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Sou professora da UNIP há oito anos. Iniciei em 2003, como professora de Linguística no curso de Letras e de lá
para cá venho desenvolvendo atividades nessa área. Também já coordenei o curso de Letras (de 2003 a 2007) nos campi
Alphaville – SP, Cidade Universitária – SP e Vergueiro – SP. Atualmente, leciono no curso de Pós-Graduação Lato Sensu
em Língua Portuguesa e Literatura, o qual também coordeno, oferecido pela universidade no campus Vergueiro – SP.
Tenho mestrado e doutorado em linguística aplicada e estudos da linguagem pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo e cursos lato sensu de menor duração (especialização em pedagogia e didática do ensino superior) pela
Universidade São Judas – SP e pela Universidade Metodista – SP. Minha primeira graduação foi a de matemática, pela
UNESP de Rio Claro – SP.
Durante o período de desenvolvimento de minha pesquisa de doutorado, trabalhando com formação de professores,
tive a oportunidade de estagiar durante um semestre na Universidade de Bath (Inglaterra) e ser orientada pelo
professor Dr. Harry Daniels. Atualmente, desenvolvo pesquisa de pós-doutorado na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, na área de linguística sistêmico-funcional, com foco na elaboração do texto acadêmico, pois, como gosto
muito do trabalho de orientação aos TCCs, decidi dedicar-me a elaborar metodologias de trabalho que ajudem alunos
no desenvolvimento do texto monográfico. Também trabalho na PUC-COGEAE, em cursos de especialização, na área
de formação de professores, área que tem merecido minha atenção especial, por eu acreditar que o que fazemos e
a forma como fazemos como professores são ações que exercem força motriz e impulsionam o desenvolvimento de
nossos alunos.
CDU 37.01
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Leandro Freitas
Amanda Casale
Sumário
Didática Específica
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
OBJETIVOS DA DISCIPLINA..................................................................................................................................7
Caro aluno,
Espero que você estude este conteúdo estabelecendo um diálogo entre o que faz nas disciplinas
do curso de Letras, o que já viveu como aluno nas diferentes etapas de sua vida escolar e o que tem
observado nas atividades de estágio supervisionado, realizadas em escolas de ensino básico, públicas e
privadas.
Os aspectos de maior relevância desta disciplina serão comentados nos fóruns de discussão,
propostos no ambiente AVA. Para participar, você deverá, antes de tudo, munir-se de uma
postura crítica (e a primeira pergunta que surge é: o que é postura crítica para você?!) e
investigativa, levando para as discussões posicionamentos fundamentados que permitam a
todos os participantes desenvolver a competência para “ser professor de língua portuguesa ou
de língua estrangeira”.
Ao longo do texto você encontrará lembretes apontando para aspectos já vistos e que merecem sua
atenção especial, observações destacando pontos relevantes, ou, ainda, indicando pesquisas na web.
Espero que você recorra a todas essas propostas para ampliar seus conhecimentos na área didático-
pedagógica de língua portuguesa e de línguas estrangeiras, e que traga para as discussões exemplos
relacionados ao seu dia a dia como aluno(a) e como futuro(a) professor(a).
Bom estudo!
INTRODUÇÃO
• o aluno compreenda a importância de seu papel social como profissional do ensino da língua /
linguagem em diferentes contextos e realidades brasileiras;
• por meio de discussões teórico-práticas, o aluno reflita criticamente sobre o “ser professor de
línguas” e torne-se competente para idealizar instrumentos que contribuam para sua futura
atividade docente.
7
Como objetivos específicos, a disciplina visa propiciar ao aluno condições para:
• identificar e analisar diferentes estratégias didáticas para a abordagem dos conteúdos específicos
de língua e literatura;
•
planejar atividades didáticas orientadas pela concepção sociointeracionista de
ensino‑aprendizagem;
8
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Paulo Freire
Escolhi essa reflexão de Paulo Freire para iniciar nossa conversa sobre o ser professor, por acreditar
que nela esteja contida, de certa forma, a resposta à pergunta que fiz a você na apresentação deste
livro‑texto: o que é ser crítico para você? Gostaria que você já iniciasse este nosso diálogo pensando
sobre o pensar de Freire, quando diz “sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza
que dela some se não cuido do saber que devo ensinar...”.
Observação
Refletindo
O que será que ele quis nos dizer com isso? De qual saber devo cuidar?
Mas o que é cuidar de meu saber?
Ao longo de nosso trabalho, que tal um exercício de recuperar, o quanto você conseguir, os significados
do que nos diz Freire nesse trecho por um lado tão pequeno, mas, por outro, tão profundo, sobre o ser
professor? Em que sentido o ser crítico está presente nesse pensar?
Agora que você já está na fase final do curso de Letras, já se perguntou o que fará e como dará sua
primeira aula, quando for professor(a)? Acredito que essa seja uma pergunta não muito pensada quando
ainda estamos estudando ao longo do curso, mas que certamente nos assusta quando pensamos assim:
“daqui a 6 meses estarei em uma sala de aula e serei eu o professor de língua portuguesa... serei eu a
professora de língua inglesa...”
9
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Também a Proposta Curricular para o Ensino da Língua Portuguesa, de 1988, já apresentava uma
discussão nessa direção. Vejamos:
A proposta de língua portuguesa não deve ser lida como uma solução,
um receituário ou um rol de conteúdo a ser seguido; ela pretende,
antes de tudo, ser um estímulo à reflexão, visando a uma mudança de
ponto de vista e de atitudes em relação à linguagem e à língua e a uma
consciência do papel do professor de Língua Portuguesa, para que seja
capaz de adequar suas ações a esse papel (SECRETARIA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, 1988, p.12).
Vejamos o que dizem os PCN de Línguas Estrangeiras, documento orientador das propostas
curriculares, em vigor desde 1998:
1
Você já deve ter estudado a respeito de letramento. Em seção posterior retomaremos esse conceito e sua
abrangência. Neste momento, apenas lembre-se de que na perspectiva do letramento, a leitura e a escrita são instrumentos
que não só favorecem como utilizam o conhecimento de mundo do sujeito, considerando as práticas de linguagem sempre
inseridas em contexto social. Letramento deixa de ser, portanto, um conceito que focaliza o código linguístico, para focalizar
o uso da língua como expressão social do sujeito.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
São muito claras as propostas de ensino de língua materna e de línguas estrangeiras no que diz
respeito ao papel social exercido pela língua / linguagem e à relevância de um ensino que não permaneça
com foco na estrutura linguística. Esse é, portanto, nosso papel ao estudar as diferentes maneiras de um
professor trabalhar em sala de aula.
Interessante pensar nessa “circularidade” como discutida por Leal. Então isso quer dizer que,
como professores de língua materna, especificamente, somos responsáveis por orientar nossos
alunos para que transformem os conhecimentos cotidianos, empíricos que trazem sobre a língua, por
conta do convívio social em uma comunidade de falantes, em conhecimentos organizados sobre a
língua, orientados por normas e convenções determinadas pelos diversos contextos sociais dos quais
participam.
Você acha que as normas e convenções às quais me refiro são as normas gramaticais, ortográficas?
Não. Na verdade, não me refiro a essas normas, mas às que regem as comunidades discursivas; aquelas
que permitem ao sujeito, por meio da linguagem, ter sua voz reconhecida num evento linguístico. Isso
é muito mais do que orientar alunos para que conheçam as normas gramaticais ou as ortográficas, não
é mesmo? Significa orientar para que o aluno aprenda o uso da língua e faça dela um instrumento para
posicionar‑se socialmente.
Percebe a responsabilidade atribuída a você que será amanhã ou depois um professor de língua
portuguesa ou um professor de língua estrangeira?
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Saiba Mais!
Que tal ler o artigo de Susana Mira Leal, intitulado “Ser Professor... de
Português: especificidades da formação dos professores de língua materna”?
Você o encontrará no endereço eletrônico
<http://www.educacion.udc.es/grupos/gipdae/congreso/Xcongreso/
pdfs/t3/t3c92.pdf>.
Oliveira (2010, p. 15‑6), ao discutir o papel do professor de português – e podemos ampliar essa
discussão ao âmbito do professor de línguas estrangeiras –, afirma haver um problema com os professores:
eles “geralmente demonstram pouco interesse por questões teóricas”. Para o autor, isso pode ser reflexo
do próprio aprendizado desses professores, que priorizou sempre a prática em detrimento da teoria.
Ou seja, nas aulas de português frequentadas por grande parte dos professores que atuam hoje como
docentes, as teorias linguísticas foram abordadas, porém, sem relação com as práticas de linguagem
efetivas, que ocorrem em contextos sociais.
Essa discussão nos conduz às seguintes questões: Qual o papel da teoria na vida de um professor?
De quais teorias precisamos, como professores? O que fazemos com as teorias pedagógicas?
O papel das teorias é subsidiar nossas ações como professores, nos auxiliar na tomada de decisões
sobre por que usar este ou aquele material, esta ou aquela estratégia e também nos ajudar a explicar
nossa prática, iluminada por conceitos que estão ancorados em uma determinada concepção de
aprendizagem.
Esse movimento do professor de querer fundamentar sua prática e, portanto, de encontrar razões
teóricas que justifiquem suas escolhas é o que chamamos “reflexão crítica”, isto é, o movimento de
investigarmos nossa própria ação, procurando explicações para: “o que faço”, “como faço”, “por que
faço assim”, “para que faço isso”, “para quem faço”, “em que contexto faço isso”. O movimento de
refletir criticamente sobre a prática docente nos leva à prática de ações conscientes, cada vez mais
distanciadas daquelas pautadas somente na repetição passiva daquilo que os materiais didáticos
oferecem e sugerem.
Freire muito nos auxilia a pensar nesses aspectos citados. A grande pergunta que paira sobre
todo o seu pensar pedagógico é “a quais interesses o meu fazer como professor serve?” Responder a
essa indagação corresponde a pensar que cada professor tem um papel político, com grande parcela
de responsabilidade sobre o desenvolvimento de seus alunos, e que, para isso, precisa preparar‑se,
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
construindo saberes que diferem, muito provavelmente, de grande parte das práticas vivenciadas
quando alunos.
Oliveira (2010, p. 16) nos apresenta “5 coisas que todo professor de português precisa saber” e
discute teoricamente cada uma delas. Estendemos essa discussão a professores que trabalham também
com línguas estrangeiras. Vejamos:
1. O que é ensinar.
2. O que é método de ensino.
3. O que é língua.
4. O que é saber português.
5. A razão pela qual se ensina português para brasileiros.
Você deve estar se perguntando: “ensinar português para brasileiros? mas todo brasileiro sabe
português...”
Intrigante pergunta, não é mesmo? O autor se refere, na verdade, a uma discussão cujo foco é pensar
sobre o que o brasileiro não sabe de sua própria língua, mas que seria essencial para seu desenvolvimento
como cidadão, para seu envolvimento de modo mais crítico e sustentado nos diferentes contextos
sociais. A reflexão sobre essa questão nos conduz também a outra: Qual a funcionalidade da língua?
Qual a funcionalidade dos estudos sobre gramática normativa, por exemplo? Ou da elaboração de um
texto dissertativo?
Deixando essas questões em stand by, vamos às 5 coisas que o professor precisa saber.
Seja qual for a área de atuação de um professor, o primeiro passo para entender seu papel é o resgate
das concepções de ensino‑aprendizagem, pois estas têm orientado todas as práticas didático‑pedagógicas
em sala de aula e nem sempre são discutidas com profundidade.
As discussões sobre ensino e aprendizagem estão sustentadas por teorias psicológicas e procuram
levar ao entendimento sobre de que maneira os sujeitos aprendem e estabelecem relações entre
essa aprendizagem e o que os cerca no mundo. Muitos pesquisadores têm investigado as teorias
de aprendizagem e organizado, didaticamente, agrupamentos dessas teorias, facilitando nosso
trabalho.
Podemos elencar, por exemplo, Mizukami (2001), que discute as abordagens: tradicional,
comportamental, humanista, cognitivista e sociocultural, afirmando que, de acordo com cada uma delas,
um ou outro aspecto do fenômeno educacional é privilegiado. Outra pesquisadora que tem se dedicado
a essa mesma questão é Bock (2001, p. 114). Segundo ela, podemos agrupar as teorias de aprendizagem
em duas grandes categorias: o condicionamento e o cognitivismo.
13
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Isso lembra alguma coisa a você? Lembra algum tipo de aula ou de atividade que exigia que você
fizesse muitas vezes a mesma coisa para lembrar‑se depois? É exatamente a concepção apontada pela
autora: por repetir muito uma dada maneira de resolver uma situação‑problema de sala de aula, o
aluno teria, então, condições de acionar esse modelo quando estivesse novamente à frente de tarefas
semelhantes. Então, teria aprendido.
Avançando na discussão, Bock (2001, p. 114) nos aponta a segunda categoria das teorias de
aprendizagem, as cognitivistas:
O fato é que há diferentes teorias relacionadas à aprendizagem, todas preocupadas com a concepção
de homem e de seus modos de pensar. Vamos aqui discutir brevemente três concepções que trazem
marcas relevantes quando pensamos no ensino de língua materna e línguas estrangeiras: a behaviorista,
a construtivista e a sócio‑histórico‑cultural.
Observação
Em busca da memória
Quando pensamos nessa corrente, que tipo de aula vem à sua mente?
Se uma pessoa aprende por meio dos estímulos que recebe do meio, então o aluno nessa aula
estaria sempre à espera de um estímulo vindo de algo ou de alguém. Nessa perspectiva, a aula é o lugar
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
da repetição de comportamentos considerados corretos, à espera que o aluno adquira hábitos que
permitam a ele sempre acertar. Em caso de erro, ele é corrigido, para que não volte a errar. Nessa visão
de aprendizagem, o professor é o elemento mais importante em sala de aula, pois é ele quem tem os
considerados comportamentos corretos e adequados, devendo, portanto, ensiná‑los aos alunos.
Se olharmos o aluno que está sendo formado por essa escola, nos deparamos com um ser passivo,
que recebe e não deve questionar; que é dependente do professor e dos conhecimentos impostos.
Nessa perspectiva, a realidade é vista como um fenômeno completamente objetivo, o mundo já
está construído. O ambiente é determinante em relação a quem será esse ser humano que está em
desenvolvimento: ele será aquilo que a sociedade está indicando, uma pessoa que terá respostas
previsíveis, de acordo com as solicitações já planejadas socialmente. Ora, para isso o professor é
então o detentor do saber, pois somente por ele esse novo ser humano terá acesso àquilo que está
determinado.
Observação
Pensando
Exemplo de aplicação
Aqui vai um pequeno exercício para você: experimente preencher o quadro abaixo, caracterizando
cada um dos elementos a partir da situação prática de ensino em sala de aula2 de língua portuguesa
descrita a seguir. Certamente essa situação já foi vista ou vivenciada em sua vida de aluno e em sua
trajetória escolar. O quadro já apresenta algumas células completas. Complete‑o, a partir do que já está
presente.
Situação
2
Todas as situações utilizadas neste livro‑texto são fictícias, resultantes de discussões da professora autora em
aulas de curso de especialização.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
presente no texto. Eles devem dizer o que o autor do texto diz e não devem inventar nada
ou imaginar nada.
O texto apresentado aos alunos é uma história de ficção e uma das perguntas propostas
é “O que o autor quis dizer quando apresentou o personagem Solimões usando o adjetivo
‘rapaz intrigante’?” (pergunta no 5). Essa é a única pergunta cuja resposta não está explícita
no texto. As demais são apresentadas aos alunos na ordem em que aparecem no texto.
Quando perguntamos à professora qual o papel da atividade, ela nos disse que os alunos
precisam melhorar a leitura e a escrita, por isso, responder as questões a partir do que está
no texto os ajudará a desenvolver a competência leitora e escritora.
Transcrição 1
Profa1: Carlos, você já leu o texto? O que que você ta fazendo conversando com o Luiz?
Carlos1: Não, professora. É que nós tamo discutindo o texto, porque eu não sei onde tá uma
pergunta.
Profa2: Mas eu já disse que está tudo no texto. O que é que você não acha? Me fala?
Profa3: Gente, vejam o que os meninos falaram! Eles não encontraram a pergunta 5.
Vocês também não? Gente... O que vocês responderam pra essa pergunta?
(muitos alunos falam ao mesmo tempo, dizendo que não encontraram a resposta
ou que ainda não chegaram na pergunta 5)
Priscila1: Eu disse que ele não sabe fazer as coisas, por isso ele é “intrigante”.
Profa4: Não, Priscila. De onde você tirou isso? Tá errado. O autor não fala isso no texto.
Fala, gente? Ele fala isso?
Profa5: É isso mesmo. Eu explico. Quando o autor fala que o Solimões é um rapaz
intrigante, ele quer dizer que o moço é um pouco estranho e diferente dos outros.
Vejam nos outros parágrafos depois que ele apresenta o Solimões, se vocês não
percebem que ele vai falando do personagem e deixando algumas dúvidas.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Luiz2: Então é pra gente responder que ele é estranho? Isso tá bom?
Profa6: Tá. Mas é pra fazer individual, viu, seu Luiz e seu Carlos? Sem se comunicar.
Depois eu vou te chamar pra ir na lousa.
Observação
Intrigante?!
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Você concorda comigo que cada situação de sala de aula revela a concepção de ensino‑aprendizagem
do professor? Pense nisso!
Embora a concepção behaviorista de aprendizagem carregue toda essa marca de não dar ao aluno
espaços para desenvolver sua autonomia, por considerar o conhecimento como predeterminado pelo
ambiente, e de dar ao professor esse papel de detentor do conhecimento, é preciso lembrar, como diz Oliveira
(2010, p. 26), que essa concepção teve uma “implicação muito positiva para a sala de aula: começou‑se a se
preocupar com o planejamento do ensino”. Superimportante esse aspecto, pois justamente para que tudo
fosse controlado em sala de aula, os professores perceberam a necessidade de “planejar” suas aulas.
Assim, podemos pensar nesse ganho “inegável” para o professor, mas não podemos nos esquecer
das perdas acarretadas por essa corrente, principalmente em relação ao papel do aluno – passivo, com
pouco ou nenhum espaço para o desenvolvimento de criticidade e autonomia, e ao papel do professor
– transmissor do conhecimento, depositor do conhecimento na mente dos alunos.
Observação
Pensando!
Numa direção distinta da behaviorista, pesquisadores, a partir da segunda metade do século XX,
iniciaram estudos que focalizavam o papel do aluno no processo de ensino‑aprendizagem, objetivando
mostrar que a partir da forma como as aulas fossem ministradas e do papel do professor, esses alunos
poderiam assumir o papel de protagonistas na construção de conhecimentos.
Uma das mais significativas contribuições nesse sentido surgiu com as pesquisas de Jean Piaget,
para quem o ser humano se desenvolve a partir de fases maturacionais, biologicamente situadas, que
se sucedem ao longo da vida. Nessa perspectiva, podemos dizer que o papel da interação ganha forças,
pois o mundo passa a ser um espaço no qual os seres humanos interagem em busca de assimilar
conhecimentos novos e acomodá‑los aos seus esquemas mentais já existentes.
Nessa concepção, toda a atenção recai no aluno e em seu desenvolvimento individual. Como seu
desenvolvimento depende do que já traz em mente e das operações mentais que já consegue fazer, o
professor precisa prestar muita atenção na maneira como o aluno mostra o que sabe, para problematizar
e provocar desequilíbrios nesse aluno, capazes de fazê‑lo avançar em relação aos esquemas mentais que
já possui.
18
DIDÁTICA ESPECÍFICA
É preciso lembrar que os estudos de Jean Piaget não foram realizados com foco nas situações
escolares, mas sim em laboratório de psicologia. Isso significa que não podemos “levar” para a sala de
aula a teoria piagetiana como se fosse uma cartilha de recomendações ao professor. É preciso pensar
nela e nos avanços que ela trouxe à compreensão de como se aprende e também em como essa teoria
se caracteriza em sala de aula.
A visão construtivista está pautada no fato de o conhecimento ser uma construção contínua, que se
dá na relação entre o sujeito e o objeto, sempre pela ação do sujeito. O fato de Piaget considerar as fases
de desenvolvimento do ser humano, também nos leva à conclusão de que o conhecimento é construído
quando o sujeito, por meio da reconstrução de seus esquemas mentais, avança para um novo plano.
Nessa perspectiva, a sala de aula precisa propiciar aos alunos espaços para que investiguem e pesquisem
sobre o que deve ser aprendido.
Essa ideia pode gerar um mal‑entendido: pode‑se acreditar que, para que o aluno avance em seus
esquemas, deva ter a liberdade incondicional de pesquisar sobre a situação de aprendizagem da forma
como melhor lhe aprouver, o que não é verdade. Correto é pensar que na visão piagetiana, o professor,
respeitando o desenvolvimento cognitivo do aluno, precisa criar situações para que este possa criar,
inventar, descobrir sobre o objeto do conhecimento, agindo sobre ele.
Considerando os aspectos expostos, podemos dizer que na perspectiva construtivista piagetiana, o ser
humano “aprende a conquistar conhecimento pela aquisição individual. O foco recai no aluno e nas operações
mentais, uma vez que aprender depende do desenvolvimento de cada um” (LIBERALI, 2009, p. 10).
Pensando nisso, que papel você acredita que seja o do professor? E o do aluno?
Veja o que afirma um professor sobre uma aula com o mesmo material e a mesma atividade da aula
apresentada na situação 1, exposta anteriormente:
Prof. André: Dei essa atividade para meus alunos também, mas acho que
eles precisam fazer aquilo que conseguem. Então, não exigi que todos
terminassem o questionário e também deixei que cada um respondesse de
sua própria cabeça o que significava “rapaz intrigante”. Depois que todos
terminaram a atividade, enquanto faziam outra tarefa, fui chamando em
minha mesa cada um deles e perguntando o que haviam pensado para
responder àquela questão. Foi interessante, porque pude perceber o que cada
aluno sabe e o que ainda não sabe. Orientei cada um para que escrevesse
mais sobre sua ideia a respeito de “rapaz intrigante”, discuti o que poderia
19
DIDÁTICA ESPECÍFICA
ser considerado e o que não cabia na questão, com alguns alunos, fui ao
dicionário... Aqueles que dominam a escrita acabaram escrevendo coisas
interessantes, mas há os que ainda não escrevem bem e então, esses eu
permiti que apenas me falassem o que pensam e discuti com cada um, pois
para escrever, teriam muita dificuldade.
Exemplo de aplicação
Preencha as células vazias do quadro a seguir, pensando nos diferentes papéis – de professor, de
aluno, de práticas de sala de aula e do erro –, considerando o excerto acima, da entrevista com o
professor André.
Observação
Pensando!
do sujeito com o objeto físico; e, além disso, não está clara em sua teoria a
função da interação social no processo de conhecimento.
Pensando nesse aspecto, vamos à concepção que mais nos interessa neste momento: a concepção
sócio‑histórico‑cultural de aprendizagem.
Nessa perspectiva, a maior relevância pode ser dada aos estudos de Lev Semianovitch Vygotsky,
que considera sujeito e mundo inseparáveis, um atuando sobre o outro para provocar transformações
e desenvolvimento no próprio sujeito e no contexto. Importam, sobremaneira, as possibilidades geradas
para a reflexão do sujeito sobre o mundo.
Assim considerada, a situação de aprendizagem deve se caracterizar por atividades mediadas pelos
artefatos culturais e pelos próprios sujeitos que, ao tomarem consciência sobre o contexto em que se
encontram inseridos, agem sobre ele.
o aluno (...) não é mais visto como um ser passivo – ele passa a ser
concebido como um sujeito que, para construir seus conhecimentos, se
apropria dos elementos fornecidos pelos professores, pelos livros didáticos,
pelas atividades realizadas em sala e por seus colegas, para, a partir daí,
desenvolver argumentos sobre o significado desses elementos no contexto
social. O que se pretende, portanto, a partir dessa concepção, é que sejam
formados indivíduos capazes de compromisso colaborativo com o mundo
e com o outro para atuar em diferentes contextos sociais. Esses sujeitos
aprendem a expor ideias e a ouvir as dos demais, percebem a possibilidade
de buscar as informações que lhes são necessárias e desejam transformar o
meio e a si mesmos (LIBERALI, 2009, p. 10).
Observação
Pensando!
Oliveira (2010) afirma que, em seus estudos e pesquisas com professores, tem ficado cada
vez mais claro o posicionamento de todos, de que é essa concepção sociointeracionista que deve
21
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Exemplo de aplicação
Novamente, vamos pensar nas características de práticas de sala de aula, agora considerando a visão
sócio‑histórico‑cultural de aprendizagem. Preencha as células vazias do quadro apresentado pensando
nos diferentes papéis – de professor, de aluno, de práticas de sala de aula e do erro –, considerando o
excerto a seguir, transcrição de uma aula de língua portuguesa, turma de 7o ano, da professora Carolina
(Aula sobre um episódio da série ”A Diarista”, apresentado pela rede Globo, gravada e transcrita para
pesquisa de trabalho de conclusão de curso em letras, UNIP, 2006).
Transcrição 2
Profa30: Agora que a gente já discutiu o que vocês sabem sobre “A Diarista”, vamos ver as
questões. Quem pode me falar?
Al38: A história tem diferentes modos de viver. Uma forma é a do trabalhador, professora.
Profa32: Essas pessoas, personagens que representam esse segmento social, estão neste
episódio que assistimos. Então vocês pensam: como é que eles estão representando
esses trabalhadores? Vocês viram o trabalhador, o político, a polícia e uma pessoa
rica. E agora? Como é que esse programa está tratando estas pessoas, como é
que está abordando, que imagem eles estão passando dessas pessoas, desses
segmentos sociais... São justas ou são preconceituosas?...
(...)
Profa33: Isso mesmo. Então, será que eles estão tratando, fazendo uma boa imagem do
trabalhador, fazendo uma boa imagem do político, fazendo uma boa imagem da
polícia, ou não? Ou estão divulgando algum preconceito?
Al40: Então, professora, eu acho que o programa fala da empregada doméstica tirando
o sarro dela. Minha mãe é empregada doméstica e ela fica “p” da vida quando
assiste, porque diz que fazem assim com ela também.
Profa34: Pessoal, olhem só o que o Cláudio está falando. Alguém quer dar uma contribuição
para essa fala dele? Vocês acham que ele está dizendo que tem preconceito ou
que não tem? Como é / em que pedacinho do episódio o Cláudio reparou nisso,
hem, gente? Quem pode nos dizer?
22
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Al41: Na casa, a moça rica fala assim “Não fale nada. Você tem que ficar quieta.
Quem pediu a sua opinião?” Minha mãe disse que ela já ouviu isso. Ela ficou
sem graça, mas ela acha que é assim mesmo, que quem é rico pode falar assim
e que ela tem mais é que ficar quieta, porque senão ela não ganha. Mas eu não
acho isso.
Al42: Você tem que falar pra sua mãe como é que ela pode falar com a moça.
Profa35: Luiz, você encontrou um trecho legal para a gente discutir essa questão do papel
social que as pessoas têm. E você viu como é que a televisão tratou essa questão?
Quem é que pode complementar essa opinião que o Luiz trouxe pra gente? O
Carlos já disse uma coisa importante. É importante isso para a nossa discussão
sobre o preconceito? Tem algum outro meio de comunicação que também faz
isso, trata de forma preconceituosa as pessoas? Tem algum programa?... Como
é que você pode falar pra sua mãe, Luiz, sobre essa questão? Carlos, você tem
alguma sugestão para o Luiz? Gente?...
Al43: Acho que sua mãe tinha que gritá com a moça e saí de lá.
Profa36: Vamos pensar aqui com o José Carlos. Vocês acham isso também? O que que isso
representaria? Quem tem algum argumento legal para dar ao José Carlos sobre
por que é que essa não seria a melhor forma de agir da mãe do Luiz? José Carlos,
você também pode pensar... Vamos, gente...
(...)
23
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Uma vez discutido “o que é ensinar” e as diferentes concepções que orientam professores em suas
práticas, vamos à segunda questão proposta por Oliveira (2010): O que é método de ensino.
Por método, entendemos o caminho, os passos a serem dados para se alcançar um determinado fim.
Um método se caracteriza por ações conscientes, planejadas e controladas, que descrevem estratégias e
procedimentos usados pelos professores em situações de sala de aula.
Podemos pensar em duas dimensões importantes para o método: a do planejamento ou plano ideal para
uma dada disciplina, e a das ações efetivas para a sala de aula. Oliveira (2010, p. 30‑1) aponta um aspecto
interessante quando pensamos em método: ele é composto de três partes: a abordagem, o projeto (ou design,
como tem sido chamado principalmente quando se trata do ensino de línguas estrangeiras) e o procedimento.
Muito importante em nossa área do conhecimento é a abordagem. É ela que traz para a discussão
o objeto mais significativo para um professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras: a
concepção de língua (ou a teoria linguística de base). É essa teoria de língua/linguagem, aliada à teoria
de aprendizagem, que possibilita ao professor tomar decisões sobre como trabalhar em sala de aula.
Por projeto, entendemos o conjunto de conteúdos curriculares e seus objetivos, as práticas de sala
de aula, materiais e uma descrição do que se espera em termos de papéis – de aluno, de professor, dos
materiais. Procedimento indica o conjunto de ações práticas que viabilizará o projeto.
Pensando em todos esses aspectos, precisamos, como professores na área de línguas, conhecer
diferentes metodologias que possibilitam aos alunos o desenvolvimento das competências elencadas
em nossos objetivos de disciplina e de curso. Essas metodologias serão discutidas ao longo de nosso
trabalho, por meio dos exemplos de práticas de sala de aula.
Observação
Refletindo!
Considerando tudo o que já discutimos, qual concepção de língua/
linguagem ancora nossas práticas?
Vamos agora ao terceiro aspecto considerado por Oliveira (2010) sobre o que um professor de
português tem obrigação de saber: o que é língua.
Essa discussão enfatiza o rompimento com uma visão de língua como estrutura, para entendê‑la como
uma construção social. A concepção de língua como estrutura, conjunto de regras, está ligada à corrente
estruturalista e também à corrente chomskiana de estudos linguísticos. A primeira, fundamentada em
Saussure, enfatizava a língua como estrutura e excluía de sua análise a fala, ou seja, excluía exatamente
o uso social da língua. A segunda, fundamentada em Chomsky, via a língua como um conjunto de regras
inatas ao falante, considerava competência e desempenho, mas excluía da análise linguística o falante
real, ou seja, excluía também o uso social da língua.
Práticas de sala de aula pautadas na visão de língua como estrutura e conjunto de regras são aquelas
que se mostram preocupadas com o uso correto da língua, reforçando comportamentos linguísticos
considerados mais adequados e descartando os considerados menos adequados; são as práticas que
enfatizam e priorizam o ensino da gramática.
Vamos, agora, à concepção de língua que orientará toda a nossa discussão didático‑pedagógica nas
próximas seções: língua como construção social. Essa visão é sustentada pelos estudos de Bakhtin, que, em
meados do século XX, considerando a língua como um fato social que existe em função da necessidade dos
indivíduos se comunicarem, valoriza a fala e formula a teoria da enunciação. A linguagem é vista então como
resultado da interação humana e tem caráter essencialmente dialógico, não apenas como alternância de
vozes, mas como confronto de vozes que existem em tempo e lugar social, historicamente determinados.
Para Bakhtin e Volochinov (2006), o enunciado não é somente a matéria linguística. Outra parte,
não verbal, correspondente ao contexto da enunciação, é de fundamental importância. Essa abordagem
sociointeracional da linguagem considera que é na intersubjetividade e na interação das diferentes
vozes que compõem o discurso, que as manifestações ideológicas se apresentam, deixando transparecer
os pontos de vista de cada indivíduo no ato da comunicação. Nessa perspectiva, ao delimitar um objeto
de pesquisa, como a linguagem, procurando estudá‑la a partir de seus elementos constitutivos isolados,
perdemos a essência do objeto estudado.
Observação
Pensando!
Para Bakhtin e Volochinov (2006), estudar a linguagem enquanto um processo físico, fisiológico ou
psicológico, não bastaria. Essas esferas isoladas não explicariam um fato linguístico senão fazendo parte
de um contexto mais amplo de relações imbricadas, ou seja, o contexto social.
Segundo o objetivismo abstrato, língua e fala estariam separadas uma da outra. A língua seria
objeto da linguística (formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua) e nessa perspectiva, o indivíduo
25
DIDÁTICA ESPECÍFICA
receberia, em seu meio social, um sistema imutável, de normas estáveis, de caráter abstrato e objetivo.
Não seria considerado, nessa visão, o contexto da enunciação; a língua estaria desvinculada da esfera
real de produção e de qualquer valor ideológico.
A crítica de Bakhtin e Volochinov nesse sentido refere‑se, principalmente, ao fato de que nessa
visão não se considera a história da língua e o valor ideológico que ela tem para cada falante, não
sendo diretamente acessível à sua consciência. A língua estaria fora do fluxo da comunicação verbal e
enquanto este fluxo avança, ela permaneceria estável. Bakhtin e Volochinov (1995) veem os indivíduos
penetrando na corrente da comunicação verbal e se conscientizando de forma a poder usar a língua3.
Ao considerar a linguagem, por um lado, a partir de suas características formais e, por outro, de suas
características sociais e de subjetividade, enquanto discurso, podemos analisá‑la e compreendê‑la como
interação e mais ainda, como o lugar privilegiado para que os sujeitos manifestem suas representações
ideológicas. Esse lugar do conflito que se dá pela linguagem, é, entre outros, a sala de aula. As relações
sociais que acontecem nesse ambiente, em nenhum momento podem ser atribuídas a um sujeito
individual, mas, segundo o dialogismo bakhtiniano, a um sujeito que se constitui socialmente por meio
das interações verbais das quais participa.
Exemplo de aplicação
Agora que você já teve contato com as concepções de língua / linguagem, e já discutiu as diferenças
entre uma concepção monológica e uma concepção dialógica, é preciso pensar em como isso se revela na
3
No caso da aquisição de língua estrangeira, a consciência já estaria constituída graças à língua materna, segundo
Bakhtin e Volochinov (1995).
26
DIDÁTICA ESPECÍFICA
sala de aula. Leia o relato a seguir e comente como você vê a concepção dialógica de língua/linguagem
embasando a prática da professora. Miriam.
Relato4: Profa Miriam, língua inglesa – aula para alunos de 9o ano do Ensino Técnico
– turmas A e B.
Quando pensei na atividade para meus alunos, o que eu queria, na verdade, era que
eles vivenciassem um momento próximo a uma situação da vida real, e escolhi o processo
seletivo para emprego, porque muitos alunos estão se aproximando dessa situação. Meu
objeto de desejo era que os alunos conseguissem “mostrar o melhor de suas qualificações
para seu possível empregador”. Discuti com eles, inicialmente, para ver como pensavam a
atividade e o que consideravam que seria importante pesquisar / estudar, antes de participar
efetivamente dela. Eles foram me dizendo que para participar de um processo seletivo,
precisariam saber como era uma “ficha do candidato”, como fazer essa ficha no computador,
que tipo de perguntas essa ficha traria. Eles elencaram vários aspectos e consideraram,
após muita discussão durante a aula, quais seriam os conhecimentos mais importantes da
língua inglesa, de todos os nossos conteúdos já estudados, que deveriam ter para participar
do processo seletivo. Destacaram esses conhecimentos e cada grupo fez uma síntese para
deixar disponível no mural da sala de aula, para que todos pudessem consultar enquanto
se preparavam para o processo seletivo. Também fizeram uma pesquisa na internet para
ver quais exigências, em termos de língua inglesa, eram feitas por empresas. Levantaram
as “regras e valores” das empresas, e também possíveis aspectos que, em uma entrevista
nas empresas escolhidas, os entrevistadores focalizariam. Para isso, cada grupo de alunos
fez um levantamento do que era o produto base dessas empresas e elaborou possíveis
perguntas. Essas perguntas foram debatidas em uma aula específica, que usamos para
observar duas coisas: primeiro, a relevância de se perguntar isso ou aquilo em um processo
seletivo. Segundo, como haviam sido usados os conhecimentos específicos da língua inglesa
ao formulá‑las. Nessa aula, o que mais foi explorado foi a questão do “o que” perguntar.
Percebi que muitos alunos haviam perguntado a familiares como um processo de emprego
acontece, outros não tinham noção sobre isso. A aula foi um grande momento de descobrir o
que se faz, o que se fala, na procura por um emprego. Em relação aos conteúdos específicos,
consideramos tudo sobre os aspectos gramaticais da língua – estrutura das frases, tempos
verbais, uso de phrasal verbs, de wh‑ questions e yes/no questions, auxiliary verbs, reporting
events. Os alunos também exploraram possibilidades de vocabulário, pensando no específico
relacionado à área das empresas selecionadas. Fizemos isso trabalhando mais ou menos
assim: primeiro, discutimos o contexto das empresas, porque sem conhecer o contexto onde
a prática de linguagem vai acontecer, acredito que não seria bom. Os alunos não saberiam
como agir. Bom, para isso, os alunos procuraram informações sobre as empresas, de todo
4
O relato apresentado foi adaptado de uma atividade social proposta por Liberali (2009, p.21), no livro Atividade
social nas aulas de língua estrangeira. A autora apresenta um esquema de uma atividade social com foco no processo
seletivo para emprego, que serviu como pano de fundo para orientar a elaboração do relato aqui apresentado. Os trechos
entre aspas foram selecionados do texto de Liberali, exatamente como apresentados no livro. O relato indica as ações da
professora.
27
DIDÁTICA ESPECÍFICA
jeito: onde ficavam situadas, o tipo de cliente que elas tinham, o nível, a formação das
pessoas que faziam parte da empresa. Depois, discutimos um pouco sobre que tipo de texto
circulava nessa empresa e escolhemos alguns gêneros para ler juntos e procurar entender
como eles se organizavam discursivamente. Por último, fizemos uma discussão, com esses
mesmo textos, sobre os elementos coesivos do texto e a forma como eles foram construídos.
Por exemplo: os alunos procuraram perceber se os textos que circulavam nas empresas
eram muito ou pouco modalizados pois isso mostrava a eles se a condição discursiva lá na
empresa era muito ou pouco avaliativa. Com essa parte da atividade, parece que a turma
ficou mais confiante sobre o que fariam.
A atividade mesmo, a fase final, foi preparada pelas duas turmas de 9o ano,
considerando as mesmas empresas, mas questões diferentes foram propostas para a
seleção. Os alunos se misturaram para participar. Isso fez com que se preocupassem
com o que encontrariam de novo, diferente daquilo que haviam planejado, o que deu
à atividade um caráter mais real. Agora eles querem ampliar a atividade. Querem fazer
a parte das empresas. Querem simular o departamento de contratações delas e analisar
as entrevistas para selecionar os candidatos. Estamos planejando essa nova atividade,
mas há conteúdos que ainda precisariam ser retomados para essa atividade, pois
exigiria maior conhecimento linguístico dos alunos. Estamos pensando. Tenho sugerido
que vejam filmes onde isso acontece e estamos elencando estruturas gramaticais
necessárias para que essa comunicação ocorra de um jeito legal e o melhor possível
para aprenderem o uso da língua inglesa.
Essa discussão nos permite apontar como focal, portanto, nas aulas de línguas: o espaço de
interação mediatizado pelas práticas sociais de linguagem, o “erro” como possibilidade de avanço em
relação ao conhecimento linguístico do aluno, e o texto como espaço de investigação de significados
em decorrência da linguagem em uso.
Podemos dizer que nossos alunos sabem português, ou seja, conhecem e se comunicam por meio de
estruturas gramaticais adequadas, internalizadas com base em toda a sua vivência sociocultural. Oliveira
(2010) no diz claramente que saber português
28
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Cabe, então, nossa reflexão sobre por que se ensina, nas escolas, a língua portuguesa.
Certamente, todo estudante brasileiro sabe português. Ele pode até utilizar a língua sem o rigor em
relação à gramática normativa, à língua padrão, mas seria preconceituoso de nossa parte dizer que esse
estudante não sabe português.
Podemos dizer, sim, que ele demonstra sua competência linguística de diferentes maneiras ao
longo de sua escolaridade e, por que não, de sua vida. Isso revelado na escola indicaria ao professor
o quanto o aluno é capaz ou não de participar de distintos eventos sociocomunicativos. Muito
claramente, Oliveira (2010) exemplifica esses aspectos: diz o autor que um aluno, dependendo da
idade e série, não saberia como “se comportar linguisticamente em uma entrevista de emprego”
(p.43), ou não saberia “redigir um curriculum vitae” (p.43), dentre outros atos linguísticos, mas, ainda
assim, saberia português.
Observação
Pensando!
Agora que já discutimos o “ser professor de língua portuguesa / línguas estrangeiras”, podemos
avançar em direção à sala de aula, nosso principal objetivo nesta disciplina.
29
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Paulo Freire
Por dimensão pedagógica entendemos todo o trabalho realizado pelos professores, desde os
momentos de planejamento da ação didática à sua ação efetiva em sala de aula. Como já apontamos
na seção anterior, o papel do professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras é criar conflitos
para que os alunos, ao discuti‑los, exerçam a argumentação e reflitam sobre a língua.
Pode parecer estranho a você que haja algo a ser discutido ou haja alguma reflexão a ser feita
quando se trata do aprendizado de gramática, por exemplo? Provavelmente, sim. Você deve pensar que
conteúdos estruturantes da língua são como são e não é necessário refletir sobre eles. Mas, afirmo a
você que isso não é verdade. Pense, por exemplo, nas diferentes funções exercidas pelas orações:
Como você entende a funcionalidade dessas frases? Elas querem dizer a mesma coisa? Qual o papel
da oração encaixada? Importa saber que papel ela exerce? Ou importa somente saber que, pelo fato de
estar entre vírgulas, é uma oração encaixada? Ou importa ainda saber que essa oração assume a posição
de um argumento?
Tudo isso, para que você pense na importância das ações do professor de língua portuguesa ou de
línguas estrangeiras quando propõe aos seus alunos práticas de sala de aula que investigam o papel
da língua/linguagem, e, portanto, na importância de práticas como: discussões em grupos, debates,
jogos, pesquisas, projetos de trabalho, estudos dirigidos, seminários, estudos do meio, oficinas, dentre
outras.
Podemos, sem sombra de dúvidas, afirmar que as várias dimensões da sala de aula, quando em
harmonia e em estreita relação com o plano de curso da disciplina, favorecem a aprendizagem. Elencamos
aqui, “didatizando” nossa discussão, as seguintes dimensões:
• relacional‑interacional;
• organizacional;
• didático‑espistemológica;
• crítico‑dialógica.
30
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Digo “didatizando” nossa discussão justamente para lembrá‑lo de que essas dimensões não são estanques,
mas estão articuladas umas às outras, o tempo todo, em sala de aula. Apenas para entender como cada
uma delas está constituída, é que as separamos, mas elas só existem na relação de interdependência.
Observação
Pensando!
Nessa perspectiva, a aula pode se caracterizar por uma relação de autoritarismo do professor em
relação aos seus alunos, pautada na voz do professor que determina o que pode ou não pode ser feito,
o que é certo e o que é errado, aceitável ou não; ou pode se caracterizar por uma relação colaborativa
entre professor e alunos e entre os alunos, pautada na possibilidade ampla de discussão sobre
posicionamentos e pontos de vista, caracterizando um movimento de expansão das funções mentais
superiores (VYGOTSKY, 1934/2000), que provoca aprendizagem e desenvolvimento.
Um exemplo disso pode ser uma aula baseada na atividade em grupo com foco na discussão de um
poema. Veja a transcrição da aula5.
Atividade: alunos, reunidos, fazem uma primeira leitura individual do poema A Ausente; após a
leitura, iniciam uma conversa sobre o poema, acompanhada do professor, que também participa da
atividade como um leitor.
Poema:
A Ausente
Vinicius de Moraes
5
Essa aula, discutida e analisada em um TCC, focaliza um grupo de alunos de 3a série de Ensino Médio e seu
professor de literatura, discutindo possíveis sentidos atribuídos ao poema de Vinícius de Moraes, A Ausente, para entender
como a obra de Vinícius de Moraes se situa na corrente literária pós‑moderna.
31
DIDÁTICA ESPECÍFICA
(MORAES, 1998)
Transcrição 3
Ju15 Sabe, ele deixa esses espaços abertos, essas dúvidas, para cada um interpretar da
sua maneira.
Rui19 Às vezes o poeta pode tanto escreve um caso que aconteceu, que ele viu,
como ele pode escreve de alguma coisa que aconteceu com ele mesmo, um
sentimento dele mesmo...
Cris20 Pode ser que ela escreva dessa forma para que cada um tivesse uma interpretação
diferente / pra situação da sua vida...
[também]
Lara13 É, porque acho que não tá errado, que / em nenhum momento ele fala que
realmente é a mãe dele e num / nem fala que é uma mulher que ele teve um
caso. Então, fica a dúvida. Cada um interpreta do seu jeito, né?
Rui20 Mas / se / a relação não se sabe, se é de mãe e filho, ou de homem e mulher, mas /
que se trata de uma mulher e de um homem, eu acho que é / acho, né, porque não
tem com sê de mulher para mulher.
Prof1 Por que não tem como ser de mulher para mulher?
32
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Rui21 Não tem // por causa do / do que fala aqui assim “meus músculos estão doces
para seus dentes, áspera é minha barba”.
Ju17 De uma mulher ele também não ia falar de uma forma grosseira / é / seus
músculos
Rui22 [é]
Rui23 Porque mulher ele / ele trata de uma forma mais doce / ele coloca “amiga
infinitamente amiga”, já começa / como uma coisa mais doce ; “amiga última
doçura” / ele trata de uma / de forma mais leve...
Observe e veja como as discussões sobre os diferentes sentidos atribuídos pelos alunos aos trechos
do poema têm o papel de expandir a maneira de pensar, de criar conflitos para a discussão, de permitir
que uns considerem os pontos de vista dos outros, de oferecer espaço e condições para a apresentação
de argumentos sobre o texto.
Observe também como relações assim constituídas podem ampliar as possibilidades de desenvolvimento
da autonomia do aluno. Observe como as relações de dependência com o professor são minimizadas.
Podemos destacar ainda, como aspecto de valor pedagógico relevante na aprendizagem, o diálogo
professor‑aluno, pautado na minimização da condição assimétrica entre ambos, ainda que saibamos não
ser possível eliminar completamente essa assimetria de papéis – o de aluno e o de professor, pela própria
condição sócio‑historicamente situada de hierarquia de um em relação ao outro. A relação torna‑se menos
assimétrica quando o diálogo se configura como espaço colaborativo de construção de conhecimentos,
com o professor acolhendo o dizer do aluno para dar consideração a ele e não para apontar seus erros.
Essa dimensão está, de certa forma, ligada à sistematização do conhecimento e supõe ações como:
• planejamento de aulas;
Esses aspectos correspondem à divisão de trabalho na atividade aula, àquilo que cabe ao professor,
ou seja, às suas funções e responsabilidades. No entanto, essa mesma divisão de trabalho, na atividade
aula, apresenta papel e responsabilidades do aluno.
Veja que coisa interessante descobrimos quando investigamos o que já se discutiu a respeito do
papel do aluno nas situações de aprendizagem: estamos falando da divisão de trabalho, ou seja, das
responsabilidades de cada participante da atividade e, no entanto, os inúmeros trabalhos de pesquisa
desenvolvidos na área educacional, focalizam o papel do professor e muito pouco o papel do aluno. É
como se este fosse extensão daquele, como se o papel do aluno fosse dependente do papel do professor.
Caso o professor não realize seu papel com maestria, o aluno sequer terá um papel.
Não é verdade isso. Numa atividade, cada participante tem papel de responsabilidade e seria negar
a concepção de aprendizagem à qual nos apoiamos, não considerar o aluno como coparticipante
do processo. Dessa forma, ele tem sim, papel de responsabilidade no andamento da atividade de
aprendizagem. Esse papel está relacionado a:
• cumprimento ativo das tarefas solicitadas (ou seja, não apenas como repetidor de conteúdos).
Veja que assim articulados os papéis de aluno e de professor, a aula pode ser o lugar da articulação
entre conhecimentos e de avanços no desenvolvimento do aluno.
Saiba mais
Que tal uma passeio pela internet? Sugiro que você leia um dos artigos
a seguir, que discutem o papel do aluno em sala de aula:
34
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Levando‑se em conta esses dois aspectos, cabe, nessa dimensão, pensar sobre o que e como o
professor seleciona conteúdos para seu trabalho com os alunos.
Nesse sentido, vamos pensar no professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras e em tudo
o que ele precisa planejar para sua aula. Aproveitamos as sugestões de Haidt (1999, p. 99), apresentadas
a professores de todas as áreas quanto ao ato de planejar, adaptando‑as ao professor de línguas. Assim,
planejar é:
• refletir sobre os recursos disponíveis – há professores que têm à sua disposição materiais diversos,
como livros em diferentes idiomas, revistas, artigos etc., no entanto, há contextos que possuem
35
DIDÁTICA ESPECÍFICA
poucos materiais para serem explorados e utilizados pelos professores. Vale ressaltar que materiais
de jornal, folhetos de propagandas, dentre outros, também são ricos para o trabalho do professor
de línguas;
• definir os objetivos educacionais considerados mais adequados para os alunos em questão – tudo
dependerá do conhecimento que esses alunos já possuem sobre as práticas de linguagem;
Esta é a dimensão mais significativa para um professor que tem como objeto de trabalho a língua
e seu uso. Para discuti‑la, vale a pena lembrar o que estamos considerando crítico e o que significa
dialogia.
O conceito de crítica aqui considerado, como já discutido por Ninin (2006), está apoiado nos
autores McLaren e Giroux (1997/2000), McLaren (1977/1997), dentre outros. Para esses autores,
a natureza dialética da teoria crítica nos permite ver a escola como um terreno cultural que
confere poder ao aprendiz e promove a autotransformação, e não simplesmente como uma
arena de doutrinação ou socialização ou apenas como um local de instrução. Para os autores, a
pedagogia crítica está preocupada com a forma por meio da qual conhecimento produz tanto o
significado como a influência, como ele vem a ser uma moeda cultural que ressoa e estende os
interesses que tanto os professores como os estudantes legitimam dentro do contexto da sala
de aula.
Argui, ainda, a autora, que o pensar crítico não ocorre porque alguém assim o deseja, nem tampouco
ele é científico por opção do pensante, mas que está relacionado a um princípio ativo que move o
indivíduo em direção a encontrar relevância e razões para o pensamento, razões essas imbricadas em
seu arcabouço de conhecimentos.
Essa relevância, no entanto, surge à medida que o indivíduo torna‑se capaz de questionar sua forma
de pensar (metacognição), de avaliar e selecionar informações que permitam a ele reorganizar suas
estruturas mentais, estando esse processo relacionado não somente às características linguísticas da
argumentação, mas também à maneira como se estabelece o confronto entre esse pensar e as condições
sócio‑histórico‑culturais do indivíduo.
Assim, embora as habilidades linguísticas para pensar criticamente sejam fundamentais, não há
como prescrever caminhos lineares para esse pensar, nem tampouco considerar que unicamente por
ação ou influência de outrem um ser humano seja capaz de fazê‑lo. Há, no entanto, como pensar em
ações da prática docente que mais favorecem esse pensar.
Você pode pensar em sua vida acadêmica e tentar se lembrar de momentos que mais o(a) fizeram
pensar, que mais conflitos geraram para você, e procurar pelos procedimentos que desencadearam esse
pensar. Foram procedimentos apresentados por seus professores? Por seus colegas de classe? Foram
determinadas perguntas capciosas, como habitualmente nos referimos quando a pergunta é terrível e
nos desestabiliza?
Uma vez sendo possível pensar a aula como o lugar do pensar crítico, fica relativamente fácil entender
como esse momento assume características dialógicas. Por dialogia, como já dissemos anteriormente,
ao discutir língua / linguagem, entendemos a perspectiva desta última que considera, na constituição
do ser humano, o papel do outro como fundamental.
Isso significa dizer que a linguagem por nós utilizada está sempre entrecortada e tecida por meio dos
enunciados de outros seres humanos. Os espaços dialógicos são constituídos com base nas interações,
das quais participam os sujeitos, e essas interações se caracterizam pela presença de questionamentos
que tanto levam o sujeito a argumentar e a fundamentar seus pontos de vista em relação a algo,
quanto oferecem a ele elementos que dialogam com seu próprio pensar em busca de ressignificação do
objeto.
Em sala de aula, essa dimensão crítico‑dialógica se caracteriza pelas possibilidades criadas pelo
professor e pelos alunos para colocar em discussão os assuntos escolhidos como objeto do conhecimento
e tanto mais cumprirá o papel de ser efetivamente crítico‑dialógica a aula, quanto maior forem as
intervenções do professor capazes de gerar conflitos e de despertar a necessidade de argumentação
fundamentada.
Exemplo de aplicação
Observe a atividade e complete o quadro proposto, destacando o que você considera relevante para
cada uma das dimensões de sala de aula, em relação ao aluno, ao professor e à atividade.
37
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Relato de aula:
Sou um tonto. Dia destes recebi um recado na secretária eletrônica pedindo retorno
urgente. Liguei. Era um corretor de imóveis querendo me vender um lançamento.
Conversa mole. As pessoas usam a palavra “urgente” em mensagens de todo tipo. Ainda
sou daqueles que se assustam de leve com um e‑mail “urgente”. Para logo descobrir que
se trata de um assunto muito corriqueiro. A palavra está perdendo a força. Daqui a pouco
não vai significar mais nada. A mesma coisa acontece com o verbo “revelar”. Abro uma
revista e vejo: fulana de tal “revela” que gosta de ir à praia. Ou: a atriz tal “revela” que vai
pintar o cabelo de loiro. Isso é revelação que se preze? Resultado: quando se quer realmente
revelar algo se usa “denuncia” ou “confessa”. Até que também sejam desgastadas pelo uso
impróprio.
E vip? A sigla surgiu como abreviação de “very important people”. Os vips tinham acesso
preferencial a festas e eventos de todo tipo. Obviamente, todo mundo quis ser tratado como vip.
Alguns shows e camarotes carnavalescos ficam lotados por manadas de vips. Para diferenciar
“vips” entre si, nos lugares mais disputados surgiram chiqueirinhos para os “supervips” ou “vips
dos vips”. Em resumo: “vip” não significa absolutamente coisa nenhuma – somente que a pessoa
é rápida para descolar um convite com pulseirinha.
6
O texto “O desgaste das palavras” encontra‑se disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/revista/edicao‑2073/
o‑desgaste‑das‑palavras> . Acesso em: 30 mai. 2011.
38
DIDÁTICA ESPECÍFICA
A cortesia não exige sinceridade. Mesmo que a sujeita pareça ter saído de um sarcófago,
sempre se dá um jeito de dizer que está bem.
— Você é o máximo.
Mas o que vem depois de “máximo”? Já andaram usando “deusa”, mas acho meio cafona.
E “santa”, por incrível que pareça, perdeu o jeito de elogio, principalmente para quem acaba
de fazer regime, botou silicone nos seios e fez preenchimento labial.
A palavra “amigo” é incrível. Implica uma relação especial. A maioria fala em “amigos”
referindo‑se a conhecidos distantes. Pode ter visto a pessoa duas ou três vezes e já é “amigo”.
O mesmo ocorre com “abraço”. Terminar uma mensagem com um “abraço” era suficiente.
Se envio um abraço é porque realmente tenho vontade de oferecer meu carinho. Foi tão
banalizado que agora se usa “grande abraço”, “forte abraço”. Já é pouco, e surgiu o “beijo
no coração” no fim das mensagens realmente amigáveis. A seguir, o que virá? Algum termo
cirúrgico? Minha imaginação não alcança.
Minha vontade é voltar a usar os termos com a força que eles realmente têm: “abraço”
é “abraço”, “amigo” é “amigo”. Por que deixar as palavras se desgastarem? Se o que têm de
mais belo é justamente sua história e o sentimento que contêm? Enfim, tudo o que lhes dá
realmente significado.
O Professor avisa aos alunos que no dia seguinte será discutido um texto intitulado “O desgaste das
palavras” e que gostaria que todos pensassem em o que esse título poderia significar, trazendo seus
argumentos por escrito, para a aula do dia seguinte. Nenhum aluno perguntou ao professor quem era o
autor do texto e, dessa forma, também o professor não o revelou.
Na aula do dia seguinte, ocorreu a atividade relacionada ao texto e parte dela está transcrita a
seguir. Utilize o trecho para reflexão sobre as dimensões da sala de aula.
Transcrição 4:
Pr1: Pessoal, vocês pensaram sobre o que eu pedi, sobre o que significava pra vocês
um título assim, ó: “O desgaste das palavras” Quem pensou nisso? // Alguém
escreveu? Eu pedi por escrito, lembram‑se? // Ótimo! Parece que vocês escreveram.
To vendo vários. // Então, vamos lá. Quem gostaria de falar primeiro?
39
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Ana1: Eu não sei, mas eu acho que o texto vai falar sobre não falar demais. Tipo assim,
não falar exagero, jogar conversa fora, por exemplo.
Pr2: O que vocês acham, pessoal? Quem pensou como a Ana? Alguém?
Ju1: Eu. Acho que é mais ou menos isso, assim, que a gente fala muito o que não
precisa. Tem gente que quando ta conversando, vai falando, falando, e não dá
pra entender, porque parece que a pessoa ta falando de uma coisa e emenda
na outra e a gente que ta ouvindo não consegue perceber quando ela muda o
assunto.
Pr3: E aí, turma. Quem tem algum argumento em relação ao que disse a Ju... ou ao
que disse a Ana...
Cris1: Eu acho que tenho. Veja se é isso. Eu to pensando que não deve ser isso que a Ju
falou, mas que pode ser quando a gente não usa direito uma palavra.
Pr5: Mas eu passei a pergunta pra você. Que tal?! Quer pensar, Ju? // Cris, você. Por
que você acha que seu argumento é contrário ao da Ju? Você disse assim: “não
deve ser isso que a Ju disse”. // Explique mais o que você pensa. Ou alguém
gostaria de explicar...
Luiz1: Eu posso. Acho que entendi o que a Cris quis dizer. Acho que ela ta falando que a
Ju entendeu que o texto vai falar de uma conversa e a Cris entendeu que o texto,
não sei onde que é, se é conversa ou não, mas ele vai falar de palavra e não de //
assim // uma coisa grande, tipo conversa.
Ju4: Ah, você ta falando que eu entendi palavra como sendo a conversa, né? É // acho
que foi mesmo. Agora que to vendo palavra no título. Só pensei no quanto umas
pessoas falam demais. Mas pode ser então isso que a Cris disse, da palavra usada
errada.
Pr6: Então lá vai mais uma pergunta: Quando é que uma palavra é usada “errada”,
como você disse, Ju. Quando, pessoal? Alguém quer falar sobre isso?
Luiz2: É fácil. Quando a gente não sabe o que ela significa, mas ouve os outros, acha
bonito e fala. Minha mãe faz isso. Escuta lá onde ela trabalha e depois usa lá
em casa. A gente não entende nada, mas ela também não (risos da turma).
40
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Alice1: Acho que pode mudar, mas acho que também pode ser usadas errada, sem a
pessoa saber.
Pr8: Isso é verdade, Alice. Mas olha, vamos ver mais um elemento para ajudar vocês
a pensarem no que o texto pode estar querendo nos dizer. É uma figura que
acompanha o texto. Vejam7 a imagem.
Alice2: Ah! Mas essa figura é igual as que tem na Revista Veja. Tem lá em casa, professor!
Se eu soubesse eu ia procurar lá. É de lá? // Então. Dá pra pensar na coisa que a
Cris falou. Parece que tem uma pessoa velha e uma mais nova. A mais nova ta
falando palavras que a mais velha não entende. Eu acho isso.
Ju5: É. To achando também. Pode se isso mesmo. Não é aquele negócio que você
falou, professor, que as palavras vão mudando de significado, dependendo de
quem ta usando elas?
Pr9: Isso, Ju. Dependendo de quem as utiliza, elas assumem outro significado. Mas
pode isso, gente?
Suzi1: A gente discutiu isso naquela aula que você deu, professor. Quando a gente usou outro
texto da revista Veja. Acho que era assim: uma palavra pode mudar de significado nos
lugares diferentes que ela é falada. To lembrando que a gente discutiu aquilo que os
meninos diz lá na Febem “colmeia” que é guarda‑roupa. Lá que dizer isso, mas aqui não.
Pr10: Sim, sim, sim. Suzi. Você lembrou bem essa questão. Nós estávamos estudando
como a língua pode ser usada socialmente, lembram‑se? Nos diferentes eventos,
situações, contextos. Bem lembrado, Suzi. Alguém quer complementar o que
disse a Suzi, pessoal?...
(...)
Jair3: Aquilo que a Cris falou do desenho. Eu to pensando que se é da Veja, então é
uma crítica de alguma coisa, esse texto. É, professor?
Lu1: É, porque o carinha que escreve na Veja, lá nessa página, sempre faz crítica. Ele
deve de ta reclamando de alguma coisa que as pessoas // quando elas usa a
palavra errada.
7
Professor apresenta à turma somente a imagem retirada do texto da revista Veja, de 13 de agosto de 2008. A
imagem apresenta duas pessoas em situação de comunicação, uma jovem e uma já mais velha. Associado ao jovem, há um
balão de fala, cujo enunciado é indicado por “bla bla bla bla”. O olhar da pessoa mais velha revela desconfiança em relação
àquilo que está sendo dito pelo jovem, indicando a não compreensão das palavras.
41
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Prof11: Vamos ver? A gente pode ler agora e depois nós podemos continuar a discussão.
Mas pra ler, vocês já vão fazer uma coisa: quero que todo mundo leia pensando
no seguinte: o que será que o cronista está criticando? Em que trechos do
texto vocês acham que está fazendo isso mais fortemente? Vamos lá, pessoal,
Todo mundo lendo pra depois nós discutirmos.
(...)
Dimensão
relacional‑interacional
Dimensão
organizacional
Dimensão
didático‑epistemológica
Dimensão
crítico‑dialógica
8
Disponível em: <http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110225161717AAA5nb7> Acesso em: 12 abr. 2011.
42
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Você gostaria de comentar algo sobre essa atividade proposta aos alunos? Qual das dimensões é a
mais prejudicada, se pensarmos que essa foi a única tarefa dada aos alunos sobre esse texto?
O que é preciso ficar bem claro aqui é que, seja qual for a prática pedagógica escolhida, ela requer
do professor o planejamento da aula, a descrição clara dos objetivos e dos procedimentos escolhidos,
considerando seu grupo de alunos e seus conhecimentos em relação às competências: gramatical,
sociolinguística, discursiva e estratégica (CANALE, 1983, apud OLIVEIRA, 2010, p. 47). Essa discussão
nasceu com o linguista Dell Hymes, em 1971 e foi ampliada por Canale.
c. sua competência discursiva – o que os alunos conhecem em relação às regras que governam uma
comunidade discursiva, aos diferentes gêneros textuais orais e escritos;
d. sua competência estratégica – o que os alunos conhecem em relação ao uso de estratégias
verbais e não verbais, ao uso da argumentação e de funcionamento da linguagem em situações
de comunicação.
Mikhail Bakhtin
Vamos iniciar esta seção retomando o que dizem os PCN sobre o papel da oralidade no desenvolvimento
do aluno. Os conteúdos de língua portuguesa estão organizados, segundo os PCN (1997), a partir dos
43
DIDÁTICA ESPECÍFICA
eixos: língua oral e língua escrita, considerados segundo seus usos e formas, e do eixo análise e reflexão
sobre a língua. Também é destacado nos PCN o fato de não ter sido dada atenção devida ao ensino
da língua oral quanto aos seus usos e formas, justamente pelo fato de comumente se considerar que
a língua oral todo aluno já sabe, por ser falante de português, e que não é necessário um ensino
sistematizado sobre ela.
As discussões atuais sobre o ensino de língua portuguesa vêm mostrando que isso não é real e que
há, sim, necessidade de se trabalhar de modo sistematizado com as questões relacionadas à oralidade,
pois é esse componente do ensino um dos que mais propicia a negociação de sentidos e de pontos de
vista. É pela oralidade que as relações de sala de aula se tornam mais ou menos dialógicas, possibilitando
ou não, aos alunos, avanços em relação ao conhecimento.
Atividades orais em sala de aula são as que mais propiciam ao professor espaços de intervenção
em relação às formas de argumentar, de sustentar pontos de vista, de fazer uso adequado dos
recursos coesivos que a língua nos oferece. De acordo com os PCN (1997, p. 38), “ eleger a língua
oral como conteúdo escolar exige o planejamento da ação pedagógica de forma a garantir, na
sala de aula, atividades sistemáticas de fala, escuta e reflexão sobre a língua”.
Também é claro no documento que não basta que a aula seja planejada de modo a possibilitar que
os alunos falem, pois somente o falar não é suficiente para que se construam mecanismos adequados
para participar de eventos linguísticos que exijam, por exemplo, diferentes modos de uso da língua, ou
a construção de enunciados argumentativos, dentre outros aspectos.
Vejamos possibilidades de produção oral em sala de aula, de acordo com os PCN (1997, p. 39):
• atividades dos mais variados tipos, mas que tenham sempre sentido
de comunicação de fato: exposição oral, sobre temas estudados
apenas por quem expõe; descrição do funcionamento de aparelhos
e equipamentos em situações onde isso se faça necessário; narração
de acontecimentos e fatos conhecidos apenas por quem narra, etc.
Esse tipo de tarefa requer preparação prévia, considerando o nível de
conhecimento do interlocutor e, se feita em grupo, a coordenação da
44
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Algumas atividades orais já fazem parte das práticas de sala da aula, porém, nem sempre assumem
um caráter dialógico, como o que pretendemos discutir aqui. Você deve lembrar‑se, com certeza, das
inúmeras vezes em que apresentou oralmente à sua turma de colegas e ao seu professor um trabalho de
pesquisa realizado em grupo. Lembra‑se? Tais apresentações, via de regra, assumem até hoje o caráter
de avaliação somente. O aluno está expondo o que pesquisou e, de certa forma, espera‑se que ele
apresente corretamente tal conteúdo, ou seja, deve fazer uso do gênero apresentação oral, por meio de
linguagem formal e mais: deve apresentar o conteúdo sem erros conceituais.
O que tem sido muito discutido por meio de pesquisas é o fato de exigir‑se do aluno uma apresentação
oral com qualidade, sem que tenha havido, sistematicamente, um momento da aprendizagem dedicado
ao ensino da exposição oral. Quando é que você aprendeu sobre o gênero apresentação oral de pesquisa?
Veja a importância de discutirmos essa questão.
Nesse sentido, muito temos constatado, tanto em nosso aprendizado, quanto em estágios
realizados, não é mesmo? As situações em que o aluno precisa expor‑se oralmente em sala de
aula estão relacionadas não somente aos fatores já elencados, mas, muitas vezes, à punição. Em
função de situações de indisciplina em sala de aula, por exemplo, quantas vezes não observamos
professores solicitando que o aluno apresente‑se oralmente, respondendo a alguma questão. É o ato
punitivo presente. Ou seja, a apresentação oral acarreta avaliação punitiva sobre o comportamento
do aluno.
Mas... cabe aqui uma séria questão: como deve ser a intervenção do professor nas atividades de
discussão oral em sala de aula? Será que os alunos, apenas entre eles, somente por estarem à frente de
uma discussão que exige apresentação de pontos de vista e negociação de sentidos, tornam‑se capazes
de elaborar a discussão construindo mecanismos linguísticos adequados à situação?
Saiba mais
A esta altura, vale a pena você investigar o que dizem algumas pesquisas
sobre essa questão da intervenção do professor junto aos seus alunos. Na
verdade, estamos falando da qualidade da mediação do professor, ou seja,
da forma como ele gera conflitos para que os alunos procurem caminhos
de solução e, dessa forma, avancem em relação ao conhecimento.
Schneuwly (2004) discute o ensino da linguagem oral, argumentando que ensinar língua oral implica
construir uma nova relação com a linguagem. Para o autor, é preciso retomar o que tem ocorrido em
relação ao ensino da língua oral, para podermos entender o que precisa ser feito. O primeiro ponto
destacado pelo autor é o fato de professores terem como representação: a oralidade como algo material
(a emissão de voz ou intercâmbio por meio da fala); a oralidade como espaço para a espontaneidade
(possibilidade de expor sentimentos, se expressar como pessoa, desvelar pensamentos); a oralidade
como norma (exprimir‑se corretamente e coerentemente, ter boa fluência, utilizar adequadamente as
palavras, usar bom vocabulário).
Outro ponto importante para Schneuwly (2004) é o fato dessa visão de oralidade interferir
profundamente na maneira como as intervenções dos professores ocorrem. Essa visão produz intervenções
no sentido de corrigir o uso da língua em suas estruturas, mas pouco interfere nas possibilidades de
desenvolvimento da discursividade em situações de oralidade. O oral parece não ser ensinável, a não ser
como modo de preparar a escrita.
• capacidades de ação: são as capacidades que o aluno precisa mobilizar para adaptar‑se a um
dado contexto. Nesse sentido, num trabalho com atividade oral, sabemos que o aluno precisa
entender o contexto no qual irá se apresentar ou participar, conhecer o gênero que deverá
utilizar para sua participação, saber a quem irá apresentar‑se oralmente, qual o objetivo de sua
apresentação;
• capacidades discursivas: são as capacidades que o aluno precisa mobilizar em relação aos diferentes
modelos discursivos, ou seja, aos diferentes modos de organização discursiva. Isso significa dizer
que há necessidade de o aluno saber como se organiza discursivamente um debate, uma exposição,
uma arguição, uma explicação etc.;
Em pesquisas realizadas por Dolz e Schneuwly (1998, apud SCHNEUWLY; DOLZ, 2004),
os autores dizem que a atividade de exposição oral, o que normalmente tem sido chamado
de seminário, ocorre sem que haja um trabalho didático mais aprofundado por parte dos
professores, sem que a linguagem seja de fato considerada o objeto da atividade, e com
pouco planejamento sobre estratégias concretas de intervenção desses professores. Ou seja, a
atividade ocorre como se os alunos soubessem exatamente como esse gênero se caracteriza e
47
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Ainda nesta seção apresentaremos uma proposta de sequência didática cujo foco é o debate. Essa
sequência foi elaborada a partir da proposta desenvolvida por Dolz, Schneuwly e De Pietro (1998, apud
SCHNEUWLY; DOLZ, 2004), que focalizaram o debate público. Vamos, inicialmente, definir sequência
didática e apresentar sua organização.
Módulo de Módulos de
reconhecimento atividades/exercícios
Apresentação
da situação de 1 Produção 2 n Produção
comunicação inicial final
Pesquisa
Leitura
Análise linguística
(COSTA‑HÜBES, 2008)
É nessa etapa que o professor precisa mostrar aos alunos a importância do conteúdo específico para
a realização do debate. Imaginemos, por exemplo, que um político decida participar de um debate sem,
no entanto, conhecer em profundidade o conteúdo específico sobre o qual debaterá. Você já pensou
nisso? Certamente esse político terá problemas para convencer o público sobre sua competência em
48
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Pois bem. O módulo de reconhecimento mostra aos alunos a importância da preparação do debate:
serão necessárias pesquisas, elaborações de textos que subsidiarão as discussões, análises linguísticas de
situações de debate, enfim, tarefas complementares que oferecerão ao professor uma visão mais clara
dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o gênero e possibilitarão o desenvolvimento destes em
relação ao conteúdo específico.
A produção inicial consiste em fazer com que os alunos participem de um momento de debate a
partir do que já conseguiram apreender sobre o gênero. No caso do debate, esse momento possibilita
ao professor planejar os próximos módulos da sequência didática. A partir dessa apresentação
inicial, ele poderá planejar como trabalhar os aspectos que mais apresentaram problemas. Não se
pode esperar que essa primeira produção dos alunos seja completa. Também nesse momento, o
professor pode simplificar a tarefa, simulando, por exemplo, uma plateia, escolhendo um tema não
polêmico, pois o objetivo é fazer com que os alunos se apropriem dos elementos básicos do gênero
escolhido.
Para Dolz e Schneuwly (2004, p. 102), “a produção inicial tem um papel central como reguladora da
sequência didática, tanto para os alunos quanto para o professor”. Os alunos podem descobrir o que já
sabem sobre o gênero e também conscientizar‑se daquilo que ainda não sabem.
Os módulos de atividades / exercícios podem ser tantos quanto o professor considerar necessários
para oferecer aos alunos meios para que dominem o gênero. Dizemos que esses módulos não são
elaborados considerando‑se níveis de dificuldade crescente, mas que pode haver flexibilidade em relação
ao nível de complexidade e o professor pode “ir e voltar” em relação às necessidades dos alunos.
A produção final é o momento em que os alunos colocarão em prática todas as noções aprendidas
durante a realização dos módulos. Deve ser seguida de uma avaliação de todo o processo, para que
os alunos percebem e compreendam seu desenvolvimento em relação aos objetivos propostos na
atividade.
Agora que já vimos como se organiza uma sequência didática, podemos analisar uma proposta de
trabalho voltada à competência oral.
Exemplo de aplicação
Veja, a seguir, o planejamento da sequência didática organizada por uma professora, para trabalhar
com um debate em sala de aula, com uma turma de 1a série do Ensino Médio. Os alunos escolheram
como tema para o debate a falta de uma biblioteca municipal na cidade. A partir daí, a professora
organizou a seguinte sequência didática:
Proposta: sequência didática com foco no debate sobre a necessidade de uma biblioteca
municipal na cidade.
O tema do debate já está decidido. Houve um consenso entre os alunos, uma vez que
49
DIDÁTICA ESPECÍFICA
está havendo um movimento na cidade sobre construir‑se ou não uma biblioteca municipal
na cidade. Há uma mobilização natural dos estudantes em torno do tema, portanto, ficou
decidido que o debate será apresentado em um sábado, para pais, professores e convidados
dos alunos.
Conteúdos:
• linguagem argumentativa
Aulas previstas: 12
Objetivos de ensino‑aprendizagem:
• jornais, revistas, documentos elaborados pela biblioteca da escola, material para cartazes,
gravação de entrevistas, computador, projetor, documentos oficiais autênticos sobre
bibliotecas municipais.
• propor uma discussão após assistir ao debate, para levantar os aspectos que mais chamaram
a atenção dos alunos;
• investigar o que os alunos acham que precisam saber para participar de um debate.
Após discussão sobre o debate assistido, os alunos prepararão um momento com as mesmas
características do debate, para ser realizado nos pequenos grupos de trabalho. A classe estará
dividida em grupos de no máximo 5 alunos e em cada grupo ocorrerá um minidebate, para
que experimentem os diferentes papéis. Assim, nesse minidebate, cada aluno defenderá um
dado aspecto do que foi observado e após essa apresentação, a atividade consiste em, no
grupo, apontar aspectos difíceis e aspectos fáceis em relação à participação no debate.
Dessa atividade será gerada uma lista de aspectos que precisarão ser estudados nas
aulas seguintes.
Estas atividades intermediárias procurarão discutir o gênero debate, dando ênfase para:
Atividade pós‑debate:
Após terminado o debate, que será gravado, os alunos farão uma atividade de análise do
trabalho realizado, para discutir sua participação. As discussões terão como base todas as
atividades realizadas durante a sequência didática e todas as descobertas realizadas durante
a preparação para o debate. Essa avaliação não corresponderá a uma nota, mas sim a um
momento de análise da aprendizagem dos alunos.
Agora que você já leu todo o planejamento da professora, procure preencher o quadro abaixo,
destacando os elementos mais relevantes em relação ao espaço da oralidade em sala de aula.
Capacidade de ação
Capacidade discursiva
Capacidade
linguístico‑discursiva
Read not to contradict and confute, nor to believe and take for granted, nor
to find talk and discourse, but to weigh and consider9.
Francis Bacon
Observação
Pensando!
9
Tradução: Leia, não para contradizer e refutar, nem para acreditar e tomar como certo, nem para achar assunto e
conversa, mas para pensar e considerar.
53
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Riolfi et al. (2010, p. 45), pesquisadores preocupados com o ensino da língua portuguesa, iniciam
uma reflexão sobre a leitura em sala de aula apresentando‑nos uma pergunta:
O que os autores querem dizer, na verdade, é que entre a tarefa de decodificar um texto e a de
explorar seus significados e suas implicações sociais, há uma grande distância e a escola pode não estar
se preocupando efetivamente com essa questão.
O exemplo a seguir, destacado da obra dos autores citados (p.46), mostra‑nos com clareza o que é a
leitura para muitos alunos:
Bastante perplexo e entristecido, comenta com o colega ao lado: – Você viu? Mataram
o Faustão!!!
Observação
Pensando!
Riolfi et al. (2010, p. 46) consideram que a tarefa de modificar essa maneira de ler de muitos alunos “consiste,
sobretudo, em levá‑los a recuperar as pistas textuais que compõem a direção argumentativa do texto”.
situação o aluno tenha trabalhado para analisar as pistas textuais, seu significado social, ou em que
sentido o autor do texto apresenta seus argumentos?
Saiba mais
O que mais nos interessa nesta seção é entender como um professor pode trabalhar com propostas
de leitura de modo a propiciar contextos para que os alunos avancem em sua forma de pensar e de
compreender, por meio dos textos que circulam socialmente, o mundo que os cerca. Esse é nosso objetivo
principal em relação à leitura.
Nesse sentido, a tarefa mais relevante do professor é pensar as aulas de leitura como aulas planejadas e
sistematizadas, ou seja, aulas em que o propósito primeiro é desenvolver a competência leitora no aluno. O
que cabe perguntar é: qual tipo de intervenção o professor deve fazer e como essa aula deve ser conduzida?
Veja as afirmações de Riolfi et al. (2010, p. 49) sobre o que ocorre com a leitura:
O que podemos inferir daí é que muitas situações de leitura na escola focalizam o texto em si, isolado
de seu contexto de produção e do contexto do aluno. Atividades com esse foco levam o aluno a fragmentar
o trabalho com o texto, produzindo o que vemos muitas vezes: um resumo de texto que escolhe alguns
parágrafos ou frases como mais relevantes, ou a separação das ideias contidas no texto justamente por
desconhecimento da esfera social na qual circula esse texto e das implicações do gênero.
Geraldi (2006, p. 92‑9) destaca 4 posturas importantes que um leitor deve assumir perante um
texto:
Esse tipo de leitura corresponde ao seguinte objetivo do leitor: extrair informações do texto. Nesse
sentido, a pergunta que cabe é: para que extrair informações de um texto? “Trata‑se aqui de perguntar
ao texto” (GERALDI, 1997, p. 171).
Geraldi comenta que em disciplinas como história, geografia, ciências, por exemplo, esse tipo de
leitura é frequente e justificável para o aluno, pois existe claramente um “para quê” ler. Já em língua
portuguesa – e podemos também acrescentar aqui em línguas estrangeiras – esse tipo de leitura pode
não deixar claro para o aluno o “para quê” ler. Parece ao aluno que esse “para quê” é artificial no caso
de textos em língua portuguesa ou línguas estrangeiras, uma vez que ele acredita que possa atribuir
sentidos aos textos que lê. Tirar informações do texto (como o exemplo apresentado na Transcrição 4
– lembra‑se?) parece esvaziar o trabalho de leitura e atribuir a ele uma importância menor dentro dos
vários aspectos trabalhados na área da linguagem.
Para o trabalho de leitura como busca de informações no texto, é possível recorrer a duas formas: partir
de um roteiro de leitura, que pode ser elaborado pelo professor ou pelo próprio aluno, dependendo da
clareza que tem sobre o objetivo de ler aquele texto; ou partir para a leitura sem um roteiro, destacando
o que o aluno considera relevante, para futuras discussões sobre o texto.
Ainda nessa direção de trabalho de leitura, Geraldi (1997) afirma que é possível extrair informações
superficiais do texto ou extrair informações em nível mais profundo. Esse aspecto depende sempre
dos conhecimentos do aluno sobre o tema proposto no texto e das atividades que antecedem a
leitura propriamente dita, realizadas em sala de aula em momentos de investigação preliminar sobre
o texto.
Note que ao apontar a possibilidade dessas investigações preliminares, estamos afirmando que
há, sim, a necessidade de o professor preparar os alunos para a leitura que farão. Um momento de
brainstorming sobre o texto pode provocá‑los, fazendo com que acionem o que já conhecem e, por meio
da interação, relacionem aos posicionamentos de outros alunos da classe. O que afirmamos, na verdade,
é que o momento de investigação inicial sobre um texto, provocado pelo professor, pode gerar uma
56
DIDÁTICA ESPECÍFICA
ZPD (Lembra‑se desse conceito vygotskyano?) que favoreça a articulação de ideias sobre o conteúdo do
texto e possibilite aos alunos avançarem na maneira de ler.
Para Geraldi (2006, p. 95), esse tipo de leitura pode concentrar‑se em investigar: (a) a tese defendida
no texto; (b) os argumentos apresentados em favor da tese defendida; (c) os contra‑argumentos
levantados em teses contrárias; (d) a coerência entre tese e argumentos. Nesse sentido, “posso ir ao
texto para escutá‑lo” (GERALDI, 1997, p. 172).
Esse tipo de leitura possibilita investigar a configuração do texto (como se organiza, quais os
recursos linguísticos utilizados, qual o vocabulário utilizado, como é possível perceber a coerência do
texto).
Em aulas de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras, esse tipo de leitura é muito comum e
muitas vezes é o único utilizado em sala de aula. É uma pena pensar, por exemplo, que um texto literário
ou um texto autêntico selecionado da mídia, sejam, muitas vezes, aproveitados em sala de aula apenas
para esse tipo de leitura.
Um exemplo de leitura para estudo do texto pode ser o que já apresentamos na seção sobre
oralidade em sala de aula. Você se lembra? Na sequência didática elaborada pela professora, uma das
etapas contemplava a leitura das transcrições de debates, com o propósito de levantar as características
discursivas dos enunciados, pois os alunos estavam se preparando para assumir papéis em um debate e
precisavam conhecer as manifestações linguísticas características desse gênero textual.
Um texto proposto para leitura pode tanto ser um pretexto para que o professor introduza nova
atividade, e nesse sentido, deveria funcionar como elemento motivacional, quanto pode ser um pretexto
para se estudar a norma linguística. Veja que há uma grande diferença entre essas duas possibilidades.
Enquanto a primeira pode ser um elemento para investigar conhecimentos prévios do aluno, seus
conhecimentos de mundo ou a interação leitor‑texto‑autor, a segunda nos parece desconsiderar o
contexto sociocultural ao qual o texto, o leitor e o autor pertencem.
Geraldi (1997, p. 173) completa: “posso ir ao texto nem para perguntar‑lhe nem para escutá‑lo, mas
para usá‑lo na produção de outras obras, inclusive outros textos”.
Uma atividade interessante sobre a leitura como pretexto pode ser a que segue:
para o estudo da corrente literária. A leitura não sugeria a discussão dos poemas em
si, mas o que os aproximava. O professor esperava, com essa proposta, que os alunos
destacassem tanto características linguísticas quando aspectos sociais e culturais
presentes nos poemas, para depois, confrontar tais descobertas àquelas presentes nos
estudos literários.
Nessa perspectiva, a leitura é considerada como geradora de prazer. Cabem aí atividades que não
“cobram” o preenchimento de fichas ou a resposta a instrumentos formais de avaliação. O aluno pode
e deve ter garantido o espaço para a leitura por simples prazer, tendo possibilidades de escolher o que
mais o interessa, discutir com pares que têm o mesmo interesse. “Posso ir ao texto sem perguntas
previamente formuladas, sem querer escrutiná‑lo por minha escuta, sem pretender usá‑lo: despojado,
mas carregado de história” (GERALDI, 1997, p. 174).
Geraldi (2006) nos diz que esse tipo de leitura tem estado longe da sala de aula. Nela, o que mais se
manifesta é a leitura dita “rendosa”, ou seja, o aluno precisa ler para cumprir com determinadas tarefas
do tipo prova, pontos para nota, pesquisa.
Observação
Pensando!
Um aspecto muito discutido por todos os pesquisadores envolvidos com o aprendizado da leitura
diz respeito às maneiras utilizadas por um professor para planejar atividades de leitura para seus alunos.
Destacamos aqui duas discussões relevantes sobre essa questão: uma delas, proposta por Riolfi et
al. (2010, p. 51‑3), destacando o conceito de “leitura rigorosa”. A outra proposta, discutida por Solé
(1998/2007), destaca o que deve ser feito “antes da leitura”, “durante a leitura” e “depois da leitura”.
Reproduzimos, a seguir, essas propostas.
• sucessivas operações de retroação (e para isso, o professor precisa planejar sequências didáticas
que favoreçam esse “avançar – retroceder” em relação às questões suscitadas pelo texto);
• recuperação das pistas interpretativas do texto (a partir dos elementos extratextuais e dos
elementos presentes na linha de argumentação do texto);
• desconstrução da aparência higienizada da superfície textual (a partir de observação minuciosa do texto).
58
DIDÁTICA ESPECÍFICA
• o aluno leitor faz um exercício de desnaturalizar as condições de produção que deram origem ao
texto, isto é, considera aspectos polissêmicos na interpretação do contexto de produção;
• o aluno leitor toma o texto como elementos para reflexão, considerando tanto o próprio texto
quanto seu modo de ler esse texto e dar consideração a ele;
• o professor trabalha oferecendo meios para que os alunos alterem seus posicionamentos sobre o
texto e ampliem seu repertório;
• professor e alunos percebem a leitura como uma possibilidade de pesquisa sobre o texto e sobre
a rede textual por ele revelada;
• professor e alunos consideram o ato de ler um momento de questionar o texto, não permanecendo
presos a pré‑entendimentos.
• analise como as escolhas do autor (lexicais, estruturais, argumentativas etc.) interferem na trama
do texto.
Em relação às afirmações de Solé (1998/2007, p. 89‑161), podemos destacar o que é preciso para que
o ato de ler se constitua, de fato, em compreensão e desenvolvimento do aluno. A autora afirma que
há sempre um “antes da leitura”, um “durante a leitura” e um “depois da leitura”, e que esses momentos
não podem ser entendidos como separados completamente, pois são interdependentes. Não há uma
fronteira nítida entre eles. Vale a pena entendermos como e porque são significativos para o avanço na
competência leitora dos alunos.
Antes da leitura
Nesse sentido, o primeiro aspecto indicado pela autora diz respeito à necessidade de exploração
dos objetivos da leitura. Cabe aqui pensar em maneiras que o professor deve utilizar para explicitar aos
alunos os objetivos para se ler este ou aquele texto ou livro. Da mesma forma como nos disse Geraldi,
Solé afirma que lemos para obter informações precisas, para seguir instruções, para obter informações
de caráter geral, para aprender algo, para revisar um escrito próprio, por prazer, para comunicar algo
a uma plateia, para praticar leitura em voz alta, para verificar o que foi compreendido sobre um dado
assunto.
Também em relação ao que devemos fazer antes da leitura, cabe destacar o levantamento dos
59
DIDÁTICA ESPECÍFICA
conhecimentos prévios e o estabelecimento de previsões sobre o texto a ser lido. Nesse sentido, o
professor tem um papel fundamental, pois ele é o disparador dos questionamentos que fazem com que
os alunos explicitem o que já sabem sobre o tema proposto. As perguntas do professor podem ser tão
instigadoras ao ponto de gerarem motivação para a leitura do texto. Vejamos uma situação‑exemplo de
sala de aula.
Pensando em como um professor prepara sua aula para uma atividade correspondente ao “antes
da leitura”, apresentamos a você parte de um plano de aula que focaliza exatamente esse momento da
aula. Veja como o professor Sérgio preparou a discussão inicial sobre um livro escolhido para trabalhar
com alunos de 2o ano do Ensino Médio.
Plano de aula10:
Professor: Sérgio
Descrição sumária da atividade: Será apresentada aos alunos a capa de um livro e alguns
elementos do livro. Um brainstorming será realizado em aula, a fim de levantar possibilidades
para o conteúdo do livro.
10
Plano de aula fictício, elaborado para fins didáticos pela autora da apostila.
11
Leia as indicações sobre objetivos, propostas por Leffa (2003): Para os objetivos gerais usam‑se geralmente verbos
que denotam comportamentos não diretamente observáveis. Entre esses verbos, os seguintes têm sido usados com mais
frequência: saber, compreender, interpretar, aplicar, analisar, integrar, julgar, aceitar, apreciar, criar etc.
* Para os objetivos específicos, usam‑se verbos de ação, envolvendo comportamentos que podem ser diretamente
observados. Entre eles, destacam‑se: identificar, definir, nomear, relacionar, destacar, afirmar, distinguir, escrever, recitar,
selecionar, combinar, localizar, usar, responder, detectar etc.
* Verbos que denotam processo – aprender, desenvolver, memorizar, adquirir etc. – não podem ser usados para
elaborar objetivos educacionais; eles não descrevem o resultado da aprendizagem.
60
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Quadro 7
Conteúdo Estratégias de ensino a serem utilizadas + Procedimentos de
proposto recursos necessários (descrever estratégias a avaliação (descrever os
(destacar cada Objetivos serem utilizadas; não é significativo escrever “jogo instrumentos a serem
foco referente específicos do de memória”, mas sim, como o jogo será utilizado utilizados; tal descrição
ao seu conteúdo, conteúdo durante a aula e porque esse jogo foi escolhido, é mais relevante do que
indicando também o que essa estratégia propicia, em termos de o valor que dará aos
as possíveis aprendizagem, ao aluno, em que sentido ela se instrumentos, caso sejam
subdivisões) relaciona aos objetivos...) revertidos em notas)
Momento inicial da ‑ identificar ‑ Apresentarei a imagem, apenas o título do Para esta etapa do
apresentação do elementos livro aos alunos e iniciarei a discussão a partir de trabalho com leitura
livro: significativos da perguntas‑guia que serão articuladas às perguntas (momento “antes da
capa, quarta capa e que os próprios alunos apresentarem durante esse leitura”, não utilizarei
MIGUEL, Jorge. página de rosto do momento de investigação. instrumentos formais do
Caminhos errantes livro; tipo prova ou relatório
da liberdade. São Veja o título deste livro: “Caminhos errantes da de atividade ou relato
Paulo: Companhia ‑ relacionar liberdade”. O que ele sugere a você? O que você acha descritivo de ação). A
Editora Nacional, elementos da que será tratado neste livro? avaliação se dará em
2007. (Coleção capa, quarta capa relação às interações
Passelivre) e página de rosto Se o título fosse “Caminhos da liberdade”, significaria para
você o mesmo que “Caminhos errantes da liberdade”? entre os alunos e à forma
do livro às áreas do como argumentam a
Conteúdo conhecimento;
da atividade: Qual significado você conhece para a palavra errante? favor de seus pontos
levantamento de ‑ estabelecer ‑ Após levantados os sentidos iniciais, com base nessas de vista. Para isso,
conhecimentos previsões para o perguntas e outras sugeridas pelos próprios alunos procurarei preencher
prévios sobre o conteúdo que será durante a interação, apresentarei a eles a imagem uma planilha enquanto
tema proposto no tratado no livro; presente na capa do livro e novamente os provocarei trabalho com a turma,
livro, bem como com perguntas do tipo: com os seguintes
sobre autor e ‑ formular critérios:
gênero. perguntas para Agora, vendo a imagem da capa, o que você acredita
serem respondidas que será tratado no livro? ‑ uso de operadores
à medida que a argumentativos
leitura transcorrer; Essa imagem pode ser uma metáfora em relação ao apresentação dos pontos
conteúdo do livro? de vista
‑ selecionar
e organizar Que elementos podemos investigar para descobrir mais ‑ tipos de argumentos
argumentos sobre sobre a relação imagem – conteúdo do livro? utilizados (pragmático,
possíveis conteúdos ‑ Apresentarei em seguida o autor do livro: Jorge por analogia, por
do livro, a partir de Miguel. Perguntarei se conhecem esse autor e como exemplo, baseado em
agrupamento de ele é pouco conhecido, apresentarei alguns elementos autoridade, baseado no
ideias; biográficos, como os que seguem: consenso, baseado no
raciocínio lógico)
‑ investigar a Jorge Miguel é Diretor acadêmico do Departamento
relação entre autor, de Processo Seletivo da Fundação Armando Álvares ‑ apresentação do
título do livro, Penteado (FAAP); é formado em Direito pelo argumento (estrutura do
possível audiência e Mackenzie. É procurador, professor universitário e discurso, encadeamentos
área de interesse; poeta bissexto. discursivos)
‑ levantar Perguntas orientadoras: ‑ apresentação de
possibilidades contra‑argumentos
para o conteúdo Agora que você já sabe um pouco sobre o autor, quais
do livro a partir as hipóteses já apresentadas podem ser mantidas?
de discussão Quais as que você acha que devem ser descartadas?
sobre o sumário Por quê?
apresentado. Considerando a área de atuação desse autor, que novas
hipóteses vocês acrescentariam às já apresentadas
sobre o conteúdo do livro?
Apresentarei a frase que aparece na capa do livro: “A
liberdade é uma forma de autonomia que se inicia
quando o homem, ousadamente, vai em busca de sua
individualidade”.
Caso os alunos ainda não tenham perguntado nada
sobre “poeta bissexto”, apontarei essa informação como
algo que pode ser relevante para descobrirmos o gênero
ou os gêneros contidos no livro.
61
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Imagem da capa
Figura 3
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Figura 4 Figura 5
Saiba mais
Saiba mais!
Para entender mais sobre como elaborar objetivos para aulas, sugiro
que você leia o texto indicado, do professor Vilson Leffa, da Universidade
Católica de Pelotas. Esse professor tem desenvolvido pesquisas sobre o
ensino de línguas e sobre desenvolvimento de materiais didáticos:
Observemos agora uma atividade12 também orientada aos conhecimentos prévios dos alunos, em
aula de língua inglesa e note que essa atividade, embora considerada aqui como “atividade para antes da
leitura”, desencadeia um momento de produção de texto. Ou seja, a atividade tem por objetivo principal
despertar a motivação para a leitura de um livro, no entanto, trabalha com a produção de um texto.
12
Atividade elaborada pela autora da apostila, para fins didáticos em cursos de formação de professores.
63
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Atividade: a professora Márcia selecionou um livro para ser lido por seus alunos de 7o ano do Ensino
Fundamental:
MAGALHÃES, João de. Johnny’s First Kiss. São Paulo: Moderna, 2004. (Rechmond Publishing, Moderns
Readers; stage 2 – elementary).
O livro escolhido pela professora era desconhecido dos alunos. Os temas envolvidos na história
focalizada no livro tratam de: ética, amizade, sexualidade, autoconhecimento. Há interesse da professora
em trabalhar interdisciplinarmente com a professora de ciências13. A primeira tarefa foi preparar um
conjunto de todas as imagens do livro. Cada imagem foi colocada em meia folha de papel A4, sem
indicação da página do livro. Os alunos foram divididos em grupos de no máximo 5 elementos e cada
grupo recebeu o conjunto de imagens. A tarefa inicial era observá‑las e imaginar o que tratavam.
Também como tarefa, os alunos foram orientados a selecionar 12 das 21 imagens e organizá‑las na
sequência que desejassem, pensando em uma história.
Primeiras dúvidas dos alunos: Como saberiam qual o personagem principal da história? Como
procederiam, caso descartassem exatamente as imagens mais importantes da história? O que aconteceria
com as histórias de todos os grupos se as imagens escolhidas não fossem as mesmas?
Observação
Refletindo!
O que você acha que estava acontecendo com os alunos nesse momento?
O fato de serem, frequentemente, apresentados às leituras sempre como se
elas fossem algo certo e acabado, inquestionável, levou‑os a uma postura de
insegurança frente à liberdade de escolher e, de certa forma, de “interferir”
na história apresentada no livro que ainda nem conheciam.
A segunda tarefa da professora consistiu em uma atividade de discussão sobre as imagens escolhidas
em cada grupo e sobre as imagens descartadas. Interessante para a professora foi o fato de muitos
grupos terem descartado imagens cujo vocabulário lhes era desconhecido. A atividade de discussão
teve, portanto, foco no vocabulário e também na temática que parecia presente nas imagens, mesmo
considerando as diferentes escolhas dos grupos.
Para essa atividade, tanto a professora Márcia fazia perguntas aos alunos quanto eles perguntavam
uns aos outros, solicitando explicações para suas escolhas. As intervenções da professora sugeriam
13
Informações disponíveis em : <http://www.richmond.com.br/catalogo/readers/modern‑readers/
johnny’s‑first‑kiss/> Acesso em: 10 abr. 2011. Resumo da história: Johnny acaba de se mudar e precisa se familiarizar
com um bairro novo, uma escola nova, amigos novos; além disso, a garota mais bonita da escola quer conhecê‑lo. Para se
enturmar, Johnny tem que repensar todas as coisas em que acredita. Nessa história, o leitor é convidado a acompanhar a
busca de Johnny por sua identidade, um tipo de viagem que todo jovem precisa fazer um dia.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
às crianças que não havia uma história mais certa do que a outra, mas que todas as possibilidades
poderiam ser consideradas.
Ao longo das discussões, surgiram também perguntas sobre como organizar uma determinada frase
para a história e perguntas desse tipo mereceram da professora uma tabela na lousa, com destaques
para os aspectos linguísticos que foram sendo apresentados pelos alunos. Como conteúdos linguísticos,
o livro oferecia destaque para: simple present, present continuous, future with will, modal verbs, simple
comparatives, sentences joined with and but, occasional use of first conditional. Ao longo das discussões
com os alunos e mediante suas solicitações, a professora trazia para a tabela exemplos de uso da língua
em relação aos itens do conteúdo linguístico, recordando as estruturas já aprendidas.
As perguntas dos próprios alunos aos colegas mostravam para a professora Márcia e para eles próprios
seus conhecimentos prévios sobre o tema discutido e também sobre os conhecimentos linguísticos já
dominados.
Após essa atividade, os alunos elaboraram suas histórias. Utilizaram 4 aulas para realizar a tarefa,
sempre trabalhando em grupo, com a orientação da professora, que sugeria pequenas correções nos
textos ou modificações no sentido de torná‑los mais coesos e coerentes. As histórias elaboradas se
caracterizaram pela tipologia textual narrativa, com um ou dois parágrafos para cada uma das imagens
escolhidas pelo grupo. Ao término, houve uma troca de histórias entre os grupos. Durante uma semana,
cada grupo se incumbiu de ler pelo menos três histórias elaboradas por colegas.
Essa atividade gerou um movimento inquietante na turma, uma vez que foram se deparando com
diferentes histórias, diferentes personagens principais, tramas e desfechos inusitados. A grande questão
agora era: qual a “verdadeira” história?
Após essa etapa, a professora ainda realizou uma atividade oral de discussão sobre o livro, com
questionamentos sobre a imagem da capa, sobre o título e a sequência de imagens, a fim de provocar os
alunos para que comparassem o que viam no livro às histórias que haviam elaborado.
O que apresentamos até aqui, sobre a aula da professora Márcia, ilustra a forma como, didaticamente,
ela abordou o momento inicial da leitura, procurando despertar nos alunos a curiosidade em relação ao
livro proposto. A partir daí, podemos avançar na discussão de Solé (1998/2007) sobre como a autora sugere
o que deve ser feito durante a leitura. Vejamos em que sentido isso pode ser planejado pelo professor.
Durante a leitura
Solé (1998/2007) sugere que a leitura seja compartilhada em diferentes momentos em sala de aula e que
sejam, durante todo o tempo, recuperadas as previsões feitas para o texto, para que sejam confrontadas com
o que se encontra efetivamente nele. Sugere ainda que sejam feitas perguntas sobre o que está sendo lido,
que provocam o movimento de ir e vir na trama textual; que possíveis dúvidas sobre o texto sejam discutidas
e que também se construa, ao longo da leitura, um resumo das ideias principais apresentadas no texto.
Interessante observar que esse momento durante a leitura pode ser assumido tanto pelo professor
quanto pelos alunos. Ambos podem colaborar com perguntas e com a organização de tarefas sobre o
65
DIDÁTICA ESPECÍFICA
que está sendo lido. Todo esse movimento investigativo sobre o texto tem por objetivo as ações de ler,
resumir, solicitar esclarecimentos, prever sobre o texto.
Solé destaca um importante aspecto relacionado a esse tipo de leitura, por ela denominado
“leitura compartilhada”. Para a autora, leitura compartilhada não é o mesmo que leitura dirigida. Nessa
perspectiva, o professor tem o controle da leitura e indica aos alunos o que devem fazer, o que deve ser
questionado.
A perspectiva da leitura compartilhada traz para o aluno parte da responsabilidade nas tarefas: ele
tanto responde a questionamentos e proposições de seu professor quanto apresenta questionamentos
aos colegas e propõe discussões. Numa perspectiva dialógica para a atividade de leitura, o que não
se quer é que os alunos trabalhem passivamente sobre um texto, mas que internalizem as diferentes
discussões assumindo‑as para si, no sentido de mais eficazmente compreenderem o texto.
Depois da leitura
Após a leitura, alguns procedimentos são fundamentais para que o aluno compreenda porque leu,
seja capaz de avaliar seu próprio desenvolvimento em relação à competência leitura. O primeiro aspecto
destacado por Solé (1998/2007) diz respeito à ideia principal do texto. A autora destaca a complexidade
de se compreender o que é a ideia principal de um texto, aponta inúmeros autores que têm discutido
essa questão, e apresenta seu ponto de vista sobre o trabalho realizado ao ensinar ao aluno onde está a
ideia principal de um dado texto.
Para que os alunos compreendam como encontrar a ideia principal de um texto, é preciso usar
procedimentos investigativos como:
• sugerir que os alunos falem sobre o que leram e enquanto isso, caso a ideia principal fique obscurecida,
o professor pode apresentar questionamentos que provoquem o surgimento da ideia;
• relacionar os objetivos da leitura ao tema que surge como focal em relação ao texto;
Outro aspecto discutido por Solé sobre o que acontece “depois da leitura” diz respeito à possibilidade
de se resumir o que foi lido. Para isso, afirma a autora que também há procedimentos específicos a serem
utilizados juntamente com o professor, se este quiser, de fato, ensinar aos seus alunos como se resume.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Também um tipo de atividade utilizada “depois da leitura” que muito favorece a compreensão do
aluno sobre o que leu, é o trabalho com a formulação de perguntas sobre o que foi lido. Alunos organizam,
assim, perguntas cujas respostas provocam a discussão sobre o texto. Isso permite ao professor perceber
o que foi aprendido, com que profundidade foi aprendido, que tipo de relações interdisciplinares os
alunos estão conseguindo fazer após a leitura, como estabelecem pontos de vista mais, ou menos,
críticos em relação ao que leram.
Saiba mais
• Nos estágios realizados ao longo do curso de Letras, quais práticas de leitura você pôde
observar?
• A quais concepções de leitura essas práticas estão relacionadas?
• Que tipo de leitura paradidática você observou?
• De que maneira os professores procedem para escolher leituras para seus alunos?
• Todas as leituras propostas são escolhas do professor?
• Quais as competências desenvolvidas nas atividades de leitura que você presenciou em seus
estágios?
• Como o professor organizava procedimentos de leitura para apresentar textos clássicos aos
alunos?
67
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Saiba mais
Vendo a capa e a quarta capa desse livro14, quem sabe você sinta‑se
envolvido e motivado a essa leitura...
Figura 6 Figura 7
É curioso, nesse sentido, que a maioria dos trabalhos sobre redação escolar
ou não toquem na questão da interlocução ou falem na ausência de
interlocutor, identificando aí uma das dificuldades maiores do estudante:
falar para ninguém ou, mais exatamente, não saber a quem se fala.
Vamos, nesta seção, discutir abordagens para o ensino da escrita em aulas de língua
portuguesa e de línguas estrangeiras. Britto (2006, p. 118), ao discutir a produção de textos em
situações escolares, reafirma a necessidade de se descobrir os porquês das inadequações nos
14
A capa do referido livro encontra‑se disponível em: <http://blog.opovo.com.br/sincronicidade/por‑amor‑a‑leitura/>
Acesso em: 30 mai. 2011.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
textos de alunos de todos os seguimentos escolares, de modo geral. Grosso modo, parece que os
alunos não aprenderam a escrita, por isso escrevem como escrevem. Mas para Britto, a questão
é mais complexa e não envolve somente o que o aluno deixou de aprender em relação à língua,
mas – e especialmente –, a forma como foi exposto às situações de produção de texto e de seu
aprendizado, ao longo da escolaridade.
Observação
Pensando!
Os modos por meio dos quais solicitamos aos nossos alunos que
trabalhem a linguagem em seus textos, durante a aula de língua portuguesa,
promovem uma prática significativa de escrita? (RIOLFI et al. 2010, p. 135)
Um dos aspectos discutidos por Riolfi et al. (2010, p. 136) é que o fato de professores de línguas,
de modo geral, terem focalizado, ao corrigir textos de seus alunos, aspectos gramaticais acima
de tudo, levou ao “abandono das intervenções e orientações” que oferecessem aos alunos meios
para produzirem textos coesos e coerentes. O foco recaía – e ainda recai, em muitos contextos de
ensino – na estrutura da língua, deixando‑se de lado a qualidade da enunciação e seu real papel na
comunicação.
Dizem os autores que o outro extremo – o texto apenas para revelar pontos de vista do aluno
sobre questões sociais e políticas do cotidiano dos alunos – também tem se revelado um trabalho
de produção textual que se distancia do foco principal: o aprendizado da escrita como um processo
reflexivo sobre a língua, para que o aluno se aproprie dos recursos linguísticos por meio de “relações
interativas contextualizadas” (p.137).
Observação
Refletindo!
Quando não somos capazes de explicar o que escrevemos, podemos pensar assim: pelo simples fato
de termos escrito, é porque sabíamos o que queríamos dizer naquele momento. O que não sabíamos, na
verdade, era o como dizer aquilo. Isso nos mostra claramente que uma vez escrito o texto, este “foge” do
autor e passa ao leitor, que atribuirá a ele sentidos, já sem a colaboração do primeiro. Daí a necessidade
de o escritor refletir sobre seu próprio texto e sobre as diferentes maneiras de dizer algo.
Um aspecto muito significativo discutido por Riolfi et al. (2010) é que para escrever,
necessitamos, sim, de um trabalho rigoroso com os recursos que a língua oferece. Os autores
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
também reforçam a ideia de que esses recursos, isoladamente, não transformam alguém em um
bom escritor, pois o ato de escrever é regido por “ter o que dizer e pressupõe uma razão para
fazê‑lo” (p.138).
Como professor, o que precisamos saber é que é necessário estabelecer alguns critérios para o
ensino e para a “correção” dos textos produzidos pelos alunos. Veja que as aspas em correção aparecem
justamente para dizer a você que não estamos pensando na correção que desemboca na atribuição
de uma nota ao texto do aluno, mas na correção que está organizada para descobrir características e
orientá‑lo em sua produção.
Exemplo de aplicação
Apresentamos, a seguir, três trechos de textos produzidos por alunos entre 6o e 9o anos do
Ensino Fundamental. Após a leitura, procure completar a tabela que indica características desses
textos.
Texto A
Então. Eu fui com a minha mãe ela falou pra mim que eu tinha que ficar sentada lá
naquela cadeira que não pudia falar nada que eu tinha que ficar quietinha lá e ela foi
consultar depois a médica consultou ela e disse pra ela que eu pudia entrar lá e esperar ela
mas eu não quis porque fiquei com medo dela. Porque eu tenho medo de injeção então eu
fiquei lá mesmo.
Texto B
A gente foi para o zoológico outro dia. O Antonio foi comigo. A gente ficou junto lá
no zoológico, vendo os bichos. O Antonio mexeu com o macaco. O Antonio deu banana
pra ele que o moço deu. O Antonio chamou o guarda pra ver que o elefante tinha um fio
de arame enrolado na perna. O Antonio foi lá e disse para o guarda guarda o elefante vai
se enforcar com o arame. Mas ele riu porque o arame estava no pé dele e ele ficou sem
graça.
Texto C
Eu sou o candidato do grêmio aqui da escola então eu estou fazendo a campanha então
eu tenho que dizer para os colegas para votar em minha chapa. Porque minha chapa decidiu
fazer algumas coisas para os alunos e a outra chapa não vai fazer. Pois ela não apresentou
o que ela vai fazer ainda apesar que nossa chapa está trabalhando muito para conseguir
o que os alunos precisam aqui na escola. Tudo depende da diretora e em um trabalho do
grupo, portanto dá pra fazer muita coisa. Então eu gostaria que vocês votassem na minha
chapa porque a minha chapa segundo o jornalzinho da escola ela está primeiro do que a
outra.
70
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Texto D
Meu filho não vai bem na escola. Eles dizem que ele é muito desatento e que nunca faz
as tarefas de casa. Eles querem que a gente coloque ele de castigo mas ele não merece ficar
de castigo. Disse a eles que ele é um bom menino. Porque com eles ele se intimida e não
consegue produzir. Lá em casa, ele faz. Fico pensando se eles estão trabalhando direito com
ele. Porque eles reclamam mas são eles que estão com ele o dia todo.
Agora, vamos pensar em aspectos que se destacam nos textos apresentados, completando o
quadro.
Todos os tópicos apresentados por você e outros mais se mostram necessários na aprendizagem
do aluno, para que seu texto seja mais coeso e coerente, no entanto, apenas aprender esses itens
gramaticais não bastará para que isso ocorra. O que os alunos precisam aprender, na verdade, é a
forma como cada um desses itens gramaticais funciona discursivamente. Isso significa dizer que o
aluno precisa ver, observar como o uso inadequado provoca rupturas no texto, prejudicando o sentido
desejado.
71
DIDÁTICA ESPECÍFICA
O professor precisa, portanto, ter clareza do diagnóstico sobre os problemas de seus alunos em relação
à produção textual, para, então, planejar atividades que favoreçam o aprendizado. Não esgotaremos aqui
todas as possibilidades nesse sentido, mas apresentamos, a título de exemplo, um plano de aula voltado
a um dos aspectos recorrentes na produção textual de aluno, a dificuldade com o uso de conectivos.
Tomamos como base para esse plano de aula e para a atividade nele apontada uma proposta apresentada
por Riolfi et al. (2010, p. 149). A autora afirma que é possível, por meio de atividades lúdicas, envolver
os alunos, levando‑os a compreender o papel de elementos gramaticais necessários às suas produções
textuais.
Plano de aula15:
Professor: Carlos
Descrição sumária da atividade: será apresentada aos alunos uma atividade lúdica (jogo)
para trabalhar o papel dos conectivos interfrásticos no texto.
15
Atividade simulada utilizada em aula de Prática de Ensino – curso de Letras – turma Alphaville, 1o semestre de
2011.
16
O material para o jogo, adaptado de Riolfi et al. (2010), está disponível após este plano de aula.
17
Leia as indicações sobre objetivos, propostas por Leffa (2003): Para os objetivos gerais usam‑se geralmente verbos
que denotam comportamentos não diretamente observáveis. Entre esses verbos, os seguintes têm sido usados com mais
frequência: saber, compreender, interpretar, aplicar, analisar, integrar, julgar, aceitar, apreciar, criar etc.
* Para os objetivos específicos, usam‑se verbos de ação, envolvendo comportamentos que podem ser diretamente
observados. Entre eles, destacam‑se: identificar, definir, nomear, relacionar, destacar, afirmar, distinguir, escrever, recitar,
selecionar, combinar, localizar, usar, responder, detectar etc.
* Verbos que denotam processo – aprender, desenvolver, memorizar, adquirir etc. – não podem ser usados para
elaborar objetivos educacionais; eles não descrevem o resultado da aprendizagem.
72
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Quadro 9
Procedimentos
Estratégias de ensino a serem utilizadas + de avaliação
Conteúdo proposto recursos necessários (descrever estratégias a (descrever os
(destacar cada foco instrumentos a
Objetivos serem utilizadas; não é significativo escrever “jogo serem utilizados;
referente ao seu específicos do de memória”, mas sim, como o jogo será utilizado tal descrição é mais
conteúdo, indicando conteúdo durante a aula e porque esse jogo foi escolhido, relevante do que o
também as possíveis o que essa estratégia propicia, em termos de valor que dará aos
subdivisões) aprendizagem, ao aluno, em que sentido ela se instrumentos, caso
relaciona aos objetivos...) sejam revertidos em
notas)
Conectores do ‑ identificar o ‑ Apresentarei inicialmente a proposta de um jogo e Para esta etapa do
tipo lógico, que tipo de elementos explicarei aos alunos o objetivo do jogo, mostrando trabalho não haverá
estabelecem relação conectivo em a eles exemplos adequados de uso de conectores e avaliação formal.
de: condicionalidade, diferentes frases; exemplos inadequados, para que percebam a necessidade Apenas anotarei
causalidade, de saber como esses elementos devem ser utilizados na as dificuldades
mediação, disjunção, ‑ relacionar frases produção textual e qual sua função no discurso. apresentadas
conformidade, e orações por meio nos grupos e na
temporalidade, de conectivos; Exemplos de frases com conectores: discussão, para
complementação, ‑ identificar • O governo está planejando mudanças na área da reencaminhar o
delimitação ou conectores lógicos educação, embora muitas instituições de ensino não trabalho de produção
restrição e encadeadores concordem com elas. textual dos alunos.
discursivos nas Também será levada
Encadeadores • Ele retirou‑se cedo para o quarto, mas todas as luzes em consideração
discursivos: operadores relações entre
proposições estão apagadas. para essa avaliação
argumentativos o que já observei e
(de conjunção, enunciadas em • Ele retirou‑se cedo para o quarto, mas todas as luzes
um texto e na ainda estão acesas. anotei sobre os erros
de disjunção mais frequentes
argumentativa, sequenciação e
ordenação dos • Foram todos confinados ao isolamento no presídio de cada aluno da
de contrajunção, pelo fato de terem invadido o refeitório, isto é, comer turma, em relação
de justificativa enunciados;
o que estava reservado para a alimentação da semana ao uso de conectores
ou explicação, ‑ discutir seguinte. interfrásticos.
de conclusão, de possibilidades para
comparação) e o uso de diferentes ‑ Após a discussão inicial sobre os conectivos e
operadores de conectores na sobre consultas ao material didático já utilizado,
sequencialização produção textual; apresentarei trechos de textos elaborados pelos próprios
(temporal e textual) alunos, destacando os conectivos e discutindo sua
‑ selecionar funcionalidade no texto.
e organizar
enunciados, ‑ Apresentarei, em seguida, o material que compõe
construindo o jogo de conectores interfrásticos, apresentado por
a progressão Riolfi et al. no livro Ensino de língua portuguesa, da
temática. Editora Cengage Learning. Esse jogo trabalhará com os
conectores lógicos e com os encadeadores de discurso.
Consiste de um conjunto de papeletas contendo orações
que se ligam por meio de conectores. As papeletas, de
três diferentes cores, contêm esses elementos e o jogo
consiste em organizar adequadamente os enunciados,
sempre compostos de três e somente três partes, sendo
uma de cada cor. Os sinais de pontuação foram retirados
das papeletas e, ao estabelecer a conexão entre os
enunciados, os alunos deverão pontuar adequadamente.
‑ Os alunos serão divididos em grupos de 5 e cada grupo
receberá um envelope contendo as papeletas a serem
organizadas. Terão 45 minutos para essa organização.
‑ Após a organização das papeletas, os alunos
colarão seus enunciados em papel craft e haverá uma
apresentação e discussão entre os grupos, sobre suas
realizações.
‑ A discussão deverá explorar as diferentes possibilidades
de organização dos enunciados.
73
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Enunciado
Enunciado Enunciado
(papeletas na
(papeletas na cor verde) (papeletas na cor azul)
cor amarela)
Escolhi os legumes que estavam frescos
Foi roubado pelo próprio filho Muito antes já havia descoberto seu vício
Fiquei surpresa com essa atitude tenha convivido com ela desde
embora
de Maria criança
José está apto a exercer esse
Tenho dúvidas se cargo
Fiquei tanto tempo sentada no que estou com as costas “quebrdas”
computador
come muito doce acaba se
Criança que tornando obesa
Termine suas lições. Depois disso você pode usar o computador
Pare com esse barulho Carlinhos que eu te levo para passear
Não estudei nada portanto errei tudo na prova
Escrevi o texto de acordo com o que li na enciclopédia
Que graça de menino! Além disso é super estudioso
Trabalhei muito para que esse evento se realizasse
Discuti muito com você mas acabei concordando
Ele já deve ter viajado pois a garagem está trancada
vi o ladrão entrando em minha
Quase desmaiei quando casa
eu terminar o trabalho, falo com
Nem fale comigo agora depois que você
Fiz toda a pesquisa conforme sua orientação
Fiquei muito triste no entanto não deixei que percebessem
Dormi cedo ontem e acordei de madrugada hoje
Quando estou muito cansada, não nem me alimentar bem
consigo dormir direito
Quando utilizamos um jogo como esse para provocar uma discussão sobre o uso de um dado aspecto
linguístico no texto, pode parecer a você, em um primeiro momento, que estamos atribuindo maior
valor ao aspecto gramatical. Na verdade, não é isso. O que queremos mostrar é que as estruturas da
língua, quando compreendidas em sua funcionalidade, podem se tornar recursos muito significativos ao
aluno, para que produza textos mais claros, coesos e coerentes. Ao trabalhar com um jogo, assim como
o proposto para conectores interfrásticos, a intenção não pode ser a de levar os alunos a dominarem a
classificação desses conectores, mas sim a de mostrar como as estruturas da língua assumem funções
no discurso que tornam mais eficaz nossa comunicação.
Ainda em relação ao ensino da produção escrita, um dos aspectos mais relevantes em sala de
aula é o planejamento do que se deseja escrever. Vejamos como Oliveira (2010, p. 126) orienta
74
DIDÁTICA ESPECÍFICA
• conhecer elementos do contexto de produção do texto, como: lugar social onde o texto circulará,
possível leitor do texto;
Essa tarefa de planejar o que se deseja escrever pode ser precedida de um brainstorming na sala
de aula, com o objetivo de ampliar o pensamento dos alunos sobre os temas selecionados e também
apontar‑lhes conflitos que, se investigados e resolvidos antes da produção textual, poderão tornar o
texto mais eficaz em relação ao objetivo pretendido.
Saiba mais
75
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Para finalizar esta seção, apresentamos a você uma sequência didática para aulas de língua inglesa,
com foco na produção textual de uma revista teen18 para circular na escola.
Proposta: sequência didática para elaboração de uma revista teen para circular na escola
A ideia de elaborar uma revista teen foi discutida inicialmente com duas turmas de alunos
de 3o ano de Ensino Médio. Para iniciar essa discussão, a professora sugeriu que elaborassem
algo que pudesse ser compartilhado com os demais colegas da escola. A revista teen foi
escolhida pelos alunos a partir de votação dentre as possibilidades: revista teen, jornal da
escola, propagandas do bairro. Uma vez escolhido o foco do trabalho, várias atividades
foram desenvolvidas para que os alunos se apropriassem do gênero textual revista teen e,
então, pudessem elaborar seus textos. A revista será escrita em Língua Inglesa.
Conteúdos:
• organização textual dos diferentes textos que compõem uma revista teen (capa da revista,
índice, carta do editor, artigos, carta do leitor, carta de dúvidas com respostas, passatempos,
comunicados, propagandas, entrevistas).
Aulas previstas: 8
Objetivos de ensino‑aprendizagem:
Recursos didáticos:
• revistas para adolescentes, sobre moda, ciências, esportes, quadrinhos, entre outras;
• fichas preparadas pela professora, para levantamento dos conhecimentos prévios dos
alunos e também para mapeamento dos conhecimentos necessários para a produção
textual desejada;
18
A sequência didática foi adaptada de uma atividade social apresentada por Liberali (2009, p. 38‑42), elaborada
pelas professoras Ana Paula Risério Cortez e Maria Cristina Damianovic. A sequência didática apresentada neste livro‑texto
toma como base os exercícios propostos pelas professoras autoras.
76
DIDÁTICA ESPECÍFICA
O – rever ortografia;
P – rever pontuação;
// – rever paragrafação;
19
As fichas 1 e 2 correspondem às apresentadas por Liberali (2009) e encontram‑se ao final da proposta de
atividade.
77
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Essa legenda será utilizada pela professora para apontar, nas margens dos textos, nas
linhas correspondentes, os aspectos que precisam ser revistos.
Quadro 11
78
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Now, choose a few articles in the teen magazines and answer the questions below.
1. In these articles, how does the author achieve his/her goals: by describing, by comparing,
by categorizing, by narrating, by explaining or by exemplifying?
2. What verb tenses were used in the magazine articles to introduce the topic?
3. What verb tenses were used in the articles to state points of view?
Observe que uma proposta como a apresentada está pautada no que há de mais relevante em
termos de produção de textos por alunos, na escola, como afirma Bunzen (2006, p. 149):
• assumir‑se como sujeito que diz o que diz para quem diz;
79
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Não se trata da palavra que porta ideias moralizantes nem de algo que sirva
de modelo para a escrita que “funciona” em nossos tempos, tampouco de algo
que tenha qualquer tipo de utilidade para a vida prática. A palavra literária
nos atinge como puro gozo, por isso deve marcar sua diferença em um mundo
em que toda e qualquer coisa precisa estar revestida de utilidade.
Para o autor, o problema maior dessa divisão é que o componente curricular língua portuguesa
acaba sendo visto como aquele que se dedica apenas ao ensino da gramática e da leitura, esta última
como um ensino ocasional, apenas para resolver problemas da primeira.
O que fica evidente em toda essa discussão pode ser discutido quando procuramos resposta para
a pergunta proposta por Oliveira (2010, p. 173): “os alunos devem estudar a literatura ou usar20 a
literatura?” A separação tão nítida entre as disciplinas língua, literatura e produção de textos parece
responder a essa pergunta: “literatura tem sido abordada na escola como um objeto de estudo, mas não
tem sido vista como um meio para desenvolver a capacidade do estudante usar a língua”.
Estudar literatura é o que ocorre nos cursos de letras, por exemplo, quando em sua grade curricular
aparecem disciplinas como literatura brasileira, literatura portuguesa, teoria da literatura, entre outras.
Mas em outros seguimentos do ensino, o foco deveria ser o discutido acima: usar a literatura para
desenvolver competências relacionadas à linguagem como meio de interação.
Fortalecendo essa discussão, Leite (2006, p. 17) também afirma que embora em seu tempo de estudo
a disciplina escolar fosse chamada de Português, e tudo fosse ensinado nela, por um único professor,
também os conteúdos isolavam‑se uns dos outros, pois havia o dia da literatura, o dia da língua e o dia
da redação.
Muitas mudanças foram acontecendo nos currículos escolares, mas todas elas parecem ter reforçado
a fragmentação. Por exemplo: uma disciplina denominada Comunicação e Expressão, inserida no
currículo do Ensino Fundamental, não se dedicava ao estudo da literatura. Em outro momento, uma
disciplina chamada Produção de Textos, também no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, descartava
a literatura e a análise da língua, para dedicar‑se absolutamente ao escrever.
20
Grifos do autor.
80
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Observação
Pensando!
Tudo isso faz sentido para você? Seria possível, por exemplo, alguém
escrever sem que para isso tivesse dedicado parte de seu tempo a
compreender o funcionamento discursivo da língua?
E mais: uma disciplina dedicava‑se à leitura dos chamados paradidáticos, muitas vezes considerando
que esses livros fossem parte de um componente maior, denominado estudos transversais. Você percebe
a confusão entre os significados? Afinal, estudos transversais não é uma disciplina, ou um conteúdo a
ser tratado em uma disciplina. Por isso mesmo, seu nome: transversal, ou seja, esses conteúdos devem
atravessar todos os componentes curriculares.
O que queremos dizer com isso é que muitas vezes o uso de paradidáticos no ensino toma o lugar
da leitura moralista, cujo objetivo é “fazer melhorar a vida do aluno e daqueles com quem convive” ou
“mostrar a ele as mazelas do mundo”: adotamos paradidáticos que ensinam algum valor moral a ser
seguido pelo aluno. Seria mesmo esse o objetivo de se ler um paradidático?
Todos os pesquisadores que têm dedicado seu tempo às pesquisas em sala de aula, relacionadas ao
ensino da língua portuguesa, afirmam que a tendência tem sido ensinar a gramática nas aulas de língua,
focalizando‑a abstratamente, isolada dos contextos de uso. Até hoje vemos atividades que utilizam
textos literários ou trechos da literatura como pretexto para o exercício mecânico de destacar elementos
da gramática.
O que tem sido considerado como relevante em relação ao ensino de língua e literatura é que romper
com a dicotomia que domina esse ensino pode contribuir para o desenvolvimento da competência
crítica do aluno frente às ações discursivas das quais participa.
Vejamos alguns significados da palavra literatura, destacados por Robert Escarpit (apud LEITE,
2006, p. 21):
• qualquer texto, consagrado ou não, com intenção literária, visível num trabalho da linguagem e
da imaginação, ou simplesmente esse trabalho enquanto tal.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Para Leite (2006), as três primeiras acepções da palavra literatura são utilizadas na escola, o
que nos leva a pensar que essa área do conhecimento está na escola com o objetivo ideológico
de reprodução dos valores dominantes. O grande desafio é, na verdade, pensar a prática
pedagógica da literatura não como pretexto para a aprendizagem de outros conteúdos, mas
como espaço para análise e interpretação das obras literárias que dialogam com as práticas
sociais e culturais.
Nesse sentido, vale a pena pensar sobre o papel do professor quando trabalha com literatura em
sala de aula de Ensino Fundamental ou de Ensino Médio. De que recursos ele lança mão para despertar
a motivação de seus alunos? Em outras palavras, “como se estabelece a relação entre o aluno‑leitor e o
texto literário?” (MARTINS, 2006, p. 83).
Nesse sentido, caberia ao professor preparar atividades sobre as obras literárias para que os alunos
conhecessem mais sobre as relações entre literatura e contexto sociocultural, literatura e crítica literária.
Em resumo, atividades que mostrassem aos alunos que o sentido não está no texto, mas se constrói pelo
leitor na interação com o texto.
Pensando nesse jovem leitor, que inicia sua caminhada na literatura sem a almejada maturidade
literária, Riolfi et al. (2010, p. 85) nos apresenta um aspecto de extrema relevância em relação ao ensino
da literatura nas escolas, ao comentar sobre como jovens estudantes registram “o lugar nenhum”
da literatura em sua aprendizagem. Em entrevistas realizadas com adolescentes de 6o ano do Ensino
Fundamental e de 3o ano do Ensino Médio, fica claro que o trabalho com literatura em sala de aula
tem merecido do professor pouca atenção e pouco tem colaborado na formação do aluno‑leitor. O
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
foco das atividades ainda está fortemente atrelado à avaliação e os textos literários são explorados
superficialmente em sala de aula.
Em aulas de língua estrangeira isso também ocorre e vemos atividades que sugerem investigar o
texto para aprender estruturas da língua.
Em relação à forma como as escolas devem organizar os estudos de literatura, Cereja (2005, p. 162‑7)
apresenta algumas possibilidades, sintetizadas no quadro a seguir:
Na mesma direção dos estudos de Cereja (2005), apresentamos uma proposta adaptada
de Martins (2006, p. 88‑89), pautada nas noções de intertextualidade, interdisciplinaridade,
transversalidade e intersemiose. Inserimos nesse quadro possibilidades de atividades para aulas
de literatura.
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DIDÁTICA ESPECÍFICA
Interdisciplinaridade – “um ensino pautado na prática Atividade envolvendo a obra Jeca Tatu, de Monteiro Lobato,
interdisciplinar pretende formar alunos com uma visão analisada à luz da sociologia, em busca de compreender a
global de mundo, aptos para articular, religar, contextualizar, identidade do brasileiro.
situar‑se num contexto e, se possível, globalizar, reunir os
conhecimentos adquiridos” (MORIN, 2002, p. 29). Atividade envolvendo a leitura da obra modernista Macunaíma,
de Mário de Andrade, e as pinturas Samba e Baile Popular,
“a interdisciplinaridade, de que tanto se fala, não está de Di Cavalcanti; Operários e Negra, de Tarsila do Amaral; Os
em confrontar disciplinas já constituídas (das quais, na Retirantes e O Centenário de Cândido, de Cândido Portinari, para
realidade, nenhuma consente em abandonar‑se). Para se levantamento do contexto de produção das obras e da relação
fazer interdisciplinaridade, não basta tomar um ‘assunto’ entre arte e literatura a partir das características das obras.
(um tema) e convocar em torno duas ou três ciências. A
interdisciplinaridade consiste em criar um objeto novo que
não pertença a ninguém. O Texto é, creio eu, um desses
objetos” (BARTHES, 2004, p. 102).
Transversalidade – segundo os PCN (1998), os temas Atividade com o Poema tirado de uma notícia de jornal, de
transversais constituem um conjunto de temas que devem Manuel Bandeira. Na análise do poema de Bandeira, podem
ser incorporados às áreas do conhecimento já existentes e ao ser enfatizados os seguintes temas transversais (MARTINS,
trabalho educativo nas escolas. Os PCN sugerem como temas 2006, p. 88‑9):
transversais: ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde
e orientação sexual. ‑ ética: o suicídio de João Gostoso envolve princípios éticos
e religiosos que podem ser abordados pelo professor na
interação com os alunos;
‑ saúde: condições de vida do habitante da periferia; debate
sobre bebida e drogas;
‑ meio ambiente: degradação do espaço socioambiental;
‑ trabalho e consumo: condição de vida de João Gostoso,
tipo de trabalho.
Intersemiose – conceito que envolve as relações entre Atividade com foco no diálogo entre literatura e música,
diferentes linguagens, que utilizam diferentes signos reconhecendo a diversidade de linguagens e códigos. Observar
semióticos, uns em relação com os outros, em produções que a convergência temática e os diferentes signos utilizados em
envolvem arte. Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade; Flor da Idade, de
Chico Buarque de Holanda; Belo belo, de Manuel Bandeira;
Bandeira, de Zeca Baleiro.
Quadrilha
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(ANDRADE, 1967)
Quadrilha da Sujeira
(AZEVEDO, 2007)
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão
sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
(BANDEIRA, 1993)
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(BUARQUE, 1999)
(BANDEIRA, 1974)
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(BALEIRO, 2004)
Saiba mais
Que tal um passeio pela internet, para saber mais sobre o conceito de
intersemiose?
Para concluir esta seção que trata do ensino da literatura, apresentamos a você algumas reflexões
destacadas por Martins (2006, p. 98‑100):
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• desmistificar a concepção escolarizada da literatura (vista como fenômeno que ajuda o aluno a
escrever bem);
• incentivar o trabalho com todo tipo de texto, desde autores clássicos àqueles não tão considerados,
mas cuja produção se mostre relevante;
• considerar as produções dos alunos em contextos não escolarizados, valorizando sua significação
textual;
• diversificar o trabalho com textos, incentivando o aluno ao uso de diferentes formas de apresentar
suas leituras;
• considerar as escolhas pessoais dos alunos, desvinculando‑as das práticas escolares do tipo avaliação;
Fico imaginando hoje, um pouco à moda do grego antigo, tal como o descreve
Hegel: interrogava, diz ele, com paixão, sem esmorecimento, o rumor das
folhagens, das fontes, dos ventos, enfim, o estremecer da Natureza, para
ali captar o desenho de uma inteligência. E eu, é o estremecer do sentido
que interrogo escutando o rumor da linguagem – dessa linguagem que é a
minha Natureza, homem moderno.
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Analisar a língua e refletir sobre ela diz respeito a todos os momentos, em sala de aula, em que
o professor solicita e considera a voz do aluno, suas opiniões, conflitos e incertezas sobre a língua. É
exatamente quando questionado e nos momentos em que expõe argumentos sobre um dado texto ou
situação de comunicação, que o aluno está desenvolvendo formas críticas de pensar.
A esse respeito, os PCN (1998) consideram significativas as atividades que possibilitam aos alunos
discutir não somente regras e estruturas da língua, mas os diferentes gêneros, a organização textual
neles envolvida, os recursos léxicos e coesivos, as regularidades da língua oral e da língua escrita. Em
suma, dois fatores são relevantes sobre a análise e reflexão sobre a língua: (a) a capacidade humana de
refletir, analisar, pensar sobre os fatos e os fenômenos da linguagem e (b) a propriedade que a linguagem
tem de poder referir‑se a si mesma, de falar sobre a própria linguagem.
Observação
Pensando!
O que significa para você análise dobre a língua? O que você já fez nesse
sentido? Esse tipo de trabalho com a língua / linguagem modificou o quê
em você, em relação à língua?
De modo claro, os PCN explicam o que são atividades epilinguísticas: quando alguém, no meio de uma
conversa, pergunta “O que você quis dizer com isso?”, está realizando uma atividade epilinguística.
Podemos afirmar, depois de tudo o que já vimos, que análise da língua passa pela possibilidade de
descobrir como o evento linguístico se organiza, como está orientado tematicamente, se apresenta
um propósito comunicativo explícito ou não. Para descobrir esses aspectos, é preciso, primeiramente,
desconstruir o evento linguístico para entender quais suas partes constituintes, que funções têm essas
partes, como estão relacionadas e que característica de interdependência possuem, quais efeitos de
sentido causam nos interlocutores e em decorrência de quais léxicos e recursos sintáticos esses sentidos
são atribuídos. Cabe ainda destacar que esse análise linguística procura regularidades que expliquem o
gênero, sua forma, seu contexto de produção e de uso.
Antunes (2010, p. 49) diz que as regularidades que encontramos ao analisar um evento de linguagem
são muito mais do que uma resposta à pergunta “o que diz o autor”, mas correspondem à explicação de
como algo foi dito (recursos lexicais e estratégias discursivas utilizadas).
A autora comenta ainda que as atividades de análise linguística em sala de aula costumam ser as
de interpretação de texto, simplificadas, pois poucas vezes alcançam a complexidade e profundidade
necessária para que, de fato, fosse feita uma análise linguística. Essas atividades apresentam exercícios
de todo tipo, desde aqueles voltados à gramática do texto a questões cujas respostas encontram‑se no
próprio texto, já organizadas sequencialmente.
Vale destacar, ainda, que em atividades de análise linguística com o objetivo acima descrito, o que
mais importa não são as respostas dadas pelos alunos, mas sim o quanto estes são capazes de perguntar
ao texto. A “finalidade da análise é promover um estado de pergunta, de busca” (ANTUNES, 2010, p. 52)
para desvendar a engrenagem de funcionamento da linguagem.
Apresentamos, a seguir, uma atividade de língua inglesa, elaborada por uma professora de escola
privada para alunos de 3o ano do Ensino Médio, voltada à análise de um texto da revista Speak Up, no
242. Texto escolhido pela professora: matéria enunciada na capa da revista – Profile – Daniel Radcliffe.
final de duas aulas, os grupos trocarão as informações e será aberta uma discussão sobre
as descobertas.
Investigação – Grupo A:
• uso de implícitos.
Investigação – Grupo B:
• vozes do discurso;
• discurso direto e indireto, e formas de como o interlocutor está ou não presente no texto;
• marcas de ironia;
Investigação – Grupo C:
• associação semântica entre palavras (ou as cadeias ou redes de elementos afins que
estão distribuídos ao longo do texto).
Investigação – Grupo D:
• sua relação com outros textos, o que inclui, mais especificamente, as remissões, as
alusões, as paráfrases, as paródias ou citações literais.
• elipses;
Importante ressaltar que uma análise assim proposta não deve permitir aos alunos apenas responder
a cada uma das solicitações como se responde a um conjunto de perguntas. Os itens são apenas
orientadores da investigação, não devendo, portanto, restringir a análise a fragmentos do texto. Este
deve ser, ao longo de toda a atividade, visto de forma global e, nesse sentido, a condução da atividade,
pelo professor, é um dos fatores significativos para a eficácia no desenvolvimento dos alunos.
Saiba mais
Como sugestão para entender mais sobre como trabalhar com análise
linguística, sugerimos que você leia o capítulo 5 do livro:
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Ainda complementando esta seção, lembrando que um dos grandes problemas do trabalho didático
com análise linguística reside no fato de o professor se esquecer, com frequência, de que o foco deve
estar na natureza dialógica e interativa da língua e não na gramática e nas questões estruturais apenas.
Apresentamos a você um quadro formulado por Mendonça (2006, p. 207), que aponta as diferenças
básicas entre o ensino que tem a gramática como fim em si e o ensino da análise linguística, que tem a
gramática como meio. A autora ressalta que essas diferenças são ilustrativas da relação entre gramática
e análise linguística, mas que em sala de aula outras podem surgir.
Exemplo de aplicação
Agora que você já pensou muito sobre todas as questões apontadas neste livro‑texto e, especificamente,
nesta seção, em relação ao aprendizado de língua portuguesa e de línguas estrangeiras, que tal um
exercício? Leia, primeiramente, o texto de Luiz Fernando Veríssimo, O gigolô das palavras. Você o
encontrará no endereço eletrônico <http://nteitaperuna.blogspot.com/2008/03/o‑gigol‑das‑palavras.
html>. Em seguida, leia o artigo de Alberto da Cruz, “O gigolô das palavras, Veríssimo e sua ironia
normativa”, disponível em <http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1693645>.
Após a leitura desses dois textos, experimente preparar uma sequência didática voltada à análise
linguística, para alunos de Ensino Médio, propondo tomar como base os dois textos. Faça o planejamento
da sequência didática recorrendo às que já foram discutidas neste livro‑texto.
98
DIDÁTICA ESPECÍFICA
Se possível, leve essa discussão para um dos fóruns do curso, para trocar ideias com os colegas da
turma e com os professores.
Bom trabalho!
Esta seção tem por objetivo iniciar uma discussão sobre a avaliação em língua portuguesa e línguas
estrangeiras. Digo “iniciar”, pois acredito que essa não seja uma discussão para ser esgotada em uma
seção final de um livro‑texto. Ele mereceria muitas e muitas seções, muitas discussões presenciais,
e é por esse motivo que muitas escolas e seus professores dedicam grande parte de seu tempo ao
planejamento e estudo das práticas avaliativas.
Pretendemos, aqui, apenas apresentar a você possibilidades de tratar a avaliação em sala de aula, mas
para isso, precisamos conceituá‑la. Mediante a perspectiva assumida desde o início de nossa discussão
neste livro‑texto, de que a língua se constitui em práticas dialógicas, é um fato social que existe em
função da necessidade dos indivíduos se comunicarem; e de que a linguagem resulta da interação
humana e tem caráter essencialmente dialógico, não apenas como alternância de vozes, mas como
confronto de vozes que existem em tempo e lugar social historicamente determinados, coerentemente,
optamos por uma concepção de avaliação que se caracteriza por uma atividade crítica de aprendizagem,
tal que por meio dela adquirimos conhecimentos.
Ora, nessa perspectiva, não cabem, pois, instrumentos e metodologias de avaliação que, de modo
fragmentado, separem o resultado do processo e culminem com provas e notas desarticuladas do
desenvolvimento dos alunos. Ou seja, na perspectiva estudada, a avaliação da aprendizagem deve ser
processual e, como afirma Méndez (2002, p. 15),
O que Méndez quer dizer com isso é que considera as práticas avaliativas como excelentes momentos
para que aquele que aprende apresente o que aprendeu e possa defender suas ideias, suas razões, bem
como suas dúvidas e incertezas. E mais: o professor possa descobrir, com base no que seus alunos
aprenderam, como está seu ensino. Em resumo, as práticas avaliativas devem estar a serviço dos
protagonistas no processo ensino‑aprendizagem.
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Estamos falando, portanto, de um processo de avaliação formativa, que integra o pensamento crítico
dos protagonistas: professor e alunos.
Quando vamos à escola, no entanto, percebemos que, muitas vezes, a avaliação parece atropelar
tudo o que concebemos e instaura‑se como instrumento medidor dos fracassos dos alunos. Não é isso
o que você tem visto em muitos contextos educacionais?
Muitos estudiosos dessa questão têm afirmado que só será possível afastar‑se desse paradigma
quando entendermos realmente o papel da avaliação em nosso desenvolvimento e no do aluno. E
também, que isso está relacionado a perguntas muito relevantes, que deveriam orientar todas as nossas
práticas: o que avaliamos? para que e por que avaliamos? quem avaliamos? para quem avaliamos? como
avaliamos?
Nessa perspectiva, avaliar para medir seria o mesmo que olhar só para o resultado final de um
processo, o que significaria “chegar atrasado” para reorientar a rota, não é mesmo?
Diz Méndez (2002, p. 19) que “nas tendências atuais da avaliação educativa, a preocupação centra‑se
mais na forma como o aluno aprende, sem descuidar da qualidade do que aprende”. Essa visão dialógica
da avaliação entende que não é possível separar esses dois aspectos, pois são interdependentes. E mais:
entende que nesse processo, professor e alunos tanto aprendem quanto ensinam, portanto, ambos são
avaliad