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Psicologia Econômica

Autoras: Profa. Ivy Judensnaider


Profa. Najla M. Kamel
Colaborador: Prof. Maurício Felippe Manzalli
Professoras conteudistas: Ivy Judensnaider / Najla M. Kamel

Ivy Judensnaider é economista pela Fundação Armando Álvares Penteado e mestra em História da Ciência e
da Tecnologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professora da Universidade Paulista
(UNIP), onde coordena o curso de Ciências Econômicas no Campus Marquês (SP). Também atua no setor de publicações
e é autora de inúmeros textos de divulgação científica publicados na web. Nos últimos dez anos, tem trabalhado na
elaboração de textos e de livros para uso em Educação a Distância.

Najla M. Kamel é graduada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e em Psicologia pela Universidade
Paulista (UNIP). Mestre e doutora em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(IPUSP). Especialista em Avaliação do Ensino Superior pela Universidade de Brasília (UnB). Uma das autoras do livro
Da cultura de provas para a cultura de avaliação e conteudista do livro‑texto Psicologia do Consumidor (EaD/UNIP).
Atualmente, é professora titular da UNIP, ministrando aulas nas disciplinas: Psicologia do Consumidor, Psicologia
Aplicada à Fisioterapia, Psicologia Aplicada à Nutrição, Psicologia Jurídica, Estatística Aplicada, Bioestatística e Pesquisa
de Mercado.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

J92p Judensnaider, Ivy.

Psicologia Econômica. / Ivy Judensnaider, Najla M. Kamel. – São


Paulo: Editora Sol, 2017.

136 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIII, n. 2-001/17, ISSN 1517-9230.

1. Psicologia econômica. 2. Teoria dos jogos. 3. Empreendedorismo


social. I. Kamel, Najla M. II. Título.

CDU 658.012.2

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


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Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Ricardo Duarte
Carla Moro
Sumário
Psicologia Econômica

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 OS PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS DAS CIÊNCIAS ECONÔMICAS:
UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA....................................................................................................................... 11
2 AS CRÍTICAS AO HOMO ECONOMICUS................................................................................................... 34
3 NOVOS PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E A PESQUISA NA
PSICOLOGIA ECONÔMICA................................................................................................................................. 45
3.1 A pesquisa quantitativa: os surveys.............................................................................................. 48
3.2 Os experimentos.................................................................................................................................... 56
3.3 As pesquisas de observação.............................................................................................................. 58
3.4 Pesquisas qualitativas: entrevistas em profundidade, discussões em grupo
e estudos de caso.......................................................................................................................................... 59
4 TENDÊNCIAS NA INVESTIGAÇÃO EM PSICOLOGIA ECONÔMICA.................................................. 62

Unidade II
5 CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA SOCIAL PARA A INVESTIGAÇÃO DO
COMPORTAMENTO ECONÔMICO: APROFUNDAMENTOS, REFLEXÕES E APLICAÇÕES............. 78
5.1 Psicologia Social e subjetividade.................................................................................................... 81
5.2 O Behaviorismo, ou a Teoria Comportamental......................................................................... 84
5.3 A Teoria da Gestalt: a Teoria da Forma......................................................................................... 85
5.4 A Psicologia Cognitiva......................................................................................................................... 87
5.5 As atitudes: conceito e importância.............................................................................................. 89
6 O PAPEL DO GRUPO SOCIAL NA FORMAÇÃO DO COMPORTAMENTO........................................ 91
6.1 A classificação socioeconômica...................................................................................................... 94
6.2 A classificação psicográfica............................................................................................................... 95
6.3 Os modelos de utilidade e de escolha racional......................................................................... 97
7 A TEORIA DOS JOGOS E AS DINÂMICAS DE GRUPO........................................................................100
7.1 A Neuroeconomia e as Neurociências........................................................................................105
8 EMPREENDEDORISMO SOCIAL.................................................................................................................107
APRESENTAÇÃO

A disciplina Psicologia Econômica, cujo livro‑texto agora apresentamos, tem como objetivo tratar
dos fundamentos clássicos e neoliberais de racionalidade do comportamento econômico dos indivíduos,
e de como esses fundamentos passaram a sofrer críticas a partir da segunda metade do século XX. Essas
críticas foram fundamentais para o processo de construção de uma nova área de conhecimento e de
atuação para os economistas.

A Psicologia Econômica tem servido de suporte para inúmeros questionamentos em relação a


pressupostos básicos das Ciências Econômicas e se tornou, nas últimas décadas, alvo de estudos
e investigações, tanto nas universidades quanto nas empresas. Atualmente, não são raras as
empresas que se especializaram em pesquisas quantitativas e qualitativas tendo o comportamento
econômico como objeto, da mesma forma que tornou‑se frequente a solicitação de projetos de
consultoria para que o comportamento do agente econômico pudesse ser compreendido para além
dos modelos teóricos tradicionais.

A atuação nessa nova área de fronteira requer a posse das bases teóricas de dois grandes campos
do saber: as Ciências Econômicas e a Psicologia (em especial, a Psicologia Social). Isso significa dizer
que os economistas acostumados a trabalhar da forma tradicional (ou seja, fazendo uso dos métodos
dedutivos e históricos) não dão conta de investigar os fenômenos comportamentais sem o auxílio de
técnicas e teorias da Psicologia; em contrapartida, os psicólogos tampouco dão conta de entender o
comportamento econômico sem o aporte do instrumental teórico das Ciências Econômicas.

Como esse é um campo de atuação que está em fase inicial de desenvolvimento e que, por isso
mesmo, vem demandando profissionais preparados para o diálogo entre duas áreas do conhecimento,
consideramos de extrema valia que os estudantes de Ciências Econômicas tenham contato com os
principais desenvolvimentos da Psicologia Econômica, bem como com as principais teorias que dão
suporte aos estudos dos aspectos psicológicos do comportamento dos agentes econômicos.

Para que os alunos possam dominar os conceitos e compreender os aspectos teóricos


fundamentais da Psicologia Econômica, teremos que percorrer um caminho de extrema
especificidade. Inicialmente, abordaremos o contexto histórico‑científico e as principais áreas
que se organizaram para criticar o modelo do Homo economicus, estendendo essa crítica aos
procedimentos metodológicos até então consagrados para estudá‑lo. Em outras palavras,
investigaremos os métodos e os pressupostos epistêmicos utilizados pelas Ciências Econômicas
sob a perspectiva histórica e as contribuições de economistas que buscaram uma abordagem
metodológica mais pluralista no estudo dos fenômenos econômicos.

Posteriormente, discutiremos como a área de Psicologia Econômica desenvolveu‑se e ganhou espaço


dentro da comunidade científica e do mundo empresarial.

Mais adiante, investigaremos os métodos de pesquisa que se incorporaram ao arsenal metodológico


dos economistas, buscando identificar alguns métodos indutivos das Ciências Comportamentais, bem
como suas contribuições para o estudo do comportamento econômico.
7
Finalmente, traremos exemplos de estudos e de novas áreas de atuação que surgiram a partir daí e
mostraremos algumas contribuições oferecidas pelos constructos da Psicologia Social para a investigação
do comportamento econômico.

Em resumo, este livro‑texto pretende explicitar as novas áreas de fronteira que hoje investigam o
comportamento dos agentes econômicos, tendo como base os métodos indutivos e experimentais, e que
estão alicerçadas na Psicologia e nas Ciências Comportamentais. Essa abordagem pretende contribuir
para o desenvolvimento das competências requeridas dos alunos, conforme definidas no Projeto
Pedagógico do Curso (PPC) e em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais relacionadas.

Dessa forma, a disciplina tem como objetivos específicos:

a) compreender os desenvolvimentos teóricos, epistemológicos e metodológicos das Ciências


Econômicas como frutos de processo histórico;

b) apresentar as contribuições que outras áreas do conhecimento podem oferecer ao estudo do


comportamento dos agentes econômicos;

c) introduzir os estudos sobre o comportamento dos indivíduos com base na utilização de variáveis
psicológicas e comportamentais, como sentimentos, pensamentos, crenças, atitudes e expectativas;

d) mostrar as possibilidades de investigação oferecidas pelo método indutivo, notadamente pelas


pesquisas qualitativas e quantitativas e pelos experimentos;

e) identificar as possibilidades de investigação em áreas de fronteira, como a Economia Experimental,


a Economia Comportamental, a Neuroeconomia e a Psicologia Econômica.

Bom estudo!

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da Psicologia Econômica ocorreu por meio de dois eixos principais: o


primeiro, relacionado às críticas que os métodos convencionais passaram a sofrer no que diz respeito
à capacidade de as Ciências Econômicas compreenderem em profundidade todos os aspectos do
comportamento dos agentes econômicos; o segundo, mediante a aplicação gradativa de métodos
comportamentais, específicos da Psicologia, para o teste e validação de modelos teóricos tidos como
certos pelos economistas.

Para que você possa acompanhar esse processo, é necessário que compreenda:

a) como determinada área do saber constrói seus pressupostos epistemológicos (ou seja, os princípios
por meio dos quais serão considerados científicos certos achados ou modelos);

b) como as Ciências Econômicas construíram seus pressupostos epistemológicos, que por sua vez
determinaram os principais métodos para investigação dos fenômenos econômicos (quer dizer, os
métodos dedutivos e históricos);
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c) como as Ciências Econômicas passaram a sofrer críticas em relação aos modelos desenvolvidos;

d) como outras áreas passaram a contribuir para o preenchimento das lacunas que surgiram a partir
das críticas mencionadas.

Acompanhe o nosso raciocínio: toda área do saber tem – e é isso que a diferencia das demais – um
objeto específico de estudo e um método peculiar de investigação desse objeto. De fato, cada área do
saber tem como base determinados pressupostos epistemológicos, quer dizer, princípios basilares nos
quais repousam alguns critérios e a partir dos quais será gerado o conhecimento a respeito do seu
objeto específico. Deve, então, explicitar como se dá o conhecimento no seu campo e qual o processo
de sua aquisição. Adicionalmente, deve esclarecer quais os métodos consagrados para a investigação e
para o estudo dos fenômenos pertinentes à sua área.

As Ciências Econômicas, como outras ciências, possuem um objeto que vem se transformando ao
longo do tempo. No entanto, a investigação sobre os atos econômicos do século XXI podem requerer
instrumentos diferentes daqueles que foram utilizados no século XVIII – afinal, do ponto de vista histórico,
novas perguntas e novos fenômenos surgiram desde a publicação do texto fundador de Adam Smith
(1723‑1790) A riqueza das nações (1776), e esses desenvolvimentos criaram tensões que obrigaram os
economistas (ou deveriam ter obrigado) a refletir sobre os modos de aquisição do conhecimento e os
métodos utilizados para alcançá‑lo.

De forma genérica, as Ciências Econômicas adotaram o método dedutivo para a investigação do seu
objeto de pesquisa, qual seja, os sistemas econômicos que permitem aos seres humanos a produção e a
distribuição de bens e serviços, considerando dois aspectos fundamentais: a escassez dos recursos que
produz e a infinitude das necessidades a serem satisfeitas com os bens e serviços produzidos.

Porém, e a partir de certo instante, alguns novos problemas foram colocados diante dos economistas.
A resolução desses problemas, por sua vez, demandou um conhecimento distinto do desenvolvido até
então. Mais: demandou uma mudança drástica nos pressupostos adotados pelos economistas e nos
métodos de pesquisa de investigação.

É nesse contexto que surge a Psicologia Econômica. Para compreendermos o seu surgimento e
a ruptura que ela representou em termos de desenvolvimento teórico das investigações econômicas,
estudaremos os fundamentos das Ciências Econômicas do ponto de vista da Epistemologia e da
Metodologia, considerando a perspectiva histórica.

Vamos também tratar da ruptura metodológica provocada pela adoção de métodos indutivos
na investigação econômica e identificar os trabalhos pioneiros nessa área (especialmente Katona e
Reynaud, na primeira metade do século XX, e os Prêmios Nobel de Economia Simon e Kahneman, na
segunda metade do século XX).

Discutiremos ainda os principais métodos indutivos que, oriundos das Ciências Comportamentais,
acabaram por sugerir contribuições relevantes no estudo do comportamento econômico.

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PSICOLOGIA ECONÔMICA

Unidade I
1 OS PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS DAS CIÊNCIAS ECONÔMICAS: UMA
PERSPECTIVA HISTÓRICA

Inicialmente, vamos entender melhor o que são os pressupostos epistemológicos de um campo do


conhecimento. Os pressupostos epistemológicos de uma ciência dizem respeito aos processos cognitivos
(relacionados ao conhecimento). Esses princípios definem o quanto podemos conhecer da realidade,
ou seja, quais são os limites que o nosso conhecimento sobre o objeto pode atingir. Além dos fatores
biológicos que determinam nossa cognição (nossa capacidade de ver, de ouvir, de sentir, de compreender
ideias e de estabelecer relações entre fatos e ideias), são fundamentais as influências sociais e culturais.
De forma resumida, o conhecimento é um fenômeno social que possui uma história e que é resultado
de determinados contextos históricos. Consequentemente, nosso conhecimento sobre a realidade sofre
transformações na medida em que a realidade apresenta novas perguntas e exige respostas diferentes
das existentes até certo instante.

Apenas para dar um exemplo: no século XIX, sequer se discutia a questão da finitude de um recurso
importante como a água. Hoje, o debate sobre as condições de sustentabilidade de nosso ritmo de produção
e consumo está no centro de qualquer discussão sobre modelos econômicos. Parece claro, portanto,
que as formas de acessar o conhecimento modificam‑se (e devem se modificar) simultaneamente à
transformação do nosso próprio objeto de estudo.

Figura 1 – As Ciências Econômicas e seu objeto de estudo em transformação: a questão da sustentabilidade econômica dada a
escassez de recursos é recente e vem exigindo novas posturas para a solução dos problemas ambientais

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Unidade I

Até o século XIX, no entanto, as grandes escolas de pensamento das Ciências Econômicas foram
se desenvolvendo sem se preocupar demasiadamente a respeito dos pressupostos epistemológicos
adotados; ou melhor, sem refletir sobre as diferenças entre o processo de conhecimento do saber em
geral e o processo específico de aquisição do conhecimento dos fenômenos econômicos.

Entre os séculos XVIII e XIX (período que cobre a publicação dos textos fundadores das Ciências
Econômicas e o momento em que a Ciência surge tal como a conhecemos nos dias de hoje), o que era
bom para as outras Filosofias Políticas e Morais (áreas das quais as Ciências Econômicas derivaram)
também era bom para o estudo dos fenômenos econômicos. Até o final do século XIX (quando, inclusive,
a Epistemologia – a ciência que estuda os processos do conhecimento – passou a se desenvolver de forma
significativa), a grande preocupação dos pensadores que refletiam a respeito dos atos econômicos não
estava relacionada às formas de aquisição do conhecimento, mas ao objeto desse conhecimento. Para eles,
o requisito necessário para fundar e fortalecer uma nova categoria do saber era diferenciá‑la em termos do
objeto de estudo, deixando a preocupação com as formas do conhecimento para outro momento.

Assim, um dos traços mais marcantes na história da Epistemologia da Economia está no fato de
esses processos de aquisição do saber terem sido pouco discutidos. Evidência clara dessa situação pode
ser demonstrada da seguinte forma: os temas centrais da pesquisa econômica modificaram‑se ao longo
do tempo; na década de 1970, por exemplo, surgiram questões referentes ao processo inflacionário
que atingia grande parte das economias desenvolvidas e em desenvolvimento; nas décadas de 1980
e 1990, intensificaram‑se o debate sobre o papel do Estado na promoção do desenvolvimento e sobre
as diferenças entre o Welfare State (o Estado que se preocupa com a promoção do bem‑estar social)
e o Estado Mínimo (o Estado que intervém pouco na economia). No entanto, o corpus das teorias
econômicas ficou a salvo de qualquer dúvida ou questionamento em termos dos métodos utilizados para
desenvolvê‑lo. Claro que isso não ocorria sem exceções, mas o mainstream do pensamento econômico
era pródigo em afirmar que nada de novo havia sob o sol: os métodos dedutivos e históricos eram mais
do que suficientes para dar conta do recado. Se houvesse algum espaço vazio, ele seria certamente
ocupado pela Matemática, pela Estatística e pela Econometria.

Observação

O mainstream caracteriza a corrente principal de uma área do


saber. Essa corrente principal reúne as ideias que formam um conjunto
consensual de opiniões a respeito de determinado objeto ou assunto.
Assim, ele está associado à tendência majoritária e hegemônica existente
numa comunidade de cientistas ou pensadores.

Esse status quo fortaleceu‑se ao longo da primeira metade do século XX: o pluralismo metodológico
e sua consequente disponibilidade para o debate de ideias ou correntes de pensamento diversas das
já estabelecidas, ao menos no plano metodológico, não ocuparam qualquer espaço significativo nas
discussões sobre os métodos utilizados para a investigação dos atos e fenômenos econômicos. Em
outras palavras, era mais importante estudar a realidade do que discutir as formas a partir das quais essa
realidade deveria ser estudada, como se uma coisa não estivesse irremediavelmente associada à outra.
12
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Em vez de refletir sobre as limitações das formas utilizadas para alcançar o conhecimento econômico,
os economistas preferiram continuar olhando os fenômenos com as mesmas lentes empregadas pelos
economistas clássicos do século XVIII.

Mas, afinal, qual a importância de discutir os caminhos utilizados para se chegar ao conhecimento? A
pergunta não é descabida, muito pelo contrário. Sugerimos que você, leitor, reflita a respeito: a realidade
é o que conseguimos dela compreender? Todas as pessoas percebem a realidade da mesma forma? Todas
as áreas de conhecimento, ou melhor, todos os aspectos da realidade exigem que utilizemos as mesmas
vias de acesso? Assim, propomos que você pense nos seguintes termos: a realidade é (ela tem uma
existência concreta), mas o que apreendemos dela depende das formas como a vemos e a interpretamos.
A realidade é, mas o nosso conhecimento apenas pode dela se aproximar, jamais a alcançando na sua
totalidade. Aliás, é necessário enfatizar: enxergamos aquilo que podemos compreender e aquilo que
conseguimos acomodar no conjunto de coisas que supomos saber.

Os quadros mentais sobre os quais repousam nossas crenças, bem como nossas características
biológicas, nos possibilitam ou nos impossibilitam de perceber a realidade. De fato, aquilo que vemos
(ou imaginamos ver) é fruto de construções mentais elaboradas em função do que aprendemos, das
experiências que já tivemos, daquilo que acreditamos ser possível.

Na belíssima série Cosmos (1980), temos um exemplo interessante a respeito das limitações da nossa
capacidade de enxergar a realidade. Enxergamos aquilo que entendemos, aquilo que nossa cognição nos
indica ser possível ou provável.

Há quase duzentos anos, no golfo do Alaska […], duas culturas que não
se conheciam tiveram um primeiro encontro. O povo tlingit vivia mais
ou menos como seus ancestrais viviam há milhares de anos. Eles eram
nômades, viajando sempre de canoa entre inúmeros locais de acampamento,
onde pegavam peixes abundantes e ostras do mar e os trocavam com as
tribos vizinhas. O criador que eles veneravam era o Deus Corvo, a quem
representavam como uma enorme ave preta de asas brancas. E, em um dia
de julho de 1786, o Deus Corvo apareceu. Os tlingit ficaram apavorados.
Eles sabiam que quem olhasse diretamente para o Deus viraria pedra. Do
outro lado do planeta, uma expedição liderada pelo explorador francês La
Pérouse, na verdade, a viagem científica mais planejada do século XVIII,
foi enviada para circundar o mundo e para reunir conhecimentos sobre
Geografia, História Natural e povos de terras distantes. Mas, para os tlingit,
cujo mundo estava confinado às ilhas do sul do Alaska, esse grande navio
só poderia ter vindo dos deuses. Houve um entre eles que ousou olhar mais
profundamente. Era um velho guerreiro e estava quase cego. Disse que sua
vida estava quase no fim. Para o bem comum, ele se aproximaria do Corvo
para ver se o Deus iria realmente transformar seu corpo em pedra. Ele partiu
para a sua própria viagem de descoberta para confrontar o fim do mundo. O
velho olhou fixamente para o Corvo e viu que ele não era um grande pássaro
do céu, mas trabalho de homens, como ele mesmo.
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Unidade I

Saiba mais

Sugerimos que você assista ao 13º episódio de Cosmos, de onde foi


retirado o exemplo citado:

COSMOS. Dir. Adrian Malone. Criação Carl Sagan, Ann Druyan e Steven
Soter. Estados Unidos: PBS, 1980. 60 minutos. (13 episódios).

Há, inclusive, algumas restrições biológicas que determinam as nossas formas de perceber a realidade.
Por exemplo: os daltônicos reconhecem matizes de cores de formas diferentes dos não daltônicos.
Imagine, portanto, as leituras distintas que um daltônico e um não daltônico poderiam fazer de um
quadro de Mondrian!

Figura 2 – Composição em vermelho, amarelo, preto, cinza e azul (1921), Piet Mondrian

Conforme pode ser observado, o uso das cores é fundamental na construção da obra de Mondrian.
Cabe a pergunta: como seria a recepção do conteúdo da obra se feita por um espectador daltônico,
incapaz de reconhecer certas variações de cor?

Mesmo que tomemos como base indivíduos com capacidades similares de visão ou de outras
competências físicas, também perceberemos diferenças significativas nas formas como cada um é capaz
de enxergar a realidade! São clássicas as figuras que nos revelam várias e diferentes visões, de acordo
com a perspectiva que adotamos.

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PSICOLOGIA ECONÔMICA

Saiba mais

Para que você possa pesquisar mais sobre o assunto, sugerimos a


seguinte leitura:

ILUSÕES de ótica: é verdade ou são apenas meus olhos? Rio de Janeiro:


EMdiálogo, 2014. Disponível em: <http://www.emdialogo.uff.br/content/
ilusoes‑de‑otica‑e‑verdade‑ou‑sao‑apenas‑meus‑olhos>. Acesso em: 23
jan. 2017.

Será interessante também assistir ao filme:

O ENIGMA de Kaspar Hauser. Dir. Werner Herzog. Alemanha: Werner


Herzog; Filmproduktion; Filmverlag der Autoren ZDF, 1974. 110 minutos.

As reações do jovem preso num cativeiro durante toda a vida e


posteriormente exposto ao mundo real podem nos conduzir a interessantes
reflexões a respeito da nossa capacidade de compreensão do mundo.

Caso você queira ler mais sobre o tema, sugerimos:

SABOYA, M. C. L. O enigma de Kaspar Hauser (1812?‑1833): uma


abordagem psicossocial. Psicologia USP, v. 12, n. 2, p. 105‑117, 2001.
Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/63375>.
Acesso em: 23 jan. 2017.

Há décadas (em especial, desde a segunda metade do século XX), psicólogos sociais investigam quais
variáveis contribuem para que nossa percepção se construa de determinada forma; assim, experiências
da infância, gostos pessoais, receios e traumas podem nos levar a determinadas construções mentais em
detrimento de outras. Por exemplo: se no passado tivemos experiências negativas com objetos de cor amarela,
estaremos menos dispostos a enxergar objetos amarelos; caso tenhamos tido alguma experiência positiva
com homens ruivos, seremos, provavelmente, menos críticos e mais receptivos ao contato com homens ruivos.

Outro fator fundamental para a construção da nossa visão do mundo está relacionado aos processos de
conformação e submissão à opinião do grupo social. Na década de 1950, Solomon Asch (1907‑1996) conduziu
uma série de experimentos que o levaram a concluir que o consenso do grupo era um fator decisivo na formação
de opinião de alguém, especialmente se o pertencimento ao grupo fosse algo valorizado. Um desses experimentos,
bastante simples, foi o de propor a um grupo de oito pessoas (sete delas comparsas do pesquisador, e apenas uma
ingênua, sem qualquer informação sobre o combinado com os comparsas) que fosse apontada a linha‑padrão
para um modelo exposto. Assim, no caso de três linhas (A, B e C), de tamanhos distintos, apenas a linha A
combinava com o padrão proposto pelo pesquisador; no entanto, em dezoito ocasiões diferentes, a linha B foi
declarada pelos comparsas como a similar ao padrão (de acordo com o combinado com o pesquisador), fazendo
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Unidade I

com que apenas 30% dos sujeitos ingênuos apontassem a linha A como a resposta correta: o fato de o grupo ter
escolhido a linha B havia sido fundamental para que os sujeitos ingênuos também a escolhessem. Em resumo:
estamos mais inclinados a concordar com algo quando percebemos que os que estão ao nosso redor também
concordam, especialmente se os outros são importantes para nós. Em contrapartida, hesitamos em afirmar algo
quando o nosso grupo de referência não tem a mesma opinião.

Nosso processo de aquisição do conhecimento ocorre por vias extremamente particulares. Na maior parte
das vezes, e ao longo das nossas vidas, enxergamos aquilo que queremos enxergar ou que estamos preparados
para enxergar. Isso não acontece apenas quando estamos diante de um conhecimento novo ou fora do padrão:
ocorre no nosso dia a dia, nas nossas vidas cotidianas. Às vezes, convivemos com uma pessoa durante anos e
não percebemos qualidades que, para outros, são extremamente óbvias. Em outras ocasiões, estabelecemos
metas profissionais que, décadas depois, nos parecem absurdas e infantis. Vemos o que queremos ver, e vemos
no momento em que estamos preparados para lidar com o que vemos: o nosso olhar indaga à realidade, mas
não é sempre que ele tem condições de lidar com as respostas que o mundo nos oferece. Mais: acreditamos
nas explicações que desenvolvemos para compreender o mundo enquanto essas explicações derem conta de
resolver os problemas que enfrentamos e aos quais devemos oferecer respostas.

Assim, outra questão fundamental diz respeito à perenidade das certezas que desenvolvemos a
respeito das condições seguras para a aquisição do conhecimento. Dessa forma, para os estudiosos da
Epistemologia, é fundamental o estudo das condições que possibilitam as revoluções científicas e as
mudanças de paradigmas que nos sustentam e nos auxiliam na construção da realidade.

Observação

Um paradigma descreve as convicções, na maioria das vezes implícitas,


com base nas quais os investigadores elaboram as suas hipóteses, as suas
teorias e mais geralmente definem os seus métodos (BOUDON, 1990,
p. 186). Apenas para dar um exemplo: durante séculos, o paradigma
predominante era o de que a Terra, imóvel, era o centro do Universo. A
mudança de paradigma ocorreu quando o geocentrismo foi substituído
pelo heliocentrismo.

As grandes transformações científicas ocorreram quando antigas crenças e antigos quadros mentais
foram substituídos por novas maneiras de pensar o mundo. Vejamos, dando continuidade ao exemplo
citado, o caso de Galileu e as dificuldades que ele teve que superar para concluir que a Terra poderia ser
colocada em movimento. Tal fenômeno não é muito diferente nos casos que envolvem o conhecimento
novo que se apresenta diante de nós diariamente, porque nosso apego ao que já sabemos (ou que
pensamos saber) cria uma série de bloqueios difíceis de serem transpostos. Em geral, são esses bloqueios
que nos impedem de aprender o novo ou de perceber o mundo de uma forma diferente.

Bachelard (1996) chamou esses bloqueios de obstáculos epistemológicos, verdadeiras armadilhas


que tornam o processo de aquisição de conhecimento mais lento (às vezes, tendendo à regressão) e que
causam até espanto quando, finalmente, nos deparamos com o real.
16
PSICOLOGIA ECONÔMICA

O real nunca é “o que se poderia achar”, mas é sempre o que se deveria ter
pensado. O pensamento empírico torna‑se claro depois, quando o conjunto
de argumentos fica estabelecido. Ao retomar um passado cheio de erros,
encontra‑se a verdade num autêntico arrependimento intelectual. No fundo,
o ato de conhecer dá‑se contra um conhecimento anterior, destruindo
conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é
obstáculo à espiritualização (BACHELARD, 1996, p. 17).

Os obstáculos ao novo conhecimento podem muitas vezes surgir sob a forma de hábitos
intelectuais (que um dia até foram muito saudáveis) ou de antigos valores. “Chega o momento em que
o espírito prefere o que confirma seu saber àquilo que o contradiz, em que gosta mais de respostas
do que de perguntas. O instinto conservativo passa então a dominar, e cessa o crescimento espiritual”
(BACHELARD, 1996, p. 19).

Segundo Bachelard (1996), até mesmo a experiência primeira costuma funcionar como barreira à
aquisição do conhecimento. Aquilo que aprendemos sobre um objeto pela primeira vez permanece, para nós,
como indicativo de um porto seguro, de onde devem partir todos os nossos navios em direção ao mar e onde
devem atracar todos os navios que para nós chegam carregados de novas mercadorias e novas ideias.

Retornemos ao nosso exemplo sobre Galileu: há muito, os cientistas discutem o papel da


experimentação e da observação na concepção de Galileu sobre o movimento da Terra. Nossa posição,
aqui, é: independentemente da importância da experiência, Galileu jamais teria concluído pelo
movimento da Terra se a isso não estivesse “mentalmente” aberto. Ele poderia ter visto a Lua por meio
do seu telescópio e, mesmo assim, não ter enxergado as montanhas lunares (como o indígena citado por
Carl Sagan em Cosmos). O fato de ele ter apontado o telescópio para a Lua já demonstrava a existência
de uma concepção interior a respeito do que poderia ser visto. Entre a percepção que imaginamos
exata e a abstração construída pela nossa razão, há um caminho imenso que se coloca entre nós e um
novo conhecimento.

Koyré (2006, p. 9) afirma:

Não podemos esquecer, ademais, de que a “influência” não é uma relação


simples; pelo contrário, é bilateral e muito complexa. Não somos influenciados
por tudo aquilo que lemos ou aprendemos. Em certo sentido, talvez o mais
profundo, somos nós que determinamos as influências a que nos submetemos;
nossos ancestrais intelectuais não são de modo algum dados a nós; nós é que
os escolhemos livremente. Pelo menos, em grande parte.

Exemplo de aplicação

Reflita sobre o seguinte: se estamos sempre em busca de reforço para aquelas ideias com as quais
concordamos, de que maneira podemos entrar em contato com posições diferentes das nossas?

17
Unidade I

Nas Ciências Econômicas, é clássico o exemplo de mudança de paradigma em relação à capacidade


de a oferta criar a sua própria demanda. Assim, durante muito tempo (desde o século XVIII), acreditou‑se
ser suficiente oferecer (produzir e colocar à disposição do consumidor) bens e serviços: os consumidores
surgiriam naturalmente. Para que você compreenda melhor: acreditava‑se que, caso um fabricante
colocasse sapatos à disposição no mercado – independentemente da quantidade oferecida –, os
consumidores surgiriam de forma natural. Desse modo, sempre haveria quem consumisse o que fosse
produzido e ofertado. Afinal, o fato de uma empresa produzir algum produto significava que ela havia
contratado recursos de produção, incluída aí a mão de obra. De uma maneira quase mágica, imaginava‑se
que essa mão de obra, então assalariada e com recursos financeiros em mãos, trataria de comprar os
sapatos disponíveis no mercado.

Essa concepção – chamada de Lei de Say – sofreu um abalo definitivo quando, embora houvesse
produtos em excesso no mercado, não havia consumidor disposto a comprar qualquer unidade. Se esse
esquema mágico tivesse algum fundo de verdade (consumidores automaticamente consumindo produtos
oferecidos), não haveria na economia qualquer problema de estoques de produtos não vendidos. No
entanto, a história econômica nos mostrou, por diversas vezes, que essa concepção encontrava pouca
aderência aos fatos da realidade; em especial, a crise de 1929 – caracterizada, entre outras coisas, pela
falta de demanda para os incontáveis bens amontoados nos pátios das fábricas – abriu os olhos dos
economistas para a falta de evidências empíricas para a Lei de Say.

O que permitiu que a Lei de Say perdurasse por tanto tempo, do século XVIII às primeiras décadas
do século XX? Não podemos imaginar que os economistas fossem todos equivocados e incapazes de
reconhecer a realidade! A resposta mais adequada para isso é que construções mentais satisfatórias – e
que nos chegam sob a forma da Ciência ou do senso comum – resistem às mudanças. Isso evidencia, mais
uma vez, que as condições dadas para o acesso ao conhecimento devem ser investigadas, especialmente
quando nos propomos à especialização dentro de uma área de saber.

Figura 3 – A Lei de Say propõe que a oferta cria a sua própria demanda. Atualmente, os economistas consideram que essa proposição
não tem validade, já que ela não explicaria as situações em que há oferta de bens e serviços sem que haja procura correspondente

18
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Vejamos, então, como se dá o processo de conhecimento. Conhecer algo ou estudar algum fenômeno
requer que usemos nossa capacidade intelectual, nossa razão. A razão é, portanto, o ponto de partida
para a aquisição do conhecimento. Segundo Chauí (2000, p. 70‑71):

A consciência é a razão. Coração e razão, paixão e consciência intelectual


ou moral são diferentes. Se alguém “perde a razão” é porque está sendo
arrastado pelas “razões do coração”. Se alguém “recupera a razão” é porque o
conhecimento intelectual e a consciência moral se tornaram mais fortes do
que as paixões. A razão, enquanto consciência moral, é a vontade racional
livre que não se deixa dominar pelos impulsos passionais, mas realiza as
ações morais como atos de virtude e de dever, ditados pela inteligência ou
pelo intelecto. […] Nós a consideramos [a razão] a consciência moral que
observa as paixões, orienta a vontade e oferece finalidades éticas para a
ação. Nós a vemos como atividade intelectual de conhecimento da realidade
natural, social, psicológica, histórica. Nós a concebemos segundo o ideal da
clareza, da ordenação e do rigor e precisão dos pensamentos e das palavras.

Supõe‑se, assim, que a realidade seja dotada de uma racionalidade passível de ser percebida e
apreendida pela nossa atividade intelectual. Por sua vez, a atividade racional, essa capacidade humana
de apreender a realidade, pode ocorrer de dois modos: pela intuição (que está associada ao “ver”
imediato, sem qualquer necessidade de prova ou demonstração, como se tivesse havido um “estalo” ou
uma “revelação”) ou pelo raciocínio. Para efeito da nossa disciplina, interessa‑nos especialmente esse
último, que se configura como razão discursiva e que se apresenta sob as formas de dedução e indução.

Observação

Propusemos, logo na apresentação do livro‑texto, a discussão sobre os


métodos tradicionalmente utilizados pelos economistas para a investigação
do seu objeto de estudo. Para que você possa compreender esse debate,
consideramos necessário apresentar as principais características dos
métodos racionais antes mencionados e que fazem parte do arsenal que os
cientistas utilizam nas suas áreas de conhecimento.

Segundo Chauí (2000, p. 82):

Dedução e indução são procedimentos racionais que nos levam do já


conhecido ao ainda não conhecido, isto é, permitem que adquiramos
conhecimentos novos graças a conhecimentos já adquiridos. Por isso, se
costuma dizer que, no raciocínio, o intelecto opera seguindo cadeias de
razões ou os nexos e conexões internos e necessários entre as ideias ou
entre os fatos.

19
Unidade I

Alguns exemplos clássicos podem nos ajudar a compreender melhor esses conceitos:

a) no caso da dedução, parte‑se de uma premissa inicial e, com base nela, explicam‑se os casos particulares.
Por exemplo:

Todos os homens são mortais.

Sócrates é homem.

Portanto, Sócrates é mortal.

b) no caso da indução, partimos de casos particulares para, em função deles, estabelecer uma regra geral.
Por exemplo:

João é homem e é mortal.

Pedro é homem e é mortal.

Paulo é homem e é mortal.

Portanto, todos os homens são mortais.

Exemplo de aplicação

Tratando‑se de raciocínios dedutivos ou indutivos, precisamos distinguir a validade do argumento e


a verdade da conclusão do argumento. Veja os exemplos a seguir:

Exemplo 1

Assertiva 1: Todos os homens têm mais de 1,80 m de altura.

Assertiva 2: João é homem.

Conclusão: Logo, João tem mais de 1,80 m de altura.

Pergunta: A conclusão que afirma ter João mais de 1,80 m de altura é falsa ou verdadeira, considerando
as assertivas 1 e 2?

Exemplo 2

Assertiva 1: Todos os homens têm mais de 50 metros de altura.

Assertiva 2: João é homem.

Conclusão: Logo, João tem mais de 50 metros de altura.

20
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Pergunta: A conclusão que afirma ter João mais de 50 metros de altura é falsa ou verdadeira,
considerando as assertivas 1 e 2?

Exemplo 3

Assertiva 1: As janelas do apartamento 1 deste edifício são brancas.

Assertiva 2: As janelas do apartamento 2 deste edifício são brancas.

Assertiva 3: As janelas do apartamento 3 deste edifício são brancas.

Assertiva 4: As janelas do apartamento 4 deste edifício são brancas.

(Este edifício tem apenas 4 apartamentos.)

Conclusão: Logo, todas as janelas de apartamento deste edifício são brancas.

Pergunta: A conclusão que afirma serem brancas todas as janelas de apartamento do edifício é falsa
ou verdadeira, considerando as assertivas anteriores?

Exemplo 4

Assertiva 1: As janelas do apartamento 1 deste edifício são brancas.

Assertiva 2: As janelas do apartamento 2 deste edifício são brancas.

Assertiva 3: As janelas do apartamento 3 deste edifício são brancas.

Assertiva 4: As janelas do apartamento 4 deste edifício são brancas.

(Este edifício tem apenas 5 apartamentos.)

Conclusão: Logo, todas as janelas de apartamento deste edifício são brancas.

Pergunta: A conclusão que afirma serem brancas todas as janelas de apartamento do edifício é falsa
ou verdadeira, considerando as assertivas anteriores?

Fonte: INDUÇÃO ([s.d.)].

De forma resumida, o método dedutivo parte de um princípio geral para explicar os casos particulares.
Por exemplo, se alguém quiser traçar um perfil dos alunos que cursam Ciências Econômicas por meio de
educação a distância, poderá levantar algumas hipóteses: são alunos que não têm tempo para assistir a

21
Unidade I

aulas presenciais; são alunos que moram distantes das universidades existentes; são alunos que preferem
estudar segundo um ritmo diferente daquele utilizado nos cursos presenciais. Essas são hipóteses: quem
reflete sobre o tema assume como prováveis essas características dos alunos de cursos a distância, sendo
capaz de criar algumas regras explicativas.

Em contrapartida, o método indutivo parte do particular para o geral. Usando o mesmo exemplo,
pode-se conversar com cada aluno do curso de Ciências Econômicas a distância, questionando‑o sobre
os motivos para a escolha dessa modalidade. Após conversar com todos, seria possível, então, formular
uma explicação geral – o estudo dos casos particulares permitiria a construção de uma explicação geral.

Você já deve ter percebido o quão importante é a discussão a respeito das vias de acesso ao
conhecimento. Portanto, o debate sobre as condições epistêmicas da geração do saber é fundamental,
e não apenas uma discussão semântica sem qualquer utilidade! Apesar disso, o mainstream das
Ciências Econômicas preferiu ignorar a precariedade das nossas formas de acessar o conhecimento
sobre fenômenos como consumo e poupança, pobreza e riqueza. Certos de terem conseguido alcançar
um conhecimento seguro sobre a realidade, os economistas fecharam os olhos para a fragilidade de
pressupostos como a racionalidade e a motivação humana no sentido de otimizar a utilidade, princípios
basilares das escolas clássicas e neoclássicas de pensamento econômico.

Após ultrapassar os obstáculos que o debate sobre as condições do conhecimento instaurou no


século XIX (e aqui é fundamental o papel desempenhado por John Stuart Mill, como veremos adiante), as
Ciências Econômicas se acomodaram em relação aos seus pressupostos epistemológicos: tal como havia
sido até então, pareciam soberanos os métodos da reflexão dedutiva e da abordagem histórica como
formas seguras de se atingir o conhecimento sobre o mundo econômico. O confronto com a realidade
aconteceria por meio da validação estatístico‑matemática dos dados coletados, e esse procedimento
garantiria a validade dos modelos teóricos.

Especialmente a partir do final do século XIX e do início do século XX, um manto de suave conforto
cobriu os trabalhos dos pensadores econômicos: o consenso sobre as bases epistemológicas da Economia
já estava estabelecido, acima de qualquer discussão. Estavam dadas as condições necessárias para a
matematização da teoria econômica, e o crescente uso da matemática para a investigação das relações
econômicas coroou essa certeza: alguns economistas chegavam a dizer que, entre as Ciências Sociais,
a Economia era a ciência “mais exata” e, portanto, “mais próxima” da certeza. Não apenas as formas
que utilizávamos para acessar o conhecimento eram excelentes como o resultado que obtínhamos era
extremamente eficaz!

Mas, afinal, quais eram as vias de acesso por meio das quais os economistas julgavam ser possível
conhecer os atos e fenômenos econômicos? Ou seja, como os economistas pretendiam investigar as
formas adotadas pela sociedade para a solução do problema da produção e consumo de bens e serviços,
dadas duas condições: a escassez de recursos e as necessidades ilimitadas?

22
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Figura 4 – As Ciências Econômicas estudam como os seres humanos resolvem os problemas da produção e consumo de bens e
serviços, dadas a escassez de recursos e as necessidades ilimitadas

De maneira geral e sistemática, grande parte dos economistas acomodou‑se com o uso de dois
métodos: o hipotético‑dedutivo e o histórico‑dedutivo. De Smith aos dias de hoje, esses têm sido os
instrumentos preferenciais dos economistas no estudo dos atos e fenômenos econômicos.

O problema teórico central enfrentado pela economia e pelas outras ciências


sociais é a escolha do método ou abordagem preferidos de investigação.
Economistas clássicos como Smith, Malthus e Marx usaram essencialmente
o método histórico‑dedutivo: tentaram generalizar a partir da observação
da realidade econômica que os cercava. Ricardo desenvolveu modelos
altamente dedutivos, mas os fatos básicos em que baseou seu raciocínio,
como as maiores rendas recebidas pelos proprietários das terras mais
produtivas, vieram de sua observação da realidade econômica. […] A redução
da teoria econômica a modelos matemáticos possibilitada pela abordagem
hipotético‑dedutiva aconteceria nos anos 1930, quando um grande número
de engenheiros e físicos se juntaram à profissão (MIROWSKI, 1991). Keynes
representou uma reação à primazia do método hipotético‑dedutivo na
teoria econômica e a sua consequência, a tendência à “matematização” do
pensamento econômico (BRESSER‑PEREIRA, 2009, p. 163‑164).

O método dedutivo (histórico ou hipotético) consagrou‑se como instrumento preferencial nos estudos
econômicos. Se houve alguma aproximação com o método indutivo (quer dizer, com o estudo de casos
particulares para a formulação de regras gerais), isso ocorreu por meio de abordagens mais empíricas,
especialmente as relacionadas às análises históricas e estatísticas: melhor dizendo, as relacionadas às
análises de dados históricos submetidos ao rigor matemático.

23
Unidade I

Na verdade, tanto as críticas passíveis de serem feitas ao método dedutivo quanto as relacionadas
ao método indutivo foram (e ainda são, em grande parte) ignoradas pelos economistas. A despeito
da segurança dos cientistas econômicos, o fato é que há problemas imensos com a qualidade de
conhecimento que acessamos. Com a dedução, temos que lidar com as limitações provenientes dos
sistemas lógicos de pensamento. Se a dedução parte da razão e da formulação de princípios gerais
que explicam casos particulares, podemos ter que lidar com falhas lógicas (paradoxos e contradições,
por exemplo) ou com erros na própria formulação dos princípios gerais. Supostamente, esses
problemas poderiam ser controlados a partir do rigor com que os silogismos fossem formulados
e a partir da consistência dos argumentos utilizados. No entanto, esse controle é relativo. Nossa
capacidade de abstração e a nossa linguagem inserem vieses que, por sua vez, ocultam partes da
realidade. Mais: mesmo que utilizemos a História como base para nossas reflexões dedutivas, não
podemos esquecer o fato de que eventos novos, fora do comum, podem ocorrer. Imagine alguém
fazendo uma análise histórica antes da Revolução Industrial ou da Revolução Francesa. Teria sido
possível prever esses eventos? E, no entanto, eles ocorreram e passaram a ser admitidos em todas
as análises históricas posteriores!

Em relação à indução, temos que lidar com a possibilidade de erros na coleta de dados estatísticos,
erros esses que podem inviabilizar os modelos que abstraímos dos dados. Temos que conviver, ainda, com
o número limitado de observações e de casos particulares, e não há como ultrapassar essa dificuldade.
Podemos identificar cem casos iguais e, na centésima primeira vez, termos que lidar com alguma
anomalia. Em outras palavras, sempre será possível surgir um evento que seja completamente diferente
dos anteriores. Assim, os métodos indutivos costumam chegar a resultados que estão associados a
graus de probabilidade. Finalmente, é importante salientar que precisamos assumir nossa incerteza
quanto à possibilidade de os sentidos serem capazes de apreender a realidade: nossas sensações, nossa
experiência e nossos sentidos podem falhar (aliás, falham).

Toda essa discussão ganhou, no máximo, um espaço diminuto nas notas de rodapé dos estudos
econômicos. Para efeito da nossa disciplina, entretanto, precisamos nos aprofundar um pouco mais
nessa questão. Tomemos Adam Smith: o método usado por Smith (e por outros tantos depois dele)
foi o histórico‑dedutivo. A partir do conhecimento histórico, e em função de esse material permitir a
criação de categorias generalizadoras, Smith acabou por formular alguns conceitos fundamentais sobre
o ser humano enquanto agente econômico. Refletindo sobre a História, Smith foi capaz de deduzir
algumas regras gerais que poderiam perfeitamente dar conta de explicar a natureza humana e suas
manifestações quando da troca, compra e venda de bens e serviços.

Numa sociedade civilizada, o homem a todo momento necessita da ajuda e


cooperação de grandes multidões, e sua vida inteira mal seria suficiente para
conquistar a amizade de algumas pessoas. No caso de quase todas as outras
raças de animais, cada indivíduo, ao atingir a maturidade, é totalmente
independente e, em seu estado natural, não tem necessidade da ajuda de
nenhuma outra criatura vivente. O homem, entretanto, tem necessidade
quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda
simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter
o que quer, se conseguir interessar a seu favor a autoestima dos outros,
24
PSICOLOGIA ECONÔMICA

mostrando‑lhes que é vantajoso para eles fazer‑lhe ou dar‑lhe aquilo de


que ele precisa. É isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra
(SMITH, 1996, p. 74).

Observação

Essas ideias de Smith permearam o pensamento clássico e deram


origem à caracterização do Homo economicus como egoísta e movido pelo
autointeresse, como veremos adiante.

O que permitiu a Smith a elaboração desses conceitos foi o seu profundo conhecimento histórico e
a observação da realidade. Esse material, objeto de reflexão racional e crítica, possibilitou a construção
dos conceitos explanados em sua principal obra. Smith deduziu, a partir do conhecimento histórico.

Mais um exemplo do uso primoroso do método dedutivo vem de David Ricardo (1772‑1823), outro
economista clássico. Por exemplo, ao discutir a questão do valor comparado entre dois bens, Ricardo
(1996, p. 30) afirma:

Se uma peça de lã valer hoje duas peças de linho, e se, dentro de dez anos,
o valor de uma peça de lã alcançar quatro peças de linho, poderemos
com certeza concluir que será necessário mais trabalho para fabricar o
pano, ou menos para fabricar as peças de linho, ou ainda que ambas as
causas influíram.

Ricardo faz suposições sobre as leis de funcionamento do sistema econômico. Ele reflete sobre a
realidade que se apresenta aos seus olhos e deduz, de forma similar ao realizado por Smith a partir do
material histórico. O método utilizado por Ricardo e Smith se repete na maioria dos trabalhos sobre
sistemas econômicos.

Bresser‑Pereira (2009) resume o contexto metodológico no qual está inserida a maioria das investigações
dos atos e fenômenos econômicos: alguns economistas preferem o método hipotético‑dedutivo – a
partir da adoção de uma premissa lógica, chega‑se a uma teoria suficientemente robusta (se completada
com alguma demonstração matemática, melhor ainda); outros economistas, no entanto, preferem o
método histórico‑dedutivo – por meio do estudo da história e da observação da realidade, formulam‑se
pressupostos gerais que apresentam bastante segurança na sua utilização. “Ambos são dedutivos, mas
enquanto um é hipotético – partindo de um pressuposto – o outro é histórico – partindo de sequências
observadas de fatos e mantendo‑se próximo a eles durante o processo dedutivo” (BRESSER‑PEREIRA,
2009, p. 165). Ainda para Bresser‑Pereira (2009, p. 167):

[…] dado que a economia […], cujo objeto é aberto e complexo – os sistemas
econômicos –, argumento que a economia deve usar principalmente o
método histórico‑dedutivo. Ela só deve recorrer secundariamente ao
método hipotético‑dedutivo, aqui entendido como o processo de raciocínio
25
Unidade I

que parte do pressuposto da racionalidade econômica e deriva a teoria


desse pressuposto básico. O uso do método hipotético‑dedutivo é legítimo,
porque se presume que todas as ciências desenvolvam seus próprios
conceitos e modelos heurísticos. Além disso, se entendermos que o objetivo
da economia é explicar os sistemas econômicos e desenvolver ferramentas
para entender os mercados, ela terá de usar o método hipotético‑dedutivo
para desempenhar esse segundo papel. Mas o método histórico‑dedutivo
deve ter precedência, porque a complexidade e o caráter de mudança dos
sistemas econômicos tornam impossível derivar modelos relevantes apenas
de algumas hipóteses.

Vejamos agora um exemplo de aproximação com a modalidade empírica. O economista neozelandês


William Phillips (1914‑1975) analisou alguns dados econômicos do Reino Unido referentes ao período
de 1861 a 1957. A partir dos dados da realidade e da submissão desses dados ao tratamento matemático,
Phillips identificou uma correlação negativa entre inflação e desemprego: quanto menor o desemprego,
maior a inflação; em contrapartida, quanto maior o desemprego, menor seria a inflação. A hipótese
explicativa para tal relação é a seguinte: quanto menor o desemprego, mais pessoas com recursos
financeiros sairiam ao mercado em busca de bens e serviços. Caso a oferta desses bens e serviços não
aumentasse, era provável que os preços aos consumidores aumentassem: haveria mais procura do que
oferta de produtos, e a taxa de inflação aumentaria também. Em contrapartida, com uma maior taxa
de desemprego, menos pressão haveria para aumento dos preços, já que menos pessoas estariam em
condições de adquirir bens e serviços.

Taxa de inflação

Taxa de desemprego

Figura 5 – A Curva de Phillips resulta da representação matemática da correlação negativa entre inflação e desemprego

Observação

Essa relação também foi demonstrada, posteriormente, por economistas


americanos; sua aplicabilidade, entretanto, foi questionada quando da
ocorrência – em várias economias – de altas taxas de inflação combinadas
com elevadas taxas de desemprego.

26
PSICOLOGIA ECONÔMICA

O que Phillips fez foi coletar dados secundários (estatísticos) e, por meio da matemática, deduzir
uma lei geral explicativa da relação entre inflação e desemprego. Como podemos caracterizar esse
método, qual seja, o de usar o material histórico para a coleta de dados secundários a serem submetidos
ao tratamento matemático e, posteriormente, à análise dedutiva? Para Bresser‑Pereira (2009), aqui está
configurado um método empírico‑dedutivo, similar ao histórico‑dedutivo. Assim, ele afirma:

[…] o método histórico‑dedutivo é “histórico” porque parte da


observação da realidade empírica e procura generalizar a partir dela; […]
e, finalmente, é indutivo porque testa as hipóteses sempre que possível,
com ferramentas econométricas que são intrinsecamente indutivas
(BRESSER‑PEREIRA, 2009, p. 171).

Na concepção de Bresser‑Pereira, o empirismo estaria relacionado à observação da realidade (ou seja,


a dados da realidade sob a forma estatística); o fato de as conclusões terem como base dados reais,
portanto, configuraria essa forma de conhecimento como próxima a outros métodos indutivos. Na nossa
percepção, e isso poderá ser visto adiante, a utilização do método indutivo difere do que é aqui proposto
por Bresser‑Pereira; de qualquer forma, é inegável existir uma tentativa de os economistas se aproximarem
da realidade e do estudo de casos particulares, mesmo que apenas para efeito de validação matemática.

É importante salientar que essa hegemonia em relação à discussão epistemológica referente às


Ciências Econômicas encontrou algumas exceções, sendo John Stuart Mill (1806‑1873) a mais notável.
Inglês dos Oitocentos, Stuart Mill, como típico homem de seu tempo, viveu o apogeu da Revolução
Industrial e as grandes transformações científicas que marcaram a História, não ficando imune às ideias
então disseminadas. A burguesia, a grande vitoriosa da Revolução Industrial e da Revolução Francesa,
pretendia conhecer o mundo que a cercava. Os ideais iluministas – justamente os que pregavam o
uso da razão – influenciaram uma geração inteira de pensadores, todos eles dedicados ao estudo do
conhecimento e dos critérios de cientificidade de suas respectivas áreas. Discutia‑se, acima de qualquer
coisa, qual seria o melhor modelo de Ciência, e a influência de Newton e Darwin era notável.

As pesquisas à época buscavam descobrir a “mecânica” dos fenômenos para, por meio da
formulação de leis explicativas, dar sentido aos fatos da natureza e da própria sociedade (SANTOS;
JUDENSNAIDER, 2015).

O raciocínio lógico‑matemático pretendia conhecer a realidade e interpretá‑la,


utilizando um método científico infalível e livre de visões parciais. O pano
de fundo de tal pensamento alinhava‑se com os desenvolvimentos técnicos
que melhoravam as condições de vida dos homens, não havendo espaço,
portanto, para sistemas metafísicos ou crenças supersticiosas – afinal
de contas, a razão deveria ser enfatizada por meio da experiência e do
empirismo (SANTOS; JUDENSNAIDER, 2015, p. 63).

Acima de tudo, preconizava‑se que as verdadeiras ciências deveriam ter como base metodológica a
observação e a experiência. Os métodos aplicados nas ciências físicas, químicas e biológicas poderiam
(e deveriam) ser utilizadas também nas Ciências Sociais. Tendo isso em mente, e tomando como
27
Unidade I

modelo a Física de Newton, o positivismo se estruturou como corrente de pensamento: era necessário
observar a natureza, coletar dados in loco e experimentar. Qualquer conhecimento que não tivesse
como origem o escopo da experiência e da observação – conhecimento esse, portanto, proveniente
dos sentidos – não tinha valor. Qualquer conhecimento do qual não pudessem ser derivadas leis
explicativas não serviria para coisa alguma.

John Stuart Mill aproximou‑se bastante dos pensadores positivistas, inclusive do seu principal
formulador, Auguste Comte (1798‑1857). Talvez já seja possível perceber o conflito que o contato entre
o pensamento econômico e o positivismo faria surgir: como atribuir estatuto científico às Ciências
Econômicas se elas não tinham como base o método indutivo, se elas não partiam da experiência como
fonte do conhecimento, se elas majoritariamente utilizavam a dedução como pressuposto epistemológico?

O Universo era um grande organismo e haveria uma grande lei que pudesse
explicar todo o seu funcionamento: para os estudiosos da Economia
Política, isso significava a busca da demonstração da superioridade da
ordem burguesa por meio da matemática. Talvez isso explique a busca por
um “aparato metodológico‑formal capaz de dar à economia roupagem
formal semelhante à da física clássica” (PAULA, 2002, p. 137) e a constância
de metáforas derivadas da física e da biologia nos textos econômicos
(JUDENSNAIDER, 2012, p. 55).

Sob influência do positivismo comtiano, Mill tentava sintetizar o conhecimento econômico até então
gerado com os desenvolvimentos metodológicos e epistêmicos da Física, da Química e da Biologia. A
tarefa não era fácil: tratava‑se, afinal, de propor a indução como método para uma área que – até
aquele momento – havia se desenvolvido por meio de abordagens dedutivas e históricas.

Mill acabou por não resolver o dilema que para si mesmo havia proposto. No entanto, o debate que
ele fez surgir mostrou o quanto ainda havia a ser discutido em relação aos pressupostos epistemológicos
da investigação econômica. E, finalmente, de maneira até paradoxal, Mill acabou por lançar as bases
para que a dedução se tornasse o grande instrumento de análise dos economistas, fazendo isso por meio
da elaboração do conceito de Homo economicus.

Para que os atos econômicos pudessem ser estudados dedutivamente, era necessária uma premissa
inicial. Vocês estão lembrados da premissa do silogismo sobre a mortalidade de Sócrates? Pois bem,
era preciso que o raciocínio todo partisse de uma ideia básica, e essa premissa deveria conter a
natureza humana que justificasse os atos econômicos. Em outras palavras, era necessário descrever
o ser humano enquanto agente de atos econômicos. Quem era esse agente, como ele se comportava
e quais eram suas motivações?

Segundo Souza (2015), partindo da herança filosófica do Iluminismo (que pregava a razão como
motor das ações humanas), Stuart Mill (e isso acabou sendo desenvolvido também por seus sucessores)
“desenhou” um modelo ideal do agente econômico que acabou por fortalecer:

a) uma ferramenta analítica;


28
PSICOLOGIA ECONÔMICA

b) um modelo ideal de comportamento econômico, tendo como base uma natureza humana
conduzida pela racionalidade;

c) a indicação desse modelo não apenas como instrumental hipotético, mas até mesmo como valor
ético a ser defendido.

Em outras palavras: ao definir o agente econômico como um ser racional que sempre procurava otimizar
o prazer e a satisfação, Mill e seus sucessores acabaram por definir não apenas como a natureza humana
supostamente era, mas como deveria ser. Afinal, para uma ciência que pretendia criar leis explicativas,
era fundamental que pudessem ser feitas previsões; para que fosse possível prever, era obrigatório que o
comportamento econômico fosse passível de compreensão em termos de causas e efeitos.

Parece claro, portanto, que para qualquer formulação do tipo “se X, então Y” era proibitivo supor um
comportamento irracional e imprevisível. Era condição necessária que os atos desse indivíduo pudessem
ser previstos; caso contrário, toda a iniciativa de explicação daria em nada.

Esse parecia ser o caminho certo, e

[…] eventualmente a noção de indivíduo foi simplificada, permitindo a


utilização do Homo economicus como uma ferramenta de estudo dos
fenômenos econômicos. Porém, as diversas transformações nas teorias
econômicas durante o século XIX levaram a abstrações cada vez maiores e
o desaparecimento de algumas dimensões originais do conceito. Mudanças
na noção de ciência durante [as] primeiras décadas do século XX levaram
economistas a tentarem livrar suas teorias de qualquer referência a aspectos
psíquicos dos indivíduos (SOUZA, 2015, p. 1).

O modelo de racionalidade enfim adotado partia das seguintes premissas, herdeiras dos trabalhos de
Descartes e Locke:

a) os sentidos contaminavam a percepção da realidade; portanto, apenas a atividade racional era


capaz (e deveria ser capaz) de conhecer o mundo; a racionalidade não era, assim, apenas uma
característica possível de ser observada em algumas pessoas, mas uma condição necessária;

b) o ser humano era (e precisava ser) autônomo, livre da pressão e da influência de costumes, paixões
ou fontes de autoridade;

c) para lidar com uma natureza objetiva, o homem desenvolvera (ou precisava desenvolver) uma
natureza também objetiva, portanto racional.

Como consequência disso, imaginava‑se um indivíduo centrado na promoção daquilo que atendia
ao seu autointeresse. Ele não levantava de manhã para trabalhar porque devia, mas porque precisava.
Ele não dava desconto no preço para um cliente porque era generoso, mas porque precisava vender.
Como diria Smith (1996, p. 74):
29
Unidade I

Dê‑me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer — esse é
o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos
uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos. Não é
da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos
nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse.

Segundo esse modelo, o ser humano desejava a riqueza e fazia tudo para conquistá‑la. Ainda, ele
não sentia prazer pelo trabalho: ele trabalhava apenas por que essa era a condição necessária para
sobreviver. Ele desejava o conforto material (procurava sempre aquilo que pudesse lhe dar esse prazer)
e tinha um impulso natural de aumentar a prole.

Thomas Malthus (1776‑1834), outro pensador clássico, também havia desenvolvido raciocínio
similar. Ao descrever a natureza humana como condicionada pelo autointeresse e pelos instintos sexuais,
Malthus elaborou uma interessante teoria a respeito das relações econômicas e demográficas oriundas
dessa natureza, a partir de dois postulados:

Primeiro: Que o alimento é necessário para a existência do homem.


Segundo: Que a paixão entre os sexos é necessária e que permanecerá
aproximadamente em seu atual estágio. Essas duas leis, desde que nós
tivemos qualquer conhecimento da humanidade, evidenciam ter sido leis
fixas de nossa natureza e, como nós não vimos até aqui nenhuma alteração
nela, não temos o direito de concluir que elas nunca deixarão de existir
como existem agora, sem um pronto ato de poder daquele Ser que primeiro
ordenou o sistema do universo e que para proveito de suas criaturas ainda
faz, de acordo com leis fixas, todas estas variadas operações. […] Então,
adotando meus postulados como certos, afirmo que o poder de crescimento
da população é indefinidamente maior do que o poder que tem a terra de
produzir meios de subsistência para o homem (MALTHUS, 1996, p. 146).

Figura 6 – Embora muitas ideias de Malthus tenham sido negadas pelos teóricos posteriores, é inquestionável a dimensão do
problema da fome no mundo em face do crescimento populacional e da pouca disponibilidade de alimentos

30
PSICOLOGIA ECONÔMICA

O esforço de Mill consistira na simplificação da psicologia humana de forma a ser possível


representá‑la em (ou reduzi‑la a) uma abstração útil em termos de ferramenta analítica. Isso foi feito
com tamanha competência que as críticas a esse modelo ideal não foram capazes de perturbá‑lo
demasiadamente. Assim, aspectos históricos associados a valores morais ou econômicos ficaram
de fora do modelo. Da mesma forma, crenças e atitudes que não se encaixavam no contexto do
utilitarismo racional foram deixadas de lado. Afinal, segundo Torres (2013, p. 1),

[…] o Utilitarismo é uma teoria sobre os fundamentos da conduta moral e


sobre o critério que, em última análise, permite‑nos avaliar e julgar as ações
que praticamos, as condutas que devemos seguir e as normas que devemos
adotar no curso de nossa vida. E a tese fundamental do Utilitarismo é que o
procedimento recomendado para tais avaliações é o de determinar em que
medida o que fazemos contribui, não para a felicidade individual, mas para
a felicidade global de todos os seres vivos do mundo em que vivemos. A
diretriz geral proposta para tais avaliações é, pois, a de que elas têm que se
concentrar no cálculo das consequências do que fazemos.

O conceito de um mundo naturalmente inclinado ao equilíbrio dava o reforço necessário para a


compreensão desse agente econômico. Num ambiente como que controlado por mãos invisíveis (como
o descrito por Newton na sua Física), era razoável que o ser humano também se comportasse diante de
premissas racionais, equilibradas e determinísticas.

A revolução marginalista nada mais fez do que centrar seus trabalhos nessas premissas. Para os
economistas marginalistas, o mercado era formado por um número imenso de produtores e consumidores,
incapazes, individualmente, de influenciar preços e quantidades. Os consumidores buscavam otimizar
sua satisfação e os produtores, os lucros. Não havia conflito entre as classes sociais, mas equilíbrio.

Segundo Souza (2015, p. 7), os marginalistas apresentaram

[…] os indivíduos como o locus da causalidade nos fenômenos econômicos.


O argumento é que os indivíduos são as melhores unidades de análise da
vida econômica porque seu comportamento é entendido através da escolha,
sendo a escolha do indivíduo uma expressão de seus gostos e desejos através
da aplicação de princípios marginalistas. Para Morgan (1996), esses princípios
marginalistas não são nada mais do que a inclusão de conceitos matemáticos
– maximização e métodos do cálculo diferencial – no arcabouço do Homo
economicus. Através dessa inclusão, é possível explicar o comportamento dos
mercados, pois são os princípios marginalistas que estabelecem os preços ao
determinarem a demanda e a oferta (DAVIS, 2003, p. 25‑26).

Em consequência, o Homo economicus derivado desses pressupostos poderia ser caracterizado da


seguinte forma:

a) ele era capaz de calcular a utilidade proveniente de cada bem ou serviço consumido;
31
Unidade I

b) o cálculo matemático da utilidade recebida indicava as melhores e racionais escolhas de consumo


que tinham como objetivo principal a maximização do prazer.

O cálculo da utilidade poderia ser realizado a partir de duas variáveis associadas ao consumo:
intensidade e duração. Melhor do que isso, impossível – estavam dadas as condições para a análise e
a demonstração matemática da otimização do prazer. A psicologia do comportamento cedia espaço,
definitivamente, para uma Física econômica: nenhuma sensação ou valor emocional era capaz de
atormentar esse ser racional que possuía as informações necessárias para tomar a melhor decisão
dentro de bases racionais.

Veja a seguir uma demonstração matemática típica dessa formulação teórica. Como é possível
verificar, a função matemática descreve com perfeição o comportamento desse ser racional e
otimizador de utilidade. No nosso exemplo, supomos que um agente consuma uma cesta
exclusivamente composta de dois bens: x e y. O agente, em seu comportamento padrão, buscará o
consumo máximo dos dois bens.

Figura 7 – A Curva de Indiferença do Consumidor mostra que, em qualquer cesta de consumo que combine quantidades de x e y nas
proporções da curva U, o consumidor estará igualmente satisfeito

É importante reforçar este ponto: embora ocorrendo de forma esporádica, as investigações que
introduziram mudanças importantes, inclusive na noção do Homo economicus, foram absorvidas pela
escola neoclássica, principal vertente do mainstream do pensamento econômico. Essa escola conseguiu,
por muito tempo, relegar as condições psicológicas do comportamento a um plano inferior. Se ocorreram
críticas, elas acabaram por se acomodar ao corpus teórico já existente.

Por exemplo, Alfred Marshall (1842‑1924), um dos maiores nomes dessa escola de pensamento,
partiu da premissa de que o ser humano era uma máquina de prazer. Ele nascia e crescia com o objetivo
de desenvolver a sua capacidade de calcular, matematicamente, os lucros e as perdas que poderiam ser
auferidos e, a partir disso, organizar a própria vida. Era como se cada indivíduo pudesse se transformar
numa máquina calculadora psicológica, incapaz de cometer erros. A esse quadro, Marshall adicionou o
conceito de equilíbrio.

Marshall estava primariamente interessado na natureza autoajustadora,


autocorretiva do mundo econômico. Como seu mais brilhante pupilo J. M.
32
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Keynes escreveria mais tarde, ele criou “um completo sistema copernicano,
no qual todos os elementos do universo econômico são mantidos em seus
lugares por mútuos contraponto e interação” (HEILBRONER, 1996, p. 185).

Fugindo da armadilha das anomalias psicológicas dos agentes econômicos, estava pronto o contexto
que permitiria o equilíbrio. Na escola neoclássica, o conceito de racionalidade do comportamento
chegava à sua mais perfeita formulação. Claro que não havia como eliminar o efeito do tempo na
análise econômica, mas, para evitar que essa variável pudesse causar problemas,

[…] tempo, para Marshall, era tempo abstrato; era o tempo no qual as
curvas matemáticas separavam‑se e experiências teóricas poderiam ser
realizadas e repetidas, mas não era o tempo em que nada realmente
verdadeiro acontecia. Quer dizer, não era o fluxo irreversível do tempo
histórico – e, acima de tudo, não era o tempo histórico no qual Marshall
vivia (HEILBRONER, 1996, p. 187).

Assim, o primado da racionalidade foi se estabelecendo a partir de alguns pressupostos, alguns já


nossos conhecidos:

a) o indivíduo tem preferências definidas, que não mudam de forma arbitrária;

b) o indivíduo sempre prefere uma maior quantidade de bem;

c) o indivíduo sempre procura alcançar o máximo de satisfação; hedonista, a sua busca pelo prazer
sempre o leva a tomar a decisão que o conduz a um nível máximo de satisfação;

d) quanto menor a quantidade possuída do bem, menos disposto o indivíduo estará em renunciar a
uma unidade, mesmo que em troca de um outro bem; ele só o fará assim se o total de satisfação
se mantiver o mesmo, apesar da nova combinação de bens.

Em seu cerne, a teoria da racionalidade, repousando sobre os pressupostos


acima, postula que as pessoas usam informações disponíveis e relevantes
para prever o futuro provável de variáveis econômicas e não cometem
erros sistemáticos ao fazer essas previsões. […] Mesmo se cometerem
erros, aprenderão a partir deles, de maneira que os erros previsíveis
serão eliminados. Não se apoiando apenas na experiência passada, mas
recorrendo também a informações atuais, usam‑nas de modo ótimo,
ainda que não possam alcançar toda a informação possível, pois esta
é, muitas vezes, cara ou indisponível, ou tampouco a analisem em
profundidade, mas, gradualmente, aprendem a antecipar mudanças
das políticas macroeconômicas e modificam seu comportamento em
decorrência disso (FERREIRA, 2007b, p. 10).

33
Unidade I

2 AS CRÍTICAS AO HOMO ECONOMICUS

É claro que, embora hegemônica, essa forma de pensar o Homo economicus foi alvo de reflexão.
Thorstein Veblen (1857‑1929), por exemplo, questionou os pressupostos de racionalidade e otimização
hedonista do agente econômico. Segundo Souza (2015, p. 8),

Thorstein Veblen refuta o “hedonistic man” – o uso da expressão Homo


economicus ainda não está consolidada – criticando os pressupostos
psicológicos da teoria econômica utilitarista, que eram baseados na
introspecção, e propõe substituí‑los por pressupostos da Psicologia e
Antropologia “modernas”, baseadas no método empírico das ciências
naturais. Veblen defenderia que analisar a escolha humana através de
uma maximização de um conjunto de preferências estáveis é incorreto,
pois a decisão econômica não é mecânica, mas sim finalística e
intrinsecamente social, mesmo quando inspirada nas propensões e
hábitos individuais.

Thorstein, norueguês de nascimento que migrou para os Estados Unidos ainda adolescente, viveu na
época da supremacia dos ideais capitalistas de concorrência e lucro. Se havia alguma moralidade nos
negócios, era uma moralidade bastante peculiar: valia tudo para acabar com o concorrente, qualquer
ação era legítima se resultasse em aumento do lucro ou do tamanho dos negócios.

Insatisfeito com a teoria econômica disponível, Veblen lutou para mudar alguns padrões de
pensamento e categorias de análise.

Alienação é geralmente um fenômeno dos doentes, e por nossos padrões


Veblen poderia ter sido um neurótico. Pois tinha a qualidade de isolar‑se
de forma praticamente hermética. Passou pela vida como se tivesse vindo
de outro mundo, e as coisas que pareciam tão naturais aos olhos de seus
contemporâneos pareciam a ele pungentes, exóticas e curiosas como
os rituais de uma sociedade selvagem é aos olhos de um antropólogo
(HEILBRONER, 1996, p. 205).

Para Veblen, as teorias econômicas existentes (e que, matematicamente demonstradas, revelavam


um mundo equilibrado e ordenado) não combinavam com a realidade. Nenhum trabalho teórico era
capaz, sequer, de incluir nos seus estudos a ferocidade dos oligopólios que então se formavam. De
forma quase antropológica, ele procurou descobrir o que tornava a economia um ambiente tão inóspito
e competitivo, no qual as regras morais e éticas criavam uma realidade complexa e bastante diversa
daquela que os cálculos matemáticos mostravam.

Veblen queria saber outra coisa: por que as coisas eram como eram em
primeiro lugar. Assim sua investigação começava não com a peça econômica,
e sim com os atores; não com a trama, mas com o completo conjunto de
costumes que resultavam neste tipo particular de peça chamada “sistema de
34
PSICOLOGIA ECONÔMICA

negócios”. Numa palavra, ele pesquisou a natureza do homem econômico e


seus ritos e rituais econômicos (HEILBRONER, 1996, p. 206).

Após penar muito (e, em grande parte, por conta da sua personalidade difícil), Veblen se acomodou
na Universidade de Chicago. Os alunos eram poucos, mas os anos que lá passou foram suficientes para
que ele escrevesse sua primeira grande obra: A Teoria da Classe Ociosa. Por meio de uma ríspida e furiosa
crítica à classe aristocrática, Veblen traçou um vigoroso perfil da psicopatologia econômica.

Pela sua própria natureza, o desejo de riquezas nunca se extingue em indivíduo


algum, e evidentemente está fora de questão uma saciedade do desejo geral
ou médio da riqueza. Nenhum aumento geral de riqueza na comunidade,
por mais geral, igual ou “justa” que seja a sua distribuição, levará mesmo de
longe ao estancamento das necessidades individuais, porque o fundamento
de tais necessidades é o desejo de cada um de sobrepujar todos os outros
na acumulação de bens. Admitem alguns que o incentivo à acumulação
está na necessidade de subsistência ou de conforto físico; se esse fosse o
caso, poder‑se‑ia conceber que as necessidades econômicas conjuntas da
comunidade se satisfizessem num ponto qualquer do progresso na eficiência
industrial. A luta é, contudo, essencialmente uma luta por honorabilidade
fundada numa ociosa comparação de prestígio entre os indivíduos; assim
sendo, é impossível uma realização definitiva (VEBLEN, 1987, p. 19).

Para a aristocracia, ciosa do papel que deveria representar, o desejo de riqueza era substituído pelo
desejo de exibição: era importante que todos reconhecessem aquele indivíduo como nascido (ou criado)
no seio da elite. Assim, gostos particulares de alimentos, bebidas, adornos, vestuário, narcóticos e títulos
nobiliárquicos deveriam ser estimulados.

Um mundo habitado por indivíduos racionais que, movidos pelo autointeresse, eram capazes de criar
um ambiente em equilíbrio não correspondia ao que Veblen havia conhecido e estudado em outras culturas
e sociedades. Afinal, não era em todas as sociedades que o motivo pecuniário era o vetor do trabalho. Mais:
havia algo de extremamente particular nas sociedades que permitiam a existência de classes ociosas, que
só se apropriavam do resultado do trabalho alheio. Aliás, os trabalhadores não apenas permitiam como
idolatravam os que viviam no ócio e tinham hábitos de consumo refinados; não apenas idolatravam, mas
imitavam, certos de que a posse de determinados bens poderia alçá‑los à categoria social mais nobre.

E, assim, na vida moderna, Veblen viu a herança do passado. A classe ociosa


mudou sua ocupação, refinou seus métodos, mas seu objetivo continuava
sendo o mesmo – o predatório tomar bens sem trabalho. Ela não mais, é
claro, procurava butins ou mulheres; não era mais assim tão bárbara.
Mas procurava dinheiro, e a acumulação de dinheiro e sua ostentação ou
demonstração sutil tornaram‑se a contrapartida moderna dos escalpos
pendurados em suas tendas. A classe ociosa não apenas seguia o velho
padrão predatório, mas era mantida pelas velhas atitudes de admiração pela
força pessoal (HEILBRONER, 1996, p. 216).
35
Unidade I

Nem um pouco racional. Ao contrário, tão bárbaro quanto nas mais primitivas comunidades – assim
Veblen descreveu o seu Homo economicus. As razões explicativas para o comportamento econômico
podiam “ser muito melhor compreendidas em termos de irracionalidades enterradas fundo do que
nos termos do embelezamento do comportamento do século dezenove que os transformam em
consequências da razão e bom senso” (HEILBRONER, 1996, p. 217).

Como encarar, então, a noção da maximização da utilidade proposta pelos economistas neoclássicos?
De forma bastante precisa, Veblen identificou que o consumo era, em grande parte das vezes, fruto da
pressão social do grupo ao qual se pertencia.

Hábitos de pensamento que tangem à expressão da vida em determinada


direção inevitavelmente afetam a opinião corrente sobre o que é bom e
correto também em outras direções. No complexo orgânico dos hábitos de
pensamento que formam a substância da vida consciente do indivíduo, o
interesse econômico não está isolado nem é distinto de todos os demais
interesses (VEBLEN, 1987, p. 55).

Figura 8 – Para Veblen, fazer parte de um grupo requeria que fossem consumidos os bens que esse grupo consumia, mesmo que não
fossem úteis ou necessários do ponto de vista da sobrevivência e do bem‑estar básico

Em relação ao sistema econômico, a visão de Veblen também estava muito distante da idealística
e idílica paisagem desenhada pelos economistas clássicos e neoclássicos. A economia significava
produção, e a produção exigia a presença de quem cuidasse dela. Essa figura não era a do empreendedor,
mas dos engenheiros e mecânicos que controlavam os processos produtivos. Qual era então o papel
do empreendedor? Em outra obra, Veblen dissecaria esse personagem, e dessa operação resultaria um
modelo bem distante daquele que representava o indivíduo que, de forma egoísta e em função de seu
próprio interesse, acabaria por produzir bem‑estar para todos.

De forma quase oposta ao ideal até então festejado, Veblen via o empreendedor como alguém que,
basicamente, vivia do caos que gerava no sistema produtivo. Para ter lucro – e apenas para isso – o empreendedor

36
PSICOLOGIA ECONÔMICA

desorganizava o sistema, fazia os preços flutuarem, eliminava a concorrência e aumentava a sua influência
no mercado. Nada nessas ações tinha como objetivo o bem‑estar de todos, tampouco a produção em si: o
objetivo do empreendedor era tão somente o lucro e, para conquistá‑lo, tanto fazia provocar o desemprego,
onerar o consumidor, desempregar funcionários ou destruir uma empresa concorrente. A função do
empreendedor, portanto, era a de criar confusão para obter lucro. Em suma, “para Veblen, os empresários
eram essencialmente predadores, por mais que eles ou seus apólogos pudessem vestir suas atividades com a
elaborada racionalização de oferta e demanda ou utilidade marginal” (HEILBRONER, 1996, p. 220).

Embora realizasse uma análise rejeitada pela maioria dos economistas, Veblen lançou um olhar
diferente à realidade, ao menos quando comparado com outros colegas. As críticas de que seu trabalho
mais parecia o de um antropólogo ou de um sociólogo não mudavam o fato de que ele havia visualizado
um ambiente bem distinto daquele que os modelos matemáticos suponham retratar.

Veblen realçava a inutilidade do tentar entender as ações dos homens


modernos em termos derivados de um incompleto e ultrapassado conjunto de
preconceitos. O homem, disse Veblen, não deve ser compreendido em termos de
sofisticadas “leis econômicas” nas quais tanto sua ferocidade inata e criatividade
são suavizadas sob uma capa de racionalização. Ele é melhor descrito com o
menos orgulhoso, porém mais fundamental vocabulário do antropólogo ou
do psicólogo: uma criatura de força e impulsos irracionais, crédulo, inculto,
ritualístico. Deixem de lado as ficções elogiosas, pedia ele aos economistas, e
descubram por que o homem age como o faz (HEILBRONER, 1996, p. 229).

Exemplo de aplicação

Figura 9 – A frota de helicópteros da cidade de São Paulo é tida como a maior do mundo

De que forma podemos analisar o consumo de bens de luxo dentro da perspectiva da racionalidade
preconizada pelo mainstream econômico? Como essa análise difere da que seria feita com base na
teoria de Veblen?

37
Unidade I

Veblen não foi o único a desafiar os cânones neoclássicos baseados no pressuposto da racionalidade.
Alguns economistas encontraram soluções menos radicais para superar o obstáculo que o debate sobre
a natureza humana representava. Carl Menger (1840‑1921), economista austríaco, introduziu uma
novidade na análise do comportamento econômico: para ele, a capacidade de conhecimento humano
era limitada; assim, não haveria como o agente econômico ter todas as informações possíveis.

Vilfredo Pareto (1848‑1923), por sua vez, resolveu separar a Economia Política clássica em duas
grandes dimensões. A primeira, a Economia Política pura, estaria associada ao uso do conceito de
utilidade como uma forma de abstração que serviria tão somente de ferramenta operacional. Já a
Economia Política aplicada estaria associada ao estudo de aspectos empíricos econômicos, por exemplo,
os históricos e os relacionados à questão do desenvolvimento (SOUZA, 2015). Quanto à diferença entre
comportamentos lógicos e comportamentos não lógicos, Pareto também parece ter chegado a uma
solução bastante satisfatória. Para ele,

[…] esta distinção é apenas analítica e na realidade aspectos lógicos e não


lógicos estariam provavelmente misturados entre si. O economista italiano
ainda relaciona ações a uma noção biológica de sentimentos, dado que para
ele sentimentos são forças motivadoras que fundamentam os aspectos não
lógicos dos comportamentos através de seus resíduos e derivações. Como os
aspectos não lógicos seriam os principais motivadores das ações, o próprio
equilíbrio da sociedade dependeria dos sentimentos. Pareto utiliza sua noção
de sentimentos para explicar as mudanças na sociedade como um todo –
inclusive para explicar fenômenos da esfera econômica como a flutuação
entre consumo e poupança e o conflito entre rentistas e especuladores
(SOUZA, 2015, p. 11).

Como resultado da inclusão de aspectos não lógicos na esfera do comportamento econômico,


o Homo economicus de Pareto possuía uma face mais “real” e mais distante do modelo neoclássico
maximizador de utilidade.

Observação

Em vez de trabalhar com o conceito de utilidade em termos de


quantificação do bem‑estar ou da satisfação do indivíduo (portanto,
utilizando a dimensão cardinal da utilidade), Pareto propôs trabalhar
com a dimensão de preferência (dimensão ordinal): as pessoas tenderiam
a ordenar os bens em termos de preferência, independentemente do
dimensionamento da quantidade de utilidade atribuída a cada um.

Outros economistas desenvolveram novas teorias com base nos anteriores estudos a respeito da
racionalidade econômica: por exemplo, Paul Samuelson (1915‑2009), Prêmio Nobel de Economia de
1970, em sua Teoria da Preferência Revelada (TPR), solucionou o dilema entre preferências e escolhas de
forma extremamente interessante: embora as preferências não fossem possíveis de serem conhecidas,
38
PSICOLOGIA ECONÔMICA

as escolhas dos agentes poderiam ser observáveis. Assim, a TPR “dá uma formulação ‘empírica’ à teoria
neoclássica ao baseá‑lo no comportamento individual e caracteriza a racionalidade como consistência
– um ordenamento de preferências transitivo e completo” (SOUZA, 2015, p. 14).

Amartya Sen (1933‑), Prêmio Nobel de Economia de 1998, por sua vez, preferiu criticar o modelo
neoclássico de Homo economicus egoísta e movido pelo autointeresse. Para ele, o compromisso com a
comunidade, a empatia e o desejo de liberdade seriam características humanas que não poderiam ser
desconsideradas quando da formulação – mesmo que teórica – de um modelo ideal de agente econômico.

Saiba mais

Para conhecer melhor o trabalho de Amartya Sen, sugerimos a leitura de:

PINHEIRO, M. M. S. As liberdades humanas como bases do


desenvolvimento: uma análise conceitual da abordagem das capacidades
humanas de Amartya Sen. Rio de Janeiro: Ipea, 2012. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1794.pdf>.
Acesso em: 26 jan. 2017.

Você já deve ter notado: Pareto, Samuelson e Sen introduziram algumas mudanças no corpus teórico
já existente, todo ele apoiado na racionalidade do comportamento econômico. No entanto, as bases do
mainstream ainda continuavam lá. Essa situação mudou a partir da segunda metade do século XX,
quando surgiram as maiores críticas ao pressuposto da racionalidade do comportamento econômico. Se
antes já haviam despontado alguns trabalhos que buscavam ultrapassar a barreira imposta pela certeza
que o princípio da racionalidade carregava, os desenvolvimentos das Ciências Comportamentais e da
Psicologia Social introduziram novas possibilidades. Ainda, esses desenvolvimentos encontraram eco no
trabalho de alguns economistas insatisfeitos com as limitações que os pressupostos da racionalidade
impunham à reflexão teórica.

Claro que esse processo não ocorreu sem desvios ou dificuldades. Se havia alguma tradição no sentido
de aproximar a Psicologia da Economia, essa havia sido de responsabilidade dos filósofos, que faziam a
aproximação sem grandes problemas; para os economistas e psicólogos, entretanto, a criação de uma área
de fronteira era problemática, e os primeiros trabalhos que buscaram uma intersecção entre a Psicologia
e a Economia, com muito esforço, acabaram por produzir uma fissura no resistente campo de força que
economistas e psicólogos haviam criado para a proteção contra uma área de interface tão estranha.

Os economistas incomodavam‑se com a transposição de constructos da Psicologia Social para


o estudo do comportamento econômico. Os psicólogos, por sua vez, estavam mais interessados
no estudo da clínica do que na investigação de comportamentos “incomuns”, como aqueles
relacionados à Economia. Para tornar o cenário mais conturbado, a Psicologia e a Economia
utilizavam metodologias visceralmente diferentes: enquanto as Ciências Econômicas adotavam o
método dedutivo (como já vimos), a Psicologia desenvolvia seu corpus teórico a partir de métodos

39
Unidade I

indutivos. As teorias em Psicologia trabalhavam com hipóteses temporárias, dadas as mudanças


pelas quais os seres humanos estavam sujeitos. As Ciências Econômicas, em contrapartida,
baseavam‑se nos pressupostos de racionalidade que haviam sido desenvolvidos no século XVIII.

Uma das obras fundadoras da Psicologia Econômica foi o trabalho de Pierre‑Louis Reynaud, de 1954.
Embora com características mais próximas de um esforço de divulgação científica, Reynaud tinha como
área de formação a Economia Política e entendia a Psicologia Econômica como uma ramificação natural
dela. Segundo Ferreira (2007b), Reynaud lamentava os equívocos empíricos dos economistas da mesma
forma como o fazia em relação aos erros dedutivos. Para ele, era fundamental o estudo do “interior” do
agente econômico, o que deveria ser conduzido pelas teorias psicológicas e comportamentais.

A partir de um enfoque humanista, Reynaud definiu a Psicologia Econômica como o estudo da


Economia sob aspectos subjetivos e mentais. Os métodos utilizados seriam aqueles pertencentes às duas
áreas, e o objetivo principal seria o de realizar uma síntese que fosse capaz, inclusive, de criar novos
métodos e noções.

Como ciência‑fronteira, a Psicologia Econômica estaria apta a explicar a evolução dos sistemas
econômicos, especialmente na medida em que incluía o estudo de fatores qualitativos humanos.

O autor acredita[va] que os métodos das duas disciplinas – psicologia,


com testes, questionários, entrevistas e experiências de laboratório, de um
lado, e economia, com estatísticas, monografias e investigações, de outro –
poderiam produzir dados que “fecunda[vam‑se] mutuamente”, sendo os
obstáculos a tal proposta contornados por meio de uma formação dupla,
em todas as áreas, por parte dos especialistas em Psicologia Econômica
(FERREIRA, 2007b, p. 132, grifos da autora).

Apesar da originalidade e do vanguardismo de Reynaud, o grande marco transformador (e, nos termos
que já falamos, marco que acabou por modificar o paradigma epistemológico das Ciências Econômicas)
ocorreu com o trabalho de George Katona (1901‑1981), um psicólogo de origem húngara que migrou para
os Estados Unidos antes da Segunda Guerra Mundial. Em sua principal obra, Katona mudou o objeto até
então selecionado pelos estudiosos do comportamento econômico: em Psychological Economics (1975),
ele focou seu trabalho nos fatores psicológicos que contribuíam para o comportamento econômico.

Realizando entrevistas por meio de amostragem, Katona, finalmente, utilizou a metodologia das
Ciências Comportamentais (uma área em franco desenvolvimento a partir da segunda metade do século
XX) para investigar o comportamento relacionado aos atos e aos fenômenos econômicos.

A abordagem psicológica à análise econômica rompe as barreiras


tradicionais das duas disciplinas, economia e psicologia. Ela considera
processos econômicos como manifestações do comportamento humano e
os analisa do ponto de vista da moderna psicologia. Economia como ciência
comportamental estuda o comportamento de consumidores, negociantes,
e responsáveis por políticas públicas no que diz respeito a gastar, poupar,
40
PSICOLOGIA ECONÔMICA

investir, precificar, e outras atividades econômicas. Embora comportamento


econômico seja eliciado pelo ambiente e suas mudanças, os seres humanos
não reagem aos estímulos como autômatos. Seus motivos e atitudes, mesmo
seus gostos, esperanças e medos, representam variáveis intervenientes que
influenciam tanto sua percepção do ambiente como seu comportamento.
Para entender processos econômicos, considerações psicológicas e variáveis
subjetivas devem ser incorporadas à análise (KATONA, 1975, p. 3 apud
FERREIRA, 2007b, p. 93).

As inovações que Katona introduziu não foram poucas: na visão dele, era inviável uma Economia sem
a Psicologia, da mesma forma que era inviável uma Psicologia que não estudasse um comportamento
humano tão essencial quanto o econômico. Cabia à Psicologia, portanto, investigar as forças que
motivavam os processos referentes às ações econômicas. Mais importante ainda: embora Katona
admitisse comportamentos diferentes daqueles racionais preconizados até então, ele entendia que
as teorias psicológicas seriam capazes de medir e estabelecer relações causais explicativas desses
comportamentos. Mesmo que eles se modificassem ao longo da vida de um indivíduo, ainda assim seria
possível estudá‑los a partir das teorias comportamentais. Afinal, o comportamento econômico, como
outros comportamentos, era socialmente aprendido, dependia de estímulos e era capaz de se manifestar
e se modificar de forma observável.

É claro que para empreender esse tipo de investigação outros dados que não os histórico‑estatísticos
deveriam ser coletados: Katona pretendia estudar as atitudes e as expectativas das pessoas. Os
sentimentos e as aspirações dos agentes econômicos poderiam explicar – e melhor – o comportamento
relacionado ao consumo e à poupança. Na verdade, Katona pretendia discutir o que até então não havia
sido objeto de discussão: afinal, o quanto a racionalidade explicava o comportamento dos agentes
econômicos? Não havia como existir um comportamento irracional, já que o irracional seria apenas
aquele comportamento impossível de ser compreendido!

Figura 10 – Para Katona, irracional seria apenas o comportamento que não fosse passível de ser compreendido.
A partir dessa abordagem, aumentam as possibilidades de compreensão de comportamentos que estão relacionados
à dimensão da vida econômica dos agentes

41
Unidade I

Exemplo de aplicação

Reflita a respeito dos comportamentos descritos a seguir. Como poderíamos analisá‑los a partir da
visão neoclássica da racionalidade dirigida à otimização dos resultados? Como faríamos a análise desses
comportamentos a partir dos desenvolvimentos de Katona?

a) hábitos relacionados aos jogos de azar;

b) hábitos relacionados ao uso abusivo de crédito;

c) hábitos relacionados à sonegação de impostos.

Segundo Ferreira (2007b), Katona procurou investigar a confiança do consumidor, as atitudes diante
da inflação e o comportamento econômico em função da tributação, das taxas de juros, das alterações
na oferta de dinheiro e do controle de preços. Em especial, Katona buscou centrar os seus estudos na
questão da cognição como determinante do comportamento dos agentes econômicos.

Utilizando métodos quantitativos respeitados, com grandes amostras e


tratamento estatístico rigoroso, chegava‑se, pela primeira vez, a levantar o
que a população fazia, sentia e esperava com relação a assuntos econômicos.
Tal enfoque, que marcaria o rumo da disciplina pelo menos nos trinta anos
seguintes, inaugurava o caráter explicitamente empírico da nova área,
distanciando‑a de especulação (FERREIRA, 2007b, p. 88, grifo da autora).

O reconhecimento e a atribuição de legitimidade a essa área de pesquisa vieram com Herbert Simon
(1916‑2001). Ganhador do Prêmio Nobel de 1978 com o seu trabalho a respeito das decisões racionais
nas organizações comerciais, o economista assume ser a Economia Política, embora não mencione a
Psicologia Econômica, em essência, uma ciência psicológica (FERREIRA, 2007b).

O foco de seu estudo é a Teoria da Decisão, bem como a influência desta na formulação da Teoria
da Firma. Para ele, as teorias comportamentais teriam maior poder explicativo das escolhas feitas pelos
agentes econômicos, em especial nos ambientes de incerteza e competição imperfeita. Simon trabalha,
portanto, com o conceito de racionalidade limitada.

Considerando a racionalidade limitada como aquela que não implica a


onisciência, pois esta falha face ao desconhecimento de todas as alternativas,
à incerteza frente a eventos exógenos relevantes e à incapacidade para
calcular consequências, os mecanismos de escolha dentro deste espectro
requereriam o desenvolvimento de dois outros conceitos: “busca” (“search”)
e “suficientemente satisfatório” (“satisficing”) (FERREIRA, 2007b, p. 142,
grifos da autora).

42
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Nem racionalidade ilimitada, tampouco certezas matemáticas: o verdadeiro movimento da economia


era aquele no sentido da aproximação, da satisfação sistematicamente alcançada em função de níveis
de expectativa críveis e possíveis de serem alcançados.

Para Simon, se havia alguma certeza era a de que a teoria da racionalidade não era capaz, de forma
alguma, de descrever os processos humanos na tomada de decisões. Aliás, os avanços da Matemática
e da Tecnologia eram capazes de revelar como poderiam ser equivocadas as “decisões racionais dos
agentes econômicos”, em especial no ambiente de negócios.

Figura 11 – Para Simon, a observação da realidade obrigava a substituição do conceito de racionalidade ilimitada para o da
racionalidade limitada, em especial quando da análise das decisões dos agentes econômicos

Será a partir da década de 1980, portanto, que a Psicologia Econômica se estabelecerá como área
específica do conhecimento, caracterizando‑se como interface entre a Psicologia e a Economia.

A década de 1980 foi escolhida como marco divisor por diversos motivos. O
primeiro deles é o fato de que o conceito de indivíduo e sua utilização dentro
da teoria neoclássica sofreram pesadas críticas no período imediatamente
anterior à década de 1980. O trabalho de Herbert Simon (1955) gerou várias
discussões sobre a racionalidade do homem econômico vigente na teoria
neoclássica, o que acabou abrindo espaço para os trabalhos seminais de
Kahneman e Tversky (1974; 1979) e para o prêmio Nobel de Simon em 1978.
Amartya Sen (1977) faz uma pesada crítica ao comportamento estritamente
autointeressado do Homo economicus. Vernon Smith (1962, 1976) também
inicia seus trabalhos pioneiros em Economia Experimental antes de 1980
(SOUZA, 2015, p. 2).

Essa mudança no modelo perceptual do agente econômico fez surgir um sem‑número de publicações
que tinham como objeto de interesse os estudos sobre as motivações e o comportamento do agente
econômico: não tardou muito para que os pressupostos de racionalidade e de otimização da utilidade
43
Unidade I

sofressem um revés vigoroso. Assim, não é descuidado afirmar que nessa década se deu a construção de
um novo paradigma sobre o comportamento econômico. Segundo Bresser‑Pereira (2009, p. 182):

Embora os economistas saibam que os agentes econômicos nem sempre agem


racionalmente para maximizar sua utilidade, apesar do fato de o conceito de
racionalidade limitada de Herbert Simon ser bem demonstrado, não obstante
todas as recentes pesquisas experimentais demonstrarem empiricamente
que o comportamento dos agentes não segue a lógica racional que a teoria
econômica neoclássica atribui aos agentes econômicos, a teoria econômica
neoclássica não rejeita o pressuposto do Homo economicus porque toda sua
estrutura teórica depende da racionalidade dos agentes. Esse é o pressuposto
que lhe permite construir seu modelo central. Quando essa racionalidade
é empiricamente rejeitada, o método hipotético‑dedutivo se torna inútil.
Agentes ambíguos e contraditórios ou racionalidade limitada não permitem
deduzir teorias.

Em 2002, outro economista ganharia um Prêmio Nobel após desenvolver um trabalho que questionava
o pressuposto da racionalidade. Embora não mencionando a Psicologia Econômica, Daniel Kahneman
(1934‑) enfocou o processo de decisão não como fruto de análise cuidadosa e racional de alternativas,
mas como resultado de um processo quase intuitivo.

A revisão que ele leva a cabo, aqui, é tributária de duas vertentes: a


psicologia social‑cognitiva que, nas últimas décadas, teria “revelado” que
os pensamentos diferem quanto à dimensão de acessibilidade – alguns vêm
à mente mais facilmente do que outros –, e a distinção entre processos
de pensamentos intuitivos, de um lado, e deliberados, de outro (FERREIRA,
2007b, p. 145).

Para Kahneman, portanto, não havia como justificar o uso do conceito de racionalidade, já que a
maioria das decisões era realizada (e de forma bem‑sucedida) pela intuição.

Figura 12 – Para Kahneman, a maioria das decisões é tomada com base na intuição

44
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Lembrete

Como você deve lembrar, fizemos anteriormente a distinção entre


raciocínio e intuição. Essa última teria como características a rapidez
e a ausência de esforço, quase configurando um automatismo. Em
contrapartida, o raciocínio seria fruto de um processo lento e associado a
representações conceituais.

Após esse breve histórico a respeito de como novas áreas de pesquisa surgiram a partir das
Ciências Econômicas, em especial a área da Psicologia Econômica, vamos investigar quais os efeitos
desses desenvolvimentos em termos dos métodos que passaram a ser utilizados para investigar o
comportamento econômico.

3 NOVOS PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E A PESQUISA NA


PSICOLOGIA ECONÔMICA

Como vimos anteriormente, os estudos relacionados à Psicologia Econômica partem do princípio


de que o critério da racionalidade do agente econômico não é capaz de explicar todos os fenômenos
encontrados quando da investigação das interações ocorridas nos mercados. Assumindo, portanto,
que ele não é suficiente – ou, em alguns casos, que é inadequado – para nortear as pesquisas sobre
comportamento econômico, os economistas e psicólogos têm que lidar com um vácuo criado entre
as formulações teóricas convencionais e a realidade. Quer dizer: se não podemos imaginar o agente
econômico como um ser racional e que toma decisões de forma a otimizar o resultado, como poderemos
então conhecê‑lo e prever seu comportamento?

A resposta para isso veio dos métodos indutivos das Ciências Comportamentais e, mais
especificamente, da Psicologia Social. Com tradição na pesquisa das relações sociais a partir de
constructos psicológicos, a Psicologia Social já fazia uso de métodos indutivos (aqueles que partem
de casos particulares para a generalização) há décadas. Assim, como muitas das teorias explicativas
para o comportamento já vinham dessa área, nada mais previsível do que também passar a adotar
os seus métodos.

Observação

Os constructos são construções mentais que resultam da síntese de


vários elementos. Assim, eles articulam diversos conceitos, organizando‑os
de forma sistêmica.

Quais são esses métodos? São aqueles que, utilizados com os agentes econômicos, permitem que
conheçamos suas opiniões e atitudes de forma a alcançarmos resultados válidos por todos e que ocorram
novamente se essas técnicas forem empregadas, replicadas ou repetidas por outros pesquisadores (quer

45
Unidade I

dizer, métodos que sejam fidedignos). Segundo Selltiz, Wrightsman e Cook (1987a, 1987b), para a
aceitação ou não dos resultados de uma pesquisa, devemos verificar:

a) se a pesquisa tem validade interna, isto é, se ela identifica relações causais precisas. Entendemos
que uma relação causal é quando identificamos que uma variável X causa um efeito na variável
Y; em termos de pesquisa do comportamento econômico, uma pesquisa teria validade interna
caso conseguisse demonstrar que a confiança no desempenho da economia afeta as decisões
relacionadas à poupança;

b) se a pesquisa tem validade de constructo, quer dizer, se a pesquisa identificou corretamente as


variáveis a serem investigadas. Voltando ao nosso exemplo: caso a pesquisa tenha demonstrado
uma relação causal entre “expectativas quanto ao futuro da economia” e as “decisões relacionadas
à poupança”, o pesquisador precisa provar que as alterações ou os resultados relacionados à
decisão de poupar ou não estão efetivamente associados às expectativas quanto à performance
da economia no futuro, e não a outra variável qualquer. E se mudanças na decisão de poupar mais
ou menos, embora aparentemente associadas às perspectivas em relação ao futuro, pudessem
ser explicadas de forma mais precisa caso tivesse sido utilizada a variável “proximidade à idade
de aposentadoria”? A validade de constructo diz respeito, portanto, ao fato de o pesquisador
estar estudando as relações entre as variáveis realmente pertinentes ao fenômeno que ele quer
investigar;

c) se a pesquisa apresenta validade externa, quer dizer:

Quando demonstra algo que é verdadeiro para além dos estreitos limites
do seu estudo. Se os resultados forem verdadeiros não apenas para o
momento, lugar e pessoas de seu estudo, mas também o forem para outros
momentos, lugares e pessoas, seu estudo possuirá validade externa (SELLTIZ;
WRIGHTSMAN; COOK, 1987a, p. 4).

Voltemos novamente ao nosso exemplo. Imagine que foram entrevistadas quinhentas pessoas, com idade
entre 20 e 30 anos, na cidade de São Paulo, com o objetivo de verificar se as decisões a respeito do montante
a ser poupado dependem – ou estão associadas – às expectativas em relação ao futuro da economia. Para que
esse estudo apresente validade externa, teríamos que concluir que o comportamento observado nesse grupo
ocorreria também se fizéssemos a mesma pesquisa no Rio de Janeiro ou Recife, ou se tivéssemos entrevistado
outras quinhentas pessoas na mesma cidade de São Paulo, sempre chegando aos mesmos resultados. Esse
aspecto é de extrema importância, já que a maioria dos estudos na área de Psicologia Econômica é realizada
com estudantes, mais fáceis de serem contatados e mais dispostos à colaboração. Como podemos garantir
que os resultados obtidos com os estudantes se repetirão caso o estudo busque conhecer outros grupos?
De fato, quanto mais a pesquisa é replicada (reproduzida) com outros grupos e em outros lugares, e caso os
resultados sejam semelhantes, maior validade externa ela possui.

A pesquisa precisa ser fidedigna, ou seja, ela deve ser passível de repetição. Em outros termos:
a metodologia utilizada tem que ser compreensível para que qualquer outro pesquisador repita os
procedimentos com o objetivo de verificar se são alcançados ou não os mesmos resultados.
46
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Figura 13 – A Psicologia Econômica tem interesse especial justamente nas variáveis que não costumam ser levadas em consideração
nas análises convencionais do mainstream em Economia: confiança, expectativa quanto ao futuro, capacidade de fazer planos a
médio e a longo prazo etc.

E como devem ser planejadas as pesquisas para a investigação do comportamento econômico?


Inicialmente, deve ser formulado um problema de pesquisa, uma pergunta que a pesquisa deverá responder.
Não há pesquisa se não há um problema a ser resolvido. Em nosso exemplo anterior, é provável que a
pergunta formulada inicialmente tenha sido a seguinte: é possível que haja associação entre a forma como
as pessoas percebem o futuro e as suas decisões em relação a poupar mais ou menos? Como você deve ter
reparado, essa é uma pergunta que pode ser respondida no contexto de uma pesquisa.

Da pergunta nasce a hipótese, que é a resposta provável à pergunta formulada. A hipótese é uma
resposta que o próprio pesquisador elabora, em função daquilo que ele já conhece, de pesquisas
anteriores ou do que ele imagina ser o mais verdadeiro. A pesquisa terá, então, a finalidade de verificar
o quanto essa hipótese é verdadeira ou não.

Observe o esquema a seguir:

1º Momento: o pesquisador se pergunta se há alguma relação causal entre “expectativa quanto ao


futuro” e “volume de poupança”.

2º Momento: o pesquisador supõe que essa relação exista; segundo o que imagina ser provável, ele
acredita que quanto maior a confiança no futuro, maior o volume de poupança – ou seja, quanto mais as
pessoas acreditarem no futuro, mais elas estarão dispostas a adiar o consumo para realizar planos no futuro.

3º Momento: o pesquisador realiza a pesquisa com o público‑alvo, a fim de verificar se a sua hipótese
é verdadeira ou não.

4º Momento: o pesquisador, por meio da análise dos dados, conclui que sua hipótese é verdadeira –
ele poderia ter concluído que é falsa; no nosso exemplo, a hipótese foi confirmada.

47
Unidade I

5º Momento: o pesquisador replica a pesquisa com outros grupos para verificar se os resultados
se repetem.

6º Momento: caso os resultados surjam novamente, em outros estudos similares, o pesquisador pode
formular uma teoria em que considera a existência de uma relação causal entre expectativas em relação
ao futuro e volume de poupança.

No nosso exemplo, falamos de pesquisas envolvendo entrevistas. Essa é uma das modalidades de
pesquisa empírica que é geralmente utilizada para a investigação do comportamento econômico – aliás,
é uma das mais utilizadas. No entanto, os desenvolvimentos teóricos e metodológicos da Psicologia
Social nos possibilitam o uso de outros métodos. Vejamos com detalhes cada um deles.

3.1 A pesquisa quantitativa: os surveys

As pesquisas quantitativas são aquelas que pretendem mensurar a ocorrência de um determinado


fenômeno dentro de um grupo de pessoas. Assim, elas trabalham com a coleta de informações que,
posteriormente, estarão sujeitas à análise estatística.

De forma simplificada, elas podem ser divididas em dois grandes grupos:

a) Os estudos de verificação de hipótese, nos quais hipóteses explícitas são averiguadas. Em


geral, as hipóteses dizem respeito à associação entre variáveis, sem que a relação causal entre
elas seja explicitada.

b) Os estudos de descrição de população, nos quais o principal objetivo é descrever as características


da população. Nesses estudos, é comum que um grande número de variáveis seja pesquisado, bem
como é corriqueiro o uso de testes estatísticos.

Um bom exemplo de pesquisa quantitativa na área de Economia é o estudo realizado pelo Datafolha
a respeito do sentimento dos brasileiros em relação ao País, pesquisa que inclui a análise da evolução
desse sentimento ao longo do tempo.

Saiba mais

Você pode acessar as informações mais relevantes sobre a metodologia


do estudo e sobre os resultados obtidos em:

DATAFOLHA. Otimismo com economia eleva confiança dos brasileiros.


São Paulo, 2016. Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/
opiniaopublica/2016/07/1792829‑otimismo‑com‑economia‑eleva‑
confianca‑dos‑brasileiros.shtml>. Acesso em: 27 jan. 2017.

48
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Figura 14 – A pesquisa eleitoral é o tipo mais conhecido de survey. Nesse tipo de investigação, pretende‑se identificar as intenções de
voto dos entrevistados, bem como as suas atitudes e opiniões a respeito dos discursos dos candidatos

Outro estudo interessante é o realizado por duas empresas de pesquisa de opinião, que buscou
identificar o “sonho de consumo” dos paulistas. Para isso, foram entrevistadas 1.495 pessoas nos
meses de junho e julho de 2005, em todo o interior do estado de São Paulo. De acordo com Sampling
Consultoria Estatística e Pesquisa de Mercado e Limite Consultoria Estatística ([s.d.], p. 1), “23% dos
entrevistados declararam ter como sonho de consumo ‘adquirir um veículo’. Em segundo lugar, com
19% de respostas apareceu ‘adquirir a casa própria’. Em contrapartida, 16% disseram não ter ‘nenhum
sonho de consumo’”.

Veja o procedimento adotado: não foi realizado qualquer esforço dedutivo para imaginar quais
seriam os bens mais desejados pelos paulistas. Essa declaração foi feita pelos próprios agentes e captada
pelos pesquisadores. A seguir, e apenas para ilustrar o tipo de informação que foi possível apreender a
partir da investigação direta, vemos os principais resultados obtidos pelos pesquisadores.

Qual o seu sonho de consumo?


Resposta única e espontânea

Adquirir um veículo 23
Adquirir a casa própria 19
Nenhum/não tem 16
Imóvel para lazer/descanso 5
Melhor situação financeira 5

Viajar 4
Eletrodomésticos 4

Reforma da casa 3
Bem-estar 3
Outros <2 11
Não sabe/não respondeu 7

Figura 15 – Resultados obtidos em pesquisa quantitativa realizada em 2005, com 1.495 paulistas

49
Unidade I

Saiba mais

Para que você possa conhecer melhor a pesquisa mencionada e os seus


resultados, sugerimos que acesse:

SAMPLING CONSULTORIA ESTATÍSTICA E PESQUISA DE MERCADO; LIMITE


CONSULTORIA ESTATÍSTICA. Pesquisa revela o sonho de consumo dos paulistas.
São Paulo, [s.d.]. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/
release_sonho%20de%20consumo1.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2017.

De forma geral, os pressupostos que orientam a realização de pesquisas quantitativas são os seguintes:

a) os fenômenos comportamentais de interesse são passíveis de serem observados e/ou explicitados


pelos agentes (entrevistados);

b) os entrevistados são capazes de se manifestar a respeito de suas crenças e de suas opiniões, ao


menos tidas como válidas no momento da entrevista;

c) o entrevistador é capaz de se manter objetivo e neutro em relação ao discurso do entrevistado,


não afetando, portanto, as suas opiniões;

d) os dados coletados podem ser sujeitos à análise matemática e estatística, sendo possível – em
alguns casos – projetá‑los para a totalidade das pessoas.

É evidente que esses aspectos positivos não eliminam a possibilidade de dificuldades e obstáculos
na realização de pesquisas quantitativas. Em outras palavras, embora a pesquisa quantitativa possa
levantar um número significativo de informações em um período de tempo relativamente curto, e
embora permita alcançar – por meio da composição da amostra – segmentos significativos da população,
ela também apresenta algumas desvantagens. O investigador tem pouco controle sobre as condições
do momento da coleta de dados: ele não pode prever, por exemplo, o bom humor e a disponibilidade
emocional do entrevistado no momento da pesquisa. Ainda, ele não tem garantia de que o relato verbal
possa ser confiável na totalidade: ele assume que o entrevistado esteja sendo sincero, mas essa pode ser
muito mais uma manifestação da vontade do que uma realidade.

De qualquer forma, a pesquisa quantitativa permite o acesso a todos os segmentos da população,


sejam eles alfabetizados ou não. De fato, o entrevistado sequer precisa saber ler ou escrever para
responder a uma pesquisa. O fato de o entrevistador aplicar o questionário ou o formulário de perguntas
também permite que dúvidas sejam esclarecidas ou que orientações sejam dadas. Ainda, a presença
do entrevistador garante que reações ou outras manifestações possam ser apreendidas e incluídas nos
dados coletados, o que amplia o rol de dados que podem ser pesquisados e que não são encontrados em
fontes documentais ou bibliográficas. Finalmente, a entrevista permite a identificação de informações
que, posteriormente, podem ser submetidas a tratamento estatístico.
50
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Claro que há problemas e desvantagens na realização desse tipo de pesquisa. Por exemplo, deve‑se
conviver com qualquer dificuldade de comunicação entre entrevistado e entrevistador e superá‑la. O
entrevistado também pode ter dificuldade para compreender o que está sendo questionado, ou ser
influenciado, mesmo que inconscientemente, por alguma reação do entrevistador. Finalmente, o
entrevistado pode se sentir inibido na manifestação de determinadas opiniões, ou estar inclinado a
omitir/mentir a respeito de certos aspectos.

De qualquer modo, a entrevista é o procedimento mais adotado nas pesquisas quantitativas.


Essa conversa face a face permite que, por meio do questionário ou outro instrumento de coleta, o
pesquisador tenha acesso a um número significativo de dados. Segundo Selltiz (1965 apud MARCONI;
LAKATOS, 2003, p. 196), as entrevistas são realizadas para:

a) Averiguação de “fatos”. Descobrir se as pessoas que estão de posse de


certas informações são capazes de compreendê‑las.

b) Determinação das opiniões sobre os “fatos”. Conhecer o que as pessoas


pensam ou acreditam que os fatos sejam.

c) Determinação de sentimentos. Compreender a conduta de alguém através


de seus sentimentos e anseios.

d) Descoberta de planos de ação. Descobrir, por meio das definições


individuais dadas, qual a conduta adequada em determinadas situações, a
fim de prever qual seria a sua. As definições adequadas da ação apresentam
em geral dois componentes: os padrões éticos do que deveria ter sido feito
e considerações práticas do que é possível fazer.

e) Conduta atual ou do passado. Inferir que conduta a pessoa terá no


futuro, conhecendo a maneira pela qual ela se comportou no passado ou se
comporta no presente, em determinadas situações.

f) Motivos conscientes para opiniões, sentimentos, sistemas ou condutas.


Descobrir quais fatores podem influenciar as opiniões, sentimentos e
conduta e por quê.

Em geral, nas pesquisas quantitativas, a entrevista é padronizada, ou estruturada. Nesse tipo


de abordagem, o entrevistador segue um roteiro elaborado previamente, sem que haja espaço para
improvisos e questões adicionais. Procedimentos como esse garantem que todos os entrevistados sejam
submetidos ao mesmo estímulo e que exatamente as mesmas informações sejam colhidas com os
respondentes. Segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 197):

O motivo da padronização é obter, dos entrevistados, respostas às mesmas


perguntas, permitindo “que todas elas sejam comparadas com o mesmo
conjunto de perguntas, e que as diferenças devem refletir diferenças entre os
51
Unidade I

respondentes e não diferenças nas perguntas” (Lodi, 1974:16). O pesquisador


não é livre para adaptar suas perguntas a determinada situação, de alterar a
ordem dos tópicos ou de fazer outras perguntas.

Outro tipo de survey frequentemente utilizado é o tipo painel, que se caracteriza pela “repetição
de perguntas, de tempo em tempo, às mesmas pessoas, a fim de estudar a evolução das opiniões em
períodos curtos” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 197). Em geral, as pesquisas que fazem auditoria de
gastos e de consumo familiar são desse tipo: visitam‑se as mesmas famílias durante um determinado
período de tempo, buscando identificar as mudanças nos padrões de gastos em relação a inúmeros itens
do orçamento familiar.

Figura 16 – A pesquisa do tipo painel é utilizada de forma frequente nos estudos que têm
como objetivo fazer a auditoria de gastos e consumo das famílias

Considerando que o questionário é o instrumento de excelência do survey (ou seja, pesquisa de


campo, que é a denominação mais usual para as pesquisas quantitativas), devemos fazer algumas
observações a respeito da sua elaboração e da sua aplicação.

Vamos imaginar que se deseja saber a porcentagem de indivíduos que acreditam ser lícito sonegar
impostos. Vamos também supor que, para o objetivo do nosso projeto – qual seja, diminuir o índice de
sonegação de impostos entre o grupo de empresários de pequeno porte –, utilizaremos como forma
de coleta de dados um questionário estruturado, ou seja, um questionário em que as questões estão
formuladas de forma objetiva, e às quais o entrevistado também responderá de forma objetiva.

O primeiro passo após a elaboração do instrumento de coleta será definir a amostra a ser entrevistada.
A amostra é formada por pessoas que são representativas do grupo maior que queremos investigar (no
nosso caso, empresários de pequeno porte).

Nossa amostra poderá ser probabilística ou não probabilística. Se probabilística, ela deve ter o
tamanho necessário para, por meio de técnicas estatísticas, projetarmos os resultados para o universo

52
PSICOLOGIA ECONÔMICA

maior do qual foi extraída a amostra. Se não probabilística, seus resultados não podem ser projetados
para o universo.

Ainda, é importante salientar que, em situações nas quais se conhece pouco o assunto pesquisado, é
possível realizar previamente uma pesquisa exploratória. Essa pesquisa exploratória terá como objetivo
levantar alguns dados preliminares a respeito do objeto da nossa investigação, o que facilitará a
realização da pesquisa quantitativa.

Segundo Markoni e Lakatos (2003, p. 188), os estudos exploratórios

[…] são investigações de pesquisa empírica cujo objetivo é a formulação


de questões ou de um problema, com tripla finalidade: desenvolver
hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com um ambiente, fato
ou fenômeno, para a realização de uma pesquisa futura mais precisa, ou
modificar e clarificar conceitos. Empregam‑se geralmente procedimentos
sistemáticos ou para a obtenção de observações empíricas ou para as
análises de dados (ou ambas, simultaneamente). Obtêm‑se frequentemente
descrições tanto quantitativas quanto qualitativas do objeto de estudo, e
o investigador deve conceituar as inter‑relações entre as propriedades do
fenômeno, fato ou ambiente observado. Uma variedade de procedimentos de
coleta de dados pode ser utilizada, como entrevista, observação participante,
análise de conteúdo etc., para o estudo relativamente intensivo de um
pequeno número de unidades, mas geralmente sem o emprego de técnicas
probabilísticas de amostragem. Muitas vezes ocorre a manipulação de uma
variável independente com a finalidade de descobrir seus efeitos potenciais.

Finalmente, devemos ressaltar que grande parte das pesquisas quantitativas faz uso da mensuração
de atitudes por meio da construção de escalas. De acordo com Gil (1991, p. 134):

Escalas sociais são instrumentos construídos com o objetivo de medir a


intensidade de opiniões e atitudes de maneira mais objetiva possível. Embora
se apresentem segundo as mais diversas formas, consistem basicamente
em solicitar ao indivíduo que assinale, dentro de uma série graduada de
itens, aqueles que melhor correspondem à sua percepção acerca do fato
pesquisado.

Designamos de atitude a disposição psicológica que determina a forma a partir da qual o indivíduo
tende a agir em relação a certo objeto. Por exemplo: nossas atitudes a respeito dos bens de luxo são
determinantes das formas como agiremos em relação a esses bens. A atitude tem três componentes
principais: o componente afetivo (que indica o quanto gostamos ou não de certo objeto), o componente
comportamental (que indica as nossas tendências de ação) e o componente cognitivo (que indica o que
sabemos a respeito de certo objeto).

53
Unidade I

Figura 17 – Nossas atitudes em relação aos cartões de crédito como forma de pagamento dependem do quanto gostamos ou não de
usar cartões de crédito (componente afetivo), do quanto estamos inclinados a usar cartões de crédito (componente comportamental)
e do quanto sabemos a respeito do funcionamento e das normas relativas ao pagamento feito com cartão de crédito
(componente cognitivo)

Um longo caminho deve ser percorrido para construir uma escala. Em geral, a escala só é utilizada
após ser submetida a inúmeros testes. Afinal, ela precisa dar conta de medir aquilo que se propõe a
medir, de forma fidedigna e válida.

Lembrete

Vale a pena relembrar os aspectos de fidedignidade e de validade já


anteriormente discutidos nesta unidade.

A escala de graduação é uma das mais utilizadas pelos pesquisadores quando eles têm em mente
investigar certos comportamentos. Vejamos alguns exemplos:

a) Escala de graduação

No caso de uma pesquisa a respeito das atitudes em relação ao aumento de impostos na compra de
bebidas e cigarros, podemos perguntar ao contribuinte da seguinte forma:

Pergunta: Em relação ao aumento de impostos para a compra de produtos importados, você diria ser:

( ) Totalmente favorável

( ) Favorável com algumas restrições

( ) Nem favorável nem desfavorável

54
PSICOLOGIA ECONÔMICA

( ) Desfavorável em muitos aspectos

( ) Totalmente desfavorável

Essa é uma escala construída a partir de cinco graus, mas poderíamos tê‑la elaborado com um
número maior de intervalos de avaliação. Há também casos em que os pesquisadores preferem um
número par de graus, eliminando a alternativa “nem favorável nem desfavorável”, representativa de
uma posição de comodismo e de não tomada de posição.

Observação

Um número significativo de pesquisadores entende que a alternativa


“nem favorável nem desfavorável” tem importância fundamental, já que
podemos estar lidando com uma situação ou com um objeto a respeito do
qual o entrevistado não tem qualquer opinião formada.

b) Escala de Likert

A escala de Likert é construída a partir da mensuração do grau de concordância em relação a


determinado enunciado.

Pergunta: Analise o enunciado a seguir e dê o seu grau de concordância/discordância:

Enunciado 1. Os produtos que representam um risco social devem ser penalizados com um imposto
maior do que aqueles produtos que são de primeira necessidade para o consumo de uma família.

Concordo plenamente (1)

Concordo em parte (2)

Nem concordo nem discordo (3)

Discordo em parte (4)

Discordo totalmente (5)

Os entrevistados atribuirão um grau de concordância/discordância em relação ao enunciado, o que


nos permitirá medir as suas opiniões e atitudes sobre aquele tema, porém de forma simples e uniforme.
Como no caso da escala de graduação, podemos estabelecer um número maior ou menor de pontos no
contínuo da medida.

55
Unidade I

c) Escala de diferencial semântico

Essa escala tem o objetivo de medir o sentido que determinado objeto ou situação tem para os
entrevistados. Em geral, usamos pares de adjetivos, cada um deles apresentando um conceito oposto de
potência ou de valorização. Veja o exemplo a seguir:

Pergunta: Você considera o aumento de impostos para cigarros e bebidas:

Adequado |___|___|___|___|___|___|___|___|___| Inadequado

Justo |___|___|___|___|___|___|___|___|___| Injusto

Necessário |___|___|___|___|___|___|___|___|___| Desnecessário

O entrevistado deverá fazer um X no ponto do contínuo que liga os dois conceitos opostos. Quanto mais
próximo do adjetivo colocado à esquerda (“adequado”, “justo”, “necessário”), mais positivamente ele avalia o
aumento de imposto. Em contrapartida, quanto mais próximo do adjetivo colocado à direita sua avaliação
estiver (“inadequado”, “injusto”, “desnecessário”), mais negativamente ele avalia o aumento de imposto.

Essa escala é uma das mais utilizadas, já que é razoavelmente fácil de ser elaborada, compreendida
pelo entrevistado e analisada pelo pesquisador.

3.2 Os experimentos

Os experimentos são um tipo muito especial de pesquisa porque eles ocorrem por meio da
manipulação de variáveis. Vejamos a seguinte situação: imagine um pesquisador que queira verificar a
existência de uma relação entre o nível de barulho em uma sala e a performance dos alunos durante
uma prova. Como ele poderia verificar a associação entre essas variáveis (variável 1 = nível de barulho
na sala; variável 2 = notas dos alunos)?

Aqui vai uma sugestão: ele pode separar, por sorteio, os cem alunos de uma mesma classe em
duas salas diferentes. Qual a razão do sorteio? Em princípio, para se certificar de que não haveria
qualquer outra variável que pudesse explicar – ou influenciar – as notas dos alunos. Caso, por exemplo,
o professor separasse os alunos por gênero, sempre haveria a possibilidade de que a variável “gênero”
tivesse alguma influência na nota; ou, caso o professor separasse os alunos por local do assento na sala
(em uma sala ficariam os alunos sentados mais à frente; em outra, os alunos do “fundão”), ele também
poderia ficar na dúvida a respeito da verdadeira variável explicativa da diferença de notas. Em uma sala
(sala A), o professor acomoda os cinquenta alunos selecionados por sorteio. Na sala B, ele acomoda
os alunos restantes. A mesma prova será aplicada aos alunos das duas salas; no entanto, na sala A, os
alunos, por meio de um alto‑falante, escutam uma música em volume extremamente alto. Na outra
sala, nenhuma música atrapalha os alunos. Após o término da prova, o professor compararia as notas e
buscaria descobrir se os alunos da sala A haviam tido resultados significativamente melhores ou piores
do que os da sala B.

56
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Qual é a variável manipulada? A variável “nível de barulho da sala” é a variável controlada e


manipulada: na sala A, ela está associada a um ruído elevado; na B, ela está associada ao silêncio. A sala
A é o nosso grupo experimental, ou seja, o grupo no qual a variável será manipulada. A sala B é o nosso
grupo de controle, quer dizer, o grupo no qual as condições são as que normalmente existiriam. Caso as
notas da classe A sejam significativamente inferiores às da classe B, o pesquisador poderá concluir que o
barulho afeta o rendimento dos alunos; caso não haja diferença significativa nas notas das duas salas, o
pesquisador poderá concluir que, ao menos nas condições realizadas, o experimento mostrou não haver
relação causal entre nível de barulho e nota.

Saiba mais

Um dos mais interessantes e audaciosos experimentos feitos


foi o realizado por Milgram a respeito das variáveis explicativas do
comportamento submisso à autoridade. O filme Experimentos relata a
pesquisa de Milgram e é uma excelente oportunidade para você ter contato
com os procedimentos relacionados à realização de um experimento.
Preste atenção na questão ética envolvida quando da realização de
experimentos com pessoas.

EXPERIMENTOS. Dir. Michael Almereyda. Estados Unidos: BB Film


Productions; FJ Productions; Intrinsic Value Films; Jeff Rice Films; 2B
Productions, 2015. 98 minutos.

De acordo com Samson (2015, p. 38):

Estudos experimentais tradicionalmente são feitos em laboratório. Nesses


ambientes, os pesquisadores podem expor os participantes a estímulos ou
pedir‑lhes para cumprir tarefas que não poderiam ser observadas facilmente
por métodos não experimentais, como pesquisas de opinião. Manipulando
apenas um número limitado de variáveis em um ambiente controlado, os
experimentos em laboratório permitem que os pesquisadores estudem
relações de causa e efeito e, assim, adquiram uma noção das regularidades
comportamentais. Os pesquisadores podem isolar as variáveis de outros
fatores que possam gerar confusão e que seriam difíceis de distinguir
em uma pesquisa de campo. Além disso, os participantes são alocados
aleatoriamente para as condições de tratamento, o que resolve o problema
do viés de seleção.

Segundo Samson (2015), um exemplo interessante de experimento na área do comportamento


econômico é o trabalho realizado por Mani e colaboradores em 2013: nesse estudo, os pesquisadores
testaram se pessoas em condição econômica desfavorável tinham funções cognitivas – ligadas ao
conhecimento – prejudicadas em função da pressão exercida pelos problemas financeiros. Plantadores

57
Unidade I

de cana‑de‑açúcar foram estudados em dois momentos distintos: primeiro, em período pré‑colheita,


em que o estresse provocado pela ansiedade em relação aos ganhos futuros é elevado; o segundo,
em período pós‑colheita, quando a pressão financeira é menor. Nos dois momentos, os trabalhadores
tiveram suas funções cognitivas medidas por meio de testes.

Nesse experimento, qual é a variável sob controle? A variável “ansiedade em função de problemas
financeiros”. Qual a outra variável? A performance em testes cognitivos. No caso desse estudo, os
pesquisadores descobriram pontuações significativamente melhores no segundo momento.

Os experimentos são os instrumentos mais utilizados quando da realização de estudos no campo de


Economia Experimental e da Economia Comportamental. Por isso, teremos oportunidade de aprofundar
nossos conhecimentos sobre os principais usos desse método de pesquisa posteriormente.

3.3 As pesquisas de observação

Segundo Gil (1991), a pesquisa de observação nada mais é do que utilizar os sentidos para perceber os
fatos diretamente, sem qualquer intermediação. Observa‑se uma determinada situação com o objetivo
de entender os comportamentos ali envolvidos. É claro que a presença do pesquisador pode alterar o
comportamento dos agentes observados, mas, de forma geral, ela tem sido produtiva no alcance de
informações que não poderiam ser acessadas de outra forma.

Figura 18 – Segundo Gil (1991), a observação resulta do uso cotidiano que fazemos dos nossos sentidos. No entanto, também pode
ser feita para fins de pesquisa científica

São dois os principais tipos de observação: a observação simples e a observação participante. A


observação simples é aquela em que

[…] o pesquisador, permanecendo alheio à comunidade, grupo ou situação


que pretende estudar, observa de maneira espontânea os fatos que aí

58
PSICOLOGIA ECONÔMICA

ocorrem. Neste procedimento, o pesquisador é muito mais um espectador


que um ator. Daí por que pode ser chamado de observação‑reportagem,
já que apresenta certa similaridade com as técnicas empregadas pelos
jornalistas (GIL, 1991, p. 105).

Assim, o pesquisador, diante do fenômeno ou fato a ser estudado, observa as ocorrências, anotando‑as
em um caderno. Ele também pode usar gravadores, câmeras fotográficas e filmadoras: nesses casos,
evidentemente, os observados devem ser avisados e devem autorizar a captação de suas imagens.

A observação participante ocorre de forma distinta. Segundo Gil (1991, p. 107), esse tipo de investigação

[…] consiste na participação real do observador na vida da comunidade,


do grupo ou de uma situação determinada. Neste caso, o observador
assume, pelo menos até certo ponto, o papel de um membro do grupo.
Daí por que se pode definir observação participante como a técnica
pela qual se chega ao conhecimento da vida de um grupo a partir do
interior dele mesmo.

Vamos a um exemplo fictício: imagine que um pesquisador tenha a intenção de conhecer o


comportamento de indivíduos em um cassino; em especial, ele pode querer identificar o comportamento
de jogadores diante de situações em que altas quantias são apostadas. O pesquisador pode adotar dois
procedimentos: a) observar, à distância, o comportamento dos apostadores; b) apostar junto com os
outros jogadores, observando‑os como se fosse outro apostador qualquer.

Se por um lado a observação participante permite que o pesquisador acesse informações internas
do grupo, por outro há o problema de a falta de objetividade imprimir algum viés na coleta de dados.
De qualquer forma, esse tipo de observação tem sido usado com frequência, já que permite uma
aproximação maior do pesquisador com os sujeitos estudados.

3.4 Pesquisas qualitativas: entrevistas em profundidade, discussões em


grupo e estudos de caso

As pesquisas qualitativas podem ser realizadas por meio de três diferentes técnicas:

a) Entrevistas em profundidade

Nesta modalidade, é escolhida uma amostra pequena de sujeitos (em geral, de 10 a 15 indivíduos)
que têm as características desejadas e que serão entrevistados pelo pesquisador. A entrevista é não
direcionada, quer dizer, ela é feita de forma livre, sem que um questionário seja aplicado ou preenchido.
O interesse do pesquisador é descobrir traços comportamentais que não poderiam ser identificados de
forma objetiva por meio de uma abordagem direta. Em geral, essas entrevistas são longas: algumas
chegam a demorar várias horas, podendo inclusive ser feitas em algumas etapas. Normalmente, a
entrevista é gravada ou filmada para que depois o pesquisador possa fazer uma análise do conteúdo de
forma mais minuciosa.
59
Unidade I

O uso dessa técnica não pressupõe que os dados coletados serão objeto de mensuração ou de estatística:
não há qualquer intenção de projetar os resultados da amostra para o universo da população. No entanto,
essa modalidade permite um questionamento aprofundado que de outra forma não seria possível.

b) Discussões em grupo

Nesta modalidade, um grupo de sujeitos com as características desejadas é reunido numa sala e
colocado a dialogar sob a supervisão de um pesquisador. Tal como ocorre no caso das entrevistas em
profundidade, não há intenção de mensurar a ocorrência de nenhum aspecto do comportamento; ao
contrário, deseja‑se obter a resposta do grupo para determinados problemas colocados. Em outras
palavras, objetiva‑se o consenso do grupo, obtido a partir do confronto entre posições diferentes.
Assim, o resultado de uma discussão em grupo costuma revelar eixos comportamentais e diferentes
possibilidades de resposta a determinados estímulos ou em relação a aspectos específicos da realidade.

As discussões em grupo, geralmente, são conduzidas por profissionais com formação em Psicologia.
Embora seja mais comumente utilizada nos Estados Unidos, essa técnica vem sendo aplicada no Brasil
para o estudo do comportamento de consumo ou de outros aspectos de natureza mercadológica. Há,
inclusive, inúmeras salas preparadas para a realização desse tipo de pesquisa, já que as discussões
costumam ocorrer em salas com espelhos falsos, nas quais as pessoas pesquisadas não enxergam a
equipe de análise que está por trás do espelho.

c) Estudos de caso

Os estudos de caso são uma modalidade diferente de pesquisa qualitativa, porque partem da seleção
de um caso particular para ser investigado. Vamos imaginar que um pesquisador queira entender como
uma família organiza seu orçamento. Vamos também supor que o pesquisador não queira apenas o
relato de itens e gastos. Caso deseje entender como a família se organiza, diariamente, para distribuir
os seus finitos recursos financeiros em função das necessidades ilimitadas dos membros da família, ele
pode escolher conviver com essa família durante algum tempo, estudando‑a em detalhes, embora de
forma assistemática. A essa abordagem damos o nome de estudo de caso: no nosso exemplo, essa
investigação pode permitir que o pesquisador tenha acesso a dados comportamentais em profundidade
e durante um período de tempo significativo.

Esse tipo de pesquisa pode ser realizado em empresas: em geral, o pesquisador escolhe a empresa
mais representativa em termos dos elementos que ele deseja investigar. Nesse caso, toma‑se uma
organização como objeto da investigação, estudando todos os aspectos selecionados como relevantes
para a pesquisa.

Os estudos de caso são muito utilizados para a investigação do comportamento econômico, e um


dos casos mais interessantes foi o estudo realizado por Oscar Lewis (PLANA, 2013). Em 1959, Lewis fez
uma pesquisa com populações carentes na região urbana de países subdesenvolvidos. Para isso, ele
conviveu com uma família mexicana, procurando identificar os traços culturais do que ele denominou
cultura da pobreza. A pergunta que norteou seu trabalho foi: é possível identificar, do ponto de vista
cultural e antropológico, as principais crenças e atitudes associadas a uma situação de pobreza?
60
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Uma análise a respeito do trabalho de Lewis, embora tenha recebido críticas contundentes nos
anos seguintes, é de fundamental importância. Para identificar os principais traços da cultura da
pobreza, ele entrevistou uma família (os Sánchez), em uma comunidade pobre do México. Afastando‑se
das abordagens tradicionais do estudo da pobreza – que entendiam a pobreza como uma condição
meramente econômica –, Lewis procurou identificar o componente comportamental associado à
condição de pobreza. De forma extremamente interessante, mostrou que essa cultura não desapareceria
caso cessasse a escassez de recursos econômicos, já que os seus principais elementos eram transmitidos
por meio do convívio familiar; em outros termos, eram características socialmente construídas.

A pobreza, sem dúvida, é um tema amplo que abarca múltiplas disciplinas, a


partir das quais ela é analisada e compreendida, com o objetivo de estabelecer
estudos teóricos e soluções práticas para combater as desigualdades e a
injustiça social. A ecologia cultural faz deste tema um eixo de investigação
com o fim de analisar os contextos geográficos, físicos e ambientais que
estão associados a populações com menos recursos e serviços para a sua
sobrevivência. Objetiva‑se, assim, resgatar essa relação entre sociedade e
indivíduo, e a importância dos contextos socioculturais no desenvolvimento
de uma comunidade (PLANA, 2013, p. 122).

Figura 19 – Nas abordagens tradicionais, a pobreza é identificada como a situação em que impera a escassez de recursos necessários
para a sobrevivência. Por meio de outra abordagem, Lewis identificou que a pobreza está associada a traços culturais, que
permanecem mesmo quando cessa a condição econômica da pobreza

Quais os traços culturais que Lewis identificou? Ao conviver com a família Sánchez por um
significativo período de tempo, vivendo entre seus membros, Lewis traçou um perfil social e psicológico
deles no qual estavam presentes os seguintes elementos:

• uma forte orientação para o tempo presente e relativa capacidade de postergar desejos ou planejar
o futuro;

• sentimento de resignação e fatalismo em relação às próprias condições de vida;


61
Unidade I

• crença na superioridade masculina, cristalizada em sentimentos machistas;

• crença no sacrifício feminino como condição natural;

• expectativa de solidariedade familiar;

• predisposição ao autoritarismo;

• crença em curandeiros e receio de hospitais;

• desconfiança de religiões institucionalizadas;

• ódio à política e desconfiança de pessoas que ocupam cargos no governo;

• sentimento de não pertencimento ao país;

• sentimento de inferioridade e falta de consciência de classe.

Dessa forma, a cultura da pobreza estaria representada por um conjunto de atitudes que configurava
um mecanismo de adaptação e reação à marginalidade e que podia persistir mesmo quando cessassem
as condições da falta de recursos econômicos. De fato, o estudo de Lewis apontava para a existência
de um sistema de crenças que, per se, poderia inclusive explicar a persistência da situação de pobreza,
mesmo que houvesse possibilidade de ascensão econômica.

Evidentemente, mesmo quando foi publicado, o trabalho de Lewis recebeu inúmeras críticas, o
que só aumentou no decorrer dos anos. O design de uma comunidade passiva diante da condição de
marginalidade não parecia em nada palatável para os segmentos mais à esquerda do espectro político.
No entanto, devemos citar seus estudos, obrigatoriamente, como um exemplo da importância da
realização de investigações empíricas na análise do comportamento econômico.

4 TENDÊNCIAS NA INVESTIGAÇÃO EM PSICOLOGIA ECONÔMICA

A Psicologia Econômica, atualmente, é estudada a partir das influências exercidas pelo trabalho de
Katona, nos EUA, a respeito do qual já falamos. Assim, ela é investigada a partir de uma perspectiva
positivista, behaviorista e cognitiva. É possível inferir, portanto, que essas abordagens procuraram
distanciar‑se de “leituras” mais humanistas e que poderiam, por exemplo, buscar um maior contato
com a própria Economia Política.

Observação

Entendemos por perspectiva positivista aquela que se apoia,


preferencialmente, em dados empíricos. A abordagem behaviorista diz
respeito ao estudo do comportamento, em vez de investigar processos
62
PSICOLOGIA ECONÔMICA

mentais internos. A perspectiva cognitiva está associada ao estudo da


percepção, do pensamento e da memória, buscando compreender as
funções cognitivas relacionadas à fala, ao raciocínio, à resolução de
problemas e à memorização.

Essa opção comportamentalista explica, em parte, a preferência por procedimentos experimentais e


pela realização de pesquisas quantitativas, métodos que permitem o estudo do comportamento a partir de
mensuração de atitudes ou por comparação via controle dos sujeitos em condições experimentais. Assim,
os ensaios e os trabalhos teóricos cederam espaço para os estudos que buscavam reunir o maior número
possível de dados. A respeito disso, compartilhamos a opinião de Ferreira (2007b, p. 221), que afirma:

Naturalmente, tais esforços podem contribuir para claros avanços do


conhecimento e jamais se poderia prescindir deles. Acreditamos, porém,
que poderiam crescer em alcance do exame da realidade se pudessem ser
acrescidos de variáveis sociais, históricas, políticas, culturais, mais a expansão
da investigação do mundo emocional oferecida pela Psicanálise, bem como
de maior preocupação crítica com os próprios métodos adotados. Em se
tratando de empreendimentos humanos, haverá, sempre, pontos cegos que,
quando explicitados, ou seja, quando não se nega ou ignora sua existência,
podem auxiliar na ponderação mais precisa dos dados apresentados.

De fato, o viés empírico conduz ao levantamento de uma quantidade volumosa de dados, sem que
haja uma discussão mais profunda sobre os resultados e suas implicações. Há muitos dados, e deles
podemos auferir uma série de conclusões. No entanto, a área acaba por carecer de reflexão teórica,
justamente a reflexão que poderia jogar uma luz especial em direção aos dados, levando‑os a revelar
algo mais do que comportamentos quantificáveis.

Essa perspectiva está associada aos propósitos da pesquisa em Psicologia Econômica, quais sejam,
a previsão e o controle. Assim, em vez de buscar a expansão do conhecimento, estimula‑se a coleta de
dados que permitam que variáveis sejam controladas para a obtenção de determinados resultados.

Figura 20 – Atualmente, vários dos estudos na área de Psicologia Econômica estão associados à disposição de coletar dados com
vistas a obter determinados comportamentos. Logo, esses estudos não se limitam à investigação científica, apresentando um claro
viés intervencionista e de operação da realidade

63
Unidade I

Exemplo de aplicação

Propomos a seguinte reflexão: é possível que a adoção de previsão e controle do comportamento


seja realizada sem que tenhamos em mente um modelo de comportamento tido como ideal? Em outras
palavras, não estariam os psicólogos ocupados com o estudo do comportamento econômico partindo
do mesmo falso pressuposto que os economistas que entendiam a racionalidade como base da tomada
de decisões? Se os estudos em Psicologia Econômica são feitos tendo como objetivos a previsão e o
controle do comportamento, não estaria esse campo do saber sendo utilizado para a condução de
comportamentos tidos como desejáveis? Se sim, quais são os comportamentos tidos como desejáveis?
A partir de quais condições esses comportamentos seriam preferíveis a outros?

Em função das limitações do conhecimento obtido por meio dessa abordagem, inúmeros pesquisadores
da área de Psicologia Econômica levantam alguns aspectos que valem a pena ser destacados:

a) seria extremamente benéfico um maior contato entre a Sociologia Econômica e a Psicologia


Econômica; essa aproximação permitiria a investigação de inúmeros temas de interesse, como:

[…] tensão entre processos de escolha individual e contexto social e


estrutural; importância de valores culturais, subclasses e classes sociais; papel
das minorias; […] consumo; propaganda; satisfação e bem‑estar; poupança,
gasto e crédito; condições econômicas, tais como distribuição de renda,
igualdade e desigualdade, desemprego, inflação, recessão e crescimento;
taxas de juros; crescimento econômico; condições e consequências ecológicas
de consumo; viagens, férias e transportes; distribuição de renda primária,
secundária e terciária; transferência monetária e subsídios; economias de
fichas (“token economies”); pesquisa transcultural sobre comportamento
econômico (FERREIRA, 2007b, p. 225, grifo da autora).

b) a Psicologia Econômica deveria ser amplamente utilizada pelos agentes responsáveis pela
formulação de políticas públicas: afinal, as questões relativas à ética nos negócios e à adesão a
programas sociais ou educativos e a programas para mudança de atitudes em relação a assuntos
de interesse público poderiam receber uma significativa contribuição por parte dos estudos de
comportamento econômico. Como Ferreira afirma, “[…] a Psicologia Econômica poderia colaborar,
com seus conhecimentos, acerca de como pessoas e grupos tomam decisões e se comportam na
realidade, o que poderia tanto poupar recursos como aumentar as chances destas medidas serem
bem‑sucedidas” (2007b, p. 227).

64
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Figura 21 – A Psicologia Econômica, ao oferecer instrumentos para a apreensão das atitudes e dos valores dos cidadãos em relação a
temas como os efeitos da escolha do transporte individual em vez do coletivo, pode colaborar na implantação de programas sociais –
por exemplo, com o objetivo de melhorar a mobilidade urbana

No Brasil, a investigação do comportamento econômico recebeu um impulso significativo com


a elaboração da Teoria da Inflação Inercial. Embora os instrumentais da Psicologia Econômica não
tenham sido utilizados, essa foi uma ocasião em que ficou clara a necessidade de diálogo das Ciências
Econômicas com outras áreas. Vejamos como: você deve estar lembrado do período em que a economia
brasileira conviveu com elevadas taxas de inflação. Isso ocorreu ao longo da década de 1980, alcançando
praticamente a metade da década seguinte.

Observação

Chamamos de inflação o processo intermitente de aumento do nível


geral de preços. Assim, o processo inflacionário não está relacionado a
períodos curtos de tempo em que os preços aumentam, tampouco a
aumentos setoriais. A inflação atinge a economia como um todo e durante
um significativo período de tempo.

Ao longo de praticamente dez anos (contados a partir de 1986), os governos buscaram controlar a
inflação por meio de planos econômicos: Plano Cruzado II, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor I e
Collor II são exemplos das tentativas de controlar a espiral inflacionária.

Um grupo de economistas estava empenhado no estudo das variáveis associadas à inflação. André
Lara Rezende, Pérsio Arida, Bresser‑Pereira, Edmar Bacha, Francisco Lopes e outros, com base nos
dados brasileiros e de outros países que também enfrentavam problemas com processos inflacionários
cronicamente ascendentes (por exemplo, Argentina e Israel), buscavam compreender o que alimentava
o processo inflacionário. Os planos falhavam, principalmente em função de os agentes econômicos não
acreditarem no controle do processo inflacionário.

Em 1993, Fernando Henrique Cardoso e sua equipe planejaram e executaram um dos mais ousados
planos de estabilização econômica que o país já havia visto. Como outros planos que o antecederam,
também partia do diagnóstico da inflação inercial.

Segundo Bresser‑Pereira (1989), a Teoria da Inflação Inercial pode ter sido a contribuição mais
original que o pensamento latino‑americano ofereceu à macroeconomia: ao distinguir os fatores
65
Unidade I

aceleradores dos fatores mantenedores da inflação, surgia uma explicação razoável para a inflação
do tipo que assolava as economias em desenvolvimento. Qual era essa explicação? Era possível
que o fator mantenedor da inflação em níveis elevados fosse o próprio movimento dos agentes
econômicos em busca de proteção contra possíveis perdas causadas pela inflação, isso somado à
memória inflacionária. Afinal, os agentes econômicos precisavam se precaver de futuras perdas com
a inflação; por conta disso, acabavam elevando seus preços e alimentando o processo inflacionário.
Segundo Bresser‑Pereira (1989, p. 3):

De acordo com a Teoria da Inflação Inercial, a manutenção do patamar de


inflação decorre do conflito distributivo entre agentes econômicos (não
apenas entre empresas e trabalhadores, mas também entre as próprias
empresas) que aumentam seus preços defasada e alternadamente.
As expectativas dos agentes econômicos não podem ser mudadas
facilmente, em função de mudanças na política monetária, ou, mais
amplamente, em função da mudança do “regime de política econômica”,
como pretendem os monetaristas, porque essas expectativas estão
baseadas em um fenômeno real – a inflação passada –, na qual está
ancorado o conflito distributivo.

A partir do diagnóstico do fator inercial da inflação (fator que estava associado ao comportamento
dos agentes econômicos), foi possível planejar ações no sentido de garantir aos agentes que não haveria
perda alguma, não sendo mais necessário o aumento preventivo de preços. Assim, segundo Ferreira
(2007b, p. 234),

[…] [embora o termo Psicologia Econômica não tenha sido utilizado em


qualquer documento ou artigo], pode‑se afirmar que, naquele momento,
teria surgido a percepção de uma lacuna e da necessidade de estudos
de natureza interdisciplinar e com foco que incluísse o aspecto psíquico.
Assim, mesmo se não empregam o termo – Psicologia Econômica, nem
Economia Comportamental ou Psicológica – podemos pensar que, de
fato, empreendem uma tentativa que poderia aproximar‑se de sua
constituição: “As múltiplas dimensões desse problema [inflação] indicam
que a inflação não pode ser pensada e gerada apenas por economistas.
Faz‑se necessário um esforço multidisciplinar inovador que coloque
vários saberes a serviço de uma questão tão crucial” (VIEIRA et al.,
1993, p. 7). É visão bastante semelhante ao que defendem os psicólogos
econômicos Lewis et al. (1995, p. 10) acerca do contexto mais amplo,
para quem a “Economia é importante demais para ser deixada [apenas]
nas mãos dos economistas”.

66
PSICOLOGIA ECONÔMICA

Figura 22 – Katona, um pesquisador da interface Psicologia‑Economia, vem tratando dos aspectos psicológicos da
inflação há anos. Apesar disso, até os dias de hoje, a possível colaboração de outras áreas do conhecimento no combate
aos problemas econômicos é menosprezada

Atualmente, são várias as áreas estudadas na região de interface entre as Ciências Econômicas e as
Ciências Comportamentais. Para efeito ilustrativo, vamos investigar algumas: Economia Comportamental
e Experimental, Finanças Comportamentais e Neuroeconomia.

a) Economia Comportamental e Experimental

A Economia Comportamental surgiu da insatisfação dos economistas com as explicações disponíveis


a respeito de comportamentos dos agentes econômicos que poderiam ser observados no mundo real.

A economia não era considerada uma ciência experimental até datas


recentes. Sem dúvida, nos últimos anos, a investigação experimental vem
aumentando de modo importante e sistemático. Atualmente, a maioria dos
economistas aceita que uma teoria cujas previsões não recebam algum tipo
de suporte em situação de laboratório merece, ao menos, ser reconsiderada.
O laboratório permite situar as decisões humanas em uma situação análoga
ao que a teoria descreve, permitindo descrevê‑las e ver se é possível
confirmar o que a teoria prevê (GARZA; TARRAZONA, 2011, p. 23).

A realização de estudos em Economia Experimental recebeu um impulso significativo com o Prêmio


Nobel concedido a Vernon Smith, em 2002. Falaremos mais adiante sobre o trabalho de Smith.

No entanto, os experimentos em Economia remontam aos tempos em que Daniel Bernoulli


(1700‑1782) buscava compreender a esperança matemática de um simples jogo de moeda, no qual se
buscava calcular as probabilidades de o resultado ser cara ou coroa. De fato, uma das maiores aplicações
para as técnicas de pesquisa experimental vem da disposição em testar alguns elementos concernentes
à Teoria dos Jogos.

67
Unidade I

Saiba mais

Damos o nome de Teoria dos Jogos ao conjunto de modelos matemáticos


que buscam descrever o que acontece quando dois ou mais agentes
interagem em situações que envolvem tomada de decisão.

Caso você queira estudar mais sobre o tema, sugerimos que acesse:

SARTINI et al. Uma introdução à Teoria dos Jogos. São Paulo:


IME‑USP, 2004. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~rvicente/
IntroTeoriaDosJogos.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2017.

Também sugerimos o filme Uma Mente Brilhante, que conta a história


de John Nash, matemático que ganhou o Nobel de Economia em 1994 por
seu trabalho em Teoria dos Jogos:

UMA MENTE brilhante. Dir. Ron Howard. Estados Unidos: Imagine


Entertainment, 2001. 135 minutos.

Um exemplo paradigmático da aplicação da Teoria dos Jogos em laboratório é a replicação do dilema


dos prisioneiros. Nesse dilema, espera‑se que os participantes ajam de forma egoísta, recusando‑se à
colaboração que, afinal, pode resultar em uma melhor situação para ambos.

A situação apresentada no dilema dos prisioneiros é a seguinte: dois sujeitos, A e B, são presos;
como a polícia precisa da confissão deles para condená‑los, ela os separa em celas diferentes e oferece
as seguintes opções:

• Se um dos dois confessar e o outro permanecer em silêncio, o que confessou estará livre para sair
da prisão, enquanto o outro cumprirá dez anos de cadeia.

• Se os dois permanecerem em silêncio, cada um será condenado a um ano de cadeia.

• Se os dois confessarem, traindo o parceiro, cada um ficará cinco anos na cadeia.

Como os prisioneiros não podem conversar e combinar uma estratégia conjunta, a solução de
equilíbrio – a melhor solução individual – é a traição, chamada então de Equilíbrio de Nash. Veja como:
o prisioneiro A não sabe o que B pretende fazer. O prisioneiro A faz o seguinte cálculo:

• Eu fico quieto e B confessa. Resultado? Fico dez anos na cadeia.

• Eu fico quieto e B também fica quieto. Resultado? Fico um ano na cadeia. No entanto, não tenho
garantias de que B ficará quieto.
68
PSICOLOGIA ECONÔMICA

• Eu confesso e B fica quieto. Resultado? Fico livre. E, caso B também confesse, ficaremos cinco anos
na cadeia.

A melhor alternativa para A é confessar, já que ele não tem qualquer garantia de que B ficará quieto.
Caso B pense da mesma forma, ambos ficarão cinco anos na cadeia. Essa condição (Equilíbrio de Nash)
não representa a melhor situação para os dois prisioneiros. De fato, caso os dois permanecessem quietos,
cada um pegaria apenas um ano na cadeia. Nessa situação, a escolha individual não traz os mesmos
benefícios que uma colaboração mútua.

Do ponto de vista da teoria, cada prisioneiro trairá seu comparsa. No entanto, com o objetivo de
testar esse resultado em um contexto de laboratório, em 1950, a situação do dilema dos prisioneiros
foi repetida mais de cem vezes, levando os pesquisadores à descoberta de que os participantes estavam
mais dispostos a cooperar do que o esperado pela teoria.

Figura 23 – No dilema dos prisioneiros, tal como no jogo de xadrez, decisões devem ser tomadas sem que se saiba a atitude
do parceiro. No entanto, na situação descrita no dilema, a melhor escolha individual não traz os mesmos benefícios que uma
colaboração mútua.

O uso da pesquisa experimental acabou por alcançar também a análise dos mercados.

Em 1948, um professor de Harvard, Edward H. Chamberlin, teve a ideia de


estudar os mercados de forma experimental. Criando uma situação em que
alunos poderiam vender produtos fictícios no mercado enquanto outros os
compravam, ele procurou observar se a previsão de que os mercados se
equilibram estava correta. Esse mercado, no qual os estudantes negociavam
até que se encerrasse o prazo previsto, mostrou um resultado muito
preocupante: vendia‑se uma quantidade notadamente maior do que o
previsto, e os preços não convergiam ao equilíbrio (GARZA; TARRAZONA,
2011, p. 26).

Em continuidade a esse estudo, Vernon Smith publicou alguns trabalhos que mostravam que, quando
as informações sobre oferta e demanda eram públicas e ocorria repetição das situações envolvendo

69
Unidade I

compradores e vendedores, os preços e quantidades convergiam rapidamente ao equilíbrio. Por causa


desse trabalho, Vernon Smith recebeu o Nobel de Economia em 2002.

Paralelamente aos estudos em Economia Experimental, outra área foi se desenvolvendo: a Economia
Comportamental. Há proximidade entre elas, embora sejam distintas e com objetos e métodos específicos.
Na verdade, a Economia Experimental está mais intimamente associada a uma metodologia de trabalho,
enquanto a Economia Comportamental preocupa‑se com o desenvolvimento de modelos teóricos sobre o
comportamento humano, utilizando, para isso, elementos da Psicologia, da Sociologia e da Antropologia.

Podemos identificar três grandes temas de investigação na Economia Comportamental. O primeiro


diz respeito ao bem‑estar relativo, ou seja, quanto o bem‑estar de outros indivíduos influencia nosso
próprio bem‑estar. Exemplos dessa situação podem ser vistos no Jogo do Ultimato e no Jogo do Ditador.

Segundo Rezende (2004), no Jogo do Ultimato, dois participantes interagem. Um primeiro jogador faz uma
oferta inicial, oferecendo parte de um montante para o segundo jogador. O segundo jogador pode aceitar ou
não a oferta. Caso aceite, fica com a quantia ofertada, e o que fez o lance fica com o restante do montante.
Caso o segundo jogador não aceite, nenhum dos dois receberá nada. O dilema colocado é o seguinte: o primeiro
jogador buscará oferecer o mínimo possível, mas a sua satisfação depende das decisões do segundo jogador. Da
mesma forma, a decisão do jogador não afeta apenas o seu bem‑estar, mas o do seu parceiro.

No Jogo do Ditador, uma variante do Jogo do Ultimato, um dos participantes (o Ditador) define
a forma de divisão do montante, ficando o outro participante sem qualquer possibilidade de reação.
Parece claro que, em uma situação de equilíbrio perfeito, o Ditador ficaria com o máximo possível; no
entanto, na reprodução dessa situação em laboratórios, descobriu‑se que o Ditador buscaria não fazer
uso máximo da sua vantagem (REZENDE, 2004). De fato, os desenvolvimentos relativos a esses jogos
mostram que uma parte significativa dos sujeitos envolvidos é mais generosa do que se supunha.

Segundo Garza e Tarrazona (2011), outro eixo temático em Economia Comportamental diz respeito
aos vieses nas preferências e nas escolhas. Exemplos da investigação desse tema são os estudos sobre
decisões relacionadas ao futuro (poupança e investimento) e que são prejudicadas em função de vícios
de comportamento, como aversões a risco ou excesso de otimismo.

Finalmente, o terceiro eixo temático está relacionado ao processo de aprendizagem das pessoas. Nas
situações de jogos, e de forma distinta do esperado pelos modelos, as pessoas demoram mais para fazer
escolhas. Ainda, elas se imaginam menos inteligentes que seus oponentes.

b) Finanças Comportamentais

As Finanças Comportamentais estudam o comportamento dos agentes nos mercados financeiros.


Segundo Lima (2003), podemos conceituar a área como sendo a do estudo das formas como os agentes
interpretam e agem em situações que envolvem decisões de investimentos.

Quais são os temas estudados no campo das Finanças Comportamentais? O primeiro diz respeito
a como agentes financeiros cometem erros em decorrência da crença em certos pressupostos. Um
70
PSICOLOGIA ECONÔMICA

exemplo é a tendência de os agentes realizarem escolhas em função da performance histórica, parâmetro


que não é necessariamente o melhor para a tomada de decisão. Para Lima (2003), as decisões seriam
tomadas com base em modelos que funcionam quase como que atalhos mentais. Em outras palavras,
esses modelos exercem um papel de estratégias estereotipadas que, na ausência de outras informações,
ou dada a urgência da tomada de decisão, tendem a assumir uma importância significativa. Lima (2003,
p. 8) cita a autoconfiança como sendo um desses modelos mentais:

O excesso de autoconfiança leva o investidor a sobrestimar suas habilidades


perceptivas e acreditar que elas podem “medir” o mercado. Esta é uma característica
de comportamento presente na grande maioria da população mundial; diversos
estudos comprovam que cerca de 80% das pessoas consideram‑se acima da
média no que diz respeito às suas habilidades como motorista, senso de humor,
relacionamento com outras pessoas e capacidade de liderança. Quando tratamos
de investidores, estes acreditam em sua habilidade de vencer o mercado acima
da média. Na prática, a habilidade de vencer o mercado é muito difícil de ser
encontrada. Alguns estudiosos acreditam que tal habilidade não exista, e seja nada
mais que acontecimentos aleatórios, que levam a uma compreensão errada da
realidade. Odean em seu estudo (1998) evidencia que a maioria dos investidores,
ao contrário do que eles mesmos acreditam, não consegue vencer o mercado.
Analisando mais de 10 mil negócios de investimento no mercado financeiro
norte‑americano, concluiu que os papéis vendidos tiveram um desempenho 3,4%
maior do que os papéis comprados nessas negociações.

O segundo tema diz respeito à percepção dos agentes da natureza dos problemas que são colocados
à sua disposição: são eles capazes de perceber, de forma nítida, os riscos que estão apresentados?
Finalmente, o terceiro está relacionado à percepção de perfeição dos mercados: são os mercados tão
eficientes quanto os agentes imaginam?

Figura 24 – Ao contrário da abordagem tradicional, que pressupõe que os agentes são completamente racionais, as Finanças
Comportamentais buscam entender e predizer os processos decisórios dos agentes, evitando o julgamento de quão racionais esses
processos são

71
Unidade I

c) Neuroeconomia

O propósito da Neuroeconomia é, segundo Ferris (2015),

[…] encontrar padrões de comportamentos, onde se faz necessário o uso [de]


métricas e equipamentos que consigam mensurar as respostas biológicas
do corpo humano em situações de exposição a algum estímulo, como por
exemplo assistindo a um comercial de televisão, utilizando um produto ou
serviço, ou experienciando um novo aroma. Esse recolhimento de dados é
feito pela integração entre psicometria (avaliações em questionários, por
exemplo), biometria (equipamentos como Eye Tracker, Resposta Galvânica
da pele, etc.) e Neurométrico (Eletroencefalografia, Ressonância Magnética
Funcional). Isso permite uma análise detalhada das reações inconscientes
ao estímulo estabelecido e assim, por fim, estabelecer recomendações
mais precisas acerca do processo de tomada de decisão e padrões do
comportamento humano dentro [do] cenário de consumo.

De acordo com Ferreira (2007b), a Neuroeconomia surge como área de interface, na qual se
combinam os desenvolvimentos das neurociências e do estudo dos fenômenos econômicos. De forma
simplificada, ela busca investigar o comportamento econômico por meio de equipamentos e de
tecnologia extremamente sofisticada, que possibilitam o exame do funcionamento cerebral. Segundo
Ferreira (2007b, p. XVIII):

Os tópicos de pesquisa compreendem teoria dos jogos, risco, atenção,


percepção e consciência, aprendizagem, avaliação, motivação, emoção,
comportamento, confiança, apego e adição ou dependência. Os métodos
utilizados são experimentais e incluem imagens de atividade neural, perfis
genéticos, manipulação psicofarmacológica, eletroencefalograma, testes e
medidas comportamentais, análise de química sanguínea e hormonal.

Resumo

Toda área do saber tem – e é isso que a diferencia das demais – um objeto
específico de estudo e um método peculiar de investigação desse objeto. De fato,
cada área do saber tem como base determinados pressupostos epistemológicos,
ou seja, princípios basilares nos quais repousam alguns critérios a partir dos
quais será gerado o conhecimento a respeito do seu objeto específico.

Nosso processo de aquisição do conhecimento ocorre por vias


extremamente particulares. Na maior parte das vezes, e ao longo das
nossas vidas, enxergamos aquilo que queremos enxergar ou que estamos
preparados para enxergar. Vemos o que queremos ver, e vemos no
momento em que estamos preparados para lidar com o que vemos: o
72
PSICOLOGIA ECONÔMICA

nosso olhar indaga a realidade, mas não é sempre que ele tem condições
de lidar com as respostas que o mundo nos oferece. Ainda, acreditamos
nas explicações que desenvolvemos para compreender o mundo enquanto
essas explicações derem conta de resolver os problemas que enfrentamos e
aos quais devemos oferecer respostas.

De forma resumida, podemos utilizar a nossa intuição e o nosso


raciocínio (dedutivo, quando parte de um princípio geral para explicar os
casos particulares; indutivo, quando parte do particular para o geral).

Um dos traços mais marcantes na história da Epistemologia da Economia


está no fato de esses processos de aquisição do saber terem sido pouco
discutidos. De maneira geral e sistemática, grande parte dos economistas
acomodou‑se com o uso de dois métodos: o hipotético‑dedutivo e o
histórico‑dedutivo. De Smith aos dias de hoje, esses têm sido os instrumentos
preferenciais dos economistas no estudo dos atos e fenômenos econômicos.

O método dedutivo (histórico ou hipotético) consagrou‑se como


instrumento preferencial nos estudos econômicos. Se houve alguma
aproximação com o método indutivo (ou estudo de casos particulares para
a formulação de regras gerais), isso ocorreu por meio de abordagens mais
empíricas, especialmente as relacionadas às análises históricas e estatísticas
– melhor dizendo, as relacionadas às análises de dados históricos submetidos
ao rigor matemático.

A construção de um modelo ideal de agente econômico possibilitou o


uso da dedução para a elaboração das teorias econômicas. A partir desse
modelo, era suposto que o agente econômico, um ser racional, sempre
procurava otimizar o prazer e a satisfação. De comportamento previsível,
portanto, esse agente atuava em uma realidade também racional e passível
de ser apreendida pelo conhecimento humano.

É importante reforçar este ponto: embora ocorrendo de forma


esporádica, as investigações que introduziram mudanças significativas,
inclusive na noção do Homo economicus, foram absorvidas pela escola
neoclássica, principal vertente do mainstream do pensamento econômico.
Essa escola conseguiu, por muito tempo, relegar as condições psicológicas
do comportamento a um plano inferior. Se ocorreram críticas, elas acabaram
por se acomodar ao corpus teórico já existente.

Após alguns trabalhos pontuais que realizaram vigorosas críticas ao


modelo de racionalidade até então adotado, alguns economistas buscaram
uma aproximação maior com as Ciências Comportamentais e, portanto,
com os métodos indutivos.
73
Unidade I

Reynaud, por exemplo, definiu a Psicologia Econômica como o estudo


da economia sob aspectos subjetivos e mentais. Os métodos utilizados
seriam aqueles pertencentes às duas áreas, e o objetivo principal seria o
de realizar uma síntese que fosse capaz, inclusive, de criar novos métodos
e noções.

Katona, por sua vez, utilizou a metodologia das Ciências Comportamentais


(uma área em franco desenvolvimento a partir da segunda metade do
século XX) para investigar o comportamento relacionado aos atos e aos
fenômenos econômicos.

Ganhador do Prêmio Nobel de 1978 com o seu trabalho a respeito das


decisões racionais nas organizações, e embora não mencionasse a Psicologia
Econômica, Herbert Simon assumiu ser a Economia Política, em essência,
uma ciência psicológica. Para ele, as teorias comportamentais teriam maior
poder explicativo das escolhas feitas pelos agentes econômicos, em especial
nos ambientes de incerteza e competição imperfeita. Simon trabalhou,
portanto, com o conceito de racionalidade limitada.

Em 2002, outro economista ganharia um Prêmio Nobel após desenvolver


um trabalho que questionava o pressuposto da racionalidade. Ainda que
não mencionando a Psicologia Econômica, Kahneman enfocou o processo
de decisão não como fruto de análise cuidadosa e racional de alternativas,
mas como resultado de um processo quase intuitivo.

Os estudos relacionados à Psicologia Econômica partem do princípio


de que o critério da racionalidade do agente econômico não é capaz de
dar conta de todos os fenômenos encontrados quando da investigação das
interações ocorridas nos mercados. Assim, para estudar outros aspectos
associados ao comportamento dos agentes econômicos, os pesquisadores
da Psicologia Econômica passaram a fazer uso dos métodos indutivos das
Ciências Comportamentais e, mais especificamente, da Psicologia Social.
Com tradição na pesquisa das relações sociais a partir de constructos
psicológicos, a Psicologia Social já fazia uso de métodos indutivos (aqueles
que partem de casos particulares para a generalização) há décadas.

Quais são esses métodos? São aqueles que permitem que conheçamos
as opiniões e atitudes dos agentes econômicos. Assim, eles devem garantir
que a pesquisa tenha validade interna, tenha validade de constructo, tenha
validade externa e, finalmente, seja fidedigna.

As pesquisas quantitativas do tipo survey são utilizadas com frequência


para o estudo do comportamento dos agentes econômicos. Seja para
verificar hipóteses, seja para descrever segmentos da população, esses
74
PSICOLOGIA ECONÔMICA

estudos partem do princípio de que o comportamento pode ser observado


e que os respondentes são capazes de verbalizar suas opiniões e crenças
dentro de um razoável nível de sinceridade.

Em geral, nas pesquisas quantitativas, a entrevista é padronizada ou


estruturada. Nesse tipo de abordagem, o entrevistador segue um roteiro
elaborado previamente sem que haja espaço para improvisos e questões
adicionais. Outro tipo de pesquisa quantitativa realizada com frequência é
o painel, no qual as mesmas perguntas, e junto à mesma amostra, são feitas
de tempo em tempo.

Nos estudos quantitativos, podem‑se utilizar dois tipos de amostra:


probabilística ou não probabilística. Se probabilística, ela deve ter o tamanho
necessário para, por meio de técnicas estatísticas, projetarmos os resultados
para o universo maior do qual foi extraída a amostra. Se não probabilística,
seus resultados não podem ser projetados para o universo. É importante
salientar ainda que, em situações nas quais se conhece pouco o assunto
pesquisado, é possível realizar previamente uma pesquisa exploratória.

Grande parte das pesquisas quantitativas faz uso da mensuração de


atitudes por meio da construção de escalas. Designamos de atitude a
disposição psicológica que determina a forma a partir da qual o indivíduo
tende a agir em relação a certo objeto. Por exemplo: nossas atitudes em
relação aos bens de luxo são determinantes das formas como agiremos
em relação a esses bens. A atitude tem três componentes principais:
o componente afetivo (que indica o quanto gostamos ou não de certo
objeto), o componente comportamental (que indica as nossas tendências
de ação) e o componente cognitivo (que indica o que sabemos a respeito
de certo objeto). Em geral, os pesquisadores utilizam escalas de graduação,
escalas de Likert e escalas de diferencial semântico.

Outro método bastante utilizado para a investigação do comportamento


dos agentes econômicos é o representado pelo experimento. Esse método,
largamente aplicado nos estudos de Economia Comportamental e Economia
Experimental, está associado à construção de uma situação em que as
variáveis de interesse podem ser manipuladas: o objetivo, nesse caso, é
descobrir o quanto a variável que se deseja investigar é responsável por
determinados resultados.

As pesquisas de observação também são realizadas para a


investigação do comportamento econômico dos agentes. Elas podem
ocorrer na modalidade simples (o pesquisador apenas observa, à
distância) ou na modalidade participante (o pesquisador participa da
situação a ser pesquisada).
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Unidade I

São inúmeras as possibilidades de contribuição das Ciências


Comportamentais para o estudo do comportamento dos agentes
econômicos. Por exemplo, a Teoria da Inflação Inercial, principal suporte
teórico do Plano Real de combate à inflação, tem suas raízes fincadas
na questão dos aspectos psicológicos envolvidos com o processo de alta
generalizada do nível de preços.

Atualmente, temos várias áreas que se desenvolveram na interface


entre as Ciências Econômicas e as Ciências Comportamentais, como
Economia Comportamental, Finanças Comportamentais, Neuroeconomia
e Economia Experimental.

Exercícios

Questão 1. (Provão 2002, adaptada). Quando analisamos os desenvolvimentos metodológicos


aplicados ao estudo das Ciências Econômicas, um dos argumentos mais influentes é aquele associado a
Lakatos, o qual, em linhas gerais, afirma que:

A) a Economia desenvolve‑se basicamente de modo indutivo.

B) a melhor opção para a avaliação da consistência dos Programas de Pesquisa no pensamento


econômico está contida na teoria do individualismo metodológico.

C) a melhor opção para a avaliação da consistência dos Programas de Pesquisa nas Ciências
Econômicas está contida na teoria do instrumentalismo metodológico.

D) as avaliações científicas devem concentrar‑se nos Programas de Pesquisa, que são constituídos
basicamente de um núcleo central e um cinto protetor.

E) as teorias econômicas evoluem através de rupturas revolucionárias em seus Programas de Pesquisa,


à maneira da Física.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: para Lakatos, há a possibilidade de desenvolver conhecimento científico no campo das


Ciências Econômicas com o emprego do método dedutivo.

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PSICOLOGIA ECONÔMICA

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a melhor opção para avaliação da consistência dos Programas de Pesquisa no


pensamento econômico é aquela que mais se adéqua a seu campo de estudo.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: pode‑se utilizar tanto o instrumentalismo metodológico quanto o individualismo


metodológico, além de outras formas do saber. O importante é o método ser adaptável àquilo que se
pretende em termos de desenvolvimento científico.

D) Alternativa correta.

Justificativa: os Programas de Pesquisa seguem um cinto protetor, que é seu próprio campo de
estudo.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: não se trata de rupturas revolucionárias em seus Programas de Pesquisa, mas, sim,
evolução em tempo histórico daquilo que se analisa e, portanto, se teoriza.

Questão 2. (Provão 2000, adaptada). A emergência da Ciência Econômica como área do saber
específica se deu no contexto maior do Iluminismo, uma revolução intelectual da qual a teoria econômica
é herdeira. Os fundamentos do Iluminismo que influenciaram diretamente o nascimento da Ciência
Econômica foram:

A) o reencantamento do mundo, a aposta na razão e o princípio da incerteza.

B) a secularização da cultura, a aposta na razão e a crença absoluta no progresso humano.

C) a fragmentação da política, o princípio da incerteza e a racionalização da cultura.

D) a Revolução Francesa, a racionalização da cultura e o questionamento da ideia de progresso.

E) a dialética hegeliana, o princípio da incerteza e o questionamento da ideia de progresso.

Resolução desta questão na plataforma.

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