência profissional
deve incidir sobre a formação no que concerne a realizar uma capacitação teórico-metodológica, ético-
política e técnico-operativa.
As Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social (1996) ainda propõem que somente por meio
da capacitação nos termos apresentados, observando-se os princípios expostos e constituindo-se os
núcleos descritos, os profissionais alcançarão a competência esperada. Assim, o documento expõe que
o profissional será competente para realizar:
Isso que dizer que todos os profissionais graduados precisam ser competentes no que concerne
a apreender o processo histórico e a situação atual da realidade brasileira, bem como no tocante a
apreender o significado social da profissão e das demandas a ela inerentes. Devem compreender,
inclusive, as configurações do mercado de trabalho, para que seja possível conferir respostas às demandas
apresentadas. Também é necessário que o profissional defenda tanto as competências profissionais
quanto as atribuições privativas de nossa atividade.
Souza (2004), afirma que o tema competência surgiu no debate nacional brasileiro a partir da
década de 1980. Nesse período, segundo o que o autor destaca, a competência profissional passou a ser
exigida de todos, em decorrência dos processos de reestruturação produtiva. Nesse cenário, começou
a ser “exigido” que o trabalhador fosse competente em sua área de formação e também tivesse outras
habilidades profissionais, ou seja, deveria ir além da sua formação inicial.
Esse autor ressalta ainda que, a partir de então, passou a ser requisitado aos profissionais um
determinado “pacote de competências”, fazendo menção a uma série de condições necessárias ao
profissional que quisesse ser compreendido como competente. Destaca, assim, como integrantes do
chamado pacote de competências: a flexibilidade do trabalhador, sua transferibilidade, sua polivalência
e sua condição para a empregabilidade. Segundo ele, há uma grande ênfase na questão da polivalência
profissional. O profissional polivalente é aquele que desempenha uma série de funções além das que já
foi habilitado para desempenhar.
Souza (2004), no entanto, ao discutir a questão da competência aplicando-a ao Serviço Social, vem
nos dizer que o profissional competente é aquele culturalmente versado e politicamente atento ao
tempo histórico que está vivendo. Assim, é necessária competência técnica e estratégica para decifrar
a realidade presente.
O autor enfatiza que é essencial aos profissionais entenderem que sua ação tem uma dimensão
política, e essa compreensão também é indicativa da competência. Assim, “imprimir às ações uma
postura política e ética pode ser um dos caminhos a serem trilhados pelos profissionais” (SOUZA,
2004, p. 53), visto que o profissional competente condiciona sua prática a uma postura ética e
também política.
102
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
O autor ainda observa que a dimensão política deve ser expressa por meio de uma prática profissional
em que os princípios contidos no Código de Ética de nossa profissão sejam colocados em prática. Nesses
termos, destaca que é necessária e fundamental a defesa dos segmentos pauperizados da sociedade
brasileira.
Assim, o autor destaca que é no cotidiano que devemos expressar nossa ação competente; para
isso, precisamos considerar que nossa competência profissional precisa ser expressa em um espaço
heterogêneo por natureza e, por conseguinte, composto por uma série de dimensões que expressam o
viver e o agir dos seres humanos.
Para uma intervenção competente, é necessário que o profissional assuma duas posturas ou
comportamentos profissionais. A primeira, indicada por Souza (2004), refere-se ao fato de que os
assistentes sociais devem ser contrários a compreensões fundadas apenas no senso comum. Já a segunda
faz referência a uma capacidade que precisa ser por nós apropriada: a de nos interrogarmos sobre os
fenômenos presentes na realidade.
O autor ainda destaca que esses comportamentos permitem que nos distanciemos do mundo sobre
o qual estamos atuando, para que possamos a ele voltar com um entendimento diferenciado. Somente
por meio de uma prática de distanciamento, de investigação de nossa realidade se torna possível uma
ação, de fato, competente.
Assim, Souza (2004) postula que a competência demanda a formação por meio da qualificação
formal e das competências teórica, técnica e política, sendo estas vitais ao exercício profissional e
oferecidas no processo formativo.
Agora passaremos a tratar da competência de acordo com Iamamoto (2004). Algumas considerações
feitas pela autora já foram aqui mencionadas, com o objetivo de destacar a prática competente. Cabe
lembrar que é necessário, segundo ela, um profissional culturalmente versado e com compreensão
política. Também é preciso ser propositivo, ou seja, relacionado com a pesquisa e com a atualização
permanente.
Iamamoto (2004) observa que esse profissional precisa dominar o aspecto operacional, com destaque
para a extrema importância do domínio da linguagem, que é, como vimos, tratada como um dos recursos
fundamentais do exercício da profissão. Retomamos, aqui, que a modalidade de linguagem referida é a
forma culta.
A autora também enfatiza que o profissional competente é aquele que consegue apreender a história,
a realidade atual e os processos constituídos de organização econômica, política e social. Segundo essa
103
Unidade III
compreensão, o profissional competente é aquele que, diante dessas constatações, consegue elaborar e
propor respostas criativas de intervenção.
Para isso, é necessário romper com uma visão endógena da profissão e entender, assim, a importância
que a prática profissional precisa assumir para se constituir como uma profissão que seja, de fato,
socioeducativa. Compreender esses aspectos sob a ótica da competência significa entender a nossa
profissão como uma prática de intervenção e que precisa congregar os princípios éticos assumidos por
toda a nossa categoria profissional.
Lembrete
Esperamos que esses conteúdos tenham colaborado com o seu processo formativo e que você tenha
conseguido apreender todas as colocações aqui destacadas. Recomendamos reler o conteúdo exposto e
realizar os exercícios no final desta Unidade, a fim de avaliar sua aprendizagem, dada a quantidade de
detalhes do tema.
Resumo
Exercícios
I – Os objetivos da profissão são construídos a partir de uma reflexão teórica, ética e política que
define os instrumentos e as técnicas de intervenção. Conclui-se que essas metodologias de ação não
estão prontas e acabadas.
III – Cabe ao assistente social ter habilidade técnica para manusear determinado instrumento de
trabalho na sua prática e adaptá-lo às necessidades a que precisa atender no seu cotidiano.
IV – É necessário compreender a dinâmica da realidade e quais mudanças são essas, para que o
instrumental utilizado seja o mais eficaz possível e, de fato, possa produzir as mudanças desejadas pelo
assistente social – ou chegar o mais próximo possível disso.
106
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
I) Afirmativa correta.
Justificativa: o assistente social precisa ter domínio das técnicas que irá utilizar em sua prática
profissional, e estas precisam estar relacionadas a reflexões teóricas, ético-políticas e metodológicas,
ou seja, ele precisa dominar as técnicas, mas também ter consciência de seu referencial teórico e
metodológico e dos princípios ético-políticos que regem a sua atuação.
V) Alternativa incorreta.
Justificativa: a instrumentalidade não pode estar restrita à simples utilização de técnicas, conforme
já salientado neste livro-texto. As técnicas são importantes e condicionam em grande parte o fazer
profissional, porém não podem ser compreendidas como supremas, e sim consideradas importantes na
prática do assistente social.
III – A visita domiciliar, quando solicitada ao assistente social pela equipe de Recursos Humanos de uma
organização, deve objetivar sua inserção na esfera da vida privada do trabalhador e, consequentemente,
submetê-lo à disciplina, moldando o seu caráter.
IV – A instrumentalidade pode ser compreendida como uma mediação que permite utilizar
as referências teóricas, explicativas da lógica e da dinâmica da sociedade, para a compreensão das
particularidades do exercício profissional e das singularidades do cotidiano.
V – O uso de instrumental técnico requer interações de comunicação oral e escrita, o que pressupõe
a utilização de linguagens por parte do assistente social. Caso seja necessário utilizar a modalidade
escrita, deve-se empregar o padrão culto e técnico de língua.
A) I, II, IV.
B) III, V.
C) IV, V.
D) II, IV.
108
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 2
Figura 3
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Exercícios
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Unidade III – Questão 2: CESPE/UNB – ECT. Concurso Público Nacional para Provimento de Vagas e
Formação de Cadastro Reserva em Cargos de Nível Superior e de Nível Médio 2011 – Assistente Social.
Questões 66-70. Disponível em: <http://www.questoesdeconcursos.com.br>. Acesso em: 13 abr. 2012.
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128
Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000