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gp0053-fev-2022-grad-ead-p/)
1. Introdução
Olá! Seja muito bem-vindo(a)! Você iniciará o estudo de Análise e Produção de
Textos, uma das disciplinas que compõem o curso de Licenciatura em Língua
Portuguesa do Claretiano – Centro Universitário na modalidade EaD.
O documento ainda ressalta que o texto, a partir do qual são de�nidos os con-
teúdos, habilidades e objetivos a serem desenvolvidos no componente Língua
Portuguesa, deve sempre ser trabalhado em relação ao gênero discursivo que o
caracteriza, considerando também as diferentes esferas sociais de comunica-
ção e uso da linguagem nas quais os gêneros circulam (BRASIL, 2018, p. 67).
Como você verá nas outras disciplinas do curso, isso não quer dizer que o co-
nhecimento dito gramatical não deve ser abordado. Dentro do eixo da Análise
Linguística/Semiótica, que juntamente aos eixos da Oralidade, da Produção de
Textos e da Leitura/Escuta compõem os quatro eixos de ensino corresponden-
tes às práticas de linguagem no Ensino Básico, os alunos terão oportunidade
de analisar e re�etir sobre a norma padrão da Língua Portuguesa. Essa análi-
se, no entanto, não deve ser realizada com um �m em si mesma, devendo es-
tar sempre situada em práticas de linguagem e a serviço da ampliação da ca-
pacidade de uso da língua e linguagens por parte do aluno (BRASIL, 2018).
2. Informações da Disciplina
Ementa
Análise e produção de textos busca, no contexto do curso, ser espaço de cons-
trução de conhecimentos teórico-práticos fundamentais para a formação do
futuro professor de língua portuguesa, possibilitando-lhe re�etir sobre fatos
inerentes à análise textual, leitura, produção e revisão de textos em sala de au-
la, aperfeiçoando seu conhecimento sobre elementos linguísticos, textuais e
discursivos dentro de um contexto histórico, abordando, para tanto, os seguin-
tes conteúdos: noções de texto e discurso; gêneros discursivos e tipos textuais;
modos de organização do discurso: descrição, narração e dissertação; a leitura
e a escrita como práticas sociais; estratégias de leitura e escrita; contexto de
produção e contexto de uso; produção textual: coerência e coesão, intertextua-
lidade, fatores de textualidade; texto �gurativo e texto temático; níveis de es-
trutura textual; análise linguística; práticas de escrita, revisão e reescrita.
Objetivo Geral
Oferecer oportunidades para o contato com o conhecimento de teorias da
Linguística que lidam com o ato de leitura, com a compreensão e a produção
textual, com a análise linguística, sempre na perspectiva dos novos e multile-
tramentos, de modo a apresentar e discutir habilidades e competências que
podem ser adotadas pelo leitor e produtor de textos, e que, portanto, devem ser
desenvolvidas em aulas de Língua Portuguesa no Ensino Básico, devendo, as-
sim, ser conhecidas pelos professores em formação e em serviço.
Objetivos Especí�cos
• Veri�car as noções de texto e de discurso.
• Compreender as tipologias textuais e diferenciá-las dos gêneros de texto.
• Conhecer as noções de gênero textual e de gênero discursivo.
• Veri�car estratégias relativas à leitura, análise e produção de texto.
• Compreender as noções de coesão e coerência textual.
• Reconhecer a leitura e a escrita como práticas sociais.
• Veri�car como lidar, de modo e�ciente, com o texto na sala de aula, na
perspectiva da leitura e da escrita.
• Analisar as práticas pedagógicas para o ensino e a aprendizagem da lei-
tura, produção e revisão textual, em uma perspectiva dos novos e multile-
tramentos.
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Prática Pedagógica
Para ler a íntegra dessa recente legislação, conhecida como BNC-Formação, clique aqui
(https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-2-de-20-de-dezembro-de-2019-234967779).
1. Identi�cação.
2. Caracterização.
3. Observação.
4. Planejamento.
5. Aplicação.
6. Relatório Final.
Para ter acesso a descrição das etapas do desenvolvimento da Prática Pedagógica desta disciplina, con-
sulte os Ciclos 2 e 4 nas ferramentas Plano de Ensino e Portfólio.
Horas Totais
Atribuídas
Atividade Nota
20h
Planejamento e orga-
Etapa 1 nização da Prática 5h
Pedagógica. 3.0 pontos
Contextualização da
Etapa 2 15h
Prática Pedagógica.
Portfólio 2
Horas Totais
Atribuídas
Atividade Nota
80h
Desenvolvimento da Teórica)
Etapa 5 25h
prática (regência)
Elaboração e entrega
Etapa 6 do relatório crítico- 20h
re�exivo.
3. Ofícios e Documentos
Nas diferentes etapas da Prática Pedagógica, será necessária a geração, preen-
chimento e assinatura de diferentes documentos obrigatórios disponíveis na
SAV (ferramenta Material). Veja quais são eles:
4. Sistema Avaliativo
As disciplinas com carga horária de Prática Pedagógica terão uma estrutura
avaliativa diferente das demais, com atividades que serão desenvolvidas pre-
sencialmente em ambientes escolares, em etapas que deverão ser cumpridas
de acordo com o cronograma da disciplina.
No quadro a seguir, veja como está estruturado todo o sistema avaliativo das
disciplinas nessa modalidade:
Valor/pon-
Instrumento Composição Aplicação Ciclo
tos
2 questões re- 2,0
Questões
ferentes a cada (0,40 por ci-
Online SAV Todos
ciclo de apren- clo)
dizagem
Fórum de
Interatividade SAV 1º 2,0
Abertura
1ª e 2ª etapas
Portfólio 1 SAV 2º 3,0
da atividade
Prova interdis-
ciplinar objeti-
va, formada
por 6 questões
NOTA de múltipla es-
1 colha, que con- Aplicada
Avaliação
templam os de modo
Semestral
conteúdos e as online, Todos 3,0
Interdisciplinar
competências com aces-
(ASI)
de todas as so na SAV.
disciplinas do
semestre letivo
em um único
instrumento de
avaliação
Relatório Final
das Práticas
Portfólio 2 Pedagógicas
NOTA
Relatório �nal desenvolvidas SAV 4º 10,00
2
e documenta-
ção comproba-
tória
5. Aprovação/Validação da Prática
A aprovação da Prática Pedagógica estará atrelada ao atendimento dos objeti-
vos propostos. A não realização da atividade proposta gerará dependência da
disciplina.
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Objetivos
• Veri�car as noções de texto e de discurso.
• Compreender as tipologias textuais e diferenciá-las dos gêneros textu-
ais.
• Conhecer as noções de gênero textual e de gênero discursivo.
Conteúdos
• Noções de texto e discurso.
• O texto escrito e o texto oral.
• Tipos textuais.
• Gêneros discursivos.
• Modos de organização do discurso: descrição, narração e dissertação.
Problematização
Quais são as principais concepções de linguagem? O que é texto? E o que é
discurso? Qual concepção de texto e discurso deve guiar o ensino de Língua
Portuguesa na educação básica? Como trabalhar o texto oral em sala de aula?
O que se entende por tipologia textual? O que são gêneros discursivos?
Gênero textual e gênero discursivo são considerados a mesma coisa ou há di-
ferença, tendo por base o que foi veri�cado por Bakhtin? Quais são os modos
de organização do discurso? Quais são as formas que temos para apreender a
realidade, ou seja, para percebê-la? O que é descrição? O que é narração? O
que é dissertação? E quais são as características de cada um desses tipos de
texto?
Bons estudos!
1. Introdução
Temos dito, até aqui, que o texto, dentro de uma perspectiva de linguagem so-
ciointeracional/enunciativo-discursiva, deve ser o ponto de partida para o de-
senvolvimento das habilidades e competências a serem construídas dentro do
eixo da produção textual, da oralidade, da leitura e da análise linguística, se-
gundo a BNCC. No entanto, para re�etirmos sobre o ensino da Língua
Portuguesa e do papel do texto neste contexto, é necessário que pensemos, pri-
meiramente, em que consiste essa concepção de linguagem, bem como que
conheçamos a mudança de perspectiva que tem se operado na concepção de
linguagem em função dos estudos no campo de áreas como a Linguística.
Antes disso, gostaríamos de acionar alguns conhecimentos que todos nós te-
mos a respeito da linguagem, por exemplo:
É sob essa perspectiva que embasaremos nossos estudos sobre a língua que se
fala e a língua que se escreve, entendendo por linguagem uma atividade hu-
mana, histórica e social em que a língua só se realiza na interlocução entre os
falantes, num jogo em que se procura estabelecer as regras jogando.
Você deve estar, agora, se perguntando: como a escola pode fazer isso?
É por isso que, neste primeiro momento do estudo, focalizaremos com você,
professor, conceitos que norteiam a concepção interacional de linguagem: a
língua, o texto, o sujeito, o sentido; texto e contexto; sistemas de conhecimento
e processamento textual.
3. Concepções de linguagem
Nem sempre a linguagem foi vista com o mesmo olhar que se tem hoje. A se-
gunda metade do século 20 presenciou uma revolução no conceito de lingua-
gem, o que provocou mudanças consideráveis nas práticas escolares. Antes
entendida somente como expressão do pensamento, na década de 1970, a lin-
guagem passou a ser vista também como um instrumento de comunicação,
envolvendo um interlocutor e uma mensagem que precisa ser compreendida.
Com esse olhar, todos os gêneros textuais passaram a ser considerados como
importantes instrumentos de transmissão de mensagens. Sendo assim, na es-
cola, o aluno precisaria aprender as características de cada um deles para
identi�cá-las nos textos lidos e reproduzi-las também na escrita. Foi assim
que o acervo de obras a serem estudadas acabou sendo ampliado, pois os tex-
tos clássicos, por exemplo, não serviam de modelo para a escrita de cartas, de
propagandas ou de manuais de instrução.
Nessa perspectiva, ainda, a língua era vista como um código, e o ato de escre-
ver seria o exercício de combinar palavras e frases para formar um texto. Por
isso, o ensino deveria ter como foco principal as estruturas – os substantivos,
os verbos, os pronomes etc. – que compõem a língua e seus usos corretos. O
produto �nal, ou seja, o texto deveria seguir um padrão preestabelecido, e qual-
quer desvio seria considerado um erro.
[...] a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam com-
pletamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunci-
ação [...]
Ainda de acordo com Bakhtin (1997), a enunciação individual só pode ser con-
cebida enquanto um “fenômeno puramente sociológico”, no qual a linguagem
é consolidada em seu aspecto dialógico, numa relação social e histórica de in-
teração entre os indivíduos.
A linguagem, a partir disso, não foi mais vista como uma representação da re-
alidade, mas como o resultado das intenções de quem a produziu e do impacto
que tem no receptor. O aluno passou a ser visto como sujeito ativo, e não um
reprodutor de modelos, além de também ser visto como atuante – em vez de
ser passivo no momento de ler e escutar.
Por isso, hoje os alunos desde pequenos são incentivados à leitura e à escrita,
mesmo sem saberem ler e escrever convencionalmente, a �m de desenvolve-
rem habilidades leitoras e escritoras. Sendo assim, permeiam a sala de aula
atividades de leitura e de escrita pelo professor e pelos próprios alunos, práti-
cas de comunicação oral em que aprendem as características próprias de cada
gênero discursivo e atividades de análise e re�exões sobre a língua.
5. Texto e contexto
O sentido do termo contexto varia não só no decorrer do tempo, mas conforme
a concepção de um autor e outro, em que toma várias especi�cações como
“contexto de situação”, “contexto de cultura”, “contexto social”, “contexto socio-
cognitivo” etc. Apresentar uma de�nição única e precisa para o termo �ca
quase impossível.
Isso signi�ca dizer que, depois de escrito, o texto tem uma existência autôno-
ma em relação ao autor. Entre a produção do texto escrito (circunstâncias que
envolvem o momento da escrita) e sua leitura (circunstâncias que envolvem o
momento da leitura), pode se passar muito tempo, e as circunstâncias da es-
crita podem ser muito diferentes das circunstâncias da leitura, fato que inter-
fere na produção de sentido.
O que mais nos interessa é o contexto sociocognitivo. Sabemos que, para que
duas ou mais pessoas possam se compreender reciprocamente, é preciso que
seus contextos cognitivos sejam pelo menos parcialmente semelhantes. Cada
um dos interlocutores traz sua bagagem cognitiva, que já é um contexto. Esse
contexto é alterado e ampliado a cada momento da interação, obrigando os
parceiros a se ajustarem aos novos contextos que vão surgindo sucessivamen-
te. O contexto cognitivo, de acordo com Koch (2006, p. 24), engloba todos os ti-
pos de conhecimento arquivados na memória dos interlocutores e mobiliza-
dos no momento da interação verbal:
[...] o conhecimento lingüístico propriamente dito, o conhecimento enciclopédico,
quer declarativo, quer episódico, o conhecimento da situação comunicativa e de su-
as regras (situcionalidade), o conhecimento superestrutural (tipos textuais), o co-
nhecimento estilístico (registros, variedades de língua e sua adequação), o conheci-
mento sobre os variados gêneros adequados às diversas práticas sociais, bem como
o conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade).
Conhecimento linguístico
O conhecimento linguístico abrange o conhecimento da ortogra�a, da gramá-
tica e do léxico da língua. Na leitura, podemos compreender a organização das
palavras na superfície do texto, o uso de formas de coesão que remetem a ou-
tras palavras ou para indicar a sequenciação das partes do texto, além da sele-
ção lexical adequada ao tema de que trata. Na escrita, obedecer às normas or-
tográ�cas é um recurso que contribui para a construção de uma imagem posi-
tiva daquele que escreve porque demonstra, além de uma atitude colaborativa
do escritor no sentido de evitar problemas no plano da comunicação, a aten-
ção e consideração dispensadas ao leitor.
A VÍRGULA
A vírgula pode ser uma pausa... ou não.
NÃO, ESPERE.
NÃO ESPERE.
(ABI, 2012)
Como você pode ver, realmente, a colocação de uma vírgula é capaz de mudar
completamente o sentido de um texto e será o contexto que determinará qual
a opção de uso do produtor para produzir o efeito de sentido pretendido.
Conhecimentos interacionais
O processo de escrita de textos demanda ativação de modelos cognitivos que o
produtor possui sobre práticas interacionais diversas, histórica e culturalmen-
te constituídas. Segundo Koch e Elias (2010, p. 44-48), respectivamente 1 (p.
44), 2 (p. 46), 3 e 4 (p. 47) e 5 (p. 48), é baseado em conhecimentos interacionais
que o produtor:
O leitor ou ouvinte, por sua vez, por não esperar textos totalmente explícitos,
mas dotados de sentido, procura, a partir da informação dada, construir uma
representação coerente de sentido ativando seus conhecimentos de mundo e
outros que lhe permitem estabelecer relações de causalidade, temporalidade e
outras.
6. Fala e escrita
Por tudo que já vimos, podemos depreender que fala e escrita são duas moda-
lidades da língua, mas que, apesar de fazer uso do mesmo sistema linguístico,
cada uma delas apresenta características peculiares.
Nele [o texto escrito], a dialogicidade constitui-se numa relação ‘ideal’, em que o es-
critor leva em conta a perspectiva do leitor, ou seja, dialoga com determinado (tipo
de) leitor, cujas respostas e reações ele prevê.
Embora suas peculiaridades, fala e escrita não devem ser vistas de forma es-
tanque; a escrita formal e a conversação espontânea situam-se ao longo de
um contínuo em que cada uma ocupa uma extremidade. Conforme Marcuschi
(2001 apud KOCH; ELIAS, 2010, p. 14),
As diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práti-
cas sociais e não na relação dicotômica de dois polos opostos.
Pelo exposto até aqui, podemos observar que uma manifestação verbal estará
estabelecida somente quando for construído um sentido para o texto, em um
determinado contexto associado às imagens recíprocas dos interlocutores e
ao tipo de atividade em curso. Depreendemos disso que um texto se constitui
como tal quando os parceiros de uma atividade comunicativa mobilizam uma
complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e inte-
racional e empreendem estratégias que os levam a construir um sentido para
o texto dentro de um dado contexto.
7. Gêneros do discurso
Em cada esfera de circulação social, as pessoas usam formas especí�cas de
enunciados para se comunicarem, os quais se organizam em gêneros discur-
sivos. Na esfera cotidiana, a comunicação se dá, por exemplo, com a conversa
familiar, o bilhete; na esfera jornalística, com a notícia, a reportagem, a crôni-
ca; na literária, com o conto, o romance, o poema etc.
Por exemplo, quando queremos nos comunicar com um parente que está dis-
tante, escrevemos uma carta familiar que, com certeza, falará da saudade por
causa da ausência da outra pessoa etc. e se organizará como todas as outras
cartas, com a data, a saudação, o corpo da mensagem, a despedida e a assina-
tura do emissor. O estilo, por ser uma carta familiar, não será formal, mas na
língua padrão, podendo surgir expressões da linguagem cotidiana. Falamos
aqui de um gênero (carta familiar) por apresentar enunciados parecidos com
os de todas as outras cartas familiares.
O e-mail é um bom exemplo disso. Gênero discursivo que surgiu com as possi-
bilidades da tecnologia da internet com a mesma �nalidade de estabelecer
contato entre pessoas distantes, mas, por causa das condições diferentes de
produção dos textos (tempo, lugar, veículo de comunicação, per�l do interlocu-
tor etc.), desenvolveu características diferentes da carta, transformando-se em
outro gênero.
Como você pode constatar, para que consigamos nos comunicar, usamos for-
mas enunciativas mais ou menos conhecidas e compartilhadas dentro de
uma esfera social especí�ca, já internalizadas por outros usuários da língua,
capazes de viabilizar a comunicação, como, por exemplo, o currículo, o poema,
a receita, a notícia, o artigo de opinião, a bula de remédio, o manual de instru-
ções e tantos outros, que são gêneros do discurso.
Para aprofundar seus estudos em relação ao texto oral, você deve ler, também, na Parte 1 – Oralidade, os
subtópicos: Re�exões sobre oralidade e escrita no ensino de língua portuguesa e O ingresso do texto oral
em sala de aula, da obra Ensino de Língua Portuguesa: oralidade, escrita e leitura, de Elias (2011), disponí-
vel na Biblioteca Virtual Pearson.
Para re�etir um pouco mais sobre a língua falada e a língua escrita, sugeri-
mos, também que, a seguir, assista ao vídeo: “Fala e escrita – parte 2”, no qual
os professores Drs. Luiz Antônio Marcuschi e Ângela Dionísio dialogam e re-
�etem sobre as características da fala e da escrita.
8. A produção de textos e os tipos e gêneros
textuais
Depois de ter estudado a concepção sociointeracional de linguagem e o lugar
do texto escrito e oral dentro dela, passaremos, então, em um primeiro mo-
mento, a conceituar os gêneros discursivos (ou textuais) e os tipos textuais,
diferenciando-os.
Quando você escreve uma mensagem a um familiar, você faz uma narração,
um relato ou uma carta? Quando você vai ao supermercado, você faz uma des-
crição do que vai comprar ou faz uma lista de compras? Quando você escreve
para a coluna “Opinião” do jornal para dar sua posição sobre uma questão po-
lêmica, você escreve uma dissertação ou uma carta do leitor?
Para isso, veremos mais detalhadamente quais são as diferenças entre gêne-
ros e tipologias textuais, tomaremos conhecimento de uma proposta metodo-
lógica de trabalho para o ensino de produção de textos – a sequência didática
– e veremos um exemplo de como colocar em prática essa proposta.
Pensaremos também nos elementos de textualização para ensinar com pro-
priedade como se constroem os textos.
Vimos que, com base nos estudos de Bakhtin (1997), os gêneros são formas de
enunciados produzidas historicamente, que se encontram disponíveis em
nossa cultura. Entre uma grande variedade deles, podemos encontrar a notí-
cia, a reportagem, o artigo de opinião, o artigo cientí�co, o romance, o conto (li-
terário, popular ou maravilhoso; de fadas ou aventuras), a fábula, a crônica, o
anúncio, a receita culinária, a receita médica, a tese, a monogra�a, o cordel, o
poema, o repente, o relatório, o seminário, a palestra, a conferência, o verbete, a
parlenda, a adivinha, a cantiga, o pan�eto, o sermão e outros.
Se tivéssemos de criar toda vez uma forma de dizer algo a alguém, seria quase
impossível a comunicação. Por isso, os falantes da língua buscam formas já
existentes na cultura, como, por exemplo, o modo de se cumprimentar, de fa-
zer uma ligação telefônica ou de atendê-la, o modo de iniciar uma carta, uma
aula, uma história etc. É, portanto, por meio da estabilidade relativa dos gêne-
ros do discurso que fazemos economia ao estruturar nossas formas de comu-
nicação.
Essa estabilidade “relativa” a que Bakhtin (1997) se refere signi�ca que os gê-
neros do discurso se modi�cam para atender às necessidades da sociedade e,
por isso, sofrem constantes atualizações ou transformações: daí a relatividade
dessa estabilidade das características composicionais, temáticas e estilísticas.
Segundo Bakhtin (1997, p. 301):
Gêneros primários
Gêneros primários são aqueles que surgem nas situações de comunicação ver-
bal espontânea e menos elaborada (oral ou escrita). Podemos chamá-los de
gêneros que são empregados nos nossos enunciados da vida cotidiana, como
na linguagem oral, nos diálogos em família, nas reuniões de amigos, nos pe-
quenos registros etc.
É sabido que grupos sociais diferentes têm interesses e valores diferentes e vi-
venciam situações sociais de modos diversos. Um esportista, com certeza,
lançará mão de temáticas e formas de dizer diferentes de um jurista e de um
professor, pois todos eles, embora convivendo socialmente, cultivam os inte-
resses de sua esfera pro�ssional e necessitam de interagir por meio de gêne-
ros diferentes.
Por isso é que o próximo tópico tratará das diferenças entre gêneros e tipos
textuais.
Pelo que vimos, quando se nomeia um certo texto como “narrativo”, “descriti-
vo” ou “argumentativo”, segundo Marcuschi (2003, p. 27), “não se está nomean-
do o gênero e sim o predomínio de um tipo de sequência de base”.
Quando alguém diz, por exemplo, a carta pessoal é um tipo de texto informal, ele
não está empregando o termo “tipo de texto” de maneira correta [...]
Por outro lado, esse mesmo autor destaca que (MARCUSCHI, 2003, p. 25):
[...] em todos os gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer
que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipolo-
gicamente variado (heterogêneo).
O autor ilustra essa a�rmação com um exemplo bem elucidativo ao referir-se
à carta pessoal (MARCUSCHI, 2003, p. 25):
[...] que pode conter uma sequência narrativa (conta uma historinha), uma argu-
mentação (argumenta em função de algo), uma descrição (descreve uma situação)
e assim por diante.
Silva (2010) faz um contraponto entre os estudos desses dois autores e observa
pontos de vista diferentes, embora complementares, sobre gêneros e tipos tex-
tuais. Observe os pontos mais importantes sobre o assunto nos próximos pará-
grafos.
Travaglia (2007) usa o termo conjugação tipológica. Também para ele, di�cil-
mente são encontrados tipos puros. Em um texto do gênero bula de remédio,
segundo o autor, pode-se observar a presença de várias tipologias, como a des-
crição, a predição e a injunção. Textos do tipo injuntivo são os que fazem pre-
visão, como o boletim meteorológico, o horóscopo.
Um texto de�ne-se como de um tipo, segundo Travaglia (2007), por uma ques-
tão de dominância, em função do tipo de interlocução que se pretende estabe-
lecer e que se estabelece, e não em função do espaço ocupado por um tipo na
constituição desse texto.
Silva (2010, p. 66) resume esses aspectos nos estudos dos dois linguistas:
Para esse autor, a perspectiva do produtor do texto pode ser aquela da imagem
que ele faz do receptor. Quando o produtor vê o receptor como alguém que não
concorda com ele, surge o discurso da transformação. Se o receptor for visto
pelo produtor como alguém que concorda com ele, surge o discurso da cumpli-
cidade.
Travaglia não faz abordagens especí�cas ligadas à questão do ensino no seu trata-
mento à Tipologia textual. Suas considerações são mais ligadas ao campo da
Linguística do que da Linguística Aplicada.
O que Travaglia mostra é uma extrema preferência pelo uso da Tipologia textual,
independente de estar ligada ao ensino. Sua abordagem parece ser mais taxionô-
mica [...]
Um trabalho com a tipologia de textos no ensino, na opinião de Silva (2010),
deveria levar em conta a questão de com quais tipos de texto deve-se traba-
lhar na escola, a quais será dada maior atenção e com quais será feito um tra-
balho mais detido. O autor entende que, caso seja considerada a abordagem de
Travaglia, a escolha pelo tipo deve levar em conta uma série de fatores, dentre
os mais pertinentes (SILVA, 2010, p. 72):
[...] favorável ao trabalho com o Gênero textual na escola, embora saiba que todo gê-
nero realiza necessariamente uma ou mais sequências tipológicas e que todos os
tipos inserem-se em algum gênero textual.
Vejamos, agora, como poderia ser organizado o ensino por meio de gêneros e
de tipologias, porque a abordagem dos dois aspectos deve ser motivo de re�e-
xão na sala de aula.
Os agrupamentos de gêneros
Vamos apresentar a você, no Quadro 1, um agrupamento de gêneros proposto
por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 121), no livro Gêneros orais e escritos
na escola, que consiste em organizar os gêneros textuais de acordo com as se-
melhanças que as situações de produção (ou os domínios sociais de comuni-
cação) dos gêneros possuem. Os agrupamentos de gêneros sugeridos pelos au-
tores para o ensino na sala de aula se dividem em cinco: gêneros da ordem do
narrar, do expor, do argumentar, do instruir e do relatar. Veja.
CAPACIDADES DE EXEMPLOS DE
DOMÍNIOS SOCIAIS DE
LINGUAGEM GÊNEROS ORAIS E
COMUNICAÇÃO
DOMINANTES ESCRITOS
Conto maravilhoso
Fábula
Novela
Narrativa de aven-
tura
CULTURA LITERÁRIA Narrar
FICCIONAL Narrativa de �cção
Mimesis (cópia) da ação cientí�ca
através da intriga (enredo)
Narrativa de enig-
ma
Novela fantástica
Conto parodiado
Relato de experiên-
cia vivida
Relato de viagem
Testemunho
Relatar
Curriculum vitae
DOCUMENTAÇÃO E
MEMORIZAÇÃO DE AÇÕES Representação pelo discur-
Notícia
HUMANAS so de experiências vividas,
situadas no tempo
Reportagem
Crônica Esportiva
Ensaio biográ�co
Texto de opinião
Diálogo argumenta-
tivo
Carta do leitor
Carta de reclamação
Argumentar
DISCUSSÃO DE Deliberação infor-
PROBLEMAS SOCIAIS Sustentação, refutação e mal
CONTROVERSOS negociação de tomada de
posição Debate regrado
Discurso de defesa
(adv.)
Discurso de acusa-
ção (adv.)
Seminário
Conferência
Artigo ou verbete de
enciclopédia
Entrevista de espe-
cialista
Expor
TRANSMISSÃO E
Tomada de notas
CONSTRUÇÃO DE Apresentação textual de
SABERES diferentes formas de sabe-
Resumo de textos
res
“expositivos” ou ex-
plicativos
Relatório cientí�co
Relato de experiên-
cia cientí�ca
Instruções de mon-
tagem
Receita
Descrever ações Regulamento
INSTRUÇÕES E
PRESCRIÇÕES Regulação mútua de com- Regras de jogo
portamentos
Instruções de uso
Instruções
[...] aqueles que, por suas características e usos , podem favorecer a re�exão crítica,
o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a
fruição estética de usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena
participação numa sociedade letrada.
[…] gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos, entre eles, gê-
neros próprios da linguagem oral como cordel, causos, textos dramáticos, canções
e outros próprios da linguagem escrita, entre eles contos, romances, novelas, crôni-
cas, notícias, editoriais, entrevistas e outros.
• Apresentação da situação:
• A primeira produção:
• Os módulos:
• A produção �nal:
• Investir as aprendizagens.
• Avaliação de tipo somativo.
O tema proposto para o concurso é “O lugar onde vivo” e, de acordo com os au-
tores do material, Gagliardi e Amaral (2008, p. 3), “escrever sobre a comunida-
de onde se vive estimula novas leituras, pesquisas e estudos, proporcionando
um outro olhar sobre a realidade e uma perspectiva de transformação social”.
Dolz (in: GAGLIARDI; AMARAL, 2010, p. 12) observa que, “do ponto de vista psi-
cológico, a escrita mobiliza o pensamento e a memória” e que “sem conteúdos
nem ideias, o texto será vazio e sem consistência”; alerta que “preparar-se para
escrever pressupõe ler, fazer registros pessoais, selecionar informações(…) ati-
vidades cognitivas, todas elas”.
Por outro lado, Dolz (2010 in: GAGLIARDI, AMARAL, 2010, p. 12) ressalta que, do
ponto de vista do desenvolvimento da linguagem:
[...] escrever implica ser capaz de atuar de modo e�caz, levando em consideração a
situação de produção do texto, isto é, quem escreve, qual é seu papel social (jorna-
lista, professor, pai); para quem escreve, qual é o papel social e quem vai ler, em que
instituição social o texto vai ser produzido e vai circular (na escola, em esferas jor-
nalísticas, cientí�cas, outras); qual é o efeito que o autor do texto quer produzir so-
bre seu destinatário (convencê-lo de alguma coisa, fazê-lo ter conhecimento de al-
gum fato atual ou de algum acontecimento passado, diverti-lo, esclarecê-lo sobre
algum tema considerado difícil); algum outro objetivo que não especi�camos.
Considerando que se trata de textos argumentativos, que ideia ou tese o autor pare-
ce defender?
2ª – etapa: Argumentação
Atividades
Após recolher as respostas dos alunos, mostre-lhes algumas características dos ar-
tigos de opinião: costumam circular em veículos tipicamente jornalísticos e de
grande penetração popular: jornais impressos, revistas, sites de notícias etc.; geral-
mente são escritos por especialistas num determinado assunto, pessoas publica-
mente reconhecidas por suas posições, autoridade etc.; abordam assuntos e/ou
acontecimentos polêmicos atuais, recentemente noticiados e de interesse público;
dirigem-se a um leitor que o jornal considera como potencialmente envolvido no
debate, na qualidade de cidadão; têm como �nalidade defender uma opinião ou te-
se, a qual é apresentada com base em argumentos coerentes.
Que argumentos são utilizados para defender e/ou fundamentar essa tese?
A polêmica no texto
1ª – etapa: Primeiro artigo
Uma vez realizado o debate sugerido na o�cina anterior, proponha aos alunos a es-
crita de um artigo de opinião com base em uma das questões polêmicas escolhidas
por eles.
Depois disso, oriente a turma para planejar a escrita de acordo com os questiona-
mentos:
O que será escrito na “Introdução”, de forma que possa indicar ao leitor qual é o
contexto da discussão?
Que título será mais adequado para já situar o leitor acerca da tese defendida e des-
pertar o interesse dele?
Por �m, peça a cada aluno que escreva um artigo, procurando seguir o planejamen-
to feito. Anuncie que o processo de escrita pode levá-los a repensar o planejamento.
Nesse caso, devem estar atentos para a repercussão que as alterações terão sobre
os outros elementos do texto, ou seja, se resolverem mudar a tese no meio do cami-
nho, será preciso veri�car se a nova opinião também é compatível com a polêmica.
E muito provavelmente será preciso estabelecer outros argumentos e partir de no-
vos dados.
Essa etapa da produção inicial de um artigo de opinião dos alunos é importan-
te porque sinaliza para o que os alunos já sabem sobre o gênero e dá pistas pa-
ra que o professor possa intervir adequadamente no processo de construção
de um texto do gênero. Os alunos poderão, nesse primeiro texto, com base nas
orientações do professor, avaliar a própria escrita e perceber o que é preciso
melhorar. Por outro lado, a experiência permitirá comparar essa primeira pro-
dução com o texto �nal e identi�car os avanços conseguidos no processo de
escrita.
Essa atividade envolverá professor e alunos por muitos dias, analisando tre-
chos, fazendo indagações sobre a questão polêmica, os argumentos, os contra-
argumentos, a coerência da conclusão, a clareza do texto, o papel dos organi-
zadores textuais, a pertinência do título e outros aspectos que tornam um tex-
to bem escrito. Os alunos passarão a reescrever o texto do colega, juntamente
com o professor, para aprenderem o processo de reescrita.
[…] mas deixa escapar aspectos da existência social dos discursos, enfatizados, por
exemplo, por Bakhtin (1979/1992). Para esse autor, a relação entre discursos é cons-
titutiva de cada discurso, é condição de existência dos discursos.
Intertextualidade
Baseada no conceito de dialogismo de Bakhtin, Kristeva (1974, p. 64) construiu
o conceito de intertextualidade ao a�rmar que “todo texto se constrói como
mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”.
Realmente, podemos constatar que, na humanidade, sempre se fala ou se es-
creve algo endereçado a alguém, num dado contexto ou situação social. Depois
disso, conta-se e reconta-se determinado fato de acordo com o que se almeja
difundir.
Neste caso, o autor oferece “pistas” textuais para que o leitor depreenda os pos-
síveis sentidos do texto. Assim, poderíamos dizer que todo texto é também um
intertexto, porque haverá sempre outro que “conversa” com ele.
Intertextualidade implícita
A intertextualidade implícita ocorre:
A paráfrase é um discurso em repouso em que alguém abre mão de sua voz para
deixar a voz do outro falar. Não há con�ito, pois não há oposição. Funciona como se
fosse um espelho que re�ete o discurso do outro.
Citação
A citação é outra forma de se estabelecer a intertextualidade. Um autor, ao ci-
tar outro, pode con�rmar ou alterar o sentido do texto citado, como também
pode fazê-lo em outra linguagem.
Depois de ter tido contato com o conceito de Sequência Didática e de poder re-
�etir sobre o ensino da língua por meio de gêneros, assista ao vídeo a seguir,
no qual Dolz explica, a partir de seus estudos, os motivos que fazem com que
os gêneros discursivos e as sequências didáticas que deles partem se apresen-
tam como objetos fundamentais para o ensino da língua portuguesa no Brasil,
com foco, sobretudo, nos gêneros textuais escritos, embora sem que se exclu-
am os orais:
Nesses termos, Possenti (1993, p. 47) diz que "o que transforma a língua em
discurso é a enunciação de um locutor a um alocutário". Segundo esse autor,
discurso é "a colocação em funcionamento de recursos expressivos de uma
língua com certa �nalidade" (1993, p. 49). Poderíamos dizer, então, que o dis-
curso é o efeito de sentido construído no processo de interlocução.
Complementando esse estudo, citamos as considerações de Brandão (2004, p.
42), que conceitua discurso como "o espaço em que emergem as signi�ca-
ções".
Quais são as formas que você tem para apreender a realidade, ou seja, para
percebê-la?
Essa não é uma questão fácil de ser de�nida, mas apresentamos algumas pos-
sibilidades:
• Identi�car e analisar as quali�cações dos seres.
• Perceber as transformações, testemunhando a ação do homem no mun-
do.
• Explicar as relações entre os acontecimentos, interpretar o mundo.
17. Narratividade
Narratividade é qualquer transformação de estado, ou seja, a mudança de um
estado inicial para um estado �nal. No exemplo: "Repentinamente todos �ca-
ram em silêncio", houve a passagem de um estado de ruído a um estado de si-
lêncio.
Não confunda narratividade com narração. A narratividade está presente tanto em textos
narrativos quanto em textos descritivos e dissertativos. Na descrição, todavia, a narrativi-
dade �ca implícita. Predomina, nesse texto, a concomitância.
É bem verdade que, na maioria das vezes, não encontramos um texto em estado
puro, já que o descritivo, o narrativo e o dissertativo podem interpolar-se num úni-
co texto. Isso não impede que, por conveniência didática, se estude cada um desses
tipos de texto separadamente (1995, p. 34).
+ Estados
Anterioridade
Concomitância Concomitância
Posterioridade
Relações de Implicação
Descrição
A descrição pode assim ser descrita como uma forma de organização do dis-
curso em que se relatam características, propriedades e aspectos de uma pes-
soa, de um objeto ou de uma situação qualquer. Ao relatar aspectos simultâne-
os, não há, na descrição, relação de anterioridade e posterioridade. Ela não
considera a sucessão dos acontecimentos. Caracteriza-se pela concomitância,
o que permite dispor de diversas maneiras, diferentes ordens, os estados e as-
pectos dos seres, objetos, paisagens ou situações descritivas. Isso não interfere
na compreensão do texto, uma vez que esses elementos não mantêm relação
de causalidade.
Narração
Assim como a descrição, também a narração é um texto �gurativo. As trans-
formações de estado devem surgir numa ordem tal que uma pressuponha a
outra. Entre as ações, há uma relação de anterioridade e posterioridade, há
uma progressão de acontecimentos cuja ordem não pode ser alterada para que
não inter�ra na compreensão do texto.
Dissertação
São objetivos da dissertação: a análise e a interpretação das transformações
que ocorrem no mundo, por meio de temas. Nesse tipo de discurso, o enuncia-
dor expõe, de forma explícita, sua opinião, seu julgamento. Ao explicar o mun-
do, as asserções apresentam entre si relações lógicas de causa e efeito, basica-
mente.
As reportagens, que serão objeto de análise, ilustram o que foi a�rmado com
relação à organização do discurso, isto é, que não existe homogeneidade em
sua organização.
[...] um gênero jornalístico diferente da notícia por vários aspectos. O primeiro deles
é que a reportagem não cuida da cobertura de um fato ou de uma série de fatos,
mas do levantamento de um assunto conforme o ângulo preestabelecido (1993, p.
46).
Lage (1993) assevera que, em algumas reportagens, predominam a investiga-
ção e o levantamento de dados e, em outras, interpretações.
Por exemplo, a reportagem Spa urbano alivia tensões do dia a dia inicia-se re-
velando relações de implicação. Trata-se de interpretação da realidade, o que
caracteriza a dissertação.
"A busca pelo bem-estar nas grandes cidades tem levado muitas pessoas a
procurarem os spas urbanos" (RIBELLA, 2005, p. 4).
Em seguida, o autor passa a descrever spas urbanos como a Casa Corpo Spa
Urbano:
A Casa Corpo Spa Urbano, no Jardim Paulista, tem banhos de vinho, chocolate e
sais do Mar Morto. O cliente ainda pode escolher entre os banhos no ofurô ou em
banheiras com hidromassagem e luz para cromoterapia, explica a proprietária do
spa, Érica Gaion (RIBELLA, 2005, p. 4).
O apartamento simples, quase despido, não o satisfazia. Sonhava com casa luxuo-
sa, brilhos de palácio.
Longas economias trouxeram o piso de mármore, alternância de preto e branco pa-
ra passos de valsa. Sacrifícios impostos aos �lhos e à mulher permitiram o lustre
de pingentes, os muitos watts. A cada ano, um novo espelho re�etia acréscimo en-
tre molduras douradas.
Por �m, conquistada a cama com dossel e a banheira de alabastro, sentou-se na
poltrona de alto espaldar. E resvalando sobre os coxins de damasco, entregou-se a
sonhos de simplicidade (1986, p. 34).
As noções de narratividade, tema e �gura são, atualmente, bem exploradas pela teoria semiótica do texto,
de linha francesa.
gp0053-fev-2022-grad-ead-p/)
Objetivos
• Reconhecer a leitura como prática social.
• Veri�car como lidar, de modo e�ciente, com o texto na sala de aula, na
perspectiva da leitura e da produção.
• Analisar as práticas pedagógicas para o ensino e a aprendizagem da lei-
tura e da escrita, em uma perspectiva dos novos e multiletramentos.
Conteúdos
• Concepções de leitura.
• A leitura e a escrita como práticas sociais.
• Estratégias de leitura e escrita.
• Escrita e leitura: contexto de produção e contexto de uso.
• A produção de textos como prática de linguagem e como atividade de
linguagem na escola.
Problematização
O que devemos entender por leitura? Quais fatores e aspectos devemos consi-
derar no processo de leitura e de produção de sentidos? O que são os contex-
tos de produção e de uso envolvidos no processo de produção e análise de
textos? Como entender a produção de textos enquanto atividade de lingua-
gem na escola?
1. Introdução
No primeiro ciclo de aprendizagem, vimos que o texto, oral ou escrito, deve
ocupar um lugar central no ensino da Língua Portuguesa. Neste segundo ciclo
de aprendizagem, teremos contato com algumas concepções de leitura e de
escrita, bem como com alguns fatores envolvidos em ambas, e buscaremos re-
�etir sobre formas pertinentes de se trabalhar o texto em sala de aula, na pers-
pectiva da leitura e da produção.
Assim sendo, ressalta-se que as práticas de leitura e de escrita não devem ser
concebidas, tampouco desenvolvidas, de forma genérica e descontextualiza-
das. Muito pelo contrário: devem partir sempre de situações efetivas de leitura
ou produção de textos pertencentes a gêneros que efetivamente circulam nos
diversos campos de atividade humana (BRASIL, 2018).
2. Texto, contexto e sentido
Diante da discussão apresentada na Introdução deste ciclo, propomos a leitura
dos capítulos 1 e 3 da obra Ler e compreender: os sentidos do texto, de Koch e
Elias (2006), disponível na Biblioteca Virtual Pearson.
Assim sendo, elas apresentam diferentes estratégias de leitura, tais como: se-
leção, antecipação, inferência e veri�cação, que podem ser trabalhadas junto
aos alunos dentro de uma visão de leitura como processo interativo de produ-
ção de sentidos, oferecendo exemplos práticos que ilustram o trabalho que po-
de guiar a prática pedagógica.
Com certeza, você já se perguntou por que muito antes, na escola, fazíamos
uma composição – muitas vezes à vista de uma gravura – depois passamos a
fazer “redação” – principalmente se �zemos o vestibular – e agora pedimos
para nossos alunos fazerem uma “produção de texto”. Será que a mudança de
termos é um modismo ou haveria algo por trás disso?
Você verá que, por trás disso, estão as diferentes concepções de linguagem
constituídas a partir dos estudos dos �lósofos e linguistas sobre a língua e seu
uso no século 20, e por isso o modo de enxergar as práticas de leitura e de es-
crita também mudam, assim como os termos que as identi�cam.
Uma outra coisa que você pode estar se perguntando é: por que a escrita ora é
considerada uma “prática social” e ora os estudiosos dizem que é uma “prática
individual e única e ao mesmo tempo interpessoal e dialógica”? Será que
quando escrevemos somos os únicos a dizer o que dizemos, somos absoluta-
mente originais?
E qual seria o melhor caminho para ensinar a produzir textos? Esperamos que
essas e outras questões deem início a re�exões que você e seus colegas desen-
cadearão e discutirão, com base no aprofundamento dos aspectos aqui somen-
te iniciados, mas referenciados para sua pesquisa.
Nesse contexto, o saber sobre a língua deixa de ser o enfoque principal, dando
vez ao estudo dos códigos comunicacionais. A língua é vista como um conjun-
to de sinais com normas �xas que precisam ser decodi�cado para que ocorra
a compreensão, ou a decodi�cação. O objetivo da escola é desenvolver com-
portamentos do aluno como emissor e recebedor de mensagens por meio da
compreensão e emprego de códigos verbais e não verbais. Assim, as redações
produzidas pelos alunos passaram a ser vistas como atos de comunicação e
expressão.
A redação escolar foi vista como um “não texto”, pois, além de não apresentar,
em muitos casos, determinados padrões de textualidade, suas condições de
produção revelam produtos meramente escolares. Sobre textualidade pode-
mos entender o conjunto de características que fazem com que um texto seja
um texto, e não apenas uma sequência de frases: coesão, coerência, intencio-
nalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade
(VAL, 1991).
A apreciação desse jornalista, que representa uma instituição, sobre o fato de-
sencadeará uma série de estratégias – linguísticas, textuais e discursivas: ele
poderá, por exemplo, escolher determinados trechos das falas das pessoas en-
volvidas com o fato para serem citados na notícia; ou, dependendo dessa aná-
lise de cunho valorativo, poderá citar em discurso direto marcado com aspas
(com o intuito de transmitir objetividade) ou ainda apenas remeter-se às teste-
munhas que presenciaram o fato.
Por essa razão, as aulas de produção de texto não podem estar dissociadas de
leituras com ênfase na compreensão ativa e responsiva que aponta, inclusive,
para uma análise linguística dos textos que se debruce sobre aspectos discur-
sivos con�gurados em um dado gênero.
Todo enunciado tomado isoladamente, bem entendido, é individual, mas cada esfe-
ra social de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enun-
ciados, e é a estes que chamamos de gêneros do discurso.
Por exemplo, a esfera de atuação jurídica tem suas formas estáveis de comu-
nicação: processos, demandas, atas, petições etc. A esfera da medicina utiliza-
se de prontuários, receitas, relatórios, análises, laudos etc. No âmbito da edu-
cação circulam relatórios, planos de aula, planos de ensino, pesquisas, atas,
anotações de aulas, redações, resumos etc.
Podemos concluir, portanto, com base em Bakhtin (1997), que os gêneros são
formas de enunciados produzidas historicamente, que se encontram disponí-
veis na nossa cultura. Entre uma grande variedade deles, podemos encontrar
a notícia, a reportagem, o artigo de opinião, o artigo cientí�co, o romance, o
conto (literário, popular, maravilhoso, de fadas, de aventuras), a fábula, a crôni-
ca, o anúncio, a receita culinária, a receita médica, a tese, a monogra�a, o cor-
del, o poema, o repente, o relatório, o seminário, assim como a palestra, a con-
ferência, o verbete, a parlenda, a adivinha, a cantiga, o pan�eto, o sermão e ou-
tros.
Como esses dois aspectos do texto não se separam porque estão os dois ema-
ranhados um no outro, um dependendo do outro, alguns autores utilizam ora a
expressão “gêneros textuais” e ora “gêneros discursivos”. Uma autora que pode
estabelecer diferenças signi�cativas entre essas duas instâncias, dos pontos
de vista teórico e aplicado, é Rojo (2004).
Essa autora destaca que tanto os conceitos de gêneros textuais quanto de gê-
neros discursivos são resultantes de pontos de vista que têm origem em dife-
rentes releituras da obra de Bakhtin e que, sendo assim, o discurso do linguis-
ta russo é fundador nas duas vertentes.
Para a mesma autora, Rojo (2004), uma análise dos gêneros sob a perspectiva
da linguística textual – também baseada em Bakhtin – estaria, primeiramen-
te, mais voltada para uma descrição linguística das regularidades desse gêne-
ro, descrevendo exaustivamente as propriedades do texto e suas formas de
composição. Nessa perspectiva, buscam-se, na leitura de um grupo de gêneros
similares, regularidades que o estruturem como tal, para somente depois
colocá-lo em relação com aspectos da situação social ou de enunciação.
Podemos notar que, para de�nir essa noção, há duas orientações principais:
aquela que está mais voltada para as características formais dos textos, justi�-
cando a denominação “gêneros de textos”, e outra, mais voltada para as condi-
ções de produção do discurso e sua natureza comunicacional, que justi�ca a
denominação de “gêneros do discurso”.
A notícia
1. Conteúdo temático:
o tema/ assunto diz respeito ao relato de fatos que se supõe que sejam de
interesse da população em geral; retrata um fato real e pode ser compro-
vado;
2. Aspectos composicionais:
o relato do fato deve se dar por hierarquia e importância suposta; a notí-
cia está estruturada em três partes principais: título, lead e corpo do texto;
3. Recursos de estilo:
em uma notícia, predomina o uso de termos e construções típicas do jar-
gão (por exemplo, o jargão policial: “O elemento adentrou o recinto”, “A
que horas se deu o ocorrido?”); a terceira pessoa imparcial; seu registro
deve ser objetivo, mas toma características mais formais ou menos for-
mais conforme a esfera social, popular ou culta, em que circula o jornal
no qual está inserida.
A crônica literária
1. Conteúdo temático:
em uma crônica literária, há o relato pessoal de situações corriqueiras do
dia a dia que poderiam acontecer a todos nós, ou seja, um autor relata de
forma artística e pessoal fatos colhidos no noticiário jornalístico ou no
cotidiano;
2. Aspectos composicionais:
o texto é curto e leve, organizando-se também em torno dos elementos
básicos da narrativa: fatos, personagens, tempo e lugar;
3. Recursos de estilo:
por narrar um fato cotidiano, �ctício ou não, com linguagem literária, o
estilo é acessível a várias esferas de atividades, como leitura de entrete-
nimento em que os leitores podem se identi�car com muitos dos perso-
nagens.
O editorial
1. Conteúdo temático:
em um editorial, quem escreve tem a intenção e o objetivo de mostrar a
opinião do jornal a respeito de uma determinada questão controversa de
relevância social, originária de algum acontecimento, buscando conven-
cer os leitores de que a ideia defendida pelo jornal é a mais assertiva;
2. Aspectos composicionais:
a tese ou ponto de vista é fundamentado por comparações, exempli�ca-
ções, depoimentos, pesquisas, citações, retrospectivas históricas; o texto
organiza-se em três partes: introdução, desenvolvimento e conclusão;
3. Recursos de estilo:
a linguagem é clara, objetiva, impessoal; uso do padrão formal da língua.
A reportagem
1. Conteúdo temático:
em uma reportagem, há a apresentação de fatos que interessam ao públi-
co a que se destina o jornal ou a revista, mas de forma mais aprofundada
que na notícia; costuma estabelecer conexões entre o fato central e fatos
paralelos;
2. Aspectos composicionais:
na reportagem, aparecem título, lead e corpo do texto, que fazem cone-
xões com boxes informativos, citações, entrevistas, dados estatísticos e
fotogra�as;
3. Recursos de estilo:
em uma reportagem, a linguagem é impessoal, objetiva, direta, de acordo
com o padrão culto da língua.
O depoimento
1. Conteúdo temático:
em um depoimento, quem escreve relata episódios marcantes de sua vida
pessoal, constituindo-se esses textos em importantes documentos histó-
ricos, pois registram testemunhos verdadeiros sobre um fato;
2. Aspectos composicionais:
o relato respeita a ordem dos fatos ocorridos, apresentando os elementos
básicos da narrativa: sequência de fatos, pessoas, tempo, espaço. Assim, é
importante nessa forma o uso de determinados conectivos para garantir
a coesão textual; o narrador é o protagonista da história;
3. Recursos de estilo:
em um depoimento, os verbos são empregados predominantemente em
primeira pessoa, oscilando entre o pretérito perfeito e o presente do indi-
cativo. Pode ser empregado o padrão culto e formal, bem como o padrão
culto e informal da língua.
O interrogatório
1. Conteúdo temático:
o interrogatório consiste em um diálogo que retrata uma relação formal
entre pessoas de esferas de atuação diferentes envolvidas num espaço
concreto. Por isso, sua composição prevê o registro do diálogo entre a au-
toridade e o interrogado de modo formal e padronizado.
2. Aspectos composicionais:
em um interrogatório, registram-se detalhes da cena presenciada ou das
informações obtidas;
3. Recursos de estilo:
há o registro formal dos fatos, o que prevê uma escolha minuciosa dos
tempos (pretérito, futuro, presente), do modo (indicativo, subjuntivo, im-
perativo), da voz verbal (passiva/ ativa) e a escolha da pessoa (relato/ nar-
rativa em 1ª ou 3ª pessoa). Há o registro formal dos diálogos entre a auto-
ridade e o interrogado.
A conversa telefônica
1. Conteúdo temático:
em uma conversa telefônica, a gama de temas é muito maior: aconteci-
mentos pessoais, conselhos, pedidos, convites etc.
2. Aspectos composicionais:
percebemos as marcas do texto oral, em forma de diálogo, em primeira
pessoa, sobretudo quando iniciado diretamente com as falas dos persona-
gens;
3. Recursos de estilo:
característica da informalidade da linguagem, maior ou menor, conforme
o interlocutor e sua esfera de atuação.
Apesar de termos um conhecimento internalizado, pela vivência em socieda-
de, sobre uma grande variedade de gêneros que circulam na nossa esfera de
atuação, sempre que quisermos aprofundar uma leitura ou produzir um texto
mais elaborado teremos de pesquisar sobre eles.
Como você pode constatar, para que consigamos nos comunicar, usamos “for-
mas enunciativas” mais ou menos conhecidas e compartilhadas dentro de
uma esfera social especí�ca, já internalizadas por outros usuários da língua,
capazes de viabilizar a comunicação. Os gêneros discursivos funcionam, por-
tanto, como modelos textuais sobre como produzir e atribuir sentidos em situ-
ações de interação diversas.
Os textos de gêneros que circulam na área do Direito, por exemplo, podem ser
estranhos a pessoas que lidam mais com a área da arte, da saúde ou outra.
Textos de gêneros que circulam na área médica poderão ser desconhecidos
para a maioria das pessoas. Gêneros que circulam na área administrativa, por
exemplo, contratos de locação, podem ser incompreensíveis para muitas pes-
soas, pois usam termos técnicos, organizações próprias.
Essa ocorrência não signi�ca que deveríamos saber escrever todos esses gê-
neros, mas que a familiaridade com a leitura e a re�exão sobre eles permite
nos apropriarmos da sua forma de organização, da recorrência de suas temáti-
cas, de seu estilo e possibilitar-nos sua compreensão. Conhecer um grande
número de gêneros textuais, porém, não signi�ca ser capaz de escrevê-los. Por
exemplo, conhecer de perto a esfera jornalística não signi�ca que saibamos
produzir uma reportagem ou um artigo de opinião; podemos apreciar obras li-
terárias e até conviver nesse meio sem que nos tornemos escritores, poetas ou
romancistas. Isso porque não circulamos por todas as esferas sociais. Muitas
pessoas não frequentam o meio acadêmico, o religioso ou o musical.
Com certeza, essa é uma tarefa que compete à escola: ensinar aos alunos as
características dos gêneros mais complexos, que não são aprendidos esponta-
neamente nas situações do cotidiano. Quanto mais e melhor conhecermos es-
ses gêneros, maior facilidade de compreensão e de produção de textos teremos
e maiores possibilidades de nos fazermos compreender, tanto oralmente como
por escrito.
Mas essa não é uma tarefa fácil, convenhamos, pois para muitos aprendizes
expressar suas ideias oralmente é um processo natural; porém, o processo de
registrar essas ideias em um texto escrito representa um trabalho árduo e in-
tenso.
[...] as práticas escolares brasileiras tendem a formar leitores apenas com as capa-
cidades mais básicas de leitura, ligadas à extração simples de informação de textos
relativamente simples.
Para ensinar os alunos a dominar, de forma gradual, um gênero de texto que
circula socialmente, a melhor metodologia é a de sequências didáticas.
3) Trabalhar com outros textos do mesmo gênero, produzidos por adultos ou por
outros alunos. Diversi�car as referências e apresentar um conjunto variado de tex-
tos pertencentes a um mesmo gênero, propondo sua leitura e comparação, é sem-
pre uma base importante para a realização de outras atividades.
As matérias dos mais diferentes veículos ditos “de imprensa” – jornais, revistas, si-
tes, telejornais etc., têm o objetivo de nos contar o que acontece à nossa volta.
Analisar e comentar esses fatos faz parte da função jornalística, que é oferecer ao
público em geral um retrato o mais �el possível da realidade, colaborando para sua
análise, discussão e transformação.
Por isso, apresentaremos resumidamente essa sequência didática para o tra-
balho com artigos de opinião, gênero da esfera jornalística, organizada por
Gagliardi e Amaral (2010, p. 12), no volume Pontos de vista, da coleção
Olimpíada de Língua Portuguesa, 2ª edição, “Escrevendo o futuro”.
1ª – etapa
Primeiro artigo
Uma vez realizado o debate sugerido na o�cina anterior, proponha aos alunos a
escrita de um artigo de opinião com base em uma das questões polêmicas escolhi-
das por eles.
Depois disso, oriente a turma para planejar a escrita de acordo com os questiona-
mentos:
1. Que aspecto da polêmica será discutido?
2. Qual opinião ou tese será defendida a esse respeito?
3. Que argumentos principais serão utilizados para isso?
4. De quais fatos ou dados deve-se partir?
5. O que será escrito na “Introdução”, de forma que possa indicar ao leitor qual é
o contexto da discussão?
6. Como serão desenvolvidos os argumentos de forma que �quem bem claros?
7. Como se pretende concluir?
8. Que título será mais adequado para já situar o leitor acerca da tese defendida
e despertar o interesse dele?
Por �m, peça a cada aluno que escreva um artigo, procurando seguir o planeja-
mento feito. Anuncie que o processo de escrita pode levá-los a repensar o planeja-
mento. Nesse caso, devem estar atentos para a repercussão que as alterações terão
sobre os outros elementos do texto, ou seja, se resolverem mudar a tese no meio do
caminho, será preciso veri�car se a nova opinião também é compatível com a po-
lêmica. E muito provavelmente será preciso estabelecer outros argumentos e par-
tir de novos dados.
Terminada essa fase, peça aos alunos que releiam o que escreveram – agora como
possíveis leitores do artigo. Caso haja tempo, sugira que troquem os textos entre si,
fazendo comentários e sugestões. Só depois da releitura ou da leitura de um cole-
ga é que o aluno deverá rever o texto para escrever a versão �nal.
Explique-lhes que esse texto permitirá a você fazer uma avaliação inicial do nível
de compreensão dos alunos, bem como daquilo que ainda necessitam aprender
sobre artigo de opinião.
Primeira escrita
A produção inicial indica o que os alunos já sabem sobre o gênero e dá pistas para
que o professor possa intervir adequadamente no processo de aprendizagem.
Esse primeiro texto também é importante para que os alunos avaliem a própria
escrita. Com sua ajuda, eles serão capazes de perceber o que é preciso melhorar e
poderão envolver-se mais nas atividades das o�cinas. Além disso, será possível
comparar essa produção com o texto �nal e identi�car os avanços, realizando-se
um processo de avaliação continuada.
Após a primeira escrita do texto dos alunos, o professor já poderá avaliar quais
traços de um artigo de opinião eles já demonstram conhecer ou dominar, para
poder continuar orientando-os quanto à sustentação da tese, quanto aos tipos
de argumentos, quanto às formas de articulação das orações, en�m, quanto ao
estilo.
10. Considerações
Ao longo destes dois primeiros ciclos de aprendizagem, estudamos que, em
cada esfera de atividade humana, em função de seus objetivos e interesses es-
pecí�cos, os sujeitos elaboram diferentes enunciados ou textos, orais ou escri-
tos, com características relativamente estáveis, como produtos da atividade
discursiva. Vimos, também, que essas formas de se comunicar, as quais deno-
minados de gêneros textuais ou discursivos, �cam disponíveis para os con-
temporâneos que se apropriam delas como modelos e as transmitem às gera-
ções posteriores.
[...] as práticas escolares brasileiras tendem a formar leitores apenas com as capa-
cidades mais básicas de leitura, ligadas à extração simples de informação de textos
relativamente simples.
Pois bem, agora que já discutimos que os processos de leitura e escrita, en-
quanto práticas sociais de linguagem, envolvem tanto um olhar para o discur-
so que permeia o texto quanto um olhar para os aspectos textuais que con�gu-
ram o mesmo texto, entendendo que estes aspectos não podem ser separados,
uma vez que estão emaranhados e são dependentes um do outro, passemos,
então, no próximo ciclo, a estudar os aspectos textuais que devem ser conside-
rados no momento de sua análise e produção, re�etindo, principalmente, so-
bre os conceitos de coerência e coesão, intertextualidade e fatores de textuali-
dade.
(https://md.claretiano.edu.br/anaprotex-
gp0053-fev-2022-grad-ead-p/)
Objetivos
• Re�etir sobre os aspectos textuais que devem ser considerados no mo-
mento da análise e da produção textual.
• Conhecer e compreender os conceitos de coerência, coesão e intertextu-
alidade, compreendendo como utilizá-los no momento da produção tex-
tual.
Conteúdos
• Coerência e coesão.
• Intertextualidade.
Problematização
O que você entende por coerência e coesão textual? O que é coerência interna
e coerência externa? Você é capaz de identi�car elementos de coerência e co-
esão em um texto? Quais competências facilitam a compreensão de textos? O
que é intertextualidade? O que é e quais são os fatores de textualidade?
1. Introdução
Nos ciclos anteriores, estudamos os processos de leitura e escrita, compreen-
didos enquanto práticas sociais de linguagem. Vimos, também, que a análise e
compreensão do produto dessas práticas, o texto, depende de dois olhares: um,
direcionado para o discurso, com atenção aos seus fatores de produção (quem
o produziu? Quando ele foi produzido? Com qual �nalidade foi escrito?, entre
outras questões); o outro, dirigido para os aspectos textuais que o con�guram.
Mesmo entendendo que esses aspectos não podem ser separados, uma vez
que estão emaranhados e são dependentes um do outro, neste terceiro ciclo de
aprendizagem nos ocuparemos dos aspectos textuais, re�etindo, principal-
mente, sobre os conceitos de coesão, coerência e intertextualidade, compreen-
dendo o impacto dos mesmos para a produção textual.
2. Coesão textual
Segundo Felizardo et al (2014),
Um texto é bem mais que uma mera junção de enunciados, um aglomerado de sig-
nos esparsos e desconexos. Para se produzir ou compreender um texto, é necessá-
ria uma competência textual. Nesse sentido, todo falante tem a capacidade de dife-
renciar um texto de uma justaposição desordenada de enunciados (p. 54).
Por mais competentes textualmente que sejamos, é preciso que o texto, para
ser compreendido, apresente alguns elementos para que seja, de fato, mais que
um emaranhado desconexo de signos ou uma “justaposição desordenada de
enunciados”. Um destes elementos fundamentais consiste na coesão textual,
que pode ser entendida como um recurso linguístico que estabelece as rela-
ções de sentido no interior de um texto, ou, ainda, como um conjunto de fato-
res que auxiliam na estruturação da sequência super�cial de um tex-
to (KOCH, 2010).
Koch (2010), por outro lado, apresenta, entre outros, o modelo proposto por
Halliday & Hasan (1976), que distinguem cinco mecanismos de coesão, que
são: referência, substituição, elipse, conjunção e coesão textual.
Antes de darmos início aos nossos estudos, é importante termos algumas no-
ções claras sobre texto, discurso, coerência e coesão, elementos essenciais pa-
ra o bom entendimento de todas as discussões aqui propostas. Lembramos
que, de acordo com Fávero (2004), na obra Coesão e coerência textuais, um
texto é bem mais que uma mera junção de enunciados, um aglomerado de sig-
nos esparsos e desconexos. Para se produzir ou compreender um texto, é ne-
cessária uma competência textual. Nesse sentido, todo falante tem a capaci-
dade de diferenciar um texto de uma justaposição desordenada de enuncia-
dos.
Entretanto, é preciso salientar que esse conhecimento não basta para que pos-
samos elaborar ou compreender um texto coerente e coeso. A leitura é funda-
mental, uma vez que nos permite ampliar nossos horizontes do saber, nossas
potencialidades de escrita e nossa destreza no uso das palavras. Di�cilmente
um não leitor conseguirá elaborar um texto bem engendrado e bem estrutura-
do.
Um texto é, para usarmos uma velha metáfora, uma verdadeira teia, uma rede
e, como toda trama, é composto por junturas, fragmentos conectados. A coe-
são refere-se, conforme aponta Fávero, "aos modos como os componentes de
um universo textual, isto é, as palavras que ouvimos e vemos, estão ligados
entre si dentro de uma seqüência" (2004, p. 10).
Coesão referencial
Certos elementos gramaticais têm a função de estabelecer referência, ou seja,
eles não têm, semanticamente, um sentido próprio, pois fazem referência a al-
gum termo já mencionado ou que ainda será mencionado ao longo do discur-
so. Vejamos o exemplo a seguir:
Clarice Lispector é uma grande escritora brasileira. Ela foi responsável por
uma verdadeira revolução na literatura de nosso país.
Substituição
José não gostou do Maranhão. Lá o calor é insuportável para ele. = "Lá" – pró-
forma adverbial.
A coesão referencial por substituição pode ser tanto anafórica quanto catafóri-
ca.
Francisca Júlia foi uma poeta sensível à fugacidade da vida. Ela escreveu um
livro chamado "Sonhos poéticos". = o pronome "Ela" retoma "Francisca Júlia".
Neste caso, houve uma anáfora.
A coesão referencial catafórica faz referência a uma palavra que ainda virá.
Exemplo:
De tudo no seu rosto, o que mais amei foi isto: o seu olhar. = o pronome de-
monstrativo "isto" remete ao que vem em seguida, ou seja, "o seu olhar". Neste
caso, houve uma catáfora.
Pedro é órfão. Ele os amava muito. = Nesse caso, não se pode resgatar os ter-
mos que se encontram na superfície profunda. Isso só se pode dar cognitiva-
mente: órfão = perdeu os pais.
Se o narrador desse enunciado não tem apartamento, como tal espaço pode
ser amplo?
# À fazenda.
# Sozinho?
Desse modo, vimos como a coesão acontece por substituição. Vamos prosse-
guir?
Reiteração
2. Por sinônimos:
O cão latiu desordenadamente. Esse cachorro é muito bravo.
3. Hiperônimos e hipônimos:
Quando, no texto, o elemento que aparece primeiro possui uma relação com o
segundo de todo-parte, classe-elemento, temos o hiperônimo:
Gosto muito de massas. Macarronada é a que eu mais gosto.
O leitor precisa saber que Cordisburgo, cidadezinha mineira, além de ser a ter-
ra natal do autor, é uma referência geográ�ca importante, pois o lirismo da
obra de Rosa é marcado pela cultura do interior mineiro.
5. Nomes genéricos:
Até que o mar, quebrando um mundo, anunciou de longe que trazia nas suas
ondas coisa nova, desconhecida, forma disforme que �utuava, e todos vieram
à praia, na espera... E ali �caram, até que o mar, sem se apressar, trouxe a coi-
sa, e depositou na areia surpresa triste, um homem morto... - coisa anuncia a
palavra homem.
Coesão recorrencial
Após aprendermos o que é coesão referencial, agora, vamos estudar a coesão
recorrencial. Tal coesão ocorre quando, paralelamente à retomada de determi-
nadas estruturas (itens ou sentenças), acontece a progressão das informações.
Retoma-se um determinado termo ou estrutura sintática para que o conteúdo
semântico do texto caminhe.
Recorrência de termos
Irene preta
Irene Boa
Irene sempre de bom humor [...]
(BANDEIRA apud FÁVERO, 2004, p. 36).
Nesse texto, a recorrência do termo Irene faz o leitor caminhar da superfície
da personagem (a cor da pele) ao seu âmago, sua essência espiritual (bom hu-
mor).
Paralelismo
O paralelismo ocorre quando, de acordo com Fávero (2004, p. 40), "as estrutu-
ras são reutilizadas, mas com diferentes conteúdos". Há, portanto, uma mes-
ma estrutura sintática, porém com conteúdos distintos:
Paráfrase
De acordo com Fuchs (apud FÁVERO, 2004, p. 29), a paráfrase é uma reformula-
ção em que "bem ou mal, na totalidade ou em parte, �elmente ou não, se res-
taura o conteúdo de um texto-fonte, num texto derivado". A paráfrase, portan-
to, caracteriza-se por uma reformulação de conteúdo. Reelabora-se um deter-
minado texto, reorganizando-o em estruturas sintáticas distintas. Entretanto,
tal procedimento caracteriza-se pela �delidade às ideias do texto parafrasea-
do.
todo e qualquer texto tem uma multivocidade inerente (= muitas leituras); o enunci-
ador faz sempre uma interpretação do texto-fonte e, assim, não só o restaura de
modo diferente, mas também faz uma interpretação do texto-derivado no momento
em que o produz como paráfrase.
• Texto: a utopia nasce de uma insatisfação. Aquele que passa por uma si-
tuação de desprestígio necessita de ter esperança para poder atuar no
mundo, modi�cando-o.
• Paráfrase: da insatisfação nasce a utopia. Os utópicos, por viverem uma
situação de negatividade, precisam acender a vontade de mudanças, para
melhorarem o mundo.
Recursos fonológicos
Tais recursos têm caráter fonológico, ou seja, são elementos que imprimem
ritmo e musicalidade ao discurso. Elencamos, para você, os seguintes recur-
sos fônicos da linguagem:
1. Ritmo
A repetição de palavras (cai não cai) faz com que o texto ganhe ritmo.
Coesão sequencial
A coesão sequencial, assim como a recorrencial, tem como função fazer pro-
gredir o conteúdo informacional do texto. Todavia, diferente dessa última, a
coesão sequencial não se elabora por retomadas ou anunciação de termos,
mas por elementos que entrelaçam os vários seguimentos textuais, determi-
nando, inclusive, o conteúdo semântico das frases. Tomemos como exemplo o
uso da conjunção adversativa "mas". Ela estabelece, semanticamente, uma
oposição de termos ou ideias. Assim, em "Clara é bela, mas também chata", o
"mas" é usado adequadamente, pois há uma oposição de valores entre os adje-
tivos "bela" e "chata". Isso, por sua vez, não ocorre em "Clara é bela, mas en-
cantadora". Nesse último caso, o uso do "mas" torna-se inadequado, pois ele
não estabelece uma contraposição.
Sequenciação
Num texto, tudo é relação. Cada fragmento textual está conectado a outros.
Essa conexão, entrelaçamento de signi�cados, está assentada sobre "operado-
res discursivos e pausas". Esses operadores têm a função de estabelecer as re-
lações semânticas entre os vários enunciados. Por meio de encadeamentos,
tais operadores estruturam a construção dos períodos, dando um senso, um
direcionamento argumentativo ao texto.
Operadores de discurso
Pausas
Indicadas na escrita por dois-pontos, vírgula, ponto-e-vírgula ou ponto-�nal.
Tal pontuação substitui os conectores:
Esperamos que, com o estudo dessas importantes informações, você possa es-
crever textos coesos, em que os fragmentos estejam bem conectados e estru-
turados. Passemos, pois, a estudar a coerência.
3. Coerência textual
Para se redigir um bom texto, não são apenas necessários conhecimentos de
base, como o bom uso da gramática ou da coesão. É de suma importância es-
tabelecer, entre as partes de texto, uma relação lógica, ou melhor, é preciso não
se contradizer ao longo da malha textual.
Nesse aspecto, não se esqueça, caro aluno, de que o texto é, antes de tudo, uma
unidade de sentido. Ao enunciar uma mensagem, o emissor precisa ser bem
compreendido. Eis a importância de se evitar a incoerência: textos incoeren-
tes di�cultam a compreensão textual.
Ele queria muito um trabalho e sua namorada tinha ido para o exterior, a �m
de fazer compras no supermercado. Lá, nos Estados Unidos, ele conseguiu, en-
�m, �car desempregado. Por isso dormia, todos os dias, nos calçadões de
Copacabana. Sua esposa era uma mulher de �bra.
Mário nunca soube quem era sua família biológica. Quando criança, fora
abandonado pela mãe. Agora, já adulto, Mário descobriu que tem, no Paraná,
uma irmã. Ela nasceu bem depois de Mário. Sabendo disso, perguntei a ele se
ela era sua irmã mais velha.
Fica bem explícito que a irmã de Mário era mais jovem, portanto não faz senti-
do a indagação �nal, em que o narrador pergunta a Mário se sua irmã era
mais velha.
Se Joana ia morrer, como ela poderia, em breve, estar nas ruas com sua vida
intacta?
Nos aeroportos, os voos, todos os dias, saem com pelo menos três horas de
atraso. Foi bom chegar a Congonhas duas horas antes do embarque. Assim,
com pontualidade britânica, poderia chegar mais cedo à sua casa.
É absurdo chegar mais cedo ao aeroporto, visto que os voos saem com atraso.
Conforme Charolles (1988, p. 59-60), “uma idéia apresentada no texto não pode
contradizer a outra". Portanto, ao escrever um texto, precisamos ser �éis ao
sentido, necessitamos de ter conhecimento sobre o mundo e a linguagem, pa-
ra evitarmos contradições e oposições de ideias, capazes de prejudicar a com-
preensão do texto.
Conhecimento linguístico
Conforme aponta Koch (1999, p. 53), “os elementos lingüísticos têm grande im-
portância para o estabelecimento da coerência". Eis o que a autora a�rma so-
bre tal questão:
[...] é a coerência que determina, em última instância, que elementos vão constituir
a estrutura super�cial lingüística do texto e como eles vão estar encadeados na
sequência lingüística super�cial, e isto é su�ciente para deixar claro que a recupe-
ração desta coerência passa pelas marcas lingüísticas. Muitos autores inclusive
chamam a atenção para a relação do lingüístico com o conceitual-cognitivo (co-
nhecimento de mundo) e com o pragmático, o que reforça ainda mais a importân-
cia das marcas linguísticas como pistas para o cálculo do sentido e, portanto, da
coerência do texto. (1999, p. 54)
Conhecimento de mundo
Saber sobre o mundo, ter informações sobre o que se passa ao nosso redor e
também nos lugares distantes de nós, ajuda-nos a compreender inúmeros tex-
tos e a escrever textos coerentes. Conforme Koch (1999, p. 60):
Situacionalidade
No segundo caso, "é preciso lembrar que o texto tem re�exos importantes so-
bre a situação, visto que o mundo textual não é jamais idêntico ao mundo real”
(KOCH, 2004, p. 45). Ao produzir um texto, sempre reconstruímos o mundo de
acordo com a nossa cosmovisão, nossa subjetividade. Por sua vez, tal texto é
interpretado de acordo com a visão de mundo dos nossos interlocutores.
Informatividade
Intencionalidade
Todo texto possui uma intenção. Os textos instrucionais, por exemplo, servem
para orientar uma determinada ação, como, por exemplo, a bula de remédio. A
intenção de tais textos é de ordem pragmática e estão, portanto, autuando nas
ações físicas e fenomênicas. A incoerência pode se acontecer quando os �ns
não se adéquam à intenção.
Esses são alguns dos fatores a in�uir na questão da coerência. Saber identi�-
car tais questões é de suma importância para podermos dominar os meios
técnicos e produzir textos devidamente coerentes.
Ainda segundo a autora, o conceito de coerência é de difícil de�nição, motivo pelo qual, no capítulo 2, inti-
tulado Conceito de Coerência, da obra A Coerência Textual (KOCH, 2010), que indicamos para leitura, ela
de�ne coerência “através da apresentação de vários aspectos e/ou traços que, em seu conjunto, permitem
perceber o que esse termo signi�ca” (p. 23). Desta mesma obra, você deve ler também o capítulo 4, denomi-
nado Fatores de Coerência, no qual Koch (2010) aborda os fatores linguísticos, discursivos, cognitivos, cul-
turais e interacionais dos quais decorre a coerência.
4. A Intertextualidade
A intertextualidade ocorre quando um texto cita, parodia ou revela semelhan-
ças estruturais e temáticas com outros textos. Conforme a�rmam Fiorin e
Savioli (2006):
[...] com muita freqüência um texto retoma passagens de outro. Quando um texto de
caráter cientí�co cita outros textos, isso é feito de maneira explícita. O texto citado
vem entre aspas e em nota indica-se o autor e o livro donde se extraiu a citação [...].
Num texto literário, a citação de outros textos é implícita, ou seja, um poeta ou ro-
mancista não indica o autor e a obra donde retira as passagens citadas, pois pres-
supõe que o leitor compartilhe com ele um mesmo conjunto de informações a res-
peito das obras que compõem um determinado universo cultural. Os dados a res-
peito dos textos literários, mitológicos, históricos são necessários, muitas vezes, pa-
ra compreensão de um texto (2006, p. 19).
Quadrilha
Quadrilha da sujeira
João joga um palitinho de sorvete na
rua de Teresa que joga uma latinha de
refrigerante na rua de Raimundo que
joga um saquinho plástico na rua de
Joaquim que joga uma garra�nha
velha na rua de Lili.
Lili joga um pedacinho de isopor na
rua de João que joga uma embalagenzinha
de não sei o quê na rua de Teresa que
joga um lencinho de papel na rua de
Raimundo que joga uma tampinha de
refrigerante na rua de Joaquim que joga
um papelzinho de bala na rua de J.Pinto
Fernandes que ainda nem tinha
entrado na história (AZEVEDO, 2010).
Observe que, no segundo poema, Ricardo Azevedo muda o sentido do texto de
Drummond, inserindo a questão do problema do lixo na vida moderna.
Complemente seus estudos com a leitura do capítulo Coesão Textual: conceito e mecanismos, da obra A
Coesão Textual, de Koch (Biblioteca Virtual, 2010.)
5. Considerações
Ao longo deste terceiro ciclo de aprendizagem, nos ocupamos de três concei-
tos – coesão, coerência e intertextualidade – que possibilitam a compreensão
textual e tornam o texto mais claro e bem tecido, tanto do ponto de vista sintá-
tico, quanto semântico. Vimos, assim, que a coesão está ligada à estrutura tex-
tual, sua materialidade, enquanto a coerência está mais ligada ao plano das
ideias.
No próximo ciclo de aprendizagem, continuaremos nos ocupando do texto,
conseguindo diferenciar um texto �gurativo de um texto temático e analisan-
do os níveis de estrutura textual.
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Objetivos
• Diferenciar textos �gurativos de textos temáticos, conhecendo suas
principais características.
• Discutir os níveis de estrutura textual, re�etindo sobre seus impactos
para a compreensão textual.
• Diferir texto literário do não literário.
Conteúdos
• Texto �gurativo e texto temático.
• Níveis de estrutura textual.
• Texto literário e não literário
Problematização
Como é o processo de estruturação de um texto �gurativo? Como um texto te-
mático é caracterizado? Há distinção entre um texto temático e um texto �-
gurativo? Quais são as principais diferenças entre um texto literário e um
texto não literário? Como essas distinções nos ajudam na compreensão e na
produção de diversos textos? Quais são os níveis da estrutura textual? Como
o entendimento dos níveis de leitura nos conduz a uma compreensão mais
fecunda do texto?
1. Introdução
Nos primeiros dois ciclos de aprendizagem, nós estudamos os conceitos de gê-
neros textuais/discursivos e tipos textuais. Naquele momento, você teve a
oportunidade de diferenciar os dois conceitos, compreendendo que gêneros
dizem respeito às categorias discursivas relativamente estáveis de enuncia-
dos, que circulam nas diferentes esferas da comunicação humana, sendo ca-
racterizados pelo conteúdo, estilo e construção composicional; já o tipo textu-
al, por sua vez, diz respeito a uma sequência de�nida pela natureza linguística
de sua composição, o que quer dizer que está mais relacionado com as ques-
tões estruturais da língua (determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, re-
lações lógicas e tempo verbal).
Além dos conceitos acima, também podemos analisar o texto a partir de ou-
tras categorias, como texto �gurativo e texto temático, que nos ajudam, por
sua vez, a de�nir melhor o tipo e o gênero do texto.
Assim sendo, iremos estudar, neste ciclo, as formas textuais que marcam o
discurso dissertativo e o literário. Você poderá observar as características es-
pecí�cas de um texto literário, sua forma de organização, sua estrutura, bem
como a maneira ideal de interpretá-lo. Diferentemente do texto �gurativo, vo-
cê verá que o texto temático, de ordem re�exiva, terá outras maneiras de ser
lido, interpretado e escrito (FELIZARDO et al, 2014, 80).
Pois bem, vamos a partir de agora de�nir algumas diferenças entre o texto li-
terário e o não literário, alguns fatores que condicionam essas duas formas
discursivas.
O leão era orgulhoso e forte, o rei da selva. Um dia, enquanto dormia, um minúsculo rato correu pelo
seu rosto. O grande leão despertou com um rugido. Pegou o ratinho por uma de suas fortes patas e le-
vantou a outra para esmagar a débil criatura que o incomodara.
- Ó, por favor, poderoso leão – pediu o rato. Não me mate, por favor. Peço-lhe que me deixe ir. Se o �-
zer, um dia eu poderei ajudá-lo de alguma maneira.
Isso foi para o felino uma grande diversão. A ideia de que uma criatura tão pequena e assustada co-
mo um rato pudesse ser capaz de ajudar o rei da selva era tão engraçada que ele não teve coragem de
matar o rato.
Dias depois, um grupo de caçadores entrou na selva. Decidiram tentar capturar o leão. Os homens
subiram em duas árvores, uma de cada lado do caminho, e seguraram uma rede lá em cima.
Mais tarde, o leão passou despreocupadamente pelo lugar. Os homens, então, jogaram a rede sobre o
grande animal. O leão rugiu e lutou muito, mas não conseguiu escapar.
Os caçadores foram comer e deixaram o leão preso à rede, incapaz de se mover. O leão rugiu por aju-
da, mas a única criatura na selva que se atreveu a aproximar-se dele foi o ratinho.
- Oh, é você? – disse o leão. Não há nada que possa fazer para me ajudar. Você é tão pequeno!
- Posso ser pequeno – disse o rato, mas tenho os dentes a�ados e estou em dívida com você.
E o ratinho começou a roer a rede. Dentro de pouco tempo, ele �zera um furo grande o bastante para
que o leão saísse da rede e fosse se refugiar no meio da selva.
Você deve ter notado que, no primeiro caso, temos um texto em que predomi-
nam palavras concretas: leão, caçador, rato, rei etc. Consequentemente, pode-
mos encontrar verbos de ação, também concretos: jogar, rugir, fazer, grunhir
etc.
Portanto, a fábula de Esopo, por ser constituída por palavras mais concretas, é
chamada de texto �gurativo. Tais palavras, por sua vez, são nomeadas, nos es-
tudos de linguística textual, de �guras. Recapitulando:
O segundo discurso, por ter sido elaborado com palavras abstratas, chamadas
de temas, é nomeado de texto temático. Recapitulando:
Vejamos o que dois importantes teóricos, Fiorin e Savioli, têm a dizer a respei-
to dos temas e das �guras:
Há, pois, dois níveis de concretização dos esquemas narrativos: o temático e o �gu-
rativo. Este é mais concreto do que aquele. Conforme o modo de concretização da
estrutura narrativa, temos dois tipos de texto: os textos temáticos e os �gurativos.
Estes criam um efeito de realidade, pois constroem uma cena real com gente, bi-
chos, cores, etc. Por isso representam o mundo no texto. Aqueles procuram explicar
os fatos e as coisas do mundo, buscam classi�car, ordenar e interpretar a realidade.
[...] (FIORIN; SAVIOLI, 2006, p. 72).
Agora que de�nimos o que é texto �gurativo e temático, vejamos outros fatores
importantes ligados a essas duas tipologias textuais.
Conforme pudemos notar, o texto �gurativo, por ser mais concreto, correspon-
de à expressão literária. Os textos literários tendem a ser mais concretos. Em
outro sentido, os textos temáticos, por categorizarem e se atentarem para a or-
ganização do mundo, são predominantemente não literários, dissertativos e,
portanto, re�exivos.
Como o nível temático e o nível �gurativo são dois níveis sucessivos de concretiza-
ção, podemos ter textos temáticos, isto é, sem a cobertura �gurativa, mas todo texto
�gurativo pressupõe, sob as �guras, um tema. Assim, para entender um texto �gu-
rativo é preciso alcançar seu nível temático. [...] Um texto �gurativo sempre joga
com dados concretos para, por meio deles, revelar signi�cados mais abstratos
(2006, p. 72-73).
Leremos agora outra fábula, esta bem humorada, do grande escritor Millôr
Fernandes:
Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para veri�car se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos ti-
nham mudado muito, as condições do progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das
feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom inda-
gar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar-se é uma das
constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consa-
gração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses. Assim o
Leão encontrou o Macaco e perguntou: “Hei, você aí, macaco - quem é o rei dos animais?” O Macaco,
surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais
alto galho da mais alta árvore da �oresta: “Claro que é você, Leão, claro que é você!”.
Satisfeito, o Leão continuou pela �oresta e perguntou ao papagaio: “Currupaco, papagaio. Quem é, se-
gundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?” E como aos papagaios não é dado o dom de
improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: “Currupaco... não é o Leão? Não é o Leão?
Currupaco, não é o Leão?”.
Cheio de si, prosseguiu o Leão pela �oresta em busca de novas a�rmações de sua personalidade.
Encontrou a coruja e perguntou: “Coruja, não sou eu o maioral da mata?” “Sim, és tu”, disse a coruja.
Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais �rme no passo, mais alto de cabeça.
Encontrou o tigre. “Tigre, - disse em voz de estentor -eu sou o rei da �oresta. Certo?” O tigre rugiu, he-
sitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão �xo em si, e disse, rugindo contra-
feito: “Sim”. E rugiu ainda mais mal humorado e já arrependido, quando o leão se afastou.
Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante. Perguntou: “Elefante,
quem manda na �oresta, quem é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e
de seres, dentro da mata?” O elefante pegou-o pela tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o
contra o tronco de uma árvore e desapareceu �oresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e en-
sangüentado, levantou-se lambendo uma das patas, e murmurou: “Que diabo, só porque não sabia a
resposta não era preciso �car tão zangado”. Moral: cada um tira dos acontecimentos a conclusão que
bem entende (FERNANDES, 2010).
As �guras, por sua vez, formam uma cadeia coerente, pela qual notamos o au-
toengano do leão ao se achar o único soberano da �oresta. Os animais todos
pontuam dúvidas e contestam essa soberania. O macaco a�rma a superiorida-
de do rei das selvas movido pelo medo, somente pelo medo, e não pela verda-
de. O papagaio por saber apenas repetir, responde automaticamente, não mo-
vido por uma expressão autêntica. A coruja usa a sagacidade para enganar o
leão e, por �m, a revolta do tigre, reprimida pela força do adversário, leva-o a
a�rmar o poder do rei. Veja os temas: medo X coragem, sagacidade X engano.
Esses jogos temáticos irrigam a fábula, expressando o autoengano do leão.
Por �m, mesmo quando vencido, o leão continua a mentir para si mesmo, nu-
ma autoexpressão que não condiz com a verdade. Se para ser rei é necessário
ser também o mais forte, ele no fundo não é rei de lugar nenhum, pois não é
imbatível.
Você pôde então perceber que, para depreender o tema de um texto �gurativo,
é necessário veri�car o encadeamento lógico das �guras. Um texto, assim, não
é um mero amontoado de frases, de palavras desconexas, mas um tecido coe-
so, bem estruturado, em que cada palavra compõe um signi�cado ao se enre-
dar no contexto.
Nenhuma sociedade no passado ou no presente vive sem uma ética. Como seres sociais, precisamos
elaborar certos consensos, coibir certas ações e criar projetos coletivos que dão sentido e rumo à his-
tória. Hoje, devido ao fato da globalização, constata-se o encontro de muitos projetos éticos nem to-
dos compatíveis entre si. Face à nova era da humanidade, agora mundializada, sente-se a urgência
de um patamar ético mínimo que possa ganhar o consentimento de todos e assim viabilizar a convi-
vência dos povos. Vejamos, sucintamente, como na história se formularam as éticas.
Uma permanente fonte de ética são as religiões. Estas animam valores, ditam comportamentos e
dão signi�cado à vida de grande parte da humanidade que, a despeito do processo de secularização,
se rege pela cosmovisão religiosa. Como as religiões são muitas e diferentes, variam também as nor-
mas éticas. Di�cilmente se pode fundar um consenso ético, baseado somente no fator religioso. Qual
religião tomar como referência? A ética fundada na religião possui, entretanto, um valor inestimável
por referi-la a um último fundamento que é o Absoluto.
A segunda fonte é a razão. Foi mérito dos �lósofos gregos terem construído uma arquitetônica ética
fundada em algo universal, exatamente na razão, presente em todos os seres humanos. As normas
que regem a vida pessoal chamaram de ética e as que presidem a vida social chamaram de política.
Por isso, para eles, política é sempre ética. Não existe, como entre nós, política sem ética.
Esta ética racional é irrenunciável mas não recobre toda a vida humana, pois existem outras dimen-
sões que estão aquém da razão como a vida afetiva ou além como a estética e a experiência espiritu-
al.
A terceira fonte é o desejo. Somos seres, por essência, desejantes. O desejo possui uma estrutura in�-
nita. Não conhece limites e é inde�nido por ser naturalmente difuso. Cabe ao ser humano dar-lhe
forma. Na maneira de realizar, limitar e direcionar o desejo, surgem normas e valores. A ética do de-
sejo se casa perfeitamente com a cultura moderna que surgiu do desejo de conquistar o mundo. Ela
ganhou uma forma particular no capitalismo no seu afã de realizar todos os desejos. E o faz excitan-
do de forma exacerbada todos os desejos. Pertence à felicidade, a realização de desejos mas, atual-
mente, sem freios e controles, pode pôr em risco a espécie e devastar o planeta. Precisamos incorpo-
rá-la em algo mais fundamental.
Essa ética é hoje imperativa. O planeta, a natureza, a humanidade, os povos, o mundo da vida
(Lebenswelt) estão demandando cuidado e responsabilidade. Se não transformarmos estas atitudes
em valores normativos di�cilmente evitaremos catástrofes em todos os níveis. Os problemas do
aquecimento global e o complexo das várias crises, só serão equacionados no espírito de uma ética
do cuidado e da responsabilidade coletiva. É a ética da nova era.
A ética do cuidado não invalida as demais éticas mas as obriga a servir à causa maior que é a
salvaguarda da vida e a preservação da Casa Comum para que continue habitável (BOFF, 2010).
Veja, o que �zemos nessa breve análise, é justamente elencar os diversos sub-
temas em um tema global. Note, assim, o quanto a estrutura de um texto é al-
tamente elaborada, formando um todo harmônico, uma unidade re�exiva coe-
rente.
Para ler um texto como esse com e�cácia, é necessário "enquadrar todos os te-
mas disseminados ao longo do texto e englobá-los dentro de um tema geral
que sintetize de maneira ampla todo o conjunto" (FIORIN; SAVIOLI, 2006, p. 87).
Dessa forma, assim como no texto �gurativo, também no temático os temas se
encadeiam num �uxo de sentido:
Como a�rmam Fiorin e Savioli, não se entende, por exemplo, um texto que de-
fenda a necessidade e a conveniência econômica da reforma agrária, registrar
dados estatísticos que comprovem a quebra da produção agrícola com o con-
seqüente aumento do preço dos alimentos num país que tenha executado a re-
ferida reforma.
É de suma importância, portanto, para que um texto seja coerente, que uma
unidade temática esteja subjacente e orientando o �uxo dos demais subtemas.
Tal tipologia textual possui vários níveis de leitura, várias camadas de senti-
do. A boa leitura analítica tem de partir da superfície concreta, �gurativa, até
atingir o cerne temático, de natureza re�exiva.
O arquivo
No �m de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos.
joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um
dos poucos contemplados. A�nal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir,
a agradecer ao chefe.
No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzi-
do, podia pagar um aluguel menor.
Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava
mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.
Dois anos mais tarde, veio outra recompensa. O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte
salarial. Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: de-
zessete por cento. Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.
Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos.
Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.
Prosseguiu a luta. Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.
Uma tarde, quase ao �m do expediente, foi chamado ao escritório principal. Respirou descompassa-
do.
– Seu joão. Nossa �rma tem uma grande dívida com o senhor.
joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.
– Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reco-
nhecimento.
O coração parava.
– Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem,
rebaixá-lo de posto.
– De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias.
Contente? Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao
trabalho.
Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pací�co, no silêncio do subúrbio.
Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche.
Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas
despesas inúteis, lavadeira, pensão.
Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e
dois ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios.
Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fo-
me. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não ti-
nha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes,
cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.
Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos
de serviço, foi convocado pela che�a:
– Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a par-
tir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.
O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas na-
da disse. Sentia-se cansado. En�m, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:
– Agradeço tudo que �zeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria.
– Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá
de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de
convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?
A emoção impediu qualquer resposta. joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu,
�cou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas,
compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento. João transformou-se num arquivo de
metal (GIUDICE, 2010).
- Por �m, esse funcionário vê-se sem salário, na miséria, transformando-se em algo inanimado, um
objeto, um arquivo de metal.
- a personagem decai de cargo, perde o salário, feitos que o levam a um morte simbólica: transforma-
se em um arquivo.
• submissão X exploração;
• alienação;
• desumanização.
Vejamos o que Fiorin e Savioli têm a nos a�rmar sobre tal estrutura:
Os três níveis de leitura, como se pode notar, distinguem-se um do outro pelo grau
de abstração: o primeiro nível depreende os signi�cados mais complexos e mais
concretos; o terceiro nível depreende os signi�cados mais simples e abstratos.
As diversidades se manifestam no nível da superfície do texto, e a unidade se en-
contra no nível mais profundo.
Desse modo, pode-se imaginar que o texto admite três planos distintos na sua es-
trutura:
Após o que �cou exposto, pode-se concluir que o leitor cumpre o trajeto que parte
da estrutura da superfície, passa pela intermediária e, por �m, chega à estrutura
profunda. Parte dos signi�cados dispersos na superfície para ir atingindo signi�ca-
dos cada vez mais abstratos.
Os três níveis que compõem a estrutura do texto serão designados, a partir desta li-
ção, pela seguinte nomenclatura:
Esse trabalho de escavação do texto tem como intuito atingir a estrutura pro-
funda. Conforme apontam Fiorin e Savioli, essa estrutura se organiza entre
blocos temáticos em oposição. Vejamos o que esses teóricos têm a nos a�r-
mar:
O nível profundo de um texto constitui-se de uma oposição do tipo: liberdade ver-
sus submissão, vida versus morte, natureza versus civilização, unicidade versus
multiplicidade, etc. A análise de um texto não consiste apenas em encontrar a opo-
sição reguladora dos seus sentidos, pois, se somente isso for feito, reduziremos sua
riqueza signi�cativa a quase nada. No entanto, a importância de detectar a estrutu-
ra fundamental de um texto reside no fato de que ela permite dar uma unidade pro-
funda aos elementos super�ciais, que, à primeira vista, parecem dispersos e caóti-
cos.
Cada um dos pólos opostos da estrutura profunda vem investido de uma apreciação
valorativa. [...] A valorização é dada pelo texto, e não cabe ao leitor alterá-la (2006, p.
46).
5. A seleção lexical
Quando um autor elabora um texto, ele tem em mente um projeto literário.
Para tanto, como artista, ele seleciona as palavras de acordo com suas inten-
ções, com suas diretrizes estéticas. Um autor simbolista irá privilegiar em seu
texto termos relacionados a temas metafísicos, palavras como "morte", "eter-
nidade", "existência". Já um poeta modernista, avesso a esse tipo de poesia,
prefere termos mais coloquiais, mais próximos de nosso cotidiano.
Identi�car apenas o tipo de seleção lexical empreendia pelo escritor não nos
esclarece o su�ciente em uma leitura interpretativa. Para fazer uma leitura
consistente, é preciso identi�car a intenção do autor quando esse seleciona
um dado vocabulário:
Vamos ler uma crônica de João Antônio como exemplo, a �m de perceber co-
mo se resulta a escolha lexical desse texto:
Carioca da gema
Carioca, carioca da gema seria aquele que sabe rir de si mesmo. Também por isso, aparenta ser o
mais desinibido e alegre dos brasileiros. Que, sabendo rir de si e de um tudo, é homem capaz de se
sentar ao meio-�o e chorar diante de uma tragédia. O resto é carimbo.
Minha memória não me permite esquecer. O tio mais alto, o meu tio-avô Rubens, mulherengo de to-
pe, bigode frajola, carioca, pobre, porém caprichoso nas roupas, empaletozado como na época, imper-
tigado, namorador impenitente e alegre e, pioneiro, me ensinar nos bondes a olhar as pernas nuas
das mulheres e, após, lhes oferecer o lugar. Que havia saias e pernas nuas nos meus tempos de meni-
no.
Folgado, �nório, malandreco, vive de férias. Não pode ver mulher bonita, perdulário, super�cial e fes-
tivo até as vísceras. Adjetivação vazia... E só idéia genérica, balela, não passa de carimbo.
Gosto de lembrar aos sabidos, perdedores de tempo e que jogam conversa fora, que o lugar mais ale-
gre do Rio é a favela. E onde mais se canta no Rio. E, aí, o carioca é desconcertante. Dos favelados
nasce e se organiza, como um milagre, um dos maiores espetáculos de festa popular do mundo, o
Carnaval.
O carimbo pretensioso e generalizador se esquece de que o carioca não é apenas o homem da Zona
Sul badalada – de Copacabana ao Leblon. Setenta e cinco por cento da população carioca moram na
Zona Centro e Norte, no Rio esquecido. E lá, sim, o Rio �ca mais Rio, a partir das caras não cosmopo-
litas e se o carioca coubesse no carimbo que lhe imputam não se teriam produzido obras pungentes,
inovadoras e universais como a de Noel Rosa, a de Geraldo Pereira, a de Nelson Rodrigues, a de
Nelson Cavaquinho... Muito do sorriso carioca é picardia �na, modo atilado de se driblarem os per-
calços.
Tenho para mim que no Rio as ruas são faculdades; os botequins, universidade. Algumas frases apa-
nhadas lá nessas bigornas da vida, em situações diversas, como aparentes tipos-a-esmo:
“Há duas coisas em que não se pode con�ar. Quando alguém diz “deixe comigo” ou “este cachorro
não morde”.
“Amigo, bebendo cachaça, não faço barulho de uísque”.
Como �loso�a de vida ou não, vivendo numa cidade em que o excesso de beleza é uma orgia, convi-
vendo com grandezas e mazelas, o carioca da gema é um dos poucos tipos nacionais para quem nin-
guém é gaúcho, paraibano, amazonense ou paulista. Ele entende que está tratando com brasileiros
(ANTÔNIO, 2010).
Bem, agora você já poderá de�nir, com maior prioridade e segurança, as dife-
renças entre texto temático e �gurativo, assim como os processos da seleção
lexical. Tal discernimento é fundamental para se interpretar e ler um texto
adequadamente.
Como asseveram Fiorin e Savioli, o texto admite três planos em sua estrutura:
Para ilustrar esse percurso gerativo de sentido dos textos, ou seja, os níveis
discursivo, narrativo e fundamental, escolhemos o conto As notícias e o mel
de Marina Colasanti.
[...] todo discurso que nos apresenta uma história imaginária como se fosse real,
constituída por uma pluralidade de personagens, cujos episódios de vida se entre-
laçam num tempo e num espaço determinados.
Observe como o conto As notícias e o mel engendra, por meio de sua estrutu-
ração textual, uma percepção bastante rica da realidade que o sensibilizará e o
fará re�etir acerca dos temas trabalhados.
As notícias e o mel
Um dia o rei �cou surdo. Não como uma porta, mas como uma janela de dois batentes. Ouvia tudo do
lado esquerdo, do direito não ouvia nada.
A situação era incômoda. Só atendia aos Ministros que sentavam de um lado do trono. Aos outros,
nem respondia. E até mesmo de manhã, se o galo cantasse do lado errado, Sua Majestade não acor-
dava e passava o dia inteiro dormindo.
Foi quando mandou chamar o gnomo da �oresta, e o gnomo, obediente, apareceu na corte. Veio vo-
ando com suas asinhas, tão pequeno que, embora todos estivessem avisados da sua chegada, quase
o confundiram com um inseto qualquer.
Chegou e logo se entendeu com o rei, estabelecendo um trato. Ficaria morando no ouvido direito e re-
petiria para dentro, bem alto, tudo o que ouvisse lá fora. Tendo asas, e desejando, poderia aproveitar
seu parentesco com as abelhas para fabricar, no ouvido real, alguma cera e um pouco de mel.
O trato funcionou às mil maravilhas. Tudo o que o gnomo ouvia, repetia em voz bem alta nas caver-
nas da orelha, e o eco e a voz do gnomo chegavam até o rei, que passou a entender como antigamen-
te, de lado a lado.
Correu o tempo. Rei e gnomo, assim tão vizinhos, foram �cando cada dia mais íntimos. Já um sabia
tudo do outro, e era com prazer que o gnomo gritava, e era com prazer que o rei ouvia o zumbidinho
das asas atarefadas no fabrico da cera e do mel. Uma certa doçura começou a espalhar-se do ouvido
real para a cabeça, e o rei foi �cando aos poucos mais bondoso. Um certo carinho foi se espalhando
da caverna real para o gnomo, e ele foi �cando aos poucos mais bondoso.
Foi essa a causa da primeira mentira. O Primeiro Ministro deu uma má notícia no ouvido esquerdo, e
o gnomo, não querendo entristecer o rei, transmitiu uma boa notícia no ouvido direito.
Foi essa a primeira vez que o rei ouviu duas notícias ao mesmo tempo.
Foi essa a primeira vez que o rei escolheu a notícia melhor. Houve outras depois.
Sempre que alguma coisa ruim era dita ao rei, o gnomo a transformava em alguma coisa boa. E sem-
pre que o rei ouvia duas notícias escolhia a melhor delas.
Aos poucos o rei foi deixando de prestar atenção naquilo que lhe chegava do lado esquerdo. E até
mesmo de manhã, se o galo cantasse desse lado e o gnomo não repetisse o canto do galo, Sua
Majestade esquecia-se de ouvir e continuava dormindo tranqüilo até ser despertado pelo chamado
do amigo.
De um lado o mel escorria. Do outro chegavam as preocupações, as tristezas, e todos os ventos maus
pareciam soprar à esquerda da sua cabeça.
Mas o rei tinha provado o mel e a doçura era agora mais importante do que qualquer notícia.
Entregou o trono e a coroa para o Primeiro Ministro. Depois chamou o gnomo para junto da boca e
murmurou-lhe baixinho a ordem.
Obediente, o gnomo voou para o lado esquerdo e, aproveitando seu parentesco com as abelhas, fabri-
cou algum mel, e abundante cera, com que tapou para sempre o ouvido do rei (COLASANTI, 1979, p.
60-61).
Marina Colasanti (1979) preserva, em As notícias e o mel, a tradição do conto
maravilhoso, mantendo personagens tipi�cadas que povoam os contos mara-
vilhosos tradicionais, como o rei e o gnomo.
O terceiro e último con�ito revela a performance do rei, que escolhe ouvir ape-
nas as melhores notícias, entrega seu trono a outro e ordena ao gnomo que ta-
pe seu ouvido esquerdo, pelo qual recebia somente as notícias que não lhe
agradavam. Este, obediente, fabrica um tipo de mel e abundante cera e tapa
de�nitivamente o ouvido do rei.
A sanção �nal é disfórica, pois o rei passa a ouvir só do lado direito. Sendo as-
sim, há uma volta ao estado inicial do conto, quando o rei ouvia somente do
lado esquerdo, invertendo-se o ouvido, em função da manipulação do gnomo.
No nível fundamental, uma leitura mais abstrata é postulada por valores que
se opõem:
• TODO (porta, janela de dois batentes) x PARTE (um só ouvido).
• OPORTUNISMO (o gnomo vê só o lado bom e transforma em boas as pio-
res situações) x COMODISMO (o rei escolhe sempre a melhor notícia).
• ENGAJAMENTO (necessário a quem governa, porém não evidenciado na
pessoa do rei) x ALIENAÇÃO (o rei restringe sua opção ao que é agradá-
vel).
O conteúdo estudado até aqui contribuirá para que você encontre o “�o condu-
tor” dos textos, a unidade de sentido por trás de tantos signi�cados aparentes.
Sugerimos, agora, que você dê uma pausa na sua leitura e re�ita sobre sua
aprendizagem realizando a questão a seguir.
8. Considerações
Ao longo deste ciclo, buscamos abordar e re�etir sobre o texto desde o ponto
de vista da sua intencionalidade e literariedade, classi�cando-o em texto �gu-
rativo X texto temático e texto literário X não literário.
gp0053-fev-2022-grad-ead-p/)
Objetivos
• Distinguir diferentes aspectos da análise linguística de textos modelares
e de textos escolares.
• Acompanhar a prática pedagógica de um procedimento de reescrita de
textos escolares.
• Re�etir sobre estratégias de intervenção no processo de revisão do texto.
• Examinar critérios de correção de textos.
Conteúdos
• Análise linguística.
• Práticas de escrita, revisão e reescrita.
• A Produção de Textos na BNCC.
Problematização
Quais são os diferentes aspectos da análise linguística de textos escolares?
Como deve se dar a prática pedagógica de um processo de escrita e reescrita
de textos escolares?
1. Introdução
Nos ciclos anteriores, nos debruçamos sobre o texto, abordando alguns concei-
tos que nos auxiliam a compreendê-lo e a escrevê-lo melhor, tais como coesão,
coerência e níveis de estrutura textual. Considerando os conceitos estudados e
a sua competência leitora, acreditamos que você seja capaz de olhar para um
texto e julgar se ele está confuso, ambíguo, incompleto ou incoerente, correto?
Mas, enquanto autor, você saberia revisá-lo e reescrevê-lo? E enquanto profes-
sor, conseguiria ajudar seus alunos a fazerem a revisão e reescrita de seus pró-
prios textos, fornecendo e aplicando estratégias de intervenção no processo de
revisão do texto?
Nesse momento, vamos re�etir sobre as estratégias que podem ser emprega-
das em sala de aula pelos professores para que os alunos consigam, por meio
da análise linguística, alcançar a habilidade anteriormente apresentada.
Você é capaz de olhar para o próprio texto e veri�car se ele está confuso, ambí-
guo, incompleto ou incoerente? Esperamos que sim. Mas saberia revisá-lo,
reescrevê-lo até considerá-lo satisfatório, pelo menos para o momento?
Marcuschi (2008), por sua vez, compara o texto a um tecido estruturado devido
às relações que os �os têm entre si para formar o todo, assim como as pala-
vras se relacionam para construir uma unidade signi�cativa. O autor avalia
que o texto é uma reconstrução do mundo e não apenas uma refração ou um
re�exo.
Escreve-se para ler e lê-se para escrever. Na ação interminável de empreender a in-
terlocução com o outro, os �os se interligam. Assim como as palavras organizadas
em frases tecem uma teia, os atores dessa tessitura são a própria teia. Os textos fa-
zem parte do nosso universo e somos, ao mesmo tempo, aranhas tecedeiras e teias
incompletas. A nossa civilização está presa aos textos, escritos ou não. Gera-os e
precisa deles, pois a sociedade letrada exige que os cidadãos saibam ler e, também,
escrever.
E como reconhecer esses �os que tecem essa teia tecida por autor e leitor, no
texto?
Podemos responder, com Geraldi (2003b), que é pela “prática de análise lin-
guística”. O conceito de prática de análise linguística no contexto escolar foi
usado pela primeira vez por esse autor, em 1981, no texto Unidades básicas do
ensino de português. Iniciava-se, nesse ano, um movimento de renovação no
ensino de Língua Portuguesa no Brasil. O texto, em livro publicado em 1984, foi
largamente divulgado entre professores e formadores de professores de portu-
guês na coletânea O texto na sala de aula, organizada pelo próprio professor e
linguista Geraldi. As sugestões do autor foram de muitas mudanças na forma
de se ensinar Língua Portuguesa, com base na concepção de que a língua é
uma forma de interação.
Geraldi (2003) sugere que o ensino da língua deva ser feito por meio de práti-
cas, ou seja, com a prática da leitura dos textos, a prática de produção de tex-
tos e a prática de Análise Linguística (AL). Ao considerar que o ensino da gra-
mática só tem sentido se for para auxiliar o aluno na resolução dos problemas
referentes ao uso da língua, no falar ou no escrever, o autor propõe a prática da
análise linguística em sala de aula.
Para esses autores, o aluno chega à sala de aula com sua competência comu-
nicativa já bastante desenvolvida e, por isso, o dever da escola não é ensinar o
que ele já sabe e nem reprimir ou desconsiderar as capacidades de interação
já instaladas. A escola deve oferecer ao aluno não o ensino de língua, mas os
usos da língua e formas não corriqueiras de comunicação escrita e oral.
Segundo Marcuschi (2008), esse trabalho com a língua deve ser feito no con-
texto da compreensão, da produção e da análise textual.
É por isso que o melhor caminho para se fazer a análise linguística é enquanto
o professor propõe um trabalho de reescrita coletiva da produção de um texto
de aluno, representativa dos equívocos textuais que mais ocorrem na turma.
Uma primeira orientação que o professor deve dar ao aluno que vai produzir o
texto com base na leitura de uma coletânea de textos é fazer uma boa leitura
da proposta de redação, que, no caso (ENEM, 2010), é a seguinte:
Com base na leitura dos seguintes textos motivadores e nos conhecimentos cons-
truídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em nor-
ma culta escrita da língua portuguesa sobre o tema O Trabalho na Construção da
Dignidade Humana, apresentando experiência ou proposta de ação social, que res-
peite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coe-
sa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.
Recomendamos que o aluno leia mais de uma vez, com atenção, o que a pro-
posta de produção de texto do ENEM 2010 diz e, além de ler, analise cada parte,
questione sobre o que ela exige e o que ela propõe, neste caso: ler, analisar,
questionar, usar conhecimento prévio, escolher um caminho, escrever.
Uma primeira re�exão do aluno sobre o tema apresentado deve ser no sentido
de se perguntar: o que é “dignidade humana”? Haverá trabalhos dignos e tra-
balhos indignos?
Muitas vezes, os alunos do ensino médio ainda não têm conhecimento cons-
truído ao longo de sua formação sobre determinados temas. Eles precisam ler
também os textos motivadores da coletânea, a partir dos quais vão pensar e
trazer conhecimentos de situações vividas.
A leitura atenta dos textos permite que ele acione seus conhecimentos prévios
sobre o tema, relacione-os com as ideias do autor e que já vá escolhendo um
caminho para a sua réplica, ou seja, a sua produção de texto. Deixar de usar os
textos da coletânea pode desviá-lo do tema.
Análise do Texto I
Primeiro parágrafo
Ele faz um primeiro período lembrando a lei Áurea:
Note que o autor não se demora em falar da escravidão no Brasil Império, ele
relembra a escravidão do passado e escolhe um aspecto importante para o de-
senvolvimento do texto – acabou a escravidão no Brasil. O que antes era legal,
em relação a ter domínio sobre uma pessoa, hoje não o é, juridicamente falan-
do:
O autor faz isso em um período e o faz para diferenciar os dois tipos de escra-
vidão: a legal (do passado) e a ilegal (contemporânea), marcando essa diferen-
ça por um advérbio – “legalmente”.
É importante chamar a atenção dos alunos para esse aspecto: quando se tem
duas ideias que são ligadas por conjunções adversativas – porém, no entanto,
mas – essas ideias estarão em contraposição.
Note que ele usa a norma culta “há fazendeiros” (e não tem fazendeiros, ou ha-
viam fazendeiros etc.). Lembrar aos alunos que quando o verbo haver tem sen-
tido de existir, não há plural.
A coesão vai sendo feita, e ele põe ponto �nal. Há alunos que não usam ponto
�nal, fazem o texto com dez, quinze linhas, colocam algumas vírgulas, mas
não terminam a ideia, não fecham o trecho. Aprender a pontuar é muito im-
portante, é preciso ensinar que, ao terminar o raciocínio, deve-se colocar pon-
to �nal.
Segundo parágrafo
Finalmente, no segundo parágrafo, o autor vai tratar do trabalho degradante:
Ele anuncia que o trabalho escravo se con�gura por esses dois aspectos – de-
gradação e cerceamento da liberdade –, mas continua desenvolvendo o texto
ao tratar do cerceamento da liberdade e explica por que diz isso; é porque hoje
outras amarras são utilizadas para prender o homem à terra: ameaças físicas,
terror psicológico, grandes distâncias entre propriedades, o que di�cultaria a
locomoção dos trabalhadores, que �cariam isolados, longe das cidades, longe
de recursos, de outras possibilidades de trabalho etc.
É importante observar: como o autor faz a coesão com a ideia anterior? Ele co-
meça o próximo parágrafo antecipando a ideia da degradação, retomando a
ideia da falta de liberdade e antecipando um novo assunto: a degradação do
novo trabalhador. Em um só período. É uma maneira de fazer a coesão das du-
as ideias.
Retomando o caminho do autor para elaborar o texto, vimos que ele começa
fazendo uma retomada da escravidão no País, deixa claro que era legal e im-
plícito que hoje não o é.
Note que isso é algo com que o professor deve trabalhar: as ideias que estão
explícitas (escritas) e as ideias que estão implícitas (sugeridas), ou seja, no ca-
so desse texto (hoje não é legal, juridicamente, ter uma pessoa escrava). Há
uma informação implícita de que há uma ilegalidade, o que se con�gura em
uma pista para que o aluno perceba que poderá relacionar ideias e apresentar
propostas de possíveis soluções para o problema, solicitadas no enunciado da
proposta de redação. Por isso, é muito importante que o professor trabalhe
com a explicitação de todas as ideias que podem estar implícitas nos textos.
Essa, com certeza, consiste na maior di�culdade de interpretação de textos en-
tre nossos alunos.
Análise do Texto II
Enquanto os alunos leem o texto, o professor pode alertar para que observem a
linguagem, o suporte de texto onde foi publicado e o ponto de vista que o autor
assume (ENEM, 2010):
TEXTO 2: O FUTURO DO TRABALHO
Felizmente, nunca houve tantas ferramentas disponíveis para mudar o modo como
trabalhamos e, consequentemente, como vivemos. E as transformações estão acon-
tecendo. A crise despedaçou companhias gigantes tidas até então como modelo de
administração. Em vez de grandes conglomerados, o futuro será povoado de em-
presas menores reunidas em torno de projetos em comum. Os próximos anos tam-
bém vão consolidar mudanças que vêm acontecendo há algum tempo: a busca pela
qualidade de vida, a preocupação com o meio ambiente e a vontade de nos realizar-
mos como pessoas também em nosso trabalho. “Falamos tanto em desperdício de
recursos naturais e energia, mas e quanto aos desperdícios de talentos?”, diz o �ló-
sofo e ensaísta suíço Alain de Botton em seu novo livro The Pleasures and Sorrows
of Works (Os prazeres e as dores do trabalho, ainda inédito no Brasil) (REVISTA
GALILEU, 2012).
Esse segundo texto começa com uma exortação ao leitor, tratando-o na 2ª pes-
soa do singular (você): “Esqueça os escritórios, os salários �xos e a aposenta-
doria. Em 2020, você trabalhará em casa, seu chefe terá menos de 30 anos e
será uma mulher”.
Felizmente, nunca houve tantas ferramentas disponíveis para mudar o modo como
trabalhamos e, consequentemente, como vivemos.
Os próximos anos também vão consolidar mudanças que vêm acontecendo há al-
gum tempo: a busca pela qualidade de vida, a preocupação com o meio ambiente e
a vontade de nos realizarmos como pessoas também em nosso trabalho.
1. O texto é dissertativo-argumentativo?
2. O aluno disserta sobre o tema? Qual seu posicionamento diante dele?
Como foram usadas as informações dos textos da coletânea?
3. Há argumentação em favor de suas ideias? Qual a qualidade dos argu-
mentos? São fundamentados? São falhos? Cita exemplos? Existe coerên-
cia interna?
4. Existe coesão entre orações, períodos e parágrafos? A pontuação foi usa-
da, conectivos, conjunções? As ideias estão coesas?
5. O aluno usou a modalidade escrita culta da língua?
Com base na leitura dos seguintes textos motivadores e nos conhecimentos cons-
truídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em nor-
ma culta escrita da língua portuguesa sobre o tema O Trabalho na Construção da
Dignidade Humana, apresentando experiência ou proposta de ação social, que res-
peite os direitos humanos.
O governo não faz nada, porém existe pessoas assim, é uma vergonha, essa situa-
ção vai durar até quando. Se vc for um trabalhador, é bom que vc seje rico, e �que
trabalhando em casa, contudo os catadores de lixo e os bóias-frias continua viven-
do mau.
Correção da linguagem
Os trabalhadores brasileiros [,] estão condenados [à] trabalhar [que nem] escravos,
eles são contratados por [pocas] horas, [mais] trabalham muito, não [é pago] a eles
as horas extras.
1º problema: pontuação
Uma vírgula separa sujeito de predicado. A regra básica da norma culta é: não
se separam por vírgulas os termos essenciais da oração – sujeito e predicado.
Ou seja, não podemos separar o sujeito “Os trabalhadores brasileiros” do predi-
cado “estão condenados à trabalhar que nem escravos”.
2º problema: crase
Nos trechos “trabalhar [que nem] escravos” e “por [pocas] horas [mais] traba-
lham muito”, o aluno usou uma modalidade da língua que não é formal. Tanto
a expressão ‘pocas’ como ‘mais’ em lugar de ‘mas’ são usos da linguagem colo-
quial, que, na escrita, caracterizam inadequações ortográ�cas.
Na a�rmação “não [é pago] a eles as horas extras”, o aluno escreve como pen-
sa. Apresenta um problema de concordância. Não substituiu a ordem indireta
pela ordem direta, sujeito – predicado, para conferir a concordância entre su-
jeito e verbo na voz passiva. Se o professor ler para ele em ordem direta, ele lo-
go perceberá: “as horas extras não são pagas a eles”.
Os trabalhadores brasileiros [,] estão condenados [à] trabalhar [que nem] escravos,
eles são contratados por [pocas] horas, [mais] trabalham muito, não [é pago] a eles
as horas extras
Vale a pena relembrar que os pronomes oblíquos são muito necessários, que
devemos utilizá-los. Não é fácil, porque no Brasil não usamos os oblíquos na
fala, por exemplo, “ligue-me”, “vou telefonar-lhe”, “traga-me”. No lugar dos
oblíquos costumamos usar os pessoais, mas podem surgir cacofonias como
“amo ela”, “vi ela”, o que não se aceita na norma culta. O professor pode suge-
rir: em vez de repetir, vamos substituir por pronomes oblíquos?
Fazendo a correção da coesão e da pontuação, o trecho do texto poderia ser re-
escrito assim:
Correção da argumentação
A primeira oração do texto de aluno que estamos analisando faz uma a�rmati-
va categórica:
Sugestão de reescrita
Sugestão de reescrita
Provavelmente, era isso que o aluno queria dizer, mas não escreveu. O que pre-
cisamos ensinar é que o aluno deve convencer alguém de que tem razão e, pa-
ra isso, ele deve escrever o que estiver pensando, pois o leitor não vai adivi-
nhar. O que está em sua mente pode não estar escrito no texto. Em geral, os
alunos condensam muito a expressão e nem sempre �ca adequada a informa-
ção ou a argumentação.
O governo não faz nada, porém existe pessoas assim, é uma vergonha, essa situa-
ção vai durar até quando. Se vc for um trabalhador, é bom que vc seje rico, e �que
trabalhando em casa, contudo os catadores de lixo e os bóias-frias continua viven-
do mau.
O governo não faz nada, embora existam pessoas (os trabalhadores?) submetidas a
trabalhos assim degradantes. Essa situação vergonhosa vai durar até quando? Se
você for um trabalhador, é bom que seja rico e �que trabalhando em casa. Contudo,
os catadores de lixo e os boias-frias continuam vivendo mal.
Finalmente, o aluno precisa apresentar uma proposta. Há possibilidades de se
fazer propostas nesse sentido, como �scalização, aplicação de leis contra es-
sas práticas que cerceiam a liberdade, estímulo à formalização do emprego,
acesso à educação, quali�cação dos trabalhadores, programas de redistribui-
ção de rendas, en�m, as propostas podem ser bastante amplas.
Sugestão de reescrita
O governo não faz nada. Essa situação vergonhosa vai durar até quando? É preciso
que nossos governantes invistam em políticas inclusivas, como programas de dis-
tribuição de renda e de estímulo à formação do emprego.
É conveniente chamar a atenção para que não caiam de novo nas generaliza-
ções excessivas que são clichês como, por exemplo, “o governo não faz nada”.
É preciso relativizar, fazer propostas concretas, perguntar-se: e então, o que o
governo pode fazer? Como posso fazer uma proposta concreta, viável? Isso vai
fazê-los pensar em soluções para resolver os problemas, ao contrário de recla-
marem. A proposta precisa tornar-se um aspecto positivo.
O governo não faz nada. Essa situação vergonhosa vai durar até quando?
Retomando o que analisamos, vimos que é preciso corrigir o texto por cama-
das: a linguagem, a coerência com a realidade, o desenvolvimento, a argumen-
tação.
Seguramente, você deve estar se perguntando: seria possível fazer isso com
todos todas as vezes em sala de aula? Responderíamos que não, mas é preciso
ensiná-los a dividir as dúvidas com os colegas, pedir opinião, sugerir no texto
do colega e ao professor enquanto reelabora o texto escolhido para a reescrita
coletiva. Entendemos que aperfeiçoamento constante depende de diálogos
constantes.
Da mesma forma que na leitura, não se deve conceber que as habilidades de produ-
ção sejam desenvolvidas de forma genérica e descontextualizadas, mas por meio
de situações efetivas de produção de textos pertencentes a gêneros que circulam
nos diversos campos de atividade humana. Os mesmos princípios de organização e
progressão curricular valem aqui, resguardadas a mudança de papel assumido
frente às práticas discursivas em questão, com crescente aumento da informativi-
dade e sustentação argumentativa, do uso de recursos estilísticos e coesivos e da
autonomia para planejar, produzir e revisar/editar as produções realizadas
(BRASIL, 2018, p. 78).
Você, que se propõe a ser professor, já se perguntou: a�nal, o que é corrigir re-
dações? O que signi�ca intervir nos textos dos alunos? En�m, o que será que
todos nós entendemos pelo conceito de correção de textos?
Em razão dessa diversidade, você deve ter observado também que a frequên-
cia com que as revisões pelos alunos ocorrem é bastante variável: assim como
há textos cuja reescrita simplesmente não é realizada, há casos de textos que
são reescritos e corrigidos mais que duas vezes.
Se o professor entende que intervir é monologar (falar sozinho), ele fará reso-
luções; se ele entende que intervir é dialogar com o outro, ele fará indicações,
classi�cações ou bilhetes. Tudo dependerá da concepção que ele tiver acerca
do que é um texto, o que é escrita, reescrita e, consequentemente, correção de
produções de texto. A chave do problema pode estar na capacidade de o pro-
fessor se colocar tanto no lugar de sujeito do seu discurso como no lugar do
aluno enquanto autor do próprio texto e, ainda, no lugar de leitor desse texto.
Nesse caso, ele estará fazendo intervenções dialógicas.
Para isso, vamos falar sobre as formas de intervenção nos textos de alunos,
sobre os critérios de correção sugeridos pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) e acolhidos pelos sistemas de ensino que corrigem redações
de vestibulares, das características dos textos conforme a tipologia (narrati-
vos, argumentativos e outros) e seus elementos coesivos.
Para falarmos desse assunto complexo que, na verdade, abrange inúmeras for-
mas de intervenção do professor nos textos dos alunos com o intuito de me-
lhorar a expressão escrita para que produzam sentidos, é importante colocar
que, neste tópico do trabalho, vamos falar de correções escritas.
Em primeiro lugar, é preciso que �que claro o que entendemos por correção,
revisão e reescrita neste material didático.
Correção é o texto que o professor faz por escrito no (e de modo sobreposto ao)
texto do aluno, para falar desse mesmo texto (RUIZ, 2010, p. 19).
Para os estudiosos do texto, de acordo com Val (1991), o que faz que um texto
seja um texto são os fatores de textualidade ou textura: a intencionalidade, a
aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade, a intertextualidade, a co-
esão e a coerência.
De acordo com Ruiz (2010, p. 35), com base na autora referida anteriormente,
existem três grandes tendências de correção de redações seguidas pelos pro-
fessores de língua: a indicativa, a resolutiva e a classi�catória. Esses tipos de
correção, no entanto, não são excludentes, ou seja, para falar de um determi-
nado problema, os professores utilizam-se de mais de uma forma interventiva,
mesclando tipos diferentes de correção (SERAFINI, 1989 apud RUIZ, 2010, p.
36):
Outro tipo de intervenção escrita feita pelos professores nos textos dos alunos
é a correção resolutiva (SERAFINI, 1989 apud RUIZ, 2010, p. 41-44):
A correção resolutiva consiste em corrigir todos os erros, reescrevendo palavras,
frases e períodos inteiros. O professor realiza uma delicada operação que requer
tempo e empenho, isto é, procura separar tudo o que no texto é aceitável e interpre-
tar as intenções do aluno sobre trechos que exigem uma correção; reescreve depois
tais partes fornecendo um texto correto. Neste caso, o erro é eliminado pela solução
que re�ete a opinião do professor.
[...]
Esse tipo de estratégia é uma tentativa de o professor assumir, pelo aluno, a refor-
mulação de seu texto ora acrescentando, retirando, substituindo ou mudando de lu-
gar partes de texto:
Frente ao texto de aluno "Ainda que eu ia a praia todos os verões...", o professor su-
blinha a palavra ia (como no caso da correção indicativa) e escreve ao lado a pala-
vra modo. O termo utilizado deve referir-se a uma classi�cação de erros que seja do
conhecimento do aluno (obviamente, neste caso, o modo do verbo é a fonte do erro).
Conforme Ruiz (2010, p. 47), um quarto tipo de correção, não previsto por
Sera�ni, aparece nas correções de textos focos de sua pesquisa: a correção
textual-interativa.
Os "bilhetes" são uma estratégia que os professores lançam mão perante a im-
possibilidade prática de se abordarem certos aspectos relacionados ao traba-
lho interventivo escrito por meio dos demais tipos de correção apontados.
Muitas vezes não parece satisfatório indicar no corpo do texto do aluno, assim
como indicar ou classi�car na margem, então o professor recorre a essa ma-
neira alternativa de correção.
Um exemplo, segundo Ruiz (2010, p. 48), é o bilhete que uma professora, identi-
�cada aqui como SN, escreve para suas alunas em seus textos:
Maria Laura, faça as correções com calma, utilizando o dicionário, se for preciso.
Sua história está bem estruturada, mas é preciso cuidar da pontuação.
SN
Roberta, você entendeu bem a proposta e criou fatos para ligar as duas histórias.
Refaça, com cuidado, as correções. Um beijo e um queijo,
SN
Vale a pena ressaltar que o "bilhete" escrito pela professora para Maria Laura
teve resposta, a seguir (RUIZ, 2010, p. 48):
SN
Sob o ponto de vista de Ruiz (2010, p. 79), essas observações colaboram para
uma constatação de extrema importância:
Uma notícia de jornal escrito produzida por um aluno, por exemplo, requer que
o olhar do professor se volte para os aspectos temáticos (apresenta um tema?),
os aspectos composicionais (está estruturada com o lead, o corpo da notícia e
o desenvolvimento?) e aspectos estilísticos (a linguagem está na variedade
padrão, menos ou mais formal e impessoal?) adequados ao gênero, ao veículo
de comunicação (se é um jornal escolar ou o do bairro) e ao tipo de leitor.
O ENEM e as competências
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), realizado anualmente pelo
Ministério da Educação para avaliar o ensino médio e que tem sua nota consi-
derada na composição dos pontos dos principais vestibulares do País, deve ser
entendido como parte de um processo mais amplo que pretende mudar o per�l
da educação oferecida no ensino médio.
Os PCNs para o ensino médio, ao discutirem o novo per�l desse nível de ensi-
no, a�rmam (BRASIL, 1999, p. 32):
[...] as propostas de mudanças qualitativas para o processo de ensino-
aprendizagem, no nível médio, indicam a sistematização de um conjunto de dispo-
sições e atitudes como pesquisar, selecionar informações, analisar, sintetizar, argu-
mentar, negociar signi�cados, cooperar, de forma que o aluno possa participar do
mundo social, incluindo-se aí a cidadania, o trabalho e a continuidade dos estudos.
II. Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de co-
nhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto
dissertativo-argumentativo.
Todo texto pode ser avaliado de acordo com três grandes itens:
O texto narrativo
Leia o texto a seguir, de Ítalo Calvino (2001), e observe se seria um conto, uma
crônica, um artigo de opinião ou outro:
A OVELHA NEGRA
E assim todos viviam em paz e sem prejuízo, pois um roubava o outro, e este, um
terceiro, e assim por diante, até que se chegava ao último que roubava o primeiro. O
comércio naquele país só era praticado como trapaça, tanto por quem vendia como
por quem comprava. O governo era uma associação de delinqüentes vivendo à cus-
ta dos súditos, e os súditos por sua vez só se preocupavam em fraudar o governo.
Assim a vida prosseguia sem tropeços, e não havia ricos nem pobres.
Ora, não se sabe como, ocorre que no país apareceu um homem honesto. À noite,
em vez de sair com o saco e a lanterna, �cava em casa fumando e lendo romances.
Essa situação durou algum tempo: depois foi preciso fazê-lo compreender que, se
quisesse viver sem fazer nada, não era essa uma boa razão para não deixar os ou-
tros fazerem. Cada noite que ele passava em casa era uma família que não comia
no dia seguinte.
Diante desses argumentos, o homem honesto não tinha o que objetar. Também co-
meçou a sair de noite para voltar de madrugada, mas não ia roubar. Era honesto,
não havia nada a fazer. Andava até a ponte e �cava vendo a água passar embaixo.
Voltava para casa, e a encontrava roubada.
Em menos de uma semana o homem honesto �cou sem um tostão, sem o que co-
mer, com a casa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua; o problema era
que seu comportamento criava uma grande confusão. Ele deixava que lhe roubas-
sem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém; assim sempre havia alguém
que, voltando para casa de madrugada, achava a casa intacta: a casa que o homem
honesto devia ter roubado. O fato é que, pouco depois, os que não eram roubados
acabaram �cando mais ricos que os outros e passaram a não querer mais roubar. E,
além disso, os que vinham para roubar a casa do homem honesto sempre a encon-
travam vazia; assim iam �cando pobres.
Enquanto isso, os que tinham se tornado ricos pegaram o costume, eles também, de
ir de noite até a ponte, para ver a água que passava embaixo. Isso aumentou a con-
fusão, pois muitos outros �caram ricos e muitos outros �caram pobres.
Ora, os ricos perceberam que, indo de noite até a ponte, mais tarde �cariam pobres.
E pensaram: “Paguemos aos pobres para ir roubar para nós”. Fizeram-se os contra-
tos, estabeleceram-se os salários, as percentagens: naturalmente, continuavam a
ser ladrões e procuravam enganar uns aos outros. Mas, como acontece, os ricos
tornavam-se cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Havia ricos tão ricos que não precisavam mais roubar e que mandavam roubar pa-
ra continuarem a ser ricos. Mas, se paravam de roubar, �cavam pobres porque os
pobres os roubavam. Então pagaram aos mais pobres dos pobres para defenderem
as suas coisas contra os outros pobres, e assim instituíram a polícia e constituíram
as prisões.
Dessa forma, já poucos anos depois do episódio do homem honesto, não se falava
mais de roubar ou de ser roubado, mas só de ricos ou de pobres; e no entanto todos
continuavam a ser pobres.
Se, quanto ao gênero, poderíamos ter alguma dúvida sobre se “A ovelha negra”
é um conto, uma fábula ou um apólogo, quanto à tipologia, suas características
linguísticas não deixam nenhuma dúvida: trata-se de um texto em que predo-
minam sequências narrativas.
As sequências narrativas
Os marcadores de tempo
Nas sequências narrativas, os fatos desenvolvem-se progressivamente no
tempo e ocorrem em um lugar. No texto “A ovelha negra”, a indicação do lugar
em que se dão os acontecimentos aparece já no início (“um país onde todos
eram ladrões”) e, embora a época em que ocorreram os fatos não esteja especi-
�cada, a presença de elementos gramaticais como verbos, advérbios e locu-
ções adverbiais indica ao interlocutor o tempo dos acontecimentos narrados.
As expressões adverbiais
Veja algumas das expressões adverbiais que aparecem no texto “A ovelha ne-
gra”:
[...] essa situação [o homem honesto não ser roubado] durou algum tempo
[...]
[...] depois foi preciso fazê-lo compreender que, se quisesse viver sem fa-
zer nada, não era essa uma boa razão para não deixar os outros fazerem.
É importante assinalar que advérbios como antes e depois não podem ser in-
terpretados fora de uma situação contextual. O sentido deles dependerá de re-
ferentes que irão orientar o interlocutor para a sequência temporal dos fatos.
Assim, depois assinala a ocorrência de um fato no tempo relativamente a ou-
tro anteriormente ocorrido (o fato de o homem honesto até um determinado
momento não ter sido ainda roubado).
Tais advérbios podem estar modi�cados por outros advérbios, cuja função é
ampliar ou reduzir o intervalo de tempo marcado por eles em relação ao tem-
po que tomam como referência. Veja essa passagem do texto:
[...] o fato é que, pouco depois, os que não eram roubados acabaram �cando mais ri-
cos que os outros e passaram a não querer mais roubar.
Por meio do advérbio pouco, ressalta-se que o intervalo de tempo entre o fato
“os que não eram roubados acabaram �cando mais ricos”, e o fato anterior que
toma como referência – “o homem honesto deixar-se roubar e não roubar nin-
guém” – é pequena.
Os verbos
[...] cada noite que ele passava em casa era uma família que não comia no
dia seguinte.
Em menos de uma semana o homem honesto �cou sem um tostão, sem o que co-
mer, com a casa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua; o problema era
que seu comportamento criava uma grande confusão. Ele deixava que lhe roubas-
sem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém [...]
Caso o relato fosse feito, por exemplo, pelo personagem “homem honesto”, te-
ríamos os verbos da sequência narrativa em 1ª pessoa. Veja:
Em menos de uma semana �quei sem um tostão, sem o que comer, com a ca-
sa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa minha; o problema era que
meu comportamento criava uma grande confusão. Eu deixava que me roubas-
sem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém [...]
Finalizando este tópico, convém ressaltar que os textos podem ser lidos de
muitas formas e por diferentes prismas. Podemos abordar um texto por seus
aspectos formais, pelo léxico, por sua camada fônica, pela pontuação, pela sin-
taxe, por recorrências de diferentes naturezas, pelos paralelismos, no caso dos
poemas, pelas imagens, pelos motivos ou pelo tema, pela situação de produ-
ção etc.
Quando nos propomos a fazer uma AL do texto, supõe-se que pretendemos ler
o texto pela perspectiva da língua, isto é, dos recursos linguísticos utilizados
pelo autor para criar sentido naquele texto e naquela situação de produção.
O texto argumentativo
Leia esse outro texto e observe, desde o título, em que aspectos ele difere do
texto narrativo lido anteriormente (DE MASI, 2000):
O ponto de vista
Como você pode notar por essa de�nição, a presença do ponto de vista não é
característica exclusiva dos textos argumentativos. Textos narrativos e des-
critivos também o apresentam. A diferença é que, em textos argumentativos, o
ponto de vista vem sempre explicitado. Num texto argumentativo sobre, por
exemplo, a restrição à propaganda de cigarros, podemos nos posicionar con-
trariamente ou a favor dela, ou seja, nossa argumentação partirá de um ponto
de vista que temos formado sobre o tema, que poderá ser abordado de vários
ângulos: o político, o econômico, o social, o jurídico, o da saúde pública.
Os operadores argumentativos
Por meio das adversativas (mas, porém, todavia, contudo etc.), introduz-se um
argumento que leva o interlocutor a uma conclusão contrária a que chegaria
se prevalecesse o argumento usado no enunciado anterior. Com as concessi-
vas (embora, se bem que, ainda que etc.), o locutor dá a conhecer previamente
o argumento que será invalidado. Observe:
Muitos dos textos que produzimos, sejam eles escritos ou falados, são motiva-
dos pela nossa necessidade de expor um ponto de vista, defender uma ideia
ou questionar algum fato. São os chamados textos argumentativos/ dissertati-
vos. Quando os produzimos, devemos observar certas normas de organização
bastante particulares:
Saber observar esses aspectos na AL com os alunos colabora para sua compe-
tência escritora ao produzir e ao revisar seus textos.
12. Considerações
Neste último ciclo de aprendizagem, buscamos evidenciar a necessidade de
que, enquanto professores, ampliemos as práticas de produção textual que têm
sido, de forma clássica, se dado nas escolas, indo além das dissertações que
são massivamente propostas, com vistas às redações de vestibulares e simila-
res, e abordando gêneros que são mais familiares e signi�cativos para os alu-
nos, conforme proposto pela BNCC.
Sendo assim, foi possível re�etir sobre a importante missão que você terá en-
quanto professor de Língua Portuguesa: é preciso que auxilie o aluno, com ba-
se nas teorias aqui estudadas, no processo de construção de habilidades e
competências relativas às práticas de linguagem de leitura, produção textual e
análise linguística, com vistas ao letramento crítico e à inserção dos mesmos
nas mais diversas áreas da sociedade nas quais a interação por meio da lin-
guagem se faz presente.