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PREFÁCIO

Entrelaçar novamente Ensino de Língua Portuguesa e História da Língua


faz parte de projeto iniciado em 2002 e desenvolvido não só por professores
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade
Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, mas também de docentes de outras
IES, a saber: Universidade Estadual do Maranhão, Universidade Federal de
Minas Gerais, Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, Universidade
Cruzeiro do Sul e, ainda, professores da rede pública e privada do Estado de
São Paulo, todos alocados no IP–PUC/SP (Instituto de Pesquisas Linguísticas
“Sedes Sapientiae” para estudos de Português da PUC/SP.
O Grupo de Pesquisa em Historiografia da Língua Portuguesa, cadastrado
no Diretório de Pesquisa do CNPq, está ligado ao Programa de Estudos Pós-
Graduados em Língua Portuguesa da PUC/SP e ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da UPM/SP e encontra-se em funcionamento até os
dias atuais congregando professores, doutorandos, mestrandos e graduandos
atraídos pela pesquisa do Português, seu ensino e sua história.
Nosso interesse investigativo se iniciou voltado para as questões do ensino
desde o século XVI, momento de expansão da Língua Portuguesa no mundo,
até a contemporaneidade, sempre ligado a um panorama românico do mundo,
centralizando-se em uma visão lusófona primeiramente voltada a Portugal e
ao Brasil e, posteriormente, com especulações sobre Angola, Moçambique e
Timor-Leste, com foco nos discursos das produções linguístico-gramaticais
dos países lusófonos mencionados.
Foi-nos muito valioso o objetivo de proceder a uma reflexão sobre as
metodologias do ensino de Português e sobre os movimentos da Língua
Portuguesa através dos séculos, por meio dos documentos produzidos,
enfocando os comportamentos linguísticos e as implicações socioculturais
referentes às políticas de língua adotadas em diversos momentos históricos
ocorridos desde a época da colonização brasileira até a atualidade.
Passamos pelos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX e fixamo-nos no XX,
desde o seu início até a década de 1990, buscando analisar como a
investigação dos estudos da linguagem se manifesta nos materiais didáticos
para o ensino de língua portuguesa e a interferência das leis em suas
constituições. Assim, delimitado o campo de trabalho, colocamos o problema
central que, desde a origem, consistiu em um olhar explicativo sobre a
relação entre a metodologia do ensino de Língua Portuguesa, os materiais
didáticos produzidos, as gramáticas do Português e as leis educacionais, em
cada período, com as adequações ocorridas por interferências internas e/ou
externas.
Como base para os nossos procedimentos metodológicos na Historiografia
Linguística (HL), assentamo-nos em Konrad Koerner, Pierre Swiggers e
Sylvain Auroux, a fim de estudarmos o desenvolvimento das formas de
implantação, expressão e normatização de uma língua sobre prismas
históricos sucessivos e descontínuos, escrevendo a história do saber
linguístico, tendo como objetivo descrever/explicar como se desenvolveu tal
saber em um determinado contexto educacional. Analisamos, pois, um
produto acabado dentro de um recorte no tempo, considerando seus
mecanismos geradores e explicando as etapas de conhecimento que a
engendraram.
A cada capítulo, dedicado a um material didático de Língua Portuguesa
selecionado pelos autores, foram observadas a concepção de linguagem, a
diretriz educacional e as formas do ensino do Português para análise do
objeto como instrumento linguístico que efetiva a prática de tratamento de
língua, a partir de uma concepção definida por uma política linguística.
Assim, traçamos o percurso pedalinguístico do Português, relacionando em
texto analítico-interpretativo os parâmetros definidos pela metodologia da
HL.
Mais especificamente, estabeleceram-se, para as análises do material
didático, os itens que se seguem: (I) Concepções de linguagem e o ensino da
Língua Portuguesa, sob as seguintes perspectivas: científica (recorte do
conteúdo da teoria para constituir tópico de uma disciplina curricular);
política (pressupostos ideológicos que levam a instituir determinado conteúdo
em disciplina curricular e que subjazem aos objetivos e procedimentos de
ensino dessa disciplina); sociocultural: (a) condições de produção e recepção
de determinado conhecimento, no âmbito escolar; (b) imagens desses agentes
do processo e do conteúdo curricular e visão histórica (reconstrução dos
processos, por meio dos quais determinado conhecimento foi se configurando
como saber escolar) e (II) Concepções de linguagem subjacentes a propostas
pedagógicas da década de 1990.
Continuamos na certeza de que existe grande relevância nos estudos
linguísticos do século XX, período em que as transformações nas condutas
humanas se aceleraram vertiginosamente, proporcionando mudanças nas
posturas filosófico-científicas. Neste livro, além da análise das obras,
procuramos entrevistar os autores ainda vivos que nos deram imensa
contribuição para o entendimento de um período distante e próximo como a
década de 1990, da qual participaram alguns dos membros integrantes do GT.
Mais uma vez, reiteramos que estamos conscientes de sermos conduzidos
por uma abordagem historiográfica, por não mencionarmos a história dos
fatos como mero registro e considerarmos as dimensões externa e interna em
nossas investigações, pois o campo de trabalho dos historiógrafos é tudo o
que se passou no campo da linguagem, observado a partir de procedimentos
teórico-metodológicos da historiografia linguística, implicados com as
dimensões externas (sociais) e internas (cognitivas) em um determinado
contexto social e cultural, visando estabelecer o conhecimento científico.
Como sempre sabedores de que um texto só se completa no processo
dialógico com o outro, o GPeHLP aguarda as colaborações de seus leitores
para acertar os desvios de rota existentes na obra e agradece antecipadamente
os comentários recebidos.
CAPÍTULO 1
A DÉCADA DE 1990
A reconstrução do espírito de época
DIELI VESARO PALMA
MARIA IGNEZ SALGADO DE MELLO FRANCO

INTRODUÇÃO
Este capítulo tem por tema a década de 1990 no Brasil. Ele visa traçar um
panorama do período, destacando suas diferentes correntes de pensamento, a
fim de subsidiar a análise de livros didáticos dessa época, objeto de estudo da
pesquisa realizada pelo Grupo de Pesquisa em Historiografia da Língua
Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (GPeHLP), nos
dois últimos anos, tendo em vista a publicação da obra História Entrelaçada
9.
Como, metodologicamente, um dos passos investigativos seguidos pelo
Grupo é a aplicação dos princípios analíticos propostos por Koerner (1996),
neste capítulo, apresenta-se o princípio da contextualização, cuja finalidade é
caracterizar o espírito de época. Em outras palavras, busca-se detalhar as
linhas de pensamento presentes no âmbito político, econômico, científico,
educacional, filosófico e cultural que circulavam na sociedade brasileira
naquele momento. Delineia-se, assim, o clima de opinião que influenciou a
produção de obras didáticas na década de 1990, bem como apontam-se as
influências desses materiais nas formas de pensar desse momento histórico.
Assim, são objetivos do capítulo:
A) Objetivo geral
Fornecer subsídios sobre o espírito de época aos demais autores desta obra
na elaboração de seus capítulos.
B) Objetivos específicos
I. contextualizar a década de 1990, com foco principal no ensino de Língua
Portuguesa;
II. apresentar a legislação educacional em vigência no período;
III. traçar um breve panorama dos estudos linguísticos desenvolvidos nessa
época;
IV. relacionar esses estudos às concepções de ensino e de aprendizagem
presentes na escola brasileira nos anos 1990.
O trabalho estrutura-se em três partes, além da introdução e da conclusão.
Na primeira, são retomados aspectos da década de 1980 que persistiram nos
anos 1990, principalmente do ponto de vista político, econômico e
educacional. Na segunda, são focalizados aspectos político-econômicos e
científicos, sobretudo, linguísticos, marcantes do período em estudo. Na
terceira, são apresentadas a legislação educacional e algumas modificações na
educação brasileira.

I — RETOMADA DA DÉCADA DE 1980


Em 1985, encerrou-se a Ditadura Militar. No processo de democratização,
mais especificamente na passagem do governo militar para os civis, houve
uma fase de transição em que um presidente foi eleito por meio de eleições
indiretas. Foi ele Tancredo Neves, que faleceu antes de assumir a Presidência,
tendo sido empossado seu vice José Sarney (1985-1990).
Segundo Ghiraldelli Jr. (2005: 160), a fase de redemocratização foi um
período de “maior liberdade e de maior respeito dos diversos setores sociais
para com as instituições políticas brasileiras, se comparado com toda a
história do país”, mas, contraditoriamente, o aumento da concentração de
riqueza foi muito grande. Além disso, constata-se que, do ponto de vista
econômico, foi um período de estagnação, pois houve reduções no PIB,
aumento da dívida externa e do déficit público em decorrência das taxas
internacionais de juros e aumento da dívida interna em função da política
expansionista do Governo.
No que diz respeito à Educação, no governo Sarney, foram produzidos os
seguintes documentos sobre políticas educacionais: Educação para todos:
caminhos para mudanças (1985), I Plano Nacional de Desenvolvimento da
Nova República 1986-89 (1986) e texto-síntese do Dia Nacional de Debate
sobre Educação (1985). Entretanto, Palma e Franco (2018) destacam:
O governo Sarney, embora tenha produzido documentos e tenha proposto debates com
professores, estudantes e políticos, com a intenção de transformar a educação brasileira, não
atingiu as metas previstas, pois não foi capaz de construir um projeto para a reforma da educação
básica. Nos últimos anos de seu governo, era evidente o descrédito em relação às mudanças
pretendidas, traduzindo a frustação dos envolvidos nesses debates, principalmente em face da
realidade educacional do país, com altos índices de analfabetismo, com um grande número de
crianças fora da escola e um alto índice de evasão no 1º grau, que apresentava 84% de alunos
matriculados, dos quais apenas 14% concluíam essa etapa escolar (PALMA; FRANCO, 2018, p. 18).
Vieira (2000) faz uma leitura crítica desse período. Ela aponta que a análise
desses documentos evidencia uma prioridade quanto à universalização da
educação básica, enfatizando questões sobre quantidade/qualidade,
centralização/descentralização e silenciando a relação público/privado.
Desses temas, quantidade/qualidade foi o que recebeu maior destaque no
planejamento, centralização/descentralização, por sua vez, foi
perifericamente focalizado e, por fim, público/privado foi apagado,
“justamente num momento em que posições estratégicas de poder do MEC
são ocupadas por dirigentes ligados ao setor privado de ensino, a exemplo da
Secretaria de Educação Superior (SESU)” (VIEIRA, 2000, p. 81).
Na avaliação feita na área educacional do governo Sarney, a autora
debruçou-se sobre relatórios do MEC dos anos 1985, 1986, 1987, 1988 e
1989. Ela mostra que propostas apresentadas como relevantes em um ano não
foram retomadas no período seguinte, sugerindo, portanto, a descontinuidade
de programas. Apesar desse aspecto negativo, Vieira (2000) aponta dois
pontos importantes que serão desenvolvidos nos governos subsequentes: a
LDB e o Plano Nacional de Educação, que seria construído com base em um
diagnóstico e em uma posterior avaliação do ensino público e privado do
país. Nesse sentido,
Estavam lançadas as sementes do que posteriormente viria a se constituir como o Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Básica (SAEB), cujo primeiro levantamento seria realizado em 1990
(VIEIRA, 2000, p. 85).
Após essa breve análise, podemos concluir afirmando que o grande legado
do governo de José Sarney foi a Constituição aprovada em 1988, conhecida
como Constituição Cidadã, e que abriu novas perspectivas para a Educação
no Brasil. Na sequência, focaliza-se a caracterização da década de 1990.

II — CONTEXTUALIZAÇÃO DA DÉCADA DE
1990: QUESTÕES POLÍTICO-ECONÔMICAS E
LINGUÍSTICAS
2.1 As questões político-econômicas
Foi a partir dos anos 1980 que o mundo passou a viver a globalização,
fenômeno do modelo econômico capitalista que propõe a mundialização do
espaço geográfico por meio da interligação econômica, política, social e
cultural em âmbito global. Esse processo ocorre em diferentes escalas e
apresenta consequências distintas entre os países, sendo as nações ricas as
mais beneficiadas porque, entre outros fatores, ampliam seu mercado
consumidor por intermédio de suas empresas transnacionais, instalando suas
filiais em diversos países e objetivando a unificação de suas atividades de
produção. Palma e Mendes (2008), destacam:
O Brasil também se beneficiou com a globalização, pois as grandes empresas transnacionais sempre
procuraram vencer seus concorrentes e aumentar seus lucros, ou seja, produzem suas mercadorias
nos países que mais vantagens lhes oferecem, buscando, assim, vender seus produtos no mundo
inteiro. Com isso, há um aumento nas exportações e os consumidores de vários países passam a ter
acesso a muitos produtos brasileiros. Essa inserção do Brasil no mercado internacional resultará em
alterações na economia (PALMA e MENDES, 2008, p. 158).
Marcílio (2005) aponta os contrastes que a globalização instaura na
organização mundial. De um lado, tem-se o enfraquecimento dos organismos
internacionais em decorrência da dominação absoluta dos Estados Unidos e,
de outro, há a luta pela sobrevivência dos países emergentes — entre eles o
Brasil, em razão de seu endividamento e do pagamento de juros altíssimos —
levando-os a se unirem em organismos supranacionais como o Mercosul.
Nesse contexto, mostra ainda essa autora que ocorre a expansão do
narcotráfico e do crime organizado. Há também transformações profundas no
mundo do trabalho e “assiste-se ao capitalismo sem trabalho, sem seguridade
social e de produção industrial internacionalizada. Multiplica-se o trabalho
informal, sem proteção social” (MARCÍLIO, 2005, p. 338).
Apesar desse cenário internacional, Vieira considera que a década de 1990
teve um significado especial para o Brasil, uma vez que profundas mudanças
sociais, econômicas, políticas e culturais aconteceram no país. Houve a
consolidação da democracia, a estabilização da economia, que controlou a
inflação e possibilitou o desenvolvimento das políticas sociais,
“especialmente na área da educação, onde se registraram os maiores avanços
nos últimos anos. Houve igualmente uma crescente valorização da educação
pela sociedade em todo o país. O Século da escola foi se consolidando
aceleradamente” (MARCÍLIO, 2005, p. 339).
Nesse período, tivemos dois presidentes — Fernando Collor de Mello
(1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1994-1998) — eleitos por
votação direta do povo. Contudo, o primeiro não cumpriu o mandato, tendo
perdido o cargo por impeachment, e, assim, ficou no comando do país seu
vice, Itamar Franco (1993-1994).
A primeira ação do novo presidente foi estabelecer um pacto entre os
partidos políticos, principalmente com o Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com
vistas a garantir a governabilidade do país. Essa coalização objetivava pôr
fim à crise instaurada com o afastamento do presidente eleito após um longo
período de ditadura. Ainda em 1993, foi realizado o plebiscito, previsto na
Constituição de 1988, para a escolha do sistema e da forma de governo:
monarquia ou república; presidencialismo ou parlamentarismo, tendo como
resultado a escolha do regime republicano presidencialista.
Economicamente, a inflação apresentava altos índices, impedindo
investimentos no Brasil e dificultando a vida do povo. Foi nesse contexto que
Fernando Henrique Cardoso foi nomeado Ministro da Fazenda, em 1994, e
elaborou um plano econômico que introduziu uma nova moeda, o Real,
equiparada ao dólar, ou seja, um real equivalia a um dólar americano. Além
da mudança na moeda, Cardoso também propôs a redução dos gastos
públicos e a privatização de empresas públicas.
Skidmore (2003) afirma:
Havia várias razões para o sucesso inicial do Plano Real. O plano foi inteligentemente concebido e
implementado, e foi ajudado pelo nível de reservas cambiais estrangeiras que a equipe de Fernando
Henrique Cardoso havia herdado, as quais (cerca de US$ 40 bilhões em julho de 1994) constituíram
as maiores reservas do Brasil em sua história e estavam entre as maiores do mundo. Essas imensas
reservas davam ao país um amortecedor para seus cortes de tarifas. Na verdade, foram perdidos
US$ 10 bilhões em reservas durante os primeiros oito meses do Plano quando o corte prematuro
das tarifas levou a um boom de importações, mas ainda havia um amortecedor suficientemente
grande para suportar essa perda. A grande colheita agrícola de 1994, que manteve baixos os preços
dos alimentos, foi outra grande lufada de sorte.
Houve sorte também do lado político. A maioria da população brasileira realmente queria o fim da
inflação volátil. Além disso, os adversários mais prováveis do Plano, os economistas de esquerda,
estavam desorganizados, desmoralizados e reduzidos em número (SKIDMORE, 2003, p. 313).
O sucesso do Plano Real e a contenção da inflação foram elementos
fundamentais para o sucesso da candidatura de Fernando Henrique Cardoso à
Presidência da República em 1994, levando-o a vencer as eleições com 54%
dos votos, no primeiro turno. O segundo presidente eleito por voto direto,
depois da ditadura, governou de 1995 a 1998 e, reeleito em 1998, governou
até 2002.
Os três primeiros anos do novo governo tiveram como prioridade a
estabilização econômica do país, visando ao combate à inflação, objetivo
alcançado muito mais rapidamente do que se esperava. De um índice
inflacionário de 2.489%, em 1993, chegou-se a 1.000% em 1994, 22% em
1995, em 11%, em 1996 e 4% em 1996 (cf. SKIDMORE, 1998). O resultado
positivo decorreu de um controle rígido do orçamento federal, cuja estrutura
possibilitava déficits contínuos, embora a redução de tarifas trouxesse
incertezas a longo prazo para a balança comercial.
O sistema financeiro havia tido uma grande expansão na década de 1980,
com os lucros originados da “flutuação inflacionária”, obtida pelos bancos
nas transações financeiras. A queda da inflação comprometeu os lucros dos
bancos, levando muitos deles à falência, situação que exigiu do governo
custosas operações de resgate.
Diante desses desafios, a estabilização tornou-se fundamental,
determinando a redução dos gastos públicos, que deveria ocorrer não só no
nível federal, mas também no estadual. A privatização foi o caminho
escolhido para solucionar a questão. Segundo Skidmore (1998),
... isso estava apenas começando a ocorrer no Brasil, onde a maioria dos compradores no início da
década de 1990 havia pago com bônus governamentais não negociáveis. Não obstante, em
dezembro de 1997 o governo podia mostrar um sucesso considerável, tendo privatizado (por venda
ou arrendamento) mais de cinquenta empresas em áreas como aço, fertilizantes e minérios de
ferro. Em quase todos os casos, a eficiência aumentou imediatamente (SKIDMORE, 1998, p. 319).
Destaca esse autor que, além das medidas econômicas, o governo devia
debruçar-se sobre a situação social dos brasileiros, com vistas a melhorá-la,
superando as grandes desigualdades sociais. Para tanto, seria fundamental
enfrentar a deterioração dos serviços públicos, a necessidade de investimento
público em educação, na saúde, nos transportes e nos meios de comunicação;
porém os fundos federais não estavam disponíveis a curto prazo. Ao lado
dessa conjuntura, a necessidade de equilibrar o orçamento inviabilizava
também a liberação das verbas. Nesse momento, gestos simbólicos foram
tomados pelo governo, para amenizar os problemas, como a instalação de
computadores em salas de aula.
Para Skidmore (1998), a reforma agrária era outro desafio a ser enfrentado,
sobretudo no Sul e na Bacia Amazônica, local em que 23 trabalhadores foram
mortos por proprietários de terras no Pará, em abril de 1996, em reação ao
movimento dos trabalhadores. O governo propôs uma rigorosa investigação
sobre o caso, mas não obteve resultados positivos, ficando evidente sua
incapacidade de controlar a violência, como a onda de assassinatos
semelhantes que já havia ocorrido no Amazonas em agosto do ano anterior.
Também o desmatamento na Amazônia não foi controlado no governo de
Fernando Henrique.
O autor ainda mostra que, como o governo estava ciente de que pouco
poderia fazer pelo bem-estar do povo brasileiro, lançou o Programa
Comunidade Solidária, dirigido por Ruth Cardoso, cuja estratégia era
“identificar os municípios necessitados no país e prestar assistência
estratégica a governos e organizações locais. Isso tinha um valor simbólico (e
provavelmente político), e poderia servir também para estimular esforços de
autoajuda em nível local” (SKIDMORE, 1998, p. 320). Em razão da falta de
verbas, na educação, foram realizadas ações pontuais, como o aumento do
salário dos professores das escolas públicas de 1º e 2º grau, que eram muito
baixos, e o estabelecimento de uma rede de TV educacional para todas as
escolas.
Nesse período, a inflação foi controlada, aspecto que favoreceu os
brasileiros menos privilegiados, uma vez que o poder aquisitivo médio dos
consumidores aumentou, os preços dos alimentos baixaram, motivados pelas
colheitas abundantes, e o salário mínimo subiu, “o que refletia uma política
deliberada de usar o salário mínimo para visar os mais pobres” (SKIDMORE,
1998, p. 321). A classe média, porém, foi a que mais dificuldades passou
nesse momento, em função do aumento do aluguel, das mensalidade
escolares, das refeições em restaurantes e em todos os serviços pessoais.
Em 1998, Fernando Henrique foi reeleito presidente. No segundo mandato,
houve crises internacionais, forte desvalorização do real, a crise do apagão e
outros acontecimentos que motivaram a queda da popularidade do Presidente.

2.2 As correntes linguísticas da década de 1990


Ao nos debruçarmos sobre a produção linguística na década de 1990,
deparamo-nos com um número significativo de trabalhos, que se inserem nas
mais diversas correntes teóricas. Apresentamos, a seguir, um breve panorama
dessa diversidade de estudos.
A Filologia, que, com frequência, é vista como pouco estudada, quando
comparada às correntes da Linguística do Discurso, está representada, no ano
de 1999, na Revista DELTA Vol. 15 — Número Especial, por um artigo de
Heitor Megale, no qual ele faz um balanço dos últimos dez anos das
produções da área. Fundamentado em Ivo Castro, ele a define como a
“ciência que estuda a gênese e a escrita dos textos, a sua difusão e a
transformação dos textos no decurso da sua transmissão, as características
materiais e o modo de conservação dos suportes textuais, o modo de editar os
textos com respeito máximo pela intenção manifesta do autor” (CASTRO,
1992, p. 124). Após fazer uma análise da pesquisa e dos eventos realizados e
dos grupos de pesquisa existentes, ele conclui que a Filologia ainda não tinha
recuperado o espaço perdido com a chegada da Linguística.
A Linguística Textual firma-se, nesse período, por meio de publicações
como A coesão textual, de Ingedore Villaça Koch, e Texto e coerência, de
Ingedore Villaça Koch e Luiz Carlos Travaglia, de 1989, e Coesão e
coerência textuais, de Leonor Lopes Fávero, de 1991, que são adotadas nas
aulas de Língua Portuguesa nos cursos de graduação. Conceitos propostos
nessas obras são também incorporados aos Parâmetros Curriculares
Nacionais e aos livros didáticos.
A concepção de linguagem é igualmente objeto de reflexão nessa década.
Resultam desse interesse obras como A inter-ação pela linguagem, lançada
em 1992, de Ingedore Villaça Koch, na qual a autora trata de usos
linguísticos concretos, realizados sob determinadas condições de produção.
Também Linguagem e ensino — Exercícios de militância, de João Wanderley
Geraldi, que apresenta textos focalizando a linguagem e seu ensino, tendo
como seu principal interlocutor o professor e, como diz o autor:
... o tratamento é atravessado por uma concepção de sujeito heterogeneamente constituído: nos
meandros de cada história articulam-se de diferentes formas os enunciados do já-dito que,
retornando dizeres de hoje, já não são os mesmos. Entre um programa que queira ver em cada
discurso aquilo que ele repete da memória do já-dito e outro programa que está atento às
diferenças, sempre sutis e quase invisíveis, opto pelo segundo programa para recuperar no
movimento a historicidade do humano (GERALDI, 1996, p. 8).
Esses trabalhos dão destaque à concepção da linguagem como interação e
possibilitarão o questionamento da tradição gramatical que considera a forma
de ensinar a língua materna, tendo, como modelo, autores consagrados.
Outro assunto que despertou a atenção dos pesquisadores nos anos 1990 foi
a chamada gramática tradicional. Nessa linha de pensamento, podem ser
citadas as obras Gramática na escola, de Maria Helena de Moura Neves,
lançada em 1990, que discute as dificuldades dos professores no ensino da
gramática tradicional. A autora critica esse ensino e propõe o funcionalismo
como uma saída para a análise linguística. Outra pesquisadora que se
debruçou sobre a gramática tradicional foi Rosa Virgínia Mattos e Silva, na
obra Tradição gramatical e gramática tradicional. Nela, a autora traça,
inicialmente, um perfil histórico da gramática tradicional e, na sequência, faz
a análise da sintaxe do português em quatro momentos da gramaticografia da
língua portuguesa, nos séculos XVI, XIX e XX, respectivamente, nas obras
de Fernão de Oliveira e João de Barros, na de Jerônimo Soares Barbosa e na
de Celso Cunha e Lindley Cintra, discutindo conceitos nelas apresentados.
Ao concluir seu trabalho, Mattos e Silva assim se manifesta:
... não queríamos deixar de explicar um ponto de vista: a língua portuguesa está a merecer que se
produzam sobre ela gramáticas em que estejam bem definidos não só os campos explorados — que
não se entrecruzem objetivos especificamente pedagógicos, com aqueles meramente normativos
ou descritivos ou estritamente teóricos; mas também que se recortem nessas gramáticas, com
clareza, o objeto sob análise, isto é, que tipo de manifestação linguística se tem em mira: se a língua
falada, se a língua escrita, em que tipo de registro, se a língua como uma manifestação particular de
uma gramática universal (MATTOS e SILVA, 1989, p. 64).
Outro pesquisador que focalizou a gramática, mas com foco no seu ensino
ou não na escola, foi Sírio Possenti. Em sua obra Por que (não) ensinar
gramática na escola, publicada em 1996, ele discute como a gramática
deveria ser ensinada na escola, seguindo o seguinte percurso: na primeira
parte, faz a apresentação de dez teses básicas e sua justificativa e, na segunda,
expõe os conceitos de gramática que considera relevantes para o ensino.
Ao finalizar a segunda parte, Possenti afirma:
Deveria ter ficado claro nas entrelinhas que as sugestões se resumem a uma única grande ideia:
fazer com que o ensino de português deixe de ser visto como a transmissão de conteúdos prontos e
passe a ser uma tarefa de construção de conhecimentos por parte dos alunos, uma tarefa de
construção em que o professor deixa de ser a única fonte autorizada de informações, motivações e
sanções. O ensino subordina-se à aprendizagem (POSSENTI, 1996, p. 95)
Pelo exposto, vemos que dois pesquisadores, Moura Neves e Possenti
tecem críticas à forma de ensino da gramática tradicional. Mattos e Silva
também apontou falhas no ensino da língua portuguesa, em sua obra
Contradições no ensino de português: a língua que se fala x a língua que se
ensina, lançada em 1995. Antes de fazermos a sua apresentação, lembramos
que, desde meados da década 1980, as novas teorias desenvolvidas nas
ciências linguísticas, como a linguística, a linguística textual, a pragmática, a
análise do discurso, a sociolinguística, entre outras, estavam adentrando os
estudos voltados para o ensino da língua materna, como mostra Soares
(2012).
Lembramos que a sociolinguística teve um papel fundamental para se
romper com a concepção de homogeneidade da língua portuguesa, ao mostrar
a sua heterogeneidade e ao destacar as variáveis externas ao sistema, como
idade, sexo, etnia, classe social e estilo. Apesar do avanço da ciência, a escola
continuava a ignorar a diversidade linguística.
A obra de Mattos e Silva trata dessa questão, ao analisar o papel da escola
diante da norma-padrão. A autora surpreende-se ao constatar que a escola
estigmatiza os usuários das normas não prestigiadas, denunciando, assim, as
contradições de seu ensino.
Diante do exposto, verificamos que, na década de 1990, os estudos sobre a
linguagem e a língua foram produtivos, porém os avanços por elas
conquistados não atingiram o ensino da língua portuguesa, que continuava a
ser pautado no ensino da gramática tradicional, valorizando a norma-padrão.
Esse quadro só terá algumas modificações com a Nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Brasileira, sancionada em 1996, mas cujos efeitos só
serão constatados nos anos 2000.

III — CONTEXTUALIZAÇÃO DA DÉCADA DE


1990: QUESTÕES EDUCACIONAIS
Iniciamos as questões educacionais focalizando a Constituição Brasileira,
aprovada em 1988, no título VIII, capítulo III, seção I, nos artigos 205 a 214,
que tratam, especificamente da educação. O artigo 205 estabelece que ela é
um direito de todos e dever do Estado e da família e deverá contar com a
colaboração da sociedade, objetivando o “pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(BRASIL, 1988, p. 94).
Os princípios que devem reger a educação, expressos no artigo 206, são os
seguintes:
I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II. liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III. pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e
privadas de ensino;
IV. gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V. valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o
magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de
provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União;
VI. gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII. garantia de padrão de qualidade (ibidem, p. 94-95).
O artigo 207 destaca a autonomia das universidades, que deverão obedecer
ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O artigo
208 trata do dever do Estado, que será efetivado pelas seguintes garantias:
I. ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na
idade própria;
II. progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; na rede regular de
ensino;
III. atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente;
IV. atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
V. acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo capacidade
de cada um;
VI. oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII. atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência médica.
§ 1 O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2 O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente.
§ 3 Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a
chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola (ibidem, p. 95).
O artigo 209 destaca que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que
sejam respeitadas as seguintes condições:
I. Cumprimento das normas gerais da educação nacional.
II. Autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (ibidem, p. 95).
O artigo 210 fixa conteúdos mínimos para o ensino fundamental,
objetivando garantir a formação básica comum e o respeito aos valores
culturais e artísticos, nacionais e regionais. No seu parágrafo 1º, determina
que o ensino religioso é de matrícula facultativa, devendo ocorrer nos
horários normais das escolas públicas. O parágrafo 2º, por sua vez, estabelece
que o ensino fundamental deve ser ministrado em língua portuguesa,
garantindo, porém, às comunidades indígenas o uso de suas línguas maternas.
Os artigos 211 e 212 tratam da organização do sistema federal de ensino e
do seu financiamento. Já o artigo 213 trata da destinação de recursos às
escolas públicas e aponta as situações em que as escolas comunitárias,
confessionais ou filantrópicas podem ser beneficiadas com esses recursos.
Encerra o capítulo III o artigo 214, que diz o seguinte:
A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao
desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que
conduzam à:
I. erradicação do analfabetismo;
II. universalização do atendimento escolar;
III. melhoria da qualidade do ensino;
IV. formação para o trabalho.
V. promoção humanística, científica e tecnológica do País (ibidem, p. 96-97).
Como se pode ver, a Constituição estabeleceu uma série de regras que
favorecem o desenvolvimento da educação nacional, uma vez que “75% das
disciplinas oferecidas corresponderiam ao currículo básico, competindo aos
Estados a variação do restante, segundo necessidades regionais” (MOTA;
LOPEZ, 2015, p. 930). Também não devemos nos esquecer de que a nova
Constituição Brasileira dava o prazo de dez anos para a universalização do
ensino e a erradicação do analfabetismo, que deveriam ser cumpridas até
mais ou menos 1998.
Outra questão relevante que, nos anos 1990, teve destaque na educação
brasileira foi a avaliação. Ela já vinha sendo discutida desde a década de
1980. Nesse sentido, no primeiro governo FHC, foram introduzidas provas de
avaliação para o primeiro, segundo e terceiro graus. Nesse contexto, foi
criado o Exame Nacional de Cursos, o Provão, destinado aos egressos do
ensino superior, ficando a obtenção do diploma condicionada ao resultado
desse exame. Também foi nesse momento que as universidades passaram a
ser avaliadas, havendo um especial destaque à qualificação do corpo docente
e à sua titulação. Esse modelo avaliativo levava ao ranking das universidades,
pois, no entender de Mota e Lopez (2015), deve haver
algum controle de qualidade das universidades privadas, mas ao mesmo tempo as beneficia, pois,
uma vez “rankeadas”, podem cobrar mais e disputar mercado. Feitas as contas, as universidades
particulares tornaram-se as principais beneficiárias, enquanto as da rede federal estagnaram,
ficando praticamente à mingua (MOTA e LOPEZ, 2015, p. 931),
Quanto ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), ele surgiu na
segunda metade dos anos 1990. Foi-se ampliando e alcançou resultados,
substituindo o SAEP — Sistema de Avaliação do Ensino Público de 1º Grau.
Inicialmente, realizaram-se diagnósticos do sistema educacional e captaram-
se alguns fatores que pudessem intervir no desempenho do aluno e servissem
como apoio para futuras políticas públicas, nas esferas municipal, estadual e
federal. Em fase posterior, teve como objetivo três tipos de avaliação:
1. ANEB — Avaliação Nacional de Educação Básica, que verificou o
ensino do 5º ao 9º ano do ensino fundamental e do 3º ano do ensino
médio da rede pública;
2. ANRESC — Avaliação Nacional do Rendimento Escolar, também
chamada de Prova Brasil, que realizou um censo do 5º ao 9º ano,
avaliando a qualidade de ensino ministrado nas escolas públicas;
3. ANA — Avaliação Nacional de Alfabetização, que avaliou o 3º ano do
ensino fundamental, buscando conhecer os níveis de alfabetização e de
Letramento em língua portuguesa, a alfabetização matemática e as
condições de oferta do ciclo de alfabetização das redes públicas e também
das redes privadas.
Em relação à política de avaliação nos anos 1990, podemos afirmar que
• o SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico) e a Prova Brasil (ou
ANRESC) complementaram-se;
• a avaliação tornou-se nacional a partir de 1990 e os três eixos a que ela
visava eram: a) rendimento do aluno; b) perfil e prática dos docentes; c)
perfil dos diretores e formas de gestão escolar.
• a inclusão do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio, criado em 1998)
e o Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e
Adultos (ENCCEJA) deram oportunidade de a avaliação se estender a
outros programas governamentais.
De grande importância nesse período da educação brasileira foi a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB — Lei 3949/1996),
promulgada em 1996, substituindo a LDB de 1971. Ela institui a política
educacional brasileira, obedecendo aos seguintes princípios:
• igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
• liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
• pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
• respeito à liberdade e apreço à tolerância;
• coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
• gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
• valorização do profissional da educação escolar;
• gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação
dos sistemas de ensino;
• garantia de padrão de qualidade;
• valorização da experiência extraescolar;
• vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais;
• consideração da diversidade étnico-racial; garantia do direito à educação e
à aprendizagem ao longo da vida.
A importância da Nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394— 20/12/96) é
inequívoca, pois define e regulariza a organização da educação brasileira com
base nos princípios presentes na Constituição de 1988. Como decorrência
dessa lei, em 1997, são publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN). O texto inicia-se com orientações didáticas (2000, V. 1, pp. 93-105),
nas quais são propostos objetivos para o ensino fundamental, dependentes de
uma prática educativa cujo eixo é a formação do cidadão autônomo e
participativo. Eles consideram que os alunos constroem significados por meio
de interações múltiplas e complexas. O aluno é sujeito de sua própria
aprendizagem, e o professor é o mediador do processo de interação dos
estudantes com os objetos do conhecimento e também do processo de
interação social entre eles.
Cada tema e área de conhecimento apresentam um conjunto de orientações
didáticas de caráter mais abrangente. No entanto, o estabelecimento de um
padrão não significa que elas devam ser homogêneas e idênticas para todos
os alunos, pois a prática educativa é complexa, trazendo para o contexto de
sala de aula questões de ordem afetiva, emocional, cognitiva, física e de
relação pessoal.
O documento realça, a seguir, os tópicos considerados essenciais aos
profissionais de educação:
1. Autonomia: capacidade a ser desenvolvida pelos alunos e princípio
didático geral, orientando as práticas pedagógicas. É uma opção
metodológica que auxilia os alunos na construção de seus próprios
conhecimentos, que valoriza as experiências e conhecimentos prévios e as
interações: professor-aluno e aluno-aluno, buscando a progressão das
situações dirigidas pelo professor e também pelo próprio aluno. O
desenvolvimento da autonomia depende de suportes materiais,
intelectuais e emocionais.
2. Diversidade: adaptações curriculares, adequação de objetivos, conteúdos,
critérios de avaliação que atendam à diversidade nacional. O professor
deve ficar atento aos fatores culturais e à história educativa de cada aluno
(déficits sensoriais, motores ou psíquicos ou superdotação intelectual). Ao
considerar a diversidade, a escola valoriza o respeito às diferenças e não
elogia a desigualdade.
3. Interação e cooperação: assunção da palavra enunciada pelo próprio
aluno e convivência em grupo de maneira produtiva. É saber ouvir o outro
e ajudá-lo a pedir ajuda, a explicar um ponto de vista, a coordenar ações
para obter sucesso em uma tarefa de grupo. É saber trabalhar de maneira
cooperativa, embora seja difícil para todos, inclusive para os adultos. A
interação e a cooperação levam em conta todos os aspectos emocionais
afetivos ou cognitivos, não permitindo que um seja mais importante do
que o outro.
4. Disponibilidade para a aprendizagem: aprendizagem significativa que
parte da disponibilidade de envolvimento do aluno na aprendizagem e da
sua capacidade de estabelecer relações entre o que já sabe e o que está
aprendendo.
5. Organização do tempo escolar.
6. Organização do espaço.
7. Seleção de material.
Selecionamos aqui alguns dos objetivos dos PCN, focando especialmente
os referentes à disciplina de língua portuguesa:
• Utilizar as diferentes linguagens: verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal — como meio
para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em
contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;
• Saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir
conhecimentos;
• Questionar a realidade, formulando problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o
pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando
procedimentos e verificando sua adequação (BRASIL, ano, p. ?).
A seguir, apresentamos a caracterização geral e os eixos organizadores de
língua nos PCN. O documento tem como pressuposto a conceituação de que
a língua se realiza no uso e nas práticas sociais, e os indivíduos apropriam-
se dos conteúdos, transformando-os em conhecimento próprio, por meio da
ação sobre eles. Dessa forma, o aluno expande sua capacidade de língua e
adquire outras que não possui em situações linguisticamente significativas e
em situações de uso efetivo da linguagem verbal, por meio dos processos de
produção e compreensão de textos que se desdobram em: a) atividades de
fala e de escrita; b) de leitura e de escuta. Portanto, os PCN consideram como
habilidades linguísticas básicas o falar, o escutar, o ler e o escrever.
Há, assim, dois grandes eixos básicos dos blocos de conteúdo de língua
portuguesa: a língua oral e a escrita; e a análise e a reflexão sobre a língua:
Língua oral: Usos e Língua escrita: Usos e
formas formas
Análise e reflexão sobre a língua

Assim, prática de leitura → prática de produção de texto → análise e


reflexão sobre a língua geram o eixo: USO → REFLEXÃO → USO.
Todos os assuntos devem ter tratamento cíclico, pois os conteúdos
aparecem ao longo de toda a escolaridade com graus de aprofundamento e
sequenciação, segundo critérios que possibilitem a continuidade das
aprendizagens, considerando: 1 — conhecimentos anteriores dos alunos; 2 —
nível de complexidade dos diferentes conteúdos; 3 — nível de
aprofundamento possível de cada conteúdo.
Quanto à transversalidade da língua portuguesa, ela pode ser abordada
considerando:
1. a língua como veículo de representações e valores socioculturais;
2. a língua como instrumento de intervenção social.
A língua oral é observada em seus usos e formas. Entretanto, a partir da 5ª
série, ela deve ser geralmente focalizada como conteúdo formal. Outros
aspectos a serem aprofundados são a leitura e a escrita que, embora estudadas
isoladamente, precisam ser consideradas como complementares. A prática de
leitura e a prática de produção de textos exigem planejamento da ação
pedagógica com atividades sistemáticas de fala, escuta e reflexão sobre a
língua com atividades em grupo; atividades de resolução de problemas;
atividades de produção oral de planejamento de texto de elaboração ou de
análise de sua qualidade e outras atividades orais.
Os temas transversais sugeridos são ética, pluralidade cultural, meio
ambiente, saúde e orientação sexual, que tratam de questões sociais e
pertencem à dimensão do espaço público.
Os blocos de conteúdos e o tratamento didático podem receber diferentes
tratamentos: a) situações de reflexão sobre a língua; b) desenvolvimento da
capacidade de compreensão de textos orais e escritos, em situações de
participação social; c) aprendizagem. Por sua vez, eles devem ser pensados
visando ao alcance dos objetivos propostos para a área. Os objetivos só serão
alcançados se houver um tratamento didático específico: o quê e o como
ensinar.
Sintetizando, há
• uma organização dos conteúdos em termos de: USO → REFLEXÃO →
USO;
• um movimento metodológico: AÇÃO → REFLEXÃO → AÇÃO;
• um construtor de seus conhecimentos, que é o aluno, e um modelo, que é
o professor.
Nas “Considerações finais”, o documento indica o envolvimento de todos
os que, na escola, participam da tomada de decisões: direção, orientador,
supervisão, professores polivalentes ou especialistas.
Assim, podemos afirmar que os PCN se concretizam em quatro níveis:
• o primeiro indica referências para o ensino;
• o segundo apresenta propostas curriculares dos estados e dos municípios;
• o terceiro trata da elaboração de propostas curriculares de cada instituição
e escola;
• o quarto focaliza o momento da programação das atividades de ensino e
aprendizagem na sala de aula.
Os PCN foram tão importantes que geraram um novo programa, que
instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE), em 12/03/1998, determinando
diretrizes, metas e estratégias para a política educacional por dez anos. No
entanto, desde a época de FHC, ele se manteve como projeto de lei e só
conseguiu se transformar em lei na próxima década, em 2014, constituindo-se
na lei 13.005 de 25/06/2014.
Nos governos de Cardoso, foram tomadas outras medidas voltadas para a
educação, como a publicação do Referencial Curricular para a Educação
Infantil, em 1991, e a criação do Fundescola, programa do Ministério da
Educação (MEC), criado em 1995, com o objetivo de promover um conjunto
de ações para melhorar a qualidade do ensino fundamental e ampliar o acesso
e a permanência das crianças nas escolas públicas das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste do país. Além desse programa, ocorreu a
promulgação da lei 9.424/96, que organizou o Fundo de Manutenção do
Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF), substituído dez anos
depois pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), criado pela
emenda constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela lei nº 11.494/2007 e
pelo decreto nº 6.253/2007, englobando um conjunto de fundos contábeis
constituído por recursos dos três níveis da administração pública do Brasil
para promover o financiamento da educação básica pública. Em 1999, foi
promulgada a Lei 9.795 de 27/04/1999, que dispunha sobre a educação
ambiental e instituía a Política Nacional de Educação Ambiental nas escolas.
Quanto ao livro didático, também houve ações relacionadas a esse material.
Em 1987, foi criado o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em
substituição ao Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental
(PLIDEF), criado em 1971 e administrado pelo Instituto Nacional do Livro
(INL). Em 1976, o INL foi extinto, e a Fundação Nacional do Material
Escolar (FENAME) passou a responder pelo PLIDEF. Em 1997, foi extinta a
Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) e a política de execução do
PNLD foi transferida para a Fundação Nacional do Desenvolvimento da
Educação (FNDE), que passou a produzir e a distribuir livros em massa e,
dessa forma, os alunos do Ensino Fundamental passaram a receber títulos de
todas as disciplinas.
Em 1996, começou a avaliação efetiva dos livros didáticos, e eles deviam
explicitar claramente suas funções no processo de ensino-aprendizagem. É
preciso esclarecer que a avaliação não foca apenas aspectos qualitativos como
os preconceitos, os erros conceituais, a falta de conteúdos etc. Ela foca
também aspectos positivos dos livros como a criatividade, a abordagem dos
conteúdos, o processo de construção dos conceitos, a existência de desafios
aos alunos e o desenvolvimento de competências e de habilidades previstas
pelas atividades relacionadas à linguagem.
Nesse período, houve, ainda, a aprovação das seguintes leis voltadas ao
ensino:
Lei 9.131 de 24/11/1995, publicada em 25/11/1995, instituindo as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Lei 9.795 de 27/04/1999 dispondo sobre a educação ambiental e
instituindo a Política Nacional de Educação Ambiental.
A década de 1990 contribuiu para o avanço das discussões mundiais sobre a
importância da educação, que passou a ser vista como fundamental para o
desenvolvimento econômico e social. Assim, no Brasil, houve o
aprimoramento dos índices populacionais como decorrência da
universalização do ensino primário, previsto pelo artigo 6º da Constituição
Federal. Houve, ainda, muitos debates em face da urgência de se
universalizar o acesso à educação Infantil.
A alfabetização de jovens e adultos também foi muito importante, seguindo
a proposta do educador Paulo Freire, que sugeria desenvolver a ação
pedagógica com base na leitura de mundo do(a) educando(a), mapeando as
situações mais significativas do contexto em que os alunos estão inseridos.
Desse processo, surgem os chamados “temas geradores”, que orientam a
escolha de conteúdos.
Além do brasileiro Paulo Freire, podemos citar outros pesquisadores que
foram muito importantes para o processo de ensino-aprendizagem: Emília
Ferreiro e Leon Vygotsky. A primeira é uma psicóloga argentina que liderou
o movimento do construtivismo e tem seu nome sobressaído nessa década e
nas posteriores por sua proposta que enfatiza o trabalho com algumas
capacidades humanas. Foi seguidora da escola de Piaget, também psicólogo,
o introdutor do termo construtivismo, em 1967. Ferreiro ampliou a teoria do
mestre, levando-a para o campo da leitura e da escrita e concluindo que a
criança pode se alfabetizar sozinha, dede que o ambiente estimule o contato
entre leitura e os textos.
Seu livro A psicogênese da língua escrita, publicado em 1985, provocou
uma reviravolta nos processos de alfabetização, leitura e escrita. Ele
influenciou os Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil e
os PCN (1997), que deram destaque para as ideias da autora, especialmente
no que se refere ao trabalho com algumas capacidades que ajudam no ensino
e na aprendizagem da língua materna.
Sua proposta provocou discussões sobre o significado de letramento, na
tentativa de substituir o termo alfabetização. Tais discussões ainda
continuam. A repercussão das ideias construtivistas de Emilia Ferreiro foi tão
intensa que a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em 1992, ao
propor mudanças curriculares, adotou o construtivismo ao implantar o CBA
— CICLO BÁSICO DE ALFABETIZAÇÃO.
Outro psicólogo muito importante nesse período foi Leon Vigostsky, de
origem bielo-russa, que ressaltou a importância do papel da escola para o
desenvolvimento intelectual do aluno, pois, para ele, as relações sociais são
de extrema importância. Sua escola é chamada socioconstrutivismo ou
sociointeracionismo. Outro conceito importante usado até hoje é o de
mediação, pois o importante no mundo são as ferramentas ou instrumentos,
quer os técnicos, como as ferramentas agrícolas, quer os significados gerados
pelas ferramentas da linguagem, pois todo sujeito traz consigo conceitos
consolidados pela cultura em que vive.
Como no ensino o conhecimento é sempre construído, a educação deve
criar métodos para estimular essa construção, orientando o estudante a
“aprender a aprender”. Nesse processo, o professor é o mediador do
conhecimento e deve criar condições para que seus alunos vivenciem
atividades interativas, nas quais ele vai construir seus saberes. Para atingir
esse objetivo, é importante que a curiosidade seja instigada. Sendo assim,
toda aprendizagem é necessariamente mediada, e o estudante, ao internalizar
tais procedimentos, apropria-se deles. Como um alimenta o outro, o ensino é
considerado, então, um processo social e a linguagem, uma espécie de
ferramenta que ajuda a construção das ações sociais.

CONCLUSÃO
Embora tenha havido grandes avanços na escolaridade nos anos 1990 e
excelentes pesquisadores que influenciaram — e ainda influenciam — o
aprimoramento do processo de ensino e de aprendizagem e os estudos sobre a
aquisição da língua — e embora ela tenha sido assumida como fundamental
para o desenvolvimento econômico e social —, a proposta de ensino-
aprendizagem de língua portuguesa não se concretizou totalmente, pois não
chegou ao ensino efetivo da modalidade oral, como propõem os PCN e não
surgiram novas propostas de metodologias e de avaliação para maior
efetividade da prática pedagógica.

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CAPÍTULO 2
INTERAÇÃO &
TRANSFORMAÇÃO
Língua portuguesa — a década de 1990
NEUSA BARBOSA BASTOS
MARIA LUCIA MARCONDES CARVALHO VASCONCELOS

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Diante da importância das pesquisas sobre a historiografia linguística
voltadas para a língua portuguesa e para as questões culturais, identitárias e
lusófonas, buscamos observar os fenômenos linguísticos e culturais de nossa
brasilidade, procurando compreendê-los, analisá-los e explicá-los, abrindo
horizontes para o entendimento e crítica do nosso tempo em nosso local de
observação dos fatos contemporâneos.
Com a consciência da seriedade de se fazer um trabalho historiográfico,
tomamos como base o dito de Konrad Koerner, que menciona as dificuldades
para se proceder a esse tipo de pesquisa:
Há vários problemas metodológicos — e epistemológicos — que enfrenta o historiógrafo da
linguística. Estes incluem questões de periodização, contextualização e, geralmente, procedimentos
de investigação, assim como questões relativas às mudanças de ênfase na prática linguística atual, a
identificação de diferentes fases de desenvolvimento num quadro teórico particular, ou em
períodos de tempo mais amplos, e no papel de fatores externos, por exemplo, os sociopolíticos, na
aceitação ou rejeição de um referencial teórico (KOERNER, 2014, p. 57).
Com esses princípios como direção, neste capítulo, desvelaremos a postura
de autores de livro didático ante a sociedade da década de 1990, considerando
o processo de descrição e compreensão dos fenômenos linguísticos ainda no
período novecentista, voltadas para o material didático de língua portuguesa.
Para tal, fixamo-nos nas reflexões acerca da língua, feitas por um sujeito
enunciador numa coleção de livros didáticos para iniciarmos nosso trabalho
historiográfico, seguindo a dimensão combinatória que põe em foco uma
historiografia correlativa fixada no estudo de relações entre teorias e das
correlações entre pontos de vista em linguística e o contexto sociocultural,
político, institucional.
Retomamos o conceito de historiografia linguística de acordo com as
observações de Pierre Swiggers (2010), considerando-a
o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento linguístico; ela engloba a descrição e a
explicação, em termos de fatores intradisciplinares e extradisciplinares (cujo impacto pode ser
‘positivo’, i.e. estimulante, ou ‘negativo’, i.e. inibidores ou desestimulantes), de como o
conhecimento linguístico, ou mais genericamente, o know-how linguístico foi obtido e
implementado (SWIGGERS, 2010, p. 2).

Ao observarmos o curso evolutivo do conhecimento linguístico por meio


das manifestações dos sujeitos autores de livros didáticos, contextualizados
em seu momento histórico, vivenciando as relações sociais, ideológicas e
culturais detectadas em seu trabalho didático na década aqui investigada,
voltamo-nos tanto para a dimensão externa, quanto para a dimensão interna
do “know-how” linguístico obtido e implementado. Assim procedendo,
assentamo-nos na percepção de Swiggers (2010) de que a historiografia
linguística é uma disciplina situada na interseção da linguística e de sua
metodologia, bem como da história dos contextos sociocultural e
institucional, da filosofia e da sociologia da ciência.
Com o objetivo de verificar como o ensino de língua materna se processa a
partir das políticas linguísticas efetivamente implementadas na segunda
metade do século XX e identificar o conhecimento linguístico no período
selecionado e sua implicação no ensino de língua portuguesa, descrevemos e
explicamos a história contextualizada das ideias linguísticas constantes dos
livros didáticos em foco, na década de 1990, com seus movimentos sociais,
culturais e ideológicos inseridos nesse contexto. Seguimos respondendo às
questões levantadas por Swiggers (2010, p. 2) que norteiam nossa
investigação no que tange à maneira de aquisição do conhecimento
linguístico e sua formulação, bem como sua difusão em círculos
‘participativos’ e a forma de preservação e o porquê dessa preservação.
Nosso corpus restringe-se às obras didáticas para o 1º grau de Cleuza Vilas
Boas Bourgogne e Lilian Santos Silva, intituladas Interação e transformação
— Língua portuguesa, concebidas na segunda metade da década de 1990.
Apoiamo-nos, neste produto, em coleção didática de língua portuguesa,
considerando-a como uma produção “maior”, uma fonte “não marginal” que
pode e deve iluminar o “background” institucional, ideológico e pessoal das
ideias e das teorias linguísticas. Então buscamos captar ideias, modelos e
reflexões sobre as práticas científicas historicamente relacionadas à
linguagem no período mencionado.
De acordo com Swiggers, há três modelos da história do ensino de línguas:
1. modelo progressivo e cumulativo; 2. modelo estrutural-formal; 3. modelo
sociológico. O terceiro modelo foi o adotado por nós e
.... baseia-se no contexto social do ensino: ele trata de substituir aqui o ensino de línguas na história
da cultura, na história nacional e na evolução da escolarização em relação com aquela das classes
sociais. A abertura do ensino a todas as classes sociais requer um planejamento administrativo,
uma disposição gradual das matérias e uma homogeneização dos discursos, protegidos por um
circuito de “inspeção” (e de “consulta”). Novos tipos de utilização, novos tipos de produtos e novas
técnicas (ou pelo menos, consideradas “novas”): essa mutação a uma explicação social e a
recorrência do fator social permite combinar a abordagem sociológica com uma visão progressiva
(é verdade, portanto, que a complexidade de análise sociológica leve a uma restrição do modelo em
nível ideo-sincrônico) (SWIGGERS, 1990, p. 28).
De acordo com os modelos de história (entendida enquanto narração e
esquemas de fatos cronológicos) também propostos por Swiggers (1990),
seguindo o modelo estrutural-formal, buscamos narrar como a prática
pedalinguística está organizada no nível dos participantes do processo e no
nível dos instrumentos pedagógicos. Para isso, dividiremos nossa análise em
cinco pontos fundamentais: a estrutura dos livros selecionados (organização
de conteúdos e suas aplicações); o apoio teórico do autor (preocupação dos
intelectuais autores com a ciência da linguagem e com o ensino de língua
portuguesa); os exemplos utilizados (relações socioideológicas com o
momento); os modelos apresentados (vínculo com as tendências da época); a
contribuição que os autores deram para os estudos e ensino de língua
portuguesa, na década de 1990 (grau de representatividade das obras na
época, e além dela).

CONSIDERAÇÕES LINGUÍSTICO-
PEDAGÓGICAS
Teceremos considerações acerca das concepções linguísticas e literárias
levando em consideração a situação educacional do período, da leitura dos
textos didáticos e da legislação vigente na década de 1990, mencionando que,
passados os obscuros e silenciosos anos da ditadura, após a abertura política
no país na década de 1980, as concepções de linguagem norteadoras da
prática pedagógica assentam-se em novas teorias na área das ciências
linguísticas (linguística, sociolinguística, psicolinguística, linguística textual,
pragmática e análise do discurso). A sociolinguística discute as diferenças
entre as variedades faladas pelos alunos e a variedade de prestígio
preconizada no ensino da língua. A escola havia se democratizado com a
consequente entrada das classes populares que a ela não haviam tido acesso.
Novos procedimentos se faziam necessários quanto aos conteúdos e novas
metodologias de ensino, uma vez percebida a necessidade de se chegar ao
texto, e não mais aos estudos descritivos da palavra e da frase isoladas.
Uma nova concepção de língua é proporcionada pelos estudos
desenvolvidos sobre pragmática, teoria da enunciação e análise do discurso,
enfocando a dimensão externa, levando-nos a não mais considerar a língua
como comunicação, mas sim como enunciação envolvendo os sujeitos
inseridos nas práticas sociais, condições sociais de utilização da língua e
historicidade. Essa atividade constitutiva da linguagem, a própria prática da
linguagem, passa a ser vista como interação, o que deveria provocar
mudanças no processo de ensino. Entretanto isso não ocorreu, de maneira
geral, na década de 1980, marcando ao menos a reflexão sobre novos rumos
para o ensino da língua portuguesa e provocando inclusive mudanças na
legislação educacional.
Nova concepção de língua aguarda novas perspectivas que, segundo as
autoras Lúcia Furtado de Mendonça Cyranka e Vanessa Souza da Silva, não
são levadas a termo por grande parte dos professores em sua prática docente.
A partir da linguística, foi possível vislumbrar novas perspectivas para o ensino de língua portuguesa
na intenção de que se incorporasse, na prática dos professores, uma concepção interativa de
linguagem, de valorização do sujeito do discurso e da heterogeneidade linguística dos alunos das
classes populares. Entretanto, estudos realizados da década de 1990 até os dias atuais vêm
demonstrando que a realidade do ensino da língua não sofreu grandes alterações, salvo, é claro,
raras exceções (CYRANKA & SILVA, 2009, p. 281).
As mudanças necessárias deveriam ser incorporadas às práticas docentes, a
começar de algumas explicitações como as utilizadas por José Wanderley
Geraldi:
O que é preciso ficar claro, especialmente para os professores de língua portuguesa da escola de 1º
grau, é que as mudanças contínuas na pesquisa científica não respondem simplesmente a um
modismo, mas ao desejo de desvelamento de questões obscuras no processo de compreensão do
fenômeno que se quer explicar pela ciência (GERALDI, 1993, p. 84).
Diante dessa situação, criam-se novos materiais didáticos de apoio às
práticas pedagógicas para trabalhar a diversidade linguística dos alunos, mas
as mudanças não foram totalmente incorporadas pelos docentes, que não
foram incentivados à formação continuada, o que os levaria ao contato com
as inovações ocorridas nos estudos linguísticos e na pesquisa acadêmica.
Uma das falhas apontadas por Geraldi (1993) diz respeito à questão de como
se conciliar a presença do texto com as atividades escolares de ensino de
português coalhadas de exercícios gramaticais repetitivos e
descontextualizados.
Tendo abordado algumas questões acerca da contextualização sociopolítica
do ensino de língua portuguesa na década de 1990, que apresentou uma nova
situação social presente na escola brasileira e reafirmou um antigo princípio
fincado numa antiga posição de respeito unicamente ao padrão normativo,
modelo idealizado no padrão europeu, sabemos ser necessário estar atentos
aos novos materiais didáticos para observar o corpus em sua dimensão
interna. Conhecendo a necessidade de atualizar tal procedimento no sentido
de tornar o aluno num poliglota em sua própria língua, mencionado por
Evanildo Bechara na década de 1980, passaremos a analisar os livros
didáticos selecionados por nós.

OS LIVROS DIDÁTICOS
Cumpre salientar que foi feita entrevista com as autoras dos livros didáticos
na Escola Móbile, onde atualmente trabalham, no mês de maio de 2019. Elas
informaram que se buscava privilegiar a análise de textos produzidos em
diferentes domínios sociais de comunicação, fossem eles da cultura literária
ficcional ou da cultura não literária, sempre estudados numa perspectiva de
unidade comunicativa de origem cultural e carregada de significados sócio-
históricos. Destaque-se ainda a relação que as professoras mencionaram ter
com os alunos, que eram recebidos em aula com a leitura de um poema ou
das páginas de um livro, de um conto, de uma notícia de jornal. Esse era o
momento que oportunizava o mergulho em diferentes contextos
comunicativos proposto a eles(as).
Tal procedimento de aproximação dos alunos, para que se sentissem
motivados para as aulas de língua portuguesa, é percebido na apresentação
dos quatro volumes dos livros selecionados: uma mesma carta ao aluno, cujo
conteúdo objetiva manter uma interlocução com o estudante, iniciando-se
pelo vocativo Caro aluno e procurando manter o diálogo por meio de
fórmula descontraída no primeiro subitem: ♦ Como vai?, em que se busca
uma aproximação e se aponta a dificuldade de manter um diálogo com um
aluno sem que se estabeleçam os objetivos; em seguida, apresenta-se ♦ A
intenção deste livro, na qual se propõe uma ajuda ao aluno para melhorar o
seu entendimento de informações na construção de significados, salientando
a individualidade de cada um e o respeito ao outro.
Finalizando, expõe-se o item ♦ Nosso objetivo, no qual se indica a
necessidade do desenvolvimento de habilidades para a ampliação da visão de
mundo e do universo cultural que trarão a possibilidade de entender melhor o
texto e defender mais consistentemente suas opiniões em ambientes sociais
determinados. Em seguida, mostra-se a divisão do volume, organizado em
torno de temas com diversos itens: Abertura, Contexto, Fazendo valer o
contexto, Vocabulário contextualizado, Compreensão do(s)texto(s), Você
e o(s) texto(s), Teoria da comunicação, De leitor a escritor e Brincando
com a língua. Finaliza-se a carta com uma afirmação, que indica a
preocupação com a compreensão do texto inserido nas atividades escolares:
Acreditamos que pessoas com maior capacidade de compreensão e análise acabam tendo uma
visão de mundo mais lúcida e saudável, percebendo a atuando com mais eficiência em seu meio,
não apenas como meros espectadores, mas como agentes.
Podemos reiterar que há nos livros uma preocupação com as questões
sociológicas que tangenciam o nível das ideias e da ideologia no momento do
lançamento do livro na segunda metade da década de 1990. Afirmam as
autoras que se preocupavam com os diversos gêneros, tipos textuais e temas
inseridos social, cultural e ideologicamente na década de 1990.
Assim, na 5ª série, como nas demais, o livro se divide em Estudos (de 1 a
12, com exceção da 8ª série que apresenta 9), cada um acerca de um tema em
torno do qual se concentram os itens retirados entre os apontados acima, não
sendo obrigatória a presença de todos.
Neste volume, são temas: Linguagem, Linguagem e cultura, Língua e
história, Código, Medo no tempo, Medos infantis, Outros medos, Medos
atuais, Escola e história, Modificações na escola, A escola é de todos,
Finalidade da escola. Todos eles revelam uma nova preocupação com o
tratamento do ensino da língua portuguesa, uma vez estão que relacionados
com a vida do estudante em sociedade, trazendo questões importantes para o
envolvimento do sujeito na idade de 10 a 15 anos e atendo-se à teoria da
comunicação (emissor, receptor, mensagem), à história (o contexto histórico
brasileiro e estrangeiro) e à sociologia (a organização e o funcionamento das
sociedades humanas e as leis regentes das as relações sociais), diversas áreas
que interferiram na linguística que, na década de 1980, passou a trabalhar
com a língua em uso.
Na 6ª série, o livro dividido em Estudos apresenta os seguintes temas:
Raiva, Tristeza, Solidariedade, Amor, Indígenas, Esquimós,
Muçulmanos, Beleza, Mito grego (Estudo 9), Mito grego (Estudo 10),
Lenda, Folclore. Todos abordam a questão dos sentimentos humanos
focados em culturas diversas, dimensão importante para o ensino da língua
portuguesa, uma vez que, em se envolvendo o aluno com outras realidades,
amplia-se seu universo de conhecimento, propiciando engajamento maior em
sua sociedade.
Na 7ª série, em Estudos, expõem-se os seguintes temas: Mulher, Etnias,
Menor, Opressão, Política, Cidadania, Multimídia, TV, Jornal,
Transformações, Namoro, Drogas. Todos eles tratam das questões dos
adolescentes frente ao mundo midiatizado, divulgadas através dos meios de
comunicação da época, o que nos remete à importância dada à comunicação
para a veiculação de fatos, notícias, opiniões etc. Referem-se, ainda, aos
problemas enfrentados pelos jovens ao iniciarem novos relacionamentos
pessoais e os cuidados que devem ter com tais novas situações.
Na 8ª série, em Estudos, expõem-se os seguintes nove temas:
Discriminação, Miséria, Violência, Adolescência, Regionalismo, AIDS,
Civilidade, Liberdade, Ideologia. Todos se ocupam de problemas existentes
na sociedade e que necessitam de esclarecimentos para que os estudantes
possam trabalhar bem os assuntos importantes, fortalecendo-se e ajudando os
colegas. Menciona-se, ainda, o conceito de ideologia, procurando mostrar aos
alunos as diversas formas de pensar e ver o mundo, tendendo para o
momento de abertura no qual o Brasil acabava de fazer a transição de uma
Ditadura militar ou Quinta República Brasileira, regime instaurado em 1º de
abril de 1964 e que durou até 15 de março de 1985, sob comando de
sucessivos governos militares, com diretriz nacionalista, desenvolvimentista e
de oposição ao comunismo, baseando-se num trecho do livro de Frei Betto
(OSPB — Introdução à política brasileira, São Paulo: Ática, 1986), que
define ideologia de forma geral e termina com a afirmação que se segue:
Há, porém, uma ideologia que ajuda a descobrir a realidade, fazendo-nos vê-la assim como o
mecânico vê o carro: por dentro, conhecendo toda a engrenagem e os mecanismos de
funcionamento. Essa ideologia — ideologia dos oprimidos — é temida pelos opressores.
Em todos os livros da coleção Interação e transformação — Língua
portuguesa, as gravuras são muito bem relacionadas aos assuntos tratados, e
os textos são selecionados adequando-se também aos temas tratados.
Segundo as autoras, sobre alguns dos temas das unidades, havia várias ações
educativas como debates em pequenos grupos, com registros das ideias
debatidas nesses grupos, interlocução entre os diversos grupos, leituras
dramatizadas, encenações, seminários etc. Utilizaremos, para a análise, uma
figura de cada um dos livros, focando-nos no último Estudo de cada uma das
séries.

5ª SÉRIE

Primeiramente, o volume da 5ª série tem como último estudo o título A


finalidade da escola, seguido das perguntas: ♦ Todos devem sair “iguais” da
escola? ♦ A função da escola é simplesmente transmitir conhecimento?, que
levam à discussão relacionada à gravura por meio da qual se focaliza o fato
de os alunos serem formatados pela escola, saindo todos da mesma maneira,
iguais em seus pensamentos e comportamentos. Segundo os textos
complementares, retirados do Almanaque Abril e da Folha de S.Paulo, a
educação pode seguir caminhos opostos: o texto Japão indica a prosperidade
do país e a capacidade de trabalho dos japoneses; já o texto Métodos
educacionais aponta a rigidez da educação das crianças e jovens do Japão
para servirem à nação e a tendência irredutível da educação japonesa que
exige esforço para que todos desenvolvam a memória sem formar opiniões
próprias, vistas como perturbadoras da ordem e desnecessárias.
Os textos serão discutidos a partir das questões da página inicial e do item
Você e o texto, no qual se busca refletir sobre educação, economia, papel do
professor em sistemas educacionais diversos. Em seguida, solicita-se a
produção de um texto no item De leitor a escritor, baseado no que foi
discutido, revelando a preocupação das autoras com a produção de textos —
leitura e redação — e finaliza-se o Estudo 12 com o item Brincando com a
língua, no qual se trabalha com gramática: sujeito e predicado, com
exercícios tradicionais como:
As orações possuem termos essenciais: sujeito e predicado. Divida as orações deste exercício de
acordo com o seguinte:
Termo de quem se fala alguma coisa = sujeito/
O que se fala sobre o sujeito = predicado
Exemplo: Todos os alunos têm medo.
Termo de quem se fala alguma coisa = todos os alunos (sujeito).
O que se fala sobre o sujeito = têm medo (predicado).
(p. 134)
Evidencia-se a atenção dada à compreensão de textos orais e escritos pela
criticidade na escolha de gravuras envolventes, seguidas de exercícios que
recuperam de alguma forma o tema do Estudo. A importância dada ao não
verbal manifesta-se em todo o livro. Amalgamam-se o verbal e o não verbal
como no último Estudo do livro, último exercício do item do Brincando
com a língua:
6. Elabore uma história em quadrinhos que apresente um enredo que transmita a seguinte
mensagem: “A função da escola é ensinar ao aluno como entender e modificar sua sociedade.”
Ao término da história em quadrinhos, retire o sujeito e o predicado de algumas frases dos balões.
(p. 135)
Cumpre-se o programa de língua portuguesa para a 5ª série de acordo com
as leis educacionais, com os temas atuais em relação à época e as questões
linguísticas ainda relacionadas à gramática tradicional: frase declarativa,
interrogativa, afirmativa e imperativa; oração e conjuntos nominais;
substantivo comum, próprio, concreto, abstrato, simples, composto, derivado,
primitivo e coletivo; variação de gênero, número e grau dos substantivos;
adjetivo e locução adjetiva; artigos definidos e indefinidos (formas simples e
combinadas); numeral: cardinal, ordinal, multiplicativo e fracionário;
coletivo; pronomes pessoais retos, oblíquos e de tratamento; tempos e modos
verbais; sujeito e predicado.
O volume da 6ª série tem como último estudo o título Folclore, seguido das
perguntas: ♦ Descubra o que quer dizer a palavra “folclore”. ♦ Dê exemplos
de manifestações folclóricas brasileiras. Ambas remetem a lendas brasileiras
como por exemplo boitatá, saci-pererê, caipora, Iara, mula sem cabeça
relacionadas à discussão das gravuras por meio das quais se focaliza o
folclore ligado aos povos criadores do Brasil após a chegada dos portugueses
formadores de um discurso fundador e dos discursos indígenas autóctones e
dos africanos trazidos durante o período da escravidão. Os textos trabalhados
referem-se à escravidão (texto retirado do jornal O Estado de S.Paulo (1988)
e a uma lenda O negrinho do pastoreio (Monteiro Lobato, Obras completas.
São Paulo: Brasiliense, s/d).

6ª SÉRIE

Os textos são relacionados pelas autoras no item Compreensão dos textos,


em que se busca refletir sobre os fatos históricos ligados à narrativa com fins
objetivos sem interferência da imaginação criativa do autor e a narrativa
criativa calcada na imaginação de seu autor. Na sequência, apresentam-se
perguntas relacionadas à organização textual em seus elementos macro e
microestruturais calcadas na teoria de Teun Van Dijk e Walter Kintsch
(1983). Solicita-se novamente a produção de um texto no item De leitor a
escritor, baseado nos textos lidos, estando as autoras voltadas para a
narrativa com aspectos descritivos. O mesmo item Brincando com a língua
finaliza o Estudo 12 trabalhando a gramática: tempos e modos com
exercícios tradicionais relacionando-os com o poema José, de Carlos
Drummond de Andrade.
7. Agora leia à íntegra o poema “José”, de Carlos Drummond de Andrade, e discuta as questões com
seus colegas.
E agora, José? Está sem mulher, Se você gritasse,
A festa acabou, está sem discurso, se você gemesse,
a luz apagou, está sem carinho, se você tocasse
o povo sumiu, já não pode beber, a valsa vienense,
a noite esfriou, já não pode fumar, se você dormisse,
e agora, José? cuspir já não pode, se você cansasse,
e agora, você? a noite esfriou, se você
você que é sem o dia não veio, morresse...
nome, o bonde não veio, Mas você não
que zomba dos o riso não veio, morre,
outros, não veio a utopia você é duro, José!
você que faz versos, e tudo acabou Sozinho no escuro
que ama, protesta? e tudo fugiu qual bicho-do-
e agora, José? e tudo mofou, mato,
Com a chave na mão e agora, José? sem teogonia,
quer abrir a porta, E agora, José? sem parede nua
não existe porta; Sua doce palavra, para se encostar,
quer morrer no mar, seu instante de sem cavalo preto
mas o mar secou; febre, que fuja a galope,
quer ir para Minas, sua gula e jejum, você marcha, José!
Minas não há mais. sua biblioteca, José, para onde?
José, e agora? sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e
agora?

a) Nos versos “o riso veio, não veio a utopia” quais são os sujeitos da oração?
b) Em quais versos os verbos apresentam-se no subjuntivo? Qual a intenção do autor ao utilizar o
subjuntivo?
c) Observe a primeira estrofe. Qual o sujeito dos verbos “acabou, sumiu e esfriou”? Dê a classe
gramatical do núcleo do sujeito.
(p. 144)
O exercício é feito com base em critérios meramente gramaticais numa
visão normativa orientada pela descrição gramatical tradicional, sem o
envolvimento com as novas teorias mencionadas anteriormente. Assim,
fixadas no programa de língua portuguesa para a 6ª série de acordo com as
leis educacionais, permanecem atentas a temas da época, de interesse da
comunidade estudantil e a questões linguísticas ainda relacionadas à
gramática tradicional. Os itens abordados constam de cada um dos “estudos”:
pronomes pessoais e possessivos; colocação pronominal; pronomes
demonstrativos, indefinidos e interrogativos; advérbio e locução adverbial;
sujeito e predicado; verbos transitivos e intransitivos; verbos transitivos e
preposições; predicado verbal e nominal; locuções verbais e tempos
compostos; predicado verbo-nominal; tempo e modos verbais.
Para a 7ª série, que tem no último Estudo o título Drogas, apresenta-se o
seguinte texto com as perguntas:
Antes de iniciar este Estudo, você e seus colegas discutirão todas estas perguntas utilizando o
conhecimento que possuem até o momento.
♦ Por que as pessoas consomem drogas?
♦ Pessoas de qualquer classe social utilizam drogas?
♦ Quais seus efeitos no organismo?
♦ O que é a dependência de droga?
♦ Todas as drogas criam dependência?
♦ Como saber se alguém está começando a usar uma droga e se corre o risco de ficar dependente
dela?
♦ E o que fazer quando isso acontece?
Essas são as perguntas que todos fazem. E precisam de respostas, porque, como já diz um velho
ditado popular: “É melhor prevenir do que remediar”. E porque, além disso, remediar no caso de
certas drogas é muito doloroso; por vezes quase impossível.
Este é, portanto, um assunto que deve ser tratado com seriedade, honestamente, de frente, sem
hipocrisia nem preconceitos.
Todas as perguntas remetem a um tema extremamente importante para a
faixa etária em que se encontram os alunos da 7ª série, em fase de
adolescência com todas as mudanças físicas, psicológicas e sociais que,
segundo a Organização Mundial de Saúde, marcam a transição da infância
para a idade adulta, período em que o corpo muda e as ideias também e
momento em que essas questões socioculturais devem ser discutidas.
Considerando o problema, os textos selecionados têm como títulos: Drogas?
Tô fora, gosto mais de mim! (texto retirado de A droga na escola. Fundação
Victor Civita, cartilha aprovada pelo Confen [Conselho Federal de
Entorpecentes, s/d]) e Drogas (elaborado pelas autoras).

7ª SÉRIE

Nos itens Fazendo valer o contexto e Você e os textos, as autoras alertam


os leitores, levando-os a produzir um folheto explicativo sobre drogas para
ser distribuído em suas comunidades e finalizam com a questão 8: “Calcula-
se que existam no Brasil cerca de 10 milhões de pessoas em vários estágios
da doença do alcoolismo. O alcoolismo leva à morte. a) Qual sua opinião
sobre a ideia de que ‘um copinho de vinho, cerveja ou pinga não faz mal a
ninguém?”. Em seguida, no item De leitor a escritor, solicita-se, em dupla, a
elaboração de uma mensagem sobre drogas por meio de uma colagem de
palavras retiradas de jornais e revistas que expressem todos os sentimentos,
todos os fatos, todas as ações ligadas ao tema.
Nota-se aqui, mais uma vez, a utilização dos meios de comunicação nas
tarefas estudantis, e o uso de diversos gêneros textuais, sem mencionar
gênero que, segundo Swales (1990), compreende uma classe de eventos
comunicativos, com os mesmos propósitos reconhecidos pelos sujeitos de
uma comunidade discursiva que moldam a estrutura esquemática do discurso
de acordo com seus objetivos. Incentiva-se, assim, uma nova técnica
referente à aplicação da variação de textos relativos a várias situações
comunicativas determinadas pelos interlocutores e seus objetivos.
Antecedendo o último item, Brincando com a língua, há sugestões
pertinentes para a faixa etária e para a época em questão, de leituras
referentes à questão das drogas: ♦ TIBA, Içami. 123 respostas sobre drogas.
São Paulo: Scipione, s/d e ♦ CARRARO, Adelaide. O estudante. São Paulo:
Global, s/d.
Abordam-se, então, as orações subordinadas também sem a necessária
articulação entre a descrição gramatical e a leitura do texto, por se manter o
tratamento tradicional de estruturas linguísticas sem vinculá-las à formação
de sentidos no texto. As orações subordinadas são apenas relacionadas ao
conteúdo dos textos trabalhados, como no exemplo constante no último
exercício do livro:
1. O período composto por subordinação apresenta uma oração principal e outra oração
subordinada.
Classifique as orações destacadas.
Alguns governos desejam que o problema das drogas seja resolvido, mas parece que as estratégias
nunca dão certo. Pessoas garantem que um novo plano surtirá efeito. Este plano, que os meios de
comunicação divulguem os perigos, é uma nova ação porque educadores e pais têm certeza de que
seus filhos veneram a tevê, “O nosso sonho é que o adolescente não experimente as drogas”, afirma
um psicólogo.
Novamente o programa de língua portuguesa para a 7ª série é cumprido de
acordo com as leis educacionais, com os temas atuais em relação à época e as
questões linguísticas ainda relacionadas à gramática tradicional: revisão
morfológica e sintática; revisão sintática; adjuntos adnominais e adverbiais;
adjunto adnominal e complemento nominal; agente da passiva; vozes verbais;
aposto, vocativo e interjeição; oração sem sujeito; período simples e
composto; período composto por coordenação; período composto por
subordinação.
O último Estudo do livro da 8ª série apresenta o título Ideologia com o
texto abaixo e as seguintes perguntas:

8ª SÉRIE

Ideologia
Meu partido é um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos
Foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
Frequenta agora as festas do Grand Monde
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
O meu prazer
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock ‘n’ roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem sou
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
Agora assiste a tudo em cima do muro.
(Cazuza)
♦ Você possui sonhos? Quais?
♦ Ouça os sonhos de seus colegas e compare com os seus. São iguais ou não?
♦ Discuta com seus colegas e explique o que vocês entendem pela palavra ideologia.

Todas as perguntas remetem a um tema extremamente importante para a


faixa etária na qual se encontram os alunos da 8ª série, em fase de
adolescência com todas as mudanças físicas, psicológicas, sociais e
ideológicas. Elas continuam formando a memória discursiva dos estudantes
que passam a incorporar ideias abstratas acerca dos valores e princípios que
guiam sua vida, impostos por seus pais, parentes comunidade, escola e
demais fatores e vivências que estão na base de sua formação discursiva e
ideológica. De acordo com a questão posta, os textos selecionados têm como
títulos: Você sabe o que é ideologia? (texto retirado do livro OSPB —
Introdução à política brasileira de Frei Beto, 1986) e O pintassilgo e as rãs
(texto retirado do livro Estórias de bichos de Rubem Alves, s/d).
No item Fazendo valer o contexto, as autoras solicitam que a turma faça
um levantamento das opiniões do grupo sobre temas como: ecologia,
discriminação (seja ela qual for), miséria, violência urbana, adolescência,
AIDS, variedades linguísticas, liberdade, todos de grande importância para a
discussão do tema ideologia pela possibilidade de trabalho com o embate de
ideias, com as coerções sofridas por todos os sujeitos sociais em seus
ambientes familiares, escolares etc. Em seguida, solicitam a síntese, a
unificação da opinião de todos numa única linha de pensamento, “numa única
verdade temporária” e finalizam solicitando que os alunos procurem dar
sobre “qual a ideologia que predomina em seu grupo social”. Em se tratando
de assunto tão importante para o desenvolvimento dos sujeitos, deve haver
engajamento numa verdadeira interação dos docentes com seus alunos para a
formação de um indivíduo crítico.
Ainda sobre o tema do capítulo, sucedem-se os itens Compreensão do
texto e Você e os textos, nos quais se esmiúça o texto de Rubem Alves,
totalmente voltado para a questão da ideologia como reflexão e refração da
realidade numa linha de se considerar, segundo Pêcheux (1990), a submissão
de alguém por meio da violência ou por obrigação, num assujeitamento dos
indivíduos, aos desmandos do chefe, em posições de trabalho descritas como
regulares por discursos reveladores de interpretações que se transformam em
tomadas de posição que os sujeitos assumem e nunca negam. Todas as
questões apresentadas levam os alunos a refletir sobre o seu mundo,
reconhecendo os óculos sociais que o formam. O item Vocabulário
contextualizado aborda o termo descobrir constante do texto de Frei Beto
(“Há, porém, uma ideologia que ajuda a descobrir a realidade...”),
observando, por meio dele, a questão dos prefixos gregos e latinos, abordada
em consonância com os efeitos de sentido do texto.
Os itens seguintes, Teoria da comunicação e De leitor a escritor,
referem-se, respectivamente, à organização de frases de acordo com regras
sintáticas e trata das figuras de sintaxe ou construção numa tentativa de
ampliação dos conhecimentos linguísticos do alunos para o seu
aproveitamento como usuários da sua língua e para a produção de texto com
o tema: a ideologia predominante costuma ser a ideologia da classe que
detém o poder. Menciona-se a necessidade de elaborar uma alegoria com um
plano de narrativa: personagens, espaço, tempo, narrador e enredo, numa
menção à macroestrutura da narração muito adequada ao ensino de língua
portuguesa na 8ª série. Sugerem-se leituras muito pertinentes em relação ao
tema tratado: ♦ CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia?. São Paulo: Moderna ♦
ALVES, Rubem. Estórias de bichos. São Paulo: Loyola. ♦ FERNANDES,
Millôr. Fábulas fabulosas. São Paulo: Nórdica.
O último item, Brincando com a língua, traz a divisão dos verbos em
regulares, irregulares, defectivos, anômalos e abundantes, com exercícios que
aproveitam algumas das orações do texto e outros que são totalmente
desligados dos textos constantes do estudo 9, como por exemplo: Para
utilizar verbos defectivos nos tempos e modos que lhes faltam, deve-se
substituí-los por um sinônimo ou uma locução verbal. Elabore locuções
verbais com os verbos colorir e falir na primeira pessoa do discurso,
presente do indicativo. Ainda são abordadas a concordância verbal, as regras
para a concordância do verbo ser e a regência verbal, inúmeros assuntos
postos ao final do livro, que cumprirá na íntegra o que foi determinado para o
livro em tela, também sem a já mencionada a importância de articular a
descrição gramatical e a leitura do texto. Mantém, assim, o tratamento
tradicional de estruturas linguísticas sem vinculá-las à formação de sentidos
no texto.
O programa de Língua Portuguesa para a 8ª série é cumprido de acordo
com as Leis Educacionais, com os temas atuais em relação à época e as
questões linguísticas ainda relacionadas à gramática tradicional: divisão dos
verbos em regulares irregulares, defectivos, anômalos e abundantes.
Destacamos que, a par dos fatos gramaticais, as autoras se preocuparam com
a leitura e a escrita, considerando-as instrumentos essenciais para o processo
de ensino/aprendizagem de toda ciência, fazendo sempre uma escolha de
textos literários, abarcando múltiplos tipos de fontes contemporâneas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, buscamos desvelar, na postura das autoras dos livros selecionados
na sociedade da década de 1990, os movimentos de unidade e diversidade nas
práticas de ensino, observando a dimensão externa e interna do material
selecionado, salientando o aspecto histórico das línguas por meio do qual
abordamos o universo cultural, social e ideológico. O processo de descrição e
compreensão dos fenômenos linguísticos no período novecentista mantém
ativa nossa preocupação com o material didático, uma constante nos estudos
sobre o ensino de língua portuguesa.
Nossas reflexões encontraram no material a procura da necessária
articulação entre descrição gramatical e leitura de texto, como pudemos
perceber, sem, no entanto, alcançar-se de fato tal articulação em todos os
momentos, pois alguns exercícios propostos mantêm o tradicional tratamento
da estrutura linguística desvinculada de uma formação de sentidos. Podemos
afirmar que os estudos da língua, durante o período mencionado, levaram-nos
ao trabalho historiográfico a que nos propusemos, respeitando a dimensão
combinatória que pôs em foco uma historiografia correlativa fixada no estudo
de relações entre teorias e das correlações entre pontos de vista em linguística
e o contexto sociocultural, político, institucional, como pretendíamos analisar
a partir do nosso local de observação dos fatos contemporâneos.

REFERÊNCIAS
Fontes primárias
BOURGOGNE, Cleuza Vilas Boas & SILVA, Lilian Santos. Interação & transformação: Língua
portuguesa, 5ª série. São Paulo: Editora do Brasil, 1996.
____. Interação & transformação: Língua portuguesa, 6ª série. São Paulo: Editora do Brasil, 1996.
____. Interação & transformação: Língua portuguesa, 7ª série. São Paulo: Editora do Brasil, 1996.
____. Interação & transformação: Língua portuguesa, 8ª série. São Paulo: Editora do Brasil, 1996.

Fontes secundárias
CYRANKA, Lúcia Furtado de Mendonça; SILVA, Vanessa Souza da. A língua portuguesa na Escola
ontem e hoje. In Linhas Críticas, Brasília, v. 15, n. 29, jul./dez. 2009, p. 271-287.
BATISTA, Ronaldo de Oliveira e TOCAIA, Luciano Magnoni. História, ensino de língua e material
didático: considerações para uma análise pela historiografia da linguística. In BASTOS Neusa
Barbosa; PALMA, Dieli. (org) História entrelaçada 8 — Língua portuguesa na década de 1980:
gramática, redação e educação. São Paulo: Terracota, 2018, p. 29-40
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
KOERNER, E. F. Konrad. Quatro décadas de historiografia linguística: estudos selecionados. Seleção
e edição de textos de Rolf Kemmler e Cristina Altman. Vila Real: Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro., 2014.
PÊCHEUX, Michel. O discurso. Estrutura ou acontecimento. Trad.: Eni Orlandi. São Paulo: Pontes,
1990.
SWALES, J. M. Genre Analysis: English in Academic and Research Settings. New York: Cambridge
University Press, 1990, p. 58
SWIGGERS, Pierre.. “Histoire et historiographie de l’enseignement du français: Modèles, objets et
analyses”. In COSTE, D. (ed.). Démarches en histoire du français langue étrangère ou seconde
(Études de linguistique appliquée 78), 1990, p. 27-44.
VAN DIJK, Teun A.; KINTSCH, Walter. Strategies of Discourse Comprehension. New York:
Academic Press, 1983.
CAPÍTULO 3
ALFABETIZAÇÃO
SOCIOCONSTRUTIVISTA EM
PERSPECTIVA
HISTORIOGRÁFICA
MARIA MERCEDES SARAIVA HACKEROTT
CAIO VINÍCIUS CATALANO

INTRODUÇÃO
O presente capítulo analisa a proposta de alfabetização socioconstrutivista
apresentada nas obras ALP — Alfabetização: análise, linguagem e
pensamento. Um trabalho de linguagem numa proposta socioconstrutivista
(1995) e Didática de alfabetização. Decifrar o mundo: alfabetização e
socioconstrutivismo (1996) de Maria Fernandes Cócco e Marco Antonio
Hailer. A primeira obra é o livro inicial da coleção didática de língua
portuguesa para o ensino fundamental, publicada pela FTD, e a segunda,
também lançada pela mesma editora, é um manual para formação de
professores alfabetizadores. O objetivo deste capítulo é reconstruir o clima de
opinião em que estas duas obras foram escritas e flagrar, nesses dois textos
didáticos, as rupturas com o ensino tradicional de primeiras letras, que
resultou no abandono das tradicionais cartilhas.

1. DAS CARTILHAS AO
SOCIOCONSTRUTIVISMO
As primeiras cartilhas publicadas no Brasil datam do século XIX e, no
século seguinte, observa-se um aumento significativo no lançamento de
novas obras: de cinco títulos publicados na segunda metade do século XIX,
passa-se a 58 na primeira metade do século XX. Além dos lançamentos de
novas cartilhas, muitas delas tiveram várias edições e reimpressões, tornando
o gênero uma promissora oportunidade de negócio no mercado editorial:
Causa espanto o número de edições que algumas cartilhas tiveram: em onze anos a Cartilha Sodré
teve 219 edições e a Cartilha do povo 116, isto significa que a obra de Benedicta Sodré teve em
média, dezenove edições por ano e a de Lourenço Filho teve, em média, dez edições por ano
(HACKEROTT; SANTOS, 2010, p. 85).
A produção de cartilhas prossegue até o final do século XX. As listas
apresentadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) mostram
um aumento no número de indicações de livros do gênero até o início da
década de 1990. Em meados dessa década, há uma acentuada diminuição
desse número e, a partir de 2003, o termo “cartilha” desaparece tanto do Guia
de livros didáticos/PNLD-2004 quanto dos títulos dos livros recomendados
na seção “Livros de alfabetização”. Tal medida deve-se às orientações dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) publicados em 1997.
Livros de alfabetização:
89 Cartilhas
A nova escolha do livro didático — FAE — 1985
15 Pré-livros
17 Livros de leitura intermediária
Livros de alfabetização:
92 Cartilhas
Manual para indicação de livro didático — PNLD/FAE —
14 Pré-livros
1988
22 Livros de complemento da
alfabetização
Livros de alfabetização:
Manual para indicação de livro didático — PNLD/FAE — 112 Cartilhas
1992 15 Pré-livros
23 Livros de leitura intermediária
Livros pré-escolar:
49 Cartilhas
Catálogo para indicação de livro didático — PNLD — 1997
8 Pré-livros
10 Livros de leitura intermediária
Livros didáticos de alfabetização:
nenhum livro recomendado com distinção
Guia de livros didáticos — PNLD — 2004
11 recomendados
17 recomendados com ressalvas

Quadro 1: Quantificação de cartilhas/livros de alfabetização nas listas do PNLD.

Outros dados que indicam mudanças na orientação das cartilhas são os


números apresentados na reportagem de capa da revista Nova Escola
(outubro/1996, p. 12):
Milhões na sala
Nem todos os números que envolvem a alfabetização são conhecidos, mas em geral eles são
grandiosos:
6.800.000 alunos estão matriculados na primeira série nas escolas brasileiras, segundo o MEC.
3.000.000 de cartilhas foram enviadas neste ano às escolas públicas pela União, pelos estados e
pelos municípios.
1.500.000 cartilhas foram compradas pelo MEC neste ano, sendo 345 mil do tipo construtivista.
187.226 exemplares comprados pelo MEC tornam a cartilha construtivista Descobrindo a vida a
mais usada neste ano na rede pública.
67 cartilhas constam atualmente do catálogo de livros didáticos do Ministério da Educação
Ao analisar historicamente as cartilhas brasileiras, Mortatti (2000) observa
a adoção de três métodos de alfabetização: método sintético, método analítico
e método misto.
No século XIX, elas adotaram o método sintético (processo de soletração e
silabação), que ordenava as lições do particular para o geral. Assim, a
alfabetização iniciava com a apresentação das letras, depois seguiam os
agrupamentos das letras em sílabas, das sílabas em palavras e das palavras
em frases. Com essas obras, a escrita limitava-se à caligrafia, à cópia e ao
ditado, enfatizando a ortografia e o traçado correto das letras.
No início do século XX, as cartilhas passaram a utilizar o método analítico
(processo de sentenciação e palavração) que começava com a apresentação da
frase, repartida em palavras, depois em sílabas, até chegar às letras. As
publicações mostram preocupação com o desenvolvimento biopsicológico da
criança, cuja forma de apreensão do mundo era tida como sincrética.
Na década de 1930, foram publicadas cartilhas com método misto (processo
analítico-sintético e vice-versa) em decorrência das aplicações dos Testes
ABC, de Manuel Bergström Lourenço Filho, que mediam o nível de
maturidade necessário para a rápida e eficaz alfabetização. Nas cartilhas
mistas, o “como ensinar” variava conforme a maturidade da criança, assim
como a sequenciação das lições dependia da ordem psicológica do
alfabetizando. O aluno era considerado alfabetizado quando conseguia
reconhecer as letras nas palavras e grafar corretamente palavras longas ou
frases ditadas.
Nas duas últimas décadas do século XX, observam-se novas alterações no
âmbito da alfabetização. Tais mudanças decorreram tanto do
desenvolvimento do conceito de letramento nas discussões sobre a aquisição
da modalidade escrita da língua, quanto da divulgação das teorias
construtivistas e interacionistas, que começaram a questionar a necessidade
das cartilhas no processo de alfabetização. Para ser considerado alfabetizado,
o aluno, além de saber decodificar a escrita, precisa saber usar a língua escrita
no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita.
Por que, o que é o letramento? São as práticas de leitura e de escrita. Uma coisa é aprender sistema
de escrita, para poder ler e escrever. Mas isso não resolve o problema da entrada no mundo da
escrita. É preciso saber fazer uso disso, saber escrever uma carta, saber escrever uma história, saber
escrever uma fábula, um convite etc. Mas fazer isso numa situação contextualizada, saber para
quem estou escrevendo, porque estou escrevendo, tendo motivação para escrever. O papel da
professora, da escola, é criar essas situações que permitem esse desenvolvimento da alfabetização
e do letramento articulados e, ao mesmo tempo indissociáveis (SOARES, 2009, p. 2).

2. ALP — ALFABETIZAÇÃO: REFERÊNCIAS,


DESCRIÇÃO E ANÁLISE.
O livro ALP — Alfabetização foi publicado em 1995 e, no ano seguinte, já
estava listado no indexador “Cartilhas” do Catálogo para indicação de livro
didático PNLD — 1997 (1996, p. 7). Além do reconhecimento do Ministério
da Educação, a obra foi citada explicitamente na revista Nova Escola (1996,
p. 9), veículo de comunicação altamente utilizado pelos professores.
PROPOSTA RADICAL
Maria Fernandes Cócco, 43 anos, lançou sua ALP Alfabetização — Análise, Linguagem e
Pensamento no ano passado. Com mil exemplares vendidos, é radical na sua abordagem
construtivista: não há exercícios com sílabas e os trabalhos com a língua escrita são realizados
apenas com textos apresentados no próprio livro.
O livro não se assume como cartilha, nem no título, nem no corpo de texto.
É uma proposta pedagógica para alfabetização composta por doze unidades
temáticas, a saber: Na escola; Ver e ouvir; Nome da gente; Tudo pode ser
escrito; Nome das coisas; Os animais; Brincar, jogar e aprender; Receita para
crescer; Lugares diferentes; Hora de dormir; Festas; Histórias fantásticas; A
natureza.
Em todas as unidades trabalha-se texto e análise linguística. O trabalho
textual busca a compreensão da função social da modalidade escrita e a
análise linguística viabiliza a aquisição do Valor Sonoro Convencional
(VSC), estabelecendo a correspondência entre letra e som.
No livro, há grande variedade de textos: não verbais (pinturas e
fotografias); híbridos (HQ, logotipo, mapa, calendário e música); e verbais
(poema, conto de fadas, fábula, bilhete, notícia, anúncio, carta, convite,
cardápio, lista de compras, instrução de jogo e receita culinária). A
preocupação com a diversidade de textos é tão intensa que os autores
propõem aos professores uma agenda semanal com a alternância de quatro
tipos de texto:
1. Textos práticos
São os textos utilizados no cotidiano, em diversas situações. Eles contribuem para uma melhor
comunicação entre as pessoas e facilitam as atividades do dia a dia.
Exemplos: bilhete, anúncio, cardápio, convite, manual de instruções, bula de remédio etc.
2. Textos informativos
Têm a função de informar conhecimentos, descobertas, conclusões.
Exemplos: texto jornalístico, enciclopédia, dicionário, gramática, mapa etc.
3. Textos literários
São registros de pensamentos e fantasias do homem e de sua relação com o mundo. Têm o objetivo
de divertir e expressar pensamentos e ideias através do conteúdo e da forma escolhidos pelo autor.
Exemplos: poema, conto, crônica, fábula, novela etc.
4. Textos extraverbais
Utilizam códigos não linguísticos: formas, cores, sons, gestos etc.
Exemplos: pintura, escultura, música, mímica, arquitetura etc. (CÓCCO; HAILER, 1995, Anotações
para o professor, p. 21-22).

Ao longo do livro, são propostas atividades de leitura a serem realizadas


coletivamente ou individualmente por diferentes agentes (professor, alunos,
familiares, conhecidos). As formas de ler (silenciosa e em voz alta) também
são alternadas de acordo com a atividade desenvolvida. Há a utilização de
letras maiúsculas e minúsculas tanto cursivas quanto de forma, sendo que a
tipografia varia entre Arial, Times New Roman e desenhada.

Figura 1: Exemplo de atividade com variação tipográfica (CÓCCO; HAILER, 1995, p. 156-157).

Nas 12 unidades da ALP — Alfabetização, observa-se a preocupação com a


reflexão sobre o uso da língua na modalidade escrita. O pensar sobre a
linguagem é propiciado por questões que o professor discute com os alunos.
Três enfoques de interpretação norteiam as indagações acerca dos textos:
conteúdo, estrutura e análise do discurso.
No conteúdo, o foco de análise recai sobre a mensagem transmitida por um
emissor a um receptor. Interessa verificar a compreensão da temática e a
identificação de detalhes.
Na estrutura, o foco de análise está no reconhecimento das escolhas
estruturais feitas pelo autor do texto para codificar a mensagem de acordo
com as características do gênero textual.
Na análise do discurso, o foco é a exploração do texto em busca dos efeitos
de sentido que ele produz no leitor. Para tanto, são considerados o
conhecimento prévio que o aluno tem a respeito do assunto do texto e as
seguintes possibilidades: de “transformação”, prevendo diferentes soluções
para um fato do texto; de “inferência”, relacionando a visão de mundo do
aluno com a visão de mundo apresentada no texto; de “crítica”, julgando e
opinando sobre fatos e situações do texto; de “extrapolação”, relacionando as
ideias do texto com o contexto do leitor; de “situação-problema”, propondo
soluções para um desafio relacionado à temática do texto; de “efeitos,
intenções e emoções”, expressando os sentimentos que o texto desperta no
leitor.

Figura 2: Exemplo de interpretação de texto extraverbal (CÓCCO; HAILER, 1995, p. 14-15).

Acima da fotografia intitulada “NA RUA”, há a questão: “Quando você


anda pela rua, que coisas mais chamam a sua atenção?”. Na seção “Lendo”, o
aluno é orientado a observar as “coisas escritas” apresentadas na foto. Assim,
o texto é contextualizado e relacionado com a realidade da criança. Na seção
“Conversando”, os alunos discutem sobre a finalidade da modalidade escrita
presente no ambiente em que a criança vive. As reflexões devem ser
desenvolvidas pelos alunos por meio da conversa com o professor.
Figura 3: Exemplo de interpretação de texto literário (CÓCCO; HAILER, 1995, p. 118-119).

O livro didático impõe ao professor a tarefa de orientar os alunos para que


sejam capazes de refletir sobre a linguagem. O foco está na aprendizagem da
criança, mediada pelo professor, que resgata saberes prévios do aluno e o
leva a refletir sobre a linguagem. A materialidade sonora da língua, a ser
representada na escrita, é posta em evidência, e o sentido do texto é obtido
pelas palavras que se organizam nos diferentes gêneros textuais.

Figura 4: Exemplo de interpretação de texto prático (CÓCCO; HAILER, 1995, p. 123-124).

Vale notar a preocupação com a finalidade do texto prático como, por


exemplo, a receita culinária. Porém, os autores não exploram nem a
funcionalidade nem a estrutura das partes internas do texto em que os
“ingredientes” estão organizados na forma de lista e o “modo de fazer” em
parágrafo.
Figura 5: Exemplo de interpretação de texto informativo (CÓCCO; HAILER, 1995, p. 208-209).

O trabalho com o texto informativo pode ser observado, por exemplo, na


unidade 12, em que é apresentada a primeira página de um jornal. As
atividades colocam em evidência reflexões sobre remissão e
intertextualidade, características do texto jornalístico impresso.
Para o desenvolvimento do valor sonoro convencional, no decorrer da ALP-
Alfabetização, há a sugestão de vários jogos, brincadeiras e atividades com a
exploração do alfabeto. Segundo Vieira (2017), Cócco e Hailer, nesse livro
didático, reproduzem a “memória alfabetizadora”, ao aludirem a lembranças
já vistas em cartilhas do passado. Um exemplo de tal memória do repertório
cultural é a atividade de construção do alfabeto ilustrado, muito similar à
ilustração apresentada na “Introduçám pera aprender a ler”, impressa pela
primeira vez em 1539, na Cartinha de João de Barros.
Deve-se notar que Cócco e Hailer (1995) trabalham com o reconhecimento
de letras iniciais, mediais ou finais em palavras. O estudo das sílabas fica
limitado ao exercício de contagem com as instruções: “Conte quantas vezes
você mexe a boca para falar essa palavra” em contraste com “conte quantas
letras você usa para escrever a palavra”.

Figura 6: Detalhe da letra T em alfabeto ilustrado.


Além da interpretação textual e de exercícios com valor sonoro
convencional que fundamentam as atividades de leitura e escrita, no final de
quase todas as unidades temáticas, há uma seção intitulada “Meu jeito de
escrever”, em que se propõe uma sondagem do aluno no processo de
alfabetização.
UNIDADE TEMÁTICA ENUNCIADO DA ATIVIDADE SONDAGEM
Introdução carteira / escola / pátio / chão
Na escola (p. 12) A escola tem muitas classes.
1 camiseta / bermuda / tênis / meia
Ver e ouvir (p. 26) A bermuda do meu uniforme é azul e branca.
2 professora / colegas / classe / lousa
O nome da gente (p. 40) Tenho muitos colegas na minha classe.
3 abacaxi / morango / pera / uva
Tudo pode ser escrito (p. 60) “Escreva as palavras e a frase que a sua professora Na salada de frutas coloquei mamão, pera e abacaxi.
disser.
4 Pense e escreva do jeito que você souber. apagador / caderno / lápis / giz
O nome das coisas (p. 76) Após a escrita, ilustre as palavras e a frase.” Minha professora usa giz branco na lousa.
5 rinoceronte / cavalo / dragão / rã
Os animais (p. 96) Todos têm medo do dragão.
6 Escorregador / balança / parque / pá
Brincar, jogar e aprender (p. No parque da escola, as crianças brincam no
116) escorregador.
8 supermercado / farmácia / praça / banco
Lugares diferentes (p. 152) A casa de Paulo fica perto daquela farmácia.
“Escreva uma história usando as informações abaixo:
9 A personagem — um gato preto
Hora de dormir (p. 166) O lugar — o quintal de sua casa
A hora — à noite”
12 “Escreva uma história onde apareça um lugar em que as pessoas gostariam de viver.”
A natureza (p. 219)

Quadro 2: Distribuição e especificação das sondagens em Cócco e Hailer (1995).

Azenha (2006), ao analisar a aplicação de sondagens por alfabetizadores,


adverte do perigo de se usar este instrumento metodológico de investigação
psicológica como se fosse um componente do currículo, pois tal aplicação
clínica descaracteriza o papel pedagógico do professor. Cócco e Hailer
justificam o uso da sondagem neste livro didático com as seguintes palavras:
A partir do material investigado em uma sondagem, pode-se refletir sobre o pensamento da criança
e perceber sua hipótese linguística: pré-silábica, intermediária I, silábica etc. Isso permite a
formação de grupos de trabalho heterogêneos e propostas de atividades diversificadas, que
objetivem a desestruturação da hipótese que a criança tem a respeito da linguagem escrita, bem
como a construção de uma nova hipótese, culminando na reconstrução do código linguístico
(CÓCCO; HAILER, 1995, Anotações para o professor, p. 21-22).
Uma das ressalvas à ALP — Alfabetização, apresentada na resenha do
GuiaPNLD-2004, incide sobre a ausência de atividades de intervenção
pedagógica para recuperar as dificuldades apresentadas nas sondagens (cf.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2003, p. 112).

3. A linguagem de ruptura nas “Anotações para o


professor” da ALP — Alfabetização e na Didática
de alfabetização
Na parte “Anotações para o professor” da ALP — Alfabetização, os autores
enfatizam retoricamente a necessidade de mudar a prática pedagógica
cartilhada:
Hoje, é preciso repensar a alfabetização. Rever metodologias e enfrentar nossa própria história.
Buscar a compreensão dos porquês e conviver com as angústias de reconhecer aquilo que ainda
não sabemos. Aceitar os erros como construtivos. Aceitar o “novo” sem preconceito e não
abandonar os acertos já conquistados (CÓCCO; HAILER, 1995, Anotações para o professor, p. 2).
A inovação incide sobre o conceito de ler e escrever, e não sobre a escolha
do método sintético, analítico ou misto. A crítica às cartilhas recai sobre a
“linguagem irreal (‘vovô viu a uva’, ‘o bebê baba’, ‘a pata nada’ etc.)” e
sobre a utilização de um “repertório controlado (‘bala’, ‘bola’, ‘belo’, ‘bebê’,
‘babá’ etc.)” em que ambos tornam a leitura sinônimo de decodificação e a
escrita, sinônimo de cópia.
As inovações fundamentam-se em novas pesquisas sobre conhecimento e
linguagem realizadas por diversas áreas da ciência: construtivismo,
socioconstrutivismo, psicogênese da língua escrita, análise do discurso e
linguagem extraverbal. Dessa forma, a ALP — Alfabetização assume, de
Piaget, que o conhecimento é construído através da interação entre sujeito e
objeto; de Ferreiro e Teberosky, que a criança reflete sobre a escrita a partir
da compreensão do funcionamento do código; e de Vigotsky, que a aquisição
de linguagem é histórica e social e que devem ser considerados o uso e a
funcionalidade da linguagem, o discurso e as condições de produção. Sem
citar autores da análise do discurso, sociolinguística e linguagem extraverbal,
Cócco e Hailer comentam a importância dessas áreas no processo de
alfabetização.
Análise do discurso, sociolinguística e linguagem extraverbal são estudos de linguagem que
fundamentam o trabalho de leitura, produção, diversidade de textos, ortografia e gramática como
instrumentos de comunicação (CÓCCO; HAILER, 1995, Anotações para o professor, p. 4).
A Didática de alfabetização segue a mesma fundamentação teórica da
ALP-Alfabetização, porém diverge quanto ao público-alvo, pois é um livro da
coleção Conteúdo e Metodologia da FTD, destinado a alunos de magistério e
licenciatura. Em cada capítulo, os autores trabalham a temática (principais
representantes do socioconstrutivismo; perspectiva histórica da escrita;
construção do conhecimento a partir das concepções que a criança já tem;
etapas da alfabetização; subsídios para trabalhar com textos e jogos;
ortografia e gramática; avaliação); sistematizam os conceitos discutidos;
indicam leituras complementares e encerram os capítulos com a seção
“Pensar e repensar”, na qual são apresentadas questões dissertativas a serem
respondidas a partir das leituras dos textos. A título de ilustração, segue um
exercício do capítulo 2 “As marcas do caminho”, em que os autores
comparam o percurso histórico da escrita com o da aquisição da escrita pela
criança: em ambos o deslocamento do “desenho de objetos” para o “desenho
da fala”.

Figura 7: Exemplo de exercício em Cócco e Hailer (1996, p. 22).

Os níveis conceptuais linguísticos, que configuram as etapas do processo de


alfabetização (pré-silábico, intermediário, silábico, silábico-alfabético e
alfabético), são explicados e ilustrados com registros de crianças. Os autores
reforçam a necessidade de os professores conhecerem as hipóteses que o
alfabetizando faz em cada etapa da alfabetização, para poderem mediar e
organizar o processo de reconstrução do código linguístico. Descrevem
vários jogos e brincadeiras a serem aplicados em sala de aula, sem, contudo,
explicarem como e em quais aspectos tais atividades podem auxiliar na
reformulação das hipóteses dos cinco níveis do processo de alfabetização.
Apenas na Didática de alfabetização há breves comentários sobre
ortografia. Os autores reconhecem a existência de regras como uso de “M
antes de P e B” e situações não regradas de “palavras escritas com S, Z, CH,
X”, mas não apresentam nenhum plano de ensino ou sugestão pedagógica
para trabalhar a ortografia.
Os regrados podem ser reconstruídos pelo aluno, porque fazem parte de um conhecimento lógico-
matemático; já os não regrados se referem a um conhecimento social arbitrário e, portanto, a
criança só pode adquiri-los formando a imagem mental da palavra, ou seja, construindo o
repertório das palavras mais usadas e tendo consciência de como são escritas, independentemente
da maneira como são faladas (CÓCCO; HAILER, 1996, p. 86).
Na década de 1990, com a proposta de unificação da ortografia entre os
países lusófonos, a comunidade acadêmica põe em pauta a questão
ortográfica e vários trabalhos são publicados. Infelizmente, Cócco e Hailer
pouco aproveitam tais pesquisas linguísticas fazendo alusão apenas à
Alfabetização e linguística de Cagliari (19891) em três exercícios sobre
segmentação e juntura (CÓCCO; HAILER, 1996, p. 83). É uma pena não
terem utilizado nem a análise de erros ortográficos proposta por Cagliari
(1989), nem as orientações de Lemle apresentadas no Guia teórico do
alfabetizador (1987), nem as explicações expostas por Faraco em A escrita e
a alfabetização (1992). Tais referências, tão em voga nos anos noventa, são
subsídios linguísticos essenciais para o alfabetizador.

ÚLTIMAS PALAVRAS
Por fim, uma reconstrução do clima de opinião no Brasil da década de 1990
precisa registrar o compromisso com a democratização do ensino que tiveram
os envolvidos com a alfabetização. Não bastava promover o acesso à escola,
era preciso garantir a qualidade do ensino a todos. Para escolher o livro
didático a ser enviado às escolas públicas, os professores passaram a
examinar no exemplar do professor o referencial teórico adotado pelos
autores. Nas duas obras analisadas, Cócco e Hailer adotam uma retórica de
ruptura e assumem, juntamente com Freire (1989), que a alfabetização ocorre
por meio da compreensão crítica do ato de ler e escrever e não se esgota na
decodificação da palavra escrita.
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa
prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente.
A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações
entre o texto e o contexto” (FREIRE, 1989, p. 9).

REFERÊNCIAS
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BARROS, João de. Gramática da língua portuguesa: Cartinha, Gramática, Diálogo em louvor da
nossa linguagem e diálogo da viciosa vergonha. Leitura e introdução por Maria Leonor Carvalhão
Buescu, Lisboa: Universidade de Lisboa, 1971.
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FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores
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1985. Rio de Janeiro, 1985.
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produções linguístico-gramaticais dos países lusófonos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010, p. 79-
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7 out. 2002. Entrevista concedida a Salto para o futuro. Disponível em:
<http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/entrevistas/magda_soares.htm> Acesso em: 20 de junho de
2019.
VIEIRA, Zeneide Paiva Pereira. Cartilhas de alfabetização no Brasil: um estudo sobre trajetória e
memória de ensino e aprendizagem da língua escrita. Tese de doutorado. Orientador: Prof. Dr.
Cláudio Eduardo Félix dos Santos. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 2017.
CAPÍTULO 4
ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA E UM DIÁLOGO
COM A SEMIÓTICA DISCURSIVA
NA DÉCADA DE 1990
Leitura do mundo, de Norma Discini e
Lúcia Teixeira
RONALDO DE OLIVEIRA BATISTA
LUCIANO MAGNONI TOCAIA

INTRODUÇÃO
Este capítulo elabora uma análise historiográfica da coleção didática
Leitura do mundo (Editora do Brasil), publicada em 1998 por Norma Discini
e Lúcia Teixeira. O conjunto de quatro livros — destinado aos anos finais do
que atualmente se denomina ensino fundamental II (antigo curso ginasial) —
será considerado por amostragem a partir da observação analítica do livro
destinado à 5ª série (equivalente ao atual 6º ano), uma vez que as orientações
e procedimentos didáticos e a organização geral das propostas de ensino se
repetem em todos os volumes.
Esta análise se pauta no espírito de uma interpretação historiográfica (na
linha de SWIGGERS, 1990) que procura descrever e analisar o livro didático
em relação a elementos como: concepção de língua, conteúdo programático
selecionado, metodologia de ensino, entre outros fatores relacionados a uma
dimensão interna de análise. Associada a essa dimensão interna, procura-se
contextualizar a proposta didática representada pelo livro a um contexto
social e histórico mais amplo, relativo a uma apreensão histórica dos modos
de ensino da língua portuguesa na década de 1990. Essas duas dimensões
correspondem ao que tradicionalmente se compreende em historiografia
linguística como parâmetros internos e externos de análise (cf. BATISTA,
2013; BATISTA (org.), 2019).
O historiógrafo que analisa práticas de ensino de língua, a produção de
material didático e as políticas educacionais relacionadas a essas práticas
procura contextualizar a dimensão pedagógica que envolve a língua, seu uso
e transmissão (formalizada ou não) em contextos sociais e históricos
específicos, circunscritos a esferas ideológicas em voga em determinados
períodos. Esses contextos moldam formas de ensino, evidenciadas em, por
exemplo, livros didáticos, planos de ensino, diretrizes públicas, bem como
relações entre professores e alunos.
Livros didáticos interessam ao historiógrafo porque materializam
textualmente concepções de ensino de língua. Há sempre uma perspectiva
teórica que sustenta lições (e a delimitação de conteúdos programáticos) que
se propõem a ensinar língua para um nível de ensino. Além disso, há
orientações metodológicas subjacentes (às vezes claramente afirmadas em
seções especialmente dedicadas aos professores) a atividades propostas nos
livros. Uma metodologia é também relacionada a concepções de língua e
está, dessa maneira, inscrita em um eixo de continuidades ou de rupturas com
práticas de ensino.
Cabe ao historiógrafo ir além da superfície textual (verbal, visual,
verbovisual) de um livro didático. Ao realizar esse movimento, ele é capaz de
captar redes de influências, permanências históricas ou descontinuidades com
tradições naquilo que caracteriza a obra como material direcionado ao ensino,
tal como compreendido em um eixo temporal específico. Um livro didático
oferece diferentes dimensões de observação analítica, pois interessam não só
seções/capítulos de difusão de conteúdos programáticos, mas também o
prefácio (fundamental para recriar qual é a voz discursiva — em relação
dialógica — que se mostra presente) ao professor e ao aluno, as orientações
didáticas aos professores, as referências bibliográficas.

1. O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA


DÉCADA DE 1990
A década de 1990 sofreu diretamente o impacto da influência das ciências
da linguagem nos modos de ensino de língua portuguesa. Diálogo que já
vinha sendo ensaiado desde a década de 1970, com a presença das teorias da
comunicação em manuais didáticos, a linguística estava presente a cada linha
das diretrizes de ensino definidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais,
elaborados ao longo dos anos 1990, sendo publicados nos últimos anos da
década.
A confluência linguística e o ensino de língua portuguesa privilegiaram a
consideração da variação linguística na sala de aula e alçaram ao posto
principal dos conteúdos programáticos da área o conceito de gêneros do
discurso. A presença de Bakhtin no ensino se tornou algo inquestionável
nesse período da história do ensino de língua, modificando — pela orientação
em muitos manuais didáticos que fez ponte com as teorias de texto e discurso
— modos de ensino de leitura e produção escrita. Também se destaca a
abertura para a oralidade com os estudos da análise da conversação e para
uma modificação radical — pelo menos enquanto proposta — no ensino de
gramática, já sob influência das teorias funcionalistas. Soares (2004) ainda
pontua a influência dos estudos em história, sociologia e antropologia da
leitura e escrita como vetor de alteração nas concepções de texto e seus
processos de produção e circulação social. A avaliação de Magda Soares
indica caminhos para que a história reveja essa fértil década de 1990 com
seus diálogos com as ciências da linguagem:
Talvez sejam essas contribuições de tão numerosas e variadas ciências ao ensino da língua materna
que estejam configurando a disciplina português na escola brasileira de hoje; embora ainda não
tenhamos suficiente perspectiva histórica para analisar e avaliar período tão recente — os recém-
transcorridos anos 1980 e anos 1990 — provavelmente o futuro verá este atual momento da
disciplina como um momento de mudança de paradigmas, provocada pela influência de
conhecimentos desenvolvidos nas ciências linguísticas, na sociologia, particularmente a sociologia
da leitura e da escrita, na história da leitura e da escrita, na antropologia da leitura e da escrita;
cabe à área de ensino da língua materna realizar a articulação e síntese das contribuições dessas
diferentes áreas (SOARES, 2004, p. 174).
O livro didático de Discini e Teixeira é um produto histórico desse tempo
de férteis confluências, embora muitas vezes idealizadas e distantes da sala de
aula, uma vez que pressupõem fundamentalmente uma formação de
excelência dos docentes num país que enfrenta cotidianos e crescentes
problemas nos cursos de licenciatura (que vão do desprestígio até a total falta
de condições mínimas de ensino e pesquisa). Como veremos no próximo
item, o diálogo com as ciências da linguagem também foi fértil em Leitura do
mundo, inclusive com um projeto teórico não muito difundido quando se trata
de ensino de língua: a semiótica discursiva proposta por Algirdas Greimas no
final dos anos 1960 e com diferentes reelaborações nas décadas seguintes.

2. LEITURA DO MUNDO E SUA


CONFIGURAÇÃO COMO OBJETO DE ENSINO
2.1 A coleção e sua proposta
Leitura do mundo, elaborado em seguida ao advento dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), no final da década de 1990, descortina um
panorama em que pesquisas linguísticas voltam-se principalmente ao estudo
do texto e ao uso de gêneros discursivos/textuais como ferramentas
semióticas para atividades de leitura e produção textual em aulas de língua
portuguesa. É nítida, na obra, a preocupação em operacionalizar o
aprendizado da língua materna como forma de criação de sentidos, partindo
da concepção de que o conhecimento é construído pela articulação de redes
de significação. Dessa maneira, o principal objetivo é, consoante às práticas
didáticas para ensino de língua portuguesa da época, isto é, a concepção
interacionista da linguagem, levar o aluno à produção de textos de diferentes
gêneros e levá-lo também a refletir sobre múltiplas possibilidades de leitura
que o mundo, considerado como um texto, oferece.
Em sua configuração geral, Leitura do mundo é uma coleção de livros
didáticos organizada em quatro volumes para alunos de 5ª a 8ª série (como
eram denominadas as etapas que hoje correspondem ao ensino fundamental
II). Nosso olhar volta-se preferencialmente à edição relativa à 5ª série, uma
vez que esse volume é representativo da coleção em sua integralidade,
elaborada em torno do quadro teórico-metodológico da semiótica discursiva.
As autoras, desde a década de 1990, são pesquisadoras reconhecidas na área
dos estudos em semiótica na linha greimasiana, também denominada de
semiótica discursiva. Essa delimitação de atuação em produção acadêmica e
docência norteia a elaboração do livro didático, escrito a partir de
pressupostos teóricos dessa vertente. O espaço de atuação em pesquisa e
docência das autoras é aquele do ensino universitário. Ainda que elas tenham
uma longa experiência com a educação básica (nos ensinos fundamental II e
médio), é de fato a experiência na docência em cursos de letras e na formação
docente que a esses cursos cabe que norteia a elaboração do material didático.
Um índice de sucesso da coleção é sua avaliação e aprovação pelo
Ministério da Educação em 2002 por meio do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD). A seleção da unidade central de trabalho no livro — o
texto — contribuiu para uma boa avaliação no programa federal. Nesse
sentido, veja-se a reflexão de Uchôa sobre a produção de material didático
para o ensino de língua:
Com a ampliação das pesquisas sobre as línguas, particularmente as direcionadas para o estudo do
texto, sob enfoques teóricos diversos, este passa, nos últimos vinte anos, mais ou menos, a se fazer
cada vez mais presente nos nossos livros didáticos, com tentativas de novas abordagens e com
proposição de atividades diferentes. Na última década do século XX, até mesmo o Estado (MEC)
intervém, através de programas específicos de avaliação do material didático (PNLD), com vista a
uma mudança na concepção do que seja “ensinar língua materna”. Os critérios de avaliação das
coleções didáticas privilegiam, claramente, os manuais que ofereçam ao aluno textos diversificados
e heterogêneos, de tal forma que a coletânea seja o mais representativa possível do mundo da
escrita contemporânea. Praticamente, todas as publicações, um elenco já altamente extenso,
direcionadas para o ensino de Português, reiteram a necessidade de que este deve ser centrado no
texto (UCHÔA, 2016, p. 23).
Aprovado no programa do governo, o livro teve diferentes edições, como
informa Norma Discini em depoimento pessoal1:
Sempre aprovado pelo PNLD, manteve-se vários anos no mercado. Fizemos um projeto, que foi
aprovado pela Editora — assim ele veio ao mundo nas primeiras edições. Depois, transformou-se
em Perspectiva para a língua portuguesa, também sempre aprovado pelo PNLD.
Cada unidade temática do livro está subdividida em outras seções, que
podem ou não estar presentes em todas as unidades: “Hora de falar”; “Texto
1”; “Leitura do texto 1”; “Gramática”; “Texto 2”; “Leitura do texto 2”; “Hora
de escrever”; “Texto 3”; “Leitura do texto 3”; “Leitura do mundo”; “Leitura
da epígrafe”; “Ortografia”; “Bibliografia”. As seções destinadas a essas
atividades não aparecem numa sequência fixa, mas de acordo com as
necessidades de exploração dos textos2. Mais uma vez em consonância com a
perspectiva do que deveria ser o ensino de língua portuguesa, o livro se
organiza em torno de uma unidade fundamental — o texto —, a partir da qual
a língua é estudada. A seleção dessa unidade-texto (trabalhado nas suas
dimensões enunciativa, linguística e discursiva) dialoga com os documentos
oficiais da época e com o que os linguistas e estudiosos da literatura
consideravam como válido para práticas do ensino de língua.
Uma apresentação ao professor (no início do manual do professor) é feita
em uma breve, mas complexa, exposição em que as autoras comunicam aos
professores quais elementos norteiam o livro didático. Merecem destaque
nessa apresentação: a) a concepção que entende o processo pedagógico como
construção ativa de conhecimento, e não acúmulo de informações; b) a
justificativa para o título do livro (Leitura do mundo): ler o mundo é uma
atividade de articulação de redes de significado produtoras de sentido. Esse
título se enquadra no que os Parâmetros Curriculares de 1998 oficializavam
como a orientação ideal para o ensino de língua portuguesa; c) a delimitação
da unidade central a orientar o ensino de língua, caracterizado em essência
pela formação de habilidades de leitura e escrita; d) a organização do livro
em unidades e seções: as autoras destacam temas que privilegiam problemas
do cotidiano tratados em textos adequados ao público adolescente. Também é
destacada a seleção variada de gêneros do discurso (a seguir orientação
majoritariamente presente no ensino de língua portuguesa a partir da década
de 1990); e) a instrução de que será a partir do texto (nas modalidades oral e
escrita) — leitura e produção — que se estabelecerá uma reflexão gramatical
atenta aos efeitos de sentido resultantes das seleções de unidades lexicais e
suas relações gramaticais, contraídas na articulação textual (considerada em
seus diferentes propósitos enunciativos); f) a concepção adotada sobre o
processo de avaliação. Em consonância com os Parâmetros Curriculares da
década de 1990, a avaliação é contínua, feita no dia a dia da sala de aula; g) a
apresentação da estrutura do manual do professor.
Uma curta apresentação ao aluno inicia o livro propriamente dito3. A seção
de apresentação ao discente é escrita em tom conativo, em um texto de quatro
parágrafos, simples e direto, dirigido a um público adolescente. Nesse texto,
há a explicação do título do livro, ressaltando a presença (sem o uso da
expressão consagrada teoricamente) de diferentes gêneros do discurso. Há
também o posicionamento de que se assume ler textos como via de acesso ao
mundo, por meio de atitudes críticas diante de fatos sociais e históricos. A
apresentação ao aluno se encerra com forte teor persuasivo em uma
afirmação de que os textos que fazem parte do livro falam do cotidiano dos
adolescentes, o que tornaria o manual didático “um amigo ideal”, pronto a
estimular a manifestação de opiniões e pontos de vista daqueles que o
utilizassem.
As apresentações colocam um elemento principal em evidência: os textos e
sua circulação social. Ora destacando a variedade dos gêneros e a importância
da leitura significativa como meio de acesso consciente aos fatos da
sociedade, ora ressaltando uma concepção interacionista e discursiva da
linguagem e seus fenômenos, as apresentações procuraram difundir um modo
específico de entender e ensinar a língua portuguesa, inserido em um
contexto intelectual e educacional que, por meio da produção de documentos
públicos, buscava no exercício enunciativo e discursivo da língua a base para
uma prática de ensino significativa e capaz de alterar decepcionantes
resultados dos alunos egressos em provas de habilidades de leitura e escrita.

2.2 As orientações para os professores


O manual do professor, no início do volume direcionado aos docentes, é
uma presença extensa (pelo número de páginas) e abrangente (pela
diversidade de enfoques e orientações): há seções dedicadas à explicação dos
fundamentos teórico-metodológicos que orientam a abordagem didática, às
concepções de leitura, escrita, oralidade e gramática, a orientações de eixos
interdisciplinares e até a processos de avaliação do processo de ensino-
aprendizagem.
A constituição desse manual evidencia o cuidado e a preocupação das
autoras e da editora com a preparação teórica do docente e com sua prática de
ensino na sala de aula. Esse aspecto certamente contribuiu para a avaliação
positiva do material pelo programa de avaliação federal, que em termos
práticos se reflete em adoções pelos professores e, consequentemente, maior
volume de vendas.
Em um texto escrito com cuidado didático (como se o professor fosse nesse
momento o aluno), o manual do professor, em primeiro lugar, define a
unidade central do trabalho — o texto (em suas diferentes modalidades e
gêneros) — e o que as autoras compreendem como uma leitura do texto
ancorada nos conceitos de intertextualidade e interdiscursividade. Os projetos
sugeridos para trabalhos ao longo das unidades evidenciam que as autoras
têm em mente um diálogo entre diferentes saberes, construindo um elo
fundamental para uma transmissão significativa de conteúdos que não se
encerre em si mesma, em uma única disciplina curricular.
É a partir dessa delimitação inicial que são apresentados os pressupostos
teóricos que orientam a escrita do livro. Ao professor, conceitos centrais da
teoria semiótica discursiva são explicados: a noção de percurso gerativo do
sentido; as figuras do enunciador, do narrador, do locutor; os temas e as
figuras; os conceitos de expressão e conteúdo; a produção de efeitos de
sentido.
Em diálogo com essa configuração teórica, as referências bibliográficas
apresentadas no manual do professor (com títulos que se repetem ao final do
livro do aluno também) orientam os docentes para a concepção interacionista
de linguagem, com foco no trabalho com o texto (trabalhos centrais da
linguística textual são citados, como os de Ingedore Koch) e o discurso (estão
presentes livros de José Luiz Fiorin, Diana Luz Pessoa de Barros, Eni
Orlandi) na sala de aula. Ainda nas referências, estão os Parâmetros
Curriculares de 1998, o que evidencia, além das confluências já apontadas,
que o documento esteve no horizonte de retrospecção das autoras como uma
diretriz pública que orientou a escrita do livro didático.
No manual do professor, há também apresentações extensas sobre os textos
verbais e não verbais, os tipos de texto, a variação linguística. Essas
apresentações são de natureza didática, como se oferecessem uma orientação
de aperfeiçoamento ao docente da educação básica, possivelmente distante do
conhecimento da teoria que ancora a escrita do livro — daí a necessidade de
um alentado manual do professor, já que semiótica discursiva, na década de
1990, não fazia parte (e ainda não faz) de muitos dos currículos das
faculdades e universidades que formavam (e formam) docentes da área de
letras.
O tratamento da oralidade em sala de aula é ancorado na teoria proposta
pela análise da conversação e pela consciência da variação linguística. Esses
direcionamentos permitem constatar que as autoras tinham uma grande
ambição na produção do material, que necessitava, essencialmente, de um
docente formado em teorias contemporâneas sobre a linguagem, distantes de
um ensino de língua elaborado em torno de uma concepção de linguagem
como código.
A visão interacionista de língua também foi apresentada ao docente nas
explicações sobre o modo de trabalhar em sala de aula com a produção
escrita, a evidenciar que não se estava diante de uma atividade de redação,
mas de produção de texto, pois os gêneros discursivos, a interdiscursividade e
a intertextualidade estavam na base de elaboração de textos escritos. Uma
produção, enfim, que buscava na escrita dos alunos uma forma de perceber e
praticar uma significativa produção de efeitos de sentido.

2.3 A proposta didática para a 5ª série


Leitura do mundo — 5a série (livro do aluno) tem 168 páginas coloridas,
que incluem um texto de apresentação produzido pelas autoras endereçado
aos alunos e uma divisão em nove unidades, organizadas em torno de temas
(família, bichos, lembranças, sonhos e emoções, cidades, diferenças, trabalho,
televisão, conflitos) apresentados por meio de textos verbais, não verbais e
sincréticos, fator que caminha ao encontro do quadro teórico-metodológico
da semiótica discursiva do qual partem as autoras. Os temas, que variam ao
longo das lições, orientam tanto a seleção de textos quanto o conteúdo teórico
(leitura, escrita, oralidade, léxico e gramática) e também a metodologia de
análise que constitui cada uma das seções distribuídas pelas lições que
compõem as unidades.
Seis unidades de Leitura do mundo — 5ª série iniciam pela seção “Hora de
falar”. Há uma preocupação das autoras com o desenvolvimento da prática da
expressão oral (incluindo abordagens sobre a produção oral dos alunos) —
não de gêneros discursivos/textuais orais —, mas com um olhar voltado à
importância de tomar a palavra publicamente e ter algo a dizer sobre
determinado assunto, fator que faz do aluno um indivíduo consciente de sua
situação em constante diálogo com o mundo. Por meio de questões, tais
quais: “Comente a importância da cadeia alimentar para o equilíbrio
ecológico” (p. 22)4; “Lembrar de algo é sempre bom? Pode ser ruim?” (p.
38), leva-se o aluno a exercer a cidadania por meio do domínio da palavra
pública, tornando-se protagonista ao falar de suas próprias experiências,
percebendo, assim, o que pode ou não causar interesse no outro, ficando mais
atento para ler e falar sobre o mundo no qual ele vive e age.
As seções intituladas “Texto” oferecem ao estudante uma diversidade de
textos autênticos com assuntos relacionados às práticas sociais e às
manifestações estéticas que constituem o cotidiano do jovem brasileiro.
Recorre-se não apenas a gêneros pertencentes à esfera literária e social, mas
também àqueles que circulam na esfera artística/cultural, como quadros de
pintores famosos, esculturas e fotografias, o que evidencia a compreensão
semiótica do que seja um texto — verbal, não verbal e sincrético, como se vê
nas palavras das autoras: “Um texto é um todo organizado de sentido. Um
texto se manifesta por meio de uma linguagem. A linguagem pode ser de
palavras, de desenhos, de cores, de notas musicais, de passos de dança, ou
de tudo isso junto” (p. 16).
O texto literário ganha destaque especial na obra, tanto em poesia quanto
em prosa. A abundância de textos literários confere ao professor recursos e
autonomia para propor e aprofundar atividades destinadas à formação de
leitores literários. Buscam-se, nas questões de interpretação, recorrências a
aspectos intertextuais e interdiscursivos, fato que permite ao aluno apontar o
texto que lê para outros textos, na busca da construção de sentidos em uma
realidade concreta ou imaginária. Cabe ao aluno, considerado observador
competente, ser capaz de se perceber como leitor das múltiplas situações a
sua volta e também compreender que cabe a ele conferir ao texto seu estatuto
de unidade de sentido. Prática de cunho cultural, a literatura mantém na obra
de Discini e Teixeira, junto ao estudo da língua, uma relação estreita e
evidente. Acredita-se que a convocação desses textos literários em sala de
aula ajuda, por um lado, a reunir um corpo de obras certamente legitimadas e,
por outro lado, a estabelecer um corpus linguístico autorizado, que define e
descreve a linguagem literária.
Ao trabalho de identificação de quem fala no texto, para quem se fala, e a
organização do gênero discursivo/textual em questão, segue a observação dos
efeitos de sentido criados pelas formas de expressar as ideias: “O menino
chama a mãe e o pai de forma exagerada. Mostre como isso aparece no texto”
(p. 12); “a transformação do menino produz, então, um efeito: curiosidade?
humor? tristeza?” (p. 12). Parte-se, então, mais uma vez, da teoria semiótica
discursiva, para a qual o texto possui ideias que se manifestam de
determinada forma, e a forma de expressar as ideias são os recursos de
expressão do texto. Refletem, então, teoricamente, aluno e professor, sobre o
fato de que um texto é um todo organizado de sentido, que desenvolve ideias,
por meio de recursos da expressão.
Os conhecimentos linguísticos desenvolvidos em Leitura do mundo — 5ª
série apresentam ao aluno um sistema de conhecimentos importantes para a
prática da leitura, da escuta e da produção textual, exatamente como
preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Adotado a partir de
uma perspectiva funcional, o trabalho com a gramática mostra-se, na maior
parte das vezes, contextualizado e busca explorar a função discursiva dos
elementos linguístico-discursivos próprios ao gênero tratado. Toma-se, do
texto de partida, os aspectos gramaticais relevantes para a sua organização e
se faz um frutífero proveito em seções de gramática voltadas para a
sistematização da morfologia e da sintaxe da língua.
Na tentativa de se distanciar do ensino tradicional, que privilegia a língua
como sistema, com ênfase em exercícios gramaticais e em atividades de
leitura e escrita tomadas como fins em si mesmas e, quase sempre,
descontextualizadas, a obra de Discini e Teixeira propõe que a língua seja
sempre ensinada a partir de contextos de comunicação autênticos, com
propósitos relevantes para os alunos, levando-se em conta tanto seus
conhecimentos prévios quanto sua competência estratégica, sendo a análise
sistêmica apenas mais uma das variadas etapas para a apropriação de
conhecimentos sobre a língua.
Os conteúdos linguísticos são trabalhados em dois momentos na obra
analisada, com foco em objetos distintos. Em uma vertente, a preocupação se
dá em torno dos recursos linguísticos presentes nos textos e se analisam os
efeitos de sentido que podem ser obtidos com determinadas escolhas
vocabulares ou construções sintáticas, com a opção por determinada
variedade linguística ou emprego de figuras de linguagem. Vejam-se os
exemplos: “A verdade é um efeito construído no texto, como um efeito
especial de luz num espetáculo. O modo de o narrador falar faz parecer que
todos estão numa conversa? Por quê?” (p. 26); “Um texto não é um
amontoado de frases. Justifique a afirmativa, usando uma destas expressões:
unidade de significado; um todo organizado de sentido; um conjunto de
ideias ligadas entre si” (p. 24).
A exploração dos aspectos linguísticos se dá, então, inicialmente, na seção
“Leitura do texto”. Ali, são abordados aspectos semânticos, discursivos e
textuais e, não raramente, aspectos de natureza sintática e morfológica,
concernentes aos gêneros e tipos de texto, com exploração tanto
epilinguística quanto metalinguística, como ilustram os exemplos a seguir,
todos extraídos de uma lição sobre interjeição: “Transcreva o verso do texto
que apresenta três vezes a mesma palavra” (p. 12); “Imagine como, usando
apenas uma palavra, você: pede silêncio; pede ajuda; expressa espanto” (p.
12); “Quando queremos expressar nossas emoções, podemos usar as
interjeições. Chega! Basta! São interjeições que podem expressar raiva,
desespero” (p. 12).
Em uma segunda vertente, já na seção “Gramática”, encontram-se
indagações do tipo: “Os bichos têm nome, as coisas têm nomes. Que outro
nome poderíamos dar ao elefante? Por quê?” (p. 28, grifos das autoras);
“Certas palavras dão nome às coisas, aos bichos, às pessoas [...]. A gramática
junta todas essas palavras num mesmo conjunto, numa mesma classe de
palavras, a classe dos substantivos. Dê mais exemplos de substantivos” (p.
28, grifos das autoras). Como se pode notar, são tratados os conteúdos ditos
tradicionais, a partir da palavra ou frase extraída do texto lido. Os exercícios
formulados apresentam os conceitos e categorias, por vezes depois de
possibilitar ao aluno uma rápida observação do fenômeno a ser estudado. As
atividades que seguem conduzem à conceituação, identificação e
classificação das formas linguísticas, com forte presença de exercícios
estruturais (preencher lacunas, repetir o modelo, escolher entre múltiplas
alternativas).
É considerável ressaltar que se pode encontrar, na análise das lições, um
grande empenho em ensinar, nas seções destinadas ao ensino da gramática, os
conceitos de forma excessivamente detalhada, com questões numerosas e
orientação diretiva. Com essa prática, deixa-se ao aluno uma pequena
margem para reflexão e construção. Embora as atividades apresentem
informações relevantes no que diz respeito à descrição do sistema gramatical,
a condução excessiva e minuciosa proposta pode tornar o estudo pouco
estimulante.
As propostas relativas à produção textual escrita compreendem gêneros
diversos e algumas atividades interdisciplinares. As propostas de escrita, em
geral, consideram o gênero e o tipo, os objetivos e os interlocutores do texto,
além de alertar quanto às etapas do processo de produção.
A preocupação das autoras com a reflexão sobre as condições de produção
do texto, num quadro interacionista da linguagem, pode ser notada pelas
atividades que discutem as representações sobre a situação de ação da
linguagem (quem escreve; para quem escreve; quando; onde; de que forma;
sobre o quê; com qual objetivo), questões fundamentais para que o aluno
encontre sentido na atividade de produzir textos (orais e escritos), como se
pode ver na passagem: “Você vai escrever a história da vida de um menino
trabalhador. Pense: escrever para quê? Por quê? Para quem?” (p. 128).
As propostas, em geral, consideram a escrita como processo e oferecem
sugestões para o planejamento e revisão do texto, alertando para a necessária
compatibilidade de gênero e tipo com as condições de produção e circulação
do texto a ser escrito. A construção temática dos textos propostos, bem como
o respeito à estrutura composicional, é orientada a partir dos textos lidos e
dos modelos estudados, como se pode notar a seguir: “Conte uma história de
bichos, dando-lhes pensamentos, sentimentos e o poder de falar. [...] Alguma
lição podemos aprender com essa história? O último parágrafo de sua fábula
deve conter essa lição, que será a moral” (p. 36); “Pense assim: quando meu
colega ler, vai entender o que eu quis dizer? Faça uma revisão do seu texto,
pensando nesse leitor. Depois, passe a limpo e mostre para o colega escolhido
por você. Pergunte o que ele achou” (p. 20). Encontram-se, ainda, na obra
analisada, algumas propostas de produção textual com orientação mais livre,
como: “Procure, então, na distância da memória, uma lembrança marcante.
Encontre todos os detalhes, ache a lembrança, tornando-a viva no texto” (p.
50).
Cabe comentar, por fim, algumas inadequações do projeto editorial de
Leitura do mundo — 5ª série. A obra apresenta páginas carregadas com
textos e atividades com letras muito miúdas. Visualmente, há apenas um tipo
padrão de fonte, utilizado tanto no texto autoral quanto nos textos relativos à
coletânea para atividades de leitura e aos exercícios. Os textos vêm arrolados
por número e não pelo título (texto 1; texto 2; texto 3), o que dificulta sua
identificação. Para pequenas diferenciações entre título e subtítulo,
empregam-se alguns recursos de caixa-alta, sombra, negrito e variação da cor
padrão. As exceções ficam por conta de um adorno na tipografia que
antecedem os textos da coletânea e um tipo diferente do padrão no início de
cada unidade.
Os textos autênticos propostos para as atividades de leitura e de produção
de textos são readequados ao projeto gráfico do livro, já que são impressos
utilizando o tipo e corpo padrões da obra, sem diferenciação do restante da
página. Normalmente, os textos oriundos de fontes variadas como jornais,
revistas e livros ocupam boa parte da página, porém, sem uma delimitação de
quadro ou borda. As únicas referências à fonte e à autoria desses textos
aparecem no final dos textos, com a publicação do sítio da internet em que o
texto foi publicado originalmente.
A não adequação dos textos às suas formas originais de publicação
atrapalha o desenvolvimento das capacidades discursivas dos alunos, uma
vez que não se preveem atividades que explorem a infraestrutura textual, o
plano textual global e as características de organização do conteúdo. A obra
parece descartar um trabalho inferencial sobre o não verbal, o que esvazia a
simbiose verbal vs. não verbal na interpretação dos textos e no
desenvolvimento de capacidades e práticas de compreensão e produção de
cada uma delas para significar.

CONCLUSÃO: LEITURA DO MUNDO EM SEU


CONTEXTO DE PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO
A coleção didática Leitura do mundo dialoga com um clima de opinião que,
ainda presente no ensino, considerava leitura e escrita em dimensão
discursiva, aspecto consensual nos anos 1990 e dificilmente negado, dada a
força das diretrizes públicas e dos grupos que estavam na base das
articulações organizacionais e institucionais de produção de material didático.
A gramática é vista em funcionamento (não à toa, há referência à linguista
Maria Helena de Moura Neves na bibliografia), tendo em consideração uma
reflexão sobre a língua e a articulação de seus elementos sistemáticos em uma
concepção teórica que procura destacar uma abordagem gramatical articulada
com os textos. Considerar a “gramática em uso” define, em um recorte
derivado da concepção teórica adotada pelas autoras, como diretriz o trabalho
com as formas da língua orientado para a produção de efeitos de sentido, em
distância dos tradicionais modos de orientar o ensino de gramática por uma
tradição prescritivista ou apenas descritivista baseada na transmissão de
metalinguagem e análises de funções sintáticas. De todo modo, não se pode
deixar de considerar, em perspectiva crítica, que o tratamento da gramática
em diálogo com uma concepção textual e discursiva do objeto língua deixa
de lado uma sistematização das unidades e relações gramaticais vistas em si
mesmas em outro recorte teórico e em outra concepção de língua.
Essa consideração não é muito presente quando se trata do ensino de
gramática, visto que articular gramática e texto passou a ser, desde a década
de 1990, um dos pontos fundamentais a partir dos quais se colocaram
diferentes esperanças para a melhoria do ensino de língua e das habilidades a
serem estimuladas na educação básica. Em opinião que vai na contracorrente
dessa visão de uma gramática em uso e articulada aos textos, a crítica de
Pires de Oliveira e Quarezemin coloca um questionamento que deve ser
considerado para que não se adote de forma unânime apenas um modo de
ensino de gramática:
É fácil perceber nos PCNs para o ensino fundamental as marcas de imposição de uma determinada
maneira de ver as línguas e a linguagem humana. Não se trata, obviamente, de negar que as línguas
permitem a interação social, o que é óbvio, e muito menos negar que através do dito e do não dito
há o mascaramento de relações de poder, que o apagamento de certas vozes é um ato de poder; ao
contrário, trata-se de ver como isso ocorre também, e quiçá principalmente, nos documentos
oficiais, na receita oficial de o que fazer nas aulas de língua portuguesa. A voz apagada nos PCNs é a
dos naturalistas, que têm em Noam Chomsky um grande representante (PIRES DE OLIVEIRA;
QUAREZEMIN, 2016, p. 30).
Leitura do mundo está circunscrito a uma época que vivenciou de maneira
intensa a chegada da linguística à sala de aula, após quase duas décadas de
efetiva prática de pesquisa e docência em ciências da linguagem no Brasil. A
avaliação histórica de Magda Soares sobre o ensino de língua portuguesa
possibilita a percepção de como o livro didático de Discini e Teixeira estava
em linha direta de confluência com seu momento histórico de produção e
circulação, adquirindo, desse modo, adequados capitais de valor para sua
adoção no sistema oficial de ensino de língua portuguesa:
Na área das ciências linguísticas, primeiramente a linguística, mais tarde a sociolinguística e, ainda
mais recentemente, a psicolinguística, a linguística textual, a pragmática, a análise do discurso
chegam, no final dos anos [19]80 e nos anos [19]90, à escola, “aplicadas” ao ensino da língua
materna. E são várias as interferências significativas delas na disciplina Português, todas ainda em
curso: nova concepção da gramática, que resulta em uma concepção do papel e da função dela no
ensino de português, bem como da natureza do conteúdo de uma gramática da língua escrita
quanto uma gramática da língua falada; nova concepção de texto, analisado agora ele também em
sua “gramática”, uma gramática que ultrapassa o nível da palavra e da frase e traz nova orientação
para o ensino da leitura e da produção de textos; sobretudo, uma nova concepção de língua: uma
concepção que vê a língua como enunciação, discurso, não apenas como comunicação, que,
portanto, inclui as relações da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é
utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização. Essa nova concepção vem ela
também alterando em sua essência o ensino da leitura e da escrita, agora vistas como processos de
interação autor-texto-leitor, em determinadas circunstâncias de enunciação e no quadro das
práticas socioculturais contemporâneas de uso da escrita, e vem ainda alterando as atividades de
desenvolvimento da linguagem oral, considerada esta sempre como interação, em que sentidos são
produzidos por e para uma situação discursiva específica (SOARES, 1998, p. 58-59).
O livro é resultado de um aproveitamento didático de alcances teórico-
metodológicos de um grupo de especialidade, o da semiótica discursiva
greimasiana, que despontou nos anos 1990 como uma das principais, e
produtivas, comunidades de pesquisadores no Brasil. Os anseios das autoras
estavam relacionados, em essência, a uma significativa articulação entre o
conhecimento teórico e o aplicado. Essa relação estava presente no desejo de
produzir um material que pudesse dialogar com seu contexto histórico e com
necessidades do ensino de língua do final do século XX. O depoimento
pessoal de Norma Discini nos informa sobre esse anseio:
A motivação ao escrever este livro com Lúcia Teixeira foi trazer, juntamente com um estudo que
levasse a problematizar a construção de efeitos de sentido a partir dos fatos da gramática da língua
(fonologia, morfologia, sintaxe e outros), a prática de leitura e de produção textual fundamentada
em bases próprias. Essas bases eram os princípios relativos a uma enunciação, que, sempre
pressuposta, enuncia-se necessariamente nos textos que produz, nos quais espalha marcas de sua
presença. O aluno deveria encarnar o papel de um enunciador que procura persuadir seu leitor, o
que emergia não solto no ar, mas articulado às coerções dos gêneros e das esferas ou campos.
Paralelamente, outra motivação era cotejar linguagens diferentes — o verbal e o visual — na leitura
e produção textual, e cotejar textos de gêneros diferentes também.
Em termos de uma interpretação analítica (que não se pode esgotar nos
limites extensionais deste capítulo), a análise do livro nos leva a algumas
possíveis considerações.
Um quadro analítico está elaborado em Leitura do mundo: o ensino de
língua portuguesa está organizado em torno do texto e da produção
significativa relacionada à consideração dessa unidade como forma e
elemento enunciativo-discursivo. O livro de Discini e Teixeira é produto de
sua época, que firmava a centralidade das teorias textuais e discursivas na
prática de ensino de língua. Esse quadro estava concretizado na seleção de
textos de diferentes tipos e pertencentes a diferentes gêneros discursivos. Em
linguagem que ressaltava a necessidade de reflexão dos alunos, diante de
temas relacionados a formas de inserção social dos adolescentes, as
linguagens verbal, não verbal e sincrética eram exploradas com vistas a
atingir a leitura significativa “do mundo”, o que incluía um exercício coletivo
da linguagem em interação verbal.
Nesse sentido, o contexto do ensino de língua em que o material de Discini
e Teixeira se insere é aquele que compreendia que um dos motivos principais
do ensino de língua é a preparação de cidadãos atuantes de modo crítico na
sociedade. Entrava em destaque a formação de alunos aptos a compreender a
complexidade do mundo contemporâneo e a se colocar criticamente diante
das diferentes maneiras de comunicar sentidos e de assumir posições em
meio aos embates sociais. Objetivo que está em consonância com teorias
discursivas que a todo tempo respondem a uma concepção dialógica da
linguagem, tal como preconizada por Mikhail Bakhtin, outro dos nomes
fundamentais a nortear a concepção teórica que, desde a década de 1990, está
presente em modos de compreender o ensino de língua portuguesa.

REFERÊNCIAS
BATISTA, R. O. Introdução à historiografia da linguística. São Paulo: Cortez, 2013.
____. (Org.). Historiografia da linguística. São Paulo: Contexto, 2019.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto
ciclos. Língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
DISCINI, N.; TEIXEIRA, L. Leitura do mundo — 5a. série. São Paulo: Editora do Brasil, 1998.
PIRES DE OLIVEIRA, R.; QUAREZEMIN, S. Gramáticas na escola. Petrópolis: Vozes, 2016.
SOARES, M. B. Concepções de linguagem e o ensino de língua portuguesa. In BASTOS, N. B. (org.).
Língua portuguesa. História, perspectivas, ensino. São Paulo: Educ, 1998, p. 53-60.
SOARES, M. Português na escola. História de uma disciplina curricular. In: BAGNO, M. (org.).
Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2004, p. 155-177
SWIGGERS, P. Histoire et historiographie de l’enseignement du français: modèles, objets et analyses.
Études de LinguistiqueAppliquée, n. 78, p. 27-44, 1990
UCHÔA, C. E. F. O ensino de gramática: caminhos e descaminhos. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro:
Lexicon, 2016.

1 Norma Discini foi entrevistada para a elaboração de uma narrativa historiográfica a respeito do seu
livro didático em 2018. Foram enviadas a ela por Ronaldo de Oliveira Batista perguntas que foram
respondidas por correio eletrônico.
2 Em razão dos limites deste texto, cobriremos as seções que se mostram mais relevantes à nossa
proposta, enfatizando, sobretudo, o que era (pré)definido pelos Parâmetros Curriculares como unidades
de ensino de língua portuguesa: prática de leitura; prática de produção de textos; análise e reflexão
sobre a língua.
3 No manual do aluno, é essa a seção inicial. No manual do professor, a seção dedicada aos docentes é
a parte inicial do livro.
4 As citações aos trechos da obra aqui analisada serão feitas apenas pela remissão ao número das
páginas.
CAPÍTULO 5
AS LIÇÕES DE GRAMÁTICA DE
LUIZ ANTONIO FERREIRA
A proposta de uma “gramática para o dia
a dia”
DIELI VESARO PALMA
THIAGO ZILIO-PASSERINI

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nos dizeres de Chartier (2015 [2007], p. 40), a produção de livros — e
consequentemente de textos — figura como um processo que demanda, além
do próprio ato de escrita, diferentes técnicas e intervenções e está relacionada
a diferentes momentos da história. Nesse sentido, a relação da obra com o
mundo social onde se insere vai além dos aspectos mais superficiais — tais
como os estéticos, simbólicos, entre outros — e se materializa principalmente
nas “[...] relações múltiplas, móveis, instáveis, amarradas entre o texto e suas
materialidades, entre a obra e suas inscrições”.
Partindo dessa premissa, a historiografia linguística, ao reconstruir o
conhecimento linguístico de determinada época e ao refletir sobre ele (Cf.
PALMA, 2012), promove um diálogo não só entre o passado e o presente,
como também entre diferentes ramos do conhecimento, essenciais à
compreensão dos documentos em sua totalidade. A coleção Lições de
gramática, de Luiz Antônio Ferreira, é a fonte documental de que nos
valemos na análise deste capítulo e, por meio dela, buscamos estabelecer, no
interdiscurso historiográfico, respostas para as seguintes questões: como o
autor mobilizou os conhecimentos advindos da linguística em sua obra?
Quais teorias linguísticas se destacam? Em que medida se dá a relação
gramática x linguística na abordagem do material?
Para respondermos a essas indagações, consideramos, nos dizeres de
Chartier, a materialidade do texto, circunscrevendo-o ao momento de sua
produção. Em outras palavras, seguiram-se os princípios metodológicos
preconizados por Koerner (2014 [1995]), a saber: o da contextualização, o da
imanência e o da adequação. Com base neles, foi possível, nos dizeres de
Swiggers (2010), estabelecer a análise argumentativa e a síntese histórico-
comparativa a fim de chegar à fase hermenêutica, o corolário do processo
interpretativo concernente ao labor do historiógrafo.

A DÉCADA DE 1990: RECONSTRUÇÃO DO


CLIMA DE OPINIÃO
O diálogo e a reflexão sobre temas educacionais intensificados por conta do
processo de abertura política culminaram com uma série de medidas adotadas
na década de 1990, visando sobretudo à universalização do ensino e à
erradicação do analfabetismo. Como consequência, a partir de 1997, tem
início a chamada “década da educação”, na qual se observaram os
desdobramentos das ações realizadas nos anos anteriores.
Entre os principais feitos da época, destaca-se a Lei de Diretrizes e Bases,
promulgada em 1996, em substituição à antiga LDB, de 1971. Grosso modo,
ela promoveu uma reorganização no sistema educacional, com base nos
princípios da Constituição de 1988. Ainda que considerada “minimalista” por
alguns estudiosos (Cf. FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003), sobretudo pelo fato
de ser notadamente distinta do projeto original elaborado sob a chancela de
inúmeros intelectuais da época, a nova Lei representou um marco nos rumos
da educação e teve desdobramentos significativos.
No ano seguinte à sua promulgação, por exemplo, publicaram-se os
Parâmetros Curriculares Nacionais, em consonância com a proposta de
reorganização advinda da LDB. Neles, foram estabelecidos os objetivos do
ensino fundamental e, mais especificamente, os objetivos de cada um dos
componentes curriculares. Além disso, foram apresentados os conteúdos a
serem trabalhados nos dois ciclos e também os critérios de avaliação a serem
adotados nas instituições de ensino.
Do ponto de vista linguístico, os PCN inovaram ao introduzir conteúdos
que iam além dos já consagrados conceitos gramaticais. Segundo Bagno
(2009, p. 28), a introdução de conceitos advindos das ciências da linguagem
foi resultado de discussões já empreendidas nas universidades pelo menos
vinte anos antes da publicação dos Parâmetros. Nas palavras do autor,
Ao lado de outros aspectos igualmente importantes para a renovação do ensino de língua
portuguesa no Brasil, os PCN introduziram alguns conceitos até então pouco conhecidos na prática
docente, conceitos provenientes de uma disciplina relativamente nova dentro dos estudos da
linguagem, a sociolinguística (BAGNO, 2009, p. 28, grifo do autor).
Com a entrada da linguística nos documentos oficiais, a discussão acerca do
ensino da gramática intensificou-se. Os questionamentos sobre a eficácia de
uma aula de português voltada exclusivamente para a gramática
multiplicaram-se no meio acadêmico, pois os estudos linguísticos já tinham
comprovado a necessidade de um trabalho textual, em vez do já consagrado
gramatical. Por essa razão, inúmeras publicações passaram a circular, visando
à reflexão sobre as aulas de português e também sobre a questão da gramática
normativa. Uma das obras mais significativas dessa última temática foi
Preconceito linguístico: o que é, como se faz de Marcos Bagno, lançada em
1999. Nela, o autor mostrava como o discurso prescritivista é responsável por
fomentar a discriminação dos falantes de variedades desprestigiadas. Além
disso, Bagno se ocupou de desfazer alguns mitos sobre a linguagem, comuns
em nossa sociedade.
Se, por um lado, existiu um movimento de afirmação dos estudos
linguísticos, por outro, a mídia televisiva ainda promovia a disseminação da
gramática normativa, embora com uma roupagem “mais moderna”. Em 1994,
por exemplo, o programa Nossa língua portuguesa passou a fazer parte da
grade da TV Cultura, apresentado pelo Professor Pasquale Cipro Neto, que se
tornou uma espécie de “símbolo” de professor de português. Três anos mais
tarde, a rede Mc Donald´s divulgava o sanduíche Big Mac por meio de uma
série de vídeos em que o próprio professor Pasquale dava dicas de português,
em situações simuladas durante o consumo do sanduíche. Temas como
hipérbole, plural de substantivos terminados em -r, parônimos e até mesmo
mesóclise eram abordados nas propagandas, que tinham como fundo musical
ritmos de forró, numa tentativa de conferir brasilidade à língua portuguesa
ensinada naqueles comerciais.
Em linhas gerais, podemos perceber que a década de 1990 foi marcada por
uma série de mudanças, seja do ponto de vista educacional, seja do ponto de
vista linguístico. No que concerne à prática de ensino do português, os
estudos da ciência da linguagem passaram a adentrar o espaço escolar,
embora de modo tímido e/ou inadequado e muitas vezes reducionista. Ainda
assim, apesar dos esforços dos pesquisadores, o discurso prescritivista ligado
à gramática tradicional era muito forte, e essa tensão entre os saberes
linguísticos e os normativistas será verificada em grande parte das coleções
de livros didáticos que circularam no período em questão.

CONSIDERAÇÕES BIOBIBLIOGRÁFICAS DO
AUTOR
Luiz Antônio Ferreira é graduado em Letras Português — Inglês pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Farias Brito, mestre e doutor em
Educação pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor titular da
PUC-SP e exerce a função de coordenador do Programa de Estudos Pós-
Graduados em Língua Portuguesa da mesma universidade. Suas linhas de
pesquisa concentram-se principalmente em questões de ensino de língua
portuguesa, sobretudo na interface da leitura. Além disso, o autor é líder do
Grupo de Estudos Retóricos da Atualidade (ERA), cadastrado no CNPq, cuja
sede também está localizada na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo.
Desde a década de 1970, Ferreira dedica-se ao magistério e, ao longo de
seus mais de quarenta anos de carreira, adquiriu experiência tanto na
educação básica quanto no ensino superior, além de ter desempenhado cargos
de gestão no âmbito educacional. Como autor, sua estreia dá-se exatamente
no campo dos livros didáticos, mais precisamente em 1980, com a obra
Técnicas de redação: teoria e prática, em parceria com Conceição Aparecida
Jurado. Ainda na mesma época, publicou a coleção Aulas de comunicação em
língua portuguesa, no ano de 1984.
Nos anos 1990, o autor continuou sua trajetória na produção de material
didático para a educação básica, publicando roteiros de leitura de obras
literárias para o ensino médio e também livros para o ensino fundamental II,
como os que compõem a coleção Lições de gramática, em meados da década
em questão. A partir dos anos 2000, as publicações do autor voltaram-se
sobremaneira para o ensino superior e concentraram-se principalmente nas
questões de retórica, com destaque para a obra Leitura e persuasão:
princípios de análise retórica, publicada em 2010 pela Editora Contexto.

AS LIÇÕES DE GRAMÁTICA E SUA


ESTRUTURA
Publicadas em 1998 pela editora Ática, as Lições de gramática perfazem
uma coleção de quatro volumes destinados aos anos finais do ensino
fundamental. O texto da contracapa apresenta as características gerais da
obra, destacando o fato de ela partir “sobretudo da linguagem cotidiana do
próprio aluno” para apresentar os conceitos gramaticais. Desse modo, a
experiência concreta dos educandos seria o ponto de partida do aprendizado
da língua portuguesa, o que lhes conferiria “maior segurança na produção de
textos”.
A apresentação é composta por um diálogo entre autor e aluno, iniciado por
meio da seguinte questão: “O que você pensaria se visse deitado na praia um
garoto de terno e gravata?”. Partindo da pergunta, Ferreira menciona
diferentes situações do cotidiano e sua relação com distintos graus de
formalidade. Desse modo, as palavras funcionariam tal como as peças do
vestuário, a serem escolhidas conforme a situação social. Por fim, ainda
ressalta que “a questão não é falar e escrever ‘certo’ ou ‘errado’”, e isso
corrobora o seu ponto de vista, pautado na adequação/inadequação às
diferentes situações de comunicação.
Em todas as lições, os tópicos a serem abordados são precedidos por textos
de diferentes tipos — hoje diríamos de diversos gêneros textuais — como
contos, poemas, letras de música, panfletos, tirinhas, anúncios publicitários,
charges, entre outros. Deles, ou informações são retiradas pelos estudantes,
solicitadas pelo autor na forma de exercícios, ou são selecionadas para
introduzir um novo conceito. A escolha é bastante criativa, na medida em que
a maioria dos gêneros compilados por Ferreira não se encontra nos materiais
didáticos da época. É relevante destacar também que muitos dos textos são de
publicação recente em relação à produção da obra, ou seja, da década de
1990.
Vale ressaltar ainda que cada um dos volumes da coleção traz um
complemento preparatório para as avaliações. Ele é elaborado pelas
professoras Lenira Buscato e Márcia Pelachin e retoma os conteúdos
trabalhados nas lições. Segundo as autoras,
Como forma de habituar o aluno a aplicar os conteúdos estudados em situações novas, as questões
propostas não reproduzem necessariamente os modelos encontrados.
Cabe ao professor selecionar dos exercícios propostos aqueles que serão realizados em classe ou
como trabalho de casa.
As lições são nomeadas pelo conteúdo apresentado e a maioria está voltada
a questões gramaticais. A quantidade de capítulos também varia entre os
livros, e eles estão dispostos tal como mostram os quadros a seguir:

Quadro 1: Conteúdos da 5ª e 6ª séries.


Quadro 2: Conteúdos da 7ª e da 8ª séries.

ANÁLISE DOS VOLUMES


Antes de nos dedicarmos ao exame individual dos livros que compõem a
série, optamos por elencar algumas características gerais da coleção, que
compreendem tanto aspectos linguísticos quanto pedagógicos. Do ponto de
vista historiográfico, eles são de grande valia para mostrar a relação do autor
com o clima de opinião em que se produziu a obra e também para
circunscrevê-la a tal momento de produção, a fim de verificar como ela se
relaciona ao espírito de época, tanto do ponto de vista linguístico quanto do
ponto de vista pedagógico.
Do ponto de vista linguístico, constatamos que, embora Ferreira busque
propor a aprendizagem da gramática de forma contextualizada, ele utiliza o
texto como pretexto para o ensino gramatical, prática ainda comum nos
manuais didáticos atuais. Silva e Morais (2011, p. 138), em estudo realizado
sobre livros didáticos, destacam:
Com relação ao uso de textos no estudo de conteúdos da tradição do ensino da gramática escolar
(especialmente ortografia e classes de palavras), constatamos que as coleções analisadas
demonstravam uma busca de apropriação de um discurso muito difundido na década de 1980 —
“trabalhar com textos” no ensino de conhecimentos gramaticais e ortográficos —, embora nem
sempre se encontrasse, é claro, uma coincidência total entre o que tem sido defendido no âmbito
dos discursos acadêmicos e oficiais — estudo das funções que determinadas categorias gramaticais
assumem nos textos, ou, mais recentemente, nos gêneros — e o que os livros didáticos, às vezes,
apresentavam: “uso do texto como pretexto”.
Antunes (2015, p. 42) considera que o surgimento da gramática
contextualizada deu-se com os avanços no campo das ciências da linguagem
— sobretudo os relacionados às teorias do texto e à pragmática —, que
passaram a exigir um ensino de língua pautado em textos orais e escritos. No
entanto, isso não garantiu mudança significativa no paradigma de ensino
gramatical. Nas palavras da autora, o texto foi unido à gramática e “[...]
servia apenas de material de onde se haviam de retirar palavras e frases, para
serem analisadas sob as velhas perspectivas morfossintáticas de antes”. Como
veremos mais adiante, apesar das exceções consideráveis, a obra de Ferreira
apresenta traços dessa prática, mostrando que ela era comum também nos
anos 1990.
Do ponto de vista pedagógico, o autor constrói uma linha de raciocínio que
aciona conhecimentos anteriores para introduzir a nova informação.
Considerando-se que toda prática pedagógica deve estar fundamentada em
uma teoria de aprendizagem, podemos dizer que Ferreira adota uma
aprendizagem significativa e uma teoria de ensino, tal como propõe David
Ausubel em seus estudos, privilegiando uma abordagem psicopedagógica
cognitivista. Faria (1989), em seu trabalho de divulgação das ideias de
Ausubel, assim caracteriza a aprendizagem significativa:
... a aprendizagem será significativa se as ideias expressas simbolicamente (por exemplo em uma
frase) forem relacionadas às informações relevantes, previamente adquiridas pelo aprendiz. Se este
não tiver o suporte ideacional, a aprendizagem será mecânica (rote learning) (FARIA, 1989, p. 8-9).
Essa estratégia de ensino repete-se ao longo de todas as lições da obra e
norteia o modo de exposição dos conteúdos, sempre introduzidos por meio de
questões. Vale a pena ressaltar o fato de muitas delas serem de caráter
inferencial, dado que o discente constrói suas respostas com base em
informações implícitas no texto, exigindo, portanto, maior esforço de
compreensão por parte do leitor (Cf. PALMA, 2016). Além disso, o autor
sempre procura mobilizar o conhecimento prévio do aluno, levando-o não só
a refletir sobre a língua em uso como também sobre os temas gramaticais
apresentados.
Do ponto de vista da historiografia linguística, por um lado, o trabalho de
Ferreira apresenta continuidade, uma vez que o conteúdo gramatical segue o
modelo greco-latino que vem orientando o ensino gramatical na escola, ainda
vinculado à Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB). Por outro lado, ele
inova na metodologia de ensino dos conteúdos gramaticais: há um diálogo
constante entre o professor e o estudante na construção de novos
conhecimentos, por meio de questões inferenciais a serem respondidas pelos
alunos em grupo, que exigem uma reflexão construída pelos próprios
discentes, orientados pelo professor. Portanto, esse autor muda o foco do
ensino da gramática, que deixa de ser um conjunto de regras memorizadas e
passa a ser um conjunto de informações relevantes sobre o funcionamento da
língua portuguesa na sua variedade de prestígio, como nos ensina Mattos e
Silva (1995, p. 14): “Normas ‘de prestígio’, equivalentes ao que se denomina
norma culta, quando o grupo de prestígio que a utiliza é da classe dominante
e, nas sociedades letradas, aqueles de nível alto de escolaridade”.

5ª série
O primeiro volume da coleção é composto por 38 capítulos, dedicados
principalmente à morfologia e à ortografia. As três primeiras lições figuram
como um diferencial, sobretudo pela temática abordada. Delas, a primeira e a
segunda contemplam um conteúdo efetivamente linguístico, discorrendo
sobre adequação e variação linguística. A terceira é ainda mais particular,
por tratar de um assunto pouco comum no ensino fundamental,
principalmente na série em questão: a história do português. Para a análise,
selecionamos a segunda lição, intitulada “Exercitando as competências”.
O nome do capítulo já denota um conteúdo diferente: o termo competências
merece destaque, pois pertence tanto ao âmbito dos estudos linguísticos
quanto ao da pedagogia. Chomsky, na década de 1960, já se ocupava da
definição de competência, em contraposição a desempenho. Para ele, o
primeiro seria “o conhecimento que o falante-ouvinte tem de sua língua; o
segundo corresponderia “[...] ao uso real da língua em situações concretas”
(CHOMSKY, 1971 [1964], p. 6).
Na década de 1990, os PCN também empregam o termo por diversas vezes
e preconizam: “Toda educação comprometida com o exercício da cidadania
precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência
discursiva” (BRASIL, 1998, p. 23). Para tanto, ponderam que outro aspecto
importante é a competência linguística e estilística, compreendida como a
capacidade de “[...] produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a
diferentes situações de interlocução oral e escrita” (Ibid.)
As competências chegam aos documentos oficiais, sobretudo por terem
ganhado relevo nos estudos de alguns teóricos, especialmente franceses,
conforme assinala Rios (2001, p. 76). Entre eles, destaca-se Perrenoud, que
define competência como “[...] uma capacidade de agir eficazmente em um
determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se
a eles” (PERRENOUD, 1999, p. 7). Levando em conta a formação de
Ferreira, podemos supor o seu contato mais próximo com essas teorias, tendo
em vista o fato de elas pertencerem ao campo da educação, área de
especialização de nosso autor.
Aplicando esses postulados às questões de linguagem, compreende-se que
um falante competente deve saber lançar mão de todos os recursos
linguísticos de que dispõe nas mais distintas situações de comunicação que se
lhe apresentarem. Conforme assinala Antunes (2015, p. 104), as diferentes
situações sociais demandam usos diferentes da língua. Isso porque ela “[...]
só existe em sociedade, e toda sociedade é inevitavelmente heterogênea,
múltipla, variável e, por conseguinte, com usos diversificados da própria
língua”.
A lição é aberta com uma imagem, na qual se vê uma pessoa trajando
roupas inadequadas para o contexto: uma praia. Pede-se que os alunos
observem a cena e, em seguida, respondam à pergunta: O que há de estranho
nessa situação? (p. 15). Pelo contexto, espera-se que eles percebam a
inadequação dos trajes do homem à situação retratada.
A partir da segunda questão, de caráter inferencial, inicia-se a reflexão
linguística: É possível relacionar, de alguma forma, essa situação ao que foi
estudado sobre o conteúdo de língua portuguesa? Justifique sua resposta.
Mais uma vez, fica clara a intenção de enfatizar a relação entre o uso da
língua e a situação de comunicação, como se pode observar na resposta
sugerida no livro do professor. Nela lê-se que “[...] há convenções para o uso
da língua, que deve ser adequada às diversas situações de comunicação” (p.
15).
Na sequência, há um pequeno texto expositivo destacando as variedades da
língua e afirmando que todos os falantes têm “[...] o direito de usá-las” (p.
16). Citam-se duas dessas variedades, referenciadas como variedade culta ou
padrão culto e variedade coloquial ou padrão coloquial. Para ilustrar, são
apresentadas quatro cenas de um contexto escolar em que a comunicação se
dá por meio da variedade coloquial. Na página seguinte, outra ilustração é
utilizada para exemplificar a variedade culta no contexto de uma reunião
empresarial.
A terceira questão consiste na passagem de frases da variedade coloquial
para a variedade culta. Entre elas, figuram registros como “As mangas já tá
madura. É só apanhá”; “Os aluno safado já se mandaro, fessora! ”; e “Meus
tio são tudo inteligente” (p. 17-18). Como podemos observar, apesar de se
tratar de um conteúdo efetivamente linguístico, a abordagem ainda se
assemelha ao padrão frástico da gramática tradicional. Além disso, os
exemplos de coloquialidade remetem-nos à variedade conhecida como
dialeto caipira (Cf. AMARAL, 2020 [1920]), largamente utilizada à época
para demonstrar o fenômeno da variação em livros didáticos.
A proposta do autor de se valer do conhecimento prévio dos alunos para o
ensino de gramática evidencia-se no exercício quatro, apresentado deste
modo: Pela rua onde você mora passam alguns vendedores? Como eles
fazem para divulgar a mercadoria que vendem? Anote as frases que
costumam usar nessa situação (p. 18). No livro do professor, lemos que o
objetivo da questão é levar os alunos à percepção dos inúmeros “recursos da
língua adequados a situações diversas” (p. 18). Nesse sentido, a questão
também se relaciona à competência linguística e estilística mencionada nos
PCN: para divulgar seu produto, o vendedor necessita de grande mobilização
dos recursos estilísticos da língua a fim de persuadir os clientes.
A questão de número cinco é baseada em uma figura, apresentada logo
abaixo da pergunta Qual a profissão do homem que aparece na figura a
seguir? (p. 18). Nela, observa-se um maestro, cuja identificação só é possível
pelo destaque dado à batuta que ele segura em uma das mãos. Embora o
exercício pareça desconectado do anterior, na verdade, ele é um preparo para
a reflexão proposta na sexta questão, assim formulada: É possível estabelecer
alguma ligação entre a função do maestro em relação aos músicos e a
função da gramática normativa em relação aos falantes da língua
portuguesa? Justifique sua resposta (p. 19). A resposta registrada no livro do
professor equipara a figura do maestro à da gramática, destacando que ambos
“[...] regem e determinam ao grupo como proceder” (p. 19) Assim, é possível
inferir que o conceito de gramática que norteia a obra é o normativo, ou seja,
“[...] um conjunto de regras que devem ser seguidas” (POSSENTI, 2005, p.
64, grifo do autor).
O exercício que encerra a lição propõe a reescrita de um bilhete. O contexto
inicial apresentado é de um garoto escrevendo para um amigo sobre um livro
lido. Em seguida, sugere-se que o aluno reescreva o texto, supondo outro
interlocutor: o diretor da escola. Desse modo, faz-se uma retomada dos
conceitos iniciais de variedade culta e coloquial, apresentados na parte
teórica, para finalizar a unidade.

6ª série
O segundo volume das Lições de gramática é composto por vinte e duas
lições, também dedicadas a temas predominantemente gramaticais
abrangendo a morfologia, a ortografia e a sintaxe. De todas as unidades, as
duas primeiras apresentam conteúdo marcadamente linguístico, como se pode
ver pelos títulos: “Variação linguística” e “Graus de formalismo”,
respectivamente. Para a análise, selecionamos a primeira lição, cuja temática
se relaciona à sociolinguística variacionista. Nos dizeres de Bagno (2017, p.
469), o fenômeno da variação é “[...]uma propriedade intrínseca da natureza
da mesma língua, de todas as línguas, que constituem sistemas heterogêneos,
múltiplos e variáveis” e constitui um dos pilares dessa vertente dos estudos
da linguagem.
Considerando a extensão da unidade — composta por 24 exercícios —
foram selecionados aqueles que julgamos mais significativos, incluindo a
parte teórica. A questão que abre o capítulo — Você é capaz de entender a
mensagem de Warlike? Por quê? (p. 7) — relaciona-se a uma ilustração
retirada de uma edição da revista Veja, de 1997. Nela, observam-se dois
internautas trocando mensagens, utilizando uma linguagem muito específica,
com termos como lag, flood, nick e lammer. Levando em conta o ano da
publicação do livro, o texto chama a atenção, pois a internet ainda não era
popular entre os jovens, e alguns dos termos registrados são hoje de uso
corrente, mas certamente não eram nos anos 1990.
A seguir, há um pequeno trecho explicando a fala da personagem e
ressaltando que, ainda assim, a tradução poderia não ser tão eficaz devido à
presença de termos mais específicos do vocabulário da informática. O texto
que segue ilustra a fala de um português, e o autor chama a atenção do leitor
para as diferenças vocabulares existentes entre o primeiro e o segundo textos.
Não há, nesse momento, nenhuma questão específica para o excerto
selecionado. Ele serve apenas como reflexão para a etapa seguinte. Nela, é
apresentada uma notícia com o título “Antônio Carlos abre: Timão tá
abandonado. Beque meteu a boca em cartola e no advogado do time” (p. 9),
extraída do extinto jornal Notícias Populares, de grande circulação na cidade
de São Paulo na época.
O trecho apresenta grande quantidade de gírias, e é esse o foco que se
pretende abordar, como se verifica na terceira questão: Procure, no
dicionário, os significados da palavra gíria e transcreva-os (p. 9). Em
continuação, seguem mais duas questões, agora especificamente relacionadas
ao texto: Retire as gírias do texto de Notícias Populares e O que o jornalista
quis dizer com “vai rolar o julgamento”? (p. 9).
Finalizando a etapa, uma pergunta visa mobilizar o conhecimento prévio
dos alunos e, ao mesmo tempo, estimular-lhes a criatividade: Você conhece
gírias comuns a praticantes de algum esporte? Crie frases, por exemplo, com
termos de gíria usados por: a. jogadores de futebol; b. locutores esportivos
(p. 10). No fim dessa questão, de número seis, segue um pequeno trecho
teórico, dedicado à questão da variação:
Como você pode perceber, os jovens internautas, o velho português e o jogador de futebol
praticam a mesma língua, mas não a usam do mesmo modo.
Essa é uma característica comum a todas as línguas do mundo: não são uniformes, não são usadas
da mesma maneira por todos. Apresentam, assim, variações linguísticas, que podem encontrar-se
nas modalidades escrita ou falada.
As línguas variam porque as sociedades se dividem em grupos: adultos, jovens, habitantes de
diversas regiões, profissionais de várias áreas, classes sociais.
O uso de determinada variação linguística indica o grupo a que pertence um falante da língua [...]
(FERREIRA, 1998, p. 10, grifos do autor).
Pelos dizeres, observamos a forte influência da sociolinguística
variacionista, tal como a define Bagno (2017, p. 425, grifos do autor):
[...] inaugurada por W. Labov [...] recorre aos fenômenos de ordem social para explicar os
fenômenos linguísticos, interessada como é sobretudo nos processos de mudança linguística —
nessa abordagem, portanto, o foco estaria em como a língua é configurada pela sociedade..

Além disso, o termo variações, empregado no plural, revela a influência


dos estudos de Preti (2000 [1994]). Chegamos a essa conclusão pelo fato de a
obra Sociolinguística: os níveis de fala fazer parte das referências que
constam no fim do livro. Nela, o autor também utiliza o plural para se referir
àquilo que hodiernamente chamamos de variedades ou variantes. O termo
variação é usado no singular para se referir ao fenômeno do qual elas
resultam.
Logo após a explicação, segue o texto Como ser brasileiro em Lisboa sem
dar (muito) na vista, de Ruy Castro, utilizado para destacar outros aspectos
da variação linguística: o vocabulário e a pronúncia (p. 11). Em seguida, é
apresentada uma tradução de texto feita por um português. A questão sete
relaciona-se a este último texto: A tradução traz marcas muito acentuadas do
português de Portugal. Reescreva o texto em seu caderno, fazendo as
modificações que julgar necessárias para que a fala do jovem irlandês se
aproxime do português falado em seu estado (p. 11). Devemos destacar que a
preocupação de Ferreira vai além da simples adequação do português
europeu ao contexto brasileiro: ele pretende fazer com que o aluno se utilize
“do português falado em seu estado” para a reescrita. Nesse momento,
evidencia-se, mais uma vez, a preocupação em mobilizar o conhecimento
prévio do aluno, dando voz a sua variedade de origem. Logo abaixo da
questão, lê-se o seguinte trecho teórico:
As línguas variam de região para região, de grupo social para grupo social, de situação para
situação.
É importante ressaltar que as variantes são formas de uma mesma língua.
As variações linguísticas se dão em vários níveis. Encontramos, por exemplo, um falar gaúcho e um
mineiro. Em cada um deles, é possível identificar uma variante popular e uma culta. Dentro da
variante popular podemos encontrar um modo formal e um modo informal (FERREIRA, 1998, p. 11).
Nele, é possível notar, novamente, a forte influência dos estudos de Preti
(2000 [1994], p. 17). Segundo esse autor, existem fatores extralinguísticos
capazes de influenciar o falante no momento da comunicação. A eles se
relacionam as variações linguísticas: geográficas, que “[...] envolvem as
variações regionais”; as sociológicas, que “[...] compreendem as variações
provenientes da idade, sexo, profissão, nível de estudos, classe social,
localização dentro da mesma região, raça [...]; e as contextuais, que “[...]
constam de tudo aquilo que pode determinar diferenças na linguagem do
locutor por influências alheias a ele, como,por exemplo, o assunto, o tipo de
ouvinte, o lugar em que o diálogo ocorre [...]”.
Também merece destaque o trecho em que se menciona a existência de
“uma variante popular e uma culta”, pois as pesquisas sociolinguísticas já
demonstraram não haver apenas uma variante popular, como afirma o autor.
No entanto, levando em conta o clima de opinião da época de escrita do
texto, o uso é plenamente justificável. Além disso, chamamos a atenção para
o uso do adjetivo culto, do qual trataremos mais adiante.
A lição segue com um novo trecho teórico, agora destinado às questões de
fala. Nele, são feitas as seguintes considerações:
Você aprendeu a falar antes de vir para a escola. A fala ocorre em uma situação concreta: há
pessoas que conversam, que se ouvem e se veem, têm simpatia, antipatia, se identificam ou não
com outros falantes. Se as pessoas se conhecem bem, podem falar com intimidade, de modo
informal; quando não são íntimas, falam de modo mais respeito, mais cuidadoso, mais formal. [...]
(FERREIRA, 1998, p. 12, grifos do autor).
Aqui notamos a intenção do autor em definir os conceitos de formalidade e
informalidade e, novamente, percebemos a influência dos postulados
sociolinguísticos, ao considerar a situacionalidade como fator essencial ao
contexto enunciativo. As questões que seguem à explicação são, na verdade,
exercícios de oralidade. A de número nove, por exemplo, diz: Leia em voz
alta as seguintes frases, conforme orientação de seu professor, pronunciando
mais fortemente as palavras em destaque: a. Joana conseguiu nove em
matemática; b. Joana conseguiu nove em matemática; c. Joana conseguiu
nove em matemática (p. 12). Posteriormente, os alunos são levados a refletir
sobre as diferenças de sentido em cada uma das entonações, destacando a
importância delas na língua falada.
Mais adiante, há um parágrafo sobre a língua escrita, em que aparece um
verbete do dicionário Aurélio com a definição do vocábulo escrita. As
questões seguintes dão conta de fazer o aluno perceber a importância do ato
de escrever em uma sociedade letrada: Por que o jornalista transcreveu a
entrevista do jogador Antônio Carlos no jornal Notícias Populares? Como
sabemos, hoje, dos grandes feitos dos homens do passado? Como podemos
deixar para os homens do futuro o registro de nossas invenções e
descobertas? Agora, conclua: Para que serve escrever? (p. 14).
As perguntas, em conjunto, também servem para destacar as diferenças
entre a fala e a escrita, e isso se nota nos próximos exercícios, baseados em
uma história em quadrinhos de Ozzy. Depois de uma sequência de três
questões — em que se pergunta quem está conversando, onde está
conversando e se seria possível entender a piada sem o uso dos desenhos —
há um parágrafo teórico versando sobre as diferenças entre a escrita e a fala.
Após outra questão, que sugere a escrita da história retratada na tirinha, segue
outro parágrafo destacando as propriedades do texto escrito: “[...] possui
letras, palavras e parágrafos que contêm unidades de sentido. E, como na
fala, pode ser usado com diferentes variantes linguísticas” (p. 15). Aqui
destacamos o fato de variações e variantes serem termos usados
indistintamente ao longo da lição.
No parágrafo seguinte, define-se o alfabeto como “um conjunto ordenado
de letras” (p. 16) e menciona-se que elas servem para “escrever os sons da
língua”. A questão subsequente pede a transcrição do alfabeto da língua
portuguesa e é seguida por outra, de cunho reflexivo: Quem conhece o
alfabeto realiza com maior rapidez certas tarefas. Relacione algumas delas
(p. 16). Como podemos perceber, o objetivo de Ferreira é destacar a
importância da escrita, partindo de uma análise que possibilite ao aluno
compreender também as diferenças existentes entre o texto oral e o escrito.
Para concluir essa parte, um novo parágrafo é inserido e nele lemos:
“Falando ou escrevendo, valemo-nos da língua portuguesa. Como qualquer
outra, nossa língua não é uniforme. Sofre modificações, dependendo do lugar
e do momento em que é utilizada e da pessoa que a emprega” (p. 16). Outra
vez, evidenciam-se os conceitos advindos da sociolinguística, sobretudo
quando se mencionam as modificações da língua, baseadas principalmente no
lugar e no momento de seu uso, bem como em por quem ela é usada.
Ao fim da lição, a noção de adequação é abordada. Nesse momento,
Ferreira pondera: “Em conclusão, a forma como qualquer pessoa fala e
escreve é saudável e boa, se estiver adequada à situação de comunicação” (p.
17). A afirmação vai ao encontro daquilo que Preti (2000, p. 37) chama de
fatores situacionais. Para ele, esses fatores “[...] não dizem respeito
diretamente ao falante, mas apenas às circunstâncias criadas pela própria
ocasião, lugar e tempo em que os atos de fala se realizam”. A essas nuances o
autor dá o nome de níveis de fala, cuja definição seria as “[...] variações
determinadas pelo uso da língua pelo falante, em situações diferentes”
(PRETI, 2000 [1994], p. 38).
Ao finalizar a parte teórica, Ferreira (1998, p. 17-18, grifos do autor) faz as
seguintes considerações:
Escrever um documento solicitando vaga em uma escola, escrever uma solicitação de emprego ou
responder a questões feitas pelo empregador durante uma entrevista exigem o uso da norma culta,
aquela que é regida por leis, por padrões determinados pela gramática normativa. Os documentos
oficiais [...] são escritos na norma culta, isto é, no dialeto social praticado pelas classes de maior
prestígio.

Novamente daremos destaque ao termo culto, desta vez flexionado na


expressão norma culta, destacada no texto original. Do ponto de vista
historiográfico, a presença do termo é relevante por corroborar os postulados
de Faraco (2017 [2008]), ao recuperar o momento em que culto e norma
culta deixam de ser termos especificamente relacionados à pesquisa
linguística e passam ao contexto escolar. Segundo o autor, com o advento da
linguística, a gramática foi sendo desprestigiada no mundo acadêmico, e o
seu ensino passou a ser alvo de críticas ferrenhas, baseadas em
questionamentos não só sobre as concepções de língua como também sobre a
eficácia de uma pedagogia gramatical, tradicionalmente inaugurada pelos
gregos. Por isso,
Desenvolveu-se, então, um certo discurso pedagógico que passou a condenar ou o ensino da
gramática em sua totalidade [...]; ou a centralidade desse ensino [...].
Nesse contexto, passou a ser “politicamente incorreto” dizer que se ensinava gramática [...] Como,
no entanto, o ensino de português (respeitadas as exceções) não se alterou substancialmente nessa
conjuntura (a crítica ao saber tradicional alcançou o discurso, mas não, de fato, a prática
pedagógica [...]), foi preciso enfrentar a depreciação semântica do termo gramática e encontrar um
novo nome para o velho saber e as velhas práticas (FARACO, 2017, p. 23).
A fala de Ferreira ilustra bem o clima de opinião, em que o termo
ultrapassa o limite da pesquisa linguística e passa a fazer parte dos livros
didáticos, relacionado à gramática normativa, especialmente na década em
que os discursos contrários ao ensino de gramática na escola ganham mais
força. Embora ele não utilize os termos sinonimicamente, ao considerar a
norma culta como “o dialeto social praticado pelas classes de maior
prestígio”, há certa discrepância de conceitos.
As pesquisas linguísticas — sobretudo as realizadas sob a chancela do
projeto NURC a partir da década de 1960 — revelaram que os falantes ditos
“cultos” faziam uso de uma variedade não muito distante — do ponto de vista
sintático, por exemplo — daquelas menos prestigiadas. Além disso, os
estudos mostraram que, na variedade dita culta, uma série de ocorrências
distava da norma predicada pela gramática tradicional. Por essa razão,
quando o autor aproxima a norma culta da norma predicada pela gramática
normativa, ele se vale da mesma visão de outros autores da época.

7ª série
O assunto predominante na 7ª série é a análise sintática. Há ainda três lições
que tratam da ortografia com especial destaque para a acentuação gráfica. Na
lição dois, por exemplo, considera-se o conceito de sílaba tônica e sílaba
átona e o de monossílabo, com sua subdivisão em tônico e átono, para se
chegar à proposição da regra de acentuação dos monossílabos.
Nessa unidade, são propostos dois textos como ponto de partida para a
construção do conceito de acentuação dos monossílabos e a noção de
palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas, mostrando como ocorre a
acentuação dessas últimas. Além disso, há um terceiro texto, em quadrinhos,
que introduz as palavras oxítonas acentuadas. Encerra essa lição, uma
proposta de trabalho em grupo, que resultará na produção de duas entrevistas:
uma com gêmeos e outra com adultos, tendo como base o tema do primeiro
texto, um artigo de divulgação científica, cujo foco é a clonagem de animais.
A mesma estrutura é mantida nas vinte lições que compõem o volume da 7ª
série.
Além dos capítulos já citados, o autor traz uma lição sobre a formação do
vocabulário português, três lições sobre a formação de palavras e uma sobre
pontuação. Finalmente, há um capítulo, o décimo sétimo, que aborda
problemas na construção de frases. Ferreira seleciona dois panfletos, em que
as autoras tratam de assuntos de diferente natureza, vividos pelos
consulentes. O primeiro, intitulado “Dona Karina”, deve ser discutido em
grupo, partindo de questões propostas pelo autor.
O primeiro exercício engloba cinco perguntas. Na primeira, o autor já deixa
claro o parâmetro para o estudo desse texto: a norma culta escrita. Ela trata
da adequação do tempo verbal, com o objetivo de mostrar a correlação entre
o futuro do presente do indicativo e o futuro do subjuntivo. Na segunda, é
solicitada a localização de adjunto adverbial deslocado na oração e, na
terceira, é focalizado o uso da vírgula em expressões adverbiais, deslocadas
de sua posição, ou seja, em orações na ordem inversa. Na quarta questão, a
pergunta Que ideia transmite a expressão pelos meios de seus estudos? dá
destaque à diferença de sentido entre as expressões “pelos meios de seus
estudos” e “por meio de seus estudos”, uma vez que a primeira pode ser
interpretada como “na metade de seus estudos”, como aponta Ferreira. A
quinta pergunta aborda o uso do pleonasmo vicioso na expressão “Assuntos
particulares de cada um”. Assim, cabe ao estudante mostrar que particular só
pode ser de cada um.
Na segunda questão (p. 179), o autor introduz o seguinte período: “Uma
consulta será bastante para que se tenha a convicção do que se quer saber... ”.
É proposta uma pergunta sobre ele — Como devemos entender seu sentido?
Seu objetivo é chamar a atenção do estudante para essa construção,
classificada como estranha, uma vez que ela pode ser interpretada como “o
consulente precisar de uma consulta para ter certeza do que é que ele quer
saber ou para sair convicto do que ele quer descobrir.”, conforme resposta
apresentada no Livro do professor, à página 179. Na sequência, é solicitado
ao aluno que reescreva o período, tornando-o mais claro e objetivo. Nessa
proposta, por meio de uma questão inferencial, o autor articulou a leitura, a
escrita e a reflexão sobre a construção linguística. Embora Ferreira privilegie
a norma culta escrita, ele propõe um trabalho de gramática reflexiva, que,
segundo Travaglia (1996, p. 33), citado na bibliografia, é “a gramática em
explicitação”. Sobre esse tipo de gramática, ele afirma:
Esse conceito se refere mais ao processo do que aos resultados: representa atividades de
observação e reflexão sobre a língua que buscam detectar, levantar suas unidades, regras e
princípios, ou seja, a constituição e o funcionamento da língua. Parte, pois, das evidências
linguísticas para tentar dizer como é a gramática implícita do falante, que é a gramática da língua.

A proposta apresentada por Ferreira contempla o segundo tipo de trabalho


de gramática reflexiva proposto por Travaglia: aquele em que as atividades
têm como foco os efeitos de sentido produzidos pelos elementos linguísticos
na interlocução, sendo, portanto, uma reflexão de caráter semântico-
pragmático. É um ensino centrado na forma de usar a língua, e não em
classificar os elementos linguísticos, nem em ensinar a nomenclatura.
Na terceira questão, tendo como base o período ”Uma consulta será
bastante para que se tenha convicção do que se quer saber, pois os seus
trabalhos, além de estarem ao alcance de todos, são garantidos, sejam quais
forem os vossos interesses” (p. 179), pede-se aos estudantes que observem a
mudança dos pronomes, que passam da 3ª pessoa do singular para a 2ª do
plural, devendo ser reescrito o período. Aqui é proposta mais uma atividade
de reflexão sobre a língua, dessa vez focalizando a quebra da forma de
tratamento.
A quarta questão (p. 180) indaga se há justificativa para, na passagem,
“...pois os seus trabalhos, além de estarem ao alcance de todos, são
garantidos, sejam quais forem os vossos interesses: Comercial, Particular,
Amoroso, Viagens, Dificuldades em vencer algo na vida, separação de
amantes, enfim todo e qualquer assunto... ” (p. 177), algumas palavras
estarem grafadas com as iniciais em maiúsculas. Essa pergunta é de caráter
inferencial e levaria o aluno a concluir que, como não há razão gramatical
para tal uso, a autora do texto deve ter escolhido esse recurso gráfico para
chamar a atenção dos futuros clientes, resposta explicitada no livro do
professor. Mais uma vez, Ferreira, fundamentado na gramática reflexiva,
articula aspectos gramaticais e construção do sentido do texto.
As sexta e sétima questões focalizam o panfleto da professora Morgana,
havendo um destaque especial para os desvios em relação à norma culta
escrita. Solicita-se ao estudante que faça uma leitura atenta desse texto e
discuta com seus colegas os problemas encontrados na construção das frases,
na pontuação, no uso inadequado de certas palavras e no uso indevido de
maiúsculas e minúsculas. O levantamento será discutido com a classe e, após
a discussão, os dois panfletos deverão ser reescritos no caderno, em
linguagem “culta”.
Embora Ferreira priorize o uso da norma-padrão na construção de novos
conhecimentos sobre o funcionamento da língua, ele se serve da gramática
reflexiva, como já apontado nesta análise, como um caminho possível para o
aluno internalizar tanto comportamentos epilinguísticos, como
metalinguísticos. Os primeiros caracterizam-se pela suspensão do tópico
discursivo ou do tema do texto, para tratar dos próprios recursos linguísticos
que estão sendo usados ou de aspectos da interação. Nessas interrupções, há
uma reflexão sobre os elementos da língua e de seu uso, relacionada ao
processo interacional, como ocorre no exemplo: “Achei o trabalho bom.
Bom, não, excelente!”. Já os comportamentos metalinguísticos são aqueles
em que se emprega a língua para refletir sobre a própria língua. Nesse caso,
segundo Travaglia (1996, p. 35), há uma “análise consciente dos elementos
da língua, e se busca explicitar como esta é constituída e como funciona nas
diferentes situações de interação comunicativa”. Ainda segundo ele, ensinar a
língua com base na reflexão caracteriza um ensino produtivo, cujo objetivo é
ensinar novas habilidades linguísticas ao estudante, com vistas ao
desenvolvimento de sua competência comunicativa.

8ª série
O volume trata das orações coordenadas e subordinadas, das orações
reduzidas, da concordância e regência verbal e da linguagem figurada. Como
todos os capítulos têm a mesma organização, escolhemos, para análise, a
décima terceira lição, que aborda a concordância verbal. Ela se inicia com o
texto “Lição de escrita”, adaptado da obra Tristes trópicos, de Claude Lévi-
Strauss, um relato de viagem. Além desse trecho, há uma tirinha de Garfield,
uma passagem de um jornal brasileiro e classificados de jornal. Todos esses
textos servem de ponto de partida para a introdução de casos de concordância
verbal, focalizados em dezoito questões, todas de caráter inferencial. Finaliza
essa lição um trabalho em grupo que tem como tema um relato de viagem.
As quatro primeiras questões referem-se ao texto de Lévi-Strauss. A
primeira apresenta uma série de frases, e é solicitado ao estudante que
assinale aquelas em que a concordância do sujeito com o verbo esteja de
acordo com a norma culta. Essa pergunta exige do aluno uma reflexão sobre
a relação entre sujeito e predicado, conceitos trabalhados na 7ª série, embora
a forma de estruturação da pergunta seja a de múltipla escolha.
A questão dois retoma o conteúdo da primeira, solicitando ao estudante que
reescreva as frases cuja concordância não esteja de acordo com a norma
culta. Ela também exige um trabalho reflexivo do estudante, mobilizando
conhecimentos anteriores.
A terceira questão é antecedida de um quadro, introduzido pela palavra
“Veja”. Nele, são apresentadas a terceira pessoa do singular e do plural, no
presente do indicativo dos verbos ler, ver, crer, vir e ter. O objetivo é mostrar
para o estudante que tais formas se diferenciam, no singular e no plural, pela
duplicação da vogal “e” em todos os verbos e pela presença do acento
circunflexo em vêm (verbo vir) e têm (verbo ter). Na sequência, é proposto o
exercício no qual é solicitado que o aluno preencha as lacunas com os verbos
que estão entre parênteses. Essa questão exige do aprendiz a relação das
informações que estão no quadro com a construção da frase, considerando a
ligação entre sujeito e predicado, conceito desenvolvido nas duas questões
anteriores.
Na quarta questão, pede-se a escrita de frases com os verbos ter, dar, crer,
ver, vir e ter, empregados na terceira pessoa do singular e na terceira do
plural. São esperadas respostas pessoais, que exigem em sua produção a
retomada do conceito de concordância verbal e o das informações contidas no
quadro com os verbos. Novamente, é demandado um processo de reflexão,
uma vez que as informações estão implícitas no texto.
A quinta questão propõe a análise de frases retiradas de um importante
jornal, e solicita-se ao estudante que verifique se elas apresentam problemas
de concordância. Caso haja falhas, as frases devem ser reescritas, de acordo
com a norma culta. Segue a frase: “Estão abertas as inscrições para o mais
importante concurso de música erudita do país. Qualquer instrumento de
orquestra, além de piano, violão, cravo, instrumentos antigos e canto podem
concorrer nas categorias solista e conjuntos” (p. 154). A falha está no uso do
plural do verbo poder, pois seu sujeito é “qualquer instrumento”, e a falta da
vírgula entre o substantivo canto e a forma verbal podem.
A questão seis vem precedida de exemplos formados por frases, nas quais
são destacados o sujeito, sendo apontado que ele está: a) no plural; b)
formado por palavra partitiva seguida de substantivo no plural; e c) formado
por substantivo coletivo. Quanto ao verbo, está indicado em a) que ele está no
plural; em b) que ele está na terceira pessoa do singular ou do plural; e em c)
que ele está na terceira pessoa do singular. A relação entre esses termos é
apresentada de forma gráfica, na qual é introduzido o conceito de
concordância. Na sequência, é proposto o exercício solicitando-se que seja
feita a concordância entre o sujeito e o predicado dos verbos entre parênteses.
Vemos que essa questão segue a mesma linha de raciocínio da quarta.
A sétima questão pede ao aluno que escreva frases sobre os nhambiquaras,
empregando, na função de sujeito, os coletivos fauna, caravana, bando,
repertório. Assim, ela retoma o conceito explicitado na questão seis, exigindo
reflexão por parte do aprendiz sobre o conceito geral de concordância e o
específico, relacionado aos substantivos coletivos.
A oitava questão solicita a modificação das frases criadas na pergunta
anterior, substituindo-se o coletivo por palavras correspondentes ao seu
significado (fauna = animais da região). Essa atividade também demanda
reflexão por parte do estudante.
A nona questão vem igualmente precedida de um quadro explicativo, de
natureza gráfica, sobre a voz passiva sintética e sua concordância, mostrando
que o sujeito no singular leva o verbo para o singular e, no plural, exige o uso
do plural. Em seguida, é solicitada a realização de atividade na qual o
estudante deve formar frases com o verbo e o substantivo indicados, seguindo
a regra de concordância. Há uma lista da qual fazem parte dois verbos
transitivos indiretos, cujos sujeitos serão indeterminados pela partícula “se”.
Esse exercício é bastante complexo, exigindo uma reflexão mais profunda em
sua elaboração.
A décima questão é introduzida por outro quadro explicativo, dessa vez
sobre os verbos transitivos indiretos e o índice de indeterminação do sujeito.
Na sequência, é apresentado um exercício semelhante ao da questão nove,
mas com foco no conteúdo do quadro. Tal como no exercício anterior, são
misturados verbos transitivos diretos, que exigem a voz passiva e sua
concordância, e verbos transitivos indiretos, que mantêm o verbo na terceira
pessoa do singular. Sobre a complexidade, vale a mesma observação da
questão anterior.
A décima primeira questão pede ao estudante que imagine ser ele um
vendedor de carros importados e, então, crie duas frases para constar em uma
placa para atrair clientes. O exercício volta-se para o uso da língua em uma
situação comunicativa especifica e demanda criatividade e reflexão na
construção linguística.
A décima segunda questão também foca o uso da língua. É dado como
modelo um classificado de jornal, com o verbo na terceira pessoa do singular
e, depois, pede-se a redação de um classificado para cada um dos três
anúncios apresentados, para venda, aluguel ou doação dos terrenos neles
anunciados. Vale o comentário feito para a questão anterior.
A décima terceira questão tem como base uma tirinha de Garfield. Dela,
são retiradas ações que o gato costuma fazer, segundo seu dono, e é solicitado
ao aluno que as redija na voz passiva, como se fosse o gato que as
anunciasse, com base em construções com o verbo no infinitivo. A atividade
é bastante complexa e exige reflexão sobre o uso da língua por parte do
usuário.
A décima quarta questão retoma o texto de Lévi-Strauss. Nele, são
destacados os verbos. Em seguida, é apresentado um modelo para o estudante
com alguns desses verbos na voz passiva sintética. Pede-se, então, que o
mesmo seja feito com os demais verbos: “Reclamou-me um bloco:
Reclamou-se um bloco”. Consideramos que essa questão igualmente
demanda reflexão em sua produção.
A décima quinta questão vem novamente antecedida de um quadro
explicativo, estabelecendo uma relação entre o verbo haver (no sentido de
existir) e os verbos existir e acontecer, indicando o seu uso na terceira pessoa
do singular e do plural. Adiante, são apresentadas frases com erros de
concordância desses verbos e é solicitado ao aluno que faça a reescrita delas,
seguindo a norma culta. O exercício apresenta complexidade e exige reflexão
por parte do usuário no momento de sua realização.
As questões dezesseis e dezessete pedem que se escrevam frases com o
verbo haver, respectivamente no sentido de existir e de acontecer, ocorrer. As
perguntas envolvem um grau de complexidade em sua resposta, exigindo do
estudante reflexão em sua elaboração.
Antecede também a décima oitava questão um quadro explicativo sobre o
uso do verbo fazer e do haver, quando usados na terceira pessoa do singular,
indicando passagem de tempo. Na atividade proposta, o verbo fazer deve ser
substituído pelo haver, podendo ou não vir acompanhado da conjunção
integrante “que”, como em Faz dez anos que li essa história de índios e
brancos. / Há dez anos, li essa história de índios e brancos. Há dez anos que
li essa história de índios e brancos. O exercício também exige reflexão por
parte do estudante em sua produção.
A última atividade da lição é o trabalho em grupo, que retoma o relato de
viagem apresentado no primeiro texto da unidade. Após a conceituação desse
tipo de texto, é solicitada ao estudante, seguindo os passos indicados pelo
autor, a produção de um relato de viagem. O trabalho deve ser feito
individualmente e, ao final, será escolhido, por votação, o relato que
representará o grupo. O escolhido será lido para a classe. Diferentemente de
outras lições, ao fim desta, não são estabelecidas relações com os conteúdos
gramaticais nela discutidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com Valente (2016, p. 247), os avanços na pesquisa linguística
propiciaram uma série de estudos cujo foco recaiu sobre as questões textuais.
Nas palavras do autor, “Todo esse processo foi enriquecedor para alunos e
professores nas práticas didático-pedagógicas”. Nesse sentido, a década de
1990, como legatária de uma série de discussões tanto pedagógicas quanto
linguísticas iniciadas em décadas anteriores, foi palco de inúmeras mudanças.
Com relação ao ensino de língua portuguesa, o período caracteriza-se não só
pela entrada dos postulados linguísticos nos documentos oficiais e nos
materiais didáticos, como também por uma tensão entre a gramática
tradicional e a linguística.
A coleção analisada, produzida em 1998, é exemplo dessa tensão, uma vez
que traz em seu título a palavra gramática e dela se ocupa precipuamente,
enfatizando a proposta de ensiná-la “para o dia a dia”. Assim, verificamos
certa continuidade na visão de ensino de língua, associado à gramática
normativa. Além disso, a obra mantém o mesmo perfil de gramática
contextualizada comum à época, valendo-se do texto como pretexto para a
abordagem gramatical e dando pouca ênfase a aspectos textuais já bastante
difundidos no momento de produção do material didático, como os advindos
da linguística textual ou da análise do discurso.
No entanto, a linguística está presente na obra, ainda que timidamente, em
algumas lições dos dois primeiros volumes. Nelas, percebe-se claramente a
influência dos estudos da sociolinguística variacionista, em consonância com
aquilo que preconizavam os PCN, também influenciados por essa vertente de
estudos da linguagem. O capítulo sobre a origem do português também
merece destaque, pois não era comum em coleções voltadas para o ensino
fundamental.
O autor igualmente rompe com o modelo tradicional dos manuais da época
ao apresentar as lições de modo dialogado, valendo-se de inúmeras questões
inferenciais para apresentar os conteúdos. Nesse ponto, ficam claros os
postulados da gramática reflexiva, pois o aluno é levado a refletir sobre as
regras e a inferi-las. A apresentação do conteúdo também se dá de modo
diferenciado, comparada a outras coleções do mesmo período: o autor não se
vale de um texto corrido para expor a matéria; ela é entremeada pelas
questões, possibilitando que a apropriação dos conceitos se dê gradualmente.
Além disso, a proposta de partir do conhecimento prévio dos estudantes é
plenamente cumprida pelo autor.
A história se circunscreve e se inscreve na materialidade do texto, registro
indelével do pensamento humano nas distintas épocas de sua existência. Ao
analisarmos as Lições de gramática, foi possível reestabelecer um diálogo
com a década de 1990, não só na tentativa de reconstruí-la por meio da obra
de Ferreira, mas também ressignificar essa obra, levando em conta o
momento de sua produção. Como vimos, as escolhas do autor refletem o
clima de opinião, a que se mantém indissociavelmente ligado. No entanto, o
seu engenho delimita em que medida se dará essa relação. Em outras
palavras, é a sua natureza inventiva que definirá as continuidades, as
descontinuidades e as rupturas com relação ao pensamento vigente, no
incessante fluxo histórico, escrito e reescrito pelo próprio homem.

REFERÊNCIAS
Fontes primárias
FERREIRA, Luiz Antonio. Lições de gramática. São Paulo: Ática, 1998 (4 volumes).

Fontes secundárias
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Paulo: Parábola, 2015.
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____. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. 3.ed. São Paulo:
Parábola, 2015.
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portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
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[2008].
FARIA, Wilson de. Aprendizagem e planejamento de ensino. São Paulo: Ática, 1989.
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MATTOS e SILVA, Rosa Virgínia. Contradições no ensino de português: a língua que se fala X a
língua que se ensina. São Paulo: Contexto; Salvador, BA: Editora da Universidade Federal da Bahia,
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S.Paulo, São Paulo, 9 de agosto de 1997. Caderno Mercado. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/8/09/index.html.
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professores de língua materna. In VASCONCELOS, Maria Lucia M. Carvalho (org.) Língua e
literatura — Ensino e formação de professores. São Paulo: Editora Mackenzie, 2016, p. 55-80.
____. Lições de português e a formação de futuros professores: a proposta de Souza da Silveira para o
ensino da língua materna na perspectiva da historiografia linguística. In.: CONGRESSO
INTERNACIONAL DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. Anais do IV Congresso
Internacional de Estudos Linguísticos e Literários [recurso eletrônico]. Belém: Programa de Pós-
Graduação em Letras da UFPA, 2013, p. 224-233.
PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de
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RIOS, Terezinha Azerêdo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São Paulo:
Cortez, 2001.
SILVA, Alexsandro; MORAIS, Artur Gomes. Entre a tradição e inovação: um estudo sobre mudanças
no ensino de gramática em livros didáticos de língua portuguesa. In Revista Portuguesa de Educação.
V. 24, n. 1. Braga: Cied — Universidade do Minho, 2011, p. 119-144. Disponível em
http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpe/v24n1/v24n1a06.pdf.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e
2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.
VALENTE, André. Por que e como ensinar gramática na escola. In.: BASTOS, Neusa Barbosa. (org.).
Língua portuguesa e lusofonia: história, cultura e sociedade. São Paulo: EDUC, 2016.
CAPÍTULO 6
DIRCE GUEDES DE AZEVEDO E
A COLEÇÃO PALAVRA &
CRIAÇÃO
Uma leitura lúdica e investigativa
MARIA IGNEZ SALGADO DE MELLO FRANCO
MARILENA ZANON

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente capítulo analisa, sob o ponto de vista da historiografia
linguística, a coleção de livros didáticos Palavra & Criação, da autora Dirce
Guedes de Azevedo, composta por 4 volumes, de 5ª a 8ª séries (5ª, 6ª e 8ª, de
1996, e a 7ª, de 1997) correspondentes, hoje, aos 6º a 9º anos do ensino
fundamental II. A coleção apresenta, em cada volume, as seguintes partes:
Texto, Leitura complementar, Pesquisa, Trabalho extraclasse, Produção de
texto, Gramática e Para Escrever melhor. Há também outros aspectos
propostos em determinados momentos do processo de ensino-aprendizagem:
conceitos e atividades de comunicação, pesquisa, trabalho extraclasse e
debate.
Um ponto positivo da coleção de língua portuguesa foi a organização do
livro, sua clareza e objetividade, que se tornam muito importantes para o
professor, pois o auxiliam com os planejamentos didáticos. Nos quatro livros,
em todas as seções, há os objetivos específicos, o conteúdo e diferentes
atividades, com propostas de variadas habilidades e competências após cada
item.
A escolha da coleção deveu-se à influência da professora Azevedo em um
período marcado por eventos, assessorias técnicas e uma vasta produção
documental. Entre eles, destaca-se o Plano Decenal da Educação para Todos,
de 1993, no governo Itamar Franco. A necessidade de formar um novo tipo
de trabalhador, requerido pelo sistema capitalista, exigiu mudanças nos
papéis sociais da educação e, consequentemente, na organização legislativa
educacional.
Este capítulo tem como objetivos: 1) analisar a coleção de língua
portuguesa Palavra & Criação sob o ponto de vista da historiografia
linguística; 2) relacionar a coleção Palavra & Criação com as concepções de
ensino e de aprendizagem presentes nas escolas brasileiras da década de
1990.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS — A
HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA
Este capítulo está alicerçado nos aspectos teórico-metodológicos da
historiografia linguística, no que tange aos princípios de contextualização,
ou seja, o clima de opinião do momento; de imanência, isto é, a busca por
ideias e políticas linguísticas e de adequação, que é a obediência aos dois
primeiros, momento de o historiógrafo tentar introduzir aproximações
modernas que permitam a apreciação do texto analisado, no nosso caso, a
coleção Palavra & Criação, objeto da nossa pesquisa. Esses princípios estão
fundamentados em Koerner (1996) e são adotados pela comunidade científica
de historiografia linguística. Baseamo-nos, também, em Swiggers (2009), que
define a tarefa do historiógrafo como a de descrever, interpretar e explicar os
fatos linguísticos. Nossa atenção está voltada para a questão do tratamento
dado à redação do ensino, leitura e gramática de língua portuguesa na década
de 1990.
Outro aspecto que merece atenção refere-se aos quatro passos
investigativos que, de acordo com Bastos e Palma (2004), são
imprescindíveis para a concepção deste trabalho: 1) seleção: fase da escolha
do documento; 2) ordenação: fase de organização; 3) reconstrução: fase do
refazimento linguístico e 4) interpretação: fase da leitura crítica.

TEORIAS EDUCACIONAIS DA DÉCADA DE


1990
Em relação às teorias educacionais ou leis promulgadas na época em que
foi escrita a coleção da professora Azevedo, ela ainda recebe influências da
década anterior, já estudada na História Entrelaçada 8 (2018), pois as leis
mais importantes só apareceram em 1996, realçando a nova a LDBN— Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) nº 9.398, substituindo a
LDB de 1971. A LDB estabelece, em seu artigo 36, que a língua portuguesa
será vista como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e
exercício da cidadania, contemplando, assim, todas as modalidades
expressivas. Os ensinos de 1º e 2º graus passam, respectivamente, a ensinos
fundamental e médio.
Na década de 1990, a educação era vista como um processo de
questionamento. Tem-se consciência de que nunca se chegará a uma
plenitude, mas o mais importante nesse momento é a nova concepção de
língua que começa a se delinear. Língua, agora, não é mais instrumento de
comunicação, mas, principalmente, enunciação, discurso, que estabelece
relações de intercomunicação. Os processos de leitura e escrita passam,
portanto, a ser o resultado da interação autor-texto-leitor. Consideramos
oportuno resgatar a posição do professor Geraldi (1997), que fundamenta a
posição inovadora da professora Azevedo, em que afirma
(...) aprendizagem não é só um processo de apreensão; é um processo de reflexão sobre aquilo que
eu aprendo. Essa reflexão altera tudo o que eu pensava antes, porque descola o conjunto de
conceitos de que disponho para acessar o mundo. Eu diria que, quando a criança começa a refletir e
interpretar a escrita, esse conhecimento passa a ocupar um lugar em sua vida (GERALDI, 1997, p.
17).
De acordo com a nova concepção, altera-se o papel desempenhado pelo
aluno. Ele passa a ser ativo e construtor de suas próprias habilidades e de seus
próprios conhecimentos, por meio de um processo contínuo de interação com
outros receptores e com a própria língua, que funciona como código.
Na década de 1990, havia grande preocupação com a “Educação para
todos” e com a “melhoria do livro didático”. Em decorrência de documentos
publicados pela Unesco (1990), a partir da Declaração de Jomtien, resultante
da Conferência Mundial sobre Educação para Todos (1990), vêm a público
os Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997, que defendiam o ensino de
língua portuguesa como meio de instrumentalizar o aluno no domínio pleno e
efetivo do uso da linguagem oral e da linguagem escrita, buscando romper
com a ideologia fortemente tradicional do ensino de língua materna.Os PCN
apontavam vertentes de ensino da língua portuguesa mais voltadas para o
texto e seus usos sociais, proporcionando ao aluno contato com diferentes
gêneros textuais, estimulando-o a refletir sobre os usos da linguagem.
No governo Fernando Henrique Cardoso, o MEC implanta, em nível
nacional, o chamado “Provão”, com a finalidade de avaliar o aproveitamento
dos estudantes formados pelas universidades brasileiras, de norte a sul.
Condenado por uns, aprovado por outros, o “Provão” se mantém e revela
pelo menos um mérito: apontar as instituições que apresentam grandes falhas
no ensino. Toda a sociedade letrada toma conhecimento, pelos órgãos de
divulgação de massa, dos conceitos atribuídos às universidades brasileiras.
Sentindo-se expostas, elas voltam à atenção a seus currículos e reavaliam seu
corpo docente, preocupando-se, a partir daí, em contratar novos professores
com mestrado e doutorado.

O ENSINO DE PORTUGUÊS NA DÉCADA DE


1990
Focando o ensino, Ilari (1992) diz que aquele foi um momento de muita
reflexão sobre a formação do professor de português e o ensino de português
“É preciso reconhecer que a aplicação da linguística ao ensino de português
deu margem a inúmeras distorções e equívocos. Mas também é preciso
admitir sem reservas que o ensino da língua materna mudou também nas
universidades como nas escolas secundárias” (1992, p. 3). O autor nos mostra
que é preciso pensar o papel da linguística nos cursos de letras (p. 9-21). Em
capítulos posteriores, discute aspectos do ensino do vocabulário, da gramática
e da redação. A coleção da professora Azevedo vem ao encontro dos anseios
dos diferentes segmentos da sociedade, principalmente, os da educação, por
representar uma evolução no ensino, uma vez que a preocupação da autora
com a expressão escrita do aluno — que exige reflexão e conhecimento da
língua — está presente nos quatro volumes.
Na década anterior, 1980, era comum as aulas de língua portuguesa serem
direcionadas, em boa parte, pela gramática e, quando o assunto era redação,
aprendia-se uma das tipologias de texto, por exemplo, a estrutura da narração:
situação inicial, conflito e desfecho e a estrutura da dissertação: introdução,
desenvolvimento e conclusão. A década de 1990 representa uma evolução,
mas é importante ressaltar que, naquele momento, é a nova concepção de
língua que começa a se delinear. Língua, agora, não é mais instrumento de
comunicação, mas, principalmente, enunciação, discurso, que estabelece
relações de intercomunicação. Os processos de leitura e escrita passam,
portanto, a ser resultado da interação autor-texto-leitor. De acordo com a
nova concepção, altera-se o papel desempenhado pelo aluno. Ele passa a ser
ativo e construtor de suas próprias habilidades e conhecimentos, por meio de
um processo contínuo de compreensão e interpretação do texto.
A discussão sobre ensino-aprendizagem de diferentes tipos de textos é
levantada por diversos linguistas como João Wanderley Geraldi (1997),
Helena Hatsue Nagamine Brandão e Guaraciaba Micheletti (1997) e Adilson
Citelli (1997). A leitura é debatida por Valdir Heitor Barzotto (1999),
Antonio Augusto Batista (1992), Roger Chartier (1998), Lucia Fulgêncio e
Yara Liberato (1996) e Geraldi (1994 e 1998). Por sua vez, a gramática e o
ensino de português são foco de Antonio Augusto G. Batista (1991-1997) e
Maria Helena de Moura Neves (1990 e 1997). Ao mesmo tempo, a FAE-
Fundação de Assistência ao Estudante, órgão governamental, em 1993,
propõe critérios para a avaliação dos livros didáticos.

A COLEÇÃO PALAVRA & CRIAÇÃO —


PRINCÍPIO DE CONTEXTUALIZAÇÃO
Os estudos da década de 1990, em relação à historiografia linguística do
ensino de português, nos indicam que, nos primeiros anos, houve um
recrudescimento de publicações, pesquisas, mesas-redondas, conferências e
palestras de assuntos sobre os quais se questionavam ainda: o ensino de
língua materna, em todos os seus aspectos, e a influência da Linguística no
ensino de todos os níveis. As leis educacionais mais importantes só foram
promulgadas, como já dissemos, na segunda metade da década de 1990;
portanto, as leis sobre educação ainda continuavam as mesmas. Entre 1980 e
1990, houve grande preocupação com a “Educação para todos” e com a
“melhoria do livro didático”. Os livros (5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries) estudados por
nós, sob o ponto de vista da historiografia linguística, foram publicados em
1996 — com exceção do livro da 7ª série, que é de 1997 — e são, portanto,
simultâneos às novas diretrizes, ou seja, os PCN — Parâmetros Curriculares
Nacionais — do MEC/SEF.
Como também já mencionamos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9.394 (LDB) só foi promulgada em 1996, e os Parâmetros
Curriculares Nacionais, em 1997 e, mesmo assim, em capítulos que foram
sendo oficializados aos poucos. Consequentemente, não podemos afirmar que
a coleção didática tenha sofrido influência dos PCN, mas ao examiná-la e
estudá-la, notamos que ela corresponde a várias diretrizes que constam desses
documentos. Por essa razão, podemos afirmar que a professora Azevedo
acompanhava as discussões e pesquisas realizadas por linguistas e educadores
nas academias de ensino. Na esteira dos conteúdos presentes na coleção da
autora, resgatamos uma frase do PCN (1998):
(...) o centro da discussão acerca da necessidade de melhorar a qualidade do ensino no país. O eixo
dessa discussão no ensino fundamental centra-se, principalmente, no domínio da leitura e da
escrita pelos alunos, responsável pelo fracasso escolar que se expressa com clareza nos dois funis
em que se concentra a maior parte da repetência: na 1ª série (ou nas duas primeiras) e na 5ª série.
No primeiro, pela dificuldade de alfabetizar; no segundo, por não se conseguir levar os alunos ao
uso apropriado de padrões da linguagem escrita, condição primordial para que continuem a
progredir (PCN, 1998).
Vale a pena destacar que, em 1997, foi efetivada a avaliação dos livros
didáticos que preenchem os requisitos de clareza: em seus objetivos, no
processo de ensino-aprendizagem na abordagem dos conteúdos, no processo
de construção de conceitos, de criatividade em propostas de desafios para os
alunos, nas habilidades escolhidas e na linguagem utilizada.
Bastos (1998) organiza um livro que mostra bem o que foi a década de
1990. Havia preocupação com, pelo menos, três vertentes: a história da
língua portuguesa, as perspectivas do ensino de língua e a pesquisa de
algumas práticas pedagógicas. Nessa obra, Magda Soares (1998, p. 53)
afirma que:
Uma reflexão sobre o ensino de todo e qualquer conteúdo pode e deve ser feita de várias e
diferentes perspectivas: a perspectiva da própria ciência de que se recortou um conteúdo para
constituir uma disciplina curricular, uma perspectiva psicológica que considera os processos de
aprendizagem de um conteúdo específico; uma perspectiva política, que busca identificar os
pressupostos ideológicos que levam a instituir um certo conteúdo em disciplina curricular e que
subjazem aos objetivos e procedimentos de ensino dessa disciplina; uma perspectiva social, que
considera as condições sociais de produção de um determinado conhecimento, as condições sociais
daqueles a quem se destina o ensino e daqueles encarregados de ensinar, o papel e a função
atribuídos pela sociedade à instituição em que ensino e aprendizagem ocorre, isto é, a escola; a
perspectiva cultural, que relaciona disciplina e seu conteúdo com as características, as expectativas,
as necessidades do grupo cultural a que se destina seu ensino; uma perspectiva histórica, que
reconstrói os processos por meio dos quais um certo conhecimento vai-se configurando como saber
escolar e, consequentemente, vai-se constituindo em disciplina curricular, ao longo do tempo
(SOARES, 1998, p. 53).
Os estudos sobre a década de 1990 confirmam que os autores de livros
didáticos e as aulas de língua portuguesa têm importante papel no processo
educacional, por serem em veículo preferencial da comunicação. Assim, o
conhecimento do conteúdo específico da disciplina de língua portuguesa
ajuda a desenvolver e ampliar conhecimentos em uma perspectiva crítica,
construtiva e participativa. Outro dado relevante é que houve, naquela época,
muitas ações para que o livro didático fosse melhorado cada vez mais, por
meio de diversas avaliações contínuas. O MEC incentiva uma política de
educação que tem por foco não só a educação propriamente dita, mas também
o ensino civil, a pesquisa, a extensão universitária, o magistério e a educação
especial.
Ilari (1992) faz uma abordagem sobre a importância da linguística para o
ensino de língua portuguesa, discutindo vários aspectos importantes que
aparecem nos livros didáticos e em sala de aula: o papel da linguística nos
cursos de letras e também no ensino de língua; a argumentação sintática e a
gramática escolar; o ensino do vocabulário; a redação escolar; e a
contribuição da linguística para os estudos literários.

A COLEÇÃO PALAVRA & CRIAÇÃO —


PRINCÍPIO DE IMANÊNCIA
A autora Dirce Guedes de Azevedo formou-se em Letras pela Universidade
Sagrado Coração de Jesus de Bauru. Especializou-se em lexicografia. Foi
professora de português e inglês nas redes particular e estadual de ensino. Foi
coordenadora pedagógica e diretora de escola. Trabalhou como assessora
técnica na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e foi assessora
pedagógica na Divisão Regional de Ensino de Bauru.

A COLEÇÃO DO FUNDAMENTAL II: PALAVRA


& CRIAÇÃO — LÍNGUA PORTUGUESA
Todos os quatro livros de Língua Portuguesa (5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries) da
professora Azevedo para o curso fundamental II seguem o mesmo esquema:
— Apresentação da coleção: no início de cada livro a autora apresenta-a,
enfatizando a importância da variedade culta para a ascensão social dos
alunos, embora realce que devemos respeitar a linguagem dos estudantes
e aprimorá-la, sob o ponto de vista da variante padrão.
— Unidades: em cada série, há 15 unidades que têm cerca de cinco ou seis
seções: 1) Estudo do texto; 2) Leitura complementar; 3) Pesquisa ou
trabalho extraclasse, ou debate; 4) Produção de texto, 5) Gramática; 6)
Para escrever melhor. A seguir, ela explica o que significa cada seção e
conclui sobre a importância da disciplina de língua portuguesa no
processo educativo.
— Planejamento didático: em todos os livros, a autora propõe
planejamento didático para a respectiva série. Cada seção tem objetivos
específicos, conteúdo e atividades variadas, apresentando trabalhos com
muitas habilidades e competências, após cada item.
— Bibliografia: denominada, por nós, de básica, pois há outra no final do
livro, mais completa.
— Biografias — Síntese da vida e obra de artistas, a maioria pintores de
renome, nas diferentes unidades e a indicação dos movimentos artísticos.
Exemplificando: 5ª série: Alfredo Volpi, Henri Matisse, Joan Miró e
René Portocarrero; 6ª série: Ismael Nery, Marc Chagal, José Antônio da
Silva e Vasily Kandinsky; 7ª série: Cândido Portinari, Iberê Camargo,
Pablo Picasso, Paul Klee, Tarsila do Amaral; 8ª série: Geraldo de Barros,
Paulo Roberto Leal, Pop Art, Richard Hamilton, Robert Rauschenberg e
Rubens Gerchman
— Epígrafe de Jorge Amado: A mesma em todos os livros e séries:
“A solução dos problemas humanos terá que contar sempre com a literatura, a música a pintura,
enfim com as artes. O homem necessita de beleza como necessita de pão e de liberdade. As artes
existirão enquanto o homem existir sobre a face da terra. A literatura será sempre uma arma do
homem em sua caminhada pela terra, em sua busca de felicidade”.
— Índice: nele constam sempre 15 unidades ilustradas, indicando o nome
da obra e do autor, com as divisões e subdivisões citadas anteriormente.
— Bibliografia: mais ampla, complementando a inicial.
Para melhor ilustrar o trabalho da professora Azevedo, escolhemos 4
atividades da coleção Palavra & Criação, uma de cada ano. Na 5ª série, a
unidade 11 traz um desafio para o aluno. É apresentado o texto O gênio do
crime, de João Carlos Marinho (1994), em que o estudante tem de descobrir,
no relato, o bando de falsificadores de figurinhas. O desafio consiste no
seguinte:
“Você é um gênio? Ótimo! Então descubra o ladrão. A Alfândega do aeroporto de São Paulo barrou
cinco passageiros que iam viajar para o exterior. Um deles estava disfarçado. Ele usava um nome
falso porque estava sendo procurado pela polícia. Os outros quatro passageiros eram profissionais
em viagem de negócios. Observe as fotos dos passaportes, leia as pistas e descubra o ladrão (p.
155).
Na 6ªsérie, a unidade 2 apresenta pesquisa que o aluno terá de desenvolver.
A atividade, intitulada Um sonho, traz o texto de Luiz Galdino, Colombo e a
descoberta da América (1992), em que o estudante tem de descobrir
quem seria aquele estranho que fazia uma afirmação tão ousada e com uma emoção tão visível! Era
Cristóvão Colombo, o primeiro a chegar ao Novo Mundo em 1492 e que, arrastando pacientemente
enormes penas de pássaro no papel áspero, escreveu relatos fantásticos sob o impacto daquela
terra maravilhosa. Além de descobridor, foi também o primeiro cronista da América (p. 25).
Neste momento, privilegiamos a análise de uma unidade de um dos livros
da coleção, da 6ª série, para permitir uma visão mais ampla sobre o livro e a
sequência de um tema escolhido: a Unidade 4 tem a capa do almanaque
Blaue Reiter, de Kandisnsky, pintor russo considerado artista abstrato e o
mais revolucionário do século XX, e uma epígrafe de um trecho de Mário
Quintana:
“O dinheiro não traz venturas, certamente,
Mas dá algum consolo... E em verdade te digo:
Sempre é melhor chorar junto à lareira quente
Do que na rua, ao desabrigo.”
Por sua vez, o texto proposto é a crônica O Melhor Amigo de Fernando
Sabino, publicada em Literatura comentada, 1981, em São Paulo, pela
Editora Nova Cultural.
O estudo de texto trabalha palavras e expressões, como complexo,
inexorável, recalque e ressabiado, explica o prefixo des-, o sentido de isso no
texto proposto, e uma forma verbal sublinhada; por sua vez, o significado do
texto propõe questões de entendimento e interpretação do texto; termina com
várias reflexões sobre o texto em seu todo, salientando a educação para a
cidadania.
A seção Leitura complementar não é proposta nesta unidade, mas, em
compensação, há mais atividades diversificadas e leituras necessárias para o
trabalho extraclasse e leituras para a produção de texto. O texto escolhido foi
o da Revista Superinteressante, da Editora Abril, de fevereiro de 1990.
O Trabalho extraclasse é uma proposta a mais de trabalho, e a autora
relembra um dado importante para a pesquisa: o seu planejamento, isto é,
saber com antecedência o que vai perguntar. A seguir, propõe um trabalho
em grupo de 3 ou 4 alunos, lembrando-lhes que: 1) toda pesquisa deve ter
dois momentos: a) leituras (em bibliotecas) e anotações das leituras feitas;
b) conversas com especialistas e anotação dos depoimentos; 2) ela deve ter,
no mínimo, três etapas: a) escolha do assunto; b) levantamento de dados em
livros, revistas, enciclopédias e em depoimentos de especialistas sobre o
assunto; c) organização do trabalho: ideia principal, desenvolvimento,
conclusão e bibliografia.
Em Produção de texto, a autora trabalha mais a narração, focando a
personagem de ficção. Para a criação dessa personagem, Azevedo antes a
conceitua e, interagindo com o seu leitor, propõe que dê um nome para sua
criação e mostra personagens como Mônica, Cascão e Senninha. Depois,
sugere a leitura de um elemento narrativo — personagem que se chama
Suzana, com 16 anos, 1,66m, pesando 62 kg e mostra possíveis
características dela; família, residência, atividades, amizade, paixão, comida,
bebida, programas de TV, cinema, teatro e música. Somente após essas
atividades concluídas, a autora pede o exercício final: “Crie uma personagem,
dê-lhe um nome e invente um tipo de vida para ela. Baseie-se no
levantamento de dados apresentado e crie outros itens, se quiser. Depois
escreva uma narração.” (p. 59).
Lembremo-nos de que, no final da década de 1980, houve sérios
questionamentos sobre o ensino de produção textual nas escolas, causando a
obrigatoriedade de redação nos vestibulares e também uma resolução SEE
nº14 de 29/1 de São Paulo/1988 que introduziu a criação de Centros de
Formação e Aperfeiçoamento do Magistério, para que a produção de texto
fosse melhor trabalhada.
A seção Estudo da gramática aborda as formas nominais do verbo, a
formação dos tempos verbais compostos e acrescenta o estudo dos verbos
auxiliares, em todos os seus tempos e modos. Termina, como sempre, com
atividades em que os conceitos dados anteriormente possam ser aplicados,
por meio de exercícios de completar os espaços vazios com verbos. Como é
comum, oferece um novo texto, desta vez, O sentido da vida, com espaços
para serem preenchidos com tempos compostos (verbos auxiliares +
particípio passado).
Para escrever melhor aborda os sons do X, e os alunos devem completar
as palavras com:
• ex-es (por exemplo: (es)pectador e (ex)traordinário;
• x-z; e(x)agero e aprendi(z)ado;
• x- cc- cç: ane(x)o, infe(cc)ionar e confe(cç)ão.
Consideramos também outro ponto, que é a exigência do conhecimento
prévio e de mundo dos alunos: no volume 6, na proposta de descrição —
criação de tipos, há um trecho retirado de Euclides da Cunha, o que torna a
atividade mais clara e ousada. A história se dá num supermercado onde
acontece um assalto. Marcos e Renato conseguiram se esconder e mais tarde
se apresentaram como testemunhas do caso. Os alunos precisam identificar
qual testemunho foi melhor, mais objetivo. O relato de Marcos continha
detalhes minuciosos e reconhecimento da maneira de ser e de agir dos
assaltantes, que demonstrava um repertório mais apurado, portanto, fez uma
descrição objetiva.
Na 7ª série, a unidade 13 traz uma atividade extraclasse, com o título Um
cão apenas, apresentando texto do livro Janela mágica, de Cecília Meireles
(1988 p. 171), em que o estudante tem de buscar o seu significado, apontando
sua classificação, momentos dissertativos, descritivos e narrativos.
Então, o triste cãozinho reuniu todas as suas forças, atravessou o patamar, sem nenhuma dúvida
sobre o caminho, como se fosse um visitante habitual, e começou a descer as escadas e as suas
rampas, com as plantas em flor de cada lado, as borboletas incertas, salpicos de luz no granito, até
o limiar da entrada. Passou entre as grades do portão, prosseguiu para o lado esquerdo,
desapareceu. Ele ia descendo como um velhinho andrajoso, de cabeça baixa, sem firmeza e sem
destino. Era, no entanto, uma forma de vida. Uma criatura deste mundo de criaturas inumeráveis.
Esteve ao meu alcance; talvez tivesse fome e sede; e eu nada fiz por ele; amei-o, apenas, com uma
caridade inútil, sem qualquer expressão concreta. Deixei-o partir, assim humilhado, e tão digno, no
entanto: como alguém que respeitosamente pede desculpas de ter ocupado um lugar que não era
seu. Depois pensei que nós todos somos, um dia, esse cãozinho triste, à sombra de uma porta. E há
o dono da casa, e a escada que descemos e a dignidade final da solidão.
No volume 7, apresentam-se vários tipos de linguagem: balões, recursos de
cores, setas e piada de salão, para explicar a gramática. Há também a
proposta de leitura de mitos de deuses lidos no Atlas Plêiade e a
transformação de ditados populares em fábulas. Além disso, a autora trabalha
com o gênero entrevista, muito utilizado em práticas escolares a partir da 7ª
série. No início do volume 7 e ampliando para o 8, existe um trabalho muito
importante que é a proposta de identificação de valores, em determinadas
situações: “Você já se viu em uma situação trágica, que exigisse decisão
rápida, e em que seus sentimentos de amor e ética, sua postura moral ou
religiosa o levaram a assumir uma atitude arriscada? Escreva sobre isso no
seu caderno e depois discuta com os colegas e com o professor” (p. 18);
identificação de valores sobre o homem do campo (p. 188); Como é o natal
da criança brasileira? Discussão em grupo, confecção de cartazes e debate
entre os grupos (p. 202).
Para a 8ª série, optamos pela unidade 8 (p. 117-118), na qual Azevedo
coloca um debate entre os estudantes, baseado no texto de Stanislaw Ponte
Preta: ”Batalha do Leblon”, publicado pela José Olympio, editora do Rio de
Janeiro (1976). A autora, a partir da leitura do texto, propõe duas atividades:
a primeira, em grupos, para que os alunos reflitam sobre a problemática do
texto; a segunda apresenta duas teses, transcritas mais adiante, colocando a
seguinte pergunta: “Os meios de comunicação são eficientes?”. A
incumbência de cada grupo é defender, em classe, uma das teses,
apresentando argumentos convincentes. Depois, um juiz neutro será
selecionado para apontar o grupo que apresentou os melhores argumentos.
TESE A TESE B
As primeiras teorias sobre o efeito de comunicação de Outra teoria, diametralmente oposta, afirmava que os meios eram, na verdade,
massa sustentavam a tese de que a opinião pública um instrumento de aniquilação da democracia, pois serviam para manter as
informada seria uma base sólida para uma sociedade massas hipnotizadas, obrigando-as a apoiar os governos totalitários. Opiniões
mais igualitária; os cidadãos teriam novamente acesso desse tipo encontram-se, por exemplo, nos célebres romances Admirável
a informações de primeira mão, sobre questões que mundo novo, de A. Huxley, e 1984, de George Orwell. No primeiro deles, o
requerem decisões coletivas, e os países se uniriam Estado se mantém mediante a aplicação da lavagem cerebral em grande escala,
numa espécie de “assembleia dos povos”. De acordo através dos diferentes meios de comunicação e do ensino. Orwell, por sua vez,
com esse esquema, os meios contribuiriam para a demonstra como uma burocracia pode obter obediência total dos cidadãos por
criação de uma sociedade democrática perfeita. meio da propaganda e do terror organizados.

Na citação de abertura desta unidade, no poema estudado — Dois e dois:


quatro, de Ferreira Gullar (Toda Poesia, 1991) — e na leitura complementar:
Inscrição para uma Lareira, de Mário Quintana (Literatura comentada,
1982) há um otimismo consensual em relação à vida: “Você acredita que o
otimismo pode ser um valor benéfico para a humanidade? Em que sentido e
em que medida? Discuta com seus colegas, depois escreva suas conclusões”
(p. 14). Outros temas do volume 8 são discutidos: o respeito às crianças (p.
31), o direito de cidadania; a discussão de alguns pensamentos de Ghandi
sobre a liberdade; o mundo consumista sob a ótica de valores éticos e morais
para quem vende e para quem compra (p. 8); as situações que mexem com
nossas sensibilidades (p. 64); a discussão das afirmações de Guimarães Rosa:
“O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais,
no meio da alegria, e ainda mais alegre ainda no meio da tristeza” e “o certo
era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo
de ruim que acontecesse, alegre nas profundas.” (p. 161); a opinião dos
alunos sobre dar ordens para uma máquina e ela obedecer; a discussão de
prós e contras da tecnologia (p. 191) e sobre o amor proposto (p. 254).

COLEÇÃO PALAVRA & CRIAÇÃO — PRINCÍPIO


DE ADEQUAÇÃO
Resgatando a História entrelaçada 1, na qual Bastos e Palma (2004) nos
ensinam que esse terceiro princípio “relaciona-se com a obediência aos dois
primeiros” e é o momento de o historiógrafo aventurar-se a introduzir
aproximações modernas, com relação à obra de Azevedo, podemos afirmar
que a coleção, objeto de nossa análise, editada em 1996, cumpriu seu papel
na medida em que possibilitava ao aluno ter acesso a materiais que
contribuiriam para melhoria de suas atividades. Ao tomarmos contato com a
obra, notamos a preocupação de Azevedo em mostrar ao professor a
importância de as crianças manusearem, brincarem e aprenderem a gostar de
livros como uma fonte de conhecimento e de prazer desde quando começam
a segurar as coisas. Observa-se, na coleção, a preocupação com a leitura e,
consequentemente, com a escrita do estudante.
Azevedo demonstra conhecer a Portaria Ministerial — Documento
9.1372/85, que recomendava a formação do ouvinte e do leitor, pois notamos
que ela, no processo de ensino-aprendizagem de língua materna, sempre
baseia seu trabalho em textos presentes, com alguma frequência, em itens
outros, que não somente Leitura e Leitura complementar. Citaremos alguns:
epígrafes (na maior parte das unidades há uma epígrafe relacionada com o
estudo proposto), produção de textos, gramática e trabalhos extraclasse.
Mesmo em atividades variadas, ela, em alguns momentos, propõe textos
inteiros com lacunas que devem ser preenchidas pelos alunos, com aspectos
gramaticais, ampliando o repertório textual discente.
Lembramos que o MEC criou um documento em 1986 denominado
Diretrizes para o aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem de língua
portuguesa, que tinha por objetivo o ensino de língua portuguesa com base
em quatro habilidades específicas: o falar e o escrever; o ouvir e o ler. Esse
documento propunha atividades de expressão escrita: escrever e ler, somadas
a habilidades de linguagem oral: falar e ouvir.
A autora coloca-se em interação com seus leitores, fato que percebemos
mais em Criação do texto: “Só falta escrever o texto, que com certeza vai
ficar ótimo. Vamos lá?” Azevedo escreve de modo claro e sempre propondo
algum tipo de atividade, geralmente a escritura de um gênero — sem falar
claramente nessa nomenclatura, mas o assunto “gêneros textuais” já estava
posto nos PCN. Outras vezes, ela conceitua e pede que se escrevam:
dissertação, argumentação ou descrição técnica. Além disso, explica a
diferença entre hipótese e inspiração, trabalhando bem os conceitos das
palavras.
Especialmente na seção Para escrever melhor, a autora retoma conceitos
ensinados, naquele ano ou em anos anteriores, e propõe diferentes estudos
para fixar a variante padrão, característica do processo educacional para ela.
O importante é que as atividades propostas levam à reflexão da gramática da
língua, mostrando-a no próprio uso e proporcionando reflexões. O aluno
estuda as diferenças entre língua falada e escrita. Na realidade, nesse tipo de
atividade, a autora enfatiza estudos gramaticais, relacionando suas partes:
morfologia, semântica e sintaxe.
Sob o ponto de vista da historiografia linguística, a autora dos livros de
nossa pesquisa reescreve os fatos da história da língua, por meio dos
princípios da contextualização, da imanência e da adequação teórica.
Podemos comparar as suas propostas de ensino com as políticas educacionais
da época, com as pesquisas linguísticas e com a situação sociocultural, e o
seu livro está perfeitamente coerente com as discussões quotidianas e
adequado a elas. Analisamos todos os livros, e eles nos deram as informações
de que precisamos para entender melhor aquela década, no tocante ao ensino
de língua portuguesa, e a resgatamos lendo e relendo suas propostas para o
fundamental II.
Quanto às teorias educacionais ou leis promulgadas, notamos que ainda
recebem influências da década anterior, pois as leis da década de 1990
efetivamente só apareceram em 1996, como a LDBN, isto é, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Porém, a preocupação com o
assunto incomodava os autores de livros didáticos que tinham grande
preocupação com a “Educação para todos” e com a “melhoria do livro
didático”, como percebemos na confecção da coleção analisada.
Em 1997 e nos anos seguintes, apareceram os Parâmetros Curriculares
Nacionais, mas nossa autora já era preocupada com os problemas apontados
por eles e já os trabalhava, conforme verificamos: o uso da língua, a
oralidade, a compreensão da gramática, a leitura e vários gêneros textuais.
Como já mencionamos, a FAE, em 1993, propõe critérios para a avaliação
dos livros didáticos, e os livros da autora foram bem escritos e cuidados, pois
isso era preocupação não só dos legisladores, mas também de muitos
professores e autores, nos quais incluímos Dirce Guedes de Azevedo, com
uma proposta diversificada, clara, com aspectos positivos como criatividade,
a abordagem dos conteúdos, o processo de construção dos conceitos, as
reflexões, comparações por semelhança e contraste, seleção, ordenação,
existência de desafios aos alunos, as habilidades propostas e sua linguagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A coleção didática da professora Dirce Guedes de Azevedo, publicada há
mais de duas décadas, traz aspectos bastante atuais, no que diz respeito à
interpretação do texto literário, sistematização gramatical e produção textual,
atividades desenvolvidas em uma mesma disciplina. Observamos também
que a autora seguiu as determinações da política educacional vigente. Isso
posto, podemos afirmar que a professora Azevedo desenvolveu trabalhos à
frente de sua época, mantendo postura coerente com os preceitos daquele
momento, o que a mantinha no mercado editorial.
Consideramos bastante válido a autora ensinar morfologia e sintaxe, passo a
passo, correlacionando-as, em razão da apreensão que o aluno poderia fazer
em relação a essas categorias, conjuntamente. Outro detalhe observado foi a
transmissão de conhecimentos gramaticais no uso de como escrever melhor.
Tudo isso justifica a escolha de uma leitura lúdica e investigativa no título
deste capítulo.
Ao final, acreditamos que a obra de Dirce Guedes de Azevedo, como
recurso didático, cumpriu um importante papel, de acordo com o espírito de
época, que tinha como objetivo transformar o aluno em produtor competente
de texto escrito, aspectos que pudemos observar nos quatro livros analisados.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Dirce Boemer Guedes de
Azevedo está em plena atividade, na cidade de Bauru-SP, conhecida como
Escola Guedes de Azevedo.

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UNESCO. Declaração mundial sobre educação para todos: satisfação das necessidades básicas de
aprendizagem. Unesco: Jomtiem, 1990.
CAPÍTULO 7
ANÁLISE, LINGUAGEM E
PENSAMENTO
Uma proposta inovadora ou uma antologia
renovada?
NANCY DOS SANTOS CASAGRANDE
PATRÍCIA SILVESTRE LEITE DI IÓRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Em nossos trabalhos anteriores, História entrelaçada 6, 7 e 8,
estabelecemos relações entre as concepções linguísticas e o ensino de língua
materna. Nesses estudos, não é possível demarcar com exatidão temporal a
passagem de um paradigma de investigação para outro, mas grosso modo,
podemos afirmar que a década de 1960 estava mais voltada para uma
concepção de língua como representação do pensamento, enquanto a década
de 1970 valorizou, principalmente, uma concepção de língua como
instrumento de comunicação e, no decorrer da década de 1980, a língua
passou a ser vista como lugar de interação e atividade social, sendo
considerada nas esferas linguísticas e educacionais.
A partir dessa mudança de postura, podemos afirmar que houve avanços
para o ensino de língua portuguesa? A crise do ensino na década de 1970 foi
superada com a colaboração dos estudos linguísticos da década de 1980? A
partir da década de 1990, a perspectiva da língua como lugar de interação é
adotada pelos livros didáticos, acarretando mudanças para o ensino da
língua? Essas questões são motivadoras para a proposta deste capítulo:
contextualizar, descrever e interpretar a coleção de livros didáticos ALP —
Análise, linguagem e pensamento: a diversidade de textos numa proposta
socioconstrutivista, de Maria Fernandes Cócco e Marco Antonio Hailer,
publicada em 1994, em São Paulo, pela Editora FTD para os alunos de 5ª a 8ª
séries, atuais 6º a 9º anos.
Para a caracterização do ensino de língua portuguesa na década de 1990,
precisamos tratar das grandes e rápidas mudanças que marcaram o período.
Dos anos finais de uma ditadura militar de 21 anos, à (re)democratização,
chegando ao impeachment de um presidente eleito pelo voto direto; da
constatação de que nacionalmente pouco se fez pela educação, deixando-a
quase totalmente na responsabilidade dos Estados, à volta da preocupação
com a educação, com a instauração da Lei nº 9.394/96 e dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, pode-se marcar o final da década de 1980 e o início
da década de 1990 como um período de antagonismos sociais, sejam eles
políticos, educacionais ou linguísticos.
Como vimos, após a segunda metade do século XX, passamos a vivenciar
verdadeiras revoluções políticas, econômicas, sociais, científicas e
linguísticas. Cabe-nos, agora, refletir em que medida essas revoluções
influenciaram o nosso modo de aprender e ensinar a língua portuguesa na
década de 1990, tendo como ponto de partida a obra Análise, linguagem e
pensamento, doravante ALP, que descreveremos no próximo tópico.
Assim, neste capítulo, trataremos inicialmente da relação do período, a
década de 1990, com a proposta da obra e com o momento de transição das
concepções linguísticas. Em seguida, indicaremos o formato global do
documento a partir da análise do primeiro capítulo destinado a cada série —
de 5ª a 8ª série — e às diretrizes apresentadas pelos autores, momento em que
serão analisados os critérios descritivos utilizados em ALP, considerando-se
o que é oferecido na “Apresentação da proposta ALP” para os docentes e
utilizado para discussão os exemplos dados pelos autores. Por fim, teceremos
considerações sobre a relevância da obra para o clima de opinião da época.

ALP E O CLIMA DE OPINIÃO DA DÉCADA DE


1990
A obra Análise, linguagem e pensamento: a diversidade de textos numa
proposta socioconstrutivista, de Maria Fernandes Cócco e Marco Antonio
Hailer, publicada pela primeira vez em 1994, em São Paulo, pela editora
FTD, aponta, na apresentação das “Orientações para o professor”, que se
fundamenta nas pesquisas teóricas de Piaget, Vigotsky, Ana Teberosky sobre
linguagem tendo por objetivo o letramento, bem como nas propostas de
Liliana Tolchinsky, Gordon Wells e Josette Jolibert sobre o aspecto
comunicacional e funcional da linguagem. Para a compreensão dessa
fundamentação, precisamos reavivar a memória da época.
Para caracterizar o período de elaboração, publicação e utilização da obra,
devemos contextualizar o espaço de tempo que vai do final da década de
1980 à primeira metade da década de 2000, época na qual acreditamos que a
obra tenha sido elaborada, mantendo-se no catálogo do Programa Nacional
do Livro Didático — PNLD — até 2004/2005.
Esse período foi marcado pelos governos José Sarney (1985-1990) e
Fernando Collor de Mello/Itamar Franco (1991-1995), tempo em que pouco
se fez pela educação, deixando-a, quase totalmente, nas mãos dos Estados.
Há que se considerar também os dois governos de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2003), quando temos a volta da preocupação com a educação,
com a instauração da Lei nº 9.394/96 e dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN).
No primeiro desses momentos, apontamos para um contexto marcado por
fortes restrições, que influenciou a elaboração da obra ALP, isso porque José
Sarney chegou à presidência após a morte de Tancredo Neves, quando a
inflação havia ultrapassado 200% e havia pressões de vários grupos
diferentes da sociedade. Em 1988, o índice inflacionário superava 1000% e
foi nesse contexto que a Constituição foi escrita e promulgada.
Diante de tantas questões políticas, econômicas e sociais, na Carta de 1988,
a educação recebeu atenção em várias partes do documento, além do tópico a
ela destinado. A educação foi marcada como algo que deveria visar ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação
para o trabalho, porém também se determinou que fosse elaborada uma nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
No segundo momento de influência da produção de ALP, a possibilidade de
eleger diretamente um presidente foi um alento diante da crise econômica. A
eleição, fortemente aparatada pelos meios de comunicação, teve como
vencedor Fernando Collor de Mello que, como primeira ação, interveio
enormemente na economia. Sua equipe econômica congelou preços e
salários, substituindo o cruzado novo pelo cruzeiro, aumentou impostos e
tarifas, cortou subsídios, eliminou restrições às importações, sequestrou a
poupança, mas teve seu governo abalado pela denúncia de esquema de
corrupção de Pedro Collor, seu irmão, o que levou ao impeachment. Com a
saída de Fernando Collor, Itamar Franco assumiu a Presidência da República.
Fernando Henrique Cardoso (FHC) assumiu o Ministério da Fazenda e
propôs um plano que pregava a austeridade, com cortes nos gastos
orçamentários. Aos poucos se consolidou a ideia de uma nova moeda atrelada
ao dólar e, no primeiro mês de sua circulação, a inflação caiu de 50% para
7%. Em 1994, FHC foi eleito no primeiro turno com 54,3% dos votos.
Apesar da passagem pelo Ministério da Fazenda e da inflação “controlada”,
Fernando Henrique não conseguiu atingir o objetivo de seu governo, “a
eliminação da injustiça social”, nem fazer a reforma fiscal, devido a algumas
crises, a maioria externas, que afetaram a economia nacional e levaram o
governo a várias medidas destinadas a equilibrar as contas públicas e a cortar
gastos, em grande parte, na área social.
Diante de todas essas questões sociais, políticas e econômicas, no final do
século XX, a educação surgiu como instrumento de mudança social, quer
fosse para sair do crime organizado e do desemprego, causados tanto pela
globalização quanto pelas políticas econômicas que não consideram a
população, quer fosse pela transformação tecnológica e pelas empresas
multinacionais, que passaram a exigir um trabalho mais especializado para
conseguir vantagem na competição econômica.
Na tentativa de mudar essa realidade, a promessa de uma nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) só foi concretizada após
a primeira edição da obra ALP, em 1996.
A LDBEN — Lei 9.394/96 — traz importantes inovações normativas,
organizativas e pedagógicas, quais sejam: a descentralização da política
educacional, garantindo autonomia para os sistemas de ensino; o estímulo a
propostas pedagógicas inovadoras como a aceleração e a progressão
continuada; a valorização do nível superior para a formação do magistério e a
valorização das escolas técnicas em cursos rápidos, sem a obrigatoriedade
dos cursos acadêmicos; a exigência de que os professores tenham no ensino
superior uma boa especialização ou formação em mestrado e doutorado.
Logo após a sanção da LDBEN, o Ministério da Educação e Cultura e a
Secretaria da Educação Fundamental distribuíram em todo o país os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), cujo objetivo era servir de apoio
ao desenvolvimento do projeto educativo escolar, à reflexão sobre a prática
pedagógica e à análise e seleção de materiais, além de contribuir para a
formação e atualização profissional docente.
Do final do século XX até o final da segunda década do século XXI, o
documento continuou — e ainda continua — como norteador das propostas
pedalinguísticas de concursos para professor e de materiais didáticos.
Em relação ao contexto linguístico, a década de 1980 tem como pontos de
destaque a abertura da escola às pessoas de todas as classes sociais e a
ampliação das pesquisas sobre variação linguística. As dificuldades
linguísticas e pedagógicas dos novos alunos que chegaram à escola
desencadearam um esforço de revisão da prática de ensino da língua,
orientada para a aceitação das variedades linguísticas e para o trabalho com
textos reais, em lugar dos construídos com fins didáticos.
A grande mudança de perspectiva que ocorre a partir da segunda metade do
século XX é que as preocupações com a estrutura abstrata da língua foram
postas em segundo plano, e as tendências mais voltadas para os usos
concretos da linguagem começaram a ter lugar. Passaram a ser consideradas
noções como o contexto de situação, de sociedade, de história.
Nesse cenário, a sociolinguística contribuiu para a compreensão da
sociedade trazendo conhecimentos acerca da causa das diferenças culturais e
linguísticas, da necessidade de consideração do falante real, não ideal, e da
análise das formas linguísticas dentro das comunidades, e não em situações
forjadas. Na década de 1990, a escola começou a considerar também outras
duas teorias: a gramática textual e a análise do discurso. Essas duas teorias
também são apresentadas nas orientações ao professor da coleção ALP.
As gramáticas textuais surgem com a finalidade de refletir sobre os
fenômenos linguísticos que eram inexplicáveis por meio de uma gramática do
enunciado. Passou-se a considerar o texto mais do que uma sequência de
enunciados, demonstrando que a sua compreensão e a sua produção se devem
à competência textual. Em associação às gramáticas textuais, o componente
pragmático foi acrescentado, levando-a para uma teoria de texto.
A ênfase às gramáticas textuais e às teorias de texto fez surgir a necessidade
de uma expansão da análise interpretativa. Assim, a análise do discurso de
linha francesa, por ser de caráter interdisciplinar, articulando a linguística, o
marxismo e a psicanálise, busca ir além do estudo puramente linguístico.
Além dos elementos gramaticais da língua, passa-se a considerar também os
aspectos históricos, sociais, culturais e ideológicos que cercam a produção de
um discurso.
Nesse sentido, Orlandi (2005, p. 15) aponta que pela análise do discurso
“procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho
simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua
história”. Dessa forma, cumpre trabalhar com a língua não enquanto sistema
abstrato, mas produzindo sentido pelo e para o sujeito. Para a autora (2005, p.
17), “o discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e
ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os
sujeitos”. A partir da apresentação desses contextos, passamos a observar a
coleção ALP.

ALP E A PROPOSTA DE ENSINO NA DÉCADA


DE 1990
Swiggers (1990), ao definir os objetos da prática historiográfica, aponta
para as formas descritivas utilizadas na práxis histórica da didática das
línguas. Esse trabalho, segundo o autor, deve ter o intuito de analisar as
relações metodológicas quando da abordagem do ensino de uma língua.
Neste capítulo, essa práxis terá como objeto de análise o livro didático,
especialmente a coleção Análise, linguagem e pensamento (ALP), publicada
em 1994.
Seguindo os elementos sugeridos por Swiggers, passamos a observação de
aspectos relevantes na coleção.
A coleção ALP — Análise, linguagem e pensamento: a diversidade de
textos numa proposta socioconstrutivista, foi publicada pela primeira vez em
1994, pela editora FTD, situada na cidade de São Paulo, em edição
consumível. Em 1995, passou por uma pequena reformulação, tornando-se
não consumível, para se adequar ao documento “Definição de critérios para
avaliação dos livros didáticos” (MEC/FAE/UNESCO), publicado em
1993/1994, e poder fazer parte do Programa Nacional do Livro Didático.
Os autores da coleção são Maria Fernandes Cócco e Marco Antonio Hailer,
ambos da área de educação. Maria Fernandes Cócco, posteriormente apenas
Maria Fernandes, é licenciada em Letras e Pedagogia pela Universidade de
São Paulo — USP, especialista em Alfabetização e Ensino de Línguas em
Buenos Aires e Madri. Marco Antonio Hailer é bacharel em Música e
licenciado em Educação Artística pelo Instituto Musical de São Paulo, com
especialização em Psicologia Histórico-Cultural pela Universidad
Complutense de Madrid. Didática da alfabetização: decifrar o mundo:
Alfabetização e socioconstrutivismo (FTD: São Paulo, 1996) e Alfabetário
divertido (Carochinha: São Paulo, 2011) são outras obras publicadas nessa
parceria.
Em relação ao nível de ensino, trata-se de coleção destinada ao ensino de 1ª
grau, especialmente de 5ª a 8ª séries, para a qual os autores apontam como
objetivo geral “o desenvolvimento de um trabalho de linguagem que leve o
aluno a observar, perceber, descobrir, refletir sobre o mundo, interagir com
seu semelhante, através do uso funcional de linguagens” (CÓCCO; HAILER,
1994c — Orientações, p. 2).
Livro didático é o formato global da coleção e cada obra conta com
aproximadamente 150 páginas com divisão temática, a saber:
5ª série 6º série 7ª série 8ª série
Lugares e pessoas Chegadas e partidas Bichos, bicho Amor
O tempo através do Cenas urbanas Casos de polícia Mistério e
tempo suspense
Curiosidades Estranhos Futebol O homem e o
procedimentos mundo
Análise literária: A
cartomante

Quadro 1 — Unidades Temáticas — Coleção ALP

O livro do professor se inicia com “Orientações para o professor”, espaço


em que os autores fazem uma apresentação da proposta de ALP:
fundamentação no construtivismo (Piaget, Vigotsky, Ana Teberrosky), tendo
como viés “a aprendizagem como uma atividade de modificação, de
descoberta e de invenção, [ressaltando] o caráter histórico, social e cultural
dessa aprendizagem” (SOUZA, 2000, p. 132) especialmente no letramento e
no aspecto comunicacional e funcional da linguagem (Liliana Tolchinsky,
Gordon Wells, Josette Jolibert).
Segundo os autores, as unidades temáticas têm uma organização baseada
nos eixos específicos da disciplina de língua portuguesa: linguagem oral,
leitura, produção, gramática e literatura que são estruturados em quatro
categorias: Leitura, Propostas de exploração e de extrapolação e Produção.
Apesar de os autores não as apresentarem como categorias da coleção em
alguns textos estudados, há ainda a proposta de Gramática textual, que
classificamos como uma quinta categoria da coleção.
Em relação à Leitura, os autores (1994c – Orientações, p. 8) apontam que
há dois tipos de leitura: em voz alta e silenciosa. Esta última é apresentada
como muito importante pelo fato de possibilitar vários conhecimentos da
humanidade e por ser feita cotidianamente. Sobre a leitura em voz alta, eles
indicam que objetiva a autonomia de compreensão.
A Exploração, segundo os autores, refere-se a questões que encaminham
para uma compreensão mais profunda do texto. Elas englobam conteúdo,
estrutura e discurso. Na Extrapolação, o foco está na temática e não no
conteúdo específico do texto. Os autores orientam que essas questões,
dependendo do seu enfoque, podem ser corrigidas coletivamente de forma
oral ou no quadro.
A Produção é a categoria que privilegia a redação, ação para a qual o aluno
deverá considerar a macroestrutura e a superestrutura esquemática do texto,
sem, no entanto, deixar de lado a microestrutura. Para os autores, são
propostas que possibilitam o desenvolvimento e a organização do
pensamento lógico. Segundo eles, “acredita-se que o letramento se dá quando
o aluno aprende a ler o mundo que o cerca e a escrever sobre ele de diferentes
formas” (CÓCCO; HAILER, 1994c — Orientações, p. 9 — grifos dos
autores).
Ainda em relação à Produção, os autores ressaltam a dificuldade do
professor em corrigir todas as produções de todos os alunos. Para facilitar
esse trabalho, sugerem formas diferentes de correção: codificação,
reestruturação, reconstrução, refacção, leitura etc. e enfatizam a importância
da autocorreção como estratégia para o trabalho com ortografia.
Outra questão importante para a coleção é a proposta de desenvolvimento
do trabalho com a gramática textual. Para os autores, são atividades que
levam os alunos a refletirem sobre os vários assuntos gramaticais por meio da
exploração e comparação de textos diversificados.
Apresentada a estrutura da coleção na perspectiva dos autores, passaremos
aos fundamentos com os quais eles orientam o trabalho.
Na Fundamentação teórica, vários são os aspectos abordados na obra. Sobre
a leitura, os autores apontam que a tradição escolar tem realizado
treinamentos para a reprodução de “textos modelo” que levam o aluno a
decodificar sem compreender e a escrever sem expressividade. Na tentativa
de que a coleção colabore para uma mudança nesse cenário, propõem:
O trabalho de leitura tem por objetivo levar o aluno à análise e à compreensão das ideias dos
autores e buscar no texto os elementos básicos e os efeitos de sentido. É muito importante que o
leitor se envolva, se emocione e adquira uma visão dos vários materiais portadores de mensagens
presentes na comunidade em que vive” (CÓCCO; HAILER, 1994c — Orientações, p. 3).
Nessa orientação, os autores indicam quatro tipos de textos a serem
trabalhados na obra: 1) Textos práticos — utilizados no cotidiano; 2) Textos
informativos — que têm a função de informar conhecimentos; 3) Textos
literários — considerados registros de pensamento e fantasias do homem e de
sua relação com o mundo que o cerca; 4) Textos extraverbais — que são os
que não utilizam código linguístico.
Um aspecto a ser considerado é o de que tanto no objetivo indicado
anteriormente, como na orientação que fazem sobre os textos literários, os
autores classificam esses textos como “registros de pensamento e fantasias do
homem” e postulam como objetivo analisar e compreender as ideias dos
autores, proposta que, apesar de Cócco e Hailer apresentarem a coleção de
livros numa perspectiva socioconstrutivista, está muito próxima da primeira
concepção de linguagem como representação do pensamento e não como um
produto da interação social.
Ainda sobre o trabalho com a leitura, Cócco e Hailer esclarecem que os
professores deverão observar três enfoques: conteúdo, estrutura e análise do
discurso. Sobre o conteúdo, explicam que o texto é uma mensagem que o
emissor transmite ao receptor e que compreender o texto é “verificar se o
receptor entendeu a mensagem, isto é, decodificou as palavras organizadas
gramaticalmente” (CÓCCO; HAILER, 1994c — Orientações, p. 4). Sobre a
estrutura, indicam que os elementos estruturais recebem o nome de
superestrutura esquemática sendo repetida em textos do mesmo tipo, um dos
exemplos é superestrutura narrativa (personagens, ação, ambiente, conflito).
Em relação à análise do discurso, expõem como objetivo “explorar o texto
em busca dos efeitos que produz no leitor” e “analisar o texto como um
elemento aberto em que os interlocutores (leitor e autor) são partes
constitutivas do discurso e, portanto, ambos vão determinar a escolha do
vocabulário, da estrutura, do tipo de apresentação, enfim, das marcas
linguísticas que compõem o texto em seu todo” (CÓCCO; HAILER, 1994c
— Orientações, p. 4).
Sobre a produção de textos, apresentam como sugestões cinco categorias de
atividades: 1) Codificação, segundo os autores, é procedimento utilizado para
“tornar consciente a segmentação e a estruturação de um texto” (CÓCCO;
HAILER, 1994c — Orientações, p. 6). Trata-se da adoção de códigos com os
quais o professor sinaliza a produção do aluno e a partir dela o aluno deve
corrigir o seu próprio texto. 2) Reestruturação, trata-se de atividade coletiva
em que, a partir de um texto com problemas de segmentação e pontuação, é
realizada uma discussão para a proposição da reestruturação do texto. 3)
Reconstrução, trata-se da reestruturação acompanhada de reelaboração de
conteúdos do texto (léxico, elementos estruturais, ideias). Os autores sugerem
uma forma de aprofundamento da reconstrução, tais como a mudança de foco
narrativo, o acréscimo de personagens, a modificação do ambiente, da época,
do desfecho. 4) Refacção 1, trata-se da reelaboração do texto a partir de
instruções do professor de duas ordens: melhorar o texto (onde? Como era?,
por exemplo) e intervenções mais diretas (cortar uma parte, inverter a ordem,
são exemplos). 5) Refacção 2, é a reescrita do texto, procurando adequação
de elementos estruturais, o léxico, a diagramação e a apresentação (a quem se
destina e o material portador do texto — revista, jornal, folheto etc.).
Sobre a “gramática textual”, os autores a apresentam como atividades que
levam a refletir a partir da exploração e comparação de textos diversificados.
Para eles,
É importante entender que as regras gramaticais fazem parte do aspecto lógico-matemático do
conhecimento linguístico. Trabalhar com gramática, na escola, é desenvolver o raciocínio do aluno;
portanto, ela deve fazer parte do currículo de língua portuguesa. O que não se deve é fazer uma
enorme quantidade de exercícios inúteis, pois o aluno só constrói os conceitos gramaticais e os
aplica quando compreende o seu uso (CÓCCO; HAILER, 1994c — Orientações, p. 8).
Embora não haja uma categoria no livro específica para a ortografia, ela é
uma preocupação recorrente nos itens de avaliação da produção e um tópico
destacado nas Orientações ao Professor. Sobre ela, os autores indicam ser um
dos objetivos da escola de 1º grau, principalmente porque contribui com o
desenvolvimento da capacidade de leitura com fluência. Os autores separam
o conhecimento sobre a ortografia em dois aspectos: regrados (conhecimento
lógico-matemático) e não regrados (conhecimento social arbitrário). Para
eles, esse segundo aspecto só pode ser adquirido por meio da formação da
imagem mental da palavra: “formar a imagem mental é formar o repertório
das palavras mais utilizadas e ter consciência de como são escritas,
independentemente de como são faladas” (CÓCCO; HAILER, 1994c —
Orientações, p. 7).
Cócco e Hailer apresentam a autocorreção como um procedimento de
transformação da imagem mental da criança. Conforme eles, o professor deve
sublinhar ou numerar as palavras que necessitam de correção, colocá-las ao
final da página para que o aluno possa comparar, contrastar e corrigir. Para
turmas adiantadas, sugerem a consulta ao dicionário.
Os primeiros textos apresentados nas obras da coleção são sempre textos
visuais (5ª série — Cinco Moças de Guaratinguetá, Di Cavalcanti; 6ª série —
Retirantes, Ivonaldo Vellozo de Melo; 7ª série — Menino com Pássaro,
Reynaldo Fonseca e 8ª série — Beijos, Rubens Gerchman); a Exploração
privilegia questões ligadas à arte, tais como linhas e cores, bem como os
nomes das pinturas e o levantamento de hipóteses acerca delas.
A fim de compreendermos como se dá o trabalho com a leitura, a
interpretação de texto, a gramática e a produção de texto na obra ALP —
Análise, Pensamento e Linguagem, numa perspectiva historiográfica,
analisaremos a 1ª unidade de cada um dos livros de 5ª a 8ª série, começando
pela 5ª série. Procederemos à análise apresentando os textos, discutindo as
atividades e questões relativas ao encaminhamento dado pelo livro para o
tratamento da leitura, da interpretação de texto, da gramática e da produção
textual.
A obra preparada para os alunos da 5ª série tem três unidades temáticas
“Lugares e pessoas”, “O tempo através do tempo” e “Curiosidades”. Essa
primeira unidade temática, que tem como textos “Cinco Moças de
Guaratinguetá”, “Di Cavalcanti”, “Nomes de gente”, “Que nome estranho!”,
“Lar desfeito”, “Os direitos dos pais”, “Roteiro de viagem”, “Brasília”,
“Anedota”, “Poemas”, “Poesia”, “Mãe e Filho”, “Texto em japonês”, “Texto
em alemão”, “História da escrita”, “No botequim”, “Conversa de botequim”,
parte do mundo mais próximo do aluno como o seu nome, as relações
familiares para situações como viagens e discute a linguagem,
particularmente voltada para questões como as concepções de língua e
código.
As questões de “Exploração”, além da compreensão do texto, também
introduzem questões relativas à estrutura dos textos, por exemplo: narração
(lugar, tempo, enredo, personagens): “Em que época você acha que esta cena
poderia ter acontecido? Por quê?” (CÓCCO; HAILER, 1994a, p. 9);
descrição (sensações): “Quais as palavras ou termos que representam
sensações (visuais, olfativas, auditivas etc.) no texto?” (CÓCCO; HAILER,
1994a, p. 32); poema (rima, versos): “Releia a 5ª estrofe do poema (Luci.../...
verdadeira) e destaque as palavras que rimam e as que não rimam” (CÓCCO;
HAILER, 1994a, p. 14).
Muito próximo do que é solicitado na Exploração, no item Produção, são
apresentadas atividades diversas, tais como narrativa com diálogo e
descrição, biografia, notícia, roteiro de viagem, texto informativo e texto
legal (artigos de lei), como em: “Não só pais e mães podem ter direitos.
Escreva, na mesma estrutura do texto lido (artigo de lei), uma declaração dos
direitos dos filhos” (CÓCCO; HAILER, 1994a, p. 28).
As atividades de Produção são seguidas de “Avaliação da produção”, que
tem como principal objetivo fazer o aluno retornar ao texto e analisar a
presença de elementos estruturais e estéticos (notícia: fatos, informações
básicas, manchetes; artigo de lei: números dos artigos, linguagem culta; em
todas as avaliações os alunos devem revisar a letra e verificar a ortografia). A
Avaliação da produção da atividade de produção sobre o texto legal propõe:
Há os artigos com seus respectivos números?
A linguagem está adequada a um texto que apresenta artigos de lei?
Há clareza?
A pontuação está correta?
Está legível?
Houve uma releitura para corrigir possíveis erros ortográficos? (CÓCCO; HAILER, 1994a, p. 28).
As atividades da categoria Extrapolação, como indicam os autores, “são
questões que trabalham com a temática, embora não abordem o conteúdo
específico do texto” (CÓCCO; HAILER, 1994c — Orientações, p. 8). Na
unidade analisada, o tema proposto é “lugares e pessoas”. Na primeira
atividade, são apresentados documentos pessoais, especialmente da carteira
de identidade (registro geral — RG); na segunda, há um mapa de Brasília em
que o aluno é convidado a traçar um caminho entre dois lugares. Em outra
atividade, explora-se o texto poético com enfoque em lugares (poema Paraíso
de José Paulo Paes). Há, ainda, uma Extrapolação que apresenta como
temática o conceito de código e letra, situação que não se relaciona às demais
propostas da unidade. Na última Extrapolação, a partir de dois cardápios
apresentados, os alunos devem inventar características para os lugares em que
eles se apresentam.
Na primeira unidade da 5ª série, a categoria “gramática textual” só aparece
no final da unidade quando, ao explorar os textos “Conversa de botequim” e
“No botequim”, os alunos são levados a identificar o significado da palavra e
seus sinônimos, a diferenciar as preposições, identificar polidez por meio da
comparação de verbos e o comportamento da personagem a partir do uso do
diminutivo.
Terminada a apresentação da obra destinada aos alunos da 5ª série,
passaremos à abordagem do livro direcionado à série seguinte.
A obra destinada aos alunos da 6ª série tem três unidades temáticas
“Chegadas e partidas”, “Cenas urbanas”, “Estranhos procedimentos”. A
primeira unidade temática, alvo de nossa análise, apresenta catorze textos:
“Retirantes”, “Primeira página”, “No dia em que vim-me embora”, “Um
certo capitão Rodrigo”, “Um certo capitão Rodrigo (cartaz do filme)”,
“Apertem os cintos”, “Passagem de ônibus”, “Pra ler no ônibus”, “Trânsito”,
“No Natal a gente vem te buscar”, “A volta”, “Encontros e despedidas” e
“Chegadas e partidas”. Todos eles partem do (re)conhecimento de vários
textos por parte dos alunos, buscando discutir encontros, desencontros,
alegrias, tristezas, chegadas e partidas.
As questões de “Exploração”, além da compreensão do texto, introduzem
questões relativas à estrutura textual (por exemplo: anúncio de emprego:
nome da empresa, endereço para contato, função, horário de trabalho;
narração: personagens, conflito, lugar, época). Com base nas questões
discutidas na leitura dos textos, as atividades de Produção levam os alunos à
escrita de anúncio de emprego, narração a partir de imagem e a partir de
trecho inicial, elaboração de características de personagem e de descrição de
ambiente, texto teatral e poema. As atividades são seguidas de “Avaliação da
produção”, que objetiva levar o aluno à autoavaliação por meio da
conferência de itens imprescindíveis à produção e, portanto, à reflexão de sua
própria produção.
Na unidade analisada — Chegadas e partidas — as atividades de
Extrapolação ampliam a temática por meio da pesquisa de anúncios de
empregos em jornais, do reconhecimento do sumário, da relação entre textos
visuais e verbais (Retirantes, O dia em que vim-me embora e As migrações
de nordestinos), da produção de texto apenas com personagens femininas e
atualização da linguagem, imigração japonesa e dramatização.
Na primeira unidade da 6ª série, há duas propostas de “gramática textual”.
Na primeira, exploram-se os pronomes (possessivos, pessoais, indefinidos, de
tratamento e demonstrativos); na segunda, aborda-se a linguagem culta e
coloquial, tempos e modos verbais, pronomes relativos e antônimos. Apesar
de as atividades partirem dos textos, os exercícios propostos são, em grande
parte, de metalinguagem, privilegiando a conceituação e o reconhecimento
gramatical, tais como:
1. Observe os substantivos sublinhados no texto. Escreva no caderno as palavras que os
acompanham, esclarecendo ou dando uma ideia de posse. Essas palavras recebem o nome de
pronomes possessivos. Consulte uma gramática e escreva a definição de pronome e depois a de
pronome possessivo.
2. Qual é a pessoa do texto que substitui o nome do narrador? Cite os versos em que ela aparece.
Essa palavra (eu) é classificada como pronome pessoal do caso reto, na 1ª pessoa do singular.
Consulte uma Gramática e escreva abaixo todos os pronomes pessoais do caso reto e suas
respectivas pessoas.
Agora, retire do texto os verbos no pretérito perfeito e no pretérito imperfeito e identifique quem
pratica as ações ou a quem esses verbos se referem.
(...)
8. Observe:
“Perguntou por parentes que ele não conhecia. Ele perguntou por parentes de que ela não se
lembrava”.
“Tem gente que chega
Pra ficar
Tem gente que vai
Pra nunca mais
Tem gente que vem
E quer voltar
Tem gente que vai
E quer ficar
Tem gente que veio
Só olhar”
Qual é a classe gramatical das palavras destacadas nos trechos acima? Escreva, no seu caderno, a
que palavra cada que se refere (CÓCCO; HAILER, 1994b, p. 17 e 49 — grifo dos autores).
Terminada a descrição da primeira unidade do livro indicado para a 6ª série,
trataremos da obra elaborada para a série seguinte.
Na obra destinada aos alunos da 7ª série, têm-se os temas “Bichos, bicho”,
“Casos de polícia”, “Futebol” e “Análise literária: A cartomante”.
Na unidade 1, temos os seguintes textos “Menino com pássaro”,
“Passaredo”, “Tentação”, “Bassê”, “Cão! Cão! Cão!” “O lobisomem” “Da
utilidade dos animais” “O massacre das baleias”, “Fera em psicologia”,
“Micróbio, o dançarino infeliz”, “Bichos, mito, história” — tendo este alguns
outros textos que são “Os meninos e a loba”, Rômulo” e “A fundação de
Roma: mito ou realidade” —, “Macacos me mordam”, “Engano” e “Um da
família”.
Essa reunião de textos traz uma enorme diversidade de gêneros: de obras de
arte a letras de músicas; de contos a telegramas, de crônicas a verbetes de
dicionário. É importante salientar que o manual didático que aqui se analisa é
anterior à LDB e aos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa, o que
denota sua inovação, já que não havia ainda a preocupação, por parte da
escola, em trabalhar com os gêneros, cuja discussão epistemológica se
originou na década de 1990. Vale lembrar que o subtítulo do livro ALP é “a
diversidade de textos numa proposta socioconstrutivista”, indo ao encontro
da proposta do livro.
Sobre os textos, apresentaremos as categorias por meio das quais eles são
abordados. Tem-se quatro categorias que direcionam o trabalho com leitura,
interpretação de texto, gramática e produção textual. São elas: “Exploração”,
“Gramática textual”, Extrapolação” e “Produção”. Cada uma percorre todas
as unidades e tem um caráter específico, de acordo com o texto a que se
referem.
No livro indicado para a 7ª série, a categoria “Exploração” traz questões
cujo objetivo é levar o aluno a refletir sobre o texto apresentado numa
dimensão ampla. Por exemplo, na unidade 1, para a abordagem de uma obra
de arte, os autores propõem questões de ordem hipotética e imagética, sempre
sugerindo uma justificativa para a resposta dada. Para um texto de caráter
literário, a exploração é mais linear, ou seja, faz com que o aluno recupere
informações pontuais no texto com questões que vão das “características
físicas e psicológicas das personagens, personagens planas e personagens
redondas” ao conceito de “tempo cronológico e tempo psicológico”
(CÓCCO; HAILER, 1994c, p. 19-21), sempre sugerindo justificativa para
questões mais complexas. Importante se faz ressaltar que essa categoria
aparece em todos os textos da unidade temática direcionada à abordagem da
leitura e da interpretação de texto.
Sobre a categoria “Extrapolação”, nota-se que não está sempre em todos os
textos do livro. Dos 14 textos apresentados na unidade 1, essa categoria
aparece em quatro deles, sendo que o intuito é o de propor ao aluno uma
atividade interativa e, por vezes, interdisciplinar, quais sejam: discutir com a
família e os colegas, pesquisar no dicionário, comparar gêneros diferentes —
informativo e literário —, elaborar tabela com dados percentuais — o que
requer a ajuda do professor de matemática — e, por fim, realizar um júri
simulado sobre uma determinada situação apresentada em uma crônica.
A categoria “Gramática textual” não se apresenta em todos os textos da
unidade em análise; ao contrário, sua primeira “aparição” se dá logo após o
texto “Passaredo”, parceria de letra e música de Francis Hime e Chico
Buarque de Hollanda.
Passaredo
Ei, pintassilgo
Oi, pintarroxo
Melro, uirapuru
Ai, chega-e-vira
Engole-vento
Saíra, inhambu
Foge asa-branca
Vai, patativa
Tordo, tuju, tuim
Xô, tié-sangue
Xô, tié-fogo
Xô, rouxinol sem fim
Some, coleiro
Anda, trigueiro
Te esconde colibri
Voa, macuco
Voa, viúva
Utiariti
Bico calado
Toma cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
Ei, quero-quero
Oi, tico-tico
Anum, pardal, chapim
Xô, cotovia
Xô, ave-fria
Xô, pescador-martim
Some, rolinha
Anda, andorinha
Te esconde, bem-te-vi
Voa, bicudo
Voa, sanhaço
Vai, juriti
Bico calado
Muito cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
Francis Hime e Chico Buarque de Hollanda. Chico Buarque, letra e música. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989 (CÓCCO; HAILER, 1994c, p. 11).
Nesse item, os autores propõem um trabalho pouco sistematizado, no que se
refere às categorias gramaticais, sugerindo não só questões interativas entre
professor e aluno, mas também induzindo a consulta à gramática como
recurso último na resolução de dúvidas. Na questão 1, foi proposto que as
palavras do texto fossem separadas em grupos: “Grupo 1 — nome de
pássaros; grupo 2 — ordens dadas aos pássaros; grupo 3 — palavras que
expressam emoção (apelo, chamamento, admiração, saudação”; na questão 2:
“Discuta com seus colegas e com seu professor e escreva o nome das classes
gramaticais cujas palavras representam os grupos 1, 2 e 3. Se necessário,
consulte uma gramática” (CÓCCO; HAILER, 1994c, p. 14 — grifo nosso); e
ainda na questão 3: “Releia as palavras do grupo 2 e identifique o modo
verbal a que pertencem”. Observe-se que são abordados assuntos diferentes,
quais sejam: substantivos e seus tipos, modo imperativo do verbo e vocativo,
sem nomear quaisquer categorias. Assim, nota-se que o estudo da gramática
se dá sempre por meio de exercícios apoiados nos textos lidos anteriormente,
em expressões deles retiradas, numa abordagem contextual.
Ainda sobre essa categoria, é importante ressaltar que, em outro momento,
os autores propõem o trabalho com as conjunções, que vai desde sua
concepção — registrada a partir da consulta na gramática e da discussão com
o professor — até a diferenciação entre conjunção coordenativa e
subordinativa. Vale ressaltar que as atividades propostas partem do texto lido
anteriormente (p. 39) “Fera em psicologia”5. Note-se que a abordagem do
conteúdo gramatical não obedece a uma ordem lógica como no estudo da
gramática normativa; ao contrário, o que se vê é uma proposta de atividade
baseada na gramática inserida no texto, ou seja, os autores têm por objetivo
mostrar que a língua, numa concepção interativa, como já mencionado, é viva
e tem sentido quando inserida num contexto mais amplo.
No tocante à produção de texto, pode-se afirmar que é um tanto
diversificada, partindo da tipologia narrativa, passando pela descritiva e
envolvendo gêneros dos mais diversos, que vão da bula de remédio ao
telegrama, por exemplo. Entre as tantas propostas, apenas uma em especial
busca fazer a junção entre o texto lido e a gramática estudada. Propõem os
autores: “Escreva um texto sobre animais, utilizando conjunções
coordenativas e subordinativas. Sublinhe-as e explique o sentido de cada uma
no seu texto” (CÓCCO; HAILER, 1994c, p. 45). Observa-se, nessa proposta,
a pretensão de que o aluno elabore o texto, planejando-o de modo a utilizar os
conceitos gramaticais estudados anteriormente, dando ênfase ao aspecto
lógico-semântico das conjunções coordenativas e subordinativas. Nesse
sentido, temos em Swiggers (1990, p. 6-7) a proposta de uma análise
descritiva que prevê: “Análise ‘arquitetônica’ de conceitos (que permitem
articular o exame dos conteúdos descritivos)”, o que nos leva
a uma reorganização total da sintaxe, que não é mais concebida como um anexo à morfologia (da
qual ela constituía um prolongamento “linear”, visto que dizia respeito à inserção sintagmática das
partes do discurso), mas que se torna uma análise da organização da frase (separada cada vez mais
de um modelo de análise lógica acoplada à distinção em classes de palavras). Vê-se, assim, que a
análise de um conceito permite examinar um campo integral, em relação ao qual se pode situar e
apreciar os conteúdos descritivos sob exame (Swiggers, 1990, p. 6-7).
Interessante notar que a proposta de Produção textual nessa obra vai ao
encontro do que propõem as tendências linguístico-pedagógicas do período
histórico estudado, pois segundo Palma e Melo Franco (2019), trabalhos de
autores consagrados como Ingedore Villaça Koch e João Wanderley Geraldi
“(...) dão destaque à concepção da linguagem como interação (...)” e
possibilitam um olhar diferenciado para o estudo da gramática, tendo o aluno
na figura do professor seu principal interlocutor.
Terminadas as considerações sobre a obra direcionada à 7ª série,
passaremos a tratar da 8ª série, a última do antigo 1º grau, atual ensino
fundamental — anos finais.
O livro direcionado aos alunos da 8ª série tem três unidades: “Amor”,
“Mistério e suspense” e “O homem e o mundo”. Assim como os demais
livros, apresenta grande diversidade de gêneros textuais, que vão das obras de
arte aos anúncios publicitários, passando pelo texto literário e chegando aos
documentos oficiais (no caso a certidão de casamento reproduzida na
primeira unidade). As categorias Exploração, Extrapolação, Gramática
textual e Produção percorrem o mesmo caminho das demais obras, entretanto
esse livro se diferencia dos anteriores porque dá a oportunidade ao aluno de
ter contato com obras literárias como Iracema de José de Alencar e A
Moreninha de Joaquim Manoel de Macedo; ademais, há, no final de cada
uma das unidades, um capítulo que trata dos principais movimentos literários:
Romantismo, Realismo-Naturalismo e Modernismo.
Na unidade 1, a categoria Exploração traz questões amplas sobre o texto
inicial. Sua abordagem interativa pressupõe a reflexão do aluno por meio de
justificativa em suas respostas. A categoria Extrapolação permite ao aluno
ampliar o conhecimento acerca do tema estudado; no caso da unidade 1, o
amor é visto sob diferentes enfoques, inclusive numa dimensão temporal
quando os autores solicitam: “Peça para seus pais ou avós relatarem como era
o namoro no tempo deles. Compare com as características de um namoro
atual e escreva suas conclusões” (CÓCCO; HAILER, 1994d, p. 48). Uma
tabela traz os quatro itens a serem pesquisados, quais sejam: “Manifestações
de carinho”, “Horário de namoro”, “AIDS” e “Locais de namoro”. Na
sequência, a categoria Produção traz uma proposta de diálogo entre avó (avô)
e neta (neto), caracterizando antes a personagem. Importante é salientar que a
gramática textual, nessa unidade, estabelece relação com os textos abordados,
articulando os conteúdos gramaticais trabalhados na 8ª série com todo e
qualquer tipo de texto lido pelo aluno anteriormente, ou seja, as orações
subordinadas substantivas, adjetivas e adverbiais são o foco da categoria,
sempre retomadas por meio de textos, numa abordagem lógico-semântica.
A categoria Produção é diversificada, assim como os gêneros textuais. As
propostas variam da elaboração de um soneto de amor à confecção de um
convite de casamento. O aluno ainda produz entrevista, anúncio publicitário
e, por fim, dissertação, todas as propostas atreladas ao tema “Amor”, indo ao
encontro de cada texto lido ao longo da unidade.
No compêndio “Introdução à literatura”, apenas a categoria “Exploração”
está presente, diferenciando-se do restante das unidades na medida em que
traz questões estruturais sobre o texto apresentado, no caso “A esmeralda e o
camafeu”, último capítulo do livro A Moreninha de Joaquim Manoel de
Macedo. Nesse item, o aluno deverá observar “(...) como o autor narra o
encontro dos amantes e a descoberta do camafeu e da esmeralda. Dê as
características do Romantismo presentes nesse trecho. Exemplifique”
(CÓCCO; HAILER, 1994d, p. 90). Nota-se uma perspectiva mais diretiva
nessa questão, isto é, numa abordagem mais “tradicional”, o compêndio de
“Introdução à literatura” instaura-se como sistematização pontual de um
conteúdo pertencente ao 2º grau, atual ensino médio, necessária às exigências
futuras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo das questões que motivaram essa pesquisa, tendo em vista o
material didático ALP — Análise, linguagem e pensamento. A diversidade de
textos numa proposta socioconstrutivista, publicado em 1994, podemos
afirmar que a crise do ensino na década de 1970 foi atenuada com a
colaboração dos estudos linguísticos das décadas de 1980 e 1990, quando a
perspectiva da língua como lugar de interação é adotada pelos livros
didáticos, acarretando mudanças significativas para o ensino da língua. Em se
tratando do ALP, podemos afirmar que houve avanços para o ensino de
Língua Portuguesa, na medida em que o material trouxe uma enorme gama
de gêneros textuais numa época em que os estudos acerca de suas acepções
eram ainda iniciais. O ALP, concebido antes da LDBEN, se impôs no
mercado editorial como um livro inovador, já que a abordagem da leitura, da
interpretação de texto, da gramática, intitulada textual, e da produção em
todas as séries esteve atrelada aos textos propostos. Se a intenção dos autores
foi a de incentivar o trabalho com a leitura e
(...) levar o aluno à análise e à compreensão das ideias dos autores e buscar no texto os elementos
básicos e os efeitos de sentido. É muito importante que o leitor se envolva, se emocione e adquira
uma visão dos vários materiais portadores de mensagens presentes na comunidade em que vive”
(CÓCCO; HAILER, 1994c — Orientações, p. 3).
podemos dizer que ela foi atingida na medida em que os efeitos de sentido
são trabalhados nas questões de ampla interpretação e na reflexão do aluno,
calcada não só em experiências vividas, mas também na interação com os
colegas, com o professor e com a família.
Sobre a Produção, os autores postulam: “Acredita-se que o letramento se dá
quando o aluno aprende a ler o mundo que o cerca e a escrever sobre ele de
diferentes formas” (CÓCCO; HAILER, 1994c — Orientações, p. 9 — grifos
do autor). Observada a coleção nesse sentido, pode-se dizer que as inúmeras
propostas nas diferentes séries levam o aluno a escrever de forma
diversificada, planejando e organizando o pensamento lógico na elaboração
do texto.
Por fim, o trabalho realizado com a gramática refletiu a preocupação dos
autores em desenvolver o raciocínio do aluno, de modo a construir os
conceitos gramaticais, aplicando-os quando de seu uso. Dadas essas
considerações, podemos dizer que o ALP se instaurou como um material
inovador para o ensino de língua portuguesa nos primeiros anos da década de
1990.

REFERÊNCIAS
Fontes primárias
CÓCCO, M. F.; HAILER, M. A. ALP, 5: análise, linguagem e pensamento: a diversidade de textos
numa proposta socioconstrutivista. São Paulo: FTD, 1994a
____. ALP, 6: Análise, linguagem e pensamento: a diversidade de textos numa proposta
socioconstrutivista. São Paulo: FTD, 1994b
____. ALP, 7: Análise, linguagem e pensamento: a diversidade de textos numa proposta
socioconstrutivista. São Paulo: FTD, 1994c
____. ALP, 8: Análise, linguagem e pensamento: a diversidade de textos numa proposta
socioconstrutivista. São Paulo: FTD, 1994d

Fontes secundárias
ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes; 2000.
SWIGGERS, P. “Histoire et historiographie de l’enseignement du français: Modèles, objets et
analyses”. In D. COSTE (ed.), Démarches en histoire du français langue étrangère ou seconde (Études
de linguistique appliquée 78), 1990, p. 27-44 (Tradução de Dieli Vesaro Palma e Maria Ignez de
Melo Franco).
SOUZA, M. E. V. Mais uma leitura do/no livro didático. In Revista Graphos. Vol. 5, nº 1, 2000, p.
123-142. Disponível em:
http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/graphos/article/view/9350/5030. Acesso em: 02/jun/2019.

5 Rose de Almeida. Revista Escrita Copperhodia, nº 122. Escrita Comunicações, julho/agosto de 1993.
CAPÍTULO 8
PORTUGUÊS: PALAVRA E
ARTE, DE TÂNIA PELLEGRINI E
MARINA FERREIRA
NANCY A. ARAKAKI
MICHELINE PADOVANI

PARA COMEÇAR
A elaboração de livro didático é tarefa complexa, pois requer de seu autor a
habilidade para criar conteúdo e a metodologia para o ensino da língua
materna que vislumbrem tanto a linguística quanto a pedagogia baseadas na
legislação contemporânea. O labor para impor o novo e o moderno em obras
educacionais parece acompanhar os produtores de material didático há
séculos. Visto por esse ângulo, concebe-se a complexidade da produção de
material sobre a/da língua (palavra), como se manifestam as autoras de
Português — Palavra e arte a respeito de que palavra se trata:
Que palavra é esta? Mais uma? Outra? A mesma? Na verdade, tal palavra, se não é inteiramente
nova, é produto de nossa formação, experiência e reflexão como estudiosas de língua e literatura e
como professoras do segundo grau, ao longo de muitos anos. Assim, ela pretende oferecer outra
maneira de estudar tais tópicos (PELLEGRINI; FERREIRA, 1996).
As palavras sobre a palavra registradas pelas autoras em 1996, na página de
Apresentação dos três volumes da série, abrem-nos um caminho para
considerar Português — Palavra e arte como objeto da prática
historiográfica.
No âmbito dos preceitos da historiografia linguística (doravante HL),
adotamos como prática metodológica a discussão de Swiggers (1990) a
respeito da produção de livros didáticos para ensino de língua. Ressaltamos
que, embora as discussões do autor mencionado sejam direcionadas ao ensino
de língua estrangeira, a abordagem que esse linguista-historiógrafo realiza é
aplicável perfeitamente ao ensino de língua materna. Estabelecemos a
aplicação dos três princípios metodológicos de Koerner (1996), considerando
o clima de opinião do período em que as autoras pesquisaram, lecionaram e
produziram sua obra. Adotamos como critério de análise as categorias que
imprimem cientificidade ao trabalho segundo a perspectiva de Bastos e Palma
(2004, p. 12): “Consideramos como categoria um aspecto, saliente em uma
obra, e mais diversos níveis linguísticos, sublinhando assim, ‘uma crença
em’...”. Essa crença advém da aceitação das correntes linguísticas que
circulavam na época em meio ao contexto sociocultural, político e
institucional.
Convém destacar que, para atender ao princípio da contextualização
(Koerner, 1996), valemo-nos da descrição socioeconômica, política, cultural
e linguística apresentada por Palma e Franco no primeiro capítulo desta
História Entrelaçada 9, acrescentando tão somente fatos e percepções
próximas ao corpus. Optamos por não desenvolver o princípio da adequação
por tratar-se de obra do tempo presente, o que permite ao historiógrafo
aplicar ou não tal princípio. Sendo assim, aplicamos com acuidade o
princípio da imanência.
A partir desse apoio teórico, o objetivo deste capítulo é apresentar uma
descrição analítica da série didática em questão, considerando em que medida
as autoras primam por um ensino de língua em torno da criatividade e da
competência comunicativa e em que medida se afastam e/ou se mantêm
próximas ao modelo anterior, cujo eixo foi a comunicação e a expressão.

DO LIVRO DIDÁTICO
Com a corrida de crianças de classes sociais menos favorecidas às escolas a
partir de 1950, o Estado aprovou mais leis sobre a educação, provocando uma
avalanche de mudanças na sociedade estudantil brasileira, pois, até esse
período, eram os “filhos-família” — termo de Houaiss (1985, p. 94) — os
ocupantes dos bancos escolares. Embora as ações do Estado e da instituição
escolar tenham sido amplas, no momento, vamos considerar apenas questões
pertinentes à produção e divulgação dos livros didáticos para o ensino de
língua portuguesa como bem apontou Alain Choppin:
Os livros didáticos não são apenas instrumentos pedagógicos: são também produtos de grupos
sociais que procuram, por intermédio deles, perpetuar suas identidades, seus valores, suas
tradições, suas culturas (CHOPIN, apud SCHRODER, 2013, p. 193).
Desse modo, a produção de livros didáticos para o ensino de língua
portuguesa da fase de alfabetização às demais fases de escolarização foi o
instrumento utilizado para formar cidadãos segundo a ideologia educacional
do Estado, assim como para facilitar o trabalho do professor. De acordo com
os historiadores e linguistas, sobre o livro didático, a produção desse material
se intensifica devido às lacunas na formação do corpo docente, à queda da
remuneração dos professores, ao excesso de aulas a que eles se submetiam
para garantir sua sobrevivência. Assim, a tarefa de preparar aulas e exercícios
foi transferida para o livro didático (SOARES, 2002).
Voltando nossos olhos para o final do século XX, período em que Pellegrini
e Ferreira (1996) produziram Português: palavra e arte para o 2º grau,
constatamos que o livro didático atende perfeitamente ao que Lajolo e
Zilberman consideram:
... o livro didático é poderosa fonte de conhecimento da história de uma nação, que, por intermédio
de sua trajetória de publicações e leituras, dá a entender que rumos seus governantes escolheram
para a educação, desenvolvimento e capacitação intelectual e profissional dos habitantes de um
país (LAJOLO; ZILBERMAN, 1999, p. 121, apud SCHRODER, 2013, p. 200).
É no âmbito de tais considerações que verificamos que a obra — corpus
deste capítulo — tanto representa as diretrizes das décadas de 1970 quanto as
décadas de 1980/1990, no que se refere ao ensino de língua portuguesa
voltado para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da competência
linguística e comunicativa, sem contudo, romper com o ensino da gramática
tradicional.

DA SÉRIE PORTUGUÊS: PALAVRA E ARTE


Essa produção didática foi adotada pela Secretaria Estadual da Educação do
Estado de São Paulo, nos anos finais de década de 1990. Pellegrini e Ferreira
destacam que a coleção de livros didáticos para o ensino de 2º grau,
constituída de três volumes, é fruto de sua reflexão e experiência como
professoras e estudiosas de língua e literatura. Os três volumes — um para
cada série do ensino médio — apresentam em cada capítulo três subdivisões
para o trabalho em sala de aula: literatura, gramática e redação. As autoras
apontam que o ensino de literatura — brasileira e portuguesa — traz como
proposta o entrelaçamento entre o texto e o contexto que o gerou, “uma vez
que cada movimento literário é situado no interior das relações de produção
de cada época” (PELLEGRINI; FERREIRA, 1996, página de Apresentação
do livro). Dessa forma, o texto é tido tanto como linguagem quanto como
elemento linguístico revelador de questões culturais e deve ser estudado em
conjunto com as outras artes de cada período literário, portanto,
... cada capítulo é enriquecido com muitos exercícios, que, além de procurarem estabelecer uma
ponte entre o texto e o contexto, tentam fazê-la mais longa, trabalhando comparativamente o
recente e o antigo. Esse enfoque permite que se trabalhe a continuidade do processo da produção
literária (ibidem).
Diante do exposto, as autoras destacam que o trabalho com a literatura visa
à contextualização com outras linguagens, ou seja, o período literário
apresenta a proposta pedagógica de estudo conjunto com os demais trabalhos
artísticos de cada período — pintura; música; arquitetura; dança etc. Assim,
na perspectiva das autoras, os capítulos são “enriquecidos a partir do
estabelecimento de uma ponte entre texto e contexto, trabalhando o antigo e o
presente”. Após discorrerem sobre o processo de ensino aprendizagem em
relação à literatura, há um apontamento sobre o processo de ensino com a
gramática, a qual elas denominam de “estudo da língua portuguesa”.
O estudo da língua portuguesa segue as orientações normativas da língua.
Segundo as autoras, “funciona como um modelo sempre posto à prova
através do uso, pois a gramática existe lógica e naturalmente na fala”
(ibidem). Assim, o ensino de gramática pressupõe a teoria da comunicação,
mas as autoras destacam que se “pode inovar, alterar ou transformar a
norma”; por esse motivo, privilegia-se o uso de textos variados nos diversos
exercícios gramaticais. Com isso, destaca-se que a língua é viva e está em
constante transformação.
A respeito da proposta de ensino com redação denominado “curso de
redação”, Pelegrini e Ferreira enfatizam que as atividades consistem em um
misto entre as palavras das autoras e as palavras dos alunos que utilizarão o
material didático; para que isso ocorra, esclarecem que desenvolveram “as
técnicas da escrita num processo constante e orientado de criação de textos,
sempre dialogando com os tópicos de literatura e com o mundo que nos
rodeia”. Verifica-se, portanto o estudo orientado para a criatividade,
envolvendo o diálogo entre os textos, os alunos e o professor (ibidem).
No “curso de redação”, a elaboração de narração, descrição e dissertação
procura desenvolver a habilidade de técnicas da escrita, pois “o horizonte
entrevisto sempre é o da comunicação”, sob uma dinâmica de uso efetivo da
língua e da linguagem. Sendo assim, as propostas de escrita de redação
seguem um processo crescente de elaboração e reflexão quanto ao uso, “para
auxiliar o entendimento do mundo e a participação na sua contínua
construção” (ibidem). É destacado ainda que, no final de cada capítulo,
constam exercícios e testes de vestibulares, selecionados de acordo com
conteúdo desenvolvido em cada capítulo.

SOBRE AS AUTORAS
Consideramos os dados biográficos das autoras descritos nos três volumes
da série Português: Palavra e arte, 1996. Tânia Pelegrini — Doutora em
Letras pela Universidade Estadual de Campinas. Professora de Sociologia da
Cultura na Unesp — Araraquara. Marina Ferreira — graduada em Letras pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Professora da rede particular de
ensino em Ribeirão Preto, SP.

SOBRE LINGUAGEM, LINGUÍSTICA E ENSINO


DE LÍNGUA PORTUGUESA
A década de 1980 no Brasil foi marcada pelo processo de transição de um
regime administrativo ditatorial para um regime governamental democrático.
Trata-se, por conseguinte, de uma época de transição em que a sociedade em
geral se coloca entre o antigo e o moderno; entre o velho e o novo padrão
social e político. As mudanças políticas do regime de governo no Brasil vão
repercutir em toda produção de pesquisa acadêmica, principalmente na área
da linguística e da produção de material didático. Por essa ocasião, a
linguística textual e a sociolinguística foram responsáveis por uma visão mais
realista do ensino da língua na medida em que consideraram a oralidade da
língua portuguesa em suas variedades diatópicas e diastráticas.
Esse cenário está bem delineado na série Português: Palavra e arte na
medida em que as autoras se aproximam da metodologia linguística
defendida por Luft (1985), em que o ensino da língua materna deve se pautar
pelos ideais de liberdade, e não pela rigidez do ensino da gramática. Nas
palavras de Luft (1985, p. 9),
Muitos estranharão que um professor de português, autor de gramáticas e manuais de ortografia,
dicionarista e velho pesquisador apaixonado de problemas de língua, escreva ‘contra’ a gramática
em sala de aula.
Tal posição se prende ao fato de que, durante as décadas de 1980 e 1990,
houve um distanciamento em focalizar tão somente o ensino da gramática nas
aulas de português. A proposta era o ensino da gramática por meio de textos,
se bem que pouco se estabeleceu sobre o que realmente era “ensinar
gramática por meio de textos”, provocando insegurança nos professores. Há
quem diga que o texto passou a ser ‘pretexto para o ensino da gramática’ com
especial atenção a todas as regras. O período ficou marcado por “Ensinar ou
não ensinar gramática? Como ensinar gramática? Como utilizar o texto para o
ensino da gramática?” Essas foram questões que Pellegrini e Ferreira (1996)
procuraram resolver na série Português: Palavra e arte, oferecendo textos
diversificados para leitura e conhecimento da língua e suas variedades
linguísticas.
A respeito do ensino tradicional de gramática, Luft (1984) se posiciona da
seguinte forma:
Ninguém pode ser ‘contra’ a verdadeira gramática: ela é imanente às línguas. Uma língua é um
duplo sistema: sistema de sinais (vocábulos, expressões, etc.) e sistema de regras da combinação
desses sinais. Ao segundo desses sistemas é que chamamos de gramática. Não há língua sem
gramática. Amar uma língua é amar sua gramática.
O que me preocupa profundamente é a maneira de se ensinar a língua materna, as noções falsas de
língua e gramática, a obsessão gramaticalista, a distorcida visão de que ensinar uma língua seja
ensinar a escrever ‘certo’, o esquecimento a que se relega a prática da língua, e, mais que tudo: a
postura opressora e repressiva, alienada e alienante deste ensino, como em geral de todo o nosso
ensino em qualquer nível e disciplina (Luft, 1984, p. 9-10).
É essa visão de direcionar o ensino da língua para a prática linguística que
impulsiona Pellegrini e Ferreira a elaborarem uma obra que se afasta de uma
postura normativa rígida e se aproxima da visão de ensino para um aluno que
já conhece a língua. A diversidade de temáticas textuais que compõem a obra
das autoras atende aos princípios da prática linguística, comunicativa e
discursiva, encaminhando o jovem estudante a se tornar exímio leitor.
Como dissemos anteriormente, o autor de livro didático se posiciona e
produz a partir de uma “crença em...”. A postura das autoras é formar leitores
críticos por meio dos textos que circundam sua vida social, cultural e política,
bem como aqueles produzidos por mestres do passado. É, portanto, no âmbito
da crença de que ‘língua e liberdade’ caminham juntas e jamais podem ser
separadas que surge a série Português: Palavra e arte, tendo como maior
influência linguística a posição de Luft (1985) e de Ilari (1992).
A leitura analítica dessa série nos faz constatar que os conceitos de Rodolfo
Ilari (1992) sobre linguística e o ensino da língua foram também alavancas
utilizadas pelas autoras a fim de apresentarem ao público — professores e
alunos — uma obra capaz de potencializar o ensino-aprendizagem do
Português. Para Ilari (1992, p. 99), as ideias sobre o ensino de língua materna
consideram as “modalidades faladas e todas as modalidades escritas que não
gozam de privilégios estéticos, mas se revestem de importância para a vida
prática: linguagem da propaganda, dos jornais, da burocracia, expressão
familiar, popular, gíria”. Mediante esse cenário pedalinguístico, as autoras se
posicionam sobre
escrita e fala: ambas são concretizações de um código (língua) e devem ser entendidas como
veículos que comunicam as ideias. A convivência social é o suficiente para que se fale uma língua. A
escrita, no entanto, pressupõe o estudo de seus símbolos gráficos (letras), de suas regras de
combinação e de outras manobras próprias dessa modalidade (PELLEGRINI, FERREIRA, 1996, p. 13,
vol. 1).
Ainda que as autoras estejam sendo impulsionadas pelos novos ventos na
área da sociolinguística a partir das ideias de Luft (1985) e de Ilari (1992),
elas não se afastam totalmente da teoria da comunicação de Jakobson (1979)
e nem do ensino da nomenclatura gramatical. Tal prática, sob a ótica de Ilari
(1992, p. 106), prende-se ao fato de que “um peso muito grande a favor do
ensino gramatical deve-se, a meu ver, às editoras, que pressionam o autor a
produzir livros ‘aceitáveis’ para o professor secundário”. Além disso,
acrescentamos que a sociedade em geral e em especial os pais dos alunos
exigiam um ensino voltado à tradicional arte de se escrever e ler bem. Isso se
resumia ao ensino de regras gramaticais nas aulas de português. Portanto,
ensinar português era ensinar o padrão culto da gramática na sua modalidade
escrita. Como testificam Palma e Franco (2020, p. 9):
Verificamos que, na década de 1990, os estudos sobre a linguagem e a língua foram produtivos,
porém os avanços por elas conquistados não atingiram o ensino da língua portuguesa, que
continuava a ser pautado no ensino da gramática tradicional, valorizando a norma-padrão. Esse
quadro só terá algumas modificações com a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira,
sancionada em 1996, mas cujos efeitos só serão constatados nos anos 2000.

Retomamos a concepção de Swiggers (1990), no que diz respeito à


“história — como relato, esquema ou análise formal — ser sempre uma
reconstrução do conhecimento linguístico” e, portanto, “uma idealização, em
relação a um limite do saber”. Assim, enquadramos a série Português:
Palavra e arte como um corpus instigante sobre o ensino da língua materna
na década de 1990, sob uma visão da história em sua representação
historiográfica.
Nesse sentido, adotamos o modelo estrutural-formal da história do ensino
de línguas que engloba diferentes níveis: o público — professor e aluno; o
conteúdo representado por instrumento pedagógico; os enunciados teóricos
presentes no livro didático (SWIGGERS, 1990). Da mesma forma, adotamos
o modelo sociológico orientado para o contexto social do ensino em que
aplicamos à globalização nacional do ensino no Brasil, que envolveu todas as
classes sociais e exigiu novos tipos e novas técnicas de produção.

SOBRE O CONTEÚDO PEDAGÓGICO E


DIDÁTICO
A série Português: Palavra e arte (1996) é composta por três volumes e foi
produzida especialmente para os três anos do ensino de 2º grau. O conteúdo
pedagógico revela o interesse das autoras em proporcionar etapas importantes
aos estudantes no que tange à “capacidade de manejar a linguagem verbal, de
maneira que essa habilidade possa ajudá-lo a entender e analisar o mundo,
desenvolvendo em relação a ele um espírito observador e crítico”
(PELLEGRINI; FERREIRA, 1996, p. 2, vol. 1). Tal desenvolvimento
intelectual é alcançado pela leitura diversificada de textos escritos,
acompanhados de textos visuais em que figuram imagens e cores. Sendo
assim, para cada capítulo, as autoras propõem atividades a partir de textos
verbais e não verbais seguidas de produção escrita (redação) após um
processo de reflexão sobre o tema em discussão como o enunciado: “Reflita
um pouco sobre a eficácia comunicativa das linguagens comentadas aqui
(verbal e não verbal)” (Ibidem, p. 11; vol. 1). O quadro visual apresentado ao
estudante é a imagem de um casal de namorados caminhando numa praia sob
um céu azul e um mar calmo. Com relação aos quadros visuais, há um
excesso de imagens e cores nos volumes 1 e 2 — o que nos remete à imagem
de almanaques — contrapondo-se ao volume 3, em que predominam as cores
verde e preto.
As autoras procuram expor os estudantes à formação do senso crítico:
“Você analisou, no capítulo 8, um fragmento de Menino de engenho, de José
Lins do Rego...” (Ibid., p. 244, vol. 2). Entre leituras de textos escritos e
visuais, as autoras vão tecendo propostas pedagógicas que conduzem o
estudante a desenvolver sua competência linguística, comunicativa,
discursiva e argumentativa.
A didática e o plano pedagógico traçado pelas autoras vão ao encontro da
posição linguística de Ilari (1992, p. 101) no que diz respeito a que “além de
transmitir informações, a língua serve para formular mentalmente nossas
experiências, organizando-as em esquemas inferenciais; e é um instrumento
mediante o qual atuamos sobre nossos circunstantes, criando e modificando
situações”.
Desse modo, cada volume da série Português: Palavra e arte é divido em 5
unidades e cada uma delas é composta por 4 a 5 capítulos que contemplam
literatura, gramática e redação. Ao final de cada capítulo — nos três
volumes — há um espaço denominado Em tempo de vestibular, que
comporta questões extraídas de vestibulares de universidades renomadas de
norte a sul do Brasil. Verifica-se, portanto, o cumprimento da exigência
institucional sobre a preparação dos estudantes para o exame vestibular,
desde o final da década de 1970. A partir de 1985, diante da falta de preparo
dos vestibulandos, a redação passa a ser exigida nas provas, conduzindo ao
surgimento de cursos pré-vestibulares. Tanto os cursinhos preparatórios
quanto as escolas incluem no currículo de 2º grau a disciplina “Técnica de
redação e/ou produção de textos” ou simplesmente “Redação”. Por essa
razão, muitas escolas também procuraram abrir três frentes para o ensino de
português: as aulas de literatura, de gramática e de redação passaram a ser
ministradas por professores específicos; isso significou a mudança do antigo
sistema de apenas um professor lecionar as três disciplinas.
Os objetivos gerais das autoras na produção dessa série são os seguintes:
a) desenvolver no aluno a capacidade de pensar a linguagem verbal, por
meio do reconhecimento e uso de diferentes formas de comunicação e de
estudos de normas gramaticais.
b) Levar à compreensão dos processos de formação da cultura brasileira,
através de estudos sobre a história literária do Brasil e de Portugal.
O objetivo (b) remete à LDB n. 5.692/71, mais especificamente ao texto do
Parecer n. 853/71, no qual se esclarece que o ensino da língua portuguesa
haveria de se revestir de um indispensável sentido de “expressão da cultura
brasileira” e, evidentemente, a literatura é parte integrante de nossa cultura
luso-brasileira portanto, não se pode abstrair dos estudos literários os
clássicos portugueses e as nossas raízes europeias (ARAKAKI; COSTA,
2016). Isso demonstra que a produção de material didático e o ensino da
língua portuguesa mantêm certas diretrizes de duas décadas anteriores.
Sobre o objetivo (a), verificamos o compromisso das autoras de conduzir os
estudantes ao pleno desenvolvimento de suas competências linguísticas,
comunicativas e discursivas a partir da exposição de textos bem
diversificados — prosa, poema, artigos jornalísticos, tirinhas, charges, etc..
Entretanto, o ensino das normas gramaticais, ou seja, da nomenclatura
gramatical pouco se mostra alterado na década de 1990, o que nos parece ser
esclarecido por Ilari (1992, p. 94):
Todo esse entusiasmo se devia, naturalmente, a uma série de transformações pelas quais passava o
ensino, e que encontrava despreparada a ‘gramática tradicional’, e ao prestígio com que a
linguística parecia impor-se às demais ciências humanas, como ciência capaz de revelar as matrizes
de todo comportamento significativo. (...)...deve-se lembrar que a aplicação ao ensino não foi
suficientemente ampla, nem suficientemente eficaz, para surtir os resultados espetaculares que se
esperavam.
Verificamos que as autoras da série Português: Palavra e arte vivenciaram
o avanço da linguística, em especial das ideias da sociolinguística e da
linguística textual. Contudo, não romperam com os parâmetros educacionais
anteriores e tampouco com a metodologia da teoria da comunicação de
Roman Jakboson (vol. 1, capítulo 2, p. 22-32) assim como a disciplina de
português denominada comunicação e expressão (LDB 5692/71).
De uma forma ou de outra, de um tempo ou de outro, as autoras procuram,
por meio dos textos, motivar a comunicação eficaz no que tange à
criatividade na comunicação oral e/ou escrita conforme demonstra o contexto
da tirinha abaixo.

(Ibidem, p. 175, vol. 1.)

Assim, sob uma perspectiva de entrelaçar palavra e arte, as autoras vão


produzir uma obra calcada sobre a proposta de “um estudo dinâmico e
atualizado de todo o conteúdo previsto para o 2° grau”, cujo “grande número
de imagens em cores e apresentação gráfica original contribui para um estudo
de português no 2° grau mais estimulante e eficiente” (contracapa da série).
Para tanto, vão explorar todos os aspectos do uso da linguagem e daqueles
que criaram, que fizeram arte com a(s) palavra(s), tais como Luis Fernando
Veríssimo com a famosa crônica “O gigolô das palavras”.

SOBRE PENSAR A LINGUAGEM


Para análise da obra, escolhemos o conteúdo apresentado na “Introdução”
do volume 1 da série, uma vez que o teor pedagógico ali desenvolvido retrata
a perspectiva das autoras em sua peculiaridade disseminada nos três volumes,
no que se refere ao conteúdo programático de ensino de português, cujo
enfoque é a linguagem. A linguagem de que as autoras falam é “produto do
mundo em que vivemos”. Para elas, “cada palavra contém uma multidão de
significados que remetem à leitura e à interpretação desse mundo”.
Pensando a respeito e considerando que o estudante conhece o português,
as autoras propõem iniciar os estudos refletindo sobre o funcionamento da
língua. Nada mais conveniente ao plano pedagógico e linguístico traçado sob
a perspectiva de Celso Pedro Luft, que também inicia sua obra língua e
liberdade com a análise da crônica “O gigolô das palavras”, de Luis Fernando
Verissimo (LUFT, 1984).
Após o título “Pensando a linguagem”, há um direcionamento sobre a
obrigatoriedade de ler os dois textos: a crônica de Veríssimo e uma canção de
Arnaldo Antunes. Segue-se a atividade com a proposta “Com relação ao
texto”.
Sobre a crônica “O gigolô das palavras”, propõem-se as seguintes questões:

(Ibidem, p. 3, vol. 1.)

Como se percebe, as autoras colocam ênfase no ponto crucial do período


em que produziram a série Português: Palavra e arte, qual seja, priorizar o
ensino da língua a um sujeito falante, no centro de um universo social e
cultural, como principal protagonista do seu ato de fala (ILARI, 1992), em
que se vê frente a frente com a diversidade de usos da língua como que
andando na contramão da exigência do padrão culto, como bem dimensiona
Luft (1984, p. 108-109):
Esse novo ensino requer professores competentes e seguros, livres e muito bem informados do que
ocorre no campo das pesquisas sobre a linguagem. Não, porém, impingir ao aluno novas teorias, e
sim para, junto com o aluno, praticar a língua — única maneira de fazer com que o estudante a
domine, a maneje melhor, e se sinta senhor dela, não seu servo humilhado e inseguro. (...)
Importante é compreender que o aluno não precisa ‘aprender a língua’. Precisa, sim, ampliar sua
gramática implícita, interiorizada na primeira e na segunda infância, com os elementos próprios do
modelo culto padrão. E precisa aprender a ler e escrever, ter contato constante com bons textos, e
descobrir, com o professor e toda a classe, as riquezas expressionais do seu idioma.

Verifica-se, por conseguinte, a estratégia utilizada pelas autoras para


explicitar e divulgar, entre os professores, a nova metodologia de ensino da
língua, principalmente no que se refere à gramática normativa. Relembrando
que o período estava fortemente marcado pela indagação: ensinar ou não
ensinar gramática nas escolas. É, portanto, na esteira de Verissimo, no que
tange ao saber a língua, que, em vez de saber as regras da língua, o livro
didático provoca um diálogo entre autoras, linguistas, literatos, professores e
alunos.
A próxima atividade propõe a reflexão sobre uma canção de Arnaldo
Antunes com ênfase na gramática normativa.

(Ibidem, p. 5, vol.1)

As questões propostas conduzem o aluno à constatação da existência de


duas normas da língua: a culta e a popular, o que se traduz na diferenciação
entre a modalidade escrita e a oral. Elas também demonstram a possibilidade
de os textos escritos apresentarem marcas da oralidade na sua variedade
coloquial. Atentemos no enunciado do exercício aos erros segundo a
gramática normativa, com destaque para a colocação pronominal,
evidenciando o distanciamento do uso da língua em Portugal e no Brasil.
Para finalizar as atividades, segue-se um texto das autoras intitulado “O
estudo da linguagem” no qual justificam a apresentação da crônica de
Verissimo e da canção de Arnaldo Antunes, sob a proposta de promover um
debate sobre a comunicação verbal, que se tornou um sistema bastante
complexo (PELLEGRINI; FERREIRA, 1996, p. 4, vol. 1). Tal debate vai
muito além do diálogo do aluno com os textos; trata-se, inclusive e
prioritariamente, da promoção de um diálogo entre autores, professores e
linguistas por meio do livro didático sob a âncora de Luft (1984) quanto à
afirmação de que “a teoria gramatical escolar é nociva”. Na voz do linguista,
A verdadeira teoria gramatical que subjaz ao desempenho do aluno, começa e acaba nos fatos da
língua: as frases ouvidas veiculam e revelam à criança a teoria que ela deve estruturar na sua
mente, sem tomar consciência disso, como aprende a andar, a comer, a nadar, etc. (LUFT, 1984, p.
100).
E como ressaltam enfaticamente as autoras:
Em meio a tudo isso, estamos propondo um estudo da linguagem, voltados para a língua
portuguesa, com direito a gramática e literatura.
Gramática não entendida como ‘camisa de força’, como aquela estrutura da língua que ‘sozinha não
diz nada’, como afirmou Verissimo. Mas como algo que está aí para ser analisado e questionado por
quem se sentir no direito de fazê-lo. E é claro que somente a questionaremos se a conhecermos
bem. Uma coisa importante que o estudo da gramática possibilita é a criatividade. Sabendo a regra,
podemos brincar com ela, invertendo-a, subvertendo-a, como fez Arnaldo Antunes. (...)
... as regras gramaticais existem naturalmente e são enumeradas, relacionadas, enquadradas,
descritas, apenas para fins didáticos, para efeito de estudo. Você vai dominá-las ainda mais quando
se desfizer dessas listas e passar a identificá-las em sua fala, em seus escritos, nos textos que ler,
nas letras de músicas de que gosta... e somente nesse momento ‘prático’ é que poderá reconhecer
a importância desse estudo, filtrando o necessário para aquilo que realmente interessa: a
comunicação (PELLEGRINI; FERREIRA, 1996, p. 4, vol. 1).
Os grifos no fragmento acima realizados por Pellegrini e Ferreira sintetizam
o objetivo da série Português: Palavra e arte no que concerne ao ensino da
língua, visando ao seu lado prático, ao conhecimento sobre a língua com que
o indivíduo se comunica na sociedade em que vive, produz e reproduz
enunciados de diversas fontes socioculturais. Assim, além de justificarem e
comprovarem o seu aspecto criativo e artístico, cujos instrumentos são as
palavras, as autoras incitam os professores também à reflexão sobre um
ensino moderno de português ao que subjaz o par inseparável sujeito-falante:
a sua língua materna e a sua liberdade consciente de se expressar nessa língua
de forma segura, prática e criativa.
Para elucidar o que ora temos exposto sobre as autoras mesclarem doses
metodológicas novas e antigas do ensino da gramática normativa, escolhemos
a tirinha a seguir para explicitar a didática proposta por elas. De acordo com
Ilari (1992), é abraçada confortavelmente a ideia pelas autoras,
uma ideia potencialmente rica em consequências para a didática da língua materna, é que a análise
da estrutura da língua deve fazer-se em níveis relativamente independentes, exigindo-se, pelo
menos num primeiro momento da investigação, que as hipóteses sejam formuladas e justificadas
no mesmo nível.

No exercício apontado, a metodologia adotada se vale da linguagem visual


e escrita em função de uma fala coloquial na tirinha, na qual o personagem
(sujeito falante) faz uso de gírias e de calão. A nota explicativa sobre a
colocação pronominal de acordo com a norma culta vem abaixo da tirinha,
provocando no aluno uma reflexão sobre o uso prático da língua no cotidiano
de quem fala, de quem escreve e de quem lê.

(Vol. 3, p. 225)

Verifica-se, sobretudo, a tentativa de conciliar didáticas distintas em que


não se menospreza e/ou descarta a didática do passado sobre o ensino das
regras gramaticais.
Entretanto, as atividades propostas nos três volumes impulsionam os
estudantes a desenvolverem as quatro habilidades no ensino-aprendizado da
língua: ler, escrever, falar e ouvir. Acrescentaríamos aqui uma quinta
habilidade: escolher. A habilidade de escolher a palavra certa e adequada ao
contexto sociocultural e linguístico em que o falante se encontrar, pois “... a
descoberta de que a linguagem é frequentemente utilizada para criar e
modificar situações interpessoais não pode ser separada da consciência de
que nossas orações só são adequadas e interpretáveis em contextos
determinados...” (ILARI, 1992, p. 101). Isso prova e comprova que o ensino
de português se revela como a habilidade de unir ‘palavra e arte’, ou mais
precisamente, criar artisticamente com a(s) palavra(s).

PARA TERMINAR
Os comentários sobre a série Português: Palavra e arte que acabamos de
expor se revelam por uma didática de português articulada com estratégias de
ensino que comportam o uso da língua. Mais precisamente, trata-se de
estratégias que articulam a linguagem — falada e escrita; culta e coloquial —
na diversidade de textos oferecidos aos estudantes. Não apenas a eles, mas,
em primeiro plano, verificamos que a obra se direciona aos professores visto
que, retomando as palavras de Ilari (1992), o livro didático foi o veículo das
ideias da linguística, como arremata o referido linguista: “É sabido que o
professor secundário atua numa dependência muito grande em relação ao
livro didático; por isso o livro didático é um meio potencial de renovação do
ensino e um espelho bastante fiel da prática corrente” (ibidem, p. 105).
Ao estabelecer, nos exercícios, a linguagem escrita e a linguagem oral,
constatamos que as autoras criaram estratégias pedagógicas imbuídas nos
conceitos de Luft (1984) sobre a ideia de que o ensino tradicional pode
“incutir no aluno a obsessão do erro, em vez de lhe liberar os poderes da
linguagem e aprimorar a competência comunicativa”. Para Luft (1984, p.
102) é visível, nas páginas da série referendada, que é
... através da língua que se organiza o mundo na mente, se estabelece a relação entre as pessoas, e
que só a linguagem franca, desimpedida, permite o acesso à Verdade —, então compreenderemos
os malefícios que um ensino gramaticalista opressor pode causar à juventude.

Sobressai, portanto, nas propostas das atividades, uma didática voltada à


liberdade que pode e deve ser alcançada com a prática dos atos de
falacalcados no conhecimento amplo, embora complexo, da língua
portuguesa. Ainda que não possamos dizer que o avanço da linguística tenha
provocado alterações profundas no ensino de português na década de 1990,
podemos constatar que houve uma tentativa de conceder um lugar à oralidade
no plano pedagógico.

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BASTOS, Neusa M. O. B; PALMA, Dieli V (orgs). História entrelaçada: A construção de gramáticas
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CAPÍTULO 9
ENTRE PALAVRAS, DE MAURO
FERREIRA
O ensino de língua portuguesa do livro
didático (5ª a 8ª séries) no Maranhão na
década de 1990
SÔNIA MARIA NOGUEIRA
WEMYLLA DE JESUS ALMEIDA

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este capítulo trata de questões do ensino da língua portuguesa com
reflexões, em particular, sobre o ensino fundamental em livro didático na
década de 1990. No cenário brasileiro do século XX, busca-se entender, sob
uma abordagem historiográfica, em que medida os livros didáticos
contribuíram para o ensino de língua portuguesa.
Para tanto, o corpus é constituído pela fonte documental primária Entre
palavras, coleção da 5ª à 8ª séries do ensino fundamental, de Mauro Ferreira,
publicada em 1998. A seleção dessa coleção deve-se ao fato de ter sido
aplicada, didaticamente falando, no Maranhão, bem como ao fato de ser
considerada capaz de fornecer uma visão do ensino de língua portuguesa no
período. Nessa perspectiva, busca-se 1) descrever elementos linguísticos
presentes nos livros didáticos selecionados em atividades; 2) relacionar
aspectos teórico-metodológicos presentes nas obras que contribuam com o
processo de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita.
O procedimento utilizado para a análise do corpus está baseado nos
preceitos da historiografia linguística (HL), que têm como um dos principais
representantes Konrad Koerner (1996) e seus três princípios metodológicos, a
saber: contextualização, que trata do clima intelectual da época e do contexto
de produção dos documentos, traçando o clima de opinião, uma vez que
aborda as correntes intelectuais do recorte em estudo, além da situação
socioeconômica, política e cultural; imanência, que tenta estabelecer um
entendimento global tanto histórico quanto crítico do texto linguístico em
análise; e a adequação, em que o historiógrafo se aventura a introduzir,
embora muito cuidadosamente e colocando seu procedimento de forma
explícita, aproximações modernas do vocabulário técnico e um quadro
conceptual de trabalho que permita uma melhor apreciação de determinado
trabalho, conceito ou determinada teoria.
Convém esclarecer que a contextualização da década de 1990 foi abordada
no primeiro capítulo deste livro, com apresentação de teorias linguísticas
concernentes ao estabelecimento do ‘clima de opinião’ geral do período.
Nesse sentido, Koerner (1996, p. 60) afirma que as “ideias linguísticas nunca
se desenvolveram independentemente de outras correntes intelectuais do
período; o ‘espírito de época’ [zeitgeist] sempre deixou suas marcas no
pensamento linguístico”.
Ressalta-se que o princípio da adequação não será abordado, visto que se
trata de uma obra considerada do tempo presente da análise. Assim, conforme
Chauveau e Tétart (1999), “[...] a história não é somente o estudo do passado,
ela também pode ser, com um menor recuo e métodos particulares, o estudo
do presente”.
Assim, primeiramente abordaremos questões político-linguístico-
educacionais. Em seguida, realizaremos a análise do corpus Entre palavras,
coleção da 5ª à 8ª série, de Ferreira (1998).

QUESTÕES POLÍTICO-LINGUÍSTICO-
EDUCACIONAIS
A história/historiografia relacionada com a língua portuguesa é importante,
em virtude de a descrição e a explicação de como se produziu e desenvolveu
o conhecimento linguístico em determinado contexto social e cultural, através
do tempo, provocarem questões relacionadas com identidade, com políticas
linguísticas e com a educação do povo (BASTOS; DI IÓRIO; NOGUEIRA,
2005).
O ensino da língua materna no ensino fundamental precisa reservar mais
atenção ao estudo da significação. No entanto, prioriza a ortografia, a
acentuação, a assimilação de regras gramaticais de concordância e regência,
entre outros, a fim de que os alunos adquiram a competência de usuário culto
da língua. Assim sendo, convém ressaltar que o sentido está sempre presente
quando se lê e se redige e, por essa razão, o ensino deve focalizar a leitura, a
interpretação e a produção de textos. Apesar disso, o estudo de textos tem
dado mais atenção à interpretação do que ao enorme repertório de
conhecimentos e à variedade dos processos que se mobiliza ao interpretar,
uma vez que se faz necessário tratar do sentido por meio de exercícios
específicos.
No ensino fundamental, o estudo da língua portuguesa tem seu início com a
utilização do livro didático. Esse modelo conhecido atualmente foi
introduzido no Brasil na segunda metade do século XX, com várias
mudanças no design interno e externo das obras, como também nas posturas
pedalinguísticas adotadas. Assim, os livros didáticos são constituídos por
conteúdo programático e por manual do professor com respostas das
atividades, facilitando o trabalho docente na preparação de aulas.
Nesse sentido, de acordo com Filgueiras (2013), o Ministério da Educação-
MEC, nas décadas de 1950 e 1960, criou a Campanha Nacional de Material
de Ensino-CNME e a Fundação Nacional de Material Escolar-Fename, com o
fim específico de produzir materiais escolares e publicar obras didáticas para
atendimento dos alunos carentes. O Programa Nacional do Livro Didático —
PNLD, implementado na década de 1980, tem como objetivo principal
contribuir para a melhoria da qualidade da educação básica, por meio da
avaliação, escolha e distribuição de materiais didáticos e, assim, auxiliar o
trabalho docente para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.
Ressalta-se que, de acordo com o PNLD (BRASIL, 2013, p. 11), o Manual
do professor deve “orientar os docentes para um uso adequado da coleção,
constituindo-se, ainda, num instrumento de complementação didático-
pedagógica e atualização para o docente”.
Quanto à logística de distribuição dos livros didáticos, desde as editoras até
os estudantes de escolas públicas de todo o Brasil, para que as escolas tenham
a garantia de acesso ao material essencial na prática educativa, o Ministério
da Educação (MEC), por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), conta com o trabalho de diversos órgãos para levar os
títulos das editoras contratadas até a sala de aula. Para tanto, o Programa
Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) é quem provê as escolas
de educação básica públicas de obras didáticas, pedagógicas e literárias,
assim como outros materiais de apoio à prática educativa.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) têm a função de selecionar e
organizar objetivos para a construção de materiais didáticos e programas de
ensino. Eles orientam que, ao longo do ensino fundamental, o aluno deve ser
“capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a
palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas
situações” (BRASIL, 1998, p. 19, 21). Desse modo, “um texto só é um texto
quando pode ser compreendido como unidade significativa global. Caso
contrário, não passa de um amontoado aleatório de enunciados”. Assim
sendo, o estudo da semântica possibilita o entendimento do texto quanto à sua
significação, a fim de que ocorram a coesão e a coerência discursiva tanto na
leitura quanto na produção textual.
O PNLD (BRASIL, 2013, p. 16 grifos nossos), por sua vez, institui que o
ensino de língua portuguesa para o ensino fundamental deve propiciar ao
aluno as seguintes qualidades, dentre outras: 1) “a proficiência em leitura e
escrita no que diz respeito a gêneros discursivos e tipos de texto
representativos das principais funções da escrita em diferentes esferas de
atividade social”; 2) “as práticas de análise e reflexão sobre a língua, à
medida que se revelarem pertinentes, seja para a (re)construção dos sentidos
de textos, seja para a compreensão do funcionamento da língua e da
linguagem”. Para tanto, são contemplados quatro eixos significativos, a
saber: a leitura, a produção de textos escritos, a oralidade e os conhecimentos
linguísticos.
Assim, a coletânea de textos prioriza “a diversidade de contextos sociais de
uso (imprensa, internet, literatura, artes plásticas, música, vida cotidiana etc.);
a diversidade do contexto cultural (regional, local, urbano, rural etc.)”; assim
como “a presença de textos com diferentes graus de complexidade e a
contribuição do DVD para a experiência de leitura”, entre outras (BRASIL,
2013, p. 41). Complementa-se que o processo de ensino-aprendizagem conta
com a intermediação do docente.
A respeito das teorias linguístico-gramaticais, tanto as metodologias de
ensino e aprendizagem passavam por mudanças, quanto o paradigma de
ensino de português precisava de alterações a fim de prover a demanda de
alunos, de acordo com Di Iório, Mesquita e Nogueira (2014, p. 35). Nesse
sentido, Soares (1996, p. 10) afirma:
Ou se estuda a gramática a partir do texto ou se estuda o texto com os instrumentos que a
gramática oferece. Além disso, os manuais didáticos passam a incluir exercícios — de vocabulário,
de interpretação, de redação, de gramática. Já não se remete ao professor, como anteriormente, a
responsabilidade e a tarefa de formular exercícios e propor questões: o autor do livro didático
assume ele mesmo essa responsabilidade e essa tarefa, que os próprios professores passam a
esperar dele.

A partir da reflexão sobre a significação linguística no ambiente escolar é


que se pode contribuir para o desenvolvimento das competências e das
habilidades discursivas do aluno, pois “os conteúdos de língua portuguesa
articulam-se em torno de dois eixos básicos: o uso da língua oral e escrita, e a
reflexão sobre a língua e a linguagem” (BRASIL, 1998, p. 34).
Dessa forma, é relevante o domínio dos três eixos que formam a base dos
estudos linguísticos: gramática, pragmática e semântica, uma vez que a
leitura de textos escritos pressupõe vários aspectos, entre eles a articulação
entre conhecimento prévio e conteúdo do texto. Assim, essa
articulação entre conhecimentos prévios e informações textuais, inclusive as que dependem de
pressuposições e inferências (semânticas, pragmáticas) autorizadas pelo texto, dão conta de
ambiguidades, ironias e expressões figuradas, opiniões e valores implícitos, bem como das
intenções do autor (BRASIL, 1998, p. 56).
Por isso, há a necessidade de conhecimentos prévios para a leitura de um
texto, principalmente o entendimento sobre semântica e pragmática, para que
o aluno possa perceber os fenômenos semânticos que se apresentarem no
texto, bem como as intenções do autor, que são de ordem pragmática.
O estudo do significado, também em sua dimensão linguística (semântica),
pode ser considerado uma das mais antigas buscas do espírito humano. Assim
sendo, Ferrarezi Junior e Basso (2013, p. 14-15) propõem reflexões sobre
como a semântica se relaciona com a cultura de um dado povo; “na
investigação de como as palavras se organizam em nossa mente — ‘Qual é a
relação entre sinônimos?’, ‘E entre antônimos?’”. Além disso, há a relação da
semântica “com o discurso, a história, a ideologia e o papel de quem toma
para si as palavras e as profere num enunciado”. Nessa perspectiva, a análise
semântica favorece o processo de ensino-aprendizagem no ensino
fundamental.
Finalizando essas questões, para a compreensão da proposta linguística de
Mauro Ferreira, autor da coleção Entre palavras, faz-se necessário um breve
resumo de sua trajetória. Trata-se de um professor e pesquisador da língua,
especialista em metodologia do ensino pela UNICAMP, com experiência no
ensino de língua portuguesa e redação. Ferreira é autor de outros de livros
didáticos, a exemplo de: Aprender e praticar gramática (2003); Redação
comercial e administrativa (1996); 360º Gramática aprender e praticar —
vol. único (2015); 360º Gramática aprender e praticar — parte 1 (2015);
360º Gramática aprender e praticar — parte 2 (2015); 360º Gramática
(2015); Aprender e aplicar gramática (2011). Também participou da
elaboração da obra Novas palavras (2006), em coautoria com Emília Amaral,
Ricardo Leite e Severino Antônio, destinada ao ensino médio. Assim, o
princípio da contextualização foi contemplado e, a seguir, inicia-se o
princípio da imanência.

A COLEÇÃO
A análise das obras faz parte do princípio da imanência. Para iniciá-lo,
apresenta-se a coleção Entre palavras, composta por 4 volumes para alunos
de 5ª a 8ª série.
Justifica-se a seleção deste corpus por ser tratar de coleção aprovada a
partir de rigorosa análise realizada por comissões de habilitação e de
negociação sob responsabilidade do FNDE, para comprovação das condições
legais e editoriais exigidas para compras com recursos públicos. Assim, a
obra substitui os livros do ciclo anterior à sua publicação, ressaltando que ela
tem edições também no século XXI.
A coleção foi adotada na rede pública de ensino fundamental do Maranhão,
pois seguiu os trâmites nacionais da política linguístico-educacional da
década de 1990. Dessa forma, os títulos que se enquadram nas exigências
técnicas e físicas são analisados e validados pelo Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e posteriormente encaminhados à
Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC, responsável pela avaliação
pedagógica. As empresas com obras aprovadas passam pela etapa de
habilitação para que possam fazer parte do Guia de livros didáticos, uma
espécie de catálogo que vai ajudar professores e diretores a definir o que vai
para a sala de aula.

APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
O corpus constitui-se da coleção Entre palavras, de Ferreira (1998),
destinada às séries de 5ª à 8ª do ensino fundamental, conforme a figura 1.
Observa-se que as capas apresentam a indicação de que se trata de obras
destinadas ao professor. Na figura 2, exemplificaremos um livro didático
oferecido aos estudantes pelo governo federal. Sendo assim, a obra apresenta
em sua capa o selo do PNLD 2002, do FNDE-Ministério da Educação, com o
respectivo código e tipo.
Esta data do selo se justifica, na medida em que o ciclo de quatro anos se
reinicia, pois o corpus foi publicado em 1998.
Além disso, o autor destaca que a obra é não consumível.

Figura 1 — Capas da coleção Entre Palavras (Ferreira, 1998).

Figura 2 — Capa de um volume da coleção Entre Palavras (Ferreira, 1998).

No início da coleção, Ferreira (1998, p. 3) julga relevante uma


Apresentação aos estudantes que utilizarão o livro didático, inserindo verbos
que indicam a estrutura dos conteúdos: “Ouvir e falar, ler e escrever, discutir,
ver, refletir, sentir...”. Em seguida, justifica que essas “são algumas das mais
importantes habilidades humanas por meio as quais nos relacionamos com o
mundo e desenvolvemos nossos conhecimentos e sensibilidade”.
Logo após, apresenta uma citação de Carlos Drummond de Andrade que
diz: “Entre palavras e combinações de palavras circulamos, vivemos,
morremos, e palavras somos, finalmente, mas com que significado, que não
sabemos ao certo?”. No final, trata do objetivo do livro, pois “pretende
contribuir para que você continue desenvolvendo suas habilidades com a
linguagem e também levá-lo a refletir sobre a desafiante pergunta do poeta”,
desejando, assim, “Bons estudos!”.

ORGANIZAÇÃO
No princípio da imanência, uma das abordagens trata da organização, em
que Ferreira (1998) elabora o índice com a estrutura dos conteúdos,
apresentando uma organização resumida, como se vê a seguir:
ÍNDICE
Na coleção, o autor mantém quase a mesma estrutura em todas as séries, e
cada obra contempla, em média, 250 páginas. Observa-se que a organização é
composta por 13 unidades, dentre as quais alguns itens alternam-se. O item
Aprender mais está presente em 7 das unidades, que se constituem de
Leitura complementar, com textos de Artur da Távola; Rubens Valente;
Cassiano Ricardo; a música “Imagine”, de John Lennon; e a reportagem
Reage SP — Folha de S. Paulo, 1996. A Unidade 1 aparece na íntegra, uma
vez que será analisada neste capítulo.
Para a exemplificação da teoria, Ferreira (1998) seleciona autores de
diversos gêneros textuais, tais como os poetas: Carlos Drummond de
Andrade, Camões, Vinícius de Moraes, Mário Quintana, Manuel Bandeira; os
escritores: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Gilberto
Dimenstein, Luiz Henriques, Sergio Bardotti, Cassiano Ricardo, Thiago de
Mello, francês Paul Éluard; os pintores: Giotto, Renoir, Gustave Klint; os
escultores: Auguste Rodin, Francisco de Goya; os autores de crônicas e
contos: Jô Soares, Ernest Hemingway (Jornal da tarde, 1988), Fernando
Sabino, Chico Buarque de Holanda, Paulo Pontes, Rubem Braga, Millôr
Fernandes, Artur da Távola, Giselda Laporta Nicolelis, Port Alberni; os
romancistas: Lima Barreto, Machado de Assis, Ricardo Azevedo; os autores
de história em quadrinhos: Bill Watterson (Calvin e Haroldo), Dik Browne,
Glauco; os músicos: Gilberto Gil, Djavan, Dominguinhos, Nando Cordel,
Geraldo Vandré, Paulinho da Viola, Hermínio B. Carvalho. Além de todos
eles, o livro traz trechos de filme: Charles Chaplin; notícias de jornal;
fotos.
No que concerne aos gêneros textuais, Bakhtin (2003, p. 268) afirma que
“os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de
transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem”. E
complementa que “nenhum fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical)
pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido um complexo e longo
caminho de experimentação e elaboração de gêneros e estilos”.
Nessa perspectiva, os trabalhos de Marcuschi (2003a, 2003b, 2006)
apresentam uma discussão acerca dos gêneros textuais além de suas
especificidades. Marcuschi (2003a, p. 19) afirma que são “fenômenos
históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social” e colaboram
para a ordenação e estabilização das atividades comunicativas do dia a dia.
Ferreira (1998), por sua vez, considera relevante a diversidade textual e, por
isso, insere considerável exemplificação tanto para a teoria, quanto nas
atividades propostas para a imediata prática. Essa metodologia confirma o
comprometimento do autor para com o ensino-aprendizagem da língua
portuguesa no ensino fundamental.

ANÁLISE DAS ATIVIDADES


O primeiro item, Ouvir, trata da metodologia na qual o professor lê
determinado texto aos estudantes, porém, o texto não está inserido no livro
didático do aluno. Assim, Ferreira (1998) informa: “Ouça atentamente a
leitura do professor, procurando absorver a maior quantidade possível de
informações. A seguir, serão feitas algumas perguntas à turma” (p. 12).
Logo após a leitura, há a inserção de discussão do texto lido, por meio do
item Falar, de acordo com a figura 3. Exemplificam-se alguns
questionamentos:
O texto lido é um diálogo. Qual é o tema da conversa entre a mulher e seu filho?
Por que ela recusa o presente?
Diante da recusa da mãe, que argumento o rapaz usa
para tentar convencê-la a aceitar os chocolates e comê-los?
A mulher sugere que o presente seja dado a Georgiana, namorada do filho, mas ele não concorda com a ideia.
Em que argumentos ele se baseia para recusar a sugestão?
Na realidade, por que o rapaz não queria dar o presente à namorada?
Em certo momento do diálogo, o rapaz diz: “— Eu ajudo a destruir o que tá aí dentro, mãe”. O que ele quis dizer com isso?
Quando alguém fala ou faz alguma coisa procurando obter um resultado não muito evidente, costuma-se dizer que essa pessoa está com
“segundas intenções”.
No modo de entender do rapaz, a mãe dele estava com “segundas intenções”? justifique.
Como você reagiria se, ao dar um presente para uma pessoa, ela o recusasse? (p. 13)

Figura 3 — Exemplo de questões do item “Falar” (ferreira, 1998).

Desse modo, observa-se que o autor utiliza imagem que remete ao texto,
abordando a troca de presentes. Entre as questões, é necessário que o
estudante seja capaz de identificar a argumentação do personagem, relevante
para o desenvolvimento da leitura e escrita.
Além disso, o autor, nas atividades 5 e 6, instiga o estudante a se interessar
por semântica, uma vez que se refere à busca de significados implícitos no
texto.
Assim, conforme Marques (1996, p. 37), “de um modo geral, as inovações
linguísticas e alterações de significado são vistas como resultantes de um
esforço permanente de ajuste expressão/pensamento/sentimento”.
No item ler, há a proposta de leitura da crônica Presente para a senhora, de
Carlos Drummond de Andrade e, antes do texto, Ferreira (1998, p. 14) insere
algumas perguntas que se relacionam com os itens anteriores, Ouvir e falar,
a saber:
No dia das Mães, qual seria o melhor presente que um filho poderia
oferecer? Como escolher um presente bem especial para ela? Essa
escolha, como vimos no texto da atividade Ouvir e falar, nem sempre é
fácil...
As atividades inter-relacionadas entre dois textos que abordam a mesma
temática instigam o estudante a discutir e, assim, expor sua opinião tanto na
leitura quanto na oralidade e na escrita. Estas são atividades fundamentais
para o processo ensino-aprendizagem do ensino fundamental.
Após o texto, Ferreira (1998, p. 14) expõe uma minibiografia Sobre o
autor Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), ratificando a relevância
da seleção de seus textos. Além de privilegiar questões semânticas, tratando
de sinônimos, com o item A palavra no texto, o autor auxilia o estudante na
compreensão e interpretação textual, conforme se vê a seguir:
1. bata: tipo de vestido longo e folgado
2. babado (gíria da época em que o texto foi escrito): detalhe, característica
3. rol: lista
4. regalo: presente
5. casa-olga: loja do tipo da Casa Olga, que vendia meias, lenços etc.
6. blazer: tipo de paletó (FERREIRA, 1998, p. 16).
Outro item de fundamental importância é o Estudo do texto, pois propicia
o debate de ideias entre os estudantes em torno da temática do texto. A fim de
exemplificação, apresentam-se alguns questionamentos de Ferreira (1998, p.
17):
1. Que dificuldade a personagem do início da crônica estava enfrentando? Por quê?
2. O narrador
3. Na sua opinião, os dois motivos que levaram a personagem a escolher a geladeira para
presentear a mãe são justificáveis? Por quê?
4. Nessa crônica, o autor sugere existir uma relação entre o poder aquisitivo (condição financeira)
das pessoas e a emotividade de dar e receber presentes.
a. Explique essa relação.
b. Você concorda com esse posicionamento do cronista? Justifique.

Além disso, contribui para a exposição de posicionamentos individuais, até


mesmo conflituosos, de assuntos do dia a dia, sendo que eles fazem parte das
características da crônica.
Quanto ao item A linguagem do texto, acerca do texto do item Ler,
Ferreira aborda a linguagem oral informal:
1. No texto Presente para a senhora, ocorrem três diálogos entre as mães e seus respectivos filhos.
Releia o primeiro e o segundo diálogos e, comparando apenas a linguagem empregada pelos filhos,
responda.
a. Qual dos dois filhos é, provavelmente, mais jovem?
b. Como você chegou a essa conclusão? (FERREIRA, 1998, p. 17).
Trata-se de uma preocupação com a linguagem informal, que se torna
imprescindível para o ensino fundamental no processo de desenvolvimento
da leitura e escrita.
Dando prosseguimento, o autor, novamente preocupado com a questão da
significação, apresenta atividades que instigam a pesquisa de linguagem oral,
a partir do texto escrito:
4. Explique o significado das expressões em destaque.
a. “Ih, mãe, a senhora está por fora mil anos.”
b. “Aquela cor já era [...]” (FERREIRA, 1998, p. 18).
Outras atividades apresentam assunto de questões semânticas e, assim,
comprova-se a relevância dessa área teórica no ensino de língua portuguesa
no ensino fundamental. Ferreira (1998, p. 18) elabora a seguinte atividade:
5. O grau diminutivo do substantivo pode expressar:
diminuição do tamanho desprezo afetividade, carinho ironia
Transcreva os diminutivos destacados e indique o que eles expressam em cada caso.
a. “— Posso escolher meu presente do Dia das mães, meu fofinho?”
b. “[...] coisas gostosas que ela reservou para o paladar do filhinho. O filhinho hoje é executivo [...]
c. “Tragam pacotinhos vazios. A paz deve estar lá dentro.”
d. Ele se julga importantíssimo: na verdade, é apenas um empregadinho da empresa.
e. “Admito que você compre uma lembrancinha barata, mas não diga isso a sua mãe. É fazer pouco
de mim.”
Por fim, observa-se a reincidência da preocupação de Ferreira (1998, p. 18)
no que tange à semântica, pois atende às orientações dos PCN, conforme se
exemplifica em algumas atividades, tais como:
6. Suponha que as passagens em destaque nos trechos a seguir façam parte da fala de dois jovens.
Jovem 1: “— Viu? Não sabe nem o que é furado? Aquela cor já era, mãe já era!”
Elas têm o mesmo sentido? Explique sua resposta.
7. Quando o falante emprega uma palavra para sugerir o contrário do que está pensando, ele faz
uso de um recurso de linguagem chamado ironia.
Releia o primeiro parágrafo e transcreva a palavra de sentido irônico. Justifique (p. 18).
Nessa perspectiva dos PCN, essa “articulação entre conhecimentos prévios
e informações textuais, inclusive as que dependem de pressuposições e
inferências (semânticas, pragmáticas) autorizadas pelo texto, dão conta de
ambiguidades, ironias e expressões figuradas, opiniões e valores implícitos,
bem como das intenções do autor” (BRASIL, 1998, p. 56).
No item Ver, Ferreira (1998, p. 19) apresenta uma tela do pintor Giotto
com a finalidade de proporcionar conhecimento e interesse aos estudantes por
outras leituras, neste caso, leituras de imagens. As atividades de leitura da
figura 4 abordam confrontos religiosos com situações do dia a dia do
estudante. Observa-se, adiante, a atividade 2:
A pintura do artista Giotto reproduz um dos momentos mais conhecidos da história do cristianismo:
a chegada dos três reis magos a Belém, para adorar e presentear Jesus, o novo “Rei dos reis”, que
havia acabado de nascer.
2. Esse é um quadro de temática religiosa. Se ele representasse uma cena do mundo natural, qual
das personagens não poderia fazer parte dele? Por quê? (p. 19).
Como se pode perceber, a leitura da linguagem não verbal favorece o
processo ensino-aprendizagem do ensino de língua portuguesa no ensino
fundamental.

Figura 4 — Exemplo de leitura de linguagem não verbal (ferreira, 1998).

Outro item fundamental no livro didático é o Escrever, uma vez que


incentiva a produção textual de propaganda a partir da apresentação de
várias ideias, tal como se vê na Atividade 1:
Atividade 1
Imagine o seguinte conjunto de fatos:
• Você é um publicitário que vai criar um cartaz de propaganda com a finalidade de vender um
produto por ocasião do Dia das Mães.
• Defina o produto (chocolate, carro, relógio, anel, flor, livro ou outro que você escolher).
• O produto terá necessariamente um estes nomes, à sua escolha: Felicidade, Paz, Emoção ou
Amor.
Crie o texto do cartaz. Pelo menos uma da frases de seu texto deverá aproveitar o duplo sentido do
nome (o produto e o sentimento).
Faça o esboço (desenho aproximado) de uma ilustração que fará parte do anúncio ou escreva
instruções detalhadas de como ela deverá aparecer no cartaz.
Depois que terminar o trabalho, apresente-o à turma (FERREIRA, 1998, p. 20).
O autor sugere trechos de opiniões diversas a respeito do assunto Dia das
Mães, para, então, solicitar a opinião do estudante ao elaborar um texto
dissertativo, apresentado na exemplificação de parte da Atividade 2:
Atividade 2
Os trechos a seguir apresentam diferentes opiniões a respeito do Dia das Mães. Leia-os.
1. O Dia das Mães é uma data importante e de grande emoção. Essa é uma das poucas
oportunidades que temos para dizer a nossa mãe o quanto ela é importante para nós.
3. O Dia das Mães é o dia mais feliz para as mães; é também um dia muito feliz para os donos de
lojas.
Baseando-se no conteúdo desses trechos e no que você pensa a respeito do Dia das Mães, escreva
um texto sobre o assunto. Depois que sua redação estiver pronta, dê a ela um título adequado (p.
20-21).
O item Gramática trata do ensino da gramática normativa, iniciando pela
Ortografia. Ferreira (1998, p. 21) dá ênfase ao estudo da semântica com
exemplificação e teoria:
Palavras parônimas
Compare as palavras em destaque.
1. Um cavalheiro aproximou-se e cumprimentou a moça.
• Cavalheiro: homem elegante, de bons modos
2. À tarde, um cavaleiro aproximou-se da sede da fazenda.
• Cavaleiro: homem que anda a cavalo
Essas duas palavras, por serem muito parecidas na pronúncia e na escrita, são denominadas
parônimas.
Parônimas são palavras que apresentam certa semelhança tanto na pronúncia quanto na grafia.
Para Bechara (2004, p. 397), a “significação das palavras está intimamente
relacionada com o mundo das ideias e dos sentimentos” e, com isso,
apresenta como causas que motivam a mudança de significação das palavras:
a metáfora, a metonímia, a catacrese, a braquilogia ou abreviação, o
eufemismo, a etimologia popular ou associativa, entre outras. Desse modo,
torna-se relevante abordar também outros aspectos semânticos, tais quais a
polissemia, homonímia, sinonímia, antonímia e paronímia.
Dando sequência aos estudos de semântica, o autor apresenta as Palavras
homônimas:
Compare as palavras em destaque:
1. Depois de caminhar uma hora, comecei a sentir sede.
2. A sede da empresa fica em Porto Alegre.
As palavras sede em destaque têm a mesma grafia (escrita), portanto, formam um par de palavras
homônimas (FERREIRA, 1998, p. 22).
Valente (1998, p. 204) explora a linguagem e significação por meio de
estudo dos aspectos semânticos, destacando a polissemia, a homonímia, a
sinonímia, a antonímia e a paronímia. Para tanto, vale-se de atividades
textuais de: slogan, propaganda, jornalismo, charge, trabalho fotográfico,
artigo jornalístico, tira humorística, crônica, campanha publicitária, cartum,
poema, entre outros.
Quanto à questão do estudo das propriedades semânticas dentro de uma
perspectiva referencial, Cançado (2012) trata da ambiguidade e dos
fenômenos relativos a essa propriedade, tais como a polissemia e a vagueza.
Nesse estudo, a autora ressalta os tipos de ambiguidade: lexical, gerada por
homonímia ou polissemia; ambiguidade ou vagueza com preposições;
vagueza ou implicatura; ambiguidade sintática; ambiguidade de escopo;
ambiguidade por correferência; ambiguidades múltiplas. Convém ressaltar
que a prática da análise linguística auxilia o aluno a ampliar seu léxico, e
determinado contexto é que estabelece o significado de uma palavra; por isso,
há a necessidade de se explorar o estudo da semântica no ensino fundamental,
para dirimir as dúvidas presentes nos diversos gêneros textuais que fazem
parte tanto do livro didático quanto do contexto do aluno fora da escola.
Sendo assim, Ferreira (1998, p. 24) insere Exercícios para a fixação da
teoria, tal qual se verifica a seguir:
4. Leia este trecho de notícia sobre a fuga de um policial que estava prese, acusado de ter
participado de um sequestro.
“O primeiro-tenente da Polícia Militar […] fugiu ontem da prisão. [...] A polícia contatou a fuga
às 8h50, quando percebeu que as grades de sua cela estavam cerradas. Ainda não foi
identificado o objeto usado pelo oficial para cerrar as grades” (Folha de S.Paulo, 9/11/97).
O redator empregou uma palavra no lugar de sua homônima, cometendo, assim, um erro de
ortografia.
a. Transcreva a palavra grafada incorretamente, explique por que está errada e indique a
homônima que deveria ter sido empregada.
b. Da maneira como está redigido, o trecho possibilita uma interpretação engraçada. Qual seria
essa interpretação? (p. 24).
No item A palavra na oração, Ferreira (1998, p. 24) aborda as
classificações do sujeito com conceitos e exemplificação:
Sujeito é o termo da oração que representa o elemento a respeito do qual estamos falando.
Dependendo de como se apresenta na oração, o sujeito poder ser classificado em quatro tipos.
Relembre o que você já aprendeu nas séries anteriores (p. 25).

Para a classificação do sujeito, o autor utiliza exemplos com assunto,


também relacionando-o ao texto da seção Ler e, assim, interliga textos a
questões de ler, escrever e de gramática.
Para fixar o conteúdo gramatical, Ferreira (1998, p. 26) insere Exercícios
que tratam de “erro gramatical”:
1. A oração a seguir apresenta um erro gramatical.
A péssima conservação de muitas estradas prejudicam o transporte rodoviário.
a. Transcreva o sujeito e indique o núcleo.
b. Explique por que a concordância do verbo com o sujeito está incorreta. A seguir, reescreva a
frase fazendo a correção.
Nessa perspectiva, ao tratar de “erro gramatical”, o autor expõe o estudo da
gramática normativa, comprovando o tratamento tradicionalista da língua.
Em relação aos gêneros textuais, Ferreira (1998, p. 26) utiliza uma notícia
de jornal, conforme a figura 5, a fim de trabalhar questões gramaticais, além
de apresentar a ironia:
Nota zero
Depois de liderar as manifestações contrárias à realização do provão do MEC para avaliar a qualidade dos
cursos superiores, o presidente da UNE [...] explicou o protesto estudantil às câmaras de TV:
— Na minha opinião, não houveram tumultos.
Agora sim dá para entender por que a UNE queria que os estudantes entregassem a prova em branco...
(O Estado de S.Paulo, 12/11/96).

Figura 5 — Exemplo de notícia utilizado em Entre Palavras (Ferreira 1998, p. 27)

As questões gramaticais possibilitam aos estudantes verificarem se


compreenderam os conceitos teóricos:
a. Que erro gramatical o falante cometeu, motivando o jornal a lhe dar “nota zero”?
b. Como o presidente da UNE deveria ter falado, para não receber a “nota zero”?
c. A UNE, na ocasião, orientou os estudantes a entregarem a prova em branco, para protestar
contra a realização do provão. O jornal, de maneira irônica, dá a entender que as provas seriam
entregues em branco por um outro motivo. Qual?
Estas atividades contribuem para auxiliar o docente no processo ensino-
aprendizagem, uma vez que os estudantes, além de perceberem as regras
gramaticais em diversos textos — inclusive em notícias de jornal —, podem
desenvolver a capacidade de produção textual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da coleção Entre palavras, da 5ª à 8ª série, de Mauro Ferreira, de
1998, esclarece que os livros didáticos foram autorizados com a chancela do
MEC, para serem distribuídos no ensino fundamental público, também no
estado do Maranhão.
O autor, além de seguir as diretrizes da LDB 3994/96, propôs a teoria e a
prática seguindo, em sua grande maioria, as concepções de linguagem e as
teorias linguísticas da década de 1990. Abordou em sua coleção a relevância
do ensino-aprendizagem, correlacionando o estudo da oralidade, da leitura e
da escrita, além de questões semânticas. Vale ressaltar que os estudos
gramaticais reforçam o ensino da gramática normativa, ainda presente em
livros didáticos do período, indo de encontro à seleção de diversos gêneros
textuais para o estudo da linguagem.
Em relação à sua organização, observa-se que a coleção trata o material
didático como instrumento linguístico que efetiva a prática de tratamento de
língua a partir de uma concepção definida pela política linguística da década
de 1990.
Assim, pode-se considerar que o ensino da gramática foi trabalhado de
forma contextualizada, uma vez que abordava inicialmente o texto. Para
tanto, o autor selecionou autores contemporâneos na exemplificação e nas
atividades, inclusive com a utilização de pinturas e notícias de jornal. Diante
disso, pode-se afirmar que a coleção contribui significativamente para o
ensino-aprendizagem da leitura e escrita, particularmente, da 5ª à 8ª série do
ensino fundamental.

REFERÊNCIAS
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2005.
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ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1998.
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Entrelaçando ensino de português e ensino de como ensinar português: uma análise de Português
através de textos, de Magda Soares. In BASTOS, Neusa Barbosa; PALMA, Dieli Vesaro. (orgs.)
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VALENTE, André. A linguagem nossa de cada dia. 3.ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.
CAPÍTULO 10
A PALAVRA É PORTUGUÊS
Uma proposta de ensino de língua
portuguesa
MARIA INÊS FRANCISCA CIRÍACO
MICHELINE TACIA DE BRITO PADOVANI
REGINA HELENA PIRES DE BRITO
Não é no silêncio que os homens se fazem,
mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.
Não basta saber ler que ‘Eva viu a uva’.
É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social,
quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.
Paulo Freire

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este capítulo apresenta, sob a perspectiva da historiografia linguística (HL),
a coleção de livros didáticos A palavra é português, das autoras Graça
Proença e Regina Horta, publicada em 1997. Assim, demanda esforço no
sentido da pesquisa e reflexão acerca da situação da língua portuguesa no
Brasil, com ênfase na década de 1990, em especial no tocante ao processo de
focalização da linguagem oral como essencial para a apreensão da língua
portuguesa. Desse modo, parte-se do estudo de subsídios linguísticos
presentes na coleção, corpus da nossa análise, buscando: 1) identificar e
relacionar elementos linguísticos nas atividades propostas; 2) identificar
aspectos teórico-metodológicos que auxiliam no desenvolvimento do
processo de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita.
É importante notar que, em referência aos estudos da linguagem, em
particular da trajetória da linguística, em seus diferentes estratos, o
conhecimento do abarcabouço teórico e a interação com ele são fundamentais
para o ensino e a aprendizagem da língua, no nosso caso, portuguesa.
Em se tratando das relações entre língua e história, é importante tanto
observar a língua como um fenômeno social, que só é possível a partir do
convívio entre os indivíduos, quanto considerar os elementos culturais
inerentes às sociedades. Nessa linha, Miranda (2007, p. 33) acentua a
relevância da perspectiva interdisciplinar
[...] a historiografia linguística estabelece com a história e outras ciências do homem, constitui-se
em um modo diferente de ver o objeto — língua que é o lugar de concretização das dimensões
históricas, culturais e identitárias de um grupo social. Trata-se de um produto histórico-social, pois
se configura na articulação da linguística e da história que, aliadas a outras ciências humanas,
tornam-se capazes de descrever e explicar essa articulação, produzindo novos conhecimentos.
Nessa direção, apoiados nos fundamentos da historiografia linguística, este
estudo alicerça-se nos princípios determinados por Koerner (2014) como
elementares para a pesquisa historiográfica: o da contextualização, o da
imanência e o da adequação, assim delimitados:
• Princípio da contextualização — objetiva suscitar as ideias do período em que o documento foi
elaborado, aludindo ao contexto histórico-cultural, as convicções linguísticas, sociais e políticas.
• Princípio da imanência — parte do inventário das informações e da percepção do documento em
relação ao contexto de produção, baseado nas concepções linguísticas e históricas.
• Princípio da adequação — viabiliza o processo de análise, por meio da adaptação do documento,
às teorias, conceitos e nomenclaturas atuais (KOERNER, 2014, p. 88-89).
O primeiro princípio serve de suporte para verificar a relevância da obra
para o ‘clima de opinião’ da década de 1990, pois o livro didático, nesse
contexto, será utilizado como fonte documental, e a pesquisa será pautada em
uma contextualização, e não apenas em uma simples coleta de dados.
Entretanto, para a contextualização da década de 1990 e a compreensão do
“clima de opinião”, é necessário um breve retrospecto da década de 1980.
Em seguida, a partir do princípio da imanência, verifica-se o clima de
opinião para observar as condições de produção do corpus selecionado,
facultando a compreensão do pensamento linguístico do período. É
importante dizer que, por se tratar de uma obra de tempo presente, não
aplicaremos o terceiro princípio — adequação. Para a análise dos volumes,
respaldamo-nos na contextualização da década de 1990, apresentada no
capítulo que abre este livro, permitindo-nos e retomar os processos político,
social e educacional vigentes no Brasil no final do século XX.

A DÉCADA DE 1990 E O ENSINO DE LÍNGUA


PORTUGUESA
O contexto educacional brasileiro da década de 1990 ainda traz reflexos das
mudanças políticas vivenciadas na década anterior. Contudo, já nos primeiros
anos, o cenário começou a mudar, com as reformas de caráter neoliberal e de
Estado propostas pelo Presidente da República Fernando Collor de Mello
(1990-1992), afastado do cargo (via impeachment) após dois anos de
governo, assumindo, em seu lugar, o então vice-presidente Itamar Franco
(1993-1994), seguido por Fernando Henrique Cardoso, que governou o País
por dois mandatos (1995-2002).
Os anos 1990 foram marcados por muita turbulência e por tentativas de
reformulações em diversos setores, embora sem muito sucesso, já que os
acordos com instituições internacionais não oportunizavam possibilidades de
mudanças significativas. Em se tratando das reformas educacionais, elas
atendiam às exigências de instituições internacionais como: o Fundo
Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização das Nações
Unidas, que direcionavam gradualmente alterações no âmbito do sistema
educacional nacional, com o objetivo de assegurar a manutenção da ordem e
garantir créditos e auxílios fiscais para a adequação das políticas desejadas no
contexto da educação brasileira. Tais estratégias e condutas impostas passam
a fazer parte do controle administrativo do sistema de ensino no país. Assim,
as transformações no plano educacional ficam atreladas ao contexto da
reforma do Estado, pautada por um paradigma eminentemente de
racionalidade empresarial. Novos métodos e conceitos oriundos do mercado
são disseminados e incorporados às políticas educacionais na década de 1990.
Com a formalização da educação no Brasil e da língua portuguesa nos
currículos oficiais de ensino, a oralidade aparece como um elemento
essencial no processo de ensino-aprendizagem, enfatizando tanto a prática
quanto o conteúdo a ser ensinado. Pesquisas a respeito da história do ensino
de língua portuguesa apresentam certa movimentação da linguagem oral
como matéria de estudo alicerçada em conhecimentos a respeito da
aplicabilidade da palavra.
De modo geral, o ensino de língua portuguesa pressupõe que a oralidade
seja trabalhada em sala de aula, mas, muitas vezes, as atividades que
deveriam propiciar o desenvolvimento oral do aluno são mascaradas com
atividades que, quase sempre, podem resultar numa certa inibição do
estudante. Nessa direção, Milanez (1993) aponta:
[...] os registros orais na descrição do idioma são desconsiderados, na escola, também como
instrumento de comunicação, uma vez que o aluno é avaliado exclusivamente pelo que escreve não
pelo que fala, como se a escrita fosse o único veículo de comunicação entre os homens (MILANEZ,
1993, p. 15).
Observamos o destaque às atividades que auxiliem no desenvolvimento
sociocognitivo do aluno e que tenham o mesmo valor — peso — que as
avaliações escritas. As diferenças entre fala e escrita devem ser, contudo,
apreciadas como modalidades que se complementam, pois são, ambas,
importantes recursos comunicativos (MARCUSCHI, 2001). Conforme
Bentes (2010), o trabalho com as duas modalidades se justifica por ampliar a
competência comunicativa e a formação intelectual e crítica dos alunos:
[...] deve-se não apenas dar oportunidade aos alunos de observarem e de analisarem determinadas
práticas orais, como também deve fornecer os contextos, as motivações e as finalidades para o
exercício de diferentes oralidades, na sala de aula e fora dela (BENTES 2010, p. 137).
Com efeito, a oralidade merece destaque nas práticas pedagógicas, pois é
uma das modalidades essenciais para o desenvolvimento cognitivo do sujeito.
Por isso, diversos materiais didáticos (se não todos) são produzidos no Brasil
com o compromisso de transformar o aluno em um leitor autônomo e
competente na própria língua. Entretanto, parte desse material volta-se para o
processo de ensino pautado na aquisição de regras gramaticais e de técnicas
do ‘bem escrever’ e do ‘bem dizer”, por meio de considerações normativas e
prescritivas.
A leitura e a escrita, estando para além da decodificação, constituem-se
como um processo de conscientização do sujeito em relação à sua posição
político-cultural no espaço social. Nesse caminho, a busca por mudanças no
processo de ensino-aprendizagem está ligada ao desenvolvimento de
pesquisas linguísticas, em especial da Linguística Textual, disciplina
fortalecida nos anos 1990.
O cenário de transformações das políticas educacionais e de mudanças nos
currículos e nas práticas pedagógicas de ensino no Brasil da década de 1990
serve como pano de fundo para a obra didática de que este capítulo trata. Por
fim, com relação às autoras do material em destaque, cabe apontar, quanto à
formação acadêmica:
Maria Regina Figueiredo Horta — Licenciada em Filosofia e Letras, pela
Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é formadora de professores
na CENPEC — Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária, do Estado de São Paulo.
Maria das Graças Vieira Proença dos Santos — Licenciada em Filosofia
pela FFCL de Sorocaba e em Letras pela Universidade de São Paulo (USP).
ESTRUTURA GERAL DA COLEÇÃO A
PALAVRA É PORTUGUÊS

Figura 1 — Capas da coleção de Proença e Horta, 1996.

A coleção de livros didáticos A palavra é português, com conteúdo


direcionado para os alunos do ensino fundamental II, é formada por quatro
volumes, um para cada ano, utilizados naquele período, a partir de 1997, por
escolas das redes pública (estadual e municipal) e privada.
As autoras, ao apresentarem a coleção, destacam que ela foi pensada de
maneira que se assemelhasse a livros de histórias, numa tentativa de
aproximação empática com o público leitor/aluno do ensino fundamental,
atitude apreciada por autores ligados às correntes linguísticas vigentes.
Dessa forma, recorrem a uma coletânea de textos gêneros variados e de
autores consagrados na literatura brasileira, além de textos que recontam a
tradição oral de um povo. É importante dizer que é na/para a instituição
escola que a criança/o aluno vai entrar em contato com gêneros textuais que
pressupõem certas práticas sociais: levantar dúvidas, responder chamada,
escrever redações, fazer avaliações, apresentar seminários e tantos outros.
Assim, em consonância com tais ponderações, o professor Marcuschi (2003)
considera:
[...] Sabemos que há quem trate o livro didático como gênero, mas aqui o livro didático será
decididamente visto como suporte, com argumentos a serem apresentados adiante. Seguramente,
o livro didático é um suporte bem diverso do que uma revista semanal. Não só os destinatários e os
objetivos do livro didático e da revista semanal são diversos, mas também as esferas de atividade
discursiva são outras (MARCUSCHI, 2003, p. 43).
Portanto, o livro didático constitui um todo, mas é feito em partes com
gêneros textuais que mantêm suas características essenciais. Desse modo, por
exemplo, um conto não deixa de ser conto só porque está em um livro
didático.
Nessa mesma perspectiva, Brait e Rojo (2002, p. 7) enfatizam que
as práticas e atividades (de linguagem) que têm lugar nas diferentes esferas de atividade não são as
mesmas — ainda que, às vezes, possam ser parecidas e estejam relacionadas às de outras esferas
— e não são os mesmos os textos orais e escritos e a linguagem que nelas circulam.
Sendo assim, Proença e Horta ressaltam que a seleção de textos que
compõe os livros didáticos da coleção tem como “intenção fazer com que o
prazer e o interesse pela leitura das histórias reunidas neste livro levem o
aluno a escrever, ele mesmo, suas próprias histórias” (p. 3). Observa-se que
as autoras acreditam que, ao selecionar textos que possibilitem uma leitura
prazerosa aos alunos, eles conseguirão produzir textos com mais
desenvoltura, pois terão melhores condições emocionais e cognitivas para
desenvolvê-los.
Entretanto, para que tenham bom desempenho na leitura e na escrita, é
necessário fornecer-lhes instrumentais para isso. É necessário que o aluno
alie a satisfação que o ato da leitura e da escrita proporciona com a prática de
correção dessa leitura e dessa escrita. Nessa direção, as autoras apontam que
“o domínio da língua portuguesa é importante na medida em que nos abre um
universo de conhecimento e de emoções” (p. 3).
Para atingir tais metas, as autoras apontam, como objetivos, que os alunos:
a) leiam vários textos que lhes deem prazer, que os façam refletir e que ampliem seus
conhecimentos;
b) pratiquem as estruturas mais usuais do cotidiano da língua portuguesa;
c) conheçam os elementos essenciais da gramática para que possam ler e escrever corretamente e
com prazer;
d) expressem, oralmente, seus argumentos e sentimentos com clareza (p. 3).
Esses aspectos são observados pelas autoras e explicitados de forma
detalhada em seguida, tornando a prática da oralidade, da leitura e da escrita
fundamentais para o desenvolvimento intelectual do aluno, para o incremento
da sua capacidade reflexiva e, ainda, para o aperfeiçoamento das habilidades
de interpretação e de produção textual.
Para que os objetivos elencados sejam alcançados, Proença e Horta
organizaram a coleção em quatro temas: Entre amigos, Histórias que o povo
conta, Ah, essa gente grande! e Os viajantes e suas histórias. Cada unidade
apresenta três lições, as quais se estruturam em:
- Leitura;
- Redação;
- Gramática;
- Linguagem oral;
- Texto para discussão de ideias;
- Discussão de ideias;
- Ampliando seus conhecimentos;
- Veja que Interessante — partes que são comentadas a seguir.

LEITURA
A rubrica Leitura é subdividida em três etapas: 1) estudo das palavras; 2)
releitura do texto; 3) compreensão do texto. A unidade temática traz sempre
um texto de literatura infanto-juvenil, sugerindo uma leitura silenciosa para
que o aluno tenha uma experiência pessoal com o texto; na sequência, a
leitura pode ser feita oralmente, possibilitando ao aluno atentar, por exemplo,
para a pronúncia das palavras, para a entonação adequada e a importância da
pontuação para a produção dos sentidos.
Ao tratar do Estudo das palavras, as autoras afirmam: “A função desta
atividade é familiarizar o aluno com a procura do significado das palavras
que desconhece” (p. 3). Para que a atividade não se torne cansativa e
desinteressante, algumas palavras aparecem com o significado, outras devem
ser procuradas no dicionário, pois, ao procurar palavras desconhecidas, os
alunos desenvolverão, também, exercícios de substituição de palavras para
que consigam visualizar, em contexto de uso, as possibilidades de
significação.
A etapa Releitura de texto consiste em responder perguntas sobre o texto.
Com essa atividade, espera-se que os alunos releiam o texto para responder às
questões, que devem ser apresentadas oralmente, para que os alunos sejam
estimulados a partilhar suas ideias e a apreciar aspectos estéticos do texto.
A última etapa diz respeito à Compreensão do texto e procura mostrar ao
aluno que os textos são organizados de maneira intencional; além disso,
procura sensibilizá-lo quanto aos diferentes papéis do texto: provocar
emoções, divulgar e levar a discutir ideias e a passar informações. Os textos
narrativos recebem tratamento especial com relação aos elementos da
narrativa, como: enredo, personagens, espaço, tempo e narrador, de modo que
o aluno se sinta estimulado a trabalhar conscientemente com tais elementos
em suas próprias produções.
REDAÇÃO
A parte intitulada Redação está voltada para a produção de textos com base
nos seguintes tópicos: Ortografia, Redigindo frases e Propostas de redação.
Em Ortografia, há atividades cuja preocupação é, naturalmente, com a
grafia correta das palavras; em Redigindo frases, tem-se um conjunto de
exercícios que estimulam a construção de frases, a fim de fixar formações
adequadas de sentenças mais frequentes no cotidiano, considerando tópicos
que oferecem dúvidas retirados do texto principal da unidade.
Em Propostas de redação, há duas sugestões para escolha: uma para ser
executada em sala de sala e outra que pode vir a ser solicitada como tarefa de
casa. Após a realização da redação, sugere-se que os alunos façam a troca dos
textos “para que percebam que todo texto escrito se dirige a um leitor real ou
virtual, por isso precisa ser claro e comunicar alguma coisa” (p. 4). As
autoras sugerem, ainda, critérios que podem ser seguidos pelo professor ao
corrigir as produções dos alunos, a saber:
a) organização do contexto;
b) adequação do conteúdo à proposta;
c) adequação do conteúdo à escolaridade do aluno;
d) correção gramatical (ortografia, sintaxe e pontuação);
e) vocabulário (extensão e adequação ao conteúdo) (HORTA; PROENÇA, 1997, p. 4).

GRAMÁTICA
O estudo de gramática tem como principal objetivo levar o aluno a
conhecer normas estruturais da língua portuguesa do ponto de vista
prescritivo, tendo em vista a leitura compreensiva, a escrita correta e clara de
um texto, além de uma eficiência quanto a sua expressão oral. Para a
realização das atividades, são revisitados lições e textos anteriores.

LINGUAGEM ORAL
O tópico Linguagem oral não aparece contemplado em todos os capítulos.
Quando presente, propõe, por meio de atividades variadas, lúdicas,
individuais e em grupo, o desenvolvimento da “fluência verbal apoiada na
agilidade de raciocínio e na bagagem de informações obtidas através de suas
experiências pessoais” (p. 5).

TEXTO PARA DISCUSSÃO DE IDEIAS


Esta seção apresenta um texto que aborda tema que dialogue com a
temática do texto principal da unidade. O aluno realiza a leitura como base
para discussão, destacando as ideias convergentes e/ou divergentes
veiculadas nos textos.

DISCUSSÃO DE IDEIAS
Neste item, o aluno responde a um conjunto de questionamentos a respeito
do texto lido. É a ocasião para que manifeste suas ideias e se coloque diante
de situações que integram as interações do cotidiano. A atividade possibilita,
ainda, que os estudantes exercitem a comparação entre textos. As autoras
sugerem que “a atividade de discutir ideias seja feita apenas oralmente, de
preferência em pequenos grupos e, quando possível, com abertura de
debates” (p. 5). É uma etapa que objetiva treinar a fluência de expressão oral,
a troca de ideias e a socialização.

AMPLIANDO SEUS CONHECIMENTOS


Este tópico apresenta-se em algumas lições ou capítulos, sugerindo ao
aluno novas possibilidades de uso de recursos conhecidos da língua
portuguesa, além de estimular a visão sobre seu o dinamismo e sua riqueza.

VEJA QUE INTERESSANTE


Trata-se de uma seção presente em vários capítulos, propondo ao aluno que
“estabeleça relações entre o que leu no texto principal e as ideias e
informações provenientes das mais diversas fontes” (p. 5).
A leitura integral da coleção A palavra é português possibilita verificar que
os volumes apresentam uma metodologia dinâmica de produção, que engloba
questões referentes à prática de ensino e que também aponta para tempos
históricos e concepções culturais de uma época. Em cada capítulo, as autoras
procuram interagir com o interlocutor, por meio de um texto introdutório que
direciona para o texto principal.
É importante ressaltar que, para a elaboração do conjunto didático, as
autoras (como revela a bibliografia ao final de cada volume) indicam, a título
de referencial teórico, autores tais quais Alda Beraldo (1990), Jean-Claude
Bernardet (1981), Celso Cunha (1981), Antonio Cândido (1968), Massaud
Moisés (1970) e René Wellek & Austin Warren (1987).
Figura 2 — Proença e Horta (1996, p. 12).

Esse arcabouço oferece indícios para procurar compreender a base de


sustentação das autoras e para auxiliar na análise da obra didática à luz das
bases determinantes daquele momento histórico. Percebe-se, ao analisar a
coleção, que há orientações e respostas, comentários das questões e sugestões
de avaliações, que nos levam a refletir sobre a importância do uso adequado
do material didático na sala de aula, uma vez que
os manuais passam a reunir as funções de um compêndio e de um caderno de exercícios e
atividades, assumindo um alto grau de dependência do contexto da sala de aula e realizando uma
mediação entre o aluno e o professor, que atribui a este um papel subordinado em relação às
atividades propostas pelo livro didático (Batista, 2003, p. 54).
É o que observamos na abertura dos capítulos: há uma preparação que
apresenta o tema a ser trabalhado. Convém destacar aqui o posicionamento
das autoras na atividade, uma interlocução possível, pois fica claro que existe
uma orientação sobre o que e como serão tratadas a leitura do texto e as
atividades que seguem propostas. Embora o texto introdutório de cada
capítulo não apresente comentários explícitos para o professor, está
subentendida a orientação, pois as autoras utilizam-se de um gênero textual
diferente daquele tido como principal da seleção a fim de explicar ou levar o
leitor para o texto e enfatizam, por exemplo, que “no texto que vamos ler, um
adulto e um menino descobrem a importância e a força das palavras para
manifestar o que sentem” (p. 12).

Figura 3 e 4 — (Proença e Horta, 1996, p. 13-14).

Para a orientação do texto principal, neste caso, Proença e Horta (1996)


destacam, no exemplar do professor: “Na leitura dos textos principais,
sugerimos que: 1) os alunos leiam o texto, individual e silenciosamente; 2) o
professor leia o texto observando bem a pontuação e a entonação; 3) o
professor peça a alguns alunos que leiam em voz alta pequenos trechos do
texto” (p. 13). Ensinar as crianças a ler, a escrever e a se expressar de maneira
competente em língua portuguesa é um desafio dos professores diante da
realidade social de novas demandas e necessidades, procurando desenvolver
com maior eficiência as diversas competências da linguagem.
Figura 4 — (Proença e Horta, 1996, p. 16).

Podemos dizer que a atividade proposta transfere para o professor a


responsabilidade de incentivar o aluno a ser um leitor proficiente. Ela tem
como objetivo fazer com que exista uma transformação entre os estados de
leitura, seja por fruição estética e prazer, seja para a assimilação de conteúdos
formais. Conforme se observa na imagem 4, os textos presentes na antologia
visam estimular a formação de um leitor literário competente e contribuir
para a aquisição e fixação da norma-padrão da língua portuguesa. É por esse
motivo que os textos presentes na coleção têm indicação para realizar
exercícios de leitura e de recitação, estudo de ampliação de vocabulário e de
fixação de regras da gramática normativa, além de exercícios de fixação
ortográfica, de análise sintática, de análise morfológica e de propostas de
produção textual.
Figura 5 — (Proença e Horta, 1996, p. 21).

No exemplo retirado da página 21, o texto principal é utilizado pelas


autoras como mote para atividades sobre discurso direto e discurso indireto e
para um exercício sobre o uso das palavras ‘cumprimento’ e ‘comprimento’,
utilizando o texto também como pretexto para apresentar questões
gramaticais. Isso sugere que as autoras procuram fazer uso de conceitos da
linguística e das orientações contidas nos documentos oficiais que
estabelecem as diretrizes para a educação básica. As propostas de redação
apresentadas pela coleção A palavra é português englobam os tipos textuais
básicos: narração, descrição e argumentação. Conforme o volume da coleção,
um tipo textual pode aparecer mais que outro, adequando-se às indicações
contidas nas propostas curriculares oficiais. Assim, os volumes da 5ª e 6ª
séries focalizam mais a narração seguida da descrição, enquanto os volumes
da 7ª e 8ª trazem a narração e a argumentação.
Figura 6 — Proença e Horta (1996, p. 22).

Algumas das propostas são precedidas por uma conceituação sobre a


tipologia textual (recorrente na década de 1990), mas ainda não há
focalização sobre os gêneros textuais. Para exemplificar sobre os elementos
que compõem a narrativa, Proença e Horta retomam, neste exemplo, o texto
principal: “Vamos observar a história do texto ‘O menino da noite’ para a
perceber que o narrador nos conta uma sequência de fatos”. Depois, explicam
o que é uma narração, o que é um fato, as características que constituem uma
personagem e a função do narrador.
As orientações para a produção escrita estão disponibilizadas após os
esclarecimentos sobre o que é e como se constitui uma narrativa. Proença e
Horta orientam o professor quanto aos procedimentos em relação à atividade:
“Apresentamos duas propostas de redação para o desenvolvimento da
narração com diálogo. Deixar os alunos escolherem a que mais lhes
interessar. A outra pode ser aproveitada em aulas posteriores ou como
exercício para casa” (p. 22). Para realizar a produção escrita, o aluno
necessita relembrar as atividades trabalhadas no decorrer do capítulo,
voltando, principalmente, para o texto de abertura. Além disso, verificamos
que as propostas de produção de texto trazem a indicação para o aluno
escrever uma ‘história’ ou uma redação, sem mencionar uma tipologia
textual.
No exemplar do professor, há a indicação: “Professor: orientar os alunos
para fazerem primeiro um rascunho, visando aperfeiçoar e corrigir o texto
produzido; incentive-os também a trocar suas redações com os colegas para
perceberem que o texto tem sempre um destinatário”. Diante disso, percebe-
se que Proença e Horta (1996) propõem ao professor a reflexão sobre a
condição de produção e situação discursiva do texto, ao tratamento que é
dado ao texto como unidade de sentido e, nesse caso, de ensino. Destacamos
que, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Fundamental I e II, o
texto deve ser adotado como unidade de ensino e os gêneros, como objeto de
ensino. Essas questões começam a ser pensadas especialmente em relação ao
trabalho com a produção de texto em sala de aula e, nesse sentido,
determinada lacuna deixada pela discussão, na década de 1980, começa a ser
preenchida nos anos 90 com a introdução dos diferentes gêneros textuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura integral dos volumes de A palavra é português possibilitou-nos
constatar que a coleção, lançada em 1997, foi produzida alinhando-se às
determinações da LDB 3994/96 e de acordo com as diretrizes dos
documentos oficiais em voga naquele momento.
As autoras, na medida do possível, elaboraram os conteúdos adequando-os
às concepções de linguagem e às teorias linguísticas, principalmente as da
linguística textual, em destaque na década de 1990, atentando para o estudo
da oralidade, o foco na leitura e na produção escrita, numa perspectiva
interacional, aplicada às variadas situações de comunicação inseridas em
contextos próprios de alunos do ensino fundamental.
Observamos que tanto a organização estrutural da obra didática, quanto a
seleção dos textos apresentam-se vinculadas às propostas de mudanças nos
processos de estudo da linguagem. É uma obra que se mostra em
conformidade com as orientações educacionais propostas pelo sistema de
ensino no Brasil dos anos 1990, associada às teorias linguísticas em debate
desde a década de 1970.
É evidente, em todos os volumes da coleção, o cuidado didático quanto à
apropriação e ao uso da linguagem no ensino da língua portuguesa. As
autoras buscaram adaptar-se às novas demandas sem, no entanto, deixar de
lado a preocupação em relação ao ensino da gramática prescritiva, trabalhada,
especialmente naquele momento, a partir de textos.
A fundamentação teórica, aporte para as autoras, embora mencione autores
anteriores à década de 1990, mostra-se em consonância com os parâmetros
desejados para um ensino pautado nos princípios da linguística
contemporânea, o que permite afirmar que, para o período em estudo, o
conjunto didático apresenta aspectos que apontam para a incorporação de
elementos inovadores.

REFERÊNCIAS
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gêneros orais na escola. Cap. 6. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010
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WELLEK, René & WARREN, Austin. Teoria da literatura. Lisboa: Publicações Europa-América,
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AS AUTORAS, OS AUTORES

CAIO VINÍCIUS CATALANO


Doutorando em letras, bolsista da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM/SP), com doutorado
sanduíche pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal (UPorto). Mestre em Letras
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM/SP). Pesquisador no Instituto de Pesquisas
Linguísticas Sedes Sapientiae — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) — e no
grupo de pesquisa “O discurso pedagógico de Paulo Freire: confluências”, do programa de pós-
graduação — UPM/SP. Membro do conselho editorial da revista VERBUM — Cadernos do Programa
de Pós-Graduação em Língua Portuguesa (PUC/SP). Desenvolve pesquisas na área de Análise do
Discurso de Divulgação Científica. Autor de artigos científicos e capítulos de livros.

DIELI VESARO PALMA


Pós-doutora pela Universidade do Porto/Portugal e Doutora pela PUC/SP. Professora Associada do
Departamento de Português, atuando na Graduação, Pós-Graduação stricto e lato sensu em Língua
Portuguesa, desenvolvendo pesquisas sobre História e Historiografia da Língua Portuguesa, Descrição
e Ensino da Língua Portuguesa. Publicou diversos livros e artigos sobre historiografia da Língua
Portuguesa e ensino de língua materna. Líder do grupo de Pesquisa em Educação Linguística da PUC-
SP. Consultor ad hoc da FAPESP. Membro do corpo editorial da Revista Verbum (PUC-SP). Tem
desenvolvido pesquisas e publicações em Historiografia da Língua Portuguesa, Educação Linguística,
formação de professores, ensino de língua e da gramática.

LUCIANO MAGNONI TOCAIA


Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos e do Programa de Mestrado
Profissional em Letras, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais. Suas pesquisas atuais
fundamentam-se nos pressupostos teórico-metodológicos estabelecidos no quadro da Semiótica
discursiva de linha francesa, das teorias do discurso pelo viés bakhtiniano, do ensino-aprendizagem de
línguas pela ótica dos gêneros discursivos/textuais e da Historiografia Linguística. Tem capítulos de
livros e artigos científicos principalmente nas áreas de teoria e análise do discurso e do texto, semiótica
discursiva de linha francesa e leitura e produção de textos em língua materna (português) e língua
estrangeira (francês).

MARIA INÊS FRANCISCA CIRÍACO


Graduada em Letras — Português e Literaturas Específicas pela Universidade Federal de Uberlândia
(1995) e Português/Inglês pelo Centro Universitário Campus de Andrade (2003), Especialista em
Educação e Valores Humanos, com habilitação ao Magistério Superior pelas Faculdades Integradas
“Espíritas” (2008), Mestre em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2015) e Doutoranda
em Letras pela mesma Universidade. Membro do Grupo de Pesquisa em Historiografia da Língua
Portuguesa — IP-PUC/SP. Experiência docente: professora de português, literaturas e inglês em
escolas públicas (ensino fundamental e médio) e em cursos de capacitação de professores para o uso de
tecnologias na educação; tutora em cursos de mídias na educação na modalidade EAD.

MARIA IGNEZ SALGADO DE MELLO FRANCO


Bacharel e Licenciada em Letras Neolatinas. Foi professora do Departamento de Português da
Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Arte da PUC/SP, atualmente aposentada. Mestre em
Psicologia Educacional. Integrante do Grupo de Pesquisas de Historiografia Linguística, focando as
Gramáticas de Portugal e do Brasil, sob a coordenação das Professoras Doutoras Neusa M. de O.
Bastos e Dieli V. Palma. Integrante do Grupo de Pesquisas de Educação Linguística, coordenado pela
Professora Doutora Dieli Vesaro Palma. Coautora de capítulos publicados na coleção História
Entrelaçada, organizada pelas professoras Doutoras Neusa Bastos e Dieli Palma.

MARIA LUCIA MARCONDES CARVALHO VASCONCELOS


Pedagoga formada pela USP, Doutora em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e
Doutora em Educação pela USP. É professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde, além de Reitora, exerceu as funções de Orientadora
Educacional, Diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Educação e Coordenadora Geral de Pós-
Graduação. É líder do grupo de pesquisa (CNPq) O pensamento pedagógico de Paulo Freire: uma
leitura e do Projeto Capes-PrInt/Mackenzie Mobilidade humana e culturas no plural: o desafio da
convivência. Foi membro titular dos Conselhos Municipal de Educação de São Paulo e Estadual de
Educação de São Paulo. Foi Secretária de Estado da Educação de São Paulo (2006/2007). Autora de
vários livros, capítulos e artigos. Atua na área de Letras, suas teorias e práticas didático-pedagógicas,
pesquisando, ainda, a formação de professores tanto para o ensino superior como para a educação
básica.

MARIA MERCEDES SARAIVA HACKEROTT


Doutora em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (1994) e mestra em
Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1989).
É professora titular na Universidade Paulista e professora efetiva na rede pública do Estado de São
Paulo. Desde 2007, desenvolve pesquisas em Historiografia Linguística pelo IP-PUC/SP.

MARILENA ZANON
Doutora em Língua Portuguesa. Professora do Departamento de Português da Faculdade de Filosofia,
Comunicação, Letras e Arte da PUC/SP. Participante de congressos nacionais. Integrante dos grupos de
pesquisa Historiografia Linguística e Educação Linguística, sob a coordenação das professoras doutoras
Neusa Maria de Oliveira Bastos e Dieli Vesaro Palma. Coautora de capítulos publicados na coleção
História Entrelaçada, organizada pelas professoras Neusa Bastos e Dieli Palma.

MICHELINE TACIA DE BRITO PADOVANI


Doutoranda e Mestre em Língua Portuguesa pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — PUC/SP. Tem graduação —
Licenciatura Plena em Letras — Português pela Universidade Metodista de Piracicaba (2006) e
Especialização, Lato Sensu, em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
— PUC-SP. É professora de língua portuguesa. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em
Ensino de Língua Portuguesa, atuando nas seguintes áreas: ensino de língua portuguesa, leitura e
escrita, literatura africana. Participa do Grupo de Pesquisa — Historiografia da Língua Portuguesa,
veiculado ao IP, da PUC-SP.

NANCY APARECIDA ARAKAKI


Doutora em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de SP com Pós-Doutorado em
Linguística Aplicada pela Universidade “A Politécnica” (Maputo/Moçambique). Atua como professora
convidada no curso de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro do grupo
Relicon (Religião, linguagem e confessionalidade) na mesma instituição e pesquisadora do GPeHLP do
IP-PUC/SP. Participa de congressos nacionais e internacionais. Tem produzido capítulos de livros e
artigos e atua como parecerista de revistas nacionais nas áreas de Língua Portuguesa e de Linguística.

NANCY DOS SANTOS CASAGRANDE


Graduada em Língua e Literatura Portuguesas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1991), mestrado e doutorado em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (1996 e 2001). Pós-Doutorado em Formação de Professores pela Universidade do Porto —
Portugal. Atualmente, é professora associada do departamento de Português da PUC-SP. Membro da
equipe diretiva do Colégio São Domingos desde junho de 2018. Tem experiência na área de Letras,
com ênfase em Língua Portuguesa, atuando principalmente nos seguintes temas: historiografia
linguística, ensino de língua portuguesa, gramática portuguesa, política linguística, discurso e
linguagem jurídica.

NEUSA BARBOSA BASTOS


Pós-doutora pela Universidade do Porto (Portugal). Doutora em Linguística Aplicada ao Ensino de
Línguas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1987. Atualmente, professora titular da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde é
coordenadora do IP-PUC/SP e vice-coordenadora do NEL — Núcleo de Estudos Lusófonos.
Consultora da CAPES e da FAPESP, membro de diretoria do Sindicato dos Professores. Membro do
GT de Historiografia da Linguística Brasileira da ANPOLL — Associação Nacional de Pós-Graduação
em Letras e Linguística. Atua na área de Letras e Linguística, com ênfase em Língua Portuguesa,
Historiografia Linguística, Lusofonia: cultura e identidade, Análise do Discurso. Autora de artigos em
veículos nacionais e internacionais, de capítulos e de livros.

PATRÍCIA SILVESTRE LEITE DI IÓRIO


Mestre e Doutora em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997/
2007). Atualmente é pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professora
Titular II da Universidade Cruzeiro do Sul. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua
Portuguesa, atuando principalmente nos seguintes temas: discurso, ensino de língua portuguesa,
historiografia da língua portuguesa, ensino e ethos.

REGINA HELENA PIRES DE BRITO


Pós-Doutora pela Universidade do Minho, Doutora e Mestre pela FFLCH-USP. Coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde exerceu, junto à
Pró-reitoria de Extensão, as funções de Coordenadora de Cursos e de Programas e Projetos.
Coordenadora do Colégio Doutoral Tordesilhas — Linguagens, Sociedades e Culturas. Líder do GP-
CNPq Cultura e Identidade Linguística na Lusofonia. Pesquisadora do CLEPUL da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa e do Centro de Estudos das Literaturas de Expressão em Língua
Portuguesa|USP. Membro da Comissão para a Promoção do Conteúdo em Língua Portuguesa,
CPLP|CBL, do Conselho Diretivo do Instituto Nacional de Linguística de Timor-Leste, do Museu
Virtual da Lusofonia e do GT de Historiografia|ANPOLL.

RONALDO DE OLIVEIRA BATISTA


Doutor em Linguística pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutor em Historiografia da Linguística
pela Katholieke Universiteit Leuven (Bélgica). Bolsista Produtividade (Pq-2) do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e docente do Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista no estudo da história da linguística, autor
do livro Introdução à Historiografia da Linguística (Ed. Cortez, 2013) e organizador do livro
Historiografia da Linguística (Ed. Contexto, 2019). Coordenador do GT Historiografia da Linguística
Brasileira da Anpoll nos biênios 2016-2018, 2018-2020.

SONIA MARIA NOGUEIRA


Doutorado e Mestrado em Língua Portuguesa pela PUCSP. Mestrado em Ciências da Educação pela
UEMA-Brasil/IPLAC-Cuba. Professora, Coordenadora de Pós-Graduação, Credenciada no Programa
de Pós-Graduação em Letras (PPGLe) da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão
(UEMASUL) em Imperatriz/MA. Integrante da comissão científica dos Cadernos de Linguística da
Abralin (CadLin). Parecerista de revistas especializadas. Pesquisadora do GPeHLP do IP-PUC/SP.
Coordenadora de Linhas de Pesquisa e Vice-líder do Grupo de Estudos Linguísticos do Maranhão
(GELMA/UEMASUL). Sócia-pesquisadora da ANPOLL e Abralin. Autora de artigos em revistas
especializadas, capítulos de livros e livro. Atua em Letras e Linguística: Língua Portuguesa,
Gramaticografia maranhense e Ensino.

THIAGO ZILIO PASSERINI


Doutorando em Língua Portuguesa pela PUC-SP, onde também cursou mestrado e especialização. Na
mesma universidade, é membro dos seguintes grupos: GPEduLing (Educação Linguística); GPeHLP
(Historiografia da Língua Portuguesa); e História das ideias linguísticas — Brasil e Portugal — e
identidade nacional. Foi bolsista do governo grego no Institute for Balkan Studies e na University of
Crete. No extinto Instituto Educacional Ateniense, lecionou língua e cultura grega. É revisor da
Parábola Editorial, onde também atua como articulista do blog e vlogueiro.

WEMYLLA ALMEIDA
Doutoranda e mestre em Língua Portuguesa pela PUC-SP, especialista em Didática do Ensino Superior
pelo IESF e licenciada em Letras pela UEMA. Professora de Língua Portuguesa da UEMASUL.
Pesquisadora dos grupos de pesquisa Historiografia da Língua Portuguesa do IP-PUC-SP e do Grupo
de Estudos Linguísticos do Maranhão da UEMASUL. Autora de capítulo em livro, de artigos em
revistas eletrônicas e em anais nacionais e internacionais. Tem experiência na área de Letras, com
ênfase em Língua Portuguesa e em Linguística, atuando nos respectivos temas: Sintaxe da Língua
Portuguesa; Historiografia Linguística; Linguística Textual e Análise do Discurso.

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