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1. Introdução
Olá! Seja muito bem-vindo(a)! Você iniciará o estudo de Análise e Produção de
Textos, uma das disciplinas que compõem o curso de Licenciatura em Língua
Portuguesa do Claretiano – Centro Universitário na modalidade EaD.

Para compreendermos melhor a relevância de uma disciplina que se ocupa da


análise e da produção de textos em um curso de Licenciatura em Língua
Portuguesa, que tal re�etirmos sobre o que a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) diz sobre o ensino da Língua Portuguesa no ensino básico, contexto
para o qual formamos professores em cursos de Licenciatura?

Segundo a BNCC, o componente Língua Portuguesa deve estar estruturado


com base em uma visão enunciativo-discursiva de linguagem, e não em uma
visão estruturalista. Isso quer dizer que a língua não deve ser entendida como
um conjunto fechado de regras que existem independentemente do contexto e
de seus falantes. Muito pelo contrário: entender a linguagem sob uma pers-
pectiva enunciativo-discursiva signi�ca considerar que todas as formas de
expressão linguística estão condicionadas aos seus contextos de produção e
recepção, bem como às práticas sociais existentes em cada sociedade, de for-
ma que só conseguimos conferir sentido à linguagem quando inseridos, en-
quanto sujeitos sociais e históricos, em um contexto de interação com outros
sujeitos também sócio e historicamente constituídos.

E qual seria a implicação prática dessa mudança de perspectiva para o ensino


de português? Ou seja, o que signi�ca, em termos de processo de ensino e
aprendizagem de Língua Portuguesa, entender a língua como sob uma pers-
pectiva enunciativo-discursiva, e não estruturalista e tradicional?

Bem, segundo a BNCC, isso signi�ca que o processo de ensino e aprendizagem


da Língua Portuguesa não deve partir da análise da gramática tradicional, de
forma arbitrária e descontextualizada. Pelo contrário:

Tal proposta assume a centralidade do texto como unidade de trabalho e as pers-


pectivas enunciativo-discursivas na abordagem, de forma a sempre relacionar os
textos a seus contextos de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso sig-
ni�cativo da linguagem em atividades de leitura, escuta e produção de textos em
várias mídias e semioses (BRASIL, 2018, p. 67).

O documento ainda ressalta que o texto, a partir do qual são de�nidos os con-
teúdos, habilidades e objetivos a serem desenvolvidos no componente Língua
Portuguesa, deve sempre ser trabalhado em relação ao gênero discursivo que o
caracteriza, considerando também as diferentes esferas sociais de comunica-
ção e uso da linguagem nas quais os gêneros circulam (BRASIL, 2018, p. 67).

Como você verá nas outras disciplinas do curso, isso não quer dizer que o co-
nhecimento dito gramatical não deve ser abordado. Dentro do eixo da Análise
Linguística/Semiótica, que juntamente aos eixos da Oralidade, da Produção de
Textos e da Leitura/Escuta compõem os quatro eixos de ensino corresponden-
tes às práticas de linguagem no Ensino Básico, os alunos terão oportunidade
de analisar e re�etir sobre a norma padrão da Língua Portuguesa. Essa análi-
se, no entanto, não deve ser realizada com um �m em si mesma, devendo es-
tar sempre situada em práticas de linguagem e a serviço da ampliação da ca-
pacidade de uso da língua e linguagens por parte do aluno (BRASIL, 2018).

Diante do exposto, a disciplina Análise e Produção de Textos está dividida em


cinco Ciclos de Aprendizagem, ao longo dos quais teremos oportunidades para
re�etir sobre fatos inerentes à análise textual, leitura, produção e revisão de
textos em sala de aula, abordando conhecimentos sobre elementos linguísti-
cos, textuais e discursivos dentro de um contexto histórico.

Os materiais selecionados para o estudo da disciplina irão colocá-lo em conta-


to com o conhecimento de teorias da Linguística que lidam com o ato de leitu-
ra, com a compreensão e a produção textual, com a análise linguística, sempre
na perspectiva dos novos e multiletramentos.
Por meio deles, você poderá re�etir sobre estratégias que podem ser adotadas
por você, enquanto leitor e produtor de textos, e ensinadas por você aos seus
alunos, enquanto professor de língua portuguesa. Tais obras apresentam re�e-
xões acerca do que é texto e do que é discurso, abordando os variados gêneros
discursivos e gêneros e tipos textuais. São elas que permitirão que você seja
capaz, enquanto professor, de levar o seu futuro aluno a desenvolver habilida-
des e competências de leitura e de produção de textos, podendo ir além da lei-
tura super�cial e da mera decodi�cação.

2. Informações da Disciplina
Ementa
Análise e produção de textos busca, no contexto do curso, ser espaço de cons-
trução de conhecimentos teórico-práticos fundamentais para a formação do
futuro professor de língua portuguesa, possibilitando-lhe re�etir sobre fatos
inerentes à análise textual, leitura, produção e revisão de textos em sala de au-
la, aperfeiçoando seu conhecimento sobre elementos linguísticos, textuais e
discursivos dentro de um contexto histórico, abordando, para tanto, os seguin-
tes conteúdos: noções de texto e discurso; gêneros discursivos e tipos textuais;
modos de organização do discurso: descrição, narração e dissertação; a leitura
e a escrita como práticas sociais; estratégias de leitura e escrita; contexto de
produção e contexto de uso; produção textual: coerência e coesão, intertextua-
lidade, fatores de textualidade; texto �gurativo e texto temático; níveis de es-
trutura textual; análise linguística; práticas de escrita, revisão e reescrita.

Objetivo Geral
Oferecer oportunidades para o contato com o conhecimento de teorias da
Linguística que lidam com o ato de leitura, com a compreensão e a produção
textual, com a análise linguística, sempre na perspectiva dos novos e multile-
tramentos, de modo a apresentar e discutir habilidades e competências que
podem ser adotadas pelo leitor e produtor de textos, e que, portanto, devem ser
desenvolvidas em aulas de Língua Portuguesa no Ensino Básico, devendo, as-
sim, ser conhecidas pelos professores em formação e em serviço.
Objetivos Especí�cos
• Veri�car as noções de texto e de discurso.
• Compreender as tipologias textuais e diferenciá-las dos gêneros de texto.
• Conhecer as noções de gênero textual e de gênero discursivo.
• Veri�car estratégias relativas à leitura, análise e produção de texto.
• Compreender as noções de coesão e coerência textual.
• Reconhecer a leitura e a escrita como práticas sociais.
• Veri�car como lidar, de modo e�ciente, com o texto na sala de aula, na
perspectiva da leitura e da escrita.
• Analisar as práticas pedagógicas para o ensino e a aprendizagem da lei-
tura, produção e revisão textual, em uma perspectiva dos novos e multile-
tramentos.
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Prática Pedagógica

Olá! Seja bem-vindo(a) ao ambiente de orientação da Prática Pedagógica de


Análise e Produção de Textos. Aqui, você encontrará as informações necessá-
rias para a construção e o desenvolvimento da proposta de prática.

É importante ressaltar que a Prática Pedagógica é parte fundamental de seu


curso, pois visa à formação docente conforme de�nição da BNC – Educação
Básica, constituindo-se como estratégia para aprimorar as aprendizagens es-
senciais para a atuação docente, relacionadas aos aspectos intelectual, físico,
cultural, social e emocional, a partir da vivência do cotidiano escolar e da inte-
ração teoria e prática. 

Para ler a íntegra dessa recente legislação, conhecida como BNC-Formação, clique aqui
(https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-2-de-20-de-dezembro-de-2019-234967779).

Em conformidade com esse princípio e a legislação vigente, foram estabeleci-


dos alguns requisitos ao desenvolvimento da Prática Pedagógica, os quais se-
rão importantes para garantir o efetivo cumprimento desse componente curri-
cular: 

• Inicialmente, deverá ser efetivado o ajuste formal entre o Claretiano –


Centro Universitário (instituição formadora) e a escola parceira ou conve-
niada, com preferência para as instituições de ensino públicas.
• A realização da Prática Pedagógica deverá ser acompanhada pelo profes-
sor/tutor do Claretiano e por um professor experiente da escola onde o es-
tudante a desenvolve, com vistas à integração entre o curso e o campo de
atuação.
• A Prática Pedagógica estará presente em todo o percurso formativo do es-
tudante, com a participação da equipe docente do curso, devendo ser de-
senvolvida em uma progressão que, partindo da familiarização inicial
com a atividade docente, conduza, de modo harmônico e coerente, no
qual a prática deverá ser engajada e incluir a mobilização, a integração e
a aplicação do que foi aprendido nas disciplinas, bem como deve estar
voltada à resolução dos problemas e das di�culdades vivenciadas.
• Os relatórios elaborados pelo estudante durante o desenvolvimento da
Prática Pedagógica deverão ser enviados no Portfólio da disciplina, com-
pilando as evidências das aprendizagens requeridas para a atuação do-
cente.

1. Como desenvolver a Prática Pedagógica?


O desenvolvimento da Prática Pedagógica pressupõe atividades presenciais e
virtuais incluindo visitas e observação de ambientes escolares, protocolo de
documentos, além do envio de relatórios na ferramenta Portfólio da Sala de
Aula Virtual.

A Prática Pedagógica será desenvolvida ao longo de todo o semestre letivo, di-


vidida em etapas, com dois momentos de entrega de relatórios, indicados no
cronograma da disciplina e descritos no material didático. As etapas compre-
endem a seguinte sequência:

1. Identi�cação.
2. Caracterização.
3. Observação.
4. Planejamento.
5. Aplicação.
6. Relatório Final.

Para ter acesso a descrição das etapas do desenvolvimento da Prática Pedagógica desta disciplina, con-
sulte os Ciclos 2 e 4 nas ferramentas Plano de Ensino e Portfólio.

Todo o acompanhamento da realização da Prática Pedagógica �cará a cargo


do professor/tutor a distância, que fará a orientação de todas as etapas e a va-
lidação dos documentos, sempre supervisionado pelo professor responsável
da disciplina.

A Prática Pedagógica é parte integrante do Sistema de Avaliação da Aprendizagem da dis-


ciplina. Para cada uma das etapas de realização, haverá uma pontuação especí�ca, totali-
zando 13 pontos, caso você obtenha o desempenho máximo.
A carga horária da Prática Pedagógica será de 100h, distribuídas nas etapas que a com-
põem.

2. Etapas de desenvolvimento da Prática


Pedagógica
Portfólio 1

Horas Totais
Atribuídas
Atividade Nota
20h

Planejamento e orga-
Etapa 1 nização da Prática 5h
Pedagógica. 3.0 pontos
Contextualização da
Etapa 2 15h
Prática Pedagógica.

Portfólio 2

Horas Totais
Atribuídas
Atividade Nota
80h

Observação de ambi- 10 pontos (3.0 pontos


Etapa 3 entes e situações de 15h dedicados à
aprendizagem – aula. Fundamentação
Elaboração do plano
Etapa 4 de aula ou da sequên- 20h
cia didática.

Desenvolvimento da Teórica)
Etapa 5 25h
prática (regência)

Elaboração e entrega
Etapa 6 do relatório crítico- 20h
re�exivo.

3. Ofícios e Documentos
Nas diferentes etapas da Prática Pedagógica, será necessária a geração, preen-
chimento e assinatura de diferentes documentos obrigatórios disponíveis na
SAV (ferramenta Material). Veja quais são eles:

• Pedido de Autorização para Prática Pedagógica de Estudante (download)


(https://md.claretiano.edu.br/anaprotex-gp0053-fev-2022-grad-ead-p/wp-
content/uploads/sites/91/2021/11/PedAutPraPedEst-1-3.doc): documento
o�cial, de caráter pessoal e intransferível, por meio do qual o aluno faz a
solicitação e a emissão do documento, submetendo-o à assinatura da ins-
tituição conveniada.
• Termo de Compromisso para Práticas Pedagógicas (download)
(https://md.claretiano.edu.br/anaprotex-gp0053-fev-2022-grad-ead-p/wp-
content/uploads/sites/91/2021/11/TerComPraPed-3.docx): documento o�-
cial, de caráter pessoal e intransferível, por meio do qual o aluno faz a so-
licitação e a emissão do documento, submetendo-o à assinatura da insti-
tuição conveniada, de modo a convencionar entre as partes o que caberá
a cada uma delas durante a realização da Prática Pedagógica.
• Declaração de Comprovação de Prática Pedagógica (download)
(https://md.claretiano.edu.br/anaprotex-gp0053-fev-2022-grad-ead-p/wp-
content/uploads/sites/91/2021/11/DecComPraPed-2.docx): documento o�-
cial, de caráter pessoal e intransferível, por meio do qual o aluno faz a so-
licitação e emissão do documento, submetendo-o à assinatura do profes-
sor/supervisor responsável da escola onde ele desenvolve sua Prática
Pedagógica.
Importante: caso você realize a Prática Pedagógica de mais de uma disciplina em uma mesma escola, o
Pedido de Autorização para Prática Pedagógica de Estudante e o Termo de Compromisso para Práticas
Pedagógicas poderão ser únicos. Lembre-se, apenas, de sempre enviá-los nos respectivos Portfólios de ca-
da disciplina.

4. Sistema Avaliativo
As disciplinas com carga horária de Prática Pedagógica terão uma estrutura
avaliativa diferente das demais, com atividades que serão desenvolvidas pre-
sencialmente em ambientes escolares, em etapas que deverão ser cumpridas
de acordo com o cronograma da disciplina.

Além das atividades direcionadas à Prática Pedagógica, a disciplina terá co-


mo instrumentos avaliativos: Fórum de Abertura, Questões Online e Avaliação
Semestral Interdisciplinar (ASI).

No quadro a seguir, veja como está estruturado todo o sistema avaliativo das
disciplinas nessa modalidade:

Valor/pon-
Instrumento Composição Aplicação Ciclo
tos
2 questões re- 2,0
Questões
ferentes a cada (0,40 por ci-
Online SAV Todos
ciclo de apren- clo)
dizagem

     
Fórum de
Interatividade SAV 1º 2,0
Abertura
 
   
   
1ª e 2ª etapas
Portfólio 1 SAV 2º 3,0
da atividade
 

  Prova interdis-
ciplinar objeti-
  va, formada
por 6 questões
NOTA de múltipla es-
1 colha, que con- Aplicada
Avaliação
templam os de modo
Semestral
conteúdos e as online, Todos 3,0
Interdisciplinar
competências com aces-
(ASI)
de todas as so na SAV.
disciplinas do
semestre letivo
em um único
instrumento de
avaliação

Relatório Final
das Práticas
 
Portfólio 2 Pedagógicas    
NOTA
Relatório �nal desenvolvidas SAV 4º 10,00
2
e documenta-
ção comproba-
tória
5. Aprovação/Validação da Prática
A aprovação da Prática Pedagógica estará atrelada ao atendimento dos objeti-
vos propostos. A não realização da atividade proposta gerará dependência da
disciplina.
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Ciclo 1 – Análise Textual

Alexandre Bona�m Felizardo


Anelise Marinelli
Nancy Coutinho Marinelli
Maria Ângela de Freitas Chiachiri

Objetivos
• Veri�car as noções de texto e de discurso.
• Compreender as tipologias textuais e diferenciá-las dos gêneros textu-
ais.
• Conhecer as noções de gênero textual e de gênero discursivo.

Conteúdos
• Noções de texto e discurso.
• O texto escrito e o texto oral.
• Tipos textuais.
• Gêneros discursivos.
• Modos de organização do discurso: descrição, narração e dissertação.

Problematização
Quais são as principais concepções de linguagem? O que é texto? E o que é
discurso? Qual concepção de texto e discurso deve guiar o ensino de Língua
Portuguesa na educação básica? Como trabalhar o texto oral em sala de aula?
O que se entende por tipologia textual? O que são gêneros discursivos?
Gênero textual e gênero discursivo são considerados a mesma coisa ou há di-
ferença, tendo por base o que foi veri�cado por Bakhtin? Quais são os modos
de organização do discurso? Quais são as formas que temos para apreender a
realidade, ou seja, para percebê-la? O que é descrição? O que é narração? O
que é dissertação? E quais são as características de cada um desses tipos de
texto?

Orientações para o estudo


Segundo a BNCC, o componente curricular Língua Portuguesa está estrutura-
do em quatro eixos, oralidade, leitura, produção textual e análise linguística,
sendo o texto, entendido dentro de uma perspectiva enunciativo-discursiva
de linguagem, o ponto de partida para o desenvolvimento das habilidades e
competências estipuladas para cada eixo. No entanto, como devemos enten-
der essa concepção de linguagem e, consequentemente, o texto dentro dela?
Neste ciclo, buscaremos responder a esse questionamento, abordando a
questão dos tipos e gêneros textuais, bem como a questão do texto dentro do
eixo da oralidade.

Bons estudos!

1. Introdução
Temos dito, até aqui, que o texto, dentro de uma perspectiva de linguagem so-
ciointeracional/enunciativo-discursiva, deve ser o ponto de partida para o de-
senvolvimento das habilidades e competências a serem construídas dentro do
eixo da produção textual, da oralidade, da leitura e da análise linguística, se-
gundo a BNCC. No entanto, para re�etirmos sobre o ensino da Língua
Portuguesa e do papel do texto neste contexto, é necessário que pensemos, pri-
meiramente, em que consiste essa concepção de linguagem, bem como que
conheçamos a mudança de perspectiva que tem se operado na concepção de
linguagem em função dos estudos no campo de áreas como a Linguística.

2. Concepções de linguagem, o texto, a fala e a


escrita
Nos tópicos a seguir apresentaremos a você uma rápida retrospectiva sobre a
evolução das perspectivas dos estudos sobre a linguagem para compreender-
mos como se concebe hoje a língua, o sujeito do discurso, o texto e seu sentido,
os aspectos que interferem na interação entre falantes de uma língua, na leitu-
ra e, principalmente, na produção textos.

Assim, traremos os conceitos mais importantes implicados na perspectiva so-


ciointeracional de linguagem, que é a que norteia nossos trabalhos.

Antes disso, gostaríamos de acionar alguns conhecimentos que todos nós te-
mos a respeito da linguagem, por exemplo:

• Alguma vez você já se perguntou se quem não consegue se expressar


bem não conseguiria desenvolver pensamentos mais complexos? Ou seja,
o homem fala o que pensa e, se não fala, não pensa?
• Já ouviu dizer que as palavras constituiriam um grande sistema de sig-
nos, sempre à disposição para nosso acesso, bastando-nos conhecê-las e
a seus signi�cados, para conseguirmos expressar nossos pensamentos?
• Já leu em algum lugar que há uma relação entre pensamento e lingua-
gem e que esta se caracteriza pela interação entre os indivíduos?

Se você respondeu positivamente a essas indagações, isso acontece porque te-


mos vivido os re�exos das três principais concepções de linguagem que, his-
toricamente, revolucionaram o mundo acadêmico nos últimos tempos.

Uma delas, a primeira, crê que a linguagem seria a expressão do pensamento,


e que seu papel seria re�etir o pensamento humano e o seu conhecimento de
mundo. Sob esse ponto de vista, a língua seria como um espelho do pensa-
mento e, sendo assim, acredita-se que o que se pensa se fala. É desse modo de
conceber a linguagem que ocorre a a�rmação que muitas pessoas acolhem co-
mo válida: quem não consegue se expressar não pensa.

Uma segunda concepção, vinculada à teoria da comunicação e ao estrutura-


lismo, entende que a linguagem é um instrumento de comunicação. Nessa
concepção, considera-se a língua como um código, ou seja, um conjunto de
signos que se articulam, com base em regras, para transmitir uma mensagem
a um receptor. Nesse ponto de vista, a principal função da linguagem seria a
transmissão de informações.
A terceira concepção, ligada à corrente de estudos linguísticos centrados na
enunciação e à psicologia vygotskyana de desenvolvimento, concebe a lin-
guagem como uma forma e um lugar de interação, em que um indivíduo age
sobre o outro e estabelece vínculos e acordos que não existiam antes do ato da
linguagem.

É sob essa perspectiva que embasaremos nossos estudos sobre a língua que se
fala e a língua que se escreve, entendendo por linguagem uma atividade hu-
mana, histórica e social em que a língua só se realiza na interlocução entre os
falantes, num jogo em que se procura estabelecer as regras jogando.

Por isso mesmo, a escola transforma-se em um ambiente propício para que a


criança ou o adolescente, por meio da atividade linguística, organize e dê for-
ma às suas experiências e interaja com os outros, buscando sua cooperação
na construção dos signi�cados.

Se o aluno adquire consciência desse seu papel no jogo da linguagem em situ-


ações propostas pela escola, em que ele seja responsável pela produção do tex-
to, ele assumirá o papel de planejador, de organizador e de elaborador, e res-
ponderá pelas eventuais cobranças que lhe �zerem os outros sobre sua coe-
rência, seu sentido.

Você deve estar, agora, se perguntando: como a escola pode fazer isso?

A escola, ao viabilizar oportunidades de os alunos assumirem responsabilida-


de pelo texto e pelo discurso nele veiculado, também favorece o nascimento
do autor, ou seja, a consciência de que ele próprio é responsável pelo que diz.
Ao mesmo tempo, se competem ao autor o planejamento, a preparação e a re-
visão ou adequação do texto, é à escola que está reservada a tarefa de tornar
explícitos para eles os diversos mecanismos com os quais precisam lidar ao
produzir textos, principalmente aqueles referentes ao processo discursivo e
aos textuais.

É por isso que, neste primeiro momento do estudo, focalizaremos com você,
professor, conceitos que norteiam a concepção interacional de linguagem: a
língua, o texto, o sujeito, o sentido; texto e contexto; sistemas de conhecimento
e processamento textual.

3. Concepções de linguagem
Nem sempre a linguagem foi vista com o mesmo olhar que se tem hoje. A se-
gunda metade do século 20 presenciou uma revolução no conceito de lingua-
gem, o que provocou mudanças consideráveis nas práticas escolares. Antes
entendida somente como expressão do pensamento, na década de 1970, a lin-
guagem passou a ser vista também como um instrumento de comunicação,
envolvendo um interlocutor e uma mensagem que precisa ser compreendida.

Com esse olhar, todos os gêneros textuais passaram a ser considerados como
importantes instrumentos de transmissão de mensagens. Sendo assim, na es-
cola, o aluno precisaria aprender as características de cada um deles para
identi�cá-las nos textos lidos e reproduzi-las também na escrita. Foi assim
que o acervo de obras a serem estudadas acabou sendo ampliado, pois os tex-
tos clássicos, por exemplo, não serviam de modelo para a escrita de cartas, de
propagandas ou de manuais de instrução.

Nessa perspectiva, ainda, a língua era vista como um código, e o ato de escre-
ver seria o exercício de combinar palavras e frases para formar um texto. Por
isso, o ensino deveria ter como foco principal as estruturas – os substantivos,
os verbos, os pronomes etc. – que compõem a língua e seus usos corretos. O
produto �nal, ou seja, o texto deveria seguir um padrão preestabelecido, e qual-
quer desvio seria considerado um erro.

As pesquisas acadêmicas, porém, foram avançando até que, a partir da década


de 1980, o Ocidente conheceu, progressivamente, a obra de Mikhail Bakhtin
(1895-1975). Este linguista russo desenvolveu uma nova concepção de lingua-
gem que passou a denominar-se enunciativo-discursiva. Segundo essa pers-
pectiva, o discurso consistiria em uma prática social e uma forma de intera-
ção. Nos estudos mais recentes, é essa a concepção que ainda vigora.

Nesse modo de olhar a linguagem, passam a ter signi�cativa importância a


relação interpessoal, o contexto de produção dos textos, as diferentes situa-
ções de comunicação, os gêneros textuais, a interpretação e a intenção de
quem os produz.

Para Bakhtin, a linguagem só pode ser compreendida a partir do fenômeno da


interação verbal, que constitui, fundamentalmente, a realidade da língua. O
autor pondera que toda e qualquer enunciação se dá guiada pelo contexto so-
cial no qual se estabelece, assim como pelos interlocutores a quem se destina
o discurso. Em suas palavras, Bakhtin (1997, p. 113) pensa que:

[...] a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam com-
pletamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunci-
ação [...]

Ainda de acordo com Bakhtin (1997), a enunciação individual só pode ser con-
cebida enquanto um “fenômeno puramente sociológico”, no qual a linguagem
é consolidada em seu aspecto dialógico, numa relação social e histórica de in-
teração entre os indivíduos.

Esse aspecto dialógico da linguagem, a que se refere Bakhtin (1997), consiste


na observação de que é da natureza da palavra querer ser ouvida, buscar uma
compreensão “responsiva”, pois o autor entende que todo texto produzido visa
atingir de alguma forma seu interlocutor, de maneira que esse retome a comu-
nicação a partir da recepção e compreensão que teve, aceitando-o, recusando-
o, aplicando-o, completando-o ou respondendo a ele de alguma maneira (o que
chama de posição responsiva do ouvinte). De acordo com o autor, para o ho-
mem e, consequentemente, para a palavra, nada é mais desorientador do que a
falta de resposta do outro.

Realmente, se levarmos em conta esse caráter dialógico da linguagem, essa


necessidade de resposta que todos temos quando emitimos uma opinião, um
chamado, um apelo, uma contestação, observaremos que todo texto busca de
certa maneira exercer uma in�uência didática sobre o seu leitor, procura
convencê-lo, despertar uma apreciação crítica em relação ao seu conteúdo.

A linguagem, a partir disso, não foi mais vista como uma representação da re-
alidade, mas como o resultado das intenções de quem a produziu e do impacto
que tem no receptor. O aluno passou a ser visto como sujeito ativo, e não um
reprodutor de modelos, além de também ser visto como atuante – em vez de
ser passivo no momento de ler e escutar.

Ao mesmo tempo, as concepções de aprendizagem socioconstrutivistas, que


tiveram como suporte as ideias de pensadores como Lev Vygotsky (1896-1934)
– que mostrou a importância da interação social e das trocas de saberes entre
as crianças – e Jean Piaget (1896-1980) – pai da teoria construtivista – pas-
sam a considerar o conhecimento como sendo elaborado pelo sujeito, e não só
transmitido pelo mestre.

Já em 1980, Emília Ferreiro e Ana Teberosky apresentam resultados de suas


pesquisas sobre a alfabetização, em livro intitulado Psicogênese da língua es-
crita, mostrando que o aluno, mesmo antes de se alfabetizar, constrói hipóte-
ses sobre a escrita e também aprende ao reorganizar os dados que tem em sua
mente.

Essa concepção de linguagem, chamada sociointeracional, pressupõe sujeitos


ativos que interagem com ações linguísticas, cognitivas e sociais, de maneira
dialógica, com o texto, com o contexto e com a língua (KOCH, 2006). Segundo a
autora, os textos, como forma de cognição social, permitem ao homem organi-
zar o mundo, produzir, preservar e transmitir o saber.

Por isso, hoje os alunos desde pequenos são incentivados à leitura e à escrita,
mesmo sem saberem ler e escrever convencionalmente, a �m de desenvolve-
rem habilidades leitoras e escritoras. Sendo assim, permeiam a sala de aula
atividades de leitura e de escrita pelo professor e pelos próprios alunos, práti-
cas de comunicação oral em que aprendem as características próprias de cada
gênero discursivo e atividades de análise e re�exões sobre a língua.

Até aqui, pudemos perceber que as práticas pedagógicas mudam conforme a


concepção que se tem de linguagem, de língua, de sujeito do discurso, de texto
e de como se produz o sentido dos textos orais ou escritos que circulam na so-
ciedade.

Para pensarmos em metodologias de ensino da leitura e da produção de textos


no contexto escolar, é preciso que tenhamos claros esses conceitos, de acordo
com a concepção sociointeracional de linguagem, que embasa os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e que adotamos nesta disciplina, conceitos que
passaremos a apresentar no próximo tópico.

4. A língua, o sujeito, o texto, o sentido


Os conceitos anteriores serão abordados a partir dos estudos de Ingedore Koch
(2006) e suas coautorias (KOCH; ELIAS, 2006 e 2010) por ser uma autora que, ao
mesmo tempo em que coloca suas convicções teóricas sobre a concepção so-
ciointeracional de linguagem, respaldada por outros pensadores, volta seu
olhar também para a prática pedagógica.

Concepção de língua e de sujeito do discurso


Na concepção sociointeracional de linguagem, a língua é concebida como um
lugar de interação entre falantes, em que se destaca o caráter ativo desses su-
jeitos na produção da interação e do social. Isso porque os sujeitos produzem e
reproduzem os modos de pensar e de agir aceitos socialmente, na medida em
que participam ativamente da situação na qual se acham engajados e são ato-
res na atualização das imagens e das representações que determinam a co-
municação (KOCH, 2006).

É preciso, portanto, manter um equilíbrio entre sujeito e sistema, entre a socia-


lização e a produção do social, pois tudo passa pelo sujeito.

Concepção de texto e de sentido


Na concepção sociointeracional de língua, os sujeitos são vistos como cons-
trutores sociais; o texto é compreendido como o próprio lugar da interação; os
interlocutores são considerados  sujeitos ativos que se constroem e são cons-
truídos no texto (KOCH, 2006).

Assim, a compreensão de um texto não é uma simples captação ou decodi�ca-


ção de uma mensagem codi�cada por um emissor. Segundo Koch (2006, p. 17),
Ela [a compreensão] é uma atividade interativa altamente complexa de produção
de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos
presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer um
vasto conjunto de saberes (enciclopédia) e sua reconstrução deste no interior do
evento comunicativo.

Nessa perspectiva, o sentido de um texto não existe antes da interação entre o


texto e os sujeitos. Tanto o falante/ escritor quanto o ouvinte/ leitor agem na
construção desse sentido. O ouvinte/ leitor, ao se deparar com o texto, buscará
ativar todos os conhecimentos prévios disponíveis em sua memória para
interpretá-lo. Todos esses conhecimentos formam o contexto de cada interlo-
cutor, que é modi�cado a cada nova interação, formando novos contextos.

Sendo assim, fazem parte da interação:

• O produtor/ planejador do texto: é aquele que organiza o que quer dizer


por meio de uma série de estratégias de organização textual e orienta o
interlocutor, por meio de sinalizações textuais, para a construção dos
(possíveis) sentidos.
• O texto: é o documento organizado pelas escolhas feitas pelo produtor en-
tre as diversas possibilidades que a língua lhe oferece; por isso, ele, o pro-
dutor, estabelece limites quanto às leituras possíveis.
• O leitor/ ouvinte: é aquele que vai construir o sentido a partir do modo co-
mo o texto se encontra linguisticamente construído, das sinalizações que
lhe oferece, e pela mobilização do contexto importante para a compreen-
são (KOCH, 2006).

5. Texto e contexto
O sentido do termo contexto varia não só no decorrer do tempo, mas conforme
a concepção de um autor e outro, em que toma várias especi�cações como
“contexto de situação”, “contexto de cultura”, “contexto social”, “contexto socio-
cognitivo” etc. Apresentar uma de�nição única e precisa para o termo �ca
quase impossível.

Há, porém, uma distinção importante entre contexto de produção do texto


(circunstâncias que envolvem o momento da escrita) e contexto de uso (cir-
cunstâncias que envolvem o momento da leitura). Na interação face a face,
eles coincidem, mas no caso da escrita, não. Nela, o mais importante é o con-
texto de uso (KOCH, 2006).

Isso signi�ca dizer que, depois de escrito, o texto tem uma existência autôno-
ma em relação ao autor. Entre a produção do texto escrito (circunstâncias que
envolvem o momento da escrita) e sua leitura (circunstâncias que envolvem o
momento da leitura), pode se passar muito tempo, e as circunstâncias da es-
crita podem ser muito diferentes das circunstâncias da leitura, fato que inter-
fere na produção de sentido.

Numa situação de interlocução, o locutor procura, por meio de estratégias de


“sinalização textual”, levar seu interlocutor a recorrer ao contexto sociocogni-
tivo (situação comunicativa, scripts sociais, conhecimentos intertextuais) e
estabelecer relações entre informações explícitas e conhecimentos pressu-
postos ou compartilhados entre eles.

Ao analisar o contexto, devemos levar em consideração o cenário, o entorno


sociocultural, a linguagem usada e os conhecimentos prévios dos interlocuto-
res.

O que mais nos interessa é o contexto sociocognitivo. Sabemos que, para que
duas ou mais pessoas possam se compreender reciprocamente, é preciso que
seus contextos cognitivos sejam pelo menos parcialmente semelhantes. Cada
um dos interlocutores traz sua bagagem cognitiva, que já é um contexto. Esse
contexto é alterado e ampliado a cada momento da interação, obrigando os
parceiros a se ajustarem aos novos contextos que vão surgindo sucessivamen-
te. O contexto cognitivo, de acordo com Koch (2006, p. 24), engloba todos os ti-
pos de conhecimento arquivados na memória dos interlocutores e mobiliza-
dos no momento da interação verbal:
[...] o conhecimento lingüístico propriamente dito, o conhecimento enciclopédico,
quer declarativo, quer episódico, o conhecimento da situação comunicativa e de su-
as regras (situcionalidade), o conhecimento superestrutural (tipos textuais), o co-
nhecimento estilístico (registros, variedades de língua e sua adequação), o conheci-
mento sobre os variados gêneros adequados às diversas práticas sociais, bem como
o conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade).

Para mobilizar esses conhecimentos no momento do processamento textual


(oral ou escrito), o produtor do texto, segundo Koch (2006, p. 24), usa de três es-
tratégias:

Cognitivas: inferências, focalização, a busca da relevância;

Sociointeracionais: preservação das faces, polidez, atenuação, atribuição de causas


a mal entendidos, etc.;

Textuais: conjunto de decisões concernentes à textualização, feitas pelo produtor


do texto, tendo em vista seu “projeto de dizer” (pistas, marcas, sinalizações).

O contexto completa, modi�ca e justi�ca a análise dos textos. Não apreende-


mos o discurso que circula implicitamente neles, sem considerar fatores ex-
ternos à língua, alguma coisa do seu exterior, para entender o que nela é dito, o
que, por si só, seria insu�ciente.

Sistemas de conhecimento e processamento textual


Tanto na atividade de leitura como na de escrita, colocamos em ação várias
estratégias sociocognitivas com vistas à produção de sentidos. Essas estraté-
gias, por meio das quais se realiza o processamento textual, mobilizam vários
tipos de conhecimentos que temos armazenados na memória: “o lingüístico, o
enciclopédico e o interacional” (KOCH, 2006, p. 48):

• O conhecimento linguístico compreende o conhecimento gramatical e o


lexical, sendo o responsável pela articulação som-sentido;
• O conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo é aquele que
se encontra armazenado na memória de longo tempo, também denomi-
nada semântica ou social;
• O conhecimento sociointeracional é o conhecimento sobre as ações ver-
bais, isto é, sobre as formas de inter-ação por meio da linguagem.

Conhecimento linguístico
O conhecimento linguístico abrange o conhecimento da ortogra�a, da gramá-
tica e do léxico da língua. Na leitura, podemos compreender a organização das
palavras na superfície do texto, o uso de formas de coesão que remetem a ou-
tras palavras ou para indicar a sequenciação das partes do texto, além da sele-
ção lexical adequada ao tema de que trata. Na escrita, obedecer às normas or-
tográ�cas é um recurso que contribui para a construção de uma imagem posi-
tiva daquele que escreve porque demonstra, além de uma atitude colaborativa
do escritor no sentido de evitar problemas no plano da comunicação, a aten-
ção e consideração dispensadas ao leitor.

A pontuação, por exemplo, é um dos aspectos que, além da função de marcar


contornos entonacionais e deslocamentos sintáticos, pode adquirir uma fun-
ção “textual-discursiva” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 39).

O texto que compõe uma propaganda da Associação Brasileira de Imprensa


(ABI), em 2008, pelos seus 100 anos de existência (apud KOCH; ELIAS, 2010, p.
40) não poderia provocar humor se os leitores não compartilhassem desses
conhecimentos gramaticais. Leia:

Vírgula – Campanha dos 100 anos da ABI

A VÍRGULA
A vírgula pode ser uma pausa... ou não.
NÃO, ESPERE.
NÃO ESPERE.

A vírgula pode criar heróis.


ISSO SÓ, ELE RESOLVE.
ISSO SÓ ELE RESOLVE.

Ela pode forçar o que você não quer


ACEITO, OBRIGADO.
ACEITO OBRIGADO.

Pode acusar a pessoa errada


ESSE, JUIZ, É CORRUPTO.
ESSE JUIZ É CORRUPTO.

A vírgula pode mudar uma opinião.


NÃO QUERO LER.
NÃO, QUERO LER.

UMA VÍRGULA MUDA TUDO.


ABI. 100 ANOS LUTANDO PARA
QUE NINGUÉM MUDE UMA
VÍRGULA DA SUA INFORMAÇÃO.

(ABI, 2012)

Como você pode ver, realmente, a colocação de uma vírgula é capaz de mudar
completamente o sentido de um texto e será o contexto que determinará qual
a opção de uso do produtor para produzir o efeito de sentido pretendido.

Conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo


O conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo refere-se a conhe-
cimentos gerais sobre o mundo, a “uma espécie de thesaurus mental”, segun-
do Koch e Elias (2006, p. 42), assim como a conhecimentos alusivos a vivênci-
as pessoais e eventos situados espacial e temporalmente. É como se tivésse-
mos uma enciclopédia em nossa mente, constituída de forma personalizada,
com base em conhecimentos de que ouvimos falar ou que lemos, ou que ad-
quirimos em experiências e vivências variadas. Ao lermos um texto, construí-
mos seu sentido com base em nossos valores sociais, nossos conhecimentos
de mundo e nossas experiências de vida.

Conhecimentos interacionais
O processo de escrita de textos demanda ativação de modelos cognitivos que o
produtor possui sobre práticas interacionais diversas, histórica e culturalmen-
te constituídas. Segundo Koch e Elias (2010, p. 44-48), respectivamente 1 (p.
44), 2 (p. 46), 3 e 4 (p. 47) e 5 (p. 48), é baseado em conhecimentos interacionais
que o produtor:

1. con�gura na escrita a sua intenção, possibilitando ao leitor reconhecer o ob-


jetivo ou propósito pretendido no quadro interacional desenhado;
2. determina a quantidade de informação necessária, numa situação comunica-
tiva concreta, para que o leitor seja capaz de reconstruir o objetivo da produ-
ção do texto;
3. seleciona a variante linguística adequada à situação de interação;
4. faz a adequação do gênero textual à situação comunicativa;
5. assegura a compreensão da escrita para conseguir a aceitação do leitor quan-
to ao objetivo desejado, utilizando-se de vários tipos de ações linguísticas
con�guradas no texto, por meio da introdução de sinais de articulação ou
apoios textuais, atividades de formulação ou construção textual.

São esses conhecimentos interacionais que garantem a interação (as ações


verbais) pela linguagem, permitindo:

1. reconhecer os objetivos e propósitos que um falante, em uma dada situa-


ção, pretende atingir;
2. medir a quantidade de informação necessária para a compreensão do
parceiro, assim como a variante linguística adequada a cada contexto;
3. evitar perturbações previsíveis na comunicação;
4. reconhecer textos como exemplares de determinado gênero ou tipo textu-
al.

Para cada um desses sistemas de conhecimento corresponde um conheci-


mento especí�co sobre como colocá-lo em prática no momento do processa-
mento textual, como se fosse um sistema de controle. Esse conhecimento
concretiza-se por meio de estratégias de uso do conhecimento: de ordem cog-
nitiva, sociointeracional e textual (KOCH, 2006).

Estratégias de processamento textual


As estratégias cognitivas, em sentido estrito, são aquelas que consistem na
execução de algum “cálculo mental” por parte dos interlocutores para compre-
ender as informações explícitas ou implícitas e fazer inferências, levando em
consideração o contexto, além de ter a função de permitir ou facilitar o proces-
samento textual, na produção ou na compreensão. Elas dependem dos objeti-
vos do leitor/ ouvinte, dos conhecimentos disponíveis a partir do texto e do
contexto, de suas crenças e opiniões, o que possibilita a reconstrução não só
do sentido intencionado pelo autor do texto, como também de outros sentidos,
não previstos ou não desejados por esse autor, na ocasião da interpretação
(KOCH, 2006).

As estratégias interacionais visam a fazer que os jogos de linguagem trans-


corram sem problemas, evitando o fracasso da interação. São estratégias soci-
oculturalmente determinadas que visam estabelecer e levar a bom termo uma
interação verbal. Entre elas estão as estratégias de preservação de faces (fa-
cework) e/ ou de representação positiva do self, que envolvem o uso das for-
mas de atenuação, as estratégias de polidez, de negociação, de atribuição de
causas aos mal-entendidos etc. (KOCH, 2006).

As estratégias textuais, que não deixam de ser interacionais e cognitivas, di-


zem respeito às escolhas e às formas de organizar os elementos linguísticos
dos textos pelos interlocutores, tendo em vista a produção de determinados
sentidos (KOCH, 2006).

De acordo com Koch (2006, p. 17), na concepção sociointeracional de texto,


subjaz a ideia de que há, em todo texto, “uma grande gama de implícitos, dos
mais variados tipos, só detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o con-
texto sociocognitivo dos participantes da interação”.

Isso implica observar que o produtor do texto, ao se comunicar, levanta a hipó-


tese de que o seu interlocutor (leitor ou ouvinte) partilha dos mesmos conheci-
mentos culturais, situacionais, enciclopédicos e textuais e, dessa forma, ele
não necessitaria de mencionar algumas informações que poderiam ser consi-
deradas redundantes.

Assim, o produtor do texto procede a um "balanceamento" do que deve ser ex-


plicitado textualmente e do que pode permanecer implícito por ser recuperá-
vel pelo leitor/ouvinte por inferenciação.  A esse respeito, Koch (2006, p. 30)
pondera que:
[...] visto que não existem textos totalmente explícitos, o produtor de um texto ne-
cessita proceder ao "balanceamento" do que necessita ser explicitado textualmente
e do que pode permanecer implícito, por ser recuperável via inferenciação.

O leitor ou ouvinte, por sua vez, por não esperar textos totalmente explícitos,
mas dotados de sentido, procura, a partir da informação dada, construir uma
representação coerente de sentido ativando seus conhecimentos de mundo e
outros que lhe permitem estabelecer relações de causalidade, temporalidade e
outras.

Na verdade, segundo a autora, esse é o grande segredo do locutor competente,


porque ele põe em funcionamento todos os componentes e estratégias cogniti-
vas que tem à disposição para dar ao texto uma interpretação adequada.

Nesse sentido, para essa atividade sociointeracional, em que tanto o produtor


do texto apresenta um “projeto de dizer” como o interpretador (leitor ou ouvin-
te) participa ativamente na construção do sentido a partir de pistas e sinaliza-
ções, podemos chamá-los de “estrategistas” no “jogo da linguagem” com o in-
tuito de produzir sentido (KOCH, 2006).

6. Fala e escrita
Por tudo que já vimos, podemos depreender que fala e escrita são duas moda-
lidades da língua, mas que, apesar de fazer uso do mesmo sistema linguístico,
cada uma delas apresenta características peculiares.

Tanto o texto falado como o escrito caracterizam-se como eventos sociocomu-


nicativos e são resultados de uma coprodução entre os interlocutores. O que os
diferencia é a forma como se dá essa coprodução. Segundo Koch e Elias (2010,
p. 13):

O texto é um evento sociocomunicativo, que ganha existência dentro de um proces-


so interacional. Todo texto é resultado de uma coprodução entre interlocutores: o
que distingue o texto escrito do falado é a forma como tal coprodução se realiza.
No texto escrito, em função do distanciamento entre escritor e leitor, não há
participação direta e ativa do leitor na elaboração linguística do texto, a copro-
dução acontece na medida em que o escritor considera para quem ele escreve,
o leitor. A esse respeito, Koch e Elias (2010, p. 13) especi�cam:

Nele [o texto escrito], a dialogicidade constitui-se numa relação ‘ideal’, em que o es-
critor leva em conta a perspectiva do leitor, ou seja, dialoga com determinado (tipo
de) leitor, cujas respostas e reações ele prevê.

No caso do texto escrito, porque escritor e leitor normalmente não se encon-


tram presentes no mesmo espaço e no mesmo tempo, o produtor do texto tem
mais tempo para o planejamento, a execução mais atenta do texto e a revisão.

No texto falado, por estarem os interlocutores presentes ao mesmo tempo,


acontece uma interlocução ativa que desencadeia um processo de coautoria,
em cujo texto se re�etirão as marcas dessa produção verbal conjunta.

Embora suas peculiaridades, fala e escrita não devem ser vistas de forma es-
tanque; a escrita formal e a conversação espontânea situam-se ao longo de
um contínuo em que cada uma ocupa uma extremidade. Conforme Marcuschi
(2001 apud KOCH; ELIAS, 2010, p. 14),

As diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práti-
cas sociais e não na relação dicotômica de dois polos opostos.

Pelo exposto até aqui, podemos observar que uma manifestação verbal estará
estabelecida somente quando for construído um sentido para o texto, em um
determinado contexto associado às imagens recíprocas dos interlocutores e
ao tipo de atividade em curso. Depreendemos disso que um texto se constitui
como tal quando os parceiros de uma atividade comunicativa mobilizam uma
complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e inte-
racional e empreendem estratégias que os levam a construir um sentido para
o texto dentro de um dado contexto.
7. Gêneros do discurso
Em cada esfera de circulação social, as pessoas usam formas especí�cas de
enunciados para se comunicarem, os quais se organizam em gêneros discur-
sivos. Na esfera cotidiana, a comunicação se dá, por exemplo, com a conversa
familiar, o bilhete; na esfera jornalística, com a notícia, a reportagem, a crôni-
ca; na literária, com o conto, o romance, o poema etc.

Um enunciado considerado isoladamente é individual, mas cada esfera de uti-


lização da língua, ou seja, cada esfera de atividade das pessoas elabora seus ti-
pos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que Bakhtin (1997, p.
279) denomina de “gêneros do discurso”.

Podemos compreender que, em cada esfera de atividade humana, em função


de seus objetivos, interesses e questões especí�cas, as pessoas, como produtos
da atividade discursiva, elaboram diferentes textos, orais ou escritos, com ca-
racterísticas relativamente estáveis. Essas formas de se comunicar vão �can-
do disponíveis para os contemporâneos, que se apropriam delas como mode-
los e as transmitem às gerações posteriores.

Por exemplo, quando queremos nos comunicar com um parente que está dis-
tante, escrevemos uma carta familiar que, com certeza, falará da saudade por
causa da ausência da outra pessoa etc. e se organizará como todas as outras
cartas, com a data, a saudação, o corpo da mensagem, a despedida e a assina-
tura do emissor. O estilo, por ser uma carta familiar, não será formal, mas na
língua padrão, podendo surgir expressões da linguagem cotidiana. Falamos
aqui de um gênero (carta familiar) por apresentar enunciados parecidos com
os de todas as outras cartas familiares.

As cartas comerciais, porém, mesmo apresentando a mesma forma composi-


cional (data, saudação, corpo da mensagem, despedida, assinatura), apresen-
tarão outro tipo de enunciado, pois sua temática será outra, o objetivo do emis-
sor será outro, os interlocutores serão de outra esfera social. Por isso é que di-
zemos que os gêneros se caracterizam por tipos “relativamente” estáveis de
enunciados. Outro motivo é que essas características que se repetem até se
constituírem em um gênero podem sofrer mudanças conforme mudam os in-
teresses da sociedade, suas formas de convívio etc.

O e-mail é um bom exemplo disso. Gênero discursivo que surgiu com as possi-
bilidades da tecnologia da internet com a mesma �nalidade de estabelecer
contato entre pessoas distantes, mas, por causa das condições diferentes de
produção dos textos (tempo, lugar, veículo de comunicação, per�l do interlocu-
tor etc.), desenvolveu características diferentes da carta, transformando-se em
outro gênero.

Como você pode constatar, para que consigamos nos comunicar, usamos for-
mas enunciativas mais ou menos conhecidas e compartilhadas dentro de
uma esfera social especí�ca, já internalizadas por outros usuários da língua,
capazes de viabilizar a comunicação, como, por exemplo, o currículo, o poema,
a receita, a notícia, o artigo de opinião, a bula de remédio, o manual de instru-
ções e tantos outros, que são gêneros do discurso.

No decorrer da disciplina trataremos mais especi�camente das característi-


cas de alguns gêneros que circulam socialmente e na escola, do ponto de vista
de sua produção e ensino.

Para aprofundar seus estudos em relação ao texto oral, você deve ler, também, na Parte 1 – Oralidade, os
subtópicos:  Re�exões sobre oralidade e escrita no ensino de língua portuguesa  e  O ingresso do texto oral
em sala de aula, da obra Ensino de Língua Portuguesa: oralidade, escrita e leitura, de Elias (2011), disponí-
vel na Biblioteca Virtual Pearson.

Para re�etir um pouco mais sobre a língua falada e a língua escrita, sugeri-
mos, também que, a seguir, assista ao vídeo: “Fala e escrita – parte 2”, no qual
os professores Drs. Luiz Antônio Marcuschi e Ângela Dionísio dialogam e re-
�etem sobre as características da fala e da escrita.
8. A produção de textos e os tipos e gêneros
textuais
Depois de ter estudado a concepção sociointeracional de linguagem e o lugar
do texto escrito e oral dentro dela, passaremos, então, em um primeiro mo-
mento, a conceituar os gêneros discursivos (ou textuais) e os tipos textuais,
diferenciando-os.

Em um segundo momento, já com os conceitos de tipos e gêneros textuais


bastante claros, vamos tratar do ensino de língua portuguesa por meio de gê-
neros e tipologias, analisando uma proposta metodológica de trabalho para o
ensino de produção de textos, a sequência didática, com base em gêneros tex-
tuais.

Quando você escreve uma mensagem a um familiar, você faz uma narração,
um relato ou uma carta? Quando você vai ao supermercado, você faz uma des-
crição do que vai comprar ou faz uma lista de compras? Quando você escreve
para a coluna “Opinião” do jornal para dar sua posição sobre uma questão po-
lêmica, você escreve uma dissertação ou uma carta do leitor?

Esses questionamentos nos levam a perceber que, na escola, sempre aprende-


mos narração, descrição e dissertação. Mas, na vida prática, escrevemos car-
tas, receitas, contos, notícias, curriculum e outros gêneros discursivos (ou tex-
tuais).

Muitas vezes, aprendemos a escrever de tanto escrever “narrações à vista de


uma gravura” e outras, sem saber por que às vezes a professora pedia uma
narrativa; noutras vezes, uma descrição; no ensino médio, uma dissertação.

Hoje, os estudos da linguagem delimitaram, na medida do possível, as carac-


terísticas que fazem um texto pertencer a um dado gênero por suas caracterís-
ticas temáticas, composicionais e estilísticas. E nesse caso, encontramos uma
in�nidade de gêneros impossível até de classi�car. Por outro lado, conferiram
os estudiosos que são poucas as tipologias textuais, ou seja, características co-
muns nas sequências frasais dos gêneros que podem pertencer a um dado
agrupamento, a saber, as narrativas, as descritivas, as expositivas (ou explica-
tivas), as injuntivas (ou instrucionais) e as argumentativas.

Nesse momento, veremos qual o caminho para ensinarmos nossos alunos a


produzirem textos, sabendo: como se con�gura o gênero no qual pretende
escrevê-los; quais as sequências frasais vão preponderar no seu todo; em qual
esfera de atuação ele pretende fazê-los circular; quais os organizadores textu-
ais ele deverá usar para conseguir os efeitos que pretende e outros tantos as-
pectos.

Para isso, veremos mais detalhadamente quais são as diferenças entre gêne-
ros e tipologias textuais, tomaremos conhecimento de uma proposta metodo-
lógica de trabalho para o ensino de produção de textos – a sequência didática
– e veremos um exemplo de como colocar em prática essa proposta.
Pensaremos também nos elementos de textualização para ensinar com pro-
priedade como se constroem os textos.

9. Os gêneros primários e os gêneros secundá-


rios
Para que possamos introduzir a noção de “tipologia textual”, é importante que
revisemos o que aprendemos sobre gêneros discursivos (ou textuais).

Vimos que, com base nos estudos de Bakhtin (1997), os gêneros são formas de
enunciados produzidas historicamente, que se encontram disponíveis em
nossa cultura. Entre uma grande variedade deles, podemos encontrar a notí-
cia, a reportagem, o artigo de opinião, o artigo cientí�co, o romance, o conto (li-
terário, popular ou maravilhoso; de fadas ou aventuras), a fábula, a crônica, o
anúncio, a receita culinária, a receita médica, a tese, a monogra�a, o cordel, o
poema, o repente, o relatório, o seminário, a palestra, a conferência, o verbete, a
parlenda, a adivinha, a cantiga, o pan�eto, o sermão e outros.

Se tivéssemos de criar toda vez uma forma de dizer algo a alguém, seria quase
impossível a comunicação. Por isso, os falantes da língua buscam formas já
existentes na cultura, como, por exemplo, o modo de se cumprimentar, de fa-
zer uma ligação telefônica ou de atendê-la, o modo de iniciar uma carta, uma
aula, uma história etc. É, portanto, por meio da estabilidade relativa dos gêne-
ros do discurso que fazemos economia ao estruturar nossas formas de comu-
nicação.

Essa estabilidade “relativa” a que Bakhtin (1997) se refere signi�ca que os gê-
neros do discurso se modi�cam para atender às necessidades da sociedade e,
por isso, sofrem constantes atualizações ou transformações: daí a relatividade
dessa estabilidade das características composicionais, temáticas e estilísticas.
Segundo Bakhtin (1997, p. 301):

Aprender a falar é aprender a estruturar enunciados, e os gêneros do discurso, por


sua vez, organizam nossa fala, assim como organizam as formas gramaticais (sin-
táticas). Isso signi�ca dizer que, para falar, utilizamo-nos dos gêneros do discurso,
ou seja, de enunciados que dispõem de uma forma padronizada e relativamente es-
tável de estruturação.

Gêneros primários e gêneros secundários


Para Bakhtin (1997), é importante levar em consideração a diferença essencial
existente entre o gênero do discurso primário (simples) e o gênero do discurso
secundário (complexo – o romance, o teatro, o discurso cientí�co, o discurso
ideológico etc.), esse último, que aparece em circunstância de uma comunica-
ção cultural mais complexa e relativamente mais evoluída, especialmente es-
crita (artística, cientí�ca, sociopolítica).

Gêneros primários
Gêneros primários são aqueles que surgem nas situações de comunicação ver-
bal espontânea e menos elaborada (oral ou escrita). Podemos chamá-los de
gêneros que são empregados nos nossos enunciados da vida cotidiana, como
na linguagem oral, nos diálogos em família, nas reuniões de amigos, nos pe-
quenos registros etc.

Assim, eles podem se con�gurar em um pequeno diálogo, uma carta, um bi-


lhete, um relato familiar, uma ordem, declarações públicas, conversas telefôni-
cas etc.
Gêneros secundários
Os gêneros secundários são os gêneros mais complexos que aparecem em si-
tuações de comunicação culturalmente mais complexas e relativamente mais
evoluídas, principalmente escritas (artística, cientí�ca, sociopolítica). Isso não
signi�ca que os gêneros primários sejam somente orais e os secundários se-
jam estritamente escritos.

Eles podem absorver e modi�car os gêneros primários. Um romance pode ab-


sorver em seu discurso tanto uma carta como um bilhete ou qualquer outro
gênero simples, quando, por exemplo, uma personagem escreve uma carta,
dentro da narrativa.

Ao inserirmos qualquer um dos gêneros simples em um romance, eles se des-


vinculam da realidade comunicativa imediata e podem ser interpretados so-
mente diante do conteúdo total do romance. Podemos citar como gêneros
complexos o romance, uma peça teatral, o discurso cientí�co, o discurso ideo-
lógico e outros.

É importante observarmos que há uma inter-relação entre os gêneros primári-


os e secundários, além de haver todo um histórico na formação dos gêneros
secundários. Isso porque os gêneros arranjam os conhecimentos dos falantes
da língua de um determinado modo, conforme os interesses e propósitos das
pessoas em uma certa esfera de atuação.

É sabido que grupos sociais diferentes têm interesses e valores diferentes e vi-
venciam situações sociais de modos diversos. Um esportista, com certeza,
lançará mão de temáticas e formas de dizer diferentes de um jurista e de um
professor, pois todos eles, embora convivendo socialmente, cultivam os inte-
resses de sua esfera pro�ssional e necessitam de interagir por meio de gêne-
ros diferentes.

Vimos que é função da escola apresentar e trabalhar com o maior número de


gêneros possível que circula na sociedade para que os alunos desenvolvam as
competências leitora e escritora. Mas é importante saber que não encontrare-
mos no cotidiano, circulando, as formas tradicionais que se aprende na escola
– narração, descrição, dissertação – e sim notícias, artigos de opinião, recei-
tas, curriculum, entrevistas, artigos cientí�cos, letras de músicas e outros gê-
neros.

Por isso é que o próximo tópico tratará das diferenças entre gêneros e tipos
textuais.

10. Aspectos tipológicos do discurso escrito


Gêneros ou tipos de textos?
Temos presenciado situações em que tanto alunos como professores referem-
se indiscriminadamente a textos que denominam ora de narração, ora de con-
to; ora de descrição, ora de manual de instrução; também chamam de disser-
tação um artigo de “Opinião” no jornal. Geralmente, no ensino médio, os pro-
fessores solicitam uma “dissertação” ou um “texto dissertativo-
argumentativo” quando querem que o aluno coloque sua opinião sobre algum
assunto. Na verdade, estão se referindo à tipologia dos textos. Em todo gênero
há tipo(s). Esse é um aspecto terminológico que implica certas considerações
teóricas que faremos a seguir.

Algumas considerações sobre gêneros e tipos textuais


A distinção entre gêneros discursivos (ou textuais) e tipos textuais é signi�-
cativa para quem trabalha com a compreensão e a produção textual. Os gêne-
ros caracterizam-se pelo tema, composição e estilo; os tipos caracterizam-se
pelas sequências frasais. Para esclarecer essa questão, recorremos a
Marcuschi (2003, p. 22), que tece considerações pontuais a respeito:
1. Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção
teórica de�nida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexi-
cais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais
abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, ar-
gumentação, exposição, descrição, injunção.
2. Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga
para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e
que apresentam características sócio-comunicativas de�nidas por conteúdos,
propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textu-
ais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gê-
neros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, ro-
mance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomí-
nio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de
compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito polici-
al, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência,
carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante.

É importante dizer que Marcuschi (2003, p. 22) se baseou em Swales (1990),


Adam, (1990) e Bronckart (1999) para a�rmar que “em geral, os tipos textuais
abrangem as categorias narração, argumentação, exposição, descrição e in-
junção”.

Pelo que vimos, quando se nomeia um certo texto como “narrativo”, “descriti-
vo” ou “argumentativo”, segundo Marcuschi (2003, p. 27), “não se está nomean-
do o gênero e sim o predomínio de um tipo de sequência de base”.

Muitas vezes, a expressão “tipo de texto” é usada erroneamente para designar


o que é um gênero textual. Marcuschi (2003, p. 25) observa, ao se tratar de um
gênero textual, que:

Quando alguém diz, por exemplo, a carta pessoal é um tipo de texto informal, ele
não está empregando o termo “tipo de texto” de maneira correta [...]

Por outro lado, esse mesmo autor destaca que (MARCUSCHI, 2003, p. 25):

[...] em todos os gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer
que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipolo-
gicamente variado (heterogêneo).
O autor ilustra essa a�rmação com um exemplo bem elucidativo ao referir-se
à carta pessoal (MARCUSCHI, 2003, p. 25):

[...] que pode conter uma sequência narrativa (conta uma historinha), uma argu-
mentação (argumenta em função de algo), uma descrição (descreve uma situação)
e assim por diante.

Veja relatos de professores (cada parágrafo, um professor) participantes de


projetos de pesquisa de iniciação cientí�ca que já internalizaram esses con-
ceitos e perceberam as diferenças entre gêneros e tipologias textuais, de acor-
do com Hila (2012, p. 6):

Cotidianamente a distinção entre gênero e tipologia é bastante simples. Diante de


uma pergunta “O que você está lendo?” ninguém a�rmaria “estou lendo uma narra-
ção”, mas “estou lendo um romance, um artigo, etc.”. Da mesma forma se nos per-
guntam “O que você está assistindo?”, não responderíamos “estou assistindo uma
dissertação”, mas “um jornal, uma novela”. Fica claro, então, que os tipos são �nitos,
limitados, enquanto os gêneros in�nitos, pois como construtos históricos são “rela-
tivamente estáveis”, conforme assevera Bakhtin (1992). Os gêneros são assim dinâ-
micos, �uidos, enquanto os tipos são estáticos. Podemos a�rmar que um gênero co-
mo um editorial, por exemplo, pode ser composto por diferentes tipologias (...)

Os gêneros textuais são entidades “relativamente estáveis” (Bakhtin, 1992) presen-


tes nas mais variadas esferas de comunicação. Por exemplo, na esfera jornalística,
temos o editorial, o artigo de opinião, a reportagem, etc. Os gêneros são caracteriza-
dos por seu tema, seu estilo e sua estrutura composicional e, sendo construtos
sócio-históricos, têm uma dinamicidade própria. São ferramentas no sentido do su-
jeito se apropriar delas para interagir nas mais variadas situações de interação. Daí
podermos a�rmar sua importância para a inserção do sujeito em sociedade. Já os
tipos são protótipos textuais, com categorias próprias (descrição, narração, disser-
tação) limitados e �nitos. Não traduzem situações de comunicação reais, por isso
são arti�ciais. Devem ser vistos como partes, componentes textuais a con�gurarem
os gêneros.

Segundo a autora do artigo cientí�co em questão (HILA, 2012, p. 6), os dois


exemplos “denotam a apropriação dos alunos dos conceitos em questão”. Nos
dois casos, a pesquisadora, ao sondar como os alunos do curso de Letras havi-
am se apropriado desse conhecimento, percebeu que os dois foram, desde o
segundo ano, alunos que participaram de projetos de iniciação cientí�ca e de
pesquisa, o que, certamente, explica a desenvoltura com a própria escrita no
diário, bem como a internalização dos conceitos.

O que pensam os autores sobre o trabalho com os gêneros


e a tipologia textual
Saber diferençar o que caracteriza o gênero textual e o que caracteriza o tipo
textual, para o professor, é um fator importante para a condução do trabalho
de leitura e produção em sala de aula.

Alguns autores, como Marcuschi (2003), entendem que o trabalho em sala de


aula deve pautar-se pela análise dos gêneros; outros, como Travaglia (2007),
pautam seus estudos na análise da tipologia textual.

Para Marcuschi (2003), o trabalho somente com a tipologia �caria limitado,


pois para ele é impossível ensinar narrativa em geral, porque, embora vários
textos possam ser classi�cados como narrativos, por exemplo, eles se concre-
tizam em formas diferentes, em gêneros, que apresentam cada um suas carac-
terísticas especí�cas.

Para Travaglia (2007), os textos são de diferentes tipos e se instauram devido à


existência de diferentes modos de interação ou interlocução. Para cada tipo de
interação, um determinado tipo de texto será mais apropriado. Para o autor,
deixar o aluno restrito a apenas alguns tipos de texto é fazer que ele só tenha
recursos para atuar comunicativamente em alguns casos, tornando-se inca-
paz, ou pouco capaz, em outros.

Silva (2010) faz um contraponto entre os estudos desses dois autores e observa
pontos de vista diferentes, embora complementares, sobre gêneros e tipos tex-
tuais. Observe os pontos mais importantes sobre o assunto nos próximos pará-
grafos.

Marcuschi (2003) usa o conceito de heterogeneidade tipológica: em todos os


gêneros os tipos se realizam, ocorrendo, muitas das vezes, o mesmo gênero
sendo realizado em dois ou mais tipos. Por exemplo, uma carta pessoal pode
apresentar as tipologias descrição, injunção, exposição, narração e argumen-
tação. O linguista chama essa miscelânea de tipos presentes em um gênero de
heterogeneidade tipológica.

Travaglia (2007) usa o termo conjugação tipológica. Também para ele, di�cil-
mente são encontrados tipos puros. Em um texto do gênero bula de remédio,
segundo o autor, pode-se observar a presença de várias tipologias, como a des-
crição, a predição e a injunção. Textos do tipo injuntivo são os que fazem pre-
visão, como o boletim meteorológico, o horóscopo.

Um texto de�ne-se como de um tipo, segundo Travaglia (2007), por uma ques-
tão de dominância, em função do tipo de interlocução que se pretende estabe-
lecer e que se estabelece, e não em função do espaço ocupado por um tipo na
constituição desse texto.

Para Travaglia (2007), é a dominância de um tipo que de�ne a tipologia de um


texto, em função da interlocução que se estabelece com o leitor ou o ouvinte.

Marcuschi (2003) dá o nome de intertextualidade intergêneros quando um gê-


nero assume a função de outro. Ele explica dizendo que isso acontece porque
ocorreu no texto a con�guração de uma estrutura intergêneros de natureza al-
tamente híbrida, sendo assim que um gênero assume a função de outro.

Quando um texto publicitário assume o formato de um poema ou de uma lista


de produtos em oferta, com o intuito de fazer a divulgação de um produto, esti-
mulando a compra por parte de usuários do mesmo produto, acontece a inter-
textualidade intergêneros. O que importa, avalia Marcuschi (2003), é que a pu-
blicidade apresente tema, forma composicional e estilo (BAKHTIN, 1997) ca-
racterísticos de um gênero dessa natureza (SILVA, 2010).

Silva (2010, p. 66) resume esses aspectos nos estudos dos dois linguistas:

Marcuschi traz a seguinte con�guração teórica:

1. Intertextualidade intergêneros = um gênero com a função de outro


2. Heterogeneidade tipológica = um gênero com a presença de vários tipos
Travaglia mostra o seguinte:

1. Conjugação tipológica = um texto apresenta vários tipos


2. Intercâmbio de tipos = um tipo usado no lugar de outro.

Travaglia (2007) determina a tipologia dos textos a partir das perspectivas de


interlocução como aquilo que pode instaurar um modo de interação. Essas
perspectivas podem estar ligadas ao produtor do texto em relação ao que vai
ser dito.

Para esse autor, a perspectiva do produtor do texto pode ser aquela da imagem
que ele faz do receptor. Quando o produtor vê o receptor como alguém que não
concorda com ele, surge o discurso da transformação. Se o receptor for visto
pelo produtor como alguém que concorda com ele, surge o discurso da cumpli-
cidade.

Outra perspectiva é aquela em que o produtor do texto faz uma antecipação de


seu dizer. Outra perspectiva ainda é dada pela atitude comunicativa de com-
prometimento ou não do produtor com o receptor.

Conforme a perspectiva do produtor do texto, no ponto de vista de Travaglia


(2007), será o tipo de texto.

A primeira perspectiva, a do discurso da transformação, em que a imagem do


receptor é aquela de quem não concorda com o produtor, origina os tipos des-
crição, dissertação, injunção e narração.

A segunda perspectiva, a da cumplicidade, em que o receptor é visto pelo pro-


dutor como alguém que concorda com ele, origina o tipo argumentativo stric-
to sensu e o tipo não argumentativo stricto sensu. De acordo com o autor, o
texto argumentativo stricto sensu é o que promove a argumentação explícita.

A terceira perspectiva, a da antecipação, produz o tipo preditivo. A quarta


perspectiva, a do comprometimento, dá origem a textos do mundo comentado
(comprometimento) e do mundo narrado (não comprometimento), conceitos
desenvolvidos por Weirinch (1968), conforme Travaglia (2007).
É importante observar que os textos do mundo narrado seriam aqueles classi-
�cados no tipo narração. Os do mundo comentado, por sua vez, �cariam no ti-
po dissertação.

Travaglia (2007) apresenta o conceito de espécie, que se caracteriza por aspec-


tos formais de estrutura e de superfície linguística e/ ou de aspectos de con-
teúdo.

Dentro do tipo narrativo, segundo o autor, existem duas espécies: a história e a


não história. Entre elas, estão as narrativas em prosa e as narrativas em ver-
so.

Dentro do tipo descritivo, o autor fala de espécies diferentes: objetiva x subjeti-


va, estática x dinâmica e comentadora x narradora. No gênero carta, por
exemplo, a espécie engloba carta, telegrama, bilhete, ofício etc. No gênero ro-
mance, a espécie �caria por conta do romance histórico, regionalista, fantásti-
co, de �cção cientí�ca, policial, erótico etc.

Silva (2010, p. 71) faz uma apreciação sobre as abordagens de Marcuschi e de


Travaglia sobre a questão dos gêneros e das tipologias e as implicações desses
pontos de vista no ensino da leitura e da produção de textos. Esse autor pon-
dera que:

As considerações feitas por Marcuschi em defesa da abordagem textual a partir


dos Gêneros textuais estão diretamente ligadas ao ensino. Ele a�rma que o trabalho
com o gênero é uma grande oportunidade de se lidar com a língua em seus mais
diversos usos autênticos no dia-a-dia”[...].

Travaglia não faz abordagens especí�cas ligadas à questão do ensino no seu trata-
mento à Tipologia textual. Suas considerações são mais ligadas ao campo da
Linguística do que da Linguística Aplicada.

O que Travaglia mostra é uma extrema preferência pelo uso da Tipologia textual,
independente de estar ligada ao ensino. Sua abordagem parece ser mais taxionô-
mica [...]
Um trabalho com a tipologia de textos no ensino, na opinião de Silva (2010),
deveria levar em conta a questão de com quais tipos de texto deve-se traba-
lhar na escola, a quais será dada maior atenção e com quais será feito um tra-
balho mais detido. O autor entende que, caso seja considerada a abordagem de
Travaglia, a escolha pelo tipo deve levar em conta uma série de fatores, dentre
os mais pertinentes (SILVA, 2010, p. 72):

1. O trabalho com os tipos deveria preparar o aluno para a composição de quais-


quer outros textos [...].
2. A utilização prática que o aluno fará de cada tipo em sua vida [...]

O posicionamento de Silva (2010, p. 73) é:

[...] favorável ao trabalho com o Gênero textual na escola, embora saiba que todo gê-
nero realiza necessariamente uma ou mais sequências tipológicas e que todos os
tipos inserem-se em algum gênero textual.

Esse autor argumenta que, até recentemente, o ensino de produção de textos


era feito como um procedimento único e global, como se todos os tipos de tex-
to fossem iguais e não apresentassem determinadas di�culdades e, por isso,
não exigissem aprendizagens especí�cas.

Na opinião de Silva (2010, p. 73), o ensino-aprendizagem de leitura, compreen-


são e produção de texto pela perspectiva dos gêneros:

[...] reposiciona o verdadeiro papel do professor de Língua Materna hoje, não


mais visto aqui como um especialista em textos literários ou cientí�cos, dis-
tantes da realidade e da prática textual do aluno, mas como um especialista
nas diferentes modalidades textuais, orais e escritas, de uso social.

De acordo com Schneuwly (in: DOLZ; SCHNEUWLY, 2004), as tipologias sofrem


de limitações consideráveis, por mais que tenham trazido importantes conhe-
cimentos sobre o funcionamento da linguagem.

Em nossa opinião, o trabalho com os gêneros textuais em sala de aula traz


inúmeras oportunidades de leitura, compreensão e aprendizagem de produção
dos textos que circulam socialmente. A análise linguística das características
que fazem cada texto se con�gurar como pertencente a um dado gênero textu-
al tem de passar pela frequência das temáticas, pela forma composicional e
pelo estilo.

Acreditamos que Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), ao agruparem os gêneros


em ordens do relatar, do narrar, do expor, do descrever ações, do argumentar,
estão olhando também para as sequências textuais que con�guram as tipolo-
gias.

Portanto, se para a compreensão e a produção de textos adequados à situação


comunicacional para a qual foram produzidos, for necessário também o estu-
do das características tipológicas, das sequências frasais de base de textos
modelares pelos alunos, com certeza o professor conseguirá ensinar com mai-
or adequação como se produzem os textos que se lê socialmente.

Vejamos, agora, como poderia ser organizado o ensino por meio de gêneros e
de tipologias, porque a abordagem dos dois aspectos deve ser motivo de re�e-
xão na sala de aula.

11. O Ensino por meio de gêneros e tipologias


Para pensarmos como inserir a prática de estudo da diversidade de gêneros
discursivos na escola, Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) consideram que es-
ses gêneros, ao serem inseridos na tradição didática, devem corresponder às
grandes �nalidades sociais atribuídas ao ensino, cobrindo os domínios essen-
ciais da comunicação escrita e oral em nossa sociedade; devem retomar de
maneira �exível as distinções tipológicas; devem, ainda, ser relativamente ho-
mogêneos quanto às capacidades de linguagem.

Os agrupamentos de gêneros
Vamos apresentar a você, no Quadro 1, um agrupamento de gêneros proposto
por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 121), no livro Gêneros orais e escritos
na escola, que consiste em organizar os gêneros textuais de acordo com as se-
melhanças que as situações de produção (ou os domínios sociais de comuni-
cação) dos gêneros possuem. Os agrupamentos de gêneros sugeridos pelos au-
tores para o ensino na sala de aula se dividem em cinco: gêneros da ordem do
narrar, do expor, do argumentar, do instruir e do relatar. Veja.

Quadro 1 Agrupamento de gêneros.

CAPACIDADES DE EXEMPLOS DE
DOMÍNIOS SOCIAIS DE
LINGUAGEM GÊNEROS ORAIS E
COMUNICAÇÃO
DOMINANTES ESCRITOS

Conto maravilhoso
Fábula

Novela

Narrativa de aven-
  tura
CULTURA LITERÁRIA Narrar
FICCIONAL Narrativa de �cção
  Mimesis (cópia) da ação cientí�ca
através da intriga (enredo)
Narrativa de enig-
ma

Novela fantástica

Conto parodiado
Relato de experiên-
cia vivida
Relato de viagem

Testemunho
 
Relatar
Curriculum vitae
DOCUMENTAÇÃO E
MEMORIZAÇÃO DE AÇÕES Representação pelo discur-
Notícia
HUMANAS so de experiências vividas,
situadas no tempo
Reportagem

Crônica Esportiva

Ensaio biográ�co
Texto de opinião
Diálogo argumenta-
tivo

Carta do leitor

  Carta de reclamação
Argumentar
DISCUSSÃO DE Deliberação infor-
PROBLEMAS SOCIAIS Sustentação, refutação e mal
CONTROVERSOS negociação de tomada de
posição Debate regrado

Discurso de defesa
(adv.)

Discurso de acusa-
ção (adv.)
Seminário
Conferência

Artigo ou verbete de
enciclopédia

Entrevista de espe-
 
cialista
Expor
TRANSMISSÃO E
Tomada de notas
CONSTRUÇÃO DE Apresentação textual de
SABERES diferentes formas de sabe-
Resumo de textos
res
“expositivos” ou ex-
plicativos

Relatório cientí�co

Relato de experiên-
cia cientí�ca

Instruções de mon-
tagem
Receita
 
Descrever ações Regulamento
INSTRUÇÕES E
PRESCRIÇÕES Regulação mútua de com- Regras de jogo
portamentos
Instruções de uso

Instruções

Fonte: DOLZ, NOVERRAZ, SCHNEUWLY (2004, p. 121).


Os agrupamentos não são estanques uns em relação aos outros, alertam os au-
tores; não é possível classi�car um gênero de maneira absoluta num dos agru-
pamentos propostos. A organização didática, segundo Dolz, Noverraz,
Schneuwly (2004, p. 121), tem em vista a progressão ideal para o início dos tra-
balhos em sala de aula no ensino fundamental.

Passemos a observar mais de perto o que caracterizam esses agrupamentos


de acordo com a interpretação de Rojo (2000, p. 120-121), que especi�ca em
quais domínios sociais circulam os gêneros em cada agrupamento:
Agrupamento da ordem do narrar – ligado ao domínio social da cultura literária
�ccional, caracteriza-se pela mimesis da ação através da criação da intriga no do-
mínio do verossímil (contos de fadas, fábulas, lendas, �cção cientí�ca, narrativa de
enigma, romance, novela, biogra�a romanceada etc.). Os textos pertencentes a esse
agrupamento são herança da escola para a formação do leitor literário.

Agrupamento da ordem do relatar – ligado ao domínio social da comunicação, vol-


tado à documentação e memorização das ações humanas, exigindo uma represen-
tação pelo discurso de experiências vividas situadas no tempo (relatos de experi-
ência vivida, diários íntimos, diários de viagem, notícias, reportagem, biogra�as, re-
lato histórico, testemunho, curriculum etc.). Os textos aqui enquadrados são aque-
les que documentam fatos e memorizam ações humanas.

Agrupamento da ordem do argumentar – ligado ao domínio social da comunica-


ção, voltado à discussão de problemas sociais controversos, visando a um entendi-
mento e um posicionamento perante eles (diálogo argumentativo, carta de recla-
mação, debate regrado, editorial, ensaio argumentativo etc.). Os textos desse agru-
pamento se realizam a partir da sustentação, refutação e negociação de tomadas de
posição.

Agrupamento da ordem do expor – ligado ao domínio social da comunicação, vol-


tado à transmissão e construção de saberes, veiculam o conhecimento mais siste-
matizado, transmitido culturalmente (texto expositivo, conferências, seminários,
resenhas, artigo enciclopédico, relatório cientí�co etc.). Os textos desse agrupa-
mento apresentam diferentes formas de saberes.

Agrupamento da ordem do descrever ações – ligado ao domínio social da comuni-


cação, voltado às instruções e prescrições, exige a regulação mútua de comporta-
mentos (instruções de uso, instruções de montagem, receitas, regulamentos, regras
de jogo etc.).

Tipologicamente falando, os agrupamentos da ordem do relatar e do narrar são


narrativos; os da ordem do argumentar, argumentativos; os do expor, expositivos e
os do descrever ações, injuntivos.

É importante lembrar que o agrupamento de gêneros para o trabalho em sala


de aula do ensino fundamental é uma indicação feita por Dolz, Noverraz,
Schneuwly (2004), que recomendam sequências didáticas elaboradas por eles
para esse trabalho. Essas sequências não devem ser consideradas como um
manual a ser seguido passo a passo.
O professor deverá escolher sequências didáticas para os diferentes níveis,
com agrupamentos de gêneros diferentes, de acordo com o currículo de cada
ciclo/ série; devem partir das capacidades que os alunos já apresentam a res-
peito da leitura e escrita dos gêneros e não desprezar o caráter motivante que
alguns gêneros podem ter para alguma turma em particular.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais e o trabalho com os


gêneros
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1998, p. 24) propõem
que os textos selecionados para o trabalho em sala de aula no terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental sejam:

[...] aqueles que, por suas características e usos , podem favorecer a re�exão crítica,
o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a
fruição estética de usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena
participação numa sociedade letrada.

O mesmo documento (BRASIL, 1998, p. 54) sugere:

[…] gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos, entre eles, gê-
neros próprios da linguagem oral como cordel, causos, textos dramáticos, canções
e outros próprios da linguagem escrita, entre eles contos, romances, novelas, crôni-
cas, notícias, editoriais, entrevistas e outros.

Entre os gêneros sugeridos para a prática de produção de textos orais e escri-


tos no material dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 57-58)
estão as canções, peças teatrais, entrevistas, exposições, seminários no âmbi-
to oral, e crônicas, contos, poemas, cartas, relatórios de experiências, resumos,
artigos etc. no âmbito escrito.

A melhor alternativa para trabalhar com o ensino de gêneros textuais é envol-


ver os alunos em situações concretas de uso da língua, de modo que consi-
gam, de forma criativa e consciente, escolher meios adequados aos �ns que se
deseja alcançar. É necessário ter a consciência de que a escola é um “autêntico
lugar de comunicação” e as situações escolares “são ocasiões de produção e
recepção de textos” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 78).

Esses autores olham o gênero como uma “ferramenta”, um “megainstrumento”


que oferece suporte para a atividade de linguagem em sala de aula e uma refe-
rência para os aprendizes.

Para Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), os gêneros são instrumentos de arti-


culação entre as práticas sociais e a escola, os quais teriam duas faces: uma
seria o próprio material e a outra, seus esquemas de utilização. Para que esse
instrumento, o gênero, possa tornar-se mediador da aprendizagem, a condição
é ele ser apropriado pelo sujeito.

O que podemos perceber é que seria necessário dominarmos o conhecimento


sobre o gênero discursivo (ou textual) para ensinarmos, a contento, as habili-
dades das práticas de produção de textos orais ou escritos que levariam nos-
sos alunos à competência leitora e escritora.

A proposta metodológica que Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 97) fazem


para o ensino de produção de textos na escola por meio dos gêneros é a
“sequência didática”.

No tópico seguinte, apresentaremos o esquema da estrutura de base de uma


sequência didática, proposto pelos autores citados e, em seguida, um detalha-
mento do que consistiria cada passo.

12. A sequência didática como metodologia do


ensino de produção de textos
Você há de convir que, na comunicação do dia a dia, estamos sempre nos
adaptando às situações de comunicação, por isso, não falamos da mesma ma-
neira se estivermos fazendo uma exposição em sala de aula ou conversando à
mesa em família. Do mesmo jeito, não escrevemos uma receita da mesma ma-
neira com que escrevemos um conto, por exemplo. Isso acontece porque pro-
duzimos esses textos em situações diferentes de produção.
Em situações semelhantes, porém, escrevemos textos com características se-
melhantes, que são os gêneros de textos, conhecidos e reconhecidos pela mai-
oria das pessoas. Todos nós, em uma situação em que necessitamos escrever
uma carta a alguém, lançamos mão de uma forma composicional conhecida,
mais ou menos estável, em que alguns elementos não poderão faltar, outros
poderão sofrer variações, mas que o nosso interlocutor reconhecerá imediata-
mente. Da mesma maneira, uma receita, uma notícia, um bilhete, um currículo
ou uma entrevista apresentarão temas, sequências frasais e estilos tão carac-
terísticos que nos permitirão criar outros textos seguindo esses modelos já
largamente conhecidos socialmente.

Alguns gêneros, no entanto, necessitam de maior re�exão sobre sua constru-


ção e estilo. Para desenvolver a competência escritora de gêneros que o aluno
não domina facilmente, ou o faz de maneira insu�ciente, a proposta metodoló-
gica de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) atende aos pressupostos teóricos
embutidos na abordagem sociointeracionista de linguagem, com base em
Bakhtin, assumida também neste material didático.

Vejamos o que esses autores entendem por sequência didática (DOLZ;


NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 97):

Uma ‘sequência didática’ é um conjunto de atividades escolares organizadas, de


maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito.

De acordo com os autores, a estrutura de base de uma sequência didática pode


ser representada pelo seguinte esquema:
Fonte: DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY (2004, p. 98).

Figura 1 Esquema da sequência didática.

Optamos por colocar em forma de texto escrito resumido a representação que


você vê na Figura 1 – Esquema da sequência didática (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2004, p. 98-108):

• Apresentação da situação:

1. Apresentar um problema de comunicação bem de�nido.


2. Preparar o conteúdo dos textos que serão produzidos.

• A primeira produção:

1. Um primeiro encontro com o gênero.


2. Realização prática de uma primeira avaliação formativa e primeiras
aprendizagens.

• Os módulos:

1. Trabalhar problemas de níveis diferentes:

• representação da situação de comunicação;


• elaboração dos conteúdos;
• planejamento do texto;
• realização do texto.

1. Variar as atividades e exercícios.


2. Capitalizar as aquisições.

• A produção �nal:
• Investir as aprendizagens.
• Avaliação de tipo somativo.

A apresentação da situação, no esquema da sequência didática proposta por


Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), consiste no momento em que se descreve
de maneira detalhada a tarefa de expressão oral ou escrita da qual os alunos
vão participar. Nessa oportunidade, argumenta-se sobre o motivo ou necessi-
dade da produção do texto, levando os alunos a fazerem uma representação da
situação de comunicação e da atividade de linguagem a ser executada.

Em seguida, os alunos elaboram um primeiro texto inicial, oral ou escrito, que


corresponde ao gênero trabalhado; é a primeira produção.

Nessa etapa, o professor poderá avaliar as capacidades já adquiridas e ajustar


as atividades e exercícios previstos na sequência às possibilidades e às di�-
culdades reais da turma. Além disso, ela determina o signi�cado de uma
sequência para os alunos, ou seja, as capacidades que devem desenvolver para
melhor dominar o gênero de texto em questão. Essa produção inicial pode
motivá-los a querer produzir melhor. Ela tem um papel central regulador, tan-
to para o aluno como para o professor.

Os módulos, organizados por várias atividades ou exercícios, oferecem os ins-


trumentos indispensáveis para o domínio da atividade escrita ou oral, pois os
problemas colocados pelo gênero serão trabalhados de maneira sistemática e
aprofundada. A atividade de produção escrita ou oral é descomposta para que
seja abordado, separadamente, cada elemento que compõe o texto. Em cada
módulo, um aspecto será trabalhado. Nesse sentido, o movimento geral da
sequência didática vai do complexo para o simples: da produção inicial aos
módulos, cada um trabalhando uma ou outra capacidade necessária para o
domínio do gênero. Ao �nal, o movimento leva novamente ao complexo: a pro-
dução �nal.

Na ocasião da produção �nal, o aluno poderá pôr em prática as noções e ins-


trumentos elaborados separadamente nos módulos, demonstrando os conhe-
cimentos adquiridos e, com o professor, medir os progressos alcançados. A
produção �nal serve, também, para uma avaliação de tipo somativo, que inci-
dirá sobre os aspectos trabalhados durante a sequência.

Essa avaliação somativa será assentada em critérios elaborados ao longo da


sequência por alunos e professor e, por isso, tende a ser mais objetiva, embora
sempre mantenha uma parte de subjetividade. A avaliação é uma questão de
comunicação e de trocas e será realizada somente sobre a produção �nal
(DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).
13. A sequência didática na prática
Sob a perspectiva adotada por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), educadores
brasileiros do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária (Cenpec), que desenvolve ações de formação de professores com
o objetivo de proporcionar ensino de qualidade para todos, colocaram em prá-
tica o esquema da sequência didática de produção de textos. O trabalho con-
sistiu em desenvolver um material didático para a formação de professores de
todo o país que participam, com seus alunos, da Olimpíada de Língua
Portuguesa “Escrevendo o Futuro”, iniciativa do Ministério da Educação, em
parceria com a Fundação Itaú Social e o Cenpec.

A Olimpíada de Língua Portuguesa “Escrevendo o Futuro”


Segundo os idealizadores da Olimpíada de Língua Portuguesa, o objetivo da
formação continuada de professores é auxiliar o desenvolvimento do trabalho
coletivo, que se incorpore na prática pedagógica para o trabalho com gêneros
textuais como ferramentas no processo ensino-aprendizagem. O programa
organiza-se de dois em dois anos, dos quais, em um ano, o Cenpec desenvolve
as ações de formação de professores inscritos e, no outro, acontece o concurso
das redações dos alunos, chamado de Olimpíada.

A “Coleção da Olimpíada” é composta por cadernos de orientação ao professor,


que propõem uma sequência didática para o ensino da leitura e produção de
texto, coletâneas de textos para os alunos e CD-ROM multimídia para os qua-
tro diferentes gêneros textuais: poema, memórias, artigo de opinião e crônica.

Trouxemos para você alguns pontos mais signi�cativos do Caderno do profes-


sor, que apresenta sugestões metodológicas de como encaminhar, por meio de
uma sequência didática, o�cinas de leitura e escrita, com os alunos, do gênero
artigo de opinião – um gênero da ordem do argumentar – desde a produção
inicial até a produção �nal do texto que participará da Olimpíada.

O tema proposto para o concurso é “O lugar onde vivo” e, de acordo com os au-
tores do material, Gagliardi e Amaral (2008, p. 3), “escrever sobre a comunida-
de onde se vive estimula novas leituras, pesquisas e estudos, proporcionando
um outro olhar sobre a realidade e uma perspectiva de transformação social”.

A sequência didática Pontos de Vista para o ensino de arti-


gos de opinião
Quem faz a apresentação dos Cadernos do professor para o ensino de cada gê-
nero da Olimpíada – poema, memória, crônica e artigo de opinião – é Joaquim
Dolz, professor da unidade de Didática de Línguas da Faculdade de Psicologia
e das Ciências da Educação da Universidade de Genebra (Suíça), que, junta-
mente com Jean-Paul Bronckart, Bernard Schneuwly e outros pesquisadores,
tem in�uenciado pesquisas, propostas de intervenção e de políticas públicas
de educação em vários países. No Brasil, o re�exo de seu trabalho se faz sentir
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e, como você verá, na proposta
que orienta a escrita do material da Olimpíada.

Dolz (in: GAGLIARDI; AMARAL, 2010, p. 12) observa que, “do ponto de vista psi-
cológico, a escrita mobiliza o pensamento e a memória” e que “sem conteúdos
nem ideias, o texto será vazio e sem consistência”; alerta que “preparar-se para
escrever pressupõe ler, fazer registros pessoais, selecionar informações(…) ati-
vidades cognitivas, todas elas”.

Por outro lado, Dolz (2010 in: GAGLIARDI, AMARAL, 2010, p. 12) ressalta que, do
ponto de vista do desenvolvimento da linguagem:

[...] escrever implica ser capaz de atuar de modo e�caz, levando em consideração a
situação de produção do texto, isto é, quem escreve, qual é seu papel social (jorna-
lista, professor, pai); para quem escreve, qual é o papel social e quem vai ler, em que
instituição social o texto vai ser produzido e vai circular (na escola, em esferas jor-
nalísticas, cientí�cas, outras); qual é o efeito que o autor do texto quer produzir so-
bre seu destinatário (convencê-lo de alguma coisa, fazê-lo ter conhecimento de al-
gum fato atual ou de algum acontecimento passado, diverti-lo, esclarecê-lo sobre
algum tema considerado difícil); algum outro objetivo que não especi�camos.

As o�cinas de produção de textos


Os autores das “o�cinas”, como são chamadas as atividades da sequência di-
dática proposta no Caderno Pontos de vista, em um primeiro momento, pro-
põem atividades que levem os alunos a buscar informações sobre o contexto
de produção do artigo de opinião lido, sobre os possíveis interesses do autor
em escrever o texto e uma sondagem sobre o assunto do artigo. Leia o trecho a
seguir (GAGLIARDI; AMARAL, 2010, p. 37):
1ª – etapa
Artigos de opinião: onde circulam, quem escreve,
para quem ler, com que objetivo

Divida a classe em grupos e entregue a cada um deles uma Coletânea. Peça-lhes


que escolham um dos artigos para ser lido. Para cada artigo selecionado, o grupo
deverá responder às seguintes perguntas:

Em que veículo o texto foi publicado?

É bastante conhecido do público?

Que tipo de autor o escreveu?

Além do nome, há mais informações sobre ele?

Qual é o assunto principal abordado pelo texto?

É atual ou ultrapassado em relação à data de publicação?

Parece relacionado a alguma notícia do mesmo período?

Para que tipo de leitor o artigo se dirige?

Que importância essas informações podem ter para esse leitor?

Com que �nalidade esse assunto é abordado?

Considerando que se trata de textos argumentativos, que ideia ou tese o autor pare-
ce defender?

Com que argumentos?

Em seguida, os autores da mesma sequência didática procuram colocar em


evidência, dentro do contexto de produção, os meios em que circulam o texto,
a temática comum nesse meio de comunicação, qual seria o possível leitor de
um texto com essa temática e o objetivo de um texto do gênero. Leia a seguir
(GAGLIARDI; AMARAL, 2010, p. 37):

2ª – etapa: Argumentação

Atividades

Após recolher as respostas dos alunos, mostre-lhes algumas características dos ar-
tigos de opinião: costumam circular em veículos tipicamente jornalísticos e de
grande penetração popular: jornais impressos, revistas, sites de notícias etc.; geral-
mente são escritos por especialistas num determinado assunto, pessoas publica-
mente reconhecidas por suas posições, autoridade etc.; abordam assuntos e/ou
acontecimentos polêmicos atuais, recentemente noticiados e de interesse público;
dirigem-se a um leitor que o jornal considera como potencialmente envolvido no
debate, na qualidade de cidadão; têm como �nalidade defender uma opinião ou te-
se, a qual é apresentada com base em argumentos coerentes.

Mais adiante, as orientações de Gagliardi e Amaral centram-se na observação


das características próprias de um artigo de opinião, como a questão polêmica
discutida, a opinião contra ou a favor do tema e os argumentos desenvolvidos
para convencer o leitor de que o autor tem razão ao adotar uma posição. Leia o
trecho (GAGLIARDI; AMARAL, 2010, p. 42):
3ª – etapa: Artigos de opinião nos jornais

[...] Ajude-os a perceber que o jornal procura delimitar claramente os territórios em


que as matérias são opinativas e, com isso, dá a entender que as demais são neu-
tras e imparciais.

Leia com a classe o artigo selecionado e retome a conversa sobre as características


próprias do artigo de opinião, como �zeram na 1ª- etapa, enfatizando que o articu-
lista levanta uma questão polêmica de acordo com o ponto de vista dele. A �nalida-
de é apresentar uma posição e argumentar a favor dela, mostrando aos leitores por
que devem concordar com o autor. Por isso, o tom é de convencimento, ou seja, o
texto é argumentativo. Considerando o artigo lido, proponha aos alunos que re�i-
tam e instigue-os com perguntas:

Qual é a questão polêmica que o artigo discute?

Como o autor a retoma em seu texto?

Como se refere ao debate de que pretende participar?

Para que tipo de leitor ele se dirige?

Que aspectos do texto remetem a esse leitor?

Que posição, ou tese, o autor defende?

Que argumentos são utilizados para defender e/ou fundamentar essa tese?

Observamos que, até esse momento, o professor estará incitando os alunos a


observarem as condições de produção do texto, sua �nalidade, sua temática, a
tese e os possíveis argumentos para defender sua opinião. Nesse sentido, con-
ferimos que o texto depende da ação de quem o produz e de quem o recebe,
exigindo que haja interação entre esses interlocutores.

A partir desse momento de leitura exploratória, os autores do Caderno Pontos


de vista propõem uma primeira produção de texto do gênero artigo de opinião,
levando a observação dos alunos para o seu meio ambiente, ou seja, para parte
do contexto de produção de seus textos, o bairro em que vivem. Nessa pesqui-
sa, os alunos deverão voltar seu olhar para as possíveis questões polêmicas de
seu bairro, como subsídio para a produção do texto. Leia as orientações ao pro-
fessor para a sequência que propõe a escrita de um primeiro artigo de opinião
aos alunos (GAGLIARDI; AMARAL, 2010, p. 66):

A polêmica no texto
1ª – etapa: Primeiro artigo

Uma vez realizado o debate sugerido na o�cina anterior, proponha aos alunos a es-
crita de um artigo de opinião com base em uma das questões polêmicas escolhidas
por eles.

Peça-lhes que se coloquem no lugar dos articulistas e ajude-os a de�nir a questão


polêmica a ser abordada; os objetivos que levam à escrita desse artigo; o tipo de pu-
blicação (jornal mural, blog, jornal do bairro etc.); e o público-alvo ou leitor visado.

Depois disso, oriente a turma para planejar a escrita de acordo com os questiona-
mentos:

Que aspecto da polêmica será discutido?

Qual opinião ou tese será defendida a esse respeito?

Que argumentos principais serão utilizados para isso?

De quais fatos ou dados deve-se partir?

O que será escrito na “Introdução”, de forma que possa indicar ao leitor qual é o
contexto da discussão?

Como serão desenvolvidos os argumentos de forma que �quem bem claros?

Como se pretende concluir?

Que título será mais adequado para já situar o leitor acerca da tese defendida e des-
pertar o interesse dele?

Por �m, peça a cada aluno que escreva um artigo, procurando seguir o planejamen-
to feito. Anuncie que o processo de escrita pode levá-los a repensar o planejamento.
Nesse caso, devem estar atentos para a repercussão que as alterações terão sobre
os outros elementos do texto, ou seja, se resolverem mudar a tese no meio do cami-
nho, será preciso veri�car se a nova opinião também é compatível com a polêmica.
E muito provavelmente será preciso estabelecer outros argumentos e partir de no-
vos dados.
Essa etapa da produção inicial de um artigo de opinião dos alunos é importan-
te porque sinaliza para o que os alunos já sabem sobre o gênero e dá pistas pa-
ra que o professor possa intervir adequadamente no processo de construção
de um texto do gênero. Os alunos poderão, nesse primeiro texto, com base nas
orientações do professor, avaliar a própria escrita e perceber o que é preciso
melhorar. Por outro lado, a experiência permitirá comparar essa primeira pro-
dução com o texto �nal e identi�car os avanços conseguidos no processo de
escrita.

Assim seguem as propostas de atividades: ora os alunos lerão outros artigos


para reconhecerem a questão polêmica, ora observarão a tese do autor, seja re-
futando oralmente essa tese, seja buscando os argumentos e contra-
argumentos dos autores para sustentarem suas teses e estudando os vários ti-
pos de argumentos que se pode usar para apoiar uma tese. Em outro momen-
to, trabalharão mais especi�camente com a conclusão.

Depois de aprenderem quais os tipos de argumentos, na o�cina 9, a que se


chamou “Sustentação de uma tese”, os alunos criarão questões polêmicas com
base em situações apresentadas ou em artigos lidos. O professor apresenta-
lhes como exemplo algumas situações e as respectivas questões polêmicas
que poderão ser formuladas a partir delas. Leia os exemplos e as orientações
ao professor (GAGLIARDI; AMARAL, 2010, p. 105):

2ª – etapa : Uso dos argumentos

Escreva na lousa, ou em tiras de papel, as situações apresentadas abaixo e as res-


pectivas questões polêmicas levantadas – ou outras, criadas por você.
SITUAÇÃO 2
Novas pesquisas indicam
que os adolescentes come-
SITUAÇÃO 1 çam a beber cada vez
SITUAÇÃO 3
Um adolescente, para resol- mais cedo e de forma abu-
Uma diretora de
ver um problema econômi- siva.
escola proibiu a en-
co da família dele, resolveu
trada de alunos
fazer cópias de CDs para Preocupado com esse con-
com piercings em
vender. Ele vendeu todos os sumo de álcool, o prefeito
sala de aula.
CDs e pagou a dívida. de uma cidade proibiu a
venda de bebidas alcoóli-
 
  cas em bares próximos às
escolas.
Questão polêmica:
Questão polêmica:
 
“É legítimo impedir
“O jovem tem ou não o direi-
o acesso à escola
to de reproduzir CDs para Questão polêmica:
por razões de or-
vender, desconsiderando a
dem estética?”
lei dos direitos autorais?” “Essa medida pode dimi-
nuir o consumo de bebi-
das alcoólicas pelos ado-
lescentes?”

Esse é um dos importantes passos da atividade porque ensina a extrair de


uma a�rmação ou um argumento, explícito em uma notícia ou artigo, a ques-
tão polêmica que gera opiniões a favor ou contra determinado assunto.

Na o�cina 10, denominada “Como articular”, do Caderno do professor, o objeti-


vo é que os alunos percebam as articulações, ou seja, as relações ou vínculos
entre partes diferentes de um texto argumentativo, além de conhecerem e
passarem a usar expressões que tornam um texto argumentativo articulado.
Para que os alunos trabalhem com elementos articuladores comumente usa-
dos em artigos de opinião, o professor proporá um quadro de elementos articu-
ladores.
USO EXPRESSÕES

Tomar posição Do meu ponto de vista; na minha opinião;


  pensamos que; pessoalmente acho

Indicar certeza Sem dúvida; está claro que; com certeza;


  é indiscutível

Provavelmente; me parece que; ao que tudo indi-


Indicar probabilidade
ca; é possível que

Porque; pois; então; logo; portanto;


Indicar causa e/ ou con-
Consequentemente
sequência

Acrescentar argumentos Além disso; também; ademais

Indicar restrição Mas; porém; todavia; contudo; entretanto;


  apesar de; não obstante

Inicialmente; primeiramente; em segundo lugar;


Organizar argumentos por um lado; por outro lado

Preparar conclusão Assim; �nalmente; para �nalizar; por �m;


  concluindo; en�m; em resumo

Fonte: GAGLIARDI; AMARAL (2010, p. 113).

Além de observarem as inúmeras “vozes” que aparecem, explícita ou implici-


tamente, em um texto argumentativo, os alunos passarão a pesquisar no meio
em que vivem questões polêmicas locais, socializarão essas informações, para
subsidiar o que dizer nos artigos de opinião que irão escrever.

A antepenúltima o�cina, de nº 13, “Aprendendo na prática”, do Caderno do pro-


fessor, tem como objetivo analisar e reescrever coletivamente o artigo de opi-
nião escrito por um aluno na produção inicial reorganizando parágrafos, eli-
minando ou incluindo informações.

Essa atividade envolverá professor e alunos por muitos dias, analisando tre-
chos, fazendo indagações sobre a questão polêmica, os argumentos, os contra-
argumentos, a coerência da conclusão, a clareza do texto, o papel dos organi-
zadores textuais, a pertinência do título e outros aspectos que tornam um tex-
to bem escrito. Os alunos passarão a reescrever o texto do colega, juntamente
com o professor, para aprenderem o processo de reescrita.

Somente depois de toda essa sequência de atividades é que os alunos farão, �-


nalmente, na o�cina nº 14, “En�m, o artigo”, será redigida a produção �nal de
seu artigo de opinião que, depois de reescrito e revisado, na o�cina nº 15,
“Revisão �nal”, participará da Olimpíada de Língua Portuguesa “Escrevendo o
Futuro”.

Seguramente, você observou que o material didático da Olimpíada de Língua


Portuguesa “Escrevendo o Futuro”, de 2010, especi�camente o Caderno do
Professor – Pontos de vista – atende aos pressupostos teóricos apontados nes-
te seu material de estudo em todos os aspectos. A concepção bakhtiniana de
trabalho com gêneros textuais na sala de aula tem como �nalidade dar senti-
do ao ensino e à aprendizagem da escrita.

No processo dessa aprendizagem, entendemos que é fundamental que o aluno


autor do texto saiba quem são os interlocutores, tenha clareza do contexto da
situação comunicativa: quem escreve, com que intenção, qual o gênero textual
mais adequado, o que se tem a dizer, quem vai ler o texto, onde ele será publi-
cado. Imprescindível também é trazer à tona aspectos discursivos dos textos
bem escritos para serem analisados, como forma de aprender a usá-los.

Com a metodologia das sequências didáticas, o objetivo é auxiliar o aluno a


dominar melhor um gênero de texto. Na sequência, os módulos de ensino são
organizados para melhorar uma determinada prática de linguagem historica-
mente construída, da qual os alunos devem se apropriar. Essa apropriação, se-
gundo Dolz e Schneuwly (2004), pode se tornar realidade mediante a interação
de três fatores: as especi�cidades das práticas de linguagem que são objeto de
aprendizagem, as capacidades de linguagem dos aprendizes e as estratégias
de ensino propostas pela sequência didática.

No próximo tópico, abordaremos aspectos que conferem textualidade aos tex-


tos para que saibamos como intervir ao orientar a produção de textos de nos-
sos alunos.

14. Fatores de textualidade


Nunca é demais lembrar que o texto, na perspectiva de linguagem interacio-
nal (dialógica) de língua, que adotamos neste material, é “o próprio lugar da in-
teração” (KOCH, 2006, p. 17), delimitado pelo olhar do leitor e recriado por ele
na situação comunicativa. Sendo assim, um texto nunca estaria acabado, pois
cada leitor toma parte nesse jogo dialógico com o autor e a todo o momento re-
constrói o texto selecionando, acrescentando, recortando, sugerindo (mental-
mente) outras informações que fazem parte de seu conhecimento de mundo
para que a leitura ou diálogo lhe seja útil. É isso que acontece enquanto lemos
ou conversamos.

Para que se produza um texto, oral ou escrito, é indispensável acessar um


complexo de elementos responsáveis pela tessitura do texto – os “critérios de
textualidade” – mencionados por Val (1999, p. 5), que se baseia na teoria de
Beaugrande e Dressler (1981):

[…] a coerência e a coesão, que se relacionam com o material conceitual e lingüísti-


ca do texto, a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a informativi-
dade e a intertextualidade.

Responsáveis pelo sentido do texto, a coesão e a coerência textuais


caracterizam-se por promover a inter-relação semântica entre os elementos
do discurso. Segundo Val (1999, p. 5),
A coerência envolve aspectos lógicos, semânticos e cognitivos na partilha de co-
nhecimentos entre os interlocutores, pois o sentido não é concebido somente pelo
produtor do texto, mas também pelo recebedor, que precisa interpretá-lo. Já a coe-
são é a ‘manifestação lingüística da coerência’, que se constrói através de mecanis-
mos gramaticais e lexicais.

A coesão é construída a partir de elementos que sinalizam relações entre as


palavras e frases do texto, mas ela precisa ser processada pelo leitor para pro-
duzir sentido, da mesma maneira que a coerência é construída pelo leitor que
acrescenta seus conhecimentos linguísticos e de mundo para atribuir sentido
ao texto. Por isso, coesão e coerência são aspectos centrados no texto, mas não
são inerentes aos textos.

Já os outros cinco elementos de textualidade, pode-se dizer, que são aspectos


centrados nos usuários, porque têm relação com a atividade de comunicação
textual em geral, tanto por parte do produtor do texto quanto do recebedor. São
os que seguem.

A intencionalidade tem a ver com os objetivos, as expectativas que o produtor


do texto tem em mente numa dada situação de comunicação. Está amarrada à
função linguística que ele pretende exprimir – pedir, informar, convencer, im-
pressionar, ofender – por isso ela orienta os rumos da sua produção textual.

A aceitabilidade está atrelada ao receptor da mensagem. Um texto produzido


apresenta um conjunto de informações que podem ser relevantes, úteis e coe-
rentes ou não a quem vai receber esse texto.

A informatividade diz respeito ao grau de informações que o texto traz. Para


ser digno de ser lido ou ouvido, o texto deve conter informações novas e tam-
bém su�ciência de dados. Para Beaugrande e Dressler (1981), citados por Val
(1999, p. 7):
[…] informatividade tem a ver com grau de novidade e previsibilidade: quanto mais
previsível, menos informativo será o texto para determinado usuário, porque acres-
centará pouco às informações que o recebedor já tinha antes de processá-lo. E vale
também o inverso: quanto mais cheio de novidades, mais informativo.

A situacionalidade diz respeito à interpretação que os usuários da língua fa-


zem da situação tendo como base os modelos de comunicação social que já
conhecem. Isso vale dizer que o sentido e o uso do texto são decididos na situ-
ação de comunicação. O receptor da mensagem precisa identi�car o emprego
da linguagem naquele determinado contexto. É uma atividade dinâmica, que
exige um gerenciamento contínuo da interação por parte do produtor e do re-
cebedor do texto.

A intertextualidade faz menção aos fatores que fazem a produção e a recepção


de um texto estar sujeitas ao conhecimento de outros textos. Sabe-se que todo
texto é considerado um intertexto porque tudo o que falamos ou escrevemos já
foi dito por outras pessoas em outro momento, de outra maneira. Isso equivale
dizer que o discurso se estabelece sempre sobre um discurso prévio.

Ao fazer referência a conhecimentos de outros textos, a intertextualidade par-


ticipa da construção da coerência, pois exige que o receptor, usando seu co-
nhecimento de mundo, desvele-a e compreenda a intenção do produtor ao
empregá-la.

Segundo Val (1999, p. 8), a intertextualidade em Beaugrande e Dressler (1981)


con�gura-se como um conceito respeitável para a compreensão do processa-
mento dos textos pelos falantes, e a autora acrescenta:

[…] mas deixa escapar aspectos da existência social dos discursos, enfatizados, por
exemplo, por Bakhtin (1979/1992). Para esse autor, a relação entre discursos é cons-
titutiva de cada discurso, é condição de existência dos discursos.

A mesma autora observa ainda que o objeto de um discurso é o ponto onde se


encontram opiniões, visões de mundo, tendências e teorias vindas de outros
discursos:
[…] e que na concepção bakhtiniana, os discursos não são auto-su�cientes nem in-
diferentes uns aos outros, mas re�etem-se mutuamente [...] o discurso presente é
visto por Bakhtin como rearticulação do passado e projeção do futuro, impregnado
pelas marcas sociais, culturais, políticas e ideológicas de sua origem, de seu entor-
no e de seu porvir (VAL, 1999, p. 8).

Intertextualidade
Baseada no conceito de dialogismo de Bakhtin, Kristeva (1974, p. 64) construiu
o conceito de intertextualidade ao a�rmar que “todo texto se constrói como
mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”.
Realmente, podemos constatar que, na humanidade, sempre se fala ou se es-
creve algo endereçado a alguém, num dado contexto ou situação social. Depois
disso, conta-se e reconta-se determinado fato de acordo com o que se almeja
difundir.

Koch (2003, p. 60-62) atribui ao termo intertextualidade “um sentido amplo e


um sentido restrito”. A intertextualidade em sentido amplo acontece sempre
de maneira implícita, e a intertextualidade em sentido restrito aparece explíci-
ta ou implicitamente. Mesmo que não apareça na superfície do texto novo, a
relação intertextual que ele possa estabelecer com outros textos tem um papel
muito importante na sua produção.

Intertextualidade explícita e Intertextualidade implícita


Quando um texto se refere a outro, citando-o, indicando sua fonte, dizemos que
há uma intertextualidade explícita. Mas quando um texto recupera elementos
de outros e associa-os a elementos de um primeiro para provocar um efeito de
sentido que o leitor, pelas suas outras leituras, tem de recuperar para compre-
ender, dizemos que há nele uma intertextualidade implícita.

Neste caso, o autor oferece “pistas” textuais para que o leitor depreenda os pos-
síveis sentidos do texto. Assim, poderíamos dizer que todo texto é também um
intertexto, porque haverá sempre outro que “conversa” com ele.

Con�ra em que situações ocorrem essas formas de Intertextualidade.


Intertextualidade explícita
A intertextualidade é explícita:

Quando há citação da fonte do intertexto, como acontece no discurso relatado, nas


citações e referências; nos resumos, resenhas e traduções; nas retomadas do texto
do parceiro para encadear sobre ele ou para questioná-lo, na conversação (KOCH,
2003, p. 63).

Intertextualidade implícita
A intertextualidade implícita ocorre:

Sem citação expressa da fonte, cabendo ao interlocutor recuperá-la na memória pa-


ra construir o sentido do texto, como nas alusões, na paródia, em certos tipos de pa-
ráfrase e de ironia (KOCH, 2003, p. 63).

Dentre as formas de se estabelecer a intertextualidade, Sant’Anna (2002) apre-


senta uma classi�cação: a paródia, a paráfrase, a estilização e a apropriação.

Paródia, paráfrase e estilização


Paródia, para Fávero (2003, p. 50), que lembra o sentido etimológico da palavra,
é como “canto paralelo, incorporando a idéia de uma canção cantada ao lado
de outras, como uma espécie de contra-canto”.

Gouveia (2007, p. 61) resume as considerações teóricas de Afonso Romano de


Sant’Anna a respeito da paródia:
Sant’Anna (2002) tece considerações conceituais importantes sobre os termos pa-
ródia e paráfrase, de modo a estabelecer relações de oposição entre eles. O autor re-
lembra, também, o sentido histórico da palavra paródia – uma ode que perverte o
sentido de outra ode, portanto, dando a ideia de uma canção que era cantada ao la-
do de outra, uma espécie de contracanto. Portanto, a palavra possui uma origem
musical.

Sant’Anna (2002, p. 28) complementa que “a maturidade de um discurso se revela


quando o autor, atingindo a paródia, liberta-se do código e do sistema, estabelecen-
do novos padrões de relação das unidades”.

Para Gouveia (2007, p. 61) a paródia inova, inaugura um novo paradigma e


constrói a evolução de um discurso. A autora conclui que “portanto, na paró-
dia, há uma tomada de consciência crítica, de algo que foi recalcado e posteri-
ormente emergiu. Uma nova maneira de ler o convencional”.

Sant’Anna (2002, p. 29) estabelece relações de oposição entre paródia e pará-


frase e comenta sobre a estilização:

A paráfrase é um discurso em repouso em que alguém abre mão de sua voz para
deixar a voz do outro falar. Não há con�ito, pois não há oposição. Funciona como se
fosse um espelho que re�ete o discurso do outro.

A paródia deforma o texto original subvertendo sua estrutura ou sentido. Já a pará-


frase rea�rma os ingredientes do texto primeiro conformando seu sentido.
Enquanto a estilização reforma, esmaecendo e apagando a forma, mas sem modi�-
cação essencial da estrutura.

No processo de estilização, não há discordância, e sim ao contrário, concor-


dância dos dois planos dos dois textos: o do estilizando e o do estilizado.

O que se observa é que, da estilização à paródia, não há mais que um passo;


quando a estilização tem uma veia cômica, rapidamente se converte em paró-
dia.

Citação
A citação é outra forma de se estabelecer a intertextualidade. Um autor, ao ci-
tar outro, pode con�rmar ou alterar o sentido do texto citado, como também
pode fazê-lo em outra linguagem.

A citação, nos textos cientí�cos, apresenta-se marcada gra�camente de algu-


ma forma, normalmente, entre aspas. Nos textos literários, comumente
encontram-se citações sem os sinais grá�cos, com trechos incorporados ao
texto.

Esses fatores, é evidente, devem ser considerados sempre em conjunto e um


complementa o outro.

Depois de ter tido contato com o conceito de Sequência Didática e de poder re-
�etir sobre o ensino da língua por meio de gêneros, assista ao vídeo a seguir,
no qual Dolz explica, a partir de seus estudos, os motivos que fazem com que
os gêneros discursivos e as sequências didáticas que deles partem se apresen-
tam como objetos fundamentais para o ensino da língua portuguesa no Brasil,
com foco, sobretudo, nos gêneros textuais escritos, embora sem que se exclu-
am os orais:

Para encerrarmos nossos estudos do Ciclo 1, depois de retomar algumas no-


ções a respeito do conceito de discurso, descreveremos as formas de organiza-
ção do discurso – descrição, narração e dissertação -, identi�cando e interiori-
zando os modos de organização discursiva e os princípios que os regem.

15. Noções sobre o conceito de discurso


Várias são as teorias que versam sobre o discurso. Desse modo, não há uma
única de�nição para o termo, há, portanto, múltiplas abordagens para a ques-
tão.   Neste tópico, estudaremos o enfoque explorado nas obras de Sírio
Possenti e Helena H. N. Brandão, obras estas citadas nas Referências
Bibliográ�cas.

Nesses termos, Possenti (1993, p. 47) diz que "o que transforma a língua em
discurso é a enunciação de um locutor a um alocutário". Segundo esse autor,
discurso é "a colocação em funcionamento de recursos expressivos de uma
língua com certa �nalidade" (1993, p. 49). Poderíamos dizer, então, que o dis-
curso é o efeito de sentido construído no processo de interlocução.
Complementando esse estudo, citamos as considerações de Brandão (2004, p.
42), que conceitua discurso como "o espaço em que emergem as signi�ca-
ções".

A partir do olhar desses pesquisadores, fundamentados, por exemplo, na teo-


ria da Análise do Discurso, podemos notar que atualmente as condições sócio-
históricas de um texto não são consideradas secundárias, mas constitutivas
de suas signi�cações, ou seja, acredita-se que, para se compreender o fenôme-
no de linguagem, não basta centrar-se nos fenômenos linguísticos apenas. É
preciso centrar-se também nas condições sócio-históricas, nas condições de
produção do discurso.

Nesse sentido, a instância que possibilita a ligação entre o nível linguístico e o


extralinguístico é a do discurso.

16. Formas de apreensão da realidade e os mo-


dos de organização do discurso
Antes de seguirmos nossos estudos, vamos re�etir sobre a seguinte questão:

Quais são as formas que você tem para apreender a realidade, ou seja, para
percebê-la?

Essa não é uma questão fácil de ser de�nida, mas apresentamos algumas pos-
sibilidades:
• Identi�car e analisar as quali�cações dos seres.
• Perceber as transformações, testemunhando a ação do homem no mun-
do.
• Explicar as relações entre os acontecimentos, interpretar o mundo.

Pois bem, a essas três formas de apreender o mundo correspondem os três


modos de organizar o discurso: descrição, narração e dissertação.

Nenhum analista do discurso inventou a descrição, a narração e a dissertação.


Elas correspondem às formas que você tem para apreender a realidade.

Agora, vamos aprender o conceito de narratividade, característica implícita ou


explícita dos textos descritivos, narrativos e dissertativos.

17. Narratividade
Narratividade é qualquer transformação de estado, ou seja, a mudança de um
estado inicial para um estado �nal. No exemplo: "Repentinamente todos �ca-
ram em silêncio", houve a passagem de um estado de ruído a um estado de si-
lêncio.

Não confunda narratividade com narração. A narratividade está presente tanto em textos
narrativos quanto em textos descritivos e dissertativos. Na descrição, todavia, a narrativi-
dade �ca implícita. Predomina, nesse texto, a concomitância.

Na descrição, predominam-se estados. Nela, a narratividade é implícita, isto é,


a descrição não explicita as transformações, ela mostra o estado inicial ou �-
nal e deixa pressuposta a transformação de um em outro.

Já em textos dissertativos, as transformações de estado aparecem não como


objetivo, mas sim para que elas sejam interpretadas.

De posse dos conceitos de tema, �gura e narratividade podemos iniciar o estu-


do dos princípios que regem a descrição, a narração e a dissertação, lembran-
do que, do ponto de vista da organização discursiva, os textos podem ser hete-
rogêneos. Conforme Fiorin e Savioli a�rmam:

É bem verdade que, na maioria das vezes, não encontramos um texto em estado
puro, já que o descritivo, o narrativo e o dissertativo podem interpolar-se num úni-
co texto. Isso não impede que, por conveniência didática, se estude cada um desses
tipos de texto separadamente (1995, p. 34).

18. Características da descrição, da narração e


da dissertação
Observe, a seguir, o quadro das características da descrição, da narração e da
dissertação:

Quadro 2 Características da descrição, narração e dissertação.

DESCRIÇÃO NARRAÇÃO DISSERTAÇÃO

Figurativo Figurativo Temático

+ Estados

- Transformação + Transformação + Transformação

Anterioridade

Concomitância Concomitância

Posterioridade

Relações de Implicação
 

Após a leitura do quadro, conceituemos, detalhadamente, a descrição, a narra-


ção e a dissertação.

Descrição
A descrição pode assim ser descrita como uma forma de organização do dis-
curso em que se relatam características, propriedades e aspectos de uma pes-
soa, de um objeto ou de uma situação qualquer. Ao relatar aspectos simultâne-
os, não há, na descrição, relação de anterioridade e posterioridade. Ela não
considera a sucessão dos acontecimentos. Caracteriza-se pela concomitância,
o que permite dispor de diversas maneiras, diferentes ordens, os estados e as-
pectos dos seres, objetos, paisagens ou situações descritivas. Isso não interfere
na compreensão do texto, uma vez que esses elementos não mantêm relação
de causalidade.

Narração
Assim como a descrição, também a narração é um texto �gurativo. As trans-
formações de estado devem surgir numa ordem tal que uma pressuponha a
outra. Entre as ações, há uma relação de anterioridade e posterioridade, há
uma progressão de acontecimentos cuja ordem não pode ser alterada para que
não inter�ra na compreensão do texto.

Dissertação
São objetivos da dissertação: a análise e a interpretação das transformações
que ocorrem no mundo, por meio de temas. Nesse tipo de discurso, o enuncia-
dor expõe, de forma explícita, sua opinião, seu julgamento. Ao explicar o mun-
do, as asserções apresentam entre si relações lógicas de causa e efeito, basica-
mente.

As reportagens, que serão objeto de análise, ilustram o que foi a�rmado com
relação à organização do discurso, isto é, que não existe homogeneidade em
sua organização.

Reportagem é, segundo Lage:

[...] um gênero jornalístico diferente da notícia por vários aspectos. O primeiro deles
é que a reportagem não cuida da cobertura de um fato ou de uma série de fatos,
mas do levantamento de um assunto conforme o ângulo preestabelecido (1993, p.
46).
Lage (1993) assevera que, em algumas reportagens, predominam a investiga-
ção e o levantamento de dados e, em outras, interpretações.

Por exemplo, a reportagem Spa urbano alivia tensões do dia a dia inicia-se re-
velando relações de implicação. Trata-se de interpretação da realidade, o que
caracteriza a dissertação.   

"A busca pelo bem-estar nas grandes cidades tem levado muitas pessoas a
procurarem os spas urbanos" (RIBELLA, 2005, p. 4).

Em seguida, o autor passa a descrever spas urbanos como a Casa Corpo Spa
Urbano:

A Casa Corpo Spa Urbano, no Jardim Paulista, tem banhos de vinho, chocolate e
sais do Mar Morto. O cliente ainda pode escolher entre os banhos no ofurô ou em
banheiras com hidromassagem e luz para cromoterapia, explica a proprietária do
spa, Érica Gaion (RIBELLA, 2005, p. 4).

Pode-se identi�car nesse trecho as quali�cações do spa, o que caracteriza a


descrição.

A reportagem Campo vira refúgio contra estresse também se inicia evidenci-


ando relações de implicação. Trata-se de interpretação da realidade, o que ca-
racteriza a dissertação, como podemos veri�car no trecho a seguir:

Trocar o cotidiano da cidade grande, poluída e barulhenta, por um spa bucólico, em


meio ao verde, ar puro e silêncio apaziguador ajuda a amenizar o impacto desgas-
tante dos problemas do dia-a-dia (GLAUBER, 2005, p. 6).

Em seguida, o autor da reportagem passa a apontar as características dos spas


campestres, como, por exemplo, o Spa Ponto de Luz:
Atrelado a elementos místicos, o Spa Ponto de Luz, em Joanópolis (SP), a 130km de
São Paulo, tem como principal atividade a meditação. Segundo a gerente de terapia,
Madeva Suvalia, o ambiente propicia o encontro do indivíduo com o seu próprio
ser. [...] Diferentemente de muitos spas, o Ponto de Luz não oferece atividades físi-
cas como ginástica. Atendimentos individuais, banhos de ofurô, escaldapés e o�ci-
nas fazem parte da programação. O pacote individual de quatro dias custa R$ 1.541
e o de sete, R$ 2.329 (GLAUBER, 2005, p. 6).

Nas descrições dos Spas urbanos e campestres apresentadas, percebe-se que


não há anterioridade e posterioridade e sim concomitância, característica des-
sa forma de organização discursiva. Inverter a ordem das informações sobre o
Spa Ponto de Luz, por exemplo, não implicaria no comprometimento do enten-
dimento desse trecho descritivo.

Leia, agora, Além dos espelhos dourados, de Marina Colasanti:

O apartamento simples, quase despido, não o satisfazia. Sonhava com casa luxuo-
sa, brilhos de palácio.
Longas economias trouxeram o piso de mármore, alternância de preto e branco pa-
ra passos de valsa. Sacrifícios impostos aos �lhos e à mulher permitiram o lustre
de pingentes, os muitos watts. A cada ano, um novo espelho re�etia acréscimo en-
tre molduras douradas.
Por �m, conquistada a cama com dossel e a banheira de alabastro, sentou-se na
poltrona de alto espaldar. E resvalando sobre os coxins de damasco, entregou-se a
sonhos de simplicidade (1986, p. 34).

Trata-se de um texto cujo discurso é �gurativo, predominantemente. Figuras


como "apartamento", "casa luxuosa", "brilhos de palácio", "piso de mármore",
"lustre de pingentes", "molduras douradas" etc., podem ser articuladas ao úni-
co tema, isto é, palavras abstratas presentes no texto, como "sonhos de simpli-
cidade".

Apresenta narratividade. O segundo e o terceiro parágrafos evidenciam as


transformações de estado, decorrentes da insatisfação da personagem que se
entrega a sonhos de ostentação. A última delas "E resvalando sobre os coxins
de damasco, entregou-se a sonhos de simplicidade" retoma a situação inicial
do conto "O apartamento simples, quase despido...".
As transformações ocorrem entre dois marcos, "Sonhava com casa luxuosa,
brilhos de palácio" e "... entregou-se a sonhos de simplicidade". Sair de um
apartamento simples para uma casa com brilhos de palácio, como em Além
dos espelhos dourados, de Marina Colasanti ou da terra para outros astros,
planetas ou galáxias, como em O homem e as viagens, de Drummond, é um
percurso �gurativo que rea�rma o tema da insatisfação humana, revelado lo-
go no início do miniconto de Colasanti.

Essas transformações evidenciam uma sucessão no tempo e a relação de an-


terioridade e posterioridade. Por exemplo, a personagem não poderia
"entregar-se a sonhos de simplicidade" antes das transformações que ocorre-
ram, ou seja, esta transformação é posterior às que a antecedem.

Portanto, uma narração apresenta esses importantes princípios que a gover-


nam: �gurativização, narratividade e a relação anterioridade e posterioridade.

Como mais um exemplo de modos de organização discursiva, leia este texto:

A praia dos sonhos estende-se por quilômetros e quilômetros. As areias ga-


nham altura e contrastam com a vegetação agreste e escura. É margeada por
coqueiros.

Aqui, o que se descrevem são as propriedades, os aspectos da praia, num dado


momento. O que existe é a concomitância, e não a anterioridade e a posteriori-
dade. Tanto assim que pode haver uma alteração na ordem em que os aspec-
tos são colocados sem que haja prejuízo no entendimento do texto. Por exem-
plo: "A praia dos sonhos é margeada por coqueiros. Estende-se por quilôme-
tros."

As noções de narratividade, tema e �gura são, atualmente, bem exploradas pela teoria semiótica do texto,
de linha francesa.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.
19. Considerações
Neste primeiro ciclo de aprendizagem, voltamos nossos estudos para o reco-
nhecimento da concepção de linguagem que deve embasar o ensino da língua
portuguesa na educação básica, re�etindo sobre a centralidade do texto (oral
ou escrito) neste contexto, sendo capazes de compreender os conceitos de dis-
curso e de gêneros e tipos textuais.

Já no segundo ciclo, abordaremos os conceitos de leitura e escrita, buscando


analisar como lidar, de modo e�ciente, com o texto na sala de aula, na pers-
pectiva da leitura e da produção.
(https://md.claretiano.edu.br/anaprotex-

gp0053-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 2 – Leitura e Escrita

Maria Ângela de Freitas Chiachiri

Objetivos
• Reconhecer a leitura como prática social.
• Veri�car como lidar, de modo e�ciente, com o texto na sala de aula, na
perspectiva da leitura e da produção.
• Analisar as práticas pedagógicas para o ensino e a aprendizagem da lei-
tura e da escrita, em uma perspectiva dos novos e multiletramentos.

Conteúdos
• Concepções de leitura.
• A leitura e a escrita como práticas sociais.
• Estratégias de leitura e escrita.
• Escrita e leitura: contexto de produção e contexto de uso.
• A produção de textos como prática de linguagem e como atividade de
linguagem na escola.

Problematização
O que devemos entender por leitura? Quais fatores e aspectos devemos consi-
derar no processo de leitura e de produção de sentidos? O que são os contex-
tos de produção e de uso envolvidos no processo de produção e análise de
textos? Como entender a produção de textos enquanto atividade de lingua-
gem na escola?
1. Introdução
No primeiro ciclo de aprendizagem, vimos que o texto, oral ou escrito, deve
ocupar um lugar central no ensino da Língua Portuguesa. Neste segundo ciclo
de aprendizagem, teremos contato com algumas concepções de leitura e de
escrita, bem como com alguns fatores envolvidos em ambas, e buscaremos re-
�etir sobre formas pertinentes de se trabalhar o texto em sala de aula, na pers-
pectiva da leitura e da produção.

Recorrendo novamente ao que a BNCC diz sobre essas duas perspectivas de


trabalho com o texto, compreendemos que ambas são tomadas enquanto prá-
ticas sociais, que não devem e não podem ser realizadas de forma descontex-
tualizada, desconsiderando seus contextos de produção e uso.

A este respeito, a BNCC a�rma que o Eixo da Leitura abarca as práticas de lin-


guagem resultantes da interação entre leitor (ou ouvinte e espectador, a de-
pender do gênero e do suporte de veiculação do texto) com os textos escritos,
orais e multissemióticos e de sua interpretação (BRASIL, 2018), evidenciando
que a prática social da leitura não depende exclusivamente do texto, tampou-
co do leitor, ou ainda do autor. Pelo contrário, entender a leitura enquanto prá-
tica social de linguagem signi�ca entender que todos esses fatores estão en-
volvidos no processo de construção interativa de signi�cados a partir de um
texto.

O Eixo da Produção de Textos, por sua vez, ao compreender a produção de


textos também como uma prática social de linguagem, salienta as dimensões
inter-relacionadas às práticas de uso e re�exão envolvidas no processo de
escrita, fazendo referência à questão da interação e da autoria (individual ou
coletiva) do texto escrito, oral e multissemiótico (BRASIL, 2018).

Assim sendo, ressalta-se que as práticas de leitura e de escrita não devem ser
concebidas, tampouco desenvolvidas, de forma genérica e descontextualiza-
das. Muito pelo contrário: devem partir sempre de situações efetivas de leitura
ou produção de textos pertencentes a gêneros que efetivamente circulam nos
diversos campos de atividade humana (BRASIL, 2018).
2. Texto, contexto e sentido
Diante da discussão apresentada na Introdução deste ciclo, propomos a leitura
dos capítulos 1 e 3 da obra Ler e compreender: os sentidos do texto, de Koch e
Elias (2006), disponível na Biblioteca Virtual Pearson.

No capítulo 1, intitulado Leitura, texto e sentido, as autoras discutem o proces-


so de leitura entendido sob a ótica das três concepções de linguagem estuda-
das no primeiro ciclo (linguagem como representação do pensamento, lingua-
gem como instrumento de comunicação e linguagem como uma forma e um
lugar de interação), das quais também decorrem diferentes concepções de su-
jeito, de língua, de texto e de sentido (KOCH; ELIAS, 2006).

Na terceira concepção, sempre a que mais nos interessa, considerando os es-


tudos recentes nas áreas da Educação e da Linguagem, bem como os docu-
mentos o�cias que oferecem diretrizes sobre o ensino da Língua Portuguesa, a
leitura, segundo as autoras, é entendida como uma atividade de produção de
sentido que depende da interação entre autor-texto-leitor.

Assim sendo, elas apresentam diferentes estratégias de leitura, tais como: se-
leção, antecipação, inferência e veri�cação, que podem ser trabalhadas junto
aos alunos dentro de uma visão de leitura como processo interativo de produ-
ção de sentidos, oferecendo exemplos práticos que ilustram o trabalho que po-
de guiar a prática pedagógica.

Ainda neste primeiro capítulo, Koch e Elias discutem os objetivos da leitura e


tratam dos fatores envolvidos em sua compreensão, por meio da análise de di-
ferentes gêneros textuais.

Para �nalizar, elas re�etem sobre os contextos de produção e de uso envolvi-


dos nos processos de escrita e leitura.

Já no capítulo 3, denominado  Texto e Contexto, as autoras re�etem sobre o


que signi�ca, na prática, considerar o contexto quando da leitura e da escrita
de um texto, também ilustrando as re�exões a partir da análise de textos de
diferentes gêneros.
Pronto para saber mais?
Para aprofundar seus estudos em relação aos processos de leitura e compreensão leitora,
sugerimos que assista à entrevista da educadora argentina Delia Lerner (https://www.you-
tube.com/watch?v=3lRLK0axNJc&list=PLfarCWFbZ2YZgtHPY2TYgibdCsCpcqKP2&in-
dex=20), na qual ela discute a importância do conhecimento prévio e do conhecimento
compartilhado a respeito do assunto abordado para a compreensão do texto, sendo papel do
professor identi�car e ajudar o aluno a “completar” os sentidos do texto por meio do ofereci-
mento de conhecimentos nele implícitos.

3. A produção de textos como prática de lin-


guagem e como atividade de linguagem na es-
cola
Depois de estudar as diferentes concepções de leitura que resultam das três
grandes concepções de linguagem, abordando os objetivos, as estratégias e os
fatores envolvidos no processo de leitura dentro da terceira concepção, passa-
remos, então, a discutir a produção de textos como prática de linguagem e co-
mo atividade de linguagem na escola, re�etindo sobre a escrita e a leitura co-
mo práticas sociais e como processos individuais e dialógicos.

Com certeza, você já se perguntou por que muito antes, na escola, fazíamos
uma composição – muitas vezes à vista de uma gravura – depois passamos a
fazer “redação” – principalmente se �zemos o vestibular – e agora pedimos
para nossos alunos fazerem uma “produção de texto”. Será que a mudança de
termos é um modismo ou haveria algo por trás disso?

Seguramente, você não é do tempo em que, na escola, a professora colocava


uma �gura no alto da lousa para que a contemplássemos e escrevêssemos o
que nos ia na imaginação. Mas já deve ter escrito muitas “redações”, “textos
dissertativos”, “textos narrativos” e não “artigos de opinião”, “contos”, “fábulas”
e outros.

Você verá que, por trás disso, estão as diferentes concepções de linguagem
constituídas a partir dos estudos dos �lósofos e linguistas sobre a língua e seu
uso no século 20, e por isso o modo de enxergar as práticas de leitura e de es-
crita também mudam, assim como os termos que as identi�cam.
Uma outra coisa que você pode estar se perguntando é: por que a escrita ora é
considerada uma “prática social” e ora os estudiosos dizem que é uma “prática
individual e única e ao mesmo tempo interpessoal e dialógica”? Será que
quando escrevemos somos os únicos a dizer o que dizemos, somos absoluta-
mente originais?

Nesse momento, pensaremos também em possíveis metodologias de ensino e


aprendizagem das práticas de produção de textos e da constituição dos gêne-
ros discursivos que circulam socialmente. Ou seriam gêneros textuais? E por
que será que se fala tanto em “contexto de produção” ou de “condições de pro-
dução” quando se pensa em produção de textos?

E qual seria o melhor caminho para ensinar a produzir textos? Esperamos que
essas e outras questões deem início a re�exões que você e seus colegas desen-
cadearão e discutirão, com base no aprofundamento dos aspectos aqui somen-
te iniciados, mas referenciados para sua pesquisa.

4. A escrita: composição, redação ou produção


de textos?
A prática da composição vinha de um longo período que vai do �nal do século
18 até meados do século 20, em que havia um destaque muito maior para o en-
sino das regras gramaticais e da leitura – entendida como uma prática de de-
codi�cação e memorização de textos literários – do que da prática do escre-
ver. O ensino da composição, como eram denominados os textos escritos pe-
los alunos, estava reservado praticamente para as últimas séries do chamado
ensino secundário (hoje 5º ao 9º ano), nas disciplinas retórica, poética e litera-
tura nacional.

Nessa época, fazer composição signi�cava escrever a partir de �guras ou títu-


los dados, tendo como base os textos modelo apresentados pelo professor, ge-
ralmente, da Antologia nacional, obra composta de textos literários portugue-
ses e brasileiros em prosa e verso. Esses textos eram utilizados pelos docentes
para ensino da chamada norma culta por meio de exercícios de leitura, recita-
ção, análises sintáticas e composição.
Os manuais de retórica apresentavam uma classi�cação dos “gêneros literári-
os” que deveriam ser utilizados na escola e apontavam as qualidades e defei-
tos de estilo, além de mostrar como montar esquemas de ideias. Os alunos de-
veriam imitar os mais belos trechos das obras-primas nacionais que lhes
eram apresentadas como modelos. Acreditava-se no aprendizado mediante a
exposição à boa linguagem e na existência de uma língua homogênea, estáti-
ca e sem problemas. O texto era visto como tradução do pensamento lógico:
“quem pensa bem escreve bem”. Sendo assim, enfatizava-se muito mais o pro-
duto �nal do que o processo de escrita.

As disciplinas retórica e poética foram eliminadas do currículo em 1890, ima-


gine! Mas essa concepção de aprendizagem voltada essencialmente para for-
mação literária e propedêutica parece nos acompanhar até hoje, não?

Foi só durante as décadas de 1960 e 1970 que começamos a perceber algumas


novidades no que se passou a chamar de redação escolar. Nesse período, sur-
ge a preocupação em incentivar a “criatividade” do aluno. Os textos de leitura
serviam então como um estímulo para o aluno escrever; por sua vez, o texto
produzido era resultado de um processo criativo, estimulado pelo método. Foi
então que, na década de 1970, observamos um aumento considerável da pro-
dução de livros didáticos para o ensino de redação, com foco maior no ensino
médio. Você deve se lembrar dos manuais Redação escolar: criatividade, de S.
Meserani (1971), A redação do vestibular, de J. A. Macedo; Curso de redação, de
H. A. de André e outros.

Nesse contexto, o saber sobre a língua deixa de ser o enfoque principal, dando
vez ao estudo dos códigos comunicacionais. A língua é vista como um conjun-
to de sinais com normas �xas que precisam ser decodi�cado para que ocorra
a compreensão, ou a decodi�cação. O objetivo da escola é desenvolver com-
portamentos do aluno como emissor e recebedor de mensagens por meio da
compreensão e emprego de códigos verbais e não verbais. Assim, as redações
produzidas pelos alunos passaram a ser vistas como atos de comunicação e
expressão.

Essa visão de linguagem como código transparente é que orientou, a partir de


1978, a obrigatoriedade da prova de redação em Língua Portuguesa em todos
os vestibulares. Essa medida acabou por cristalizar a redação de vestibular.
Um re�exo disso é a prática quase exclusiva da dissertação escolar sobre um
tema escolhido pelo professor ou pelo autor do livro didático e corrigida com
anotações sobre a estrutura textual (introdução, desenvolvimento, conclusão)
e sobre questões normativas (ortogra�a, acentuação, concordância verbal e
nominal). Nesse modelo, o objetivo é disciplinar, uma vez que o aluno escreve
para cumprir uma exigência do professor ou para passar no vestibular ou em
um concurso público etc.

A redação escolar foi vista como um “não texto”, pois, além de não apresentar,
em muitos casos, determinados padrões de textualidade, suas condições de
produção revelam produtos meramente escolares. Sobre textualidade pode-
mos entender o conjunto de características que fazem com que um texto seja
um texto, e não apenas uma sequência de frases: coesão, coerência, intencio-
nalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade
(VAL, 1991).

Para se contrapor a essa prática, que não leva em consideração as condições


de produção das diversas atividades de linguagem que circulam na sociedade,
surgiram discussões em torno de uma prática de ensino fundamentada nas
operações de construção de textos diversos, e não apenas de redações.

E é justamente durante os anos de 1980 e 1990 que nós, professores, já acostu-


mados aos exercícios de redação, fomos bombardeados com a expressão pro-
dução de textos. Mas o que signi�cava de fato essa tentativa de mudança na
terminologia?

Acontece que, por trás da troca de termos, outras concepções de linguagem e


de ensino-aprendizagem estão envolvidas. O que se tem colocado em jogo é
“uma profunda discussão sobre as situações de produção do texto e seu resul-
tado”, em que autores como Geraldi (1986, p. 24) têm se perguntado: “escreve-
mos na escola ou para a escola”?

5. A escrita como prática social


Cada vez mais, em várias ocasiões na vida, produzimos textos direcionados
para diferentes interlocutores, com �nalidades distintas, organizados nos
mais variados gêneros, que circularão em espaços sociais diversos. Por isso,
podemos dizer que tanto a leitura como a produção de textos escritos são prá-
ticas de linguagem e, sendo assim, práticas sociais.

Ao lermos uma notícia no jornal, por exemplo, se a abordagem de um fato nos


causar indignação — ou mesmo admiração —, podemos escrever uma carta
para o jornal manifestando nossa opinião sobre o assunto. Por outro lado, se
quisermos orientar uma pessoa que esteja distante sobre como programar o
vídeo para gravar um programa, podemos escrever um breve manual de ins-
truções. Se quisermos ainda divulgar nossa formação e experiência pro�ssio-
nal junto a uma empresa que possa se interessar pelo nosso trabalho, escreve-
remos um currículo etc.

Contemporaneamente, a preocupação volta-se muito mais para os contextos


de produção e de recepção dos textos (quem está falando, com quem, com que
objetivos, de que forma etc.). Por isso, na esfera educacional, torna-se impres-
cindível que o aluno aprenda a assumir-se como locutor, o que implica, de
acordo com Bunzen (2006, p. 149):

1. ter o que dizer;


2. ter razões para dizer o que tem a dizer;
3. ter para quem dizer o que tem a dizer;
4. assumir-se como sujeito que diz o que diz para quem diz;
5. escolher estratégias para dizer.

O que os estudiosos propõem é que os alunos não deveriam produzir “reda-


ções”, que são produtos escolares, escritos na escola e unicamente para a es-
cola, mas textos diversos que se aproximem dos usos extraescolares, com fun-
ção especí�ca e situada dentro de uma prática social escolar.

6. A escrita como processo individual e dialó-


gico
Assim como a leitura, o processo de escrita é tanto uma experiência individu-
al e única quanto interpessoal e dialógica. É individual e única porque o pro-
cesso de produção de um texto implica escolhas pessoais quanto a o que dizer
e a como dizer: a seleção de tópicos a serem apresentados, das palavras a se-
rem utilizadas, dos enunciados a serem organizados são escolhas do produtor
do texto, que re�etirão seu estilo de dizer.

Escrever é um processo interpessoal e dialógico porque todo texto sempre se


relaciona, de alguma forma, com os textos já produzidos anteriormente no que
se refere:

1. ao que se pode dizer por meio de determinados gêneros;


2. à forma de dizer (escolhas lexicais típicas do gênero, expressões usuais
que acabam por caracterizá-los, por exemplo);
3. aos textos produzidos e seu conteúdo, que podem marcar época,
constituindo-se como referências;
4. aos gêneros, propriamente, que também são construções históricas, e,
dessa forma, modi�cam-se, caem em desuso, são criados.

Citemos como exemplo o trabalho de um repórter: ao escrever uma notícia pa-


ra um jornal de circulação nacional, ele precisará ter um fato (ter o que dizer)
que merece ser noticiado (ter razões para dizer o que tem a dizer) para os pos-
síveis leitores desse jornal (ter para quem dizer o que tem a dizer). Dessa ma-
neira, esse repórter, ligado a um determinado jornal, vai assumir-se como um
sujeito responsável pelo que diz. Isso implica saber que tanto o repórter como
a instituição que ele, de certo modo, representa têm interesses, objetivos e
pontos de vistas sobre os fatos selecionados para serem noticiados.

A apreciação desse jornalista, que representa uma instituição, sobre o fato de-
sencadeará uma série de estratégias – linguísticas, textuais e discursivas: ele
poderá, por exemplo, escolher determinados trechos das falas das pessoas en-
volvidas com o fato para serem citados na notícia; ou, dependendo dessa aná-
lise de cunho valorativo, poderá citar em discurso direto marcado com aspas
(com o intuito de transmitir objetividade) ou ainda apenas remeter-se às teste-
munhas que presenciaram o fato.

Vimos que a escolha de um gênero, conforme Bakhtin (1997), é determinada


em função da especi�cidade da esfera de produção em que ocorre a comuni-
cação verbal, pelas necessidades de uma temática e do conjunto constituído
pelos participantes. Não podemos esquecer que a apreciação valorativa do lo-
cutor sobre a temática (o que pode ser dizível) e sobre os interlocutores vai de-
terminar muito dos aspectos temáticos, composicionais e estilísticos do texto/
enunciado em determinado gênero.

Do ponto de vista de Bunzen (2006, p. 149),

Se assumirmos tal posicionamento, apostaremos em um ensino muito mais proce-


dimental e re�exivo (e menos transmissivo), que leva em consideração o próprio
processo de produção de textos, que vê a sala de aula, assim como as esferas da co-
municação humana, como um lugar de interação verbal.

Por essa razão, as aulas de produção de texto não podem estar dissociadas de
leituras com ênfase na compreensão ativa e responsiva que aponta, inclusive,
para uma análise linguística dos textos que se debruce sobre aspectos discur-
sivos con�gurados em um dado gênero.

7. Gêneros do discurso: composição, conteúdo


temático e estilo
Contemporaneamente, os estudos sobre gêneros discursivos decorrem, em sua
maioria, da proposta de Bakhtin, que considera como gênero do discurso os
enunciados que atendam a um propósito comunicativo, em outras palavras,
qualquer texto que apresente uma função sociocomunicativa. Assim o autor
(BAKTHIN, 1997, p. 265) de�ne:

Todo enunciado tomado isoladamente, bem entendido, é individual, mas cada esfe-
ra social de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enun-
ciados, e é a estes que chamamos de gêneros do discurso.

O autor fala, em sua de�nição de gêneros, do uso variado da língua de acordo


com esferas da atividade humana. Considera que, em todas as esferas da vida,
as atividades humanas se realizam pela linguagem e na linguagem
(BAKHTIN, 1997, p. 281):
A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são in�nitas, pois a variedade vir-
tual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta
um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à
medida que a própria esfera se desenvolve e �ca mais complexa.

Podemos compreender que, como cada atividade humana se caracteriza por


determinadas especi�cidades, ela possui seus tipos relativamente estáveis de
enunciados, ou seja, compreende um determinado repertório de gêneros dis-
cursivos. Além disso, à medida que essa atividade amplia-se e se complexi�-
ca, também seus discursos tendem a �car mais complexos.

Estamos entendendo por discurso uma prática social de produção de textos


(orais ou escritos) que é o resultado de uma atividade discursiva construída
socialmente e não individualmente. Mesmo quando produzido, ele traz em si
uma visão de mundo que está determinada pelo meio social do autor. Dizemos
que o texto porta outras vozes (sociais) expressas pela voz narrativa. Podemos
falar em discurso religioso, como a prece, o sermão, a parábola etc.; o discurso
jornalístico, como o que transparece nas notícias, reportagens, editoriais etc.;
o discurso literário, que permeia a tragédia, o romance, o conto etc.; o discurso
do cotidiano, que caracteriza a conversação e seus tipos etc.

Bakhtin explica que os enunciados são as unidades concretas que usamos da


língua, as expressões que construímos socialmente e que compreendemos ao
conversar com outros falantes da língua. A esse respeito, o autor (BAKHTIN,
1997, p. 279) a�rma que:

A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concre-


tos e únicos que circulam entre as pessoas de uma ou outra esfera da atividade hu-
mana. O enunciado re�ete as condições especí�cas e as �nalidades de cada uma
dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, pe-
la seleção operada nos recursos da língua (recursos lexicais, fraseológicos e gra-
maticais), mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Esses três
elementos – (conteúdo temático, estilo e construção composicional) – fundem-se
indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especi�ci-
dade de uma esfera de comunicação.
Esses três elementos constituem os enunciados (BRASIL, 1998, p. 21):

Conteúdo temático: o que é ou pode tornar-se dizível por meio do gênero.

Construção composicional: estrutura particular dos textos (narrativo, argumentati-


vo, descritivo, explicativo ou conversacional) pertencentes ao gênero.

Estilo: con�gurações especí�cas das unidades de linguagem derivadas, sobretudo,


da posição enunciativa do locutor; conjuntos particulares de seqüências que com-
põem o texto etc.

Um enunciado considerado isoladamente é individual, mas cada esfera de uti-


lização da língua, ou seja, cada esfera de atividade das pessoas elabora seus ti-
pos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que Bakhtin (1997, p.
279) denomina de “gêneros do discurso”.

Por exemplo, a esfera de atuação jurídica tem suas formas estáveis de comu-
nicação: processos, demandas, atas, petições etc. A esfera da medicina utiliza-
se de prontuários, receitas, relatórios, análises, laudos etc. No âmbito da edu-
cação circulam relatórios, planos de aula, planos de ensino, pesquisas, atas,
anotações de aulas, redações, resumos etc.

Podemos concluir, portanto, com base em Bakhtin (1997), que os gêneros são
formas de enunciados produzidas historicamente, que se encontram disponí-
veis na nossa cultura. Entre uma grande variedade deles, podemos encontrar
a notícia, a reportagem, o artigo de opinião, o artigo cientí�co, o romance, o
conto (literário, popular, maravilhoso, de fadas, de aventuras), a fábula, a crôni-
ca, o anúncio, a receita culinária, a receita médica, a tese, a monogra�a, o cor-
del, o poema, o repente, o relatório, o seminário, assim como a palestra, a con-
ferência, o verbete, a parlenda, a adivinha, a cantiga, o pan�eto, o sermão e ou-
tros.

Trazendo essas informações para a nossa prática pedagógica, podemos pon-


derar que, se produzimos um texto, nós o fazemos pensando no que vamos di-
zer, no nosso interlocutor, na �nalidade do texto e em qual a melhor forma de
dizer o que pretendemos e vamos organizando-o em um gênero. Se pretende-
mos ensinar nossos alunos a produzir textos, temos de ensinar esses e outros
procedimentos de escrita para que também eles se apropriem dessas formas
de enunciados já disponíveis na nossa cultura, que se caracterizam como gê-
neros discursivos ou textuais.

Gêneros discursivos ou gêneros textuais?


Com certeza, você já ouviu as duas expressões – gêneros discursivos e gêne-
ros textuais. Isso acontece porque dizem respeito a diferentes abordagens, ou
seja, diferentes modos de olhar um mesmo objeto, que seria o texto. Em outras
palavras, seria ou olhar para o discurso que permeia o texto ou olhar para os
aspectos textuais que con�guram o mesmo texto.

Como esses dois aspectos do texto não se separam porque estão os dois ema-
ranhados um no outro, um dependendo do outro, alguns autores utilizam ora a
expressão “gêneros textuais” e ora “gêneros discursivos”. Uma autora que pode
estabelecer diferenças signi�cativas entre essas duas instâncias, dos pontos
de vista teórico e aplicado, é Rojo (2004).

Essa autora destaca que tanto os conceitos de gêneros textuais quanto de gê-
neros discursivos são resultantes de pontos de vista que têm origem em dife-
rentes releituras da obra de Bakhtin e que, sendo assim, o discurso do linguis-
ta russo é fundador nas duas vertentes.

Rojo (2004) explica que, ao se adotar a perspectiva do discurso – baseada em


Bakhtin (1997) —, o estudo de um texto parte da análise dos aspectos sócio-
históricos da situação enunciativa na qual o gênero está inserido, privilegian-
do a vontade enunciativa do locutor e sua apreciação valorativa sobre os inter-
locutores e temas discursivos e, a partir dessa análise, chega-se ao gênero em
questão e faz-se o exame das formas linguísticas relevantes para se con�gurar
a signi�cação.

Em outras palavras, quando um estudioso da linha do discurso aborda um


texto para analisar sua linguagem, ele olha em primeiro lugar para a situação
enunciativa, ou seja, para o contexto em que se deu esse enunciado – o con-
texto de “produção” do texto. Especi�cando, ele olhará primeiramente para
quem escreveu o texto, em que época, em que situação comunicativa, quando
escreveu, com que intenção, com que �nalidade, para quem escreveu etc. Isso
porque todas essas informações contextuais permitem ao leitor perceber ou
vislumbrar quais as relações intertextuais com outros enunciados da época, o
posicionamento social e/ ou político do autor a respeito do tema, o que se pen-
sava ou se pensa a respeito do tema em determinada sociedade etc. São todas
informações que permitem ao leitor depreender “os discursos”, as “vozes”, os
“debates” a respeito do tema em questão. O autor deixa pistas no texto que per-
mitem ao leitor perceber o(s) discurso(s) que o permeia(m).

Os diálogos, implícitos ou explícitos que se estabelecem entre autor e leitor, os


quais mobilizam os conhecimentos prévios, linguísticos e de mundo do leitor,
têm lugar importante na análise. Só depois o estudioso passará a analisar os
aspectos linguísticos especí�cos do texto e sua signi�cação. Sendo assim, es-
se estudioso referir-se-á ao texto como um texto do gênero “discursivo”.

Para a mesma autora, Rojo (2004), uma análise dos gêneros sob a perspectiva
da linguística textual – também baseada em Bakhtin – estaria, primeiramen-
te, mais voltada para uma descrição linguística das regularidades desse gêne-
ro, descrevendo exaustivamente as propriedades do texto e suas formas de
composição. Nessa perspectiva, buscam-se, na leitura de um grupo de gêneros
similares, regularidades que o estruturem como tal, para somente depois
colocá-lo em relação com aspectos da situação social ou de enunciação.

Simpli�cando, a vertente de estudiosos que se referem a um determinado tex-


to em estudo como do “gênero textual” volta-se primeiramente para a materia-
lidade da língua, para a descrição da composição textual, da funcionalidade
da língua e sua signi�cação, comparando e buscando regularidades, ou seja,
aspectos que se repetem em textos de um grupo que caracterizam um gênero.
Por exemplo, quais são os elementos coesivos – suas características, funcio-
nalidade – que aparecem com ênfase em textos do gênero conto maravilhoso,
ou aqueles que aparecem em textos do gênero artigo de opinião etc.

Podemos notar que, para de�nir essa noção, há duas orientações principais:
aquela que está mais voltada para as características formais dos textos, justi�-
cando a denominação “gêneros de textos”, e outra, mais voltada para as condi-
ções de produção do discurso e sua natureza comunicacional, que justi�ca a
denominação de “gêneros do discurso”.

É importante observar que, de um ou de outro ponto de vista, são focalizados o


tema, a composição e o estilo, aspectos que caracterizam um determinado gê-
nero.

Como o nosso foco, nesta disciplina, é observarmos a existência de formas de


enunciados produzidas historicamente e disponíveis na nossa cultura para
ensinarmos nossos alunos a se apropriarem delas, tentaremos observar todos
os aspectos possíveis que constituem os gêneros, priorizando os que apontam
para a natureza comunicacional do discurso. Por isso, usaremos predominan-
temente a denominação gêneros do discurso.

Conteúdo temático, aspectos composicionais, estilo dos


gêneros
O convívio das pessoas em sociedade, pelo qual circulam textos para as mais
diferentes �nalidades, oportuniza a observação de elementos comuns entre
certos grupos de textos. Isso signi�ca dizer que cada gênero possui alguns as-
pectos mais ou menos �xos que nos permitem inferir e antecipar uma série de
dados que facilitam tanto a leitura como a produção de textos.

Por exemplo, podemos saber de antemão o conteúdo temático, os aspectos


composicionais e os recursos estilísticos de muitos gêneros a seguir.

A notícia

1. Conteúdo temático:
o tema/ assunto diz respeito ao relato de fatos que se supõe que sejam de
interesse da população em geral; retrata um fato real e pode ser compro-
vado;

2. Aspectos composicionais:
o relato do fato deve se dar por hierarquia e importância suposta; a notí-
cia está estruturada em três partes principais: título, lead e corpo do texto;
3. Recursos de estilo:
em uma notícia, predomina o uso de termos e construções típicas do jar-
gão (por exemplo, o jargão policial: “O elemento adentrou o recinto”, “A
que horas se deu o ocorrido?”); a terceira pessoa imparcial; seu registro
deve ser objetivo, mas toma características mais formais ou menos for-
mais conforme a esfera social, popular ou culta, em que circula o jornal
no qual está inserida.

A crônica literária

1. Conteúdo temático:
em uma crônica literária, há o relato pessoal de situações corriqueiras do
dia a dia que poderiam acontecer a todos nós, ou seja, um autor relata de
forma artística e pessoal fatos colhidos no noticiário jornalístico ou no
cotidiano;

2. Aspectos composicionais:
o texto é curto e leve, organizando-se também em torno dos elementos
básicos da narrativa: fatos, personagens, tempo e lugar;

3. Recursos de estilo:
por narrar um fato cotidiano, �ctício ou não, com linguagem literária, o
estilo é acessível a várias esferas de atividades, como leitura de entrete-
nimento em que os leitores podem se identi�car com muitos dos perso-
nagens.

O editorial

1. Conteúdo temático:
em um editorial, quem escreve tem a intenção e o objetivo de mostrar a
opinião do jornal a respeito de uma determinada questão controversa de
relevância social, originária de algum acontecimento, buscando conven-
cer os leitores de que a ideia defendida pelo jornal é a mais assertiva;

2. Aspectos composicionais:
a tese ou ponto de vista é fundamentado por comparações, exempli�ca-
ções, depoimentos, pesquisas, citações, retrospectivas históricas; o texto
organiza-se em três partes: introdução, desenvolvimento e conclusão;

3. Recursos de estilo:
a linguagem é clara, objetiva, impessoal; uso do padrão formal da língua.

A reportagem

1. Conteúdo temático:
em uma reportagem, há a apresentação de fatos que interessam ao públi-
co a que se destina o jornal ou a revista, mas de forma mais aprofundada
que na notícia; costuma estabelecer conexões entre o fato central e fatos
paralelos;

2. Aspectos composicionais:
na reportagem, aparecem título, lead e corpo do texto, que fazem cone-
xões com boxes informativos, citações, entrevistas, dados estatísticos e
fotogra�as;

3. Recursos de estilo:
em uma reportagem, a linguagem é impessoal, objetiva, direta, de acordo
com o padrão culto da língua.

O depoimento

1. Conteúdo temático:
em um depoimento, quem escreve relata episódios marcantes de sua vida
pessoal, constituindo-se esses textos em importantes documentos histó-
ricos, pois registram testemunhos verdadeiros sobre um fato;

2. Aspectos composicionais:
o relato respeita a ordem dos fatos ocorridos, apresentando os elementos
básicos da narrativa: sequência de fatos, pessoas, tempo, espaço. Assim, é
importante nessa forma o uso de determinados conectivos para garantir
a coesão textual; o narrador é o protagonista da história;

3. Recursos de estilo:
em um depoimento, os verbos são empregados predominantemente em
primeira pessoa, oscilando entre o pretérito perfeito e o presente do indi-
cativo. Pode ser empregado o padrão culto e formal, bem como o padrão
culto e informal da língua.

O interrogatório

1. Conteúdo temático:
o interrogatório consiste em um diálogo que retrata uma relação formal
entre pessoas de esferas de atuação diferentes envolvidas num espaço
concreto. Por isso, sua composição prevê o registro do diálogo entre a au-
toridade e o interrogado de modo formal e padronizado.

2. Aspectos composicionais:
em um interrogatório, registram-se detalhes da cena presenciada ou das
informações obtidas;

3. Recursos de estilo:
há o registro formal dos fatos, o que prevê uma escolha minuciosa dos
tempos (pretérito, futuro, presente), do modo (indicativo, subjuntivo, im-
perativo), da voz verbal (passiva/ ativa) e a escolha da pessoa (relato/ nar-
rativa em 1ª ou 3ª pessoa). Há o registro formal dos diálogos entre a auto-
ridade e o interrogado.

A conversa telefônica

1. Conteúdo temático:
em uma conversa telefônica, a gama de temas é muito maior: aconteci-
mentos pessoais, conselhos, pedidos, convites etc.

2. Aspectos composicionais:
percebemos as marcas do texto oral, em forma de diálogo, em primeira
pessoa, sobretudo quando iniciado diretamente com as falas dos persona-
gens;

3. Recursos de estilo:
característica da informalidade da linguagem, maior ou menor, conforme
o interlocutor e sua esfera de atuação.
Apesar de termos um conhecimento internalizado, pela vivência em socieda-
de, sobre uma grande variedade de gêneros que circulam na nossa esfera de
atuação, sempre que quisermos aprofundar uma leitura ou produzir um texto
mais elaborado teremos de pesquisar sobre eles.

É importante estudar em profundidade os traços temáticos, composicionais e


de estilo de um gênero dentro do qual queiramos expor nosso pensamento ou
do qual queiramos extrair informações e realizar uma atividade de compreen-
são.

Principalmente para nós, professores, as questões sobre quem escreve o texto,


para quem escreve, de que lugar social fala, do que fala, como escreve devem
ser internalizadas e fazerem parte de nossa competência leitora e escritora
para que possamos orientar nossos alunos a também desenvolverem esses
procedimentos leitores e escritores. São questões que nos dão pistas sobre as
condições em que foram produzidos os textos (orais ou escritos).

No próximo tópico, você compreenderá a importância dessa contextualização


para a compreensão dos sentidos dos textos que circulam na sociedade e para
a adequada produção de outros.

8. As condições de produção dos textos


É na vida social – no trabalho, na escola, na família, nos espaços de lazer – e
outros que as pessoas se constituem como usuários da língua.

Em cada esfera de atividade humana, em função de seus objetivos, interesses


e questões especí�cas, as pessoas, como produtos da atividade discursiva, ela-
boram diferentes enunciados ou textos, orais ou escritos, com características
relativamente estáveis. Essas formas de se comunicar vão �cando disponíveis
para os contemporâneos que se apropriam delas como modelos e as transmi-
tem às gerações posteriores.

Como você pode constatar, para que consigamos nos comunicar, usamos “for-
mas enunciativas” mais ou menos conhecidas e compartilhadas dentro de
uma esfera social especí�ca, já internalizadas por outros usuários da língua,
capazes de viabilizar a comunicação. Os gêneros discursivos funcionam, por-
tanto, como modelos textuais sobre como produzir e atribuir sentidos em situ-
ações de interação diversas.

As especi�cidades da situação de interação imediata, porém, determinam o


caráter singular de cada texto, seja oral ou escrito. Estamos falando do contex-
to de produção dos textos. Schneuwly e Dolz (2004) entendem que o produtor
do texto realiza um cálculo para avaliar a adequação de um dado gênero à si-
tuação especí�ca de interação em que se situa e, ao mesmo tempo, adapta o
novo texto às características do gênero, modi�cando-o se necessário. É como
se o produtor do texto medisse, pesasse, calculasse qual a melhor forma de di-
zer ou escrever o que quer dizer, sempre avaliando quem seria seu interlocutor,
em que esfera social se insere, quais discursos circulam nesse ambiente etc.
Essas condições determinam o que dizer e como dizer, com vistas aos efeitos
de sentido que o produtor quer provocar pelo texto.

Por sua vez, os gêneros que circulam socialmente, ao entrarem na escola e


passarem a ser objetos de estudo, sofrem transformações. Os alunos passam a
ser, ao mesmo tempo, produtores e interlocutores (reais ou imaginários) para
quem os textos são dirigidos e o professor, o destinatário intermediário que
orienta e ensina como dar conta da tarefa. Nessas condições de produção dos
textos, em algumas situações, os alunos poderão ora se absorverem mais com
a atuação do professor enquanto mediador, ora com os outros destinatários –
os colegas ou pessoas da comunidade.

As “práticas de linguagem”, as “atividades de linguagem” e


os gêneros como “megainstrumentos”
Schneuwly e Dolz (2004, p. 72) argumentam que, se o desenvolvimento das
pessoas é considerado um processo de acumulação das experiências realiza-
das pela sociedade, as noções de “práticas de linguagem” e de “atividades de
linguagem” são fundamentais:

• As práticas de linguagem implicam tanto dimensões sociais como cogni-


tivas e linguísticas do funcionamento da linguagem numa situação de
comunicação particular.
• As atividades de linguagem consistem em produzir, compreender, inter-
pretar e/ ou memorizar um texto.
• Os gêneros possibilitam que as práticas de linguagem se materializem
nas atividades dos aprendizes.

Justamente no espaço entre as práticas de linguagem (no ambiente social) e


as atividades de linguagem (na escola) é que se daria a aprendizagem dos alu-
nos. Transformações sucessivas das atividades do aprendiz mediante a re�e-
xão sobre as regularidades e peculiaridades dos gêneros conduziriam à cons-
trução das práticas de linguagem.

Do ponto de vista do uso e da aprendizagem, o gênero pode ser considerado,


pelos autores, um megainstrumento que fornece um suporte para a aprendiza-
gem nas situações de comunicação e uma referência para os aprendizes.

A tomada de consciência do papel central dos gêneros como objeto e instru-


mento de trabalho implica uma tarefa longa, lenta e complexa de avaliação do
que é aprendido e de desenvolvimento de novas pistas de trabalho. Na opinião
de Schneuwly e Dolz (2004, p. 80), é importante levar em conta que:

• Toda introdução de um gênero na escola tem de ser resultado de uma decisão


didática que visa a objetivos precisos de aprendizagem que são sempre de
dois tipos: trata-se de aprender a dominar o gênero, primeiramente, para me-
lhor conhecê-lo, melhor produzi-lo na escola e fora dela, e, em segundo lugar,
para desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferí-
veis para outros gêneros próximos ou distantes [...];
• Trata-se de colocar os alunos em situações de comunicação que sejam o mais
próximas possível de verdadeiras situações de comunicação [...].

É importante salientar que, para Schneuwly e Dolz (2004), o gênero trabalhado


na escola será sempre uma variação do gênero de referência, um modelo didá-
tico. A introdução de um gênero na escola faz dele, necessariamente, um gê-
nero escolar, uma variação do gênero de origem.

Nessa perspectiva de trabalho com os gêneros, os alunos, ao se esforçarem pa-


ra atender aos comandos de produção de textos em que, algumas vezes, terão
de participar de situações de interação parecidas com as que desempenhari-
am lá fora, estarão desempenhando seu papel de aprendizes e percebendo que
o professor como interlocutor mediador tem o objetivo de fazê-los aprender.
Dessa maneira, instalam-se condições reais de produção de textos.

No tópico a seguir, apontaremos algumas práticas de produção de textos que


podem acontecer na escola para visualizarmos possibilidades metodológicas
no ensino de produção de textos a partir de gêneros discursivos que circulam
socialmente.

9. As práticas de produção de textos na escola


Dados apontam que hoje os professores já deram um passo importante para o
tratamento da diversidade de textos na sala de aula, pois vemos cartas, bilhe-
tes, listas, notícias, poemas, fábulas, receitas e outros textos circulando pela
escola. Isso, porém, não é su�ciente: a condução das atividades na aula deve
ser desempenhada de forma a que os gêneros se transformem também em ob-
jetos de re�exão, e a mediação do professor possa colaborar para que o aluno
desenvolva estratégias para lidar com um grande número de textos de vários
gêneros.

Uma das razões que podem justi�car as di�culdades de produção ou de com-


preensão de textos que a maioria das pessoas tem – e não só os alunos – é a
falta de domínio do gênero em que se pretende escrever ou ler. O contexto de
circulação desse texto em questão pode também ser desconhecido para deter-
minadas pessoas por não se ter tido muito contato com ele.

Os textos de gêneros que circulam na área do Direito, por exemplo, podem ser
estranhos a pessoas que lidam mais com a área da arte, da saúde ou outra.
Textos de gêneros que circulam na área médica poderão ser desconhecidos
para a maioria das pessoas. Gêneros que circulam na área administrativa, por
exemplo, contratos de locação, podem ser incompreensíveis para muitas pes-
soas, pois usam termos técnicos, organizações próprias.

Essa ocorrência não signi�ca que deveríamos saber escrever todos esses gê-
neros, mas que a familiaridade com a leitura e a re�exão sobre eles permite
nos apropriarmos da sua forma de organização, da recorrência de suas temáti-
cas, de seu estilo e possibilitar-nos sua compreensão. Conhecer um grande
número de gêneros textuais, porém, não signi�ca ser capaz de escrevê-los. Por
exemplo, conhecer de perto a esfera jornalística não signi�ca que saibamos
produzir uma reportagem ou um artigo de opinião; podemos apreciar obras li-
terárias e até conviver nesse meio sem que nos tornemos escritores, poetas ou
romancistas. Isso porque não circulamos por todas as esferas sociais. Muitas
pessoas não frequentam o meio acadêmico, o religioso ou o musical.

A grande maioria de gêneros discursivos, no entanto, é fundamental para a


nossa formação como cidadãos e, por isso, é preciso aprendê-los. E de quem
seria a tarefa?

Com certeza, essa é uma tarefa que compete à escola: ensinar aos alunos as
características dos gêneros mais complexos, que não são aprendidos esponta-
neamente nas situações do cotidiano. Quanto mais e melhor conhecermos es-
ses gêneros, maior facilidade de compreensão e de produção de textos teremos
e maiores possibilidades de nos fazermos compreender, tanto oralmente como
por escrito.

Mas essa não é uma tarefa fácil, convenhamos, pois para muitos aprendizes
expressar suas ideias oralmente é um processo natural; porém, o processo de
registrar essas ideias em um texto escrito representa um trabalho árduo e in-
tenso.

Segundo Rojo e Cordeiro (In: SCHENEUWLY; DOLZ , 2004, p. 10):

[...] as práticas escolares brasileiras tendem a formar leitores apenas com as capa-
cidades mais básicas de leitura, ligadas à extração simples de informação de textos
relativamente simples.

Isso se deveria a equivocadas maneiras de se abordar o texto como objeto de


estudo, em que não se consideram as circunstâncias que envolvem a produ-
ção desses textos, o que geraria uma leitura de extração de informações mais
do que uma leitura interpretativa, re�exiva e crítica, e uma produção guiada
pelas formas e pelos conteúdos mais que pelo contexto e pelas �nalidades do
texto.
As novas concepções de linguagem que mobilizaram o olhar dos pesquisado-
res desde meados do século 20 provocaram mudanças no enfoque dado aos
textos e a seus usos em sala de aula. De acordo com as autoras (ROJO;
CORDEIRO in: SCHENEUWLY; DOLZ, 2004, p. 11), passou a existir uma necessi-
dade de:

[...] enfocar, em sala de aula, o texto em seu funcionamento e em seu contexto de


produção/ leitura, evidenciando as signi�cações geradas mais do que as proprieda-
des formais que dão suporte a funcionamentos cognitivos.

Sendo assim, entendemos que é preciso que a escola organize situações de


aprendizagem que tragam para a discussão em sala de aula questões relati-
vas:

• aos conhecimentos que o processo de produção de textos exige;


• à natureza dialógica da escrita e sua relação com outros textos;
• aos procedimentos que se usa para escrever.

É fundamental que a escola crie oportunidades em que os alunos possam:

1. compreender para que serve a linguagem;


2. participar de situações públicas de práticas de linguagem como peque-
nos discursos em situações formais ou festivas na escola, comunicações
aos pais, apresentações em público;
3. perceber que o texto construído produzido será mais signi�cativo se for
mais adequado às características do gênero do discurso que a situação
exigir;
4. reconhecer as características dos gêneros do discurso que mais apare-
cem em situações públicas de linguagem;
5. utilizar procedimentos adequados de escrita e o modo de articulá-los que
melhor expressem os possíveis sentidos do texto;
6. recorrer aos conhecimentos linguísticos adquiridos em sala de aula para
produzir textos coerentes.

Da mesma forma que no momento da leitura é importante observar todas as


características do contexto de produção do texto a ser lido, no momento da
própria produção é imprescindível que o professor de�na juntamente com o
aluno para quem ele escreverá, qual a �nalidade de seu texto, de que lugar so-
cial ele fala, onde circulará, em que portador de texto estará inserido e em qual
gênero será organizado.

Essas características impõem restrições aos textos — determinando escolhas


— as quais devem ser reconhecidas, sob pena de o texto resultar incoerente.

Um dos aspectos mais importantes no ensino de Língua Portuguesa é trazer


para a sala de aula as práticas de escrita que acontecem lá fora, na sociedade,
de maneira que os alunos possam conhecer, analisar, discutir, experimentar,
ler, escrever textos dos gêneros que circulam em várias instâncias sociais e
desenvolvam sua competência escritora para operar também nessas situa-
ções.

Para ensinar os alunos a dominar, de forma gradual,  um gênero de texto que
circula socialmente, a melhor metodologia é a de sequências didáticas.

Mas você saberia dizer o que são sequências didáticas?

Sequências didáticas e prática de produção de textos


De acordo com Dolz (in: GAGLIARDI; AMARAL, 2010, p. 14), “uma sequência di-
dática é um conjunto de o�cinas e de atividades escolares sobre um gênero
textual, organizada de modo a facilitar a progressão na aprendizagem da es-
crita”.

Joaquim Dolz, linguista da Universidade de Genebra (Suíça), ao fazer a apre-


sentação da 2ª edição da coleção da Olimpíada de Língua Portuguesa,
“Escrevendo o futuro” (GAGLIARDI; AMARAL, 2010, p. 14-15), apresenta cinco
conselhos aos professores que utilizam esse dispositivo como estratégia para
o ensino de produção de textos:
1) Fazer os alunos escreverem um primeiro texto e avaliar suas capacidades inici-
ais. Observar o que eles já sabem e assinalar as lacunas e os erros me parece fun-
damental para escolher as atividades e para orientar as intervenções do professor.
Uma discussão com os alunos com base na primeira versão do texto é de grande
e�cácia: o aluno descobre as dimensões que vale a pena melhorar, as novas metas
para superar, enquanto o professor compreende melhor as necessidades dos alunos
e a origem de alguns dos erros deles.

2) Escolher e adaptar as atividades de acordo com a situação escolar e com as ne-


cessidades dos alunos, pois a sequência didática apresenta uma base de materiais
que podem ser completados e transformados em função dessa situação e dessas
necessidades.

3) Trabalhar com outros textos do mesmo gênero, produzidos por adultos ou por
outros alunos. Diversi�car as referências e apresentar um conjunto variado de tex-
tos pertencentes a um mesmo gênero, propondo sua leitura e comparação, é sem-
pre uma base importante para a realização de outras atividades.

4) Trabalhar sistematicamente as dimensões verbais e as formas de expressão em


língua portuguesa. Não se conformar apenas com o entusiasmo que a redação de
um texto para participar de uma competição provoca e sempre buscar estratégias
para desenvolver a linguagem escrita.

5) Estimular progressivamente a autonomia e a escrita criativa dos alunos. Os au-


xílios externos, os suportes para regular as primeiras etapas da escrita são muito
importantes, mas, pouco a pouco, os alunos devem aprender a reler, a revisar e a
melhorar os próprios textos, introduzindo, no que for possível, um toque pessoal de
criatividade.

O trabalho com os gêneros de imprensa é enriquecedor porque o jornalismo é


uma atividade que se movimenta no âmbito do interesse público e da constru-
ção da cidadania. Segundo Gagliardi e Amaral, organizadores do Caderno
Pontos de vista da referida publicação (2010, p. 18):

As matérias dos mais diferentes veículos ditos “de imprensa” – jornais, revistas, si-
tes, telejornais etc., têm o objetivo de nos contar o que acontece à nossa volta.
Analisar e comentar esses fatos faz parte da função jornalística, que é oferecer ao
público em geral um retrato o mais �el possível da realidade, colaborando para sua
análise, discussão e transformação.
Por isso, apresentaremos resumidamente essa sequência didática para o tra-
balho com artigos de opinião, gênero da esfera jornalística, organizada por
Gagliardi e Amaral (2010, p. 12), no volume Pontos de vista, da coleção
Olimpíada de Língua Portuguesa, 2ª edição, “Escrevendo o futuro”.

Essas atividades da sequência didática são chamadas pelo referido programa


de “o�cinas”, direcionadas ao professor, tendo como objetivos a análise e a pro-
dução de textos do gênero artigo de opinião.

As o�cinas 1 e 2 do material da 2ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa


“Escrevendo o futuro” têm como objetivo identi�car questões polêmicas, reco-
nhecer bons argumentos e escolher ou formular uma questão polêmica. Para
isso, os alunos lerão primeiramente uma notícia que circulou na mídia e pro-
vocou questionamentos entre os leitores, discutirão sobre o fato e formularão a
questão polêmica que está implícita no texto. Na o�cina 2, os alunos lerão um
artigo de opinião publicado na mídia e, além de reconhecer a questão polêmi-
ca e os argumentos do autor, observarão onde circulam esses artigos, quem es-
creve, para quem ler, com que objetivo foram escritos.

A o�cina 3 do material da 2ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa


“Escrevendo o futuro” propõe ao professor que oriente os alunos a escreverem
seu primeiro artigo de opinião, sendo auxiliados a de�nir questões polêmicas
e a identi�car o que é polêmico em sua comunidade. Para isso, lerão primeira-
mente uma charge publicada em jornal de grande circulação, depois uma no-
tícia que trata do assunto que deu mote à charge e, num terceiro momento, le-
rão um artigo de opinião que se refere ao assunto da notícia. Durante essas lei-
turas serão questionadas pelo professor as diferenças de posicionamento dos
autores: no caso da notícia, o jornalista; no caso do artigo, um professor de
Direito. O professor orientará os alunos a veri�car que, na notícia, o jornalista
procura não tomar, ele mesmo, posição a respeito do que divulga; o objetivo
dele é apresentar o fato em si, assim como sua repercussão. Os alunos deverão
perceber também em que pontos o articulista deixa transparecer que leu a no-
tícia divulgada no dia anterior e em que pontos emite sua opinião.

Um dos aspectos importantes a observar, de acordo com o documento


Olimpíada de Língua Portuguesa “Escrevendo o futuro”, é que cada um dos
textos – notícia ou artigo de opinião – tem uma �nalidade especí�ca: na notí-
cia, o jornalista veicula informações sobre um fato; já no artigo é o articulista
quem opina sobre as questões polêmicas que a notícia pode despertar.

Na o�cina 4 do documento, os alunos são incentivados a identi�car questões


polêmicas em sua comunidade, pois o tema da Olimpíada de Língua
Portuguesa é “O lugar onde vivo”. Eles formularão uma questão polêmica e
elaborarão argumentos que lhes possibilite desenvolver seu próprio artigo de
opinião.

Na o�cina 5, os alunos se colocarão no lugar de um articulista, e o professor


deverá ajudá-los a de�nir a questão polêmica sobre a qual escreverão, quais os
objetivos que os levaram a isso, em qual tipo de publicação (jornal mural, blog,
jornal do bairro etc.) o artigo será publicado e qual será o público-alvo ou leitor
visado.

Leia as orientações ao professor, na o�cina 5, para a sequência propondo a es-


crita de um primeiro artigo de opinião aos alunos que participarão das
Olimpíadas de Língua Portuguesa, com o tema “O lugar onde vivo”:

O�cina 5 – A polêmica no texto

1ª – etapa

Primeiro artigo

Uma vez realizado o debate sugerido na o�cina anterior, proponha aos alunos a
escrita de um artigo de opinião com base em uma das questões polêmicas escolhi-
das por eles.

Peça-lhes que se coloquem no lugar do articulista e ajude-os a de�nir a questão


polêmica a ser abordada; os objetivos que levam à escrita desse artigo; o tipo de
publicação (jornal mural, blog, jornal do bairro etc.); e o público-alvo ou leitor visa-
do.

Depois disso, oriente a turma para planejar a escrita de acordo com os questiona-
mentos:
1. Que aspecto da polêmica será discutido?
2. Qual opinião ou tese será defendida a esse respeito?
3. Que argumentos principais serão utilizados para isso?
4. De quais fatos ou dados deve-se partir?
5. O que será escrito na “Introdução”, de forma que possa indicar ao leitor qual é
o contexto da discussão?
6. Como serão desenvolvidos os argumentos de forma que �quem bem claros?
7. Como se pretende concluir?
8. Que título será mais adequado para já situar o leitor acerca da tese defendida
e despertar o interesse dele?

Por �m, peça a cada aluno que escreva um artigo, procurando seguir o planeja-
mento feito. Anuncie que o processo de escrita pode levá-los a repensar o planeja-
mento. Nesse caso, devem estar atentos para a repercussão que as alterações terão
sobre os outros elementos do texto, ou seja, se resolverem mudar a tese no meio do
caminho, será preciso veri�car se a nova opinião também é compatível com a po-
lêmica. E muito provavelmente será preciso estabelecer outros argumentos e par-
tir de novos dados.

Terminada essa fase, peça aos alunos que releiam o que escreveram – agora como
possíveis leitores do artigo. Caso haja tempo, sugira que troquem os textos entre si,
fazendo comentários e sugestões. Só depois da releitura ou da leitura de um cole-
ga é que o aluno deverá rever o texto para escrever a versão �nal.

Explique-lhes que esse texto permitirá a você fazer uma avaliação inicial do nível
de compreensão dos alunos, bem como daquilo que ainda necessitam aprender
sobre artigo de opinião.

Primeira escrita

A produção inicial indica o que os alunos já sabem sobre o gênero e dá pistas para
que o professor possa intervir adequadamente no processo de aprendizagem.

Esse primeiro texto também é importante para que os alunos avaliem a própria
escrita. Com sua ajuda, eles serão capazes de perceber o que é preciso melhorar e
poderão envolver-se mais nas atividades das o�cinas. Além disso, será possível
comparar essa produção com o texto �nal e identi�car os avanços, realizando-se
um processo de avaliação continuada.

Ao ler esses primeiros textos dos alunos, avalie se:


• há erros de ortogra�a, de gramática, ou outras di�culdades;
• tratam efetivamente de uma questão polêmica;
• localizam adequadamente o leitor em relação a essa questão;
• deixam clara a posição assumida;
• trazem argumentos coerentes e convincentes;
• apresentam e discutem ou rebatem o pensamento de opositores sobre o as-
sunto (GAGLIARDI, AMARAL, 2010).

Dessa maneira, a sequência de atividades propostas no documento do progra-


ma Olimpíada de Língua Portuguesa “Escrevendo o futuro” de 2010, em núme-
ro de 15 o�cinas, orienta os professores ora a analisarem textos com os alunos
em busca de elementos característicos do contexto de produção dos textos
analisados, de sua estrutura composicional e de estilo, ora a proporem a escri-
ta de um artigo de opinião em que coloquem seus argumentos e opinem sobre
aspectos da comunidade onde vivem, já que a temática do concurso é “O lugar
onde vivo”.

Após a primeira escrita do texto dos alunos, o professor já poderá avaliar quais
traços de um artigo de opinião eles já demonstram conhecer ou dominar, para
poder continuar orientando-os quanto à sustentação da tese, quanto aos tipos
de argumentos, quanto às formas de articulação das orações, en�m, quanto ao
estilo.

O momento da revisão do texto também é uma etapa importante na sequência


de atividades de escrita de qualquer gênero ao cuidar da coerência entre os ar-
gumentos e a tese, da pontuação, da colocação de pronomes, da ortogra�a e
outros aspectos importantes para o sentido do texto.

É chegado o momento de veri�car se aprendeu todo o conteúdo estudado. Para


isso, sugerimos que realize a questão a seguir.

10. Considerações
Ao longo destes dois primeiros ciclos de aprendizagem, estudamos que, em
cada esfera de atividade humana, em função de seus objetivos e interesses es-
pecí�cos, os sujeitos elaboram diferentes enunciados ou textos, orais ou escri-
tos, com características relativamente estáveis, como produtos da atividade
discursiva. Vimos, também, que essas formas de se comunicar, as quais deno-
minados de gêneros textuais ou discursivos, �cam disponíveis para os con-
temporâneos que se apropriam delas como modelos e as transmitem às gera-
ções posteriores.

Já neste ciclo, considerando nossos estudos sobre as práticas de leitura e de


escrita, compreendemos que é exatamente no espaço entre as práticas de lin-
guagem (no ambiente social) e as atividades de linguagem (na escola) que se
dá a aprendizagem dos alunos. Dessa forma, estudiosos sugerem que as ativi-
dades contextualizadas baseadas em gêneros realizadas pelo aprendiz, medi-
ante a re�exão sobre as regularidades e peculiaridades dos gêneros, conduzi-
riam à construção das práticas de linguagem, permitindo que o aluno seja não
somente alfabetizado, mas, considerando as teorias do letramento e multile-
tramentos (com as quais você terá contato no terceiro ciclo de aprendizagem
da disciplina  Didática e Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa), tam-
bém, apto para inserir-se nas mais diversas esferas de interação social.

Principalmente para nós, professores, as questões sobre as condições de pro-


dução do texto (quem escreve, para quem escreve, de que lugar social fala, do
que fala, como escreve) devem ser internalizadas e fazer parte de nossa com-
petência leitora e escritora para que possamos orientar nossos alunos a tam-
bém desenvolverem essas competências leitoras e escritoras (CHIACHIRI,
2013).

No que diz respeito especi�camente à leitura enquanto prática social de lin-


guagem, segundo Rojo e Cordeiro (In: SCHENEUWLY; DOLZ, 2004, p. 10),

[...] as práticas escolares brasileiras tendem a formar leitores apenas com as capa-
cidades mais básicas de leitura, ligadas à extração simples de informação de textos
relativamente simples.

Segundo Chiachiri (2013), isso se deve, sobretudo, a formas equivocadas de se


abordar o texto como objeto de estudo, em que não se consideram as circuns-
tâncias que envolvem sua produção, gerando uma leitura de extração de infor-
mações mais do que uma leitura interpretativa, re�exiva e crítica, e uma pro-
dução guiada pelas formas e pelos conteúdos mais que pelo contexto e pelas
�nalidades do texto, motivo pelos quais os objetivos, as estratégias e os fatores
envolvidos no processo de leitura dentro de uma concepção de linguagem en-
quanto lugar de interação social que apresentamos neste ciclo é fundamental.

Pois bem, agora que já discutimos que os processos de leitura e escrita, en-
quanto práticas sociais de linguagem, envolvem tanto um olhar para o discur-
so que permeia o texto quanto um olhar para os aspectos textuais que con�gu-
ram o mesmo texto, entendendo que estes aspectos não podem ser separados,
uma vez que estão emaranhados e são dependentes um do outro, passemos,
então, no próximo ciclo, a estudar os aspectos textuais que devem ser conside-
rados no momento de sua análise e produção, re�etindo, principalmente, so-
bre os conceitos de coerência e coesão, intertextualidade e fatores de textuali-
dade.
(https://md.claretiano.edu.br/anaprotex-

gp0053-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 3 – Produção Textual

Alexandre Bona�m Felizardo


Anelise Marinelli
Nancy Coutinho Marinelli 

Objetivos
• Re�etir sobre os aspectos textuais que devem ser considerados no mo-
mento da análise e da produção textual.
• Conhecer e compreender os conceitos de coerência, coesão e intertextu-
alidade, compreendendo como utilizá-los no momento da produção tex-
tual.

Conteúdos
• Coerência e coesão.
• Intertextualidade.

Problematização
O que você entende por coerência e coesão textual? O que é coerência interna
e coerência externa? Você é capaz de identi�car elementos de coerência e co-
esão em um texto? Quais competências facilitam a compreensão de textos? O
que é intertextualidade? O que é e quais são os fatores de textualidade?

Orientações para o estudo


Neste ciclo, estudaremos três conceitos fundamentais para a produção de
textos claros e bem escritos, que são coerência, coesão e intertextualidade.
Considerando que todos nós, falantes da língua portuguesa, professores ou
não, somos produtores de textos, orais ou escritos, é primordial que compre-
endamos e dominemos esses conceitos, conseguindo interagir socialmente
com precisão e clareza.

1. Introdução
Nos ciclos anteriores, estudamos os processos de leitura e escrita, compreen-
didos enquanto práticas sociais de linguagem. Vimos, também, que a análise e
compreensão do produto dessas práticas, o texto, depende de dois olhares: um,
direcionado para o discurso, com atenção aos seus fatores de produção (quem
o produziu? Quando ele foi produzido? Com qual �nalidade foi escrito?, entre
outras questões); o outro, dirigido para os aspectos textuais que o con�guram.

Vale ressaltar que, o primeiro olhar encontra respaldo teórico na Análise do


Discurso, enquanto o segundo está fundamentado na Linguística Textual, du-
as vertentes de análise linguística que serão estudadas de forma mais porme-
norizada em outra disciplina deste curso.

Mesmo entendendo que esses aspectos não podem ser separados, uma vez
que estão emaranhados e são dependentes um do outro, neste terceiro ciclo de
aprendizagem nos ocuparemos dos aspectos textuais, re�etindo, principal-
mente, sobre os conceitos de coesão, coerência e intertextualidade, compreen-
dendo o impacto dos mesmos para a produção textual.

2. Coesão textual
Segundo Felizardo et al (2014),

Um texto é bem mais que uma mera junção de enunciados, um aglomerado de sig-
nos esparsos e desconexos. Para se produzir ou compreender um texto, é necessá-
ria uma competência textual. Nesse sentido, todo falante tem a capacidade de dife-
renciar um texto de uma justaposição desordenada de enunciados (p. 54).
Por mais competentes textualmente que sejamos, é preciso que o texto, para
ser compreendido, apresente alguns elementos para que seja, de fato, mais que
um emaranhado desconexo de signos ou uma “justaposição desordenada de
enunciados”. Um destes elementos fundamentais consiste na coesão textual,
que pode ser entendida como um recurso linguístico que estabelece as rela-
ções de sentido no interior de um texto, ou, ainda, como um conjunto de fato-
res que auxiliam na estruturação da sequência super�cial de um tex-
to (KOCH, 2010).

Ao longo da história, vários foram os linguistas que se ocuparam do conceito


de coesão textual, criando suas próprias categorias para explicar como ela se
manifesta em um texto. Felizardo et al (2014), por exemplo, apresentam a clas-
si�cação de Fávero (2004), para quem existe a coesão referencial (subdividida
em coesão referencial por substituição e por reiteração), a coesão recorrenci-
al (que pode ocorrer por meio da recorrência de termos, de paráfrase, de para-
lelismo sintático e de recursos fonológicos segmentais e suprassegmentais) e
a coesão sequencial (que ocorre por meio de sequenciação, de operadores de
tipo lógico, operadores de discurso ou pausas).

Koch (2010), por outro lado, apresenta, entre outros, o modelo proposto por
Halliday & Hasan (1976), que distinguem cinco mecanismos de coesão, que
são: referência, substituição, elipse, conjunção e coesão textual.

Vamos compreender melhor o conceito de coesão textual, tendo contato com


alguns importantes modelos criados ao longo da história, e conseguindo visu-
alizar, por meio de exemplos, como funcionam os diferentes recursos/meca-
nismos empregados para a escrita de um texto coeso.

Antes de darmos início aos nossos estudos, é importante termos algumas no-
ções claras sobre texto, discurso, coerência e coesão, elementos essenciais pa-
ra o bom entendimento de todas as discussões aqui propostas. Lembramos
que, de acordo com Fávero (2004), na obra Coesão e coerência textuais, um
texto é bem mais que uma mera junção de enunciados, um aglomerado de sig-
nos esparsos e desconexos. Para se produzir ou compreender um texto, é ne-
cessária uma competência textual. Nesse sentido, todo falante tem a capaci-
dade de diferenciar um texto de uma justaposição desordenada de enuncia-
dos.

A essa sabedoria textual Fávero (2004) dá o nome de competência textual.


Interessante! Você já guarda, prezado aluno, ao longo de sua formação de fa-
lante da língua portuguesa, uma espécie de conhecimento, experienciado pela
sua própria vivência, sobre o que é ou não um texto. Conhece, por exemplo,
que ele pode ser verbal, quando construído por palavras, não verbal, formado
por imagens, gestos, sinais, ou híbrido, em que se mesclam elementos verbais
e não verbais.

Entretanto, é preciso salientar que esse conhecimento não basta para que pos-
samos elaborar ou compreender um texto coerente e coeso. A leitura é funda-
mental, uma vez que nos permite ampliar nossos horizontes do saber, nossas
potencialidades de escrita e nossa destreza no uso das palavras. Di�cilmente
um não leitor conseguirá elaborar um texto bem engendrado e bem estrutura-
do.

Peguemos, como exemplo, o nosso poeta maior, Carlos Drummond de


Andrade. Ele foi um grande sábio no manejo da língua portuguesa. Soube dar
peso e medida para cada palavra, para cada frase ou oração de seus poemas.
Quando lemos seus textos, temos a sensação de que aquela determinada pala-
vra ocupa o seu justo lugar, a sua verdadeira dimensão. Perguntamos a você:
Drummond conseguiria ter toda essa perícia no uso da língua portuguesa se
ele não fosse um leitor? Homem culto, conhecedor das principais linhas �lo-
só�cas de seu tempo, leu e apreciou os romancistas que lhe eram contemporâ-
neos e, como se não bastasse, além de ter lido toda a tradição poética brasilei-
ra, dos românticos aos modernos e modernistas, leu poesia francesa, inglesa,
norte-americana, dentre outras nacionalidades.

O exemplo de Drummond ilustra bem uma questão fundamental para a produ-


ção e compreensão de texto: sem leitura di�cilmente alguém conseguirá ter
competência para elaborar um texto com exímia perícia e técnica.

Um texto é, para usarmos uma velha metáfora, uma verdadeira teia, uma rede
e, como toda trama, é composto por junturas, fragmentos conectados. A coe-
são refere-se, conforme aponta Fávero, "aos modos como os componentes de
um universo textual, isto é, as palavras que ouvimos e vemos, estão ligados
entre si dentro de uma seqüência" (2004, p. 10).

Dessa maneira, pela coesão, estabelece-se, em um texto, uma relação de inter-


dependência semântica entre as partes constituintes da trama textual. Por
meio de elementos gramaticais (pronomes demonstrativos, possessivos, pes-
soais, bem como artigos, conjunções e advérbios) e de expedientes sintáticos,
são estabelecidas as conexões entre as várias partes de um texto. A coesão,
portanto, é o que possibilita as relações lógico-semânticas de um texto.

Seguiremos, agora, passo a passo, a classi�cação de coesão proposta por


Fávero (2004).

Coesão referencial
Certos elementos gramaticais têm a função de estabelecer referência, ou seja,
eles não têm, semanticamente, um sentido próprio, pois fazem referência a al-
gum termo já mencionado ou que ainda será mencionado ao longo do discur-
so. Vejamos o exemplo a seguir:

Clarice Lispector é uma grande escritora brasileira. Ela foi responsável por
uma verdadeira revolução na literatura de nosso país.

O pronome "Ela", isoladamente, não tem um signi�cado independente. Tal ele-


mento gramatical refere-se a alguma informação dada pelo contexto: Ela só
pode ser Clarice Lispector.

Há dois tipos de coesão referencial: por substituição ou por reiteração.

Substituição

A substituição ocorre quando um termo, ou um componente textual, é retoma-


do ou precedido por uma pró-forma. A pró-forma constitui-se de elementos
gramaticais, tais como pronomes, verbos, advérbios e numerais. Veja os exem-
plos:
Amália nunca soube o que era o amor. Ela era uma mulher às vésperas de
uma importante revelação. = "Ela" – pró-forma pronominal e retoma “Amália".

Camilo tinha um grande conhecimento sobre a arte de amar. Esse saber


salvava-lhe a vida. = "Esse" – pró-forma pronominal.

O cachorro de Bia brinca sempre no pátio. O de Anália faz o mesmo. = "faz" –


pró-forma verbal.

Carlos e Patrícia casaram-se ontem. Ambos estão muito felizes. = "Ambos" –


pró-forma numeral.

José não gostou do Maranhão. Lá o calor é insuportável para ele. = "Lá" – pró-
forma adverbial.

A coesão referencial por substituição pode ser tanto anafórica quanto catafóri-
ca.

No primeiro caso, a anáfora, o elemento gramatical irá retomar um termo que


já apareceu no texto. Exemplo:

Francisca Júlia foi uma poeta sensível à fugacidade da vida. Ela escreveu um
livro chamado "Sonhos poéticos". = o pronome "Ela" retoma "Francisca Júlia".
Neste caso, houve uma anáfora.

A coesão referencial catafórica faz referência a uma palavra que ainda virá.
Exemplo:

De tudo no seu rosto, o que mais amei foi isto: o seu olhar. = o pronome de-
monstrativo "isto" remete ao que vem em seguida, ou seja, "o seu olhar". Neste
caso, houve uma catáfora.

OBSERVAÇÕES IMPORTANTES SOBRE A COESÃO REFERENCIAL

1. Dentre os pronomes pessoais, somente os da terceira pessoa podem ser


considerados pró-formas.
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES SOBRE A COESÃO REFERENCIAL

2. Fávero (2004), no seu livro Coesão e coerência textuais, cita o conceito de


"ilha anafórica". De acordo com esse conceito, as pró-formas pronominais só
podem se referir a um termo que se encontra na superfície do texto, e não na
sua estrutura profunda. Vejamos um exemplo mencionado pela autora (2004,
p. 6):
Os pais de Pedro morreram. Ele os amava muito = o pronome "ele" retoma
"Pedro", termo que se encontra na superfície da trama textual.

Pedro é órfão. Ele os amava muito. = Nesse caso, não se pode resgatar os ter-
mos que se encontram na superfície profunda. Isso só se pode dar cognitiva-
mente: órfão = perdeu os pais.

3. Não ocorre substituição, quando uma pró-forma faz referência a um objeto


negado:
Não tenho apartamento. Ele é espaçoso e tem uma bela vista para o mar.

Se o narrador desse enunciado não tem apartamento, como tal espaço pode
ser amplo?

4. As pró-formas verbais restringem-se aos verbos Ser e Fazer.

5. A substituição pode ocorrer também por elipse de entidades que já surgi-


ram no texto. Observe que usamos o sinal # para indicar a elipse:
Onde você foi?

# À fazenda.

# Sozinho?

Não. # Com Joana.

Desse modo, vimos como a coesão acontece por substituição. Vamos prosse-
guir?

Reiteração

Agora, iremos estudar a coesão por reiteração.

A reiteração ocorre quando se repetem expressões ao longo de um texto. Ela


acontece das seguintes maneiras:

1. Repetição do mesmo item lexical:


O carro foi destruído no acidente. Do carro quase nada sobrou.

2. Por sinônimos:
O cão latiu desordenadamente. Esse cachorro é muito bravo.

3. Hiperônimos e hipônimos:

Quando, no texto, o elemento que aparece primeiro possui uma relação com o
segundo de todo-parte, classe-elemento, temos o hiperônimo:
Gosto muito de massas. Macarronada é a que eu mais gosto.

Quando o primeiro elemento possui com o segundo uma relação de parte-todo,


elemento-classe, temos o hipônimo:
As carpas nadavam livremente pelo lago. Tais peixes coloriam, com suas es-
camas, as águas cristalinas.

4. Expressões nominais de�nidas:

Alguns elementos do texto, quando são retomados por expressões nominais


de�nidas, pautam-se no conhecimento de mundo do leitor:

Guimarães Rosa foi um grande autor. O mineiro de Cordisburgo escreveu uma


vasta obra, marcada pelo lirismo e pelo senso mágico da vida.

O leitor precisa saber que Cordisburgo, cidadezinha mineira, além de ser a ter-
ra natal do autor, é uma referência geográ�ca importante, pois o lirismo da
obra de Rosa é marcado pela cultura do interior mineiro.

5. Nomes genéricos:

As palavras genéricas ("gente", "pessoa", "coisa", "negócio", "lugar", "ideia") fun-


cionam como elementos coesivos anafóricos. Vejam o exemplo dado por
Fávero (2004, p. 26):

Até que o mar, quebrando um mundo, anunciou de longe que trazia nas suas
ondas coisa nova, desconhecida, forma disforme que �utuava, e todos vieram
à praia, na espera... E ali �caram, até que o mar, sem se apressar, trouxe a coi-
sa, e depositou na areia surpresa triste, um homem morto...  - coisa anuncia a
palavra homem.

Coesão recorrencial
Após aprendermos o que é coesão referencial, agora, vamos estudar a coesão
recorrencial. Tal coesão ocorre quando, paralelamente à retomada de determi-
nadas estruturas (itens ou sentenças), acontece a progressão das informações.
Retoma-se um determinado termo ou estrutura sintática para que o conteúdo
semântico do texto caminhe.

Desse modo, a coesão recorrencial acontece a partir de recorrência de termos,


de paráfrase, de paralelismo sintático e de recursos fonológicos segmentais e
suprassegmentais.

Recorrência de termos

Ocorre quando determinados termos são retomados ao longo do discurso. Tal


processo serve para dar ênfase a determinados signi�cados, além de permitir
uma maior cadência no �uxo do texto:

Irene preta
Irene Boa
Irene sempre de bom humor [...]
(BANDEIRA apud FÁVERO, 2004, p. 36).
Nesse texto, a recorrência do termo Irene faz o leitor caminhar da superfície
da personagem (a cor da pele) ao seu âmago, sua essência espiritual (bom hu-
mor).

Leia, agora, o fragmento de um poema de Fernando Pessoa:

O que há em mim é sobretudo cansaço


Não disto nem daquilo,
nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço (PESSOA apud FÁVERO, 2004, p. 36).

A reiteração da palavra "cansaço" visa a um reforço do próprio sentido dessa


palavra: ou seja, a monotonia advinda desse estado de ânimo.

Paralelismo

O paralelismo ocorre quando, de acordo com Fávero (2004, p. 40), "as estrutu-
ras são reutilizadas, mas com diferentes conteúdos". Há, portanto, uma mes-
ma estrutura sintática, porém com conteúdos distintos:

O homem cantava sobre escombros.


A mulher dançava sobre estilhaços.
Era um encontro em meio a desencontros.
Era um desencontro em meio a milagres.

Temos, nesse fragmento, estruturas sintáticas semelhantes, porém com con-


teúdos e signi�cados distintos.

Paráfrase

De acordo com Fuchs (apud FÁVERO, 2004, p. 29), a paráfrase é uma reformula-
ção em que "bem ou mal, na totalidade ou em parte, �elmente ou não, se res-
taura o conteúdo de um texto-fonte, num texto derivado". A paráfrase, portan-
to, caracteriza-se por uma reformulação de conteúdo. Reelabora-se um deter-
minado texto, reorganizando-o em estruturas sintáticas distintas. Entretanto,
tal procedimento caracteriza-se pela �delidade às ideias do texto parafrasea-
do.

Ainda conforme as considerações de Fávero e Urbano (apud FÁVERO, 2004, p.


29):

todo e qualquer texto tem uma multivocidade inerente (= muitas leituras); o enunci-
ador faz sempre uma interpretação do texto-fonte e, assim, não só o restaura de
modo diferente, mas também faz uma interpretação do texto-derivado no momento
em que o produz como paráfrase.

Um exemplo típico de paráfrase são as fábulas de La Fontaine.  Vejamos, ago-


ra, um exemplo de paráfrase:

• Texto: a utopia nasce de uma insatisfação. Aquele que passa por uma si-
tuação de desprestígio necessita de ter esperança para poder atuar no
mundo, modi�cando-o.
• Paráfrase: da insatisfação nasce a utopia. Os utópicos, por viverem uma
situação de negatividade, precisam acender a vontade de mudanças, para
melhorarem o mundo.

Recursos fonológicos

Tais recursos têm caráter fonológico, ou seja, são elementos que imprimem
ritmo e musicalidade ao discurso. Elencamos, para você, os seguintes recur-
sos fônicos da linguagem:

1. Ritmo

O ritmo é a cadência da linguagem, a sua modulação musical. A duração so-


nora das sílabas, as pausas, os acentos, a entonação, são alguns dos recursos
nos quais o ritmo se pauta. Conforme Fávero (2004, p. 43), "deve-se entendê-lo
como uma sucessão de movimentos num jogo de tensão e distensão". Veja, na
letra do samba de Ary Barroso, o quanto o ritmo da linguagem mimetiza o re-
quebrado da morena:
Morena Boca de Ouro

Morena boca de ouro que me faz sofrer


O teu jeitinho é que me mata
Roda morena, cai não cai
Ginga morena, vai não vai
Samba, morena, que desacata
Morena uma brasa viva pronta pra queimar
Queimando a gente sem clemência
Roda morena, cai não cai

Ginga morena, vai não vai


Samba morena, com malemolência
Meu coração é um pandeiro
Marcando o compasso de um samba feiticeiro
Samba que mexe com a gente
Samba que zomba da gente
O amor é um samba tão diferente

(Disponível em: <http://letras.terra.com.br/ary-barroso/322005/>.   Acesso em: 28


set. 2010).

A repetição de palavras (cai não cai) faz com que o texto ganhe ritmo.

2. Recursos de motivação sonora

São recursos muito usados em poesia. Re�ro-me às assonâncias (repetição de


vogais) e aliterações (repetição de consoantes). Veja o seguinte exemplo:

Vozes veladas, veludosas vozes,


volúpias dos violões, vozes veladas,
vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
(CRUZ e SOUZA apud FÁVERO, 2004, p. 49).

Nessa estrofe de um poema de Cruz e Souza, observamos a aliteração da con-


soante "V" e a repetição de vogais, tais como o "A" e o "O". Esses sons têm sen-
tido. Eles representam o conteúdo do texto: as cantigas ao violão. É como se o
ato de cantar estivesse espelhado no texto.

Após estudar a coesão recorrencial, passemos para a nossa próxima etapa, ou


seja, vamos nos deter sobre algumas questões referentes à coesão sequencial.

Coesão sequencial
A coesão sequencial, assim como a recorrencial, tem como função fazer pro-
gredir o conteúdo informacional do texto. Todavia, diferente dessa última, a
coesão sequencial não se elabora por retomadas ou anunciação de termos,
mas por elementos que entrelaçam os vários seguimentos textuais, determi-
nando, inclusive, o conteúdo semântico das frases. Tomemos como exemplo o
uso da conjunção adversativa "mas". Ela estabelece, semanticamente, uma
oposição de termos ou ideias. Assim, em "Clara é bela, mas também chata", o
"mas" é usado adequadamente, pois há uma oposição de valores entre os adje-
tivos "bela" e "chata". Isso, por sua vez, não ocorre em "Clara é bela, mas en-
cantadora". Nesse último caso, o uso do "mas" torna-se inadequado, pois ele
não estabelece uma contraposição.

Sequenciação

Num texto, tudo é relação. Cada fragmento textual está conectado a outros.
Essa conexão, entrelaçamento de signi�cados, está assentada sobre "operado-
res discursivos e pausas". Esses operadores têm a função de estabelecer as re-
lações semânticas entre os vários enunciados. Por meio de encadeamentos,
tais operadores estruturam a construção dos períodos, dando um senso, um
direcionamento argumentativo ao texto.

Operadores de tipo lógico

Eles estabelecem as seguintes relações:

1. Disjunção: quando as proposições são combinadas pelo conector ou.


Exemplo:
Quer sorvete ou chocolate.
2. Condicionalidade: quando se estabelece, entre as proposições, uma ideia de
condição. No caso, o fato expresso pela segunda proposição só acontece se a
circunstância da primeira se efetivar. Exemplo:
Se chover, não iremos à festa.

3. Causalidade: quando se veri�ca, entre as proposições, uma relação de causa


e efeito. Exemplo:
A água congelou porque chegou a zero grau.

4. Mediação: de acordo com Fávero (2004, p. 52), as "relações de mediação são


expressas por duas proposições, uma das quais exprime o meio para se atingir
um determinado �m". Exemplo:
Fugiu para que não o vissem.

5. Complementação: quando uma proposição complementa o sentido de um


termo da outra. Exemplo:
Necessito de um livro.

6. Restrição: quando uma proposição restringe a outra. Exemplo:


Vi a menina que toca piano.

Operadores de discurso

São vários os operadores de discurso. Vejamos alguns:

1. Conjunção: ocorre quando há, entre as proposições, uma relação de adição.


Exemplo:
Chove e faz frio.

2. Contrajunção: quando as proposições se opõem. Exemplo:


Todas as frutas se conservaram, mas o morango azedou.

3. Explicação: introduz-se uma explicação. Exemplo:


Deve ter havido um acidente, pois uma ambulância parou na esquina.

Pausas
Indicadas na escrita por dois-pontos, vírgula, ponto-e-vírgula ou ponto-�nal.
Tal pontuação substitui os conectores:

Não mexa nesses �os, levará choque. (condicionalidade)

Onze e meia. Preciso ir. O metrô para à meia-noite. (causalidade)

Estava cansado; decidiu não sair. (conclusão)

Esperamos que, com o estudo dessas importantes informações, você possa es-
crever textos coesos, em que os fragmentos estejam bem conectados e estru-
turados. Passemos, pois, a estudar a coerência.

3. Coerência textual
Para se redigir um bom texto, não são apenas necessários conhecimentos de
base, como o bom uso da gramática ou da coesão. É de suma importância es-
tabelecer, entre as partes de texto, uma relação lógica, ou melhor, é preciso não
se contradizer ao longo da malha textual.

Para tanto, é fundamental escrever um texto coerente, ou seja, escrever um


texto em que as frase sigam um sentido ordenado e sensato.

Nesse aspecto, não se esqueça, caro aluno, de que o texto é, antes de tudo, uma
unidade de sentido. Ao enunciar uma mensagem, o emissor precisa ser bem
compreendido. Eis a importância de se evitar a incoerência: textos incoeren-
tes di�cultam a compreensão textual.

Eis algumas competências que facilitam a compreensão do texto e ajudam a


evitar a incoerência:

1. Dominar o vocabulário e as regras da língua.


2. Conhecimento de mundo: ter um mínimo de cultura capaz de lhe dar
competência para compreender determinados signi�cados nuançados
pelo contexto.
3. Conhecimento textual: conhecer as malhas intertextuais, tão determi-
nantes, em alguns casos, para a compreensão de um determinado texto.
4. Conhecer, em algumas circunstâncias, as situações de fala, ou seja, o con-
texto vivo no qual estão inseridos o emissor e o receptor.

Desse modo, podemos de�nir coerência da seguinte forma: trata-se da relação


harmoniosa entre as partes de um texto. Tais segmentos precisam manter
uma �delidade a um determinado sentido, a uma lógica.

Vejamos um exemplo de texto incoerente, para que então possamos compre-


ender melhor esse conceito:

Ele queria muito um trabalho e sua namorada tinha ido para o exterior, a �m
de fazer compras no supermercado. Lá, nos Estados Unidos, ele conseguiu, en-
�m, �car desempregado. Por isso dormia, todos os dias, nos calçadões de
Copacabana. Sua esposa era uma mulher de �bra.

Você deve estar estupefato! Mas que bagunça!

Veja, nesse caso, temos, na verdade, um amontoado de frases desconexas, sem


um sentido certo. As incoerências são alarmantes: se ele estava no exterior,
como dormia em Copacabana? Se já estava desempregado, como conseguiu
justamente �car desempregado? São informações que se chocam, se contra-
põem de forma ilógica.

Observe, agora, outros exemplos mais sutis de incoerência.

Mário nunca soube quem era sua família biológica. Quando criança, fora
abandonado pela mãe. Agora, já adulto, Mário descobriu que tem, no Paraná,
uma irmã. Ela nasceu bem depois de Mário. Sabendo disso, perguntei a ele se
ela era sua irmã mais velha.

Fica bem explícito que a irmã de Mário era mais jovem, portanto não faz senti-
do a indagação �nal, em que o narrador pergunta a Mário se sua irmã era
mais velha.

Veja outro exemplo:


Joana descobriu, naquela manhã, que iria morrer. Seus algozes já preparavam
a guilhotina. Em breve, ela teria, simplesmente, os cabelos decepados pela im-
piedosa lâmina. Dentro de algumas horas, ela já estaria nas ruas e com a sua
vida entre as mãos.

Se Joana ia morrer, como ela poderia, em breve, estar nas ruas com sua vida
intacta?

Acompanhe um último exemplo:

Nos aeroportos, os voos, todos os dias, saem com pelo menos três horas de
atraso. Foi bom chegar a Congonhas duas horas antes do embarque. Assim,
com pontualidade britânica, poderia chegar mais cedo à sua casa.

É absurdo chegar mais cedo ao aeroporto, visto que os voos saem com atraso.

Nesse sentido, não podemos, em um texto, quebrar a metarregra da contradi-


ção. O que seria isso?

Conforme Charolles (1988, p. 59-60), “uma idéia apresentada no texto não pode
contradizer a outra". Portanto, ao escrever um texto, precisamos ser �éis ao
sentido, necessitamos de ter conhecimento sobre o mundo e a linguagem, pa-
ra evitarmos contradições e oposições de ideias, capazes de prejudicar a com-
preensão do texto.

Coerência: de que depende, como se estabelece


Para compreendermos o fenômeno da coerência, faz-se necessário, ainda, in-
cursionarmos por outras questões de relevância.

Vamos prosseguir nossos estudos?

A coerência, por implicar inúmeros aspectos interdisciplinares, depende de


uma série de fatores textuais de fundamental importância para a elaboração
de um bom texto.
Quais seriam esses fatores textuais? Vejamos o que Ingedore V. Koch nos a�r-
ma:

Os estudos sobre coerência, abstraídas as questões de ênfase e explicitude dos fato-


res abordados, são quase unânimes em postular que o estabelecimento da coerên-
cia depende: a) de elementos lingüísticos (seu conhecimento e uso), bem como, evi-
dentemente, da sua organização em uma cadeia lingüística e como e onde cada
elemento se encaixa nesta cadeia, isto é, do contexto lingüístico; b) do conhecimen-
to de mundo (largamente explorado pela semântica cognitiva e/ou procedural),
bem como o grau em que esse conhecimento é partilhado pelo(s) produtor(es) e re-
ceptor(es) do texto, o que se re�ete na estrutura informacional do texto, entendida
como a distribuição da informação nova e dada nos enunciados; c) de fatores prag-
máticos e interacionais, tais como o contexto situacional, os interlocutores em si,
suas crenças e intenções comunicativas, a função comunicativa do texto (1999, p.
48).

Vamos, a partir de agora, especi�car e detalhar esses processos textuais e ex-


tratextuais, bem como sua função e importância para a criação de um texto
coerente.

Conhecimento linguístico

Conforme aponta Koch (1999, p. 53), “os elementos lingüísticos têm grande im-
portância para o estabelecimento da coerência". Eis o que a autora a�rma so-
bre tal questão:

[...] é a coerência que determina, em última instância, que elementos vão constituir
a estrutura super�cial lingüística do texto e como eles vão estar encadeados na
sequência lingüística super�cial, e isto é su�ciente para deixar claro que a recupe-
ração desta coerência passa pelas marcas lingüísticas. Muitos autores inclusive
chamam a atenção para a relação do lingüístico com o conceitual-cognitivo (co-
nhecimento de mundo) e com o pragmático, o que reforça ainda mais a importân-
cia das marcas linguísticas como pistas para o cálculo do sentido e, portanto, da
coerência do texto. (1999, p. 54)

É o conhecimento, portanto, da língua, do seu funcionamento, bem como de


sua estrutura, que auxilia a produção de um texto coerente.
Conhecer bem o léxico de uma língua, a sua gramática, como também os pro-
cedimentos coesivos, são de grande importância para a produção de um bom
texto.

Como exemplo, podemos citar o fato de muitos usarem a conjunção "mas" de


forma inadequada. Por exemplo:

Caminhamos pela estrada, mas prosseguimos sempre.

Essa incoerência dá-se pelo uso inadequado do "mas".

Conhecimento de mundo

Saber sobre o mundo, ter informações sobre o que se passa ao nosso redor e
também nos lugares distantes de nós, ajuda-nos a compreender inúmeros tex-
tos e a escrever textos coerentes. Conforme Koch (1999, p. 60):

O estabelecimento do sentido de um texto depende em grande parte do conheci-


mento de mundo dos seus usuários, porque é só este conhecimento que vai permi-
tir a realização de processos cruciais para a compreensão.

Dessa forma, o "conhecimento de mundo é visto como uma espécie de dicio-


nário enciclopédico do mundo e da cultura arquivado na memória".

O conhecimento de mundo está calcado em nossas experiências, na nossa


memória, no nosso processo de formação educacional e intelectual.

Vejamos um exemplo de incoerência motivada pela falta de um conhecimento


de mundo: “Eu quero viajar por inúmeros países: França, Itália, Beirute e
Havana”. Nesse caso, a pessoa desconhece aspectos geográ�cos. Beirute e
Havana são cidades e não países.

Situacionalidade

A situacionalidade constitui-se dos fatores externos que determinam o senti-


do do discurso, ou vice-versa. Portanto, ele pode ser de duas naturezas: da si-
tuação para o texto e do texto para a situação.

No primeiro caso, "a situacionalidade refere-se ao conjunto de fatores que tor-


nam um texto relevante para uma situação comunicativa em curso ou passí-
vel de ser reconstruída" (KOCH, 2004, p. 40). Nesse sentido, o contexto imedia-
to ou mesmo sócio-histórico e cultural irá determinar, por exemplo, o grau de
formalidade do texto, a sua estrutura, a sua forma de organização.

No segundo caso, "é preciso lembrar que o texto tem re�exos importantes so-
bre a situação, visto que o mundo textual não é jamais idêntico ao mundo real”
(KOCH, 2004, p. 45). Ao produzir um texto, sempre reconstruímos o mundo de
acordo com a nossa cosmovisão, nossa subjetividade. Por sua vez, tal texto é
interpretado de acordo com a visão de mundo dos nossos interlocutores.

Seria inadequado e incoerente, por exemplo, darmos um romance como A pai-


xão segundo G.H. de Clarice Lispector para um aluno de sexta série, pois a lin-
guagem utilizada por essa autora, bem como as questões existenciais por ela
abordadas não se adéquam à situação em que este aluno se encontra.

Informatividade

Diz respeito à maneira como o texto se distribui, ao grau de inovação informa-


cional ou de redundância.

A distribuição dá-se pelo equilíbrio de informações novas e dadas. Um texto


com a reincisão das mesmas informações é um texto que gira em círculos. Em
contrapartida, um texto cuja progressão nos traga apenas novidade informaci-
onal é improcessável, visto a retomada do que já foi expresso ser fundamental
para o encadeamento das ideias.

Nesse sentido, quanto ao grau de expectabilidade, o texto será menos informa-


tivo quanto mais previsível, redundante, for. Há, portanto, uma variação de
grau de informatividade: um texto é mais informacional quanto menos redun-
dante for e vice-versa.

Vejamos um texto, no qual a redundância gera a incoerência:


Meu pai e eu fomos para a casa de minha tia. Meu pai e eu fomos passear na
casa de tia Joana. Meu pai e eu, passeando na casa de titia, fomos a sua casa,
ver a titia Joana.

Tal texto desvela a falta de progressão informacional, acarretando sérios pro-


blemas de coerência e coesão.

Intencionalidade

A intencionalidade refere-se às maneiras como os indivíduos usam o texto pa-


ra concretizar suas intenções; "refere-se à intenção do locutor de produzir
uma manifestação lingüística coesa e coerente, ainda que esta intenção nem
sempre se realize integralmente” (KOCH, 2004, p. 42).

Todo texto possui uma intenção. Os textos instrucionais, por exemplo, servem
para orientar uma determinada ação, como, por exemplo, a bula de remédio. A
intenção de tais textos é de ordem pragmática e estão, portanto, autuando nas
ações físicas e fenomênicas. A incoerência pode se acontecer quando os �ns
não se adéquam à intenção.

Esses são alguns dos fatores a in�uir na questão da coerência. Saber identi�-
car tais questões é de suma importância para podermos dominar os meios
técnicos e produzir textos devidamente coerentes.

Para Koch (2010, p. 23), a coerência

(...) está diretamente ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para o tex-


to, ou seja, é ela o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo,
portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibi-
lidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem
para calcular o sentido deste texto. Este sentido, evidentemente, deve ser do todo,
pois a coerência é global.

Ainda segundo a autora, o conceito de coerência é de difícil de�nição, motivo pelo qual, no capítulo 2, inti-
tulado Conceito de Coerência, da obra  A Coerência Textual  (KOCH, 2010), que indicamos para leitura, ela
de�ne coerência “através da apresentação de vários aspectos e/ou traços que, em seu conjunto, permitem
perceber o que esse termo signi�ca” (p. 23). Desta mesma obra, você deve ler também o capítulo 4, denomi-
nado Fatores de Coerência, no qual Koch (2010) aborda os fatores linguísticos, discursivos, cognitivos, cul-
turais e interacionais dos quais decorre a coerência.

4. A Intertextualidade
A intertextualidade ocorre quando um texto cita, parodia ou revela semelhan-
ças estruturais e temáticas com outros textos. Conforme a�rmam Fiorin e
Savioli (2006):

[...] com muita freqüência um texto retoma passagens de outro. Quando um texto de
caráter cientí�co cita outros textos, isso é feito de maneira explícita. O texto citado
vem entre aspas e em nota indica-se o autor e o livro donde se extraiu a citação [...].

Com o texto literário essa explicitação dá-se de maneira implícita. Vejamos a


a�rmação de Fiorin e Savioli :

Num texto literário, a citação de outros textos é implícita, ou seja, um poeta ou ro-
mancista não indica o autor e a obra donde retira as passagens citadas, pois pres-
supõe que o leitor compartilhe com ele um mesmo conjunto de informações a res-
peito das obras que compõem um determinado universo cultural. Os dados a res-
peito dos textos literários, mitológicos, históricos são necessários, muitas vezes, pa-
ra compreensão de um texto (2006, p. 19).

Pela intertextualidade, há duas formas de interação entre os textos:

a) quando o texto citado possui seu sentido rea�rmado;


b) quando o texto citado possui seu sentido contestado.

Na segunda opção, temos as diversas formas de paródia, em que o humor mui-


tas vezes reforça uma postura crítica em relação à tradição literária ou cultu-
ral.

Para ler adequadamente os processos de intertextualidade faz-se necessária


uma memória de leituras e de conhecimentos culturais abrangentes. Veja a
seguir o que Fiorin e Savioli a�rmam:
As percepções das relações intertextuais, das referências de um texto a outro, de-
pende do repertório do leitor, do seu acervo de conhecimentos literários e de outras
manifestações culturais. Daí a importância da leitura, principalmente daquelas
obras que constituem as grandes fontes da literatura universal. Quanto mais se lê,
mais se amplia a competência para apreender o diálogo que os textos travam entre
si por meio de referências, citações e alusões. Por isso cada livro que se lê torna
maior a capacidade de apreender, de maneira mais completa, o sentido dos textos
(2006, p. 20).

Veremos alguns exemplos de intertextualidade. Está pronto para ler alguns


poemas?

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo


que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria �cou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história (ANDRADE, 2010).

 Quadrilha da sujeira
João joga um palitinho de sorvete na
rua de Teresa que joga uma latinha de
refrigerante na rua de Raimundo que
joga um saquinho plástico na rua de
Joaquim que joga uma garra�nha
velha na rua de Lili.
Lili joga um pedacinho de isopor na
rua de João que joga uma embalagenzinha
de não sei o quê na rua de Teresa que
joga um lencinho de papel na rua de
Raimundo que joga uma tampinha de
refrigerante na rua de Joaquim que joga
um papelzinho de bala na rua de J.Pinto
Fernandes que ainda nem tinha
entrado na história (AZEVEDO, 2010).
Observe que, no segundo poema, Ricardo Azevedo muda o sentido do texto de
Drummond, inserindo a questão do problema do lixo na vida moderna.

Bem, agora você já sabe da importância da leitura. É fundamental que se em-


penhe em buscar cada vez mais conhecimentos literários, para que possa
aprender a destrinçar os intricados nós da intertextualidade.

Complemente seus estudos com a leitura do capítulo Coesão Textual: conceito e mecanismos, da obra  A
Coesão Textual, de Koch (Biblioteca Virtual, 2010.)

Para aprofundar seus estudos em relação aos conceitos de coesão e coerência


textual, sugerimos que assista ao vídeo a seguir, no qual a professora e consul-
tora de língua portuguesa Gizele Caparroz, além de retomar conceitualmente
as ideias em questão, oferece exemplos de atividades que podem ser emprega-
das no ensino básico, para trabalhar a coesão e a coerência em sala de aula.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.

5. Considerações
Ao longo deste terceiro ciclo de aprendizagem, nos ocupamos de três concei-
tos – coesão, coerência e intertextualidade – que possibilitam a compreensão
textual e tornam o texto mais claro e bem tecido, tanto do ponto de vista sintá-
tico, quanto semântico. Vimos, assim, que a coesão está ligada à estrutura tex-
tual, sua materialidade, enquanto a coerência está mais ligada ao plano das
ideias.
No próximo ciclo de aprendizagem, continuaremos nos ocupando do texto,
conseguindo diferenciar um texto �gurativo de um texto temático e analisan-
do os níveis de estrutura textual.
(https://md.claretiano.edu.br/anaprotex-

gp0053-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 4 – Texto Figurativo, Texto Temático e os Níveis


de Estrutura Textual

Alexandre Bona�m Felizardo


Anelise Marinelli
Nancy Coutinho Marinelli 

Objetivos
• Diferenciar textos �gurativos de textos temáticos, conhecendo suas
principais características.
• Discutir os níveis de estrutura textual, re�etindo sobre seus impactos
para a compreensão textual.
• Diferir texto literário do não literário.

Conteúdos
• Texto �gurativo e texto temático.
• Níveis de estrutura textual.
• Texto literário e não literário

Problematização
Como é o processo de estruturação de um texto �gurativo? Como um texto te-
mático é caracterizado? Há distinção entre um texto temático e um texto �-
gurativo? Quais são as principais diferenças entre um texto literário e um
texto não literário? Como essas distinções nos ajudam na compreensão e na
produção de diversos textos? Quais são os níveis da estrutura textual? Como
o entendimento dos níveis de leitura nos conduz a uma compreensão mais
fecunda do texto?

1. Introdução
Nos primeiros dois ciclos de aprendizagem, nós estudamos os conceitos de gê-
neros textuais/discursivos e tipos textuais. Naquele momento, você teve a
oportunidade de diferenciar os dois conceitos, compreendendo que gêneros
dizem respeito às categorias discursivas relativamente estáveis de enuncia-
dos, que circulam nas diferentes esferas da comunicação humana, sendo ca-
racterizados pelo conteúdo, estilo e construção composicional; já o tipo textu-
al, por sua vez, diz respeito a uma sequência de�nida pela natureza linguística
de sua composição, o que quer dizer que está mais relacionado com as ques-
tões estruturais da língua (determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, re-
lações lógicas e tempo verbal).

Além dos conceitos acima, também podemos analisar o texto a partir de ou-
tras categorias, como texto �gurativo e texto temático, que nos ajudam, por
sua vez, a de�nir melhor o tipo e o gênero do texto.

Compreendendo as características dos textos �gurativos e dos textos temáti-


cos, conseguimos, também, entender os fatores que nos levam a classi�car de-
terminados textos como literários e como não literários.

Assim sendo, iremos estudar, neste ciclo, as formas textuais que marcam o
discurso dissertativo e o literário. Você poderá observar as características es-
pecí�cas de um texto literário, sua forma de organização, sua estrutura, bem
como a maneira ideal de interpretá-lo. Diferentemente do texto �gurativo, vo-
cê verá que o texto temático, de ordem re�exiva, terá outras maneiras de ser
lido, interpretado e escrito (FELIZARDO et al, 2014, 80).

Outro fator que in�uencia na compreensão de um texto está relacionado


aos níveis da estrutura textual. Compreender que um texto se estrutura em di-
ferentes níveis nos auxilia a perceber os mecanismos implícitos que impac-
tam na compreensão, conseguindo identi�car o percurso gerativo de sentido.
Neste ciclo, portanto, dedicado à análise dos elementos textuais que auxiliam
na compreensão e, consequentemente, na produção de um texto, trataremos
do percurso gerativo de sentido dos textos, ou seja, dos níveis da estrutura tex-
tual: o discursivo, o narrativo e o fundamental (FELIZARDO et al, 2014, p. 138).
Vale ressaltar que essas questões são propostas pela teoria semiótica greima-
siana, de base francesa, que será abordada de forma mais pormenorizada em
outra disciplina do curso.

2. Texto �gurativo x texto temático


Para darmos início aos nossos estudos sobre os textos �gurativos e temáticos,
vamos abordar as formas de expressão da linguagem artística e não artística,
analisando e de�nindo alguns fatores que caracterizam essas duas formas
discursivas, tais como o predomínio de palavras concretas ou abstratas, �gu-
ras ou temas, verbos de ação ou de estado.

Iremos estudar, a partir de agora, as formas textuais que marcam o discurso


dissertativo, de cunho meditativo, e o literário.

Você irá observar as características especí�cas de um texto literário, sua for-


ma de organização, sua estrutura, bem como a maneira ideal de interpretá-lo.
Diferentemente do texto �gurativo, o temático, de ordem re�exiva, terá outras
maneiras de ser lido e interpretado.

3. O texto literário e o não literário


Quando você lê um texto dissertativo, de natureza re�exiva, com toda a certe-
za, já deve ter percebido o quanto tal expressão se difere da literária, de nature-
za artística.

Pois bem, vamos a partir de agora de�nir algumas diferenças entre o texto li-
terário e o não literário, alguns fatores que condicionam essas duas formas
discursivas.

Leia, com atenção, o seguinte texto:


O Leão e o Rato (Esopo)

O leão era orgulhoso e forte, o rei da selva. Um dia, enquanto dormia, um minúsculo rato correu pelo
seu rosto. O grande leão despertou com um rugido. Pegou o ratinho por uma de suas fortes patas e le-
vantou a outra para esmagar a débil criatura que o incomodara.

- Ó, por favor, poderoso leão – pediu o rato. Não me mate, por favor. Peço-lhe que me deixe ir. Se o �-
zer, um dia eu poderei ajudá-lo de alguma maneira.

Isso foi para o felino uma grande diversão. A ideia de que uma criatura tão pequena e assustada co-
mo um rato pudesse ser capaz de ajudar o rei da selva era tão engraçada que ele não teve coragem de
matar o rato.

- Vá-se embora – grunhiu ele – antes que eu mude de ideia.

Dias depois, um grupo de caçadores entrou na selva. Decidiram tentar capturar o leão. Os homens
subiram em duas árvores, uma de cada lado do caminho, e seguraram uma rede lá em cima.

Mais tarde, o leão passou despreocupadamente pelo lugar. Os homens, então, jogaram a rede sobre o
grande animal. O leão rugiu e lutou muito, mas não conseguiu escapar.

Os caçadores foram comer e deixaram o leão preso à rede, incapaz de se mover. O leão rugiu por aju-
da, mas a única criatura na selva que se atreveu a aproximar-se dele foi o ratinho.

- Oh, é você? – disse o leão. Não há nada que possa fazer para me ajudar. Você é tão pequeno!

- Posso ser pequeno – disse o rato, mas tenho os dentes a�ados e estou em dívida com você.

E o ratinho começou a roer a rede. Dentro de pouco tempo, ele �zera um furo grande o bastante para
que o leão saísse da rede e fosse se refugiar no meio da selva.

Às vezes o fraco pode ser de ajuda ao forte (ESOPO, 1995, s/p.).

Agora leia atentamente esse segundo texto:


Os indivíduos detentores do poder menosprezam, muitas vezes, os fracos, aqueles que são desprivile-
giados. A imoralidade da força está assentada justamente nessa opressão, império a desdenhar
aqueles que, por não terem poder, sustentam a hierarquia. A fraqueza é a base, o fator operante de to-
da ditadura. Com efeito, é justamente a fraqueza dos vencidos que sustenta a opulência, o poder.

Observe: apesar de termos textos completamente diferentes, eles lidam com a


mesma temática, ou seja, o menosprezo dos poderosos em relação aos fracos.
Como podemos notar, características formais e estilísticas plasmam cada um
dos textos, nuançando diferenças a enquadrá-los em tipologias textuais dis-
tintas. Vejamos quais são essas tipologias e quais as características delas.

Você deve ter notado que, no primeiro caso, temos um texto em que predomi-
nam palavras concretas: leão, caçador, rato, rei etc. Consequentemente, pode-
mos encontrar verbos de ação, também concretos: jogar, rugir, fazer, grunhir
etc.

Já no segundo texto, predominam, com maior abundância, termos mais gené-


ricos, mais abstratos: poder, imoralidade, opressão, operante. Os verbos, por
conseguinte, também são de ordem estática, mais abstratos: assentar, estar,
menosprezar, sustentar. Essa generalidade é conseguida por meio de palavras
do léxico dos discursos dissertativos, de ordem analítica.

Portanto, a fábula de Esopo, por ser constituída por palavras mais concretas, é
chamada de texto �gurativo. Tais palavras, por sua vez, são nomeadas, nos es-
tudos de linguística textual, de �guras. Recapitulando:

• Figuras: palavras concretas,


• Texto �gurativo: discurso composto de �guras.

O segundo discurso, por ter sido elaborado com palavras abstratas, chamadas
de temas, é nomeado de texto temático. Recapitulando:

• Temas: termos abstratos.


• Texto temático: texto composto de temas.

Essas são as duas tipologias textuais às quais os textos em questão se enqua-


dram: texto �gurativo e texto temático. Os textos verbais irão se enquadrar
nesses dois modelos germinais da construção textual.

Agora, note uma questão importante. Apesar de encontrarmos o predomínio


de termos concretos no primeiro texto e de palavras mais abstratas no segun-
do, podemos, entretanto, veri�car a presença de palavras abstratas (poucas)
na fábula de Esopo, como também palavras concretas no segundo texto.

Isso relativiza tais tipologias. Assim, não há texto inteiramente constituído de


temas ou de �guras, mas texto que é predominantemente temático ou �gurati-
vo.

Vejamos o que dois importantes teóricos, Fiorin e Savioli, têm a dizer a respei-
to dos temas e das �guras:

Figuras são palavras ou expressões que correspondem a algo existente no mundo


natural: substantivos concretos, verbos que indicam atividades físicas, adjetivos
que expressam qualidades físicas. [...] Quando falamos em mundo natural, não es-
tamos querendo dizer apenas o mundo realmente existente, mas também os mun-
dos �ctícios criados pela imaginação humana. Se imaginarmos um mundo em que
as �ores sejam de pedra, isso será também uma �gura. Temas são palavras ou ex-
pressões que não correspondem a algo existente no mundo natural, mas a elemen-
tos que organizam, categorizam, ordenam a realidade percebida pelos sentidos
(2006, p. 72).

A partir dessas duas categorias de palavras e expressões, construímos textos


em que o mundo, por sua vez, também é representado de maneira distinta:

Há, pois, dois níveis de concretização dos esquemas narrativos: o temático e o �gu-
rativo. Este é mais concreto do que aquele. Conforme o modo de concretização da
estrutura narrativa, temos dois tipos de texto: os textos temáticos e os �gurativos.
Estes criam um efeito de realidade, pois constroem uma cena real com gente, bi-
chos, cores, etc. Por isso representam o mundo no texto. Aqueles procuram explicar
os fatos e as coisas do mundo, buscam classi�car, ordenar e interpretar a realidade.
[...] (FIORIN; SAVIOLI, 2006, p. 72).
Agora que de�nimos o que é texto �gurativo e temático, vejamos outros fatores
importantes ligados a essas duas tipologias textuais.

Conforme pudemos notar, o texto �gurativo, por ser mais concreto, correspon-
de à expressão literária. Os textos literários tendem a ser mais concretos. Em
outro sentido, os textos temáticos, por categorizarem e se atentarem para a or-
ganização do mundo, são predominantemente não literários, dissertativos e,
portanto, re�exivos.

Todavia, é importante nuançar que essa classi�cação não é estanque. Temos


textos literários em que há a inserção textual temática, como, por exemplo, a
poesia de Fernando Pessoa, pelo seu tom meditativo, �losó�co, é altamente te-
mática. A prosa de Clarice Lispector, quando suas personagens saem do plano
da realidade para atingir as funduras do ser, também se torna, em muitos mo-
mentos, altamente abstrata, portanto, temática. Por conseguinte, num texto �-
losó�co, o escritor poderá utilizar-se de exemplos concretos, �gurativos, para
exempli�car sua tese.

Nas classi�cações textuais, nada é completamente fechado. Nesse sentido, é


válido falar em predominância e não a�rmar classi�cações enformadas, es-
tanques.

Vamos veri�car outros fatores de relevância nessa classi�cação?

Diferentemente do texto temático, o �gurativo possui mais de uma camada,


conforme iremos veri�car mais à frente, tal texto compõe-se de três camadas.
Para além das �guras, no nível profundo do texto, temos um intertexto, um
discurso temático a irrigar, subterraneamente, o texto concreto, �gurativo.
Portanto, para lermos adequadamente um texto �gurativo, necessitamos atin-
gir sua estrutura profunda, o seu signi�cado oculto, o seu tema a pairar além
das imagens.

Já no texto temático temos a expressão direta do pensamento. Interpretá-lo,


por conseguinte, é travar um contato com as ideias e ponderá-las na media-
ção do ser no mundo. Por exemplo, você, aluno, conhece o pensamento de um
�lósofo e, em seguida, após re�etir sobre suas ideias, tomará esclarecimento
delas, inserindo-as no plano do real como forma de organização, de estrutura-
ção e compreensão do ser no mundo.

Vejamos o que a esse respeito ponderam  Fiorin e Savioli:

Como o nível temático e o nível �gurativo são dois níveis sucessivos de concretiza-
ção, podemos ter textos temáticos, isto é, sem a cobertura �gurativa, mas todo texto
�gurativo pressupõe, sob as �guras, um tema. Assim, para entender um texto �gu-
rativo é preciso alcançar seu nível temático. [...] Um texto �gurativo sempre joga
com dados concretos para, por meio deles, revelar signi�cados mais abstratos
(2006, p. 72-73).

Se lembrarmos dos textos usados no início desse estudo, descobriremos que o


segundo, abstrato, funciona como uma explicação do primeiro. Trata-se do ní-
vel temático da fábula. Ler a fábula em questão é compreender esse sentido a
conjugar as �guras: a de que os poderosos subestimam a força dos fracos.

Para se depreender o tema que subjaz às �guras, precisamos explicitar uma


noção importante. Uma �gura isolada, em si, não tem um signi�cado abran-
gente. O único signi�cado que ela possui é a sua de�nição de dicionário. As �-
guras tramam signi�cações abrangentes, complexas, quando estão encadea-
das, coerentemente, numa teia, numa sequência textual. Assim, para encon-
trarmos o tema de um texto �gurativo, é necessário buscar as relações estabe-
lecidas entre as diversas �guras do texto.

Vamos analisar um texto?

Leremos agora outra fábula, esta bem humorada, do grande escritor Millôr
Fernandes:

O Rei dos Animais

Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para veri�car se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos ti-
nham mudado muito, as condições do progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das
feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom inda-
gar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar-se é uma das
constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consa-
gração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses. Assim o
Leão encontrou o Macaco e perguntou: “Hei, você aí, macaco - quem é o rei dos animais?” O Macaco,
surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais
alto galho da mais alta árvore da �oresta: “Claro que é você, Leão, claro que é você!”.

Satisfeito, o Leão continuou pela �oresta e perguntou ao papagaio: “Currupaco, papagaio. Quem é, se-
gundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?” E como aos papagaios não é dado o dom de
improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: “Currupaco... não é o Leão? Não é o Leão?
Currupaco, não é o Leão?”.

Cheio de si, prosseguiu o Leão pela �oresta em busca de novas a�rmações de sua personalidade.
Encontrou a coruja e perguntou: “Coruja, não sou eu o maioral da mata?” “Sim, és tu”, disse a coruja.
Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais �rme no passo, mais alto de cabeça.
Encontrou o tigre. “Tigre, - disse em voz de estentor -eu sou o rei da �oresta. Certo?” O tigre rugiu, he-
sitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão �xo em si, e disse, rugindo contra-
feito: “Sim”. E rugiu ainda mais mal humorado e já arrependido, quando o leão se afastou.

Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante. Perguntou: “Elefante,
quem manda na �oresta, quem é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e
de seres, dentro da mata?” O elefante pegou-o pela tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o
contra o tronco de uma árvore e desapareceu �oresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e en-
sangüentado, levantou-se lambendo uma das patas, e murmurou: “Que diabo, só porque não sabia a
resposta não era preciso �car tão zangado”. Moral: cada um tira dos acontecimentos a conclusão que
bem entende (FERNANDES, 2010).

Veja, quais temas podemos depreender desse texto �gurativo? Poderíamos


pensar na seguinte proposta: os mais fortes vencem os mais fracos.

Como podemos perceber tal tema? A partir da sequência �gurativa. Temos


dois blocos de �guras em oposição: os animais fortes, vigorosos, em oposição
aos animais de compleição mais frágil.

Os temas demonstram as formas de expressão do poder: a violência. No caso


do leão, ele usa sua força rugindo e demonstrando sua superioridade a �m de
intimidar os outros animais. No caso do elefante, esse é mais enfático, dá uma
surra no leão.

A moral da fábula de Millôr também é um tema e funciona como centro orga-


nizador do discurso �gurativo.

As �guras, por sua vez, formam uma cadeia coerente, pela qual notamos o au-
toengano do leão ao se achar o único soberano da �oresta. Os animais todos
pontuam dúvidas e contestam essa soberania. O macaco a�rma a superiorida-
de do rei das selvas movido pelo medo, somente pelo medo, e não pela verda-
de. O papagaio por saber apenas repetir, responde automaticamente, não mo-
vido por uma expressão autêntica. A coruja usa a sagacidade para enganar o
leão e, por �m, a revolta do tigre, reprimida pela força do adversário, leva-o a
a�rmar o poder do rei. Veja os temas: medo X coragem, sagacidade X engano.
Esses jogos temáticos irrigam a fábula, expressando o autoengano do leão.

Por �m, mesmo quando vencido, o leão continua a mentir para si mesmo, nu-
ma autoexpressão que não condiz com a verdade. Se para ser rei é necessário
ser também o mais forte, ele no fundo não é rei de lugar nenhum, pois não é
imbatível.

Você pôde então perceber que, para depreender o tema de um texto �gurativo,
é necessário veri�car o encadeamento lógico das �guras. Um texto, assim, não
é um mero amontoado de frases, de palavras desconexas, mas um tecido coe-
so, bem estruturado, em que cada palavra compõe um signi�cado ao se enre-
dar no contexto.

Vejamos o que Fiorin e Savioli têm a nos dizer a respeito:


É preciso ter bem presente que uma �gura não tem signi�cado em si mesma.
Isoladamente, ela pode sugerir idéias muito variadas e noções muito imprecisas.
Seu sentido nasce do encadeamento com outras �guras. Como se sabe, num texto,
tudo é relação. O que dá sentido às �guras é um tema. Por isso encontrar o sentido
de um conjunto de �guras encadeadas é achar o tema que está subjacente a elas.
[...]
O que, na verdade, garante a depreensão dos temas por trás das �guras é exatamen-
te a coerência da rede de �guras do texto, fruto da relação solidária que elas man-
têm entre si.
[...]
As �guras, apesar da oscilação possível dos seus signi�cados, estão articuladas no
interior de um texto estruturado, e, num texto, os signi�cados são solidários. Desse
modo, as múltiplas signi�cações possíveis de uma �gura isolada estão sob o con-
trole de um contexto, no qual se encaixam com coerência apenas algumas dessas
possibilidades signi�cativas. Em vista disso, a depreensão dos temas subjacentes a
um texto �gurativo só é possível a partir do confronto cuidadoso das �guras que se
articulam e se encadeiam no interior dele, formando uma rede (2006, p. 79-80).

Podemos perceber que, para ler um texto, faz-se necessário atentarmo-nos ao


seu contexto, à rede signi�cativa a encadear o sentido. Em um texto �gurativo
sobre a sabedoria, encontraremos �guras referentes a esse tema; não caberia,
no contexto desse discurso, �guras referentes a outro tema totalmente diferen-
te, desconectado.

Também o texto temático constitui-se uma rede coerente de encadeamento de


palavras, de ideias. Cada subtema se interliga a outro, formando um todo coe-
so e coerente.

Vamos ler um texto temático, a seguir, e veri�car o quanto a unidade de senti-


do é fundamental para a estruturação desse discurso:

Ética para a nova era

Nenhuma sociedade no passado ou no presente vive sem uma ética. Como seres sociais, precisamos
elaborar certos consensos, coibir certas ações e criar projetos coletivos que dão sentido e rumo à his-
tória. Hoje, devido ao fato da globalização, constata-se o encontro de muitos projetos éticos nem to-
dos compatíveis entre si. Face à nova era da humanidade, agora mundializada, sente-se a urgência
de um patamar ético mínimo que possa ganhar o consentimento de todos e assim viabilizar a convi-
vência dos povos. Vejamos, sucintamente, como na história se formularam as éticas.

Uma permanente fonte de ética são as religiões. Estas animam valores, ditam comportamentos e
dão signi�cado à vida de grande parte da humanidade que, a despeito do processo de secularização,
se rege pela cosmovisão religiosa. Como as religiões são muitas e diferentes, variam também as nor-
mas éticas. Di�cilmente se pode fundar um consenso ético, baseado somente no fator religioso. Qual
religião tomar como referência? A ética fundada na religião possui, entretanto, um valor inestimável
por referi-la a um último fundamento que é o Absoluto.

A segunda fonte é a razão. Foi mérito dos �lósofos gregos terem construído uma arquitetônica ética
fundada em algo universal, exatamente na razão, presente em todos os seres humanos. As normas
que regem a vida pessoal chamaram de ética e as que presidem a vida social chamaram de política.
Por isso, para eles, política é sempre ética. Não existe, como entre nós, política sem ética.

Esta ética racional é irrenunciável mas não recobre toda a vida humana, pois existem outras dimen-
sões que estão aquém da razão como a vida afetiva ou além como a estética e a experiência espiritu-
al.

A terceira fonte é o desejo. Somos seres, por essência, desejantes. O desejo possui uma estrutura in�-
nita. Não conhece limites e é inde�nido por ser naturalmente difuso. Cabe ao ser humano dar-lhe
forma. Na maneira de realizar, limitar e direcionar o desejo, surgem normas e valores. A ética do de-
sejo se casa perfeitamente com a cultura moderna que surgiu do desejo de conquistar o mundo. Ela
ganhou uma forma particular no capitalismo no seu afã de realizar todos os desejos. E o faz excitan-
do de forma exacerbada todos os desejos. Pertence à felicidade, a realização de desejos mas, atual-
mente, sem freios e controles, pode pôr em risco a espécie e devastar o planeta. Precisamos incorpo-
rá-la em algo mais fundamental.

A quarta fonte é o cuidado, fundado na razão sensível e na sua expressão racional, a


responsabilidade. O cuidado está ligado essencialmente à vida, pois esta, sem o cuidado, não persis-
te. Daí haver uma tradição �losó�ca que nos vem da antiguidade (a fábula-mito 220 de Higino) que
de�ne o ser humano como essencialmente um ser de cuidado. A ética do cuidado protege, potencia,
preserva, cura e previne. Por sua natureza não é agressiva e quando intervém na realidade o faz to-
mando em consideração as consequências bené�cas ou malé�cas da intervenção. Vale dizer, se res-
ponsabiliza por todas as ações humanas. Cuidado e responsabilidade andam sempre juntos.

Essa ética é hoje imperativa. O planeta, a natureza, a humanidade, os povos, o mundo da vida
(Lebenswelt) estão  demandando cuidado e responsabilidade. Se não transformarmos estas atitudes
em valores normativos di�cilmente evitaremos catástrofes em todos os níveis. Os problemas do
aquecimento global e o complexo das várias crises, só serão equacionados no espírito de uma ética
do cuidado e da responsabilidade coletiva. É a ética da nova era.

A ética do cuidado não invalida as demais éticas mas as obriga a servir à causa maior que é a
salvaguarda da vida e a preservação da Casa Comum para que continue habitável (BOFF, 2010).

Leonardo Boff, em exímio raciocínio, vai encadeando seu pensamento de for-


ma coerente e coesa. Veja, estamos lidando com um texto temático. As pala-
vras de cunho abstrato e analítico proliferam em quantidade muito maior que
as �guras: ética, cosmovisão, responsabilidade, cuidado etc.

Para entender o texto, é necessário enquadrar os temas secundários em um


tema geral. Esse esforço de síntese ajuda-nos a ter uma noção ao mesmo tem-
po rica, variada do texto, e global, centrada na intenção temática geral.

Dessa maneira, para entendermos o artigo de Boff, é necessário elencarmos


seus vários subtemas, tais como a ética da religião, da razão, do desejo e do
cuidado. Tal feito ajuda a organizar a leitura. A partir daí, faz-se necessário
enfeixá-los na ideia geral, central do texto. Todas essas expressões da ética
têm uma unidade, a despeito das diferenças e peculiaridades. Todas são for-
mas de atitude, expressão dos valores humanos. São códigos a se condensa-
rem em uma ética geral. Nesse sentido, o próprio Leonardo Boff deu uma de�-
nição, no primeiro parágrafo, capaz de conceituar todas essas posturas éticas.
Assim, toda ética compõe-se de “certos consensos”, da coibição de "certas
ações", na criação de "projetos coletivos que dão sentido e rumo à história".

Veja, o que �zemos nessa breve análise, é justamente elencar os diversos sub-
temas em um tema global. Note, assim, o quanto a estrutura de um texto é al-
tamente elaborada, formando um todo harmônico, uma unidade re�exiva coe-
rente.

Para ler um texto como esse com e�cácia, é necessário "enquadrar todos os te-
mas disseminados ao longo do texto e englobá-los dentro de um tema geral
que sintetize de maneira ampla todo o conjunto" (FIORIN; SAVIOLI, 2006, p. 87).
Dessa forma, assim como no texto �gurativo, também no temático os temas se
encadeiam num �uxo de sentido:

Assim como as �guras se encadeiam de modo coerente, os temas também o fazem.


A mesma coerência interna do encadeamento das �guras deve existir na rede de
temas de um texto temático. E, ainda, para apreender o tema mais geral que organi-
za e integra funcionalmente os subtemas, é necessário confrontá-los entre si e de-
preender a unidade subjacente à diversidade (FIORIN; SAVIOLI, 2006, p. 88).

Como a�rmam Fiorin e Savioli, não se entende, por exemplo, um texto que de-
fenda a necessidade e a conveniência econômica da reforma agrária, registrar
dados estatísticos que comprovem a quebra da produção agrícola com o con-
seqüente aumento do preço dos alimentos num país que tenha executado a re-
ferida reforma.

É de suma importância, portanto, para que um texto seja coerente, que uma
unidade temática esteja subjacente e orientando o �uxo dos demais subtemas.

4. Níveis de estrutura do texto �gurativo


Agora que você já sabe que o texto �gurativo é composto por mais de uma ca-
mada e que, na sua raiz, no seu cerne, há sempre um tema ao qual devemos
nos reportar, vamos detalhar melhor esse processo de estruturação do texto �-
gurativo.

Tal tipologia textual possui vários níveis de leitura, várias camadas de senti-
do. A boa leitura analítica tem de partir da superfície concreta, �gurativa, até
atingir o cerne temático, de natureza re�exiva.

Quando lemos um texto literário, um conto por exemplo, deparamo-nos com


diversas imagens, com um verdadeiro caos de �guras. Essa variedade, essa
gama ampla de palavras concretas, está concatenada, organizada, por um cer-
ne temático que dá sentido ao texto, conforme já notamos antes. Vejamos o
que a esse respeito a�rmam Fiorin e Savioli:
Ao primeiro contato com um texto qualquer, por mais simples que ele pareça, nor-
malmente o leitor se defronta com a di�culdade de encontrar unidade por trás de
tantos signi�cados que ocorrem na sua superfície.
Numa crônica ou numa pequena fábula, por exemplo, surgem personagens diferen-
tes, lugares e tempos desencontrados e ações as mais diversas. Na primeira leitura,
parece impossível encontrar qualquer ponto para o qual convirjam tantas variáveis
e que dê unidade à aparente desordem.
Mas, quando se trata de um bom texto, por trás do aparente caos, há ordem.
Quando, após várias leituras, encontra-se o �o condutor, a primeira impressão de
desorganização cede lugar à percepção de que o texto tem harmonia e coerência
(2006, p. 35).

Dessa forma, conforme os apontamentos de Fiorin e Savioli, temos de achar a


ordem por detrás do caos. Vejamos como podemos encontrar tal sentido no
texto a partir de um exemplo.

Vamos ler um conto? Segue um belo texto do escritor Victor Giudice:

O arquivo

No �m de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos.

joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um
dos poucos contemplados. A�nal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir,
a agradecer ao chefe.

No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzi-
do, podia pagar um aluguel menor.

Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava
mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.

Dois anos mais tarde, veio outra recompensa. O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte
salarial. Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: de-
zessete por cento. Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.
Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos.
Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.

Prosseguiu a luta. Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.

joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os.


Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas
diárias.

Uma tarde, quase ao �m do expediente, foi chamado ao escritório principal. Respirou descompassa-
do.

– Seu joão. Nossa �rma tem uma grande dívida com o senhor.
joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.

– Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reco-
nhecimento.

O coração parava.

– Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem,
rebaixá-lo de posto.

A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.

– De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias.
Contente? Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao
trabalho.

Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pací�co, no silêncio do subúrbio.

Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche.
Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas
despesas inúteis, lavadeira, pensão.

Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e
dois ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios.

Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fo-
me. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não ti-
nha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes,
cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.

O corpo era um monte de rugas sorridentes.

Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos
de serviço, foi convocado pela che�a:

– Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a par-
tir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.

O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas na-
da disse. Sentia-se cansado. En�m, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:

– Agradeço tudo que �zeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria.

O chefe não compreendeu:

– Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá
de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de
convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?

A emoção impediu qualquer resposta. joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu,
�cou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas,
compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento. João transformou-se num arquivo de
metal (GIUDICE, 2010).

No primeiro nível da leitura podemos captar os seguintes movimentos narra-


tivos, os signi�cados super�ciais do texto:

- Um trabalhador vê o seu ordenado reduzido sucessivamente


- Para garantir a subsistência, tal trabalhador vê-se obrigado a cortar gastos, mudar-se, deixar de
alimentar-se e usar conduções públicas cada vez mais onerosas

- Por �m, esse funcionário vê-se sem salário, na miséria, transformando-se em algo inanimado, um
objeto, um arquivo de metal.

Num segundo nível, podemos engendrar um primeiro gesto interpretativo,


elencando os acontecimentos concretos do texto num plano mais abstrato:

- a personagem principal não se dá conta que está sendo explorada

- o chefe usa de sorrisos e amabilidades para usurpar seu funcionário

- a personagem decai de cargo, perde o salário, feitos que o levam a um morte simbólica: transforma-
se em um arquivo.

Por �m, em um terceiro nível, podemos chegar a um nível abstrato, temático:

• submissão X exploração;
• alienação;
• desumanização.

Conforme pudemos notar, a personagem, seduzida pela amabilidade de seu


chefe, deixa-se explorar, decaindo paulatinamente na miséria. A alienação é
encenada por um processo irônico: a personagem sente-se grati�cada pela vi-
olência que sofre. Esse feito absurdo acentua a dramaticidade da história e, de
certa forma, o absurdo nos remete ao real: muitas pessoas são exploradas e
nem se dão conta disso.

Conforme podemos notar, temos esboçado, no esquema proposto, três níveis


de leitura, três camadas signi�cativas, pelas quais vamos do mais super�cial
e concreto do texto para o mais re�exivo e abstrato.

Vejamos o que Fiorin e Savioli têm a nos a�rmar sobre tal estrutura:
Os três níveis de leitura, como se pode notar, distinguem-se um do outro pelo grau
de abstração: o primeiro nível depreende os signi�cados mais complexos e mais
concretos; o terceiro nível depreende os signi�cados mais simples e abstratos.
As diversidades se manifestam no nível da superfície do texto, e a unidade se en-
contra no nível mais profundo.
Desse modo, pode-se imaginar que o texto admite três planos distintos na sua es-
trutura:

1) um estrutura super�cial, onde a�oram os signi�cados mais concretos e diversi�-


cados. É nesse nível que se instalam no texto o narrador, os personagens, os cená-
rios, o tempo e as ações concretas;
2) uma estrutura intermediária, onde se de�nem basicamente os valores com que
os diferentes sujeitos entram em acordo ou desacordo;
3) uma estrutura profunda, onde ocorrem os signi�cados mais abstratos e mais
simples. É nesse nível que se podem postular dois signi�cados abstratos que se
opõem entre si e garantem a unidade do texto inteiro.

Após o que �cou exposto, pode-se concluir que o leitor cumpre o trajeto que parte
da estrutura da superfície, passa pela intermediária e, por �m, chega à estrutura
profunda. Parte dos signi�cados dispersos na superfície para ir atingindo signi�ca-
dos cada vez mais abstratos.
Os três níveis que compõem a estrutura do texto serão designados, a partir desta li-
ção, pela seguinte nomenclatura:

1) Nível mais super�cial: estrutura discursiva;


2) Nível intermediário: estrutura narrativa;
3) Nível mais profundo: estrutura profunda.
(2006, p. 37).

Essas três estruturas, portanto, compõem os textos �gurativos. Para


compreendê-los, é preciso destrinçar essas camadas, trazendo-as à luz da
compreensão.

Esse trabalho de escavação do texto tem como intuito atingir a estrutura pro-
funda. Conforme apontam Fiorin e Savioli, essa estrutura se organiza entre
blocos temáticos em oposição. Vejamos o que esses teóricos têm a nos a�r-
mar:
O nível profundo de um texto constitui-se de uma oposição do tipo: liberdade ver-
sus submissão, vida versus morte, natureza versus civilização, unicidade versus
multiplicidade, etc. A análise de um texto não consiste apenas em encontrar a opo-
sição reguladora dos seus sentidos, pois, se somente isso for feito, reduziremos sua
riqueza signi�cativa a quase nada. No entanto, a importância de detectar a estrutu-
ra fundamental de um texto reside no fato de que ela permite dar uma unidade pro-
funda aos elementos super�ciais, que, à primeira vista, parecem dispersos e caóti-
cos.
Cada um dos pólos opostos da estrutura profunda vem investido de uma apreciação
valorativa. [...] A valorização é dada pelo texto, e não cabe ao leitor alterá-la (2006, p.
46).

Portanto, conforme podemos notar, interpretar um texto não signi�ca apenas


achar sua estrutura profunda. Isso seria reduzir a leitura a um mero processo
maquinal. Interpretar um texto é dar o devido valor a todas as suas nuanças,
desde as �guras, o arcabouço imagético e fônico, bem como os signi�cados
implicados no texto.

A seguir iremos abordar essas questões.

5. A seleção lexical
Quando um autor elabora um texto, ele tem em mente um projeto literário.
Para tanto, como artista, ele seleciona as palavras de acordo com suas inten-
ções, com suas diretrizes estéticas. Um autor simbolista irá privilegiar em seu
texto termos relacionados a temas metafísicos, palavras como "morte", "eter-
nidade", "existência". Já um poeta modernista, avesso a esse tipo de poesia,
prefere termos mais coloquiais, mais próximos de nosso cotidiano.

A essa escolha de palavras chamamos, na linguística textual, de seleção lexi-


cal. Léxico signi�ca o mesmo que vocabulário.

Vejamos o que Fiorin e Savioli a�rmam a esse respeito:


Temas e �guras pertencem ao léxico de uma língua. O léxico consiste no repertório
de palavras de que uma dada língua dispõe. Em sentido amplo, podemos conside-
rar o léxico como sinônimo de vocabulário. Tem ele diferentes regiões: gírias (voca-
bulário especial usado por um dado segmento social); regionalismos (vocabulário
próprio de uma dada região); jargões (vocabulário típico de uma dada especialidade
pro�ssional); estrangeirismos (termos estrangeiros incorporados a nossa língua);
arcaísmos (palavras ou expressões caídas em desuso); neologismos (palavras re-
centemente criadas) (2006, p. 93).

Identi�car apenas o tipo de seleção lexical empreendia pelo escritor não nos
esclarece o su�ciente em uma leitura interpretativa. Para fazer uma leitura
consistente, é preciso identi�car a intenção do autor quando esse seleciona
um dado vocabulário:

O autor de um texto, para criar um determinado efeito de sentido, pode escolher �-


guras dentro de uma determinada região do léxico. Pode escrever seu texto em gí-
ria, ou utilizar um vocabulário regionalista, ou ainda fazer uso de muitos arcaís-
mos. O que importa, para uma boa leitura, não é apenas identi�car a escolha feita
pelo autor, mas veri�car qual é a função que ela tem no sentido do texto (FIORIN;
SAVIOLI, 2006, p. 93).

Vamos ler uma crônica de João Antônio como exemplo, a �m de perceber co-
mo se resulta a escolha lexical desse texto:

Carioca da gema

Carioca, carioca da gema seria aquele que sabe rir de si mesmo. Também por isso, aparenta ser o
mais desinibido e alegre dos brasileiros. Que, sabendo rir de si e de um tudo, é homem capaz de se
sentar ao meio-�o e chorar diante de uma tragédia. O resto é carimbo.

Minha memória não me permite esquecer. O tio mais alto, o meu tio-avô Rubens, mulherengo de to-
pe, bigode frajola, carioca, pobre, porém caprichoso nas roupas, empaletozado como na época, imper-
tigado, namorador impenitente e alegre e, pioneiro, me ensinar nos bondes a olhar as pernas nuas
das mulheres e, após, lhes oferecer o lugar. Que havia saias e pernas nuas nos meus tempos de meni-
no.
Folgado, �nório, malandreco, vive de férias. Não pode ver mulher bonita, perdulário, super�cial e fes-
tivo até as vísceras. Adjetivação vazia... E só idéia genérica, balela, não passa de carimbo.

Gosto de lembrar aos sabidos, perdedores de tempo e que jogam conversa fora, que o lugar mais ale-
gre do Rio é a favela. E onde mais se canta no Rio. E, aí, o carioca é desconcertante. Dos favelados
nasce e se organiza, como um milagre, um dos maiores espetáculos de festa popular do mundo, o
Carnaval.

O carimbo pretensioso e generalizador se esquece de que o carioca não é apenas o homem da Zona
Sul badalada – de Copacabana ao Leblon. Setenta e cinco por cento da população carioca moram na
Zona Centro e Norte, no Rio esquecido. E lá, sim, o Rio �ca mais Rio, a partir das caras não cosmopo-
litas e se o carioca coubesse no carimbo que lhe imputam não se teriam produzido obras pungentes,
inovadoras e universais como a de Noel Rosa, a de Geraldo Pereira, a de Nelson Rodrigues, a de
Nelson Cavaquinho... Muito do sorriso carioca é picardia �na, modo atilado de se driblarem os per-
calços.

Tenho para mim que no Rio as ruas são faculdades; os botequins, universidade. Algumas frases apa-
nhadas lá nessas bigornas da vida, em situações diversas, como aparentes tipos-a-esmo:

“Está ruim pra malandro” - o advérbio até está oculto.

“Quem tem olho grande não entra na China”.

“A galinha come é com o bico no chão”.

“Negócio é o seguinte: dezenove não é vinte”.

“Se ginga fosse malandragem, pato não acabava na panela”·

“Não leve uma raposa a um galinheiro”.

“Se a farinha é pouca o meu pirão primeiro”.

“Há duas coisas em que não se pode con�ar. Quando alguém diz “deixe comigo” ou “este cachorro
não morde”.
“Amigo, bebendo cachaça, não faço barulho de uísque”.

“Da fruta de que você gosta eu como até o caroço”.

“A vida é do contra: você vai e ela �ca”.

Como �loso�a de vida ou não, vivendo numa cidade em que o excesso de beleza é uma orgia, convi-
vendo com grandezas e mazelas, o carioca da gema é um dos poucos tipos nacionais para quem nin-
guém é gaúcho, paraibano, amazonense ou paulista. Ele entende que está tratando com brasileiros
(ANTÔNIO, 2010).

Veja, para gerar o efeito de proximidade em relação à cultura carioca, João


Antônio usa uma série de frases-feitas, de expressões típicas do povo, a �m de
traçar o per�l do homem do povo, do carioca da favela. Ao usar essas expres-
sões, João intenta nos aproximar da vida cotidiana desses homens, da sua
maneira de ver o mundo. O intuito de João Antônio, portanto, não é escrever
um discurso erudito, mas um texto próximo da vida, da existência do malan-
dro tipicamente carioca.

Bem, agora você já poderá de�nir, com maior prioridade e segurança, as dife-
renças entre texto temático e �gurativo, assim como os processos da seleção
lexical. Tal discernimento é fundamental para se interpretar e ler um texto
adequadamente.

Como você viu, o texto �gurativo costuma ser predominantemente marcado


pelas �guras, palavras concretas e verbo de ação, correspondendo à expres-
são literária; já o texto temático, por sua vez, caracterizado pelo uso predomi-
nante de temas, palavras abstratas e verbos de estado, costuma corresponder
aos textos não-literários, ou seja, aos textos dissertativos.

Pronto para saber mais?


Para aprofundar seus estudos em relação aos textos �gurativos e temáticos, sugerimos que assista ao ví-
deo recomendado a seguir, no qual o professor Noslen parte dos conceitos de denotação e de conotação e
de substantivos concretos e abstratos para explicar as principais características do texto �gurativo e do
texto temático.
Segundo Felizardo et al (2014), o texto �gurativo, diferentemente do temático,
possui mais de um nível discursivo, apresentando três camadas. Assim, as �-
guras do texto se encontram em um nível mais super�cial. Para além delas,
temos o nível mais profundo do texto, onde é possível ter acesso ao discurso
temático que subjaz ao texto �gurativo do nível super�cial. Dessa forma, para
compreender corretamente o texto, precisamos ser capazes de acessar e ler o
nível mais profundo do texto. É por este motivo que, no próximo subtópico,
propomos um estudo sobre os níveis da estrutura textual.

6. Níveis da estrutura textual


Compreender que o sentido do texto se constrói a partir da análise dos seus di-
ferentes níveis de estrutura é, segundo a semiótica discursiva, um pré-
requisito para a compreensão efetiva e não ingênua do discurso.

Como já dissemos anteriormente, a semiótica greimasiana, de base francesa,


será abordada de forma mais pormenorizada em outra disciplina do curso. No
entanto, acreditamos ser fundamental abordá-la também neste ciclo, uma vez
que ela está intimamente relacionada à compreensão e produção textual, so-
bretudo considerando uma perspectiva discursiva, estando, também, bastante
relacionada a esta disciplina.

Como o ato de narrar é uma atividade indissociável do ser humano, a criança


chega à escola com uma capacidade narrativa evidenciada pelo relato de ex-
periências pessoais ou vicárias de fatos do cotidiano e pela sua habilidade de
inventar.

Essa capacidade é ampliada, na escola, pela interação do aprendiz com narra-


tivas mais complexas, as literárias. Entretanto, é preciso explorar mais o po-
tencial linguístico e polissêmico dos textos.
Neste momento, trataremos do percurso gerativo de sentido dos textos, ou se-
ja, dos níveis da estrutura textual: o discursivo, o narrativo e o fundamental.
Vale lembrar que essas questões são propostas pela teoria semiótica greimasi-
ana, de base francesa.

Assim, iremos compartilhar saberes, e sua capacidade de compreender textos


irá ampliar-se até que você possa perceber, sozinho, a formação discursiva e
os mecanismos internos de agenciamento do sentido dos textos.

Trabalhada dessa forma, a leitura possibilita o desvelamento das tensões e


con�itos presentes nas relações sociais e viabiliza, portanto, a educação na di-
mensão homem-mundo.

7. Nível discursivo, nível narrativo e nível fun-


damental
Os textos, entendidos como objeto de signi�cação e objeto de comunicação,
constituem-se de conteúdos explícitos e de outros, implícitos. Para perceber o
signi�cado que subjaz à relação entre esses conteúdos é necessário que o lei-
tor tenha um preparo teórico que o habilite a abstrair-se das estruturas textu-
ais mais super�ciais para chegar às mais abstratas.

Como asseveram Fiorin e Savioli, o texto admite três planos em sua estrutura:

• uma estrutura super�cial, onde a�oram os signi�cados mais concretos e


diversi�cados. É nesse nível que se instalam no texto o narrador, os per-
sonagens, os cenários, o tempo e as ações concretas;
• uma estrutura intermediária, onde se de�nem basicamente os valores
com que os diferentes sujeitos entram em acordo ou desacordo;
• uma estrutura profunda, onde ocorrem os signi�cados mais abstratos e
mais simples. É nesse nível que se podem postular dois signi�cados abs-
tratos que se opõem entre si e garantem a unidade do texto inteiro (1995,
p. 37).

No primeiro plano da estrutura textual, denominado nível discursivo, a narra-


tiva é assumida pelo sujeito da enunciação, que faz opções discursivas depen-
dendo dos efeitos que deseja obter: realidade ou irrealidade (fantasia), proximi-
dade ou distanciamento etc. Assim, tem-se o discurso em primeira ou em ter-
ceira pessoa, espaço do aqui ou do lá, tempo do agora ou do então e a opção
por �guras ou temas.

No segundo plano, denominado nível narrativo, veri�ca-se a narratividade, ou


seja, as transformações de estado. A articulação dessas transformações forma
sequências narrativas agrupadas em quatro fases: a manipulação, a compe-
tência, a performance e a sanção.

• Manipulação: é a fase em que um personagem induz outro a fazer algo.


• Competência: é a fase em que o personagem adquire o saber e o poder pa-
ra agir.
• Performance: consiste na execução da ação pelo sujeito do fazer.
• Sanção: corresponde ao castigo (sanção disfórica) ou recompensa (san-
ção eufórica) que o sujeito do fazer recebe.

No terceiro e último plano, denominado nível fundamental, surge "a signi�ca-


ção como uma oposição semântica mínima" (BARROS, 1999, p. 9). Esse nível
caracterizar-se-á sempre como um bloco semântico básico, eixo do texto pau-
tado em uma antítese. Por exemplo: liberdade X prisão, sabedoria X ignorân-
cia. Toda a temática do texto estará, portanto, focada nessa oposição.

Detectar a estrutura fundamental de um texto, os valores em oposição, é atri-


buir uma unidade aos elementos super�ciais.

Para ilustrar esse percurso gerativo de sentido dos textos, ou seja, os níveis
discursivo, narrativo e fundamental, escolhemos o conto As notícias e o mel
de Marina Colasanti.

Ao mencionar o nome da autora já antecipamos a classi�cação desse conto.


Não se trata de um conto popular, mas sim de um conto erudito, literário ou
culto, segundo D’Onofrio:
[...] é produzido por um autor historicamente conhecido; e refere-se a um episódio
da vida real, não verdadeiro porque �ccional, mas verossímil, ou seja, o fato narra-
do não aconteceu no mundo físico, mas poderia acontecer (2001, p. 120-121).

Pertence ao gênero narrativo que, para D'Onofrio (2001, p. 53), é:

[...] todo discurso que nos apresenta uma história imaginária como se fosse real,
constituída por uma pluralidade de personagens, cujos episódios de vida se entre-
laçam num tempo e num espaço determinados.

Possui todos os elementos do romance, porém de forma reduzida: foco narrati-


vo único, um único episódio, poucas personagens, um ou dois ambientes ape-
nas, tempo limitado, descrições e re�exões rápidas.

Observe como o conto As notícias e o mel engendra, por meio de sua estrutu-
ração textual, uma percepção bastante rica da realidade que o sensibilizará e o
fará re�etir acerca dos temas trabalhados.

As notícias e o mel

Um dia o rei �cou surdo. Não como uma porta, mas como uma janela de dois batentes. Ouvia tudo do
lado esquerdo, do direito não ouvia nada.

A situação era incômoda. Só atendia aos Ministros que sentavam de um lado do trono. Aos outros,
nem respondia. E até mesmo de manhã, se o galo cantasse do lado errado, Sua Majestade não acor-
dava e passava o dia inteiro dormindo.

Foi quando mandou chamar o gnomo da �oresta, e o gnomo, obediente, apareceu na corte. Veio vo-
ando com suas asinhas, tão pequeno que, embora todos estivessem avisados da sua chegada, quase
o confundiram com um inseto qualquer.

Chegou e logo se entendeu com o rei, estabelecendo um trato. Ficaria morando no ouvido direito e re-
petiria para dentro, bem alto, tudo o que ouvisse lá fora. Tendo asas, e desejando, poderia aproveitar
seu parentesco com as abelhas para fabricar, no ouvido real, alguma cera e um pouco de mel.
O trato funcionou às mil maravilhas. Tudo o que o gnomo ouvia, repetia em voz bem alta nas caver-
nas da orelha, e o eco e a voz do gnomo chegavam até o rei, que passou a entender como antigamen-
te, de lado a lado.

Correu o tempo. Rei e gnomo, assim tão vizinhos, foram �cando cada dia mais íntimos. Já um sabia
tudo do outro, e era com prazer que o gnomo gritava, e era com prazer que o rei ouvia o zumbidinho
das asas atarefadas no fabrico da cera e do mel. Uma certa doçura começou a espalhar-se do ouvido
real para a cabeça, e o rei foi �cando aos poucos mais bondoso. Um certo carinho foi se espalhando
da caverna real para o gnomo, e ele foi �cando aos poucos mais bondoso.

Foi essa a causa da primeira mentira. O Primeiro Ministro deu uma má notícia no ouvido esquerdo, e
o gnomo, não querendo entristecer o rei, transmitiu uma boa notícia no ouvido direito.

Foi essa a primeira vez que o rei ouviu duas notícias ao mesmo tempo.

Foi essa a primeira vez que o rei escolheu a notícia melhor. Houve outras depois.

Sempre que alguma coisa ruim era dita ao rei, o gnomo a transformava em alguma coisa boa. E sem-
pre que o rei ouvia duas notícias escolhia a melhor delas.

Aos poucos o rei foi deixando de prestar atenção naquilo que lhe chegava do lado esquerdo. E até
mesmo de manhã, se o galo cantasse desse lado e o gnomo não repetisse o canto do galo, Sua
Majestade esquecia-se de ouvir e continuava dormindo tranqüilo até ser despertado pelo chamado
do amigo.

De um lado o mel escorria. Do outro chegavam as preocupações, as tristezas, e todos os ventos maus
pareciam soprar à esquerda da sua cabeça.

Mas o rei tinha provado o mel e a doçura era agora mais importante do que qualquer notícia.
Entregou o trono e a coroa para o Primeiro Ministro. Depois chamou o gnomo para junto da boca e
murmurou-lhe baixinho a ordem.

Obediente, o gnomo voou para o lado esquerdo e, aproveitando seu parentesco com as abelhas, fabri-
cou algum mel, e abundante cera, com que tapou para sempre o ouvido do rei (COLASANTI, 1979, p.
60-61).
Marina Colasanti (1979) preserva, em As notícias e o mel, a tradição do conto
maravilhoso, mantendo personagens tipi�cadas que povoam os contos mara-
vilhosos tradicionais, como o rei e o gnomo.

"Era uma vez", introdução canônica do gênero conto maravilhoso, é substituí-


da por "Um dia", que não é própria para início, e sim para continuidade. O tem-
po é inde�nido, tempo do então, e o espaço é o do lá, palácio do rei. Essas esco-
lhas discursivas causam o efeito de irrealidade. A narração é feita em terceira
pessoa e a linguagem é marcada pela predominância de �guras, de frases
simples e de diminutivos, que são características da linguagem infantil.

Esses dados concretos estão organizados em esquemas narrativos, especi�ca-


mente em três con�itos. No primeiro, percebe-se o seguinte estado inicial: o
rei não ouve do lado direito. Competência o rei tem: manda chamar o gnomo,
elemento mágico que �rma com ele um trato que corresponde à performance.
A sanção é eufórica: o rei passa a ouvir dos dois lados.

O segundo con�ito mostra uma transformação no caráter do rei "foi �cando


aos poucos mais bondoso" (COLASANTI, 1979, p. 60).

A manipulação é representada pelas mentiras do gnomo e pela fabricação de


mel já que o gnomo tinha "parentesco com as abelhas" (COLASANTI, 1979, p.
61), performance esperada.

O terceiro e último con�ito revela a performance do rei, que escolhe ouvir ape-
nas as melhores notícias, entrega seu trono a outro e ordena ao gnomo que ta-
pe seu ouvido esquerdo, pelo qual recebia somente as notícias que não lhe
agradavam. Este, obediente, fabrica um tipo de mel e abundante cera e tapa
de�nitivamente o ouvido do rei.

A sanção �nal é disfórica, pois o rei passa a ouvir só do lado direito. Sendo as-
sim, há uma volta ao estado inicial do conto, quando o rei ouvia somente do
lado esquerdo, invertendo-se o ouvido, em função da manipulação do gnomo.

No nível fundamental, uma leitura mais abstrata é postulada por valores que
se opõem:
• TODO (porta, janela de dois batentes) x PARTE (um só ouvido).
• OPORTUNISMO (o gnomo vê só o lado bom e transforma em boas as pio-
res situações) x COMODISMO (o rei escolhe sempre a melhor notícia).
• ENGAJAMENTO (necessário a quem governa, porém não evidenciado na
pessoa do rei) x ALIENAÇÃO (o rei restringe sua opção ao que é agradá-
vel).

O conto mostra-nos a necessidade de equilíbrio para se exercer a autoridade, a


necessidade de análise dos prós e dos contras, de ver e ouvir todos os lados e
saber discernir entre conselhos divergentes. Faz-nos re�etir acerca das posi-
ções radicais, das pessoas inseguras e suscetíveis ao perigo e acerca do opor-
tunismo e do comodismo tão característicos na relação entre governantes e
governados.

Resta apontar que são inversos o percurso do autor e o percurso do leitor na


construção de sentidos de um texto.

Ao contrário do leitor, o autor parte da oposição semântica, de�ne primeiro as


estruturas fundamentais, depois as converte em estruturas narrativas, em se-
guida, faz as opções discursivas e está feito o texto.

O conteúdo estudado até aqui contribuirá para que você encontre o “�o condu-
tor” dos textos, a unidade de sentido por trás de tantos signi�cados aparentes.

Para compreender melhor a questão do percurso gerativo de sentido   sob o


ponto de vista da semiótica discursiva a partir da análise dos três níveis tex-
tuais, assista ao vídeo a seguir, intitulado  Como fazer uma análise semiótica
discursiva?,  no qual o professor Cláudio Rabelo aborda esses conceitos com
base nas obras de Greimas e Fiorin.
A partir da aula dada pelo professor Cláudio Rabelo, conseguimos visualizar,
com base nos exemplos fornecidos, como a análise dos três níveis estruturais
de um texto, em diferentes gêneros textuais, são fundamentais para a compre-
ensão dos discursos expressos, tanto os explícitos quanto os implícitos, conse-
guindo acessar níveis mais profundos de interpretação e compreensão.

Sugerimos, agora, que você dê uma pausa na sua leitura e re�ita sobre sua
aprendizagem realizando a questão a seguir.

8. Considerações
Ao longo deste ciclo, buscamos abordar e re�etir sobre o texto desde o ponto
de vista da sua intencionalidade e literariedade, classi�cando-o em texto �gu-
rativo X texto temático e texto literário X não literário.

Vimos, assim, que o que caracteriza o texto �gurativo e literário é o predomí-


nio no uso de termos concretos e verbos de ação, que é o caso, por exemplo, da
narração; o texto temático e não literário, por sua vez, se caracteriza pelo uso
predominante de substantivos abstratos, re�etindo e discutindo conceitos no
plano da ideia, como no caso da dissertação.

Estudamos, também, a questão do percurso gerativo de sentido a partir da


análise dos três níveis que compõe a estrutura textual, compreendo que a con-
sideração e compreensão dos três níveis é fundamental para uma leitura mais
crítica, considerada enquanto prática social.

Agora, no próximo ciclo de aprendizagem, considerando os estudos realizados


nos quatro primeiros ciclos, passaremos a tratar das práticas de escrita, revi-
são e reescrita, desde uma perspectiva mais prática e focada no processo de
ensino e aprendizagem, bem como da análise linguística a partir de tex-
tos.Sugerimos, agora, que você dê uma pausa na sua leitura e re�ita sobre sua
aprendizagem realizando a questão a seguir.
(https://md.claretiano.edu.br/anaprotex-

gp0053-fev-2022-grad-ead-p/)

Ciclo 5 – Análise Linguística, Práticas de Escrita,


Revisão e Reescrita

Maria Ângela de Freitas Chiachiri

Objetivos
• Distinguir diferentes aspectos da análise linguística de textos modelares
e de textos escolares.
• Acompanhar a prática pedagógica de um procedimento de reescrita de
textos escolares.
• Re�etir sobre estratégias de intervenção no processo de revisão do texto.
• Examinar critérios de correção de textos.

Conteúdos
• Análise linguística.
• Práticas de escrita, revisão e reescrita.
• A Produção de Textos na BNCC.

Problematização
Quais são os diferentes aspectos da análise linguística de textos escolares?
Como deve se dar a prática pedagógica de um processo de escrita e reescrita
de textos escolares?

Orientações para o estudo


Este é o último ciclo de aprendizagem da disciplina. Nele, abordaremos algu-
mas questões mais práticas relacionadas à produção textual, bem como à
sua revisão e reescrita, enquanto atividade escolar. Antes de iniciá-lo,
certi�que-se de que os principais conceitos relacionados aos processos de
leitura e escrita, ao texto, discurso, gêneros e tipos textuais, e aos aspectos
textuais, como coesão e coerências, estudados nos ciclos anteriores, estejam
claros e bem compreendidos. Caso necessário, retorne aos ciclos anteriores.

1. Introdução
Nos ciclos anteriores, nos debruçamos sobre o texto, abordando alguns concei-
tos que nos auxiliam a compreendê-lo e a escrevê-lo melhor, tais como coesão,
coerência e níveis de estrutura textual. Considerando os conceitos estudados e
a sua competência leitora, acreditamos que você seja capaz de olhar para um
texto e julgar se ele está confuso, ambíguo, incompleto ou incoerente, correto?
Mas, enquanto autor, você saberia revisá-lo e reescrevê-lo? E enquanto profes-
sor, conseguiria ajudar seus alunos a fazerem a revisão e reescrita de seus pró-
prios textos, fornecendo e aplicando estratégias de intervenção no processo de
revisão do texto?

Para ajudá-lo neste processo, buscamos, neste último ciclo de aprendizagem,


re�etir sobre a prática pedagógica de análise linguística de textos modelares e
de textos de alunos em sala de aula. Em consonância com a BNCC, a análise
linguística é entendida, segundo Geraldi (2003), juntamente às práticas de lei-
tura e de produção de textos, como a prática de linguagem em que os recursos
expressivos da língua são analisados a partir de produções discursi-
vas (CHIACHIRI, 2013).

2. A prática da análise linguística com vistas


ao processo de reescrita
Geraldi (2003), citado por Chiachiri (2013), defende que o objetivo primordial
da análise linguística nas aulas de língua portuguesa, cujo ponto de partida
deve ser o texto, ou seja, o discurso, e não a gramática ou termos ou frases iso-
ladas, deve ser a reescrita do texto por parte do aluno.
Ainda neste sentido, a BNCC ressalta que a prática de produção de texto no
Ensino Fundamental e no Médio deve, entre outras dimensões inter-
relacionadas às práticas de uso e de re�exão sobre a linguagem, prever um
trabalho com a dimensão dos aspectos notacionais e gramaticais. Dentro des-
sa dimensão, o professor deve desenvolver junto aos alunos a habilidade de:

Utilizar, ao produzir textos, os conhecimentos dos aspectos notacionais – ortogra�a


padrão, pontuação adequada, mecanismos de concordância nominal e verbal, re-
gência verbal etc., sempre que o contexto exigir o uso da norma-padrão (BRASIL,
2018, p. 78).

Nesse momento, vamos re�etir sobre as estratégias que podem ser emprega-
das em sala de aula pelos professores para que os alunos consigam, por meio
da análise linguística, alcançar a habilidade anteriormente apresentada.

Você é capaz de olhar para o próprio texto e veri�car se ele está confuso, ambí-
guo, incompleto ou incoerente? Esperamos que sim. Mas saberia revisá-lo,
reescrevê-lo até considerá-lo satisfatório, pelo menos para o momento?

É justamente assim que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de


Língua Portuguesa (BRASIL, 2001) consideram competente um escritor; quan-
do ele é capaz de olhar para o próprio texto e veri�car se está confuso, ambí-
guo, incompleto e ainda ser capaz de revisá-lo e reescrevê-lo até considerá-lo
satisfatório para o momento.

Por isso, o desenvolvimento de nossa capacidade de comunicação tanto oral


quanto escrita como usuários de uma língua que já dominamos tem sido o
principal objetivo do ensino de Língua Portuguesa na escola. Mas será que a
maior parte do tempo disponível para o trabalho com a língua tem sido mes-
mo destinada ao trabalho com a leitura e a produção de textos ou ainda uma
grande parcela desse tempo é dedicado a atividades de metalinguagem?

Notamos que muitas transformações têm ocorrido no ensino de língua mater-


na, desde a década de 1980, a partir de quando se percebeu um avanço no tra-
balho com os eixos didáticos de leitura e produção de textos. Com relação ao
ensino de análise linguística, no entanto, as mudanças parecem ainda se ar-
rastar vagarosamente.

Essas mudanças de perspectivas no âmbito do saber acadêmico in�uenciam,


de uma forma ou de outra, novos encaminhamentos teórico-metodológicos,
mas não é fácil transformar os textos dos saberes a serem ensinados em sabe-
res efetivamente ensinados em sala de aula.

Este ciclo de aprendizagem pretende colaborar com a sua prática pedagógica


de análise linguística de textos modelares e de textos de alunos em sala de au-
la. A análise linguística seria, para Geraldi (2003), ao lado da leitura e da pro-
dução de textos, a unidade de ensino em que se analisam os recursos expres-
sivos da língua, considerada como uma produção discursiva.

É importante, por enquanto, ter em mente que o objetivo da análise linguística


é a reescrita de seu texto (para o aluno) e o ensino das etapas de processamen-
to do texto até uma possível versão �nal (para o professor).

Por isso, faremos análise linguística de dois textos modelares e de um texto de


aluno do ensino médio, tentando mostrar como conduzir essa atividade com
os alunos até a reescrita do texto �nal.

3. A prática de análise linguística


Muitos são os autores que compartilham da perspectiva bakhtiniana, dialógi-
ca, de olhar o texto. Fernandes (2007, p. 1) diz que um texto escrito não é uma
unidade fechada e, muito menos, um produto acabado, mas “um trabalho lin-
guístico e discursivo, processado por um enunciador num jogo que envolve es-
colhas, negociações de sentido e reelaborações”.

Marcuschi (2008), por sua vez, compara o texto a um tecido estruturado devido
às relações que os �os têm entre si para formar o todo, assim como as pala-
vras se relacionam para construir uma unidade signi�cativa. O autor avalia
que o texto é uma reconstrução do mundo e não apenas uma refração ou um
re�exo.

Os textos fazem parte do nosso universo e, segundo Fernandes (2007, p. 13),


“somos, ao mesmo tempo, aranhas tecedeiras e teias incompletas”, como pode
ser lido a seguir. O autor refere-se à função que os textos desempenham na so-
ciedade, e assim ele se coloca:

Escreve-se para ler e lê-se para escrever. Na ação interminável de empreender a in-
terlocução com o outro, os �os se interligam. Assim como as palavras organizadas
em frases tecem uma teia, os atores dessa tessitura são a própria teia. Os textos fa-
zem parte do nosso universo e somos, ao mesmo tempo, aranhas tecedeiras e teias
incompletas. A nossa civilização está presa aos textos, escritos ou não. Gera-os e
precisa deles, pois a sociedade letrada exige que os cidadãos saibam ler e, também,
escrever.

E como reconhecer esses �os que tecem essa teia tecida por autor e leitor, no
texto?

Podemos responder, com Geraldi (2003b), que é pela “prática de análise lin-
guística”. O conceito de prática de análise linguística no contexto escolar foi
usado pela primeira vez por esse autor, em 1981, no texto Unidades básicas do
ensino de português. Iniciava-se, nesse ano, um movimento de renovação no
ensino de Língua Portuguesa no Brasil. O texto, em livro publicado em 1984, foi
largamente divulgado entre professores e formadores de professores de portu-
guês na coletânea O texto na sala de aula, organizada pelo próprio professor e
linguista Geraldi. As sugestões do autor foram de muitas mudanças na forma
de se ensinar Língua Portuguesa, com base na concepção de que a língua é
uma forma de interação.

Ao lado da leitura e da produção de textos, a análise linguística seria, para es-


se autor, a unidade de ensino em que se analisam os recursos expressivos da
língua, considerada como uma produção discursiva. Esse trabalho de análise
e re�exão sobre a língua constituir-se-ia como uma prática fundamental para
que os alunos aprendam Língua Portuguesa, enquanto a usam e re�etem so-
bre seu uso.

Geraldi (2003) sugere que o ensino da língua deva ser feito por meio de práti-
cas, ou seja, com a prática da leitura dos textos, a prática de produção de tex-
tos e a prática de Análise Linguística (AL). Ao considerar que o ensino da gra-
mática só tem sentido se for para auxiliar o aluno na resolução dos problemas
referentes ao uso da língua, no falar ou no escrever, o autor propõe a prática da
análise linguística em sala de aula.

De acordo com Geraldi (2003b, p. 74), “o objetivo essencial da análise linguísti-


ca é a reescrita do texto do aluno”. E o autor acrescenta:

Isso não exclui, obviamente, a possibilidade de nessas aulas o professor organizar


atividades sobre o tema escolhido, mostrando com essas atividades os aspectos
sistemáticos da língua portuguesa [...] O objetivo não é o aluno dominar a termino-
logia (embora possa usá-la), mas compreender o fenômeno linguístico utilizado.

Para esses autores, o aluno chega à sala de aula com sua competência comu-
nicativa já bastante desenvolvida e, por isso, o dever da escola não é ensinar o
que ele já sabe e nem reprimir ou desconsiderar as capacidades de interação
já instaladas. A escola deve oferecer ao aluno não o ensino de língua, mas os
usos da língua e formas não corriqueiras de comunicação escrita e oral.
Segundo Marcuschi (2008), esse trabalho com a língua deve ser feito no con-
texto da compreensão, da produção e da análise textual.

É por isso que o melhor caminho para se fazer a análise linguística é enquanto
o professor propõe um trabalho de reescrita coletiva da produção de um texto
de aluno, representativa dos equívocos textuais que mais ocorrem na turma.

4. Leitura e análise linguística de textos


Você há de convir que o grande desa�o do professor, além de escrever bons
textos, é ensinar, na escola, a escrever bons textos.

Um dos aspectos mais importantes nessa tarefa é compartilhar ideias com


muita leitura, antes de escrever. Depois da primeira escrita, o professor deve
buscar na reescrita coletiva uma forma de re�etir, junto com a turma, sobre os
aspectos linguísticos que prejudicaram os efeitos de sentido que seu autor, o
aluno, queria produzir com seu texto.
Para exempli�carmos como fazer isso, procederemos à análise da proposta de
produção de texto do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM, 2010) e dos
textos que subsidiaram o desenvolvimento da mesma proposta.

Leitura e análise dos elementos da proposta de produção de texto do ENEM


2010

Uma primeira orientação que o professor deve dar ao aluno que vai produzir o
texto com base na leitura de uma coletânea de textos é fazer uma boa leitura
da proposta de redação, que, no caso (ENEM, 2010), é a seguinte:

Com base na leitura dos seguintes textos motivadores e nos conhecimentos cons-
truídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em nor-
ma culta escrita da língua portuguesa sobre o tema O Trabalho na Construção da
Dignidade Humana, apresentando experiência ou proposta de ação social, que res-
peite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coe-
sa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.

Recomendamos que o aluno leia mais de uma vez, com atenção, o que a pro-
posta de produção de texto do ENEM 2010 diz e, além de ler, analise cada parte,
questione sobre o que ela exige e o que ela propõe, neste caso: ler, analisar,
questionar, usar conhecimento prévio, escolher um caminho, escrever.

A seguir, analisaremos cada parte da proposta de escrita do referido exame:

Escrever sobre o tema


Em primeiro lugar, é preciso buscar qual é o tema. Para isso, é bom grifar; a
proposta indica que o tema é “O trabalho na construção da dignidade huma-
na”.

Uma primeira re�exão do aluno sobre o tema apresentado deve ser no sentido
de se perguntar: o que é “dignidade humana”? Haverá trabalhos dignos e tra-
balhos indignos?

Muitas vezes, os alunos do ensino médio ainda não têm conhecimento cons-
truído ao longo de sua formação sobre determinados temas. Eles precisam ler
também os textos motivadores da coletânea, a partir dos quais vão pensar e
trazer conhecimentos de situações vividas.

Ler os textos da coletânea


Em segundo lugar, a proposta recomenda usar os textos da coletânea: “Com
base na leitura dos seguintes textos motivadores e nos conhecimentos cons-
truídos ao longo de sua formação (...)” (ENEM, 2010).

A leitura atenta dos textos permite que ele acione seus conhecimentos prévios
sobre o tema, relacione-os com as ideias do autor e que já vá escolhendo um
caminho para a sua réplica, ou seja, a sua produção de texto. Deixar de usar os
textos da coletânea pode desviá-lo do tema.

Redigir texto dissertativo-argumentativo


A proposta é que o aluno “redija texto dissertativo-argumentativo em norma
culta escrita da língua portuguesa”. Sendo assim, não será poema nem crôni-
ca, mas um texto em que ele deve dissertar sobre o tema e argumentar a favor
de sua opinião sobre este. Além disso, deve escrever na linguagem culta, evi-
tando gírias, internetês, abreviações, inadequações ortográ�cas, pontuação
adequada etc.

Apresentar experiência ou proposta de ação social que res-


peite os direitos humanos
Esse item não pode passar despercebido do aluno. Na proposta de redação, na-
da é aleatório e tudo é importante; embora o texto seja conciso, ele diz muito.
Nesse caso, o aluno deverá, ao �nal ou no transcorrer das argumentações, pro-
por possíveis soluções para o problema apresentado. Esse é o coroamento do
texto, aspecto em que o corretor con�rmará se o aluno relaciona ideias, re�ete
sobre o que diz, responsabiliza-se pelas informações trazidas e comentadas e
pensa na vida em sociedade.

Selecionar, organizar e relacionar, de forma coerente e coe-


sa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista
A proposta é clara, o aluno não dissertará somente, ele deve selecionar fatos
relevantes, organizá-los de tal forma que se insiram no contexto do texto de
forma coesa e argumentar para defender o ponto de vista a partir do qual ele
passou a olhar os fatos apresentados. Para que o aluno se sinta familiarizado
com esses termos, o professor precisa usá-los a todo momento em sala de au-
la, ao referir-se aos elementos que con�guram o tipo de texto.

Leitura de textos modelares ou bons textos


Os textos a que chamamos de modelares são os textos de qualidade, bem es-
critos, sobre o assunto ou tema que se pretende escrever e que servem como
forma de repertoriar o aluno com informações, organização textual e estilo. No
caso deste nosso trabalho, interessam os textos argumentativos e dissertati-
vos.

A leitura de bons textos sobre o tema que se quer escrever é importante, em


primeiro lugar, porque os alunos estarão se familiarizando com o tema, com a
linguagem escrita e com o estilo de cada escritor. Faz parte do trabalho do pro-
fessor também chamar a atenção para os usos da linguagem padrão que se
afastam da linguagem usada do dia a dia.

Em segundo lugar, na condução da leitura de textos argumentativos, é impor-


tante o professor chamar a atenção do aluno para o modo como o autor intro-
duz o assunto, o modo como o argumento está sendo construído, como está
fundamentado, como foi exempli�cado, o modo como ele faz a conexão das
ideias e outros aspectos.

Uma abordagem de textos modelares, por parte do professor, com o intuito de


ensinar como fazer isso, junto com os alunos, implica uma investigação con-
junta, um exame sobre aspectos que con�guram o gênero e o tipo de texto. A
condução da leitura poderia seguir alguns questionamentos que seguem:

1. Qual o tema do texto? É importante que, durante a leitura, os alunos per-


cebam do que fala o texto. Um texto pode apresentar vários fatos e hipóte-
ses, mas, na verdade, haverá ali um único eixo, tronco ou ideia, a ideia
principal.
2. De qual perspectiva o autor escreve? Ele viveu o assunto? Ele escreve em
1ª pessoa? Ou em 3ª pessoa? É mais imparcial, mais parcial? São questio-
namentos que buscam ressaltar informações ou pistas que con�gurem o
contexto de produção do texto e o ponto de vista do autor.
3. Como as informações estão organizadas? Qual o projeto que se pode de-
preender do texto lido? Trata-se de levar o aluno a perceber qual o projeto,
o planejamento do texto traçado pelo autor, ou seja, como ele inicia, onde
apresenta fatos, exemplos, onde coloca opinião etc.
4. Há coesão entre as ideias e informações no texto? A coesão das ideias é
um dos aspectos que proporcionam coerência ao texto. Assim, a ligação
dos períodos, das orações, que implica uso de pontuação, vírgulas, ponto e
vírgulas, pontos, de conectivos que ligam as ideias, pode ser observada
durante a leitura, pois permite ao leitor fazer antecipações das ideias que
serão tratadas.

Feitas essas considerações, passaremos à leitura e à análise dos fragmentos


de textos que compuseram a coletânea para embasamento do tema da Prova
de Redação do ENEM 2010.

Leitura e análise linguística dos textos da coletânea do ENEM 2010

Análise do Texto I

O primeiro texto apresentado como base para o desenvolvimento da proposta


de redação do ENEM 2010 na coletânea foi um fragmento de texto intitulado
“O que é trabalho escravo” (ENEM, 2010, p. 1):
TEXTO 1: O QUE É TRABALHO ESCRAVO

Escravidão contemporânea é o trabalho degradante que envolve o cerceamento da


liberdade.

A assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, representou o �m do direito de


propriedade de uma pessoa sobre a outra, acabando com a possibilidade de possuir
legalmente um escravo no Brasil. No entanto, persistiram situações que mantêm o
trabalhador sem possibilidade de se desligar de seus patrões. Há fazendeiros que,
para realizar derrubadas de matas nativas para formação de pastos, produzir car-
vão para a indústria siderúrgica, preparar o solo para o plantio de sementes, entre
outras atividades agropecuárias, contratam mão de obra utilizando os contratado-
res de empreitada, os chamados “gatos”. Eles aliciam os trabalhadores, servindo de
fachada para que os fazendeiros não sejam responsabilizados pelo crime.

Trabalho escravo se con�gura pelo trabalho degradante aliado ao cerceamento da


liberdade. Este segundo fator nem sempre é visível, uma vez que não mais se utili-
zam correntes para prender o homem à terra, mas, sim, ameaças físicas, terror psi-
cológico ou mesmo as grandes distâncias que separam a propriedade da cidade
mais próxima (REPÓRTER BRASIL, 2012).

Na condução da leitura destes textos com o objetivo de ensinar como abordar


um texto modelar, é bom chamar a atenção para as fontes em que o texto apa-
rece. Explicar que foi tirado de um texto jornalístico, publicado no site da ONG
Repórter Brasil, formada por jornalistas, cientistas sociais e educadores com o
objetivo de fomentar re�exões sobre a violação dos direitos fundamentais dos
povos e dos trabalhadores do campo no Brasil.

Alguns aspectos são importantes nessa primeira leitura:

O autor vai tratar do trabalho degradante, do trabalho escravo atual. Pessoas


que são aliciadas e vão para as fazendas em busca de um tipo de vida e aca-
bam em situações degradantes, fazendo um trabalho muito semelhante ao dos
escravos do Brasil Colônia, do Brasil Império.

Como o autor inicia seu texto?

Primeiro parágrafo
Ele faz um primeiro período lembrando a lei Áurea:

A assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, representou o �m do direito de


propriedade de uma pessoa sobre a outra, acabando com a possibilidade de possuir
legalmente um escravo no Brasil.

Note que o autor não se demora em falar da escravidão no Brasil Império, ele
relembra a escravidão do passado e escolhe um aspecto importante para o de-
senvolvimento do texto – acabou a escravidão no Brasil. O que antes era legal,
em relação a ter domínio sobre uma pessoa, hoje não o é, juridicamente falan-
do:

o �m do direito de propriedade de uma pessoa sobre a outra, acabando com a possi-


bilidade de possuir legalmente um escravo no Brasil.

O autor faz isso em um período e o faz para diferenciar os dois tipos de escra-
vidão: a legal (do passado) e a ilegal (contemporânea), marcando essa diferen-
ça por um advérbio – “legalmente”.

O segundo período do primeiro parágrafo é iniciado pela conjunção “No entan-


to”. Essa conjunção tem a função de colocar em relação duas ideias contrárias:
a Lei Áurea acabou com escravidão do passado, não é mais legal versus hoje
há pessoas escravas, porque não podem se desligar de seus patrões.
Encontramos aí expressas duas ideias opostas.

É importante chamar a atenção dos alunos para esse aspecto: quando se tem
duas ideias que são ligadas por conjunções adversativas – porém, no entanto,
mas – essas ideias estarão em contraposição.

Chamar atenção para o sentido dos elementos de ligação na hora da leitura


ajuda na hora de escrever. Muitos alunos acreditam que contudo signi�ca por-
tanto (no sentido de “com tudo isso que eu já falei...”) e a usam no último pará-
grafo, ao tentar concluir o texto.
Apresentadas as duas ideias contrárias, no terceiro período o autor começa a
desenvolver seu tema principal:

Há fazendeiros que, para realizar derrubadas de matas nativas para formação de


pastos, produzir carvão para a indústria siderúrgica, preparar o solo para o plantio
de sementes, entre outras atividades agropecuárias, contratam mão de obra utili-
zando os contratadores de empreitada, os chamados “gatos”.

Note que ele usa a norma culta “há fazendeiros” (e não tem fazendeiros, ou ha-
viam fazendeiros etc.). Lembrar aos alunos que quando o verbo haver tem sen-
tido de existir, não há plural.

Aqui o autor começou a fundamentar o argumento de que existe escravidão


hoje porque os trabalhadores não conseguem se desligar de seus patrões. Para
isso, ele usa um exemplo genérico “há fazendeiros (...) que contratam mão de
obra utilizando os contratadores de empreitada, os chamados ‘gatos’”. Não diz
onde, em que fazendas, mas, ao longo do texto, ele provavelmente vai dar mais
dados que indiquem onde se encontram esses tipos de fazendeiros.

A coesão vai sendo feita, e ele põe ponto �nal. Há alunos que não usam ponto
�nal, fazem o texto com dez, quinze linhas, colocam algumas vírgulas, mas
não terminam a ideia, não fecham o trecho. Aprender a pontuar é muito im-
portante, é preciso ensinar que, ao terminar o raciocínio, deve-se colocar pon-
to �nal.

No último período do primeiro parágrafo, o autor inicia outro argumento, que é


o de que os trabalhadores são aliciados por “gatos”. E como ele faz isso? Para
retomar “gatos”, não repetir, lança mão do pronome “eles”.

[...] contratam mão de obra utilizando os contratadores de empreitada, os chamados


“gatos”. Eles aliciam os trabalhadores, servindo de fachada para que os fazendeiros
não sejam responsabilizados pelo crime.

Segundo parágrafo
Finalmente, no segundo parágrafo, o autor vai tratar do trabalho degradante:

Trabalho escravo se con�gura pelo trabalho degradante aliado ao cerceamento da


liberdade. Este segundo fator nem sempre é visível, uma vez que não mais se utili-
zam correntes para prender o homem à terra, mas, sim, ameaças físicas, terror psi-
cológico ou mesmo as grandes distâncias que separam a propriedade da cidade
mais próxima.

Ele anuncia que o trabalho escravo se con�gura por esses dois aspectos – de-
gradação e cerceamento da liberdade –, mas continua desenvolvendo o texto
ao tratar do cerceamento da liberdade e explica por que diz isso; é porque hoje
outras amarras são utilizadas para prender o homem à terra: ameaças físicas,
terror psicológico, grandes distâncias entre propriedades, o que di�cultaria a
locomoção dos trabalhadores, que �cariam isolados, longe das cidades, longe
de recursos, de outras possibilidades de trabalho etc.

É importante observar: como o autor faz a coesão com a ideia anterior? Ele co-
meça o próximo parágrafo antecipando a ideia da degradação, retomando a
ideia da falta de liberdade e antecipando um novo assunto: a degradação do
novo trabalhador. Em um só período. É uma maneira de fazer a coesão das du-
as ideias.

Detalhando melhor o aspecto da coesão, podemos dizer que, nesse período, o


autor conceitua o que é trabalho escravo aliando-o ao aspecto da degradação e
salienta as formas modernas de cerceamento da liberdade. Ao iniciar outra
ideia fazendo coesão com a primeira, o autor retoma a última expressão cerce-
amento da liberdade por um pronome demonstrativo – “este segundo fator
nem sempre é visível” –, usa a expressão uma vez que (no sentido de porque
explicativo) “não mais se utilizam correntes para prender o homem à terra,
mas, sim” (no sentido de pelo contrário, uma ideia adversativa) “ameaças físi-
cas, terror psicológico ou mesmo as grandes distâncias que separam a propri-
edade da cidade mais próxima”.

Quanto ao vocabulário, muitos alunos não saberão o que signi�ca “cerceamen-


to”. É o momento em que o professor tem a oportunidade de apresentar pala-
vras novas, conceituando-as dentro do contexto. Nesse sentido, é preciso ex-
plicar, comentar, dar outros exemplos, recorrer ao dicionário, se necessário.

Retomando o caminho do autor para elaborar o texto, vimos que ele começa
fazendo uma retomada da escravidão no País, deixa claro que era legal e im-
plícito que hoje não o é.

Note que isso é algo com que o professor deve trabalhar: as ideias que estão
explícitas (escritas) e as ideias que estão implícitas (sugeridas), ou seja, no ca-
so desse texto (hoje não é legal, juridicamente, ter uma pessoa escrava). Há
uma informação implícita de que há uma ilegalidade, o que se con�gura em
uma pista para que o aluno perceba que poderá relacionar ideias e apresentar
propostas de possíveis soluções para o problema, solicitadas no enunciado da
proposta de redação. Por isso, é muito importante que o professor trabalhe
com a explicitação de todas as ideias que podem estar implícitas nos textos.
Essa, com certeza, consiste na maior di�culdade de interpretação de textos en-
tre nossos alunos.

Análise do Texto II

O segundo texto apresentado como base para o desenvolvimento da proposta


de redação do ENEM 2010 na coletânea é diferente. Trata-se de um fragmento
de texto intitulado “O futuro do trabalho”.

Enquanto os alunos leem o texto, o professor pode alertar para que observem a
linguagem, o suporte de texto onde foi publicado e o ponto de vista que o autor
assume (ENEM, 2010):
TEXTO 2: O FUTURO DO TRABALHO

Esqueça os escritórios, os salários �xos e a aposentadoria. Em 2020, você trabalha-


rá em casa, seu chefe terá menos de 30 anos e será uma mulher.

Felizmente, nunca houve tantas ferramentas disponíveis para mudar o modo como
trabalhamos e, consequentemente, como vivemos. E as transformações estão acon-
tecendo. A crise despedaçou companhias gigantes tidas até então como modelo de
administração. Em vez de grandes conglomerados, o futuro será povoado de em-
presas menores reunidas em torno de projetos em comum. Os próximos anos tam-
bém vão consolidar mudanças que vêm acontecendo há algum tempo: a busca pela
qualidade de vida, a preocupação com o meio ambiente e a vontade de nos realizar-
mos como pessoas também em nosso trabalho. “Falamos tanto em desperdício de
recursos naturais e energia, mas e quanto aos desperdícios de talentos?”, diz o �ló-
sofo e ensaísta suíço Alain de Botton em seu novo livro The Pleasures and Sorrows
of Works (Os prazeres e as dores do trabalho, ainda inédito no Brasil) (REVISTA
GALILEU, 2012).

Esse segundo texto começa com uma exortação ao leitor, tratando-o na 2ª pes-
soa do singular (você): “Esqueça os escritórios, os salários �xos e a aposenta-
doria. Em 2020, você trabalhará em casa, seu chefe terá menos de 30 anos e
será uma mulher”.

É um texto comum na imprensa em revistas; o ponto de vista no qual o autor


se coloca é o de um autor escritor em uma revista – Galileu – sobre atualida-
des, falando para um leitor que compra ou assina essa revista.

Não é um tratamento considerado adequado em redações mais formais, para


exames, concursos. Na perspectiva em que se coloca esse texto, a 2ª pessoa do
singular, o autor dialoga com o leitor. Em textos mais formais, como o que o
vestibulando deve escrever, o tratamento deve ser em 3ª pessoa do singular.

É bom lembrar que os pronomes de tratamento estão enquadrados nos prono-


mes pessoais. São empregados como referência à pessoa com quem se fala (2ª
pessoa), entretanto, a concordância é feita com a 3ª pessoa. Também são con-
siderados pronomes de tratamento as formas você, vocês, senhor, senhora e
senhorita.
Já no primeiro parágrafo propriamente dito, o autor vem se colocar junto do
trabalhador, ao �exionar os verbos na 1ª pessoa do plural (nós):

Felizmente, nunca houve tantas ferramentas disponíveis para mudar o modo como
trabalhamos e, consequentemente, como vivemos.

É conveniente orientar os alunos a pensarem agora nas diferenças entre os


dois textos: que leitor é esse que trabalha em casa, que busca qualidade de vi-
da, com chefe de menos de 30 anos etc.? Com certeza, um leitor que assina re-
vistas, que compra ou assina essa revista Galileu. Esse trabalhador a que se
refere o segundo texto seria o mesmo trabalhador do primeiro texto? Não, com
certeza. Vale a pena, durante a leitura do texto com os alunos, comparar os
trabalhadores, pessoas que usam ferramentas tecnológicas, que não têm as
mesmas preocupações do que aqueles que trabalham com a terra, que preci-
sam fugir dela. A preocupação dessas pessoas pode ser cuidar do meio ambi-
ente, de construir coisas novas, entre outras coisas.

Além de anunciar mudanças, transformações, crises, o autor do segundo texto


da coletânea do ENEM 2010 prevê novos tempos em que haverá mudanças
também na vida das pessoas, no meio ambiente e nas relações com o traba-
lho:

Os próximos anos também vão consolidar mudanças que vêm acontecendo há al-
gum tempo: a busca pela qualidade de vida, a preocupação com o meio ambiente e
a vontade de nos realizarmos como pessoas também em nosso trabalho.

Os dois fragmentos de textos estão colocados para serem contrapostos, no


contexto da proposta de redação. Vale a pena observar com os alunos que o
trecho do segundo texto diz que o trabalho pode ser uma atividade digna, em
que o homem pode ser criativo, sonhar, en�m, ser humano. Essa vontade de
nos realizarmos como pessoas também em nosso trabalho, em contraposição
à falta de liberdade e degradação do trabalho do outro texto, já podem sugerir
ao aluno caminhos para produção do seu texto.

No próximo tópico, faremos a leitura e análise linguística de um texto de alu-


no diante da proposta de redação do ENEM de 2010 e sugeriremos uma possí-
vel reescrita do texto.

5. Colocando a reescrita em prática


Pretendemos apresentar, neste tópico, uma forma de se fazer a correção de
textos de alunos, orientar como retomá-los, como conversar com eles (autores)
sobre as incorreções, as di�culdades gramaticais, semânticas, argumentati-
vas, en�m, como encaminhar a reescrita dos textos.

Tomaremos a produção de texto de um aluno da autora deste seu material di-


dático, a partir da proposta de redação do ENEM 2010, representativa de certos
equívocos mais comuns entre eles, os quais nossa prática pedagógica já nos
permite enxergar. Ao mesmo tempo em que �zermos a análise linguística,
proporemos formas de reescrever o texto, como se estivéssemos em uma situ-
ação de reescrita coletiva com os alunos. A abordagem do texto objetiva
conferir-lhe clareza, objetividade e adequação linguística. Antes disso, veja-
mos quais são os critérios.

Critérios para correção de produções de textos


Os critérios para correção de textos escolares, como produções de textos de
alunos, variam conforme o gênero solicitado, mas apresentam aspectos co-
muns que não podem faltar, entre eles, a abordagem do tema, a adequação ao
gênero, os elementos de coesão, o uso da norma culta e padrão. No caso do
nosso exemplo, como o gênero solicitado foi o artigo de opinião, um gênero do
tipo textual dissertativo-argumentativo, analisaremos o texto com base nos
seguintes aspectos:

1. Adequação ao gênero exigido.


2. Abordagem do tema e uso da coletânea.
3. Argumentação.
4. Coesão, coerência.
5. Linguagem

A coesão vem a ser o resultado da forma como as relações lógico-semânticas


do texto são expressas na superfície do texto. É veri�cável mediante a análise
de seus mecanismos lexicais e gramaticais de construção. É a manifestação
linguística da coerência (KOCH, 2000).

A coerência é responsável pelo sentido do texto, envolve fatores lógico-


semânticos e cognitivos, pois a possibilidade de interpretação do texto depen-
de do conhecimento partilhado entre os interlocutores. Um texto é coerente
quando compatível com o conhecimento de mundo do receptor (KOCH, 2000).

Ao ler o texto do aluno, o professor deve se fazer algumas questões:

1. O texto é dissertativo-argumentativo?
2. O aluno disserta sobre o tema? Qual seu posicionamento diante dele?
Como foram usadas as informações dos textos da coletânea?
3. Há argumentação em favor de suas ideias? Qual a qualidade dos argu-
mentos? São fundamentados? São falhos? Cita exemplos? Existe coerên-
cia interna?
4. Existe coesão entre orações, períodos e parágrafos? A pontuação foi usa-
da, conectivos, conjunções? As ideias estão coesas?
5. O aluno usou a modalidade escrita culta da língua?

Nessa primeira leitura da produção de texto do aluno, o professor vai obser-


vando as principais di�culdades, tanto no atendimento ao tema como na ar-
gumentação, na amarração das ideias e no âmbito da linguagem.

Há alunos que não usam as informações da coletânea, outros copiam tudo. É


preciso saber selecionar as informações mais relevantes para usá-las em seus
argumentos.

No âmbito da linguagem, muitas vezes os autores lidos usam algumas pala-


vras da linguagem coloquial para dar um tempero ao texto, mas não o tempo
todo; o aluno precisa saber disso.

Análise linguística e reescrita de texto de aluno


O texto que vamos apresentar para correção é de um aluno do ensino médio
dessa autora de seu material didático. Ele constitui-se de dois parágrafos, nos
quais serão apontadas, uma de cada vez, as inadequações e propostas algu-
mas sugestões.

Relembrando, a proposta de redação do ENEM era (ENEM, 2010):

Com base na leitura dos seguintes textos motivadores e nos conhecimentos cons-
truídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em nor-
ma culta escrita da língua portuguesa sobre o tema O Trabalho na Construção da
Dignidade Humana, apresentando experiência ou proposta de ação social, que res-
peite os direitos humanos.

Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para


defesa de seu ponto de vista.

O texto do aluno em atendimento a essa proposta de redação era assim:

Os trabalhadores brasileiros, estão condenados à trabalhar que nem escravos, eles


são contratados por pocas horas, mais trabalham muito, não é pago a eles as horas
extras.

O governo não faz nada, porém existe pessoas assim, é uma vergonha, essa situa-
ção vai durar até quando. Se vc for um trabalhador, é bom que vc seje rico, e �que
trabalhando em casa, contudo os catadores de lixo e os bóias-frias continua viven-
do mau.

Ao lermos o primeiro parágrafo do texto, percebemos que são muitos os aspec-


tos a serem observados, mas cada professor tem seu modo de enxergar: uns
olham primeiro para a linguagem, outros para o conteúdo ou a organização.
Optamos por começar pela linguagem, que é um aspecto que também confere
sentido ao texto.

Correção da linguagem

Os trabalhadores brasileiros [,] estão condenados [à] trabalhar [que nem] escravos,
eles são contratados por [pocas] horas, [mais] trabalham muito, não [é pago] a eles
as horas extras.
1º problema: pontuação

Uma vírgula separa sujeito de predicado. A regra básica da norma culta é: não
se separam por vírgulas os termos essenciais da oração – sujeito e predicado.
Ou seja, não podemos separar o sujeito “Os trabalhadores brasileiros” do predi-
cado “estão condenados à trabalhar que nem escravos”.

É importante lembrar que a pontuação existe para separar determinados ele-


mentos gramaticais de naturezas diferentes, ideias, com o objetivo de conferir
sentido ao texto.

2º problema: crase

No trecho “condenados [à] trabalhar” não deve haver crase. Relembrando: a


crase é a fusão de uma preposição a com um artigo a. Antes do verbo traba-
lhar não existe o artigo a. Quando apareceria o artigo a? Antes de palavras fe-
mininas, por exemplo, a menina, a professora, a colega. Aqui a preposição a
que rege o verbo condenar está sozinha; é um caso de regência verbal. É preci-
so relembrar ao aluno a regra básica e perguntar: antes do verbo trabalhar
existiria um artigo? Não.

3º problema: linguagem informal

Nos trechos “trabalhar [que nem] escravos” e “por [pocas] horas [mais] traba-
lham muito”, o aluno usou uma modalidade da língua que não é formal. Tanto
a expressão ‘pocas’ como ‘mais’ em lugar de ‘mas’ são usos da linguagem colo-
quial, que, na escrita, caracterizam inadequações ortográ�cas.

A quantidade de alunos que escreve mais em lugar de mas é enorme, e o con-


trário também, mas em lugar de mais. É preciso ensinar a ideia de adição em
“mais” e de adversidade em “mas”.

Na a�rmação “não [é pago] a eles as horas extras”, o aluno escreve como pen-
sa. Apresenta um problema de concordância. Não substituiu a ordem indireta
pela ordem direta, sujeito – predicado, para conferir a concordância entre su-
jeito e verbo na voz passiva. Se o professor ler para ele em ordem direta, ele lo-
go perceberá: “as horas extras não são pagas a eles”.

Fazendo a correção da linguagem, o texto �caria assim:

Os trabalhadores brasileiros estão condenados a trabalhar como escravos, eles são


contratados por poucas horas, e trabalham muito, não são pagas a eles as horas ex-
tras.

4º problema: coesão e pontuação

Os pronomes são esquecidos no período analisado do texto do aluno:

Os trabalhadores brasileiros [,] estão condenados [à] trabalhar [que nem] escravos,
eles são contratados por [pocas] horas, [mais] trabalham muito, não [é pago] a eles
as horas extras

O sujeito “os trabalhadores brasileiros” é retomado duas vezes pelo mesmo


pronome pessoal “eles”. A primeira colocação está adequada, “eles são contra-
tados”, pois se trata do sujeito dessa frase também. Na segunda expressão
“não [é pago] a eles as horas extras”, o sujeito é o termo “horas extras” e o obje-
to indireto, “os trabalhadores brasileiros”, que deve ser retomado pelo pronome
oblíquo “lhes”, na forma culta da linguagem. A regra básica é: usamos os pes-
soais para a função de sujeito e os oblíquos, para as funções de objetos direto e
indireto.

Também a colocação do pronome, nesse trecho, está inadequada; a negativa


atrai o pronome para antes do verbo: “não [lhes] são pagas as horas extras”.

Vale a pena relembrar que os pronomes oblíquos são muito necessários, que
devemos utilizá-los. Não é fácil, porque no Brasil não usamos os oblíquos na
fala, por exemplo, “ligue-me”, “vou telefonar-lhe”, “traga-me”. No lugar dos
oblíquos costumamos usar os pessoais, mas podem surgir cacofonias como
“amo ela”, “vi ela”, o que não se aceita na norma culta. O professor pode suge-
rir: em vez de repetir, vamos substituir por pronomes oblíquos?
Fazendo a correção da coesão e da pontuação, o trecho do texto poderia ser re-
escrito assim:

Os trabalhadores brasileiros estão condenados a trabalhar como escravos. Eles são


contratados por poucas horas, mas trabalham muito. Não lhes são pagas as horas
extras./ As horas extras não lhes são pagas.

Correção da argumentação

É importante lembrar aos alunos de que dissertar é discorrer sobre um assun-


to. O texto dissertativo pertence ao grupo dos textos expositivos. Em princípio,
nele, o autor não está preocupado com a persuasão, e sim com a transmissão
de conhecimento.

Os textos argumentativos, ao contrário, têm por �nalidade principal persuadir


o leitor sobre o ponto de vista do autor a respeito do assunto. Quando no texto,
além de explicar, o autor também persuade o interlocutor e modi�ca seu com-
portamento, temos um texto dissertativo-argumentativo.

Falha argumentativa: generalização excessiva

A primeira oração do texto de aluno que estamos analisando faz uma a�rmati-
va categórica:

Os trabalhadores brasileiros estão condenados a trabalhar como escravos.

Poderíamos perguntar aos alunos: todos os trabalhadores brasileiros estão


condenados a trabalhar como escravos? Não. Nem todos os brasileiros estão
condenados a trabalhar como escravos. Uma parcela dos trabalhadores brasi-
leiros pode estar trabalhando como escravos. Houve uma falha argumentativa
que chamamos de generalização excessiva.

A generalização não é um problema, a não ser quando é excessiva. O professor


pode sugerir outras estratégias, como o uso de modalizadores: muitas pessoas,
algumas pessoas, muitas vezes, uma parte, às vezes, é possível que. É preciso
evitar a�rmações categóricas que podem não ser con�rmadas. Se essas falhas
começam a aparecer, o sentido vai �cando prejudicado.

Sugestão de reescrita

Fazendo a correção da generalização excessiva no texto de aluno em atendi-


mento à proposta do ENEM 2010, o primeiro trecho poderia ser reescrito as-
sim:

A parcela mais pobre da população brasileira permanece condenada a trabalhar


pela sobrevivência, muitas vezes sob condições semelhantes às do trabalho escra-
vo.

A oração seguinte do mesmo texto também apresenta generalização excessi-


va e pouca clareza:

Eles são contratados por poucas horas, mas trabalham muito.

É possível perguntar ao aluno: em quais trabalhadores você pensou quando


escreveu o texto? Em quantas horas de trabalho? Quando? Como? O que está
escrito no texto é o que o leitor vai ler. Então precisamos escrever o que quere-
mos dizer. O professor vai ajudando o aluno a melhorar e é assim que eles
aprendem que é preciso reescrever, revisar.

É importante orientá-los a fundamentar seus argumentos com exemplos do ti-


po:

Fazendas em regiões consideradas mais desenvolvidas, como as do Estado de São


Paulo, empregam os boias-frias na colheita de cana.

Uma maneira de continuar essa conversa com eles e melhorar os argumentos


é pensar em exemplos. Por menos que o aluno autor do texto leia jornal ou te-
nha informações, ele pensou em trabalhadores especí�cos. Eles trarão infor-
mações de seu conhecimento prévio para a discussão, e as ideias vão surgin-
do, enquanto vão se repertoriando sobre o assunto.

Sugestão de reescrita

O segundo trecho do texto de aluno em atendimento à proposta do ENEM 2010


poderia �car assim:

Esses trabalhadores são contratados de forma temporária, por pequenos salários e


sob condições que oferecem risco à saúde. Muitos estão sujeitos a longas jornadas
de trabalho, que não são remuneradas de acordo com a lei.

Provavelmente, era isso que o aluno queria dizer, mas não escreveu. O que pre-
cisamos ensinar é que o aluno deve convencer alguém de que tem razão e, pa-
ra isso, ele deve escrever o que estiver pensando, pois o leitor não vai adivi-
nhar. O que está em sua mente pode não estar escrito no texto. Em geral, os
alunos condensam muito a expressão e nem sempre �ca adequada a informa-
ção ou a argumentação.

Segundo parágrafo do texto de aluno:

O governo não faz nada, porém existe pessoas assim, é uma vergonha, essa situa-
ção vai durar até quando. Se vc for um trabalhador, é bom que vc seje rico, e �que
trabalhando em casa, contudo os catadores de lixo e os bóias-frias continua viven-
do mau.

Primeira correção: linguagem, clareza, coesão

O governo não faz nada, embora existam pessoas (os trabalhadores?) submetidas a
trabalhos assim degradantes. Essa situação vergonhosa vai durar até quando? Se
você for um trabalhador, é bom que seja rico e �que trabalhando em casa. Contudo,
os catadores de lixo e os boias-frias continuam vivendo mal.
Finalmente, o aluno precisa apresentar uma proposta. Há possibilidades de se
fazer propostas nesse sentido, como �scalização, aplicação de leis contra es-
sas práticas que cerceiam a liberdade, estímulo à formalização do emprego,
acesso à educação, quali�cação dos trabalhadores, programas de redistribui-
ção de rendas, en�m, as propostas podem ser bastante amplas.

Sugestão de reescrita

O terceiro trecho do texto de aluno em atendimento à proposta do ENEM 2010


poderia �car reescrito desta forma:

O governo não faz nada. Essa situação vergonhosa vai durar até quando? É preciso
que nossos governantes invistam em políticas inclusivas, como programas de dis-
tribuição de renda e de estímulo à formação do emprego.

É conveniente chamar a atenção para que não caiam de novo nas generaliza-
ções excessivas que são clichês como, por exemplo, “o governo não faz nada”.
É preciso relativizar, fazer propostas concretas, perguntar-se: e então, o que o
governo pode fazer? Como posso fazer uma proposta concreta, viável? Isso vai
fazê-los pensar em soluções para resolver os problemas, ao contrário de recla-
marem. A proposta precisa tornar-se um aspecto positivo.

A argumentação torna-se mais forte quando damos exemplos, ou apresenta-


mos o argumento de autoridade, que pode estar explícito nos textos da coletâ-
nea quando, por exemplo, o ministro do trabalho faz alguma a�rmação sobre o
tema. É possível também citar leis trabalhistas, citar dados concretos, núme-
ros de trabalhadores sem carteira assinada etc.

Sugestão de reescrita e ampliação

O texto de aluno em atendimento à proposta do ENEM 2010 poderia ser ampli-


ado da seguinte forma:
Caso contrário, continuarão a existir, de um lado, o trabalhador quali�cado que vive
as mudanças nas relações de trabalho e, de outro, os boias-frias no campo ou os ca-
tadores de lixo que arrastam carroças nas cidades, entre muitas outras formas de
trabalho que retalham a dignidade humana.

Reescrita do texto de aluno em atendimento à proposta do ENEM 2010

A parcela mais pobre da população brasileira permanece condenada a trabalhar


pela sobrevivência, muitas vezes sob condições semelhantes às do trabalho escra-
vo. Esses trabalhadores são contratados de forma temporária, por pequenos salári-
os e sob condições que oferecem risco à saúde. Muitos estão sujeitos a longas jor-
nadas de trabalho, que não são remuneradas de acordo com a lei.

O governo não faz nada. Essa situação vergonhosa vai durar até quando?

É preciso que nossos governantes invistam em políticas inclusivas, como progra-


mas de distribuição de renda e de estímulo à formação do emprego.

Caso contrário, continuarão a existir, de um lado, o trabalhador quali�cado que vive


as mudanças nas relações de trabalho e, de outro, os boias-frias no campo ou os ca-
tadores de lixo que arrastam carroças nas cidades, entre muitas outras formas de
trabalho que retalham a dignidade humana.

Retomando o que analisamos, vimos que é preciso corrigir o texto por cama-
das: a linguagem, a coerência com a realidade, o desenvolvimento, a argumen-
tação.

Seguramente, você deve estar se perguntando: seria possível fazer isso com
todos todas as vezes em sala de aula? Responderíamos que não, mas é preciso
ensiná-los a dividir as dúvidas com os colegas, pedir opinião, sugerir no texto
do colega e ao professor enquanto reelabora o texto escolhido para a reescrita
coletiva. Entendemos que aperfeiçoamento constante depende de diálogos
constantes.

6. Práticas de escrita, revisão e reescrita


Segundo a BNCC:

Da mesma forma que na leitura, não se deve conceber que as habilidades de produ-
ção sejam desenvolvidas de forma genérica e descontextualizadas, mas por meio
de situações efetivas de produção de textos pertencentes a gêneros que circulam
nos diversos campos de atividade humana. Os mesmos princípios de organização e
progressão curricular valem aqui, resguardadas a mudança de papel assumido
frente às práticas discursivas em questão, com crescente aumento da informativi-
dade e sustentação argumentativa, do uso de recursos estilísticos e coesivos e da
autonomia para planejar, produzir e revisar/editar as produções realizadas
(BRASIL, 2018, p. 78).

Assim sendo, evidencia-se a necessidade de se trabalhar em sala de aula não


somente o processo de escrita de textos, mas também os processos de revi-
são e edição das produções dos alunos.

Você, que se propõe a ser professor, já se perguntou: a�nal, o que é corrigir re-
dações? O que signi�ca intervir nos textos dos alunos? En�m, o que será que
todos nós entendemos pelo conceito de correção de textos?

Na sua vida escolar, seguramente já notou que as práticas de correção de reda-


ções pelos professores acontecem numa frequência muito diversi�cada: uns
corrigem todos os textos produzidos, outros �xam um determinado número
para ser corrigido por bimestre, independentemente da quantidade produzida
pelos alunos nesse intervalo de tempo, e outros, ainda, além de corrigir, avali-
am quantitativamente, por meio de nota ou conceito, algumas produções.

Em razão dessa diversidade, você deve ter observado também que a frequên-
cia com que as revisões pelos alunos ocorrem é bastante variável: assim como
há textos cuja reescrita simplesmente não é realizada, há casos de textos que
são reescritos e corrigidos mais que duas vezes.

Pois bem, buscando atender ao objetivo proposto de responder como corrigir


produções de textos, de modo a levar nossos alunos a progressos signi�cati-
vos na aquisição da escrita, nesse momento, vamos ver que as leituras que to-
mam o texto todo como uma unidade de sentido são mais produtivas que as
que focalizam apenas partes do texto ou unidades menores do que o texto.

Com certeza você já teve a satisfação de receber um bilhete da professora ao


�nal de sua produção de texto com algum elogio, ou com algumas sugestões
de mudanças na forma ou no conteúdo, de maneira que tenha compreendido o
que fazer para revisar seu texto.

Se o professor entende que intervir é monologar (falar sozinho), ele fará reso-
luções; se ele entende que intervir é dialogar com o outro, ele fará indicações,
classi�cações ou bilhetes. Tudo dependerá da concepção que ele tiver acerca
do que é um texto, o que é escrita, reescrita e, consequentemente, correção de
produções de texto. A chave do problema pode estar na capacidade de o pro-
fessor se colocar tanto no lugar de sujeito do seu discurso como no lugar do
aluno enquanto autor do próprio texto e, ainda, no lugar de leitor desse texto.
Nesse caso, ele estará fazendo intervenções dialógicas.

Para isso, vamos falar sobre as formas de intervenção nos textos de alunos,
sobre os critérios de correção sugeridos pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) e acolhidos pelos sistemas de ensino que corrigem redações
de vestibulares, das características dos textos conforme a tipologia (narrati-
vos, argumentativos e outros) e seus elementos coesivos.

7. Correção, revisão, reescrita de textos


No contexto escolar, “correção de redação” é o nome que se dá à tarefa, comum
entre professores de Língua Portuguesa, de ler o texto do aluno, marcar nele
eventuais erros de produção e indicar possíveis soluções.

Para falarmos desse assunto complexo que, na verdade, abrange inúmeras for-
mas de intervenção do professor nos textos dos alunos com o intuito de me-
lhorar a expressão escrita para que produzam sentidos, é importante colocar
que, neste tópico do trabalho, vamos falar de correções escritas.

Em primeiro lugar, é preciso que �que claro o que entendemos por correção,
revisão e reescrita neste material didático.
Correção é o texto que o professor faz por escrito no (e de modo sobreposto ao)
texto do aluno, para falar desse mesmo texto (RUIZ, 2010, p. 19).

Revisão é o trabalho de reescrita, reestruturação, refacção, reelaboração textu-


al, ou “retextualização” (conforme MARCUSCHI, 1994), realizado pelo aluno em
função de intervenções escritas do professor, via correção, com vistas a uma
melhor legibilidade de seu texto (RUIZ, 2010, p. 25).

Reescrita: quando o aluno refaz, reescreve, reelabora, reestrutura, en�m, revisa


o próprio texto em função de uma correção escrita feita pelo próprio professor;
essa nova versão consiste, geralmente, numa reescrita de todo o texto.

Para os estudiosos do texto, de acordo com Val (1991), o que faz que um texto
seja um texto são os fatores de textualidade ou textura: a intencionalidade, a
aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade, a intertextualidade, a co-
esão e a coerência.

Certamente, ao lidar com textos de alunos, o professor estará constantemente


observando como se constroem (ou desconstroem) esses elementos nas suas
produções de textos.

8. Como corrigir produções de texto na escola


A diferença fundamental entre as várias formas de corrigir os textos no con-
texto escolar está no caráter monológico de umas e no caráter marcadamente
dialógico de outras. Ao �nal deste tópico, você saberá por que dizemos isso,
fundamentados em Ruiz (2010).

Podemos considerar como problema de produção textual as sequências lin-


guísticas que provoquem estranhamento no leitor, não apenas em relação ao
tipo do texto, mas também conforme os objetivos pretendidos na interlocução
e as condições de produção e de recepção do texto. Esse estranhamento pode
se dar pela ocorrência, no enunciado, de algum elemento inesperado pelo lei-
tor, pro�ciente ou não, em face de suas expectativas em relação à própria
enunciação do texto.
Isso signi�ca dizer que é na hora da leitura que surgem problemas de produ-
ção, uma vez que ela é uma atividade inerente ao processo de produção de tex-
tos. Isso acontece pela interferência do outro, constitutiva do eu que escreve e
que lê o próprio texto enquanto o produz, ou em momento posterior e diverso
do momento da criação, pela atuação do eu que lê o próprio texto, por ele dado
como acabado. A�nal, conforme a�rma Ruiz (2010, p. 20), com base em
Bakhtin, “o autor é o primeiro leitor de si mesmo”.

Sabemos que o leitor, para poder resolver o problema de interpretação, recorre


a seu conhecimento de mundo, a seus conhecimentos prévios e conhecimen-
tos de outros textos. São esses dados que lhe permitirão buscar pistas, forneci-
das pelo próprio texto, e identi�car a necessidade de um preenchimento de la-
cunas, ou perceber indícios presentes no texto para a signi�cação que o autor
pretendia.

Para descrever as diferentes formas de intervenção empregadas por vários


professores, resultado de pesquisas, Ruiz toma como referência a tipologia de
correção de redações mencionada por uma autora italiana, Sera�ni (1989 apud
RUIZ, 2010), que nos parece uma forma de enxergar e reconhecer como se dão
as práticas de correção de textos na escola. Ao organizar e nomear essas práti-
cas pedagógicas, poderemos visualizar caminhos para intervir de forma mais
construtiva nos textos de nossos alunos.

De acordo com Ruiz (2010, p. 35), com base na autora referida anteriormente,
existem três grandes tendências de correção de redações seguidas pelos pro-
fessores de língua: a indicativa, a resolutiva e a classi�catória. Esses tipos de
correção, no entanto, não são excludentes, ou seja, para falar de um determi-
nado problema, os professores utilizam-se de mais de uma forma interventiva,
mesclando tipos diferentes de correção (SERAFINI, 1989 apud RUIZ, 2010, p.
36):

A correção indicativa consiste em marcar junto à margem as palavras, as frases e


os períodos inteiros que apresentam erros ou são pouco claros. Nas correções desse
tipo, o professor frequentemente se limita à indicação do erro e altera muito pouco;
há somente correções ocasionais, geralmente limitadas a erros localizados, como
os ortográ�cos e lexicais.
Em outras palavras, a correção indicativa limita-se em apontar, por meio de
alguma sinalização (verbal ou não, na margem e/ ou corpo do texto), o proble-
ma de produção detectado. Esse parece ser o tipo de correção mais largamente
empregado pelos professores, seja como único recurso de correção, seja como
reforço às demais formas interventivas.

Outro tipo de intervenção escrita feita pelos professores nos textos dos alunos
é a correção resolutiva (SERAFINI, 1989 apud RUIZ, 2010, p. 41-44):
A correção resolutiva consiste em corrigir todos os erros, reescrevendo palavras,
frases e períodos inteiros. O professor realiza uma delicada operação que requer
tempo e empenho, isto é, procura separar tudo o que no texto é aceitável e interpre-
tar as intenções do aluno sobre trechos que exigem uma correção; reescreve depois
tais partes fornecendo um texto correto. Neste caso, o erro é eliminado pela solução
que re�ete a opinião do professor.

[...]

Esse tipo de estratégia é uma tentativa de o professor assumir, pelo aluno, a refor-
mulação de seu texto ora acrescentando, retirando, substituindo ou mudando de lu-
gar partes de texto:

Estratégias resolutivas no corpo do texto:

Estratégia de adição: o professor acrescenta forma(s) no espaço interlinear superior


à linha em que ocorre o problema.

Estratégia de substituição: o professor reescreve a forma substitutiva no espaço li-


near superior à linha em que ocorre o problema.

Estratégia de deslocamento: o professor reescreve, em outro lugar do texto, a forma


problemática (além de indicar o item a ser deslocado).

Estratégia de supressão: o professor risca a forma de supressão.

Estratégias resolutivas na margem do texto: o professor escreve a forma alternativa


na direção da linha em que ocorre o problema.

Estratégias resolutivas no "pós-texto": o professor escreve, no "pós-texto", a forma


alternativa à forma problemática.

As correções resolutivas concentram-se, na maioria das vezes, no corpo do


texto, embora apareçam também no que se chamou de "pós-texto", ou seja, de-
pois do texto do aluno, no espaço em branco.

A terceira estratégia de correção de redação é a chamada correção classi�ca-


tória (SERAFINI, 1989 apud RUIZ, p. 45):
Tal correção consiste na identi�cação não ambígua dos erros através de uma clas-
si�cação. Em alguns desses casos, o próprio professor sugere as modi�cações, mas
é mais comum que ele proponha ao aluno que corrija sozinho o seu erro [...]

Frente ao texto de aluno "Ainda que eu ia a praia todos os verões...", o professor su-
blinha a palavra ia (como no caso da correção indicativa) e escreve ao lado a pala-
vra modo. O termo utilizado deve referir-se a uma classi�cação de erros que seja do
conhecimento do aluno (obviamente, neste caso, o modo do verbo é a fonte do erro).

Os professores que adotam a correção classi�catória utilizam um conjunto de


símbolos (letras ou abreviações) escritos, em geral à margem do texto, para
classi�car o tipo de problema encontrado. O comportamento docente que pre-
cede o uso dessa estratégia, obviamente, é previamente combinado com os
alunos, que conhecem tais símbolos, os quais variam de professor para profes-
sor, como, por exemplo: A (para acentuação); Amb (para ambiguidade); Coes
(para coesão); CN (para concordância nominal) e assim por diante.

Conforme Ruiz (2010, p. 47), um quarto tipo de correção, não previsto por
Sera�ni, aparece nas correções de textos focos de sua pesquisa: a correção
textual-interativa.

A correção textual-interativa consiste em comentários mais longos do que os


que se fazem na margem, razão pela qual são geralmente escritos em sequên-
cia ao texto do aluno, no "pós-texto". Tais comentários são como "bilhetes". Os
“bilhetes” têm duas funções básicas: falar acerca da tarefa de revisão pelo alu-
no, ou seja, sobre os problemas do texto; ou falar, metadiscursivamente, acerca
da própria tarefa de correção pelo professor.

Os "bilhetes" são uma estratégia que os professores lançam mão perante a im-
possibilidade prática de se abordarem certos aspectos relacionados ao traba-
lho interventivo escrito por meio dos demais tipos de correção apontados.
Muitas vezes não parece satisfatório indicar no corpo do texto do aluno, assim
como indicar ou classi�car na margem, então o professor recorre a essa ma-
neira alternativa de correção.

Nessa estratégia, muitas vezes, quando falam da revisão, os professores tema-


tizam ora o comportamento verbal do aluno, ora seu comportamento não ver-
bal. Mas quando o professor quer abordar outros aspectos, além daqueles rela-
cionados à tarefa de revisão, ele o faz ou para elogiar o que foi feito pelo aluno,
ou para cobrar o que não foi feito.

Um exemplo, segundo Ruiz (2010, p. 48), é o bilhete que uma professora, identi-
�cada aqui como SN, escreve para suas alunas em seus textos:

Maria Laura, faça as correções com calma, utilizando o dicionário, se for preciso.
Sua história está bem estruturada, mas é preciso cuidar da pontuação.

SN

Roberta, você entendeu bem a proposta e criou fatos para ligar as duas histórias.
Refaça, com cuidado, as correções. Um beijo e um queijo,

SN

Vale a pena ressaltar que o "bilhete" escrito pela professora para Maria Laura
teve resposta, a seguir (RUIZ, 2010, p. 48):

"Vou tentar melhorar", escreve a menina e a professora ainda continua o processo


escrevendo:

"Melhorou. Corrija o que falta. Gosto de ver a sua dedicação ao estudo de


Português".

SN

A correção textual-interativa é uma forma alternativa descoberta pelo profes-


sor para apontar, classi�car ou mesmo resolver aqueles problemas da redação
do aluno que, por alguma razão, ele percebe que não basta fazer marcações no
corpo do texto, na margem, ou usar símbolos. Os "bilhetes", na verdade, tentam
ir além das formas corriqueiras e tradicionais de intervenção para falar dos
problemas do texto.
Seguramente, você também já deve ter lançado mão de pequenos “bilhetes”,
quando corrigiu algum texto de aluno, ou de um familiar, em que não estivesse
na presença de seu autor. Saiba que esse tipo de intervenção pode estabelecer
uma verdadeira interação entre esses interlocutores, o produtor e o professor.
Esse diálogo por escrito “é revelador de como essa correção discursiva é alta-
mente dialógica”, segundo Ruiz (2010, p. 49).

Você já deve ter percebido que, quando a correção é de cunho resolutivo, ou


seja, aquela em que o professor corrige o texto substituindo as forma erradas
pelas formas certas, o aluno obtém uma solução pronta para seu problema, por
isso tende a efetuar todas as alterações, já que para isso basta apenas
incorporá-las ao seu texto original na forma de cópia. Entretanto, ao fazer isso,
na verdade ele não refaz seu texto, não o reestrutura, não o reelabora, en�m,
não executa a revisão.

Por outro lado, quando a correção é indicativa, classi�catória ou textual-


interativa, o aluno é solicitado a fazer uma pequena releitura analítica de sua
redação e, de modo completamente diverso da cópia, nem sempre efetua as al-
terações solicitadas pelo professor, ao reescrevê-la, justamente porque está, de
fato, realizando a tarefa da revisão.

Isso acontece porque, enquanto na correção resolutiva só o professor re�ete


sobre o texto, nas demais, ambos (professor e aluno) re�etem, já que entra em
cena um elemento absolutamente fundamental nesse contexto: a linguagem.

Sob o ponto de vista de Ruiz (2010, p. 79), essas observações colaboram para
uma constatação de extrema importância:

A diferença fundamental que é possível estabelecer entre os dois grandes tipos de


intervenção aqui descritos está no caráter altamente dialógico das correções indi-
cativa, classi�catória e textual-interativa, de um lado, e de outro, no caráter marca-
damente monológico da correção resolutiva.

Voltando à observação de que alguns tipos de correção são monológicos e ou-


tros dialógicos, podemos conferir que, na correção resolutiva, há só uma lin-
guagem em jogo, a linguagem do texto sob análise; na correção indicativa, na
classi�catória e na textual-interativa, são duas as linguagens em pauta: a lin-
guagem do próprio texto (a redação escrita do aluno) e uma outra, a linguagem
acerca do texto, isto é, a linguagem da intervenção (a correção da redação pelo
professor).

9. Critérios de avaliação e de correção de textos


Trabalhar com produção de textos na escola sob a perspectiva de gêneros tex-
tuais e da textualidade implica levar em conta critérios diferentes de avalia-
ção.

Anteriormente, a avaliação de textos produzidos era feita com base em critéri-


os gramaticais, de linguagem – se estavam de acordo com a variedade padrão,
vocabulário culto – e emprego de recursos literários. Quando se trabalha sob a
perspectiva de gêneros, a avaliação deve considerar critérios diferentes, espe-
cí�cos do gênero.

Uma notícia de jornal escrito produzida por um aluno, por exemplo, requer que
o olhar do professor se volte para os aspectos temáticos (apresenta um tema?),
os aspectos composicionais (está estruturada com o lead, o corpo da notícia e
o desenvolvimento?) e aspectos estilísticos (a linguagem está na variedade
padrão, menos ou mais formal e impessoal?) adequados ao gênero, ao veículo
de comunicação (se é um jornal escolar ou o do bairro) e ao tipo de leitor.

Quando o professor propõe a reescrita por meio de uma análise linguística, é


preciso que aponte qual desses fatores precisaria ser modi�cado para que o
texto produza os sentidos desejados.

Nessa linha de trabalho, Antunes (2006, p. 171-175) propõe alguns parâmetros


para a avaliação da produção textual:
1. Elementos linguísticos – que abrangem não só o conjunto de normas grama-
ticais que regulam a combinação de palavras, mas também a escolha do léxi-
co.
2. Elementos de textualização – que se referem aos elementos responsáveis pe-
la textualidade do texto, ou seja, da coesão, coerência, informatividade, inter-
textualidade etc.
3. Elementos da situação – que marcam os aspectos que envolvem a situação
de produção e recepção do texto, ou seja, as intenções pretendidas pelo autor,
as restrições do gênero textual, o domínio discursivo, o conhecimento prévio
de situações análogas e de outros discursos, o interlocutor previsto, o suporte
de texto em que será veiculado.

O ENEM e as competências
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), realizado anualmente pelo
Ministério da Educação para avaliar o ensino médio e que tem sua nota consi-
derada na composição dos pontos dos principais vestibulares do País, deve ser
entendido como parte de um processo mais amplo que pretende mudar o per�l
da educação oferecida no ensino médio.

Respondendo às expectativas e exigências do mundo moderno e, ao mesmo


tempo, enfatizando a formação da cidadania, essa mudança valoriza o domí-
nio de competências básicas por parte do aluno, e não apenas o acúmulo de
informações, a simples memorização, a “decoreba”.

Uns dos principais objetivos das aulas de Língua Portuguesa é a formação de


um competente produtor de textos. Mas você pode se perguntar: e o que vem a
ser competente? Os dicionários de�nem que competente é aquele que tem
competência e que competência é a “qualidade de quem é capaz e apreciar e
resolver certo assunto, fazer determinada coisa; capacidade, habilidade, apti-
dão, idoneidade”.

Os PCNs para o ensino médio, ao discutirem o novo per�l desse nível de ensi-
no, a�rmam (BRASIL, 1999, p. 32):
[...] as propostas de mudanças qualitativas para o processo de ensino-
aprendizagem, no nível médio, indicam a sistematização de um conjunto de dispo-
sições e atitudes como pesquisar, selecionar informações, analisar, sintetizar, argu-
mentar, negociar signi�cados, cooperar, de forma que o aluno possa participar do
mundo social, incluindo-se aí a cidadania, o trabalho e a continuidade dos estudos.

O referido documento conclui a ideia com uma pergunta-chave: “como objeti-


var tais competências sem um trabalho sistemático e organizado com a lin-
guagem?” (BRASIL, 1999, p. 32).

Além de enfatizar o fundamental papel da linguagem, essa pergunta aponta


para aquela conhecida sequência de verbos no in�nitivo – pesquisar, selecio-
nar, analisar etc. – que resumem algumas das competências que devem ser
trabalhadas no ensino médio.

Na Prova de Redação, o ENEM procura avaliar cinco competências (BRASIL,


1999): [Diagramação, é necessário retirar da tabela a citação abaixo?]

I. Demonstrar domínio da norma culta da língua escrita.

II. Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de co-
nhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto
dissertativo-argumentativo.

III. Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e ar-


gumentos em defesa de um ponto de vista.

IV. Demonstrar conhecimento dos mecanismos lingüísticos necessários para a


construção da argumentação.

V. Elaborar proposta de solução para o problema abordado, mostrando respeito aos


valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

Na competência I, espera-se que o aluno escolha o registro adequado a uma


situação formal de produção de texto escrito. Na avaliação, serão considerados
os fundamentos gramaticais do texto escrito, re�etidos na utilização da norma
culta em aspectos como: sintaxe de concordância, regência e colocação; pon-
tuação; �exão; ortogra�a; e adequação de registro demonstrada, no desempe-
nho linguístico, de acordo com a situação formal de produção exigida.

O eixo da competência II reside na compreensão do tema que instaura uma


problemática a respeito da qual se pede um texto escrito, em prosa, do tipo
dissertativo-argumentativo. Por meio desse tipo de texto, analisam-se,
interpretam-se e relacionam-se dados, informações e conceitos amplos,
tendo-se em vista a construção de uma argumentação, em defesa de um ponto
de vista.Na competência I, espera-se que o aluno escolha o registro adequado
a uma situação formal de produção de texto escrito. Na avaliação, serão consi-
derados os fundamentos gramaticais do texto escrito, re�etidos na utilização
da norma culta em aspectos como: sintaxe de concordância, regência e colo-
cação; pontuação; �exão; ortogra�a; e adequação de registro demonstrada, no
desempenho linguístico, de acordo com a situação formal de produção exigi-
da.

Na competência III, procura-se avaliar como o participante, em uma situação


formal de interlocução, seleciona, organiza, relaciona e interpreta os dados, in-
formações e conceitos necessários para defender sua perspectiva sobre o te-
ma proposto.

Na competência IV, avalia-se a utilização de recursos coesivos da modalidade


escrita, com vistas à adequada articulação dos argumentos, dos fatos e das
opiniões selecionados para a defesa de um ponto de vista sobre o tema pro-
posto. Serão considerados os mecanismos linguísticos responsáveis pela
construção da argumentação na superfície textual, tais como: coesão referen-
cial; coesão lexical (sinônimos, hiperônimos, repetição, reiteração); e coesão
gramatical (uso de conectivos, tempos verbais, pontuação, sequência tempo-
ral, relações anafóricas, conectores intervocabulares, intersentenciais, inter-
parágrafos).

Na competência V, veri�ca-se como o participante indicará as possíveis variá-


veis para solucionar a problemática desenvolvida, quais propostas de inter-
venção apresentou, qual a relação delas com o projeto desenvolvido sobre o te-
ma proposto e a qualidade dessas propostas, mais genéricas ou especí�cas,
tendo por base a solidariedade humana e o respeito à diversidade de pontos de
vista, eixos de uma sociedade democrática.

Embora os critérios de avaliação possam sofrer pequenas variações de uma


instituição para outra, eles costumam apresentar uma mesma base. Itens co-
mo coesão, clareza, coerência e correção gramatical sempre são avaliados, se-
ja qual for a instituição de ensino em que o aluno vai prestar o exame.

O que pode ocorrer é que a importância dada a um desses critérios de avalia-


ção seja maior numa instituição do que em outra. Mas é importante atentar
para o fato de que o texto será sempre analisado como um todo, ou seja, o que
se avalia é o produto �nal, por isso de nada adianta o estudante produzir um
texto com clareza, correção gramatical, coerência e coesão se o tema nele
abordado não foi o proposto pela banca examinadora ou se a forma de compo-
sição utilizada não foi aquela sugerida pelo examinador.

Em resumo, o que avaliar?

Todo texto pode ser avaliado de acordo com três grandes itens:

• Pertinência ao tema proposto; pertinência ao gênero (tipo de composi-


ção);
• Clareza; concisão; coerência; coesão;
• Pontuação; ortogra�a; acentuação grá�ca; concordância; regência.

Anteriormente, você pôde acompanhar a análise linguística de textos bem es-


critos e de texto de aluno, observando o atendimento ao tema proposto, o aten-
dimento ao gênero tipo dissertativo-argumentativo e alguns aspectos coesi-
vos que promoveram ou não a coerência do texto.

No próximo tópico, você terá a oportunidade de observar como elementos coe-


sivos de naturezas distintas servem, a seu modo, às diferentes tipologias tex-
tuais. Textos narrativos apresentam certos elementos coesivos, e textos argu-
mentativos exigem outros elementos de coesão para conferir sentido aos tex-
tos.
Por isso, é importante que o professor saiba, no momento da Análise
Linguística (AL), apresentar aos alunos essas ferramentas que tornam os tex-
tos bem escritos, articulados, coerentes e, no momento da correção dos textos,
exigir a aplicação desses conhecimentos.

10. Os tipos textuais e os elementos coesivos


Neste tópico, vamos abordar dois tipos de textos signi�cativos – o narrativo e
o dissertativo/ argumentativo – por apresentarem características bem distin-
tas de sequências didáticas e de elementos coesivos, aspecto que confere coe-
rência aos textos de gêneros como o conto ou o artigo de opinião.

O texto narrativo
Leia o texto a seguir, de Ítalo Calvino (2001), e observe se seria um conto, uma
crônica, um artigo de opinião ou outro:
A OVELHA NEGRA

Havia um país onde todos eram ladrões.

À noite, cada habitante saía, com a gazua e a lanterna, e ia arrombar a casa de um


vizinho. Voltava de madrugada, carregado e encontrava a sua casa roubada.

E assim todos viviam em paz e sem prejuízo, pois um roubava o outro, e este, um
terceiro, e assim por diante, até que se chegava ao último que roubava o primeiro. O
comércio naquele país só era praticado como trapaça, tanto por quem vendia como
por quem comprava. O governo era uma associação de delinqüentes vivendo à cus-
ta dos súditos, e os súditos por sua vez só se preocupavam em fraudar o governo.
Assim a vida prosseguia sem tropeços, e não havia ricos nem pobres.

Ora, não se sabe como, ocorre que no país apareceu um homem honesto. À noite,
em vez de sair com o saco e a lanterna, �cava em casa fumando e lendo romances.

Vinham os ladrões, viam a luz acesa e não subiam.

Essa situação durou algum tempo: depois foi preciso fazê-lo compreender que, se
quisesse viver sem fazer nada, não era essa uma boa razão para não deixar os ou-
tros fazerem. Cada noite que ele passava em casa era uma família que não comia
no dia seguinte.

Diante desses argumentos, o homem honesto não tinha o que objetar. Também co-
meçou a sair de noite para voltar de madrugada, mas não ia roubar. Era honesto,
não havia nada a fazer. Andava até a ponte e �cava vendo a água passar embaixo.
Voltava para casa, e a encontrava roubada.

Em menos de uma semana o homem honesto �cou sem um tostão, sem o que co-
mer, com a casa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua; o problema era
que seu comportamento criava uma grande confusão. Ele deixava que lhe roubas-
sem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém; assim sempre havia alguém
que, voltando para casa de madrugada, achava a casa intacta: a casa que o homem
honesto devia ter roubado. O fato é que, pouco depois, os que não eram roubados
acabaram �cando mais ricos que os outros e passaram a não querer mais roubar. E,
além disso, os que vinham para roubar a casa do homem honesto sempre a encon-
travam vazia; assim iam �cando pobres.

Enquanto isso, os que tinham se tornado ricos pegaram o costume, eles também, de
ir de noite até a ponte, para ver a água que passava embaixo. Isso aumentou a con-
fusão, pois muitos outros �caram ricos e muitos outros �caram pobres.

Ora, os ricos perceberam que, indo de noite até a ponte, mais tarde �cariam pobres.
E pensaram: “Paguemos aos pobres para ir roubar para nós”. Fizeram-se os contra-
tos, estabeleceram-se os salários, as percentagens: naturalmente, continuavam a
ser ladrões e procuravam enganar uns aos outros. Mas, como acontece, os ricos
tornavam-se cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

Havia ricos tão ricos que não precisavam mais roubar e que mandavam roubar pa-
ra continuarem a ser ricos. Mas, se paravam de roubar, �cavam pobres porque os
pobres os roubavam. Então pagaram aos mais pobres dos pobres para defenderem
as suas coisas contra os outros pobres, e assim instituíram a polícia e constituíram
as prisões.

Dessa forma, já poucos anos depois do episódio do homem honesto, não se falava
mais de roubar ou de ser roubado, mas só de ricos ou de pobres; e no entanto todos
continuavam a ser pobres.

Honesto só tinha havido aquele sujeito, e morrera logo, de fome.

Se, quanto ao gênero, poderíamos ter alguma dúvida sobre se “A ovelha negra”
é um conto, uma fábula ou um apólogo, quanto à tipologia, suas características
linguísticas não deixam nenhuma dúvida: trata-se de um texto em que predo-
minam sequências narrativas.

As sequências narrativas

Já vimos que, independentemente do gênero a que pertencem, os textos


constituem-se de sequências com características linguísticas especí�cas que
permitem classi�cá-los num determinado tipo: narrativo, descritivo, argu-
mentativo, explicativo ou expositivo, injuntivo ou instrucional.

Vamos fazer uma AL sobre as características do texto “A ovelha negra”, que


nos permitem classi�cá-lo como narrativo. Observe a importância dos ele-
mentos coesivos:

Os marcadores de tempo
Nas sequências narrativas, os fatos desenvolvem-se progressivamente no
tempo e ocorrem em um lugar. No texto “A ovelha negra”, a indicação do lugar
em que se dão os acontecimentos aparece já no início (“um país onde todos
eram ladrões”) e, embora a época em que ocorreram os fatos não esteja especi-
�cada, a presença de elementos gramaticais como verbos, advérbios e locu-
ções adverbiais indica ao interlocutor o tempo dos acontecimentos narrados.

As expressões adverbiais

Veja algumas das expressões adverbiais que aparecem no texto “A ovelha ne-
gra”:

1. À noite (de noite) e de madrugada: marcam o intervalo de tempo em


que aconteciam os roubos e também o tempo em que o homem honesto
�cava fora de casa.

[...] à noite, cada habitante saía, com a gazua e a lanterna, e ia arrombar a


casa de um vizinho. Voltava de madrugada, carregado e encontrava sua
casa roubada.

[...] [o homem honesto] também começou a sair de noite para voltar de


madrugada [...]

2. Algum tempo: indica de modo vago (observar o uso do pronome inde�-


nido algum) quanto tempo o homem honesto �cou no país sem ser rouba-
do.

[...] essa situação [o homem honesto não ser roubado] durou algum tempo
[...]

3. Depois: indica o momento em que o homem honesto foi convencido a


deixar-se roubar.

[...] depois foi preciso fazê-lo compreender que, se quisesse viver sem fa-
zer nada, não era essa uma boa razão para não deixar os outros fazerem.
É importante assinalar que advérbios como antes e depois não podem ser in-
terpretados fora de uma situação contextual. O sentido deles dependerá de re-
ferentes que irão orientar o interlocutor para a sequência temporal dos fatos.
Assim, depois assinala a ocorrência de um fato no tempo relativamente a ou-
tro anteriormente ocorrido (o fato de o homem honesto até um determinado
momento não ter sido ainda roubado).

Tais advérbios podem estar modi�cados por outros advérbios, cuja função é
ampliar ou reduzir o intervalo de tempo marcado por eles em relação ao tem-
po que tomam como referência. Veja essa passagem do texto:

[...] o fato é que, pouco depois, os que não eram roubados acabaram �cando mais ri-
cos que os outros e passaram a não querer mais roubar.

Por meio do advérbio pouco, ressalta-se que o intervalo de tempo entre o fato
“os que não eram roubados acabaram �cando mais ricos”, e o fato anterior que
toma como referência – “o homem honesto deixar-se roubar e não roubar nin-
guém” – é pequena.

1. Em menos de uma semana: indica o período de tempo em que o homem


honesto �cou pobre após começar a sair de casa à noite.

[...] em menos de uma semana o homem honesto �cou sem um tostão,


sem o que comer, com a casa vazia.

2. Poucos anos depois: indica quanto tempo depois do episódio do ho-


mem honesto os habitantes do país deixaram de falar em roubar ou ser
roubado.

[...] poucos anos depois do episódio do homem honesto, não se falava


mais de roubar ou de ser roubado [...]

Os verbos

Como o material da sequência narrativa é o fato e a ação, no plano gramatical,


quanto à estruturação sintática das frases, há o predomínio da predicação ver-
bal, isto é, da atribuição de processos representados por verbos de ação, em ge-
ral em tempos do pretérito. Observe:

[...] cada habitante saía, com a gazua e a lanterna, e ia arrombar a casa do


vizinho.

• ações atribuídas a “cada habitante”.

[...] vinham os ladrões, viam a luz acesa e não subiam.

• ações atribuídas a “os ladrões”.

[...] cada noite que ele passava em casa era uma família que não comia no
dia seguinte.

• ações atribuídas a “ele” [= o homem honesto].

[...] andava até a ponte e �cava vendo a água passar embaixo.

• ações atribuídas a “ele” [= o homem honesto].

[...] instituíram a polícia e constituíram as prisões.

• ações atribuídas aos “ricos”.

A escolha do tempo verbal está intimamente ligada à opção do narrador por


apresentar os fatos como concluídos ou não, bem como ao momento que toma
como referência para situar algo no tempo, que pode ser o da enunciação ou
algum marco temporal inserido no próprio texto – uma data ou a indicação de
um ano, por exemplo. Em “a ovelha negra”, toma-se como referência para or-
denar o tempo o momento da enunciação.

Ainda em relação aos verbos de uma sequência narrativa, é fundamental


atentar para a pessoa em que estão empregados, uma vez que ela indica o foco
narrativo, isto é, se quem relata os fatos participa deles (sequência narrativa
em 1ª pessoa) ou se é apenas um observador dos fatos que relata (sequência
narrativa em 3ª pessoa).
No texto “A ovelha negra”, as sequências narrativas apresentam verbos em 3ª
pessoa; temos, portanto, um narrador-observador. Con�ra:

Em menos de uma semana o homem honesto �cou sem um tostão, sem o que co-
mer, com a casa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua; o problema era
que seu comportamento criava uma grande confusão. Ele deixava que lhe roubas-
sem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém [...]

• sequência narrativa em 3ª pessoa – narrador-observador.

Caso o relato fosse feito, por exemplo, pelo personagem “homem honesto”, te-
ríamos os verbos da sequência narrativa em 1ª pessoa. Veja:

Em menos de uma semana �quei sem um tostão, sem o que comer, com a ca-
sa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa minha; o problema era que
meu comportamento criava uma grande confusão. Eu deixava que me roubas-
sem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém [...]

• sequência narrativa em 1ª pessoa – personagem narrador.

Evidentemente, conferimos que a pessoa em que se emprega o verbo determi-


na a �exão e pessoa dos pronomes.

Finalizando este tópico, convém ressaltar que os textos podem ser lidos de
muitas formas e por diferentes prismas. Podemos abordar um texto por seus
aspectos formais, pelo léxico, por sua camada fônica, pela pontuação, pela sin-
taxe, por recorrências de diferentes naturezas, pelos paralelismos, no caso dos
poemas, pelas imagens, pelos motivos ou pelo tema, pela situação de produ-
ção etc.

Quando nos propomos a fazer uma AL do texto, supõe-se que pretendemos ler
o texto pela perspectiva da língua, isto é, dos recursos linguísticos utilizados
pelo autor para criar sentido naquele texto e naquela situação de produção.

O texto argumentativo
Leia esse outro texto e observe, desde o título, em que aspectos ele difere do
texto narrativo lido anteriormente (DE MASI, 2000):

TRABALHADOR NÃO É MÁQUINA

A vida de um desempregado é horrível, porque na nossa sociedade tudo depende


do trabalho: Salário, contratos pro�ssionais, prestígio e (quando se é católico) até o
resgate do pecado original e o bilhete de ingresso do paraíso. Portanto, se falta o
trabalho, falta tudo.

Mas corre-se o risco de que o problema do desemprego coloque em segundo plano


o problema de quem tem um emprego. Com uma frequência sempre maior, a vida
do trabalhador é transformada num inferno, porque as organizações das empresas
se preocupam em multiplicar a quantidade de produtos, mas não dão a mínima pa-
ra a felicidade de quem os produz.

Quanto à tipologia, o texto “Trabalhador não é máquina” é argumentativo.


Nele, o autor a�rma que a vida de um desempregado é horrível, mas chama a
atenção para que não se deixe em segundo plano o problema daqueles que têm
emprego.

Vamos observar algumas características do tipo de texto argumentativo:

• Uso de palavras que nomeiam ideias e conceitos: trabalho, dever, direito,


capacidade, solidariedade, retribuição, satisfação, respeito etc. Enquanto
os textos narrativos e descritivos tratam dos seres em particular, os tex-
tos argumentativos remetem a conceitos genéricos, abstratos; por isso, há
grande ocorrência de substantivos abstratos.
• Ausência de temporalidade: ao contrário das sequências narrativas, os
textos argumentativos não apresentam temporalidade, ou seja, não há
progressão de acontecimentos no tempo; por isso, neles predominam ver-
bos no presente do indicativo com valor atemporal. Veja exemplos nos
trechos:

A vida de um desempregado é horrível [...]

[...] tudo depende do trabalho [...]


[...] se falta o trabalho, falta tudo.

• Encadeamento de ideias: se nos textos narrativos o encadeamento dos


enunciados decorre da sequência cronológica dos acontecimentos, nos
textos argumentativos ele decorre das relações lógicas existentes entre
os segmentos que o compõem, ou seja, os enunciados relacionam-se por
ideias de causa, consequência, oposição, conclusão etc.; por isso, o uso
adequado dos conectivos tem papel fundamental na amarração das idei-
as. Veja os trechos do texto a seguir:

[...] a vida do trabalhador é transformada num inferno, porque as organizações


das empresas se preocupam em multiplicar a quantidade de produtos, mas
não dão a mínima para a felicidade de quem os produz.

As conjunções porque e mas relacionam segmentos do texto estabelecendo


entre eles, respectivamente, ideia de causa/ consequência e adversidade.

• Presença de operadores argumentativos: são palavras e expressões cuja


função é introduzir vários tipos de argumentos. No texto anterior, as con-
junções, além de estabelecerem nexo lógico entre os enunciados, funcio-
nam como operadores argumentativos na medida em que orientam o in-
terlocutor para determinadas conclusões e não outras.

O ponto de vista

Você se lembra de que dissemos que o que caracteriza os textos argumentati-


vos/ dissertativos é a defesa de uma tese, de um ponto de vista?

Ponto de vista é o ângulo pelo qual alguém considera um assunto, a maneira


pela qual aborda o tema, relata um fato, descreve algo.

Como você pode notar por essa de�nição, a presença do ponto de vista não é
característica exclusiva dos textos argumentativos. Textos narrativos e des-
critivos também o apresentam. A diferença é que, em textos argumentativos, o
ponto de vista vem sempre explicitado. Num texto argumentativo sobre, por
exemplo, a restrição à propaganda de cigarros, podemos nos posicionar con-
trariamente ou a favor dela, ou seja, nossa argumentação partirá de um ponto
de vista que temos formado sobre o tema, que poderá ser abordado de vários
ângulos: o político, o econômico, o social, o jurídico, o da saúde pública.

É importante assinalar que a explicitação de um ponto de vista é decorrente


da compreensão que temos do assunto, a qual é construída a partir de nossa
vivência em sociedade, de experiências, informações, en�m, de nossa “leitura”
de mundo. Em outras palavras, o ponto de vista não é algo que se forma inde-
pendentemente das condições sociais, econômicas, culturais que nos cercam.
Na verdade, ele se constitui a partir dessas condições. Isso explica porque as
pessoas têm pontos de vista diferentes sobre um mesmo tema.

Na produção de textos escolares, inclusive em exames, o que é avaliado nos


textos argumentativos/ dissertativos não é o ponto de vista defendido, mas a
coerência argumentativa (além, é claro, da coesão textual, da adequação ao te-
ma proposto e da correção gramatical). Por isso, o aluno deve ser esclarecido a
não ter receio de expor seu ponto de vista, mesmo que considere que ele não
coincide com o do professor, ou do examinador.

Os operadores argumentativos

Como dissemos, operadores argumentativos são certos elementos da língua,


explícitos na própria estrutura gramatical da frase, cuja �nalidade é a de indi-
car a argumentatividade dos enunciados. Introduzem variados tipos de argu-
mentos que apontam para determinadas conclusões.

Do ponto de vista gramatical, as palavras que funcionam como operadores ar-


gumentativos são os conectivos (notadamente as conjunções), os advérbios e
outras palavras que, dependendo do contexto, não se enquadram em nenhu-
ma das dez categorias gramaticais (são classi�cadas como palavras denotati-
vas: até, inclusive, também, a�nal, então, é que, aliás etc.).

Observe nos exemplos como funcionam os operadores argumentativos:

No Brasil, ainda há crianças fora da escola.

Nesse enunciado, o advérbio ainda orienta o interlocutor no sentido de inferir


algo que está pressuposto: que, antes do momento da enunciação, já havia cri-
anças fora da escola.

Embora muitos adolescentes que trabalham frequentem a escola, poucos con-


seguem concluir a escolaridade básica.

Nesse enunciado, a conjunção embora introduz argumento que se contrapõe


ao exposto na oração seguinte.

Tipos de operadores argumentativos

Os operadores argumentativos mais comuns são:

• Operadores que introduzem argumentos que se somam a outro, tendo em


vista uma mesma conclusão: e, nem, também, não só... mas também, não
só... mas ainda, além disso

Os efeitos danosos do trabalho infantil sobre a escolarização são sentidos não


só nas crianças menores mas também nos adolescentes.

• Operadores que introduzem enunciados que exprimem conclusão em re-


lação ao que foi expresso anteriormente: logo, portanto, então, em decor-
rência, consequentemente

O trabalho infantil prejudica o desenvolvimento físico, emocional e intelectual


da criança, portanto, deve ser combatido.

• Operadores que introduzem argumento que se contrapõe a outro visando


a uma conclusão contrária: mas, porém, todavia, embora, ainda que, mes-
mo que, apesar de

Muitas pessoas são contra a exploração de crianças e adolescentes, mas pou-


cas fazem alguma coisa para evitar que isso aconteça.

Esses operadores são geralmente representados pelas conjunções adversati-


vas e concessivas. A opção por um determinado tipo de conjunção tem impli-
cações na estratégia argumentativa.

Por meio das adversativas (mas, porém, todavia, contudo etc.), introduz-se um
argumento que leva o interlocutor a uma conclusão contrária a que chegaria
se prevalecesse o argumento usado no enunciado anterior. Com as concessi-
vas (embora, se bem que, ainda que etc.), o locutor dá a conhecer previamente
o argumento que será invalidado. Observe:

Milhões de crianças e adolescentes trabalham no Brasil, mas isso é proibido


pela Constituição.

Embora a Constituição proíba, milhões de crianças e adolescentes trabalham


no Brasil.

• Operadores que introduzem argumentos alternativos: ou, ou... ou; quer...


quer; seja... seja

Ou sensibilizamos a sociedade sobre os efeitos danosos do trabalho infantil,


ou o problema persistirá.

• Operadores que estabelecem relações de comparação: mais que, menos


que, tão... quanto, tão... como

O problema do trabalho infantil é tão grave quanto o do desemprego.

• Operadores que estabelecem relação de justi�cativa, explicação em rela-


ção a enunciado anterior: pois, porque, que

Devemos tomar uma decisão urgente, pois o problema tende a se agravar.

• Operadores cuja função é introduzir enunciados pressupostos: agora, ain-


da, já

Até o Papa manifestou sua indignação.

Nesse enunciado, pressupõe-se que outras pessoas, além do Papa, tenham


manifestado indignação. Compare a força argumentativa do enunciado
contrapondo-o a outros:

O padre manifestou sua indignação.


O bispo manifestou sua indignação.

Até o Papa manifestou sua indignação.

Nesse caso, temos uma escala argumentativa ascendente (orientada do argu-


mento mais fraco para o mais forte: o Papa).

Numa escala argumentativa negativa, os termos estariam em ordem descen-


dente, e o argumento mais forte viria introduzido por nem mesmo.

O acontecimento não teve nenhuma repercussão: o Papa não se manifestou, o


bispo também não, nem mesmo o padre da paróquia fez qualquer referência ao
assunto.

A função de introduzir o argumento mais forte de uma escala argumentativa


também pode ser exercida pelos operadores inclusive, até mesmo, ao menos,
no mínimo etc.

• Operadores cuja função é introduzir enunciados que visem a rati�car, es-


clarecer um enunciado anterior: isto é, em outras palavras, vale dizer, ou
seja

Duas de cada 10 crianças trabalhadoras, ou seja, 20%, não frequentam a escola.

• Operadores cuja função é orientar a conclusão para uma a�rmação ou


uma negação: quase, apenas, só, somente

Dentre os adolescentes que trabalham, poucos conseguiram concluir os oito


anos de escolaridade básica: apenas 25%.

O número de crianças e adolescentes que trabalham é muito grande: quase


quatro milhões.

O operador argumentativo quase aponta para a a�rmação da totalidade e, nor-


malmente, encadeia-se com muitos e a maioria.
Apenas (e seus equivalentes só e somente) aponta para a negação da totalida-
de e, normalmente, encadeia-se com poucos e a minoria.

A produção dos textos argumentativos

Muitos dos textos que produzimos, sejam eles escritos ou falados, são motiva-
dos pela nossa necessidade de expor um ponto de vista, defender uma ideia
ou questionar algum fato. São os chamados textos argumentativos/ dissertati-
vos. Quando os produzimos, devemos observar certas normas de organização
bastante particulares:

Em geral, para se obter maior clareza na exposição do ponto de vista,


distribui-se a matéria em três partes:

• Introdução – em que se apresenta a ideia ou o ponto de vista que será de-


fendido.
• Desenvolvimento ou argumentação – em que se desenvolve o ponto de
vista (para convencer o leitor, é preciso usar uma sólida argumentação,
citar exemplos, recorrer a opiniões de especialistas, fornecer dados etc.).
• Conclusão – em que se dá um fecho coerente com o desenvolvimento,
com os argumentos apresentados.

Por suas características, o texto argumentativo requer uma linguagem mais


sóbria, denotativa. Caso se use uma �gura de linguagem, ela deverá sempre
ser utilizada com valor argumentativo, como instrumento a mais para a defe-
sa de uma determinada ideia, e não apenas como ornamento do discurso. As
orações devem se colocar, de preferência, em ordem direta, sem rodeios (a�-
nal, convence-se o leitor pela força de argumentos, não pelo cansaço). É prefe-
rível o uso da 3ª pessoa.

Dependendo do tema e da abordagem, podem predominar a intuição, a sensi-


bilidade do autor, ou mesmo testemunhos de caráter pessoal. Nesse caso, pre-
valece a 1ª pessoa.

Ao contrário da narração, o texto argumentativo não apresenta uma progres-


são temporal; os conceitos são genéricos, abstratos e, em geral, não se pren-
dem a uma situação de tempo e espaço. Por isso, observa-se o emprego dos
verbos no presente.

Ao contrário da descrição, que se caracteriza pelo período simples, o texto ar-


gumentativo trabalha com o período composto (normalmente, por subordina-
ção), com o encadeamento de ideias; nesse tipo de construção, o adequado em-
prego dos conectores (preposições, conjunções e pronomes relativos) é funda-
mental para obter um texto claro, coerente, coeso e elegante.

Saber observar esses aspectos na AL com os alunos colabora para sua compe-
tência escritora ao produzir e ao revisar seus textos.

Para que você possa re�etir sobre as estratégias de intervenção no texto do


aluno e sobre o processo de reescrita estudados até aqui, sugerimos que assis-
ta a aula produzida e disponibilizada pelo Centro de Mídias do Estado de São
Paulo, na qual as professoras Kelly Cristina de Souza Barroso Muniz Moraes e
Viviane da Costa Batista Pereira revisam e reescrevem, de forma colaborativa,
um texto produzido por um aluno do segundo ano do Ensino Fundamental.

É interessante perceber, por meio da aula assistida, que os processos de revi-


são e reescrita podem e devem ser realizados também, com os alunos dos
anos iniciais do Ensino Fundamental (e não só com os alunos do Ensino
Médio) e com textos de vários gêneros (e não só os dissertativos), o que nos le-
va a re�etir sobre as práticas de linguagem que comumente têm sido realiza-
das nas escolas, questionando nosso papel enquanto professores ou futuros de
língua portuguesa na formação de leitores e autores competentes.

11. O eixo da Produção Textual na BNCC


Ao longo de toda a disciplina, temos abordado o processo de produção textual
sob a perspectiva da BNCC. Segundo este documento:
O Eixo da Produção de Textos compreende as práticas de linguagem relacionadas à
interação e à autoria (individual ou coletiva) do texto escrito, oral e multissemióti-
co, com diferentes �nalidades e projetos enunciativos como, por exemplo, construir
um álbum de personagens famosas, de heróis/heroínas ou de vilões ou vilãs; pro-
duzir um almanaque que retrate as práticas culturais da comunidade; narrar fatos
cotidianos, de forma crítica, lírica ou bem-humorada em uma crônica; comentar e
indicar diferentes produções culturais por meio de resenhas ou de playlists comen-
tadas; descrever, avaliar e recomendar (ou não) um game em uma resenha, game-
play ou vlog; escrever verbetes de curiosidades cientí�cas; sistematizar dados de
um estudo em um relatório ou relato multimidiático de campo; divulgar conheci-
mentos especí�cos por meio de um verbete de enciclopédia digital colaborativa; re-
latar fatos relevantes para a comunidade em notícias; cobrir acontecimentos ou le-
vantar dados relevantes para a comunidade em uma reportagem; expressar posi-
ção em uma carta de leitor ou artigo de opinião; denunciar situações de desrespeito
aos direitos por meio de fotorreportagem, fotodenúncia, poema, lambe-lambe, mi-
crorroteiro, dentre outros (BRASIL, 2018, p. 76).

Fica evidente, assim, que a concepção de prática de produção de textos na es-


cola deve ser bastante alargada no sentido de passar a considerar uma série
de gêneros textuais/discursivos que, por muito tempo, não foram contempla-
dos em sala de aula, apesar de estarem inseridos e fazerem parte da realidade
do aluno quando olharmos para sua vida fora da escola e para as práticas de
linguagem que ele realiza em seu contexto familiar e social.

Sugerimos, agora, para �nalizarmos nossos estudos da disciplina Análise e


Produção de Textos, que você assista ao vídeo a seguir, no qual a professora
Claudia Corrêa sintetiza o que temos estudado ao longo dos cinco ciclos de
aprendizagem desta disciplina sobre o eixo da Produção Textual na BNCC.

Esperamos que, a partir do vídeo, você tenha conseguido compreender melhor


quais são as dimensões inter-relacionadas às práticas de uso e re�exão con-
templadas no eixo da produção textual, bem como os objetivos relacionados a
cada dimensão, uma vez que, serão elas que deverão nortear o trabalho do pro-
fessor de língua portuguesa no que diz respeito à produção textual enquanto
atividade escolar.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.

12. Considerações
Neste último ciclo de aprendizagem, buscamos evidenciar a necessidade de
que, enquanto professores, ampliemos as práticas de produção textual que têm
sido, de forma clássica, se dado nas escolas, indo além das dissertações que
são massivamente propostas, com vistas às redações de vestibulares e simila-
res, e abordando gêneros que são mais familiares e signi�cativos para os alu-
nos, conforme proposto pela BNCC.

Além disso, procuramos, também, apresentar algumas estratégias que podem


ser empregadas para que os alunos possam revisar e reescrever/editar suas
produções textuais, de forma a desenvolverem a habilidade de revisar e editar
seus próprios textos, segundo preconizado pela BNCC, para que possam, as-
sim, se tornar escritores/autores competentes, capazes de se fazer compreen-
didos e de se expressar de forma adequada ao contexto social e linguístico.

Assim sendo, esperamos que as re�exões e os exemplos de análise linguística


e de práticas de revisão e de rescrita fornecidos ao longo do ciclo possam au-
xiliar sua prática docente, de forma que você compreenda que a �nalidade úl-
tima da análise linguística é a formação de leitores e autores competentes, e
não de alunos que dominem regras gramaticais de forma descontextualizada,
arbitrária e não signi�cativa.

13. Considerações Finais


Durante o semestre, você pôde veri�car que Análise e Produção de Textos é
uma disciplina fundamental para a formação do professor de Língua
Portuguesa, uma vez que ela propicia o contato e re�exões com e sobre conhe-
cimentos teóricos e práticos relativos ao trabalho com o texto, com a leitura e
com a escrita em sala de aula, sempre ancorados nos objetivos, habilidades e
competências preconizados na Base Nacional Comum Curricular.

Você pôde perceber o que é texto e o que é considerado discurso, encarados


dentro de uma perspectiva enunciativo-discursiva que considera tais objetos
enquanto práticas sociais. Foi possível perceber, também, como a ressigni�ca-
ção dessas noções contribuem para subsidiar a prática docente da análise e
da produção textual em sala de aula.

Sendo assim, foi possível re�etir sobre a importante missão que você terá en-
quanto professor de Língua Portuguesa: é preciso que auxilie o aluno, com ba-
se nas teorias aqui estudadas, no processo de construção de habilidades e
competências relativas às práticas de linguagem de leitura, produção textual e
análise linguística, com vistas ao letramento crítico e à inserção dos mesmos
nas mais diversas áreas da sociedade nas quais a interação por meio da lin-
guagem se faz presente.

Esperamos que os conteúdos abordados ao longo da disciplina, bem como as


teorias apresentadas, tenham contribuído para que a sua formação docente
possa ser praticada de modo a fazer com que o seu papel e os objetivos postu-
lados para o ensino do componente Língua Portuguesa possam ser alcança-
dos plenamente, sempre com vistas à formação acadêmica, cidadã, crítica e
pessoal dos seus futuros alunos.

Contudo, não poderíamos deixar de evidenciar o seguinte: um pro�ssional das


Letras sempre será um modelo para seus alunos no que diz respeito ao uso da
Língua Portuguesa. Assim sendo, é importante salientar que, além das teorias
relativas ao ensino da leitura, da produção textual e da análise linguística, vo-
cê próprio deve desenvolver as habilidades e competências que busca cons-
truir junto aos seus alunos.  Portanto, faça das práticas de leitura e produção
textual hábitos constantes e prazerosos em sua vida, provocando descobertas
fascinantes e transmitindo aos alunos a paixão por essas práticas sociais!

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