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METODOLOGIA DO ENSINO

DA LINGUA PORTUGUESA
ÜRGANIZADORA PATRICIA LIMA NOGUEIRA

BUP

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@Pearson
METODOLOGIA DO ENSINO
DA LÍNGUA PORTUGUESA 1

Pearson Education

El\ilPRESA CIDADÃ
METODOLOGIA DO ENSINO
DA LÍNGUA PORTUGUESA 1

Organizadora
Patrícia Lima Nogueira
Doutoranda em administração
Mestre em engenharia de produção pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Professora de graduação e pós-graduação nas modalidades presencial e EAD
Consultora em sistemas de gestão e tecnologia da informação
Diretora executiva da empresa NOGL

Pearson : 1 1
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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Metodologia do ensino da língua portuguesa I / organizadora Patricia Lima Nogueira.


- São Paulo : Pearson Education do Brasil, 2016.

1. Didática 2. Português - Estudo e ensino I. Nogueira, Patricia Lima.

16-00280 CDD-469.07

Índice para catálogo sistemático:


1. Língua portuguesa: Estudo e ensino 469.07

2015
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SUMÁRIO

Apresentação ..........................................................................................VI 1
Prefácio ....................................................................................................... IX

Unidade 1 Contexto e conceitos .......................................................1


Abordagem dos fundamentos epistemológicos,
históricos e metodológicos ...............................................................3
Fundamentos epistemológicos ..........................................................3
Método e metodologia .........................................................................6
Didática .......................................................................................................6
Histórico das práticas educacionais brasileiras ............................7
Comunicação e linguagem ............................................................... 11
Filosofia e educação ............................................................................ 16
As bases históricas da filosofia, da psicologia
e da pedagogia ................................................................................ 19
Aprender e ensinar na escola ........................................................... 26
Planejamento ......................................................................................... 26
Processo de ensino e aprendizagem ............................................. 31
Organização do tra ba Iho docente ................................................. 37
Objetivos, conteúdos, orientações didáticas
e avaliação em língua portuguesa para a educação ............ 39
Objetivos e conteúdos........................................................................ 39
Orientações didáticas .........................................................................41
Fala e leitura ..............................................................................................49
Fala .............................................................................................................49
Leitura por meio da interpretação de textos .............................. 50

Unidade 2 A oratória ........................................................................... 59


Como funciona a fala ............................................................................. 60
Exposição oral ........................................................................................ 64
. ~ 1·1ngu1st1
V ar1açao , .ca ............................................................................... 67
Pensando a variação linguística como
, . pe d agog
pratica , 1ca
. .......................................................................... 71
1nte 1•1genc1a , • ....................................................................... 77
• 11ngu1st1ca
~ •
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Fonologia ................................................................................................... 78
Visão estrutura lista ............................................................................... 80
V.1sao
- ge rat1v1
. .sta .................................................................................... 81
Fonologia do português brasileiro ................................................ 82

Unidade 3 A leitura e a escrita ........................................................ 95


Tipos de leitura ........................................................................................ 96
Material didát ico, ensino e aprendizagem ................................ 103
A leitura na escola ................................................................................. 104
Localização das inform ações .......................................................... 106
Seleção das informações ................................................................. 106
Uti lização das inform ações ............................................................. 108
Mediação editorial ............................................................................. 11O
Leitura co m fins d e res umo ............................................................ 111
A escrita ..................................................................................................... 116
A frase ..................................................................................................... 116
O parágrafo ........................................................................................... 123
Como melhorar o texto: técnicas de revisão ............................ 132
O ato de escreve r .................................................................................. 135

Unidade 4 Língua portuguesa na prática ................................ 145


Produção de textos .............................................................................. 14 7
Aproximações teóricas - Sigmu nd Freud .................................. 147
Ap roximações teóricas - Jean Piaget .......................................... 149
A prática textual.................................................................................. 153
Prod ução e circulação de texto escrito ....................................... 160
E o material d idático? ........................................................................ 163
An álise da s produções de textos ................................................... 166
Ava liação dos livros didáticos ........................................................ 169
Língua portuguesa - conceitos inerentes,
gên ero acadêmico e di scurso literário ..................................... 172
Conceitos inerentes à língu a port ug uesa .................................. 172
Gênero acadêmico ............................................................................. 174
Discurso literário ................................................................................. 177
Jogos e brincadeiras no ensino e na aprendizagem .............. 180

Referências ............................................................................................. 191


APRESENTAÇÃO

Nos catálogos de livros universitários há vários títulos cuja pri-


meira edição saiu há 40, 50 anos, ou 1nais. São livros que, graças à
identificação da edição na capa (e somente a ela), têm sua idade re-
velada. E, ao contrário do que muitos podem imaginar, isso não é um
problema. Pelo contrário, são obras conhecidas, adotadas em diversas
instituições de ensino, usadas por estudantes dos mais diferentes per-
fis e reverenciadas pelo que representam para o ensino.
Qual o segredo de sucesso desses livros ? O que eles têm de
diferente de vários outros que, embora tenha1n tido boa aceita-
ção em um primeiro momento, não fora1n tão longe? Em poucas
palavras, esses livros se adaptaram às novas realidades ao longo
do tempo, entendendo as mudanças pelas quais a sociedade - e,
consequentemente, as pessoas - passava e as novas necessidades
que se apresentavam.
Para que isso fique mais claro, vamos pensar no seguinte: a
maneira como as pessoas aprendiam matemática na década de
1990 é igual ao modo como elas aprendem hoje? Embora os ali-
cerces da disciplina permaneçam os mesmos, a resposta é não!
Nesse intervalo de tempo, ocorreram mudanças significativas - a
Internet se consolidou, os celulares se popularizaram, as redes so-
ciais surgiram etc. E todas essas mudanças repercutiram no modo
de vida das pessoas, que se tomou mais rápido e desafiador, trans-
formando os fundamentos do processo de ensino/aprendizagem.
Foi com base nisso que nasceu a Bibliografia Universitária
Pearson (BUP). Concisos sem serem rasos e simples sem serem
simplistas, os livros que compõem esta série são baseados na
premissa de que, para atender sob medida às necessidades tan-
to dos alunos de graduação como das instituições de ensino -
independentemente de eles estarem envolvidos com ensino presen-
cial ou a distância -, é preciso um processo amplo e flexível de
construção do saber, que leve em conta a realidade em que vivemos.
Assim, as obras apresentam de maneira clara os principais
conceitos dos temas propostos, trazendo exatamente aquilo que
o estudante precisa saber, complementado com aprofundamentos
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

e discussões para reflexão. Além disso, possuem uma estrutura didática que propõe uma
dinâmica única, a qual convida o leitor a levar para seu dia a dia os aspectos teóricos apre-
sentados. Veja como isso funciona na prática:
A seção "Panorama" aprofunda os tópicos abordados ao mostrar co1no eles funcionam
na prática, pro1novendo interessantes reflexões.

Leia a seguir a posição do filósofo Renato Janine, então ministro da educação (abril a setembro de
2015), a respeito da educação brasileira.

Renato Janine fala em aproximar a educação


ao mundo da cultura
"Acredito na educação como libertação. Saber não "A tendência para escassez de cultura política é
é uma transmissão de conteúdos, não é uma pa- achar que a origem de todos os males está sem-

Ao longo do livro, o leitor se depara co1n


Saibam~ Exemplo
vários hipertextos. Classificados como "Saiba
mais" ' "Exemplo" , "Fique atento" e "Link" '
Fique atento Link
esses hipertextos permitem ao aluno ir além em
suas pesquisas, oferecendo-lhe amplas possibi-
Introdução - - - - - - - - - - - ~ lidades de aprofundamento.
Es!.l unidade cumpre o papel de orientar, mediar e ajudar você, leitor,
a entender os conceitos fundantes da metodologia da língua portu-
guesa, exemplificando algumas das práticas que podem ser adotadas
A linguagem dialógica aproxima o es-
na sala de aula. tudante dos temas abordados, eliminando
A princípio, tomaremos nota sobre as definições de metodologia, mé-
todo e didática, com atenção às suas semelhanças e diferenças. A im- qualquer obstáculo para seu entendimento
portãncia desta última, entendida como ciência da educação, será
e incentivando o estudo.

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A diagramação contribui para que o estu-
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muito tempo.
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Boa leitura!
PREFÁCIO

Desenvolver um livro sobre 1netodologia do ensino da língua


portuguesa envolve u1na série de te1nas correlatos, uma vez que
são necessárias abordagens complementares para entender as ne-
cessidades dos docentes no ensino de nosso idioma. De acordo
com Rangel (2005), a palavra método envolve caminhos e formas
de atuação para atingir determinado propósito. Compreender os
métodos para facilitar o entendimento, por parte do aluno, das re-
gras da língua portuguesa é o objetivo desta obra.
A primeira unidade apresenta os conceitos e contextos de me-
todologia do ensino da língua portuguesa, contextualizando as
informações que serão abordadas nas unidades seguintes. Sendo
assim, estudaremos, aqui, os principais fundamentos epistemo-
lógicos, históricos e metodológicos do ensino, além de tópicos
relacionados à aprendizagem e ao ensino na escola, objetivos,
conteúdos, orientações didáticas e avaliações, principalmente
para a educação de crianças e, por fim, a fala e a leitura como
partes do processo de aprendizage1n.
A Unidade 2 aborda questões relacionadas ao funcionamento
da fala, à variação linguística e à fonologia na escola.
A Unidade 3, por seu turno, especifica assuntos sobre leitura
e escrita, aprofundando temas como tipos de leitura, aspectos da
leitura na escola, o processo de escrita e os detalhes sobre o ato
de escrever.
Por fim, a Unidade 4 apresenta a metodologia da língua por-
tuguesa na prática, detalhando te1nas co1no a produção de textos
espontâneos pelas crianças, a análise e as produções de textos, as
conexões do idioma com outras áreas do conhecimento e a utiliza-
ção de jogos e brincadeiras no ensino do português.
Bons estudos!
Patrícia Lima Nogueira
UNIDADE

Contexto e conceitos

- - - - - - - Objetivos de aprendizagem
• Estudar, em um contínuo histórico, os fundamentos, conceitos e teo-
rias que constituem alicerces para o entendimento da metodologia
e da didática.
• Assimilar o processo de ensino e aprendizagem na sala de aula.
• Aprender, a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais, quais os ob-
jetivos, os conteúdos, as orientações didáticas e a avaliação aplicados
ao ensino brasileiro.
• Verificar reflexiva e criticamente as teorias que pensam a fala e a es-
crita e suas respectivas abordagens na sala de aula.

- - - - - - - - - - - - - - - - Temas
• 1 -Abordagem dos fundamentos epistemológicos, históricos
e metodológicos
Neste tema, vamos conceituar a didática e a metodologia, apresen-
tando suas diferenças e semelhanças. Vamos conhecer um pouco
sobre a periodização na história das práticas educacionais brasileiras
e seus protagonistas, assim como das noções básicas de comunica-
ção e linguagem.
• 2 - Aprender e ensinar na escola
Os possíveis percursos quanto ao processo de ensino e à aprendiza-
gem são aqui desenvolvidos e oferecidos, não como um caminho
obrigatório, mas como possibilidades para o trabalho docente.
• 3 - Objetivos, conteúdos, orientações didáticas e avaliação
em língua portuguesa para a educação
Debruçamo-nos sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para
pensar os objetivos, os conteúdos, as orientações e as avaliações esta-
belecidos no âmbito federal para aplicação em toda a educação pública
brasileira, considerando o modo como esses aspectos podem iluminar
e contribuir para as práticas pedagógicas dentro da escola.
=3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

• 4 - Fala e leitura
Na verdade, muito mais do que a fala e a leitura, este tema en-
globa a tríade escrita, fala e leitura e como esses assuntos, espe-
cialmente a ora lidade e a escrita, são polêmicos nos processos
de ensino.

Introdução - - - - - - - - - - ----
Esta unidade cumpre o papel de orientar, mediar e ajudar você, leitor,
a entender os conceitos fundantes da metodologia da língua portu-
guesa, exemplificando algumas das práticas que podem ser adotadas
na sala de aula.
A princípio, tomaremos nota sobre as definições de metodologia, mé-
todo e didática, com atenção às suas semelhanças e diferenças. A im-
portância desta última, entendida como ciência da educação, será
ressaltada, especialmente, por sua influência nas ações docentes. Fa-
remos um percurso histórico e evolutivo pelas práticas educacionais
brasileiras e seus protagonistas, de modo a entender como cada épo-
ca evidencia perspectivas distintas para pensar a educação. Abordare-
mos algumas noções básicas de comunicação e linguagem e, além
de uma discussão detalhada sobre esses conceitos, você encontra
aqui uma revisão das principais teorias da comunicação e das funções
de linguagem. Para completar o primeiro tema, estudaremos a pers-
pectiva ocidental das histórias da filosofia, da pedagogia e da psicolo-
gia, enfatizando o processo de ensino e aprendizagem com base nos
pressupostos de algumas correntes teóricas.
Observaremos, no Tema 2, como a instituição escola se organizou e
estabeleceu relações entre o conhecimento, o professor e os alunos
nas diferentes abordagens pedagógicas. Outro elemento importante
das ações docentes é a organização do seu trabalho, por isso aborda-
remos o que é o planejamento, com explicações sobre o planejamen-
to educacional e escolar, os plano de ensino e o plano de aula.
Apresentaremos, ainda, um modelo de plano, uma espécie de roteiro
para quem nunca o fez. Também poderemos compreender como as
relações que se estabelecem entre professor, aluno e conhecimento
interferem nos processos educativos e como se constrói o saber para
esses atores.
Será feita uma pausa para a análise dos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (PCN) e como eles podem auxiliar o docente na execução de seu
Contexto e conceitos) e
trabalho, compartilhando seu esforço diário em fazer as crianças do-
minarem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como
cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel em
nossa sociedade. Os objetivos, conteúdos, orientações e avaliações
que esse documento apresenta são um referencial para a arte do pro-
fessor, respeitando a pluralidade cultural brasileira.
Finalmente, concluímos a unidade com um viés linguístico que marca
nosso estudo da escrita, da fala e da leitura. Para além dos respectivos
conceitos, tratamos sobre o modo como essas modalidades da língua
se entrecruzam e como a escrita, historicamente, foi considerada (e
continua sendo) superior à fala.

Abordagem dos fundamentos


epistemológicos, históricos e
metodológicos
A língua portuguesa é um universo dos mais profundos e po-
tentes; não por coincidência, deparamos co1n versos consagrados
,
como: "Minha pátria é minha língua", de Fernando Pessoa; "Ulti-
ma flor do Lácio, inculta e bela", de Olavo Bilac; " Gosto de sentir
a minha língua roçar a língua de Luís de Camões'', de Caetano
Veloso. Ao considerá-la um obJeto de ensino e aprendizagem, am-
pliamos ainda mais essa potência e, em um caminho duplo, faz-se
necessário aprender a aprendê-la para, então, aprender a ensiná-la.
Nesse sentido, o estudo dos fundamentos epistemológicos, his-
tóricos e metodológicos nos proporciona uma base sólida para a
construção desse processo ambivalente.

Fundamentos epistemológicos
De acordo com o dicionário on-line Priberam, epistemologia ( do
grego episteme - conhecimento científico, ciência; logos - raz.ão,
estudo) significa:
1. Reflexão geral em torno da natureza do conhecimento huma-
no, especialmente nas relações que se estabelecem entre o
sujeito indagativo e o objeto inerte, as duas polaridades tradi-
cionais do processo cognitivo; teoria do conhecimento.
=3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

2. Estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes


ramos do saber científico, ou das teorias e práticas em geral,
avaliadas em sua validade cognitiva, ou descritas em suas tra-
jetórias evolutivas, seus paradigmas estruturais ou suas rela-
ções com a sociedade e a história; teoria da ciência.
Com essas acepções em mente e pautados nas pesquisas de Pa-
lomanes e Bravin (2012), é possível dizer que o homem constrói
conhecimento quando atua sobre determinado objeto, assimilan-
do ou reconfigurando o novo com as experiências previamente
interiorizadas. Se observamos a história e evolução do homem,
desde o gesto de friccionar a madeira ou a pedra para obter fogo, a
invenção da roda e da imprensa, até a da Internet, produzir conhe-
cimento foi vital para a existência e sobrevivência humana.
Assim, as teorias de aprendizagem concebidas, sobretudo no
século XX, demonstram um traço identitário no fato de distingui-
rem o sujeito como ser ativo no processo de assimilação e cons-
trução de conhecimento. Veja a seguir, de forma muito resumida,
pois nosso intuito aqui é apresentar a epistemologia em voga nes-
se período, as principais teorias que abordam esse processo:
A teoria da epistemologia genética de Piaget centra-se na
est rut ura cognitiva do homem q ue, ao passar por processos
de assimilação e acomodação, sofre mudanças. Concebe-se
assimilação como o ent end imento do q ue é novo em ter-
mos de estruturas cogn itivas internalizadas, ao passo que a
acomodação é compreend ida como uma mudança impres-
sa na estrut ura cognitiva do sujeito para entender os concei-
t os novos.
• A teoria construtivist a de Bruner defende a ideia de q ue o
aprendizado é um processo ativo, q ue necessita partir de co-
nhecimentos prévios para entender o novo. Nesse proces-
so, o ser é ativo no sentido de selecionar o q ue é relevant e
e t ransformar o que se aprender a partir de suas próprias
experiências.
A teoria sociocultural de Vygotski defende q ue o homem, no
processo de aqu isição de conhecimento, precisa estar inseri-
do em um grupo social para daí retirar o q ue necessita apren-
der. Sob essa ótica, a aq ui sição de conhecimento no contexto
escolar só é possível a partir das interações entre professor e
aluno.
Contexto e conceitos) e
• A teo ria da aprendizagem de David Ausubel defende q ue o
principal no processo de ensino é q ue a aprendizagem seja
significativa, o que q uer d izer, grosso modo, que o mat erial
a ser aprend ido deve fazer alg um sentido para o aprendiz.
Quando novas informações são aprendidas sem interagirem
com conceitos relevantes existent es na estrut ura cogn it iva,
são logo apagadas da mente. Sem dúvida, para haver apren-
dizagem significativa, é preciso a combinação de dois fato-
res: o aluno tem de ter vontade de aprender e o material a
ser aprend ido tem de lhe ser potencialmente significativo.
• A teoria das inteligências múltiplas de Gardner defende que,
no tocante ao ensino, o professor deve buscar perceber as
inteligências q ue mais se destacam em seus alunos, explo-
rando-as para q ue possa chegar ao aprend izado do q ue se
ensina. Suas ideias ca usaram profundo impacto no pensa-
mento e prática de ensino, sobretudo nos Estados Unidos
(PALOMANES; BRAVIN, 2012, p. 15-19).

Essas distintas perspectivas ev idenciam que a aquisição indi-


v idual do conhecimento se origina a partir da experiência histórica
e coletiva da cultura em que o indivíduo está inserido e que lhe
serve de matriz para novas experiências. A aquisição de conheci-
mento ocorre de maneira ativa na medida em que o "sujeito vai
incorporando o objeto a ser conhecido aos esquemas (estruturas
mentais atrav és das quais o homem organiza intelectualmente o
ambiente onde vive) construídos a partir de sua experiência sen-
sório-motora" (PALOMANES; BRAVIN, 2012, p. 17).
O conhecimento não é estanque. As transformações do mun-
do, assim como as marcas subjetivas de cada pessoa, influenciam,
e muito, a forma de organizá-lo. O conhecimento que você tem
sobre você e seu entorno não é o mesmo que seu avô ou seus
antepassados tivera1n sobre si 1nes1nos e o entorno de cada um.
Como metáfora, podemos pensar em uma tela em branco na qual
todos os dias desenhamos alguns riscos, criando formas comple-
tas, apagando outras, pintando detalhes, assim é a construção do
conhecimento em nossas mentes.
Associados a essas teorias de aprendizagem, estudos sobre
efeitos do papel da educação no cidadão assinalam a qualificação
intelectual e o desenvolvimento emocional e afetivo como exigên-
cias do mundo moderno, e a escola como seu lugar de construção
e desenvolv ünento.
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Em resumo , o homem só adquire conhecimento a partir de


duas importantes competências : a cognitiva, que é processar, as-
similar e conhecer~e a linguística, ou seja, a habilidade de usar e
entender a linguagem para interagir com o objeto (PALOMANES ~
BRAVIN, 2012).

Método e metodologia
Você saberia dizer, a partir de seus conhecimentos prévios,
as diferenças e semelhanças entre didática e metodologia? Para
ajudá-lo a responder, é interessante pensar que a palavra método,
do latim methodus, constitui-se dos prefixos meta e hodos, cujo
significado diz respeito à via, ao caminho. Ou seja, são passos,
etapas, que devemos seguir para atingirmos determinados objeti-
vos. Os métodos se aplicam, portanto, a todas as áreas do conhe-
cimento para as quais a técnica, a precisão e o planejamento são
fundamentais.
De acordo com Ana Maria Liblik (2012, p. 27):
De maneira geral, o método científico compreende algumas eta-
pas, como a observação, a form ulação de uma hipótese, a experi-
mentação, a interpretação dos resu ltados e, por fim, a conclusão.
[...] Os dados obtidos devem ser mensuráveis e permitir uma aná-
lise chamada lógica, que esteja de acordo com outras teorias já
existentes. A lógica é um dos ramos da fi losofi a, um instrumento
do pensar "certo" pautado no já co nsagrado saber científi co. Para
isso, usamos a razão.

Do latim ratio, a palavra razão quer dizer medir, calcular, rela-


cionando-se, assim, com uma ordem, uma sequência. Já podemos
concluir que a metodologia estuda esses caminhos, ou etapas, para
atingir detenninados objetivos, analisando-os conforme sua utili-
zação, avaliando-os segundo sua eficácia para as ações propostas
e pensando também nas possíveis consequências (negativas ou
positivas) desse processo (LIBLIK, 2012).

Didática
Tendo em mente a ideia de que, quando dispomos de distintos
ca1ninhos (métodos) para chegar a algum lugar predeter1ninado,
pensamos para escolher os itinerários possíveis (metodologia). Nes-
se contexto, a didática cumpre uma função de oferecer referenciais
teóricos e visões de mundo que permitam a escolha consciente de
Contexto e conceitos) e
um método. Um professor, ao definir suas opções, poderá empre-
gar estratégias e técnicas diversificadas, tornando o método único .
Por isso, podemos dizer que uma pessoa é didática considerando
sua escolha p ara ensinar seus alunos com eficácia, embasamento,
criativ idade.
Liblik (2012, p. 30-31 ) relata que a palavra didática:
[...] vem da expressão grega techné didaktiké, que pode ser trad u-
zida como ciência ou arte de ensinar, sendo incorporada ao nos-
so vocabulário em 1844. Essa ciência, para permitir fazer escolhas
metodológicas, estu da muito mais do que métodos e técnicas de
ensino. Didática é uma reflexão sistemát ica e a busca de alterna-
tivas para os problemas da prática pedagógica. Tanto a reflexão
como a busca de alternativas estão ligadas aos diferentes momen-
tos educacionais, às diferentes abordagens pedagógicas.

Da citação de Liblik, podemos ressaltar que a didática é a ciência


ou a arte de ensinar, ou seja, a ciência da educação, que ora enfatiza o
método com intuito de orientar o aluno, de forma lógica e metódica,
ao longo da construção de um saber; ora prioriza o indivíduo, moti-
vando-o para que ele próprio desenvolv a uma vontade de aprender e
I

busque o conhecimento. E muito importante saber que a didática tam-


bém é uma questão de escolhas pessoais e institucionais, as escolas
e os professores pautam-se em diferentes visões, enca1ninhamentos
metodológicos e entendimento dos processos educacionais.
E aqui, finalmente, chegamos ao espaço por excelência da di-
dática: a escola, cuja premissa é, nas palavras de Liblik (2012),
transmitir e socializar saberes, os quais são adaptados ao mundo
escolar, em outras palavras, o saber científico e acadêmico do pro-
fessor é conformado ao saber escolar do aluno .

Histórico das práticas educacionais brasileiras


A história da educação não se firma sobre o certo e o errado.
As ideias pedagógicas são desenv olv idas em contextos histó-
rico-geográficos, trata-se de uma construção, de uma evolução
no tempo; em que a escola é entendida com base em diferentes
olhares. Dessa forma, vamos apresentar um percurso com alguns
dos principais teóricos que estudaram a periodização da educa-
ção brasileira.
A princípio, v ale ressaltar três aspectos que marcara1n a educa-
ção no Brasil desde seu descobrimento em 1500, a saber:
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

1. Modelos europeus de educação - a colonização portugue-


sa implantou processos educativos, aplicando-os à nossa
realidade.
2. Influência da Igreja Católica - junto dos navios coloniza-
dores estava o sacerdote, figura religiosa responsável pela
catequização dos povos do Novo Mundo.
3. Fundação da Companhia de Jesus (1540) - fato que mar-
cou a vinda dos jesuítas ao Brasil já com um intuito mais
«civilizatório", de ensino e aprendizagem.

Nos quadros a seguir, va1nos observar de forma esquemática


os teóricos que pensaram os períodos da educação brasileira.

Quadro 1.1 José Carlos Libâneo (1982) - tendências pedagógicas.

Tradicional A escola cumpre a função de preparar


os alunos para papéis socia is de acordo
Renovada progressista
Liberal com a capacidade deles.
Renovada não diretiva
Desenvolvimento da cu ltura do e no
Tecnicista aluno.
Libertadora Análise crítica da realidade social e
Progressista Libertária discussão dos objetivos sociopolítocos

Crítico-social dos conteúdos da educação.

Fonte: Liblik (2012, p. 39).

Libâneo é um pensador brasileiro muito atuante no que diz


respeito à formação do professor e à constituição de uma escola
pública 1nais estruturada e efetiva. Ele fragmenta as tendências
pedagógicas em duas correntes a liberal e a progressista, confor-
me pode ser observado no Quadro 1. 1. No entanto, suas reflexões
sobre didática, práticas de ensino e a própria perspectiva crítico-
-social dos conteúdos escolares demonstram sua propensão como
teórico progressista, de modo a articular
[...] a reflexão crítica sobre a natureza histórico-socia l dos conteú-
dos de ensino e a própria didática de transm issão desses conhe-
cimentos na perspectiva de uma metodologia que objetive, de
forma competente, a emancipação da escrita histórico-crítica dos
alunos no processo de ensino e aprendizagem no interior da es-
colarização (LIBÂNEO, 1998).
Contexto e conceitos) e
O mundo contemporâneo passa por transformaçães profundas
na economia, política, cultura e ciência. No âmbito econômico,
" conjugam-se os avanços científicos e tecnológicos na microe-
letrônica, bionergia, informática e meios de comunicação, com
a globalização da economia que é, na verdade, a mundialização
da economia" . Essa associação entre ciência e técnica acabou
por propiciar "mudanças drásticas nos processos de produção
e transformações nas condições de vida e de trabalho em todos
os setores da atividade humana". Tais mudanças mexem direta-
mente com a escola e, ao mesmo tempo, pedem sua maior par-
ticipação, por isso o estudioso propõe quatro objetivos, a saber:
educação dos alunos para o processo produtivo e para a v ida
e1n uma "sociedade tecno-científica-informacional"; criação dos
meios de desenvolv imento de capacidades cognitivas e opera-
tivas, ou seja, ajudar o aluno nas competências do pensar, au-
tônomo, crítico e criativo; formação para a cidadania crítico e
A

participativa; formação ética (LIBANEO, 1998).

Quadro 1.2 Maria da Graça Nicoletti Mizukami (1986) - abordagens pedagógicas.

Tradicional Método pedagógico-jesuítico (Ratio Studiorum)


Comportamentalista (ou tecnicista) Privilegia a dimensão técnica.
Humanista Valoriza a relação interpessoal, em que
a dimensão humana é o núcleo do
processo de ensino e aprendizagem.
Renovada Cognitivista (ou construtivista) Explica o fenómeno educativo como
resultado de uma "construção" de
saberes (Piaget).
Sociocultural Valoriza a cu ltura popular, incialmente
voltada para a educação de adultos.
Fonte: Liblik (2012, p. 39).

Jvúzukami pensa a educação e1n dois grandes grupos: tradicio-


nal e renovado. Neste último seg1nento, percebemos ainda quatro
desdobramentos cujas características são explicadas no Quadro
1.2: comportamentalista, humanista, cognitivista e sociocultural.
A estudiosa tem experiência na educação, com ênfase em formação
de professores, atuando principalmente nos seguintes temas: base de
conhecimento para o ensino, desenvolvimento e aprendiz.agem pro-
fissional da docência, práticas pedagógicas, e casos de ensino.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Quadro 1.3 Dermeval Saviani (2008) - marcos históricos da educação brasileira.

1549 Chegada ao Brasil dos primeiros jesuítas chefiados pelo padre Manoel da Nóbrega.
1759 Expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal.
1932 Divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.
1947 Elaboração do anteprojeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN).
1961 Promulgação da primeira LDBEN.
Entrada em vigor da Lei n. 5.540 (reforma universitária), regu lamentada pelo Decreto n. 464,
1969 de 11 de fevereiro de 1969, e aprovação do Parecer n. 252/1969, que introduziu as hablitações
técnicas no curso de pedagogia.
1980 Realização da primeira Conferência Brasileira da Educação (CBE).
1991 Realização da sexta (e última) CBE.
1996 Realização do I Congresso Nacional de Educação (Coned) e promulgação da segunda LDBEN.
Fonte: Saviani (2008, p. 16).

Quadro 1.4 Dermerval Saviani - períodos da escolarização brasileira.

Monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional, subdividido em duas fases:


Primeiro período
(1549-1759)
• Pedagogia brasílica ou "período heroico'' (1549-1599).
• Institucionalização da pedagogia jesuítica ou o Ratio Studiorum (1599-1759).
Coexistência das vertentes religiosa e leiga da pedagogia tradicional, subdividida nas
seguintes fases:
Segundo período • Pedagogia pombalina ou as ideias pedagógicas do despotismo esclarecido
(1759- 1932) (1759-1827).
• Desenvolvimento da pedagogia leiga (ecletismo, liberalismo e positivismo
(1827-1932).
Predominância da pedagogia nova, subdividida nas seguintes fases:
Terceiro período • Equilíbrio entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova (1932-1947).
(1932-1969) • Predomínio da influência da pedagogia nova (1947-1961).
• Crise da pedagogia nova e articulação da pedagogia tecnicista (1961-1969).
Configuração da concepção pedagógica produtivista, subdividida nas seguintes fases:
• Predomínio da pedagogia tecnicista, manifestações da concepção analítica de
filosofia de educação e, simultaneamente, desenvolvimento da visão
crítico-reprodutivista (1969-1980).
Quarto período
(1969-2001)
• Ensaios contra-hegemônicos (pedagogias da "educação popular''. pedagogias
da prática, pedagogia crítico-social dos conteúdos e pedagogia histórico-crítica
(1980-1991 ).
• O neoprodutivismo e suas variantes (neoescolanovismo, neoconstrutivismo e
neotecnicismo (1991-2001 ).

Fonte:Saviani (2008, p. 19-20).


Contexto e conceitos) E
Idealizador da pedagogia histórico-crítica, Dermeval Sav iani
corrobora a noção de que a escola cumpre o papel de facilitar
" o acesso aos conhecimentos previamente produzidos e siste-
matizados". No entanto, se considerarmos o caráter mecânico
dessa transmissão, ou seja, sua prática desligada das razões que
a justificam e sem que os professores disponham de critérios
para discernir entre os conhecimentos que precisam ser trans-
mitidos e os que não precisam, deparamos com um problema:
a sobrecarga dos " currículos com conteúdos irrelevantes ou
cuja relevância não é alcançada pelos professores, impedindo-
-os de motivar os alunos a se empenhar em sua aprendizagem"
(PARANÁ, 2015).
Essa situação torna as matérias curriculares desinteressantes
para os alunos, que passam a considerar o ensino algo enfadonho,
uma obrigação que eles buscam cumprir sem muito significado
efetivo em sua vida como cidadãos. Sav iani
[...] defende q ue na medida em q ue os professores conseguem li-
dar crit icamente com os conhecimentos disponíveis, distinguindo
entre o que é pedagogicamente relevante e o q ue não o é, que
eles ganham condições de prod uzir seus próprios conhecimentos
e, assim, seu ensino deixa de ser mera transmissão incorporando
também uma contribuição original (PARANÁ, 2015).

Como vimos, são vários os olhares teóricos sobre a educação


brasileira e também vários os problemas enfrentados; no caso da
didática, elucidar os problemas, estudá-los reflexiva e criticamen-
te, propondo soluções contribui para envolver toda a sociedade
na educação. Em consequência, esse movimento mútuo, junto de
diferentes pontos de v ista e estudos teóricos, deve provocar no
professor, u1n dos principais atores no ato educativo, uma reflexão
constante sobre o que faz, como faz e o porquê faz.

Comunicação e linguagem
A existência de um indiv íduo no mundo e sua educação des-
de o nascimento são muito marcadas pela comunicação e lingua-
gem. Um recém-nascido quando chora, por exemplo, pode estar
dizendo que sente f orne; aprendemos as primeiras palavras nos
comunicando com nossa família, fato que segue na escola, na uni-
v ersidade, na vida. Fazemos uma entrevista para um emprego nos
expressando por meio da linguagem v erbal.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Essa característica humana, além de inata, ou seJa, além de se


fazer presente desde o nascimento, é também, e especialmente,
construída na escola por meio da sistematização da língua e da
fala, como veremos na Unidade 2. Aproveitando esse gancho so-
bre a prática docente, v amos estudar o modelo comunicativ o de
Roman Jakobson e as funções da linguagem.

Links
A biografia intelectual de Roman Jakobson espelha, de certo modo, o próprio
caminho da linguística contemporânea rumo à arte e à antropologia. Acesse
o lin k para ler sua obra denominada Linguística e comunicação. O prefácio,
especialmente, traz muitas informações para você saber mais sobre as ideias
desse pensador multifacetado: <www.fc.ul.pt/sites/default/files/R.%20Jacko-
bsonFilipePamplona.pdf>.
Sobre Claude Shannon e seu artigo "Uma teoria matemática da comunica-
ção''. acesse: <www.numaboa.com.br/criptografia/historia/553-shannon#>.

Jakobson e seu modelo comunicativo


Inspirado na teoria de Claude Shannon, "Uma teoria matemá-
tica da comunicação", cujo foco é pensar formas de evitar inter-
ferências que prejudicavam a perfeita transmissão da mensagem
entre um aparelho e outro (no caso, telégrafo e aparelhos de te-
lefonia), Jakobson (2008 apud GUIMARÃES, 2012, p. 5-6) de-
senvolveu seu modelo comunicativo humano, constituído por seis
ele1nentos:
1. Mensagem - o conjunto de informações que se quer
transmitir.
2. Emissor ou remetente - aquele de quem parte a mensagem.
3. Receptor ou destinatário - aquele a quem se destina a
mensagem.
4. Código - Uin sistema de signos que e1nissor e receptor pre-
cisam compartilhar, total ou parcialmente, para que haja a
comunicação.
5. Canal ou contato - o meio físico pelo qual emissor e recep-
tor se comunicam.
6. Referente ou contexto - o assunto da mensagem, aquilo a
que ela se refere.
Contexto e conceitos) E
Para aclarar esses seis elementos, observe a Figura 1.1.

Figura 1.1 Ilustração do modelo comunicativo de Roman Jakobson.

Referente

Mensagem

----- Cana1 -----


Emissor Receptor

Código

Fonte: adaptada de Jakobson (2008 apud GUIMARÃES, 2012, p. 5).

Com esse esquema em mente, por exemplo, se você envia um


e-mail para seu professor expondo uma dúvida sobre determina-
do tema de estudo, a mensagem será o conteúdo do e-mail, ou
mais precisamente as palav ras digitadas; você, o emissor; e seu
professor, o receptor; o código será a língua portuguesa; o canal
será o computador; e o referente será sua dúvida, uma vez que é
o motivo pelo qual você escreveu esse e-mail.

Funções da linguagem
As seis funções da linguagem definidas por Jakobson são um
desenvolvimento do modelo comunicativo que estudamos, cada
uma delas corresponde a um dos elementos.

• Função referencial ou denotativa - predominante na maioria


das mensagens, essa função é comum, por exemplo, em uma
notícia de jornal, uma legislação, um comunicado de uma em-
presa ou um artigo para a universidade. Como o próprio nome
diz, a intenção aqui é informar, expressar referências sobre o
mundo pautado na objetividade e, não raro, no emprego da ter-
ceira pessoa do discurso (ele, ela, seu).
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

• Função emotiva ou expressiva - em um sentido contrário


ao da função referencial, aqui o intuito é a expressão do
mundo interior, da subjetividade, por isso o uso da prüneira
pessoa (eu, 1neu, comigo) é um recurso bastante co1num.
Não é difícil pensar que poemas e canções são exemplos
em que prevalecem essa função, cuja ênfase está no próprio
emissor.
• Função conativa ou apelativa - um exemplo claro dessa
função são as campanhas publicitárias, em que o intuito é
apelar aos sentimentos ou à razão do destinatário (receptor) ,
impelindo-o a detenninada atitude. A ordem de um pai para
seu filho também configura outro exemplo, do qual podemos
ressaltar que o emprego dos verbos no imperativo marca
essa função .
• Função fática - caracteriza-se pelo estabelecimento ou
pela manutenção do canal de comunicação. Quando cum-
primentamos algué1n para iniciar uma conversa ou quando
falamos ao telefone " Você está silencioso, continua me
ouvindo ?" .
• Função metalinguagem - sempre e quando uma forma de
expressão é utilizada para falar de si mesma, por exemplo,
um filme que fala sobre cinema está usando a metalingua-
gem, o mesmo faz a professora de português que usa a língua
portuguesa para explicar o que é linguagem. Essa função en-
fatiza o código.
• Função poética - ao escrever uma poesia o poeta pensa, se-
leciona e combina as palavras com todo o cuidado; primeiro,
porque ele tem uma inquietude particular; segundo, porque
ele é um artista das palavras, ou seja, a maneira de dizer é
tão importante quanto aquilo que diz. Essa atitude diante da
língua marca a função poética, que recai especialmente sobre
a mensagem.
Para que o modelo comunicativo e as seis funções da lingua-
gem de Jakobson fiquem claros, veja o esquema ilustrativo e ex-
plicativo na Figura 1.2.
Figura 1.2 As funções da linguagem segundo Roman Jakobson.

Função referencial ou denotativa (ênfase no referente)


Intenção do emissor: informar sobre o mundo ao redor, da maneira mais objetiva possível.
Características:
• emprego predominante da 3ª pessoa do discurso (ele, ela, seu);
• pouco uso de palavras com carga subjetiva forte.

Função poética (ênfase na mensagem)


Intenção do emissor: selecionar as palavras e organizá-las no enunciado de maneira original. 1----'

[ Características:
• sonoridade - a mensagem tem um ritmo particular e, às vezes, rimas;
• emprego da conotação, com metáforas e outras figuras de linguagem.
Função emotiva Função conativa
ou expressiva Função fática (ênfase no canal) ou apelativa (ênfase
(ênfase no emissor) Intenção do emissor: estabelecer ou manter aberto o canal de comunicação. no receptor)
Intenção do emissor: dar Características: Intenção do emissor: levar o
vazão a seu mundo • as mensagens têm pouco ou nenhum conteúdo informativo; receptor a tomar
interior, a seus • o emissor busca travar contato com o receptor ou verificar se há ruídos. determinada atitude.
sentimentos, desejos Características:
e sonhos. • uso do imperativo: faça
Função metalinguística (ênfase no código)
Características: coma, compre;
Intenção do emissor: questionar ou comentar o próprio cód igo.
• emprego da 1ª- pessoa Características: • uso do vocativo ("coma,
do discurso (eu, meu, meu filho") e de pronomes
comigo); • itens do cód igo são usados para falar sobre o próprio cód igo; que se dirigem
• uso de aspas ou outro destaque nos itens mencionados (você sabe escrever "exceção"?).
• uso de interjeições (ai, diretamente ao receptor
puxa, tomara); ("você deveria fazer isso").
• uso de sinais de
pontuação que
n
o
conferem subjetividade :::,
,.....
ao texto, como o ponto rt>
A
de exclamação e as o
rt>
reticências ( que alegria!; n
o:::,
oh, céus...). n
rt>
;=,·
Fonte: Guimarães (2012, p. 13). o
V\

fl
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Filosofia e educação
Assimilados esses primeiros conceitos relacionados à metodo-
logia, à didática e à linguagem, vamos estudar de forma sintética
o pensamento de três importantes filósofos: Platão, Aristóteles e
Tomás de Aquino. Todos se debruçaram sobre o papel da educa-
ção para o desenvolvimento e a formação humana e suas ideias são
vistas, ainda hoje, no campo das práticas de ensino e aprendizagem.

Platão
Platão foi um filósofo grego que viveu entre os anos 427 e
347 a.C. Estudou inúmeros te1nas, entre eles política, ética psi-
cologia, metafísica, filosofia da linguagem e filosofia da educa-
ção (NOGUEIRA JR, 2013).
A decadência da vida pública em Atenas, por causa de corrup-
ção, injustiças nos tribunais e má gestão política, levou o filósofo
a pensar que a formação adequada e com vistas ao desenvolvi-
mento das virtudes, especialmente de crianças e jovens, poderia
salvar a cidade dessa conjuntura. Desse modo , é emblemático e
metafórico o mito da caverna que evidencia a existência de duas
realidades, a saber: a realidade sensível e aparente, marcada pelo
corpo; e a realidade essencial, ou seja, a alma, o lugar das ideias.
Uma alegoria nos mostrará agora a situação dos homens em face
da verdadeira luz. Suponhamo-los cativos, acorrentados em um lo-
ca l subterrâneo, com o rosto voltado para a parede oposta à entra-
da e impossibilitados de ver algo além dessa parede. Iluminam-na
os reflexos de um fogo que arde fora, sobre uma elevação, em cuja
metade passa um caminho bordejado por um pequeno muro. Atrás
desse muro, desfilam pessoas carregando sobre os ombros obje-
tos heteróclitos, estatuetas de homens, animais etc. Desses objetos,
os cativos enxergam somente a sombra projetada pelo fogo sobre
o fundo da caverna; do mesmo modo, ouvem apenas os ecos das
palavras que os portadores trocam entre si. Habituados desde a in-
fância a contemplar essas imagens vãs, a escutar esses sons confu-
sos cuja origem ignoram, vivem em um mundo de fantasmas que
tomam por realidades. Se um deles, liberto de suas cadeias, for ar-
rastado para a luz, sentir-se-á de início ofuscado e nada disti nguirá
do que o circunda. Por instinto, dirigirá o olhar para as sombras que
não lhe feriam os olhos e, dura nte algum tempo, crê-las-á mais rea is
do que os objetos do novo mundo para onde o transportaram. Mas,
Contexto e conceitos) E
quando seus olhos se acostumarem à ambiência luminosa, poderá
perceber esses objetos refletidos nas águas e, depois, fitá-los direta-
mente. À noite, contemplará a lua e as conste lações e, enfi m, tornar-
-se-á capaz de aguentar o fulgor do sol. Então, compreenderá que
sua vida anterior não passava de um sonho sombrio e lastimará os
antigos companheiros de cativeiro (PLATÃO, 1965, p. 35).

A educação, pensada sob a perspectiv a desse mito, dev e atuar


libertando os prisioneiros, os seres humanos , dessas amarras ilusó-
rias, trazê-los criticamente à realidade. Nesse caso, também v ale
dizer que os professores são agentes dessa libertação. E , para além
desse aspecto individual, alcança o âmbito da sociedade, da cida-
dania e da justiça.
Somente pela educação é possív el garantir o desenvolvimen-
to de cidadãos mais justos. Vejamos o p orquê . Uma das lições
fundamentos da filos ofia da educação platônica é simples: de-
v emos depositar confiança na educação porque ela configura
um instrumento para correção dos enganos e dos v ícios e para a
construção de v irtudes, propiciando, em consequência, atitudes
sábias. E isso dev e começar desde bem cedo, as crianças devem
ser instruídas a contribuir com o bem-comum da cidade-Estado
na vida adulta.
O que pode a educação? De acordo com Renato Nogueira Jr.
(2013, p. 33)
[...] Em uma sociedade em que as pessoas buscam, exclusivamen-
te, fama, dinheiro, sexo, comida e bebida, o egoísmo e a ausên-
cia de virtudes tendem a crescer. O remédio para essa situação é
proposto da filosofia de Platão através da educação. Com efeito, a
leitura da obra platônica nos oferece um entendimento: educar é
um exercício capaz de preparar as pessoas para suas funções e re-
parar a injustiça, instaurando e solidificando uma sociedade justa.

Finalmente, p odemos concluir, que no pensa1nento de Platão ,


o educador tem a m issão de libertar as almas, tomando a razão, em
equilíbrio perfeito com os sentidos e pautada na v erdade, capaz de
conduzir à justiça pública e priv ada.

Aristóteles
Aristóteles (3 84-322 a.C .), discípulo de Platão, viv eu na Grécia
antiga e seguiu, a princípio, uma filosofia marcada pela pesquisa
experimental, cuja metodologia se caracteriza pela a observação
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

dos fatos, busca de evidências empíricas e repetição de expe-


riências, tudo isso pensado como condição de conhecimento das
coisas. Além desse foco na experiência, e já no âmbito do indiví-
duo, seus escritos mostra1n interesse pela educação, a qual poderia
contribuir para a solidificação de governantes virtuosos.
Nesse sentido, a política e a ética são fundamenta is na filoso-
fia aristotélica para a educação. Na obra Política, por exemplo, o
ser humano é tido como animal político, que se organiza de ma-
neira natural em sociedade e, nesse complexo, o homem não se
encontra sozinho, ele é amparado pelo Estado, responsável por
possiblitar uma "vida saudável e feliz para todos". A educação
surge, então, para promover a v irtude, essa disposição do espíri-
to que induz ao bem, tão perseguida pelos socráticos e que deve
ser cultivada desde a infância (NOGUEIRA JR., 2013).
Para o filósofo, educar significa transformar um homem em
cidadão, portanto, essa tarefa cabe exclusivamente ao Estado, no
entanto essa relação é mútua e tem duas esferas: uma pública; e
outra privada. A primeira é de responsabilidade do Estado; e a
segunda da fa1nília, que precisa estar atenta ao que acontece na
sociedade e às suas próprias necessidades, para, então, conduzir e
orientar a educação em casa.
'
Em Etica à Nicômaco, como o próprio título ressalta, podemos
entender a ética aristotélica, em que coexistem duas espécies de ex-
celência: a intelectual, que se origina a partir do hábito , e a moral,
em estreita relação com o nascimento e a instrução, ou melhor, a
educação, que mais uma vez é determinante para a vida pública
e privada, pois tem consequência no âmbito pessoal e coletivo. A
construção da cidade e o desenv olvimento da sociedade são pro-
cessos intrísecos à formação do cidadão, desde seu nascimento. Por
essa raz.ão, não devem ser procedidos somente de formas individuais,
mas com a presença da família e do Estado. Indo mais além, no que
concerne à política como ciência de governar, "o filósofo afirma
que apenas a cultura pode assegurar a manutenção de um regime
político, a imposição da força, a restrição pelas leis e o constrangi-
1nento pelos costumes não são eficazes. O que surte efeito é a ab-
sorção dos valores pela educação" (NOGUEIRA JR., 2013, p . 48).

Tomás de Aquino
Tomás de Aquino (1224-1274) nasceu em Nápoles, Itália, e teve
forte influência no surgimento da escolástica ou filosofia da escola.
Contexto e conceitos) E
Suas ideias devem ser entendidas no contexto da filosofia cristã da
Europa Medieval, cuja premissa é atingir a verdade religiosa pelo
uso da razão. Uma dualidade entre fé e razão , claro que a primeira
sempre em detrimento da segunda (NOGUEIRA JR., 2013).
Influenciada por Aristóteles, a educação aquiniana segue um
raciocínio que tem início na experiência, em que o conhecimento
é estabelecido da seguinte maneira:
[...] corpo e alma não estão cindidos, o intelecto é a essência da
alma, mas, sem os sentidos que pertencem ao corpo, não poderia
ter experiência sensível. Assim, as sensações são os dados forne-
cidos pelos sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato) que,
retidos pela memória (faculdade sensitiva), criam as condições
para que o ser humano seja capaz de gozar a experiência, isto é,
a capac idade de verificar que determinados encadeamentos de
eventos repetem os efeitos, permitindo a prudência (faculdade
intelectual). Depois dessas faculdades sensíveis, o próximo está-
gio do conhecimento é a técnica, que se refere à capac idade de
defi nir as ca usas, isto é, o porq uê de alguma coisa ser o que é ou
estar em determinado estado. Por fim, temos a etapa mais alta do
conhecimento, a teoria. Nesse caso, estamos diante de leis gerais,
dos princípios que estabelecem algo. O que está em jogo é a acei-
tação da matéria diante de um cenário dualista, que considera o
corpo e o lugar do erro (NOGUEIRA JR., 2013, p. 56-57).

O professor é claramente citado como o intermediário por ex-


celência para instruir o aluno. Em seu ato de criação, Deus dotou
todos com uma capacidade inata de conhecer, e o professor é jus-
tamente aquele que desperta o aluno para sua potência natural.

As bases históricas da filosofia, da psicologia e


da pedagogia
Neste tema, vamos tratar de articular resumidamente a histó-
ria e as ideias expressas pela filosofia, psicologia e pedagogia.
Importante ressaltar que o pano de fundo para o estudo dessas
ciências é a educação e como esta marca a formação do homem
como um ser no mundo, complexo e reflexivo. Para começar, no
Quadro 1.5 observamos, de forma mais esquemática, os perío-
dos da história do Ocidente e como essas três áreas podem ser
compreendidas na conjuntura que marca a evolução da cultura
ocidental.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Quadro 1.5 Períodos da história do Ocidente.

Idade Idade
Idade Média Idade Moderna
Pré-história Antiga eomtemporânea Século
476-1453 1453-1789
4000-3500 a.e 3500 a.e.- 1789-? XXI
Séculos V-XV Séculos XVI-XVIII
-476 d.e. Séculos XVIII -XX

Idade Paleolítico Antiguidade Alta idade Média Séculos XVI Século XIX
da Mesolítico Oriental
Pedra Neolítico Antiguidade Ba ixa Idade
Idade Idade do Clássica Idade Média Século XVII
dos Cobre Média Plena
Metais Idade do Antiguidade Idade Século XVIII Século XX
Bronze Tardia Média
Idade do Tardia
Ferro
Fonte: Nogueira e Leal (2013, p. 20).

Filosofia
Podemos considerar a filosofia a ciência-mãe, pois é a mais
antiga das três áreas com as quais propomos a nos envolver aqui.
O termo tem origem no grego filos, que significa amor, e so.fia,
sabedoria. E' a ciência do saber. Historicamente, podemos orga-
nizá-la nos seguintes períodos: Idade Média (século IV a. C. ao
V d.C.), Idade Média (século V ao XV), Idade Moderna (século
XVI ao XVIII) e Idade Contemporânea (século XVIII ao XIX),
até à atualidade. Vejamos o que marca de modo geral cada um
desses momentos (NOGUEIRA; LEAL, 20 13).
• Antiguidade ( ou período Arcaico) - período marcado pelo
pensamento mítico, que constituiu uma das primeiras tentati-
v as humana de explicar o mundo. Ou seja, a interpretação da
realidade se dava por meio das lendas e mitos narrados oral-
mente, sem cuidados críticos ou racionais, buscando explicar
fatos e fenômenos naturais e culturais. Esse conhecimento
era ensinado às crianças e transmitido entre gerações pela
palavra falada. Tempos mais tarde, desenvolveu-se, na con-
tramão dos mitos, uma tomada de consciência por parte do
homem, que, por meio da escrita, passou a expressar pensa-
mentos teorizantes e mais racionais, sem deixar, no entanto,
de considerar a sabedoria oral. Tal fato distingue os períodos:
Contexto e conceitos) E
• Clá ssico - destaca-se a figura dos sofistas, filósofos
que usavam de argumentos capciosos para mostrar o
mecanis1no das falácias retóricas e cujo modo argu-
1nentativo, com o passar do tempo, popularizou expres-
sões pejorativas como "sofisma".
• Helenístico - Sócrates, Platão e Aristóteles são pen-
sadores desse momento, responsáveis pelo desenv olv i-
mento da ciência filosófica.

• Idade Média - a Igreja Católica exerceu forte e predominate


influência ao longo de todo esse período; em consequência,
o surgimento das instituições escolares nesses séculos, a fi-
losofia e o ensino foram marcados pelo monopólio cristão e
católico, sendo totalmente influenciadas pela Igreja Católica.
Nomes como Santo Agotinho e São Tomás de Aquino são
ünportantes para a compreensão do medievo.
• Idade Moderna - v ários pensadores são conhecidos desse
período, a saber : Francis Bacon; René Descartes; e Jean-
-Jacques Rousseau. Cada um marcou o período, e também
a posteridade, com suas inquietudes e estudos. Bacon, pelo
método da observação, comparação, repetição e análise de
experiências; Descartes, por meio da "libertação" da pesqui-
sa científica; e Rousseau, levando mais a fundo as ideias de
liberdade e criticando os excessos racionalistas.
• Idade Contemporânea - um mov imento ambivalente carac-
teriza esse período, que nos é muito familiar. Por um lado, as
condições reais de vida e trabalho dos indivíduos; por outro,
as diferenças entre os dizeres de um texto escrito, do enten-
dimento por parte do leitor e da interpretação dos estudos
de forma totalmente libertária. Hegel, Marx e Engels são
pensadores de peso, assim como a delimitação de correntes
filosóficas como o Existencialismo, o Estruturalismo, a Feno-
menologia e a Escola de Frankfurt.

Senso comum e consciência filosófica - a filosofia na educação


Como seres hu1nanos, so1nos naturalmente capazes de com-
preender as coisas e de fazer representações do mundo, mesmo
que de formas infinitas e distintas entre os indivíduos, ou seja,
cada um de nós temos parâmetros, opiniões que nos são próprios.
De acordo com Makeliny Nogueira e Daniela Leal (2013, p. 30):
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

[...] nossos pensamentos e nossas atitudes caracterizam-se por


crenças diversas, que variam com as nossas próprias experiências
de vida. No entanto, esses pensamentos e essas atitudes podem
ser incoerentes, contraditórios, irrefletidos e ingênuos. A ciência
chama isso de senso comum.

Contudo, a :filosofia, ou melhor, a ciência do saber, desenvolve


o espírito problematizador, interrogando e refletindo os grandes
problemas do conhecimento universal e as grandes questões hu-
manas. Desse modo, constitui-se a consciência :filosófica.
Em meio a esses dois conceitos ( o senso comum e a :filo-
sofia), a educação configura uma ponte, justamente por ser ca-
paz de promover a passagem do senso comum, assistemático, à
consciência :filosófica, sistemática. E, ainda mais além, devemos
nos indagar, reflexiv a e criticamente, sobre o homem que se quer
formar, seus valores já :firmados e os que estão para ser constru-
ídos. A :filosofia, pensada no seio da educação, cumpre a missão
de examinar qual concepção de homem as escolas e as ações
educativas, em todos os âmbitos, inclusive, no espaço privado e
familiar, é adequada para que o ensino não seja feito com base
e1n noções abstratas da criança e do adulto.

Psicologia

Nas palavras de Nogueira e Leal (2013 , p. 48):


O termo psicologia ve m do grego psykhologuía, composto psykhé
(psique, alma, mente) e lógos (palavra, razão, estudo), sendo esta a
ciência que estuda o comportamento e os processos mentais ou,
em outras palavras, a ciência que se dedica a estu dar tudo o que
a pessoa faz, assim como as experiências subjetivas inferidas por
meio do comportamento.

Já por essa definição, é possível imaginar como a psicologia


pode contribuir no trabalho de educadores, psicopedagogos e de-
mais profissionais que têm env olvimento com metodologias edu-
cacionais; justamente por isso, vamos nos dedicar à psicologia
da educação, que nasce no contexto dos processos de ensino e
aprendizagem.
Nesse passo, dois estudiosos são fundamentais: Jean Piaget e
Henri Wallon. O primeiro trouxe a ideia do "sujeito epistêmico",
cujas características possibilitam a construção de conhecimento, des-
de o aprendizado das primeiras letras na infância até a estruturação
Contexto e conceitos) E
de pensamentos elaborados teórica e criticamente. Essas caracterís-
ticas poderiam ser sintetizadas na capacidade humana de observar,
explicar, provar, concluir, ou seja, construir conhecimento (NO-
GUEIRA; LEAL, 2013).
Wallon, por sua vez, compreendeu o psiquismo humano por
meio do aspecto biológico e social. A formação da inteligência é
genética e social, o corpo humano supõe a intervenção da cultura
para se atualizar. Considerando que o sujeito se constrói também
em suas interações com o meio, o estudioso ressalta o desenvolvi-
mento psicológico da criança, que é influenciado pelos aspectos de
seu contexto social, familiar e cultural (NOGUEIRA; LEAL, 2013).
Ambos os teóricos oferecem subsídios para o trabalho e as pes-
quisas na área da educação. No box "Links", você pode acessar
mais sobre os respectivos estudos e aprofundar o conhecimento
,
nessa area.

Links
Mesmo sem ser pedagogo, o cientista suíço Jean Piaget (1896-1980) foi um
dos pensadores mais influentes da educação. Sua atua lidade e repercussão
na sala de au la devem-se, principalmente, ao incessante trabalho em com-
preender como se desenvolve a inteligência humana. Acesse os links a se-
guir para descobrir e entender o pensamento de Piaget: <revistaescola.abril.
com.br/formacao/jea n-piaget-428139.shtml> e <revistaescola.abril.com.br/
formacao/formacao-continuada/sujeito-epistemico-piaget-611940.shtml>.
Falar que a escola deve proporcionar formação integral (intelectual, afetiva e
social) às crianças é comum hoje em dia. No início do século passado, porém,
essa ideia foi uma verdadeira revolução no ensino. Uma revolução coman-
dada por um médico, psicólogo e filósofo francês chamado Henri Wallon
(1879-1962). Veja ma is em: <revistaescola.abril.com.br/formacao/educador-
-integral-423298.shtml> e <educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/
henri-wallon-307886.shtml>.

Pedagogia
Composta pelos prefixos gregos paidós (criança), agein ( condu-
zir) e lógos (raz.ão ), a pedagogia se refere ao ensino das crianças. Já
na Grécia antiga (demarcada historicamente entre 1100 e 146 a. C. ),
encontram-se traços do que viria a ser a pedagogia, principalmente
nas teorizações filosóficas. "Nesse período, a figura do pedagogo já
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

era a de um acompanhante da criança e estimulava as experiências


dela" (NOGUElRA; LEAL, 2013, p. 35). A presença ativa e ilumi-
nadora desse educador, ao longo do processo de formação infantil,
o transformava em protagonista da educação.
Conjuntura propícia para a famígera frase: "Conhece-te a ti
mesmo". Você saberia dizer quem é o autor? Sócrates. O filósofo,
que ensinava aos jovens em praça pública, provocando-os para que
fossem capazes de pensarem por si mesmos, possibilitou um novo
rumo para entender o ser humano de um ponto de vista mais intros-
pectivo. O voltar-se reflexivamente para si mesmo era essencial
para a formação da alma individual.
O autoconhecimento, a partir do qual o homem podia, então,
revisar seus pontos fracos, define a ética socrática, que torna o
conhecido passível de revisão. Por seus estudos e sua constan-
te atuação com os jovens, podemos pensar em Sócrates também
como um pedagogo da consciência individual.
Voltando um pouco a Platão, filósofo que Já estudamos aqui,
cabe a ele a fundação , no ano de 387 a. C., em Atenas, de uma
das primerias instituições de ensino ocidentais, a Academia. No
contexto dessa instituição, destacamos també1n uma formação in-
dividual, de cunho socrático, e política, marcada pelo papel social
dos indivíduos. Finalmente, a educação na ideia platônica é o ca-
minho por excelência para a formação do espírito e deve começar
muito cedo para incutir na criança além do conhecimento teórico,
o senso de cidadania e de Justiça.
Por sua vez, Aristóteles, mais realista e pragmático do que seu
1nestre Platão, tem no Liceu a síntese de suas ideias sobre educa-
ção, pautada na aprendizagem por meio da lógica, da observação
e da experiência.

Saiba mais
O que mais diferenciava o Liceu de Aristóteles da Academ ia de Platão eram
os estudos das ciências naturais. Aquele desenvolveu a lógica para servir de
ferramenta ao raciocínio, objetivando a elaboração de uma visão científica da
realidade. Este era poeta, narrava mitos.
No Liceu, o hábito de caminhar discutindo filosofia era considerado o grande
regulador das ações, uma vez que a prática habitual das virtudes, pela repe-
tição de atos, torna-se uma segunda natureza, para a qual se faz necessário
Contexto e conceitos) E
uma disposição de caráter. Assim, diferente de Sócrates e Platão, para Aristó-
teles o mero conhecimento do bem não dirigiria o homem para uma ação
justa, ao passo que a virtude pode tornar-se um hábito. A razão potencializa
a escolha e o discernimento para a prática das virtudes.
Contrariando Platão, que via nos filósofos os melhores homens para gover-
nar, Aristóteles condicionava o filósofo a afastar-se da vida política, exercendo
sua plena liberdade, dedicando-se à pesquisa filosófica, à vida contemplati-
va. Mas vê nos homens políticos a possibilidade da transformação da cidade
e dos homens, orientando seus atos para uma conduta ética, pela razão, que
os conduzirá à prática da virtude.
Assim,o fim último do Estado é avirtude com vistas ao bem comum. Compete
ao Estado a educação, provendo os meios para aformação moral dos cidadãos.
Enfim, como explanamos anteriormente, para Aristóteles, o modo de vida
teorético ou filosófico é o mais elevado, revelando-se na dimensão ética, um
modo de vida virtuoso, pois o conhecimento de que se tem compreensão se
estabelece como uma espécie de práxis teorética.

Fonte: adaptado de Martinelli (2015).

A Idade Média paralizou esse fluxo evolutivo da Antiguidade


grega, subjugando a razão à fé. A formação do homem ancorava-
-se em um sentido religioso, teológico e católico. O espírito criati-
vo, investigativo e racional passava pelo crivo da fé e da teologia.
Com a educação não foi diferente. Da Igreja partiam os mode-
los e as práticas educativas, cujo pano de fundo era o imaginário;
ou seja, por meio do valor religioso cristão, produziu-se a imagem
do mundo como uma ordem de Deus, e os processos educativos
deviam cumprir a função desse complexo imaginário.
Outro ponto importante a ser lembrado é que as escolas, tal como
as conhecemos nos dias atuais, são um produto da Idade Média: a
estrut ura de uma escola ligada a um professor, que ensina a vários
alunos de diferentes procedências; as práti cas ligadas ao !ectio (lei-
tu ra; uma leitura que ensina a orar, a refletir e a contemplar) e aos
auctores (autores, autoridades); as práxis disciplinares e avaliativas,
assim como a escolha de determinados conteúdos culturais da
escola moderna (NOGUEIRA; LEAL, 20 13, p. 39).

Apesar de a escola ter ainda hoje influência desse período, es-


pecialmente quanto à sua estrutura, após o Medievo, que marca os
séculos V a XV, sucedeu um movimento, que podemos considerar
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

libertador e explosivo, caracterizado pelo livre conhecimento,


pela arte e literatura, pela ruptura com o despotismo cristão : é
o Renascimento ou a Idade das Luzes, que marca a Idade Moderna.
O homem passa a assumir Uln papel mais central no mundo em
detrimento da imagem de Deus e, em consequência, a educação tor-
na-se, além de uma necessidade básica, uma ação do sujeito ambi-
valente, ou seja, individual e público-político. A razão, novamente,
se aproxima das práticas educionais, sendo vista como uma potên-
cia natural do homem e, por isso, imprescindível à constituição do
conhecimento.
Na Contemporaneidade, esse processo amplia-se ainda mais,
firmando-se, ao 1nes1no tempo, à sua maneira, nem mais sobre a
prevalência da razão e da política, 1nas sobre "uma verdadeira e
legítima revolução historiográfica que redesenhou todo o domínio
histórico da educação e todo o arsenal de sua pesquisa" (CA:tvffiI,
1999, p. 24). Um modo aberto de fazer história em educação e em
pedagogia, ciente de sua riqueza e complexidade de métodos e
instrumentos, em constante estudo (até os dias de hoje). Cabe ao
pedagogo, nesse novo movünento, direcionar-se por intermédio
dos conhecimentos técnicos e científicos, recohecendo sua área
como um território de investigação e atuação.
Finalizamos, então, este primeiro tema, em que apresentamos
um panorama de conceitos importantes para seguirmos adiante,
além de estudos dos princípios, fundamentos e diretrizes que pos-
sibilitam a você, leitor, uma escolha crítica e consciente para suas
práticas pedagógicas.

Aprender e ensinar na escola


Em todos os trabalhos, a organização é fundamental para que
seu desenvolvimento seja eficiente e producente, não seria dife-
rente com as ações docentes. Neste tema, vamos estudar o plane-
jamento no âmbito educacional e escolar, assim como o plano de
aula e de que modo isso configura um importante momento que
antecede a atuação do professor na sala de aula.

Planejamento
A escola é palco de um dos fenômenos mais belos que po-
demos presenciar : a intercessão, entre professores e alunos , dos
saberes construídos ao longo da história pelo ser humano . Antes
Contexto e conceitos) E
que isso ocorra, cabe aos professores o planejamento de seu pró-
prio trabalho.
O docente, no entanto, não se encontra totalmente sozinho
nessa tarefa. No Brasil, por exe1nplo, o planejamento educacional
é arquitetado em traços gerais (ressaltando que as peculiaridades
e especificidades são sempre oriundas do trabalho indiv idual do
professor e seu modo de pensar o ensino) pelo Ministério da Edu-
cação (tv'.IEC) por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional (LDBEN) e também dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN). Leia no box " Saiba mais" informações sobre o
:tvffiC, a LDBEN e o PCN.

Saiba mais
O Ministério da Educação, órgão da administração federal direta, tem como
área de competência os seguintes assuntos:
política nacional de educação;
educação infantil;
• educação em geral, compreendendo ensino fundamental, ensino mé-
dio, ensino superior, educação de jovens e adu ltos, educação profissio-
nal, educação especial e educação a distância, exceto ensino militar;
avaliação, informação e pesquisa educacional;
pesquisa e extensão universitária;
magistério;
assistência fi nanceira a famílias carentes para a escolarização de seus fi-
lhos ou dependentes.
Nesse sentido, a importância do Ministério da Educação é promover o ensino
de qualidade, estimulando financeira, política e pedagogicamente iniciativas
estaduais, municipais e regionais desenvolvidas por todas as instituições de
ensino, da creche à universidade, incluindo centros de pesquisa, museus e or-
ganizações não governamentais nas diversas áreas do conhecimento como
forma de desenvolver a capacidade de construção do pensamento científico
e tecnológico e de inovação no país. Conheça a história desse Ministério em:
<portal.mec.gov.br/institucional-o-mec/historia>.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Naciona l (LDBEN) estabelece em seu
art. 1.uque"a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de en-
sino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

nas manifestações cultura is. § 1-º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se
desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições pró-
prias"(BRASIL, 1996).
Acesse o texto legislativo na íntegra em: <www.pla na lto.gov.br/CCIVIL_03/
leis/L9394.htm>.
Finalmente, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) podem ser encontra-
dos em: <portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01 .pdf>.

Veja, a seguir, o objetivo estabelecido pelos Parâmetros Cur-


riculares Nacionais em seu prefácio (BRASIL, 1997a, p. v i e 9):
Nosso objetivo é auxiliá-lo na execução de seu trabalho, com-
partilhando seu esforço diário de fazer com que as crianças do-
minem os conhecimentos de que necessitam para crescerem
como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu
papel em nossa sociedade. Sabemos que isto só será alcançado
se oferecermos à criança brasileira pleno acesso aos recursos cul-
turais relevantes para a conquista de sua cidadania. Tais recursos
incluem tanto os domínios do saber tradicionalmente presentes
no trabalho escolar quanto as preocupações contemporâneas
com o meio ambiente, saúde, sexualidade e questões éticas relati-
vas à igualdade de direitos, à dignidade do ser humano e à solida-
riedade. Nesse sentido, o propósito do Ministério da Educação, ao
consolidar os Parâmetros, é apontar metas de qualidade que aju-
dem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participa-
tivo, refl exivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.
[...]
Os Parâmetros Curriculares Nacionais [...] reforçam a importância de
que cada escola formule seu projeto educacional, compartilhado por
toda a equipe, para que a melhoria da qualidade da educação resul-
te da corresponsabilidade entre todos os educadores. A forma mais
eficaz de elaboração e desenvolvimento de projetos educacionais
envolve o debate em grupo e no local de trabalho. Os Parâmetros, ao
reconhecerem a complexidade da prática educativa, buscam auxiliar
o professor em sua tarefa de assumir, como profissional, o lugar que
lhe cabe pela responsabilidade e importância no processo de forma-
ção do povo brasileiro.

Como trilhar esses caminhos sugeridos pelos Parâmetros? Já


aprendemos que esses caminhos e seus possív eis itinerários estão
intimamente relacionados e, além disso, definem os conceitos de
Contexto e conceitos) E
método e metodologia. No entanto, considerando que a escola é,
de alguma maneira, reflexo da sociedade, para responder a essa
pergunta, faz-se necessário o conhecimento prévio dos cidadãos,
dos sujeitos que nela viv em. O que devemos esperar desses cida-
dãos quando adultos?
Todas as defi nições conceituais, bem como a estrutura organ i-
zacional dos Parâmetros Curricu lares Nacionais, foram pautadas
nos objetivos gerais do ensino fundamental, que estabelecem as
capacidades relativas aos aspectos cognitivo, afetivo, físico, ético,
estét ico, de atuação e de inserção social, de forma a expressar a
formação básica necessária para o exercício da cidadan ia. Essas ca-
pacidades, q ue os alunos devem ter adquirido ao térm ino da es-
colaridade obrigatória, devem receber uma abordagem integrada
em todas as áreas constitu intes do ensino fundamenta l. A seleção
adeq uada dos element os da cult ura - conte údos - é q ue cont ri-
bu irá para o desenvolvimento de t ais capacidades arroladas como
objetivos gerais do ens ino fu ndamental (BRASIL, 1997a, p. 70).

O :MEC pensa e organiza um macroplanejamento para o ensino


no Brasil para, em seguida, os estados e as prefeituras finali zarem o
planejamento em seu sentido micro. Metaforicamente, poderíamos
pensar em uma casa em construção, em que o Ministério constrói
o alicerce, os estados, as prefeituras e os professores finalizam o
processo, perpetuando a casa em seu respectivo terreno.
No planejamento escolar, estamos diante de um universo outro.
Não basta o espaço físico, co1n paredes sólidas e pintadas, profes-
sores e alunos, todos esses elementos e atores precisa1n ser pen-
,
sados, organizados e, então, postos em prática. E preciso pegar o
papel, rabiscar, apagar, riscar, corrigir até chegar a um planejamen-
to adequado para cada realidade. E essa realidade é fundamental
para o processo pedagógico, uma vez que os alunos trazem muitas
influências e saberes dela para dentro dos muros da escola.
Esse papel é denominado Projeto Político-Pedagógico (PPP)
e norterá todo o trabalho dos profisisonais na escola. Em síntese,
podemos ressaltar que "a u1n conjunto de planos de ensino, pode-
mos dar o nome de planejamento escolar, e ao conjunto de pla-
nejamentos escolares, pdoemos atribuir o nome de planejamento
educacional" (LIBLIK, 2012, p. 49).
Mas contar com um planejamento meticuloso em mãos é si-
nônimo de que tudo vai dar certo? Não! Lidar com os alunos no
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

interior de uma sala de aula tem sempre uma atmosfera de espon-


taneidade, que devemos considerar porque nem sempre o que é
proposto pode ser ou será passível de concretizar.
Modelos não são elementos muito adequados quando nos re-
ferimos à educação, mas se pensarmos em um esquema que possa
facilitar todo esse processo. O plano de aula é um desses caminhos
facilitadores, ele não deve ser algo estanque, mas aberto à realida-
de da escola e, principalmente, do aluno. Ainda, nesse sentido, faz
muita diferença para o professor obter, de antemão, informações
sobre seus alunos (como nível de aprendizado, carências, áreas de
interesse, sonhos), conectando esses dados à realidade contem-
porânea (questões sociais, culturais, políticas e econômicas) e à
disciplina que lecionará. Veja um exemplo de um plano de aula
para visualizar melhor essas definições (LIBLIK, 2012, p. 51-52).

Exemplo
1. Data ou semana - data aproximada ou semana de trabalho.

1.1 Conteúdo - saberes escolares a serem ensinados.

2. Objetivos - o que queremos com o ensino de tais conteúdos.

2.1 Geral - competências que os conteúdos deveriam desenvolver.


2.2 Específico - habi lidades que acreditamos que os conteúdos
desenvolvem.
3. Método - quais estratégias (com base em teóricos) utilizamos para ensinar.

3.1 Docente - o que o professor faz como ação educativo-metodológica.


3.2 Discente - o que esperamos que o aluno faça em consequência de
nossa ação docente.
4. Avaliação - como fazemos para saber se o aluno aprendeu e se conse-
guimos ensiná-lo.
4.1 Instrumentos - quais os instrumentos utilizados para avaliar: pro-
vas, trabalhos, relatórios, apresentações etc.
4.2 Critérios - o que e como devemos considerar.
4.3 Valoração - nota, conceito ou parecer.

5. Recursos - o que precisamos para que a au la aconteça.


6. Observações - registro de fatos e acontecimentos durante o processo
de ensino.
Contexto e conceitos) E
Processo de ensino e aprendizagem
De acordo com a Lei n . 9.394, de 30 de dezembro de 1996, a
LDBEN, o principal objetivo do ensino fundamental é "propiciar
a todos formação básica para a cidadania, a partir da criação na
escola de condições de aprendizagem" . Em uma primeira leitura,
pode parecer algo simples, mas reahnente ensinar e aprender ün-
plicam um esforço diário que marca estudo, atenção aos fatos que
ocorrem no mundo contemporâneo, participação política, social
e cultural, reflexão exterior e interior, além de uma preparação,
tanto do aluno quanto do professor.
De acordo com Liblik (20 12, p. 109), para aprender é preci-
so superar obstáculos didáticos e episte1nológicos: "Os primeiros
depende1n do professor e do momento em que são ensinados" . Os
alunos, ao serem expostos a determinado conteúdo, interferem no
processo de aprendizagem, pois cada um absorve aquilo que lhe
foi transmitido de maneira distinta. Em muitos casos, o não apren-
dizado não significa que a aula foi mal preparada, justamente por
conta dessa compreensão inerente ao aluno e influenciada por seu
universo particular. No entanto, a organização de um roteiro, de
um plano de aula, pode facilitar essa teia complexa do ato de en-
sinar. A didática, como disciplina, é uma peça que encaixa per-
feitamente nesse ponto, pois os professores "a compreender um
percurso pedagógico e a saber organizá-lo, para que o ensino e a
aprendizagem possam ocorrer" (LIBLIK, 2012, p. 109).
O obstáculo epistemológico se relaciona com a evolução his-
tórica do conhecimento, ou seja, de que modo um conceito foi
concebido ao longo do tempo, suas complementações, revisões e
correções e como se encontra em tempos contemporâneos.
A ideia desses obstáculos possibilita concluir que para o pro-
fessor, em um contexto de ensino e aprendizagem, não é suficiente
saber os conceitos propriamente ditos e a maneira como transmiti-
-los, mas ter ciência de como eles foram pensados por diferentes
estudiosos em distintas épocas toma o aprendizado eficaz, uma
vez que se tem o conhecimento de todas as nuances e possíveis
arestas do conteúdo em questão.
Ainda no terreno da atuação docente, vamos apresentar pontos
importantes para a ação e a intervenção com intuito de que o tra-
balho faça sentido e produza resultados condizentes com a escola,
o aluno e o próprio professor.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

• Coerência - não raro, a fragilidade dos conteúdos mediados


em sala de aula é flagrante em inúmeras escolas. Por vários
motivos, a co1neçar pelos famosos projetos obrigatórios que
acaba1n tomando tempo de todos os env olv idos na educação e
que, em geral, têm um conceito bonito, mas pouquíssimas con-
dições de concretização na prática; os meios de comunicação,
de algum modo, incentivam a superficialidade do conteúdo, o
compartilhamento de notícias somente pelo título e quase nun-
ca por suas reais informações é um exemplo claro e atual desse
fato; as funções várias que o professor brasileiro assume como
psicólogo, assistente social, amigo de seus alunos. A coerência
aqui seria com a real função da escola, ou seja, a transmissão e
a mediação de cultura, mas de uma cultura que se torne efetiva
na vida daquele que a aprende, que tenha força.
• Disciplina - os alunos carecem e sempre querem atrair a aten-
ção do professor ou da turma, mas, para que essa atitude não
atinja níveis grotescos, é necessário estabelecer limites; os alu-
nos precisam de alguém que mantenha a palavra e que a viven-
cie. Dessa forma, sabem que nesse mar sempre podem ancorar.
A disciplina vem de pequenos gestos do professor, como fazer
chamada oral, ser bem-humorado e, mais uma vez, definir li-
mites de convivência em sala de aula para que também os alu-
nos o façam fora dela.
• Justiça - a injustiça social brasileira é levada para as mesas da
escola, especialmente da escola pública. Por exemplo, as aulas
dos cursos noturnos recebem uma grande massa trabalhadora,
gente simples, às vezes, sem nenhum grau de instrução; e, nes-
ses casos, é factível aplicação de
[...] aulas com cont eúdo incip iente, aprovação de al unos
com critérios d uvidosos. Sem generalizar, para não sermos
injustos, sabemos q ue é muito comum ensinar a esses alu-
nos cont eúdos escolares aligeirados, que em nada contri-
b uem para permitir a superação da ignorância acadêmica
na qual se encontram (LI BLIK, 2012, p. 115).
A justiça deveria e poderia ser feita desde os bancos escolares
e não em um futuro longínquo e idealista.
• Paciência e tolerância - desses dois aspectos o professor
deve dispor de sobra, mesmo que, em momentos e por várias
circunstâncias, seja muito difícil. Cada aluno é um universo,
cheio de particularidades e surpresas, por isso é ünportante
Contexto e conceitos) E
estimular, ouvir, avaliar e valorizar a cultura que cada um traz
do meio onde vive.
• Humildade - simplesmente, o professor aceitar que sua fala
e seu saber não são 1nais ünportantes do que o dos outros.
Compartilhar conhecimento é a ação por excelência quando
mencionamos humildade no âmbito escolar.
• Respeito - essa palavra engloba todas as demais. Ao respei-
tar, seremos também respeitados. Se respeitarmos os alunos,
saberemos enxergar suas dificuldades na aprendizagem de
forma justa, paciente e tolerante, podendo, então, ajudá-lo a
apropriar-se do conhecimento.
Seguramente, há muitos outros pontos a refletir, mas, por ora,
esses cumprem uma função que está de acordo com essa temática
do ensino e da aprendizagem. Partimos, agora, para dois estudio-
sos desse processo, cada um co1n u1n ponto de vista distinto.

Pierre Lévy
Pierre Lévy nasceu na Tunísia, em 1956. Suas pesquisas se con-
centraram na área da cibernética e da inteligência artificial, em que
aborda o papel das tecnologias na esfera da comunicação e a per-
formance dos sistemas de signos na evolução da cultura em geral.
Suas ideias relativas à produção e difusão de conhecimento
são 1narcadas por três elementos fundamentais e indissociáv eis:
o sujeito, aquele que conhece; o objeto, o que é conhecido; e o
mediador, meio pelo qual o conhecimento se firma. Por sua vez,
também existem três conjuntos tecnológicos de transmissão do
conhecimento: oral, escrito e informático-midiático.
Pensando na sociedade contemporânea, g lobalizada, influen-
ciada diretamente pela Internet e pela velocidade informativa e
interacional, o professor assu1ne u1n papel de um "animador da
inteligência coletiva" e isso conduz a uma mudança de postu-
ra. Em outras palav ras, a ideia cristã de uma educação em que o
professor é o único detentor de conhecimento não é válida aqui.
O ensinar adquire uma nova configuração, por causa da propaga-
ção de agentes emissores, da produção e circulação de conheci-
mento e do aprendizado contínuo. Nesse ambiente, é muito mais
interessante provocar o aluno, de modo que ele se sinta desafiado
a debater, a pesquisar na Internet e nas bibliotecas e a pensar em
soluções mesmo que imagéticas.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Quanto aos meios de comunicação definidos por Lévy, na cultu-


ra oral, emissores e receptores compartilham o mesmo tempo e lu-
gar de transmissão de conteúdo, da mesma maneira os significados
e o contexto são idênticos para ambos. O conhecimento nessa tradi-
ção precisa ser retomado e repetido para não desaparecer, uma vez
que não há suporte gráfico. Na escrita, pelo contrário, os atores não
div idem o mesmo contexto, espaço e tempo, podem comunicar-se a
distância, mas em um tempo linear. Nesse caso, o acesso ao conteú-
do implica uma interpretação das palavras com o intuito de entender
seu sentido original. Finalmente, nas sociedades caracterizadas pela
cultura midiática-informática, a transmissão da mensagem acontece
e1n tempo real, codificando, armazenando, distribuindo e circulan-
do informações em um suporte próprio.
Partindo dessas ideias primordiais, Lévy reformula um concei-
to que se relaciona com a educação de modo interessante: a inte-
ligência coletiva. Em vez de pensar por um viés clássico de que a
inteligência é uma propriedade individual, o estudioso vai além,
concluindo que nosso raciocínio ou o uso de nossa inteligência está
associado intrinsecamente às tecnologias intelectuais. E exemplifi-
ca por meio de duas crianças:
Uma criança acessa a Internet, sites de busca variados, assiste a
canais ed ucativos por assinatura, interage com jogos virtuais e
tem acesso a uma vasta bibl iot eca fami liar. Ao mesmo tempo, ou-
tra criança da mesma idade não dispõe de nenhum livro em casa
nem usa Internet ou o utros meios da cultura informática-mid iát i-
ca; imersa no q ue o recurso oferece, ela d ispõe de interações com
seus pais e fami liares. Obviamente, a primeira criança part icipará
mais ativamente da int eligência co letiva, enquanto a segunda es-
tará m uitíssimo mais restrita (NOGUEIRA JR., 201 3, p. 178).

Co1n esse exemplo, corrobora a noção de que é insuficiente con-


siderar somente o aparato cognitiv o individual para pensar a inteli-
gência, o que se dá é um processo múltiplo e contínuo de interação
entre aparatos tecnológicos e a pessoa humana, que, despida da cul-
tura escrita e informática-midiática, estaria restrita à oralidade.
As inquietudes de Lévy, na verdade, são urgentes porque ques-
tionam também o lugar do professor em meio a esses novos pro-
cessos de aprendizagem: será que ele continuará a ter espaço tal
como está habituado ? E a importância das instituições de ensino
para os indiv íduos, co1no ficará? A resposta é pensar já em uma
reformulação das funções do professor, porque a própria ideia que
Contexto e conceitos) E
temos de profissão, caracterizada por um diploma de ensino supe-
rior, experiência esta que está em célere transformação.
O professor não é mais o único porta-voz do conhecimento .
Na atualidade, esse profissional " deve atuar como dinamizador da
inteligência coletiva, transformando os grupos escolares em co-
munidades aptas ao uso diversificado de instrumentos cognitivos
em um diálogo multilateral, criativo e produtivo" (NOGUEIRA
IR. , 2013, p. 182). A aprendizagem é coletiva e personalizada, por
isso os espaços de ensino e seus atores devem estimular e coope-
rar para uma troca mútua de saberes. Vale ressaltar a importância
fundamental que as ferramentas da cultura midiática-informática
desempenham nessa concepção, uma vez que é por meio de sua
utilização e reutilização que esse processo ocorre.

David Paul Ausube/


Ausubel ( 1918-2008) foi um psicólogo norte-americano que
estudou o processo de aprendizagem pautado no cognitivismo, ou
seja, no mundo dos significados. Mais especificamente, seus estu-
dos focam o ato da formação de wn significado na aquisição de
conhecimento (NOGUEIRA; LEAL, 2013, p. 212).
Dois conceitos fundamentam a argumentação da teoria de Au-
subel: a estrutura cognitiva e a aprendizagem significativa.
A estrutura cognitiva é o conjunto organizado de ideias em
um indivíduo. Uma pirâmide invertida (Figura 1.3) pode ilustrar a
hierarquia dos conceitos e ideias, no topo (invertido) estão justa-
mente os mais amplos, mais gerais e que podem incluir os meno-
res. Com essa estrutura organizada, uma nova aprendizagem se dá
de maneira muito mais fácil.

Figura 1.3 Pirâmide conceituai.

Animais

Terrestres I Aquáticos I Aéreos

Mamíferos, aves, répteis, peixes e anfíbios

Seres vivos

Fonte:Nogueira e Leal (2013, p. 214).


3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Essa pirâmide pode ser aplicada dentro das salas de aula. O pro-
fessor, durante o planeJamento de aula, identifica os conceitos mais
abrangentes em sua disciplina, delimitando sua estrutura básica e
facilitando o aprendizado por parte do aluno, que assimilará a orga-
nização em sua própria estrutura cognitiva.
Por sua vez, a aprendizagem significativa também discrima al-
guns conceitos para seu entendimento :

• Substantividade - é apresentada esta frase a um estudante:


[...] um triângulo equilátero é um triângulo com três lados iguais.
Esse estudante poderá ter em sua estrutura cogn itiva o con-
ceito mais amplo de triângulo, de tal modo que o conceito a
ser aprendido, triângulo equilátero, seja um caso particular de
algo que ele já sabe. Portanto, ele poderá relacionar a noção a
ser aprendida com um conceito já presente em sua estrutura
cognitiva (NOGUEIRA; LEAL, 2013, p. 216).

• Não arbitrariedade - a relação entre triângulo equilátero e


triângulo é uma
[...] relação entre um exemplo e um caso mais geral e, certa-
mente, não é arbitrá rio, pois existe um conceito específico ao
qual o conceito de triângulo equilátero deve ser relac ionado
intencionalmente. O mesmo não ocorre com uma sílaba
sem sentido, que só poderá ser re lacionada a algo existente
na estrutura cognitiva de uma forma puramente arbitrária,
sem critérios definidos (NOGUEIRA; LEAL, 2013, p. 216).

• Princípio da diferenciação progressiva - retomando a or-


ganização da estrutura cognitiva, esse princípio diz que, ao
planejar um conteúdo, as ideias mais amplas devem ser expli-
cadas primeiro para, então, passar a uma explicação progres-
siva destas.
• Princípio da reconciliação integra tiva - refere-se, por exem-
plo, ao mo1nento em que o professor deve aclarar, ou ao 1ne-
nos tentar fazê-lo, as semelhanças e diferenças entre ideias
encontradas em diferentes contextos ou, ainda, quando o co-
nhecimento científico expressa determinado conceito e o senso
comum o explica a partir de outro ponto de vista.
• Organizadores prévios - conceito que precede o conteúdo
propriamente dito de modo a propiciar uma explicação pré-
via do que será estudado. A principal ideia aqui é estabelecer
u1na ponte entre o que o aluno já sabe e o que aprenderá.
Contexto e conceitos) E
Em síntese, a proposta de Ausubel configura um intrumento
para que os alunos consigam aprender mais facilmente e, ao mes-
mo tempo, autorrefletir seu aprendizado, conferindo-lhe um sig-
nificado. Cabe ao professor, assün, planejar os conteúdos tendo
como base o conhecimento prévio do aluno (conceitos inclusivos)
para, a partir dele, chegar ao que a escola se propõe a mediar (con-
ceitos específicos).

Organização do trabalho docente


Neste tema, vamos pensar a organização do trabalho docente
co1n base em ideias atuais, marcadas especialmente pelas mídias e
pelas imagens visuais, bastante difundidas nos processos de ensi-
no e aprendizagem conte1nporâneos.
O mundo fora das salas de aula é intensamente v isual, assim
como o universo on-line. Conectados nas redes sociais, podemos
compartilhar inúmeros conteúdos por meio de imagens. A esse
movimento o professor deve estar atento para integrar, às práticas
pedagógicas escolares, esses múltiplos conhecimentos, oriundos
do cinema, da cultura popular e de rua, das canções, do videogame
e da Internet.
A literatura é, por excelência, um caminho para aproximar es-
ses mundos distintos por meio da imagem visual.
ítalo Calvino (1923-1985), escritor italiano, proferiu em 1984 na Uni-
versidade Harvard, um ciclo de seis palestras sobre os caminhos da
literatura no terceiro milênio. As apresentações foram pautadas em
seis tópicos: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e
consistência, por meio dos quais ele fala sobre as qualidades que a
literatura deveria ter para superar as crises atuais das diversas áreas
do saber, e até de nossa vida (LIBLIK, 2012, p. 123).

Por extensão, podemos aproveitar esses pontos e refletir como


pode se dar a organização do trabalho docente em nossos tempos

• Leveza - co1no uma aula poderia ser leve? Será que ela pode-
ria ser leve? Ser leve como um pássaro ou como uma pluma?
Um pássaro alça voo sabendo aonde quer chegar, ele tem um
rumo previamente definido. Uma pluma se perde em meio ao
vento. E então?
• Rapidez - "Poxa, essa aula não acaba nunca?". Essa frase tem
um sentido pejorativo, pois o tempo cronológico é sempre o
mes1no, mas dependendo da situação, nosso te1npo particular,
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

retarda ou acelera. Se o professor consegue prender a atenção


do aluno pelo " curioso", pelo "diferente", com certeza, o tempo
será mais veloz que o relógio e nem perceberemos a aula passar.
• Exatidão - lllna aula exata é ta1nbém uma aula certeira, ou
seja, bem planejada, com imagens e conteúdos que traduzam,
de maneira adequada ao contexto do aluno ou do grupo, o
conhecimento que se quer ensinar.
• Visibilida de - muitas vezes, deparamo-nos tão apegados ao
tradicional que não nos damos conta de que uma imagem vi-
sual carrega um conteúdo tão potencial quanto as palavras
em um livro. Essa nuance dev e ser percebida e implementada
cada vez mais nos planos de aula. Trabalhar com uma obra de
arte, imagens de jornais e revistas ou fotografias dos próprios
alunos possibilita uma perspectiva crítico-reflexiva muito efi-
caz no aprendizado.
• Multiplicidade - todo ser hlllnano é múltiplo à sua maneira,
basta o professor ter sensibilidade para perceber que o aluno car-
rega consigo um universo múltiplo, com isso já se tem material
para pensar em muitas práticas na sala de aula, integrando a mul-
tiplicidade de conhecimento do mundo particular e da escola.
• Consistência - uma aula pode ser considerada consistente
porque produziu resultados e consequências efetivas no alu-
no. O conteúdo pela força que lhe é inerente e pela força com
que é transmitido tem essa capacidade de se tomar consisten-
te; o mesmo ocorre com uma aula de língua portuguesa.
Como escolha metodológica, o professor pode apresentar aos
alunos um texto, um determinado autor ou uma ideia, mas não
pode apreciá-los por eles, não pode sentir o texto ou vivenciá-lo
por eles. Por essa razão, ele deve encontrar o melhor caminho
metodológico para que os próprios alunos percebam o prazer de
descobrir, de aprender, de construir os próprios conhecimentos
(LIBLIK, 2012, p. 129).
A imagem é um desses caminhos. Por meio dela, é possível de-
senvolver uma alfabetização visual crítico-reflexiva e incentivar
os alunos a produzir suas próprias imagens, ainda mais em tempos
de redes sociais, blogs e fotografias digitais.
Se pensarmos as diferentes linguagens, como a verbal, a sonora,
a gráfica, cada uma delas apresenta características muito peculia-
res, mas, ao mesmo tempo, convergem na criação de uma imagem
Contexto e conceitos) E
mental, que vai se juntar e se relacionar a outras que já temos fir-
madas em nossa estrutura cognitiva; são operações que permitem
o aprender. O mundo em que vivemos é visualmente complexo e,
não à toa, porque reflete muito de nós, seres humanos. Essa com-
plexidade como intrínseca a nós pode ser ponderada nas diversas
formas de comunicação, não somente ao redigir um texto, por
,
exemplo. E necessário ensinar aos estudantes a linguagem sonora,
imagética, do movimento e do silêncio, assim como a do estudo, da
pesquisa, da reflexão e da crítica. A didática, como ciência da edu-
cação, é interdisciplinar, com possibilidades várias, e permite nos
embrenharmos por esses caminhos multifacetados.
Para finalizar
,
esse tema, é válido retomar os seis tópicos ex-
pressos por Italo Calvino, agora, como se fossem perguntas a nós
mesmos (LIBLIK, 2012):

• A aula foi leve?


• Passou muito rápido ou demorou um pouquinho?
• Os conteúdos apresentados foram precisos?
• Será que os alunos conseguiram visualizar os conceitos
estudados?
• Permite uma leitura 1núltipla?
• E' consistente com os propósitos escolares e dos alunos?

Fique atento
Sugestões de au las de acordo com o currículo de cada disciplina, além de
recursos multimídia como vídeos, fotos, mapas, áudios e textos, que tornam
o conteúdo mais dinâmico e interessante para o aluno, estão nas seções Es-
paço da Aula e Recursos Educacionais, do Portal do Professor. Fique atento e
acesse o site: <portaldoprofessor.mec.gov.br/orientacoes.html>.

Objetivos, conteúdos, orientações


didáticas e avaliação em língua
portuguesa para a educação
Objetivos e conteúdos
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de lín-
gua portuguesa (BRASIL, 1997b), em que nos pautaremos para
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

o desenvolvimento deste tema, os alunos precisam ser prepara-


dos para adquirir gradativamente uma competência em relação
à linguagem, de modo que sejam capazes de resolver problemas
da vida cotidiana, ter contato com os bens culturais e alcançar a
participação plena no mundo das letras. Para que essa expectativa
se concretize, o ensino de língua portuguesa deverá organizar-se
com vistas aos seguintes objetivos com os alunos:

• Expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utili-


zá-la com eficácia em instâncias públicas, sabendo assumir a
palavra e produzir textos - tanto orais como escritos - coe-
rentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos
a que se propõem e aos assuntos tratados.
• Utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da va-
riedade linguística valorizada socialmente, sabendo adequá-los
às circunstâncias da situação comunicativa de que participam.
• Conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do
português falado.
• Compreender os textos orais e escritos com os quais se defron-
tam em diferentes situações de participação social, interpretan-
do-os corretamente e inferindo as intenções de quem os produz.
• Valorizar a leitura como fonte de infonnação, v ia de acesso
aos mundos criados pela literatura e possibilidade de fruição
estética, sendo capazes de recorrer aos materiais escritos em
função de diferentes objetivos.
• Utilizar a linguagem como instrumento de aprendizagem, sa-
bendo como proceder para ter acesso , compreender e fazer
uso de informações contidas nos textos: identificar aspectos
relevantes; organizar notas; elaborar roteiros; compor textos
coerentes a partir de trechos oriundos de diferentes fontes;
fazer resumos, índices, esquemas etc.
• Valer-se da linguagem para melhorar a qualidade de suas rela-
ções pessoais, sendo capazes de expressar seus sentimentos, ex-
periências, ideias e opiniões, bem como de acolher, interpretar e
considerar os dos outros, contrapondo-os quando necessário.
• Usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de re-
flexão sobre a língua para expandirem as possibilidades de
uso da linguagem e a capacidade de análise crítica.
• Conhecer e analisar criticamente os usos da língua como veí-
culo de valores e preconceitos de classe, credo, gênero ou
etnia (BRASIL, 1997b ).
Contexto e conceitos) E
Com esses objetivos em mente, partimos para os conteúdos.
Os eixos conteudísticos de língua portuguesa pressupõem que a
língua se realiza no uso, nas práticas sociais; que os indivíduos
se apropriam dos conteúdos, mediando-os junto dos professores e
transformando-os em conhecimento; que é ünportante o indivíduo
expandir sua capacidade de uso da língua e adquirir outras que
ainda não possui.
A linguagem verbal, considerada uma atividade discursiva, resul-
ta em textos orais ou escritos que são elaborados para serem com-
preendidos por outrem. Os processos de produção e compreensão,
por sua vez., desdobram-se, respectivamente, em atividades de fala
e escrita, leitura e escuta. Por conseguinte, ao dizermos que o fito do
ensino de língua portuguesa é a expansão das possibilidades do uso
da linguagem, assumimos que as capacidades a serem desenvolvidas
referem-se às quatro habilidades linguísticas básicas: falar, escutar,
ler e escrever.

Orientações didáticas
Estudaremos, agora, algumas orientações para o trabalho didá-
tico com esses conteúdos, tendo em mente os objetivos que vimos
há pouco.
Importante ressaltar que determinados objetivos só podem
ser alcançados se os conteúdos tiverem um tratamento didático
específico, ou seja, se houver uma estreita relação entre o que e
como ensinar. Por exemplo, se o objetivo é incutir nos estudantes
uma atitude crítica em relação aos seus próprios textos, a revisão
crítico-reflexiva (não somente gra1natical) desses textos deverá
ser o procedimento adotado. Para isso, é preciso estar claro para o
aluno o que ele pretende com seu texto, pois revisar é um ato que
envolve articulação, edição. Como já vimos ao longo desta uni-
dade, considerar o conhecimento prévio do aluno é um princípio
didático para todo professor que pretende ensinar procedimentos
de revisão quando o objetivo é - muito mais do que a qualidade da
produção - a atitude crítica diante do próprio texto.
A construção de conhecünento por parte do aluno não env olve
somente informações a ele oferecidas, mas também e, principal-
mente, o tipo de tratamento para com essas informações. Voltamos,
então, à natureza didática do ensino e da aprendizagem, em que a
intervenção pedagógica do professor tem valor decisivo, por isso
faz-se necessária a avaliação constante dessas práticas.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

No que concerne à língua portuguesa, o professor desempenhará


outro papel fundamental: o de modelo. Além de ser aquele que ensina
os conteúdos, pode ensinar o valor da língua, ou seja, se o docente é
um usuário da escrita de fato, se tem boa e prazerosa relação com a
leitura, se gosta v erdadeiramente de escrev er, funcionará co1no mn
modelo para seus alunos. Isso é especialmente importante quando
eles provêm de comunidades pouco letradas, nas quais não partici-
pam de atos de leitura e escrita junto com adultos experientes. Nesse
caso, muito provav elmente, o professor será a única referência.

Usos e formas da linguagem oral


A fala é um aspecto inerente ao ser humano. Já nos primeiros con-
tatos com a família, o bebê inicia seu aprendizado nesse âmbito, não
se aprende a falar na escola. Talvez por isso, o ensino de quaisquer
usos e formas da língua oral não tenha sido de certa maneira oficiali-
zado nessa instituição. O que se percebe, na verdade, é uma maneira
inadequada de corrigir a fala "errada" dos alunos quando esta não
coincide com a variedade linguística de prestígio social. Essa atitude
reforçou e continua reforçando o preconceito linguístico.
Expressar-se oralmente requer confiança em si mesmo, fato
que se conquista em ambientes positivamente influenciadores, em
outras palavras, favoráveis à manifestação dos pen samentos e sen-
timentos. A escola deve ser, por excelência, um desses ambientes,
respeitando e acolhendo a vez e a voz, a diferença e a diversidade.
Mas isso depende, sobretudo, de a escola ensinar os usos da língua
de acordo com diferentes circunstâncias co1nunicativas.
As situações de comunicação diferenciam-se conforme o grau
de formalidade que exigem, dependendo, por exemplo, do tema
em questão, da, relação entre os interlocutores e de suas respecti-
vas intenções. E válido lembrar que a capacidade de uso da língua
oral que as crianças têm ao ingressar na escola foi adquirida no
espaço privado: contextos comunicativos informais, coloquiais,
familiares etc. Nesse sentido, definir a língua oral como conteúdo
escolar exige planejamento de uma ação pedagógica mais especí-
fica para garantir, na sala de aula, atividades sistemáticas de fala,
escuta e reflexão sobre a língua.
Eis alguns exemplos: atividades de produção e interpretação de
uma ampla variedade de textos orais, de observação de diferentes
usos, de reflexão sobre os recursos que a língua oferece para alcançar
diferentes finalidades comunicativas; estudo de canções populares
Contexto e conceitos) E
brasileiras que trazem muito do discurso oral. Supõe-se também um
profundo respeito pelas formas de expressão oral trazidas pelos alu-
nos, de suas comunidades, e um grande empenho por ensinar-lhes
o exercício da adequação aos contextos comunicativos, diante de
diferentes interlocutores, a partir de intenções de natureza diversa. É
fundamental que essa tarefa didática se organize de tal 1naneira que
os alunos transitem das situações mais informais e coloquiais que já
dominam ao entrar na escola a outras mais estruturadas e formais,
para que possam conhecer seus modos de funcionamento e apren-
der a utilizá-las. Este parágrafo traduz o que já discutimos sobre a
mediação que se dá entre o conhecimento do aluno e o do professor,
entre a cultura particular de cada estudante e a cultura escolar.
A produção oral pode ser pensada e praticada de div ersas
maneiras:

• Atividades em grupo que envolvam o planejamento e realiza-


ção de pesquisas e requeiram a definição de temas, a tomada de
decisões sobre encaminhamentos, a div isão de tarefas, a apre-
sentação de resultados.
• Atividades de resolução de problemas que exijam estimativa
de resultados possíveis, verbalização, comparação e confron-
to de procedimentos empregados.
• Atividades de produção oral de planejamento de um texto ,
de elaboração propria1nente e de análise de sua qualidade.
• Atividades dos mais variados tipos, mas que tenham sempre
sentido de comunicação de fato: exposição oral sobre temas
estudados apenas por quem expõe; descrição do funciona-
mento de aparelhos e equipamentos em situações em que isso
se faça necessário; narração de acontecimentos e fatos conhe-
cidos apenas por quem narra etc. Esse tipo de tarefa requer
preparação prév ia, considerando-se o nível de conhecimento
do interlocutor e, se feito em grupo, a coordenação da fala
própria com a dos colegas - dois procedimentos complexos
que raramente aprendidos sem ajuda (BRASIL, 1997b).

A prática de atividades e projetos que implica1n a exposição


oral possibilita1n a articulação de conteúdos de língua oral e escrita
uma vez que o aluno terá de escrever um roteiro e expor suas ideias
a partir dele. Atividades como seminários, dramatização de textos
teatrais e simulação de programas de rádio e televisão, de discur-
sos políticos e de outros usos públicos da língua oral são bastante
significativas e eficazes para esse intuito.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Língua escrita: usos e formas


A leitura e a escrita foram organizadas em dois tópicos, no
entanto, são aprendizados complementares, fortemente relaciona-
dos. "A escrita transforma a fala (a constituição da fala letrada) e
a fala influencia a escrita ( o aparecimento de traços da oralidade
nos textos escritos)" (BRASIL, 1997b, p. 40).

Prática de leitura
O escopo do trabalho com a leitura é a fonnação de leitores e
escritores competentes, pois a possibilidade de conceber textos
eficazes está intimamente associada à prática de leitura, que nos
fornece a matéria-prima para a escrita ( o que escrever) e contribui
para a composição de modelos ( como escrever).
A leitura é um processo em que o leitor realiza um trabalho ativo
de construção do signifi cado do texto, a partir dos seus objetivos,
do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o
que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador,
do sistema de escrita etc. Não se trata simplesmente de extrair in-
formação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por
palavra. Trata-se de uma atividade que implica compreensão, na
qual os sentidos começam a ser constituídos antes da leitura pro-
priamente dita. Qualquer leitor experiente que conseguir analisar
sua própria leitura constatará que a decodificação é apenas um
dos procedimentos q ue utiliza quando lê: a leitura fluente envol-
ve uma série de outras estratégias como seleção, antecipação,
inferência e verificação, sem as quais não são possíveis rap idez e
proficiência. É o uso desses procedimentos que permite controlar
o que vai sendo lido, tomar decisões diante de dificuldades de
compreensão, arriscar-se diante do desconhecido, buscar no texto
a comprovação das suposições feitas etc. (BRASIL, 1997b, p. 41).

No ato de leitura, um leitor competente é capaz de ver em des-


taque trechos que podem atender a uma necessidade sua, mesmo
que futura. E , em seguida, consegue utilizar estratégias de leitura
adequada para abordar esses trechos por um viés particular, sendo
inspirado por eles ou reinventando-os.
A formação desse leitor presume a capacidade de compreensão
daquilo que lê, assün como das entrelinhas, do que não está dito cla-
ramente nas palavras grafadas; a capacidade de relacionar o texto
e1n leitura a outros já lidos; a capacidade de atribuir vários sentidos
a u1n único texto; a capacidade de justificar e validar sua leitura a
partir da localização de elementos discursivos.
Contexto e conceitos) E
Prática de produção de textos
O grande objetivo da produção de textos na escola é formar escri-
tores competentes aptos a produzir textos coerentes, coesos e eficazes.
Para você, quais seriam as habilidades de um escritor com-
petente? Em um primeiro momento, podemos ressaltar que esse
escritor, ao produzir um discurso, deve ter ciência do gênero mais
apropriado a seus objetivos e à circunstância enunciativa em ques-
tão. Por exemplo: para convencer o leitor, o escritor competente
selecionará um gênero que lhe possibilite a produção de um texto
predominantemente argumentativo; para redigir uma solicitação a
determinada autoridade, redigirá um ofício; a carta pode ser utili-
zada para enviar notícias aos amigos e familiares.
Para além do gênero textual, o escritor, ou seja, a pessoa que
escreve em língua portuguesa, elabora resumos e toma notas sem-
pre que lê ou ouve algo do seu interesse; durante uma exposição
oral, esquematiza suas anotações para estudar um assunto; expres-
sa por escrito seus sentimentos, experiências ou opiniões.
E mais, um escritor competente é, também, capaz de olhar cri-
ticamente para o próprio texto , revisando, corrigindo, excluindo
trechos ou inserindo outros.
A aprendizagem da escrita envolve dois processos concomi-
tantes: compreender a natureza do sistema de escrita da língua -
os aspectos notacionais - e o funcionamento da linguagem que se
usa para escrever - os aspectos discursivos. Em outras palavras,
é possível produzir textos sem saber grafá-los e é possível grafar
sem saber produzir. O domínio da linguagem escrita se adquire
muito mais pela leitura do que pela própria escrita. Não se apren-
de a ortografia antes de se compreender o sistema alfabético de
escrita, e a escrita não é o espelho da fala.
O conhecimento a respeito de questões dessa natureza tem impli-
cações radicais na didática da alfabetização. A principal delas é que
não se deve ensinar a escrever por meio de práticas centradas ape-
nas na codificação de sons em letras. Ao contrário, é preciso ofere-
cer aos alunos inúmeras oportunidades de aprenderem a escrever
em condições semelhantes às que caracterizam a escrita fora da es-
cola. É preciso que se coloquem as questões centrais da produção
desde o início: como escrever, considerando, ao mesmo tempo, o
que pretendem dizer e a quem o texto se destina - afinal, a eficácia
da escrita se caracteriza pela aproximação máxima entre a intenção
de dizer, o que efetivamente se escreve e a interpretação de quem
lê. É preciso que aprendam os aspectos notacionais da escrita (o
princípio alfabético e as restrições ortográficas) no interior de um
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

processo de aprendizagem dos usos da linguagem escrita. É disso


que se está fala ndo quando se diz que é preci so "aprender a escre-
ve r, escrevendo" (BRASI L, 1997b, p. 48).

A escrita exige o contato com textos vários, sejam eles livros,


jornais, revistas, gibis, cartazes ou textos on-line, publicados em
blogs pessoais, em sites oficiais, redes sociais. E' importante tes-
temunhar os usos que as pessoas fazem da escrita em distintas
conjunturas para se deixar influenciar, inspirar. Mais do que isso,
é fundamental arriscar-se a fazer como consegue e ter humildade
de receber ajuda de quem já sabe escrever.
Se o objetivo é formar cidadãos capazes de utilizar a escrita
com eficácia, que tenham condições de assumir a palavra - tam-
bém por escrito - para produzir textos adequados, é preciso or-
ganizar o trabalho educativo para que experimente1n e aprenda1n
isso na escola. E' necessário, portanto, ensinar os alunos a lidar
tanto com a escrita da linguagem - os aspectos notacionais rela-
cionados ao sistema alfabético e às restrições ortográficas - quan-
to com a linguagem escrita - os aspectos discursivos relacionados
à linguagem usados para escrever. A prática da escrita, com ou
se1n erro, é o melhor caminho para esse objetivo.
Quando se pondera as principais dificuldades de redação por
parte dos alunos, não raro, percebem-se textos que não narram
histórias, cartas que não são organizadas de acordo com o gêne-
ro "carta", textos expositivos que não têm ideias ou escritos ar-
gumentativos que não defendem nenhum ponto de vista. Outro
problema muito comum diz respeito à segmentação do texto em
frases, ao agrupamento destas em parágrafos e à correção ortográ-
fica, ou seja, a coerência e coesão.
Compreendida como u1n complexo processo co1nunicativo e
cognitivo, como atividade discursiva, a prática de produção de tex-
tos precisa realizar-se em um espaço no qual sejam considerados
as funções e o funcionamento da escrita, bem como as condições
nas quais é efetuada: para que, para quem, onde e como se escreve.

Avaliação em língua portuguesa para a educação


De um ponto de vista histórico, há diversas formas de proceder
a uma avaliação. A depender da época, dos atores envolvidos, das
instituições em questão e de seus respectiv os objetivos, o processo
avaliativo assume configurações e critérios diferentes. Vejamos o
Quadro 1.6, que ilustra essa evolução no tempo.
Contexto e conceitos) E
Quadro 1.6 Abordagens de avaliação e suas características.

Vl
s:
Q) Renovadas
OI
n:,
...
"C Tradicional
.8
e(
Comportamentalismo Humanismo Cognitivismo Sociocultural

Reprodução Reprodução exata do Se o ensino é Aprendiiza- Valorização do


do patrimônio que foi ensinado. centrado no aluno, gem de sabe - acervo cultural
cultural mesmo que seja res deforma local.
o
,n:,
V'
n:,
apresentado "uma atividade sem qualitativa.
-·-~ ou ensinado importância enorme-
n:,
n:, em sala de mente supervalori-
"C
Vl aula. zada" (ROGERS apud
o
>
.:; MIZUKAMI, 1986, p.
Q)
........
.e 53), a avaliação tem
o
essa mesma caracte-
rística, ou seja, sem
importância.
Apresentação Repetição, passos a Livre expressão, "Construção" e Saberes ensinados
dos saberes, serem seguidos em curiosidade reconstrução com base em
repetição, etapas predetermi- ind ividual. Valoriza- de saberes. interesses do
discussão nadas com base em -se o processo em grupo; socialização
o
"C ou debate esquemas ou técnicas. detrimento de do que já se sabe.
....o
•Q)
entre alunos resultados. Crítica
:E
e professor, à transmissão de
para conso- conteúdos, mas
lidação do não a supressão de
conhecimento. Informações.
Vl
Provas orais Reprodução e cópia Autoavaliação. Provas orais Trabalhos em
-....~ e escritas;
n:, de modelos. "Objetos" e escritas; grupo, atividades
->
n:, exames; observáveis e trabalhos culturais pontuais,
n:,
Vl exercícios. mensuráveis. em grupo; isoladas de um
....o
s:
Q) pesquisas. contexto mais
E amplo.
.......
:::1
Vl
s:
-
Vl
o A partir das se- Quanto mais fiel a Como está Ênfase nos Autoavaliação
>
·,.:;
n:, melhanças, ou cópia, melhores notas relacionado à processos e avaliações
->
n:, não, cornos são dadas aos alunos. autoavaliação, individuais nos moldes
n:,
Vl modelos apre- o próprio aluno e coletivos, tradicionais.
o
-~ sentados e sua determina os associados a
-....~
•Q)

u ampliação. critérios. resultados.


3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

o Ao final do Ao final do período Quando acontece, é Dura nte todo Durante o período
"'"'Q)
V período letivo. letivo. Suas ações são no fina l do processo. o processo letivo e a vida.
...o
e. As notas são baseadas em reforços, educativo,
Q)
..... reflexos da ta nto positivos inclu indo o
"'Q)
Q)
V aquisição do quanto negativos, final.
Q)
..... patrimônio para conferir se os
e
oV
tO cultutra 1. "comportamentos"
Q)
::::, foram adquiridos
e-
E pelos alunos.
Q)
o
.....
eQ)
E
o
~

Fonte: adaptado de Mizukami (1986 apud LIBLIK, 201 2, p. 83).

Para constituir o processo de avaliação, cujo panorama pude-


mos observar no Quadro 1.6, três dimensões são importantes, de
acordo com Liblik (2012):
1. Dimensão política - quem são os atores responsáveis para de-
cidir sobre a avaliaçao educacional no âmbito federal, estadual
e municipal? Quais os aspectos políticos que entrecruz.am essa
decisão com os critérios de correção a serem considerados?
2. Dimensão técnica - nesse terreno, deparamo-nos com o
«pensar" voltado para a elaboração de um instrumento ava-
liativo. A ação educativa dentro das escolas deve ser con-
siderada nessa dimensão, uma vez que imbrica também a
elaboração de provas e trabalhos e sua respectiva correção,
fatos que influem diretamente no ensino e na aprendizagem.
3. Dimensão epistemológica - marca o significado profundo
de conhecimento, como o entendemos e como ele é mediado
e transformado na sala de aula. Esta dimensão associa esse
entendimento ao momento histórico e ao espaço geográfico
para pensar o processo avaliativo educacional.
Liblik (2012) considera, a partir desses conceitos iniciais, três
tipos de avaliação, a saber: avaliação diagnóstica (contato inicial
entre aluno e professor, em que este confronta o grupo para ade-
quar seu plano de aula e suas práticas pedagógicas\ avaliação
formativa (ao realizar a avaliação, o professor observa se seu pla-
nejamento está sendo concretiz.ado, atentando especialmente para
se o aluno está no caminho do aprendizado); avaliação somativa
Contexto e conceitos) E
(verificação se o aluno realmente aprendeu o conteúdo transmi-
tido; nesse momento são utilizados os famosos instrumentos de
avaliação, como provas, seminários, trabalhos).

Exemplos
Veja, a seguir, exemplos de instrumentos avaliativos:

provas escritas (objetivas ou dissertativas);


provas orais;
relatórios (parciais ou totais - portfólio);
autoavaliação;
pôsteres, cartazes;
debates;
seminários;
trabalhos em grupo;
questões escritas, organizadas e resolvidas pelos alunos.
Fonte: Liblik (2012, p. 96-97).

Fala e leitura
Fala
Não raro, no que diz respeito aos estudos linguísticos, a fala
é estudada em paralelo à escrita. Nesse sentido, podemos trazer à
tona quatro perspectivas para que possamos pensar essa questão.
A primeira se concentra no código, ou seja, em um sistema de
signos, como já aprendemos, e entende tanto a fala quanto a escri-
ta de for1na muito fechada e separada, evidenciando um precon-
ceito gritante, em que a fala configura o terreno caótico, repleto
de erros, e a escrita, por sua vez, quando pautada nas gramáticas
normativas, marca o uso correto da linguagem. Essa distinção ain-
da é muito praticada nas salas de aula e nos livros didáticos, que
estudam exclusivamente a língua escrita, ao passo que a fala é
apenas mencionada.
A segunda perspectiva tem influência das ciências sociais, por
isso os aspectos cultural e cognitivo cumprem um importante papel,
mas supõem que os povos com capacidade de cognição avançada,
considerados " cultos" e com domínio da escrita, são superiores aos
povos ágrafos , marcados especialmente pela oralidade, pela fala.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

A terceira perspectiva percebe a existência da variação linguís-


tica e pondera as línguas falada e escrita como dialetos distintos.
Finalmente, a quarta perspectiva se apoia nos usos de duas mo-
dalidades (e não mais dialetos). Nesse passo,
[ .. .] os gêneros prototípicos da fala (conversação espontânea e
conversa telefô nica, por exemplo) se posicionam em uma extre-
m idade, enquanto os gêneros prot otípicos da escrita (art igo cien-
tífico e texto acadêmico, por exemplo) se posicionam na outra
extremidade. Aq ueles posicionados no meio desse contínuo apre-
sentam características das duas modalidades, const ituindo, pois,
domínios m istos (notícia de televisão e entrevistas publ icadas em
revistas, por exemplo), o u seja, apresent am características da fala e
da escrita (LI MA, 2014, p. 54).

Essas perspectivas, especialmente as duas primeiras, nos fazem


pensar em alguns problemas e impedimentos quanto à oralidade: a
dificuldade de compreendê-la como cultura do mes1no modo que a
escrita; o não reconhecimento de que as tradições orais atuais apre-
sentam, por menor que seja, um ponto de encontro com a escrita;
o não reconhecimento de que as sociedades orais contemporâneas
são muito distintas das do passado; o entendimento estanque das
marcas da oralidade na escrita e da escrita na oralidade.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) expressam clara-
mente uma inquietação em integrar, ao ensino público brasileiro,
o uso da língua oral, da fala. No tópico "Orientações Didáticas",
estudamos isso, mas v ale retomar aqui, primeiro a dificuldade de
transpor esses parâmetros para o dia a dia da sala, mas o documen-
to de âmbito federal legitima a cultural oral como ensino; segundo
o fato de o aprendizado dessa tradição pautar-se em diferentes si-
tuações sociais pelo exercício da cidadania e a "adequação da lin-
guagem às inúmeras circunstâncias de uso" (LilvlA, 2014, p. 65 ),
por exemplo, uma entrevista de emprego.
A fala deve trazer consigo uma discussão relativa à variação
linguística e ir além, refletindo os padrões linguísticos e compor-
tamentais que regem os diferentes gêneros orais.

Leitura por meio da interpretação de textos


Se ponderarmos sobre os vestibulares e as provas do Exame
Nacional do Ensino Médio (Ene1n), é factível a dificuldade do
estudante brasileiro no que concerne à interpretação de texto e,
consequentemente, à leitura.
Contexto e conceitos) E
Uma das críticas feitas ao modelo comunicativo de Roman
Jakobson, que pudemos estudar no introito desta unidade, direciona-
-se um pouco nesse sentido, afirmando que o receptor cumpre um
papel passivo diante da mensage1n que recebe, ele é apenas aquele
que recebe a mensagem, 1nas esse receptor faz um esforço para
interpretar esse conteúdo a ele transmitido ?
Essa pergunta evoluiu a uma concepção da leitura como uma inte-
ração entre autor e leitor, em que ambos compartilham uma compre-
ensão textual. Assim, podemos também definir a interpretação como
"o processo de localizar as pistas e sinalizações deixadas no texto
pelo autor e atribuir-lhes significado" (GUIMARÃES, 2012, p. 107).
Para proceder à leitura e à interpretação, o leitor usa algumas
estratégias mentais, muitas vezes de fonna imperceptív el, nem ra-
ciona sobre essas estratégias, simplesmente as emprega. Na verda-
de, são estratégias de leitura, entre as quais citamos as principais :
estabelecimento de objetivos, seleção, antecipação, inferência e
verificação, que desenvolvem ainda o scanning, o skimming e a ati-
vação de conhecimentos prévios. Na Figura 1.4, visualizamos um
esque1na sintético com essas ações.

Figura 1.4 Estratégias de leitura.

Estabelecimento
de objetivos

Seleção
Scanninge ·ºo.
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skimming V'I
8
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Estratégias de u
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Antecipação ..e
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ou
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Inferência o
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CQ
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Verificação

Fonte:Guimarães (2012, p. 108).

Quando buscamos uma leitura por própria iniciativa e de nosso


interesse, é bastante fácil estabelecer os objetivos; por exemplo,
ao procurarmos no jornal a agenda cultural da semana, sabemos
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

de antemão que o objetivo é encontrar um espetáculo, um filme,


uma exposição etc. para assistir em determinado dia.
Mas nas ocasiões em que somos "obrigados" a ler um texto
que a princípio não tem relação com nosso estilo, o que fazer?
Co1n certeza, a tarefa se torna mais difícil porque, sem objetivos
prévios, não temos uma ideia do tipo de informações às quais
atentar. A função do estabelecimento de objetivos é justamente
proporcionar um primeiro roteiro para a leitura, facilitando encon-
trar e compreender as informações.
A seleção, como o próprio nome diz, consiste em separar ao
longo de uma leitura trechos que nos interessam mais do que ou-
tros e os quais pretende1nos usar ou não em outras circunstâncias.
Esse processo se desenvolve, e1n geral, no uso de duas estratégias
(GUilvlARÃES, 2012):
• Scanning ( escaneamento ou varredura) - assim como os
detectores de metais nas entradas dos bancos "varrem" o cor-
po da pessoa em busca de annas ou outros objetos metálicos,
ao realizar um scanning o leitor "varre" o texto em busca de
uma informação específica. Por exemplo: ao chegar à seção
de horóscopo do jornal, você "passa os olhos" rapidamente
pela página até encontrar seu signo.
,
• Skimming - você sabe o que é uma escumadeira? E uma
espécie de colher grande e chata, cheia de furos, que se
passa sobre a superfície de u1n líquido para retirar resíduos.
Em inglês, a ação de passar a escumadeira sobre um líquido
chama-se skimming. Só por essa indicação, você já deve es-
tar imaginando que, na leitura, a técnica de skimming está
relacionada a "filtrar" algo do texto lido ou coletar algumas
informações superficiais. E é isso mesmo : o skimming re-
presenta um passo além do scanning, pois, em vez de bus-
car uma informação pontual, o leitor tenta saber um pouco
mais sobre o texto, geralmente com a intenção de decidir se
vale a pena lê-lo de maneira mais detalhada. Você realiza
um skimming quando abre um portal de notícias da Internet
e examina manchetes, fotos e legendas até decidir em quais
chamadas vale a pena clicar.
A antecipação é outra estratégia de leitura que se dá quando
o leitor v ai captando as pistas e já, antecipando algumas informa-
ções ou conclusões do conteúdo. E uma estratégia semelhante ao
Contexto e conceitos) E
trabalho de um detetive - buscar vestígios, evidências para re-
solver suspeitas, inquietudes. Essa atitude investigativa também é
adotada em relação aos suportes, também conhecidos como veí-
culos, sejam eles gráficos ou não, em que são publicados e dispo-
nibilizados textos para leitura. Saber exatamente em que veículo
determinado conteúdo é publicado permite formular e antecipar
algumas hipóteses para a leitura.
Nesse sentido, nem é preciso se delongar muito no fato de que
a imagem carrega em si um universo de significados e conteúdos,
portanto ela nunca está disposta em um texto sem um sentido pen-
sado por parte do autor. Finalmente, pensar o gênero de cada texto
contribui muito para a leitura nossa de cada dia.
O gênero textual é a definição para modelos enunciativos
pautados em padrões relativamente estáveis, por exemplo, o edi-
tal de concursos públicos, a bula de remédio, o soneto. Essa es-
tabilidade pode ser explicada a partir de seis aspectos, conforme
ilustra a Figura 1.5.

Figura 1.5 Gêneros textuais.

Fonte:Guimarães {201 2, p. 116).

Assim, quanto mais você souber sobre um gênero textual, mais


facilmente poderá formular hipóteses durante a leitura de um texto
pertencente a determinado gênero.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

A cada leitura que fazemos (ou espetáculos ou filmes a que


assistimos, exposições que vistamos; músicas, palestras, aulas
que ouvünos; imagens que vemos), aprendemos o mínimo que
seja e preservamos informações em nossa mente. São os conhe-
cimentos que assimilamos ao longo da vida. No ato de leitura,
que é nosso objeto de estudo, ativamos esses conhecimentos e os
relacionamos com o novo aprendizado; a esse processo denomi-
namos ativação de conhecimento prévios.
Pronto! Agora, você está munido de fundamentos, conceitos,
teorias, orientações e estratégias para viajar pelo universo da lín-
gua portuguesa e sua metodologia.

1. Método e metodologia significam: Corrija as fa lsas escrevendo-as corretamente.


a. O conjunto de possibilidades metodoló- ( ) Ensinar é um processo idêntico ao
gicas e ação docente. aprender.
b. O refletir e o fazer em sala de aula. ( ) Para ser um bom professor, basta domi-
e. Um caminho a ser seguido e um conjunto nar o assunto a ser estudado.
de possibilidades de ação. ( ) Para que o aluno aprenda, basta que o
d. Caminhos diferenciados para o ensino e professor o motive.
uma escolha metodológica ( ) Aprender e ensinar são processos
2. Podemos definir o conceito de didática complexos.
como: s. O que você pensa sobre os objetivos gerais
a. Uma ciência da educação. de ensino estabelecidos pelos Parâmetros
b. Um estudo sobre a escola. Curriculares Nacionais? Eles estão de acordo
e. Um manual de procedimentos escolares. com a realidade escolar no Brasil? São atuais
d. A ciência que ensina o que o professor ou ultrapassados?
deve fazer em sala de aula. 6. No que se refere à língua escrita e falada, você
3. Pesquise na Internet a metodologia de esco- considera que uma é superior a outra? Como
las públicas e privadas e compare-as reflexi- deveria ser o ensino dessas modalidades da
va e criticamente. Há muitas semel hanças e língua na sala de aula?

diferenças? Fonte: (exercícios 1, 2 e 4) Liblik (2012, p. 32 e


4. Escreva nos parênteses,ao la dode cada afirma- 11 7).
ção, se a sentença é verdadeira (V) ou falsa (F).
Contexto e conceitos) E

Leia a seguir a posição do fi lósofo Renato Janine, então ministro da educação (abril a setembro de
2015), a respeito da educação brasileira.

Renato Janine fala em aproximar a educação


ao mundo da cultura
"Acredito na educação como libertação. Saber não "A tendência para escassez de cultura política é
é uma transm issão de conteúdos, não é uma pa- achar que a origem de todos os males está sem-
dronização. Penso que um dos pontos importan- pre na corrupção. E sempre o corrupto é o partido
tes é como a gente aproxima isso do mundo da de que nós não gostamos. É o outro. Quando vejo
cultura"[disse Janine]. esse tipo de discurso, a recusa de diálogo, me pa-
"O mundo da educação é muito mais regulado rece coisa infantil''. explicou.
porque há cursos, currículos, nota, diploma. Es- Sobre como analisaria o reaparecimento de movi-
tou fazendo uma esquematização muito simples. mentos fascistas, Janine informou que vê na atua-
O mundo da cultura, você pode ver o filme Lincoln, lidade mu ita liberdade, mas também insegurança.
do diretor Steven Spielberg, é uma au la sobre es- E que, ao contrário de décadas atrás, as pessoas
cravagismo e abolição. Aula mesmo seria diferente''. não vivem mais dentro de um pacote de identi-
acrescentou Janine, lembrando que o aprender tem dade, que antes trazia garantias. "No passado, cada
se tornado mais uma obrigação e menos um prazer. um de nós vivia em um pacote identitário. A gente
Professor titular de ética e fi losofia política da nasceu na classe média. Tinha umas três ou quatro
Universidade de São Pau lo (USP), o ministro dis- carreiras universitárias para fazer. Iríamos escolher
se estar empolgado com sua nova missão e con- uma, casar no rito religioso. Tudo está pronto e
fessou que, para ele, foi uma "enorme surpresa" a você não sai dele''. observou.
indicação da presidenta para que ele assumisse "De repente, nada mais é obrigatório. Você pode
a pasta . dar vazão ao que você é e ao que você quer. Fi-
O novo ministro também fez reflexões sobre a camos em situação mais instável, mas com maior
democracia brasileira e as recentes manifesta- liberdade, com maior possibilidade de realização
ções de rua. Considerando que a democracia pessoal, mas, estranhamente, com maior possi-
depende de instituições, mobilização política e bilidade de frustração. Acho que esse horizonte
cultura política, o professor avaliou que o país assusta muito''.
ainda enfrenta problemas no terceiro quesito. O futuro ministro acrescentou que, após receber
"O problema é a cultura política. Política quer dizer a indicação para assum ir a pasta, recebeu mu itas
que não existe um lado totalmente certo e outro mensagens. Um pequeno número delas cobrando
totalmente errado. Você tem preferências. Tem de disciplina na sala de aula e até a expulsão de alu-
ter pelo menos dois grupos divergentes, apresen- nos em determinadas situações.
tando propostas diferentes. Mas ambos dignos, "Olho e penso que eles estão falando de condutas
ambos legítimos''. destacou. horríveis, que não podem ser toleradas. Concordo.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Mas a demanda principal é saber se se colocar or- Exercício


dem na bagunça vai resolver. Isto não existe. Este
Logo no início da entrevista o ex-ministro Janine
não é um projeto pedagógico, não é um projeto de
ressalta que"saber não é uma transm issãd'. Em que
país. No Brasil, há uma certa ideia muito antiga de
sentido você acredita que ele usou essa expres-
que, com um homem providencial, autoritário, mal-
são? Ela está de acordo com o que aprendemos
-humorado, despótico, tudo vai funcionar'; concluiu.
nesta unidade, especialmente quanto à transm is-
Fonte: Bocchini (2015). são de conhecimento?

speramos que a unidade tenha iluminado No tema "Aprender e ensinar na escola': entende-

E esse contato in icial com a metodologia da


língua portuguesa e que possa ajudar você
a pensar, pesquisar e reinventar suas práticas didá-
mos o planejamento educacional que se relaciona
à organização do ensino em uma esfera federal,
estadual e municipal e o planejamento escolar a
ticas e pedagógicas. cargo de cada escola e professor. Apresentamos
Definimos método como os passos para alcançar um modelo de plano de aula para ilustrar as eta-
determinado objetivo, metodologia como a ciência pas do dia a dia escolar e a aquisição do coonhe-
que estuda esses passos, possibilitando roteiros para cimento mútuo entre professor e aluno. Falamos
segui-los e didática como a ciência da educação, da importãncia dos recursos visuais para tornar o
a arte do ensinar. Fizemos um percurso histórico na ensino mais atrativo e eficaz.
periodização das práticas educacionais brasileiras e Percebemos que uma das premissas dos Parâme-
seus protagonistas pautados nos estudos de José tros Curriculares Nacionais (PCN) é que os alunos
Carlos Libâneo, Maria da Graça Nicoletti Mizukami precisam ser preparados para adquirir gradati-
e Dermeval Saviani. Aprendemos a teoria da comu- vamente uma competência em relação à lingua-
nicação e linguagem de Roman Jakobson, carac- gem, de modo que eles sejam capazes de resolver
terizada por seis elementos - mensagem, emissor, problemas da vida cotidiana, ter contato com os
receptor, código, canal e referente. Além disso, de- bens culturais e alcançar a participação plena no
dicamo-nos às seis fu nções da linguagem definidas mundo das letras. Nesse sentido, apontamos os
por esse mesmo autor: referencial, emotiva, cona- objetivos, conteúdos, orientações e avaliações que
tiva, fática, metalinguagem e poética. Finalmente, esse documento oferece como possibilidade de
conhecemos os pensamentos de Platão, Aristóteles caminhos.
eTomás de Aquino sobre a educação e a perspectiva Concluímos a unidade apontando como ao longo
ocidental das histórias da filosofia, da pedagogia e do tempo nota-se uma dificuldade de compreen-
da psicologia. der a fala, ou melhor, a oralidade, como cultura do
Contexto e conceitos) E
mesmo modo que a escrita e como isso pode pre- a interpretação do texto como uma maneira que
jud icar o processo de ensino e aprendizagem na encontramos para loca lizar pistas e sinalizações
escola. Além disso, conceituamos a leitura como deixadas no texto pelo autor e, então, atribuir-lhe
uma interação entre autor e leitor, do que decorre significado.
UNIDADE

A oratória
- - - - - - - Objetivos de aprendizagem
• Aprender o que é a fala e como ela é parte integrante da comunica-
ção e linguagem humana.
• Estudar o conceito de variação linguística e algumas possíveis práti-
cas pedagógicas para trabalhá-la em sala de aula.
• Assimilar a fonologia e suas diferentes visões ao longo de sua cons-
trução como ciência e também, especificamente, a fonologia do por-
tuguês.

Temas
• 1 - Como funciona a fala
A partir do pensamento de Saussure, vamos estudar o ato individual,
fisiológico, psíquico e social que origina a fala, atentando-nos ao
modo como ela dá vida à comunicação humana, desde conversas
informais até gêneros mais elaborados, por exemplo, as palestras,
seminários e debates.
• 2 - Variação linguística
A língua tem sua diversidade marcada pelo uso de seus falantes, que
variam conforme o tempo histórico, o lugar, o grupo social, o meio
(oral, escrito) e o estilo (formal, informal). Neste tema, vamos nos
envolver em tal universo multivalente e mostrar como o professor
pode desenvolver práticas para adotá-lo em suas aulas.
3 - Fonologia
Vamos aprender resumidamente dois dos mais importantes pontos
de vista - estruturalista e gerativista - que influenciaram a constru-
ção da fonologia como ciência para, então, nos determos na fonolo-
gia do português brasileiro.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Introdução - - - - - - - - - - - -
Nesta unidade, vamos entender como atitudes tomadas por instinto,
por exemplo o simples ato de pronunciar uma sílaba, são ações com-
plexas que envolvem partes do corpo e processos cerebrais avançados,
em um âmbito que poderíamos considerar interno, e influências do fa-
tor externo, por exemplo, o meio social em que vivemos.
O linguista suíço Ferdinand de Saussure foi, em grande medida, res-
ponsável pela autonomia da ciência linguística; por isso, a partir de
seus estudos pensaremos a origem da fala como uma interação fi-
siológica e psíquica individual e seu funcionamento na comunicação
social. Todos os dias, comunicamo-nos conosco mesmos e com todos
ao nosso redor, isso ocorre em conversas banais sobre o clima até ex-
posições orais que exigem todo o cuidado e elaboração, por exem-
plo, palestras, seminários e debates, gêneros que serão vistos em suas
especificidades.
Ao transmitir suas ideias por meio da linguagem (verbal ou não ver-
bal), o indivíduo expressa todo um conjunto de fatores (tempo his-
tórico, lugar, grupo social, meio e estilo) que influem diretamente na
maneira como ele o faz. Portanto, a subjetividade que define cada ser
humano também torna a língua e o uso por parte de seus falantes um
processo muito diverso. Tal fato traduz o conceito de variação linguís-
tica, que será tema de nosso estudo. Para além disso, veremos tam-
bém algumas possíveis práticas pedagógicas para o professor inserir
a variação em seus planos de aula e estar atento a essas nuances que
o aluno traz de seu universo particular para dentro da escola.
Finalmente, dedicaremos um tempo para aprender resumidamente
a visão estruturalista, que tem em Saussure seu maior expoente, e a
visão gerativista, representada por Noam Chomsky, como distintos
pontos de vista que contribuíram para a constituição da fonologia
como ciência. Em seguida, mostraremos as particularidades da fono-
logia aplicada ao português falado no Brasil.

Como funciona a fala


A língua portuguesa é falada no Brasil, em Portugal, em An-
gola, em Moçambique, em Cabo Verde, na Guiné, em São Tomé
e Príncipe, em Macau e no Timor Leste. Sem mencionar as comu-
nidades de imigrantes, principalmente brasileiros, que vivem ao
A oratória) E
redor do mundo. De acordo com o Camões - Instituto da Coope-
ração e da Língua, órgão do Ministério dos Negócios Estrangei-
ros de Portugal, são 244 milhões de pessoas que falam português
todos os dias, comunicando-se, contando histórias, conversando
com a família e com os amigos, fazendo perguntas nas salas de
aulas (SOCIABILIDA.D E ..., 2015).
Estudar a fala, portanto, é elemento vital para entendermos o
uso, a evolução e a vivacidade da língua portuguesa.
De acordo com Ferdinand de Saussure (2006, p . 19-21), lin-
guista suíço que viv eu entre 1857 e 1913, responsável pelo desen-
v olvimento da linguística como ciência autônoma, a comunicação
entre duas pessoas marca um ato individual de fala e estabelece
u1n circuito, ilustrado pela Figura 2.1.

Figura 2.1 Circuito da fala.

A B

.... ---.. --- ..


~
~--- --- ----- ------------------ ----- ---- --- --
....--
-~--- --------
-------------------- --------- ----- ---
Fonte.· adaptada de Saussure (2006 apud GUIMARÃES, 2012, p. 46).

O ponto de partida do circuito se situa no cérebro de uma delas,


por exemplo, A, onde os fatos de consciência, a que chamaremos
conceitos, se acham associados às representações de imagens
acústicas que servem para exprimi-los. Suponhamos que um dado
conceito suscite no cérebro uma imagem acústica correspondente:
é um fenômeno inteiramente psíquico, seguido, por sua vez, de um
processo fisiológico: o cérebro transmite aos órgãos da fonação um
impulso correlativo da imagem; depois, as ondas sonoras se pro-
pagam da boca de A até o ouvido de B: processo puramente físico.
Em seguida, o circuito se prolonga em B em uma ordem inversa:
do ouvido ao cérebro, transmissão fisiológica da imagem acústica;
no cérebro, associação psíquica dessa imagem com o conceito cor-
respondente. Se B, por sua vez, fala, esse novo ato seguirá - de seu
cérebro ao de A - exatamente o mesmo curso do primeiro e passará
pelas mesmas frases sucessivas[...] (SAUSSURE, 2006, p. 19).
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

A sonorização dessas imagens no âmbito individual é o que de-


nominamos "fala". Indo um pouco mais além, podemos pensar que
todos os seres humanos no mundo, independentemente de sua língua
materna, fazem uso desse circuito para se comunicar, em distintas cir-
cunstâncias, com uma ou mais pessoas, justamente por isso, ademais
de um ato individual, essa ideia traduz também um ato social. De
modo que se fosse possív el reunirmos todas essas imagens acústicas
armazenadas nos indivíduos, alcançaríamos o laço social que consti-
tui a língua. Saussure (2006, p. 21) corrobora essa ideia afirmando:

Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos


os indivíd uos pertencentes à mesma comun idade, um sistema
gramatical q ue existe virtua lmente em cada cérebro ou, mais
exatamente, nos cérebros de um conjunto de indivíduos, pois a
língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de
modo completo.

A sala de aula é uma metáfora desse processo, uma espécie


de comunidade dentro do todo, em que professores e alunos uti-
lizam esse circuito de fala e esse sistema gramatical virtual para
se comunicarem mutuamente e transmitirem conhecimento. Cada
um desses diferentes indivíduos carrega consigo um universo
particular que é refletido nos atos de fala a depender também da
situação em que estes se constroem, por exemplo, a maneira e as
expressões idiomáticas empregadas pelos alunos em uma conver-
sa durante o intervalo são diferentes da explicação de determina-
do conteúdo pela professora. Segundo Ernani Terra (2008, p . 84),
essa variação é denominada registro.
Ainda de acordo com esse autor, a diversidade que m arca o
uso da língua p or meio dos atos individuais de fala resulta dos
seguintes fatores

• Fatores regionais - diferenças da fala decorrentes da influên-


cia geográfica onde o falante habita, por exemplo: quanto aos
sotaques nas regiões do Brasil, o português falado por um gaú-
cho tem marcas linguísticas, co1no fonética e semântica, distin-
tas daquelas do falado pelo mineiro.
• Fatores culturais - o grau de escolarização e a formação
cultural do indivíduo são fatores que determinam o uso da
língua; assim, um falante com nível universitário de ensino se
expressa diferentemente de outro que não teve oportunidade
de escolarização.
A oratória) E
• Fatores contextuais - as circunstâncias em que se produzem
os atos de falas são as mais variadas. Em uma roda de samba,
em uma entrevista de emprego, a conversa com um médico,
as conversas entre amigos, a exposição de Uin seminário, cada
situação exige uma maneira de falar.
• Fatores naturais - a utilização da língua pelo falante tam-
bém sofre influência de fatores naturais, como a idade e o
sexo. Uma criança não fala como um adulto.

A partir do que foi visto, é possível depreender que a fala mo-


biliza muitos aspectos do ser humano, internos e externos. Uma
parte física (as ondas sonoras que chegam ao nosso ouvido), outra
fisiológica (funcionamento do aparelho f onador e auditivo), há
ainda a parte psíquica (imagens acústicas e verbais, conceitos) e
a parte externa ( os fatores regionais, culturais e contextuais, por
exemplo).
No entanto, a fala articula 1nuito mais habilidades e
[...] para um efetivo processo de com unicação, é fundamental que
o falante selecione, entre as va riedades da língua, as formas
que considera mais adequadas, levando em contas as seguintes
questões:

• Dizer o quê? Qual é propriamente a mensagem a sertransm itida?


• A quem? Quem é seu interlocutor?
• Onde? Em que lugar se efetiva o processo de comunicação?
• Como? De que modo e por que meio será transm itida a
mensagem? (TERRA, 2008, p. 87).

Nesse sentido, podemos observar que essas variedades pressu-


põem um nível de fala informal e outro formal. O primeiro é o que
usamos em nosso dia a dia, caracterizado pela espontaneidade, por
exemplo quando falamos ao telefone com nosso melhor amigo ou
amiga. O segundo implica um cuidado maior com o vocabulário
e com as regras gramaticais da língua, por exemplo o discurso de
u1n presidente de determinado país em rede nacional.
Pensando a metodologia da língua portuguesa, o nível de fala
informal cumpre uma função ambivalente - além de constituir
conteúdo a ser explicado em sala de aula porque, conscientes do
funcionamento da fala, os alunos podem ter muito mais autono-
mia e confiança em utilizá-la em seus contextos vários, e também
o professor pode adotar esse esquema, partindo especialmente das
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

questões supracitadas (Dizer o quê? A quem? Onde? Como?), para


organizar sua aula e fundamentar o ensino e a aprendizagem em um
efetivo processo de comunicação e transmissão de conhecimento.

Saiba mais
A aprendizagem segundo Vygotski (1896-1934)

O psicólogo bielorrusso tem uma importante pesquisa sobre o desenvolvi-


mento intelectual da criança, entendido por ele como uma articulação entre
conhecimento científico e cotidiano, ou seja, antes de aprender cientifica-
mente, na escola, a criança carrega consigo significados, experiências e his-
tórias assimiladas no seio da família e no convívio com o mundo ao seu redor
por meio de um "pensamento sincrético, primitivo, em relação aos objetos e
seus atributos, fato que se dá na adolescência, até um nível mais aperfeiçoado,
potencial, que perm ite o agrupamento de objetos semelhantes e ocorre na
puberdade" (NOGUEIRA; LEAL, 2013, p. 91 ). No entanto, nota-se a ausência de
apropriação por parte dos processos escolares dessa cultura prévia do aluno.
Essas funções mentais originais predispõem à aprendizagem do conheci-
mento científico, ou seja, a criança ao chegar à escola conta com uma capa-
cidade para o"aprender".

Esse processo, mediado por uma pessoa mais experiente, irá delimitar a zona
de desenvolvimento proximal (ZDP), que se caracteriza pela distância entre
o nível de desenvolvimento real (NDR) (o que a criança sabe realizar sozinha,
sem auxílio) e o nível de desenvolvimento potencial (NDP) (o que a criança
faz com a mediação de um adulto) (NOGUEIRA; LEAL 2013, p. 92-93).
Nesse sentido, o professor pode potencializar e disparar a aprendizagem dos
conceitos científicos por meio da cognição social e cultura l que o aluno ad-
qu iriu em seu território natal, diríamos. Em sua comunidade, no sentido mais
amplo do termo.

Exposição oral
A fala muito nos envolve com a exposição oral, ou seja, na ma-
neira como falamos em público e para um público. O professor, por
excelência, lida co1n essa prática todos os dias, explicando e expondo
oralmente os conteúdos programáticos de sua respectiva disciplina.
Também os gregos e os romanos, nos primórdios da civ ilização,
há mais de 2 mil anos, se preocupavam com a arte de falar em pú-
blico para informar, convencer, influenciar ou entreter os ouvintes.
A essa arte do bem falar denominamos oratória ou retórica.
A oratória) E
Entendamos por retórica a faculdade de descobrir de modo teórico
o que é adequado a cada caso com o intuito de persuadir. Esta não
é seguramente a função de nenhuma outra arte; pois cada uma das
outras apenas é instrutiva e persuasiva nas áreas da sua competên-
cia, por exemplo, a medicina sobre a saúde e a doença; a geometria
sobre as variações que afetam as grandezas; a aritmética sobre os
números. A retórica parece ter a fac uldade de descobrir os meios de
persuasão sobre qualquer questão dada. E por isso afi rmamos que,
como arte, suas regras não se aplicam a nenhum gênero específico
de coisas (ARISTÓTELES, 2005, p. 95-96).

Vamos estudar esse ato de falar em público, principalmente


em seminários, palestras e debates, situações que nos expõem ao
julgamento alheio, de modo que se preparar para elas é o primeiro
conselho. As definições a seguir são baseadas no livro Comuni-
cação e linguagem (2012), de Thelma de Carvalho Guimarães,
publicado pela editora Pearson Education do Brasil.
Podemos diferenciar alguns tipos de exposições orais de acor-
do co1n suas especificidades. As palestras, em geral, são adotadas
em um contexto profissional e se pautam pelo uso menos formal
da linguagem. As conferências marcam o ambiente acadêmico ou
científico e são mais formais. Os seminários, dentro das escolas
e univ ersidades, se assemelham a uma "aula" pensada e transmi-
tida por um ou mais alunos à sua turma; fora dessas instituições,
assumem o significado de exposições seguidas de debates. Há um
traço, no entanto, que cruza todas essas exposições, a saber : um ou
mais oradores (que têm conhecimento mais amplo sobre o que fa-
lam) expõem determinado assunto a uma audiência (interessados
em aprender mais e conhecer os pontos de v istas dos oradores).
No outro extremo, localizamos os debates, em que dois (ou
mais) debatedores apresentam visões conflitantes sobre determi-
nado tema para uma plateia que, além de aprender, pode participar
rapidamente ao final.
Sem dúvida, em todos os casos, o planejamento oferece me-
lhor organização e qualidade do conteúdo, segurança ao transmiti-
-lo e efetividade em sua recepção.
Nesse sentido, o primeiro passo é pesquisar, pesquisar e pes-
quisar. Procure refletir e responder às seguintes indagações:
• Quanto ao público - qual é o nível de conhecimento que ele
detém sobre o tema? E' "leigo" ou sabe tanto quanto você?
Que motivação ele tem para assistir à sua exposição? Quais
tópicos são mais relev antes para ele?
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

• Quanto ao tema - o que você já sabe sobre o tema? Quais


informações faltam? Que recorte deve ser feito , levando em
conta o perfil e os interesses do público? Assim como na bus-
ca de informações, é útil fazer uma lista de perguntas que
devem ser respondidas na exposição.
• Quanto ao momento e ao lugar da apresentação - de quan-
to tempo você disporá? De que tipo de evento se trata? Você
é o único expositor ou há outros? Em que momento será sua
apresentação - no início do evento, quando o público ainda
precisa ser "aquecido", ou no final, quando ele já está um
pouco cansado? Será possível usar materiais de apoio, como
apresentações eletrônicas ( em slides) ou vídeos?
• Quanto à abordagem - levando em conta os outros fatores,
a abordagem deve ser mais descontraída ou séria, mais pro-
funda ou superficial, mais emocional ou técnica? (GUIMA-
RÃES , 2012).
Com essas respostas, já é possív el escrever ( ou digitar) um roteiro
para sua exposição. No Quadro 2. 1, facilitamos um caminho. Lem-
brando que esse é um entre tantos possíveis, mais generalizado, que
considera a exposição oral como gênero do discurso comunicativo.
Você pode muito bem editá-lo, complementá-lo e/ou sintetizá-lo de
acordo com as circunstâncias e os pressupostos do evento em questão.

Quadro 2.1 Roteiro para a exposição oral.

Abertura Apresentação do expositor e saudação ao público.


O expositor apresenta o tema a ser tratado, o recorte e a abordagem, justificando
Introdução
cada escolha.
Desenvolvimento O expositor discorre sobre o tema na ordem anteriormente anunciada.
Recapitulação e O expositor deve retomar os principais pontos abordados e formular uma síntese.
síntese
O expositor deixa sua mensagem final ao público: pode ser uma opinião pessoal
Conclusão sobre o tema, uma previsão das tendências futuras ou, ainda, uma sugestão de
tópicos para novas palestras.
Participação do Abre-se um espaço para a audiência manifestar suas dúvidas e comentários.
público
O expositor agradece à plateia, aos organizadores do evento (se for o caso) e
Encerramento
despede-se cordialmente.
Fonte: adaptado de Guimarães (20 12, p. 228-230).
A oratória) E
Com esse roteiro estruturado basta explaná-lo, ou seja, plane-
jar o conteúdo a ser falado em cada uma dessas etapas, atentando-
-se principalmente ao desenvolvimento, em que consiste a parte
mais potente de sua exposição.
No que se refere ao debate, a conjectura para sua realização é
a reflexão crítica de um tema polêmico. Esse gênero se classifica
em deliberativo, em que deve haver um consenso sobre os pontos
de vista expostos; e de opinião, em que o principal objetivo é,
em vez de um consenso, trocar ideias, construir um conhecimento
acerca do assunto. Obviamente, a pesquisa prévia é vital para a
construção de um debate, já que se constitui por réplica e trépli-
ca, ou seja, pela oportunidade de contestar o argu1nento do outro,
são necessárias respostas e fundamentação teórica eficientes. Vale
também ressaltar as seguintes características:
• Tempo - o debatedor deve informar-se antecipadamente so-
bre o tempo de que disporá para se manifestar. Os tempos
costumam ser curtos, por isso ele deve sintetizar ao máximo
seu ponto de vista e argumentos.
• Resumo -justamente pela restrição de tempo, o debatedor, em
geral, não pode apresentar materiais de apoio, como uma apre-
sentação eletrônica. O jeito para não se perder nem esquecer
dados importantes (como nomes, valores e estatísticas) é pre-
parar UITI resumo para uso próprio. Durante o debate, bastará
consultá-lo discretamente.
• Contra-argumentos - o debatedor deve prever os contra-
-argumentos que os oponentes podem levantar com relação a
suas opiniões e pensar em possíveis maneiras de refutá-los.
• Articulação das ideias - um exercício interessante durante
a preparação para o debate é treinar certas fórmulas para
apresentar argumentos e contra-argumentos. Debatedores
inexperientes recorrem à mera justaposição: "Eu acho X;
João acha Y, mas eu acho X". O ideal, porém, é retomar a
opinião do oponente, reconhecer seus pontos positivos e,
em seguida, utilizá-la como base para lançar seu próprio
argumento (GUIMARÃES, 2012).

Variação linguística
A língua portuguesa, falada por seus 244 milhões de usuá-
rios ao redor do mundo, é viva, dinâmica (FALANTES ... , 2013).
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

A cada uso - seja nas conversas, nas letras de canções, em redes


sociais e blogs, no hip hop, na fala e na escrita -, influenciado por
aspectos geográficos, históricos, sociais, percebemos constante
inovação e mudança.
No entanto, há ta1nbém u1na força conservadora exercida pela
escola e seus materiais didáticos, pela imprensa, especialmente
pelos jornais, por documentos oficiais, pela Academia Brasileira
de Letras, pelas universidades, pelos compêndios gramaticais, ou
seja, um conjunto de atores que prezam pela língua escrita e seu
uso correto, pautado nas regras de gramática. Segundo os linguis-
tas, essa força conservadora ( a despeito do sentido injustamente
pejorativo que o tenno tem assu1nido) ajuda a lentificar as mudan-
ças, ev itando que o sistema linguístico se torne estranho ao falante
diante de alterações abruptas e, no limite, a ruptura do próprio
sistema. Ou seja, que a língua respira pela relação dialética entre
mudança e conservação.
A variação linguística repousa sobre esse movimento ambiva-
lente da língua, mais propensa, claro, aos processos inovativos e
de mudança. Se pensannos historicamente, no desenvolvimento
e na formação do Brasil, do passado pré-colonial à atual confi-
guração, perceberemos a sociedade indígena com suas línguas
nativas, a presença de Portugal, com sua cultura letrada e o en-
sino a cargo dos jesuítas, a cultura africana e sua forte influência
nos costumes brasileiros, a vinda de imigrantes italianos, alemães,
japoneses etc., criação de universidades e instituições de ensino,
República, ditadura, democracia, modernização, globalização, In-
ternet e tantas outras forças políticas, sociais e culturais. A língua
acompanha de perto a evolução dessa sociedade heterogênea e
multifacetada, sendo também ela heterogênea e multifacetada.
Nesse sentido, podemos classificar a v ariação linguística em
diacrônica, quando o foco é a mudança ao longo do tempo, e sin-
crônica, quando se analisa a partir da conviv ência de diversas rea-
lidades em um mesmo período histórico. As variações sincrônicas,
por sua vez, estão divididas em variações diatópicas, diastráticas,
dia1nésicas e diafásicas. Veja1nos cada uma delas.

• Variação diacrônica - formas como intãoce, variante de


então, são certamente resíduo histórico, que denominamos
arcaísmo, expressões próprias de áreas conservadoras, como
a zona rural do início do século XX, e "constitui a preserva-
ção da forma arcaica entonce, provinda, ao que parece, das
A oratória) E
formas hipotéticas *in + tuncce < estonce (are) < *ex tuncce"
(COUTINHO, 1970, p. 266), exemplo de que esta variação
que se dá ao longo do tempo, o que é facilmente perceptível
em textos escritos no passado.
• Variação diatópica - relacionada a lugar, ou melhor, à re-
gião onde o falante nasceu ou mora, por exemplo, a palavra
"jerimum", muito usada na Bahia, corresponde ao que os po-
vos do Sul e Sudeste chamam de "abóbora". Veja mais casos
no Quadro 2. 2.

Quadro 2.2 Exemplos de variações diatópicas observadas no Brasi l.

• O r retroflexo ("r caipira") nas zonas rurais de São Paulo, sul de Minas e do Paraná, em
Na pronúncia palavras como porta e verde.
• Os chiante dos cariocas, em palavras como festa e arroz.

• A forma tu visse, usada em certas partes do Nordeste no lugar da canônica tu viste.

Na morfologia
• A forma tu fazes (com concordância regular), usada em certas áreas de colonização
açoriana em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul e em áreas urbanas do Maranhão
e
e do Pará. Ela se contrapõe à forma tu faz (com concordância irregular), usada em
na sintaxe
contextos informais em quase todo o país.
• A construção "sei, nãd' (em vez de "não sei"), comum no Nordeste.

No • As formas bergamota (região Sul), mexerica (São Paulo e Minas Gerais) e tangerina
vocabulário (Rio de Janeiro e resto do país) para designar a mesma fruta.

Fonte: Guimarães (2012, p. 43).

• Va riação diastrática - marcada pelo grupo social a que per-


tence o falante e também pelo nív el de escolaridade, sexo,
faixa etária, profissão. Frases como "Aí, mano! Tá ligado?
Cola na área pra ver qual é! " e "Precisamos alinhar o escopo
do projeto à estratégia da empresa" expressam essas diferen-
tes influências.
• Variação diamésica - ocorre no meio pelo qual se dá a co-
municação, oral ou escrito, já estudamos, por exemplo, di-
ferentes gêneros de exposição oral: palestra, seminários e
debate; do mesmo modo, na escrita, existem profundas dife-
renças entre um trabalho acadêmico e o post sobre o almoço
em família no Facebook. A oralidade e a escrita implicam
diferentes habilidades; as principais delas estão sintetizadas
no Quadro 2.3.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Quadro 2.3 Síntese das principais diferenças entre oralidade e escrita.

Oralidade Escrita
O momento de produção e o de recepção Há defasagem entre o momento de produção
do texto são simultâneos. e o de recepção.
É possível negociar o sentido com o O autor deve antecipar possíveis dúvidas
interlocutor e, também, corrigir-se. do leitor e trata r de esclarecê-las ainda no
momento de produção.
O texto é coconstruído: para comunica r- O autor produz o texto solitariamente e, depois,
se melhor, os interlocutores interagem o o leitor deve reconstruir seus significados
tempo todo, usando tanto a linguagem também sozinho.
verbal quanto a não verba l.
É impossível "voltar atrás" no que foi dito. É possível revisar o texto quantas vezes for
necessário.
O processo de produção é transparente: o O processo de produção fica oculto: o leitor
interlocutor "vê" seus erros e correções. tem acesso apenas ao texto final.
É impossível consultar outras fontes É possível consultar outras fontes e checar as
durante a produção. informações.
O planejamento é local: enquanto está O planejamento é global: a pessoa planeja o
falando uma frase, a pessoa pensa na texto como um todo e, caso se desvie do plano
próxima. inicial, pode aceitar a nova ordem ou voltar atrás.
Tende a haver maior tolerância a erros e, Tende a haver maior cobrança e, portanto, ma is
portanto, mais informalidade. formalidade.
A obediência à norma padrão costuma ser A norma padrão costuma ser seguida com mais
menos rígida. Por exemplo: as marcas de rigor, até porque é possível revisa r o texto.
plural às vezes desaparecem.
Predomínio de frases curtas e simples: "Para a primeira aula, está prevista uma revisão
"Bom dia, pessoal! Hoje a gente vai dar uma dos fundamentos de cálculo, a começar
recordada na equação de segundo grau. pela equação de segundo grau. Os alunos
Vamos abrir o livro na página 10 que eu resolverão uma série de problemas em sala, sob
já explico''. Predomínio de frases longas e a supervisão do professor'.'
complexas.
Predomínio da voz ativa e da ordem direta: Uso frequente da voz passiva e da ordem indireta:
"Vamos revisar os fundamentos de cálculo". "Serão revisados os fundamentos de cálculo''.
Abundância de "frases quebradas" Maior linearidade na composição das frases:
(a nacolutos): "Essas optativas, precisa fazer o "Para inscrever-se nas disciplinas optativas, é
pré-requisito primeiro''. preciso ter cumprido os pré-req uisitos''.

Fonte.· Guimarães (2012, p. 48-49).


A oratória) E
• Variação diafásica - relacionada ao estilo, ao modo de falar,
mais formal ou informal, a depender da circunstância da fala .
No restaurante com os amigos, falamos de forma mais descon-
traída e espontânea; ao apresentar o trabalho de conclusão de
curso (TCC) ou a dissertação de mestrado, empregamos uma
linguagem mais formal, marcada pela correção gramatical.
Damos o nome de registro ou nível de linguagem à variante
linguística condicionada pelo grau de formalidade da situação
comunicativa. Assim, há registros ou níveis de linguagem mais
e menos formais. A Figura 2.2 ilustra essas diferenças.

Figura 2.2 Registros ou níveis de linguagem.


Mais formal

Modalidade oral Oratório


Ex.: sermão.
Formal (deliberativo) ,...._,,..
Ex.: conferência, palestra. Hiperformal
Coloquial Ex.: sentença
Ex: conversa entre colegas Formal judicial.
não muito íntimos. Ex~ correspondência oficial.
Casual
Ex.: conversa entre amigos. ..,..,...., Semiformal
Familiar ,....___,,.. Ex.: carta comercial
Ex: conversa .....--..,..,, Informal
familiar privada. x: carta a amigo ou parente
Pessoal
Ex: bilhete na geladeira Modalidade escrita

Menos formal
Fonte: Bowen (apud TRAVAGLIA, 2002, p. 54).

Pensando a variação linguística como


prática pedagógica
Para o trabalho em sala de aula com o tema variação linguística,
apresentamos aqui algumas propostas que podem ser reinventadas,
complementadas e adaptadas ao contexto de cada escola.

Proposta I
Com o intuito de provocar a reflexão diacrônica, é possível
apresentar algum texto do português arcaico para que o aluno pos-
sa ver mais claramente a evolução histórica da língua, fazendo
também um esforço de adaptação ao português contemporâneo
pelo aluno. Como exemplo, selecionamos uma cantiga de amor
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

(trovador ou "eu-lírico" expressa, em um tom doloroso , a angústia


do amor não correspondido e idealizado) de Paio Soares de Tavei-
rós, contemporâneo de D . Sancho I, rei de Portugal entre 1185 e
1211 , cuja inspiradora é D. Maria Paes Ribeiro, a Ribeirinha, filha
de Paai Moniz e amante do rei Sancho I.
Cantiga da Garvaia (ou Cantiga da Ribeirinha)
No mundo non me sei parelha,
ment re me for como me vai,
ca ja moiro por vós e ai!
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retra ia
quando vos eu vi em saia.
Mao dia me levantei,
que vos enton nom vi fea!
E, mia senhor, des aquelha
me foi a mi mui mal di'ai!
Evós, filha de dom Paai
Moniz, e bem vos semelha
d'aver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d'alfaia
nunca de vós ouve nen ei
valia d'ua correa
Paio Soares de Taveirós

Apresentamos um pequeno v ocabulário para ajudar na per-


cepção da evolução histórica da língua - como as palavras eram
escritas à época da cantiga e como o são hoje; qual o significado
semântico de outrora e o de agora. Esse vocabulário também será
usado para a atividade que propomos em seguida.
• Nom me sei parelha - não conheço ninguém igual a mim.
• M entre - enquanto.
• Ca -pois.
• Branca e verm elha - a cor branca da pele contrastando com
o vermelho do rosto, rosada.
• Retraya - descrev a, pinte, retrate.
• En saya - na intimidade; sem manto.
• Que -pois.
• Des - desde.
• Semelha - parece.
A oratória) E
• D'haver eu por vós - que eu vos cubra.
• Guarvaya - manto vermelho que geralmente é usado pela
nobreza.
• A lfaya - presente.
• Va lia d' ua correa - objeto de pequeno valor.
A partir do texto supracitado, o trabalho e1n sala de aula pode
ser pautado pelo esforço de traduzir a variante mais antiga do por-
tuguês , empregada na cantiga, para o português contemporâneo.
,
Primeiro, peça ao aluno para o fazer sozinho. E válido ressaltar
que esse exercício não precisa e não deve ser considerado ao pé
da letra, não é necessário que a tradução seja a mais correta nesse
momento, ou seja, caso o aluno faça a tradução de alguma palavra
por uma gíria que ele usa em seu próprio 1neio não a corrija como
erro, planeje um exercício de livre tradução. Em um segundo mo-
mento, junto de toda a turma, faça a tradução a partir do voca-
bulário, comparando principalmente os elementos evolutivos da
língua, como eram as formas arcaicas e como as escrevemos hoje.
Por fim, peça aos alunos para comparar as traduções.

Proposta li
O texto a seguir é de autoria de José de Souza Martins, pro-
fessor aposentado do departamento de sociologia da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo e fala sobre o nheengatu, a primeira língua nacional do Bra-
sil, hoje praticamente extinta.
O nheengatu, também conhecido como língua geral, é a verdadei-
ra língua nacional brasileira. O nheengatu foi língua desenvolvida
pelos jesuítas nos séculos XVI e XVII, com base no vocabu lário e na
pronúncia tupi, que era a língua das tribos da costa, tendo como
referência a gramát ica da língua portuguesa, enriquecida com
palavras portuguesas e espanholas. A líng ua geral foi usada corren-
temente pelos brasileiros de origem ibérica, como língua de con-
versação cotid iana, até o século XVIII, quando foi proibida pelo rei
de Portugal. Mesmo assim, continuou sendo falada. Da língua ge-
ral, ficou como remanescente o dialeto caipira, tema de dicionário
e objeto de estudos linguísticos até recentes. Sobraram pronúncias
da língua tupi, reduções e adaptações da língua portuguesa. Um
jesuíta, no século XVI, já observara que os índios da costa t inham
grande dificuldade para pronunciar letras como o "ele" e o "erre''.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Especialmente, na finalização de palavras, como "quintal'; "animal';


"embornal"; ou verbos como "falar'; "dizer'; "fugir", "pôr''. Essas letras
foram simplesmente suprimidas e as palavras transformadas em
"quintá'; "animá'; "borná" (em que o erre tem um som quase devo-
gal, próximo do "ele" e do "u"), "falá'; "dizê'; "fugi'; "pô''. Dificuldades
também havia para pronunciar as consoantes dobradas. Daí que
no dialeto caipira "orelha" tenha se tornado "orêia" (uma consoante
no lugar de três; q uat ro voga is no lugar de três), "coalho" seja
"coaio" "colher" tenha virado "cuié" "mulher" seJ·a "muié" "os olhos"
1 I 1

sejam "o zóio", "homem" seja "óme''. E no Nordeste ainda se ouve a


suave "fulô" no lugar da menos suave "flor". Uma abundância de
vogais em detrimento das consoantes, até mesmo com a in-
trodução de voga is onde não existiam. Exatamente o contrário
da evolução da sonoridade da língua em Portugal, em que pre-
dominam os ásperos sons das consoantes, às vezes dificultando
que um brasileiro compreenda o que ali se diz. No Brasil, a língua
portuguesa ficou mais doce e mais lenta, mais descansada, justa-
mente pela enorme influência das sonoridades da língua geral, do
nheengatu. Nossa língua cotid iana está algo distanciada da língua
portuguesa, que é a oficial e, num certo sentido, é uma língua im-
portada. Não raro, viajamos entre toponímicos tupis. Na cidade de
São Paulo, transito regularmente entre o Butantã, onde fica a Ci-
dade Universitária, e Carapicuíba e o Embu, onde costumo levar
meus alunos, periodicamente, para uma aula de rua. Sem contar o
cemitério do Araçá, onde também os levo para aulas abertas. Ou
os levo ao Museu Paulista, no lpiranga, para outra aula, ou à Mooca,
para observações etnográficas sobre uma festa italiana. Faço tudo
isso por dentro da língua tupi. Como posso ir do Rio Guaíba à Paraí-
ba ou ao Pará ou ao Piauí sem achar que estou falando uma língua
estrangeira, que ela não é. Em escolas rurais de povoados do Mato
Grosso, do Pará e do Maranhão, observei um fato curioso. Uma vez
que as crianças escrevem como falam, não é raro que acrescentem
de preferência um erre às palavras oxítonas, a letra usada como
acento agudo: "ater'; em vez de "até"; "Joser'; em vez de "José''. Algo
que tem sua curiosa legitimidade no modo como se escrevia ofi-
cialmente o português até meados do século XIX, letras fazendo
as vezes de acentos e sinais. Nesse então, nos documentos oficiais
se escrevia"aSim"para dizer"assim''. A própria língua falada, no con-
fronto com a escrita, oferece às crianças inteligentes a chave de
adaptação de uma a outra: se elas dizem"falá"e veem que a palavra
escrita é "falar'; logo entendem que o erre é aí acento e não letra
para ser pronunciada. É comovente a reação dos jovens quando
A oratória) E
descobrem que são falantes do que resta de uma língua que já foi a
língua do povo brasileiro, e que conhecem um grande número de
sons e palavras tup is. O que lhes dizem que é erro e ignorância, na
verdade é história social, valorosa sobrevivência da nossa verdadei-
ra líng ua brasileira. Se não fosse assim, seria impossível rir daquela
história de dois amigos mineiros que resolveram temperar a prosa
com café. Eforam para a cozinha. Ág ua fervida, coador preparado,
um pergunta para o outro:"Pó pô o pó?''. Eo outro responde, fi rme:
"Pó pô!''. De fato, somos um povo bilíngue e o reconhecimento des-
se bilinguismo seria fundamental no trabalho dos educadores, em
particular para enriquecer a compreensão da língua portuguesa,
últ ima flor do Lácio, inculta e bela, mais bela ainda porque invadida
por esse outro lado da nossa identidade social, que teimamos em
desconhecer (MARTINS, 2005, p. 45-47).

São muitas as ideias de trabalho que esse texto pode despertar:


a própria extinção e o desconhecimento por parte da maioria dos
brasileiros dessa língua que poderia ser a nossa língua materna,
todos poderíamos estar falando o nheengatu nas ruas. Você sabia
da existência dessa língua? O que lev ou o português a se sobrepor
ao nheengatu? Por que as escolas nem se quer mencionam sua
existência?
Co1n essa proposta, espera-se um duplo movünento. Pensar,
reflexiva e criticamente, a sobreposição de uma língua sobre outra
e pensar a variação linguística que o texto traz à tona.
No primeiro movimento, por que, hoje, falamos português, e
não o nheengatu? Para desenvolver esse questionamento juntos
dos alunos, é importante ter em mente o decreto real de Marquês
,
de Pombal, de 1757, conhecido como Diretório dos Indios, que
de acordo co1n a resenha publicada na Revista Didática Sistêmica
(RESENHA ... , 2008, p . 164-166), "impõe definitivamente o uso
do português em todo o território brasileiro".
Não se t rata mais, apenas, de conceber as línguas como represen-
tação, mas sim como fonte de comun icação e de estabelecimento
de laços sociais. É este período em que os laços língua-nação se
estreitam no mundo europeu: afirmar uma nação, com uma identi-
dade própria é também afirmá-la linguíst icamente unitária e homo-
gênea; uma mesma língua falada por um conj unto de cidadãos. A
tensão que se instala no território brasileiro, durante a colônia, passa
a ser vista como algo que deve ser debelado pela instituição de uma
política linguística que se apoia na necessidade de promover uma
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

unidade linguística: para a metrópole portuguesa, o exercício de


uma política unitária de imposição da língua portuguesa represen-
tava a possibilidade de domesticação e absorção das diferenças de
povos e cu lturas indígenas que se encontravam fora dos parâme-
tros do que se entendia como civil ização na época. Também para a
igreja, a ideia de unidade linguística era bem-vinda, já que facilitava
o processo de implantação do cristianismo no Novo Mundo, mas
com a diferença que, para ela, a língua geral dos nativos era a mais
apropriada aos seus propósitos cateq uéticos. Para a Coroa, con-
tudo, o emprego do português como língua da unidade colonia l
representava mais do que uma regulação jurídica que enquadrava
no mesmo cabedal jurídico todos os súditos do rei: representava a
imposição de uma memória com um a todos os falantes.

A partir do texto proposto e do trecho supracitado, é possí-


vel estabelecer uma discussão sobre as estratégias de domínio
que uma língua, por meio de estratégias políticas do Estado, pode
exercer sobre outra.
No segundo movimento, é interessante pensar o(s) tipo(s ) de
variação(ões) linguística(s) a(s ) que o texto re1nete, especialmente
no trecho:
Essas letras foram simplesmente suprimidas e as palavras trans-
formadas em "quintá''. "animá''. "borná" (em que o erre tem um som
quase de vogal, próximo do ele e do "u"), "falá''. "dizê'; "fugi'; "pô''. Difi-
culdades também havia para pronunciar as consoantes dobradas.
Daí que no dialeto caipira"orelha"tenha se tornado"orê ia"(uma con-
soante no lugar de três; quatro vogais no lugar de três), "coalho" seja
"coaio'; "colher" tenha virado "cuié'; "mulher" seja "muié''. "os olhos"
sejam "o zóio'; "homem" seja "óme''. E no Nordeste ainda se ouve a
suave "fulô" no lugar da menos suave "flor" (MARTINS, 2005, p. 46).

Co1no j á estudamos, a variação linguística se dá com a evolu-


ção da língua, 1nais propensa, claro, aos processos inovativos e de
mudança.

Link Proposta Ili


Antes de prosseguirmos,
A partir da canção "Velhos amigos" (201 O), do rapper Emicida,
leia a letra da canção
a proposta é estudar a variação diastrática, marcada pelo grupo so-
"Velhos amigos". Acesse:
cial a que pertence o falante, e pensar junto com os alunos o motivo
<www.vagalume.
pelo qual seu autor manteve essa v ariação, com traços claramente
com.br/emicida/
orais, na escrita. Trazer à tona o apelo crítico de canções como esta
velhosamigos.html>.
e do gênero hip hop.
A oratória) E
Para essa proposta, a pergunta é: as línguas sofrem influência
quando entram em contato com outros elementos, como cultura,
contexto geográfico (ambiente urbano ou rural; periferia ou cen-
tro), situação socioeconômica do falante-escritor, objetivo (artís-
tico, crítica social) etc.?
No caso da canção "Velhos a1nigos" há um objetivo estético,
artístico e de crítica social em que é importante firmar essa varie-
dade, mas, para chegar à resposta, é importante retomar os tipos
de variação linguística, ressaltando que o falante reflete sua va-
riante na fala ou na escrita. E, a partir disso, descontruir o precon-
ceito linguístico.
Nesse sentido, outras questões poderiam ajudar a reflexão
do aluno. A música está na norma padrão da língua portugue-
sa? Há algum motivo para que não esteja? Alguma palavra ou
expressão mostra a classe social do autor? Seu grau de escola-
ridade? O lugar de onde veio ou de onde escreve? Se a canção
fosse transcrita ao português culto teria o mesmo sentido, seu
objetivo seria alcançado?

Inteligência linguística
A linguage1n, inerente ao ser humano, dispara e potencializa
o desenvolvimento e a formação dos indivíduos, e os primeiros
propósitos comunicativos são exemplos disso. Desde o olhar de
um bebê atento a tudo o que o cerca até a boa desenvoltura quanto
à comunicação quando adulto, a inteligência linguística estimula
e exercita as habilidades humanas no campo da língua e de seu
uso e1n todos os âmbitos e fases da vida. De acordo com Meyer
(2012), essa questão é entendida mais detalhadamente

• Quando bebê - muito cedo o bebê emite sons articulados que


revelam seu esforço, às vezes, doloroso, em tentar falar alguma
coisa, exprimir sua vontade. Dotado de inteligência linguísti-
ca, usa a linguagem do choro, do riso, do balbucio, de sílabas
sequenciadas, de movimentos corporais para se comunicar e
obter o que deseja, sem pronunciar uma única palavra.
• Na educação infantil - a criança com inteligência linguísti-
ca potencializada nessa fase costuma ser muito participativa
e sempre tem resposta na ponta da língua. Conta tudo o que
acontece na escola e em casa, adora ouvir histórias, memo-
rizando-as e, reproduzindo-as de outras maneiras com 1nuita
facilidade. E criativa, desinibida, gosta de cantar e estar com os
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

holofotes em sua direção. Costuma falar o tempo todo . Nesse


nível de ensino, recomenda-se que o professor use e abuse da
contação de histórias, pedindo para que os alunos as recontem,
além de desenvolver atividades com adivinhações e münicas.
• No fundamental I - ainda no ritmo da educação infantil, a
criança sabe tudo o que se passa ao seu redor e já tem uma
noção bem desenvolvida dos acontecimentos do mundo. Um
adulto precisa ter sensibilidade e perspicácia para respon-
der às perguntas e curiosidades de uma criança com ampla
inteligência linguística nessa fase. Gostam de ler e, desse
aspecto, o professor pode se aproveitar para pensar em estra-
tégias de leitura. Ler obras de teatro, notícias e informações
curiosas sobre o mundo e o porquê das coisas são atividades
instigadoras.
• Na adolescência - o gosto pela leitura continua nesse mo-
mento da vida, hábito que potencializa ainda mais suas carac-
terísticas, de modo que esse aluno demonstra facilidade em
estudar; vontade de aprender e pesquisar, especialmente, na
Internet; buscar o significado das palavras. Também se inte-
ressa por filmes e imagens e busca sempre novas ideias e co-
nhecimentos, ou seja, é um prato cheio para o professor, que
pode seguir esse lado audiovisual para desenvolver práticas
multidisciplinares.

E' papel do professor estar atento a essas nuances e aprov eitá-


-las o máximo possível. Trazer para a sala de aula os interesses
dos alunos pelas questões e temas do mundo, integrando-os à
realidade da escola, da comunidade e dos alunos como suJeitos
individuais traduz um processo de ensino e aprendizagem eficaz.
Vale ressaltar que muitas crianças e adolescentes podem ser (e
são!) dotados de inteligência linguística, mas não a expressa tanto
por 1neio da fala, sendo mais reservados. E' importante respeitar
essa subjetividade. Existem alunos que, em v ez de se expressar
oralmente, fazem-no por meio da escrita. Em vez de ler em voz
alta, gostam de ler no silêncio do seu quarto. Muitos escritores de
sucesso são assim, não se esqueça disso.

Fonologia
Para entender a fonologia, vale retomar o pensamento de Saussure
(2006, p. 21 ), visto no início desta unidade, a respeito da língua como
A oratória) E
[...] um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíd u-
os pertencentes à mesma comun idade, um sistema gramatical que
existe virtualmente em cada cérebro o u, mais exatamente, nos cére-
bros de um conj unto de indivíd uos, pois a língua não está comp leta
em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo.

Nesse horizonte, a língua constitui uma espécie de acordo


transcendente entre seus falantes e a fonologia é parte integrante
do processo; do contrário, não seria possív el entender a variedade
de sons que produzimos todos os dias.
É somente no início do séc ulo XX que se desenvolve uma d is-
cipl ina da linguística q ue, diferente da fonética, passa a se inte-
ressar pela função linguística dos sons da fa la. A partir daí, são
estabelecidos os sons de fala pertinentes à descrição linguísti-
ca, j ustamente porq ue servem para fazer distinções de senti-
do. Como exemplo, podemos dizer que no port uguês brasile i-
ro temos duas consoantes distintas em /J/ e / 3/, não porque
elas simplesmente se d iferenciam pe lo vozeamento, mas sim
porq ue são elas (e apenas elas) q ue diferenciam o sentido das
pa lavras "chato" ('Jato] e "jato" (' 3ato] ou de "acha" ('aJ-e] e "haja"
(' a3-e]. Da mesma forma, temos duas consoantes distint as em /p/
e /b/, porque d iferenciam o sentido das pa lavras "pata" [ 'pat-e]
e "bat a" (' bat-e]. No entanto, não levamos em conta, para o est a-
be lecimento de sentido, variações qualitativament e semelhan-
t es, como o que vemos nas possibilidades de produção da pa-
lavra "paz" que pode ser pron unciada como: ('pas], (' paj], ('paz],
(' pa3], conforme o dialeto e/ou o ambiente em q ue essa palavra
ocorre. Saber por que algumas diferenças sonoras às vezes d i-
ferenciam palavras e às vezes se an ulam é uma das principais
linhas de investigação da fonologia (SEARA; NUNES; LAZZAROT-
TO -VOLCÃO, 2015, p. 92-93).
Fique atento
O estudo da fono logia nos dá caminhos mais científicos e segu-
No que diz respeito à
ros para entendermos algo que, muitas v ezes, realizamos de modo
transcrição fonética,
instintivo - a compreensão de quais sons e combinações "podemos"
como você verá nas
ou "não podemos" produzir em determinadas línguas. Ao longo de
citações textuais,
sua estruturação como conhecimento científico, à medida que o
a utilização dos
olhar sobre o objeto da fonologia mudou (e continua mudando),
[colchetes] se dá nos
mudaram também as teorias desse objeto, de modo que n os depara- fones e de /barras/
mos com distintas escolas de pensamento fonológico, por exemplo, nos fonemas.
a estruturalista e a gerativ ista.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Visão estruturalista
Para as correntes estruturalistas, o elemento sonoro prevale-
cia sobre os demais (morfológico ou sintático) e, mais uma vez,
retomamos nosso Ferdinand de Saussure, pois essa vertente da
fonologia alicerça suas bases a partir das contribuições publicadas
na obra Curso de linguística geral, em 1916. Em poucas palavras,
pode1nos dizer que a fonética tem como foco a fala e a fonologia,
a língua, separando, assim, essas duas ciências, por conta de seus
diferentes objetos de estudo.
Saussure considera a língua um sistema de signos linguísticos
que são entidades psíquicas de duas faces : um conceito e uma
imagem acústica. Foi essa ideia de sistema, de estrutura, que deu
base ao estruturalismo linguístico.

Saiba mais
Um signo é uma entidade formada por uma parte material, o significante; e
uma parte imaterial, o significado. Por exemplo, quando penso em uma jane-
la, é impossível "pegar" meu pensamento: o significado de janela em minha
cabeça é imaterial. Porém, posso torná-lo real por meio de um significante - a
palavra janela que se materializa em letras, na escrita; e em sons, na fala.

Fonte: Guimarães (2012, p. 5).

A concepção de que a fonologia deveria ser uma ciênc ia sepa-


rada da fonética foi também usada por um grupo de cientistas
europeus, conhecidos como participantes do Círculo Linguístico
de Praga ou Escola de Praga (a partir principalmente de 1926);
dentre eles destacam-se Nikolaj S. Trubetzkoy e Roman Jakobson.
Os foneticistas anteriores ao Círculo Linguíst ico de Praga descre-
viam os sons da língua fundamentados na física e na fisiologia,
apresentando tal ciência como paralela à linguística. Trubetzkoy
e seus colegas, através da nova fonologia, mostram os sons da
língua como elementos constitutivos das palavras e com funções
gramaticais bastante claras, separando, assim, a fonologia da foné-
tica (que estu daria os sons a partir da física acústica e da fisiologia
articulatória), levando paulati namente à const itu ição da fonologia
nos moldes como a conhecemos hoje. É nesse contexto que sur-
ge o interesse pelo estudo do fonema, definido como uma uni-
dade que não pode ser analisada em unidades fonológicas ainda
A oratória) E
menores. Para essa fonologia, o fonema seria a menor unidade de
análise da língua (o primitivo de análise) (SEARA; NUNES; LAZZA-
ROTTO-VOLCAO, 2015, p. 96).

Visão gerativista
O nome mais relevante para essa perspectiva é N oam Chomsky :
linguista, filósofo, ativista político norte-americano e professor de
linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Aqui, di-
ferentemente dos estruturalistas, que se limitavam à descrição, os
gerativistas descrevem e explicam os dados linguísticos. Nesse
sentido, Cho1nsky evidencia uma nova dicotomia, fundamentada
na oposição entre o conhecimento de uma pessoa sobre as regras
de sua língua, fato denominado competência, e o uso efetivo dessa
língua, ou seja, o desempenho. Por isso, para esse grupo o compo-
nente sintático, que está no campo da competência, tem primazia
para a explicação dos dados (SEARA; NUNES; LAZZAROTTO-
-VOLCÃO, 2015, p. 97).
A partir dessa dicotomia, percebem-se maiores possibilidades
de uso da língua, pois o conceito de competência é utilizado para
explicar de que modo os falantes têm a faculdade de criar e reco-
nhecer enunciados que nunca falaram ou ouviram.
A fonologia é, então, um módulo da gramática e as regras feno-
lógicas geram ou transformam as formas subjacentes ( do domínio
da competência) em formas de superfície (do domínio do desem-
penho). A noção de que fonemas, de acordo com Seara, Nunes e
Lazzarotto-Volcão (2015, p. 100), não mais pensados como unida-
des mínimas, mas como traços distintivos que opõem as palavras
entre si e são identificados a partir da representação das capacida-
des fonéticas gerais do ser humano, sem considerar nenhuma língua
específica.
Todos esses modelos estudam a organização da cadeia sonora
da fala. Mas o que vem a ser isso? Todos nós, falantes do portu-
g uês brasileiro, temos uma intuição de como os sons da nossa
fala se organizam, e essa intuição é geralmente colocada em
uso de maneira mais explícita, por exemplo, quando emprega-
mos uma palavra estrangeira em nosso dia a d ia sem conhe-
cimento explícito dessa língua estrangeira. Vejamos a palavra
skate, q ue vem do inglês e que apresenta uma estrutura so-
nora que não é própria do portug uês brasileiro, formada pelo
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

encont ro consonantal [sk] e por uma sílaba t erminada em [t].


Como a pron unciamos? [if ' kej t1] ou [is' kejtf1], não é mesmo?
No entanto, a pron úncia em inglês seria[' ske1t]. O que fazemos
q uando a pron unciamos? Inserimos uma vogal no início da pa-
lavra, já que, em português, não temos em início de palavra a
sequência [sk], transformando essa seq uência em d uas sílabas
(is - kej), e colocamos outra voga l no final da palavra, pois não
temos palavras em português t erminadas por um [t], adic io-
nando assim ma is u ma sílaba à palavra original ([tI] ou [tf1]), e
tendo como resultado as pronúncias [i s.'kej.t1] ou [is.'kej.tf1] (o·:
serve para assinalar as sílabas). Isso mostra como func iona o nos-
so conhec imento implícito da organização dos sons de nossa
própria língua, e é isso que a fonolog ia te nta modelar: a forma
como constituímos essa intuição, ou seja, como o sistema de
sons de uma dada língua está representado em nossa ment e
(SEARA; NUNES; LAZZAROTTO-VOLCÃO, 2015, p. 98).

Fonologia do português brasileiro


Agora, veremos co1no os sons se organizam em encadeamen-
tos coerentes de enunciados na língua portuguesa. Vimos os dife-
rentes pontos de vista para o conceito de fonema, mas, atualmente,
ele remete ao aspecto abstrato, ou melhor, mental, da representa-
ção fonética, que, por sua vez, é o som propriamente dito , a parte
concreta que ouvimos.
U m fonema é considerado como tal quando permite contras-
tar duas palavras em um mesmo contexto linguístico, por exem-
plo, em "pata" ['patB] e "bata" ['batB] temos duas consoantes
distintas em /p/ e /b/, que, portanto, são fonemas . Em síntese,
é a unidade sonora mínima com valor distintivo no contexto de
determinada língua, enquanto o fone é a unidade sonora mínima
da fala, de modo universal.
Além disso, nesse caso, os significados dos vocábulos também
são diferentes, assim "pata" e "bata" constituem um par mínimo,
ou seja, uma diferenciação entre dois fonemas que é exposta pela
menor variação possível entre duas palavras. Já em um paraná-
logo nem todos os segmentos são iguais, mas o contexto fonéti-
co apresenta semelhanças. O par análogo "sambar" e "zombar"
mostra que /s/ e /zl são fonemas distintos nessa posição silábica,
pois distinguem ambas as palavras, quase idênticas.
A oratória) E
Seguindo esse raciocínio,
[... ] mesmo que não soubéssemos que /p/ e /vi config uram
fonemas em português, poderíamos suspeitar q ue sim, pois
há entre eles diferenças de ponto e modo de artic ulação,
bem como o vozeamento. Podemos suspeitar q ue os sons
q ue apresentam semelhanças fonéticas em dada língua são
fonemas, formando o que denominamos par suspeito (EN-
GELBERT, 2012, p. 70).

Quando não desvendamos pares mínimos e análogos de dois


encadeamentos fo neticamente semelhantes, devemos verificar
se eles são alofones, ou seja, variantes fonéticas do mesmo fo-
nema, e surgem em ambientes exclusivos - onde um ocorre, o
outro não, e vice-versa. Nesse caso, dizemos que os alofones
estão em distribuição complementar.
No Quadro 2.4, apresentamos uma estrutura esquemática des-
ses novos conceitos aprendidos.

Quadro 2.4 Conceitos uti lizados para análise fonológica.

Denominação fonética de um som de fala. É uma unidade concreta. Neste livro,


Fonte
usamos a palavra segmento.
Denominação fonológica de um segmento. É uma unidade abstrata. Tem valor
Fonema
contrastivo em uma dada língua.
Par mínimo Par de palavras iguais a não ser por um único segmento. Exemplo: 12.ata/bata.
Par de palavras que são exatemente iguais, mas estão em um contexto fonético muito
Par análogo
semelhante. Exemplo: 1ambar/I,ombar.
Par de palavras que não são exatamente iguais, mas têm segmentos foneticamente
Par suspeito
semalhantes. Exemplo: essa/afa.
Realizações fonéticas de um fonema. Essas diferenças fonéticas não acarretam
Alofones
mudança de significado. Exemplo: [tfie] e [tie].
Distribuição Dizemos que os alofones estão em distribuição complementar se ocorrem em
complementar ambiente exclusivo, ou seja, onde um ocorre, o outro não.
Fonte: Engelbert (201 2, p. 74).

Para ficar clara a diferença entre transcrição fonética (produ-


ção real de uma palavra) e a transcrição fonológica (representação
abstrata da palavra por meio de fonemas), observe a co1n paração
no Quadro 2.5.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Quadro 2 .5 Transcrições fonética e fonológica.

Ortografia Fonética Fonológica


Tapa ['tape] /'tapa/
Tipo ['tfipo] /'tipo/
Cartilha [ka h'diÁe] /kar'tiÁ.a/
Ático ['atfiko] /'atiko/
Tudo ['tudo] /'tudo/
Dito ['d3rto] /'dito/
Traça ['trase] /'trasa/
Fonte: Engelbert (2012, p. 75).

Até aqui, aprendemos a identificar um fonema; agora, é preciso


ter em mente que os fonemas são, assim como as letras de nosso
alfabeto, classificados em consonantais e vocálicos. O Quadro 2.6
mostra um panorama de fonemas consonantais presentes na língua
portuguesa.

Quadro 2 .6 Segmentos foneticamente semelhantes, pares


mínimos e a confirmação de fonemas consonantais.

Sons
foneticamente Contrastes fonológicos
semelhantes
p/b pata ['pate] bata ['batel
t/d tela ['tele] dela ['dele]
k/g cala ['kale] gala ['gale]
dld3 tique ['tÍik1] dique ['d3ik1]
f/v fossa ['fose] vossa ['vose]
J/3 chato ['fato] jato ['jato]
t/s taco ['tako] saco ['sako]
diz dona ['done] zona ['3one]
J;tJ chique ['Jik1] tique ['tik1]
3id3 giz ['3is] diz ['d3is]
s/ J caço ['kaso] cacho ['kaJo]

z/3 fuso ['fuzo] fujo ['fu3]


m/n amo ['amo] ano ['ano]
A oratória) E
m/.J1 uma ['ume] unha ['U.J1B]
n/.J1 una ['une] unha ['U.J1B]
n/f.. cala ['kale] calha ['kaf..e]
"IR saro ['saru] sarro ['saRu]
1/r falo ['falu] fa ro ['faru]
1/R ca lo ['kalu] carro ['karu]
Fonte: Engelbert (2012, p. 78-79).

Para a determinação de fonemas vocálicos, são usados os mes-


mos procedimentos - encontrar pares mínimos ou análogos para
determinar se as vogais conformam fonemas distintos; na ausên-
cia desses pares, identificam-se os pares suspeitos por meio da
semelhança fonética das vogais; em seguida, procuram-se os alo-
fones em distribuição co1nplementar. No entanto, para as vogais
também é preciso analisar a posição do acento, se tônica, pretôni-
ca ou postônica (Quadro 2.7).

Qua dro 2.7 Fonemas vocálicos para a posição tônica no português.

Anterior Central Post erior


Alta 1 u
Média-alta e o
Média-baixa e :)

Baixa a
Fonte: Engelbert (2012, p. 87).

Em posição átona (não acentuada), o número de fonemas é mí-


nimo porque se dá o fenômeno da neutralização, que é justamente
a perda da diferença fonológica entre os fonemas. Assim, na po-
sição pretônica, existem apenas cinco /i e a o u/; nas postônicas,
quatro /i e a u/; e nas postônicas finais, três /i a u/.
Finalmente, a ausência de uma correspondência permanente
entre grafemas e fonemas ou, em outras palavras, entre letras e
pronúncia, levou os pesquisadores da Associação Internacional
de Fonética a criar uma tabela universal com todos os sons que
encontramos nas línguas naturais - é o Alfabeto Internacional de
Fonética (Quadro 2.8).
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Quadro 2.8 Alfabeto Internacional de Fonética .

Consoantes (mecanismo de corrente de ar pulmonar)

lábio-
bilabial dental alveolar pós-alveolar retrofl exa palatal velar uvular faringa! glotal
-dental
Oclusiva p b t d t ct. c J k g q G 71
1
Nasal m 11] n rt J1 1) N
Vibrante B r R

Tepe(ou f t
flepe)
Fricativa <!) p f V 9 õ s z f 3 ~ ~ ç J X y X I{ n ç h fi
Fricat. l 13
lateral
\) .I ·l j U[
Aproxi-
mante

Aprox. 1 l Á. L
lateral

Em pares de símbolos tem-se q ue o símbolo da d ireita representa uma consoa nte vozeada. Acredita-se serem
impossíveis as articulações nas áreas sombreadas.

Consoantes (mecanismo de corrente de ar não pulmonar)

Cliques lmplosivas Ejetivas Supra ssegmentos Tons e acentos nas palavras


vozeantes ' acento primário 'fovn::i'tif::in Nível Contorno
O bilabial 6 bilabial 'como em
• acento secundário é ou l
eou 11
1 dental cf dental/ p ' bilabial ascendente
alveolar ê \J
: Longa e: é 1alta
! pós-alveolar f dental t ' dental/ descendente
alveolar
· Semilonga e· e~ média
e1 alto
+palato-alveolar g velar k ' velar ascendente
( lateral-alveolar e, uvular s' fricativa • muito breve e e~baixa e -l baixo
alveolar ascendente
e 1 ascendente-
. divisão silábica .1i.rekt e J muito baixa -descendente
etc
1grupo acentual J ascendência
menor ! downstep global
1 grupo entonativo (quebra brusca) '\ descendência
principal global
_ligação (ausência i upstep
de divisão) (subida brusca)
A oratória) E
anterior central posterior
Fechada l \¾ _ __ tU u
(ou alta)
Iy

Meia-fechada 0 --- r o
(ou média-alta)

Meia-aberta
(ou média-baixa)

Aberta (ou baixa)

Quando os símbolos aparecem em pares, aquele da direita representa uma vogal arredondada.

Diacríticos Pode-se colocar um diacrítico acima de símbolos cuja representação seja prolongada na
parte inferior, por exemplo Ij.

. desvozeado n çl .. voz. sussurrado h3 dental td


" ""
st l?i ~ td
-vozeada Vv
- voz. tremulante apical ~~

haspirada t" d" ~ linguolabial --


td º laminai td
0 0

4 ma is arred. J) w labializado twdw ~ nasalizado -


e

" menos arred. ~


J palatalizado ti di n soltura nasal d"
1
. avançado 9 r velarizado t' d' soltura lateral d'
ç tçdç ... d"'
- retra ído ç faringalizado soltura não audível
·· centralizada e - velarizada ou faringalizada l
· centraliz. média é

levantada e (i = fricativa bilabial vozeada)
silábica 1)
• abaixada ~ CP. = aproximante alveolar vozeada)
A
não silábica ~ •
raiz da língua avançada ç
.. roticização a- a-, . raiz da língua retraída ç

Outros símbolos

M fricativa i;;~ fricativas


lábio-velar desvozeada vozeadas epiglotal
w aproximadamente .1 flepe
lábio-velar vozeada alveolar lateral
q aproximadamente fj articulação simultânea
lábio-palatal vozeada def e X
H fricativa epiglotal Para representa r consoantes
desvozeada africadas e uma articulação
Ç fricativa epiglota l dupla utiliza-se um elo ligando
vozeada os dois símbolos em questão.

') oclusiva epiglotal ts

Fonte: Engelbert (2012, p. 44-45 apud GUIMARÃES, 2012, p. 26-27).


3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Na prática pedagógica, a aprendizagem da fonologia está di-


retamente envolvida com o processo de alfabetização em língua
,
portuguesa. E uma forma de mediar o conhecimento do aluno no
que se refere ao universo letrado, principalmente, a partir do mo-
mento e1n que começamos a refletir sobre as letras, sobre os fo-
nemas e o papel que ocupam nas palavras, na frase e no discurso.
São os primeiros passos do aluno, que também é um aprendiz,
falante, leitor e escritor, para tornar-se um indivíduo, um cidadão,
com habilidades e capacidades em língua portuguesa.

1. Como se constitui o circuito da fala para o em sala de aula e demonstrar que todas
pensamento de Saussure e qual sua impor- possuem uma gramática legítima.
tância para a língua de uma comunidade? b. A afirmativa é falsa. Valorizar as variantes
2. Quais os fatores que marcam a diversidade não significa negar ao aluno o direito ao
do uso da língua na oralidade e na escrita? acesso à variante-padrão da língua e o
3. Para falar em público, ou seja, expor oralmen- aprendizado da adequação da linguagem
te algum tema, qual o passo fundamental? nos diferentes contextos.
4. Como deve um professor trabalhar com ava- e. A afirmativa é falsa. Os professores preci-
riação linguística na sala de aula? sam conhecer uma nova concepção, mas
s. Análise a afirmação a seguir e assinale a alter- esta não tem reflexos claros na prática pe-
nativa correta: Mudar a concepção de língua dagógica.
como uma entidade abstrata para a concep- d. A afirmativa é verdadeira. A concepção de
ção de língua como um produto sócio-histó- língua como produto sócio-histórico pres-
rico implica não ensinar a variante-padrão da supõe que o objetivo da escola é ensinar
língua na sala de aula. a língua portuguesa a pessoas que não
a. A afirmativa é verdadeira. Os professores sabem o idioma.
devem valorizar as variantes dos alunos Fonte: (exercício 5) Lima (2014, p. 171-172).

Língua portuguesa volta a despertar interesse no Japão


De acordo com Akira Kono, professor de língua por- da Universidade de Osaka, no Japão, o contato dos
tuguesa e linguística na Escola de Letras e Cultura japoneses com a língua portuguesa ocorreu em três
A oratória) E
diferentes etapas, que se traduziram em influências período conhecido como imperialista, em que in-
tanto no idioma estrangeiro quanto no nativo. vadiu a Coreia, a Manchúria e parte da China.
O primeiro contato ocorreu em 1543, com a che- Uma das alternativas identificadas para continuar a
gada de missionários jesuítas portugueses à ilha de crescer pacificamente era a imigração, vista como
Tanegashima, no sul de Kiushiu, que foram ao país uma forma em que ambos os lados ganhavam -
com o intuito de disseminar o catolicismo. Durante tanto o país que enviava como o que recebia os
sua permanência, os jesuítas portugueses realiza- imigrantes - e diferente da conquista militar, em
ram estudos sobre a língua japonesa e publicaram que só o país invasor se beneficia.
livros, como a A arte da Lingoa de lapam e a Arte Por essas e outras razões, o governo japonês deci-
breve da Lingoa lapoa, escritos pelo padre João Ro- diu encampar políticas de imigração de seus cida-
drigues Girão e publicados, respectivamente, em dãos para países como o Brasil, que precisava de
1608 e 1620. Porém, essa etapa durou apenas até o mão de obra para as lavouras de café em São Paulo.
começo do século XVII, quando o cristianismo foi "Os primeiros imigrantes japoneses que chegaram
proibido no Japão e os jesuítas foram expulsos do ao Brasil não vieram bem preparados e não sabiam
país. português. Mas, pouco a pouco, começaram a as-
"Já nesta primeira etapa do contato entre os japo- similar palavras portuguesas na língua japonesa
neses e portugueses, houve uma certa influência que falavam na colônia e eram mais relacionadas
entre as duas línguas': disse Kono. "Nas cartas que ao trabalho agrícola que faziam, como enxada e
os jesuítas mandaram do Japão, é possível perce- camarada''.
ber alguns léxicos do japonês, como daimiô, que Mas, de acordo com Akira Kono, só quase oito anos
significa 'senhor feudal' em japonês. E, do lado ja- depois do início da imigração japonesa para o Brasil
ponês, houve alguns casos isolados de japoneses foi criado, em 1916, o primeiro curso de graduação
que aprenderam português, mas não foram mui- em língua portuguesa pela Universidade de Estu-
tos'; contou. dos Estrangeiros de Tóquio. "Eu acho que, naquela
A segunda etapa do contato dos japoneses com a época, as autoridades japonesas ainda não tinham
língua portuguesa, segundo Kono, aconteceu no reconhecido a importância da língua portuguesa
Brasil, em 1908, com a primeira fase da imigração para suas relações exteriores".
japonesa no país, encerrada em 1941, quando o '1á existiam cursos de espanhol no Japão''. disse o
Japão ingressou na Segunda Guerra Mundial. Uma pesquisador, acrescentando que esses cursos fo-
das maiores potências mundiais na época - com ram considerados suficientes para o relacionamen-
grandes conglomerados empresariais como Mitsu- to com a América do Sul, mas, iniciadas as relações
bishi, Mitsui e Sumitomo -, o Japão vivia ao mesmo com o Brasil, foi reconhecida a importância de se
tempo graves problemas econômicos, com desem- aprender a língua portuguesa e, decidida, então, a
prego elevado e pobreza no campo. criação de um curso de graduação no idioma.
Em função disso, havia críticas de segmentos da Para iniciar o curso, essa universidade pública japone-
sociedade japonesa que não concordavam com sa recrutou o historiador português João Abranches
a forma com que o país vinha se desenvolvendo, Pinto, que residia no Japão à época e era casado com
conquistando outras nações à força, como fez no uma japonesa. Com isso, embora a língua portuguesa
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

fosse muito importante para o país oriental, o primei- "Nossa abordagem do idioma é mais tradicional,
ro curso do idioma criado no Japão foi mais voltado voltada a ensinar o aluno a não só ler em portu-
para o português de Portugal. Entretanto, a iniciativa guês, mas também a se comunicar com os brasilei-
teve o importante papel de pelo menos garantir que ros e ter alguma fluência no idioma que representa
o ensino de português fosse mantido oficialmente um grande desafio. É muito difícil para os alunos
no sistema educacional japonês. dominarem a língua portuguesa''. afirmou Kono.
Só em 1964 a Universidade Sophia de Tóquio, uma
instituição particular, criou um departamento de Obstáculos para a aprendizagem

português, fundado por padres brasileiros, onde da língua

Kono ingressou em 1967 e iniciou seus estudos do De acordo com o pesquisador, alguns dos maiores
idioma falado no Brasil. No mesmo ano, a Univer- obstáculos para os japoneses aprenderem portu-
sidade de Estudos Estrangeiros de Kyoto também guês são inerentes à própria dificuldade que têm
estabeleceu um Departamento de Estudos Luso- em aprender línguas estrangeiras, de forma geral,
-Brasileiros para ensinar português. consequente à falta de semelhanças do idioma ja-
Já em 1979 também foi fundado um curso de por- ponês com outras línguas.
tuguês falado no Brasil na Universidade de Estudos Ao contrário das línguas românicas, como portu-
Estrangeiros de Osaka, que, em outubro de 2007, guês, espanhol, italiano, francês e o romeno, que
passou a ser uma faculdade da Universidade de têm afinidades entre si que facilitam o ensino e a
Osaka, para a qual Kono foi o primeiro professor aprendizagem, ainda não se sabe exatamente qual
contratado. a raiz e a origem do idioma japonês.
Na década de 1990 - que marca a terceira etapa do Uma das hipóteses levantadas por Kono é que a
contato dos japoneses com a língua portuguesa, língua japonesa - que é extremamente peculiar e
quando o Japão mudou sua política de imigração não tem distinção fonética entre as letras L e R, por
e muitos brasileiros foram trabalhar no país -, a exemplo - seja resultado do cruzamento de várias
Universidade de Tenri também criou um curso de línguas, como o pidgin e o crioulo.
português. Porém, o curso foi abolido em 201 O. "As "Gramaticalmente, a língua coreana é a mais próxima
universidades japonesas, especialmente as particu- do japonês, mas a fonologia e o léxico são diferentes.
lares, estão cortando cursos, que não só os de por- Então, nesse sentido somos 'órfãos' em relação à filia-
tuguês, em função da diminuição da população do ção a famílias linguísticas e para dominarmos qual-
país nos últimos anos''. quer língua, especialmente as ocidentais, é preciso ter
Segundo ainda Akira Kono, o corpo docente que garra, perseverança e nos esforçarmos muitd'.
ensina português no Japão é composto, em sua Outra barreira para ensinar e aprender a língua portu-
maioria, por professores japoneses, graduados em guesa, segundo o pesquisador, é o fato de esta dividir
português por uma das quatro universidades que entre o português europeu e o brasileiro, que tem em
oferecem cursos voltados do idioma. Mas nem alguns aspectos suas próprias normas gramaticais.
todos são especialistas no ensino de português No português falado em Portugal, por exemplo, de
como língua estrangeira. acordo com Kono, ainda se ensinam as seis formas
A oratória) E
verbais (eu, tu, ele, nós, vós e eles), ao passo que no Outro problema para ensinar o português do Brasil
Brasil elas estão sendo reduzidas para quatro, com no Japão, de acordo com ele, é o desconhecimen-
o desaparecimento do pronome tu e a substitui- to sobre aspectos culturais, políticos, geográficos
ção de nós por"gente" ou "a gente". e históricos do país, que é, em parte, compensa-
"Estou mu ito sensibilizado e pretendo escrever um do pelo envio de estudantes japoneses ao Brasil
artigo sobre essa mudança radical e a simplificação para conhecer a rea lidade brasileira, pela leitura
do paradigma de pronomes na língua portuguesa de livros e audição de músicas de compositores
no Brasil, com a expansão cada vez maior do uso brasileiros.
de 'a gente' ou 'gente' em vez de nós, substituindo o "Eu me apaixonei pela língua portuguesa e
verbo na terceira pessoa, que está fazendo com que aprendi várias expressões ouvindo música popu-
o uso do sujeito seja mais frequente'; disse Kono. lar brasileira de compositores como Noel Rosa,
'~á havia reparado antes nessas mudanças por Chico Buarque e Caetano Veloso. Esse é um ótimo
meio de trabalhos publicados por linguistas brasi- método que eu adoto em sala de aula'; disse o
leiros, mas estou percebendo, por meio da leitura pesquisador, que se interessou em aprender por-
de jornais e de outras publicações do Brasil dispo- tuguês ao ouvir no rádio ainda criança a versão
níveis na Internet, que esses fenômenos, até então em inglês de Garota de Ipanema, de Vinícius de
mais observados na linguagem falada, estão pene- Moraes e Tom Jobim, cantada por Frank Sinatra.
trando cada vez mais na linguagem escrita''. Con-
Fonte: Alisson (2012).
tudo, ele ava lia que essas mudanças são positivas,
fazem parte do processo natural de evolução de Exercício
qualquer língua que é um mecanismo dinâmico e
está em constante mutação, e já ocorreram fenô- A imigração japonesa, de modo mais restrito,
menos semelhantes com outros idiomas, como o mas não menos importante, também aportou
inglês e o francês. elementos culturais para a formação da diversi-
Já a recente reforma ortográfica da língua portu- dade que caracteriza o Brasil, e a língua é parte
guesa, que aboliu, por exemplo, o uso do trema potencial desse movimento. Nas falas do profes-
em algumas pa lavras, segundo Kono, prejudicou o sor Akira Kono, podem-se observar muitas ques-
ensino e a aprendizagem do idioma por estudan- tões sobre ensino e aprend izagem de língua
tes estrangeiros. portuguesa, suas dificuldades e práticas, além
"A retirada do trema de palavras como'frequente'e de traços de variação linguística. Quais seriam,
'cinquenta'fez com que nossos alunos acabassem na sua opinião, essas questões abordadas no
pronunciando expressões de forma errada. Essa texto supracitado?
reforma ortográfica não teve muito cabimento':
avaliou.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

aussure distingue língua e fala, definindo melhor, à região onde o falante nasceu ou mora;
a primeira como um sistema geral, abstra- a variação diastrática, marcada pelo grupo social
to, sistemático, usado por toda uma co- a que pertence o falante e também pelo nível de
munidade; e a segunda como as manifestações escolaridade, pelo sexo, pela faixa etária, pela pro-
concretas, individuais, assistemáticas da utiliza- fissão; a variação diamésica, que ocorre no meio
ção desse sistema. Apesar desse caráter assis- pelo qual se dá a comunicação, oral ou escrito; e a
temático, observamos que para a comunicação variação diafásica, relacionada ao estilo, ao modo
cotidiana, especialmente em atos de exposição de falar, mais formal ou informal a depender da
oral, nos quais se transmite conhecimento, o ser circunstância da fala. Para completar esse tema,
humano pode usar de recursos retóricos, pes- apresentamos três práticas que os professores
quisa e planejamento para transmitir sua ideia podem adaptar à própria realidade escolar para
ao mundo com cuidado, de modo que ela seja trabalhar com os alunos o conceito de variação
potente e eficaz. linguística, especialmente a partir de um texto
Nesse sentido, aprendemos que as palestras são mais arcaico, a "Cantiga da Ribeirinha"; de outro
adotadas em um contexto profissional com uso que fala sobre o nheengatu, língua indígena con-
menos formal da linguagem. As conferências mar- siderada por muitos estudiosos como a I íngua
cam o ambiente acadêmico ou científico e são original do Brasil; e a canção "Velhos amigos·: do
mais formais. Os seminários, nas escolas e univer- Emicida.
sidades, podem ser traduzidos como uma "aula" Dedicamos o último tema ao estudo da fonolo-
pensada e transmitida por um ou mais alunos a gia, que nos oferece caminhos mais científicos
sua turma; fora dessas instituições, assumem o e seguros para entendermos algo que, muitas
significado de exposições seguidas de discussão. E vezes, realizamos de modo instintivo, a saber: a
nos debates, dois (ou mais) debatedores apresen- compreensão de quais sons e combinações "po-
tam visões conflitantes sobre determinado tema demos" ou "não podemos" produzir em determi-
para uma plateia, que também pode participar. nadas línguas. Estudamos a visão estruturalista,
Esses distintos usos da oralidade, ou melhor, da defendida por Saussure, para a qual o elemento
fala, nos remetem ao conceito de variação lin- sonoro prevalecia sobre os demais (morfológico
guística marcada justamente pela diversidade de ou sintático), e a visão gerativista, representada
apropriações que fazemos da língua, tornando por Noam Chomsky, que evidencia a oposição
esta dinâmica e viva. Estudamos, então, a varia- entre o conhecimento de uma pessoa sobre as
ção diacrônica que se dá ao longo do tempo, regras de sua língua, competência, e o uso efe-
extremamente notável em textos escritos do pas- tivo dessa língua, desempenho, de modo que o
sado; a variação diatópica, relacionada a lugar, ou componente sintático, presente no campo da
A oratória) E
competência, tem primazia para a expl icação par mínimo, par análogo, par suspeito, alofo-
dos dados linguísticos. Finalmente, mostramos ne, distribuição complementa r e apresentando
as particularidades da fonologia aplicada ao quadros descritivos da análi se fonológica do
português falado no Brasil, distinguindo fonema, português.
UNIDADE

A leitura e a escrita
- - - - - - - Objetivos de aprendizagem
Estudar o conceito de letramento e de gêneros textuais e descobrir
como ambos se relacionam com a leitura.
Aprender os procedimentos didáticos que tornam a leitura um ato
eficaz e potente de conhecimento e criação.
Assimilar a escrita por meio dos elementos que estruturam o texto -
frase, parágrafo e o texto como um todo.
Conhecer a textualidade e como seu domínio é vital para o enten-
dimento reflexivo e crítico de um conteúdo lido e da construção de
um texto inédito.

Temas
1 - Tipos de leitura
A leitura implica a formação de um leitor curioso por natureza, por-
tanto, a questão do letramento é um dos primeiros passos nesse
sentido e pode ser mediado pelos gêneros textuais, que facilitam
a apropriação dos usos da língua e, logo, diferentes aprendizagens.
2 - A leitura na escola
Ao praticar a leitura, o aluno está construindo conhecimentos, bus-
cando o saber; alguns passos contribuem para esse processo, como
localização, seleção e utilização de informações, aos quais vamos nos
dedicar neste tema.
3-A escrita
Vamos ver que a escrita transforma a fala e nossos conhecimentos, por
isso aprenderemos os aspectos mínimos que constituem um texto -
a frase, o parágrafo e o texto como um todo-, afinal a boa escrita é
muito mais do que uma sequência de frases coerentes.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

4 - O ato de escrever
Veremos como o ato de escrever é uma atividade que deman-
da um acúmulo de experiências e um esforço para aprender a
aprender sempre mais, a cada leitura e a cada vivência indivi-
dual e coletiva.

Introdução - - - - - - - - - - - -
Para entendermos o papel da leitura na formação do aluno-leitor, es-
tudaremos o letramento que, muito mais do que uma habilidade de
codificação e decodificação, envolve também interpretação e compre-
ensão. Nesse sentido, dedicaremos algumas páginas para corroborar
como o conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de
diferentes tipos de material escrito pode ser mediado pelos gêneros tex-
tuais. Veremos algumas práticas pedagógicas a eles associadas e, final-
mente, mencionaremos algumas questões sobre os materiais didáticos.
As práticas de leitura podem acontecer em diversos lugares, educa-
cionais ou privados, mas sempre evidenciam nossa ânsia pela cons-
trução de conhecimentos, pela busca do saber. Nesse movimento,
veremos que o leitor é independente e autônomo, mas, para isso,
precisa aprender alguns procedimentos, como localizar e selecio-
nar fontes de cons ulta por conta própria. Aqui, você vai conhecer as
principais estratégias para tornar esse processo mais fácil e dinâmico.
Juntos, vamos estruturar uma matriz de leitura, que poderá ser trans-
mitida aos alunos, na sala de aula, de forma eficaz e potente.
O texto não é apenas uma concatenação de palavras e frases escritas. Ele
também deve apresentar coesão, coerência e adequação ao contexto,
entre outros atributos. Vamos retomar as aulas de português e aprender
essas questões mais gramaticais e linguísticas que marcam a escrita.
Finalmente, retomaremos os fatores linguísticos (coesão e coerência)
e fatores pragmáticos (intencionalidade, aceitabilidade, situacionali-
dade, informatividade e intertextualidade) que conferem textualidade
a um texto, aos quais devemos estar atentos no ato de escrita.

Tipos de leitura
Como vimos na primeira unidade deste livro, a modo de
introdução, a leitura constitui um processo por meio do qual
o leitor realiza um trabalho ativo de construção e reconstrução
A leitura e a escrita) E
do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhe-
cimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre
a língua, por exemplo, características do gênero e do sistema de
escrita etc. Não se trata simplesmente de extrair infonnação, ten-
tando dar sentido a cada letra e palavra, mas de Uina atividade que
implica co1npreensão.
Nesse sentido, conforme ressaltam os Parâmetros Curriculares
Nacion ais (BRASIL, 1997b, p. 41), o ensino de língua portuguesa
deve "valorizar a leitura como fonte de informação, via de acesso
aos mundos criados pela literatura e possibilidade de fruição es-
tética, sendo capazes de recorrer aos materiais escritos em função
de diferentes objetiv os".
No entanto, v alorizar a leitura não se resu1ne a pedir aos alunos
que leiam um texto, uma vez que a aquisição dessa habili dade não
se dá deforma natural, seu domínio exige ensino e aprendizagem,
inicia-se na família, potencializa-se na escola e aprofunda-se ao
longo da vida do suJeito. O percurso da aprendizagem da leitura
deve considerar a fluência, qu e implica
[. ..] rapidez de decifração, precisão e eficiência na extração do sig-
nificado do material lido. Essa flu ência exige que o leitor seja ca -
paz de canalizar a capacidade de atenção para a compreensão do
texto, fazendo uso, por exemplo, das estratégias de leitura que es-
tudamos anteriormente (SIM-SIM; DUARTE; FERRAZ, 1997, p. 27).

A consequência de práticas pedagógicas que envolva a leitura


conduz, ou ao menos deveria conduzir, ao imediato reconhecimento
visual de palavras, possibilitando o rápido acesso à compreensão do
texto. Velocidade e profundidade de compreensão são pilares im-
portantes que suportam a eficácia dessa co1npetência, que se traduz
em fluência. Assim, na perspectiv a da educação, principalmente a
educação básica, é função da escola incentivar que cada aluno se
tome UITI leitor fluente e crítico, capaz de usar a leitura para obter in-
formação, organizar o conhecimento e usufruir o prazer recreativo
que ela pode proporcionar. Se nos primeiros anos de escolaridade
uma atenção particular é dev ida aos processos de descodificação
e automatização, h á que desenvolver nos anos subsequentes técni-
cas de consulta e estratégias de estudo, proporcionando ao longo de
todo o percurso escolar situações que fomentem o gosto pela leitura
e que sedimentem os h ábitos que caracterizam os leitores fluentes
(SThA-SIM; DUAR1E; FERRAZ, 1997).
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

O letramento é um dos primeiros passos que a escola firma


nessa missão de tornar o aluno um leitor curioso e crítico. Desde
muito cedo, é comum o contato com a linguagem, verbal e não
verbal. O letramento entra justamente nesse ponto e, em um pri-
meiro momento, assemelha-se ao que conhecemos por alfabetiza-
ção. Leia o box "Saiba mais" para ter clareza sobre esse conceito.

Saiba mais
Letramento

Nos últimos vinte anos, principalmente a partir da década de 1990, o concei-


to de alfabetização como o ensino das habilidades de codificação e decodi-
ficação passou a ser vinculado a outro fenômeno: o letramento. Esse termo
é a versão para o português da palavra de língua inglesa literacy, que signifi-
ca o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e a escrever.
É definido no Dicionório Houaiss (HOUAISS; VILLAR, 2001) como "um conjunto
de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material
escrito''. No Brasil, o termo "letramento" não substituiu a palavra alfabetização,
mas aparece associado a ela. Podemos falar, ainda nos dias de hoje, de um alto
índice de analfabetos, mas não de"iletrados·; pois sabemos que um sujeito que
não domina a escrita alfabética, seja criança, seja adulto, envolve-se em práticas
de leitura e escrita pela mediação de uma pessoa alfabetizada e, nessas práti-
cas, desenvolve uma série de conhecimentos sobre os gêneros que circulam
na sociedade. Assim, por exemplo, crianças pequenas que escutam frequente-
mente histórias lidas por adultos, são capazes de pegar um livrinho e fingir que
leem a história, usando, para isso, a linguagem característica desse gênero. [...]
Por outro lado, é importante destacar que apenas o convívio intenso com
textos que circulam na sociedade não garante que os alunos se apropriem
da escrita alfabética, uma vez que essa aprendizagem não é espontânea e
requer que o aluno reflita sobre as características do nosso sistema de escrita.
Nessa perspectiva, concordamos que alfabetizar e letrar são duas ações dis-
tintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o idea l seria alfabetizar letrando, ou
seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da
escrita, de modo que o indivíduo se torne, ao mesmo tempo, alfabetizado e
letrado. Sabemos que, para a formação de leitores e escritores competentes,
é importante a interação com diferentes gêneros textuais, com base em con-
textos diversificados de comunicação. Cabe à escola oportunizar essa intera-
ção, criando atividades em que os alunos sejam solicitados a ler e produzir
diferentes textos. Por outro lado, é imprescindível que os alunos desenvol-
vam autonomia para ler e escrever seus próprios textos. Assim, a escola deve
A leitura e a escrita) E
garantir, desde cedo, que as crianças se apropriem do sistema de escrita alfa-
bético, e essa apropriação não se dá, pelo menos para a maioria das pessoas,
espontaneamente, valendo-se do contato com textos diversos. É preciso o
desenvolvimento de um trabalho sistemático de reflexão sobre as caracterís-
ticas do nosso sistema de escrita alfabético.

Fonte: adaptado de Albuquerque (2007, p. 16-19).

Nesses conceitos iniciais, um segundo aspecto, não menos im-


p ortante, merece nossa atenção: a mediação. O professor cumpre
essa função de mediar o conhecimento entre a leitura e o aluno-
-leitor, de segurar a mão do aluno na decifração das primeiras letras
e palavras. E, por isso, seriam características do professor-mediador
conhecer uma gama significativa de livros da literatura em língua
portuguesa, ter ideia do conceito de estética para poder refletir e
orientar o aluno quanto ao seu estilo; reconhecer os principais auto-
res e pensadores da historiografia infantil e infanto-juv enil; sempre
buscar práticas que possam co1nple1nentar a leitura, principalmente,
em sala de aula (BRASIL, 2012).
Antes de passar a algumas orientações e práticas mais específi-
cas a cada nível de ensino, faz-se necessário apresentar um esque-
ma (Quadro 3.1) de grupos de gêneros textuais. Desenvolvido pelo
Ministério da Educação (l\,IBC), esse esquema se justifica, primeiro,
porque esses gêneros têm íntima relação com a evolução histórica e
cultural da sociedade: a mídia, televisiva e impressa; a educação na
família, na rua e na escola; e a academia são instrumentos que influem
na abordagem e na constituição dos gêneros textuais em voga. Segun-
do, cada gênero pode estimular diferentes formas de uso e articulação
das capacidades de linguagem e, logo, diferentes aprendizagens.

Quadro 3. 1 Gêneros textuais - agrupamentos e exemplos.

Textos literários ficcionais São textos voltados para a narrativa de fatos e episódios
do mundo imaginário (não real). Entre estes, podemos
destacar: contos, lendas, fábulas, crônicas, obras teatrais,
novelas e causos.
Textos do patrimônio oral, poemas e Os textos do patrimônio oral, logo que são produzidos,
letras de músicas têm autoria, mas, depois, sem um registo escrito, tornam-se
anônimos, passando a ser patrimônio das comunidades.
São exemplos: trava-línguas, parlendas, quadrinhas,
adivinhas e provérbios. Também fazem parte deste
agrupamento os poemas e as letras de músicas.
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Textos com a finalidade de registrar e Tais textos analisam e narram situações vivenciadas pelas
analisar as ações humanas individuais sociedades, tais como biografias, testemunhos orais e
e coletivas e contribuir para que as escritos, obras historiográficas e noticiários.
experiências sejam guardadas na
memória das pessoas

Textos com a finalidade de construir São textos mais expositivos que socializam informações,
e fazer circular entre as pessoas o por exemplo, notas de enciclopédia, verbetes de
conhecimento escolar/científico dicionário, seminários orais, textos didáticos, relatos de
experiências científicas e textos de divulgação científica.
Textos com a finalidade de debater temas Com base neste agrupamento, os sujeitos exercitam suas
que suscitam pontos de vista diferentes, capacidades argumentativas. Cartas de reclamação, cartas
buscando o convencimento do outro de leitores, artigos de opinião, editoriais, debates regrados
e reportagens são exemplos de textos com tais finalidades.
Textos com a finalidade de divulgar Também aqui a persuasão está presente, mas com a
produtos e/ou serviços - e promover finalidade de fazer o outro adquirir produtos e/ou serviços
campanhas educativas no setor da ou mudar determinados comportamentos. São exemplos:
publicidade cartazes educativos, anúncios publicitários, placas e faixas.
Textos com a finalidade de orientar São os chamados textos instrucionais, tais como receitas,
e prescrever formas de realizar manuais de uso de eletrodomésticos, instruções de jogos,
atividades diversas ou formas de agir em instruções de montagem e regulamentos.
determinados eventos
Textos com a finalidade de orientar São eles: agendas, cronogramas, calendários, quadros de
a organização do tempo e do espaço horários, folhinhas e mapas.
nas atividades individuais e coletivas
necessárias à vida em sociedade

Textos com a finalidade de mediar as São textos que fazem parte, principalmente, dos espaços
ações institucionais de trabalho: requerimentos, formulários, ofícios, currículos
e avisos.
Textos epistolares utilizados para as mais Cartas pessoais, bilhetes, e-mails, telegramas medeiam as
diversas finalidades relações entre as pessoas em diferentes tipos de situações
de interação.
Textos não verbais Os textos que não veiculam a linguagem verbal, escrita,
tendo, portanto, foco na linguagem não verbal, tais
como histórias em quadrinhos apenas com imagens,
charges, pinturas, esculturas e algumas placas de trânsito
compõem tal agrupamento.
Fonte: Bra si 1(201 2. p. 8-9).
A leitura e a escrita) E
Para o ensino infantil, por exemplo, temos a figura do conta-
dor de histórias, que é muito importante para garantir à criança
a vivência enriquecedora de experimentações sensório-motoras.
Já para o ensino fundamental e médio, um caminho bastante
contemporâneo pode ser buscado na atuação dos rappers, que
também são contadores críticos de histórias. Suas canções nar-
ram fatos, costumes do dia a dia brasileiro, mas com o viés da
justiça social, política, econômica e cultural.
Quanto aos gêneros, em virtude da ênfase na oralidade, são
recomendadas às crianças pré-leitoras a musicalidade e a sonori-
dade das palavras, proporcionando o contato com estruturas po-
éticas e narrativas que se repetem, por exe1nplo, nas cantigas de
roda. São estruturas fáceis para a 1ne1nória e para a reprodução em
outros contextos linguísticos.
Citamos ainda a teatralização das brincadeiras, que dá conta
da vivência com os gêneros presentes no cotidiano dos alunos
e que são naturalmente registrados. O importante, nesse caso,
é estar atento ao relato dos alunos, para que situações possam
ser aproveitas e elaboradas nas brincadeiras e histórias contadas
a eles. Obviamente, o teatro é uma atividade multipotente, que
pode e deve ser usada para todas as idades, do ensino infantil ao
médio .
De acordo com Fernandes e Paula (2012), quando a criança já
foi apresentada à escrita alfabética, ela também é instigada à lei-
tura para extrair significados, estabelecer sentidos entre o código
e seu mundo particular. A opção por ultrapassar as fronteiras dos
contos de fadas e fábulas por meio de textos mais desafiadores
que elas mesmas consigam ler traz à tona o saudáv el desafio da
independência. Nas séries finais do ensino fundamental,
[...] já podemos ter em vista a formação do leitor silencioso, alter-
nado leitura coletiva e individual na sala de aula. Principalmente se
considerarmos o estilo de vida contemporâneo, é importante ter
a sala de aula como um espaço de leitura - simplesmente leitura,
desprovida de avaliações ou debates. É o início da formação do
hábito de leitura . Podemos começar com pouco tempo, e é uma
ótima oportunidade para t raba lhar com a diversidade de gêneros,
disponibilizando aos alunos uma gama de possibilidades para que
escolham o que será lido por eles, sozinhos (FERNANDES; PAULA,
2012, p. 62).
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Como vimos no início desta unidade, concomitante a esses


primeiros movimentos rumo à leitura, é importante desenvolver
atividades que ampliem a velocidade e a concentração. Pedir para
que os alunos leiam e1n sala de aula pode contribuir para essa ca-
pacidade de se concentrar e ler um pouco 1nais rápido, sem tantas
pausas.
Desse ponto em diante, o trabalho de formação do leitor se
estende baseado também na variedade de gêneros textuais; espe-
cialmente no ensino médio, os alunos têm maior acesso a textos
em geral, ou seja, a mais ambientes de letramento. Apesar dessa
relativa independência, o professor continua sendo o mediador,
priorizando textos que levem à formação de leitores cada vez mais
críticos. No ensino 1nédio, o professor pode usar outras 1nodalida-
des da linguagem, por exemplo, teatro, cinema e fotografia.

Exemplo
Para os alunos do ensino médio, o professor pode propor a criação de um
cartaz publicitário a partir de uma pintura ou obra famosa, explorando a in-
tertextualidade. Esse tipo de atividade desperta no aprendiz a capacidade de
buscar referências outras, expandir o conceito que ora se estuda por meio
de relações com outros gêneros textuais ou, no caso desse exemplo, visuais.
Também é uma forma de retomar as leituras, as experiências culturais e ex-
pressá-las intertextual e intervisualmente. Observe a Figura 3.1 .

Figura 3.1 Criação a partir de uma obra de arte.


A primeira imagem é um selo com a obra original
A liberdade guiando o povo, de Eu gene Delacroix.
A segunda, uma recriação com peças de Lego.
A leitura e a escrita) ~

Fonte: Atypeek; droopy76/iStock.

Material didático, ensino e aprendizagem


A aprendizagem não se efetiva somente com aluno, professor,
conhecimento, giz e lousa. Uma sala de aula precisa contar com
recursos ou meios, isto é, materiais que servem para planificar,
executar e avaliar um conteúdo. Isso nos mostra que, ao contrário
do que quase sempre pensamos, os materiais didáticos não são
necessariamente recursos utilizados apenas pelos alunos, mas po-
dem também estar relacionados ao trabalho do professor, auxi-
liando-o em sua tarefa de:
Planificação - por meio da organização e da apresentação
de conteúdos e atividades que serão trabalhados em aula.
• Execução - com sugestões de atividades e observações me-
todológicas para enriquecer e ajudar o professor em seu tra-
balho em sala de aula.
• Avaliação do conteúdo trabalhado em sala - com su-
gestão de avaliações e atividades que forneçam dados ao
professor sobre o desenvolvimento de seus alunos (FERRO;
BERGMANN, 2013, p. 18).

Desse modo, o material didático, além de cumprir uma função


mediadora nas práticas educativas, também auxilia na avaliação
do progresso da aprendizagem do aluno. Portanto, esse material
deve ser :
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

• Inovador - ao introduzir um novo material, apresentando


ao aluno uma nova gama de conhecimentos e conceitos.
• Motivador - em especial captando a atenção do al uno para
a importância dos conteúdos que serão trabalhados.
• Estruturador da realidade - organizando os conceitos por
ele apresentados e estabelecendo pontes entre o conheci-
mento e a vida do estudante.
• Configurador - do tipo de relação que o aluno mantém
com os conteúdos de aprendizagem.
• Controlador - dos conteúdos a serem ensinados, determi-
nando uma progressão de aprendizagem.
• Comunicativo - o material é um agente de comunicação
cultural e pedagógica, difundindo pontos de vista e servin-
do como representante da metodologia da qual faz parte
(FERRO; BERGMANN, 2013, p. 18).

Hoje em dia, o material didático tem muita influência nas salas de


aulas, especialmente no contexto brasileiro. Muitas vezes, eles são
os únicos responsáveis pela dinâmica das aulas, inteiramente basea-
das no que diz os livros, condicionando as características que cons-
tituem o ambiente da sala de aula ou mesmo tomando-se o elemento
central em sua configuração. Isso pode abrir caminho para possí-
veis polêmicas, as quais não trataremos aqui, mas podemos deixar
as questões: qual a importância e a relevância do material didático?
Seu uso, único e exclusivo, potencializa o ensino e a aprendizagem?
Para contribuir com essa discussão, segundo a NBR 14869, os
livros didáticos destinam-se
[...] à aprendizagem de conhecimentos contidos nas matérias ofi-
ciais de ensino fundamenta l e ensino médio, permitindo ao aluno
incorporar o conhecimento de forma estruturada e progressiva,
desenvolvendo se senso crítico e sua capacidade de contribuir
para a evolução da sociedade. Ele deve apresentar forma e trata-
mento visual de acordo com as mais adequadas técn icas pedagó-
gicas e despertar no aluno seu interesse para manusear e conhe-
cer o conteúdo do livro (ABNT, 2002, p. 3).

A leitura na escola
As práticas de leitura podem se realizar em um ambiente edu-
cacional convencional, como a escola ou a faculdade, ou em outros
A leitura e a escrita) E
contextos, como o trabalho e o ambiente privado de nossas casas.
Em todas elas, no entanto, a finalidade é, principalmente, a constru-
ção de conhecimentos, a busca pelo saber.
Nessa construção e busca, o leitor tem muita autono1nia, mas,
para isso, precisa aprender a localizar e selecionar fontes de consulta
por conta própria, precisa " aprender a aprender" sozinho. Aqui, você
vai conhecer as principais estratégias para tomar esse processo mais
fácil e dinâmico, descobrindo as fontes de consulta mais adequadas
a cada situação, selecionando-as de maneira criteriosa, identificando
os pontos-chave do texto lido e, finalmente, utilizando-os para seu
estudo ou como subsídio para a produção de outros textos. Vamos,
juntos, construir uma matriz de leitura, que poderá ser transmitida
aos alunos, na sala de aula, de f onna eficaz e potente.
Todos os dias, pessoas das mais diferentes idades e f armações,
com as mais variadas finalidades, buscam informações em textos
impressos e na Internet. Quem, ao menos uma vez ao dia, não usa
o Google para pesquisar algo ?
Essa busca de informações pode parecer simples, mas implica
atitudes intelectuais. A era da Internet fez e faz essas atitudes serem
automáticas e, na maioria das vezes, inconscientes, mas conhecê-
-las contribui enormemente para nosso propósito de ensinar e de
educar para a leitura. De acordo com Guimarães (2012, p. 171 ),
[...] há décadas, a biblioteconomia e a ciência da informação estu-
dam como as pessoas buscam informações e como esse processo
pode ser melhorado. Com base em tais estudos, os pesquisadores
dessas áreas desenvolveram o conceito de letramento ou alfabe-
tização informacional.

Na Figura 3.2, v ocê pode ver o que significa ser alfabetizado.

Figura 3.2 Competências desenvolvidas pela alfabetização informacional.

Localizar Selecionar
Utilizar informações
informações .. informações ..
com precisão e criatividade
com eficiência de maneira criteriosa

Fonte:Guimarã es (2012, p. 171).

Vamos estudar, então, com mais detalhes as principais estraté-


gias que podem ajudá-lo a elevar seu nível de alfabetização infor-
macional. Elas se aplicam às necessidades de infor1nação típicas
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

dos professores e dos estudantes, indo além de todos que buscam


expandir seus conhecimentos por meio da leitura.

Localização das informações


O primeiro passo da busca de informações é o estabelecimen-
to de objetivos, que podem ser delimitados a partir das seguin-
tes perguntas, cujas respostas se pretende obter com a busca. Por
exemplo, se o tema em pauta é "A literatura de Guimarães Rosa",
poderíamos perguntar:

• O que é literatura?
• Qual o histórico da literatura brasileira?
• Em que contexto histórico e literário podemos estudar Gui-
marães Rosa?
• Quais suas principais obras?
• Sobre o que é a literatura desse escritor mineiro?
• Como a crítica e o público receberam, e continuam ainda hoje
recebendo, sua obra?
Com base nessa lista de perguntas, você pode imaginar quais
seriam as fontes mais adequadas: uma biblioteca, alguma univer-
sidade que tenha especialistas em Guimarães Rosa, algum museu
dedicado a ele, livros específicos sobre literatura brasileira e sobre o
autor etc. Na Internet, o universo se torna vasto e, ao mesmo tempo,
perigoso, pois nos coloca diante de todo tipo de texto. Por isso, são
reco1nendados sites oficiais de instituições, como o do Instituto de
Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, do Museu da
Língua Portuguesa e de várias universidades públicas brasileiras,
uma vez que têm bastante credibilidade.

Seleção das informações


Quando tiver reunido um bom número de resultados em sua
busca, é chegado o momento de selecioná-los. Para começar o
estudo dessa etapa, abordare1nos mna distinção essencial: aquela
existente entre fontes primárias e secundárias. Em seguida, exa-
minaremos o papel que a mediação editorial exerce na validação
de uma fonte de consulta.
As fontes primárias são os textos diret amente relacionados ao
tema que você quer examinar ou que oferecem informações iné-
ditas so bre ele. Já as fo ntes secundárias, ou font es de segunda
A leitura e a escrita) E
mão, são os textos produzidos por pessoas que comentam as fon-
tes primárias. Essa diferença não existe apenas quando estamos
falando de dados e estatísticas, que, em seguida, são comentados
por algum estudioso. Mesmo no caso de elementos mais abstra-
tos, como teorias e conceitos, também é necessário distinguir en-
tre fontes primárias e secundárias (GUIMARÃES, 2012, p. 174).

Exemplo
Vai ficar mais fácil entender a diferença analisando um exemplo. Leia este
fragmento de uma reportagem publicada na Agência Brasil:

Matrículas em cursos superiores subiram 130º/4 entre 2000 e 2013, se-


gundo pesquisa do Semesp

O número de matrículas em cursos presenciais nas instituições públicas e


privadas de ensino superior no país cresceu cerca de 130% entre 2000 e 2013.
Em 2013, havia cerca de 4,4 milhões de alunos matriculados nas instituições
privadas e 1,8 milhão nas instituições públicas e, em 2000, a rede privada
tinha 1,8 milhão de estudantes matriculados e a pública, 887 mil.
Os dados são do Mapa do Ensino Superior no Brasil 2015 lançado pelo Sin-
dicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), que congrega cerca
de 200 mantenedoras. A publicação traz estatísticas e informações sobre o
ensino superior no país relativos a 2013 por mesorregiões do Brasil e dados
sobre o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) até 2015.
A maior parcela dos estudantes que está no ensino superior privado vem
de escolas públicas. Dos matriculados, quase 70% cursaram o ensino médio
em escolas públicas e 30% em escolas privadas. Os cursos de serviços social,
pedagogia e gestão de pessoas são os que têm os maiores percentuais de
alunos vindos do ensino médio público.

Fonte: Aquino (2015).


Nesse caso, o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) é a
fonte primária e a reportagem da Agência Brasil é a fonte secundária.

Agora que você entendeu be1n a diferença entre fontes pri-


márias e secundárias, vamos à questão 1nais importante: qual dos
dois tipos de fonte dev emos escolher? Na verdade, não se trata de
abrir mão totalmente de um tipo em favor do outro. Podemos di-
zer que, se pretendemos formar uma opinião fundamentada sobre
determinado tema, a leitura das fontes primárias é indispensável.
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Contudo, as fontes secundárias também são importantes, pois


contribuem para ampliar e atualizar a leitura das primárias.
Além disso, as fontes secundárias, muitas vezes, são a porta
de entrada para as prünárias. Imagine, por exemplo, que você es-
teja pesquisando o aumento populacional no Brasil. Se começar
sua busca no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), terá acesso apenas a estudos conduzidos por esse insti-
tuto. Mas, se começar sua busca no site de um veículo da grande
imprensa, como a Agência Brasil ou o Observatório da Imprensa,
terá acesso a inúmeros estudos e análises sobre o tema, produzidos
pelos mais diversos órgãos e pesquisadores.
Depois, é só selecionar quais deles mais lhe interessam e ir
atrás dos originais. Outra vantagem dos textos publicados nos veí-
culos de imprensa é que, em geral, são de consulta e compreensão
mais fáceis do que as fontes primárias uma vez que se dirigem a
um público não especializado.

Utilização das informações


Chegamos à última etapa do processo de busca - a utilização
das informações selecionadas, que deverá ser precisa e criativa.
O critério da precisão, nesse caso, está relacionado com a fideli-
dade ao orig inal. Utilizar informações com precisão significa não
dist orcer as ideias do orig inal, não "colocar pa lavras na boca" de um
autor citado, nem omitir aspectos essenc iais de seu pensamen-
to. Imagine, por exemplo, que você esteja buscando textos sobre
alimentos transgênicos e tenha encontrado um artigo favoráve l
a eles. Em determinado t recho, porém, o autor admite que o con-
sumo desses prod utos pode ter efe itos colat erais desconhecidos.
Se você extrai r apenas essa frase do artigo e citá-la em seu t ext o
como um argumento contra os t ransgên icos, sem indicar q ue ela
foi ret irada de um texto q ue os defende, não est ará sendo fiel ao
original. Em outras palavras, ao ler uma obra em b usca de referên-
cias, conteúdos e conhecimentos para serem reescritos, transpos-
tos a um novo texto, é importante selec ionar não soment e t rechos
precisos do original, mas também conce itos prec isos para que sua
ideia, posta em palavras, tenha um sentido completo, acabado e
pot ent e.
O critério da criatividade, por sua vez, est á relacionado ao grau em
q ue o leitor é capaz de reelaborar de maneira crítica as informa-
ções q ue encontra. Se, ao ler estas palavras, você se lembrou da
A leitura e a escrita) E
famigerada prática do "copia e cola''. acertou em cheio: o nefasto
hábito de copiar e colar textos da Internet sem nem sequer lê-los
é o extremo oposto do que se considera como utilização criativa
de informações (GU IMARÃES, 2012, p. 182).

Agora, não é suficiente simples1nente ressaltarmos que, de pos-


se das informações, basta ser preciso e crítico. Como é possível
reelaborar o conhecimento oriundo de nossas leituras? A Figura 3.3
mostra uma escala de níveis de reconstrução crítica em relação às
fontes de consulta.

Figura 3.3 Níveis de reconstrução dos textos lidos.

Criação/
Construção descoberta -
-criação de duebra de
Reconstrução vanguarda paradigma
-mest rado e
doutorado
Interpretação
própria-
paráfrase
Interpretação
reprodutiva -
cópia benfeita

Fonte: Guimarães (2012, p. 183).

O esquema tem cinco níveis (GlJilv1ARÃES, 2012, p. 182-183):


1. Interpretação reprodutiva - quase todo grande criador
começou fazendo cópias. Mas não estamos fa lando de uma
cópia qualquer; a interpretação reprod ut iva exige uma có-
pia benfeita, fi el ao original, com uso de aspas e indicação da
fonte. Pode haver também um trabalho de síntese, no qual o
estudante revelará um pouco de sua criatividade.
2. Interpretação própria - neste nível, o estudante substitui a
cópia pela paráfrase, ou seja, torna-se capaz de reescrever os
textos lidos com suas palavras. Se ele conseguir estabelecer
alg uma articulação entre os diferentes textos, será um dife-
rencial importante.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

3. Reconstrução - neste níve l, mais do que parafrasear, o aca-


dêmico é capaz de dialogar com as teorias de vários autores,
reorgan izando-as e reinterpretando-as de modo pessoal. Na
maioria das vezes, esse nível só é atingido no mestrado ou
doutorado.
4. Construção - este quarto nível é alcançado apenas por pes-
quisadores mais maduros e experientes. Nele estão "os auto-
res que apresentam referencial teórico próprio, construído
no debate com outros, superando-os, burilando-os, revendo-
-os, sempre no sentido de emergir da cena como fazedor de
vang uarda".
5. Criação/descoberta - os poucos pesquisadores que che-
gam a esse patamar introduzem paradigmas metodológicos,
teóricos ou práticos verdadeiramente novos, revolucionários.

Mediação editorial
Essa matriz de leitura que traçamos - localização, seleção e
utilização de informações - pode realmente ser aplicada como um
roteiro, não somente na escola, mas também em diversos âmbitos
profissionais, inclusive, no editorial, em que a leitura se faz todos
os dias, em todas as horas.
Você sabe como se produz um livro? De acordo com Guimarães
(2012, p. 178-180), os processos editoriais podem variar quanto
ao grau de complexidade, mas, em geral, envolvem as seguintes
etapas:
• Primeiro, os originais são analisados pela editora. Como pro-
d uzir um livro custa dinheiro, a editora não investirá no lan-
çamento de uma obra se não tiver a expectativa de que ela
será bem receb ida pelo público.
• Caso os originais sejam aprovados, seguem para as mãos de
um editor. Ele analisará aspectos macroestruturais da obra,
tais como a adequação ao público-alvo, a distribuição do
conteúdo pelos capítulos, a eventual ausência de tópicos
importantes (cuja inclusão será solicitada ao autor) ou apre-
sença de tóp icos dispensáveis (que podem ser eliminados),
entre outros itens.
• Depois dessas transformações de maior porte, o material
segue para um preparador ou copidesque. Essa pessoa me-
lhorará as construções frasais, esclarecerá trechos obscuros,
A leitura e a escrita) E
zelará pela padronização - enfim, cuidará de todos os de-
talhes para que o material chegue com a maior qualidade
possível às mãos do leitor.
• Finalmente, depois de diagramado, o livro vai para um revi-
sor, que fará uma verificação final, a fi m de pegar erros (inclu-
sive gramaticais ou de digitação) que tenham passado pelas
outras etapas.
A produção de um livro é, por definição, u1n trabalho coletivo.
Entre o autor e o leitor, existe toda uma camada de agentes que
executam a denominada mediação e produção editorial.
Mas, pensando em tempos de Internet, espaço onde qualquer
um pode publicar seu livro, editado na forma de um e-book ou
simplesmente na forma de posts em um blog, por exemplo, ,
pode-
mos questionar o papel mediador das editoras, não ? E bem pos-
sível que algumas dessas "produções independentes" tenham um
alto nível de qualidade. No entanto, será que textos assim, que
não passaram pela mediação editorial, são boas fontes de consulta
para estudo ou para as informações e citações necessárias à prepa-
ração de outros textos? Essa pergunta nos leva de volta ao assunto
central do presente tópico : a seleção das informações.
Os textos que não passaram por uma mediação editorial (como
artigos publicados em blogs e páginas pessoais) não são "proibi-
dos" - eles podem ser consultados livremente e, co1n frequência,
trazem informações relevantes e originais. Mas não podem cons-
tituir a única fonte de consulta, muito menos ser citados em um
texto acadêmico, como uma monografia. Por quê? Porque, justa-
mente por não terem passado por uma mediação, essas fontes não
foram validadas.
Mesmo com todas suas falhas , o processo editorial continua
sendo a melhor maneira de garantir a qualidade de um texto es-
crito. Afinal, participa desse processo uma série de profissionais
especializados que empregam suas diversas expertises para corri-
gir e aprimorar os originais. Se, mesmo com essa intermediação,
os livros impressos pelos meios convencionais já saem com erros,
imagine sem ela!

Leitura com fins de resumo


No ambiente educacional, o resumo tem basicamente três
finalidades :
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

1. Serve como instrumento de aprendizagem, pois permite ao


al uno organizar e fixa r as informações de um texto lido.
2. Serve como subsídio para a produção de um texto próprio
(uma resenha ou o trabalho para a disciplina de língua portu-
guesa, por exemplo).
3. Serve, para os professores, como instrumento de avaliação
da aprendizagem dos alunos - ao solicitar que eles prepa-
rem um res umo de determinado texto, o professor pode ve-
rifica r se o compreenderam e se são capazes de reprod uzir
os pontos-chave de maneira coerente e coesa (GUIMARÃES,
2012, p. 184).
Nesse sentido, podemos propor a seguinte classificação : os re-
sumos descritivos limitam-se a apresentar os pontos-chave de um
texto-fonte, sem lhe dirigir comentários críticos explícitos; os resu-
mos críticos, também conhecidos como resenhas críticas, além de
uma sinopse do texto-fonte, trazem uma avaliação argumentativa
a respeito deste.
Conforme mostra a Figura 3.4, o primeiro grupo - dos resu-
mos descritivos - pode ser novamente dividido em duas grandes
categorias: de um lado, os resumos esquemáticos, compostos por
tópicos hierarquizados; de outro, os resumos lineares, isto é, orga-
nizados em um texto linear, com frases e parágrafos unidos pelos
mecanismos coesivos tradicionais.

F.1gura 3 •4 CIass1ºfi caçao


- dos resumos.
r "I

Resumos

- 1
- 1
Críticos
Descritivos
(resenhas)
- - -

- Esquemáticos
-
- -

Lineares

Fonte: Guimarães (2012, p. 18S).


\.. .J
A leitura e a escrita) E
Na maioria das vezes, o destinatário de um resumo esquemá-
tico é seu próprio criador, que o emprega para fins de estudo ou
revisão. A preparação de um resumo esquemático segue duas di-
retrizes básicas : a no1ninalização e o estabelecimento de relações
lógicas entre os tópicos.
Nominalizar um enunciado complexo significa reduzi-lo a
um sintagma nominal, isto é, uma unidade linguística organiza-
da em torno de um nome (substantivo ou adjetivo). Os sintagmas
nominais presentes nos resumos esquemáticos correspondem,
justamente, aos pontos-chave do texto-fonte. Para realizar a no-
minalização, é preciso identificar as ideias mais importantes do
texto-fonte. A tarefa fica fácil quando elas estão destacadas em
negrito ou itálico, mas eventualmente as nominalizações po-
dem estar acompanhadas por frases curtas, que as esclarecem ou
complementam.
No que se refere ao estabelecimento de relações lógicas en-
tre os tópicos, um resumo esquemático não é simplesmente uma
lista de tópicos; é necessário indicar a relação lógica entre eles.
De 1nodo geral, recomenda-se seguir a hierarquia de informações
presente no texto-fonte. Você pode visualizá-la examinando o su-
mário do livro ou do material e1n leitura, por exemplo.
Vejamos, agora, a preparação de um resumo linear.
No fi m da década de 1970, o ling uista Teun A. van Dijk juntou-
-se ao psicólogo Wa lter Kintsch para propor um modelo capaz de
descrever como compreendemos um texto. De acordo com os
dois autores, o que fazemos é captar as informações presentes nas
microestruturas textuais (palavras, frases, parágrafos) e integrá-las
em uma macroestrutura maior. Para entender isso melhor, pense
em um livro que tenha lido recentemente. Ele com certeza ti nha
inúmeros detalhes: narração de ações, descrição de cenários e
personagens, diálogos, reflexões etc. No entanto, se alguém lhe
perguntar sobre o que era o livro, você será capaz de condensar
tudo isso em meia dúzia de frases. Enfim, você é capaz de integrar
as pequenas partes de um livro em um todo coerente (GU IMA-
RÃES, 201 2, p.188).

Para realizar essa espécie de "resumo mental", podemos seguir


alguns passos para reduzir o conteúdo, a saber: o cancelamento,
a seleção, a generalização, a seleção e a construção. Assim como
ocorre com a busca de informações, a aplicação desses passos é
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

inconsciente, mas estudá-las é uma forma de dispensarmos mais


cuidados durante a leitura e a feitura de resumos. Vejamos, a se-
guir, quadros com exemplos desses passos.

Quadro 3.2 Cancelamento.

Original Aplicação da regra do cancelamento


Aristóteles (384-322 a. C.), filho de um médico, nasceu Aristóteles (384-322 a. C.) nasceu em
em Estagira, no norte da Grécia. Com 17 anos, foi para Estag ira, na Grécia. Com 17 anos, foi para
Atenas estudar na Academia de Platão, aí permanecendo Atenas estudar na Academia de Platão,
por quase 20 anos, onde se destacou a ponto de ser aí permanecendo por quase 20 anos.
chamado por Platão de 'a inteligência da escola". Depois Depois de abandonar a cidade após a
de aba ndonar a cidade após a morte de Platão, retornou morte de Platão, retornou a Atenas aos 49
a Atenas aos 49 anos, quando fu ndou sua própria escola anos, quando fundou sua própria escola
filosófica, o Liceu (335 a. C.). Seus ensinamentos eram filosófica, o Liceu (335 a. C.). No final da vida,
transmitidos caminhando, por isso seu método é chamado acusado de impiedade, opta pelo autoexílio,
de peripatético (peripatos significava caminho, local do falecendo em Cálcis.
passeio). No final da vida, acusado de impiedade, opta
pelo autoexílio, falecendo em Cálcis.
Fonte:Guimarães(2012, p. 189).

Utilizar o método do cancelamento significa excluir todas as


informações de menor relevância para a compreensão geral do
texto. Ao fazê-lo, no entanto, é importante tomar cuidado para
não eliminar uma informação necessária à compreensão de outra
afirmação do texto, arruinando a coerência do texto (conforme es-
tudaremos mais a diante). No exemplo visto (Quadro 3.2), se eli-
minássemos o trecho "Depois de abandonar a cidade após a morte
de Platão", o trecho seguinte, "retornou a Atenas aos 49 anos",
ficaria sem sentido - o leitor perguntaria "por que Aristóteles re-
tornou a Atenas, se ele não saiu?".

Quadro 3.3 Seleção.

Original Aplicação da regra da seleção

Ficou para trás aquela história de que só as mulheres têm Ficou para trás aquela história de que só as
seu ritual de beleza diário. Como os homens estão cada mulheres têm seu ritual de beleza diário.
vez mais preocupados com a aparência, investem tanto Hoje, os homens investem tanto quanto
quanto elas em tratamentos estéticos e produtos que elas em tratamentos estéticos e produtos
melhoram a apresentação pessoa l. que melhoram a apresentação pessoal.
Fonte: Guimarães (2012, p. 190).
A leitura e a escrita) E
A seleção é muito semelhante à do cancelamento: a única di-
ferença é que as informações eliminadas pelo cancelamento estão
"perdidas para sempre", ao passo que as informações eliminadas
pela seleção podem, sim, ser recuperadas por inferência.
No exemplo visto (Quadro 3. 3), por que alguém investiria em
tratamentos estéticos e produtos que 1nelhora1n a apresentação
pessoal? Obviamente, porque está preocupado com a aparência.
Logo, a informação destacada no original pode ser inferida por
outras afirmações feitas no texto. Ao eliminá-la, o autor do resumo
realiza uma operação de seleção.

Quadro 3.4 Generalização.

Original Aplicação da regra da generalização


O bar do hotel oferece vodca, uísque, rum e as O bar do hotel oferece bebidas destiladas.
mais refinadas cachaças.
Fonte: Guimarães (2012, p. 190).

Aplicar a generalização (Quadro 3 .4) significa justamente trans-


formar palavras e expressões específicas (concretas) do texto em
palavras e expressões gerais (abstratas).

Quadro 3.5 Construção.

Original Aplicação da regra da construção


Ela o encontrou pensativo em frente aos vinhos Separado há um ano, o casal encontrou-se
importados. Qu is virar, mas era tarde, o carrinho dela por acaso no corredor de um supermercado.
parou junto ao pé dele. Ele a encarou, primeiro sem
expressão, depois com surpresa, depois com embaraço,
e no fim os dois sorriram. Ti nham estado casados seis
anos e separados um, e aquela era a primeira vez que se
encontravam depois da separação.
Fonte.· Guimarães (2012, p. 191 ).

Por fim, a construção (Quadro 3.5) consiste em substituir um


grupo de informações do texto por uma informação genérica que as
,
inclui - e que não está no texto. E semelhante à regra da generaliza-
ção, mas se distingue desta por envolver a substituição de frases ou
mesmo
,
parágrafos inteiros, e não apenas de palavras e expressões.
E uma das regras mais aplicadas em resumos de livros e filmes.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Nos exemplos anteriores, é possível notar que não apenas apli-


camos os passos para sintetizar o conteúdo, mas também fizemos
pequenas adaptações no texto resultante. O que é muito comum,
afinal estamos adaptando, inserindo também nossos conhecimen-
tos, dando Uin estilo pessoal ao que está sendo construído.

A escrita
Como vimos na Unidade 1, a aprendizagem da escrita envolve
dois processos concomitantes: co1npreender a natureza do sistema
de escrita da língua e o funcionamento da linguagem que se usa
para escrever. Em outras palavras, é possível produzir textos sem
saber grafá-los e é possível grafar sem saber produzir; o domínio
da linguagem escrita se adquire muito mais pela leitura do que pela
própria escrita; não se aprende a ortografia antes de se compreender
o sistema alfabético de escrita; e a escrita não é algo oposto à fala,
pelo contrário, ambas se transformam mutuamente em um processo
dinâ1nico.
Na escrita, podemos ver todo esse movimento dinâmico, por
isso, a partir de agora vamos estudar os aspectos mínimos que
constituem um texto: a frase, o parágrafo e o texto como um todo.
Para isso, continuaremos seguindo os estudos desenvolvidos por
Thelma Guimarães (2012, p. 131 -163), no livro Comunicação e
linguagem.
Certamente, um bom texto é mais do que uma sequência de
frases bem escritas. Ele também deve apresentar coesão, coerên-
cia e adequação ao contexto, entre outros atributos. Entretanto,
não se pode negar que tudo começa com frases bem escritas. Nos-
so estudo partirá, então, da frase e, depois, vamos para o parágrafo
e para o texto como um todo.

A frase
Va1nos retomar nossas aulas de língua portuguesa para diferen-
ciar três noções elementares : frase, oração e período.
De acordo com Guimarães (2012, p. 132), "frase é um enun-
ciado dotado de sentido completo. Na fala, ela é marcada por
uma entonação específica; na escrita, é encerrada por ponto (fi-
nal, de interrogação ou de exclamação) ou por reticências". Veja
alguns exemplos de frases: "Cuidado!"; "Bom dia, professora!";
A leitura e a escrita) E
"Trabalho digno o desse artesão"; "Onde está a biblioteca?" ; "Re-
solvemos marcar o ensaio às 1Ohoras" .
Como você percebe por esses exemplos, as frases podem ou
não conter verbo. As frases que não contêm verbo - "Cuidado!'' .
"Bom dia, professora! "; "Trabalho digno o desse artesão" - são
denominadas frases nominais. As frases que contê1n verbo são
chamadas de períodos (Figura 3.5).
Cada segmento de um período organizado em torno de um verbo
ou locução ve rbal (formada por verbo auxiliar+ verbo principal, por
exemplo, andei emagrecendo, foi marcado) chama-se oração. Um
período pode estar formado por uma única oração - nesse caso, é
chamado de período simples - ou por duas ou mais orações - nes-
se caso, recebe o nome de período composto (GUIMARÃES, 2012,
p. 132).

Figura 3.5 Frase, oração e período.

Frase

1
1 1
Sem verbo = Com verbo =
frase nominal período

1
1 1
Duas ou
Ex.: Ai, Uma oração só =
mais orações =
que preguiça! período simples
período composto

Ex.: Você sabe


Ex.: Fábio ~
se Fábio vai vir
vir à aula hoje 7
à aula hoje?

Fonte:Guimarães (2012, p. 133).

De acordo com esse esquema, vemos que existem períodos


simples e compostos. Estes podem ser construídos por coordena-
ção ou por subordinação. Continuando nossa aula de português,
va1nos relembrar esses conceitos.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Coordenação
De acordo com a definição tradicional, o período composto por
coordenação é aquele em que as orações são independentes, isto
é, podem ser compreendidas separadamente. Além disso, elas têm
valor sintático idêntico: dentro do período, nenhuma é mais impor-
tante que a outra. Elas podem estar sünplesmente justapostas, sem
a intermediação de u1na conjunção " Vão-se os anéis, ficam os de-
dos" . Ou, então, podem estar unidas por uma conjunção coordenati-
va: " Vão-se os anéis, mas ficam os dedos". Nesse caso, a conjunção
confere determinados significados ao período, como a ideia de opo-
sição, adição, alternância etc. (GUIMARÃES, 2012).

Subordinação
Nos períodos compostos por subordinação, as orações são de-
pendentes - não podem ser compreendidas separadamente. Uma
delas, chamada de oração subordinada, completa o sentido da ou-
tra, a oração principal. Veja:

oração principal oração subordinada

A oração "Os alunos pedira1n", sozinha, ficaria incompleta -


pediram o quê? Nesse exemplo, a oração subordinada atua como
um objeto direto da principal:

Osalunos T

verbo objeto direto

Os alunos ped! am que a prova tosse adiada.

verbo objeto direto

A função de objeto direto é apenas uma das que a oração su-


bordinada pode exercer em relação à principal. Ela também pode
funcionar como objeto direto, sujeito, predicativo do sujeito, ad-
junto adverbial, adjunto adnominal etc. Em todos esses casos,
como a oração subordinada está exercendo a função de um termo
da principal, ela é considerada hierarquicamente inferior a esta
(GUilvlA.RÃES, 2012).
A leitura e a escrita) E
Outra característica inconfundível da oração subordinada é que
ela sempre se liga à principal por meio de uma conjunção subor-
dinativa. Isso só não ocorre quando ela está na forma reduzida.
No Quadro 3.6, você pode recordar todos os tipos de períodos
compostos por coordenação e subordinação.

Quadro 3.6 Tipos de períodos compostos.

Período composto por coordenação


Coordenação assindética (sem conjunção)

Acordou, levantou, olhou o mar, sorriu.


Coordenação sindética (com conjunção)

Olhou o mar g sorriu. Ideia expressa


Ou você pede o divórcio, ou nunca mais me vê! pela conjunção
Este prédio balança, lI1.fil não cai. adição
Não fui à festa, f2Q& não me convidaram. alternância
Penso, [QQQ existo. oposição
explicação
conclusão
Período composto por subordinação

Orações subordinadas substantivas


Exercem, em relação à oração principal, as mesmas funções que um substantivo pode
exercer, por exemplo: função de sujeito; objeto direto; objeto indireto; aposto etc.
Émentira que fiz fofoca sobre seu namoro. Função exercida
Respondi que não quero saber de suas confusões. pela subordinada
Às vezes me esqueço de que você é casada. sujeito
Tenho certeza de aue ele é o candidato ideal. objeto direto
A verdade é aue não sei cozinhar. objeto indireto
Você precisa saber disto: aue a velhice chega para todos. complemento nominal
O carro poderá ser usado por auem quiser. predicativo do sujeito
aposto
agente da passiva
Orações subordinadas adjetivas
Exercem, em relação à oração principal, a mesma função que um adjetivo
pode exercer, ou seja, a função de adjunto adnominal.
Os alunos, aue,iogavam xadrez muito bem, aceitaram Relação com
o desafio. o antecedente
Os alunos que ioqavam xadrez muito bem aceitaram explicativa (refere -se ao
o desafio. antecedente como um todo)
restritiva (refere-se apenas a
uma parte do antecedente)
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Orações subordinadas adverbiais


Exercem, em relação à oração principal, a mesma função que um advérbio
pode exercer, ou seja, a função de adjunto adverbial.
Como chovia muito. achei melhor não sair. Ideia expressa
Fmbora corra rópido. o novo jogador é péssimo na pela conjunção
f,na/ização. causa
Se você for embora. cometerei uma loucura. concessão
Fez sinal para que eu entrasseà direita. condição
Quando a atri7 chegou.jó havíamos saído do teatro. finalidade
Estava tão eufórico que nem pensou nas dificuldades. tempo
Ele é menos inteligente do que eu pensava. consequência
Conforme a nutricionista explicou. devemos evitar os comparação
alimentos gordurosos. conformidade
À medida que o trem avançava, a paisagem se tornava proporciona lidade
mais desolada.
Fonte: Guimarães (20 12, p. 135-136).

As diferentes formas de compor as frases:


aplicação prática
Com esse pequeno resumo sobre composição de frases, po-
demos prosseguir com os estudos sobre escrita e de que modo é
possível aplicar as frases nominais, os períodos simples e os perío-
dos compostos por coordenação e por subordinação na prática da
escrita.
Independentemente dessas formas de composição, um ponto
importante a ser considerado é a extensão da frase. Hoje em dia,
as frases curtas, que em geral configuram as frases nominais e os
períodos simples, são as mais indicadas na maioria dos contextos
comunicativos. Elas são as preferidas na comunicação empre-
sarial, no jornalismo e na publicidade, por exemplo. Justamente
porque as frases curtas são as que 1nais combinam com os tempos
velozes em que vivemos, quando todos quere1n o máximo de in-
formação no menor tempo possível. No entanto, romances, ro-
teiros cinematográficos, trabalhos escolares fazem um uso e uma
combinação mais amplos de todos os tipos de frases , tecendo-
-as de maneira coesa e menos fragmentada. Veja um exemplo no
Quadro 3.7.
A leitura e a escrita) E
Quadro 3.7 Fragmentação versus coesão.
Versão com fragmentação excessiva Versão editada

A PNAD é realizada anua lmente. Ela é a mais Realizada anualmente, a PNAD é a mais
completa pesquisa do IBGE. Busca traçar um perfil completa pesquisa do IBGE. Ela busca traçar um
socioeconômico da população brasileira. Inclui em perfil socioeconômico da população brasileira,
seus critérios educação, trabalho e habitação, entre incluindo critérios como educação, trabalho e
outros itens. habitação, entre outros.
Fonte. Guimarães(2012, p. 141).

O conselho é não polarizar os textos em frases simples ou


compostas. O leitor-escritor deve sempre ter em mente em suas
atividades a alternância de frases de extensão variadas, conforme
seu estilo pessoal e as características do texto que está produzindo.
Acabamos de ver como a alternância entre frases curtas e lon-
gas pode conferir maior fluidez e coesão ao texto. Agora, outro
aspecto da construção da frase diretamente ligado à ênfase que se
pretende com determinadas construções é a ordem em que os ter-
mos aparecem. Nesse sentido, como diz Guimarães (20 12, p. 142)
[...] os períodos compostos por subord inação mostram-se mais
flexíveis q ue os compostos por coordenação. Afi nal de cont as, a
coordenação une orações q ue oc upam o mesmo nível sint ático.
Em conseq uência, elas se organizam no período como os vagões
de um t rem - enfi leiradas uma depois da outra :

Chegou à livraria+ e + pedi u ajuda ao vendedor.


Não encontrou o livro que precisava,+ então+ fez uma reserva.

Já nos períodos compostos por subord inação, como a oração su-


bord inada representa um complemento da principal, ela pode ser
colocada em diferentes posições dentro do período - e, em cada
um desses arranjos, a ênfase recai sobre determinada ideia.

Observe as construções a seguir e responda: qual informação


recebe maior destaque em cada caso?
Meu irmão fez questão de me explicar todos os detalhes de sua
doença assim que chegou do consultório. - ordem natural:
principal + subordinada.
Assim que chegou do consultório, meu irmão fez questão de
1ne explicar todos os detalhes de sua doença. - deslocamento:
subordinada + principal
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Meu irmão, assim que chegou do consultório, fez questão de


me explicar todos os detalhes de sua doença. - intercalação:
principal + subordinada + principal
Como você deve ter percebido, a ordem "natural", em que a
oração subordinada aparece no fim do período, é a que menos
destaque lhe confere: a circunstância temporal em que se deu a
ação ("assim que chegou do consultório") entra como um mero
detalhe do enunciado. Já nas outras construções, em que a oração
subordinada é deslocada para outras posições, a informação por
ela veiculada recebe maior ênfase.
De acordo com Guimarães (20 12, p. 143), essa relação entre
ordem e ênfase fica ainda mais clara quando comparamos as es-
truturas concessiva, que parte de uma conjunção, como embora,
ainda que, mesmo que, e adversativa, que se conecta a outra ora-
ção por meio da conjunção mas, contudo, todavia. Para entender
melhor a diferença entre elas, em termos da ênfase conferida a
cada ideia do período, vamos examinar um exemplo concreto.
Os discos de vinil deixam de ser objeto de colecionador e DJs e
ganham novo prestígio por parte dos jovens amantes de música
Os discos de vinil estão de volta. E1nbora ainda não sejam tão
populares entre a maioria dos jovens quanto os smartphones, já
deixaram de ser uma "antiguidade" para colecionador.
O período "Embora ainda não sejam tão populares entre a
maioria dos jovens quanto os smartphones, já deixaram de ser
uma 'antiguidade' para colecionador" é iniciado por uma oração
concessiva, que, como o próprio nome indica, faz uma concessão à
ideia principal. Nesse caso, a ideia principal a ser transmitida é a de
que os discos de vinil voltaram à moda. Tudo aquilo que contraria
essa ideia é wna concessão, uma exceção de menor ünportância.
Imagine, agora, que essa mes1na oração fosse estruturada na
seguinte ordem:
Os discos de vinil estão de volta. Já deixaram de ser
" antiguidade de colecionador", mas ainda não são tão populares
entre os jovens quanto os smartphones.
Nessa nova construção, a ênfase passa a recair sobre a segunda
oração (uma coordenada adversativa), introduzida pela partícula
"mas": "mas ainda não são tão populares entre os jovens quanto os
smartphones", pois é ela que dá a "palavra final" sobre o assunto.
A leitura e a escrita) E
Ao optar por tal redação, no entanto, o período fica incoerente com
o restante da oração. Afinal, tanto o título quanto o primeiro período
do texto estão dizendo que os discos de vinil voltaram à moda; não
faria sentido enfatizar, em seguida, que, na verdade, eles não são tão
populares assim entre os jovens.
Nosso intuito não é lhe ensinar uma fórmula-padrão para co1n-
por frases, mas sim orientá-lo nos caminhos a ser tomados tendo
em vista a clareza, a fluidez e a coesão. Seria uma atitude muito
normativa dizer que existe uma construção ideal ou mais adequa-
da, para isso existem as distintas gramáticas em língua portugue-
sa. Aqui enfatizaremos a desenvoltura que o leitor-escritor precisa
ter diante da escrita.

O parágrafo
Tendo em mente a frase como um dos elementos que com-
põem o texto, podemos passar à próxima estrutura: o parágrafo .
De acordo com Guimarães (2012, p . 144), o parágrafo, em geral,
apresenta a seguinte composição: "tópico frasal + desenvolvimen-
to + conclusão. O tópico frasal co1npõe-se de um ou dois períodos
que concentram a principal ideia do parágrafo. Tal ideia é am-
pliada e explanada no desenvolv imento, formado pelos períodos
seguintes e pode conter, ainda, uma conclusão" .
Mas essa não é uma estrutura obrigatória, pois existem pa-
rágrafos claros e coerentes que não utilizam tópico frasal (aliás,
existem parágrafos claros e coerentes dos mais diversos tipos e
formatos).
Ao estudarmos o tópico frasal, o que devemos ter em mente é
o fato de ele ser a maneira 1nais fácil e segura de começar. Para
o redator iniciante, ele é um guia seguro na construção de bons
parágrafos. Com a prática, a pessoa vai se sentir à v ontade para
ousar outras construções.
A grande vantagem do tópico frasal é que ele permite lidar
mais facilmente com dois "ingredientes" indispensáveis à boa re-
dação: as generalizações e as especificações. Ambas explicadas
por Guimarães (2012, p. 146):
Na escola, você aprendeu a diferenciar substantivos concret os -
como lápis, homem, cachorro - de abstrat os - como saudade, ilu-
são, permanência. Contudo, a noção de concret o e abst rato que
vamos lhe apresentar agora é outra.
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

As palavras podem ser consideradas abst ratas quando se referem


a entidades de sentido geral e concretas quando se referem a enti-
dades de sentido especínco. Esses conceitos, porém, não são abso-
lutos: uma palavra é geral em relação a outra e, ao mesmo tempo,
específica em relação a uma terceira. Devemos pensar, portanto,
em um continuum de especifi cidade, indo das noções mais abs-
tratas até as mais concretas.
Redatores inexperientes costu mam empregar muito mais palavras
abstratas do que concretas. Em consequência, seus textos tornam-
-se fartos de generalizações - e, ao mesmo tempo, escassos de es-
pecificações. Qual é o problema disso? Ora, o que torna um texto
informativo e marcante são, justamente, as especificações. A lingua-
gem é tanto mais clara, precisa e pitoresca quanto mais específica
e concreta. Generalizações e abstrações tornam confusas as ideias,
traduzem conceitos vagos e imprecisos.

M as, voltando ao estudo sobre parágrafo e tópico frasal , na


maioria das vezes, as generalizações são apresentadas no tópico fra-
sa!, enquanto as especificações ficam a cargo do desenvolvimento.

Exemplos
Exemplo 1

O pai do palito de dentes (e da necessidade de usá-lo)


Um dos mantras do capitalismo é "criar dificuldades para vender facilidades''.
Nem sempre é fácil. [Tópico frasa!- generalização. Esse parágrafo introdutório
é um tópico frasa 1, pois remete a uma ideia central e geral que será desenvol-
vida na continuação.]
Pegue-se, por exemplo, a necessidade de manter os dentes livres de sujeira,
fiapos e outros resíduos nojentos. Para resolver esse problema prosaico, a
humanidade passou a maior parte de sua história se virando com gravetos,
espinhos, ossos e lascas de bambu. Diante da oferta de gêneros tão variados -
muitos até gratuitos-, como alguém nos convenceu de que precisávamos
comprar um apetrecho específico para a higiene bucal? [Desenvolvimento -
especificações. Aqui, observamos o desenvolvimento de uma ideia (a neces-
sidade de manter os dentes livres de sujeira...) por meio de especificações,
de práticas feitas ao longo da história para que os dentes fiquem sempre
limpos, como na Antiguidade em que se usavam gravetos, espinhos e, hoje
em dia, em que compramos apetrechos dentários para o fazer. Assim, pude-
mos notar as dificuldades dos tempos antigos e as facilidades dos tempos
contemporâneos e como umas levaram a outras.]
A leitura e a escrita) E
Exemplo2

O método comparativo
Comparar é uma tendência natural e uma importante fonte de intuições e de
descobertas em todos os campos do conhecimento. (Tópico frasa! - genera-
lização. Também aqui as palavras introdutórias estabelecem um tópico frasa!,
nesse caso, sobre o que o ato de comparar pode proporcionar.)
Na análise das línguas, a comparação e o confronto levam, às vezes, ao esta-
belecimento de tipologias (como a que distinguia, tradicionalmente, entre
línguas monossilábicas, aglutinantes e flexivas); outras vezes, à busca de ca-
racterísticas supostamente inerentes a toda língua humana (como nos le-
vantamentos acerca dos "universais da linguagem" realizados pela linguística
estrutural americana nas décadas de 1950 e 1960). (Desenvolvimento- espe-
cificações. A partir da ideia central de que a comparação é fonte de intuições
e de descobertas em todos os campos do conhecimento, desenvolvem-se
argumentos específicos para demonstrá-la, por exemplo, o estabelecimento
de tipologias e a busca de características inerentes.)
Nesses casos, a comparação nada tem a ver com a genealog ia. (Conclusão.
A partir do que foi exposto no desenvolvimento, chega-se a uma conclusão.)
O Exemplo 1 comprova que o tópico frasal pode ser formado por dois pe-
ríodos, como dito anteriormente. Esse exemplo também ilustra um caso
frequente: muitos parágrafos-padrão não apresentam conclusão porque
seu último período dá uma "deixa" para a introdução do parágrafo seguin-
te. Nesse caso, a "deixa" é a pergunta "como alguém nos convenceu de que
precisávamos comprar um apetrecho específico para a higiene buca l?''. Já no
Exemplo 2, existe uma conclusão propriamente dita; observe-se, no entanto,
que ela não tem um fim em si mesma - seu objetivo é acrescentar uma nova
informação, que será desenvolvida no parágrafo seguinte.

Fonte:Guimarães (2012, p. 148).

Tipos de tópico frasa/


Em geral, o tópico frasal encaixa-se em uma destas categorias:
1. Declaração inicial - é o tipo mais comum : o tópico frasal
funciona como uma espécie de "título" do parágrafo; em se-
guida, são apresentados arg umentos ou exemplos que j usti-
ficam a afirmação inicia l. Veja um exemplo:
Atravessamos um tempo curioso, tempo dos lamentos e das
desculpas. A Igreja Católica pediu desculpas a Galileu e às
vítimas da Inquisição. O Japão ped iu desculpas pelos massa-
cres contra os ch ineses numa das guerras mais estúpidas da
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

humanidade. A Inglaterra também pediu desculpa à família


do brasileiro assassinado por engano em Londres.
2. Definição - neste caso, o autor define um conceito para, em se-
guida, explicá-lo melhor. Éa construção mais comum em textos
que pretendem esclarecer ou instruir, como manuais de instru-
ções, livros didáticos, enciclopédias etc. Observe um exemplo:
Os substantivos são palavras que servem para designar os
seres. Em todos os substantivos encontramos raízes signifi-
cativas (às vezes difíceis de identificar por representarem o
produto de longa evolução) e elementos que a elas se ane-
xam, tais como prefixos, sufixos, vogais temáticas e de liga-
ção, desinências.

3. Divisão - neste caso, o redator divide as ideias do tópico fra-


sa! em duas ou mais, dando a entender que vai explicá-las
separadamente em seguida. É a abordagem ideal q uando se
pretende tratar de vários assuntos, pois torna mais fácil para o
leitor seguir a linha de raciocínio. Veja um exemplo:
Os objetivos podem ser gerais ou específicos. Objetivos ge-
rais são elaborados para períodos maiores de aprendizagem,
como o planejamento de um curso; os objetivos específicos,
para períodos menores, envolvendo, por exemplo, uma aula
ou atividade (GUIMARÃES, 2012, p. 150-151 ).

Coesão e coerência
Um bom texto é mais do que uma sequência de frases bem
escritas. Como vimos até aqui, tomar as decisões adequadas para a
composição das frases e dos parágrafos já é um estágio avançado
para compor um bom texto.
Contudo, ainda falta estudarmos essas tão conhecidas pala-
vras: coesão e coerência. O que torna um texto verdadeiramente
bom é algo que não pode ser isolado; é uma espécie de "fluido"
que banha todas as partes e forma um todo significativo. O nome
desse fluido é coesão, e é ele que permite ao leitor reconstruir ou-
tro atributo fundamental do texto: a coerência.
Para expandir esses conceitos, vale dizer que a coerência é o
sentido, a relação lógica, e a não contradição entre as partes de
um texto; esses elementos são estabelecidos pelo leitor-escritor
com base em seu conhecimento do mundo e em suas referências
de leituras anteriores. A coesão, por sua vez, é o próprio conjunto
formado pela articulação textual desses elementos.
A leitura e a escrita) E
Por mais que pareça fácil e simples, não raro o aluno comete
algumas falhas nesse sentido. Vejamos, por exemplo, o enunciado
a seguir, que apresenta uma série de ideias aparentemente bem
"costuradas", mas cujo sentido é impossível apreender:
Laura vai à biblioteca. A biblioteca é construída com cimento
e tijolos. Materiais que hoje em dia são muito caros. Também
os foguetes são muito caros porque são lançados no espaço.
Segundo a Teoria da Relatividade, o espaço é curvo.
Em contrapartida, há enunciados sem qualquer mecanismo
coesivo e ainda assim coerentes
Meu irmão comprou um disco de vinil; ele vai fazer um show
amanhã.
Mas, antes, é preciso definir com mais precisão o que são meca-
nismos coesivos, utilizados para estabelecer a coesão em um texto.
Eles fazem parte daqueles responsáveis por estabelecer a chamada
coesão sequencial; além dela, há a coesão referencial e a recorren-
cial. Confira a definição desses três tipos de coesão e dos mecanis-
mos que os promovem no Quadro 3.8.

r • M ecanismos d e coesao.
Quadro 38
"
Mecanismos de coesão referencial
Fazem referência a algo que já foi mencionado ou ainda será mencionado no texto
Substituição - o termo citado antes é substituído por um pronome, numeral ou advérbio.
Adorei Fortaleza. Estive lá ano passado.
Vânia e Ana têm a mesma fraqueza: ambas são generosas demais.
PedrQ entrou em contato com QS e~ritQres, mas~ não ~ responderam.
Reiteração - o termo citado antes é repetido ou retomado por meio de palavras de sentido semelhante.
Repetição: Modo normal - nesse modo, o motor funciona a mil rotações por minuto.
Sinônimos: Esse cachorro faz festa para todo mundo. Éum cão muito simpático!
Palavras de sentido mais geral (hiperônimos): Marcos comprou um Porsche. Ele adora carros esportivos.
(específico > geral)
Palavras de sentido mais específico (hipônimos): No Paraná, não faltam opções de ecQturismQ. Uma boa
pedida é conhecer o Cânion Guartelá. (geral > específico)
Expressões nominais definidas (sua compreensão depende do conhecimento de mundo do leitor): Mick
Jagger desembarca no Brasil hoje. O voca lista dos Rolling $tones pretende divulgar seu novo álbum.
Nomes genéricos (gente, pessoa, coisa): Tenho .u.m..a coisa para lhe dizer:~ melhor pararmos de nos encontrar.
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Mecanismos de coesão recorrencial


Servem para retomar elementos anteriores, mas, ao mesmo tem po, acrescentar novas informações.
Paralelismo - repete-se a estrutura, mas com conteúdo diferente.

Na teoria, tudo funcionava às mil maravilhas. Na Qrática, era bem diferente.


Recorrência de termos - assemelha-se ao paralelismo, mas um termo em especial é repetido.

Jeremias não ficou apenas alegre. Jeremias ficou exultante.


Paráfrase - é uma maneira diferente de dizer algo que já foi dito, geralmente acrescenta ndo uma correção
ou um novo deta lhe. Costuma ser introduzida por expressões como isto é, ou seja, ou melhor.
Estou a12rendendo, ou melhor, tentando a12render malabarismo.
Elipse - um elemento já citado é omitido, mas o leitor consegue recuperá-lo facilmente por inferência.

A venda de carros novos cresceu ligeiramente no último mês. Já a de usados despencou.(= a venda de usados)
Ritmo e outros recursos fonológicos - neste caso, a conexão entre as ideias é ativada pelo som e ritmo das
palavras.
A menin inha empinou o narizinho e pôs a mão na cinturinha.
Mecanismos de coesão sequencial
Assim como os de recorrência, esses mecanismos têm como objetivo "fazer progredir o texto, fazer caminhar
o fl uxo informacional''. A diferença é que na coesão sequencial não há retomada de itens já mencionados.
Sequenciação temporal - indica a ordem temporal em que ocorrem os fatos do texto.

Ordenação linear: Levantou, tomou banho e saiu.


Marcadores (ou conectivos) temporais: Coloque Qrimeiro os ingredientes secos. Em seguida, aos poucos,
acrescente o óleo e o leite. Por fim, mexa tudo vigorosamente.
Tempos verbais: As árvores que Qlantara agora davam frutos.

Sequenciação lógica - indica a conexão lógica entre as ideias do texto.

Ordenação linear: O aeroporto foi fechado para pousos e decolagens. Filas enormes formaram-se no portão
de embarque.
Marcadores (ou conectivos) lógicos: Queria lhe pedir um favor, mas não tenho coragem.
Fábio fala inglês fluentemente; mesmo assim, está desempregado há um ano e meio.
Além de bonitos, os descansos para panela são muito práticos.
Fonte: Guimarães (2012, p. 153-155).
\.. .,J

Principais problemas relacionados à coesão e à


A o
coerenc,a
Feita essa conceituação, vamos continuar nosso aprendiz.ado
por meio dos principais problemas de coerência e coesão obser-
vados em textos.
Ao analisar a sentença "A professora comprou ,
o DVD de al-
gum fi hne, ela vai mostrar na aula de a1nanhã". E possível perce-
ber a ausência de algum elemento? Sim, é possível. Justa1nente a
A leitura e a escrita) E
ausência de mecanismos coesivos, mas nesse caso, não conduz
necessariamente à incoerência. Existem situações em que a rela-
ção entre as ideias está tão clara que o emprego de conectivos se
torna dispensável, por exemplo, quando a segunda ideia explica
a primeira ( o fato de que os alunos assistirão a um filme a1nanhã
explica a compra do DVD) ou quando a segunda ideia é uma con-
sequência da primeira: "A avenida foi fechada por conta de uma
manifestação. Um trânsito enorme foi provocado nas redondezas"
( o trânsito é consequência do fechamento da av enida).
Contudo, quando a relação entre as ideias é de outra natureza,
não tão racional como nesses exemplos, torna-se obrigatório ex-
plicitá-la para não termos problemas coesivos. Veja um exemplo
Há um pensamento corrente de que o Brasil vive uma democracia
racial porque somos um povo constituído por inúmeras raças.
Porém, muitos estudiosos são contra esse pensamento e
corroboram que a referida democracia não passa de um mito, uma
vez que, desde a Independência e da abolição do trabalho escravo,
indígenas e negros continua1n marginalizados pela sociedade.
As palavras em destaque são elementos de coesão que determi-
nam e dão fluidez à transição de ideias entre as frases do parágrafo.
Sem esses marcadores, algo muito comum em escritores que
estão iniciando esse tipo de aprendizagem, a clareza do enunciado
ficaria prejudicada. Paradoxalmente, um segundo problema coe-
siv o está relacionado não à falta, mas ao excesso de marcadores,
que originam um texto monótono , forçado . Se os conectivos f o-
rem colocados sempre na mesma posição dentro das orações, o
efeito torna-se ainda pior. Veja um exemplo:
A bicicleta e o carro comparti lham as mesmas vias. Logo, um pre-
cisa respeitar o outro. Sendo assim, os motoristas devem manter
a distância mínima de 1,5 met ro do cicl ista. Do mesmo modo, os
ciclistas devem seguir as leis de trânsito. Por conseguinte, são obri-
gados a andar na mão correta e respeitar a faixa de pedestres.
Finalmente, os ciclistas devem sinalizar com as mãos antes de tro-
car de faixa (GUIMARÃES, 2012, p. 156).

O uso indev ido dos conectores também provoca sérios proble-


mas, não só de coesão, como de coerência, porque o leitor é induzido
a estabelecer uma falsa relação entre as ideias. Veja alguns exem-
plos, com as respectivas correções (GUilv1ARÃES, 2012, p. 157):
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

• Queria tanto falar com Débora, até mesmo porque não sei onde
encontrá-la. (Incoerente)
Não saber onde encontrar Débora só aumenta meu desejo
de falar com ela. (Coerente)
• É muito comum os jovens falarem sobre a conquista da liber-
dade, sendo que muitos deles não sabem o verdadeiro senti-
do dessa palavra. (Incoerente)
É muito comum os jovens falarem sobre a conquista da li-
berdade, porém muitos deles não sabem o verdadeiro senti-
do dessa palavra. (Coerente)
• A energia nuclear não apenas é eficiente e econômica: pode
provocar terríveis acidentes, com consequências gravíssimas
para toda a população do entorno. (Incoerente)
Embora seja enciente e econômica, a energia nuclear pode
provocar terríveis acidentes, com consequências gravíssimas
para toda a população do entorno. (Coerente)

Saiba mais
A incoerência gerada pela má escolha de mecanismos coesivos é, na ver-
dade, um subtipo de uma categoria maior: a incoerência gerada pela má
escolha de palavras e expressões em geral. É comum, por exemplo, que re-
datores iniciantes empreguem termos de conotação positiva em contextos
negativos, ou vice-versa - o que também provoca incoerência. Veja alguns
exemplos:

A inflação não é mais privilégio dos países pobres. (Incoerente)


A inflação não é mais um problema exclusivo dos países pobres. (Coerente)
A contenção dessa encosta só foi feita graças aos deslizamentos de terra
no verão passado. (1 ncoerente)
A contenção dessa encosta só foi feita depois dos deslizamentos de terra
no verão passado. (Coerente)
Fumando desse jeito, ele tem grandes chances de desenvolver um tu-
mor. (Incoerente)
Fumando desse jeito, ele tem grande probabilidade de desenvolver um
tumor. (Coerente)

Fonte:Guimarães (2012, p. 157).


A leitura e a escrita) E
Por fim, um dos principais problemas relacionados à coesão e
à coerência diz respeito ao uso de mecanismos coesivos, palavras,
expressões e conceitos empregados erroneamente, ou seja, o es-
critor não sabe o significado, mas por algu1na associação mental
utiliza esses elementos em sua escrita, muitas vezes, por achar
"bonito ", "difícil", pertencente a wn v ocabulário culto. Nesses
casos, percebe-se que o autor trabalha somente a "superfície" dos
enunciados, ainda assim de maneira indevida, contudo, quando o
leitor vai além da superfície, percebe que as ideias não formam
um todo coerente. VeJamos wn exemplo :

Exemplo
Há mais de 2.000 anos, na Grécia Antiga, arte e educação estavam imbrica-
das, séculos mais tarde ocorreu um distanciamento entre essas duas formas
de expressão humana. No modelo atual de educação, verifica-se um pre-
domínio da dimensão epistêmica, ou seja, da sabedoria em detrimento das
dimensões várias do ser humano. Enquanto o modelo grego de educação
envolvia todas as dimensões, a educação do homem na era contemporânea
é um privilégio de apenas uma das dimensões, a epistêmica, priorizando sua
preparação como mão de obra para o mercado de trabalho. A desqualifica-
ção da estética nos nossos modelos de educação escolar mudou o modo de
ser do homem, de um modo de ser criativo, passou-se para um modelo de
dominação, no qual o homem se submete.

Nesse exemplo, percebemos o uso de wn vocabulário rebusca-


do em wna construção aparentemente formal, lógica e coerente.
Mas lendo de maneira atenta, o que você entende? Qual o objetivo
desse texto? As infonnações estão corretas?
Primeiro, a Grécia Antiga abrange wn período anterior a Era
Cristã, de 1100 a 146 a.C. , então, quando não tiver certeza sobre da-
dos nwnéricos, datas, estatísticas, melhor não incorrer em erro, afi-
nal, trata-se de wn texto que será lido e poderá influenciar outros
tantos leitores, que terão acesso e aprenderão wna informação errada.
Segundo, arte e educação estavam imbricadas e logo distancia-
das . O salto no tempo histórico é tão longo quanto as frases soltas
("Grécia Antiga", "arte e educação", "estava1n ünbricadas", "sécu-
los 1nais tarde", "distanciadas"). Como o leitor se localiza e1n meio
a essas frases? Outra questão nesse início diz respeito à definição
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

"entre essas duas formas de expressão humana". Sem dúvida, a


educação também é uma forma de expressão humana, mas, nesse
contexto, essa definição não estaria mais relacionada à arte?
Terceiro, dimensão epistêmica significa sabedoria? Não seria
conhecimento? Dimensões v árias do ser hu1nano são uma expres-
são culta, mas, nesse texto, faz algum sentido? Quais as dünen-
sões humanas que estão sendo contrapostas, por meio do elemento
conector "em detrimento", à dimensão epistêmica?
Quarto, a educação do homem na era contemporânea é um pri-
vilégio ou privilegia?
Quinto, criatividade e dominação são postas lado a lado sem
explicação, concluindo (?) que a essa dominação o homem se
submete.
Analisamos esse exemplo por meio de perguntas para que v ocê
possa ter em mente que a falta de coesão e coerência pode se dar
também pela falta de esforço por parte do autor, por isso é impor-
tante incentivar a leitura, depois os exercícios práticos e a escrita
propriamente dita. Esse espírito crítico em relação ao exemplo
també1n dev e ser transmitido aos alunos para que o considerem
em suas práticas. Como v imos no início da unidade,
[.. .] alfabetizar e let rar são duas ações disti ntas, mas não insepará-
veis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar
a ler e escrever no contexto das prát icas sociais da leitura e da
escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo,
alfabet izado e letrado (SOARES, 1998, p. 47 apud ALBUQUERQUE,
2007, p. 17).

Como melhorar o texto: técnicas de revisão


A escrita é uma construção sempre passível de ser aprimorada,
repensada, refeita. Nesse sentido, cumpre papel essencial a revisão,
de modo a ev itar textos confusos ou com constrangedores
,
erros
gramaticais, como o do exemplo que estudamos. E um exercício de
distanciamento de nossa própria escrita, em que precisamos ser mais
racionais e menos passionais (GUilv1ARÃES, 2012, p. 160).
Ant igamente se dizia que o melhor revisor é o fundo da gaveta;
hoje podemos dizer que o melhor revisor é o comp utador desli-
gado. Ou seja: deixe para rever seu texto no dia seguinte ou pelo
menos algumas horas depois de tê-lo escrito. Só assim você con-
seguirá lê-lo com outros olhos - olhos de leitor, não de redator.
A leitura e a escrita) E
A seguir, apresentamos um roteiro prático para guiar sua revisão.
Embora não haja uma ordem obrigatória, sugerimos que você inicie
pelos aspectos mais visíveis e depois vá para os mais abstratos.
1. Estrutura - a estrutura contém todos os elementos que
normalmente aparecem no gênero textual em questão? As
informações estão organizadas de maneira clara e coerente?
Faça um teste: o leitor conseguiria realizar um scanning, ou
seja, localizar rapidamente determinada informação? Ou será
que é necessário aumentar a letra dos títulos, usar destaque
nos dados mais importantes, acrescentar imagens que facili-
tem a identificação dos assuntos?
2. Extensão dos parágrafos - os parágrafos estão equilibra-
dos, com extensão semelhante? Em caso negativo, isso con-
tribui para acrescentar algum sentido especial ao texto ou se
trata de mero descuido?
3. Extensão e construção das frases - verifique se elas não
estão curtas nem longas demais e se há variação e ritmo na
combinação das diferentes formas e extensões.
4. Hierarquia das informações - se o texto tiver títulos e subtí-
tulos, verifique se há coerência na atribuição dos níveis, bem
como paralelismo na construção das frases.
5. Padronização - um texto padronizado transmite uma ima-
gem de profissionalismo e cuidado. Verifique:
• Se o uso de maiúsculas e minúsculas está uniforme
ao longo do texto - ex.: não misture as formas a Nota
Fiscal, a nota fiscal, a Nota fiscal;
• Se a tipologia está coerente - ex.: se você está usando
negrito para títulos e itálico para subtítulos, isso deve ser
mantido ao longo de todo o texto;
• Se houve consistência na escolha de determinadas
regras opcionais da língua - ex.: se você está usando
vírgula antes de etc., faça desse modo em todo o texto;
• Se não há mistura entre tu e você - ex.: Ontem tentei
te telefonar para saber o que você tinha achado do novo
projeto. (errado) Ontem tentei lhe telefonar para saber o
que você tinha achado do novo projeto. (certo)
• Se não há troca de denominações - ex.: em um con-
trato de empréstimo, se você começou chamando as
partes de prestamista e prestatário, não pode passar a
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

chamá-las de credor e devedor, investidor e gestor etc.,


senão o documento ficará confuso ou até mesmo juridi-
camente inválido.
6. Obediência à norma padrão - verifique cuidadosamente a
ortografia, a pontuação, a concordância, a regência e a colo-
cação dos pronomes oblíquos. Para tanto, tenha à mão seu
kit básico de consulta linguística: um dicionário completo
e um bom manual de redação. Se o texto é predominante-
mente formal e você usou algumas gírias ou expressões co-
loquiais, coloque-as entre aspas.
7. Coerência - primeiro, verifiq ue a coerência em nível local:
observe se não foram usados conectivos ou outras palavras
com sentido diferente do pretendido. Depois, aval ie a coe-
rência global - o texto acrescenta novas informações a cada
trecho, porém sempre na mesma d ireção, ou há ideias q ue
se contradizem?
8. Coesão e clareza - os mecanismos coesivos permitem ao
leitor reconstruir o sentido do texto ou ele precisa fazer infe-
rências demais?
9. Concisão - como dizia Carlos Drummond de Andrade, "es-
crever é cortar palavras''. Verifi que se há palavras ou expres-
sões que podem ser cortadas sem prejuízo ao entendimento.
Veja algumas sugestões:
• Elimine os pleonasmos (redundâncias) - ex.: todos os
países do mundo, elo de ligação, encarar/enfrentar de
frente, inaugurar uma nova fil ial, monopólio exclusivo,
surpresa inesperada.
• Prefira o sinônimo mais simples e curto - ex.: entre-
tanto --+ mas; consistir em ou constituir --+ ser; a fim
de --+ para (use os mais longos apenas quando já tiver
usado bastante os outros).
• Elimine as perífrases - perífrase é uma "frase ou recur-
so verbal que exprime aquilo q ue poderia ser expresso
por menor número de palavras"; transforme-a em uma
palavra só (GUIMARÃES, 2012, p. 161-163).

Esse roteiro, além de orientar uma releitura com intuito de me-


lhorar aspectos mais específicos de um texto , que seriam esses nove
pontos destacados, evidencia que a revisão é llln ato importante e1n
que o aluno ou o leitor-escritor volta à sua própria escrita com uma
A leitura e a escrita) E
perspectiva mais crítica, percebendo o texto como um todo e ve-
rificando se ele realmente estabelece um sentido completo e bem
amarrado.

O ato de escrever
Ao longo de sua evolução, o homem, na transformação da natu-
reza e de si mesmo, utilizou inúmeros instrumentos e ferramentas,
de madeira e pedra lascada, passando pelo metal, até o compu-
tador, a Internet e as máquinas. Segundo Lima (2014), também
o gênero textual, da forma como é concebido no interacionismo
sociodiscursivo, perpassa esse entendimento.

Saiba mais
Interacionismo sociodiscursivo

Inscreve-se claramente no movimento do interacionismo social, do qual


constitui, a uma só vez, uma "variante" eu m prolongamento. O interacionismo
social é uma vasta corrente de pensamento das ciências humano-sociais que
se constituiu no primeiro quarto do século XX, notadamente por meio das
obras de Bühler (1927), Claparede (1905), Dewey (191 O), Durkheim (1922),
Mead (1934), Wallon, e seguramente Vygotski. Em sua versão orig inal, essa
corrente sustentava que a problemática da construção do pensamento cons-
ciente humano deveria ser tratada paralelamente à construção do mundo
dos fatos sociais e das obras cu lturais e considerava que os processos de so-
cialização e os de individuação (isto é, de formação das pessoas individuais)
constituíam duas vertentes indissocióveis do mesmo desenvolvimento humano.

Fonte: Bronckart (2006, p. 8).

Portanto, de acordo com Lima (20 14) a linguagem também


consiste na apropriação de uma ferramenta que cumpre o papel de
mediadora das atividades sociais, por meio da qual nos comunica-
mos e nos organizamos como indivíduos sociais. Assim como os
artefatos humanos, essas formas comunicativas também foram e
são produzidas adaptando-se às circunstâncias e às necessidades
contextuais, conformando gêneros textuais que, em uma socieda-
de, são arcabouços de referências, aos quais sempre voltamos e
retomamos em novas e possíveis formas de expressão, por exem-
plo, a escrita.
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Esse reservatório de modelo vai se constituindo à medida que


determinadas sequências textuais se tomam comuns e agrupam-se
em torno de um padrão. A literatura de cordel, por exemplo, é um
gênero de texto que nasceu da oralidade, portanto tem uma escrita
que mantém aspectos da fala, é transcrita ao papel por meio de
versos curtos que, na maioria das vezes, são cômicos e aco1npa-
nhados de ilustrações, cujos traços também são muito peculiares
e, em seguida, pendurados em barbantes (Figura 3.6).

Figura 3.6 Literatura de cordel.

Essas sequências textuais, além de configurarem os gêneros,


são matrizes importantes também para o ensino da língua materna
e, consequentemente, da escrita.
Nesse sentido, os gêneros devem ser ensinados com base em agru-
pamentos, cujos critérios de organização sejam as sequências textu-
ais predominantes em cada gênero, pois o aluno desenvolve habili-
dades próprias das sequências ao estudar os gêneros. As sequências
são unidades estruturais relativamente autônomas, que integram e
organizam macroproposições que, por sua vez, combinam diversas
proposições, podendo a organização linear do texto ser concebida
como produto da combinação e da articulação de diferentes tipos
de sequências. Podemos considerar, portanto, que a criança, duran-
te suas interações com outros falantes da língua, interioriza, mesmo
que inconscientemente, sequências, cuja forma assumida é clara-
mente motivada pelas representações que o agente tem das pro-
priedades dos destinatários de seu texto, assim como do efeito que
neles deseja produzir (LIMA, 2014, p. 79).
A leitura e a escrita) E
Para o trabalho com os gêneros textuais, os professores podem
pensar e organizar um conjunto de atividades escolares pautado
em um gênero oral ou escrito para que o aluno, mesmo que pela
repetição, domine-o melhor e possa escrever ou falar de uma ma-
neira mais adequada em determinada situação de comunicação.
Por exemplo, a partir do gênero carta é possível ensinar a fala e a
escrita no contexto mais informal (uma carta para um primo dis-
tante, em que escreve sobre as férias e o início das aulas) e mais
formal (uma carta ao prefeito da cidade pedindo melhorias para a
escola). As sequências didáticas servem, portanto, para dar acesso
aos alunos a práticas de linguagem novas ou mais complexas.
Esse conjunto de atividades pode ser organizado a partir de
quatro partes integradas: apresentação da situação, produção ini-
cial, módulos e produção final.
1. Apresentação da situação - etapa reguladora da sequência
em que o professor deve descrever detalhadamente como os
estudantes realizarão a tarefa de produção ilustrando, por meio
de exemplos, o gênero a ser estudado.
2. Produção inicial - reside na essência da evolução formativa,
a qual funcionará como parâ1netro para a montagem dos mó-
dulos de atividade da sequência didática.
3. Módulos - atividades compostas com propósitos específicos,
que visem trabalhar sistematicamente e de forma gradual di-
ferentes elementos que constituem a aprendizagem do texto.
Pretendem habilitar o aluno a utilizar eficientemente tal gêne-
ro em suas práticas sociais.
4. Produção final - momento em que o aluno coloca em prática
o que foi aprendido ao longo da sequência e, assim, fornece
ao professor material para a realização de uma avaliação so-
ma tiva (LIMA, 2014).
O estudo dos gêneros textuais com base nessas práticas busca
preparar o aprendiz para o uso da língua em suas modalidades
escrita e falada, pois desenvolve a percepção de que tanto a escrita
quanto a fala são produtos de trabalho progressivo em situações
complexas de uso da língua. Para sintetizar o que estudamos sobre
a aprendizagem e a construção da escrita, vamos retomar alguns
fatores da textualidade. Segundo o pensamento de Lima (2014),
o texto pode ser definido como qualquer ocorrência linguística
falada ou escrita, " de qualquer extensão, dotada de unidade socio-
comunicativa, semântica e formal". Sendo assim, um texto deve
ser avaliado com base em seus
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

[ ...] aspectos pragmáticos, uma vez q ue é dotado de unidade so-


ciocom unicativa; em seus aspectos semânticos, visto q ue é dota-
do de unidade semântica, ou seja, apresent a um t odo coerente;
e em seus aspectos formais, uma vez q ue é dotado de unidade
formal, isto é, apresenta um todo coeso (LIMA, 2014, p. 124).

Para tecer um texto não basta unir sentenças, é necessário saber


e trabalhar sobre um conjunto de características que vamos deno-
minar, aqui, de textualidade. Os fatores que conferem textualidade
a um texto podem, portanto, ser divididos em fatores linguísticos
( coesão e coerência, como já estudamos) e fatores pragmáticos
(intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informativi-
dade e intertextualidade) (LIJ\1A, 2014):

• Coesão - em um texto temos palavras e frases relacionadas


entre si. A ligação e a relação entre palavras e frases de um
texto são elementos que lhe conferem coesão. Um dos meca-
nismos de coesão mais comuns é a retomada ou antecipação
de palavras, frases ou expressões. A retomada é realiz.ada por
meio de termos denominados anafóricos ( Os livros que você
procura estão na estante. O de português e o de literatura, este
de capa vermelha e aquele de capa marrom. "Este" e "aquele"
retomam, respectivamente, os termos literatura e português);
enquanto a antecipação por meio de termos chamados cata-
fóricos (O que eu quero da vida é isto: sombra e água fresca!
" Isto" antecipa sombra e água fresca). Podemos ainda citar o
uso de conectores que ligam o texto e ajudam a estabelecer en-
tre suas partes uma relação de significado, por exemplo, "1nas"
(Trabalhava todos os dias, mas sempre encontrava um tempi-
nho para ler), que ligam duas orações e ajudam a estabelecer
uma relação significativa; o uso de operadores argumentati-
vos, que marcam uma gradação em uma série de argumentos
orientados para uma mesma conclusão, por exemplo, "inclusi-
ve" (Todos os atores da educação são responsáveis pela trans-
missão de conhecimentos, inclusive, a família). Desse modo, a
coesão está relacionada à unidade formal do texto.
• Coerência - diz respeito à unidade semântica, ao nexo en-
tre os conceitos e a coesão, à expressão desse nexo no plano
linguístico, promovida pela sequência de palavras relaciona-
das em um determinado script conhecido pelos falantes . As
ideias precisam estar conforme com os fatos.
A leitura e a escrita) E
• Intencionalidade e aceitabilidade - são relativas aos par-
ticipantes do ato comunicativo. A primeira ao produtor do
texto e a segunda ao receptor deste. A intencionalidade,
portanto, diz respeito ao e1npenho do falante/ escritor em
construir um discurso coerente, coeso e capaz de satisfa-
zer os objetivos que tem em mente em determinada situa-
ção comunicativa. A aceitabilidade, por sua vez, refere-se à
expectativa do recebedor de que o conjunto de ocorrências
com que se defronta seja um texto coerente, coeso, útil e
relevante, capaz de levá-lo a adquirir conhecimentos ou a
cooperar com os objetivos do produtor.
• Situacionalidade - elementos responsáveis tanto pela perti-
nência e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre.
• Informatividade - informações apresentadas no texto, as
quais precisam ser suficientes para que o leitor/ouvinte com-
preenda o que era esperado pelo escritor/falante. Um texto é
informativo quando consegue acrescentar ao conhecimento
do ouvinte/leitor informações novas e não esperadas.
• Intertextualidade - relação de um texto com outros textos,
pois eles estão sempre dialogando em menor ou maior grau
(LIMA, 2014).
Escrever é realmente u1na atividade que demanda um acúmulo
de experiências e um esforço para aprender a aprender sempre
mais, a cada leitura, a cada v ivência individual e coletiva.
Nesse sentido, o professor deve estimular o armazenamento de
ideias, a constituição de uma memória em cada aluno, que servirá
como ponto de partida, como inspiração para a criação textual.
Além, é claro, de ensinar o conjunto de operações cognitivas que
aprendemos ao longo desta unidade.
Pereira e Neves (2012, p. 114) consideram importante traba-
lhar o seguinte aspecto na preparação para o sucesso na produção
de textos:
[...] a capacidade de reflexão. Refletir sobre um assunto e posicionar-
-se diante de um desafio intelectual são atividades importantes na
construção do processo argumentativo, e existe a expectativa de que
quem sabe argumentar, sabe escrever. Podemos dizer, então, que,
para iniciar a produção de um texto, o aluno deve ter uma memória
seletiva, conquistada a partir de muita leitura, análise e reflexão, e ser
capaz de reter informações para serem reutilizadas; de realizar abstra-
ções; de refletir sobre diversos assuntos; de saber, enfim, argumentar.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

1. Qual o papel que os gêneros textuais po- 4. Leia o seguinte texto:


dem desempenhar no processo de letra- O grande problema da saúde pública brasi-
mento e, principalmente, nas práticas de leira é a falta de gerenciamento, e não de re-
escrita? Dê um exemplo de como deter- cursos. Se bem aplicadas, as verbas existentes
minado gênero contribui para que o alu- resultariam em serviços de qualidade muito
no aprenda as diferentes modal idades de superior à atual.
escrita. Ter os cofres abarrotados de dinheiro não
2. O que você pensa sobre o uso dos mate- adianta muito quando não se sabe como
riais didáticos na educação brasileira con- usá-lo. É o caso do nosso sistema de saúde:
temporânea? Eles são suficientes para um falta know-how adm inistrativo, falta capaci-
processo de ensino e aprendizagem eficaz? dade de gestão, faltam controles.
Você conhece os livros utilizados na educa- Muito se fala sobre a escassez de verbas ou
ção pública e privada? Como os conteúdos sobre um suposto "buraco" nas contas da
estão apresentados e estruturados? saúde, mas a verdade é que o orçamento cor-
3. No momento de leitura com vistas a adquirir rente seria suficiente para uma revolução no
conhecimento para empregá-lo posterior- atendimento. Bastaria, apenas, uma gestão
mente na prática da escrita, quais são as três mais eficiente. Portanto, investir na qualida-
capacidades ma is relevantes por parte do de do gerenciamento dos recursos da saúde
leitor? A partir desses três procedimentos, deve ser a prioridade de todos os governos
construa um exemplo de apropriação com (GU IMARÃES, 2012, p. 159)
algum texto curto, um conto ou uma notícia Quais os problemas no que diz respeito à
de j ornal. coerência e coesão?

Hábito de ler está além dos livros, diz um dos maiores


especialistas em leitura do mundo
Um dos maiores especialistas em leitura do mun- O historiador esteve no Brasil para participar do
do, o francês Roger Chartier destaca que o hábito 2º Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos
de ler está muito além dos livros impressos e de- e Literários, realizado pela Universidade Estadual
fende que os governos têm papel importante na de Maringá (UEM). Em entrevista à Agência Brasil,
promoção de uma sociedade mais leitora. o professor e historiador avaliou que os meios
A leitura e a escrita) E
digitais ampliam as possibilidades de leitura, mas Chartier: isso não seria próprio do brasileiro. Penso
ressaltou que parte da sociedade ainda está exclu- que em qualquer sociedade do mundo [a pesquisa]
ída dessa realidade. "O analfabetismo pode ser o teria o mesmo resu ltado. Talvez com porcentagens
radical, o funcional ou o digital''. disse. diferentes. Uma pesquisa francesa do Ministério da
Agência Brasil: uma pesquisa divulgada recente- Cultura mostrou que houve uma redistribuição dos
mente indicou que o brasileiro lê em média quatro gastos culturais para o teatro, o turismo, a viagem e
livros por ano (a pesquisa Retratos da Leitura no o próprio meio digital.
Brasil, divulgada pelo Instituto Pró-Livro em abril). ABr: na sua ava liação, essa evolução tecnológica
Podemos considerar essa quantidade grande ou da leitura do impresso para os meios digitais tem o
pequena em relação a outros países? papel de ampliar ou reduzir o número de leitores?
Roger Chartier: em primeiro lugar, me parece que Chartier: representa uma possibilidade de leitura
o ato de ler não se trata necessariamente de ler mais forte do que antes. Quantas vezes nós somos
livros. Essas pesqu isas que perguntam às pessoas obrigados a preencher formulários para comprar
se elas leem livros estão sempre ignorando que a algo, ler e-mails? Tudo isso está num mundo digital
leitura é muito mais do que ler livros. Basta ver em que é construído pela leitura e a escrita. Mas tam-
todos os comportamentos da sociedade que a lei- bém há fronteiras, não se pode pensar que cada um
tura é uma prática fundamental e disseminada. Isso tem um acesso imediato [ao meio digital]. É total-
inclui a leitura dos livros, mas muita gente diz que mente um mundo que impõe mais leitura e escrita.
não lê livros e de fato está lendo objetos impressos Por outro lado, é um mundo onde a leitura tradicio-
que poderiam ser considerados [jornais, revistas, nal dos textos que são considerados livros, de ver
revistas em quadrinhos, entre outras publicações]. uma obra que tem uma coerência, uma singularida-
Não devemos ser pessimistas, o que se deve pen- de, aqui [nos meios digitais], se confronta com uma
sar é que a prática da leitura é mais frequente, im- prática de leitura que é mais descontínua. A percep-
portante e necessária do que poderia indicar uma ção da obra intelectual ou estética no mundo digital
pesquisa sobre o número de livros lidos. é um processo muito mais complicado porque há
ABr: hoje a leitura está em diferentes plataformas? fragmentos e trechos de textos aparecendo na tela.
Chartier: absolutamente, quando há a entrada no ABr: na sua opinião, a responsabilidade de pro-
mundo digital abre-se uma possibilidade de leitura mover o hábito da leitura em uma sociedade é da
mais importante que antes. Não posso comparar escola?
imediatamente, mas nos últimos anos houve um Chartier: os sociólogos mostram que, eviden-
recuo do número de livros lidos, mas não neces- temente, a escola pode corrigir desigualdades
sariamente porque as pessoas estão lendo pouco. que nascem na sociedade mesmo [para o acesso
É mais uma transformação das práticas cu lturais. à leitura]. Mas ao mesmo tempo a escola reflete
Égente que tinha o costume de comprar e ler mui- as desigualdades de uma sociedade. Então me
tos livros e agora talvez gaste o mesmo dinheiro parece que, também, é um desafio fundamental
com outras formas de diversão. que as crianças possam ter incorporados instru-
ABr: a mesma pesquisa que trouxe a média de livro mentos de relação com a cultura escrita e que
lidos pelos brasileiros aponta que a população pre- essa desigualdade social deveria ser considerada
fere outras atividades à leitura, como ver televisão e corrigida pela escola que normalmente pode
ou acessar a Internet. dar aos que estão desprovidos os instrumentos
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

de conhecimento ou de compreensão da cultura precisa de uma forma de aculturação, de pedago-


escrita. É uma relação complexa entre a escola e gia e didática diferente, mas os três também são
o mundo social. E é claro que a escola não pode tarefas importantes não só para os governos, mas
fazer tudo. para a sociedade inteira.
ABr: este é um papel também dos governos? ABr: na sua avaliação, a exclusão dos meios digi-
Chartier: os governos têm um papel múltiplo. tais poderia ser considerada uma nova forma de
Eles podem ajudar por meio de campanhas de in- analfabetismo?
centivo à leitura, de recursos às famílias mais des- Chartier: me parece que isso é importante e há
providas de capital cultural e podem ajudar pela uma ilusão que vem de quem escreve sobre o
atenção ao sistema escolar. São três maneiras de mundo digital porque já está nele e pensa que a
interação que me parecem fundamentais. sociedade inteira está digitalizada, mas não é o
ABr: no Brasil, ainda temos quase 14 milhões de caso. Evidente, há muitos obstáculos e fronteiras
analfabetos e boa parte da população tem pouco para entrar nesse mundo. Começando pela pró-
domínio da leitura e escrita - são as pessoas con- pria compra dos instrumentos e terminando com
sideradas analfabetas funcionais. Isso não é um a capacidade de fazer um bom uso dessas novas
entrave ao estímulo à leitura? técnicas. Essa é uma outra tarefa dada à escola
Chartier: é preciso diferenciar o analfabetismo de permitir a aprendizagem dessa nova técnica,
radical, que é quando a pessoa está realmente mas não somente de aprender a ler e escrever, mas
fora da possibilidade de ler e escrever da outra como fazer isso na tela do computador.
forma, que seria uma dificuldade para uma leitu-
Fonte: Cieglinski (2012).
ra. Há ainda outra forma de analfabetismo que se-
ria da historialidade no mundo digital, uma nova Exercício
fronteira entre os que estão dentro desse mundo De acordo com o que estudamos até aqui e com
e outros que, por razões econômicas e culturais, as ideias de Chartier, a leitura se faz presente em
ficam de fora. O conceito de analfabetismo pode que suportes e em que momentos da vida de
ser o radical, o funcional ou o digital. Cada um um sujeito para além dos livros?

mos que as práticas de linguagem são das capacidades de linguagem e, logo, de diferen-

V mediadas por instrumentos culturais e his-


tóricos, ou seja, por gêneros textuais. Se a
escola investe no ensino dos gêneros, estará facili-
tes aprendizagens. Nesse sentido, o ideal seria alfa-
betizar letrando, isto é, ensinar a ler e escrever no
contexto das práticas sociais da leitura e da escrita,
tando, portanto, a apropriação dos usos da língua, de modo que o indivíduo se torne, ao mesmo tem-
proporcionando diferentes formas de mobilização po, alfabetizado e letrado. Agrupamos os gêneros
A leitura e a escrita) E
de acordo com suas características e apresenta- como conselho fundamental para sua construção
mos algumas atividades, como música, teatro, nar- e extensão o equilíbrio - não é adequado usar ape-
rações orais etc. nas uma forma de composição, nem apenas frases
Nesta unidade, descobrimos que a leitura impli- curtas ou longas. O parágrafo foi outra estrutura
ca fontes de consulta mais adequadas a cada si- que abordamos e cuja fórmula pode ser traduzida
tuação e a seleção destas de maneira criteriosa, assim: parágrafo-padrão= tópico frasal + desenvol-
identificando os pontos-chave do texto lido e, fi- vimento+ conclusão.
nalmente, utilizando essas informações para estu- Aprendemos as generalizações, ou seja, os enuncia-
dos ou como subsíd io pa ra a produção de textos dos em que predominam as palavras e expressões
novos. Diferenciamos, ainda, as fontes primárias, abstratas (de sentido geral) - por exemplo, vegetal,
como os textos diretamente relacionados ao tema animal, ferramenta. As especificações, enunciados
que se quer examinar ou que oferecem informa- em que predominam as palavras e expressões con-
ções inéditas sobre ele; e fontes secundárias como cretas (de sentido específico) - por exemplo, figuei-
os textos produzidos por pessoas que comentam ra, atum, chave de fenda.
as fontes primárias. Além disso, estudamos os importantes conceitos
Quanto à armazenagem de conteúdo, vimos que de coerência, sentido do texto estabelecido pelo
existem basicamente dois tipos de resumo: os des- leitor com base em seu conhecimento de mundo
critivos e os críticos (também chamados de rese- e nas pistas e sinalizações deixadas pelo autor; e de
nhas críticas). O primeiro grupo divide-se, ainda, coesão, isto é, o próprio conjunto formado por es-
em resumos esquemáticos e linea res. Além dos sas pistas e sinalizações.
passos para sintetizar um texto-fonte - cancela- Escrever é realmente uma atividade que deman-
mento, seleção, generalização e construção. da um acúmulo de experiências e um esforço
No âmbito da escrita, estudamos a frase, um enun- para aprender a aprender sempre mais, a cada
ciado dotado de sentido completo, e definimos leitura, a cada vivência individua l e coletiva.
UNIDADE

Língua portuguesa na prática


- - - - - - - Objetivos de aprendizagem
Estudar como o conhecimento se relaciona com a subjetividade e
as interações sociais do aluno, elementos que se refletem na produ-
ção de seus textos e expressam o embate entre o discurso escolar
e o discurso do sujeito.
• Ana lisar as produções de textos a partir da correção do professor e
pensar como o material didático, uma das fontes de conteúdo mais
comuns no ensino brasileiro, relaciona-se com esse procedimento.
• Retomar conceitos vitais para o ensino da língua portuguesa, como
letramento e alfabetização. Estudar os textos característicos do gê-
nero acadêmico e o discurso literário.
• Introduzir a ludicidade no ensino e na aprendizagem como estímu lo
para o conhecimento sensorial, cognitivo, afetivo, motor e socia l do
aluno.

. - - - - - - - - - - - - - - - - - - Temas
• 1 - Produção de textos
Neste tema, vamos estudar a subjetividade para Freud e a intera-
t ividade para Piaget no processo de conhecimento do aluno que,
em um movimento ambivalente, marcado por suas experiências e
culturas e por suas interações com o meio, se deixam reflet ir nas pro-
duções textuais.
• 2 - Análise das produções de textos
A correção do professor e o uso do material didático influenciam a pro-
dução textual do aluno e, nesse processo, a palavra "erro" é como uma
sombra que paira sobre a cabeça do professor e pode afetar o ânimo
do aprendiz. Neste tema, vamos ver como essa expectativa de sempre
encontrar falhas pode ser antiproducente na sala de aula.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

• 3 - Língua portuguesa - conceitos inerentes, gênero


acadêmico e discurso literário
Vamos retomar os conceitos de letramento, alfabetização, orali-
dade, gêneros e tipos textuais que, entrecruzados pelas práticas
de leitura e de escrita, nos ajudam a refletir sobre o ensino de
língua materna. Também vamos estudar os textos característi-
cos do gênero acadêmico, como a resenha, o resumo, o relató-
rio e o artigo científico e, no final do tema, o discurso literário.
• 4 - Jogos e brincadeiras no ensino e na aprendizagem
Aqui, a ideia é pensar, a modo de introdução, porque o assunto
é ao mesmo tempo extenso e ainda em constante discussão,
o papel da ludicidade como estimulante ao desenvolvimento
cognitivo do aluno, ou seja, de que modo os jogos e as brinca-
deiras contribuem para o (auto)conhecimento, para as desco-
bertas do corpo e do mundo.

Introdução - - - - - - - - - - - -
O texto será o fio condutor de nossa última unidade. Vamos pensar
como a língua portuguesa também se constitui a partir do texto, seja
ele produzido pelo aluno, mediado pelo professor, seja estabelecido
nos materiais didáticos, escritos por autores consagrados.
Para isso, faremos uma aproximação teórica aos estudos de Sigmund
Freud e de Jean Piaget, traçando um caminho para a prática docente
na sala de aula cujo destino é justamente o aluno, construtor ativo de
conhecimento. Como a interação com seu meio e suas experiências
de vida deve mediar a aprendizagem? Que papel cumpre a educação
no "embate" positivo entre a cultura letrada do professor e a cultura
particular do aluno? O texto traz marcas desse processo de ensino e
aprendizagem; é ele um reflexo do aluno?
No contexto da sala de aula, quando pensamos no trabalho de cor-
reção textual, o objetivo deveria ser ponderar com o aluno o que ele
deseja expressar, a partir de uma orientação por parte do docente ou
não, e como pretende fazê-lo. Obviamente, nesse processo, dificul-
dades e facilidades virão à tona. Mas, não raro, a postura do profes-
sor se dá mais sobre os defeitos do que sobre as qualidades do texto
produzido, de modo que a correção se transforma em um trabalho
de se atentar, quase unicamente, às "possíveis violações linguísticas"
Língua portuguesa na prática)E

contra uma "suposta imagem do que venha a ser um bom texto''.


Perguntamo-nos, neste tema, se isso é realmente efetivo para a apren-
dizagem da língua portuguesa.
Nessa perspectiva, a leitura e a escrita têm peso significativo, elas são
o alimento para o conhecimento do aluno que, ao assimilá-las, adqui-
re sua linguagem particular, seu jeito de estar no mundo. Conceitos
como letramento, alfabetização, oralidade e gêneros e tipos textuais
são entrecruzados por essas práticas e, por isso, serão estudados no
terceiro tema, que se completa com textos característicos do gênero
acadêmico, por exemplo, a resenha, o resumo, o relatório e o artigo
científico, e com o discurso literário, formas que exigem domínio da
língua em sua expressão madura e criativa.
Para concluir nossos estudos de forma divertida, prazerosa, como diria
Piaget, veremos a importância do caráter construtivo do jogo no de-
senvolvimento cognitivo da criança. Vale ressaltar que, por conta de
nossos objetivos e espaço, mostraremos apenas um panorama sobre
a ludicidade na educação, evidenciando a corporeidade e o autoco-
nhecimento com a exploração de movimentos, espaços; o estímulo
dessas atividades para a assimilação e aprendizagem de conteúdos e
do mundo.

Produção de textos
Munidos dos conhecimentos de leitura e escrita assimilados na
Unidade 3, vamos, agora, estudar a produção de texto. Mas, antes,
vale a pena ler algumas palavras introdutórias, a modo de uma
aproximação teórica, sobre o processo de ensino e aprendizagem
e sobre a relação professor-aluno. Para tanto, mencionaremos as-
pectos do pensamento de Sig1nund Freud e Jean Piaget.

Aproximações teóricas - Sigmund Freud


Os estudos psicanalíticos de Freud contribuíram significativa-
mente para uma transformação no desenvolvimento e na apren-
dizagem do ser humano, que passaram a ser pensados com base
também na subjetividade, ou seja, os indivíduos são portadores de
experiência, de desejos que são (ou ao menos deveriam ser) con-
frontados no ato de aprender (NOGUEIRA; LEAL, 2013).
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Saiba mais
Nascido Sig ismund Schlomo Freud em 6 de maio de 1856, em uma família
judia, na atual República Tcheca, Sigmund Freud, nome que assume poste-
riormente, faleceu em Londres, em 23 de setembro de 1939. Mudou-se para
Viena ainda criança, onde permaneceu até 1938, transferindo-se com alguns
fam iliares para a Inglaterra em razão da perseguição nazista. Cursou medicina
na Universidade de Viena, onde dedicou sua formação ao estudo da neuro-
logia. Após uma temporada de trabalho com Jean-Martin Charcot, em Paris,
Freud passou a utilizar o método hipnótico no tratamento das doenças ner-
vosas, sem obter muito sucesso. Do fracasso do tratamento com a hipnose,
tem origem o método analítico exposto em A interpretação dos sonhos, uma
de suas obras ma is importantes. Por essa nova via, Freud chega a uma de
suas mais famosas e difundidas contribuições ao tratamento psicológico: o
complexo de Édipo. Autor de uma vasta obra, Freud escreveu e publicou suas
ideias até o fim de seus dias. A edição de suas obras completas abrange os
escritos compreendidos entre 1886 e 1939 e está dividida, na edição brasilei-
ra, em 24 volumes (SORIA, 2015). Sa iba mais acessando: <arethusa.ffich.usp.
br/node/94>.

A psicanálise aplicada à educação, portanto, pode trazer ao edu-


cador a possibilidade de lidar com as diferentes situações no coti-
diano da sala de aula. Como dizem Nogueira e Leal (2013, p. 115),
"no processo de ensino e aprendizagem o professor não domina a
aprendizagem do estudante, ele controla somente o processo de en-
sino". Também por isso, é importante que o educador, ao renunciar
a uma atividade excessivamente programada e instituída, considere
o aluno um ser subjetivo, que traz consigo experiências, sabedorias
e conhecimentos do seu universo particular. O encontro da cultura
do aluno com a cultura letrada, mediado pelo professor, toma-se,
então, disparador de uma educação f armadora, e não modeladora.
Quando um professor entra em contato com a psicanálise, a
expressão "sujeito" logo vem à tona. Saber como atingir esse su-
jeito, como ensinar o que sua racionalidade docente supõe que ele
deveria aprender ou, ainda, quais métodos utilizar, torna-se mais
misterioso do que nunca. O primeiro passo é aprender a considerar
esse sujeito e seu posto no mundo.
Nesse terreno, o educador trabalha o ser humano, e não um sis-
tema de ensino e aprendizagem, abandonando técnicas de pergunta
Língua portuguesa na prática) E

e resposta, de narração de conteúdos que são simplesmente de-


positados na cabeça do aluno sem reflexão e crítica. Renuncia à
preocupação excessiva com métodos, ao planejamento engessado e
aos conteúdos normativos e padronizados. Em resumo, abandona a
simples reprodução de conhecimento e passa à construção, no alu-
no, do conhecimento do mundo e de si mesmo.
De acordo com Nogueira e Leal (2013, p. 115), na relação en-
tre psicanálise e educação, o conceito de "transferência" adquire
relevância. "Esse foi um dos primeiros fenômenos observados por
Freud, que percebeu que todos seus pacientes desenvolviam para
com ele sentimentos de grande intensidade, afetuosos ou hostis",
fato que se prolonga na sociedade e ocorre em todos os relaciona-
mentos interpessoais. Nas palavras de Freud (1975, p . 998)
Transferências são reedições dos impulsos e fantasias desperta-
das e tornadas conscientes durante o desenvolvime nto da aná -
lise e que trazem como singular característica a substituição de
uma pessoa anterior pela pessoa do médico (ou do professor
no caso da sala de aula). Ou, para d izê-lo de outro modo, toda
uma série de acontecimentos psíquicos ganha vida novamente,
agora não mais como passado, mas como re lação atual com a
pessoa do médico.
Em outras palavras, o processo de transferência está relaciona-
do ao aparacimento de sentimentos, impulsos e atitudes exteriori-
zados para com o outro que está próximo. Assim, em sala de aula,
é importante o professor estar atento ao sujeito subjetivo, como
dissemos anteriormente, ajudando-o a superar as adversidades e a
desenvolver todo seu potencial crítico e criativo.
Freud, ao desenvolver a teoria psicanalítica, in Auenciou progres-
sivamente a educação e a mentalidade dos educadores no que
se refere à compreensão da relação professor-aluno, tornando-se,
apesar de não ser educador, um marco na educação do século XXI
(NOGUEIRA; LEAL, 2013, p. 125).

Aproximações teóricas - Jean Piaget


De acordo com Nogueira e Leal (2013), a teoria desenvolvida
por Jean Piaget, denominada epistemologia genética, tem como
fontes, de um lado, o conhecimento científico (epistemologia) e,
de outro, a gênese desse conhecimento (genética). Assim, sua teo-
ria é pautada no sujeito epistêmico, ou seja, no indivíduo em seu
processo de construção de conhecimento. Piaget considerou que
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

se " estudasse cuidadosa e profundamente a maneira pela qual as


crianças constroem as noções fundamentais de conhecimento lógi-
co, tais como as de tempo, espaço, objeto, causalidade etc. , pode-
ria compreender a gênese e a evolução do conhecimento humano"
(NOGUEIRA; LEAL, 2013, p. 126).

Saiba mais
Jean Piaget nasceu na Suíça em 1896. Considerado uma criança precoce;
desde cedo, demonstrou interesse pela observação da natureza e pela orga-
nização sistematizada dos dados coletados. Durante a adolescência, traba lhou
como assistente do diretor do Museu de História Natural em sua terra natal.
Ainda na adolescência, in iciou os estudos, especialmente interessado pelas
questões epistemológicas, que o acompanhariam por todo seu trabalho
como pesquisador. Entretanto, precisou escolher entre a biologia e a filosofia
aos 18 anos, para definir sua profissão. Optou pela formação universitária em
biologia e, aos 20 anos, doutorou-se em malacologia, ramo da zoologia que
estuda os moluscos. Piaget, desde a adolescência, desejou criar uma teoria
biológica do conhecimento e, perseguindo esse ideal, acabou buscando na
psicologia da inteligência o meio termo para seus interesses biológicos e
epistemológicos. A psicologia é a ciência que investiga o comportamento
humano e, portanto, investiga como o ser humano aprende e se apropria do
conhecimento.
Por meio do trabalho de padronização dos resu ltados de testes de inteli-
gência, Piaget encontrou um espaço de trabalho privilegiado, no qual pôde
analisar não somente os resultados dos testes, mas também a regularidade
das respostas das crianças e a análise verbal do raciocínio delas. O encontro
com a criança levou Piaget a retornar à Suíça, em 1921, trazendo consigo
esses dados que dão início à construção da teoria da epistemologia gené-
tica. Piaget elaborou um método próprio de pesquisa, o método clínico, e
iniciou sistematicamente as investigações sobre o desenvolvimento infantil
e a construção da inteligência.
O autor produziu uma vasta obra, com mais de 50 livros e 300 artigos. Rece-
beu ma is de 30 doutoramentos honoris causa, foi diretor do Instituto Jean
Jacques Rousseau, na década de 1920, subdiretor geral da Unesco, na déca-
da de 1940, encarregado do Departamento de Educação da Suíça, professor
universitário. Depois de mais de 60 anos dedicados à pesqu isa, Piaget faleceu
em Genebra em 1980 (CAETANO, 201 O).
Para saber mais, acesse: <www.ip.usp.br/portal/ index.php?option=com_
content&id= 1797:a-epistemologia-genetica-de-jean-piaget&I temid=97>.
Língua portuguesa na prática) E

Por isso dizemos que esse método é interacionista, justa-


mente porque, no decorrer do processo de desenvolvimento hu-
mano, a vivência do sujeito nos meios físico e social estabelece
contínuas rel ações e interações entre si, nas quais se constitui
o outro e, então, se transformam mutuamente, construindo for-
m as, aç ões e estruturas de inteligência. De acordo co1n Nunes e
Silv eira (2008, p. 82):
Piaget questionava tanto as teses que afirmavam ser o conhecimen-
to de origem inata quanto aquelas que acreditavam ser fruto de
estimulações provenientes do mundo externo, como se o conhe-
cimento fosse uma cópia direta da realidade. Para ele, só podemos
conhecer por meio de interações no ambiente, em um intercâmbio
de troca recíprocas sujeito-meio.

Esse processo de construção do conhecimento pelo sujeito foi


abordado do nascimento até a idade adulta, conforme ilustra de
forma esquemática o Quadro 4 .1.
Quadro 4.1 Fases do desenvolvimento da teoria genética.

Estágio sensório- Está dividido em três subestágios, sendo marcado, inicialmente, por coordenações
-motor (do sensoriais e motoras de fundo hereditário (reflexos, necessidades nutricionais).
nascimento até + 2 Posteriormente, ocorre organização das percepções e hábitos. Por último, é
anos) caracterizado pela inteligência prática, que se refere à utilização de percepções e de
movimentos organizados em "esquemas de açãd; que gradtivamente vão se tornando
intencionais, dirigidos a um resultado. A criança começa a perceber que os objetos a
sua volta continuam a existir, mesmo que não estejam sob seu campo de visão.
Estágio pré-operatório Surgimento da função simbólica, aparecimento da linguagem oral. Característica
(entre os 2 e os 6/ 7 egocêntrica de pensamento (centralizado nos próprios pontos de vista),
anos) linguagem e modos de interação. A lógica do pensamento depende da percepção
imediata e as operações mentais reversíveis não são possíveis.
Estágio operatório Pensamento mais compatível com a lógica da realidade, embora ainda precise da
completo (entre os realidade concreta. Reversibilidade de pensamentos. Uma operação matemática,
6/7 e os 11 / 12 anos) por exemplo, pode ser reversível. Compreende gradativamente noções lógico-
matemáticas de conservação da massa, volume, de classificação etc.
O egocentrismo diminui, surgindo uma moral de cooperação e respeito mútuo
(moral de obediência).
Estágio operatório Pensamento hipotético-dedutivo. Capacidade de abstração. O egocentrismo
formal (por volta dos tende a desaparecer. Construção da autonomia, com avanços significativos nos
11 / 12 anos em diante) processos de socialização.
Fonte: adaptado de Nunes e Silveira (2009 apud NOGUEIRA; LEAL, 2013, p. 138).
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

No entanto, no desenvolvimento infantil, Piaget se deparou


com traços fundantes de sua teoria.
Inicialmente, Piaget trabalhou com psicólogos que tentavam,
por volta de 1905, elaborar um instrumento para medir a inteli-
gência das crianças que frequentavam as escolas francesas. Ta l
instrumento config urou um teste, que foi o primeiro destinado a
fornecer a idade mental de um indivíduo e é até hoje utilizado de-
pois de ter sofrido sucessivas adaptações. Ao analisar as respostas
das crianças para esse teste, Piaget começo u a se interessar pelas
respostas erradas, salientando que estas só erravam porque as res-
postas eram analisadas a partir do ponto de vista do adulto. Na
verdade, as respostas infantis seguiam uma lógica própria (DAVIS;
OLIVEIRA, 1994, p. 37).

Com base nessas observações, Piaget percebeu que a criança, ao


se relacionar com os adultos, constrói conhecimento sobre e para a
convivência, inclusive, em como se expressar por meio da lingua-
gem. O adulto se converte em um exemplo que será imitado pela
criança. Poderíamos dizer que esse configura um momento inicial
de aprendizagem cuja ev olução será, como diz Nunes e Silveria
(2008, p. 82), contínua, " construída a partir da interação ativa do
sujeito com o meio (físico e social). O desenvolvimento humano
passa por estágios sucessivos de organização do campo cognitivo
e afetiv o, que vão sendo construídos em virtude da ação da criança e
das oportunidades que o ambiente possibilita à 1nesma".
Na teoria de Piaget, o conceito de adaptação ou equilíbrio é
muito importante. O equilíbrio caracteriza 1nomento de harmonia
nas trocas entre o sujeito e os meios físico e sociocultural, no en-
tanto, paradoxalmente,
Esse equilíbrio é sempre instável, segundo Piaget, posto q ue sem-
pre surgem novos desafios na interação entre o sujeito e o meio.
Por conseguinte, diante de uma situação de desafio, o equilíbrio
é perdido e, com isso, o sujeito entra em uma situação de dese-
quilibrio (ou desadaptação). Para recuperar o equilíbrio perdido, o
indivíd uo precisará mobilizar dois mecanismos da inteligência: a
assimilação e a acomodação (NOGUEIRA; LEAL, 2013, p. 127).

Nas palav ras de Piaget (2006, p. 156-157):


A adaptação é um equilíbrio; equilíbrio cuja conquista dura toda a
infância e adolescência e define a estruturação própria desses perío-
dos da existência entre dois mecanismos indissociáveis: assimilação
Língua portuguesa na prática)E

e acomodação. [...] A adaptação intelectual é, então, o equilíbrio en-


tre a assimilação da experiência às estruturas (mentais) dedutivas e
a acomodação dessas estruturas aos dados da experiência. De ma-
neira geral, a adaptação supõe uma interação ta l entre o sujeito e o
objeto, que o primeiro possa incorporar a si e o segundo levando
em conta suas particularidades; a adaptação é tanto maior quando
forem mais bem diferenciadas e mais complementares a essa assi-
milação e a essa acomodação.

Para aclarar essa ideia, podemos pensar que a interação entre a


assimilação e a acomodação, além de pressupor um olhar ao exte-
rior, à realidade, promov e a construção de nov os (ou reconfigura-
ção dos já existentes) esquemas mentais que permitirão melhores
condições para o sujeito interagir com o mundo.
Nesse sentido, uma contribuição central de Piaget para a área
educacional diz respeito à ideia de que o ser humano
[...] constrói at ivamente seu conhec imento acerca da real idade
externa de que as interações entre os sujeitos são um fator pri-
mordial para seu desenvolvimento intelectual e afetivo. Transpon-
do esta afirmação para uma situação educacional, significa dizer
que existe uma ênfase no aluno, em suas ações, seus modos de
raciocín io, de como interpreta e soluciona situações problema.
Esta ideia o posiciona em um lugar de ativo em seu processo de
aprendizagem. Ao mesmo tempo, dada a ênfase nas interações,
nos intercâmbios entre os sujeitos, o professor, assim como os
próprios companhe iros de classe, são peças fundamentais para a
construção do conhecimento (NUNES; SILVEIRA, 2008, p. 89).

Com isso, podemos concluir essa aproximação teórica, res-


saltando que u1na educação inspirada nos estudos de Jean Piaget
confere importância aos processos de compreensão, reflexão e não
mecânicos; define-se como interacionista, salientando a importân-
cia das relações mútuas entre o sujeito e o meio ambiente; é, final-
mente, construtivista.

A prática textual
A partir dessas aproximações teóricas, podemos traçar um
caminho para a prática docente na sala de aula em que o co-
nhecimento é uma constn ,ção, que se dá na interação do aluno
com o ambiente, com sua família, amigos e, de maneira espe-
cial, com o professor. Cumpre importância vital nesse processo
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

a subjetividade do aluno, cujas experiências e cultura não só lhe


propiciam um posto no mundo, como devem mediar a aprendiza-
gem, ou seja, a cultura letrada do professor não pode se sobrepor
à cultura particular do aluno - ambas devem ser mediadas e esta-
belecer relações sincrônicas.
Esse movimento pode se dar também na produção de texto,
como veremos a partir de agora. Vamos nos dedicar ao texto de
cunho mais acadêmico porque consideramos que esse tipo de dis-
curso, em uma etapa mais avançada da aprendizagem, pode con-
cretizar a mediação e interação entre a cultura letrada e a cultura
do aluno. Por meio de um texto acadêmico, o aluno pode expres-
sar o conhecimento científico, como a coerência, a coesão e os
demais aspectos que conferem textualidade à escrita, integrado ao
seu conhecimento subjetivo, como sua opinião sobre determinado
assunto, suas vivências, sua cultura.
Para alcançar esse obJetivo, vamos nos pautar, mais uma vez,
nos estudos de Thelma Guimarães, expostos no livro Comunica-
ção e linguagem. Portanto, mãos à obra!
Os termos acadêmico e cientifico tê1n usos um pouco dife-
rentes - o primeiro é preferido nas ciências humanas, enquanto
o segundo aparece mais nas exatas. No entanto, para simplificar,
aqui vamos tratá-los como sinônimos. Para tornar esta obra mais
ilustrativa, vamos definir as características de textos produzidos
no discurso acadêmico a partir de uma atividade de leitura, que
também configura uma proposta para trabalhos em sala de aula.
Vale ressaltar que o fato de estarmos tratando do discurso aca-
dêmico não significa que essa abordagem seja válida somente para
o ensino 1nédio e/ou superior. Tomados o contexto e as especifici-
dades de cada nível de ensino, esse discurso pressupõe um manejo
mais complexo das estruturas textuais e de conhecimentos prév ios
aprendidos pelos alunos, com intuito de trabalhar com temas mais
polêmicos relacionados à política, à sociedade, ao meio ambiente~
pedem a reflexão crítica e criativa dos alunos, assim como cons-
truções mais completas e potentes em língua portuguesa.
Pois bem, reto1nemos a atividade de leitura. Para tanto, leia
com atenção os três textos a seguir. Todos tratam do mesmo as-
sunto - acordos ortográficos da língua portuguesa -; no entanto,
apenas um deles pertence ao universo acadêmico. Você seria ca-
paz de descobrir qual é?
Língua portuguesa na prática) E

Texto 1
Este texto trata do Acordo Ortográfico, da "Última flor do Lácio,
inculta e bela", de 1990, a partir de três olhares de pesquisadores e
professores do Brasil, Moçambique e Portugal. Ou seja, é resultado
da história iniciada pelo período conhecido como "Grandes Nave-
gações''. começo da colonização portuguesa e da disseminação
da língua e cultura lusitanas.
Nesta época, conforme Costa (1988, p. 14), dos 300.00 homens
que compunham a população economicamente ativa de Portu-
gal, 30.000 eram marinheiros que colaboraram fortemente para a
presença de Portugal como metrópole em diferentes continentes.
Além de Portugal, hoje, apenas os seguintes países têm a língua
portuguesa como língua oficial: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, Brasil, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Apesar, e talvez por isso, da imensa fraqueza em termos da con-
solidação do mundo da lusofonia, de 1911 a 2008 - período de
97 anos - a língua portuguesa sofreu quatro reformas ortográfi-
cas. Questionamos: como, em tão pouco tempo - falando-se de
línguas que gozam de respaldo e oficialidade - se muda tão pro-
fundamente a grafia de uma língua, a golpes de decretos, sobretu-
do quando faladas em comunidades linguísticas visivelmente em
transição?
Em países em que os cidadãos, em sua quase totalidade, não são
leiturizados, qual a real necessidade de uma unificação da lín-
gua portuguesa? As nações falantes teriam, com a reforma, um
instrumento político que se reverteria em seu benefício, ou so-
mente os contratos entre esses países não mais necessitariam
de "tradução" e nem de adequação, como já ouvimos defenso-
res desta unificação usarem como argumento fundamental?
(BUQUE et ai., 2008, p. 4-5).

Texto 2
O professor Pasquale Cipro Neto defendeu revisão no Acordo Or-
tográfico da Língua Portuguesa. "O texto do acordo é tão cheio de
problema que foi preciso a Academia [Brasileira de Letras] publicar
nota explicativa [sobre pontos do acordo]. Por que foi preciso isso?
Porque há problemas''. ressaltou o professor, ao participar do se-
gundo dia de debates sobre o assunto na Comissão de Educação
do Senado.
Segundo Pasquale, o Brasil saiu na frente dos demais países sig -
natários na implementação do acordo, impedindo uma adoção
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

simultânea da nova regra. Para ele, houve atropelo e falta de


organização do país no processo. "Nós não podemos ir adiant e
com um texto que carece de polimento, soluções concretas';
disse.
As diversas situações do uso do hífen, considerado pelo profes-
sor uma das grandes frag ilidades da norma, foram um dos pon-
tos mais criticados. Para Pasquale Neto, no texto do acordo, "o
hífen foi maltratado, mal resolvido". A se u ver, a questão precisa
ser sol ucionada. De acordo com ele, é inexplicável o fato de a
palavra "pé-de-meia" ser escrita com hífen e "pé de moleque'; não
(MELO, 2014).

Texto 3
Você tem dúvidas sobre o novo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa? [ ...] Foram acrescentadas aquelas três letrinhas
ao alfabeto: K, W e Y, e caiu o trema. [ ... ] Sobre acentuação, ela
expl ica que somente as paroxítonas perderam os acentos. "O
primeiro gru po de acent os que ca iu foi o das duplinhas EEM
e 00. Por exemplo: leem, veem, deem, creem, deem, perdoo,
voo, abençoo. São hiatos q ue antes tinham acento. Agora fica-
ram sem acen to".
O segundo agrupo de acento que caiu é o do ditongo aberto: ei e
oi. Por exemplo, ideia; assembleia; paranoico; e heroico. No entan-
to, o acento se mantém em "herói" porque esta palavra é oxítona,
então mantém o acento. Então lençóis, papé is, pastéis porque são
oxítonas. Outro acento que caiu foi q uando dá uma quebra de di-
tongo, quando o U ou I são antecedidos de ditongo. Por exemplo:
feiura, Sauipe.
E, por fim, caíram todos os acentos diferenciais: para (verbo parar);
pelo (do cachorro); pelo (verbo pelar). A líng ua portuguesa só tem
dois acentos diferenciais, agora, com o Acordo Ortográfico: pode e
pôde (passado do verbo poder) e o verbo "pôr" mantém o acento
porque ele é monossílabo (TEM DÚVIDAS ..., 2015).

Conseguiu identificar qual dos textos pertence à esfera aca-


dêmica (ou científica)? Por meio da comparação entre os três
textos, fica mais fácil compreender as principais características
do discurso acadêmico, a saber: busca do ideal de neutralida-
de, foco restrito, construções complexas e vocabulári o técnico,
e argumentação com base na autoridade citada. Assim, perce-
bemos que o Texto 1 está em 1naior grau no contexto dessas
especificidades.
Língua portuguesa na prática) E

• Busca do idea l de neutralidade - com o intuito de transmi-


tir credibilidade e diferenciar-se do senso comum, "a ciência
moderna foi obrigada a criar para si um ideal de neutralida-
de". Os textos científicos co1neçara1n, então, a ser escritos
em "3ª pessoa para demonstrar que determinadas conclusões
não eram reflexos da percepção pessoal de um indivíduo, mas
sim verdades universais e atemporais". Para conseguir esse
efeito, os textos científicos passaram a valer-se de "quatro
expedientes de apagamento do sujeito" ( ou seja, emprego da
função referencial, com eliminação de qualquer marca ligada
à função emotiva, como estudamos na Unidade 1), são eles:
transferência da ação para os objetos (em vez de concluí ou
deduzi, o autor do texto acadêmico usa expressões como "Os
dados revelam ... " ou "A análise permite concluir... "); utiliza-
ção da voz passiva ( em vez de "Realizei dois experimentos",
o acadêmico diz: "Realizaram-se dois experimentos" (voz
passiva sintética) ou "Dois experimentos foram realizados"
(voz passiva analítica); utilização do plural de modéstia ( em
vez da 1ª pessoa do singular (realizei, observei), o acadêmico
emprega a l ª pessoa do plural (realizamos, observamos) com
referência a si mesmo, em uma tentativa de impessoalizar sua
participação no processo; suavização das marcas pessoais
(palavras e expressões de forte carga subJetiva são substituí-
das por outras mais neutras, que supostamente se limitam a
descrever os dados estudados. Metáforas e comparações são
pouco utilizadas; em vez disso , preferem-se as descrições
objetivas, concretas) (GUIMARÃES, 2012, p. 199-200).
No entanto, vale a pena fazer uma observação. O discurso
de divulgação científica, que compreende em sua maior par-
te os textos jornalísticos, não pode ser tão neutro e "seco"
quanto o científico. Os jornalistas precisam misturar a lingua-
gem objetiva com trechos narrativos, expressões coloquiais e
elementos que aproximam o tema do universo do leitor, tais
como metáforas, comparações e expressões subjetivas; com
isso, o discurso científico toma-se não apenas acessível, mas
também leve e agradável. E' o caso dos textos 2 e 3.
• Foco restrito - ou, em outras palavras, recorte do tema.
O objetivo do texto, como diz Guimarães (2012, p. 202), "é
acrescentar algum tipo de novidade - uma nova perspecti-
va, uma nova hipótese, uma nova maneira de organizar os
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

saberes - a um campo previamente estudado" . Por exemplo,


o Texto 1, logo no primeiro parágrafo já delimita seu escopo
'
("Este texto trata do Acordo Ortográfico, da 'Ultima flor do
Lácio, inculta e bela', de 1990, a partir de três olhares, envol-
vendo pesquisadores e professores do Brasil, Moçambique e
Portugal"); no Texto 2, observamos o mesmo processo ("O
professor Pasquale Cipro Neto defendeu revisão no Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa"); finalmente, o Texto 3
(Você tem dúvidas sobre o novo Acordo Ortográfico da Lín-
gua Portuguesa?).
• Construções complexas e vocabulário técnico - os textos
acadêmicos dirigem-se a pessoas que, em tese, já estão acos-
tumadas à leitura e familiarizadas com o tema em análise.
Portanto, são comuns algumas construções mais cuidadas e
elaboradas, além de um vocabulário menos usual e referên-
cias a outros textos da literatura. No texto 1, por exemplo, o
'
autor usa o verso do poeta Olavo Bilac, "Ultima flor do Lá-
cio, inculta e bela", para se referir à língua portuguesa. Outro
aspecto é que os "períodos dos textos acadêmicos costumam
ser longos e compostos por subordinação [como já vimos na
Unidade 3] . Isso se explica, por um lado, pela necessidade de
estabelecer relações complexas entre as ideias e, por outro,
justamente pela falta de preocupação em simplificar a lingua-
gem" (GUIMARÃES, 2012, p. 202).
• Argumentação - os textos argumentativos são aqueles
que defendem uma tese (um ponto de vista) com base em
argumentos. Existe um tipo de argumento que é bem carac-
terístico do discurso acadêmico: a autoridade citada. Seu
objetivo é legitimar uma tese com base na citação de argu-
mentos proferidos por pessoas consideradas autoridades no
tema em questão. Todos os tipos de argumento se prestam
à "falseabilidade", ou seja, o leitor de um texto acadêmico
pode, por exemplo, "questionar as comparações e os exem-
plos apresentados pelo autor e, a partir disso, provar que
a tese construída com base neles é falsa" (GUIMARÃES,
20 12, p. 205-206). No caso dos argumentos pragmáticos, o
leitor precisa conhecer as evidências coletadas para decidir
se permitem, de fato, chegar às conclusões apresentadas.
" Ora, mal comparando, poderíamos dizer que os argumentos
Língua portuguesa na prática) E

de autoridade citada são as evidências que embasam o ra-


ciocínio do autor" (GUIMARÃES, 2012, p. 207).
Uma produção textual que entrecruza os saberes da cultura
letrada e os saberes subjetivos, entendidos como experiên-
cias e culturas adquiridas no mundo real, de modo a refletir
criticamente e transmitir uma opinião argumentada deve se
pautar em passos, em métodos. Na sala de aula, é importan-
te o professor ressaltar os seguintes: definição e recorte do
tema; formulação das questões de pesquisa; e estabeleci-
mento de hipóteses.
• D efiniçã o e recorte do tema - aconselha-se pensar em um
tema com o qual tenha afinidade e, de preferência, familiari-
dade. Se você demonstra interesse pela construção de carros
e robôs, busque temas na engenharia mecatrônica e de com-
putadores; se prefere estudar os textos de Guimarães Rosa,
pesquise produções da área de estudos literários, literatura
comparada e linguística. Isso significa, de acordo com Gui-
marães (2012, p. 212), "proceder a uma ampla busca de infor-
mações sobre o tema, a fim de descobrir as principais linhas
de pesquisa que ele abriga, quais resultados já foram obtidos,
o que ainda falta esclarecer e assim por diante".
• Formulação das questões de pesquisa - a definição do re-
corte deve conduzir à identificação do problema ou dos pro-
blemas para os quais a pesquisa e, consequentemente, o texto
buscarão oferecer uma solução. Para ser útil, uma pesquisa
deve ser capaz de oferecer algum subsídio (ainda que modes-
to) à melhoria de uma situação real. Guimarães (2012, p. 213)
nos oferece um exemplo:
[...] suponha q ue você decida investigar como a taxa de infecção
no hospital onde t rabalha se comportou depois q ue os funcio-
nários participaram de um treinament o para prevenção de in-
fecções. Os resultados certamente serão úteis aos gestores do
hospital, que poderão verifi car a efi ciência do programa".

• Estabelecimento de hipóteses - para traçar um caminho


durante a investigação dos dados, podem-se, ainda, levantar
algumas hipóteses para as inquietações do tema selecionado.
No caso do exemplo supracitado, poderíamos estabelecer as
seguintes hipóteses: A taxa de infecção subiu após a imple-
mentação do programa? A taxa de infecção diminuiu após a
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

implementação do programa? A taxa de infecção não se alte-


rou após a implementação do programa? Trabalhar com per-
guntas hipotéticas ajuda a esgotar as diferentes possibilidades
que um te1na e toda sua pesquisa podem abrir.

Considerar esses pontos como um roteiro anterior à produção


textual propriamente dita desperta no aluno a leitura e as referên-
cias dela oriundas, a pesquisa, a apropriação e a seleção de conteú-
dos e, finalmente, a escrita.

Produção e circulação de texto escrito


A produção textual é parte integrante do processo de aprendi-
zagem de uma língua e também da formação do aluno, uma vez
que o texto é também a expressão do sujeito. Por mais científico e
acadêmico que seja, como aprendemos no tópico anterior, muito
do universo de leitura particular, ou mesmo o recorte temático,
tem estrita relação com o leitor-escritor.
Se optarmos, por exemplo, por desenvolver nossa prática pe-
dagógica co1n base nas sequências didáticas (um dos objetos de
estudo na Unidade 3 ), que funcionam como instrumentos funcio-
nais para o trabalho com gêneros textuais, e não como modelos f e-
chados, é porque entendemos que a produção textual está presente
no processo de aprendizagem dos elementos que constituem um
gênero (LIMA, 2014).
A avaliação final, ou melhor, o trabalho final, não raro, é a con-
fecção de um texto dentro do gênero textual estudado. Não se trata
mais, portanto, de construir textos que têm como destinatário ex-
clusivo o professor avaliador, mas construir gêneros textuais dos
mais diversos, com base nas aprendizagens sobre eles construídas
a partir das sequências didáticas, buscando sempre dirigi-los a seus
destinatários em potencial.
Com base nessa ideia de sequências didáticas, vamos propor
uma reflexão sobre a prática pedagógica no ensino e na apren-
dizagem de produções textuais, pensando em gêneros que pres-
supõem a argumentação, de modo a assimilarmos o discurso
acadêmico e científico.
A proposta aqui, influenciada por Lima (2014), é construir uma
sequência didática que visa atender às particularidades do grupo
em relação às estratégias textuais no gênero carta argumentativa.
O tema sugerido é "A escola de nossos sonhos" .
Língua portuguesa na prática) E

A produção inicial pode ser composta por duas etapas: uma


de produção oral e outra de produção escrita. Seria interessante
realizar a primeira no formato de uma entrevista~ dessa forma,
trabalha-se também a articulação oral dos alunos entrevistadores,
assim como os entrevistados (alunos, professores, fa1niliares, ami-
gos, sociedade do entorno da escola e demais funcionários) pode-
rão se manifestar apresentando suas opiniões sobre uma escola
ideal. A pergunta que pode orientar a entrevista é: como seria a
escola de nossos sonhos e o que é preciso fazer para alcançarmos
essa escola? Pode-se gravar a entrevista para servir de material de
análise durante a produção textual.
A produção escrita, como o próprio nome diz, configura-se na
feitura de um texto por parte dos alunos com base no material reco-
lhido das entrevistas. A carta argumentativa pode ser entregue ao di-
retor da escola e à respectiva secretaria de educação do município.
Com todas essas etapas concluídas, é chegado o momento de o
professor pensar reflexivamente o trabalho como um todo , suas
dificuldades e suas facilidades. Para isso, Lima (2014) aponta
alguns objetivos que podem contribuir, como levar os alunos a:

• Reconhecerem a estrutura básica, prototípica, do discurso ar-


gumentativo, que é posição +justificativa+ conclusão.
• Reconhecerem o caráter pragmático e dialógico do discurso
argumentativo, ou seja, convencer seu interlocutor de algo.
• Utilizarem os conectivos para promover a coesão textual e
reconhecerem a importância desses elementos na produção
do discurso argumentativo.
• Serem capazes de utilizar adequadamente alguns aspectos
notacionais do texto escrito, como letra maiúscula, pontuação
e acento diferencial.
• Serem capazes, ao final dos módulos, de produzir uma carta
opinativa para a direção da escola e para a secretaria de edu-
cação do munícipio, apresentando-lhes a opinião da turma
sobre uma escola ideal e sobre pontos que podem ser repen-
sados, reinventados.
Para que os alunos cheguem a essa prática e a essa reflexão ,
o professor deve lhes fornecer os instrumentos, as aprendizagens
necessárias para superar as dificuldades e potencializar ainda mais
as fac ilidades. Para isso, e de acordo com Lima (20 14 ), podemos
estabelecer cinco momentos:
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

1. Levar os alunos ao reconhecimento e agrupamento ( catego-


rização) dos tipos textuais. Por exemplo, pode-se dividir as
crianças em grupo de quatro alunos e cada grupo deve receber
textos de diferentes gêneros com a orientação de agrupá-los
co1n base em algum critério de semelhança. Para estimular é
interessante as seguintes perguntas: quais textos nos conta1n
histórias ? Quais tentam nos convencer? Quais textos nos en-
sinam como fazer alguma coisa? Após o agrupamento dos
textos com base no critério argumentativo é proposto um es-
tudo detalhado e orientado pelos seguintes questionamentos:
como os autores tentam convencer seus interlocutores? Os
autores colocam sua posição em relação ao assunto? Eles
aprensentam alguma justificativa para sua posição?
2. Levar os alunos a perceberem o caráter dialógico do texto ar-
gumentativo, para, então, organizar melhor as ideias, articu-
lando posição e argumento. Para isso, é importante retomar as
entrevistas com o intuito de rever com os alunos o obJetivo
destas: expor para a direção da escola e para a secretaria muni-
cipal de educação como poderia ser a escola com que sonham.
3. Levar os alunos à identificação de uma situação-problema,
ou seja, de elementos comuns nas entrevistas, por exemplo,
qual o maior problema enfrentado pelas escolas? Qual sonho
é mais comum nas entrevistas? Nesse momento os alunos po-
dem confeccionar cartazes que destaquem essas questões e
apresentá-los na sala de aula e na escola, além de pesquisar
textos de jornais e revistas que abordem o tema com distintos
pontos de vista.
4. Levar os alunos a reconhecer a importância dos conectores
de posição, adição e conclusão no discurso argumentativo.
Alguns trechos da produção escrita dos alunos (produção ini-
cial) podem ser entregues com lacunas a serem preenchidas
no local dos conectores, de modo a proporcionar sentido ao
fragmento.
5. Visa trabalhar com aspectos notacionais do texto, em especial
o estudo sobre o uso adequado de letra maiúscula, pontuação
e acentos diferenciais. Mais uma vez, podem ser retomados
textos escritos da produção inicial para que os alunos sejam
orientados a observar sua própria escrita. Finalmente, para
a produção final é válido ilustrar a prática com um mode-
lo do gênero argumentativo, estudando com os alunos seus
Língua portuguesa na prática) ~

elementos e particularidades. E , então, solicita-se aos alunos


a escrita de uma carta argumentativa.

Essa proposta tem u1n cunho 1natricial, ou seja, demonstra


que é possível trabalhar com gêneros de diversos agrupamentos
em diferentes anos escolares, aumentando gradativamente as di-
ficuldades. Com base nela, você pode pensar em outras maneiras
de trabalhar a produção textual em língua portuguesa na sala de
aula.

E o material didático?
São vários os materiais que podemos utilizar na sala de aula
para o ensino e a aprendizagem da língua portuguesa, mas o livro
didático impresso, assim como os cadernos de exercícios, os di-
cionários e os compêndios gramaticais são muito comuns em todo
o sistema educacional brasileiro .
Não estamos afirmando aqui que o uso desses 1nateriais é nega-
tivo para as práticas escolares; no entanto, adaptar esses materiais,
modificando-os, ressignificando-os, pode ser uma atitude,
trans-
formadora tanto do ensino quanto da aprendizagem. E uma forma
outra de atrair a atenção dos estudantes para a aula, motivando-os
a uma busca cada vez maior do conhecimento, privilegiando sua
qualidade e significância.
De acordo com Ferro e Bergmann (2013, p. 53):
[...] fica clara a importância de uma interferência do professor na
adaptação dos materiais preexistentes aos interesses e aos objeti-
vos de seus alunos. Quaisquer modificações nesses materiais pre-
cisam, no entanto, ser feitas de maneira cuidadosa e criteriosa, já
que devem fazer parte de um todo coerente metodologicamente.
É necessário, portanto, refleti rmos sobre quais fatores devem ser
considerados na elaboração e na adaptação dos materiais didá-
ticos, assim como quais deles podem fazer parte do processo de
aprendizagem de maneira a enriquecê-lo e maximizá-lo. Para isso,
discutiremos um pouco os objetivos mais gerais de nossos alunos
e o currículo que os rege.

Dificuldades no domínio da leitura e da escrita, por exemplo,


são tão recorrentes que suscitaram um intenso debate entre os prin-
cipais profissionais da área. Leia este trecho dos Parâmetros Curri-
culares Nacionais de língua portuguesa:
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

O eixo dessa discussão acerca da necessidade de melhorar a qua-


lidade do ensino no país centra-se, principalmente, no domínio da
leitura e da escrita pelos alunos, responsável pelo fracasso escolar
que se expressa com clareza nos dois funis em que se concentra a
maior parte da repetência: na primeira série (ou nas duas primei-
ras) e na quinta série. No primeiro, pela dificuldade de alfabetizar;
no segundo, por não conseguir levar os alunos ao uso apropriado
de padrões da linguagem escrita, condição primordial para que
contin uem a progredir (BRASIL, 1998, p. 17).

Seria, portanto, objetivo comum a todo aluno a capacidade de


interpretar diferentes tipos de textos, compreendê-los como uma
unidade significativa e produzi-los de modo eficaz e relevante. De
acordo com Ferro e Bergmann (2013, p. 54), "na prática, isso se
dá com a compreensão e a subsequente utilização, por parte do
aluno, de diferentes linguagens, fontes de informação e recursos
tecnológicos", com o objetivo final de desenvolver um conheci-
mento discursivo e linguístico, com o qual possa questionar a rea-
lidade em que vive e agir dentro e para com ela.

Organizar situações de aprendizado, nessa perspectiva, supõe:


planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos
sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que
procurem recriar na sala de aula situaçõs enunciativas de outros
espaços que não o escolar, considerando-se sua especificidade e a
inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá; saber que
a escola é um espaço de interação social onde práticas sociais de
linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo caracterís-
ticas bastante específicas em função de sua fina lidade: o ensino
(BRASIL, 1998, p. 22).

U1na das maneiras de fazer o interesse e a subjetividade do


aluno serem considerados mais efetivamente é adaptando um ma-
terial elaborado para que o aluno saiba as normas gramaticais, os
elementos de coerência e coesão etc., mas que trambém cumpra
sua função de aproximação com o sujeito, com o aluno.
Isso parece um plano muito idealizado, não ? Mas por meio da
diversificação no uso de tipos de textos, com a utilização de car-
to ons, haikais, cordéis, músicas, entre outros, é possível provocar
essa aproxünação. Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais
apresentam sugestões de tipos de textos que podem e devem ser
empregados nas práticas escolares. Observe os quadros 4 .2 e 4 .3:
Língua portuguesa na prática) E

Quadro 4.2 Prática de escuta e leitura de texto.

Literários Linguagem oral Cordel, causos e similares, texto dramático e canção


Linguagem escrita Crônica, conto novela, romance, texto dramático e poema
De Linguagem oral Comentá rio radiofônico, entrevista, debate e depoimento
imprensa Linguagem escrita Notícia, editorial, artigo, carta do leitor, reportagem, charge, tira e entrevista
De Linguagem oral Exposição, seminário, palestra e debate
divulgação Linguagem escrita Artigo, relatório de experiências, didático (textos, enunciados de questôes)
científica e verbete enciclopédico (nota/artigo)
Publicidade Linguagem oral Propaganda
Linguagem escrita Propaganda
Fonte: Brasil (1998, p. 54).

Nessa prática, faz-se necessário que o professor, primeiro, ex-


plique o gênero e os estilos estéticos dos textos que compreendem
a literatura, a imprensa, a divulgação científica e a publicidade.
Em seguida, também é importante propiciar o contato do aluno
co1n esse tipo de escrita; para isso usar a biblioteca, a sala de infor-
mática ou mesmo trazer exemplos para a sala de aula podem ser
caminhos interessantes. Com essa introdução, pode-se partir para
a prática propriamente dita, conforme sugestões apresentadas na
terceira coluna do quadro supracitado.

Quadro 4.3 Produção de textos orais e escritos.

Literários Linguagem oral Canção e textos dramáticos

Linguagem escrita Crônica, conto e poema


De imprensa Linguagem oral Notícia, entrevista, debate e depoimento
Linguagem escrita Notícia, artigo, carta do leitor e entrevista
De divu lgação Linguagem oral Exposição, seminário e debate
científica Linguagem escrita Relatório de experiências, esquema e resumo de artigos ou verbetes
de enciclopéd ia
Fonte.· Brasil (1998, p. 56).

Para esse quadro vale o comentário referente ao Quadro 4.2,


acrescentando somente a atenção que o professor deve dar às dife-
renças de produções textuais orais e escritas, explincando e propi-
ciando tempo para que o aluno se organize. Nesse caso, seria bom
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

que o aluno pudesse refletir e se organizar em casa e realizar a prá-


tica em sala de aula.
Acreditamos, portanto, e também segundo o pensamento de Ferro
e Berg1nann (2013, p. 59), que uma das "funções do ensino da língua
portuguesa na escola é a de reforçar conceitos positivos em relação
à nossa própria língua" e, por consequência, da nossa cultura, e que
esse movimento dev e ser feito " não apenas através dos materiais
didáticos, mas também por meio da postura do professor na sala de
aula e do direcionamento que ele darás as suas atividades".

Análise das produções de textos


No contexto da sala de aula, quando pensamos no trabalh o de
correção, o objetivo é chamar a atenção do aluno para os pro-
blemas do texto . Nesse sentido, é muito comum observarmos a
intervenção do professor mais sobre os defeitos do que sobre as
qualidades do texto produzido. De acordo com Ruiz (2015, p . 33),
a correção consiste, dessa forma, " no trabalho de marcar no texto
do aluno as possív eis violações linguísticas nele cometidas contra
uma suposta imagem do que venha a ser um bom texto".
Mas vale ressaltar que, em uma esfera mais pessoal de leitura,
que não pressupõe a relação professor-aluno, produção-correção, ao
lermos algum texto, partimos do princípio de que aquilo faz algum
sentido para nós. E aqui podemos retomar o conceito de coerência e
complementá-lo com as palavras de Koch e Travaglia (1989, p. 21),
para os quais
[ ...] a coerência está ligada à possibilidade de se estabelecer um
sentido para o texto, ou seja, ela é o que faz com que o texto
faça sentido para os usuários, devendo, port anto, ser entendida
como um p rincípio de inte rp ret abilidade, ligada à inteligibilidade
do texto numa situação de comunicação e à capac idade que o
recepto r tem pa ra calc ular o sentido deste texto.
,
E justamente esse pacto de coerência que, em muitos casos, falta
ao professor para co1n o aprendiz, fato que se dá pelo entendimento
da produção textual como um mero exercício de escrita, cuja leitura-
-correção parte da expectativa de encontrar falhas e, assim, proceder
com seu "papel instituído de corretor", como diz Ruiz (2015 , p. 34).
Mas, afinal, o que faz o professor quando assume uma postu-
ra não cooperativa ao ler as redações? Como procede diante da
Língua portuguesa na prática)E

ocorrência de algo que encara como um problema de produção,


ou melhor, como " erro"?
No intento de responder a essas questões, é interessante a ideia
de Ruiz sobre a intervenção do professor. Segundo ele:
[...] o texto interventivo do professor é um texto sobreposto ao
text o do aluno, ist o é, um text o q ue se prod uz "na carona" deste -
se quisermos usar uma metáfora. Em outras palavras: para "falar"
ace rca do texto do al uno, escrevendo, o professor não usa o u-
t ro espaço fís ico que não o mesmo utilizado pelo al uno na reda-
ção, q ual seja, a própria folha de pape l já preenchida pela escrita.
Assim, o texto corretivo acontece imbricado ao texto de origem.
Essa"imbricação''. o u sobreposição, pode assumir vá rias confi gura-
ções e se alocar em t rês reg iões distintas desse espaço pa rt ilhado
da fol ha de papel: o u no corpo, ou na margem, o u em seq uência
ao texto do aluno (o q ue chamare i de "pós-t exto"). Assim, t raços,
sinais, abreviaturas, exp ressões o u coment ários, p rod uzidos ora
na margem, ora no corpo, ora no "pós-texto''. sintet izam, de modo
geral, as diversas estratég ias de correção encontradas nas reda-
ções analisadas (RUIZ, 2015, p. 34-35).

Para descrever essas diferentes formas de intervenção emprega-


das pelos professores, recorreremos à tipologia de correção men-
cionada por uma autora italiana, Serafini (1989), para quem existem
três grandes tendências de correção que, em geral, são seguidas por
professores de língua: a indicativa, a resolutiva e a classi.ficatória.
Vejamos de forma sintética cada uma dessas tendências.

• A correção indicativa - consiste em 1narcar junto à margem


as palavras as frases e os períodos inteiros que apresentam er-
ros ou são pouco claros. Nas correções desse tipo, o professor
frequentemente se limita à indicação do erro e altera muito
pouco; h á somente correções ocasionais, em geral limitadas a
erros específicos e localizados, como ortográficos e lexicais.
Por exemplo, o professor circunda (ou sublinha) a palavra em
que ocorre o problema; traça um "X" no local de ocorrência
do problema; traça sinais acompanhados de expressões bre-
ves, na sequência linguística próxima à ocorrência do pro-
blema; indica um asterisco na direção da linha onde ocorre
o problema (SERAFINI, 1989; RUIZ, 2015).
• A correção resolutiva - consiste em corrigir todos os erros,
reescrev endo palav ras, frases e períodos inteiros . O professor
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

realiza uma delicada operação que requer tempo e empenho,


isto é, procura separar tudo o que no texto é aceitável e inter-
pretar as intenções do aluno sobre trechos que exigem uma
correção~ reescreve depois tais partes fornecendo um texto
correto. Nesse caso, o erro é eliminado pela solução que
reflete a opinião do professor, que apresenta ao aluno u1na
solução para o problema encontrado, seja acrescentando, reti-
rando, substituindo ou mudando de lugar partes do texto. Por
exemplo, o professor acrescenta forma(s) no espaço interli-
near superior à linha em que ocorre o problema; reescreve a
forma substitutiva no espaço interlinear superior à linha em
que ocorre o problema; reescreve, em outro lugar do texto,
a forma problemática, alé1n de indicar o item a ser desloca-
do~ risca a forma problemática e escreve a forma alternati-
va na direção da linha em que ocorre o problema; escreve,
no "pós-texto", a forma alternativa à forma problemática
(SERAFINI, 1989; RUIZ, 20 15).
• A correção classificatória - consiste na identificação não am-
bígua dos erros mediante uma classificação. E1n alguns des-
ses casos, o próprio professor sugere as modificações, mas é
mais comum que ele proponha ao aluno que corrija sozinho
seu erro. Por exemplo, diante do texto Ainda que eu ia a praia
todos os verões... o professor sublinha a palavra ia (como no
caso da correção indicativa) e escreve ao lado a palavra modo.
O termo utilizado deve referir-se a uma classificação de erros
que seja do conhecimento do aluno ( obviamente, nesse caso, o
modo do verbo é a fonte do erro) (SERAFINI, 1989).
• A correção textual-interativa - trata-se de comentários mais
longos do que os que se fazem na margem, razão pela qual
são geralmente escritos em sequência ao texto do aluno, ou
seja, no "pós-texto", aquele espaço em branco, na folha de
papel, que sobra em decorrência do não preenchimento pela
escrita do aluno. Tais comentários realiza1n-se na forma de
pequenos "bilhetes" que, não raro, abordam a tarefa de revi-
são a que o aluno deverá proceder. Contudo, o que, na verda-
de, os "bilhetes" mais fazem (além de incentivar ou cobrar o
aluno) é tentar ir além das formas corriqueiras e tradicionais
de intervenção para falar dos problemas do texto. A correção
textual-interativa é, pois, a forma alternativa encontrada pelo
professor para dar conta de apontar, classificar ou até mesmo
Língua portuguesa na prática)E

resolver os possíveis problemas da escrita do aluno (RUIZ,


2015).

Para fugir de uma postura marcadamente normativa no proces-


so de correção, esse modo textual-interativo configura uma via,
pois toma como objeto de discurso de sua correção não apenas o
modo de dizer do aluno, mas também o dizer desse aluno, ou sua
atitude comportamental (não verbal), sua subjetividade, conforme
trabalhamos no início desta unidade.

Avaliação dos livros didáticos


A correção dos textos produzidos pelos alunos nos leva a pensar
em uma das fontes de conteúdo mais comuns no interior da sala
de aula: o livro didático. Já introduzimos o assunto na Unidade 3
e, ao longo de todo o livro, estamos ressaltando a importância de
o professor potencializar o material didático, intertextualizando-o
com outras formas de expressão, por exemplo, audiovisual (cinema,
fotografia, música) ou artes plásticas ( colagens, pinturas). Também
vimos como o material didático pode ser inovador, motivador, estru-
turador da realidade e comunicativo. Tudo isso será refletido na pro-
dução textual do aluno como referências, adaptações, recriações etc.
Portanto, escolher o livro didático constitui tarefa vital para a
qual apresentaremos alguns critérios que muito podem ajudar. An-
tes de mais nada, esse material deve corresponder às necessidades
do aluno, refletir os usos que ele vai fazer da língua, facilitar o
processo de aprendizagem sem impor normativ amente um méto-
do rígido e estanque. Para isso, a mediação do professor torna-se
um caminho duplo, ou seja, primeiro o professor pensa o livro
e trabalha sobre as possibilidades que ele oferece; em seguida,
transmite esse conhecimento ao aluno; há, primeiro, uma me-
diação professor-livro e, depois, uma mediação professor-aluno,
aluno-professor.
De acordo com Ferro e Bergmann (2013), são quatro os crité-
rios que podem ser considerados para a seleção do material didáti-
co, a saber: gerais, didáticos, pedagógicos e específicos. Vejamos
cada um deles.
1. Critérios gerais - referem-se à análise de tópicos que, em
muitos casos, passam despercebidos, como formato e orga-
nização estética do material. Nesse sentido, é importante que
a organização estética seja harmônica e coerente com pontos
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

próprios que despertem a curiosidade, de modo a permitir que


professor e aluno encontrem mais facilmente as informações
de que necessitam; a referenciação de tabelas, sumário, léxico,
índice, glossário, tipografia, cores, logomarcas deve ser gra-
ficamente bem ordenada e diagra1nada para não provocar
confusão quando os usuários buscarem informações, dados
e significados de conceitos. Finalmente, o material deve ser
pautado na diversidade de informação e em pontos de vista,
com relação aos quais é importante estarmos cientes de que
trazem um discurso e uma ideologia, assim como a escolha
é um instrumento ideológico; portanto, o contato com pers-
pectivas várias fortalece a autonomia do aprendiz que, junto
co1n o professor, seleciona e reflete diante da diversidade de
informações (FERRO; BERGMANN, 2013).
2. Critérios didáticos - os materiais didáticos devem propor
os seguintes elementos: conteúdos de acordo com o currículo
proposto, no caso das escolas públicas, temos as diretrizes
curriculares nacionais e, ao mesmo tempo, a abertura à inter-
textualidade de linguagens, co1no ressaltamos anteriormente;
progressão da aprendizage1n e das dificuldades adaptadas a
cada nível de ensino; situações motivadoras que coloquem
o aluno como pesquisador ativo e que, além disso, provo-
quem sua curiosidade para descobertas e conhecimentos;
situações-problema nas quais o aluno é estimulado a encon-
trar soluções, utilizando conceitos aprendidos; documentos
que inspirem a reflexão crítica, incitando a argumentação;
exercícios teóricos e práticos; dispositivo de avaliação e,
finalmente, aspectos lúdicos (FERRO; BERGMANN, 2013).
3. Critérios pedagógicos - abordam aspectos que unem as teo-
rias envolvidas no processo de ensino e aprendizagem dos
conteúdos às atividades que as concretizam como método.
Desse modo, é importante estar atento se o livro: apresenta
uma coerência entre suas referências teóricas e os conteúdos
propostos; dispõe de uma coerência entre as competências
esperadas do aluno e as situações a ele propostas; anuncia
claramente ao aluno aquilo que ele vai aprender; inter-rela-
ciona os conteúdos, estabelecendo conexões lógicas e signifi-
cativas entre eles; é indutor de questionamentos, estimulando
o aluno a refletir criticamente sobre as informações transmi-
tidas; solicita a atitude e a iniciativa do aluno , motivando-o
Língua portuguesa na prática)E

a participar de seu processo de aprendizagem e a buscar res-


postas aos seus questionamentos; traz conhecimentos cultu-
rais variados, como biografias, relatos de acontecimentos,
documentos , textos e ünagens, exemplos ilustrativos etc.
(FERRO; BERGMANN, 2013).
4. Critérios específicos - são critérios particulares a cada dis-
ciplina. No caso da Língua Portuguesa, podemos considerar
se o material permite assegurar a coerência entre as ativida-
des de leitura ou de escrita e as atividades reflexivas, como
se dá nessas atividades o uso da gramática, da ortografia,
da conjunção, das informações e dos argumentos; podería-
mos questionar també1n se o livro propõe textos autênticos,
modificados e reescritos ou se os exercícios são pertinentes
ao conteúdo apresentando e ao nível de ensino (FERRO;
BERGMANN, 2013).
Aproveitando os critérios específicos da língua portuguesa,
vale a pena ressaltar os domínios estabelecidos pelos Parâ1netros
Curriculares Nacionais para os livros didáticos dessa disciplina,
conforme estudamos na Unidade 1 - " leitura, produção de textos,
linguagem oral e conhecimentos linguísticos relativos ao discurso ,
ao texto e à descrição gramatical" (BRASIL, 2004, p. 5).
Ainda de acordo com o Ministério da Educação (MEC ), os
objetivos centrais do ensino de língua portuguesa devem ser:
O processo de apropriação e desenvolvimento, pelo aluno, da lin-
guagem escrita e da linguagem oral - especialmente das formas
que circulam em espaços públicos e formais de comunicação -
nas maneiras mais complexas e variadas possíveis. O desenvolvi-
mento da profi ciência na norma cu lta, especialmente em sua mo-
dalidade escrita, mas também nas sit uações orais públicas em que
seu uso é social e linguíst icamente requerido, sem que desconsi-
derem as demais variedades que funcionam em outras situações.
A prát ica de análise e reflexão sobre a língua, na medida em que se
fizer necessária ao desenvolvimento da proficiência oral e escrita,
em compreensão e produção de textos (BRASIL, 2004, p. 249).
,
E verdade que as escolas particulares têm métodos diferentes
para pensar o material didático que, em muitos casos, é produzido
sob encomenda e demanda; no entanto, o que reitera1nos como
aspecto funda1nental é o ensino e a aprendizage1n se prolongarem
para além das páginas do livro didático. Fazer os alunos copiarem
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

textos e exercícios para o caderno ou somente repetirem o que ali


está escrito não terá eficácia; é preciso haver mediação, intertex-
tualidade, reflexão crítica sobre o mundo e, ainda, sobre o próprio
material que se tem em mãos.

Língua portuguesa - conceitos


inerentes, gênero acadêmico e
discurso literário
Conceitos inerentes à língua portuguesa
Poderíamos pensar em inúmeras metáforas para explicar a im-
portância da leitura e da escrita nos processos de ensino e aprendiza-
gem. Elas são o cimento, o alimento, o alicerce para o conhecimento
do aluno que, as assimilando, adquire sua linguagem particular, seu
jeito de estar no mundo.
Também são vitais para a língua portuguesa, especialmente
no que diz respeito ao letramento, alfabetização, oralidade, gêne-
ros e tipos textuais, que são entrecruzados pelas práticas de lei-
tura e de escrita. Por isso, aqui, vamos retomar essa abordagem,
complementando-a para que nos ajude a refletir sobre o ensino de
língua materna pautado na tradição gramatical e nos usos reais da
linguagem.
Já vimos que o letramento e a alfabetização são conceitos que,
não raro, se confundem, mas é importante estabelecermos uma
distinção. De acordo com Lima (20 14, p. 26), a "alfabetização
é a aprendizagem do código escrito com o objetivo de saber ler e
escrever, enquanto que o letramento diz respeito à capacidade de
fazer uso das práticas sociais de leitura e escrita presentes em uma
sociedade" .
Ou seja, um indivíduo letrado não precisa ser, necessariamente,
alfabetizado. Segundo Marcuschi (2001 , p. 25):
[ ...] pode ir desde uma apro priação mínima da escrita, ta l co mo
o indivíduo q ue é analfabeto, mas letrado na medida em q ue
identifica o valor do d inheiro, identifica o ônibus que deve t omar,
consegue fazer cálculos complexos, sabe distinguir as mercado-
rias pelas marcas etc., mas não sabe escrever cartas nem lê jornal
reg ularmente, até uma apropriação profunda, como no caso do
indivíd uo que desenvolve tratados de filosofia e matemática ou
escreve romances.
Língua portuguesa na prática) E

O letramento, entendido como a capacidade de fazer uso das


práticas sociais de leitura e escrita, é um processo, afinal estamos
sempre fazendo usos diferentes da leitura e da escrita influen-
ciados e inspirados pelo contexto, pela evolução e pela trans-
formação da sociedade. Ou seja, o falante está constantemente
aprendendo essas práticas uma vez que são muitas, além disso ,
com o advento das tecnologias , novas relações vão surgindo.
Quase todos escrevem e leem no Facebook, por exemplo . Ou
mantêm blogs na Internet. A leitura e a escrita podem correspon-
der a necessidades diversas.
Nesse sentido, podemos pensar a oralidade também como
prática social da linguage1n e, mais especificamente, daquelas fun-
dadas na realidade sonora, na fala, que integram a v ida do sujeito,
desde a comunicação com a família e os amigos até "domínios
institucionais públicos, como o debate regrado, a palestra, a entre-
vista de emprego, a apresentação oral de trabalhos etc." (LIMA,
20 14 , p. 28), que pressupõem diferentes exigências e adequações
de fala.
Anoção de gênero textual, como já vimos nas unidades 1 e 3, vai ao
encontro do tratamento da fala, da leitura e da escrita, porque ressalta
os aspectos subjetivos, culturais e históricos da linguagem que carre-
gam e constroem o aluno e a escola. Marcuschi (2001, p. 22) afirma
que usamos os gêneros textuais para " referir os textos materializados
que encontramos em nossa vida diária e que apresentam caracterís-
ticas sociocomunicativa definidas por conteúdos, propriedades fun-
cionais, estilo e composição característica". E quando, dentro dos
gêneros, nos deparamos com sequências cujos aspectos lexicais,
sintáticos, tempos verbais e relações lógicas, que se repetem, que
se tomam comuns, estamos diante de tipos textuais. Diferentemente
dos gêneros, "os tipos textuais são limitados em algumas categorias,
como: narrar/relatar, argumentar, expor, instruir/prescrever" (LIMA,
2014, p . 29).
Nesse sentido, podemos pensar o letramento com base nos gê-
neros textuais co1no disparador da possibilidade de diálogo, entre
as múltiplas culturas e conhecimentos do aluno e o discurso esco-
lar; da div ersidade linguística existente na sociedade; do papel do
professor como mediador na tríade sociedade, aluno e escola; e,
nas palav ras de Lima (2014, p. 35), da "possibilidade de integrar
conhecimento recebido, experiência e teoria nos estudos linguísti-
cos e metalinguísticos".
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Retomando o Quadro 3 .1 "Gêneros textuais - agrupamentos e


exemplos", é possível percebermos que o trabalho com esses tex-
tos nas aulas de língua portuguesa traduz o estudo da língua em
seus diversos usos reais e cotidianos, desde um causo contado por
nossos avós, de uma brincadeira de adivinha ou de um trava-língua
com os primos, até as notícias nos jornais e na televisão, a escrita
de uma carta ou de um e-mail, a preparação de conteúdo para uma
apresentação oral na sala de aula, todos esses exemplos confor-
mam usos autênticos, próximos da realidade do aluno e que podem
ensinar e ampliar muitos mecanismos de letramento e alfabetiza-
ção, de leitura e de escrita, principalmente por parte do estudante.

Gênero acadêmico
Nesta unidade, mais especificamente no tópico "Produção e
circulação de textos escritos", estudamos uma proposta matricial,
fundamentada em cinco etapas, para mostrar a possibilidade de
desenvolver práticas pedagógicas com gêneros de diversos agru-
pamentos em diferentes anos escolares. Também trabalhamos o
gênero argumentativo com a feitura de uma carta argumentativa
sobre a escola de nossos sonhos.
Agora, vamos nos atentar ao gênero acadêmico, em wn senti-
do mais amplo, ou seja, não somente relacionado ao ensino supe-
rior, mas também aos ensinos fundamental e médio. Acreditamos
que textos desse gênero, a exemplo da resenha, do resumo, do
relatório e do artigo científico, funcionam como instrumentos no
processo de aprendizagem porque exigem do aluno a capacidade
mais avançada de articular leitura e escrita por meio de sua refle-
xão, crítica e argumentação, ou melhor, por 1neio de sua opinião
como sujeito individual e social, bem como do professor, que de-
verá mediar as realidades de dentro e fora dos muros da escola,
já que esses textos, não raro, tratam de assuntos de fora trazidos
para dentro da sala de aula. Também o professor deverá respeitar
a opinião do aluno e ensiná-lo e guiá-lo a usar a leitura e a escrita
de dados reais de maneira ética, de acordo com os traços caracte-
rísticos do gênero e1n questão.
Comecemos, então, pelo resumo e, já com uma prática inter-
textual, selecione um filme e assista com toda a turma, em seguida,
peça a produção de um resumo da obra de no máximo uma folha.
Leia os textos escritos pelos alunos e identifique as dificuldades
e os acertos para, em um segundo momento, serem comentados
Língua portuguesa na prática) E

junto com a apresentação e explicação das características que con-


formam esse tipo de texto .
De acordo com Lima (2014, p. 183), em geral, as dificuldades
"
para esse genero, ~
sao:

[ ...] falta de clareza na apresent ação pa ra o leitor; não demons-


trar de forma evidente de q uem são as ideias apresentadas (do
autor do res umo o u do autor do mat erial resumido); omissão de
ideias essenc iais para o entendimento da q uest ão discutida no
mat eria l res um ido; mist ura de opiniões pessoa is com as ideias
do texto; cópias do texto o riginal sem uso de aspas o u sem
mencionar as referências, sem g uardar as relações est abelecidas
pelo autor no texto original et c.

Feito isso, é possível trazer para os alunos um resumo modelar


para destacar os seguintes aspectos:

• Apresentação dos dados básicos do texto resumido (a utor,


obra, onde e q uando fo i pub licado etc.).
• Ap resentação das informações reconhecidas como essen-
cia is ao texto o riginal e ident ificação das re lações entre as
ideias expost as.
• Menção ao autor do material q ue está sendo resum ido de
formas diversas (nome e sobrenome, apenas o sob renome, a
fu nção socia l, pronomes etc.) e em d iferentes partes do resu-
mo (é importante deixar claro q ue as ideias não pertencem
ao autor do res umo).
• Menção das ações do autor no material orig inal (o pesqu isa-
dor "argumenta''. "diz''. "aft rma': "pensa").
• Uso da norma padrão da língua portuguesa (LIMA, 2014, p.
183).
O resumo exige o entendimento do texto, do filme, ou do que
quer que seja, por isso a leitura e a observação cuidadosa do , e
sobre, o material são imprescindív eis. Os estudantes precisam ser
orientados a verificar e tomar nota, além das ideias principais, do
título da obra em questão , de seu autor, local e ano de produção
para, então, construir um esquema mental do que será expresso
em palavras escritas ou orais.
Para o trabalho pedagógico com a resenha, pode-se repetir a
prática anterior, ou seja, solicitar aos alunos a feitura de um texto
e, posteriormente, exemplificar com um modelo do gênero.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Para Lima (2014, p. 187), tal como em um resumo,


[...] o resenh ista inicia o texto apresentando as informações sobre
a obra a ser resenhada : títu lo, autor, contexto e tema da obra. Em
seguida, faz uma descrição estrutural (o livro se divide em capítu-
los; o artigo se organiza a partir de seções sobre...). O resumo das
informações centra is pode ser feito aproveitando a organização
do original. Somente após cumprir essas etapas o resenhista passa
à apreciação da obra. É importante que ele evidencie tantos os
pontos positivos quanto os negativos, começando sempre pelos
positivos. Por fim, o resenh ista conc lui, revelando sua posição so-
bre o material resenhado.
,
E ev idente que a diferença fundamental entre o resumo e a
resenha é justamente essa parte final, em que o aluno poderá ex-
pressar sua opinião, poderá avaliar o texto em questão, atenuando
a força de suas apreciações por meio de argumentos.
O relatório, por sua vez, descreve processos e resultados de
detenninada pesquisa ou estudo que vêm sendo obtidos e1n ati-
vidades, acadêmicas ou não. Por exemplo, se no ensino infantil o
professor de ciências planta um grão de feijão e acompanha seu
cultivo com os alunos, esse processo poderá ser descrito em um
relatório. Mas também pode ser usado para escrever ,
sobre pales-
tras, experiências na sociedade, visitas técnicas. E muito comum
quando os alunos visitam um museu, uma usina hidrelétrica ou
um zoológico, os professores pedirem relatórios para abordar es-
sas visitas.
Quando pensamos em relatórios mais acadêmicos, sua estrutu-
ra é a seguinte (LIMA, 2014):
• Capa - em que constam cabeçalho com nome da instituição,
do curso, da disciplina e do docente, além de título do relató-
rio, nome do acadêmico, período, local e data centralizados
no fim da página.
• Folha de rosto - em que são apresentados nome do autor,
título e especificações, por exemplo, "Relatório entregue ao
professor Fulano de Tal, sobre a pesquisa de campo .. .".
• Texto propriamente dito - div ido e1n introdução (apresen-
tando o local onde foi realizada a atividade, o período, os
objetos e os objetiv os da ativ idade), desenvolvimento (descre-
vendo resumidamente o conteúdo das ativ idades realizadas) e
Língua portuguesa na prática) E

conclusão (reiterando os avanços acadêmicos que a atividade


proporcionou ao aluno e à sociedade).
• A nexos - caso existam tabelas, gráficos, mapas, figuras etc.

O artigo científico, de acordo com a ABNT (2003, p. 2), "é


parte de uma publicação com autoria declarada, que apresenta e
discute ideias, métodos, técnicas, processos e resultados nas di-
versas áreas do conhecimento", ou seja, é composto também pelo
resumo, pela resenha e pelo artigo. Podendo seguir a estrutura do
relatório, com algu1nas especificidades na apresentação e no texto
propria1nente dito.
Na apresentação, por exemplo, dev e constar, como ressalta
Lima (2014, p. 200) um "resumo do objeto e das finalidades do
artigo, que se organiza em um parágrafo único, no máximo uma
página, e com as palavras-chave ao final". No que concerne ao
texto, a introdução expõe o objeto de estudo, a justificativa, os
objetivos e também um resumo do que será tratado em cada parte
do texto.
Na parte final, o referencial teórico deve conter "resumos ou
resenhas das obras que serviram de embasamento teórico e que
sustentam a pesquisa realizada" ; "a metodologia deverá con-
ter uma descrição do objeto de análise e de todas as etapas e os
procedimentos de desenvolvimento da pesquisa"; a " conclusão é
constituída por uma retomada sucinta dos objetivos do trabalho ,
da pesquisa desenvolvida e dos resultados obtidos" (LIMA, 2014,
p. 200-201 ).
Com isso, encerramos a apresentação dos principais textos
que conformam o gênero acadêmico. Todos eles exigem um en-
volvimento mais profundo do aluno, tanto no que diz respeito
à textualidade, ou seja, ao uso da gramática, aos aspectos de
coesão e coerência, quanto ao uso dos conhecimentos oriundos
da leitura e da vivência na soc iedade, da articulação de ideias e
opiniões sobre determinados assuntos fundamentais para a com-
preensão do mundo.

Discurso literário
Ao falarmos sobre língua portuguesa, leitura e escrita, a litera-
tura poderia ser sinônimo ou mesmo significado , pois integra em
si todos esses conceitos.
3 Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

O objetivo da literatura no contexto escolar deve ser, antes de


tudo, um leitor crítico
[ ...] capaz de fruir o texto, de identificar o estilo do autor, de reco-
nhecer as características estéticas do período e de associá-lo ao
contexto histórico-cultural em que o texto foi produzido, pois a
literatura deve também ser estudada como forma de expressão
cultural de um povo (PEREIRA; NEVES, 2012, p. 161).

Ou seja, um leitor que, finalmente, possa também escrever li-


teratura, expressar estilísticamente um eu-lírico.
C omo o texto literário é marcado por um conjunto de rela-
ções que trazem à tona a língua e sua diversidade linguística, os
estilos (p oesia, prosa, crônica; dramático, cômico, crítico, român-
tico; construções sintéticas, extensas, em v ersos ou parágrafos),
os temas e as ideias, v ale a pena fazer o aluno compreender essas
relações interativas, intertextuais para que possa desenv olver uma
percepção f armadora da literatura.
Este é o momento para se trabalhar com os alunos a articulação
entre as diferentes linguagens artísticas. Por exemplo, as adap-
tações de obras literárias para o cinema e a televisão: O primo
Basílio (cuja v ersão para o cinema tem mesmo título); Grande
sertão: veredas ( de que há minissérie de mesmo nome produzi-
da pela Rede Globo); a ópera "Guarani" de Carlos Gomes, que
se inspira no romance de mesmo nome de José de Alencar; Dom
Casmurro, no filme Dom e na minissérie Capitu, também da Rede
Globo. E tantas outras ...
Também nesse ponto pode-se trabalhar com os textos que com-
põem o gênero acadêmico, como resumos e resenhas ou mesmo
um artigo que fale sobre determinado mov imento literário, sobre
as características de um autor ou sobre uma única obra. A litera-
tura é dos terrenos mais férteis para ensinar e aprender, desde a
alfabetização e o letramento, passando pela leitura, pela variação
linguística, pela escrita e, claro, pelo deleite.
No ensino dessa disciplina, é importante propiciar aos alunos
dados biográficos do autor e seu contexto histórico de produção por-
que certamente há influências, nas linhas e nas entrelinhas, em suas
respectivas obras. Como corroboram Pereira e Neves (2012, p. 163),
[ ...] é fundamental que o estudante compreenda o significado
sóc io-h istórico-cultural das obras e a linguagem utilizada, a fim de
estabelecer re lações ent re d iferentes textos e autores, momentos
Língua portuguesa na prática)E

históricos e linguagens. Além disso, o al uno deverá refletir sobre a


relação entre o text o literário e a real idade q ue ele ret rata e depre-
ender suas características estéticas.

Para aclarar as diferentes estéticas e períodos literários, já


mencionados, veja com atenção o box Link. Não é objetivo desta
obra estudar detalhadamente cada um desses movimentos, mas
apresentá-los nos ajuda a evidenciar que o texto literário de dife-
rentes gêneros e estilos (poema, romance, conto, crônica, peças de
teatro etc.), que abordem questões contemporâneas, podem dialo-
gar com uma obra barroca, árcade, romântica ou realista. Se consi-
deramos, por exemplo, O cortiço, de Aluísio Azevedo, que integra
o Realismo brasileiro, publicado em 1890, será possível observar
e pensar criticamente as atuais favelas que se estendem pelo país.

Link
Da Cantiga daGuarvaia (século XII) às obras modernistas (sécu lo XX), veja um
painel das escolas literárias brasileira e portuguesa e as principais caracterís-
ticas de cada movimento em: <guiadoestudante.abril.com.br/estudar/jogos-
-mu lti mid ia/escolas-1 itera rias-bra silei ra-po rtug uesa-70 2798.sht m1>.

Esse procedimento, além de proporcionar um estudo das pecu-


liaridades linguísticas e estilísticas do texto vinculadas aos diver-
sos movimentos literários, de modo que o aluno possa conhecer
os usos vários da língua e adotá-los em suas práticas de escrita,
leva à compreensão de que a literatura, como expressão cultural,
está em profundo diálogo com a realidade social, política e cultu-
ral de llln povo.
Nesse sentido, a discussão de temas é vital e subjacente a toda
obra. Pereira e Neves (2014, p. 165-166) descrevem o seguinte:
A literatu ra bras ileira possui algumas constantes t emát icas, por
exemplo, o sertão, o universo urbano, a q uestão soc ial. Pode-
-se propor um estu do q ue aproxime autor e obras de d iferen-
t es momentos hist óricos e de estilos literários distin t os que
abordem a mesma temática, como José de Alencar, Euclides da
Cunha e Guimarães Rosa, tratando do sertão; Machado de Ass is
e Lyg ia Fag undes Teles, ret ratando o un iverso urbano; Alu ísio
Azevedo e Lima Barreto, discut indo a q uestão soc ial.
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Essas potentes relações que a literatura oferece permitem ao


aluno se envolver, dialogar com o texto e, consequentemente,
desenvolver o hábito de leitura. A partir da leitura e de suas asso-
ciações co1n o mundo, esse 1nesmo aluno estará apto a conquistar
um pensamento crítico, curioso, div ergente, aberto a tudo que
seja novo. E, em nosso caso, um aluno mais próximo à língua,
em um estado de elevada criativ idade.

Jogos e brincadeiras no ensino e na


aprendizagem
Seguindo a criatividade da língua em seu estado literário, po-
demos finalizar nossa obra com um acento lúdico, pensando o
papel dos jogos e das brincadeiras no ensino e na aprendizagem.
Para tanto, teremos de fazer mais algumas aproximações teóricas,
agora aos estudos de Piaget (1976) e Vygotski (1984). Suas teo-
rias, e1nbora distintas em alguns pontos, descrevem claramente a
concepção de ludicidade no desenvolvimento e na aprendizagem
dos estudantes em circunstâncias pedagógicas.
Os estudos de Piaget destacam a importância do caráter
construtivo do jogo no desenvolvimento cognitivo da criança.
Segundo o autor:
O ser humano poss ui um impulso para o jogo e verificou esse
impulso lúdico já nos primeiros meses de vida, na formação do
chamado jogo de exercício sensório-motor; do seg undo ao sex-
to ano de vida, esse impulso lúdico predomina sob a forma de
jogo simbólico para se manifestar, a part ir da etapa seg uinte,
através da prática do jogo de regras (PIAGET, 1976, p. 76).

Essas três formas piagetianas, ou seJa, o jogo de exercício


sensório-motor, o jogo simbólico e o jogo de regras, sintetizam a
construção e a evolução lúdica por parte da criança que, à medida
que vai se tomando adulta, começa a usá-las concomitante e para-
lelamente, dando-lhe novas configurações, as quais estudaremos
na sequência, pautados na obra de Rau (2012).
• Primeira configuração Qogo de exercício sensório-mo-
tor) - a atividade lúdica surge sob a forma mais ele1nentar
de mov imento, dependendo, para sua realização, apenas do
amadurecimento do aparelho motor. São característicos, por
exemplo, os gestos simples e repetitivos da criança, quando
Língua portuguesa na prática)E

sacode os braços e as pernas ou quando fica manipulando


um objeto, como se estivesse descobrindo-o. Aliás, a pa-
lavra descobrimento tem importância significativa porque,
ao se exercitar dessa forma, a criança está descobrindo seu
corpo e seu ambiente. Mas, como dissemos, essas confi-
gurações vão aparecendo de forma concomitante ao longo
da vida do indiv íduo, e não somente durante sua infância,
de acordo com Piaget (1976, p. 80) " sempre que um novo
poder ou uma nova capacidade são adquiridos", podemos
observar a manifestação desse exercício sensório-motor.
Aprender a andar de bicicleta, aprender a usar o computador
e a dirigir um carro são exemplos por excelência.
• Segunda configuração (jogo simbólico) - atividade que
ocorre entre crianças de 2 a 6 anos e traz à tona a imagi-
nação, que se expressa na utilização de objetos como se
fossem outros objetos ou seres, por exemplo, usar uma tam-
pa de panela como volante de carro ou o cabo da vassoura
como um cavalo. Nesse sentido, segundo Piaget (1976), é
uma forma de assimilação do real e um meio de autoex-
pressão, pois, quando a criança brinca de cavalinho, repre-
sentando um papel de herói, por exemplo, está ao mesmo
tempo criando novas cenas e imitando situações reais por
ela experienciadas.
• Terceira configuração (jogo de regras) - são, segundo
Piaget (l976, p. 81 ),
[...] jogos de combinações sensório-motoras (corridas, jogos com
bolas) ou intelectuais (cartaz, xadrez), em que há competição
dos indivíduos (sem o que a regra seria inútil) e reg ulamentados
quer por um código de geração em geração, quer por acordos
momentâneos.

• Quarta configuração (jogo de construção) - relacionam-


-se a movimentos que reconstroem o real. Esse tipo de jogo
reflete os aspectos da vida social em que estão inseridos os
indivíduos. Assim, nas palavras de Rau (2012, p. 92),
[...] o educando, ao part icipar dessas atividades, lida com ques-
tões como a percepção do meio enfocada nos jogos de exercício
sensório-motor, o faz de conta que lida com as cenas cotidia-
nas, a reflexão sobre as regras que reg ulam e limitam as relações
sociais.
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Claramente, é possível perceber que o lúdico no pensamento de


Piaget se relaciona com o prazer do aprender, um momento de sa-
tisfação e que desenvolve a autonomia do sujeito nessa assimilação
e descoberta do objeto, do ambiente e do próprio estar no mundo.
A palavra estímulo pode ser interessante para adentrannos as
contribuições de Vygotski quanto à ludicidade na vida da criança.
O jogo estimula a criança na construção de conhecimento e na
relação com o outro. " No jogo, a criança transforma, pela imagi-
nação, os objetos produzidos socialmente" (RAU, 2012, p. 95).
E não só os objetos, mas também as relações. Vamos pensar em
um exemplo: quase toda criança brinca de escolinha e, ao fazê- lo,
com certeza, repete gestos e dizeres de seu professor, no entanto,
a criança sempre v ai 1nais além, estabelecendo, durante a "aula",
brincadeiras de seu contexto e idade, extrapolando a hierarquia
professor-aluno, impondo castigos, ensinando os próprios pais e
irmãos mais velhos, ou seja, ressignifica seu meio social por meio
de uma atividade lúdica. Em síntese, para Vygotski (apud RAU,
2012, p. 94-95):
[...] o jogo propicia inte rações e atua na zona de desenvolvimento
proxi mal, possibilitando à criança vivenciar situações que a levam
a comportamentos além dos habituais. Para a criança de O a 3
anos, o objeto se sobrepõe ao significado. A criança precisa ver,
trocar e manipular objetos. Para a criança de 4 a 6 anos, o signi fi-
cado se sobrepõe ao objeto. A criança vivencia papéis e situações
do seu cotidiano por meio das brincadeiras. Enfim, o jogo é ação
colocada em prática.

Em ambos os estudos, o jogo pode ser empregado no processo


de ensino e aprendizagem como um método estimulador do de-
senvolvimento cognitivo, social, psicomotor e linguístico, ou seja,
por 1neio dessas ativ idades a criança aprende a aprender, adquire
conhecimentos, relaciona-se com os outros. Além disso, se consi-
deramos os jogos de equipe, descobre seu corpo e seus movimen-
tos e, finalmente, se comunica em linguagem verbal e não verbal.
A prática pedagógica contextualizada com os jogos, além de
contribuir para a adaptação dos educandos ao grupo e ao meio,
prepara-os para viver em sociedade e questionar as relações so-
ciais tais como estão estabelecidas. Estamos falando de uma
educação formadora, que se preocupa com que os sujeitos sejam
reflexiv os, que problematizem as questões sociais e a si mesmos
Língua portuguesa na prática) ~

para, então, agir em seu entorno, transformando-o. Nesse sentido,


Rau (2012, p. 98 ) defende que a criança
[...] necessita de tempo e espaço para identificar e construir sua
própria realidade e o faz por meio da prática da infância. O autor
sustenta que a imaginação em ação, ou o brinquedo, é a primeira in-
teração da criança no âmbito cogn itivo que lhe permite ultrapassar
a dimensão perceptiva motora do comportamento. Na infância, a
expressão das linguagens expressivas subjetivas dá forma às vivên-
cias cotidianas e as transforma em pensamento, em uma constru-
ção dialética, sistematizando os processos psicológicos elementares
em processos complexos. A criança, ao passar por esse processo,
apropria-se da cultura, tornando-se parte dela. É a representação
simbólica que possibilita a interiorização do mundo.

O brincar como forma de linguagem precisa resgatar a corpo-


reidade e o autoconhecimento com a exploração de movimentos,
espaços ~precisa encontrar tempo para explorar objetos simples e
naturais, para criar.
Possibilitar uma prát ica voltada à construção da ident idade corpo-
ral, afetiva, motora e social não significa, porém, não identificar as
condições atuais nas quais a criança está inserida, como a tecnolo-
gia e seus recursos, que envolvem a emancipação das necessida-
des cotidianas de alimentação, sono, atividades físicas, lazer, mas
de perceber a contemporaneidade desses rec ursos em constante
diálogo com o passado (RAU, 2012, p. 115).

Figura 4 .1 Formas do brincar na escola.


~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Fonte: Christopher Futcher; JenCon; Susan Chiang/iStock.

Nessas imagens, podemos observar a criança em contato linguís-


tico, comunicativo, cognitivo e motor. Na primeira fotografia, a prá-
tica musical e1n grupo pode ser voltada para despertar capacidade e
habilidades sonoras e corporais, além do respeito ao espaço e à voz
do outro, pensada aqui em um sentido ambiv alente, ou seja, não só
a v oz sonorizada, mas também a opinião, as ideias do companhei-
ro. Na terceira fotografia, a linguagem não verbal é estimulada por
meio de brincadeiras que aludam ao gesto; e, finalmente, a segunda
Língua portuguesa na prática) ~

fotografia, a modo de síntese, traz à tona todos os elementos lúdicos


da escola e do ambiente social do aluno que podem ser transfigura-
dos dentro da sala de aula e usados intertextualmente.
Nesse sentido, "o sujeito urdido nas tramas da linguagem e da
cultura é o sujeito dos tempos pós-modernos; tempos nem piores,
nem melhores do que outros, tempos apenas diferentes, outros
tempos,, (RAU, 2012, p. 115). O educando, ao aprender, conta
com a integração entre as áreas sensorial, cognitiva, afetiva, mo-
tora e social. O meio, a família, a sociedade, os obJetos, os grupos
e, em nosso caso, destacamos a escola e o professor, o mestre,
contemplam a espiral de desenvolvimento e aprendizagem, for-
mando, acima de tudo, seres humanos.

1. Na aproximação teórica que organizamos significativas para o aluno e, principalmente,


sobre os estudos de Freud, um elemento é para sua escrita?
chave para entendermos o ponto de giro de 3. Qual é o papel da literatura nas aulas de lín-
uma educação normativa e conservadora gua portuguesa, para além de ensinar os
para uma educação mais ampla e aberta. Qual períodos literários, os autores e as obras mais
seria esse elemento? Qual é sua importãncia importantes?
para o processo de ensino e aprendizagem? 4. O que você entende pela ludicidade aplicada
2. Explique de que maneira a correção e a ava- à educação? Ela é realmente eficaz para os
liação do professor podem se tornar mais processos de ensino e aprendizagem?

A seguir, apresentaremos o Coletivo Educação, Diversidade


formado na cidade de São Paulo por pessoas inte- Nosso objetivo não é desfiar teorias sobre educa-
ressadas na educação e cujo primeiro resultado é ção, menos ainda apontar fórmulas mágicas para
a obra Volta ao mundo em 13 escolas, que pode ser mudar as escolas brasileiras. Nosso foco está nas
acessada gratuitamente no site <www.educ-acao. pessoas que tecem as redes de convivência e os
com>. O livro investigou e trouxe à luz diferentes espaços que visitamos, no aspecto social que se
formas de ensinar e de aprender, conhecendo es- movimenta. Em vez de abordar a crise na educação
colas em todos os continentes. Leia, a seguir, algu- com os preconceitos que inevitavelmente carrega-
mas palavras sobre esse projeto inspirador. mos, nosso coletivo se despiu das certezas para ser
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

preenchido por histórias que ampliassem nossos alfabetizadas enquanto preparam biscoitos. Com
horizontes. Nossa pesquisa é um manifesto positi- essas experiências por perto, já passou da hora de
vo, que observa o lado cheio do copo em busca o Brasil perder a "síndrome do vira-lata" e começar
dos sinais do futuro no presente - como o ama- a valorizar as experiências com raiz nacional. Além
nhã é feito de um material chamado hoje, legitimar disso, não podemos ignorar que vivemos em um
o futuro que está no presente é cultivar o que já mundo cuja diversidade cultural deve mais nos
existe de promissor. Escolhemos visitar não apenas un ir do que afastar. Visitando Índia, Argentina, In-
escolas de ensino básico, mas também faculdades glaterra, África do Sul, entre outros países, perce-
e organizações de aprendizagem. Cada um desses bemos que, por mais avançado que um sistema
espaços tem pelo menos três anos de existência, educaciona l possa ser considerado em relação a
ou seja, já carregam um histórico. Cada um se re- outro, as mesmas questões humanas e essenciais
laciona diretamente com o principal critério de nos unem, sendo uma delas bastante clara: qual
seleção definido por nosso coletivo: a diversidade. é o propósito da educação? A escolha por buscar
Da escola no Capão Redondo, na periferia de São inspiração também fora do Brasil se pautou na ne-
Paulo, que não fecha seus portões, até a escola na cessidade de derrubar as fronteiras para conectar
Indonésia, onde alunos do mundo inteiro apren- as iniciativas. O momento em que vivemos anseia
dem em aulas que estimulam a aprendizagem pelo fortalecimento de redes e plataformas que,
com todos os sentidos. Temas como empreende- hoje, operam isoladamente. A conexão dos pontos
dorismo, jogos, sustentabilidade, cultura e arte são dispersos é o elemento catalisador das mudanças.
os fios condutores de cada um dos capítulos. Ao A estadia em cada escola durou em média cinco
escolhermos a diversidade como o corte transver- dias. Para buscar múltiplas perspectivas, entrevista-
sal, propomos que se imagine um mundo em que mos professores, alunos, ex-alunos, pais e fu ndado-
diferentes metodologias e abordagens convivam res. Observamos aulas, pa rticipamos de reuniões
paralelamente, em que a linearidade dos caminhos internas. Distantes de um olhar teorizador e cata-
é substituída pela sinuosidade da criatividade. logador, nosso foco era entender a rotina e, ainda
mais, captar a atmosfera do lugar, dos princípios
A derrubada das paredes invisíveis
que movem as ações. Ora observamos como es-
A primeira escola que visitamos fica em São Paulo. tudantes, ora como educadores ou com um olhar
Durante as pesquisas, descobrimos vá rias iniciati- de pai e mãe.
vas brasileiras que mereciam ser retratadas no livro.
Os princípios vão aos quatro cantos do mundo
Escolhemos quatro exemplos bastante simbólicos
de mudanças sig nificativas na educação contem- Cada iniciativa que abordamos nasceu em contex-
porânea: uma escola pública que experimentou tos bastante particulares, e exatamente por isso
colocar em prática sua autonomia pedagógica ao são releva ntes - por respeitarem suas condições
quebrar, literalmente, algumas das suas paredes; locais. Contaremos histórias de espaços de apren-
uma escola particular que instiga os alunos a es- dizagem que valorizam seus contextos sociais para
tudar temas pelos qua is se interessam; uma es- responderem aos seus desafios. De escolas que são
cola pública para jovens e adultos, com aulas em organismos vivos em constante mutação, que se
que pessoas de todas as idades estudam juntas; alimentam do entorno, que respeitam a diversi-
e, por fim, uma instituição onde as crianças são dade. As práticas realizadas podem ser diferentes,
Língua portuguesa na prática)E

mas há vários princípios em comum levados a sé- analfabetos funcionais, ou seja, não compreendem
rio - a autonomia, a cooperação e a sustentabili- o que leem - é o que revela a Pesquisa Nacional por
dade são alguns deles. "Quando temos princípios, Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011, divulgados
eles viajam. Os princípios vão aos quatro cantos do pelo IBGE. Existem escolas brasileiras que não têm
mundo'; comentou Rachel Lotan, diretora da Esco- nem mesmo espaços físicos dignos para alunos. E
la de Formação de Professores de Stanford (STEP), não podemos nos esquecer das transformações que
em um seminário sobre formação de professores se deram no mundo - na expansão de possibilida-
realizado na Universidade de São Paulo (USP). O des promovida pela Internet, por exemplo. Para Pilar
va lor dos pri ncípios só vem à tona qua ndo os pra- Lacerda, um dos desafios brasileiros é dar conta, ao
ticamos. Pilar Lacerda, educadora e ex-secretária de mesmo tempo, de demandas dos séculos XIX, XX e
Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), XXI. Do espaço físico, do analfabetismo e da reinven-
tem uma história engraçada nesse sentido. Ela con- ção da sala de aula. Até os números nos relembram
ta que o princípio da autonomia aparece na ma io- que as instituições são, essencialmente, grupos de
ria dos planos pedagógicos brasileiros, que visam pessoas. Aliás, este livro só existe por causa de uma
formar cidadãos críticos e ativos, mas raramente força que envolveu diferentes grupos de apoiadores.
esses planos são respeitados. Quando ela visitava Inicialmente, investimos parte do nosso dinheiro no
escolas, uma cena se repetia: o tal "cidadão crítico" projeto sem almejar retorno, e contamos com a do-
sempre se encontrava na sala da diretora, sendo ação de uma amiga, uma pessoa física que acreditou
repreendido por sua capacidade de crítica e sub- no nosso sonho. Depois, criamos uma campanha de
versão. Os espaços de aprendizagem deste livro financiamento coletivo na Internet, no site Catarse.
consideram seus princípios como o ar que respi- me, e exatas 566 pessoas contribuíram com a gente,
ram, exercitam seus propósitos na rotina. As experi- totalizando uma arrecadação de 56 mil reais. Assim,
ências que abordamos são exemplos de iniciativas falamos em nome do Coletivo Educ-ação e de mais
que, mesmo com suas fragilidades - afinal, não são uma rede de centenas de pessoas que acompanha-
perfeitas - , buscam não se cristalizar, não cair na ram nosso blog e criaram esse projeto com a gente.
mesmice, não se corromper com a mornidão. Este livro é um símbolo de um desafio coletivo glo-
bal: para trabalharmos juntos, precisamos encontrar
O desafio compartilhado
os pontos que nos unem, os propósitos que nos
O sistema educacional brasileiro é um gigante: há colocam na mesma mesa. Não desenvolvemos um
aproximadamente 51 milhões de alunos na edu- projeto para reforçar o valor dessa ou daquela teoria,
cação básica, do ensino infa ntil ao ensino médio, não estamos defendendo uma linha pedagógica.
somando escolas públicas e privadas, em dados do Queremos, na verdade, mostrar que há pontos em
Censo Escolar 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de comum em projetos inovadores, os quais indicam
Geografia e Estatística (IBGE). Esse número corres- uma direção promissora, que talvez faça germinar
ponde à população de cinco Suécias, um dos países sociedades mais saudáveis.
que visitamos. Há quase 200 mil escolas no país, sen-
A polinização de ideias
do que 84,5% dos alunos estão matriculados em es-
colas públicas, com os outros 15,5% em instituições Disparar uma infinidade de perguntas e inquieta-
privadas. Os jornais alardeiam que 8,6% dos brasilei- ções é um dos objetivos deste livro. E se a educa-
ros são ana lfabetos; outros 20,4% são considerados ção forma l e informal andassem de mãos dadas?
~ Metodologia do ensino da língua portuguesa 1

Ese as pessoas aprendessem fazendo? Ese a criati- na área da educação. Nós acreditamos no poten-
vidade fosse mais valorizada durante os processos cial da educação para redescobrir a felicidade e
de aprendizagem? E se as relações entre profes- exercitar a capacidade de sonhar. Nossa jornada
sores e alunos não fossem tão hierárquicas? E se agora ganha concretude em um livro com licença
aprender e brincar se tornassem sinônimos? E se aberta, para que estas ideias se espalhem pelos mil
você pensasse nos seus próprios "e se.. '.'? Todos cantos do mundo.
somos criadores de realidades e, para afirmarmos
Fonte: Gravatá et ai. (2013, p. 10-14).
essa capacidade, é fundamental questionarmos
que futuro almejamos fomentar. É fundamental in-
Exercício
terrogarmos as raízes do nosso próprio pensamen-
to. A missão de nosso projeto é polinizar ideias e Diante do que estudamos ao longo dessas quatro
olhares. É um convite para que você sonhe com unidades e da leitura específica do texto supracita-
a gente. Um convite para sonhar com processos do, qual é o poder da educação para o sujeito em
que geram mais cooperação do que concorrência, sua individualidade, para a sociedade em sua co-
com uma diversidade de caminhos inspiradores letividade e para o mundo em sua universalidade?

esta unidade, a última de nosso livro, que, vale ressaltar, precisam ser considerados em

N percebemos, partindo das teorias de Sig-


mund Freud e de Jean Piaget, como o
texto é um microcosmo que reflete não só a sub-
sua multiamplitude.
Ao lidarmos com a correção, no Tema 2, com
intuito de fugir de uma postura marcada e uni-
jetividade, as interações sociais e as construções camente normativa, no sentido de sempre ler o
cognitivas do aluno, mas também a mediação do texto com o pressuposto de que haverá falhas
professor e a prática em língua portuguesa. Nas e erros no processo de correção, apresentamos
linhas de um texto mais acadêmico, gênero que a correção textual-interativa, cujos "bilhetes'; ou
destacamos nesse apartado, é possível notar o uso melhor, orientações do professor, ademais de in-
da língua em sua madura expressão, e nas entre- centivar ou cobrar o aluno, ultrapassam as formas
linhas encontra-se o sujeito-aluno, com sua visão corriqueiras e tradicionais de intervenção para fa-
de mundo. lar dos problemas do texto. É uma via que toma
Nesse sentido, não deixamos de mencionar ele- como objeto de discurso de sua correção não
mentos importantes, como a prática docente e o apenas o modo de dizer do aluno, mas também o
material didático, que integram o processo de en- dizer desse aluno, ou sua atitude comportamen-
sino e aprendizagem dentro da sala de aula, mas tal (não verbal), sua subjetividade.
Língua portuguesa na prática) ~

No terceiro tema, vimos como o letramento, a alfa- esse tema trabalhando a potencialidade do discur-
betização, a oralidade e os gêneros e os tipos tex- so literário como formador de um aluno que seja
tuais são entrecruzados pelas práticas de leitura e leitor, crítico e escritor em língua portuguesa.
de escrita e, por isso, vitais para o ensino da língua Por meio de novas aproximações teóricas, reto-
portuguesa, cuja abordagem deve ser pautada na mando Piaget e Vygotski, estudamos que, para
inter e multirrelação dos aspectos gramaticais e ambos, o jogo pode ser empregado no processo
dos usos reais da linguagem. de ensino e aprendizagem como um método es-
Dedicamo-nos, portanto, ao gênero acadêmico, timulador do desenvolvimento cognitivo, social,
em um sentido mais amplo, ou seja, não apenas psicomotor e linguístico, ou seja, por meio dessas
relacionado ao ensino superior, mas também ao atividades a cria nça aprende a aprender, adquire
ensino fundamental e médio, cujos textos expres- conhecimentos, relaciona-se com os outros, ainda
sivos, ou seja, a resenha, o resumo, o relatório e o mais se consideramos os jogos de equipe, desco-
artigo científico, funcionam como instrumentos bre seu corpo e seus movimentos e, finalmente,
no processo de aprendizagem, exig indo do aluno comunica-se em linguagem verbal e não verbal.
uma disposição e capacidade mais avançada de É uma metáfora para a educação formadora, em
articular leitura e escrita por meio de sua reflexão, que o alu no é um microcosmos, subjetivo, cheio
crítica e argumentação, e do professor, uma me- de cultura e experiências que são potencializadas,
diação que considere o universo letrado da escola orientadas, polidas pela mediação da educação,
e o universo particular do aprendiz. Concluímos pela presença do professor.
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METODOLOGIA
,
DO ENSINO
DA LINGUA PORTUGUESA
ORGANIZADORA PATRICIA LIMA NOGUEIRA

Baseados na premissa de que o ensino atual exige um pro-


cesso flexível de construção do saber, os livros que compõem
a Bibliografia Universitária Pearson são concisos sem serem
rasos e simples sem serem simplistas. Para tanto, eles apre-
sentam os principais conceitos dos temas propostos em uma
estrutura didática única, com linguagem dialógica, diagrama-
ção diferenciada e hipertextos, entre outros elementos

Em Metodologia do ensino da língua portuguesa, isso não é


diferente. Nele, tópicos como oratória, leitura e escrita que,
dependendo da abordagem , podem parecer complicados são
apresentados de um ponto de vista inusitado que, ao mostrar
como as coisas funcionam na prática, possibilita ao leitor um
processo intensivo (e real) de aprendizagem.

ISBN 978-85-430-1709-9

loja. pearson .com. br


97885 4 3 01 7099

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