Ivy Judensnaider é economista pela Fundação Armando Álvares Penteado e mestra em História da Ciência e
da Tecnologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professora da Universidade Paulista
(UNIP), onde coordena o curso de Ciências Econômicas no Campus Marquês (SP). Também atua no setor de publicações
e é autora de inúmeros textos de divulgação científica publicados na web. Nos últimos dez anos, tem trabalhado na
elaboração de textos e de livros para uso em Educação a Distância.
Najla M. Kamel é graduada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e em Psicologia pela Universidade
Paulista (UNIP). Mestre e doutora em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(IPUSP). Especialista em Avaliação do Ensino Superior pela Universidade de Brasília (UnB). Uma das autoras do livro
Da cultura de provas para a cultura de avaliação e conteudista do livro‑texto Psicologia do Consumidor (EaD/UNIP).
Atualmente, é professora titular da UNIP, ministrando aulas nas disciplinas: Psicologia do Consumidor, Psicologia
Aplicada à Fisioterapia, Psicologia Aplicada à Nutrição, Psicologia Jurídica, Estatística Aplicada, Bioestatística e Pesquisa
de Mercado.
CDU 658.012.2
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Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
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Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
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Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
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Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Ricardo Duarte
Carla Moro
Sumário
Psicologia Econômica
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 OS PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS DAS CIÊNCIAS ECONÔMICAS:
UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA....................................................................................................................... 11
2 AS CRÍTICAS AO HOMO ECONOMICUS................................................................................................... 34
3 NOVOS PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E A PESQUISA NA
PSICOLOGIA ECONÔMICA................................................................................................................................. 45
3.1 A pesquisa quantitativa: os surveys.............................................................................................. 48
3.2 Os experimentos.................................................................................................................................... 56
3.3 As pesquisas de observação.............................................................................................................. 58
3.4 Pesquisas qualitativas: entrevistas em profundidade, discussões em grupo
e estudos de caso.......................................................................................................................................... 59
4 TENDÊNCIAS NA INVESTIGAÇÃO EM PSICOLOGIA ECONÔMICA.................................................. 62
Unidade II
5 CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA SOCIAL PARA A INVESTIGAÇÃO DO
COMPORTAMENTO ECONÔMICO: APROFUNDAMENTOS, REFLEXÕES E APLICAÇÕES............. 78
5.1 Psicologia Social e subjetividade.................................................................................................... 81
5.2 O Behaviorismo, ou a Teoria Comportamental......................................................................... 84
5.3 A Teoria da Gestalt: a Teoria da Forma......................................................................................... 85
5.4 A Psicologia Cognitiva......................................................................................................................... 87
5.5 As atitudes: conceito e importância.............................................................................................. 89
6 O PAPEL DO GRUPO SOCIAL NA FORMAÇÃO DO COMPORTAMENTO........................................ 91
6.1 A classificação socioeconômica...................................................................................................... 94
6.2 A classificação psicográfica............................................................................................................... 95
6.3 Os modelos de utilidade e de escolha racional......................................................................... 97
7 A TEORIA DOS JOGOS E AS DINÂMICAS DE GRUPO........................................................................100
7.1 A Neuroeconomia e as Neurociências........................................................................................105
8 EMPREENDEDORISMO SOCIAL.................................................................................................................107
APRESENTAÇÃO
A disciplina Psicologia Econômica, cujo livro‑texto agora apresentamos, tem como objetivo tratar
dos fundamentos clássicos e neoliberais de racionalidade do comportamento econômico dos indivíduos,
e de como esses fundamentos passaram a sofrer críticas a partir da segunda metade do século XX. Essas
críticas foram fundamentais para o processo de construção de uma nova área de conhecimento e de
atuação para os economistas.
A atuação nessa nova área de fronteira requer a posse das bases teóricas de dois grandes campos
do saber: as Ciências Econômicas e a Psicologia (em especial, a Psicologia Social). Isso significa dizer
que os economistas acostumados a trabalhar da forma tradicional (ou seja, fazendo uso dos métodos
dedutivos e históricos) não dão conta de investigar os fenômenos comportamentais sem o auxílio de
técnicas e teorias da Psicologia; em contrapartida, os psicólogos tampouco dão conta de entender o
comportamento econômico sem o aporte do instrumental teórico das Ciências Econômicas.
Como esse é um campo de atuação que está em fase inicial de desenvolvimento e que, por isso
mesmo, vem demandando profissionais preparados para o diálogo entre duas áreas do conhecimento,
consideramos de extrema valia que os estudantes de Ciências Econômicas tenham contato com os
principais desenvolvimentos da Psicologia Econômica, bem como com as principais teorias que dão
suporte aos estudos dos aspectos psicológicos do comportamento dos agentes econômicos.
Em resumo, este livro‑texto pretende explicitar as novas áreas de fronteira que hoje investigam o
comportamento dos agentes econômicos, tendo como base os métodos indutivos e experimentais, e que
estão alicerçadas na Psicologia e nas Ciências Comportamentais. Essa abordagem pretende contribuir
para o desenvolvimento das competências requeridas dos alunos, conforme definidas no Projeto
Pedagógico do Curso (PPC) e em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais relacionadas.
c) introduzir os estudos sobre o comportamento dos indivíduos com base na utilização de variáveis
psicológicas e comportamentais, como sentimentos, pensamentos, crenças, atitudes e expectativas;
Bom estudo!
INTRODUÇÃO
Para que você possa acompanhar esse processo, é necessário que compreenda:
a) como determinada área do saber constrói seus pressupostos epistemológicos (ou seja, os princípios
por meio dos quais serão considerados científicos certos achados ou modelos);
b) como as Ciências Econômicas construíram seus pressupostos epistemológicos, que por sua vez
determinaram os principais métodos para investigação dos fenômenos econômicos (quer dizer, os
métodos dedutivos e históricos);
8
c) como as Ciências Econômicas passaram a sofrer críticas em relação aos modelos desenvolvidos;
d) como outras áreas passaram a contribuir para o preenchimento das lacunas que surgiram a partir
das críticas mencionadas.
Acompanhe o nosso raciocínio: toda área do saber tem – e é isso que a diferencia das demais – um
objeto específico de estudo e um método peculiar de investigação desse objeto. De fato, cada área do
saber tem como base determinados pressupostos epistemológicos, quer dizer, princípios basilares nos
quais repousam alguns critérios e a partir dos quais será gerado o conhecimento a respeito do seu
objeto específico. Deve, então, explicitar como se dá o conhecimento no seu campo e qual o processo
de sua aquisição. Adicionalmente, deve esclarecer quais os métodos consagrados para a investigação e
para o estudo dos fenômenos pertinentes à sua área.
As Ciências Econômicas, como outras ciências, possuem um objeto que vem se transformando ao
longo do tempo. No entanto, a investigação sobre os atos econômicos do século XXI podem requerer
instrumentos diferentes daqueles que foram utilizados no século XVIII – afinal, do ponto de vista histórico,
novas perguntas e novos fenômenos surgiram desde a publicação do texto fundador de Adam Smith
(1723‑1790) A riqueza das nações (1776), e esses desenvolvimentos criaram tensões que obrigaram os
economistas (ou deveriam ter obrigado) a refletir sobre os modos de aquisição do conhecimento e os
métodos utilizados para alcançá‑lo.
De forma genérica, as Ciências Econômicas adotaram o método dedutivo para a investigação do seu
objeto de pesquisa, qual seja, os sistemas econômicos que permitem aos seres humanos a produção e a
distribuição de bens e serviços, considerando dois aspectos fundamentais: a escassez dos recursos que
produz e a infinitude das necessidades a serem satisfeitas com os bens e serviços produzidos.
Porém, e a partir de certo instante, alguns novos problemas foram colocados diante dos economistas.
A resolução desses problemas, por sua vez, demandou um conhecimento distinto do desenvolvido até
então. Mais: demandou uma mudança drástica nos pressupostos adotados pelos economistas e nos
métodos de pesquisa de investigação.
É nesse contexto que surge a Psicologia Econômica. Para compreendermos o seu surgimento e
a ruptura que ela representou em termos de desenvolvimento teórico das investigações econômicas,
estudaremos os fundamentos das Ciências Econômicas do ponto de vista da Epistemologia e da
Metodologia, considerando a perspectiva histórica.
Vamos também tratar da ruptura metodológica provocada pela adoção de métodos indutivos
na investigação econômica e identificar os trabalhos pioneiros nessa área (especialmente Katona e
Reynaud, na primeira metade do século XX, e os Prêmios Nobel de Economia Simon e Kahneman, na
segunda metade do século XX).
Discutiremos ainda os principais métodos indutivos que, oriundos das Ciências Comportamentais,
acabaram por sugerir contribuições relevantes no estudo do comportamento econômico.
9
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Unidade I
1 OS PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS DAS CIÊNCIAS ECONÔMICAS: UMA
PERSPECTIVA HISTÓRICA
Apenas para dar um exemplo: no século XIX, sequer se discutia a questão da finitude de um recurso
importante como a água. Hoje, o debate sobre as condições de sustentabilidade de nosso ritmo de produção
e consumo está no centro de qualquer discussão sobre modelos econômicos. Parece claro, portanto,
que as formas de acessar o conhecimento modificam‑se (e devem se modificar) simultaneamente à
transformação do nosso próprio objeto de estudo.
Figura 1 – As Ciências Econômicas e seu objeto de estudo em transformação: a questão da sustentabilidade econômica dada a
escassez de recursos é recente e vem exigindo novas posturas para a solução dos problemas ambientais
11
Unidade I
Até o século XIX, no entanto, as grandes escolas de pensamento das Ciências Econômicas foram
se desenvolvendo sem se preocupar demasiadamente a respeito dos pressupostos epistemológicos
adotados; ou melhor, sem refletir sobre as diferenças entre o processo de conhecimento do saber em
geral e o processo específico de aquisição do conhecimento dos fenômenos econômicos.
Entre os séculos XVIII e XIX (período que cobre a publicação dos textos fundadores das Ciências
Econômicas e o momento em que a Ciência surge tal como a conhecemos nos dias de hoje), o que era
bom para as outras Filosofias Políticas e Morais (áreas das quais as Ciências Econômicas derivaram)
também era bom para o estudo dos fenômenos econômicos. Até o final do século XIX (quando, inclusive,
a Epistemologia – a ciência que estuda os processos do conhecimento – passou a se desenvolver de forma
significativa), a grande preocupação dos pensadores que refletiam a respeito dos atos econômicos não
estava relacionada às formas de aquisição do conhecimento, mas ao objeto desse conhecimento. Para eles,
o requisito necessário para fundar e fortalecer uma nova categoria do saber era diferenciá‑la em termos do
objeto de estudo, deixando a preocupação com as formas do conhecimento para outro momento.
Assim, um dos traços mais marcantes na história da Epistemologia da Economia está no fato de
esses processos de aquisição do saber terem sido pouco discutidos. Evidência clara dessa situação pode
ser demonstrada da seguinte forma: os temas centrais da pesquisa econômica modificaram‑se ao longo
do tempo; na década de 1970, por exemplo, surgiram questões referentes ao processo inflacionário
que atingia grande parte das economias desenvolvidas e em desenvolvimento; nas décadas de 1980
e 1990, intensificaram‑se o debate sobre o papel do Estado na promoção do desenvolvimento e sobre
as diferenças entre o Welfare State (o Estado que se preocupa com a promoção do bem‑estar social)
e o Estado Mínimo (o Estado que intervém pouco na economia). No entanto, o corpus das teorias
econômicas ficou a salvo de qualquer dúvida ou questionamento em termos dos métodos utilizados para
desenvolvê‑lo. Claro que isso não ocorria sem exceções, mas o mainstream do pensamento econômico
era pródigo em afirmar que nada de novo havia sob o sol: os métodos dedutivos e históricos eram mais
do que suficientes para dar conta do recado. Se houvesse algum espaço vazio, ele seria certamente
ocupado pela Matemática, pela Estatística e pela Econometria.
Observação
Esse status quo fortaleceu‑se ao longo da primeira metade do século XX: o pluralismo metodológico
e sua consequente disponibilidade para o debate de ideias ou correntes de pensamento diversas das
já estabelecidas, ao menos no plano metodológico, não ocuparam qualquer espaço significativo nas
discussões sobre os métodos utilizados para a investigação dos atos e fenômenos econômicos. Em
outras palavras, era mais importante estudar a realidade do que discutir as formas a partir das quais essa
realidade deveria ser estudada, como se uma coisa não estivesse irremediavelmente associada à outra.
12
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Em vez de refletir sobre as limitações das formas utilizadas para alcançar o conhecimento econômico,
os economistas preferiram continuar olhando os fenômenos com as mesmas lentes empregadas pelos
economistas clássicos do século XVIII.
Mas, afinal, qual a importância de discutir os caminhos utilizados para se chegar ao conhecimento? A
pergunta não é descabida, muito pelo contrário. Sugerimos que você, leitor, reflita a respeito: a realidade
é o que conseguimos dela compreender? Todas as pessoas percebem a realidade da mesma forma? Todas
as áreas de conhecimento, ou melhor, todos os aspectos da realidade exigem que utilizemos as mesmas
vias de acesso? Assim, propomos que você pense nos seguintes termos: a realidade é (ela tem uma
existência concreta), mas o que apreendemos dela depende das formas como a vemos e a interpretamos.
A realidade é, mas o nosso conhecimento apenas pode dela se aproximar, jamais a alcançando na sua
totalidade. Aliás, é necessário enfatizar: enxergamos aquilo que podemos compreender e aquilo que
conseguimos acomodar no conjunto de coisas que supomos saber.
Os quadros mentais sobre os quais repousam nossas crenças, bem como nossas características
biológicas, nos possibilitam ou nos impossibilitam de perceber a realidade. De fato, aquilo que vemos
(ou imaginamos ver) é fruto de construções mentais elaboradas em função do que aprendemos, das
experiências que já tivemos, daquilo que acreditamos ser possível.
Na belíssima série Cosmos (1980), temos um exemplo interessante a respeito das limitações da nossa
capacidade de enxergar a realidade. Enxergamos aquilo que entendemos, aquilo que nossa cognição nos
indica ser possível ou provável.
Há quase duzentos anos, no golfo do Alaska […], duas culturas que não
se conheciam tiveram um primeiro encontro. O povo tlingit vivia mais
ou menos como seus ancestrais viviam há milhares de anos. Eles eram
nômades, viajando sempre de canoa entre inúmeros locais de acampamento,
onde pegavam peixes abundantes e ostras do mar e os trocavam com as
tribos vizinhas. O criador que eles veneravam era o Deus Corvo, a quem
representavam como uma enorme ave preta de asas brancas. E, em um dia
de julho de 1786, o Deus Corvo apareceu. Os tlingit ficaram apavorados.
Eles sabiam que quem olhasse diretamente para o Deus viraria pedra. Do
outro lado do planeta, uma expedição liderada pelo explorador francês La
Pérouse, na verdade, a viagem científica mais planejada do século XVIII,
foi enviada para circundar o mundo e para reunir conhecimentos sobre
Geografia, História Natural e povos de terras distantes. Mas, para os tlingit,
cujo mundo estava confinado às ilhas do sul do Alaska, esse grande navio
só poderia ter vindo dos deuses. Houve um entre eles que ousou olhar mais
profundamente. Era um velho guerreiro e estava quase cego. Disse que sua
vida estava quase no fim. Para o bem comum, ele se aproximaria do Corvo
para ver se o Deus iria realmente transformar seu corpo em pedra. Ele partiu
para a sua própria viagem de descoberta para confrontar o fim do mundo. O
velho olhou fixamente para o Corvo e viu que ele não era um grande pássaro
do céu, mas trabalho de homens, como ele mesmo.
13
Unidade I
Saiba mais
COSMOS. Dir. Adrian Malone. Criação Carl Sagan, Ann Druyan e Steven
Soter. Estados Unidos: PBS, 1980. 60 minutos. (13 episódios).
Há, inclusive, algumas restrições biológicas que determinam as nossas formas de perceber a realidade.
Por exemplo: os daltônicos reconhecem matizes de cores de formas diferentes dos não daltônicos.
Imagine, portanto, as leituras distintas que um daltônico e um não daltônico poderiam fazer de um
quadro de Mondrian!
Figura 2 – Composição em vermelho, amarelo, preto, cinza e azul (1921), Piet Mondrian
Conforme pode ser observado, o uso das cores é fundamental na construção da obra de Mondrian.
Cabe a pergunta: como seria a recepção do conteúdo da obra se feita por um espectador daltônico,
incapaz de reconhecer certas variações de cor?
Mesmo que tomemos como base indivíduos com capacidades similares de visão ou de outras
competências físicas, também perceberemos diferenças significativas nas formas como cada um é capaz
de enxergar a realidade! São clássicas as figuras que nos revelam várias e diferentes visões, de acordo
com a perspectiva que adotamos.
14
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Saiba mais
Há décadas (em especial, desde a segunda metade do século XX), psicólogos sociais investigam quais
variáveis contribuem para que nossa percepção se construa de determinada forma; assim, experiências
da infância, gostos pessoais, receios e traumas podem nos levar a determinadas construções mentais em
detrimento de outras. Por exemplo: se no passado tivemos experiências negativas com objetos de cor amarela,
estaremos menos dispostos a enxergar objetos amarelos; caso tenhamos tido alguma experiência positiva
com homens ruivos, seremos, provavelmente, menos críticos e mais receptivos ao contato com homens ruivos.
Outro fator fundamental para a construção da nossa visão do mundo está relacionado aos processos de
conformação e submissão à opinião do grupo social. Na década de 1950, Solomon Asch (1907‑1996) conduziu
uma série de experimentos que o levaram a concluir que o consenso do grupo era um fator decisivo na formação
de opinião de alguém, especialmente se o pertencimento ao grupo fosse algo valorizado. Um desses experimentos,
bastante simples, foi o de propor a um grupo de oito pessoas (sete delas comparsas do pesquisador, e apenas uma
ingênua, sem qualquer informação sobre o combinado com os comparsas) que fosse apontada a linha‑padrão
para um modelo exposto. Assim, no caso de três linhas (A, B e C), de tamanhos distintos, apenas a linha A
combinava com o padrão proposto pelo pesquisador; no entanto, em dezoito ocasiões diferentes, a linha B foi
declarada pelos comparsas como a similar ao padrão (de acordo com o combinado com o pesquisador), fazendo
15
Unidade I
com que apenas 30% dos sujeitos ingênuos apontassem a linha A como a resposta correta: o fato de o grupo ter
escolhido a linha B havia sido fundamental para que os sujeitos ingênuos também a escolhessem. Em resumo:
estamos mais inclinados a concordar com algo quando percebemos que os que estão ao nosso redor também
concordam, especialmente se os outros são importantes para nós. Em contrapartida, hesitamos em afirmar algo
quando o nosso grupo de referência não tem a mesma opinião.
Nosso processo de aquisição do conhecimento ocorre por vias extremamente particulares. Na maior parte
das vezes, e ao longo das nossas vidas, enxergamos aquilo que queremos enxergar ou que estamos preparados
para enxergar. Isso não acontece apenas quando estamos diante de um conhecimento novo ou fora do padrão:
ocorre no nosso dia a dia, nas nossas vidas cotidianas. Às vezes, convivemos com uma pessoa durante anos e
não percebemos qualidades que, para outros, são extremamente óbvias. Em outras ocasiões, estabelecemos
metas profissionais que, décadas depois, nos parecem absurdas e infantis. Vemos o que queremos ver, e vemos
no momento em que estamos preparados para lidar com o que vemos: o nosso olhar indaga à realidade, mas
não é sempre que ele tem condições de lidar com as respostas que o mundo nos oferece. Mais: acreditamos
nas explicações que desenvolvemos para compreender o mundo enquanto essas explicações derem conta de
resolver os problemas que enfrentamos e aos quais devemos oferecer respostas.
Assim, outra questão fundamental diz respeito à perenidade das certezas que desenvolvemos a
respeito das condições seguras para a aquisição do conhecimento. Dessa forma, para os estudiosos da
Epistemologia, é fundamental o estudo das condições que possibilitam as revoluções científicas e as
mudanças de paradigmas que nos sustentam e nos auxiliam na construção da realidade.
Observação
As grandes transformações científicas ocorreram quando antigas crenças e antigos quadros mentais
foram substituídos por novas maneiras de pensar o mundo. Vejamos, dando continuidade ao exemplo
citado, o caso de Galileu e as dificuldades que ele teve que superar para concluir que a Terra poderia ser
colocada em movimento. Tal fenômeno não é muito diferente nos casos que envolvem o conhecimento
novo que se apresenta diante de nós diariamente, porque nosso apego ao que já sabemos (ou que
pensamos saber) cria uma série de bloqueios difíceis de serem transpostos. Em geral, são esses bloqueios
que nos impedem de aprender o novo ou de perceber o mundo de uma forma diferente.
O real nunca é “o que se poderia achar”, mas é sempre o que se deveria ter
pensado. O pensamento empírico torna‑se claro depois, quando o conjunto
de argumentos fica estabelecido. Ao retomar um passado cheio de erros,
encontra‑se a verdade num autêntico arrependimento intelectual. No fundo,
o ato de conhecer dá‑se contra um conhecimento anterior, destruindo
conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é
obstáculo à espiritualização (BACHELARD, 1996, p. 17).
Os obstáculos ao novo conhecimento podem muitas vezes surgir sob a forma de hábitos
intelectuais (que um dia até foram muito saudáveis) ou de antigos valores. “Chega o momento em que
o espírito prefere o que confirma seu saber àquilo que o contradiz, em que gosta mais de respostas
do que de perguntas. O instinto conservativo passa então a dominar, e cessa o crescimento espiritual”
(BACHELARD, 1996, p. 19).
Segundo Bachelard (1996), até mesmo a experiência primeira costuma funcionar como barreira à
aquisição do conhecimento. Aquilo que aprendemos sobre um objeto pela primeira vez permanece, para nós,
como indicativo de um porto seguro, de onde devem partir todos os nossos navios em direção ao mar e onde
devem atracar todos os navios que para nós chegam carregados de novas mercadorias e novas ideias.
Exemplo de aplicação
Reflita sobre o seguinte: se estamos sempre em busca de reforço para aquelas ideias com as quais
concordamos, de que maneira podemos entrar em contato com posições diferentes das nossas?
17
Unidade I
Essa concepção – chamada de Lei de Say – sofreu um abalo definitivo quando, embora houvesse
produtos em excesso no mercado, não havia consumidor disposto a comprar qualquer unidade. Se esse
esquema mágico tivesse algum fundo de verdade (consumidores automaticamente consumindo produtos
oferecidos), não haveria na economia qualquer problema de estoques de produtos não vendidos. No
entanto, a história econômica nos mostrou, por diversas vezes, que essa concepção encontrava pouca
aderência aos fatos da realidade; em especial, a crise de 1929 – caracterizada, entre outras coisas, pela
falta de demanda para os incontáveis bens amontoados nos pátios das fábricas – abriu os olhos dos
economistas para a falta de evidências empíricas para a Lei de Say.
O que permitiu que a Lei de Say perdurasse por tanto tempo, do século XVIII às primeiras décadas
do século XX? Não podemos imaginar que os economistas fossem todos equivocados e incapazes de
reconhecer a realidade! A resposta mais adequada para isso é que construções mentais satisfatórias – e
que nos chegam sob a forma da Ciência ou do senso comum – resistem às mudanças. Isso evidencia, mais
uma vez, que as condições dadas para o acesso ao conhecimento devem ser investigadas, especialmente
quando nos propomos à especialização dentro de uma área de saber.
Figura 3 – A Lei de Say propõe que a oferta cria a sua própria demanda. Atualmente, os economistas consideram que essa proposição
não tem validade, já que ela não explicaria as situações em que há oferta de bens e serviços sem que haja procura correspondente
18
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Vejamos, então, como se dá o processo de conhecimento. Conhecer algo ou estudar algum fenômeno
requer que usemos nossa capacidade intelectual, nossa razão. A razão é, portanto, o ponto de partida
para a aquisição do conhecimento. Segundo Chauí (2000, p. 70‑71):
Supõe‑se, assim, que a realidade seja dotada de uma racionalidade passível de ser percebida e
apreendida pela nossa atividade intelectual. Por sua vez, a atividade racional, essa capacidade humana
de apreender a realidade, pode ocorrer de dois modos: pela intuição (que está associada ao “ver”
imediato, sem qualquer necessidade de prova ou demonstração, como se tivesse havido um “estalo” ou
uma “revelação”) ou pelo raciocínio. Para efeito da nossa disciplina, interessa‑nos especialmente esse
último, que se configura como razão discursiva e que se apresenta sob as formas de dedução e indução.
Observação
19
Unidade I
Alguns exemplos clássicos podem nos ajudar a compreender melhor esses conceitos:
a) no caso da dedução, parte‑se de uma premissa inicial e, com base nela, explicam‑se os casos particulares.
Por exemplo:
Sócrates é homem.
b) no caso da indução, partimos de casos particulares para, em função deles, estabelecer uma regra geral.
Por exemplo:
Exemplo de aplicação
Exemplo 1
Pergunta: A conclusão que afirma ter João mais de 1,80 m de altura é falsa ou verdadeira, considerando
as assertivas 1 e 2?
Exemplo 2
20
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Pergunta: A conclusão que afirma ter João mais de 50 metros de altura é falsa ou verdadeira,
considerando as assertivas 1 e 2?
Exemplo 3
Pergunta: A conclusão que afirma serem brancas todas as janelas de apartamento do edifício é falsa
ou verdadeira, considerando as assertivas anteriores?
Exemplo 4
Pergunta: A conclusão que afirma serem brancas todas as janelas de apartamento do edifício é falsa
ou verdadeira, considerando as assertivas anteriores?
De forma resumida, o método dedutivo parte de um princípio geral para explicar os casos particulares.
Por exemplo, se alguém quiser traçar um perfil dos alunos que cursam Ciências Econômicas por meio de
educação a distância, poderá levantar algumas hipóteses: são alunos que não têm tempo para assistir a
21
Unidade I
aulas presenciais; são alunos que moram distantes das universidades existentes; são alunos que preferem
estudar segundo um ritmo diferente daquele utilizado nos cursos presenciais. Essas são hipóteses: quem
reflete sobre o tema assume como prováveis essas características dos alunos de cursos a distância, sendo
capaz de criar algumas regras explicativas.
Em contrapartida, o método indutivo parte do particular para o geral. Usando o mesmo exemplo,
pode-se conversar com cada aluno do curso de Ciências Econômicas a distância, questionando‑o sobre
os motivos para a escolha dessa modalidade. Após conversar com todos, seria possível, então, formular
uma explicação geral – o estudo dos casos particulares permitiria a construção de uma explicação geral.
Você já deve ter percebido o quão importante é a discussão a respeito das vias de acesso ao
conhecimento. Portanto, o debate sobre as condições epistêmicas da geração do saber é fundamental,
e não apenas uma discussão semântica sem qualquer utilidade! Apesar disso, o mainstream das
Ciências Econômicas preferiu ignorar a precariedade das nossas formas de acessar o conhecimento
sobre fenômenos como consumo e poupança, pobreza e riqueza. Certos de terem conseguido alcançar
um conhecimento seguro sobre a realidade, os economistas fecharam os olhos para a fragilidade de
pressupostos como a racionalidade e a motivação humana no sentido de otimizar a utilidade, princípios
basilares das escolas clássicas e neoclássicas de pensamento econômico.
Especialmente a partir do final do século XIX e do início do século XX, um manto de suave conforto
cobriu os trabalhos dos pensadores econômicos: o consenso sobre as bases epistemológicas da Economia
já estava estabelecido, acima de qualquer discussão. Estavam dadas as condições necessárias para a
matematização da teoria econômica, e o crescente uso da matemática para a investigação das relações
econômicas coroou essa certeza: alguns economistas chegavam a dizer que, entre as Ciências Sociais,
a Economia era a ciência “mais exata” e, portanto, “mais próxima” da certeza. Não apenas as formas
que utilizávamos para acessar o conhecimento eram excelentes como o resultado que obtínhamos era
extremamente eficaz!
Mas, afinal, quais eram as vias de acesso por meio das quais os economistas julgavam ser possível
conhecer os atos e fenômenos econômicos? Ou seja, como os economistas pretendiam investigar as
formas adotadas pela sociedade para a solução do problema da produção e consumo de bens e serviços,
dadas duas condições: a escassez de recursos e as necessidades ilimitadas?
22
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Figura 4 – As Ciências Econômicas estudam como os seres humanos resolvem os problemas da produção e consumo de bens e
serviços, dadas a escassez de recursos e as necessidades ilimitadas
De maneira geral e sistemática, grande parte dos economistas acomodou‑se com o uso de dois
métodos: o hipotético‑dedutivo e o histórico‑dedutivo. De Smith aos dias de hoje, esses têm sido os
instrumentos preferenciais dos economistas no estudo dos atos e fenômenos econômicos.
O método dedutivo (histórico ou hipotético) consagrou‑se como instrumento preferencial nos estudos
econômicos. Se houve alguma aproximação com o método indutivo (quer dizer, com o estudo de casos
particulares para a formulação de regras gerais), isso ocorreu por meio de abordagens mais empíricas,
especialmente as relacionadas às análises históricas e estatísticas: melhor dizendo, as relacionadas às
análises de dados históricos submetidos ao rigor matemático.
23
Unidade I
Na verdade, tanto as críticas passíveis de serem feitas ao método dedutivo quanto as relacionadas
ao método indutivo foram (e ainda são, em grande parte) ignoradas pelos economistas. A despeito
da segurança dos cientistas econômicos, o fato é que há problemas imensos com a qualidade de
conhecimento que acessamos. Com a dedução, temos que lidar com as limitações provenientes dos
sistemas lógicos de pensamento. Se a dedução parte da razão e da formulação de princípios gerais
que explicam casos particulares, podemos ter que lidar com falhas lógicas (paradoxos e contradições,
por exemplo) ou com erros na própria formulação dos princípios gerais. Supostamente, esses
problemas poderiam ser controlados a partir do rigor com que os silogismos fossem formulados
e a partir da consistência dos argumentos utilizados. No entanto, esse controle é relativo. Nossa
capacidade de abstração e a nossa linguagem inserem vieses que, por sua vez, ocultam partes da
realidade. Mais: mesmo que utilizemos a História como base para nossas reflexões dedutivas, não
podemos esquecer o fato de que eventos novos, fora do comum, podem ocorrer. Imagine alguém
fazendo uma análise histórica antes da Revolução Industrial ou da Revolução Francesa. Teria sido
possível prever esses eventos? E, no entanto, eles ocorreram e passaram a ser admitidos em todas
as análises históricas posteriores!
Em relação à indução, temos que lidar com a possibilidade de erros na coleta de dados estatísticos,
erros esses que podem inviabilizar os modelos que abstraímos dos dados. Temos que conviver, ainda, com
o número limitado de observações e de casos particulares, e não há como ultrapassar essa dificuldade.
Podemos identificar cem casos iguais e, na centésima primeira vez, termos que lidar com alguma
anomalia. Em outras palavras, sempre será possível surgir um evento que seja completamente diferente
dos anteriores. Assim, os métodos indutivos costumam chegar a resultados que estão associados a
graus de probabilidade. Finalmente, é importante salientar que precisamos assumir nossa incerteza
quanto à possibilidade de os sentidos serem capazes de apreender a realidade: nossas sensações, nossa
experiência e nossos sentidos podem falhar (aliás, falham).
Toda essa discussão ganhou, no máximo, um espaço diminuto nas notas de rodapé dos estudos
econômicos. Para efeito da nossa disciplina, entretanto, precisamos nos aprofundar um pouco mais
nessa questão. Tomemos Adam Smith: o método usado por Smith (e por outros tantos depois dele)
foi o histórico‑dedutivo. A partir do conhecimento histórico, e em função de esse material permitir a
criação de categorias generalizadoras, Smith acabou por formular alguns conceitos fundamentais sobre
o ser humano enquanto agente econômico. Refletindo sobre a História, Smith foi capaz de deduzir
algumas regras gerais que poderiam perfeitamente dar conta de explicar a natureza humana e suas
manifestações quando da troca, compra e venda de bens e serviços.
Observação
O que permitiu a Smith a elaboração desses conceitos foi o seu profundo conhecimento histórico e
a observação da realidade. Esse material, objeto de reflexão racional e crítica, possibilitou a construção
dos conceitos explanados em sua principal obra. Smith deduziu, a partir do conhecimento histórico.
Mais um exemplo do uso primoroso do método dedutivo vem de David Ricardo (1772‑1823), outro
economista clássico. Por exemplo, ao discutir a questão do valor comparado entre dois bens, Ricardo
(1996, p. 30) afirma:
Se uma peça de lã valer hoje duas peças de linho, e se, dentro de dez anos,
o valor de uma peça de lã alcançar quatro peças de linho, poderemos
com certeza concluir que será necessário mais trabalho para fabricar o
pano, ou menos para fabricar as peças de linho, ou ainda que ambas as
causas influíram.
Ricardo faz suposições sobre as leis de funcionamento do sistema econômico. Ele reflete sobre a
realidade que se apresenta aos seus olhos e deduz, de forma similar ao realizado por Smith a partir do
material histórico. O método utilizado por Ricardo e Smith se repete na maioria dos trabalhos sobre
sistemas econômicos.
Bresser‑Pereira (2009) resume o contexto metodológico no qual está inserida a maioria das investigações
dos atos e fenômenos econômicos: alguns economistas preferem o método hipotético‑dedutivo – a
partir da adoção de uma premissa lógica, chega‑se a uma teoria suficientemente robusta (se completada
com alguma demonstração matemática, melhor ainda); outros economistas, no entanto, preferem o
método histórico‑dedutivo – por meio do estudo da história e da observação da realidade, formulam‑se
pressupostos gerais que apresentam bastante segurança na sua utilização. “Ambos são dedutivos, mas
enquanto um é hipotético – partindo de um pressuposto – o outro é histórico – partindo de sequências
observadas de fatos e mantendo‑se próximo a eles durante o processo dedutivo” (BRESSER‑PEREIRA,
2009, p. 165). Ainda para Bresser‑Pereira (2009, p. 167):
[…] dado que a economia […], cujo objeto é aberto e complexo – os sistemas
econômicos –, argumento que a economia deve usar principalmente o
método histórico‑dedutivo. Ela só deve recorrer secundariamente ao
método hipotético‑dedutivo, aqui entendido como o processo de raciocínio
25
Unidade I
Taxa de inflação
Taxa de desemprego
Figura 5 – A Curva de Phillips resulta da representação matemática da correlação negativa entre inflação e desemprego
Observação
26
PSICOLOGIA ECONÔMICA
O que Phillips fez foi coletar dados secundários (estatísticos) e, por meio da matemática, deduzir
uma lei geral explicativa da relação entre inflação e desemprego. Como podemos caracterizar esse
método, qual seja, o de usar o material histórico para a coleta de dados secundários a serem submetidos
ao tratamento matemático e, posteriormente, à análise dedutiva? Para Bresser‑Pereira (2009), aqui está
configurado um método empírico‑dedutivo, similar ao histórico‑dedutivo. Assim, ele afirma:
As pesquisas à época buscavam descobrir a “mecânica” dos fenômenos para, por meio da
formulação de leis explicativas, dar sentido aos fatos da natureza e da própria sociedade (SANTOS;
JUDENSNAIDER, 2015).
Acima de tudo, preconizava‑se que as verdadeiras ciências deveriam ter como base metodológica a
observação e a experiência. Os métodos aplicados nas ciências físicas, químicas e biológicas poderiam
(e deveriam) ser utilizadas também nas Ciências Sociais. Tendo isso em mente, e tomando como
27
Unidade I
modelo a Física de Newton, o positivismo se estruturou como corrente de pensamento: era necessário
observar a natureza, coletar dados in loco e experimentar. Qualquer conhecimento que não tivesse
como origem o escopo da experiência e da observação – conhecimento esse, portanto, proveniente
dos sentidos – não tinha valor. Qualquer conhecimento do qual não pudessem ser derivadas leis
explicativas não serviria para coisa alguma.
John Stuart Mill aproximou‑se bastante dos pensadores positivistas, inclusive do seu principal
formulador, Auguste Comte (1798‑1857). Talvez já seja possível perceber o conflito que o contato entre
o pensamento econômico e o positivismo faria surgir: como atribuir estatuto científico às Ciências
Econômicas se elas não tinham como base o método indutivo, se elas não partiam da experiência como
fonte do conhecimento, se elas majoritariamente utilizavam a dedução como pressuposto epistemológico?
O Universo era um grande organismo e haveria uma grande lei que pudesse
explicar todo o seu funcionamento: para os estudiosos da Economia
Política, isso significava a busca da demonstração da superioridade da
ordem burguesa por meio da matemática. Talvez isso explique a busca por
um “aparato metodológico‑formal capaz de dar à economia roupagem
formal semelhante à da física clássica” (PAULA, 2002, p. 137) e a constância
de metáforas derivadas da física e da biologia nos textos econômicos
(JUDENSNAIDER, 2012, p. 55).
Sob influência do positivismo comtiano, Mill tentava sintetizar o conhecimento econômico até então
gerado com os desenvolvimentos metodológicos e epistêmicos da Física, da Química e da Biologia. A
tarefa não era fácil: tratava‑se, afinal, de propor a indução como método para uma área que – até
aquele momento – havia se desenvolvido por meio de abordagens dedutivas e históricas.
Mill acabou por não resolver o dilema que para si mesmo havia proposto. No entanto, o debate que
ele fez surgir mostrou o quanto ainda havia a ser discutido em relação aos pressupostos epistemológicos
da investigação econômica. E, finalmente, de maneira até paradoxal, Mill acabou por lançar as bases
para que a dedução se tornasse o grande instrumento de análise dos economistas, fazendo isso por meio
da elaboração do conceito de Homo economicus.
Para que os atos econômicos pudessem ser estudados dedutivamente, era necessária uma premissa
inicial. Vocês estão lembrados da premissa do silogismo sobre a mortalidade de Sócrates? Pois bem,
era preciso que o raciocínio todo partisse de uma ideia básica, e essa premissa deveria conter a
natureza humana que justificasse os atos econômicos. Em outras palavras, era necessário descrever
o ser humano enquanto agente de atos econômicos. Quem era esse agente, como ele se comportava
e quais eram suas motivações?
Segundo Souza (2015), partindo da herança filosófica do Iluminismo (que pregava a razão como
motor das ações humanas), Stuart Mill (e isso acabou sendo desenvolvido também por seus sucessores)
“desenhou” um modelo ideal do agente econômico que acabou por fortalecer:
b) um modelo ideal de comportamento econômico, tendo como base uma natureza humana
conduzida pela racionalidade;
c) a indicação desse modelo não apenas como instrumental hipotético, mas até mesmo como valor
ético a ser defendido.
Em outras palavras: ao definir o agente econômico como um ser racional que sempre procurava otimizar
o prazer e a satisfação, Mill e seus sucessores acabaram por definir não apenas como a natureza humana
supostamente era, mas como deveria ser. Afinal, para uma ciência que pretendia criar leis explicativas,
era fundamental que pudessem ser feitas previsões; para que fosse possível prever, era obrigatório que o
comportamento econômico fosse passível de compreensão em termos de causas e efeitos.
Parece claro, portanto, que para qualquer formulação do tipo “se X, então Y” era proibitivo supor um
comportamento irracional e imprevisível. Era condição necessária que os atos desse indivíduo pudessem
ser previstos; caso contrário, toda a iniciativa de explicação daria em nada.
O modelo de racionalidade enfim adotado partia das seguintes premissas, herdeiras dos trabalhos de
Descartes e Locke:
b) o ser humano era (e precisava ser) autônomo, livre da pressão e da influência de costumes, paixões
ou fontes de autoridade;
c) para lidar com uma natureza objetiva, o homem desenvolvera (ou precisava desenvolver) uma
natureza também objetiva, portanto racional.
Como consequência disso, imaginava‑se um indivíduo centrado na promoção daquilo que atendia
ao seu autointeresse. Ele não levantava de manhã para trabalhar porque devia, mas porque precisava.
Ele não dava desconto no preço para um cliente porque era generoso, mas porque precisava vender.
Como diria Smith (1996, p. 74):
29
Unidade I
Dê‑me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer — esse é
o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos
uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos. Não é
da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos
nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse.
Segundo esse modelo, o ser humano desejava a riqueza e fazia tudo para conquistá‑la. Ainda, ele
não sentia prazer pelo trabalho: ele trabalhava apenas por que essa era a condição necessária para
sobreviver. Ele desejava o conforto material (procurava sempre aquilo que pudesse lhe dar esse prazer)
e tinha um impulso natural de aumentar a prole.
Thomas Malthus (1776‑1834), outro pensador clássico, também havia desenvolvido raciocínio
similar. Ao descrever a natureza humana como condicionada pelo autointeresse e pelos instintos sexuais,
Malthus elaborou uma interessante teoria a respeito das relações econômicas e demográficas oriundas
dessa natureza, a partir de dois postulados:
Figura 6 – Embora muitas ideias de Malthus tenham sido negadas pelos teóricos posteriores, é inquestionável a dimensão do
problema da fome no mundo em face do crescimento populacional e da pouca disponibilidade de alimentos
30
PSICOLOGIA ECONÔMICA
A revolução marginalista nada mais fez do que centrar seus trabalhos nessas premissas. Para os
economistas marginalistas, o mercado era formado por um número imenso de produtores e consumidores,
incapazes, individualmente, de influenciar preços e quantidades. Os consumidores buscavam otimizar
sua satisfação e os produtores, os lucros. Não havia conflito entre as classes sociais, mas equilíbrio.
a) ele era capaz de calcular a utilidade proveniente de cada bem ou serviço consumido;
31
Unidade I
O cálculo da utilidade poderia ser realizado a partir de duas variáveis associadas ao consumo:
intensidade e duração. Melhor do que isso, impossível – estavam dadas as condições para a análise e
a demonstração matemática da otimização do prazer. A psicologia do comportamento cedia espaço,
definitivamente, para uma Física econômica: nenhuma sensação ou valor emocional era capaz de
atormentar esse ser racional que possuía as informações necessárias para tomar a melhor decisão
dentro de bases racionais.
Veja a seguir uma demonstração matemática típica dessa formulação teórica. Como é possível
verificar, a função matemática descreve com perfeição o comportamento desse ser racional e
otimizador de utilidade. No nosso exemplo, supomos que um agente consuma uma cesta
exclusivamente composta de dois bens: x e y. O agente, em seu comportamento padrão, buscará o
consumo máximo dos dois bens.
Figura 7 – A Curva de Indiferença do Consumidor mostra que, em qualquer cesta de consumo que combine quantidades de x e y nas
proporções da curva U, o consumidor estará igualmente satisfeito
É importante reforçar este ponto: embora ocorrendo de forma esporádica, as investigações que
introduziram mudanças importantes, inclusive na noção do Homo economicus, foram absorvidas pela
escola neoclássica, principal vertente do mainstream do pensamento econômico. Essa escola conseguiu,
por muito tempo, relegar as condições psicológicas do comportamento a um plano inferior. Se ocorreram
críticas, elas acabaram por se acomodar ao corpus teórico já existente.
Por exemplo, Alfred Marshall (1842‑1924), um dos maiores nomes dessa escola de pensamento,
partiu da premissa de que o ser humano era uma máquina de prazer. Ele nascia e crescia com o objetivo
de desenvolver a sua capacidade de calcular, matematicamente, os lucros e as perdas que poderiam ser
auferidos e, a partir disso, organizar a própria vida. Era como se cada indivíduo pudesse se transformar
numa máquina calculadora psicológica, incapaz de cometer erros. A esse quadro, Marshall adicionou o
conceito de equilíbrio.
Keynes escreveria mais tarde, ele criou “um completo sistema copernicano,
no qual todos os elementos do universo econômico são mantidos em seus
lugares por mútuos contraponto e interação” (HEILBRONER, 1996, p. 185).
Fugindo da armadilha das anomalias psicológicas dos agentes econômicos, estava pronto o contexto
que permitiria o equilíbrio. Na escola neoclássica, o conceito de racionalidade do comportamento
chegava à sua mais perfeita formulação. Claro que não havia como eliminar o efeito do tempo na
análise econômica, mas, para evitar que essa variável pudesse causar problemas,
[…] tempo, para Marshall, era tempo abstrato; era o tempo no qual as
curvas matemáticas separavam‑se e experiências teóricas poderiam ser
realizadas e repetidas, mas não era o tempo em que nada realmente
verdadeiro acontecia. Quer dizer, não era o fluxo irreversível do tempo
histórico – e, acima de tudo, não era o tempo histórico no qual Marshall
vivia (HEILBRONER, 1996, p. 187).
c) o indivíduo sempre procura alcançar o máximo de satisfação; hedonista, a sua busca pelo prazer
sempre o leva a tomar a decisão que o conduz a um nível máximo de satisfação;
d) quanto menor a quantidade possuída do bem, menos disposto o indivíduo estará em renunciar a
uma unidade, mesmo que em troca de um outro bem; ele só o fará assim se o total de satisfação
se mantiver o mesmo, apesar da nova combinação de bens.
33
Unidade I
É claro que, embora hegemônica, essa forma de pensar o Homo economicus foi alvo de reflexão.
Thorstein Veblen (1857‑1929), por exemplo, questionou os pressupostos de racionalidade e otimização
hedonista do agente econômico. Segundo Souza (2015, p. 8),
Thorstein, norueguês de nascimento que migrou para os Estados Unidos ainda adolescente, viveu na
época da supremacia dos ideais capitalistas de concorrência e lucro. Se havia alguma moralidade nos
negócios, era uma moralidade bastante peculiar: valia tudo para acabar com o concorrente, qualquer
ação era legítima se resultasse em aumento do lucro ou do tamanho dos negócios.
Insatisfeito com a teoria econômica disponível, Veblen lutou para mudar alguns padrões de
pensamento e categorias de análise.
Veblen queria saber outra coisa: por que as coisas eram como eram em
primeiro lugar. Assim sua investigação começava não com a peça econômica,
e sim com os atores; não com a trama, mas com o completo conjunto de
costumes que resultavam neste tipo particular de peça chamada “sistema de
34
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Após penar muito (e, em grande parte, por conta da sua personalidade difícil), Veblen se acomodou
na Universidade de Chicago. Os alunos eram poucos, mas os anos que lá passou foram suficientes para
que ele escrevesse sua primeira grande obra: A Teoria da Classe Ociosa. Por meio de uma ríspida e furiosa
crítica à classe aristocrática, Veblen traçou um vigoroso perfil da psicopatologia econômica.
Para a aristocracia, ciosa do papel que deveria representar, o desejo de riqueza era substituído pelo
desejo de exibição: era importante que todos reconhecessem aquele indivíduo como nascido (ou criado)
no seio da elite. Assim, gostos particulares de alimentos, bebidas, adornos, vestuário, narcóticos e títulos
nobiliárquicos deveriam ser estimulados.
Um mundo habitado por indivíduos racionais que, movidos pelo autointeresse, eram capazes de criar
um ambiente em equilíbrio não correspondia ao que Veblen havia conhecido e estudado em outras culturas
e sociedades. Afinal, não era em todas as sociedades que o motivo pecuniário era o vetor do trabalho. Mais:
havia algo de extremamente particular nas sociedades que permitiam a existência de classes ociosas, que
só se apropriavam do resultado do trabalho alheio. Aliás, os trabalhadores não apenas permitiam como
idolatravam os que viviam no ócio e tinham hábitos de consumo refinados; não apenas idolatravam, mas
imitavam, certos de que a posse de determinados bens poderia alçá‑los à categoria social mais nobre.
Nem um pouco racional. Ao contrário, tão bárbaro quanto nas mais primitivas comunidades – assim
Veblen descreveu o seu Homo economicus. As razões explicativas para o comportamento econômico
podiam “ser muito melhor compreendidas em termos de irracionalidades enterradas fundo do que
nos termos do embelezamento do comportamento do século dezenove que os transformam em
consequências da razão e bom senso” (HEILBRONER, 1996, p. 217).
Como encarar, então, a noção da maximização da utilidade proposta pelos economistas neoclássicos?
De forma bastante precisa, Veblen identificou que o consumo era, em grande parte das vezes, fruto da
pressão social do grupo ao qual se pertencia.
Figura 8 – Para Veblen, fazer parte de um grupo requeria que fossem consumidos os bens que esse grupo consumia, mesmo que não
fossem úteis ou necessários do ponto de vista da sobrevivência e do bem‑estar básico
Em relação ao sistema econômico, a visão de Veblen também estava muito distante da idealística
e idílica paisagem desenhada pelos economistas clássicos e neoclássicos. A economia significava
produção, e a produção exigia a presença de quem cuidasse dela. Essa figura não era a do empreendedor,
mas dos engenheiros e mecânicos que controlavam os processos produtivos. Qual era então o papel
do empreendedor? Em outra obra, Veblen dissecaria esse personagem, e dessa operação resultaria um
modelo bem distante daquele que representava o indivíduo que, de forma egoísta e em função de seu
próprio interesse, acabaria por produzir bem‑estar para todos.
De forma quase oposta ao ideal até então festejado, Veblen via o empreendedor como alguém que,
basicamente, vivia do caos que gerava no sistema produtivo. Para ter lucro – e apenas para isso – o empreendedor
36
PSICOLOGIA ECONÔMICA
desorganizava o sistema, fazia os preços flutuarem, eliminava a concorrência e aumentava a sua influência
no mercado. Nada nessas ações tinha como objetivo o bem‑estar de todos, tampouco a produção em si: o
objetivo do empreendedor era tão somente o lucro e, para conquistá‑lo, tanto fazia provocar o desemprego,
onerar o consumidor, desempregar funcionários ou destruir uma empresa concorrente. A função do
empreendedor, portanto, era a de criar confusão para obter lucro. Em suma, “para Veblen, os empresários
eram essencialmente predadores, por mais que eles ou seus apólogos pudessem vestir suas atividades com a
elaborada racionalização de oferta e demanda ou utilidade marginal” (HEILBRONER, 1996, p. 220).
Embora realizasse uma análise rejeitada pela maioria dos economistas, Veblen lançou um olhar
diferente à realidade, ao menos quando comparado com outros colegas. As críticas de que seu trabalho
mais parecia o de um antropólogo ou de um sociólogo não mudavam o fato de que ele havia visualizado
um ambiente bem distinto daquele que os modelos matemáticos suponham retratar.
Exemplo de aplicação
Figura 9 – A frota de helicópteros da cidade de São Paulo é tida como a maior do mundo
De que forma podemos analisar o consumo de bens de luxo dentro da perspectiva da racionalidade
preconizada pelo mainstream econômico? Como essa análise difere da que seria feita com base na
teoria de Veblen?
37
Unidade I
Veblen não foi o único a desafiar os cânones neoclássicos baseados no pressuposto da racionalidade.
Alguns economistas encontraram soluções menos radicais para superar o obstáculo que o debate sobre
a natureza humana representava. Carl Menger (1840‑1921), economista austríaco, introduziu uma
novidade na análise do comportamento econômico: para ele, a capacidade de conhecimento humano
era limitada; assim, não haveria como o agente econômico ter todas as informações possíveis.
Vilfredo Pareto (1848‑1923), por sua vez, resolveu separar a Economia Política clássica em duas
grandes dimensões. A primeira, a Economia Política pura, estaria associada ao uso do conceito de
utilidade como uma forma de abstração que serviria tão somente de ferramenta operacional. Já a
Economia Política aplicada estaria associada ao estudo de aspectos empíricos econômicos, por exemplo,
os históricos e os relacionados à questão do desenvolvimento (SOUZA, 2015). Quanto à diferença entre
comportamentos lógicos e comportamentos não lógicos, Pareto também parece ter chegado a uma
solução bastante satisfatória. Para ele,
Observação
Outros economistas desenvolveram novas teorias com base nos anteriores estudos a respeito da
racionalidade econômica: por exemplo, Paul Samuelson (1915‑2009), Prêmio Nobel de Economia de
1970, em sua Teoria da Preferência Revelada (TPR), solucionou o dilema entre preferências e escolhas de
forma extremamente interessante: embora as preferências não fossem possíveis de serem conhecidas,
38
PSICOLOGIA ECONÔMICA
as escolhas dos agentes poderiam ser observáveis. Assim, a TPR “dá uma formulação ‘empírica’ à teoria
neoclássica ao baseá‑lo no comportamento individual e caracteriza a racionalidade como consistência
– um ordenamento de preferências transitivo e completo” (SOUZA, 2015, p. 14).
Amartya Sen (1933‑), Prêmio Nobel de Economia de 1998, por sua vez, preferiu criticar o modelo
neoclássico de Homo economicus egoísta e movido pelo autointeresse. Para ele, o compromisso com a
comunidade, a empatia e o desejo de liberdade seriam características humanas que não poderiam ser
desconsideradas quando da formulação – mesmo que teórica – de um modelo ideal de agente econômico.
Saiba mais
Você já deve ter notado: Pareto, Samuelson e Sen introduziram algumas mudanças no corpus teórico
já existente, todo ele apoiado na racionalidade do comportamento econômico. No entanto, as bases do
mainstream ainda continuavam lá. Essa situação mudou a partir da segunda metade do século XX,
quando surgiram as maiores críticas ao pressuposto da racionalidade do comportamento econômico. Se
antes já haviam despontado alguns trabalhos que buscavam ultrapassar a barreira imposta pela certeza
que o princípio da racionalidade carregava, os desenvolvimentos das Ciências Comportamentais e da
Psicologia Social introduziram novas possibilidades. Ainda, esses desenvolvimentos encontraram eco no
trabalho de alguns economistas insatisfeitos com as limitações que os pressupostos da racionalidade
impunham à reflexão teórica.
Claro que esse processo não ocorreu sem desvios ou dificuldades. Se havia alguma tradição no sentido
de aproximar a Psicologia da Economia, essa havia sido de responsabilidade dos filósofos, que faziam a
aproximação sem grandes problemas; para os economistas e psicólogos, entretanto, a criação de uma área
de fronteira era problemática, e os primeiros trabalhos que buscaram uma intersecção entre a Psicologia
e a Economia, com muito esforço, acabaram por produzir uma fissura no resistente campo de força que
economistas e psicólogos haviam criado para a proteção contra uma área de interface tão estranha.
39
Unidade I
Uma das obras fundadoras da Psicologia Econômica foi o trabalho de Pierre‑Louis Reynaud, de 1954.
Embora com características mais próximas de um esforço de divulgação científica, Reynaud tinha como
área de formação a Economia Política e entendia a Psicologia Econômica como uma ramificação natural
dela. Segundo Ferreira (2007b), Reynaud lamentava os equívocos empíricos dos economistas da mesma
forma como o fazia em relação aos erros dedutivos. Para ele, era fundamental o estudo do “interior” do
agente econômico, o que deveria ser conduzido pelas teorias psicológicas e comportamentais.
Como ciência‑fronteira, a Psicologia Econômica estaria apta a explicar a evolução dos sistemas
econômicos, especialmente na medida em que incluía o estudo de fatores qualitativos humanos.
Apesar da originalidade e do vanguardismo de Reynaud, o grande marco transformador (e, nos termos
que já falamos, marco que acabou por modificar o paradigma epistemológico das Ciências Econômicas)
ocorreu com o trabalho de George Katona (1901‑1981), um psicólogo de origem húngara que migrou para
os Estados Unidos antes da Segunda Guerra Mundial. Em sua principal obra, Katona mudou o objeto até
então selecionado pelos estudiosos do comportamento econômico: em Psychological Economics (1975),
ele focou seu trabalho nos fatores psicológicos que contribuíam para o comportamento econômico.
Realizando entrevistas por meio de amostragem, Katona, finalmente, utilizou a metodologia das
Ciências Comportamentais (uma área em franco desenvolvimento a partir da segunda metade do século
XX) para investigar o comportamento relacionado aos atos e aos fenômenos econômicos.
As inovações que Katona introduziu não foram poucas: na visão dele, era inviável uma Economia sem
a Psicologia, da mesma forma que era inviável uma Psicologia que não estudasse um comportamento
humano tão essencial quanto o econômico. Cabia à Psicologia, portanto, investigar as forças que
motivavam os processos referentes às ações econômicas. Mais importante ainda: embora Katona
admitisse comportamentos diferentes daqueles racionais preconizados até então, ele entendia que
as teorias psicológicas seriam capazes de medir e estabelecer relações causais explicativas desses
comportamentos. Mesmo que eles se modificassem ao longo da vida de um indivíduo, ainda assim seria
possível estudá‑los a partir das teorias comportamentais. Afinal, o comportamento econômico, como
outros comportamentos, era socialmente aprendido, dependia de estímulos e era capaz de se manifestar
e se modificar de forma observável.
É claro que para empreender esse tipo de investigação outros dados que não os histórico‑estatísticos
deveriam ser coletados: Katona pretendia estudar as atitudes e as expectativas das pessoas. Os
sentimentos e as aspirações dos agentes econômicos poderiam explicar – e melhor – o comportamento
relacionado ao consumo e à poupança. Na verdade, Katona pretendia discutir o que até então não havia
sido objeto de discussão: afinal, o quanto a racionalidade explicava o comportamento dos agentes
econômicos? Não havia como existir um comportamento irracional, já que o irracional seria apenas
aquele comportamento impossível de ser compreendido!
Figura 10 – Para Katona, irracional seria apenas o comportamento que não fosse passível de ser compreendido.
A partir dessa abordagem, aumentam as possibilidades de compreensão de comportamentos que estão relacionados
à dimensão da vida econômica dos agentes
41
Unidade I
Exemplo de aplicação
Reflita a respeito dos comportamentos descritos a seguir. Como poderíamos analisá‑los a partir da
visão neoclássica da racionalidade dirigida à otimização dos resultados? Como faríamos a análise desses
comportamentos a partir dos desenvolvimentos de Katona?
Segundo Ferreira (2007b), Katona procurou investigar a confiança do consumidor, as atitudes diante
da inflação e o comportamento econômico em função da tributação, das taxas de juros, das alterações
na oferta de dinheiro e do controle de preços. Em especial, Katona buscou centrar os seus estudos na
questão da cognição como determinante do comportamento dos agentes econômicos.
O reconhecimento e a atribuição de legitimidade a essa área de pesquisa vieram com Herbert Simon
(1916‑2001). Ganhador do Prêmio Nobel de 1978 com o seu trabalho a respeito das decisões racionais
nas organizações comerciais, o economista assume ser a Economia Política, embora não mencione a
Psicologia Econômica, em essência, uma ciência psicológica (FERREIRA, 2007b).
O foco de seu estudo é a Teoria da Decisão, bem como a influência desta na formulação da Teoria
da Firma. Para ele, as teorias comportamentais teriam maior poder explicativo das escolhas feitas pelos
agentes econômicos, em especial nos ambientes de incerteza e competição imperfeita. Simon trabalha,
portanto, com o conceito de racionalidade limitada.
42
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Para Simon, se havia alguma certeza era a de que a teoria da racionalidade não era capaz, de forma
alguma, de descrever os processos humanos na tomada de decisões. Aliás, os avanços da Matemática
e da Tecnologia eram capazes de revelar como poderiam ser equivocadas as “decisões racionais dos
agentes econômicos”, em especial no ambiente de negócios.
Figura 11 – Para Simon, a observação da realidade obrigava a substituição do conceito de racionalidade ilimitada para o da
racionalidade limitada, em especial quando da análise das decisões dos agentes econômicos
Será a partir da década de 1980, portanto, que a Psicologia Econômica se estabelecerá como área
específica do conhecimento, caracterizando‑se como interface entre a Psicologia e a Economia.
A década de 1980 foi escolhida como marco divisor por diversos motivos. O
primeiro deles é o fato de que o conceito de indivíduo e sua utilização dentro
da teoria neoclássica sofreram pesadas críticas no período imediatamente
anterior à década de 1980. O trabalho de Herbert Simon (1955) gerou várias
discussões sobre a racionalidade do homem econômico vigente na teoria
neoclássica, o que acabou abrindo espaço para os trabalhos seminais de
Kahneman e Tversky (1974; 1979) e para o prêmio Nobel de Simon em 1978.
Amartya Sen (1977) faz uma pesada crítica ao comportamento estritamente
autointeressado do Homo economicus. Vernon Smith (1962, 1976) também
inicia seus trabalhos pioneiros em Economia Experimental antes de 1980
(SOUZA, 2015, p. 2).
Essa mudança no modelo perceptual do agente econômico fez surgir um sem‑número de publicações
que tinham como objeto de interesse os estudos sobre as motivações e o comportamento do agente
econômico: não tardou muito para que os pressupostos de racionalidade e de otimização da utilidade
43
Unidade I
sofressem um revés vigoroso. Assim, não é descuidado afirmar que nessa década se deu a construção de
um novo paradigma sobre o comportamento econômico. Segundo Bresser‑Pereira (2009, p. 182):
Em 2002, outro economista ganharia um Prêmio Nobel após desenvolver um trabalho que questionava
o pressuposto da racionalidade. Embora não mencionando a Psicologia Econômica, Daniel Kahneman
(1934‑) enfocou o processo de decisão não como fruto de análise cuidadosa e racional de alternativas,
mas como resultado de um processo quase intuitivo.
Para Kahneman, portanto, não havia como justificar o uso do conceito de racionalidade, já que a
maioria das decisões era realizada (e de forma bem‑sucedida) pela intuição.
Figura 12 – Para Kahneman, a maioria das decisões é tomada com base na intuição
44
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Lembrete
Após esse breve histórico a respeito de como novas áreas de pesquisa surgiram a partir das
Ciências Econômicas, em especial a área da Psicologia Econômica, vamos investigar quais os efeitos
desses desenvolvimentos em termos dos métodos que passaram a ser utilizados para investigar o
comportamento econômico.
A resposta para isso veio dos métodos indutivos das Ciências Comportamentais e, mais
especificamente, da Psicologia Social. Com tradição na pesquisa das relações sociais a partir de
constructos psicológicos, a Psicologia Social já fazia uso de métodos indutivos (aqueles que partem
de casos particulares para a generalização) há décadas. Assim, como muitas das teorias explicativas
para o comportamento já vinham dessa área, nada mais previsível do que também passar a adotar
os seus métodos.
Observação
Quais são esses métodos? São aqueles que, utilizados com os agentes econômicos, permitem que
conheçamos suas opiniões e atitudes de forma a alcançarmos resultados válidos por todos e que ocorram
novamente se essas técnicas forem empregadas, replicadas ou repetidas por outros pesquisadores (quer
45
Unidade I
dizer, métodos que sejam fidedignos). Segundo Selltiz, Wrightsman e Cook (1987a, 1987b), para a
aceitação ou não dos resultados de uma pesquisa, devemos verificar:
a) se a pesquisa tem validade interna, isto é, se ela identifica relações causais precisas. Entendemos
que uma relação causal é quando identificamos que uma variável X causa um efeito na variável
Y; em termos de pesquisa do comportamento econômico, uma pesquisa teria validade interna
caso conseguisse demonstrar que a confiança no desempenho da economia afeta as decisões
relacionadas à poupança;
Quando demonstra algo que é verdadeiro para além dos estreitos limites
do seu estudo. Se os resultados forem verdadeiros não apenas para o
momento, lugar e pessoas de seu estudo, mas também o forem para outros
momentos, lugares e pessoas, seu estudo possuirá validade externa (SELLTIZ;
WRIGHTSMAN; COOK, 1987a, p. 4).
Voltemos novamente ao nosso exemplo. Imagine que foram entrevistadas quinhentas pessoas, com idade
entre 20 e 30 anos, na cidade de São Paulo, com o objetivo de verificar se as decisões a respeito do montante
a ser poupado dependem – ou estão associadas – às expectativas em relação ao futuro da economia. Para que
esse estudo apresente validade externa, teríamos que concluir que o comportamento observado nesse grupo
ocorreria também se fizéssemos a mesma pesquisa no Rio de Janeiro ou Recife, ou se tivéssemos entrevistado
outras quinhentas pessoas na mesma cidade de São Paulo, sempre chegando aos mesmos resultados. Esse
aspecto é de extrema importância, já que a maioria dos estudos na área de Psicologia Econômica é realizada
com estudantes, mais fáceis de serem contatados e mais dispostos à colaboração. Como podemos garantir
que os resultados obtidos com os estudantes se repetirão caso o estudo busque conhecer outros grupos?
De fato, quanto mais a pesquisa é replicada (reproduzida) com outros grupos e em outros lugares, e caso os
resultados sejam semelhantes, maior validade externa ela possui.
A pesquisa precisa ser fidedigna, ou seja, ela deve ser passível de repetição. Em outros termos:
a metodologia utilizada tem que ser compreensível para que qualquer outro pesquisador repita os
procedimentos com o objetivo de verificar se são alcançados ou não os mesmos resultados.
46
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Figura 13 – A Psicologia Econômica tem interesse especial justamente nas variáveis que não costumam ser levadas em consideração
nas análises convencionais do mainstream em Economia: confiança, expectativa quanto ao futuro, capacidade de fazer planos a
médio e a longo prazo etc.
Da pergunta nasce a hipótese, que é a resposta provável à pergunta formulada. A hipótese é uma
resposta que o próprio pesquisador elabora, em função daquilo que ele já conhece, de pesquisas
anteriores ou do que ele imagina ser o mais verdadeiro. A pesquisa terá, então, a finalidade de verificar
o quanto essa hipótese é verdadeira ou não.
2º Momento: o pesquisador supõe que essa relação exista; segundo o que imagina ser provável, ele
acredita que quanto maior a confiança no futuro, maior o volume de poupança – ou seja, quanto mais as
pessoas acreditarem no futuro, mais elas estarão dispostas a adiar o consumo para realizar planos no futuro.
3º Momento: o pesquisador realiza a pesquisa com o público‑alvo, a fim de verificar se a sua hipótese
é verdadeira ou não.
4º Momento: o pesquisador, por meio da análise dos dados, conclui que sua hipótese é verdadeira –
ele poderia ter concluído que é falsa; no nosso exemplo, a hipótese foi confirmada.
47
Unidade I
5º Momento: o pesquisador replica a pesquisa com outros grupos para verificar se os resultados
se repetem.
6º Momento: caso os resultados surjam novamente, em outros estudos similares, o pesquisador pode
formular uma teoria em que considera a existência de uma relação causal entre expectativas em relação
ao futuro e volume de poupança.
No nosso exemplo, falamos de pesquisas envolvendo entrevistas. Essa é uma das modalidades de
pesquisa empírica que é geralmente utilizada para a investigação do comportamento econômico – aliás,
é uma das mais utilizadas. No entanto, os desenvolvimentos teóricos e metodológicos da Psicologia
Social nos possibilitam o uso de outros métodos. Vejamos com detalhes cada um deles.
Um bom exemplo de pesquisa quantitativa na área de Economia é o estudo realizado pelo Datafolha
a respeito do sentimento dos brasileiros em relação ao País, pesquisa que inclui a análise da evolução
desse sentimento ao longo do tempo.
Saiba mais
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PSICOLOGIA ECONÔMICA
Figura 14 – A pesquisa eleitoral é o tipo mais conhecido de survey. Nesse tipo de investigação, pretende‑se identificar as intenções de
voto dos entrevistados, bem como as suas atitudes e opiniões a respeito dos discursos dos candidatos
Outro estudo interessante é o realizado por duas empresas de pesquisa de opinião, que buscou
identificar o “sonho de consumo” dos paulistas. Para isso, foram entrevistadas 1.495 pessoas nos
meses de junho e julho de 2005, em todo o interior do estado de São Paulo. De acordo com Sampling
Consultoria Estatística e Pesquisa de Mercado e Limite Consultoria Estatística ([s.d.], p. 1), “23% dos
entrevistados declararam ter como sonho de consumo ‘adquirir um veículo’. Em segundo lugar, com
19% de respostas apareceu ‘adquirir a casa própria’. Em contrapartida, 16% disseram não ter ‘nenhum
sonho de consumo’”.
Veja o procedimento adotado: não foi realizado qualquer esforço dedutivo para imaginar quais
seriam os bens mais desejados pelos paulistas. Essa declaração foi feita pelos próprios agentes e captada
pelos pesquisadores. A seguir, e apenas para ilustrar o tipo de informação que foi possível apreender a
partir da investigação direta, vemos os principais resultados obtidos pelos pesquisadores.
Adquirir um veículo 23
Adquirir a casa própria 19
Nenhum/não tem 16
Imóvel para lazer/descanso 5
Melhor situação financeira 5
Viajar 4
Eletrodomésticos 4
Reforma da casa 3
Bem-estar 3
Outros <2 11
Não sabe/não respondeu 7
Figura 15 – Resultados obtidos em pesquisa quantitativa realizada em 2005, com 1.495 paulistas
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Unidade I
Saiba mais
De forma geral, os pressupostos que orientam a realização de pesquisas quantitativas são os seguintes:
d) os dados coletados podem ser sujeitos à análise matemática e estatística, sendo possível – em
alguns casos – projetá‑los para a totalidade das pessoas.
É evidente que esses aspectos positivos não eliminam a possibilidade de dificuldades e obstáculos
na realização de pesquisas quantitativas. Em outras palavras, embora a pesquisa quantitativa possa
levantar um número significativo de informações em um período de tempo relativamente curto, e
embora permita alcançar – por meio da composição da amostra – segmentos significativos da população,
ela também apresenta algumas desvantagens. O investigador tem pouco controle sobre as condições
do momento da coleta de dados: ele não pode prever, por exemplo, o bom humor e a disponibilidade
emocional do entrevistado no momento da pesquisa. Ainda, ele não tem garantia de que o relato verbal
possa ser confiável na totalidade: ele assume que o entrevistado esteja sendo sincero, mas essa pode ser
muito mais uma manifestação da vontade do que uma realidade.
Claro que há problemas e desvantagens na realização desse tipo de pesquisa. Por exemplo, deve‑se
conviver com qualquer dificuldade de comunicação entre entrevistado e entrevistador e superá‑la. O
entrevistado também pode ter dificuldade para compreender o que está sendo questionado, ou ser
influenciado, mesmo que inconscientemente, por alguma reação do entrevistador. Finalmente, o
entrevistado pode se sentir inibido na manifestação de determinadas opiniões, ou estar inclinado a
omitir/mentir a respeito de certos aspectos.
Outro tipo de survey frequentemente utilizado é o tipo painel, que se caracteriza pela “repetição
de perguntas, de tempo em tempo, às mesmas pessoas, a fim de estudar a evolução das opiniões em
períodos curtos” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 197). Em geral, as pesquisas que fazem auditoria de
gastos e de consumo familiar são desse tipo: visitam‑se as mesmas famílias durante um determinado
período de tempo, buscando identificar as mudanças nos padrões de gastos em relação a inúmeros itens
do orçamento familiar.
Figura 16 – A pesquisa do tipo painel é utilizada de forma frequente nos estudos que têm
como objetivo fazer a auditoria de gastos e consumo das famílias
Vamos imaginar que se deseja saber a porcentagem de indivíduos que acreditam ser lícito sonegar
impostos. Vamos também supor que, para o objetivo do nosso projeto – qual seja, diminuir o índice de
sonegação de impostos entre o grupo de empresários de pequeno porte –, utilizaremos como forma
de coleta de dados um questionário estruturado, ou seja, um questionário em que as questões estão
formuladas de forma objetiva, e às quais o entrevistado também responderá de forma objetiva.
O primeiro passo após a elaboração do instrumento de coleta será definir a amostra a ser entrevistada.
A amostra é formada por pessoas que são representativas do grupo maior que queremos investigar (no
nosso caso, empresários de pequeno porte).
Nossa amostra poderá ser probabilística ou não probabilística. Se probabilística, ela deve ter o
tamanho necessário para, por meio de técnicas estatísticas, projetarmos os resultados para o universo
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PSICOLOGIA ECONÔMICA
maior do qual foi extraída a amostra. Se não probabilística, seus resultados não podem ser projetados
para o universo.
Ainda, é importante salientar que, em situações nas quais se conhece pouco o assunto pesquisado, é
possível realizar previamente uma pesquisa exploratória. Essa pesquisa exploratória terá como objetivo
levantar alguns dados preliminares a respeito do objeto da nossa investigação, o que facilitará a
realização da pesquisa quantitativa.
Finalmente, devemos ressaltar que grande parte das pesquisas quantitativas faz uso da mensuração
de atitudes por meio da construção de escalas. De acordo com Gil (1991, p. 134):
Designamos de atitude a disposição psicológica que determina a forma a partir da qual o indivíduo
tende a agir em relação a certo objeto. Por exemplo: nossas atitudes a respeito dos bens de luxo são
determinantes das formas como agiremos em relação a esses bens. A atitude tem três componentes
principais: o componente afetivo (que indica o quanto gostamos ou não de certo objeto), o componente
comportamental (que indica as nossas tendências de ação) e o componente cognitivo (que indica o que
sabemos a respeito de certo objeto).
53
Unidade I
Figura 17 – Nossas atitudes em relação aos cartões de crédito como forma de pagamento dependem do quanto gostamos ou não de
usar cartões de crédito (componente afetivo), do quanto estamos inclinados a usar cartões de crédito (componente comportamental)
e do quanto sabemos a respeito do funcionamento e das normas relativas ao pagamento feito com cartão de crédito
(componente cognitivo)
Um longo caminho deve ser percorrido para construir uma escala. Em geral, a escala só é utilizada
após ser submetida a inúmeros testes. Afinal, ela precisa dar conta de medir aquilo que se propõe a
medir, de forma fidedigna e válida.
Lembrete
A escala de graduação é uma das mais utilizadas pelos pesquisadores quando eles têm em mente
investigar certos comportamentos. Vejamos alguns exemplos:
a) Escala de graduação
No caso de uma pesquisa a respeito das atitudes em relação ao aumento de impostos na compra de
bebidas e cigarros, podemos perguntar ao contribuinte da seguinte forma:
Pergunta: Em relação ao aumento de impostos para a compra de produtos importados, você diria ser:
( ) Totalmente favorável
54
PSICOLOGIA ECONÔMICA
( ) Totalmente desfavorável
Essa é uma escala construída a partir de cinco graus, mas poderíamos tê‑la elaborado com um
número maior de intervalos de avaliação. Há também casos em que os pesquisadores preferem um
número par de graus, eliminando a alternativa “nem favorável nem desfavorável”, representativa de
uma posição de comodismo e de não tomada de posição.
Observação
b) Escala de Likert
Enunciado 1. Os produtos que representam um risco social devem ser penalizados com um imposto
maior do que aqueles produtos que são de primeira necessidade para o consumo de uma família.
55
Unidade I
Essa escala tem o objetivo de medir o sentido que determinado objeto ou situação tem para os
entrevistados. Em geral, usamos pares de adjetivos, cada um deles apresentando um conceito oposto de
potência ou de valorização. Veja o exemplo a seguir:
O entrevistado deverá fazer um X no ponto do contínuo que liga os dois conceitos opostos. Quanto mais
próximo do adjetivo colocado à esquerda (“adequado”, “justo”, “necessário”), mais positivamente ele avalia o
aumento de imposto. Em contrapartida, quanto mais próximo do adjetivo colocado à direita sua avaliação
estiver (“inadequado”, “injusto”, “desnecessário”), mais negativamente ele avalia o aumento de imposto.
Essa escala é uma das mais utilizadas, já que é razoavelmente fácil de ser elaborada, compreendida
pelo entrevistado e analisada pelo pesquisador.
3.2 Os experimentos
Os experimentos são um tipo muito especial de pesquisa porque eles ocorrem por meio da
manipulação de variáveis. Vejamos a seguinte situação: imagine um pesquisador que queira verificar a
existência de uma relação entre o nível de barulho em uma sala e a performance dos alunos durante
uma prova. Como ele poderia verificar a associação entre essas variáveis (variável 1 = nível de barulho
na sala; variável 2 = notas dos alunos)?
Aqui vai uma sugestão: ele pode separar, por sorteio, os cem alunos de uma mesma classe em
duas salas diferentes. Qual a razão do sorteio? Em princípio, para se certificar de que não haveria
qualquer outra variável que pudesse explicar – ou influenciar – as notas dos alunos. Caso, por exemplo,
o professor separasse os alunos por gênero, sempre haveria a possibilidade de que a variável “gênero”
tivesse alguma influência na nota; ou, caso o professor separasse os alunos por local do assento na sala
(em uma sala ficariam os alunos sentados mais à frente; em outra, os alunos do “fundão”), ele também
poderia ficar na dúvida a respeito da verdadeira variável explicativa da diferença de notas. Em uma sala
(sala A), o professor acomoda os cinquenta alunos selecionados por sorteio. Na sala B, ele acomoda
os alunos restantes. A mesma prova será aplicada aos alunos das duas salas; no entanto, na sala A, os
alunos, por meio de um alto‑falante, escutam uma música em volume extremamente alto. Na outra
sala, nenhuma música atrapalha os alunos. Após o término da prova, o professor compararia as notas e
buscaria descobrir se os alunos da sala A haviam tido resultados significativamente melhores ou piores
do que os da sala B.
56
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Saiba mais
57
Unidade I
Nesse experimento, qual é a variável sob controle? A variável “ansiedade em função de problemas
financeiros”. Qual a outra variável? A performance em testes cognitivos. No caso desse estudo, os
pesquisadores descobriram pontuações significativamente melhores no segundo momento.
Segundo Gil (1991), a pesquisa de observação nada mais é do que utilizar os sentidos para perceber os
fatos diretamente, sem qualquer intermediação. Observa‑se uma determinada situação com o objetivo
de entender os comportamentos ali envolvidos. É claro que a presença do pesquisador pode alterar o
comportamento dos agentes observados, mas, de forma geral, ela tem sido produtiva no alcance de
informações que não poderiam ser acessadas de outra forma.
Figura 18 – Segundo Gil (1991), a observação resulta do uso cotidiano que fazemos dos nossos sentidos. No entanto, também pode
ser feita para fins de pesquisa científica
58
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Assim, o pesquisador, diante do fenômeno ou fato a ser estudado, observa as ocorrências, anotando‑as
em um caderno. Ele também pode usar gravadores, câmeras fotográficas e filmadoras: nesses casos,
evidentemente, os observados devem ser avisados e devem autorizar a captação de suas imagens.
A observação participante ocorre de forma distinta. Segundo Gil (1991, p. 107), esse tipo de investigação
Se por um lado a observação participante permite que o pesquisador acesse informações internas
do grupo, por outro há o problema de a falta de objetividade imprimir algum viés na coleta de dados.
De qualquer forma, esse tipo de observação tem sido usado com frequência, já que permite uma
aproximação maior do pesquisador com os sujeitos estudados.
As pesquisas qualitativas podem ser realizadas por meio de três diferentes técnicas:
a) Entrevistas em profundidade
Nesta modalidade, é escolhida uma amostra pequena de sujeitos (em geral, de 10 a 15 indivíduos)
que têm as características desejadas e que serão entrevistados pelo pesquisador. A entrevista é não
direcionada, quer dizer, ela é feita de forma livre, sem que um questionário seja aplicado ou preenchido.
O interesse do pesquisador é descobrir traços comportamentais que não poderiam ser identificados de
forma objetiva por meio de uma abordagem direta. Em geral, essas entrevistas são longas: algumas
chegam a demorar várias horas, podendo inclusive ser feitas em algumas etapas. Normalmente, a
entrevista é gravada ou filmada para que depois o pesquisador possa fazer uma análise do conteúdo de
forma mais minuciosa.
59
Unidade I
O uso dessa técnica não pressupõe que os dados coletados serão objeto de mensuração ou de estatística:
não há qualquer intenção de projetar os resultados da amostra para o universo da população. No entanto,
essa modalidade permite um questionamento aprofundado que de outra forma não seria possível.
b) Discussões em grupo
Nesta modalidade, um grupo de sujeitos com as características desejadas é reunido numa sala e
colocado a dialogar sob a supervisão de um pesquisador. Tal como ocorre no caso das entrevistas em
profundidade, não há intenção de mensurar a ocorrência de nenhum aspecto do comportamento; ao
contrário, deseja‑se obter a resposta do grupo para determinados problemas colocados. Em outras
palavras, objetiva‑se o consenso do grupo, obtido a partir do confronto entre posições diferentes.
Assim, o resultado de uma discussão em grupo costuma revelar eixos comportamentais e diferentes
possibilidades de resposta a determinados estímulos ou em relação a aspectos específicos da realidade.
As discussões em grupo, geralmente, são conduzidas por profissionais com formação em Psicologia.
Embora seja mais comumente utilizada nos Estados Unidos, essa técnica vem sendo aplicada no Brasil
para o estudo do comportamento de consumo ou de outros aspectos de natureza mercadológica. Há,
inclusive, inúmeras salas preparadas para a realização desse tipo de pesquisa, já que as discussões
costumam ocorrer em salas com espelhos falsos, nas quais as pessoas pesquisadas não enxergam a
equipe de análise que está por trás do espelho.
c) Estudos de caso
Os estudos de caso são uma modalidade diferente de pesquisa qualitativa, porque partem da seleção
de um caso particular para ser investigado. Vamos imaginar que um pesquisador queira entender como
uma família organiza seu orçamento. Vamos também supor que o pesquisador não queira apenas o
relato de itens e gastos. Caso deseje entender como a família se organiza, diariamente, para distribuir
os seus finitos recursos financeiros em função das necessidades ilimitadas dos membros da família, ele
pode escolher conviver com essa família durante algum tempo, estudando‑a em detalhes, embora de
forma assistemática. A essa abordagem damos o nome de estudo de caso: no nosso exemplo, essa
investigação pode permitir que o pesquisador tenha acesso a dados comportamentais em profundidade
e durante um período de tempo significativo.
Esse tipo de pesquisa pode ser realizado em empresas: em geral, o pesquisador escolhe a empresa
mais representativa em termos dos elementos que ele deseja investigar. Nesse caso, toma‑se uma
organização como objeto da investigação, estudando todos os aspectos selecionados como relevantes
para a pesquisa.
Uma análise a respeito do trabalho de Lewis, embora tenha recebido críticas contundentes nos
anos seguintes, é de fundamental importância. Para identificar os principais traços da cultura da
pobreza, ele entrevistou uma família (os Sánchez), em uma comunidade pobre do México. Afastando‑se
das abordagens tradicionais do estudo da pobreza – que entendiam a pobreza como uma condição
meramente econômica –, Lewis procurou identificar o componente comportamental associado à
condição de pobreza. De forma extremamente interessante, mostrou que essa cultura não desapareceria
caso cessasse a escassez de recursos econômicos, já que os seus principais elementos eram transmitidos
por meio do convívio familiar; em outros termos, eram características socialmente construídas.
Figura 19 – Nas abordagens tradicionais, a pobreza é identificada como a situação em que impera a escassez de recursos necessários
para a sobrevivência. Por meio de outra abordagem, Lewis identificou que a pobreza está associada a traços culturais, que
permanecem mesmo quando cessa a condição econômica da pobreza
Quais os traços culturais que Lewis identificou? Ao conviver com a família Sánchez por um
significativo período de tempo, vivendo entre seus membros, Lewis traçou um perfil social e psicológico
deles no qual estavam presentes os seguintes elementos:
• uma forte orientação para o tempo presente e relativa capacidade de postergar desejos ou planejar
o futuro;
• predisposição ao autoritarismo;
Dessa forma, a cultura da pobreza estaria representada por um conjunto de atitudes que configurava
um mecanismo de adaptação e reação à marginalidade e que podia persistir mesmo quando cessassem
as condições da falta de recursos econômicos. De fato, o estudo de Lewis apontava para a existência
de um sistema de crenças que, per se, poderia inclusive explicar a persistência da situação de pobreza,
mesmo que houvesse possibilidade de ascensão econômica.
Evidentemente, mesmo quando foi publicado, o trabalho de Lewis recebeu inúmeras críticas, o
que só aumentou no decorrer dos anos. O design de uma comunidade passiva diante da condição de
marginalidade não parecia em nada palatável para os segmentos mais à esquerda do espectro político.
No entanto, devemos citar seus estudos, obrigatoriamente, como um exemplo da importância da
realização de investigações empíricas na análise do comportamento econômico.
A Psicologia Econômica, atualmente, é estudada a partir das influências exercidas pelo trabalho de
Katona, nos EUA, a respeito do qual já falamos. Assim, ela é investigada a partir de uma perspectiva
positivista, behaviorista e cognitiva. É possível inferir, portanto, que essas abordagens procuraram
distanciar‑se de “leituras” mais humanistas e que poderiam, por exemplo, buscar um maior contato
com a própria Economia Política.
Observação
De fato, o viés empírico conduz ao levantamento de uma quantidade volumosa de dados, sem que
haja uma discussão mais profunda sobre os resultados e suas implicações. Há muitos dados, e deles
podemos auferir uma série de conclusões. No entanto, a área acaba por carecer de reflexão teórica,
justamente a reflexão que poderia jogar uma luz especial em direção aos dados, levando‑os a revelar
algo mais do que comportamentos quantificáveis.
Essa perspectiva está associada aos propósitos da pesquisa em Psicologia Econômica, quais sejam,
a previsão e o controle. Assim, em vez de buscar a expansão do conhecimento, estimula‑se a coleta de
dados que permitam que variáveis sejam controladas para a obtenção de determinados resultados.
Figura 20 – Atualmente, vários dos estudos na área de Psicologia Econômica estão associados à disposição de coletar dados com
vistas a obter determinados comportamentos. Logo, esses estudos não se limitam à investigação científica, apresentando um claro
viés intervencionista e de operação da realidade
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Unidade I
Exemplo de aplicação
Em função das limitações do conhecimento obtido por meio dessa abordagem, inúmeros pesquisadores
da área de Psicologia Econômica levantam alguns aspectos que valem a pena ser destacados:
b) a Psicologia Econômica deveria ser amplamente utilizada pelos agentes responsáveis pela
formulação de políticas públicas: afinal, as questões relativas à ética nos negócios e à adesão a
programas sociais ou educativos e a programas para mudança de atitudes em relação a assuntos
de interesse público poderiam receber uma significativa contribuição por parte dos estudos de
comportamento econômico. Como Ferreira afirma, “[…] a Psicologia Econômica poderia colaborar,
com seus conhecimentos, acerca de como pessoas e grupos tomam decisões e se comportam na
realidade, o que poderia tanto poupar recursos como aumentar as chances destas medidas serem
bem‑sucedidas” (2007b, p. 227).
64
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Figura 21 – A Psicologia Econômica, ao oferecer instrumentos para a apreensão das atitudes e dos valores dos cidadãos em relação a
temas como os efeitos da escolha do transporte individual em vez do coletivo, pode colaborar na implantação de programas sociais –
por exemplo, com o objetivo de melhorar a mobilidade urbana
Observação
Ao longo de praticamente dez anos (contados a partir de 1986), os governos buscaram controlar a
inflação por meio de planos econômicos: Plano Cruzado II, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor I e
Collor II são exemplos das tentativas de controlar a espiral inflacionária.
Um grupo de economistas estava empenhado no estudo das variáveis associadas à inflação. André
Lara Rezende, Pérsio Arida, Bresser‑Pereira, Edmar Bacha, Francisco Lopes e outros, com base nos
dados brasileiros e de outros países que também enfrentavam problemas com processos inflacionários
cronicamente ascendentes (por exemplo, Argentina e Israel), buscavam compreender o que alimentava
o processo inflacionário. Os planos falhavam, principalmente em função de os agentes econômicos não
acreditarem no controle do processo inflacionário.
Em 1993, Fernando Henrique Cardoso e sua equipe planejaram e executaram um dos mais ousados
planos de estabilização econômica que o país já havia visto. Como outros planos que o antecederam,
também partia do diagnóstico da inflação inercial.
Segundo Bresser‑Pereira (1989), a Teoria da Inflação Inercial pode ter sido a contribuição mais
original que o pensamento latino‑americano ofereceu à macroeconomia: ao distinguir os fatores
65
Unidade I
aceleradores dos fatores mantenedores da inflação, surgia uma explicação razoável para a inflação
do tipo que assolava as economias em desenvolvimento. Qual era essa explicação? Era possível
que o fator mantenedor da inflação em níveis elevados fosse o próprio movimento dos agentes
econômicos em busca de proteção contra possíveis perdas causadas pela inflação, isso somado à
memória inflacionária. Afinal, os agentes econômicos precisavam se precaver de futuras perdas com
a inflação; por conta disso, acabavam elevando seus preços e alimentando o processo inflacionário.
Segundo Bresser‑Pereira (1989, p. 3):
A partir do diagnóstico do fator inercial da inflação (fator que estava associado ao comportamento
dos agentes econômicos), foi possível planejar ações no sentido de garantir aos agentes que não haveria
perda alguma, não sendo mais necessário o aumento preventivo de preços. Assim, segundo Ferreira
(2007b, p. 234),
66
PSICOLOGIA ECONÔMICA
Figura 22 – Katona, um pesquisador da interface Psicologia‑Economia, vem tratando dos aspectos psicológicos da
inflação há anos. Apesar disso, até os dias de hoje, a possível colaboração de outras áreas do conhecimento no combate
aos problemas econômicos é menosprezada
Atualmente, são várias as áreas estudadas na região de interface entre as Ciências Econômicas e as
Ciências Comportamentais. Para efeito ilustrativo, vamos investigar algumas: Economia Comportamental
e Experimental, Finanças Comportamentais e Neuroeconomia.
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Unidade I
Saiba mais
Caso você queira estudar mais sobre o tema, sugerimos que acesse:
A situação apresentada no dilema dos prisioneiros é a seguinte: dois sujeitos, A e B, são presos;
como a polícia precisa da confissão deles para condená‑los, ela os separa em celas diferentes e oferece
as seguintes opções:
• Se um dos dois confessar e o outro permanecer em silêncio, o que confessou estará livre para sair
da prisão, enquanto o outro cumprirá dez anos de cadeia.
Como os prisioneiros não podem conversar e combinar uma estratégia conjunta, a solução de
equilíbrio – a melhor solução individual – é a traição, chamada então de Equilíbrio de Nash. Veja como:
o prisioneiro A não sabe o que B pretende fazer. O prisioneiro A faz o seguinte cálculo:
• Eu fico quieto e B também fica quieto. Resultado? Fico um ano na cadeia. No entanto, não tenho
garantias de que B ficará quieto.
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PSICOLOGIA ECONÔMICA
• Eu confesso e B fica quieto. Resultado? Fico livre. E, caso B também confesse, ficaremos cinco anos
na cadeia.
A melhor alternativa para A é confessar, já que ele não tem qualquer garantia de que B ficará quieto.
Caso B pense da mesma forma, ambos ficarão cinco anos na cadeia. Essa condição (Equilíbrio de Nash)
não representa a melhor situação para os dois prisioneiros. De fato, caso os dois permanecessem quietos,
cada um pegaria apenas um ano na cadeia. Nessa situação, a escolha individual não traz os mesmos
benefícios que uma colaboração mútua.
Do ponto de vista da teoria, cada prisioneiro trairá seu comparsa. No entanto, com o objetivo de
testar esse resultado em um contexto de laboratório, em 1950, a situação do dilema dos prisioneiros
foi repetida mais de cem vezes, levando os pesquisadores à descoberta de que os participantes estavam
mais dispostos a cooperar do que o esperado pela teoria.
Figura 23 – No dilema dos prisioneiros, tal como no jogo de xadrez, decisões devem ser tomadas sem que se saiba a atitude
do parceiro. No entanto, na situação descrita no dilema, a melhor escolha individual não traz os mesmos benefícios que uma
colaboração mútua.
O uso da pesquisa experimental acabou por alcançar também a análise dos mercados.
Em continuidade a esse estudo, Vernon Smith publicou alguns trabalhos que mostravam que, quando
as informações sobre oferta e demanda eram públicas e ocorria repetição das situações envolvendo
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Unidade I
Paralelamente aos estudos em Economia Experimental, outra área foi se desenvolvendo: a Economia
Comportamental. Há proximidade entre elas, embora sejam distintas e com objetos e métodos específicos.
Na verdade, a Economia Experimental está mais intimamente associada a uma metodologia de trabalho,
enquanto a Economia Comportamental preocupa‑se com o desenvolvimento de modelos teóricos sobre o
comportamento humano, utilizando, para isso, elementos da Psicologia, da Sociologia e da Antropologia.
Segundo Rezende (2004), no Jogo do Ultimato, dois participantes interagem. Um primeiro jogador faz uma
oferta inicial, oferecendo parte de um montante para o segundo jogador. O segundo jogador pode aceitar ou
não a oferta. Caso aceite, fica com a quantia ofertada, e o que fez o lance fica com o restante do montante.
Caso o segundo jogador não aceite, nenhum dos dois receberá nada. O dilema colocado é o seguinte: o primeiro
jogador buscará oferecer o mínimo possível, mas a sua satisfação depende das decisões do segundo jogador. Da
mesma forma, a decisão do jogador não afeta apenas o seu bem‑estar, mas o do seu parceiro.
No Jogo do Ditador, uma variante do Jogo do Ultimato, um dos participantes (o Ditador) define
a forma de divisão do montante, ficando o outro participante sem qualquer possibilidade de reação.
Parece claro que, em uma situação de equilíbrio perfeito, o Ditador ficaria com o máximo possível; no
entanto, na reprodução dessa situação em laboratórios, descobriu‑se que o Ditador buscaria não fazer
uso máximo da sua vantagem (REZENDE, 2004). De fato, os desenvolvimentos relativos a esses jogos
mostram que uma parte significativa dos sujeitos envolvidos é mais generosa do que se supunha.
Segundo Garza e Tarrazona (2011), outro eixo temático em Economia Comportamental diz respeito
aos vieses nas preferências e nas escolhas. Exemplos da investigação desse tema são os estudos sobre
decisões relacionadas ao futuro (poupança e investimento) e que são prejudicadas em função de vícios
de comportamento, como aversões a risco ou excesso de otimismo.
Finalmente, o terceiro eixo temático está relacionado ao processo de aprendizagem das pessoas. Nas
situações de jogos, e de forma distinta do esperado pelos modelos, as pessoas demoram mais para fazer
escolhas. Ainda, elas se imaginam menos inteligentes que seus oponentes.
b) Finanças Comportamentais
Quais são os temas estudados no campo das Finanças Comportamentais? O primeiro diz respeito
a como agentes financeiros cometem erros em decorrência da crença em certos pressupostos. Um
70
PSICOLOGIA ECONÔMICA
O segundo tema diz respeito à percepção dos agentes da natureza dos problemas que são colocados
à sua disposição: são eles capazes de perceber, de forma nítida, os riscos que estão apresentados?
Finalmente, o terceiro está relacionado à percepção de perfeição dos mercados: são os mercados tão
eficientes quanto os agentes imaginam?
Figura 24 – Ao contrário da abordagem tradicional, que pressupõe que os agentes são completamente racionais, as Finanças
Comportamentais buscam entender e predizer os processos decisórios dos agentes, evitando o julgamento de quão racionais esses
processos são
71
Unidade I
c) Neuroeconomia
De acordo com Ferreira (2007b), a Neuroeconomia surge como área de interface, na qual se
combinam os desenvolvimentos das neurociências e do estudo dos fenômenos econômicos. De forma
simplificada, ela busca investigar o comportamento econômico por meio de equipamentos e de
tecnologia extremamente sofisticada, que possibilitam o exame do funcionamento cerebral. Segundo
Ferreira (2007b, p. XVIII):
Resumo
Toda área do saber tem – e é isso que a diferencia das demais – um objeto
específico de estudo e um método peculiar de investigação desse objeto. De fato,
cada área do saber tem como base determinados pressupostos epistemológicos,
ou seja, princípios basilares nos quais repousam alguns critérios a partir dos
quais será gerado o conhecimento a respeito do seu objeto específico.
nosso olhar indaga a realidade, mas não é sempre que ele tem condições
de lidar com as respostas que o mundo nos oferece. Ainda, acreditamos
nas explicações que desenvolvemos para compreender o mundo enquanto
essas explicações derem conta de resolver os problemas que enfrentamos e
aos quais devemos oferecer respostas.
Quais são esses métodos? São aqueles que permitem que conheçamos
as opiniões e atitudes dos agentes econômicos. Assim, eles devem garantir
que a pesquisa tenha validade interna, tenha validade de constructo, tenha
validade externa e, finalmente, seja fidedigna.
Exercícios
C) a melhor opção para a avaliação da consistência dos Programas de Pesquisa nas Ciências
Econômicas está contida na teoria do instrumentalismo metodológico.
D) as avaliações científicas devem concentrar‑se nos Programas de Pesquisa, que são constituídos
basicamente de um núcleo central e um cinto protetor.
A) Alternativa incorreta.
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PSICOLOGIA ECONÔMICA
B) Alternativa incorreta.
C) Alternativa incorreta.
D) Alternativa correta.
Justificativa: os Programas de Pesquisa seguem um cinto protetor, que é seu próprio campo de
estudo.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: não se trata de rupturas revolucionárias em seus Programas de Pesquisa, mas, sim,
evolução em tempo histórico daquilo que se analisa e, portanto, se teoriza.
Questão 2. (Provão 2000, adaptada). A emergência da Ciência Econômica como área do saber
específica se deu no contexto maior do Iluminismo, uma revolução intelectual da qual a teoria econômica
é herdeira. Os fundamentos do Iluminismo que influenciaram diretamente o nascimento da Ciência
Econômica foram:
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