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Educação Inclusiva

Autoras: Profa. Flavia Danieli de Souza


Profa. Mônica Cintrão França Ribeiro
Profa. Valeria Campinas Braunstein
Colaboradores: Profa. Silmara Maria Machado
Prof. Nonato Assis de Miranda
Professoras conteudistas: Flavia Danieli de Souza /
Mônica Cintrão França Ribeiro / Valeria Campinas Braunstein

Flavia Danieli de Souza Docente em cursos de pós‑graduação em Psicopedagogia,


Acupuntura, Formação do Professor para o Ensino Superior
Possui graduação em Pedagogia com habilitação em (UNIP e INPG) e Alfabetização e Letramento (Unifai). Líder do
Deficiência Auditiva e Deficiência Mental (2003), especialização Grupo de Pesquisa Psicologia e Saúde (CNPq/UNIP) e membro
em Educação Inclusiva e mestrado em Educação (2009) pela do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas e Gestão de Práticas
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) – Educativas (CNPq/UNIP). Membro do Fórum sobre Medicalização
campus de Marília/SP. Foi bolsista de mestrado da Fundação de da Educação e da Sociedade e do Grupo Interinstitucional Queixa
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Exerceu Escolar (GIQE). Possui experiência em pesquisa e intervenção na
a função de professora do Ensino Fundamental da Prefeitura área da Psicologia Escolar e Educacional, atuando principalmente
Municipal de Marília e de docente das faculdades Esefap na cidade nos seguintes temas: processos e problemas de escolarização,
de Tupã/SP, no curso de Educação Física, onde lecionou a disciplina formação do psicólogo e de professores, relação saúde‑educação.
Didática. Foi formadora em um curso de Libras a Distância
promovido pela Unesp e financiado pelo MEC e pela Universidade Valeria Campinas Braunstein
Aberta do Brasil (UAB). Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Educação Especial e Inclusão. Desenvolve pesquisas Graduada em Psicologia pela Universidade Paulista (1988)
na área de ensino, aprendizagem, organização e administração e em Pedagogia pela Universidade Nove de Julho (2008).
escolar. No momento é professora da rede municipal de ensino Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (2008)
da cidade de Marília/SP, no Ensino Fundamental, docente do curso pela Universidade Nove de Julho. Cursou aperfeiçoamento em
de Pedagogia na UNIP – campus de Assis e leciona no Instituto de Orientação a Queixa Escolar (2004) e é mestre em Educação
Educação de Assis, no curso de Pedagogia. pela Universidade de São Paulo (2012), na área de Psicologia
e Educação. Tem experiência de aproximadamente 20 anos
Mônica Cintrão França Ribeiro na área de Educação, com ênfase em Psicologia Educacional e
Educação Especial, com atividades nas áreas clínica, educacional
Possui graduação em Psicologia (1984) pelo Instituto e psicopedagógica, abordando principalmente os seguintes
Unificado Paulista e pós‑graduação em Psicopedagogia (1992) pela temas: deficiência, transtornos do desenvolvimento, inclusão,
Universidade Paulista. Cursou mestrado e doutorado em Psicologia desenvolvimento, aprendizagem, psicologia, queixa escolar e
pelo Programa de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento educação. É docente da UNIP, nos cursos de graduação em
Humano no Instituto de Psicologia da Universidade de São psicologia e pedagogia, e da Unisa, na pós‑graduação em
Paulo (bolsa Capes, 1997 e 2003). Atua como professora titular, Educação Especial. É colaboradora do Fórum Oeste de Educação
supervisora de estágio e líder de disciplinas nos cursos de Psicologia Inclusiva e do Laboratório de Educação Especial – Ladesp‑USP.
e Pedagogia para o ensino presencial e o ensino a distância na Dirige e coordena o Núcleo de Desenvolvimento Mosaicos, presta
Universidade Paulista. É pesquisadora e orientadora de pesquisa consultoria educacional e participa de equipe de avaliação externa
discente da Vice‑Reitoria de Pesquisa e Pós‑Graduação da UNIP. e formação de professores no município de Barueri.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S729e Souza, Flávia Danieli de.

Educação Inclusiva. / Flavia Danieli de Souza, Mônica Cintrão


França Ribeiro, Valéria Campinas Braustein. – São Paulo: Editora Sol, 2024.

136 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Educação inclusiva. 2. Suporte em psicologia. 3. Suporte em


serviço social. I. Título.

CDU 376

U519.29 – 24

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Profa. Sandra Miessa
Reitora

Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo


Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini


Vice-Reitora de Administração e Finanças

Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia


Vice-Reitor de Extensão

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora das Unidades Universitárias

Profa. Silvia Gomes Miessa


Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal

Profa. Laura Ancona Lee


Vice-Reitora de Relações Internacionais

Prof. Marcus Vinícius Mathias


Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária

UNIP EaD
Profa. Elisabete Brihy
Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto
Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar

Material Didático
Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. M. Deise Alcantara Carreiro
Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes

Projeto gráfico: Revisão:


Prof. Alexandre Ponzetto Juliana Maria Mendes
Virgínia Bilatto
Sumário
Educação Inclusiva

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 SITUANDO A EDUCAÇÃO ESPECIAL E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO CENÁRIO
BRASILEIRO............................................................................................................................................................. 11
1.1 Inclusão e inclusão escolar: definição.......................................................................................... 11
1.2 A sociedade capitalista e os processos de exclusão................................................................ 15
1.3 História da Educação Especial no Brasil: do paradigma da institucionalização
ao paradigma da inclusão......................................................................................................................... 18
2 INCLUSÃO ESCOLAR: POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO PARA O ATENDIMENTO
ÀS NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS........................................................................................ 27
2.1 Legislação e movimentos nacionais e internacionais que norteiam a
educação inclusiva....................................................................................................................................... 27
2.2 Atendimento Educacional Especializado à pessoa com necessidades
educacionais especiais................................................................................................................................ 31
3 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA E ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO (AEE).......... 34
3.1 O aluno com deficiência intelectual.............................................................................................. 34
3.1.1 Classificação............................................................................................................................................... 35
3.1.2 Causas da deficiência intelectual...................................................................................................... 37
3.1.3 Fatores genéticos..................................................................................................................................... 37
3.1.4 Fatores teratogênicos............................................................................................................................. 38
3.1.5 Atendimento Educacional Especializado....................................................................................... 39
3.2 O aluno com deficiência visual........................................................................................................ 41
3.2.1 Os olhos....................................................................................................................................................... 41
3.2.2 Saúde visual............................................................................................................................................... 42
3.2.3 Definição de deficiência visual........................................................................................................... 43
3.2.4 Causas da deficiência visual................................................................................................................ 43
3.2.5 Atendimento Educacional Especializado....................................................................................... 45
3.3 O aluno com deficiência auditiva................................................................................................... 47
3.3.1 Os ouvidos.................................................................................................................................................. 47
3.3.2 Definição de deficiência auditiva...................................................................................................... 47
3.3.3 Classificação............................................................................................................................................... 48
3.3.4 Causas da deficiência auditiva........................................................................................................... 50
3.3.5 Atendimento Educacional Especializado....................................................................................... 51
3.4 O aluno com deficiência física e motora..................................................................................... 53
3.4.1 Definição de desenvolvimento motor............................................................................................. 56
3.4.2 Definição de deficiência motora........................................................................................................ 56
3.4.3 Atendimento Educacional Especializado....................................................................................... 58
4 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA E ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO (AEE).......... 61
4.1 O aluno com transtornos globais do desenvolvimento e transtornos funcionais..... 61
4.1.1 Autismo........................................................................................................................................................ 62
4.1.2 Síndrome de Rett..................................................................................................................................... 62
4.1.3 Síndrome de Asperger............................................................................................................................ 62
4.1.4 Espectro autista........................................................................................................................................ 63
4.1.5 Características específicas dos TGDs e intervenção educacional......................................... 63
4.2 Crianças com altas habilidades/superdotação.......................................................................... 66
4.2.1 Avaliação psicológica............................................................................................................................. 66
4.2.2 Metodologia............................................................................................................................................... 67
4.2.3 O papel da escola na estimulação do talento criativo............................................................. 68

Unidade II
5 PROBLEMA DE APRENDIZAGEM OU DE ESCOLARIZAÇÃO?............................................................ 76
5.1 Definição de problema de aprendizagem: linguagem e comportamento..................... 76
5.1.1 Diagnóstico do problema de aprendizagem................................................................................. 77
5.1.2 Tratamento do problema de aprendizagem.................................................................................. 77
5.1.3 O que é linguagem?................................................................................................................................ 78
5.1.4 O que é distúrbio de linguagem?...................................................................................................... 79
5.1.5 Distúrbios de comportamento........................................................................................................... 87
5.1.6 O que é comportamento?.................................................................................................................... 87
5.1.7 O que é distúrbio de comportamento?........................................................................................... 87
6 TRABALHANDO EM REDES PARA SUPERAÇÃO DOS PROBLEMAS EDUCACIONAIS.............. 92
6.1 Definição de redes de trabalho........................................................................................................ 94
6.2 Definição de ensino colaborativo................................................................................................... 96
7 O TRABALHO DE SUPORTE EM PSICOLOGIA.......................................................................................100
7.1 A avaliação das dificuldades de escolarização e das necessidades dos alunos
sob a ótica da psicologia.........................................................................................................................103
7.1.1 Contexto familiar...................................................................................................................................104
7.1.2 Contexto educacional..........................................................................................................................105
7.2 Intervenções do psicólogo para garantir uma Educação Inclusiva................................106
7.3 Estratégias e possibilidades de atuação do psicólogo que rompam com
a cumplicidade entre a psicologia e a educação na medicalização do ensino.................110
8 O TRABALHO DE SUPORTE EM SERVIÇO SOCIAL...............................................................................112
8.1 O trabalho do assistente social como suporte para garantir o direito
à Educação Inclusiva e a emancipação humana...........................................................................113
8.2 A atuação dos assistentes sociais junto à comunidade escolar.......................................114
8.3 Intervenções dos assistentes sociais junto a famílias de alunos com deficiência
e junto aos alunos em situação de vulnerabilidade social........................................................116
8.4 Procedimentos de intervenção na interlocução das diversas esferas sociais
e no acesso a benefícios que promovam a manutenção da qualidade de vida
dos alunos e de suas famílias................................................................................................................117
APRESENTAÇÃO

Antes de começarmos este livro‑texto, apresentamos algumas orientações gerais sobre o percurso
que vamos realizar juntos.

Vamos começar com a ementa, que apresenta o tema da disciplina e as competências e habilidades
a ele vinculadas. Em outras palavras, identificamos o que esperamos que você aprenda com esse módulo
no que se refere a conhecimentos teóricos e suas articulações com a prática pedagógica.

Esta disciplina é composta por duas unidades, e cada uma possui quatro tópicos, organizados
de forma que favoreçam o desenvolvimento do conteúdo e ajudem você a se localizar durante seus
estudos. Em cada tópico há um texto‑suporte com exercícios, lembretes e observações; ao final de
cada unidade, há um resumo dos principais assuntos tratados. Há também as referências, para estudo e
aprofundamento dos temas abordados.

Assim, você irá encontrar alguns destaques identificados da seguinte forma: Saiba Mais (indicações
de sites, artigos ou outras fontes nas quais você poderá aprofundar seus conhecimentos); Lembrete
(destaques de alguns aspectos relevantes do assunto abordado); Observação (comentários ou breves
complementos ao texto); Resumo (síntese do que foi tratado, apresentada ao final de cada unidade).

Para que você possa aproveitar este material, procure ler com atenção cada um dos tópicos e
realizar os exercícios propostos como possibilidade de reflexão sobre os assuntos tratados, utilizando a
bibliografia como apoio para seus estudos.

Por meio do Sumário, você conhecerá como a disciplina está estruturada: composta por duas
unidades, cada uma com quatro tópicos e respectivos subtópicos, organizados de forma que favoreçam
o desenvolvimento do conteúdo e ajudem você a se localizar durante seus estudos. Lembramos que essa
não é, obviamente, a única forma de apresentar a Educação Inclusiva para você, mas enfatizamos que
foi pensada buscando construir uma lógica interna, com coerência e organização que favoreçam sua
compreensão e que tornem seu percurso prazeroso!

Não se esqueça de recorrer constantemente à parte final deste livro‑texto, na qual indicamos as
fontes (livros, artigos etc.) que serviram de referência para este material e na qual você encontrará novas
possibilidades de busca e aprendizagem!

Queremos salientar que sua participação nas atividades on‑line envolvidas neste curso de educação
a distância é muito importante, porque com elas entendemos que a sua formação será fortalecida e
ampliada, valorizando a comunicação com outros alunos, bem como compartilhando dúvidas, descobertas
e consolidando seus conhecimentos.

Para nos conhecermos melhor, fornecemos um breve currículo, em que apresentamos nossa formação
e a vinculação com o tema deste estudo.

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Como o nome indica, esta disciplina concentra‑se no estudo da Educação Inclusiva, destinada a
todos os alunos e em especial àqueles com necessidades educacionais especiais. A proposta é conhecer
os princípios filosóficos, políticos, históricos e sociais do cenário educacional que fundamentam
e determinam a educação inclusiva, bem como as implicações de tais princípios para o trabalho do
pedagogo, do psicólogo e do assistente social.

Também há interesse no conhecimento da educação de crianças e adolescentes com deficiência


em seu processo de escolarização e dos fatores sociais que subjazem às dificuldades escolares na
aprendizagem e no comportamento na escola. Tudo isso em uma perspectiva de análise das formas de
superação do processo de exclusão social e cultural da criança produzido pelo sistema escolar.

Dessa forma, nossa disciplina tem como objetivo geral o desenvolvimento das seguintes competências:
compreender princípios e estratégias de atuação da educação inclusiva definidos pela legislação nacional
e internacional envolvidos na prática interdisciplinar, por meio de uma perspectiva crítica; conhecer
as principais características dos alunos com deficiência, bem como as possibilidades de intervenção
em prol de seu desenvolvimento, em serviços de apoio educacional especializado (AEE), nas diversas
instâncias educacionais e de saúde, bem como em contextos governamentais e não governamentais; e
compreender a relevância da atuação do pedagogo, do psicólogo e do assistente social na instituição
escolar, em uma proposta de trabalho multidisciplinar que favoreça a interlocução das diversas esferas
sociais em prol da Educação Inclusiva.

Como você pode perceber, alem de adquirir um conhecimento teórico consistente, desejamos que
compreenda seus fundamentos históricos e filosóficos e que possa perceber sua vinculação com a
proposição de uma metodologia e de uma postura profissional. Nesse sentido, indicamos as seguintes
habilidades que você deverá desenvolver durante o curso: analisar, no contexto multicultural, as
circunstâncias e possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento de crianças e adolescentes cuja
diversidade as coloca em situação de exclusão e humilhação social; identificar em situações‑problema os
principais indicadores teóricos estudados no curso; construir projetos de intervenção para o atendimento
educacional especializado, bem como para a atuação do pedagogo, do psicólogo e do assistente social.

Planejamos estas páginas para que seu percurso seja bastante rico e dinâmico. Para isso, contamos
com sua participação complementando seus estudos, recorrendo às dicas que apresentaremos e
buscando outras fontes, sempre atento, para que consulte referências confiáveis!

Para entender melhor como será a disciplina, observe atentamente os itens do Sumário, que indicam
claramente a sequência dos nossos passos.

8
INTRODUÇÃO

Agora que você foi apresentado(a) à nossa disciplina, vamos refletir um pouco mais sobre sua
importância para a formação de um futuro profissional da Educação e/ou do Serviço Social.

Antes de darmos início ao texto, é necessário abordarmos uma questão:

“Qual é o sentido desta disciplina para a sua formação profissional?”.

As escolas de todo o país enfrentam um “novo‑antigo” desafio: incluir no cotidiano escolar todos
os alunos, com suas semelhanças e diferenças, possibilitando, com isso, o desenvolvimento integral dos
sujeitos. No entanto, sabemos, na prática, que isso tem se constituído numa difícil tarefa, tanto para os
professores quanto para a instituição escolar de modo geral, uma vez que faltam recursos de todo tipo:
formação adequada dos professores, material pedagógico que atenda às necessidades tanto dos alunos
como dos professores, infraestrutura material no espaço escolar, equipe multiprofissional e apoio de
entidades para a construção de um fazer pedagógico de qualidade.

Temos, assim, acompanhado a preocupação de teóricos e especialistas na elaboração de material


para a formação de professores, com o objetivo de propiciar a inclusão de alunos no processo de
ensino‑aprendizagem. Embora haja um vasto material teórico e cartilhas de orientação, na prática
isso ainda se constitui num grande desafio para a maior parte dos educadores comprometidos com o
processo de desenvolvimento e aprendizagem de seus alunos.

A pergunta que se faz é a seguinte: como articular a vasta literatura sobre o tema da inclusão com o
cotidiano escolar? Como possibilitar ao professor a internalização da teoria, a fim de torná‑la ferramenta
atualizada de seu fazer pedagógico? Como tornar a sociedade parceira no processo de construção de
políticas públicas que beneficiem todos os sujeitos?

Acreditamos ser este o nosso grande desafio como educadores: construir um projeto pedagógico
que leve em consideração todos os sujeitos. O que vemos na prática, porém, é justamente o contrário:
altos índices de adoecimento de alunos e professores, em função das dificuldades enfrentadas, muitas
vezes, de maneira solitária, resultando em diagnósticos individualizadores, que culpabilizam ora uma
parte, ora outra pelo fracasso no processo escolar.

O resultado disso é o aumento significativo dos encaminhamentos de crianças, adolescentes e dos


próprios professores para especialistas da área da Saúde, indicando a compreensão da maior parte das
pessoas de que o problema de escolarização, que envolve toda a complexa estrutura escolar, é individual
e de caráter orgânico, deslocando o foco do problema, que é político‑social, para o corpo e o psiquismo
dos alunos e dos professores.

Assim, esta disciplina tem como objetivo possibilitar a você o conhecimento das principais
características de desenvolvimento e dificuldades dos sujeitos com deficiências nas áreas visual, auditiva,
física e intelectual, além de abordar as altas habilidades, bem como as possibilidades de intervenção no
contexto escolar e social, entendendo o seu papel como mediador da inclusão do aluno que apresente
9
qualquer que seja a característica. Além disso, é nosso objetivo refletir sobre os princípios e as estratégias
de intervenção diante dos problemas de escolarização do aluno, segundo uma perspectiva crítica, no
contexto escolar.

O trabalho nesta disciplina, portanto, vai além dos conhecimentos específicos sobre as patologias
do desenvolvimento infantil, seja ele de caráter sensorial, motor, intelectual, cognitivo ou afetivo‑emocional.
Nosso objetivo é proporcionar uma base teórica que permita uma discussão mais ampla sobre o processo
de escolarização, ou seja, uma leitura das relações que se estabelecem no processo ensino‑aprendizagem
e de quais os mecanismos institucionais que, muitas vezes, impedem esse processo e culpabilizam
de maneira individual uma das partes, gerando o fracasso e a exclusão escolar e social do aluno e
do professor.

Inúmeras pesquisas e publicações nacionais e internacionais são realizadas com base na articulação
da psicologia com outras grandes áreas das ciências humanas. Nosso objetivo é apresentar os
conhecimentos psicológicos no fazer cotidiano da prática pedagógica, bem como na definição de
diretrizes de políticas educacionais mais amplas.

Diante de tão importante parceria, entendemos ser necessário que você conheça algumas das
principais contribuições da psicologia sobre o desenvolvimento e a aprendizagem humana, bem como
seus alicerces teóricos e metodológicos, para que, a partir desse conhecimento, possa realizar uma
análise crítica e fundamentada. Como você verá nas próximas páginas, as escolhas que cada um faz no
dia a dia de sua profissão baseiam‑se em diferentes visões sobre o homem e sua interação com o mundo
social, implicando consequências reais no modo como irá intervir e relacionar‑se com professores,
alunos e suas famílias. Como entendermos que tais escolhas não devem ser feitas de maneira ingênua
e irrefletida, estruturamos este material para ajudá‑lo nessa tarefa.

Bom estudo!

10
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Unidade I
Esta unidade é composta por quatro partes. No primeiro tópico, estudaremos a Educação Especial
e a Educação Inclusiva no cenário brasileiro, a história da Educação Especial no Brasil e a passagem de
uma concepção institucional de atendimento àquela pautada por práticas inclusivas, tanto no âmbito
escolar quanto no social. No segundo tópico, faremos uma análise das políticas públicas no atendimento
educacional especializado (AEE) a pessoas com necessidades educacionais especiais. No terceiro tópico
são apresentadas algumas deficiências (intelectual, sensorial, física ou motora) em relação à definição,
às causas e à proposta de um atendimento educacional especializado. No quarto tópico, estudaremos
os transtornos globais de desenvolvimento, as características específicas e a intervenção educacional.
Concluímos apresentando as crianças com altas habilidades, procedimentos de avaliação e o papel da
escola na estimulação do talento criativo.

Após essa breve apresentação dos conteúdos da unidade I, convidamos você a mergulhar conosco
no universo fascinante da Educação Inclusiva.

1 SITUANDO A EDUCAÇÃO ESPECIAL E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO


CENÁRIO BRASILEIRO

1.1 Inclusão e inclusão escolar: definição

Nosso objetivo é, inicialmente, apresentar o conceito de inclusão como ponto de partida para melhor
compreender o aluno e a perspectiva sócio‑histórica em que esse termo foi construído ao longo da
história em nosso país.

O objetivo da educação inclusiva (inclusão) é “incluir as crianças com deficiência no ensino regular
[e] romper com preconceitos e estereótipos que envolvem a exclusão escolar de crianças com algum
tipo de deficiência” (Educação [...], 2000).

A inclusão escolar foi sugerida pela Unesco em 1968, mas só se concretizou em 1986, nos EUA, quando

crianças com deficiências leves e moderadas foram inseridas nas classes


regulares comuns. Pais, professores, especialistas e instituições trabalharam
contra todos os tipos de preconceito para que a educação inclusiva
pudesse atingir mais de 5,8 milhões de deficientes americanos, em todos os
níveis de ensino.

No Brasil, graças às intervenções do MEC, já existem escolas que realizam


o mesmo trabalho, apesar dos preconceitos [de muitos profissionais que
afirmam que] as crianças devem ser separadas das demais e colocadas em
11
Unidade I

classes ou escolas especiais [...] os estereótipos relacionados aos deficientes


são muito fortes, contribuindo [para a exclusão social e escolar].

[...] as crianças com deficiências mentais, físicas, visuais, auditivas,


com distúrbios de aprendizagem ou emocionais conseguem inúmeros
progressos em classes de ensino regular. Isso [é] possível porque elas têm
a possibilidade de conviver em um contexto mais amplo, assimilando
novas experiências. Segundo a professora, “vídeos comparativos entre o
desenvolvimento de deficientes em escolas especiais e os que estão em
escolas de ensino regular demonstram o alto grau de progresso desses
últimos. A linguagem é acelerada e eles aprendem novos conceitos
brincando com as outras crianças [...] Nosso objetivo é tentar romper
com todos os processos de estigmatização, fazendo que as crianças não
sejam mais avaliadas apenas [por meio] dos testes de QI, mas pelo próprio
potencial que elas apresentam. Isso porque esses testes medem o que
elas não têm, em vez de lidar com aquilo que elas poderiam utilizar no
contexto escolar (Educação [...], 2000).

A inclusão escolar é prevista pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), n. 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, e pela Constituição Federal. Esse foi um fato histórico, conquistado após muitos anos de
questionamentos sobre o tema. A lei é um instrumento importante para garantir a inclusão, visto que
delineia a educação brasileira e apresenta um capítulo dedicado à educação especial.

Três aspectos da lei são destacados:

• Educandos com necessidades especiais são aqueles que possuem necessidades incomuns e,
portanto, diferentes das dos outros no que diz respeito às aprendizagens curriculares compatíveis
com suas idades. Em razão dessa particularidade, esses alunos precisam de recursos pedagógicos
e metodológicos próprios.

• Entende‑se por educação especial, para os efeitos dessa lei, a modalidade de educação escolar,
oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com necessidades especiais.

• Professores com especialização adequada, em nível médio ou superior, para atendimento


especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para integração desses
educandos nas classes comuns.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), o alunado de educação
especial pode ser classificado como:

• portadores de deficiência: alunos que apresentam deficiência mental, física, auditiva, visual
ou múltipla;

12
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

• portadores de condutas típicas: alunos com comportamentos típicos de portadores de síndromes e


quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos com repercussão sobre o desenvolvimento
e comprometimento social;

• crianças de alto risco: alunos que têm o desenvolvimento fragilizado em decorrência de fatores
como gestação inadequada, alimentação imprópria, nascimento prematuro etc.;

• portadores de altas habilidades: alunos também chamados de superdotados, pois apresentam


elevada potencialidade intelectual, aptidão acadêmica específica, capacidade criativa produtiva,
alta performance em liderança, elevada capacidade psicomotora, talento especial para artes.

Saiba mais

Leia sobre a definição de inclusão, em contraste com a de integração,


dada por Mantoan:

MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer?


2. ed. São Paulo: Moderna, 2006b.

Os movimentos internacionais a favor da inclusão são:

• Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien (Tailândia) no ano de
1990, em defesa da equidade social nos países mais pobres e populosos.

• Declaração de Nova Délhi (Índia), ocorrida em 1993, em defesa do atendimento à demanda de


universalização do ensino básico.

• Declaração de Salamanca (Espanha), realizada em 1994, quando da realização da Conferência


Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais.

Embora o Brasil, apesar de ter sido convidado, não tenha participado, esse documento influenciou
fortemente a política e a gestão da educação, sobretudo da educação especial em nosso país.

A Linha de Ação sobre Necessidades Educacionais Especiais, da Declaração de Salamanca, almeja


a definição da política e a inspiração da ação de governos, organizações não governamentais e outras
instituições na implementação de princípios, políticas e práticas em educação especial. Tal linha de
ação representa, para a política educacional, em âmbito nacional e internacional, um marco na definição
de diretrizes para o planejamento de ações responsivas a necessidades educacionais especiais.

Essa declaração repercutiu mudanças significativas nas concepções de educação e, consequentemente,


na compreensão da escola pública e da função social que exerce na sociedade contemporânea. No
cenário educacional brasileiro, a LDB n. 9.394/1996, o Plano Nacional de Educação (Lei n. 10.172/2001)

13
Unidade I

e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Resolução CNE/CEB n. 2/2001)
incorporaram os princípios e as orientações da Declaração de Salamanca.

Seguem as principais orientações dessa declaração (Brasil, 1994):

• a urgência de novas ideias sobre necessidades educacionais especiais;

• a atenção a fatores escolares, como a flexibilidade dos programas de estudos, a gestão escolar, a
produção de informação e pesquisa, a formação de pessoal docente, a oferta de serviços externos
de apoio etc.;

• maior disponibilidade de recursos para a construção de escolas inclusivas;

• maior participação da comunidade escolar – interna e externa.

Diante dessas proposições, os sistemas de ensino são pressionados a rever muitos dos paradigmas
que deram – e ainda dão – sustentação às suas práticas no atendimento educacional de grupos
historicamente excluídos do acesso à educação e à cultura em geral: as pessoas com deficiência.

A expressão necessidades educacionais especiais refere‑se a todas as necessidades que vêm da


capacidade ou da dificuldade de aprendizagem. Cabe à escola encontrar a maneira de educar com
êxito todas as crianças e todos os jovens, incluindo aqueles que possuem desvantagens severas.

Dito isso, pode‑se afirmar que o desafio dos sistemas de ensino é a construção de uma escola diferente
da que hoje se configura, ou seja, buscar constituir‑se num espaço menos segregativo e mais acolhedor,
que procure adaptar‑se às necessidades dos alunos, e não o contrário, e que reconheça as possibilidades
de desenvolvimento e aprendizagem nos alunos, em vez das limitações que eles encontram em algumas
condições temporárias ou permanentes.

Não se trata de buscar pertencimentos, inserções e estereótipos no campo cultural para


categorizar indivíduos e coletividades, procurando integrá‑los à cultura vigente, mas sim de
compreender a cultura da diversidade como questionamento e desafio à cultura hegemônica, como
forma de combater os processos de segregação.

Reconhecer e valorizar a diferença devem ser os pontos de partida e de chegada para construir
uma base político‑pedagógica que garanta uma educação na e para a diversidade. Para isso, faz‑se
necessário, dentre outras tantas mudanças, redimensionar as estruturas e a dinâmica dos sistemas de
ensino, visando à construção de uma escola que contemple e compreenda as diferentes formas de ser,
fazer, aprender e conviver que se manifestam no contexto escolar como a própria manifestação da
diversidade humana.

14
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Saiba mais

Consulte este site para obter mais informações sobre políticas públicas
em inclusão:

CASAGRADE, F. A legislação educacional que trata da inclusão. Nova


Escola, 5 jul. 2009. Disponível em: https://shre.ink/ngE4. Acesso em:
21 mar. 2011.

1.2 A sociedade capitalista e os processos de exclusão

Se compararmos o Brasil a outros países da Europa, como Espanha, Portugal, França, entre outros,
poderemos concluir que o nosso contexto social, político e econômico é diferenciado, visto que fomos
colonizados por Portugal e até o ano de 1808, quando a família real portuguesa veio para o país, havia
poucas formas de comércio, ou até mesmo de produção agrícola em nossa região.

O Brasil era um país explorado e gerava muitos lucros para a metrópole. Nesse sentido, nossa
organização política, social e econômica desenvolveu‑se tardiamente, e estávamos sempre em atraso se
comparados aos países europeus, nossos colonizadores.

Pensando na conjuntura social, política e econômica que perpassou pela nossa trajetória como
nação, faremos uma contextualização dos processos de exclusão e das demandas acometidas por
essa conjuntura, assim como da história de atendimentos oferecidos às pessoas com deficiência, um
dos focos de estudo desta disciplina. Para isso, perpassaremos pelos paradigmas defendidos em cada
momento histórico.

A sociedade surge a partir do momento em que há a junção de duas ou mais pessoas em uma
mesma comunidade, reguladas pelo cumprimento de algumas determinações, indicadas em uma carta
magna que expresse a ideia de direitos e deveres. É necessário, entretanto, pontuar que a sociedade não
necessita apenas de uma regulação política, mas também de uma organização econômica. Para tratarmos
dos processos de exclusão, refletiremos sobre o modelo econômico capitalista e seus desdobramentos.

Conforme Castanho (2003), a evolução do capitalismo manifesta‑se em três fases distintas: a


mercantil, que vai do século XV à segunda metade do século XVIII; a industrial, do século XVIII até o
início dos anos 1970; e a pós‑industrial, de 1970 até o início do século XXI.

Nos séculos XV e XVI, passamos por uma conjuntura antifeudal que não chegou a ser um movimento
mundial. Nesse momento, os feudos são desfeitos, e surge uma primeira manifestação – por isso, ainda
rudimentar – do que seria um Estado Nacional, uma vez que as determinações eram iguais para todos
e deveriam ser seguidas pelos indivíduos que compunham os antigos feudos.

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Unidade I

Em continuidade a essa primeira fase, passamos pelo processo de mercantilização e ampliação de


mercados que se manifestaram por meio das grandes navegações realizadas pelas metrópoles europeias.

Na segunda fase, denominada industrial, o capitalismo continuava global, como na fase mercantil,
e ocorreu a independência das colônias. Isso foi o reflexo do desenvolvimento industrial da Inglaterra
na segunda metade do século XVIII. Essa independência das metrópoles, em tese, significou o primeiro
passo rumo ao estabelecimento do Estado‑Nação, que só teria contornos mais definidos em 1824,
com a primeira Constituição brasileira.

Em continuidade a essa segunda fase, temos o Período Imperialista, marcado pela dominação
econômica de um país sobre o outro, que, no caso brasileiro, manifestou‑se pela superioridade portuguesa,
que tirava da antiga colônia mão de obra barata, e essa mesma colônia, por sua vez, comprava os
produtos industrializados vindos da metrópole europeia.

A terceira fase do capitalismo manifestou‑se pela tomada de poder das classes dominantes nos países
centrais, que foi acompanhada pelo avanço tecnológico representado pelos ramos da informática e da
automação industrial, mantendo a monopolização financeira presente em todas as fases do capitalismo
aqui descritas.

A expansão industrial, atrelada à oferta de mão de obra para atuar no mercado, resultou no aumento
considerável de produtos industrializados que precisavam ser vendidos ao mercado consumidor, e, para
isso, houve o incentivo ao consumo.

Os modos de produção das indústrias do sistema capitalista exigiram e ainda determinam a busca
permanente de mais‑valia e lucro. A mais‑valia apresenta‑se como a disparidade presente entre os
salários pagos para os operários e o valor cobrado pela venda dos produtos. Nesse modelo, o industrial
explora a força de trabalho pressionando os funcionários para que fabriquem maior número de produtos
em menor tempo.

O modelo industrial também é acompanhado pela especificação do trabalho do operário, uma vez
que, em uma linha de produção, o trabalhador executa apenas uma função, de forma mecânica e quase
robotizada. Dessa forma, ele perde a noção de todo o processo de formação e estruturação do produto
fabricado. Esse sistema assegura a produção em larga escala e, em consequência, o lucro.

Pelas reflexões indicadas, pode‑se perceber que o regime econômico capitalista gera desigualdades,
uma vez que existem aqueles que detêm os meios de produção e/ou as tecnologias e aqueles que detêm
a força de trabalho e/ou apenas consomem os produtos fabricados pelo primeiro bloco.

Conforme Patto (1990), o trabalho alienado ocorre quando o produtor se destitui dos meios de
produção e começa a produzir para outro, e quando há a divisão dos homens entre aqueles que detêm
as máquinas e a matéria‑prima e aqueles que não as têm. Nesse sentido, o trabalho é imposto, e não
voluntário, portanto forçado. Não é a satisfação de uma necessidade, mas um meio para satisfazer a
outras necessidades; não é para si, mas para o outro; não pertence a si, mas a outra pessoa.

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA

De um lado, temos uma minoria que tem melhores condições econômicas, sociais e culturais, com
acesso aos meios de comunicação e a uma melhor formação escolar que assegura, na maioria das vezes
a constituição de um sujeito dinâmico, rápido em suas reflexões e atento às modificações presentes na
sociedade. Em contrapartida, esse mesmo modelo gera uma legião de excluídos do sistema, que vivem,
muitas vezes, em condições subumanas, sem moradia nem condições de sobrevivência.

É necessário, contudo, pontuar que ao mesmo tempo que os processos de globalização manifestos
pelo modelo capitalista acentuam as desigualdades sociais, também evidenciam a homogeneização,
uma vez que, para fazer parte de um grupo, é necessário usar as mesmas roupas, ter o carro mais
popular, ter os mesmos gostos etc.

Dessa forma, perdem‑se de vista as características e os valores humanos, uma vez que a pessoa é
respeitada e valorizada com base naquilo que tem, ou seja, naquilo que porta em recursos materiais,
e não no que é, em sua essência, seus valores e suas tradições.

Nesse modelo, aquele que destoa do padrão imposto pela sociedade acaba marginalizado. Assim, os
negros, os índios, as mulheres, os homossexuais, os quilombolas, os mulatos, os sem‑terra, os sem‑teto,
as pessoas em situação de rua, as pessoas com deficiência, entre outros, são excluídos do sistema e
sofrem com atitudes de preconceito e de não garantias de direitos que, muitas vezes, estão instituídos
legalmente, configurando, assim, um descumprimento da legislação.

A única forma que o Estado tem de garantir, ao menos no plano ideológico, direitos às minorias
exploradas e marginalizadas de nossa sociedade é instituindo determinações legais. Afinal, somos um
estado democrático que defende os direitos de todos, independentemente de classe social, diferenças
raciais e étnicas e de credo, zelando por esses direitos.

Neste momento vamos nos debruçar sobre algumas determinações legais que estão em vigor e que
estabelecem normas de melhor convivência social.

Conforme a Constituição de 1988, a República Federativa do Brasil constitui‑se em um Estado


Democrático de Direito cujos fundamentos são: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana,
os valores sociais do trabalho e da livre‑iniciativa e o pluralismo político. Esse mesmo documento
estabelece ainda que os objetivos da República Federativa do Brasil são construir uma sociedade livre,
justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, essa mesma Carta estabelece que:
“são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição (Brasil, 1988).

A Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973, dispõe sobre o Estatuto do Índio. Esta lei tem por
propósito preservar a cultura indígena e integrá‑los de forma harmoniosa à sociedade, reconhecendo e
resguardando seus usos e costumes.

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Unidade I

A Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de


cor. Estabelece pena de reclusão caso haja algum impedimento de acesso a repartições públicas, hotéis,
transportes públicos, bem como a outras repartições públicas e privadas ou ao uso de bens e serviços.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 1948), são 12 os direitos das mulheres: direito
à vida, à liberdade e segurança pessoal, à igualdade e a estar livre de todas as formas de discriminação, à
liberdade de pensamento, à informação e à educação, à privacidade, à saúde e à proteção, a construir
relacionamento conjugal e a planejar família, a decidir ter ou não filhos e quando tê‑los, a ter acesso aos
benefícios do progresso científico, à liberdade de reunião e participação política, a não ser submetida a
tortura e maus‑tratos.

Se compararmos a Constituição às demais legislações que asseguram direitos para cada um dos
grupos marginalizados, perceberemos que há uma reafirmação dos direitos já instituídos na Carta
Magna. Isso acontece com todos os grupos excluídos, dentre eles o de pessoas com deficiências.

Essa situação pode nos indicar que a mudança de atitude diante da aceitação das diferenças e do
diferente não está relacionada apenas com o estabelecimento de leis e declarações que possibilitem a
seguridade de direitos sociais, uma vez que aceitar os diferentes respeitando suas escolhas, limitações e
possibilidades requer uma mudança de postura e de atitude que não se faz por meio de imposições legais.

As determinações legais, porém, mostram caminhos para uma possível mudança de atitude das
pessoas que fazem parte de uma determinada sociedade, porque garantem direitos que são e devem ser
obrigatoriamente e compulsoriamente colocados em prática.

Contudo, vale ressaltar que, mesmo com essa imposição legal, a realidade, muitas vezes, denota
o descumprimento dessas determinações, o que indica que estamos em processo de modificação,
visando ao cumprimento das novas determinações. Isso porque essa mesma sociedade continua
desigual e, portanto, nela há a defesa de preceitos completamente diferenciados e antagônicos.

Para entendermos como as pessoas com deficiência, marginalizadas de todo o sistema social, foram
percebidas pela sociedade e como foram tratadas em diversos momentos históricos, estudaremos os
paradigmas da Educação Especial, elencando as suas características.

1.3 História da Educação Especial no Brasil: do paradigma da institucionalização


ao paradigma da inclusão

A história de atendimentos oferecidos às pessoas com deficiências foi classificada, pelos estudiosos
do tema, por paradigmas. De acordo com Aranha (2005), paradigma é o conjunto de ideias, valores e
ações que contextualizam as relações sociais. Dessa forma, no sentido restrito, da Educação Especial,
daqueles que tenham algum tipo de deficiência.

Na história da Educação Especial brasileira, passamos por três paradigmas distintos. O Paradigma
da Institucionalização, o Paradigma de Serviços e o Paradigma de Suportes. Cada um destes veio

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA

acompanhado por medidas legais e por uma visão da deficiência marcada e evidenciada pela percepção
que a sociedade teve desta e dos serviços oferecidos a pessoas nessa condição.

Há uma dificuldade em estabelecer os limites entre um paradigma e outro, visto que as mudanças
são lentas e uma etapa sobrevive justaposta à outra. Nesse sentido, embora esteja pontuado aqui um
período em que houve a mudança de paradigmas, eles ainda coexistem.

De acordo com Gonzáles (2002), todos os enfoques existem atualmente. Nenhum deles foi superado.
Todos estão presentes nas pesquisas e nas ações e/ou práticas educativas dos profissionais.

Lembrete

Embora sejam estabelecidos na literatura três momentos da Educação


Especial, nenhum deles foi superado, e vivemos hoje a coexistência desses três
tipos de atendimento às pessoas com necessidade educacionais especiais.

Em meados de 1800, o Brasil era um país essencialmente agrário, e a maioria das pessoas vivia no
campo, cuidando das plantações. Quase não havia escolas, e as que existiam eram frequentadas pelos
filhos da aristocracia rural.

Nesse momento histórico as pessoas com deficiência, ao menos aquelas que não tinham
deformidades físicas marcantes, viviam junto de suas famílias e desenvolviam serviços manuais. Isso só
era possível graças à condição de vida extremamente simples destas pessoas, que não exigia, por conta
disso, conhecimentos técnicos e científicos para desenvolverem serviços de ordem rural: “Na sociedade
ainda pouco urbanizada, apoiada no setor rural, primitivamente aparelhado, provavelmente poucos
fossem considerados com deficiências; havia lugar, havia alguma tarefa que muitos deles executassem”
(Jannuzzi, 2004, p. 16).

A educação não era alvo de preocupação, e, em consequência, não se pensava em oferecer um


atendimento educacional às pessoas com deficiência.

Em meio a esse contexto, surge a primeira Constituição brasileira, datada de 1824, que, de acordo
com Horta (1998), garante a gratuidade da educação primária a todos; no entanto, não garante o texto
legal que essa educação seja considerada como um direito e obrigatória a todo e qualquer cidadão. Essa
mesma Constituição não se posiciona em relação ao tipo de educação oferecido especificamente às
pessoas com deficiências, no entanto priva do direito político o incapacitado físico ou moral. Isso mostra
mais uma situação de exclusão à qual essas pessoas eram submetidas.

Em 1827 promulga‑se uma nova Constituição, que determina a criação de escolas de primeiras
letras em todas as cidades. O Ato Adicional de 1834 transfere para as províncias a competência de
legislar sobre a instrução pública.

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Unidade I

Assim será na legislação provincial ou na legislação educacional destinada a


vigorar no Município Neutro que se encontrará a reafirmação da gratuidade
escolar, à qual virá se acrescentar a definição da obrigatoriedade escolar,
entendida como obrigação de frequência à escola primária, com previsão de
penalidades e multas a serem aplicadas aos pais ou responsáveis que não
matriculassem nela os seus filhos, dentro da faixa etária prevista, em geral
dos sete aos doze ou quatorze anos de idade (Horta, 1998, p. 11).

O Período Imperial foi marcado pela não oferta de educação primária a todos. No entanto, no que
se refere à educação oferecida às pessoas com deficiências, houve duas iniciativas que marcaram uma
mudança de postura diante delas, uma vez que passaram da condição de excluídas de qualquer direito
social e educacional para uma situação que marca a possibilidade de atendimento segregado oferecido
em locais que só atendiam a essa demanda, instituindo um novo período na história da Educação
Especial: o da institucionalização.

O movimento de institucionalização, no Brasil, foi marcado pela criação do Imperial Instituto de


Meninos Cegos, no ano de 1854 (hoje chamado de Instituto Benjamin Constant – IBC) e pela instalação
do Instituto dos Surdos‑Mudos (atualmente conhecido como Instituto Nacional de Educação de
Surdos – Ines). Essas duas iniciativas se concretizaram graças à influência dos ideais de educação
defendidos pelos franceses e à pressão de alguns membros das camadas mais abastadas da sociedade
que impulsionaram a sua criação.

Vale destacar que apenas essas duas unidades que se dedicavam ao atendimento das pessoas com
deficiências ficavam sob a responsabilidade do poder central; as demais eram de responsabilidade
das províncias.

Essa condição marca a soberania desses dois institutos, uma vez que foi a aristocracia rural que
incentivou sua criação e sua manutenção, por motivos pessoais que estavam ligados ao nascimento de
parentes próximos com algum tipo de deficiência. Portanto, a frequência a esses dois institutos estava
assegurada e garantida apenas às pessoas pertencentes às classes mais abastadas da sociedade.

Enquanto a educação popular permanecia sob a responsabilidade das


províncias desde o Ato Adicional de 1834, o governo da Corte, numa
sociedade agrária, iletrada, assumia educar uma minoria de cegos e surdos,
movido, provavelmente, por forças ligadas ao poder político, sensibilizadas
com esse alunado por diversos motivos, inclusive vínculos familiares
(Jannuzzi, 2004, p. 7).

A partir daí, aumenta o número de institutos destinados aos cuidados das pessoas com deficiências,
mas estes não eram financiados pelo poder central. As pessoas com deficiências eram levadas para
instituições que, em sua maioria, estavam mais voltadas para o atendimento clínico.

20
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Vale destacar que o aumento de atendimentos não se concentrou apenas nos institutos que atendiam
às pessoas com deficiência visual e às pessoas com deficiência auditiva, mas às pessoas com deficiência
mental, que também eram segregadas e excluídas em locais próprios.

Nesses locais, chamados de hospitais psiquiátricos, ficavam misturadas pessoas com


deficiências, pessoas acometidas pela loucura, entre outras anormalidades. O interesse dos médicos
em relação às pessoas com deficiência corroborou a constatação de que esses locais não eram os mais
apropriados. ”Os médicos também perceberam a importância da pedagogia, criando instituições
escolares ligadas a hospitais psiquiátricos, congregando crianças bem comprometidas em seu quadro
geral” (Jannuzzi, 2004, p. 36‑37).

De acordo com Jannuzzi (2004), até 1920 são poucos os atendimentos voltados para as pessoas com
deficiências. A mesma autora destaca que, na década de 1930, há evidências, encontradas em documentos
da época, que permitem concluir que muitos estados, ao elaborar as suas leis orgânicas, deixavam de
preocupar‑se com a educação das pessoas com deficiências e eximiam‑se dessa responsabilidade.

No ano de 1950 é criada a Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) e, em 1954, a


Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae).

Essas iniciativas mostram que, historicamente, a educação oferecida às pessoas com deficiências não
foi tratada com seriedade. As iniciativas do poder central eram irrisórias, ficando a cargo da sociedade
organizar‑se para oferecer um atendimento, mínimo que fosse, a essas minorias. A situação se agravava
quando a pessoa com deficiência pertencia à classe trabalhadora, porque o acesso aos serviços de
reabilitação estava sujeito à caridade.

A educação das pessoas com deficiências, no paradigma da institucionalização, esteve, portanto,


ligada à caridade e à filantropia. Tanto que, historicamente, mesmo defendida pelo poder central e
também ligada a este em relação ao financiamento (se levarmos em conta as determinações legais),
assiste‑se ao aumento gradativo do atendimento a essas minorias em instituições filantrópicas. Nesse
sentido, percebem‑se o descaso e a isenção de responsabilidades do Estado em promover uma educação
de qualidade para essas pessoas.

O surgimento das primeiras entidades privadas de atendimento aos


deficientes espelha o início de duas tendências importantes da Educação
Especial no Brasil: a inclusão da Educação Especial no âmbito das instituições
filantrópico‑assistenciais e a sua privatização, aspectos que permanecerão
em destaque em toda a sua história, tanto pela influência que elas exercerão em
termos de política educacional como pela quantidade de atendimentos oferecidos
(Bueno, 1993, p. 88).

Vale ressaltar que esse tipo de atendimento oferecido às pessoas com deficiências – concentrado
em asilos, instituições ou hospitais psiquiátricos – privou‑as do convívio social com seus pares, não
permitindo que usufruíssem de instrumentos que lhes possibilitassem uma vida econômica ativa.

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Unidade I

De acordo com Aranha (2005), o Paradigma da Institucionalização caracterizou‑se pela retirada


das pessoas com deficiência do convívio social e comunitário, inserindo‑as em instituições residenciais
segregadas ou escolas especiais situadas em localidades distantes do lugar em que moravam as
suas famílias.

Segundo alguns autores (Aranha, 2005; Jannuzzi, 2004; Omote, 1999), o Paradigma da
Institucionalização foi muito criticado a partir das décadas de 1960 e 1970. Por conta disso, um novo
paradigma começa a desenhar‑se na história da Educação Especial brasileira, denominado Paradigma
de Serviços.

Lembrete

O movimento de institucionalização no Brasil foi marcado pela criação


do Imperial Instituto de Meninos Cegos e pela instalação do Instituto dos
Surdos‑Mudos.

A partir das décadas de 1960 e 1970, há um movimento para tirar as pessoas com deficiências das
instituições, já que a possibilidade de terem o convívio social com seus pares tornava‑se restrita.

Essa mudança de paradigma vem marcada por modificações legais ocorridas por meio da
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 (LDB n. 4.024/1961), e também
de 1971 (Lei n. 5.692/1971), acrescida da criação do Centro Nacional de Educação Especial (Cenesp),
em 1973.

A LDB n. 4.024/1961, artigo 61, estabelece que: “a educação de excepcionais deve, no que for possível,
enquadrar‑se no sistema geral de educação, a fim de integrá‑los na comunidade” (Brasil, 1961).

Observação

Excepcionais foi o termo utilizado na década de 1960 para referir‑se


às pessoas com deficiência.

Esse texto veio reafirmar os postulados do princípio da integração, presentes no Paradigma de


Serviços. Nesse sentido, a pessoa com deficiência deve, no que for possível, ser integrada ao sistema
de ensino regular, e, se porventura não tiver condições de frequentar a sala regular, lhe será oferecida
uma educação nas salas especiais ou nas instituições, assim como serviços da área da saúde, em caráter
extraordinário, para que esse aluno possa ser preparado para frequentar a classe comum.

No Paradigma de Serviços, as pessoas com deficiência precisavam ser preparadas, para que depois
pudesse ser‑lhes garantido o acesso aos bens materiais e o convívio na comunidade, com os seus pares.

22
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Nota‑se que esse princípio tem o pressuposto de mudar a situação deficitária da pessoa com
deficiência. O problema estaria centrado no sujeito, e a sociedade não necessitava nem tinha a
possibilidade de modificar‑se para que essa pessoa pudesse ser integrada a ela. A pessoa com deficiência
precisaria adaptar‑se à sociedade.

O Paradigma de Serviço defende a integração progressiva das pessoas com deficiência na vida em
comunidade, junto às pessoas consideradas normais, mas, para que isso ocorresse, era necessário um
trabalho conjunto entre as instâncias administrativas que regulam o sistema regular e o sistema de
ensino da Educação Especial.

No entanto, os estudos de Bueno (1993) mostram que as pessoas com deficiência que ficavam em
instituições ou em classes especiais eram aquelas pertencentes às camadas menos favorecidas.

As crianças que pertenciam às classes sociais mais favorecidas, após a matrícula nos serviços especiais
oferecidos pela Educação Especial, que somente para elas manifestava‑se como “serviço emergencial
e transitório”, poderiam ser encaminhadas para as salas regulares e conseguiriam desfrutar da vida em
sociedade e dos benefícios econômicos proporcionados por sua condição social.

Entretanto, apesar de uma regulamentação legal que assegurava, sempre que possível, o
atendimento dessas minorias na classe regular, estas quase sempre ficavam fora do ensino regular, e
eram poucas as iniciativas educacionais voltadas a essa parcela da sociedade.

As crianças com deficiências sensoriais severas oriundas de meio


socioeconômico‑cultural elevado têm sido encaminhadas com sucesso
para escolas regulares. Ao contrário, crianças das camadas populares, com
o mesmo tipo de deficiência, são a população básica das classes especiais
públicas e das instituições especializadas filantrópicas (Bueno, 1993, p. 126).

Entretanto, embora o defendido legalmente fosse o Princípio da Integração, marcado principalmente


pela crítica ao modelo de atendimento às pessoas com deficiências em serviços que as excluíam do
convívio social, estas assistiram a uma proliferação desses serviços, quase sempre em instituições
particulares ou filantrópicas.

Outro problema evidenciado pelo Paradigma de Serviços diz respeito ao laudo médico como
exigência aos encaminhamentos para as classes especiais. As crianças cujos professores suspeitavam
que tivessem algum problema, quase sempre aquelas que eram indisciplinadas ou que tinham grandes
dificuldades de aprender, eram encaminhadas para os serviços da saúde para serem submetidas a
testes que marcariam toda a sua vida.

Isso porque, se fosse comprovado que essa criança tivesse algum tipo de problema, seria imediatamente
encaminhada para as classes especiais e ali estaria sujeita a ficar até que pudesse melhorar a sua
condição patológica. No entanto, como podemos curar a pessoa com deficiência auditiva, a pessoa com
deficiência visual ou a pessoa com deficiência mental? Impossível!

23
Unidade I

Partindo desse pressuposto, podemos perceber que esse fato foi primordial para que a escola regular
pudesse fazer a seleção daqueles que estavam aptos a frequentar a classe regular e daqueles que não
tinham condições de manter‑se nela.

Várias pesquisas (Bueno, 1993; Jannuzzi, 2004; Omote, 1999) têm destacado que, muitas vezes, as
crianças consideradas com deficiências, principalmente aquelas com deficiências mentais, não tinham
déficits intelectuais. Na maioria dos casos, essas crianças diagnosticadas com deficiências mentais
tinham apenas algumas dificuldades de aprendizagem que estavam centradas em conteúdos específicos.

A Lei de Diretrizes e Bases n. 5.692/1971 fixa as diretrizes e bases do ensino de 1º e 2º graus e define o
objetivo para esses níveis de ensino, tanto no comum quanto no especial, estabelecendo, no artigo 1º, que:

o ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a


formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como
elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para
o exercício consciente da cidadania (Brasil, 1971).

Mais especificamente sobre a educação oferecida às pessoas com deficiência, assegura, em seu
artigo 9º, que:

os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se


encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e
os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as
normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação (Brasil, 1971).

Nesse sentido, de acordo com Mazzotta (2001), essa Lei pode ser interpretada de duas formas
diferentes. Ao lê‑la, podemos pensar que ela assegura que as pessoas com deficiência teriam de
frequentar os serviços especializados da Educação Especial regulamentados legalmente, ou então que a
educação oferecida a essas pessoas, embora desenvolvida nos serviços especiais, pode enquadrar‑se no
sistema geral da educação.

O Paradigma de Serviços surge com maior intensidade a partir da década de 1970, assessorado
pelas determinações legais que estabeleciam princípios e ações voltados para a educação das pessoas
com deficiência; no entanto, o órgão que estabeleceria as funções que seriam determinantes para a
Educação Especial foi criado posteriormente, no ano de 1973.

Contudo, no decorrer dessa trajetória marcada pelo Princípio de Integração, veremos muitas
ambiguidades e vários desencontros entre a prática efetivamente realizada e o postulado legalmente,
que fez esse tipo de serviço ser extremamente criticado.

Foram muitas as críticas realizadas ao Paradigma de Serviços, no entanto destacaremos algumas


que consideramos mais relevantes. A primeira diz respeito ao defendido pelo próprio paradigma: é
impossível conseguirmos tratar as deficiências ou até mesmo curá‑las, quando temos como parâmetros

24
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

os aspectos clínicos. O que podemos fazer é trabalhar com essas pessoas de modo que elas se tornem
um pouco mais independentes, mas a deficiência sempre existirá.

Entretanto, vale destacar que a deficiência pode ocasionar algumas limitações, mas se as pessoas
acometidas por essa condição tiverem uma educação voltada para suas necessidades, serão garantidos
seu aprendizado e seu desenvolvimento.

A forma de apropriação do laudo médico pela escola, a fim de que este lhe servisse de suporte para
que a Unidade Escolar pudesse direcionar a criança ao tipo de atendimento pedagógico que lhe caberia,
possibilitou que essas crianças ficassem segregadas nos serviços da classe especial e não chegassem às
classes regulares.

Esse fato foi agravado porque, em muitos municípios, a matrícula em classes especiais era feita
sem a exigência do laudo médico. Nesse sentido, pesquisas científicas (Bueno, 1993; Jannuzzi, 2004;
Omote, 1999) têm mostrado que na classe especial foram encontradas crianças sem deficiências
(principalmente naquelas para pessoas com deficiências mentais). Isso porque os professores da classe
regular encaminhavam para os serviços da Educação Especial as pessoas que tinham dificuldades para
acompanhar o currículo ministrado nas escolas regulares.

Se tomarmos como parâmetro que, historicamente, as escolas que existiam no Brasil estavam
preparadas para atender apenas à elite brasileira e àquelas crianças que aprendiam, podemos ter uma
ideia da dimensão catastrófica resultante desses encaminhamentos.

No Brasil, os índices de repetência eram muito altos, e estes não podem ser explicados por estarmos
atendendo aos alunos com deficiência, mas podem ser o resultado de uma escola que não lida com
as diferenças e que ensina da mesma forma para todos os alunos. Nesse sentido, os alunos teriam de
adaptar‑se à escola, e não a escola aos alunos.

Para agravar ainda mais esse cenário, apesar dos problemas encontrados nos princípios defendidos
pelo Paradigma de Serviços, seus objetivos não foram alcançados, como muito tem ocorrido
historicamente na prática educacional de nosso país. As crianças matriculadas na sala especial não
conseguiam chegar até a sala comum, mantinham‑se na sala especial por vários anos e, portanto,
continuavam segregadas. “Os dados relativos a 1987 mostram que, nos estabelecimentos de ensino
regular, cuja maioria, sem dúvida, pertence à rede pública estadual, contava‑se com 94 classes comuns
com deficientes e com 915 classes especiais” (Brasil, 1989, p. 22 apud Bueno, 1993, p. 22).

Se partirmos do princípio de que em cada classe comum deve existir um ou,


no máximo, dois deficientes, veremos que havia, em 1987, pouco mais de uma
centena de deficientes inseridos em classes comuns da rede regular. Por outro
lado, se calcularmos que cada classe especial deve ter, em média, dez alunos,
o número de deficientes incluídos em formas segregadas de ensino, dentro
da escola regular, deveria chegar próximo a 10 mil, isto é, apenas 1% dos
deficientes estava integrado no ensino regular, naquele ano, em nosso Estado
(Bueno, 1993, p. 133).
25
Unidade I

Esse foi o balanço geral do Paradigma de Serviços. As críticas foram muitas, e forma‑se um novo
movimento na área da Educação Especial: a inclusão respaldada pelo Paradigma de Suportes. Vale
destacar que a inclusão não foi um movimento pontual, mas sim o resultado de um processo econômico,
político e social que envolveu os assuntos educacionais e que não pode ser entendido sem considerar a
conjuntura na qual são criadas suas fundamentações. No entanto, embora hoje o Princípio da Inclusão
seja defendido por uma grande parte dos estudiosos acadêmicos e esteja estabelecido nas determinações
legais, os demais paradigmas coexistem.

Lembrete

Os preceitos do Paradigma de Serviços não foram respeitados na prática


educacional de nosso país: as crianças matriculadas na sala especial não
conseguiam chegar à sala comum.

Atualmente, as políticas educacionais defendem o princípio denominado de Inclusão, segundo o


qual o aluno deve ser inserido no meio social independentemente de suas limitações. É pautado pela
igualdade, que só poderá ser assegurada em uma sociedade democrática que reconheça e respeite a
diversidade, ajustando‑se, modificando‑se e fornecendo os suportes necessários para que todos tenham
acesso à vida em comunidade.

Nessa nova visão, não é o aluno que precisa se adaptar à escola, mas a unidade escolar é que
precisa preparar‑se para garantir que os alunos, inclusive aqueles com deficiência, tenham o direito de
desenvolver suas potencialidades e crescer cognitivamente.

Portanto, o fato de apenas inserir uma pessoa com deficiência em uma escola regular não garante
que esta seja inclusiva. Somente poderá ser considerada como tal quando atender e responder com
qualidade às necessidades educacionais de todos os estudantes.

A escola precisa garantir o acesso à educação, respeitando a diversidade e fazendo com que todos
possam desenvolver a aprendizagem. “Nesse retraçado, a intenção é garantir aos alunos o óbvio –
o direito à educação. [...] assegurar esse direito não é somente pugnar por ele, mas, principalmente,
reconhecer o que a educação representa para todos os alunos indistintamente” (Mantoan, 2006a, p. 184).

Em uma escola inclusiva, o aluno é o sujeito central. Todas as propostas e reflexões devem estar
direcionadas para garantir o desenvolvimento do educando. Para isso, a unidade escolar precisa
estabelecer e defender uma só meta: assegurar uma escola que garanta o desenvolvimento e a formação
de pessoas que compreendam a realidade hegemônica defendida pelas classes dominantes e que lutem
por seus direitos, indo contra os processos de alienação e reivindicando espaços de poder.

No entanto, para que uma escola se torne inclusiva, há de se incentivar e priorizar muitas ações.
Dentre elas, podemos citar: capacitação de toda a equipe escolar para lidar com as diferenças;
aquisição de recursos e material pedagógico quando necessário; identificação de problemas na
estrutura do prédio escolar, com realização das devidas adequações, para que todos tenham acesso
26
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

à unidade escolar; e elaboração de Projetos Político‑Pedagógicos que atendam a todos, inclusive


aqueles com deficiência.

Diversos documentos legais e internacionais citam metas e objetivos a serem alcançados pela
Educação Especial. Dentre todos esses documentos, alguns são mais relevantes para a reflexão proposta
nesta disciplina e serão abordados no próximo tópico.

Lembrete

A escola poderá ser considerada inclusiva quando atender e responder


com qualidade às necessidades educacionais de todos os estudantes.

Exemplo de aplicação

Construa uma tabela com três colunas indicando as principais características de cada momento
histórico da Educação Especial brasileira.

2 INCLUSÃO ESCOLAR: POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO PARA O


ATENDIMENTO ÀS NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS

Muitas são as necessidades e as intervenções que devem ser realizadas junto às pessoas com
deficiência. É necessário que haja a união entre as várias instâncias – a municipal, a estadual e a federal.
Só assim se poderá garantir o atendimento com qualidade às pessoas com necessidades especiais.

Para tanto, é necessária uma mudança de postura e atitude diante dessa problemática, e isso se faz,
inicialmente, pelas garantias estabelecidas em legislações.

Vale destacar que as medidas legislativas não são equivalentes à garantia de organização e
estruturação adequadas ao atendimento das necessidades de todos, porém são um primeiro passo, uma
vez que, sem elas, as possibilidades de reformulações e reorganizações que atendam às necessidades
nem seriam buscadas.

2.1 Legislação e movimentos nacionais e internacionais que norteiam


a educação inclusiva

A Constituição de 1988 assegura o direito de todos terem acesso à educação e estabelece, no


artigo 205, que esta é “direito de todos e dever do Estado e da família” (Brasil, 1988), O termo todos
não exclui as pessoas com deficiência. Especificamente com relação a elas, assegura o atendimento em
salas regulares de ensino. O artigo 208 define que “o dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de: atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino” (Brasil, 1988).

27
Unidade I

A Declaração Mundial sobre Educação para Todos, aprovada pela Conferência Mundial sobre Educação
para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, realizada em Jomtien, na Tailândia, em
1990, é um acordo em que os países‑membros, entre eles o Brasil, assumem o compromisso de universalizar
o acesso à educação e promover a equidade. Essa universalização se estende também às pessoas com
deficiência. Tal declaração recomenda, em seu artigo 3º, que “é preciso tomar medidas que garantam
a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte
integrante do sistema educacional” (Unesco, 1990).

Essa diretriz estabelece também que a educação básica deve ser oferecida a todos e deverá garantir
a satisfação das necessidades básicas de todas as crianças, sem deixar de considerar a cultura, as
necessidades e as possibilidades da comunidade. Afirma também que, para cumprir as determinações
estabelecidas nessa declaração, faz‑se necessária a implementação de políticas de apoio nos setores
social, cultural e econômico.

A Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas em Educação Especial (Espanha)


regulamenta o direito das pessoas com necessidades educacionais especiais de terem acesso à escola
regular de ensino. Esse documento afirma que:

O princípio fundamental desta linha de ação é de que as escolas devem


acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas,
intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras [...]. As escolas têm
que encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças, incluindo
aquelas que possuem desvantagens severas (Brasil, 1994).

Essa mesma determinação institui que medidas legislativas paralelas e complementares ao campo
da educação devem ser tomadas nos campos de saúde, bem‑estar social, treinamento vocacional e
trabalho. Estabelece que práticas e medidas que procuram desmarginalizar a pessoa com deficiência do
meio social devem fazer parte dos planos locais.

Destaca que as escolas regulares que acolhem alunos com necessidades educacionais especiais
devem receber apoio das instituições especializadas no atendimento a essa clientela, assim como contar
com o auxílio das unidades escolares que formam pessoas habilitadas na área de Educação Especial para
garantir e assegurar o atendimento das pessoas com necessidades especiais.

O apoio não deve ser apenas educacional, mas outras instâncias, como o setor da saúde (com
psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos), com o atendimento social, devem fazer
parte da ação de assegurar o atendimento e o desenvolvimento das pessoas com necessidades
educacionais especiais.

A Nova LDB (Lei n. 9.394/1996), em relação à educação dessas minorias, reafirma o atendimento das
pessoas com deficiência preferencialmente na rede regular de ensino, garante a oferta de Educação
Especial durante a Educação Infantil e também oferece o atendimento em classes, escolas ou
serviços especializados quando não for possível sua integração em classes comuns, em função de
condições específicas dos alunos. Assegura aos educandos com necessidades educacionais especiais
28
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

currículo, métodos, técnicas, recursos, organização específica, terminalidade específica e aceleração,


professor especialista em sala de recurso, professor capacitado na sala comum e educação para o trabalho.

A Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000, estabelece normas gerais e critérios básicos para
promoção e acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras
providências. Estabelece critérios para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou
mobilidade reduzida graças à retirada de barreiras arquitetônicas em espaços públicos, mobiliário
urbano, meios de transporte e comunicação e na construção e reforma de edifícios. Conceitua o que
considera barreira arquitetônica e acessibilidade. Indica também que a urbanização de vias públicas
e demais espaços deverá ser concebida de forma que garanta a acessibilidade para as pessoas com
deficiências ou com mobilidade reduzida e estabelece, ainda, que os espaços públicos já existentes
devem ser reorganizados para se adequarem a essas novas determinações (Brasil, 2000b).

Essa lei também indica que os parques de diversões públicos e privados devem adaptar‑se em, no
mínimo, 5% do total de brinquedos para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Esses
brinquedos devem ser identificados, para que sejam utilizados pelas pessoas que deles necessitam.

Os banheiros de uso público existentes e os que serão construídos após a promulgação dessa
lei devem obedecer aos preceitos de acessibilidade indicados nas normas da ABNT. Em áreas de
estacionamento de veículos, deverão ser reservados 2% do número total de vagas para aqueles que
delas necessitarem. Essas vagas serão próximas ao acesso de circulação de pedestres. Os semáforos
para pedestres deverão ser equipados com mecanismos que emitam sinal sonoro, a fim de servir como
guia ou orientação para pessoas com deficiência visual (Brasil, 2000b).

Mesmo com toda a legislação e os documentos internacionais citados, o conceito de pessoa com
necessidades educacionais especiais só é definido nas Resolução CNE/CEB n. 2/2001, que institui novas
diretrizes nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (CNE, 2001) e estabelece:

Entende‑se por necessidade educacional especial toda pessoa que tenha


uma defasagem em relação ao currículo, que pode estar vinculada a
causas orgânicas como disfunções, limitações e deficiências; a causas não
vinculadas à função orgânica; a dificuldades de comunicação e sinalização
que demandarão a utilização de linguagens e códigos próprios e a altas
habilidades (CNE, 2001).

A Resolução CNE/CEB n. 2/2001, em seu artigo 5º, considera que educandos com necessidades
educacionais especiais são os que, durante o processo educacional, apresentam:

I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo


de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades
curriculares, compreendidas em dois grupos:

a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica;

29
Unidade I

b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências.

II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais


alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;

III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem


que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes
(CNE, 2001).

A Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, dispõe sobre a língua brasileira de sinais (libras) e dá outras
providências. Reconhece a libras como recurso de comunicação e expressão. Além disso, garante, por
parte do Poder Público e das empresas concessionárias de serviços públicos, formas de apoiar o uso e a
difusão da língua brasileira de sinais.

Essa lei ainda estabelece que os sistemas educacionais federais, estaduais, municipais e do Distrito
Federal devem garantir, nos cursos de formação de Magistério em níveis médio e superior, assim como
nos cursos superiores de Fonoaudiologia e de Educação Especial, o ensino da língua brasileira de sinais.
Conforme as determinações dessa lei, a língua brasileira de sinais não poderá substituir a modalidade
escrita na língua portuguesa.

O Decreto n. 6.214, de 26 de setembro de 2007, regulamenta o benefício de prestação continuada da


assistência social devido à pessoa com deficiência e à pessoa idosa. O Beneficio de Prestação Continuada
garante o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e à pessoa idosa maior de
65 anos. Essa lei ainda estabelece que a plena atenção à pessoa com deficiência e à pessoa idosa exige
que os gestores da assistência social mantenham ação integrada com as políticas setoriais nacionais,
estaduais, municipais e do Distrito Federal nas áreas de saúde, segurança alimentar, habitação e educação.

Essa Lei ainda destaca que o fato de a pessoa idosa ou com deficiência estar em instituição como
abrigo, hospital ou outra afim não a priva do direito de receber o benefício.

A concessão do benefício à pessoa ficará sujeita a avaliação, conforme as normas estabelecidas na


Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde (CIF). Além da avaliação médica,
o benefício considerará também a avaliação social. Segundo o artigo 16 das normas regimentais desse
documento, a avaliação social considerará “fatores ambientais, sociais e pessoais” (Brasil, 2007a). Ambas
as avaliações deverão considerar, no caso da deficiência, o grau da limitação das atividades e a restrição
à participação social para a garantia do benefício. Essas avaliações serão realizadas, respectivamente,
pela saúde e pela assistência social.

Vale destacar que a realização das atividades não remuneradas de reabilitação não prevê a retirada
do benefício. A cessação do benefício em virtude de entrada no mercado de trabalho não impede nova
concessão, caso seja comprovada a saída do emprego.

O beneficio será suspenso em caráter especial caso a pessoa com deficiência exerça atividade
remunerada. Contudo, será restabelecido, caso seja comprovado que a pessoa com deficiência não esteja
30
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

exercendo mais nenhuma atividade remunerada ou não esteja fazendo uso do seguro‑desemprego
(Brasil, 2007a).

A Resolução CNE/CEB n. 4, de 2 de outubro de 2009, estabelece as diretrizes operacionais para o


Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Conforme
essa Resolução, os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação devem ser matriculados nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento
Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de
Atendimento Educacional Especializado da rede pública, ou de instituições comunitárias, confessionais
ou filantrópicas sem fins lucrativos. Tem como função complementar ou suplementar a formação do
aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as
barreiras para sua plena participação na sociedade e o desenvolvimento de sua aprendizagem. Garantir
acessibilidade requer assegurar condições de acesso ao currículo, por meio de materiais didáticos e
pedagógicos, mobiliários e equipamentos, dentre outros.

Art. 4º Para fins destas Diretrizes, considera‑se público‑alvo do AEE:

I – Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo


de natureza física, intelectual, mental ou sensorial.

II – Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que


apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor,
comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias
motoras. Incluem‑se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome
de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância
(psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.

III – Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam


um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento
humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes
e criatividade (CNE, 2009).

Os alunos com deficiência e/ou transtornos globais do desenvolvimento que façam uso do
Atendimento Educacional Especializado serão contabilizados duplamente para o recebimento de verbas
do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de
Educação (Fundeb).

2.2 Atendimento Educacional Especializado à pessoa com necessidades


educacionais especiais

É necessário destacar que a Educação Especial e a Educação Inclusiva não são serviços sinônimos,
contudo muitas pessoas fazem uso dessas duas nomenclaturas como se estas tivessem o mesmo sentido.

31
Unidade I

A Educação Inclusiva é um movimento que ocorre no Brasil, de forma mais intensa, a partir de meados
da década de 1990 e tem por objetivo garantir a todos os excluídos e marginalizados da sociedade os
mesmos direitos daqueles que não tenham deficiência ou que não sofram nenhum tipo de estigma ou
preconceito, dentre os quais podemos destacar o direito à educação. Assegurá‑lo não requer apenas o
aceite de matrículas nas escolas de ensino regular, mas ressignificar as práticas até então desenvolvidas
nas escolas regulares, oferecendo, àqueles que necessitarem, suporte pedagógico especializado.

As pessoas com deficiência, por conta de sua condição biopsicossocial, necessitam de organização,
recursos e estratégias diferenciadas que atendam às suas necessidades no ambiente escolar. Para tanto,
a escola regular necessita ressignificar suas práticas, tendo por objetivo atender a todos os alunos,
oferecendo uma educação que, ao mesmo tempo, respeita as suas necessidades e trabalha rumo à
minimização das suas dificuldades.

A Constituição Federal, em seu artigo 206, estabelece o direito dos alunos com necessidades
educacionais especiais de frequentarem os serviços de atendimento educacional especializado (Brasil, 1988).

O suporte pedagógico especializado oferecido pelos profissionais da Educação Especial pode atuar
de forma suplementar, complementar ou substitutiva ao atendimento oferecido nas escolas regulares.
Nesse sentido, a Educação Especial deixa de ser praticada como um sistema autossuficiente que não
se comunica e não trabalha de forma conjunta com a escola regular para atuar de forma cooperativa.

O aprendizado é de responsabilidade da escola regular, contudo os serviços especializados da


Educação Especial devem organizar‑se para assegurar conhecimentos e habilidades imprescindíveis
aos alunos com necessidades educacionais, pois essas informações serão fundamentais na garantia de
maiores possibilidades de aprendizagem na escola regular.

Para os alunos com deficiência (física, auditiva, visual, intelectual ou múltipla), os serviços da
Educação Especial desenvolverão atividades e estratégias curriculares que visam complementar as
aprendizagens adquiridas na escola regular. Aos superdotados, o atendimento especializado garantirá
um conhecimento suplementar ao que é desenvolvido nas escolas regulares, e àqueles que não
têm condições de se beneficiarem e aprenderem nas escolas regulares, deve‑se oferecer um serviço
substitutivo à educação regular. Assim, nesses casos, os alunos não frequentam as escolas regulares, mas
apenas as instituições.

A Educação Especial é uma modalidade de ensino. Isso significa dizer que seus serviços podem ser
oferecidos em qualquer nível de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio e Superior. Além
disso, pode perpassar também pela Educação de Jovens e Adultos.

Os suportes pedagógicos especializados oferecidos aos alunos com necessidades educacionais


especiais que estejam matriculados nas escolas regulares podem ser:

• Sala de recursos: o aluno frequenta essa sala no contraturno em relação ao período em que está
matriculado na escola regular. Podem existir salas de recursos em todas as áreas, podendo ser

32
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

para pessoas com deficiências físicas, visuais, auditivas ou intelectuais. Os professores devem ser
habilitados ou pós‑graduados na área de Educação Especial.

• Professor itinerante: é aquele docente especializado que vai às escolas regulares em que o aluno
com deficiência está matriculado e auxilia o professor da sala regular no desenvolvimento de
estratégias que vão ao encontro das necessidades especiais dos alunos. Deve haver um professor
itinerante para cada área; assim, há o professor itinerante que atende apenas aos professores
das escolas regulares que ministram aulas para as pessoas com deficiência intelectual, outro que
atende apenas aos docentes de alunos com deficiência física e assim sucessivamente.

• Atendimento hospitalar: destinado àqueles alunos com necessidades educacionais especiais


que ficam um longo período internados em hospitais. A partir do momento em que a Constituição
brasileira estabeleceu a educação como direito, aqueles que são impossibilitados de frequentar as
escolas por motivo de saúde devem recorrer às classes hospitalares.

• Atendimento domiciliar: o aluno com necessidade educacional especial que está proibido de
frequentar lugares com circulação de pessoas deve ter o direito a um professor que vá até a sua
casa para trabalhar com atividades que garantam o seu desenvolvimento e a sua aprendizagem.

Conforme Alves e Gotti (2006), atendimento educacional especializado é um serviço prestado


pelos profissionais da Educação Especial visando atender às necessidades educacionais especiais
dos alunos.

O oferecimento do atendimento educacional especializado deve ser realizado por profissionais


especializados e habilitados na área da Educação Especial. Esse atendimento pode ser oferecido em salas
multifuncionais ou de recursos que funcionem nas escolas regulares, de preferência na mesma escola em
que o aluno frequenta o ensino regular. Os atendimentos devem ocorrer em horários contrários aos que
o aluno com necessidades educacionais especiais frequenta o ensino regular. É necessário destacar que o
atendimento educacional especializado não é substitutivo à escolarização regular.

Nas salas multifuncionais ou de recursos, os alunos são atendidos individualmente ou em pequenos


grupos. O número de alunos, conforme Alves e Gotti (2006), deve ser definido considerando‑se o tipo de
necessidade educacional especial apresentada pelos alunos que a frequentam.

Caso o município não tenha a possibilidade de oferecer esse serviço nas escolas regulares, é permitida
a frequência dos alunos com necessidades educacionais especiais em instituições que tenham os serviços
de atendimento educacional especializado.

Os professores das salas multifuncionais ou de recursos têm como função:

• Desenvolver atividades de complementação ou suplementação curricular.

• Atuar de forma colaborativa com o professor da classe comum, na tentativa de definir objetivos
e estratégias que atendam às necessidades educacionais especiais dos alunos.
33
Unidade I

• Assegurar que os alunos com necessidades educacionais especiais participem de todas as atividades
promovidas pela escola.

• Orientar e solicitar a ajuda familiar visando ao pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência.

• Participar junto a uma organização multidisciplinar da identificação e tomada de decisão acerca dos
atendimentos que deverão ser assegurados para aqueles com necessidades educacionais especiais.

• Orientar os professores da escola regular a utilizarem materiais específicos que atendam às


necessidades das crianças.

• Incentivar e ajudar a implementar mudanças nas organizações administrativa, estrutural e de


funcionamento das escolas que atendam às necessidades dos alunos.

• Incentivar modificações nos projetos político‑pedagógicos das escolas, visando estabelecer


diretrizes abertas e flexíveis que atendam às diferenças dos alunos.

Observação

O suporte pedagógico especializado pode atuar de forma suplementar,


complementar ou substitutiva ao atendimento oferecido nas escolas
regulares.

3 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA E ATENDIMENTO EDUCACIONAL


ESPECIALIZADO (AEE)

3.1 O aluno com deficiência intelectual

Não existe, na literatura, um consenso em relação ao conceito de deficiência intelectual. Os sujeitos


que apresentam um baixo nível intelectual são classificados como pessoas com deficiências mentais ou
retardados mentais, variando também a designação a partir do quociente intelectual (QI) ou da idade
mental (IM).

Alfred Binet elaborou testes de inteligência na França, no início do século XX, com o objetivo de
avaliar a inteligência das crianças francesas em idade escolar e, com isso, encontrar alunos que não
fossem capazes de responder ao programa escolar tradicional. Dessa forma, classifica as crianças
com deficiências mentais pelo quociente intelectual (QI) em quatro categorias: idiota, imbecil, débil
e retardada.

A definição e os procedimentos para classificação de deficiência mental sofrem modificações


quando mencionado o fator adaptabilidade. Compreende‑se como comportamento adaptador os
fatores externos à criança; estes consistem no quadro ambiental em que o sujeito se desenvolve. Caso
um determinado ambiente crie mais condições que outro, podemos ter uma criança com deficiência
34
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

intelectual em uma comunidade, mas não em outra; na escola, mas não na vizinhança; durante uma
época da vida, mas não em outra.

Dessa forma, embora existam controvérsias sobre a possibilidade de modificação no desenvolvimento


intelectual, todos os autores concordam que o comportamento adaptador das crianças com
deficiências intelectuais pode ser influenciado por treinamento. Em outras palavras, dependendo das
circunstâncias, é possível minimizar a deficiência intelectual e até a incapacidade educacional por meio
de uma programação educacional ou de modificações no ambiente social do sujeito.

3.1.1 Classificação

Uma das maiores consequências da deficiência intelectual é a perda da capacidade mental, e são os
testes de inteligência que irão determinar os seus graus. Ao mesmo tempo, é importante salientar que
o diagnóstico da deficiência intelectual, como qualquer outro, é extremamente complexo, por isso não
pode ser reduzido a um número expresso em QI.

As escalas de David Wechsler permitem avaliar a inteligência a partir do escore de Quociente


Intelectual (QI), sendo 100 considerado a média da distribuição – acima de 100 estão os superdotados,
e abaixo desse valor estão os infradotados.

A seguir, um quadro com a classificação:

Quadro 1 – Classificação da inteligência de


acordo com a Escala Wechsler

QI Classificação
130 > Muito superior
120‑129 Superior
110‑119 Normal alto
90‑109 Normal
80‑89 Normal baixo
70‑79 Fronteiriço ou borderline
55‑69 DM leve
40‑54 DM moderada
25‑39 DM severa
< 25 DM profunda

Adaptado de: Gonzáles et al. (2007).

De acordo com González et al. (2007), em psicologia e pedagogia, temos uma maneira mais atualizada
de avaliar a deficiência intelectual. O autor propõe três parâmetros que possibilitam um diagnóstico mais
eficaz e adequado para as necessidades das pessoas com deficiências mentais. Esses paradigmas são:

35
Unidade I

• o déficit na inteligência e o grau de deficiência: determinados basicamente pelo QI ou pelos


estádios piagetianos de desenvolvimento;

• as dificuldades na conduta adaptativa;

• o grau de educabilidade (educáveis e treináveis), que determina as possíveis ações ou intervenções


psicopedagógicas.

Dessa forma, a deficiência intelectual é considerada pelo Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais (DSM‑IV) como um transtorno generalizado do desenvolvimento, caracterizado
por: funcionamento intelectual geral significativamente inferior à média; ligação a déficits significativos
no funcionamento adaptativo; início antes dos 18 anos de idade cronológica.

Quadro 2 – Graus de DM de acordo com o QI

Classificação Sigla QI
Deficiência mental leve ou educável DML 50‑55 até 70
Deficiência mental moderada ou treinável DMM 35‑40 até 50‑55
Deficiência mental grave DMG 20‑25 até 35‑40
Deficiência mental profunda DMP Abaixo de 20‑25

A seguir, apresentamos a classificação do funcionamento da deficiência intelectual de acordo com


o DSM‑IV (APA, 2002):

• Pessoas com deficiências mentais leves: correspondem a 85% de toda a população com
DM; são conhecidas também como educáveis e, na infância, desenvolvem habilidades sociais
e de comunicação. Possuem poucas dificuldades sensório‑motoras, muitas vezes não são
diferenciadas de outras crianças até em idades mais avançadas e conseguem atingir até o
sétimo ano do Ensino Fundamental.

• Pessoas com deficiências mentais moderadas: correspondem a 10% de toda a população


com DM; são conhecidas como treináveis. Durante a infância, podem aprender a falar e a
comunicar‑se, mas dificilmente passarão do terceiro ano do Ensino Fundamental.

• Pessoas com deficiências mentais graves: representam de 3% a 4% da população afetada


por DM. Apresentam dificuldades no desenvolvimento motor; se conseguirem comunicar‑se por
meio da linguagem, a compreensão e a expressão serão muito pequenas. Na primeira infância,
podem aprender uma linguagem rudimentar e adquirir hábitos de higiene básica, com prejuízo
nas áreas da alfabetização e da matemática.

• Pessoas com deficiências mentais profundas: representam de 1% a 2% da população afetada


por DM. Durante a infância, têm um funcionamento sensório‑motor mínimo e exigem cuidados
até o fim da vida.

36
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Quadro 3 – Graus de severidade da DM e os diferentes níveis


operacionais de Piaget

Grau de severidade Classificação Nível operacional de Piaget


DMP Idiota Sensório‑motor
DMG Imbecil Pré‑operacional
DMM Débil Operações concretas
DML Retardado Operações formais (com atraso)

3.1.2 Causas da deficiência intelectual

De acordo com Kirk e Gallagher (2000), podemos identificar as seguintes disposições principais
como agentes causadores da deficiência intelectual: infecção e intoxicação, trauma ou agente
físico, metabolismo ou nutrição, doença cerebral grave, influência pré‑natal desconhecida, anomalia
cromossômica ou genética, distúrbios de gestação e retardo decorrente de distúrbio psiquiátrico.

Existem dois tipos de fatores que podem levar à deficiência intelectual:

• Fatores intrínsecos – genéticos: determinados pela herança genética, ou seja, filhos com
Down nascidos de mães com Down, ou várias crianças com Down na mesma família. Quando,
em uma família, existe um caso de Down, é bem possível que apareçam mais casos em gerações
posteriores. Além disso, a idade avançada, tanto do pai quanto da mãe, pode contribuir para a
ocorrência dessa condição. As mães em risco são aquelas com idade igual ou maior de 35 anos e,
ainda, no caso de envelhecimento acelerado da mãe jovem.

• Fatores extrínsecos – teratógenos: determinados tipos de irradiações; doenças maternas


(problemas viróticos – rubéola, encefalite –, agentes imunológicos, falta de vitaminas,
fundamentalmente, da vitamina A); excesso de ingestão de álcool pela mãe durante a gestação;
envenenamento por chumbo, encontrado em algumas tintas de parede e colocado na boca por
crianças pequenas.

3.1.3 Fatores genéticos

Na formação de um novo ser humano, o pai e a mãe do futuro bebê contribuem com
23 cromossomos cada um, e, dessa forma, centenas de genes permanecem na posição certa em cada
cromossomo, desempenhando o processo químico exato para produzir um novo ser humano. Algumas
vezes, porém, esse processo pode deturpar‑se, ocorrendo anormalidades genéticas e resultando,
frequentemente, em aborto espontâneo. Quando não ocorre o aborto e a gravidez ocorre normalmente,
muitas vezes, somente no momento do parto é que os pais tomam conhecimento da patologia genética
de seu filho.

Dois distúrbios genéticos específicos, dos mais de 100 já identificados pela comunidade científica,
serão aqui mencionados: síndrome de Down e fenilcetonúria.

37
Unidade I

3.1.3.1 Síndrome de Down

Esse termo surgiu com John Langdon Haydon Down, em 1866, que estudou essa anormalidade
genética e batizou‑a de “mongolismo”, em virtude da semelhança física que esses sujeitos apresentam
em relação à raça mongol. Tal condição leva o sujeito à deficiência mental moderada ou leve, acrescida
de vários problemas de audição, formação do esqueleto, hipotonia muscular e coração. A aprendizagem
é lenta, assim como suas respostas, por isso a estimulação precoce, bem como o currículo e os programas
específicos, podem amenizar os problemas que as crianças apresentam.

A causa da síndrome de Down é uma alteração cromossômica que ocorre de forma acidental durante
a divisão celular, uma vez que há a presença de 47 cromossomos, em vez de 46. A presença de um
cromossomo extra no par 21 é chamada de Trissomia do 21 ou síndrome de Down.

É importante saber o número de células que foram afetadas. Elas podem se apresentar de duas
maneiras: global, quando todas as células foram afetadas, e mosaico, quando somente algumas foram
afetadas. Nesse segundo caso, o embrião, se chegar até o final, terá os traços morfológicos menos
evidentes do que no primeiro caso. Detectar as diferenças entre os casos é importante para a intervenção
educacional (González et al., 2007).

3.1.3.2 Fenilcetonúria

Outra condição causada por anomalias genéticas é a fenilcetonúria, ou seja, defeito em um único
gene, que leva ao retardo mental grave. É a incapacidade que o organismo tem de quebrar uma partícula
química, a fenilalanina, que, acumulada em grande quantidade no sangue, resulta em dano severo ao
cérebro em formação. Embora seja um distúrbio genético, pode ser prevenida por meio de uma dieta
com baixos teores de fenilalanina durante os primeiros anos de desenvolvimento da criança.

3.1.4 Fatores teratogênicos

Relacionados ao ambiente no qual o sujeito vive, podem estar ligados aos distúrbios no
desenvolvimento. Alguns exemplos desses fatores são: ingestão de drogas pela mãe durante a gravidez,
bem como doenças que possam contrair durante esse período; situações de carência nutricional e
alimentar; e doenças que a criança possa adquirir nos primeiros anos de vida.

Até o final do século passado, o diagnóstico da síndrome de Down, bem como de outras patologias,
só era feito após o nascimento da criança, ou até mais tarde. O desenvolvimento de técnicas diagnósticas
permitiu um avanço nessa área e o diagnóstico precoce.

• Teste screening bioquímico‑materno antes da gravidez detecta se a mãe é portadora da síndrome.

• Ultrassonografia do feto a partir da 16ª semana de gravidez, observando‑se a dobra ou a espessura


da nuca.

38
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

• Aneuploidias fetais e amniocentese: retirada de um pouco do líquido da placenta ou líquido


amniótico para biópsia das células do feto encontradas nesse líquido. Assim, logo no início da
gravidez, os pais de alto risco podem saber se terão ou não um filho com deficiência.

Exemplo de aplicação

Esses procedimentos médicos podem gerar um problema moral de graves consequências: os pais
teriam o direito de interromper a gravidez quando recebem a informação de que terão uma criança
com deficiência?

Faça uma pesquisa sobre a temática e responda a esse questionamento de forma reflexiva
e argumentativa.

Saiba mais

Os filmes a seguir trabalham com a questão da deficiência intelectual:

GABY: uma história verdadeira. Direção: Luis Mandoki. EUA: LK‑TEL,


1987. 110 min.

OLEANNA. Direção: David Mamet. EUA: Alpha Filmes, 1994. 89 min.

O OITAVO dia. Direção: Jaco van Dormael. Bélgica: Lume Filmes,


1996. 118 min.

RAIN man. Direção: Barry Levinson. EUA: United Artists, 1988. 133 min.

UM ESTRANHO no ninho. Direção: Miloš Forman. EUA: United Artists,


1975. 133 min.

3.1.5 Atendimento Educacional Especializado

Saber qual deficiência, o que a ocasiona e os sintomas presentes na condição de seu aparecimento
não assegura uma melhora no desenvolvimento e na aprendizagem dessas pessoas, uma vez que tais
informações apenas delimitam as características presentes em cada um dos quadros clínicos.

A identificação do tipo de deficiência é importante, mas não fundamental para a intervenção


pedagógica, psicológica e social, já que as ações para a melhora no desenvolvimento global do sujeito
partem da avaliação criteriosa de cada uma das áreas mencionadas. Assim, a falta de diagnóstico clínico
não pode ser empecilho para o desenvolvimento de práticas vinculando as áreas psicológicas, educativas
e sociais que assegurem o melhor desenvolvimento do sujeito.

39
Unidade I

A oferta de atendimento educacional especializado aos que necessitam impôs como obrigatoriedade
um repensar das funções de cada um dos docentes envolvidos no processo de aprendizagem daqueles
com necessidades educacionais especiais. Isso porque houve a necessidade de pensar o que é
próprio do atendimento educacional especializado e o que é de responsabilidade da escola regular,
delimitando, em consequência, a função de cada um desses serviços, mas não se esquecendo de que
estes trabalham de forma conjunta na busca de um mesmo objetivo, que é assegurar a aprendizagem
e o desenvolvimento dos alunos.

Durante algum tempo, pensou‑se que o melhor caminho para fazer as pessoas com deficiência
intelectual aprender seria a priorização de aprendizagens pautadas pelo conhecimento prático e
concreto. Contudo, essa prática nega a possibilidade de essas pessoas conseguirem raciocinar e pensar
no plano abstrato.

Não queremos dizer com isso que não se deva trabalhar com o concreto, mas não podemos utilizar
somente essa estratégia para garantir a aprendizagem, pois a apropriação, pelos alunos, do conhecimento
instituído historicamente não se faz apenas por meio de práticas, mas também de abstrações que farão
o sujeito superar o conhecimento do senso comum, em uma aprendizagem acadêmica e científica.

O perigo desse equívoco é empobrecer cada vez mais a condição de as


pessoas com deficiência mental lidarem com o pensamento, raciocinarem,
utilizarem a capacidade de descobrir o que é visível e preverem o invisível,
criarem e inovarem, enfim, terem acesso a tudo o que é próprio da ação de
conhecer (Brasil, 2007b, p. 20‑21).

O atendimento educacional especializado trabalhará com conhecimentos que são diferentes daqueles
desenvolvidos na escola regular, contudo fundamentais na superação das dificuldades impostas pela
deficiência. Esse tipo de atendimento tem por função superar os limites das pessoas com necessidades
educacionais especiais.

No que se refere às pessoas com deficiência intelectual, a acessibilidade do conhecimento não


depende de suportes externos, como o Braille, a comunicação alternativa etc., adotados exclusivamente
para dar conta das especificidades das pessoas com deficiências visual e física, mas da retirada de uma
condição passiva diante do conhecimento para uma apropriação ativa do saber.

Já no caso específico da leitura e da escrita, o atendimento educacional especializado não


deverá sistematizar e ensinar as noções dessas áreas, como é o foco da escola regular, mas buscar
conhecimentos que deem subsídios ao aluno para que ele conquiste a competência da leitura e da
escrita na escola regular.

O atendimento educacional especializado tem por objetivo fazer o aluno sair da condição de não
saber e não querer saber para a de querer saber. Para isso, é necessária a atividade intelectual de
abstração, que se resume em ações práticas no nível do pensamento.

40
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Quando o aluno traz a sua vivência para a sala de aula e consegue posicionar‑se diante dela
de forma autônoma, migra de uma situação de passividade diante do conhecimento para a posição de
questionamento e de tomada de posição quanto a uma determinada situação.

A partir do momento em que o aluno consegue sair da condição de indiferença em relação ao que o
rodeia, ele passa a ter condições de identificar as dificuldades encontradas na resolução dos problemas
e, na tentativa de resolvê‑los, busca novos caminhos e saberes que serão incorporados aos já adquiridos.

3.2 O aluno com deficiência visual

3.2.1 Os olhos

Os olhos, órgãos da visão, estão alojados nas cavidades orbitárias, que lhes dão proteção e os mantêm
próximos ao sistema nervoso central, de que são verdadeiros prolongamentos exteriorizados. Possuem
forma esférica, o que lhes garante maior mobilidade.

O globo ocular é formado por três envoltórios:

• Esclera ou esclerótica: membrana mais externa e mais resistente do globo ocular. É o chamado
“branco do olho”; sua parte anterior torna‑se fina, transparente e delicada, formando uma
saliência que constitui a córnea, a qual permite a entrada de luz no olho.

• Coroide: é uma membrana intermediária, rica em vasos sanguíneos e pigmentos. Em sua parte
anterior, torna‑se visível pela transparência da córnea. Tal área recebe o nome de íris – responsável
pela cor dos olhos. No centro da íris há um orifício chamado pupila, conhecido como “menina
do olho”, que tem como função controlar a quantidade de luz no globo ocular. A luz que chega
aos olhos sofre refração ao passar pela córnea, por um líquido claro (humor aquoso), por uma
lente gelatinosa (cristalino) e por um líquido bastante viscoso (humor vítreo). Esse conjunto
funciona como um sistema de lentes convergentes que forma uma imagem na parte sensível do
olho: a retina.

• Retina: membrana interna do globo ocular composta por neurônios especializados; na parte
posterior, apresenta uma pequena depressão, próxima ao nervo ótico, denominada mácula, região
mais sensível à luz e por onde as imagens são vistas com maior nitidez. As células fotossensíveis
são de dois tipos: cones e bastonetes. Os cones percebem as radiações luminosas, diferenciando
as cores; os bastonetes também percebem as radiações, mas não distinguem as cores – captam
imagens mesmo com pouca luz, sendo importantes para a visão na obscuridade.

Estruturas auxiliares do olho:

• Pálpebras: são duas pregas móveis, uma superior e outra inferior, que protegem o globo ocular
contra impurezas, traumas etc.; ao se fecharem, possibilitam ao globo ocular o descanso, impedindo
a entrada de luz; espalham as lágrimas na frente do olho, lubrificando‑o. As pálpebras e a esclera
são revestidas por uma membrana fina e transparente chamada conjuntiva.
41
Unidade I

• Cílios: são pelos distribuídos nas margens das pálpebras, que protegem o globo ocular de
agentes agressores.

• Glândulas lacrimais: órgãos responsáveis pela produção de lágrimas. A lágrima facilita o


deslizamento das pálpebras e promove a remoção de impurezas e germes, além de participar da
nutrição e oxigenação da córnea.

• Sobrancelhas: pelos dispostos na margem superior de cada órbita, protegendo o globo ocular
do suor.

• Músculos motores: são os músculos reto superior, reto inferior, reto lateral, reto medial, oblíquo
superior e oblíquo inferior, que permitem ao globo ocular movimentos em várias direções.

Os raios de luz refletidos de um objeto entram nos nossos olhos, atravessam as estruturas oculares –
a córnea, a pupila, os humores, o cristalino – e chegam ao fundo do olho, até a retina, onde existem
células sensíveis à luz.

A imagem transformada em impulsos nervosos é enviada através do nervo óptico ao cérebro, no


qual as informações (cor, forma, tamanho e posição) são “interpretadas”, fazendo a imagem do objeto
em foco ser vista na posição correta.

3.2.2 Saúde visual

Todos têm na família ou pelo menos conhecem alguém que usa óculos. Geralmente, pensamos logo
em nossos avós, pois a maioria das pessoas idosas tem dificuldade para enxergar. Entretanto, problemas
de visão podem ocorrer na infância e na adolescência.

Pesquisas revelam que uma em cada cinco crianças em idade escolar sofre de problemas de visão.
Uma criança não tem como comparar se está enxergando bem ou não e dificilmente vai se queixar, o
que pode trazer sérios problemas para o aprendizado e a saúde.

Os sintomas podem ser:

• dificuldade de leitura: ao ler um livro, preste atenção se precisa aproximá‑lo dos olhos ou se é
necessário afastá‑lo. Observe se as letras ficam meio embaçadas, como se houvesse uma nuvem
de fumaça sobre seus olhos;

• piscamento: observe se você pisca muitas vezes ao focalizar algum objeto, ou durante a leitura;

• sensibilidade exagerada à luz: em ambientes claros, não se consegue abrir os olhos totalmente,
os quais, em seguida, começam a lacrimejar;

• terçol frequente: é uma inflamação geralmente localizada nas pálpebras, como se fosse uma
espinha grande, deixando a região avermelhada e inchada;
42
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

• dores de cabeça: geralmente durante ou após a leitura, ou ao assistir à televisão;

• tonteiras: também são frequentes durante a leitura.

3.2.3 Definição de deficiência visual

A deficiência visual é uma perda na área da visão que pode ser do tipo cegueira – total incapacidade
para enxergar – ou do tipo deficiência visual – alterações no sistema visual – quando o sujeito perde
a acuidade visual, a capacidade de distinguir imagens, requerendo a utilização de prótese. Quando um
sujeito não tiver associado outro tipo de incapacidade, além da falta de visão, compensará utilizando
seus outros sentidos, por exemplo, o tato, a audição ou o olfato.

De acordo com Kirk e Gallagher (2000), podemos identificar três grupos diferentes de problemas na
área da visão: (1) cegos, (2) visão parcial e (3) visão reduzida.

Os sujeitos cegos tem apenas a percepção da luz ou ausência total dessa percepção e precisam aprender
a se comunicar por meio do braile ou de outros meios que não estejam relacionados ao uso direto da visão.

Os sujeitos com visão parcial apresentam limitações para ver objetos distantes, mas são capazes de
enxergar quando objetos e pessoas estão a pouca distância.

Por fim, o último grupo é aquele em que os sujeitos possuem visão caso esta possa ser corrigida.

Os distúrbios e as anomalias visuais mais comuns são: hipermetropia, miopia, astigmatismo,


estrabismo, heterotropia, nistagmo, albinismo e catarata.

3.2.4 Causas da deficiência visual

Os problemas visuais podem surgir por interferências na formação de imagens na retina ou na


transmissão destas ao cérebro: erros ópticos, defeito nos olhos, doenças, síndromes e condições que
afetam a visão em maior ou menor grau.

No passado, as maiores causas da deficiência visual eram a sífilis, a meningite ou a escarlatina, e


medidas como lavar os olhos do recém‑nascido e aplicar vacinas eliminaram a maioria dessas causas.
Hoje as infecções intrauterinas, como rubéola e toxoplasmose, bem como malformação do aparelho
visual do feto são as causas mais comuns de deficiência congênita.

De acordo com González et al. (2007), existem oito grupos diferentes de causas pelas quais um
sujeito é cego:

• Primeiro grupo: anomalias congênitas porque a mãe teve alguma doença durante os primeiros
meses de gravidez, como rubéola ou toxoplasmose, e herança genética.

• Segundo grupo: problemas de refração, como a miopia.

43
Unidade I

• Terceiro grupo: traumatismo nos olhos durante a prática de esportes, casos de queimadura ou,
ainda, acidentes domésticos.

• Quarto grupo: lesões no globo ocular.

• Quinto grupo: lesões no nervo óptico, no quiasma e nos centros corticais.

• Sexto grupo: alterações em áreas próximas aos olhos, como pálpebras ou canais lacrimais.

• Sétimo grupo: doenças gerais, que podem ser infecciosas, intoxicações ou, ainda, transtornos
endócrinos (diabetes, sífilis, glaucoma, ceratite, rubéola).

• Oitavo grupo: causa determinada por parasitas.

Os dois principais profissionais mais indicados no diagnóstico dos problemas visuais são o médico
oftalmologista, especializado na avaliação e no tratamento de defeitos e doenças dos olhos, e o
optometrista, que examina, mede e trata certos defeitos funcionais de visão por meio de métodos que
não exigem formação em Medicina.

Além disso, os pais e o professor, por meio da observação, podem detectar as deficiências visuais
apresentadas pelas crianças, mediante os seguintes indicadores:

• ter dificuldade para ler o quadro‑negro;

• ter dores de cabeça;

• esfregar os olhos;

• apresentar olhos avermelhados e com lágrimas;

• confundir e inverter letras e palavras;

• trocar de linha ao escrever;

• piscar e fazer esforços para ler;

• apresentar incômodos excessivos causados pela luz.

44
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Saiba mais

Para aprofundar as suas reflexões acerca da deficiência intelectual,


assista aos filmes:

À PRIMEIRA vista. Direção: Irwin Winkler. EUA: MGM, 1999. 129 min.

DANÇANDO no escuro. Direção: Lars von Trier. França: Versátil Home


Vídeo, 2000. 140 min.

JANELA da alma. Direção: João Jardim e Walter Carvalho. Brasil:


Copacabana Filmes, 2001. 73 min.

O MILAGRE de Anne Sullivan. Direção: Arthur Penn. EUA: Classicline,


1962. 107 min.

O SINO de Anya. Direção: Tom McLoughlin. EUA: CBS, 1999. 97 min.

PERFUME de mulher. Direção: Martin Brest. EUA: Universal Pictures,


1992. 156 min.

RAY. Direção: Taylor Hackford. EUA: Anvil Films, 2004. 152 min.

3.2.5 Atendimento Educacional Especializado

Uma das formas de compreender o mundo que nos cerca é por meio da apreciação de imagens,
expressões culturais ou artísticas. A compreensão dessas representações fica comprometida para aqueles
que têm deficiência visual ou baixa visão.

As pessoas nessa condição têm dificuldade em acompanhar o currículo escolar, caso este não
tenha nenhuma adequação que considere as necessidades delas, uma vez que a proposta curricular
desenvolvida nas escolas é repleta de símbolos gráficos, imagens, letras e números, tornando difícil ou
praticamente impossível o acesso a esses signos para aqueles com deficiência visual ou baixa visão.

A possibilidade de aprendizagem está atrelada ao processamento cognitivo. Assim, a falta de visão


não pode ser um empecilho para a aprendizagem. Contudo, é necessário pontuar que a dificuldade para
enxergar acarreta problemas para as pessoas nessas condições. Por isso, faz‑se necessário pensar em
alternativas que garantam aos alunos condições de aprender e desenvolver‑se. É nessa perspectiva que
os profissionais do Atendimento Educacional Especializado realizam suas atividades com aqueles
que têm baixa visão ou deficiência visual.

45
Unidade I

Os serviços oferecidos pelo Atendimento Educacional Especializado têm como objetivo assegurar
possibilidades de acesso ao currículo das escolas regulares, por meio de ressignificação, diversificação e
utilização de estratégias diferenciadas que garantam condições de aprender e desenvolver‑se a todos.

Alguns recursos que podem ser utilizados pelos alunos com necessidades educacionais especiais:

• Recursos ópticos: são lentes ou um conjunto de lentes que têm por objetivo otimizar e ampliar
as imagens. Vale ressaltar que a indicação desses recursos depende do caso ou da patologia. Eles
podem ser para longe, como o uso de telescópios, para perto, como óculos especiais, ou ainda
lupas manuais ou de mesa.

• Recursos não ópticos: uso de material ampliado, de acetato amarelo, que diminui a claridade
sobre o papel; inclinação da carteira para que o aluno possa realizar as atividades; acessórios
como lápis 4B ou 6B, canetas de ponta porosa, cadernos com pautas pretas, gravadores, softwares
específicos; uso de chapéus e bonés que diminuem o reflexo da luz; circuito fechado de televisão
que consiste em um aparelho acoplado a um monitor de TV que amplia até sessenta vezes a
imagem e transfere‑a para o computador.

Além dos recursos, os professores devem garantir aos alunos com baixa visão alternativas que
assegurem a melhora da capacidade de enxergar, por meio de atividades que incentivem a utilização da
visão potencial. Assim, é necessário provocar o uso dos resíduos da visão ainda remanescentes, na tentativa
de realizar as atividades propostas. Estas devem ser interessantes e prazerosas, pois assim os alunos serão
incentivados a realizá‑las, e devem promover a iniciativa e a autonomia, objetivos da estimulação visual.

Os demais sentidos – audição, tato, paladar e olfato – são importantes canais de informações para
o cérebro, e sua utilização contribui para a aprendizagem e o desenvolvimento.

A linguagem amplia o sentido atribuído pelas pessoas com necessidades especiais porque, por meio
dela, essas pessoas podem atribuir significados aos elementos que as cercam, uma vez que a descrição
oral de lugares e imagens facilita a compreensão e a interpretação dos fenômenos.

O mobiliário da sala de aula deve ser estável, e qualquer alteração deve ser avisada ao aluno, para
evitar acidentes. As atividades desenvolvidas com esses alunos devem ser adaptadas, no caso das pessoas
com deficiência visual, ou ampliadas, para aquelas com baixa visão.

Os materiais adaptados devem ser confeccionados em relevo. Isso pode ser feito com gráficos,
tabelas, ilustrações etc. Para aquelas temáticas em que não for possível a utilização do relevo, o
professor deverá assegurar outras formas de atendimento às necessidades dos alunos, por exemplo,
o uso da linguagem.

No que se refere especificamente à escrita, os alunos com deficiência visual utilizam o Braille. Esse
sistema, criado por Louis Braille, é uma combinação de 63 pontos que representam as letras do alfabeto,
os números e outros símbolos gráficos.

46
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A escrita Braille é realizada por meio de reglete e punção. A reglete é uma régua com um conjunto
de celas Braille dispostas em linhas horizontais. O punção é um instrumento anatômico em formato de
pera, com ponta metálica utilizada para a perfuração da cela Braille (Brasil, 2007b).

3.3 O aluno com deficiência auditiva

3.3.1 Os ouvidos

O aparelho auditivo é o órgão que permite ao sujeito ouvir os sons. É constituído pela orelha e
pelo ouvido.

A estrutura fisiológica do órgão da audição ou ouvido é constituída por três grandes divisões:

• ouvido externo: capta o som e, por meio do conduto auditivo, que funciona como um ressonador,
amplifica duas ou três vezes as ondas sonoras. O tímpano é o divisor entre o ouvido externo e o
ouvido médio.

• ouvido médio: possui três ossículos, martelo, bigorna e estribo, que transmitem as vibrações
produzidas pelo tímpano, o qual reage, em função das ondas sonoras, a uma membrana que
cobre uma abertura chamada janela vestibular ou oval, que separa o ouvido médio (cheio de ar)
do ouvido interno (cheio de líquidos).

• ouvido interno: fechado num recipiente ósseo, possui três canais semicirculares, que não
interferem no sentido da audição, mas oferecem o sentido de equilíbrio, e o caracol (cóclea). A
cóclea, com seu formato de caracol, é a ponte de ligação entre o sistema mecânico de percepção
do som e o sistema elétrico de envio da mensagem ao cérebro, através das vias neuronais.

Os cuidados para evitar a surdez na infância começam antes de a criança nascer. Durante a gravidez,
é necessário que a mãe faça o pré‑natal, não tome determinados medicamentos sem a aprovação do
médico e, se houver necessidade de fazer um exame de radiografia, deverá comunicar ao médico a gravidez.

Após o nascimento do bebê, os pais devem ser orientados a não usar cotonetes durante a higiene
e nunca deixar que a criança brinque com botões, tampinhas, grão de feijão ou objetos pequenos, pois
ela mesma pode colocar esses objetos no ouvido; os pais também devem evitar ambientes com alta
sonoridade, pois isso pode prejudicar a audição da criança. Devem ser orientados a vacinar o bebê
contra sarampo, caxumba, meningite e rubéola, pois essas doenças podem causar surdez.

3.3.2 Definição de deficiência auditiva

A deficiência auditiva (DA) refere‑se à incapacidade do sujeito de ouvir e falar. Assim, uma criança é
surda quando não percebe os sons da fala nem mesmo com a ajuda de amplificadores.

De acordo com González et al. (2007), quando falamos em pessoa com deficiência auditiva,
referimo‑nos a sujeitos que têm uma perda auditiva de maior ou menor grau. Quando a perda é total,
47
Unidade I

falamos de surdez; quando é parcial, falamos de hipoacusia. Esta pode ser leve, moderada ou severa,
conforme o grau de decibéis que o sujeito é capaz de perceber.

Assim, para esse autor, temos as seguintes definições:

• Deficiência auditiva: termo genérico que indica uma incapacidade que pode ter nível de
intensidade de médio a profundo; inclui os termos “surdo” e “limitado de ouvido”.

— limitado de ouvido: pessoa que, geralmente, com o uso de auxílio auditivo, tem bastante
audição residual para ser capaz de processar informação linguística pela audição;

— surdo: indivíduo cuja incapacidade auditiva impossibilita o processamento da informação


pela audição.

Do ponto de vista educacional, podemos classificar as crianças com déficit auditivo em duas
amplas categorias:

• hipoacústicos: crianças com deficiência auditiva, por isso têm alterações na articulação, na
reestruturação da linguagem ou, ainda, no léxico, mas, com ajuda de uma prótese auditiva,
podem levar uma vida normal. Portanto, a característica fundamental dessas crianças é adquirir
a linguagem oral por via auditiva;

• surdos profundos: crianças que têm perda auditiva total; a informação não chega até elas por
via auditiva, embora tenham uma boa amplificação, por isso a informação é recebida visualmente.
Portanto, a característica fundamental dessas crianças é a impossibilidade de adquirir a linguagem
oral por via auditiva.

A literatura atual considera que uma perda auditiva total é muito rara, pois parece existir um grau
de audição residual; por isso o termo deficiência auditiva, e não surdez.

3.3.3 Classificação

Segundo Kirk e Gallagher (2000), a deficiência auditiva (DA) pode ser classificada de acordo com
três critérios: natureza da perda auditiva, localização da lesão e momento da perda auditiva.

3.3.3.1 Natureza da perda auditiva

Considera a quantidade, em decibéis, de audição perdida. Para isso, os autores baseiam‑se no Índice
Haig, estabelecido pelo Comitê Internacional de Audiologia.

De acordo com Kirk e Gallagher (2000), para determinar o nível de audição de um sujeito, é necessário
saber a intensidade de som que precisa ser captada pelo ouvinte. O audiômetro de puro‑som, um
instrumento‑chave para medir a acuidade auditiva, é utilizado para apresentar ao indivíduo sons de
frequência e intensidade conhecidas.
48
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Pede‑se ao indivíduo que responda quando ouvir o som do audiômetro, e o nível de audição em
cada ouvido é registrado separadamente, em um audiograma que mostra a perda em decibéis. Um nível
auditivo de 30 dB indica leve perda de audição, enquanto um de 90 dB indica perda auditiva profunda.

Quadro 4 – Níveis de deficiência auditiva

Nível Intensidade Implicações


0‑25 dB Insignificante –
Dificuldade com sons fracos e distantes ou lugares
25‑40 dB Perda auditiva leve com muito barulho
Dificuldade com palavras normais, conversações e
40‑60 dB Perda auditiva moderada discussões em sala de aula
Dificuldade com palavra alta ou amplificada;
60‑90 dB Perda auditiva grave requer treinamento
Consciência de sons e vibrações,mas sem possibilidade
90 dB + Perda auditiva profunda; surdez de compreender palavra amplificada

Fonte: González et al. (2007, p. 97).

Com isso, temos a seguinte classificação para a deficiência auditiva (DA):

• Crianças com audição normal: audição inferior a 20 dB, por isso percebem a fala e os
sons perfeitamente.

• Crianças com DA leve: audição entre 20 dB e 40 dB; não costumam ter problemas para ouvir, mas,
quando se encontram em lugares com barulho, podem ter dificuldade para perceber mensagens,
sobretudo, se forem utilizados termos ou expressões pouco conhecidos; por isso, costumam ter
dificuldade na escola, uma vez que esses dois fatores se unem: barulhos próprios da escola e
linguagem acadêmica. Para que o aluno tenha uma escolaridade normal, é necessária a utilização
de prótese e fonoterapia, para trabalhar a articulação.

• Crianças com DA média: audição entre 40 dB e 70 dB; com uso de prótese, é possível adquirir a
linguagem oral por via auditiva e conversação de forma normal.

• Crianças com DA severa: audição entre 70 dB e 90 dB; podem perceber apenas palavras amplificadas,
e o aprendizado da linguagem oral não ocorre de maneira espontânea. Por isso, é imprescindível
o uso de prótese, treino auditivo e fonoterapia para conseguir ampliar o vocabulário, bem como
desenvolver linguagem estruturada e fala inteligível.

• Crianças com DA profunda: audição superior a 90 dB; não podem perceber a linguagem por via
oral e precisam de intervenção especializada.

• Cofose: perda total da audição; não existem resíduos auditivos, e seu patamar está abaixo de
120 dB. Esse tipo de surdez não é frequente.

49
Unidade I

3.3.3.2 Localização da lesão

Exige detecção da lesão ou localização da parte do ouvido lesionada. Dependendo da parte do


ouvido que a lesão afeta, pode‑se classificar a DA em:

• Surdez de condução ou transmissão: afeta o percurso do som até o ouvido interno e decorre
de obstáculos no ouvido externo ou no médio, por alterações na cadeia, tumores, otites e
malformações, e o tratamento envolve medicação ou intervenção cirúrgica. A perda auditiva não
ultrapassa 60 dB, sendo considerada uma surdez média.

• Surdez neurossensorial ou de percepção: as estruturas do ouvido interno e as vias de acesso


ao cérebro foram atingidas (canal auditivo), por isso não é possível conseguir audição, já que a
quantidade e a qualidade estão afetadas, sendo o caso de surdez propriamente dita. A intervenção
envolve cirurgias com implantes cocleares.

• Surdez mista: ocorre quando os ouvidos externo, médio e interno são afetados. O tratamento é
cirúrgico e educacional.

3.3.3.3 Momento da perda auditiva

• Surdos pré‑locutivos: surdez anterior à aquisição da fala, isto é, entre 0 e 5 anos. Nesses casos,
deve‑se utilizar um programa para que a criança adquira a linguagem – oralismo e/ou sinais.

• Surdos pós‑locutivos: surdez após a aquisição da fala, a partir dos 5 anos, quando a pessoa já
conta com as estruturas da linguagem. Nesses casos, deve‑se controlar e conservar o adquirido,
bem como tornar a criança consciente de seu déficit, a fim de contornar mudanças em suas
relações pessoais e sociais.

3.3.4 Causas da deficiência auditiva

Kirk e Gallagher (2000) apresentam cinco causas principais para a surdez infantil: hereditariedade,
rubéola materna, nascimento prematuro, meningite e incompatibilidade de sangue entre a mãe
e a criança.

A DA menos grave é causada por otite média, uma infecção comum do ouvido médio na infância,
mas muitos casos estão na categoria “causa desconhecida”.

Assim, temos as seguintes causas para a deficiência auditiva:

• Causas pré‑natais: ocorrem antes do nascimento e podem ser ocasionadas por rubéola materna,
hereditariedade, nascimento prematuro, incompatibilidade de Rh ou ter causa desconhecida.

• Causas pós‑natais: ocorrem após o nascimento e podem ser ocasionadas por meningite,
encefalite, acidentes etc.
50
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

3.3.5 Atendimento Educacional Especializado

Tem por objetivo garantir maiores possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento aos alunos
que frequentam esse suporte e que estão matriculados nas escolas regulares. Esse tipo de serviço
proporciona ao aluno conhecimento bilíngue: em língua de sinais e língua portuguesa.

A prática pedagógica desenvolvida no Atendimento Educacional Especializado parte dos conteúdos


curriculares priorizados pelo professor do ensino regular, uma vez que sua função é trabalhar com
assuntos que complementam o currículo desenvolvido na escola regular e ajudam o aluno com surdez
a acompanhá‑lo, contudo o trabalho com os conteúdos curriculares é de responsabilidade do professor
da escola regular.

O plano de ensino do professor do Atendimento Educacional Especializado inicia‑se com o diagnóstico


das habilidades e das necessidades das pessoas com deficiência auditiva, assim como a identificação
das barreiras encontradas por elas no processo de escolarização. Esse atendimento envolve três
momentos específicos:

• Atendimento Educacional Especializado em Libras;

• Atendimento Educacional Especializado para o Ensino de Libras;

• Atendimento Educacional Especializado para o Ensino de Língua Portuguesa.

No Atendimento Educacional Especializado em Libras, o professor especializado utiliza a língua


brasileira de sinais para fornecer a base conceitual dos conteúdos trabalhados em sala regular. O
planejamento desse tipo de atendimento é de responsabilidade do professor especializado.

Conforme Quadros (2004), o planejamento das atividades passa pelos seguintes processos:

• Acolhimento dos alunos.

• Identificação das habilidades e necessidades de cada um.

• Trabalho em conjunto com os professores da sala regular, principalmente no que se refere à


priorização dos elementos que deverão ser estudados pelos alunos, porque ambos devem
trabalhar na busca do mesmo objetivo, cada profissional a seu modo, conforme a possibilidade e
a necessidade.

• Aprendizagem, em libras, dos termos específicos utilizados em cada uma das áreas curriculares.

• Elaboração de materiais e recursos específicos que possam auxiliar o aluno na compreensão dos
elementos curriculares.

51
Unidade I

• Avaliação da aprendizagem realizada por meio da libras, tonando possível verificar o grau de
compreensão dos alunos.

O Atendimento Educacional Especializado para o Ensino da Libras envolve a aprendizagem


de conceitos específicos da língua. A língua de sinais organiza‑se por meio de utilização do canal
visual‑espacial, articulação das mãos e expressões faciais e do corpo. Não é universal, pois cada país
possui a sua própria língua de sinais. Também deve ser ensinada ao aluno com deficiência auditiva pelo
professor especializado.

Segundo Quadros (2004), para atuar no ensino de libras, o professor precisa ter conhecimento
da estrutura do idioma e fluência na língua, bem como elaborar recursos didáticos que assegurem a
aprendizagem. O ensino dessa língua deve ser organizado conforme o conhecimento que o aluno tem
da língua de sinais. Essa identificação do grau de desenvolvimento da linguagem ocorre por meio de
uma avaliação que dará subsídios à organização das temáticas abordadas no ensino da língua, bem
como à elaboração de recursos pedagógicos necessários à aprendizagem do aluno.

O Atendimento Educacional Especializado para o Ensino da Língua Portuguesa orienta‑se por uma
concepção bilíngue, ou seja, assegura a utilização das duas línguas, a portuguesa e a libras, estabelecendo
esta como primeira língua. Para a aprendizagem da língua portuguesa, faz‑se necessário o aprendizado da
leitura e da escrita. A leitura ocorre a partir de um movimento de interlocução envolvendo o sujeito que
lê e o autor do texto, ou seja, a atribuição de sentido, feita por meio da leitura, depende da interpretação
realizada pelo leitor, que faz uso de todos os conhecimentos que tem, até aquele momento, para atribuir
sentido ao texto.

Escrever um texto é saber utilizar palavras que expressam ideias em um contexto específico.
Dessa forma, por meio das palavras, podemos expressar angústias, sentimentos e emoções de forma
crítica e criativa. Para que o aluno com deficiência auditiva possa fazer uso da linguagem escrita de
forma coerente e crítica, é necessário oferecer a ele vários tipos de texto e explorar cada uma de suas
características, assim ele terá condições de produzir os seus próprios textos.

A sociedade deve organizar‑se para fazer as pessoas com necessidades educacionais especiais
serem incluídas no contexto social e fazerem parte dele. A escola, como parte desse sistema, deve
contribuir para a inclusão do aluno. Dessa forma, a unidade escolar, ao assegurar a aprendizagem da
língua portuguesa aos surdos, oferece condições de interlocução com todos os indivíduos, inclusive
com aqueles que não têm nenhuma necessidade especial, possibilitando tirar dos surdos a condição de
excluídos da sociedade.

52
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Saiba mais

Para refletir um pouco mais sobre a deficiência auditiva, assista aos filmes:

A MÚSICA e o silêncio. Direção: Caroline Link. Alemanha: Europa Filmes,


1996. 109 min.

FILHOS do silêncio. Direção: Randa Haines. EUA: Paramount‑AMZ,


1986. 119 min.

MR. HOLLAND: adorável professor. Direção: Stephen Herek. EUA:


Flashstar Filmes, 1995. 143 min.

O PIANO. Direção: Jane Campion. Nova Zelândia: CiBy 2000,


1993. 121 min.

QUERIDO Frankie. Direção: Shona Auerbace. Reino Unido: Walt Disney


Pictures, 2004. 105 min.

3.4 O aluno com deficiência física e motora

São considerados sujeitos com problemas de saúde física aqueles que apresentam epilepsia, asma,
febre reumática e diabetes, levando à dificuldade de mobilidade, vitalidade física e autoimagem. A seguir,
descrevemos os sintomas de alguns desses problemas:

• Asma ou bronquite: distúrbio marcado por contrações espasmódicas dos brônquios que causam
encurtamento na respiração. A criança apresenta dificuldade para respirar, postura curvada e
mobilidade afetada, dificultando a vitalidade física.

• Fibrose cística: doença hereditária caracterizada por disfunção geral do pâncreas, resultando em
problemas pulmonares graves e prejudicando a vitalidade física.

• Epilepsia: conjunto de distúrbios que resultam em ataques ou convulsões periódicas. A vitalidade


física é prejudicada.

• Diabetes: distúrbio metabólico dos carboidratos caracterizado por deficiência de insulina; pode
levar ao coma, a não ser que o doente receba medicação. A vitalidade física é prejudicada.

• Febre reumática: doença infecciosa que resulta em lesão cardíaca, que reduz a função do coração.
A vitalidade física é prejudicada. Assim, a febre reumática é uma rara inflamação do coração e de
outras partes do corpo (articulações, sistema nervoso e pele) que, geralmente, origina‑se de uma
faringite séptica (infecção na garganta).
53
Unidade I

Leia o texto a seguir, que aborda o conceito de deficiência física e a classificação das paralisias.

Destaque

Deficiência física [...] é a disfunção ou interrupção dos movimentos [de] um ou mais


membros: superiores, inferiores ou ambos [...] conforme o grau de comprometimento ou do
tipo de acometimento, fala‑se em paralisia ou paresia. O termo paralisia se refere à perda
da capacidade de contração muscular voluntária, por interrupção funcional ou orgânica em
um ponto qualquer da via motora, que pode ir do córtex cerebral até o próprio músculo;
fala‑se em paralisia quando todos os movimentos em tais proporções são impossíveis. O
termo paresia refere‑se a quando o movimento está apenas limitado ou fraco. [...] vem
do grego paresis e significa relaxação, debilidade. Nos casos de paresias, a motilidade se
apresenta apenas num padrão abaixo do normal, no que se refere à força muscular, à
precisão do movimento, à amplitude do movimento e à resistência muscular localizada, ou
seja, refere‑se a um comprometimento parcial, a uma semiparalisia.

Classificação das paralisias

Dependendo do número e da forma como os membros são afetados pela paralisia [...],
[temos] a seguinte classificação:

• Monoplegia: condição rara em que apenas um membro é afetado.

• Diplegia: quando são afetados os membros superiores.

• Hemiplegia: quando são afetados os membros do mesmo lado. [Causada por]


acidente vascular cerebral, aneurisma cerebral, tumor cerebral e outras.

• Triplegia: condição rara em que três membros são afetados.

• Tetraplegia/quadriplegia: quando a paralisia atinge todos os membros [...] a maioria


dos pacientes com esse quadro apresenta lesões na sexta ou sétima vértebra.

• Paraplegia: quando a paralisia afeta apenas os membros inferiores, podendo [ser


resultante de] uma lesão medular torácica ou lombar. Esse trauma ou doença altera
a função medular [e] produz, como consequências, além de déficits sensitivos e
motores, alterações viscerais e sexuais. Causas diversas ou desconhecidas.

• Paralisia cerebral: [deficiência da função motora decorrente de uma lesão cerebral


no momento do parto. A criança pode apresentar níveis de mobilidade prejudicados
e pode ter sua vitalidade e aparência física comprometidas.As causas podem ser:]
prematuridade; anóxia perinatal; desnutrição materna; rubéola; toxoplasmose;
trauma de parto; subnutrição; outras.
54
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

• Lesão medular: [causada por] ferimento por arma de fogo; ferimento por arma
branca; acidentes de trânsito; mergulho em águas rasas; traumatismos diretos;
quedas, processos infecciosos; processos degenerativos e outros.

• Amputações: causas vasculares, traumas, malformações congênitas, causas


metabólicas e outras.

Fonte: Apae (s.d.).

De acordo com a Organização Pan‑Americana da Saúde (Opas), além das paralisias citadas no texto,
há outras causadas por:

• Distrofia muscular: fraqueza progressiva e atrofia dos músculos do esqueleto. Afeta a mobilidade,
a vitalidade física e a aparência comum (autoimagem).

• Malformação congênita: condição presente no nascimento, pode ser definida como qualquer
defeito na constituição de algum órgão ou conjunto de órgãos que determine uma anomalia
morfológica estrutural. Pode ter causa genética, ambiental ou mista. Essa definição abrange todos
os desvios em relação à forma, ao tamanho, à posição, ao número e à coloração de uma ou mais
partes do corpo.

A malformação da criança poderá ser decorrente de uma programação genética imperfeita, de fatores
ambientais que alteraram o trabalho de formação ou ainda da existência simultânea de ambos. Por isso,
as malformações são classificadas em três grandes grupos: de causa genética, de causa ambiental e de
causa multifatorial.

As primeiras são hereditárias e podem repetir‑se na família, as segundas ocorrem esporadicamente


e as últimas são como uma situação intermediária entre as outras duas.

Embora haja problemas de mobilidade e vitalidade física, a maior parte das crianças é capaz de
frequentar a escola regular, mas algumas permanecem presas ao lar e precisam receber instrução
especial em casa, por telefone ou por meio de professores particulares.

De acordo com Kirk e Gallagher (2000), dentre os maiores problemas que a criança ou o adulto com deficiência
física precisa enfrentar estão a repulsa e o retraimento que as pessoas manifestam quando veem sua condição.

Os avanços da ciência têm reduzido ou eliminado muitos desses problemas físicos e de saúde, por
meio de tratamento terapêutico e medicamentoso, mas isso não impede, muitas vezes, a ocorrência de
problemas educacionais, por falta de qualificação docente ou por ambiente escolar inadequado.

A incidência da poliomielite foi reduzida pelo desenvolvimento e uso da vacina, com campanhas
nacionais de vacinação, e a epilepsia tem sido controlada pelo desenvolvimento de medicamentos
que diminuem a incidência de ataques convulsivos em crianças, que dificultavam as oportunidades de
aprendizagem e desenvolvimento social.
55
Unidade I

3.4.1 Definição de desenvolvimento motor

O desenvolvimento motor ocorre quando há a maturação de tecidos e músculos e o crescimento dos


ossos atrelado à maior complexidade do sistema nervoso central.

O desenvolvimento motor ocorre naturalmente durante o ciclo vital a partir dos estímulos que a
criança recebe em seu ambiente. Em caso de privação dessa estimulação ou ocorrência de distúrbios e
doenças, esse desenvolvimento estará comprometido, acarretando perdas para a criança.

3.4.2 Definição de deficiência motora

De acordo com Santos, Dantas e Oliveira (2004), a aquisição das habilidades motoras básicas ocorre
de acordo com uma sequência previsível de desenvolvimento, no que diz respeito ao que é possível
adquirir, apesar da diversidade, em razão dos fatores socioculturais.

Existem, porém, situações em que a variabilidade ultrapassa os limites do desenvolvimento dito


normal, adquirindo características de desvio. Isso é chamado, pelos autores, de deficiência motora.

3.4.2.1 O que é uma deficiência motora?

É um atraso excessivo (assumido como sintoma de desordem orgânica) na aquisição de habilidades


motoras básicas. Além do atraso, muitas vezes, essas habilidades acabam não se desenvolvendo
plenamente. As razões dessa condição são múltiplas, e seus processos, particulares.

Segundo Santos, Dantas e Oliveira (2004), as dificuldades motoras são, muitas vezes, descritas como
algo concomitante a muitas desordens psicológicas ou neurológicas. Entretanto, existem condições em
que essas dificuldades motoras se manifestam de uma maneira isolada, isto é, sem estarem acompanhadas
de nenhum diagnóstico claro, com base em evidências de ordem psicológica ou neurológica.

Para essas crianças, a utilização de habilidades fundamentais (correr, andar etc.), assim como de
habilidades funcionais típicas do cotidiano infantil (escrever, vestir‑se etc.), são vivenciadas como um
grave transtorno.

Uma criança que apresente essa condição pode ser vista como alguém que, até certo grau, aprendeu
as habilidades motoras básicas (locomotoras, equilíbrio‑ajuste postural, manipulativas). Entretanto,
o necessário desenvolvimento dessas habilidades, ou seja, sua reconstrução na forma de habilidades
funcionais, que permitam à criança interagir plenamente com seu ambiente natural e social não ocorreu.

A criança que apresenta essas dificuldades é classificada como:

• atrapalhada ou desajeitada (clumsy);

• com dificuldade motora (with motor difficulties);

56
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

• com disfunção perceptivo‑motora (with perceptual motor‑dysfunction);

• com déficit em atenção, controle motor e percepção (Damp);

• com dispraxia (dyspraxia).

Somente na década de 1980 a Associação de Psiquiatria Americana (APA) e a Organização Mundial


da Saúde (OMS) identificaram essa deficiência, e sua denominação técnica passou a ser transtorno do
desenvolvimento da coordenação (TDC).

De acordo com a DSM‑IV (APA, 2002), podemos classificar o TDC pelos seguintes sintomas:

• comprometimento do desempenho de atividades diárias tendo por base a idade cronológica e


a inteligência;

• propensão para deixar cair objetos;

• baixo desempenho em atividade desportiva;

• grafia insatisfatória;

• rendimento escolar que tende a ser afetado de forma significativa;

• fraco desempenho de rotinas diárias.

Na publicação do CID‑10 (OMS, 1993), o TDC é chamado de transtorno específico do desenvolvimento


da função motora. A principal característica é o grave comprometimento da coordenação motora, cuja
causa não está diretamente ligada ao retardo intelectual global ou a qualquer transtorno neurológico
congênito ou adquirido. Acarreta comprometimento de tarefas cognitivas visuoespaciais e resulta em
dificuldades no desempenho acadêmico, além de causar problemas sociais e emocionais.

O TDC é uma deficiência eminentemente motora, cuja causa ainda é desconhecida, levando a
consequências negativas no cotidiano da criança: por um lado, porque a ausência de sinais neurológicos
clássicos leva a uma atitude de incredulidade diante do problema, negligenciando‑se a sua existência; por
outro, existe a crença de que as crianças naturalmente irão recuperar‑se do estado de dificuldade motora.

Os autores alertaram sobre o perigo da visão otimista (de que dificuldade desaparece de maneira
espontânea) difundida nos meios profissionais, pois pode constituir‑se em um obstáculo para os pais
conseguirem ajuda no tratamento dessa desordem motora.

Qual é o prognóstico, referente ao desenvolvimento motor, para as crianças diagnosticadas com


TDC? Acaso elas se livram de suas dificuldades espontaneamente?

57
Unidade I

Existem duas grandes tendências no estudo do desenvolvimento motor em crianças com


esse transtorno:

• A área médica busca investigar precocemente os determinantes que podem levar à ocorrência do
problema, por meio de quatro indicadores:

— antecedentes, ou fatores presentes nos momentos iniciais da vida;

— condições no nascimento (peso, idade de gestação, asfixia perinatal etc.);

— condições do recém‑nascido durante as primeiras semanas;

— desenvolvimento até, geralmente, o início da escolarização.

• A área psicopedagógica procura investigar o impacto do TDC, durante os primeiros anos de


escolarização, no futuro escolar durante a adolescência.

Tanto em uma área como na outra, os autores são unânimes ao afirmar que as crianças portadoras
de TDC não se recuperam de seus transtornos motores espontaneamente. Pode haver, com o passar dos
anos, uma diminuição natural desses problemas, mas não a sua eliminação, levando‑as ao recebimento
de rótulos e apelidos e a um comprometimento de sua autoestima.

Por isso, é necessário que os professores estejam atentos ao desenvolvimento motor do aluno desde
os primeiros anos da infância, a fim de realizar avaliações, fazer encaminhamentos e propor atividades
pedagógicas direcionadas às dificuldades das crianças.

3.4.3 Atendimento Educacional Especializado

Na deficiência física, assim como nas demais deficiências, há uma diversidade de tipos e graus que
podem, conforme a sua intensidade, interferir no processo de desenvolvimento e de aprendizagem dos
indivíduos de formas variadas.

Aos profissionais do Atendimento Educacional Especializado, cabe a seleção de recursos e técnicas


adequados ao desenvolvimento de cada um dos alunos. Para isso, faz‑se necessário o uso da Tecnologia
Assistiva. Esta é um auxílio que ampliará a habilidade deficitária ou dará condições para que os alunos
realizem a função desejada, que seria impedida por conta da deficiência. Comunicação aumentativa,
comunicação alternativa e materiais pedagógicos adequados às necessidades dos discentes são alguns
recursos da Tecnologia Assistiva.

Os professores especializados devem promover parcerias com profissionais de arquitetura,


engenharia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, fisioterapia, dentre outros, para que, juntos, pensem
em possibilidades de atendimento às necessidades das pessoas com deficiência física.

58
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Tecnologia Assistiva é toda ajuda e todo suporte necessário que facilita a resolução de problemas
funcionais. A legislação brasileira assegura, a todos os que precisem, ajudas técnicas, equipamentos e
instrumentos para garantir o atendimento às suas necessidades.

Dessa forma, é fundamental que os professores do Atendimento Educacional Especializado


conheçam os diversos equipamentos e instrumentos que podem ser utilizados com os portadores
de deficiência física, pois somente com essa informação os docentes terão condições de identificar
as necessidades de cada um dos alunos e indicar o uso de estratégias e equipamentos adequados
a cada caso.

Nas salas de recursos multifuncionais, destinadas ao atendimento


especializado na escola, é que o aluno experimentará várias opções de
equipamentos, até encontrar o que melhor se ajusta à sua condição e
necessidade. Junto com o professor especializado aprenderá a utilizar
o recurso, tendo por objetivo usufruir ao máximo dessa tecnologia
(Schirmer; Browning; Bersch, 2007, p. 33).

A Tecnologia Assistiva, cumpre com o seu papel quando o aluno leva os seus recursos para todos os
lugares que frequenta, retirando‑a do ambiente restrito da escola. Isso promoverá maiores possibilidades
de aprendizagem.

Esse tipo de tecnologia organiza‑se em modalidades que podem variar conforme o entendimento
dos autores. De acordo com Schirmer, Browning e Berschi (2007), podemos citar como modalidades:

• auxílios para a vida diária e a vida prática;

• comunicações aumentativa e alternativa;

• recursos de acessibilidade ao computador;

• adequação postural;

• auxílios de mobilidade;

• sistemas de controle de ambiente;

• projetos arquitetônicos para a acessibilidade;

• recursos para cegos ou para pessoas com visão subnormal;

• recursos para surdos ou para pessoas com déficits auditivos;

• adaptação em veículos.

59
Unidade I

O auxílio em atividades da vida diária é realizado por meio de recursos que favorecem as funções
desempenhadas pelas pessoas em atividades rotineiras, como: cortar, escrever, colar, escovar os dentes,
dentre outros. Tais recursos podem ser produzidos de forma industrial ou fabricados pelo próprio
professor especializado. Vejamos alguns exemplos:

• adaptação para material: engrossadores de material escolar, como lápis, pincel, rolinho e cola;

• ponteira de cabeça: é utilizada para o aluno digitar no computador, assegurando o


desenvolvimento da linguagem escrita.

Na comunicação aumentativa, utilizamos um meio de comunicação para compensar as falhas da


fala, contudo o sujeito não deixa de utilizar a linguagem oral. Já na comunicação alternativa há a
substituição da fala por outro tipo de comunicação, uma vez que a pessoa sente muitas dificuldades
com a oralização.

Na comunicação alternativa utilizam‑se pranchas ou cartões de comunicação. Nesses materiais são


colocados símbolos gráficos que representam mensagens. O vocabulário deve ser escolhido conforme
as necessidades dos sujeitos.

Uma pessoa com deficiência física, por conta da sua limitação, pode necessitar também do uso de
recursos de acessibilidade ao computador. Para fazer uso desses instrumentos, é necessário avaliar as
seguintes dimensões:

• a necessidade e o interesse do aluno: refere‑se a verificar a motivação do aluno para desenvolver


atividades, utilizando, para isso, o recurso do computador;

• a análise da atividade escolhida: diz respeito à identificação do que é necessário providenciar


para que a atividade seja executada;

• as habilidades do aluno: tem por objetivo demonstrar se as habilidades e os movimentos


demonstrados pela pessoa podem propiciar a realização da atividade e quais adaptações são
necessárias para que a aprendizagem e o desenvolvimento sejam garantidos.

A análise arquitetônica faz‑se mediante uma avaliação das condições do ambiente, em parceria com
os profissionais de Arquitetura, Engenharia e Educação. Todas as pessoas devem ter o direito de ir e vir;
em outras palavras, a nenhuma pessoa pode ser negada a possibilidade de locomover‑se e ter acesso a
informações e repartições públicas e não públicas por conta de não adequação arquitetônica.

É necessário, também, o profissional do Atendimento Educacional Especializado estar atento ao


alinhamento e à estabilidade postural, uma vez que, ao corrigir a postura, por meio de pontos de apoio
e estabilidade, melhoraremos o tônus muscular e diminuiremos os movimentos involuntários. Para
avaliarmos as ações que devem ser buscadas para melhorar a condição postural, faz‑se necessário um
estudo detalhado da condição postural.

60
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Saiba mais

Para aprofundar‑se nas questões relacionadas à deficiência física e


motora, veja os filmes:

AMARGO regresso. Direção: Hal Ashby. EUA: Versátil Filmes, 1978.


126 min.

FELIZ ano velho. Direção: Roberto Gervitz. Brasil: Universal Home Video,
1987. 105 min.

MEU PÉ esquerdo. Direção: Jim Sheridan. Irlanda: RTE, 1989. 103 min.

O DESPERTAR para a vida. Direção: Neal Jimenez e Michael Steinberg.


EUA: No Frills Film Production, 1992. 106 min.

O HOMEM elefante. Direção: David Lynch. Reino Unido: Brooksfilms,


1980. 124 min.

O ÓLEO de Lorenzo. Direção: George Miller. EUA: Universal Pictures,


1992. 129 min.

O SOL do meio‑dia. Direção: Eliane Caffé. Brasil: Pandora Filmes,


2009. 106 min.

UMA JANELA para o céu. Direção: Larry Peerce. EUA: Universal Pictures,
1975. 103 min.

4 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA E ATENDIMENTO EDUCACIONAL


ESPECIALIZADO (AEE)

Neste tópico estudaremos as características dos transtornos globais do desenvolvimento, dos


transtornos funcionais do desenvolvimento e das altas habilidades/superdotação. Além de abordarmos
os quadros clínicos, falaremos também de algumas práticas educacionais, psicológicas e sociais que
podem ser desenvolvidas com essas pessoas.

4.1 O aluno com transtornos globais do desenvolvimento e transtornos


funcionais

Nos transtornos globais do desenvolvimento (TGD) estão agrupados transtornos que afetam o
desenvolvimento do sujeito. São classificados em autismo, síndrome de Rett, síndrome de Asperger e
espectro autista.
61
Unidade I

4.1.1 Autismo

O quadro clínico de autismo caracteriza‑se pelo prejuízo no desenvolvimento social e na comunicação.


Suas manifestações variam conforme o nível de desenvolvimento e a idade do sujeito.

A criança com autismo pode ignorar outras pessoas, assim como não perceber as necessidades delas.
A comunicação verbal e a não verbal podem ser prejudicadas ou estar ausentes. O timbre de voz, bem
como a velocidade, o ritmo e a ênfase da fala, podem ser anormais. A capacidade de compreensão da
linguagem é prejudicada, e as brincadeiras são ausentes ou prejudicadas.

O autista interessa‑se por rotinas e irrita‑se quando os seus hábitos, por algum motivo, são alterados.
Apresenta movimentos corporais estereotipados que envolvem bater palmas, estalar os dedos, dentre
outros. Tem fascinação por objetos e movimentos como o do ventilador, de rodas e de abrir e fechar as
portas. O interesse pelo desenvolvimento de atividades é restrito, justamente pelas dificuldades impostas
pela condição do quadro clínico.

O autismo manifesta‑se antes dos 3 anos de idade, e seu diagnóstico deve considerar atraso em pelo
menos uma das áreas seguintes: linguagem para a comunicação social, jogos simbólicos ou imaginativos.

4.1.2 Síndrome de Rett

Identificada em 1966 por Andreas Rett, o quadro clínico pode apresentar as seguintes características:

• Estagnação do desenvolvimento e desaceleração do crescimento encefálico. Esse quadro pode


apresentar‑se na faixa etária dos 6 aos 18 meses.

• Regressão na psicomotricidade, choro sem motivo, irritação, perda da fala, comportamento


do quadro autista e movimentos estereotipados. Esse quadro pode apresentar‑se na idade de
1 a 3 anos.

• Dos 2 aos 10 anos de idade, pode haver certa melhora em alguns dos quadros descritos, por
exemplo, no contato social. Apresenta quadros de ataxia, apraxia, espasticidade, escoliose,
bruxismo, perda de fôlego, aerofagia e expulsão forçada de ar e saliva.

• Desvio cognitivo grave e prejuízos motores. Essa fase inicia‑se por volta dos 10 anos de idade.

4.1.3 Síndrome de Asperger

O quadro clínico de uma pessoa com síndrome de Asperger pode ser verificado entre 3 e 5 anos de
idade. Há prejuízo persistente na interação social e nas rotinas diárias. As dificuldades de interação social
tornam‑se mais aparentes nas crianças em idade escolar. Além disso, há prejuízos significativos nas áreas
social, ocupacional e em outras áreas importantes. Não há atrasos na linguagem, no desenvolvimento
cognitivo, na autoajuda ou no comportamento adaptativo.

62
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A identificação da síndrome de Asperger pode ser tardia, contudo não fica claro se isso acontece
porque o quadro do transtorno se evidencia tardiamente ou porque a identificação não é realizada de
maneira precoce.

4.1.4 Espectro autista

Os estudos de Wing e Gould (1979) deram origem a um conjunto de características apresentadas


pelas pessoas com espectro autista. As crianças que tinham essa dificuldade também apresentavam
os sintomas mais marcantes do autismo. São pessoas com dificuldades na interação social e na
comunicação, mas não apresentam todas as características de uma criança autista. O espectro autista
pode ter vários graus.

4.1.5 Características específicas dos TGDs e intervenção educacional

Uma das áreas prejudicadas nas pessoas com transtorno global do desenvolvimento é a função
executiva, responsável pela utilização de estratégias específicas na busca de um determinado objetivo.
Para realizá‑la, são necessárias as ações de: antecipar, planificar, controlar impulsos, inibir respostas
inadequadas e flexibilizar pensamentos e ações. Todas essas atitudes estão presentes quando precisamos
agir para resolver uma situação‑problema.

Conforme Belisário Filho e Cunha (2010):

A função executiva é o que permite, por exemplo, flexibilizar os modelos


de conduta adquiridos pela experiência, para nos adaptarmos às variações
existentes nas situações do presente. Permite que possamos sincronizar
nossas condutas em função de nossas intenções, considerando aspectos
novos de cada momento e situação (Belisário Filho; Cunha, 2010, p. 18).

É necessário conhecermos as características da função executiva porque as crianças com TGD têm
dificuldades no que se refere à flexibilidade, uma das ações fundamentais para a convivência em sociedade.

Na escola, essas crianças manifestam comportamentos de inflexibilidade. Isso é esperado quando


lembramos que o ambiente escolar é barulhento, agitado, com crianças e rotinas que não fazem
parte da vida das crianças com TGD. É necessário, contudo, pontuar que essas manifestações não são
permanentes, uma vez que demonstram uma repulsa às mudanças de rotina daqueles que adentram o
ambiente escolar.

A criança que apresenta esses transtornos deve ser apresentada o quanto antes às rotinas escolares.
A escola, por conta de sua própria organização, é um ambiente repleto de rotinas que se manifestam
todos os dias e nos mesmos horários: entrada e saída de alunos, ordem da fila, organização das atividades
fora da sala de aula, dentre outros.

O grande benefício para as crianças com transtornos é que essas atividades


rotineiras são realizadas por todos os alunos da escola regular. Dessa forma,
63
Unidade I

sua organização não é algo exclusivo para as pessoas com transtornos, mas
todos os alunos participam, executando as mesmas rotinas de trabalho.

O grande valor desses rituais já inerentes à escola para a criança com TGD é o
fato de que acontecem para todos os alunos e não são artificiais ou preparados
exclusivamente para a criança com TGD, já que constituem regras de um meio
social real e, portanto, diverso (Belisário Filho; Cunha, 2010, p. 23).

È fundamental que o professor da escola regular oriente os alunos para as atividades que serão
realizadas. Essa iniciativa, para os alunos com transtornos, pode parecer irrelevante, uma vez que
normalmente eles não prestam atenção e não alteram as suas atitudes e rotinas por conta da orientação
do professor. Essa é, porém, uma possibilidade para os alunos preverem o que acontecerá posteriormente,
tornando o seu cotidiano mais previsível e facilitando, por conta disso, uma transformação do
seu comportamento.

A escola favorece o desenvolvimento e a aprendizagem das pessoas com transtornos, uma vez
que permite um equilíbrio entre aquilo que sempre ocorre da mesma forma e aquilo que acontece de
um jeito diferente. Além disso, essas situações não são criadas especialmente para o aprendizado da
criança nessa condição clínica, mas acontecem em ocasiões de convivência real, o que facilita ainda
mais o aprendizado.

Os professores das escolas regulares devem ser orientados pelos profissionais do Atendimento
Educacional Especializado em vários aspectos. Um deles refere‑se ao trato com as famílias. Os familiares
das crianças que apresentam os quadros descritos sentem‑se inseguros em deixar os seus filhos na escola.
Isso porque as crianças têm comprometimentos com a comunicação, e os pais ficam receosos por acharem
que os seus filhos podem passar fome, sede etc. porque não conseguem comunicar as suas vontades.

Nesse momento, é fundamental que os professores das escolas regulares tranquilizem a família,
uma vez que os profissionais da educação devem buscar a autonomia e o aprendizado de todos os
alunos. Se na escola há crianças que não tem autonomia no desenvolvimento de suas necessidades
básicas, os educadores junto com as famílias das crianças com transtornos devem trabalhar para o
desenvolvimento dessa habilidade.

Vale ressaltar que, pode acontecer que as crianças com transtorno retrocedam em alguns aspectos
do desenvolvimento. Os familiares devem ser orientados quanto a essa possibilidade.

Para que o desenvolvimento seja buscado pela família e pela escola, é necessário que os profissionais
da educação trabalhem de forma cooperativa e que a equipe escolar valorize não apenas as dificuldades
encontradas pelas crianças no ambiente escolar, mas também – e principalmente – os seus avanços e
conhecimentos conquistados.

Uma das funções a serem desenvolvidas com os alunos com TGD é a comunicação. Os objetivos do
trabalho educativo são proporcionar a antecipação da rotina escolar, ampliar a flexibilidade e aumentar a
possibilidade de linguagem receptiva e expressiva. Para desenvolver e ampliar a comunicação, o professor
64
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

pode fazer uso de material de apoio. Pode mostrar as atividades que serão desenvolvidas fazendo uso
de apoio visual, de tal forma que os alunos com TGD possam compreender e antecipar as ações a
serem desenvolvidas. Vale ressaltar que as orientações com apoio visual devem ser acompanhadas de
orientações orais realizadas pelos docentes, mesmo que o aluno com transtorno não emita nenhum
som de fala.

Belisário Filho e Cunha (2010) defendem que o uso de recursos visuais no atendimento às necessidades
das pessoas com transtornos têm maiores possibilidades de funcionar quando todos os alunos utilizam
esses recursos, mesmo aqueles sem transtorno.

Há quadros de síndrome de Asperger, espectro autista e autismo com alto funcionamento em que as
crianças conseguem resolver as atividades escolares, porém as suas dificuldades continuam a existir na
relação com os outros, ou seja, no convívio com os seus pares.

Nessa situação, alguns professores da escola regular, por falta de informação, acabam permitindo
que o aluno fique sozinho, por exemplo, em uma sala de informática, enquanto os demais alunos
desenvolvem outra atividade. É importante demonstrar que os educadores devem atuar também nas
áreas com prejuízo; dessa forma, é necessário propor iniciativas que facilitem o convívio social dos alunos.

Para as crianças com síndrome de Asperger, síndrome de Rett, autismo e espectro autista, participar da
rotina escolar é difícil, uma vez que tais hábitos não fazem parte das atividades normalmente realizadas
por esses alunos. Há relatos de famílias dizendo que, a partir do momento em que as crianças com
transtornos conseguem participar da rotina escolar, generalizam essas ações para as relações sociais
vivenciadas fora da escola.

O tempo para que o aluno com transtorno possa apresentar melhoras, a partir das intervenções
propostas, é variável de criança para criança, pois está relacionado com a forma pela qual o educador
aplica suas estratégias de ensino, os recursos disponíveis para o uso e o nível de desenvolvimento de
cada um dos alunos.

A verificação das aprendizagens conquistadas deve ser feita por meio de uma avaliação individualizada,
que compare o desenvolvimento do aluno no início das intervenções pedagógicas e o rendimento obtido
depois destas. O aluno nunca deve ser avaliado em comparação com outros matriculados na escola,
mesmo que eles também tenham algum tipo de transtorno.

A preocupação com o desenvolvimento social e cognitivo deve ser prioridade dos profissionais do
Atendimento Educacional Especializado e do educador da escola regular. Entretanto, é importante
destacar que a busca de alternativas que priorizem esse desenvolvimento devem ocorrer na turma em
que o aluno com transtorno está matriculado, junto com os seus pares.

Assim, essas competências não podem ser desenvolvidas pelo professor do Atendimento Educacional
Especializado, pois seu trabalho não envolve todos os alunos, embora ocorra nas salas de aula das
escolas regulares.

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Unidade I

O professor do Atendimento Educacional Especializado deve orientar os professores da escola


regular na elaboração de estratégias que visem ao desenvolvimento social e cognitivo dos alunos com
transtornos, na elaboração de recursos pedagógicos e na organização da rotina. O aluno com transtorno
deverá frequentar as salas de Atendimento Educacional Especializado quando se verificar a necessidade
do uso de recursos e atividades que são desenvolvidos apenas nesse espaço.

4.2 Crianças com altas habilidades/superdotação

Existem algumas crianças que aprendem mais depressa, lembram‑se de mais informações e resolvem
problemas com mais eficiência do que as outras. Ao longo da história, essas crianças foram chamadas
de superdotadas ou talentosas e, atualmente, são denominadas de pessoas com altas habilidades.
Crianças nessas condições fazem parte da classificação denominada pessoas com necessidades
educacionais especiais, conforme legislação estabelecida no item anterior.

Pessoas com altas habilidades são aquelas “cujas aptidões biopsicológicas estão acima dos
padrões de desenvolvimento culturalmente aceitos e cientificamente reconhecidos para a faixa etária
correspondente” (IBGE, 2008).

De acordo com Fleith e Alencar (2007), a avaliação dos sujeitos com altas habilidades deve ser feita
o mais cedo possível, a fim de atender às suas necessidades, cultivar suas capacidades e promover seu
ajustamento socioemocional. A simples rotulação do aluno como superdotado não terá valor algum
se não for contextualizada em um planejamento pedagógico que corresponda às suas necessidades
educacionais. Esses atendimentos serão realizados em concomitância com o psicológico e o social. Vale
ressaltar que essa diversidade de atendimento é garantido ao sujeito com necessidades educacionais
especiais, contudo é necessário avaliar de forma assertiva qual atendimento deve ser oferecido ao sujeito
superdotado e em que momento deve ser iniciado.

Para obtermos informações sobre o quadro clínico da pessoa, bem como a respeito de suas
necessidades e possibilidades, faz‑se necessária uma avaliação clínica, pedagógica e psicológica. Isso
propiciará uma visão sistêmica e global do indivíduo. Uma metodologia atual de avaliação da inteligência
é feita de maneira abrangente e multidimensional, levando em consideração o contexto sócio‑histórico
do sujeito, suas habilidades na área da linguagem e do pensamento lógico e suas características de
criatividade, aptidão artística e musical, liderança, entre outras.

Portanto, é de fundamental importância que a avaliação permita ao sujeito reconhecer e entender


o que se passa consigo, bem como ter uma ideia mais clara e coerente de seu potencial e de suas
habilidades e de como desenvolver‑se de forma mais harmoniosa.

4.2.1 Avaliação psicológica

É um processo científico, limitado no tempo e realizado por um psicólogo, que procura compreender
o indivíduo em sua globalidade, utilizando técnicas de entrevista, observação e testes psicológicos
que permitam a obtenção do funcionamento psíquico do sujeito, que está inserido em um contexto
sócio‑histórico. O conjunto de informações obtidas pelo psicólogo junto ao aluno, à escola e à família
66
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

mapeará as condições cognitivas, sociais e afetivas desse aluno, na tentativa de orientar e conduzir
ações em direção a uma melhor qualidade de vida. Não se trata de uma ação isolada, nem de uma
proposta de solução mágica, mas de um trabalho interdisciplinar que visa a proporcionar apoio a um
planejamento educacional mais eficaz.

4.2.2 Metodologia

Entrevista de anamnese com os pais ou responsáveis e entrevistas com o aluno em que são aplicados
testes de inteligência (Raven e WISC‑R), instrumentos que avaliam autoconceito e criatividade (Teste
Torrance de Pensamento Criativo), jogos (memória e quebra‑cabeças), brincadeiras (liga‑pontos, palavras
cruzadas), desenhos e produções espontâneas.

Lembrete

Entrevista de anamnese é o relato feito pelos pais de uma criança ao


psicólogo sobre a história da vida dela, desde o nascimento até o momento atual.

Realizam‑se também visitas à escola que o aluno frequenta e encontros com os professores. Ao
término, é feita uma entrevista de devolutiva aos pais e aos docentes que serão orientados sobre o
desenvolvimento acadêmico, emocional e social da criança com altas habilidades.

De acordo com Fleith e Alencar (2007), é importante ressaltar que o principal objetivo da avaliação
psicológica não é identificar se o aluno apresenta ou não altas habilidades, e sim avaliar seus interesses,
pontos fortes e necessidades, bem como sugerir caminhos que possibilitem seu crescimento saudável.

Observação

A avaliação da inteligência proposta por Binet e Wechsler provocou


críticas de vários autores contemporâneos (Piaget, Vygotsky, Luria, Sternberg,
Feuerstein, entre outros), que colocaram em dúvida a avaliação da
capacidade intelectual por meio dos testes psicológicos.

Alfred Binet (1857‑1911), pedagogo e psicólogo francês, em 1905 publica, por solicitação do
governo francês, com Théodore Simon (1873‑1961), uma escala métrica para avaliação da inteligência,
sendo considerado, por isso, o inventor do primeiro teste de inteligência. Essa escala tinha como objetivo
mensurar o desenvolvimento da inteligência de crianças, de acordo com a idade mental, e foi ponto
de partida para a criação de outros testes psicométricos, especialmente os que medem o quociente
intelectual (QI).

Lewis Terman (1877‑1956) dedicou a maior parte de sua vida ao estudo de crianças com altas
habilidades. Procurou, em escolas públicas, crianças superdotadas e acompanhou‑as durante 35 anos,
até a sua morte.
67
Unidade I

A classificação proposta por Lewis Terman era a seguinte:

Quadro 5 – Classificação de Terman

QI Classificação
Acima de 141 Genialidade
121‑140 Inteligência muito acima da média
110‑120 Inteligência acima da média
90‑109 Inteligência normal (ou média)
80‑89 Embotamento
70‑79 Limítrofe
50‑69 Cretino

Adaptado de: Kirk e Gallagher (2000).

A classificação originalmente proposta por Davis Wechsler era a seguinte:

Quadro 6 – Classificação de Wechsler

QI Classificação
Acima de 127 Superdotação
121‑127 Inteligência superior
111‑120 Inteligência acima da média
91‑110 Inteligência média
81‑90 Embotamento ligeiro
66‑80 Limítrofe
51‑65 Debilidade ligeira
36‑50 Debilidade moderada
20‑35 Debilidade severa
Abaixo de 20 Debilidade profunda

Adaptado de: Kirk e Gallagher (2000).

4.2.3 O papel da escola na estimulação do talento criativo

De acordo com Fleith e Alencar (2007), depois do próprio aluno, o professor é o principal agente
pedagógico no contexto escolar. Por isso, a identificação das altas habilidades deve iniciar‑se na sala
de aula, a partir do professor, que, munido de recursos adequados, pode realizar suas observações e
anotações sobre aqueles alunos que se destacam, estimulando‑os e facilitando seu desenvolvimento.
Descobrir o interesse do aluno consiste na questão central para torná‑lo motivado, abrindo espaço para
que demonstre seu potencial e sua criatividade. Além disso, cabe ao professor possibilitar ao aluno a
socialização com os colegas de classe.

68
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Para o atendimento às necessidades das pessoas com altas habilidades, é necessário um trabalho
conjunto dos profissionais da escola regular e dos profissionais da Educação Especial. Esse trabalho
contribui para o planejamento e a execução de propostas enriquecedoras do desenvolvimento das
potencialidades e aprendizagens dos alunos. Para que isso ocorra, é fundamental oferecer oportunidades
educativas em várias áreas de conhecimento e que sejam de interesse desses alunos.

As atividades de enriquecimento curricular ocorrem nas escolas regulares e nas salas multifuncionais
(local onde acontece o suporte de Atendimento Educacional Especializado). Contudo, a concretização
dessa parceria só se faz possível quando está delimitada no Projeto Político‑Pedagógico da escola regular.

As atividades de enriquecimento curricular, estabelecidas no Projeto Político‑Pedagógico da escola


regular, devem prever a articulação com outras instâncias capazes de ampliar o conhecimento desses
alunos. Assim, a parceria pode ocorrer com: instituições de ensino superior e com órgãos de pesquisa,
de artes e de esportes.

Nessa perspectiva, buscam‑se situações de aprendizagem que acolham todas as respostas dos alunos,
mas não apenas isso: estas devem ser interpretadas, para que se tornem subsídios à identificação das
habilidades desses alunos.

Conforme Delpretto, Giffoni e Zardo (2010 , p. 22):

O planejamento coletivo possibilita acompanhar a funcionalidade e a


aplicabilidade dos recursos pedagógicos do ensino regular, bem como
estabelecer parcerias na elaboração de estratégias e disponibilização de
serviços do atendimento educacional especializado para os alunos com altas
habilidades/superdotação.

Uma maneira de atender às necessidades dos alunos e ampliar as suas possibilidades de aprendizagem
é por meio de uma educação que trabalhe com projetos, uma vez que essa estratégia de ensino instiga
a curiosidade e a aprendizagem por descoberta de temáticas que se complementam. Os temas dos
projetos são escolhidos pelos alunos e, por isso, partem de sua área de interesse.

Delpretto, Giffoni e Zardo (2010) definem os seguintes objetivos do AEE:

• maximizar a participação dos alunos na escola regular;

• potencializar as habilidades demonstradas pelos alunos;

• oferecer aos alunos recursos tecnológicos, pedagógicos e bibliográficos que sejam de interesse
deles;

• incentivar a participação dos alunos com altas habilidades em pesquisas;

• estimular a implementação de projetos com temáticas diversificadas.


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Unidade I

Saiba mais

Para obter mais detalhes sobre altas habilidades/superdotação,


veja o filme:

MENTES que brilham. Direção: Jodie Foster. EUA: LK‑TEL, 1991. 99 min.

Procure fazer uma análise a partir dos aspectos estudados em aula e


tratados na teoria.

70
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Resumo

Para estudarmos sobre a Educação Especial, foi necessário


compreendermos os processos de exclusão vividos pelas minorias
étnicas e raciais, situando‑os em um cenário político, que é regido pela
democracia, e em um cenário econômico, que institui o sistema capitalista
e gera desigualdade.

Para isso, tratamos das origens do capitalismo, destacando os efeitos


desse sistema econômico na vida das pessoas e pontuando que os
processos de desigualdade gerados por esse sistema econômico, bem como
as suas consequências na vida dos grupos marginalizados, não são algo
natural, mas construído.

Posteriormente, tratamos dos três momentos distintos que


perpassam pela História da Educação Especial no Brasil: o Paradigma da
Institucionalização, o Paradigma de Serviços e o Paradigma de Suportes. Em
cada um desses momentos, fica clara a forma pela qual a sociedade tratou
as pessoas com deficiências e lidou com elas. Essa maneira de tratar as
pessoas com deficiência e de assegurar a essas minorias seus direitos veio
acompanhada da instituição de legislações e declarações que estabeleciam
as garantias legais.

Vimos que embora tenhamos dividido a História da Educação Especial


em três momentos distintos, os três tipos de atendimento coexistem
atualmente. Não obstante, a Educação Inclusiva é a maneira de atender
às pessoas com necessidades educacionais especiais mais praticada
atualmente. Isso é o reflexo das determinações legais e do aceite dado pelo
Brasil a algumas declarações que defendem os preceitos de uma educação
que atende à diversidade.

Dessa forma, aprendemos que, na atualidade, vivenciamos a situação


de crianças com necessidades educacionais especiais matriculadas nas
escolas regulares. Percebe‑se claramente um aumento considerável dessas
matrículas. Vimos que não basta, contudo, assegurar a matrícula de
alunos: é necessário oferecer condições para que essas pessoas aprendam
e se desenvolvam. Por isso, abordamos que é necessário conhecermos as
características de cada uma das deficiências (intelectual, visual, auditiva,
física, transtornos globais do desenvolvimento, transtornos funcionais e
altas habilidades).

71
Unidade I

Além disso, aprendemos que é fundamental conhecer as formas


de atendimento às necessidades dessas pessoas, como a garantia de
Atendimento Educacional Especializado, demonstrando suas particularidades
e peculiaridades. Assim, estudamos nesta unidade as formas de organização
desse tipo de atendimento nas áreas de: deficiência física, intelectual,
auditiva e visual, bem como de transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades/superdotação.

72
EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Exercícios

Questão 1. (Enade 2008) As Diretrizes Curriculares da Educação Infantil e os Referenciais Curriculares


propõem a educação infantil como espaço de cuidar e educar. Essa concepção também se estende às
creches, sobre as quais afirma-se:

I – as creches são lugar de proteção e de cuidados com a saúde, bem como de educação para
as crianças;

II – o ambiente escolar da creche se constitui como espaço assistencialista às crianças;

III – o processo educativo na creche promove o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social;

IV – como espaço de guarda e tutela, a creche tem especial cuidado com a saúde e a higiene
das crianças.

São afirmações adequadas à concepção de creche, expressas nos documentos citados, apenas:

A) I e II.

B) I e III.

C) II e III.

D) II e IV.

E) III e IV.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: a afirmação I é correta porque a atual concepção de creche e de educação infantil


pressupõe o cuidar e o educar, porém a afirmação II é incorreta, pois diz respeito a uma visão
ultrapassada de creche que apenas enxergava o assistencialismo, como ambiente escolar. As unidades
de educação infantil não podem ser um lugar no qual as crianças vão apenas para se alimentar ou
receber cuidados de higiene.

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Unidade I

B) Alternativa correta.

Justificativa: a afirmação I é correta, conforme explicado acima, e a afirmação III é correta porque
as crianças menores necessitam de cuidados, porém todas essas práticas, sejam as de alimentação, de
higiene, de convivência com outros adultos que não os familiares e com outras crianças, se constituem
em aprendizado afetivo e cognitivo; preparam para a aprendizagem social, pois promovem a socialização
das crianças desde muito pequenas.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a afirmação II é incorreta e a afirmação III é correta, conforme explicado acima.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: essa alternativa contém duas afirmações falsas, pois são ligadas a uma visão ultrapassada
de creche, ligada ao assistencialismo deixando de lado os aspectos educacionais.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a afirmação III é correta, conforme explicado acima. A afirmação IV é falsa porque,
apesar de qualquer creche ou unidade de educação infantil deter a responsabilidade pelo cuidado com
as crianças que lhe foram confiadas, não consistem em um espaço apenas de tutela e cuidado como
saúde ou higiene.

Questão 2. (Enade 2005) Uma estudante do Curso de Pedagogia observa, durante o estágio, uma
criança utilizando um cabo de vassoura para puxar seu brinquedo que rolou para debaixo do armário e
reflete sobre os diferentes aspectos do desenvolvimento, destacando o que corresponde àquela situação,
a fim de registrá-la no relatório sobre a criança.

Embora vários aspectos do desenvolvimento estejam presentes na situação descrita, qual é o


predominante?

A) Social.

B) Cultural.

C) Intelectual.

D) Físico-motor.

E) Afetivo-emocional.

Resposta correta: alternativa C.

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: o aspecto predominante do desenvolvimento infantil que aparece no caso relatado


não diz respeito às relações entre o indivíduo e o grupo social ao qual pertence, mas à capacidade de
pensamento e raciocínio.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: o aspecto predominante do desenvolvimento infantil que aparece no caso relatado


não diz respeito aos conhecimentos apreendidos ou à identidade do indivíduo, mas à capacidade de
pensamento e raciocínio.

C) Alternativa correta.

Justificativa: a alternativa é correta, pois o caso relatado diz respeito ao aspecto do desenvolvimento
infantil ligado à capacidade de pensamento e raciocínio.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: o aspecto predominante do desenvolvimento infantil que aparece no caso relatado não
se refere ao crescimento orgânico ou à maturação neurofisiológica, mas sim ao raciocínio.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: o aspecto predominante do desenvolvimento infantil que aparece no caso relatado


não tem relação com o mundo introspectivo do sujeito ou com o modo particular deste integrar as suas
experiências, e sim com o raciocínio.

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