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Introdução

Este trabalho tem como tema o ensino da língua portuguesa em contextos heterogéneos
do ponde vista linguístico, social e cultual. Dentro deste tema abordar-se-á questões que
devem ser respeitados no ensino de língua portuguesa em contextos em que há
multiplicidade de línguas, cultura e diferenças sociais. Antes vale referir que o ensino
nas escolas era pautado somente na variedade culta da língua, mas a partir da década de
60, à luz da sociolinguística, as teorias defensoras da homogeneidade da língua
passaram a ser refutadas, conforme refere MURAD e SILVA (2012) que não existiria
“erro” ou “desvio” da norma padrão e sim variedades de uma mesma língua, havendo
uma lógica estrutural tanto na língua padrão quanto na língua não padrão sendo, pois,
indispensável à análise e discussão em sala de aula das diferentes variantes.
Ensino da Língua Portuguesa em Contextos Heterogéneos do ponto de vista
Linguístico, Social e Cultural

Antigamente, a variação linguística não se fazia presente nas propostas pedagógicas dos
professores de língua portuguesa. O ensino empregado em sala de aula era conservador,
seguindo a tradição clássica Greco-romana, baseando-se numa concepção de língua
homogênea tida, segundo GORSKI e COELHO (2009:74), como um “padrão abstrato
que existia independente dos indivíduos que a falavam”. Hoje, é possível, com o avanço
de estudos sociolinguísticos, observar uma tendência de respeito das questões de
variação tendo em conta o ponto de vista linguístico, social e cultural.

1. Do ponto de vista linguístico

Anteriormente acreditava-se que o ensino de língua portuguesa deveria ser pautado no


trabalho com a gramática, considerando como válida somente a variedade padrão.
Entretanto, o método tradicional não tem sido eficaz pelo facto de ensinar-se conceitos e
normas, os alunos saindo assim da escola alegando que não sabem Português, pelo
motivo de esta ser a língua “difícil”. Deste modo, quando se privilegia a gramática
normativa, focando-se como uma obra acabada, a língua materna acaba se
caracterizando como uma teoria fragmentada, repleta de regras e de excepções.

Assim, como ressalta POSSENTI (1996), o ensino de língua portuguesa precisa deixar
de ser visto como a transmissão de conteúdos prontos e passar a ser uma tarefa de
construção de conhecimentos por parte dos alunos, uma tarefa na qual o professor deixa
de ser a única fonte autorizada de informações, motivações e sanções. Nessa
perspectiva, a variedade linguística exerce um fundamental papel no ensino de língua
portuguesa.

Segundo o PCN de Língua Portuguesa (1998), o ensino gramatical desarticulado dos


usos não se justifica e o trabalho com a gramática não deve se pautar no mito de que
existe uma forma correta de falar.

Nesse sentido, o estudo da gramática não deveria restringir-se exclusivamente à variante


padrão, correspondente à variedade de prestígio, visto esta não ser a única existente. Em
decorrência desta visão, não é viável que a escola se concentre em apenas num objecto
de ensino parcial – na chamada norma padrão, cuja gramática dita as regras, fazendo
julgamentos de valor, indicando o “certo” e o “errado”.
2. Do Ponto de vista Social

A língua e a sociedade estão ligadas entre si por laços indissociáveis, pois todos nós
temos uma língua, fazemos parte de uma sociedade. Ninguém pode negar essa
indissociabilidade que há entre a linguagem e a sociedade, ou melhor ainda, não há
como nos negarmos a confirmar essa relação profunda onde tais especificidades juntam-
se para culminar na expressão máxima da história da humanidade.

O grande desafio do ser humano é sedimentar suas descobertas, suas raízes históricas.
Sua língua é a sua ferramenta. Com essa língua torna-se possível o registo dos factos
históricos, sociais. Como diz CALVET (2007), “a etiqueta linguística é exactamente o
registo da diversidade da língua de um povo. A dimensão de variação linguística que é
tratada em termos de escala língua-dialecto-idiolecto foi introduzida antes em relação à
ficção da homogeneidade. A diferença entre os termos sotaque e dialecto é que o
sotaque é restrito à variedade de pronúncia, enquanto dialecto inclui também diferenças
de gramática e de vocabulário”.

De acordo com ALKMIN (2002:12) “no uso do dia-a-dia são confundidos com
frequência e têm sido marcas para discriminação em vários níveis. A questão é que
certas diferenças fonéticas entre sotaques podem ser estigmatizadas pela sociedade, da
mesma forma como certas diferenças lexicais e gramaticais entre dialectos o são”. Nesta
prespectiva, Os professores têm que eliminar o que consideram como marcas de status
social inferior ou como regionalismos. Trabalhos recentes em Sociolinguística
confirmam esse estado de coisas e também que, na grande maioria, quanto mais baixa a
pessoa estiver na escala social, em termos de educação, renda, profissão, etc., mais o seu
sotaque vai diferir e será mais marcado regionalmente.

Segundo MOLLICA (2003:43) “a sociolinguística educacional vem dando uma grande


contribuição para a nossa compreensão das implicações educacionais, sociais e de
outros aspectos do planeamento linguístico”. Em outras palavras, a sociolinguística tem
conscientizado a escola em favor de um trabalho que leve o educando a conhecer e usar
a norma culta da língua portuguesa de forma a acrescentá-la ao português que já
possuía. Nessa visão de ensino, é tarefa da escola instruir os falantes de português não-
Padrão, habilitando-o ao uso da norma culta, sem segregação linguística, mostrando ao
aluno quando uma forma ou outra deve ser utilizada, fazendo adaptação ao grau de
formalidade, circunstância ou estilo.
“É possível elencar uma gama de projectos que contemplam o estudo das realidades
linguísticas regionais, em que a partir dessas práticas descritivas regionais, os
professores de íngua portuguesa podem expor um quadro da realidade de fala do país.
Tais dados podem ser aproveitados em diversos estudos e pesquisas sobre alfabetização
- uma vez que visam “contrapor a gramática falada na comunidade” TARALLO
(2000:96). O ensino de língua portuguesa, neste caso, promoverá a flexibilização
linguística – e organização de material didáctico adequado – voltado a uma língua viva,
heterogénea e permeada por variações.

3. Do Ponto de vista Cultural

No processo de ensino da língua portuguesa, é fundamental que se tenha uma visão


acerca dos conhecimentos culturais com a realidade escolar, pois é na escola onde
podemos encontrar diferentes culturas, tratando-se todas as diferenças culturais de
forma respeitosa, para que não haja discriminação e preconceito por parte dos alunos, e
que os grupos sociais possam ter uma relação harmoniosa, conhecendo cada
especificidade dos grupos, como aponta GADOTTI et.al (2001:119):

“A diversidade cultural é a riqueza da humanidade. Para cumprir sua tarefa humanista, a


escola precisa mostrar aos alunos que existem outras culturas além da sua”.

Nesta visão, avalia-se o quanto é significante que o professor mostre aos seus alunos
que existem essas diferenças que fazem parte da sociedade, e é de extrema importância
que o educador mostre outros modos e personalidades de cada cultura que a escola
acolhe, assim, os alunos vão conhecendo a história de outra cultura sem ser a dele, e
começar a respeitar e consciencializar por meio de valores.

Como afirma SIMÕES (2006: 122) que “aprender uma língua passa por construir uma
imagem dessa mesma língua em relação a outras, em termos do seu estatuto, funções,
locutores, história, utilidade e particularidades. Estas imagens são objectos semióticos
que se transmitem e transformam pela comunicação, constituindo-se em processos
sociais dinâmicos, em constante negociação e renegociação pelos grupos em função das
suas histórias e percursos”.

Segundo ROLDÃO (2002) apud GARGATÉ BALEIRO (2002), para que um currículo
de língua portuguesa seja multicultural, este deverá permitir a relação entre as diferentes
culturas, promovendo o respeito pelas diferenças e a partilha de conhecimentos, no
âmbito do pluralismo cultural.

FREIRE (1996:42) afirma que “a questão da identidade cultural, de que fazem parte a
dimensão individual e a de classe dos educandos cujo respeito é absolutamente
fundamental na prática educativa progressista”. Este argumento é pertinente aos alunos,
que são sujeitos únicos e individuais, que pertence a um grupo cultural, que deve ser a
base para lidar com um ensino que transmita valores simbólicos capazes de conduzidos
pelos conteúdos, numa linguagem que favoreça sua realidade cultural. O docente é um
agente que deve proporcionar um relacionamento íntegro com a colectividade dos seus
alunos, havendo respeito com as culturas destes alunos em sala de aula, como a
convivência, o diálogo e sua acção de criar formas de lidar com as diferenças e trazer
soluções simples para uma aprendizagem satisfatória.

Portanto, a aula de língua portuguesa deve munir os alunos de ferramentas que lhes
possibilitem desenvolver comportamentos e atitudes adequados às situações de
interacção cultural com pessoas de diferentes proveniências linguísticas e culturais e
uma compreensão mais aprofundada da diversidade cultural que promova os princípios
de respeito pela diversidade cultural, mas também pelas especificidades de cada um.
Conclusão

De acordo com o que acima foi abordado, é razoável acreditar que a natureza
heterogénea e multifacetada da língua deve-se fazer presente em sala de aula,
consciencializando os alunos que existem diferentes variantes linguísticas e que todas
são igualmente organizadas, atendendo, claro, a diferentes contextos de uso. Portanto, é
fundamental que o docente deixe de pensar o ensino de língua portuguesa numa
prespectiva prescritiva, em que só são válidas as normas ditadas pela gramática
tradicional, e passe em parceria com a escola e a comunidade a reflectir sobre os usos da
língua e suas aplicações práticas no sentido para melhor adequar o seu uso às situações
quotidianas. O ensino eficaz e moderno da língua da língua portuguesa exige uma
mudança de postura por parte da escola e dos profissionais de ensino, pois o fenómeno
de variação linguística acontece no falar das diversas classes sociais, nos diversos níveis
de escolaridade. O trabalho com a diversidade cultural nas aulas de língua portuguesa
deve levar em consideração a própria diversidade cultural existente no país, pois essa
temática insere-se num contexto de tensão entre a afirmação da igualdade entre os seres
humanos e o reconhecimento das diferenças culturais.
Referências Bibliográficas

MURAD, C. R. R. Otavio; SILVA, A. Márcia da. Variação linguística e ensino de


língua portuguesa: o professor da educação infantil como promotor do diálogo entre
ciência e sala de aula. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGESA. ISIELP, 2012, Uberlândia. Anais do SIELP. Uberlândia: EDUFU, 2012.
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GORSKI, Edair Maria; COELHO, Izete Lehmkuhl. Variação linguística e ensino da


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2009

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola.: Mercado das Letras.
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ALKMIN, Tânia Maria. 2002. Língua e Discriminação. In: GTNM – Jornal do Grupo

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CALVET, Jean-Louis. Políticas Linguísticas. SP Editora Parábola. 2007

MOLLICA, Maria Cecília e BRAGA Maria Luiza. Introdução a Sociolinguística: o

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TARALLO, Fernando. A pesquisa Sociolinguística. São Paulo: Ática, 2000

GADOTTI, Moacir et.al. Autonomia da escola: princípios e proposta In:____. Uma


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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 2ª


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GARGATÉ, C. & BALEIRO, O. Uma Prática Sustentável de Gestão Flexível do


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SIMÕES, A. R.. A cultura linguística em contexto escolar: um estudo no final da


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