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Unidade II
5 DIRETRIZES GERAIS DA POLÍTICA URBANA
A Lei n. 11.124 (BRASIL, 2005b) dispõe sobre o SNHIS, cria o FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS.
O SNHIS tem como objetivo principal implementar políticas e programas que promovam o acesso à
moradia digna para a população de baixa renda, que compõe a quase totalidade do déficit habitacional
do país. Além disso, esse sistema centraliza todos os programas e projetos destinados à habitação de
interesse social, sendo integrado pelos seguintes órgãos e entidades: MCidades, Conselho Gestor do FNHIS,
Caixa Econômica Federal, ConCidades, Conselhos, Órgãos e Instituições da Administração Pública direta
e indireta dos estados, Distrito Federal e municípios relacionados às questões urbanas e habitacionais,
entidades privadas que desempenham atividades na área habitacional e agentes financeiros autorizados
pelo Conselho Monetário Nacional (BRASIL, 2020a).
A Lei n. 11.124 (BRASIL, 2005b) também instituiu o FNHIS, que em 2006 centralizou os recursos
orçamentários dos programas de Urbanização de Assentamentos Subnormais e de Habitação de
Interesse Social, inseridos no SNHIS. O Fundo é composto por recursos do Orçamento Geral da União
e do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), dotações, recursos de empréstimos externos e
internos, contribuições e doações de pessoas físicas ou jurídicas, entidades e organismos de cooperação
nacionais ou internacionais e receitas de operações realizadas com recursos do FNHIS. Esses recursos
têm aplicação definida pela Lei, como: aquisição, construção, conclusão, melhoria, reforma, locação
social e arrendamento de unidades habitacionais, produção de lotes urbanizados para fins habitacionais,
regularização fundiária e urbanística de áreas de interesse social ou implantação de saneamento básico,
infraestrutura e equipamentos urbanos, complementares aos programas de habitação de interesse social
(BRASIL, 2020a).
Esse projeto de lei de iniciativa popular foi elaborado com o auxílio do FNRU, com o intuito de criar
um fundo público para atender às demandas por moradia popular. Essa iniciativa surgiu no governo
Collor como uma ação propositiva de entidades da sociedade civil organizada. Entre os principais atores
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A ementa original do Projeto de Lei n. 2.710 (BRASIL, 1992) estabelecia a criação do Fundo Nacional
de Moradia Popular e do Conselho Nacional de Moradia Popular, além de outras providências. A redação
final propôs alterações no projeto, e a nova ementa passou a dispor sobre o SNHIS, a criação do FNHIS e
seu Conselho Gestor. Após 13 anos de tramitação e muitos embates ideológicos, a Lei n. 11.124 (BRASIL,
2005b) foi sancionada e publicada no Diário Oficial da União (DOU).
Além disso, foram previstos mecanismos de controle social exercidos por meio do ConCidades e dos
Conselhos Estaduais e Municipais, com função de gerir fundos de habitação com recursos orçamentários
para subsidiar a baixa renda. Dessa maneira, para possibilitar o acesso à moradia pela população de baixa
renda, era necessária a aprovação do projeto de lei de iniciativa popular de criação do SNHIS e FNHIS,
que tramitava há 13 anos no Congresso Nacional (BONDUKI, 2009).
No entanto, houve uma mudança na conjuntura política em 2005 que forçou o Governo Federal
a negociar a ampliação da participação de partidos coligados no poder executivo. Entre as exigências
feitas pela coalizão, a chefia do MCidades era uma das prioridades. Para evitar que a crise política
se estendesse, o governo abdicou da proposta de desenvolvimento urbano integrado para as cidades
brasileiras, e o SNHIS foi cada vez mais enfraquecido por meio da limitada influência dos movimentos
sociais na discussão e deliberação de uso dos recursos do FNHIS (MARICATO, 2014). Portanto, não
podemos negar o jogo de interesses políticos existente em torno das políticas públicas no Brasil.
Observação
O Sistema Nacional de Mercado é composto por uma rede de agentes públicos e privados de produção
e de financiamento imobiliário sujeitos às dinâmicas de mercado e regulamentações específicas.
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Para contribuir na ampliação da habitação de mercado, foi sancionada a Lei n. 10.931 (BRASIL,
2004d), que aprimora instrumentos como alienação fiduciária, patrimônio de afetação de incorporações
imobiliárias e pagamento do incontroverso, dando mais garantias jurídicas ao empreendedor e ao
comprador de imóvel. Em complementação, em 2005, o Governo Federal sancionou a Lei n. 11.196
(BRASIL, 2005c), que cria mecanismos de segurança para financiamentos imobiliários e incentivos fiscais
para os compradores de imóveis. Tais medidas somaram-se às alterações no direcionamento dos recursos
captados em caderneta de poupança, tomadas pelo Conselho Monetário Nacional. Além de impulsionar
a oferta de crédito dos agentes financeiros para a classe média, possibilitando contratações na ordem de
4,2 bilhões, essas medidas estimularam o setor da construção civil, a geração de empregos e o aumento
no número de atendimentos (BRASIL, 2004c).
O SNHIS é voltado prioritariamente para ações de promoção de moradia digna para a população
de baixa renda. Seu principal objetivo é equacionar o problema do déficit habitacional por meio de
programas e ações que invistam na melhoria das condições de habitabilidade, incorporando o saneamento
ambiental, a requalificação de áreas centrais infraestruturadas, subutilizadas ou vazias, o controle do
uso do solo, a urbanização e regularização fundiária de assentamentos precários (favelas e loteamentos
irregulares), bem como a provisão de serviços e equipamentos públicos, considerando as diretrizes do
plano diretor local (BRASIL, 2004c).
É importante compreender que cada legislação possui também seus princípios, assim como traz a Lei:
I – os seguintes princípios:
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Diante dos princípios e das diretrizes, podemos dizer que houve aprimoramentos na disponibilidade
em se construir uma política nacional de habitação, mas o que é oferecido como direito à moradia não
contempla a evolução das necessidades das famílias brasileiras, levando a um grande déficit habitacional.
Conforme mostrado pela Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) (IBGE, 2019), o novo
teto do problema foi atingido em 2017. Compreender o déficit nacional é recorrer à história, ainda
que não se aprenda com ela. Na cidade de São Paulo, entre os anos 2000 e 2010, o IBGE aponta que a
população cresceu 12,3%, enquanto o número de brasileiros vivendo em favelas subiu 70%. Entre 2008
e 2017, o salário mínimo variou 60%, enquanto os valores de aluguéis tiveram 100% de reajuste e os
imóveis foram valorizados em 230%. Isso nos assegura de que a maioria dos brasileiros não possui renda
para casa própria ou divide o mesmo teto com várias pessoas da família, conhecidos etc., pois não possui
condições econômicas de alugar um imóvel próprio.
Percebemos que, mesmo com todo o aparato legal existente nas legislações, estamos muito distantes
de sanar os problemas habitacionais no Brasil. De acordo com Bonduki (1998), diversas pesquisas
realizadas entre 1930 e 1940 apontaram que cerca de 20% dos orçamentos familiares eram gastos
com o aluguel.
A maior redução no período de 2007 a 2012 se deu no componente habitações precárias (30%),
seguida da coabitação familiar (26%). O último componente – adensamento excessivo em domicílios
locados – teve em 2012 uma leve redução se comparado com o valor obtido em 2007, mas transparece
sua estabilidade no período. A coabitação familiar é o fator individual que mais contribui para o déficit
habitacional, correspondendo a 2,2 milhões de domicílios, com 87% localizados em áreas urbanas
(KRAUSE; BALBIM; LIMA NETO, 2013).
É importante compreender a relação existente entre renda familiar, poder aquisitivo, déficit
habitacional, legislação e direito à moradia, pois são elementos que representam uma questão não
apenas no âmbito social, mas numa projeção holística de realidade urbana, a partir de uma organização
sociopolítica, socioeconômica e socioambiental que qualifica a complexidade das ações e necessidades
da nossa realidade profissional, na qual podemos contribuir com ações que minimizem a questão
habitacional da maioria das cidades brasileiras.
Portanto, é preciso refletir sobre a função social das legislações existentes, que amparam a criação
e execução de programas habitacionais, mas também não deixar de compreender a formação da
geopolítica brasileira, uma vez que em diferentes momentos da história foram criadas diferentes visões
sobre a habitação no Brasil. Quando Monte-Mór fala das forças socioculturais, econômicas e políticas,
podemos compreender que a política de habitação sofreu construções e desconstruções nos diferentes
olhares dentro do espaço urbano brasileiro durante séculos.
É importante ressaltar que nomenclaturas e diferentes nomes atribuídos aos diversos programas
habitacionais após a Revolução Industrial não trouxeram de fato uma solução eficaz ao déficit habitacional
brasileiro, mas comungamos que, desde a Constituição Federal de 1988, a habitação se apresenta como
reguladora do espaço urbano e se intensifica como direito social.
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Lembrete
A partir da criação do SNHIS, instituído por lei e de iniciativa popular, que contou com intensa
discussão entre os atores envolvidos, esperava-se que a política habitacional tomasse o caminho
estabelecido para sua execução, algo que não ocorreu – isso se demonstra na dificuldade de a matéria
entrar com vinculação orçamentária por meio de Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Nesse período,
o que se observou por parte do Governo Federal foi a adoção de uma alternativa no que se refere à
política habitacional desenhada pelo SNHIS, com a criação do PMCMV, um novo programa de habitação
concebido como forma de aquecer a economia para enfrentar a crise financeira mundial que tinha
repercussões no Brasil e assegurar um ganho político de curto prazo para a coalizão político‑partidária
do governo, que visava à continuidade de sua administração (FERREIRA et al., 2019).
O PMCMV tem como principal objetivo a redução do déficit habitacional ao criar mecanismos de
incentivo à produção e à aquisição de novas unidades habitacionais, à requalificação de imóveis urbanos
e à produção ou à reforma de habitações rurais para famílias com renda mensal de até dez salários
mínimos. Com essa iniciativa, o governo buscou garantir o acesso da população de baixa renda à casa
própria e influenciar o crescimento econômico com a geração de empregos (FERREIRA et al., 2019).
Entretanto, para criar o PMCMV, o Governo Federal necessitou fazer barganhas e articulações
políticas que permitiram que o processo tramitasse em regime de urgência e que a lei fosse aprovada com
celeridade. Devido às barganhas e negociações políticas, tanto o Plano Nacional de Desenvolvimento
Urbano quanto a PNH foram subjugados às negociações do mercado (FERREIRA et al., 2019).
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POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Como resposta à crise econômica mundial de 2008, que teve reflexos no crescimento econômico
brasileiro, e visando à eleição que se aproximava em 2010, o governo optou pela adoção de políticas com
resultados de curto prazo no que se refere ao aquecimento da economia, que incluíam a manutenção
do crédito, o atendimento aos setores mais atingidos pela recessão e a sustentação dos investimentos
públicos, principalmente na área de infraestrutura (FERREIRA et al., 2019).
O PMCMV foi criado com a finalidade de gerar demanda habitacional e impulsionar o mercado
financeiro, sem propor solução para o problema da segregação socioespacial e da questão da terra, que
representam entraves da política urbana brasileira. Já o SNHIS foi formulado com o intuito de ser uma
política que busca discutir a reforma urbana e o direito à cidade, com diretrizes urbanas consolidadas,
participação social e distribuição de competências entre os entes federados, mas não chegou a ser
implementado na prática. Cada um desses períodos foi marcado por intensas relações de poder entre
diferentes grupos de atores, que foram mapeados e analisados por meio de coalizões de defesa. Além
disso, constatamos que a contribuição do PMCMV para reduzir o déficit habitacional no nível nacional
se mostrou limitada, devido à expansão da demanda no mesmo período. No entanto, se o número de
unidades habitacionais entregues pelo programa não resultou em redução efetiva do déficit, ao menos
foi suficiente para conter seu avanço (FERREIRA et al., 2019).
A prioridade de aplicação de recursos no PMCMV faz parte de uma estratégia de introduzir mecanismos
de mercado na gestão das políticas de desenvolvimento urbano. No entanto, a redução da política
ao discurso financeiro resulta em uma financeirização da política de habitação, acarretando prejuízo
em relação à universalização do acesso à moradia (ROYER, 2009). Dessa maneira, o aquecimento do
mercado proveniente da explosão nos preços dos imóveis no território brasileiro reafirma a segregação
e amplia as desigualdades sociais (FERREIRA et al., 2019).
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Podemos entender, portanto, que o PMCMV não é tratado como um programa para solução do
déficit habitacional por parte do governo àqueles que realmente estão morando em barracos de madeira
e lona, que não têm sequer um vínculo empregatício; não é um programa que remete a uma política
urbana pública de inclusão social, uma vez que está atrelado ao ambiente privado desde 2009, tornando
mercantilizada a política de direito.
Observação
Saiba mais
Para iniciarmos nosso estudo sobre políticas habitacionais, vamos compreender o significado de
habitação para traçar uma linha de raciocínio utilizada pelas funções da habitação.
A falta, as más condições de moradia, o inchaço das cidades, o crescimento desordenado dos bairros
e o surgimento das favelas são expressões da questão social, relacionadas à habitação; portanto,
caracteriza-se um dos novos espaços de atuação do assistente social.
O serviço social tem como matéria-prima do seu trabalho essas expressões da questão social. Assim,
cabe ao profissional o desafio de decifrar permanentemente as contradições postas na realidade e
construir práticas criativas, capazes de superar as dificuldades encontradas pela população em questões
como falta de moradia, ineficácia de políticas sociais, falta de equipamentos/serviços públicos, exposição
a áreas de risco, condições ambientais inadequadas e ausência de participação social na gestão e no
planejamento das políticas habitacionais (CFESS, 2016).
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Cabe destacar que os usuários do serviço social na área habitacional são sujeitos sociais e muitos
não têm acesso a uma moradia digna. Eles representam uma parcela significativa da classe trabalhadora
que possui renda familiar de até cinco salários mínimos. Nesse cenário, o assistente social, por meio das
dimensões éticopolíticas, teóricometodológicas e técnicooperativas do fazer profissional, tem o desafio
de contribuir no espaço institucionalizado com a defesa dos direitos (CFESS, 2016).
Para o desenvolvimento de suas atividades, o assistente social utiliza meios teóricos para contribuir
no planejamento da política de habitação e na elaboração de diagnósticos, pesquisas e projetos de
intervenções, compondo a equipe multiprofissional na instituição e entidades parceiras, realizando
trabalhos com as comunidades para o desenvolvimento socioeducativo, a inclusão social e a articulação
com a rede socioassistencial e órgãos públicos.
• Pesquisa de campo e estudo das realidades territoriais, para nortear a construção do projeto
habitacional e o plano diretor.
• Implantação e execução dos projetos, diretamente ou indiretamente, ou seja, contato face a face
com os sujeitos. No caso de regularização ou remoção da população, esse vínculo se estende ao
conhecimento da realidade e da organização da comunidade envolvida nesse processo.
Não podemos esquecer que a habitação engloba o seu entorno, visando à qualidade de vida dos
sujeitos. Portanto, cabe ao profissional articular os recursos nas proximidades para receber esses
novos moradores. Quanto aos recursos não existentes, cabe a ele propor e defender a construção
de equipamentos públicos para atendimento à população, como centros de saúde, centros de
referência de assistência social, escolas, meios de transporte e lazer, promovendo a participação
da comunidade nesse processo e na defesa dos seus direitos, por meio de conselhos municipais,
organizações e associações de moradores (CFESS, 2016).
O trabalho do assistente social deve ser compreendido no espaço da complexidade – por isso a
necessidade de se trabalhar de forma multidisciplinar. Precisamos compartilhar os saberes para
construir intervenções no coletivo pautadas na garantia dos direitos e na promoção da qualidade de
vida dos sujeitos.
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POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Saiba mais
Diante da mundialização do capital (CHESNAIS, 1996), com seus impactos destrutivos no emprego,
nos salários e nos sistemas de proteção social, e dadas as formas particulares da crise do capitalismo
assumidas no contexto brasileiro, um dos mais importantes desafios do assistente social é analisar
e buscar explicações sobre a realidade social numa perspectiva de totalidade, identificando suas
múltiplas determinações e reconhecendo as contradições em tempos de concentração da riqueza e
intensa desigualdade social, para um agir profissional com ética, comprometido com as necessidades
dos trabalhadores (CFESS, 2016).
As cidades caóticas e marcadas pela pobreza do século XXI representam, na atualidade, “a mais acabada
materialização territorial e espacial das contradições do sistema produtor de mercadorias” (BURNETT,
2012, p. 101). No caso brasileiro, segundo Maricato (2011), a herança escravocrata e o desprestígio do
trabalho, o patriarcalismo e a privatização da esfera pública, o personalismo e a rejeição às relações
impessoais e profissionais, o clientelismo e a universalização da política do favor contrariamente ao
reconhecimento dos direitos, além da tradição autoritária negando a cidadania, estão presentes em
cada m² da cidade periférica (CFESS, 2016).
O espaço se define não a partir dos seus resultados finais mais imediatos e visíveis, tais como se
apresentam na paisagem urbana de nossas cidades; mas sim por meio da compreensão do seu processo
de produção social, que articula, concomitantemente, as dimensões material e simbólica das relações
sociais. Assim, o espaço supõe ao mesmo tempo diferentes dimensões e temporalidades contraditórias
da práxis social (CFESS, 2016).
Como afirma Lefebvre (2008, p. 40), o desafio da crítica marxista está na seguinte compreensão
dialética: “qual é a relação entre o espaço mental (percebido, concebido, representado) e o espaço social
(construído, produzido, projetado, portanto, notadamente o espaço urbano), isto é, entre o espaço da
representação e a representação do espaço?”
São muitos os mecanismos pelos quais a cidade reproduz a desigualdade social, explicitando a ausência
do direito à cidade, na apropriação desigual dos espaços na lógica entre legislação urbana, serviços
públicos e obras de infraestrutura (MARICATO, 2013). Os traços que desenham o perfil da sociedade
brasileira são definidos historicamente por uma estrutura fundiária que privilegia a concentração
de terra, de renda e de riqueza, em um processo que teve seu principal marco histórico na Lei de
Terras de 1850, que instituiu a propriedade fundiária no país.
Essa desigualdade social está presente nos condomínios fechados, alimentando uma sociabilidade
enclausurada que rejeita a vida pública, estabelecendo com a cidade a prática da segregação (CALDEIRA,
2000). Está nas cidades nas quais a classe trabalhadora se vê pressionada a construir suas moradias em
encostas inseguras, em áreas de preservação ambiental, ou a viver em conjuntos habitacionais edificados
em áreas periféricas, sem equipamentos sociais e sem infraestrutura urbana, em razão do preço da
terra mais barata. Está na separação que se faz entre campo e cidade, nos impactos pela expansão do
agronegócio, na construção de grandes obras, como as barragens, e na expansão das commodities, que
estabelecem o preço dos alimentos. Está na violação dos direitos humanos pelos despejos que sofrem
as populações que moram em favelas e loteamentos não reconhecidos pelo poder público, reféns de
uma dinâmica urbana definida pelo capital imobiliário e pela supervalorização do título de propriedade
(MULLER, 2012).
São, pois, transformações alimentadas por relações mercantis, em um mundo urbano no qual a
qualidade da vida está condicionada por um intenso individualismo, que determina “as formas espaciais
de nossas cidades, que consistem progressivamente em fragmentos fortificados, comunidades fechadas
e espaços públicos privatizados mantidos sob constante vigilância” (HARVEY, 2012, p. 81).
A luta pela cidade é a luta pela cidadania, pelo direito de todos ao trabalho, à educação, ao lazer, à
saúde, à habitação, à criação, à participação política, à cidade como fruição. Nesse sentido, a produção
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do espaço é social e, portanto, pressupõe uma relação orgânica entre produção e reprodução de novas
relações sociais (CFESS, 2016).
Como afirma Harvey (2009), o direito à cidade significa o direito de todos nós a criarmos cidades que
satisfaçam as necessidades humanas, as nossas necessidades. O direito à cidade não é simplesmente o
direito ao que já existe na cidade, mas o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente.
Diante de uma sociedade capitalista cada vez mais destituída de direitos, a implementação da política
urbana coloca-se como possibilidade de distribuição da riqueza socialmente produzida. Tal distribuição
se expressa na moradia adequada, na disponibilidade dos serviços de saneamento e infraestrutura, na
qualidade do transporte coletivo e na mobilidade, nos serviços e equipamentos urbanos, no uso da
cidade respondendo à diversidade da dinâmica societária, independentemente de etnia, idade, orientação
sexual, religião e capacidades (CFESS, 2016).
O trabalho social na política urbana, exercido por assistentes sociais sob a direção do projeto
ético‑político, deve estar orientado na perspectiva do direito à cidade (CFESS, 2016). Nesse sentido, o
desafio está na apropriação do “seu significado social no processo de reprodução das relações sociais,
ante às profundas transformações que se operam na organização e consumo do trabalho e nas relações
entre o Estado e a sociedade civil com a radicalização neoliberal” (IAMAMOTO, 2009, p. 368), refletidas
na questão urbana.
Tudo isso exige a apreensão das determinações políticas, econômicas e sociais que demarcam
as condições objetivas do trabalho do assistente social na sociedade brasileira contemporânea, para
qualificar a intervenção profissional na multidimensionalidade da problemática social que se revela no
espaço urbano, numa perspectiva de totalidade (CFESS, 2016).
Portanto, é na dinâmica da vida social, dadas as condições históricas e conjunturais, que devem estar
referenciados os elementos do trabalho social, tendo em vista sua relação com determinado projeto
profissional e a conexão com um projeto societário, “cujo eixo central vincula-se aos rumos da sociedade
como um todo” (TEIXEIRA; BRAZ, 2009, p. 189).
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Nesse sentido, o trabalho social exercido pelo assistente social na política urbana demanda:
Os subsídios para a atuação profissional na política urbana têm como fundamento a tese de
Iamamoto e Carvalho (1982), na qual a profissão é afirmada como uma especialização do trabalho
coletivo no quadro do desenvolvimento capitalista industrial e da expansão urbana (IAMAMOTO, 2007).
Por isso, são princípios e diretrizes do trabalho formular e desenvolver projetos de intervenção que
viabilizem o acesso de segmentos da classe trabalhadora aos direitos, pela mediação da política urbana
e dos diferentes programas das políticas setoriais, com a implementação de serviços com qualidade,
mobilizando e estimulando os sujeitos sociais em processos participativos e de organização popular
(CFESS, 2016).
Essa atuação ocorre sob dois grandes eixos: numa perspectiva coletiva, junto aos movimentos sociais,
nos processos de participação e organização popular; e numa perspectiva individual e/ou grupal, com
vistas a construir respostas às necessidades básicas dos sujeitos usuários da política urbana, no acesso
aos direitos, bens e equipamentos públicos.
Portanto, o trabalho do assistente social se fundamenta nas reflexões construídas sobre as funções
privativas profissionais (Art. 5º do Código de Ética do Assistente Social, de 1993), para a construção de:
[...] estratégias para fazer frente à questão social, [que] têm sido tensionadas
por projetos sociais distintos, que convivem em luta no seu interior, os quais
presidem a estruturação e a implementação das políticas sociais públicas e
dos serviços sociais atinentes aos direitos legais inerentes aos poderes do
Estado – legislativo, executivo e judiciário (IAMAMOTO, 2012, p. 54).
Essas reflexões permitem compreender que a inserção do serviço social na divisão sociotécnica do
trabalho define a forma e o conteúdo do trabalho do assistente social na política urbana. A partir dessa
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O assistente social está inserido como trabalhador, a partir das ações do capital, do Estado e da classe
trabalhadora na dinâmica contraditória de produção social do espaço (CFESS, 2016).
A política urbana não esgota o urbano, mas é uma das principais formas de regulação e produção do
espaço. Assim, torna-se necessário compreender o papel, os interesses e as formas de ação e organização
da cadeia produtiva imobiliária, do Estado e da classe trabalhadora frente à política urbana e à produção
do espaço (CFESS, 2016).
As ações profissionais na política urbana devem ser feitas no campo da intersetorialidade, o que
significa considerar conhecimentos e práticas de profissionais de outras áreas de conhecimento, os
quais, apoiados na dimensão da totalidade, possibilitam estabelecer uma interlocução necessária para
“superar a fragmentação dos saberes” e romper “com a naturalização, a psicologização e a moralização
das expressões da questão social” (ORTIZ, 2010, p. 333). Isso assegura as condições de acesso às políticas
e aos direitos, além de ajudar a fortalecer os sujeitos coletivos e estimular a apropriação do espaço
público de forma participativa (CFESS, 2016).
Nos processos participativos, a organização política das classes populares consolida espaços de
poder e permite a ampliação da visão de mundo, com o salto do senso comum para o senso crítico.
Espaços de participação são espaços de poder, de mudanças sociopolíticas, porque são espaços possíveis
de enfrentamento das contradições e dos conflitos de classe.
A partir do exposto, serão apresentadas as principais ações desenvolvidas pelo assistente social, sob
os pressupostos da autonomia profissional, que, ainda que relativa (IAMAMOTO, 2009), expressa uma
perspectiva de classe. As ações são:
• De caráter socioeducativo:
— Entender o cadastramento que é realizado com famílias e grupos sociais, usuários da política
urbana, como um importante instrumento de informações e identificação de demandas, que
possibilita a apreensão tanto de suas expressões culturais, políticas e econômicas quanto das
múltiplas faces da violência.
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Unidade II
— Garantir espaços e processos de reflexão contínua para propiciar o entendimento das instituições
públicas e seus vínculos sociais.
— Conhecer e mobilizar a rede de serviços, tendo por objetivo viabilizar os direitos sociais.
— Elaborar e/ou divulgar materiais socioeducativos como folhetos, cartilhas, vídeos, cartazes e
outros que facilitem o conhecimento e o acesso dos sujeitos sociais aos serviços oferecidos
pela política urbana e aos direitos em geral.
— Fomentar ações que permitam uma compreensão abrangente das questões que afetam
a população envolvida em projetos e obras, com vistas ao entendimento mais profundo da
realidade e na busca de alternativas para agir sobre essa realidade.
— Incentivar a troca de experiências entre diferentes grupos sociais para que, num processo de
interação, formulem propostas e realizações de interesses comuns.
— Contribuir para que todas as informações sobre projetos e obras de urbanização estejam
facilmente acessíveis para a população envolvida com bastante antecedência.
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POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
— Atuar junto a todos os envolvidos nos projetos e nas obras de urbanização, para que as
intervenções realizadas não signifiquem segregação ou discriminação contra a população.
— Valorizar e preservar a memória e a história social do lugar e de seus moradores como elemento
definidor das relações de uso do espaço urbano, na perspectiva do fortalecimento do direito à
diversidade cultural.
— Fomentar debates para capacitar os grupos sociais usuários da política urbana e outros sujeitos
coletivos para a identificação da violação aos direitos.
— Debater e socializar, com os grupos sociais usuários da política urbana e outros sujeitos coletivos,
os PLHIS, as legislações, as políticas e programas sociais e os recursos dos empreendimentos e
obras, de forma a ampliar o escopo dos argumentos na defesa dos direitos.
— Identificar os mecanismos que facilitam e/ou dificultam o acesso das famílias e dos grupos
sociais à política urbana.
— Refletir, junto aos usuários da política urbana e outros sujeitos coletivos, sobre o significado do
levantamento de informações das áreas de intervenção.
— Contribuir para discussões democráticas e para a viabilização das decisões aprovadas nos
espaços de controle social.
— Incentivar a atuação das lideranças, contribuindo para a sua legitimidade junto aos
sujeitos sociais.
— Respeitar as formas próprias de organização dos grupos sociais usuários da política urbana.
— Incentivar a organização dos sujeitos sociais para desenvolver processos de negociação com os
setores públicos.
— Identificar aspectos culturais que contribuam para fortalecer a identidade social da população
usuária da política.
— Orientar grupos sociais usuários da política urbana que sofrem os conflitos urbanos ambientais
sobre os seus direitos, com relação ao acesso aos serviços básicos e à segurança na posse,
porque significam direito à vida, à saúde e ao meio ambiente saudável.
— Fomentar a participação de grupos sociais usuários da política urbana e dos movimentos sociais,
com vistas a ampliar os espaços democráticos de decisão e construir formas de intervenção no
campo minado de tensões, lutas e contradições em que se movem indivíduos e instituições, sob
a regência do capital.
— Debater, com os grupos sociais usuários da política urbana e com os movimentos sociais,
as respostas que são construídas frente à questão urbana. Essas não devem se restringir à
construção de moradias ou de reassentamento de famílias, pois isso reproduz o isolamento de
grupos sociais, sem a perspectiva de desenvolvimento econômico-social.
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POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
— Debater, com os grupos sociais e os movimentos sociais, sobre a moradia como um direito
social e humano, o que remete ao acesso à cidade a partir de intervenções físicas, jurídicas e
sociais que garantam a segurança na posse e potencializem o enfrentamento da pobreza.
— Aprofundar o debate com os grupos sociais e os movimentos sociais, com vistas a buscar
mecanismos para exigir e consolidar os direitos, fazendo enfrentamento ao modelo
político‑econômico, que sobrepõe o econômico aos fins sociais.
— Trabalhar a inserção das famílias, dos grupos e movimentos sociais no espaço urbano,
apreendendo-o como parte da cidade, a partir do desenvolvimento de sua dimensão política e
de formas de resistência.
— Fomentar a construção de ações autônomas das famílias, dos grupos e movimentos sociais na
gestão das contradições advindas das relações sociais capitalistas.
— Desenvolver uma formação continuada, com vistas ao conhecimento da política urbana, para
o aperfeiçoamento na prestação dos serviços aos grupos sociais usuários da política urbana.
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Unidade II
— Reconhecer que o trabalho social tem objetivos diferentes relativos à instituição, ao profissional
e à população e deve ser construído a partir de alianças com os grupos sociais usuários da
política urbana e com os movimentos sociais.
— Construir, junto com a equipe, formas de articulação entre as políticas setoriais urbanas e com
as políticas sociais, na elaboração de projetos integrados e multidisciplinares de trabalho social.
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POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
— Acompanhar e supervisionar o uso dos recursos disponíveis, que viabilizem a execução dos
programas e da política urbana.
— Potencializar a formação de uma rede de serviços sociais para o fortalecimento do trabalho social.
— Atuar nos processos de monitoramento da política urbana, de forma a contribuir para sua
permanente avaliação frente às necessidades sociais e à dinâmica da realidade socioinstitucional.
desenvolve sob a lógica das relações capitalistas, nos programas e projetos urbanísticos que reproduzem
a periferização, a segregação social, a violência urbana, a degradação ambiental, a precariedade das
moradias sem infraestrutura e distantes dos equipamentos sociais, com transportes coletivos também
precários (CFESS, 2016).
Os marcos liberais do capitalismo privilegiam um modelo político econômico que sobrepõe os fins
econômicos aos sociais, abrindo espaço para um processo de reestruturação urbana que alimenta a
especulação imobiliária e a disputa pelo acesso à terra e pelo controle do uso e da ocupação do solo
(CFESS, 2016).
O breve resgate das mudanças da política urbana no Brasil mostrou a forma como foi conduzida
a organização do espaço urbano (e sua relação com o campo), no processo de produção do capital.
São mudanças que revelam uma distância entre a realidade que se propõe a transformar, na defesa
da função social da propriedade e da cidade, e as normas jurídicas e os programas e projetos que são
desenvolvidos, incapazes de alterar as relações desiguais de acesso à terra e à cidade e de privilegiar
interesses coletivos que transformem a realidade social (CFESS, 2016).
É, portanto, na dinâmica de uma sociedade em mudança que o trabalho social, desenvolvido pelos
assistentes sociais, afirma-se no campo da política urbana, configurando-se desde a necessidade de
respaldar o controle exercido pelas classes dominantes, até o estabelecimento de alianças com os
movimentos sociais e outros sujeitos coletivos, na perspectiva dos direitos e das conquistas emancipatórias
da classe trabalhadora (CFESS, 2016).
Diante da realidade social e sob esses parâmetros políticos, há muitos desafios na luta por cidades
justas e igualitárias, que exigem dos assistentes sociais a atuação pela ampliação da esfera pública,
pelo fortalecimento dos espaços democráticos de decisão e das instâncias de conquista do poder e pela
garantia do acesso aos direitos. Nessa direção, o conhecimento dos dispositivos desenhados pelo sistema
jurídico brasileiro, referidos ao desenho do espaço urbano (principalmente o Estatuto da Cidade), deve
subsidiar reflexões e debates na implantação de políticas de ocupação do solo, de forma a atender aos
78
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Assim, reconhecemos a moradia digna como direito social e como forma de possibilitar o acesso à
cidade, com segurança na posse e medidas de prevenção de despejos. Isso se traduz na defesa do direito
ao saneamento como política pública e estatal, “de estratégica importância na perspectiva da saúde
pública e do ambiente, considerando a universalização do acesso com qualidade aos serviços prestados
e o reconhecimento do saneamento nas suas interfaces com as políticas setoriais urbanas” (PEREIRA,
2013, p. 280), com prioridade de atendimento às famílias pobres, moradoras de áreas periféricas das
cidades (CFESS, 2016).
Concluímos que os assistentes sociais têm como desafio, diante da realidade brasileira, assumir o
trabalho social como exercício de criação coletiva, alimentando as demandas populares por autonomia
e controle social e consolidando a luta pelo direito à cidade (CFESS, 2016).
6 MOBILIDADE URBANA
Por que é importante compreendermos a mobilidade urbana como matéria que influencia as
intervenções do assistente social? O espaço urbano onde vivemos, caminhamos, trabalhamos,
consumimos, estudamos etc., segundo Telles (2001, p. 13):
Assim, podemos afirmar que a mobilidade urbana está intrinsecamente relacionada à PNAS (BRASIL,
2005a), que define o princípio de territorialização e considera as desigualdades socioterritoriais como
elemento norteador dessa política pública. Consequentemente, o Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) se respalda na condição socioespacial para identificar as demandas do serviço social e elaborar
programas e projetos, respeitando a localização das demandas do serviço social e melhorando, assim, o
acesso dos usuários aos serviços prestados pela assistência social.
A Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) passou a exigir que os municípios com população
acima de 20 mil habitantes, além de outros, elaborem e apresentem um plano de mobilidade urbana,
com a intenção de planejar o crescimento das cidades de forma ordenada (BRASIL, 2016a).
79
Unidade II
Saiba mais
A Lei n. 12.587 (BRASIL, 2012) estabelece os princípios, as diretrizes e os objetivos da PNMU de forma
clara e objetiva, visando orientar a atuação tanto do Governo Federal quanto dos estados e municípios
em busca de um padrão de mobilidade urbana mais sustentável. É nas cidades onde as pessoas mais se
deslocam em suas atividades diárias, sendo necessária, portanto, uma atuação conjunta entre os vários
níveis de governo e a sociedade civil para garantir a construção de cidades mais saudáveis para todos
(BRASIL, 2016a).
A sustentabilidade é um termo muito utilizado nas últimas décadas. Esse termo surgiu no relatório
desenvolvido pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, apresentado em
1987, conhecido como Relatório de Brundtland ou Nosso Futuro Comum. O relatório traz a definição de
desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.
Sachs (2002 apud CAMOLESI, 2004) define oito critérios básicos para o conceito de sustentabilidade:
80
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
• Política (internacional): eficiência da ONU nas medidas de prevenção de guerras, pactuação norte‑sul
sobre medidas de ecodesenvolvimento, controle internacional sobre o sistema internacional
financeiro e de negócios, gestão responsável sobre o meio ambiente e recursos naturais globais e
promoção de cooperação científica e tecnológica internacional, com flexibilização do caráter de
commodity dessas áreas, conferindo‑as como herança da humanidade.
A Lei de Mobilidade Urbana (BRASIL, 2012) traz também o papel da União, dos estados e municípios
na implantação da PNMU, ao esclarecer os direitos dos usuários dos sistemas de mobilidade e apontar as
diretrizes para a regulação dos serviços de transporte público coletivo e as diretrizes para o planejamento
e a gestão dos sistemas de mobilidade urbana (BRASIL, 2016a).
Com relação aos princípios, a PNMU trata de conceitos abrangentes que visam orientar a implantação
da política. Entre eles, destacam-se: a acessibilidade universal; o desenvolvimento sustentável; a
equidade no uso dos espaços públicos e no acesso aos sistemas de mobilidade; e a gestão democrática
no planejamento e na avaliação da política (BRASIL, 2016a).
As diretrizes, por sua vez, são orientações sobre os caminhos que devem ser seguidos para atingir os
objetivos da Lei. Assim, entre as dispostas na PNMU, destacam-se: a necessidade de integração entre as
políticas setoriais de desenvolvimento urbano; a priorização dos modos não motorizados e do transporte
público coletivo; a integração entre os vários modos de transporte; e a utilização de energias renováveis
e menos poluentes nos sistemas de mobilidade (BRASIL, 2016a).
Os objetivos definem a visão de futuro almejada para a mobilidade urbana das cidades brasileiras.
A PNMU visa interferir nas cidades para que ofereçam maior igualdade de acesso às oportunidades de
emprego, à saúde, à educação e ao lazer; para que trilhem o caminho de um desenvolvimento urbano
mais sustentável, economicamente equilibrado, menos agressor ao meio ambiente e socialmente
inclusivo; e, por fim, para que as condições de mobilidade das cidades possam evoluir continuamente,
com apoio e participação de toda a sociedade (BRASIL, 2016a).
De acordo com um estudo do BNDES, a maior parte dos problemas de deslocamento, que prejudicam
a qualidade da mobilidade nas cidades brasileiras, está concentrada em 15 regiões metropolitanas.
Enquanto o tempo médio de deslocamento nessas regiões no trecho casa-trabalho é de 43 minutos
(chegando a aproximadamente 50 minutos nas RMs de São Paulo e Rio de Janeiro), nas demais regiões
metropolitanas é de 27 minutos e, no restante do Brasil, de 23 minutos (BRASIL, 2016a).
81
Unidade II
Podemos compreender que ter qualidade de mobilidade e deslocamento nas grandes cidades se
tornou um desafio para os gestores do século XXI. Também é possível mencionar o quanto nossa saúde
é afetada não somente pela poluição dos veículos motorizados, mas pelos altos ruídos do próprio
movimento dinâmico das cidades. Assim, a interação entre mobilidade urbana e serviço social se pauta
nos direitos e deveres dos usuários nas cidades e também na compreensão dos fenômenos urbanos da
atualidade, que muitas vezes são recortados por leituras dispersas da verdadeira realidade de chão, a
qual o serviço social deve observar, conhecer e intervir.
Podemos citar situações cotidianas que ilustram a multiplicidade das questões sociomateriais dos
usuários da assistência social na dinâmica da mobilidade urbana. Por exemplo: muitos usuários agendam
uma consulta médica na UBS X, mas no dia da consulta não têm recurso para o seu transporte até a UBS.
O problema em si não pode ser considerado como ausência intencional à consulta médica; portanto,
não podemos considerar o problema como falta de acesso à saúde, mas é também uma questão de
renda familiar, pois se relaciona à falta de recurso material para o seu deslocamento. Também podemos
tratar essa questão como problema de transporte, pois há locais que não possuem acesso ao transporte
público para que o deslocamento do usuário possa ocorrer de forma efetiva.
Com relação aos direitos dos usuários no transporte público, temos um tema muito abordado nas
questões de mobilidade urbana por várias categorias. O MCidades (BRASIL, 2013) nos esclarece que:
82
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
E ainda define:
A mobilidade urbana e o serviço social são, sem dúvidas, matérias de aprofundamento constante
no que diz respeito a direitos e deveres. Retratam conflitos, contradições, diferentes interpretações, mas
acima de tudo são áreas de muitas possibilidades e intervenções, que podem ser efetivas se houver um
trabalho profissional com ética e conhecimento das legislações que amparam suas ações, suas relações
profissionais com gestores municipais e estaduais.
Conforme nos lembra Faleiros (1999), a prática profissional só deixará de ser repetitiva e pragmática
se os profissionais souberem vincular as intervenções no dia a dia a um processo de construção e
desconstrução permanente de categorias que permitam a crítica e autocrítica do conhecimento e da
intervenção. Trata-se, portanto, de interpretar o mundo na sua transformação e de transformá-lo na
sua interpretação.
Dessa forma, as intervenções do assistente social na mobilidade urbana demandam uma busca
constante de diferentes saberes e aprimoramentos para atingir o reconhecimento de sua importância
nos processos de mediações complexas. Como essa representação profissional ocupa diferentes áreas
e busca fazer a diferença na realidade, é necessário conhecer o chão do cotidiano, o qual exige uma
interação com novas e diferentes realidades. A diferença não deve ser apenas no discurso, nas ideologias,
mas em ações precisas, direcionadas, coordenadas, planejadas em função de um projeto de sociedade,
dignas de pluralidades sócio-humanas e de múltiplas configurações.
A Lei n. 11.445 (BRASIL, 2007c) estabelece as diretrizes nacionais da Política de Saneamento Básico;
determina o planejamento, a regulação, a fiscalização e o controle social como fundamentais para a
gestão dos serviços; estimula a solidariedade e a cooperação entre os entes federados; define as regras
gerais para a atuação dos prestadores de serviços – público e privado – e dos agentes reguladores; prevê
a obrigatoriedade da elaboração dos planos municipais, regionais e nacional de saneamento básico;
bem como estabelece mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia
das ações programadas para o Plano, em consonância com o Sistema Nacional de Informações em
Saneamento Básico (SINISA) (BRASIL, 2008).
Essa Lei define, entre outros, os princípios da universalização do acesso, da integralidade, da articulação
com outras políticas públicas, da eficiência e sustentabilidade econômica, da transparência das ações
e do controle social, da segurança, da qualidade e regularidade e da integração das infraestruturas e
serviços com gestão eficiente dos recursos hídricos. Estabelece, ainda, as diretrizes da Política Federal de
Saneamento Básico e prevê o PLANSAB.
84
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Assim, a Lei Nacional do Saneamento Básico, entre outras definições, prevê o PLANSAB (BRASIL,
2008), o qual se propôs inicialmente por um Pacto Pelo Saneamento.
O Pacto pelo Saneamento Básico tem o propósito de buscar a adesão e o compromisso de toda a
sociedade por meio dos segmentos representados no Conselho das Cidades (Poder Público, empresários,
trabalhadores, movimentos sociais, ONGs e Academia e Pesquisa), bem como dos prestadores de serviços
e outros órgãos responsáveis pelo saneamento básico, em relação aos eixos, às estratégias e ao processo
de elaboração e implementação do PLANSAB.
buscar os meios possíveis para que seja cumprida a meta de redução pela metade do número de pessoas
sem acesso, em 1990, ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário.
Ademais, o Plano deve definir os canais de participação e controle social sobre a Política Federal de
Saneamento Básico, garantindo o papel central do Conselho das Cidades.
c) Cooperação federativa
O PLANSAB deve buscar o equilíbrio e a integração dos interesses entre as esferas federal, estadual
e municipal com respeito ao pacto federativo da Constituição Federal de 1988.
Para tanto, deve definir canais de cooperação e identificar necessidades e potencialidades nos campos
do planejamento, da gestão, do desenvolvimento institucional, da capacitação e do investimento,
inclusive junto aos prestadores de serviço e demais segmentos do setor. E, ainda, identificar e desenhar
modelos de gestão que garantam esse equilíbrio.
d) Integração de políticas
O PLANSAB deve criar canais que promovam a integração dos diferentes órgãos que atuam no
saneamento básico, no desenvolvimento, na implementação de seus programas e ações e em todas as
modalidades relacionadas ao tema, incorporando as diretrizes da 3ª Conferência Nacional das Cidades
(BRASIL, 2007a). Deve também adotar estratégias e formular instrumentos de integração que considerem
os impactos e efeitos diretos e indiretos em relação às políticas de saúde, ao desenvolvimento urbano e
regional, aos recursos hídricos e ao meio ambiente.
Saiba mais
86
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
e) Gestão e sustentabilidade
Além disso, deve fomentar a cooperação e a assistência técnica para a melhoria da gestão por meio do
desenvolvimento institucional, da capacitação de técnicos, gestores e atores sociais, do monitoramento
e da avaliação do cumprimento das metas e dos impactos das ações e de novas tecnologias na
eficiência da gestão.
Podemos identificar possibilidades de atuação do serviço social nesses cinco eixos citados, pois
muitos relatos de usuários, através dos atendimentos no cotidiano, expõem a ausência de políticas de
saneamento básico (água potável e esgotamento sanitário), principalmente em áreas afastadas dos
centros urbanos, ocupações irregulares, precárias, favelas ou até mesmo nas consideradas zonas rurais.
A realidade é que muitos profissionais que atendem às demandas dessa questão social diariamente, na
maioria das vezes, não recorrem ao trabalho intersetorial e multidisciplinar necessário de planejamento
urbano da cidade onde atuam; ou ao setor de dotação orçamentária, de projetos urbanos, para participar
de conduções estratégicas dessas demandas.
Por isso, é necessário estender essas demandas, que são também da área da saúde, para ações
eficazes no âmbito da assistência social, pois o assistente social também é considerado um profissional
da saúde, segundo Art. 1º da Resolução CFESS n. 383/99 (CFESS, 1999).
Isso nos mostra que a atuação do assistente social é amplamente pertinente na área da saúde, não
apenas nos encaminhamentos necessários, mas na busca por nivelamentos profissionais em diversas
áreas, muitas vezes não desbravadas. Como abordado nos eixos do saneamento básico, busca-se trabalhar
formas para a inclusão social, através da real compreensão das desigualdades sociais e regionais. Essa é
uma das características do SUAS, pois, conforme Koga (2003), os direcionamentos das políticas públicas
estão intrinsecamente vinculados à qualidade de vida dos cidadãos.
87
Unidade II
Portanto, temos como objeto da função social buscar a qualidade de vida da população, que perpassa
por diferentes setores das políticas públicas, pois as expressões da questão social são múltiplas. Devemos
buscar contatos, parcerias, dialogar com diferentes atores, uma vez que nossa categoria defende um
novo projeto de sociedade. Não podemos manter um discurso que nega as reais necessidades da
população. É preciso amplamente cultuar nossas bases profissionais, éticas e técnicas para que possamos
traduzir projetos de gaveta em ações concretas. Conforme apontado por Menicucci (2002) na PNAS
(BRASIL, 2005a):
A atuação do assistente social no âmbito do saneamento básico é considerada uma ação intersetorial.
Para que possamos promover a inclusão social e melhorar a qualidade de vida da população nessa
política pública, temos que nos dispor a enxergar a realidade como ela se mostra no cotidiano para
promover ações coerentes e, acima de tudo, citando a afirmação de Aldaíza Sposati (2008), atender à
necessidade e não o necessitado.
Para que tenhamos a dimensão da atuação do assistente social na política de saneamento básico,
é necessário revisitar também os instrumentos/instrumentais utilizados pelo profissional, como
88
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Tendo em vista as intervenções intersetoriais e as mudanças nas formas como as políticas públicas e
sociais devem ser efetivadas no cotidiano, é possível verificar na Lei n. 11.445 (BRASIL, 2007c), artigo 48,
as diretrizes dessa política em torno de pontos que podem ampliar as expectativas do assistente social
enquanto profissional que pretende superar a fragmentação da sua prática e de velhos paradigmas:
• desenvolvimento científico;
Percebemos que muitos dos objetivos e das diretrizes dessa política de saneamento apresentam
similaridades com alguns princípios que orientam o Código de Ética do Assistente Social (CFESS, 2012)
e podem ser trabalhados de forma conjunta no que se refere ao trabalho intersetorial e ao bem-estar
da população:
90
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Para que o assistente social seja realmente atuante nas diversas áreas, com seu devido reconhecimento,
é preciso deixar de lado a velha ideologia que o põe como profissional excluído de políticas relevantes e
reagir às velhas práticas constituídas, de forma a atuar de fato como categoria profissional, e não como
classe política, o que destoa o seu verdadeiro significado social e profissional.
É preciso atentar para a saúde como uma grande consequência positiva ou negativa do saneamento
básico, ou seja: onde há saneamento básico, há indicadores de saúde melhores; em indicadores negativos,
as ausências se somam a outros fatores que ampliam as questões sociais existentes.
91
Unidade II
• Abastecimento de água às populações, com qualidade compatível com a proteção de sua saúde e
quantidade suficiente para garantir condições básicas de conforto.
No Brasil e em países em desenvolvimento, temos muitos casos de doenças e falta de saúde, pois não
há um saneamento básico que consideravelmente atenda à maioria da população. Consequentemente,
convivemos com índices de saúde que desfavorecem a qualidade de vida de muitos.
Ainda conforme Bovolato (2010), se as condições de saneamento no Brasil fossem mais adequadas,
haveria uma substancial melhoria no quadro de saúde da população. Ademais, o país economizaria
com a construção e manutenção de hospitais e a compra de medicamentos. A Organização Mundial de
Saúde (OMS) define saneamento como o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que
exercem ou podem exercer efeito deletério sobre seu bem-estar físico, mental e social. Pela sua própria
definição, o saneamento é indissociável do conceito de saúde.
Muitas doenças infecciosas e parasitárias têm no meio ambiente uma fase de seu ciclo de transmissão,
como é o caso de uma doença de veiculação hídrica, de transmissão feco-oral. A implantação de um
sistema de saneamento, nesse caso, significaria interferir no meio ambiente, de modo a interromper
o ciclo de transmissão da doença. Além da intervenção em saneamento e dos cuidados médicos,
esse controle da transmissão de doenças completa-se quando é promovida a educação sanitária,
adotando‑se hábitos higiênicos, como a utilização e manutenção adequadas das instalações sanitárias e a
melhoria da higiene pessoal, doméstica e de alimentos (BOVOLATO, 2010).
Não podemos nos esquecer de mencionar o Sistema Único de Saúde (SUS) como uma das políticas
de maior importância no país e que comunga de uma interação com os objetivos definidos na PNMU,
segundo o CFESS (2010).
92
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Ao compreender o SUS como uma estratégia, o Projeto de Reforma Sanitária tem como base o
Estado democrático de direito, responsável pelas políticas sociais e, consequentemente, pela saúde.
Destacam-se como fundamentos dessa proposta: a democratização do acesso; a universalização das
ações; a melhoria da qualidade dos serviços, com a adoção de um novo modelo assistencial pautado
na integralidade e equidade das ações; a democratização das informações e transparência no uso de
recursos e ações do governo; a descentralização com controle social democrático e a interdisciplinaridade
nas ações. O projeto tem como premissa básica a defesa da saúde como direito de todos e dever do
Estado (BRAVO; MATOS, 2001).
Temos que refletir sobre nossa atual condição profissional, sobre nossa capacidade de participação,
mudança, transformação e controle social, discursos tão presentes na literatura do assistente social
e que, numa dimensão prática, permanecem tímidos diante de tantas demandas da realidade da
população, principalmente no que diz respeito à nossa atuação na área da saúde. O CFESS apresenta a
seguinte reflexão:
Necessitamos nos debruçar sobre as avaliações constantes das ações realizadas no campo profissional,
os índices de eficácia e eficiência, além de compreender os indicadores socioambientais, de forma a
buscar onde se faz necessário intervir, dialogar, transformar, atuar, ampliando, assim, uma prática que
efetive o que se pretende enquanto categoria profissional. Tal reflexão nos traz possibilidades de pensar
em inovações no seio da profissão, em reformulações necessárias na formação profissional e, acima
de tudo, dar vida aos fundamentos, princípios, projetos, discursos que por si só não transformam a
qualidade de vida dos usuários.
Apontamos, a seguir, as considerações que o documento Pacto pelo Saneamento (BRASIL, 2008)
define como política de saúde atrelada ao saneamento básico:
Ainda, a Lei de Regulamentação da Profissão n. 8.662 estabelece, no seu artigo 4º, como competências
do assistente social:
95
Unidade II
Acreditamos que há muitas bases legais para atuarmos de forma efetiva, amparados na legalidade
profissional. O que nos falta é ser mais propositivos e inovadores, conforme demanda a realidade social.
Foi sancionada em 2020 a Lei n. 14.026 (BRASIL, 2020b), concebida como o Marco Legal do
Saneamento Básico, considerando que hoje, no país, 35 milhões de pessoas não têm acesso à água
tratada e mais de cem milhões não contam com serviços de coleta de esgoto. A meta, com o Marco,
é garantir o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% com tratamento e coleta
de esgoto até 31 de dezembro de 2033 (BRASIL, 2020a).
98
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
99
Unidade II
Podemos concluir que é necessária a retomada dos investimentos, além da melhoria na governança
das organizações do setor, um planejamento consistente dos recursos a serem investidos, para que o
quadro atual possa ser revertido em uma melhor qualidade do setor no país.
100
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
A partir de 2003, a integração urbana dos assentamentos precários passou a se efetivar como um
dos eixos prioritários das políticas públicas habitacionais e urbanas, consolidando, no âmbito nacional,
uma orientação que já vinha sendo adotada por governos municipais e estaduais ao longo da década de
1990. Concorreram para tanto: a criação do MCidades e do Conselho das Cidades em 2003; a aprovação
da nova PNH em 2004; a institucionalização do SNHIS e do FNHIS em 2005; e, em especial, o lançamento
do PAC Urbanização de Favelas em 2007 (BRASIL, 2010).
A expressão assentamentos precários (BRASIL, 2010) foi adotada pela nova PNH de forma a englobar,
numa categoria de abrangência nacional, o conjunto de assentamentos urbanos inadequados ocupados
por moradores de baixa renda, incluindo as tipologias tradicionalmente utilizadas pelas políticas públicas
de habitação, tais como cortiços, loteamentos irregulares de periferia, favelas e assemelhados, bem
como conjuntos habitacionais degradados.
Os assentamentos precários são, portanto, porções do território urbano com dimensões e tipologias
variadas, que têm em comum:
Conforme relata Silva (2002), a favela “é definida pelo que ela não é ou pelo que não tem”. Isso
significa que a favela é a manifestação popular ou de projetos estatais de reordenamento do espaço
urbano que alteram substancialmente a paisagem das cidades, mas também esbarram nas características
101
Unidade II
de um sonhado espaço formal. Ainda conforme Silva (2002), “a favela é apreendida como um espaço
destituído de infraestrutura urbana – água, luz, esgoto, coleta de lixo, sem arruamento, globalmente
miserável, sem ordem, sem lei, sem regras, sem moral, enfim, expressão do caos”.
Citamos Foucault (2014, p. 212), que ilustra bem o ordenamento do caos, conforme alguns
compreendem as favelas:
Seria preciso fazer uma “história dos espaços” – que seria o mesmo tempo
uma “história dos poderes” – que estudasse desde as grades estratégias da
geopolítica até as pequenas táticas do habitat, da arquitetura institucional,
da sala de aula ou da organização hospitalar, passando pelas implantações
econômicas-políticas. É surpreendente ver como o problema dos espaços
levou tanto tempo para aparecer como problema histórico-político.
Portanto, é possível afirmar que toda sociedade funciona por mecanismos de ordenamento
determinados, que são o arranjo de espaço (MOREIRA, 2002). Isso significa que, no caso específico
das favelas, é notória a ausência do Estado-nação desde o início da história na geografia das terras
brasileiras e, consequentemente, das favelas, pois os latifúndios, a economia e os monopólios eram
prioridades, não o ordenamento territorial.
Como já vimos, o espaço vai muito além do lugar onde se mora ou se abriga; o espaço se constitui
de uma dialética dinâmica da vida em sociedade, de um aspecto histórico-político-econômico dentro
do mundo geográfico intenso das divisas, que são determinantes das localizações, das distribuições
e dos valores de espaços. A localização das favelas se constitui como espaço legítimo a partir da
noção de apropriação, mas ao mesmo tempo não está regulada juridicamente devido à ausência de
documentação de posse, sendo considerada pelo próprio Estado como subnormal, conforme conceitua
o IBGE (2019, p. 8):
É importante ressaltar que o espaço é o lugar onde o sujeito reside, mora, convive, constituído pelo
sentimento de pertencer.
102
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Até 1930, na primeira etapa desse processo, predominava a ideia de que, numa economia de mercado,
a provisão habitacional deveria resolver-se no âmbito da iniciativa privada, e o cortiço surgiu como a
principal resposta da sociedade brasileira às demandas habitacionais do proletariado (VILLAÇA, 1986).
O cortiço tradicional é basicamente uma moradia alugada, estruturada como habitação coletiva,
constituída por cômodos resultantes da subdivisão de edificações antigas e deterioradas, com
instalações sanitárias de uso comum. O superadensamento e a insalubridade dos cortiços – entendidos
como ameaças de epidemias que conflitavam com os objetivos das intervenções de embelezamento
e remodelação urbana desenvolvidas no período – levaram às primeiras ações de remoção maciça de
moradias populares das áreas urbanas centrais (VILLAÇA, 1986).
As primeiras favelas surgiram, assim, associadas à destruição de um grande número de cortiços, por
volta de 1900, em cidades como Rio de Janeiro e Recife. De acordo com Abreu (2006), as favelas do Rio
de Janeiro têm sua origem relacionada à questão do alojamento de soldados, enfrentada pelo governo
durante os primeiros anos da República.
Em 1893, foi autorizada, no morro de Santo Antônio, a construção de alguns galpões de madeira
para alojamento, e, em 1897, soldados retornados da campanha militar de Canudos começaram a ocupar
o Morro da Providência, onde já havia um núcleo de barracos, construídos por famílias despejadas de
um cortiço. Por algum tipo de analogia entre o Morro da Providência e a paisagem de Canudos, esse
assentamento começou a ser chamado de Morro da Favela, fazendo referência a uma espécie de arbusto
da Caatinga, muito abundante no sertão de Canudos (ABREU, 2006).
103
Unidade II
Consideradas como solução provisória e ilegal, as favelas foram ignoradas pelas políticas urbanas da
Primeira República, mas, a partir de 1930, essa postura começou a ser questionada por diversos setores
da sociedade, que cobravam do governo uma política de construção de casas operárias higiênicas,
levando à aprovação de leis que proibiam a construção de novas moradias em favelas, bem como a
intervenções pontuais de erradicação de favelas e mocambos, associadas ou não à construção de vilas
operárias e a programas de assistência social (ABREU, 2006).
Na década de 1940, diante do crescimento das reivindicações pelo aumento da oferta de moradias,
o governo resolveu interferir no mercado de aluguéis por meio do tabelamento de preços e controle
dos despejos. Os efeitos imediatos dessas medidas foram o desaparecimento dos empreendimentos
privados destinados ao aluguel residencial e o agravamento da crise habitacional, ao mesmo tempo que
se afirmava o modelo da casa própria (LAGO; RIBEIRO, 1996).
No que diz respeito às famílias de baixa renda, esse modelo traduziu-se numa nova forma de
precariedade habitacional: os loteamentos irregulares de periferia, associados à autoconstrução
da casa própria. Os lotes baratos multiplicaram-se pelas periferias urbanas sem incorporar qualquer
infraestrutura, justamente para serem o mais barato possível – enquanto as prefeituras editavam leis
urbanísticas que não eram aplicadas nos assentamentos populares, e os governos estaduais e federal
fechavam os olhos para a questão (VILLAÇA, 1986).
Por trás da aparente benevolência do poder público, vigorava uma espécie de acordo, não explicitado,
entre o Estado e o capital industrial, por meio do qual se promoviam condições excepcionais para a
industrialização, retirando a parcela relacionada ao preço da moradia do custo de reprodução da mão
de obra (BONDUKI, 1998).
Paralelamente, e também como consequência das condições em que se dava a urbanização do país,
favelas, mocambos, palafitas e assemelhados se multiplicavam no Rio de Janeiro, em Recife, Salvador,
São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e demais cidades integradas ao processo de industrialização.
A atuação do poder público em relação à questão se mantinha errática, oscilando entre a permissividade
e a continuidade de alguns programas de erradicação e/ou assistência social (BONDUKI, 1998).
Apenas na década de 1950, quando a Igreja Católica começou a atuar de forma mais organizada junto
às favelas do Rio de Janeiro, surgiram as primeiras propostas de implantação de redes de infraestrutura
e de construção de novas moradias nesses núcleos, com a participação da população local. Pioneiras
no sentido de superar o binário tolerância-erradicação, tais propostas apontavam a alternativa de
urbanização das favelas, que foi institucionalizada pela primeira vez no Brasil em 1956, com a criação
104
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
do Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-Higiênicas (SERFHA) pelo governo do
Distrito Federal, sem produzir resultados concretos.
Na década seguinte, de 1950 a 1960, o trabalho do assistente social no campo urbano apresentou
particularidades sob influências que vão da perspectiva funcional, caracterizada pelas respostas
paliativas, paternalistas e burocratizadas do segundo período do governo Vargas, ao ideário da concepção
desenvolvimentista do governo Kubitschek, no atendimento individual no campo da previdência e
assistência social, ainda que, conforme Vieira (1983), houvesse orientações governamentais para buscar
respostas às famílias de trabalhadores com relação à moradia. A direção da intervenção pública, no início
da década de 1960, em tempos de intenso processo de urbanização e de pouca produção de moradias
para a classe trabalhadora, estava na repressão, no controle, na omissão e na exclusão (SILVA, 1989).
Não por acaso, os primeiros censos de favelas datam da mesma década, revelando as seguintes
totalizações: no Rio de Janeiro (1950), 58 favelas com 169,3 mil moradores; em Porto Alegre (1951),
56 favelas com 54,1 mil moradores; em Belo Horizonte (1955), 9,3 mil barracos com 36,4 mil moradores;
e, em São Paulo (1957), 141 favelas e 8,4 mil barracos com 50 mil moradores.
Em 1964, no início da ditadura militar, com a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH) e
do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), surgiu a primeira iniciativa do governo brasileiro destinada
a enfrentar a questão habitacional por meio de uma política nacional, totalmente estruturada, com
objetivos, desenho institucional, instrumentos e recursos específicos. Naquele momento, a criação do
sistema BNH/SFH visava a dois objetivos: por um lado, oferecer respostas às reivindicações organizadas
e conquistar o apoio popular; por outro, criar uma política permanente de financiamento capaz de
estruturar o setor da construção civil habitacional em moldes capitalistas (BONDUKI, 2008).
O segundo objetivo acabou por prevalecer, em função dos vultosos recursos que foram disponibilizados
para o BNH/SFH, a partir da criação do FGTS em 1967. Apesar das muitas inovações, dos recursos
mobilizados para o setor e de uma significativa produção habitacional (ARRETCHE, 1990), o novo
sistema apresentou, em relação à moradia popular, problemas semelhantes aos do mercado imobiliário
privado: os financiamentos não alcançavam os grupos de menor renda, que continuavam promovendo
o crescimento das favelas e dos loteamentos precários nas periferias.
Nesse sentido, a produção de habitações de interesse social, com recursos e instrumentos viabilizados
pela política estatal, acabou reproduzindo e ampliando a estratégia de localização dos loteamentos
clandestinos e irregulares de periferia, gerando novas situações de precariedade habitacional e urbana
(BRASIL, 2010).
105
Unidade II
O ano de 1979 constituiu um marco importante para a história dos loteamentos irregulares
(ou clandestinos) de periferia, em função da aprovação da Lei Federal n. 6.766 (BRASIL, 1979), que
disciplina o parcelamento do solo urbano. Além de criminalizar as atividades dos loteadores clandestinos,
a nova lei estabeleceu parâmetros urbanísticos para a aprovação dos novos parcelamentos do solo
urbano e agravou de modo significativo as exigências para a regularização desses empreendimentos
(BRASIL, 2010).
Considerando que, na maioria dos casos, o traçado urbano dos loteamentos irregulares populares
não atendia às exigências da nova lei, seus efeitos foram de prolongar a situação de precariedade
urbanística existente e contribuir para o crescimento das favelas, pois, com a criminalização dos
loteadores clandestinos, reduziu-se a oferta de loteamentos irregulares populares (BRASIL, 2010).
Ao mesmo tempo, os problemas de moradia tornavam-se mais dramáticos, agravados pela crise
econômica e pelo empobrecimento da população, marcando as décadas de 1980 e 1990. Com a extinção
do BNH (1986) e a drástica limitação da oferta de recursos federais para programas habitacionais e
uranos, os governos municipais e estaduais começaram a buscar soluções alternativas, utilizando recursos
orçamentários próprios e assumindo contratos de financiamento junto a organismos internacionais.
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POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
A luta pela regularização fundiária de favelas e demais assentamentos precários, que integrava
a pauta do Movimento de Reforma Urbana, teve continuidade após a aprovação do Capítulo de
Política Urbana da Constituição Federal de 1988, pois a maior parte dos instrumentos aprovados exigia
regulamentação para serem aplicados.
A partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades do Conselho das Cidades e a aprovação
do SNHIS e FNHIS, foi concluído o arcabouço legal e institucional necessário para a implementação da
nova PNH, aprovada em 2004.
O PLANHAB detalhou metas, instrumentos, articulação entre agentes, fontes de recursos, tipologias
de atendimento, grupos de demanda, linhas programáticas, formas de financiamento e de subsídio,
mecanismos de monitoramento, entre outros aspectos da política, a partir de um diagnóstico participativo
e abrangente.
Após mais de um século de urbanização acelerada marcada pelo crescimento dos assentamentos
precários como solução hegemônica de moradia popular, o desenho da PNH passou a incluir a necessidade
de subsídios públicos para viabilizar a moradia urbana da população de baixa renda, bem como a prioridade
para a integração urbana dos assentamentos precários, mediante o desenvolvimento de programas
articulados entre os três níveis de governo e participação da sociedade civil. Conhecer o universo dos
assentamentos precários para planejar e executar essa política tornou-se uma necessidade inadiável.
O COTS é reformulado em 2012, ampliando o escopo das normativas nas orientações dos
programas MCMV e do PAC, em pleno processo de reformulação da IN 8, finalizado em 2014, com
a publicação do Manual de Instruções do Trabalho Social nos Programas e Ações do Ministério das
Cidades, pela Portaria 21, de 22 de janeiro de 2014. O discurso de setores governamentais foi o de
atender aos desafios que o programa coloca, de qualificação do repertório de ação, sustentabilidade
e fortalecimento de capacidades institucionais, para a realização do trabalho social em escala. Com
a publicação do Manual de Instruções, alteram-se, assim, os valores dos recursos assegurados para o
trabalho social (CFESS, 2016).
107
Unidade II
Lembrete
Para dar início a essa temática, é importante definirmos alguns conceitos. Quando falamos de
segregação socioespacial, trazemos à tona a questão de intensas desigualdades socioespaciais,
econômicas e políticas.
Pensar o urbano através da organização espacial das classes sociais nos reporta
a inúmeros problemas de ordem social, econômica, política e ideológica.
Dentre eles, destacam-se: pobreza, miséria, violência, degradação ambiental
e social, exclusão, desemprego, falta de moradia, favelização, periferização,
segregação, insuficiência de transporte adequado, entre outros.
Frequentemente, é um desafio para o assistente social não somente realizar uma abordagem pessoal
e/ou familiar efetiva, mas também utilizar uma interpretação socioespacial frente às expressões da
questão social, no que tange a condição do sujeito no território; ou seja, a complexidade da sociedade
atual face à questão da habitação leva-nos a buscar entender a produção e a separação entre as classes
sociais nas cidades, separação não só espacial, mas social (NEGRI, 2008).
Tal segregação se torna imperativa nas grandes e pequenas cidades através da renda, do tipo de
ocupação e do nível educacional, pois o espaço urbano é resultado da produção e reprodução da vida
no território. Por isso, acreditamos que:
cada vez mais a cidade é lugar de atuação dos agentes de produção do espaço.
Uma vez humanizados, esses espaços refletirão na sua arquitetura e na sua
organização o padrão de desenvolvimento da complexidade das relações
sociais. Este padrão ocorre por meio da segregação socioespacial, também
denominada de segregação residencial da sociedade, principalmente por
meio da diferenciação econômica (NEGRI, 2008, p. 130).
Para a PNAS (BRASIL, 2004a), compreender o espaço partindo da premissa de conhecer o território
onde as demandas se apresentam e assim construir ações e estratégias efetivas tem sentido porque
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POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
muitos dos resultados das ações da política de assistência social impactam em outras políticas sociais e
vice-versa. É imperioso construir ações territorialmente definidas juntamente com essas políticas.
À luz das ideias inovadoras de Milton Santos (1986) da importância da interdisciplinaridade, nota‑se,
por exemplo, um grande número de disciplinas sociais que investigam o mesmo objeto de estudo,
ignorando umas às outras, trabalhando com seus próprios métodos e criando sua própria metodologia,
muito distante de uma integração.
Diante do novo, identificamos que a segregação socioespacial ocorre porque a camada de mais
alta renda, ao consumir e valorizar de forma diferenciada o espaço urbano, produz a segregação
socioespacial. É preciso ressaltar que é a existência da segregação socioespacial que permite à classe
dominante continuar a dominar o espaço produzido segundo seus interesses. Somente a separação das
classes sociais no espaço pode agir como instrumento de poder para a classe alta (NEGRI, 2008).
Parafraseando Castells (1983), a segregação social visa, portanto, à reprodução das forças de trabalho, e
esses processos são sempre interligados e articulados com a estrutura social. Assim, a cidade torna‑se
expressão materializada da atuação da sociedade no espaço geográfico, através de um ambiente
físico construído.
Moreira (2002) afirma que a produção e reprodução do espaço não podem ser vistas apenas
como um ato dos dominantes, uma vez que os dominados têm também sua intervenção. Essa é a
característica maior da dinâmica espacial das sociedades: são os conflitos da sociedade civil – uma
totalidade diferenciada e contraditória – a força que responde pela modelagem do espaço.
109
Unidade II
Segundo Negri apud Marcuse (2004, p. 131), historicamente, existe um padrão geral de segregação
das classes sociais, que podemos dividir da seguinte maneira:
As divisões ocorridas nos territórios, a dinâmica socioespacial das moradias, dos grandes investimentos
de capitais e obras, a forma de apropriação do território e de lugar pela sociedade nos remetem ao
que se pode considerar segregação socioespacial. Há, nas considerações sobre segregação, os espaços
da ordem e os espaços da desordem das coisas, mas, conforme Maricato (2000), não é por falta de
planos urbanísticos que as cidades brasileiras apresentam problemas graves. Não é também devido à má
qualidade desses planos, mas porque seu crescimento se faz ao largo dos planos aprovados nas câmaras
municipais, que seguem interesses tradicionais da política local e grupos específicos ligados ao governo
de plantão. O resultado é: planejamento urbano para alguns, mercado para alguns, leis para alguns,
modernidade para alguns e cidadania para alguns. Isso nos faz compreender que, historicamente, as
cidades (espaços intra-urbanos), desde suas primeiras configurações, se desenvolveram num processo
de troca de favores e interesses particulares de muitos gestores públicos.
Quanto à fragmentação espacial, Negri apud Villaça (2007, p. 131) aponta o papel do Estado, sua
articulação e sua relação de subordinação com a classe dominante, e destaca três esferas de controle da
produção e consumo do espaço urbano por essa classe:
Quanto às fragmentações territoriais, explica Souza (1995), territórios existem e são construídos
(e desconstruídos) nas mais diversas escalas, da mais acanhada (uma rua, por exemplo) à internacional
(por exemplo, a área formada pelo conjunto dos territórios dos países-membros da OTAN); territórios são
construídos (e desconstruídos) dentro de escalas temporais as mais diferentes (séculos, décadas, anos,
meses ou dias); territórios podem ter um caráter permanente, mas também podem ter uma existência
periódica, cíclica. Isso nos permite analisar que o território é a concretização do espaço a partir das
relações sociais, econômicas e políticas. Portanto, conforme afirma Haesbaert (2009, p. 105):
Diante de nossas reflexões, podemos apontar que a segregação socioespacial está enraizada no
processo de divisão territorial, entendida como direito à propriedade de valor e usufruto da terra. Está
também relacionada com a exploração do território como oportunidade de grandes investimentos
e lucros. Ainda, está atrelada às configurações existentes nos espaços como apropriação de lugar.
A dinâmica socioespacial é criada pelo Estado, pelo capital imobiliário, mas também pela própria
sociedade em sua dinâmica de movimentos, pela geografia dos espaços e pela dinâmica da vida de cada
um. Por isso, o fenômeno de segregação socioespacial ocorrido nas cidades pode ser compreendido
como o chão concreto das políticas, a raiz dos números e a realidade da vida coletiva, como diz Koga
(2003). Para a autora:
O território é elemento que atua com outros agentes na produção social de realidades coletivas.
A grandiosidade do território pode constituir processos emancipatórios, mas pode atuar também na
mesquinhez de preconceitos e apartações sociais que provocam erosões nos padrões de civilidade
(KOGA, 2005).
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POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Apesar das variações nos contextos culturais e ambientais e nos arranjos de relações entre agentes que
produzem esses contrapontos, as clivagens provocadas pelos processos de exclusão social persistem em
todas as cidades brasileiras, em maior ou menor grau. Esse fenômeno manifesta-se também em escalas
regionais. As definições dessas escalas compartimentalizam processos de territorialização que produzem
e transformam os lugares. Tais escalas são determinadas pela compartimentação das articulações
dinâmicas entre ações sociais e políticas, levadas a cabo por diversos sujeitos coletivos, que constituem
e são constituídos pelo território. As escalas não estabelecem tamanhos físicos. Estabelecem níveis de
complexidade produzidos por essas dinâmicas e interações entre sujeitos coletivos (KOGA, 2005).
Diante dos problemas gerados socialmente pelas ausências e pela reprodução de desigualdades,
o Estado, na sua concepção neoliberal, implanta políticas públicas muitas vezes paliativas para os
problemas que são pontuais e que demandam um trato eficaz na operacionalização e nos resultados
esperados pela população. Aqui, o Estado é entendido como o conjunto de instituições, suas relações
nacionais e internacionais, suas concepções, responsável pela condição social da população nacional.
Ademais, sabe-se que a ação regulatória do Estado tende a ser em prol das relações capitalistas e não
do bem comum nacional.
Entendemos, assim, que o processo de exclusão gerado pelo sistema capitalista é partilhado pelo
próprio Estado na sua função regulatória em todas as instâncias (estados e municípios). Assim, segundo
Zaluar (1997, p. 1), “a exclusão como manifestação de injustiça (distributiva) se revela quando as pessoas
são sistematicamente excluídas dos serviços, benesses e garantias oferecidos ou assegurados pelo Estado,
pensados, em geral, como direitos de cidadania”.
Com a exclusão dos direitos sociais, a assistência social se apresenta para amenizar as acirradas
desigualdades existentes disponibilizando mecanismos de reinserção através do SUAS por meio da
gestão compartilhada. Com o pacto federativo, em tese, cada município, estado e federação assume
sua responsabilidade e desempenha seu papel no intuito de amenizar as desigualdades geradas. Por
outro lado, na reflexão de Zaluar (1997), as políticas públicas deveriam se ocupar de prevenir a exclusão
113
Unidade II
mais do que reinserir os excluídos; de criar uma sociabilidade positiva mais do que remediar a negativa,
embora no quadro de crise atual o oposto tenha que ocorrer na política de reinserção.
Nessa arena conflitante, daquilo que deveria ser e do que realmente existe, a política social de
assistência social propõe mediar formas de inclusão social imbuída de significados e conceitos de fundo
social, histórico, político, ideológico, cultural e econômico. Esses conceitos são derivados de legislações,
normas, documentos pautados através de diferentes paradigmas, discussões, consensos e dissensos
acerca do processo de construção de uma política pública que promove o SUAS na sociedade brasileira
focado numa unidade de ação que concebe o território como elemento que agrega significados no
processo de planejamento e operacionalização da política de assistência social numa dimensão nacional
a partir da vida cotidiana local.
Essas legislações propõem diretrizes para a efetivação da política de assistência social, pautada no
território como base de organização na oferta dos programas, projetos e benefícios sociais.
Nesse movimento de inclusão a outras políticas públicas, o SUAS traz a necessidade de estabelecer
parcerias e cooperação com profissionais que atuam em outras áreas/instituições/órgãos, numa
articulação intersetorial que também se configura a partir do trabalho de rede na complementaridade
das intervenções políticas e técnicas.
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POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
O SUAS trabalha na coleta de dados e na leitura desses dados existentes no território através do
sistema de gestão da informação, monitoramento e avaliação. Esse conteúdo será exemplificado nesse
estudo para que possamos entender a dimensão da coleta e dos subsídios que são gerados a partir
da retroalimentação desses dados pelos municípios onde há os Centros de Referência de Assistência
Social (CRAS), que são responsáveis, entre outras atribuições, por realizar diagnósticos socioespaciais
do território com a finalidade de identificação de demandas a serem trabalhadas. Esses diagnósticos
são realizados pelos CRAS para gerenciar e executar as ações de proteção social básica no território
referenciado de acordo com o porte do município, em áreas de maior vulnerabilidade social e conforme
os critérios estabelecidos da NOB/SUAS (2005).
Após a aprovação da PNAS e seu redesenho, tanto na implantação orgânica do SUAS, em 2004,
quanto nas concepções de se relevar o território como eixo estruturante da gestão dessa política,
precisamos entender de forma operacional o significado da territorialização para esse novo conceito de
política social e pública.
Conforme Santos (2007, p. 13), “o território é o lugar onde desembocam todas as ações, todas
as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem
plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência”.
A frase anterior usada por Santos ainda traz uma intensidade de vínculo do homem com o território,
quando afirma que “o território usado é o chão mais a identidade”. Isso nos ajuda a compreender que o
espaço natural e modificado das coisas perpassa pelo território em sua gênese natural e, principalmente,
115
Unidade II
pela apropriação e intervenção dinâmica do homem sobre ele. Portanto, “a identidade é o sentimento de
pertencer aquilo que nos pertence” (SANTOS, 2007, p. 14).
Vale a pena ressaltar que, para o planejamento e execução de intervenções da política de assistência
social, a NOB/SUAS (2012) apresenta, no item V, as seguintes orientações: “respeitar as diversidades
culturais, étnicas, religiosas, socioeconômicas, políticas e territoriais” (p. 16); e, no item VI: “reconhecer
as especificidades, iniquidades e desigualdades regionais e municipais no planejamento e execução das
ações” (p. 16).
É importante analisarmos o significado das desigualdades sociais quando nos reportamos ao território
como identidade. Também é necessário tratar o território como “fundamento do trabalho; o lugar da
residência; das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida”, conforme nos apresenta Santos
(2007, p. 14). A vida cotidiana se apresenta no âmbito da assistência social numa interpretação material
concebida por Winston Churchill: “Primeiro fazemos nossas casas, depois nossas casas nos fazem”.
Podemos enfatizar que esse espaço de morada não significa apenas o espaço de propriedade de um
bem material, mas um espaço de relações cotidianas, de privacidade, direito atribuído a todo cidadão
brasileiro. Sem acesso ao espaço de moradia e às mínimas infraestruturas que a tornam adequada,
não há condição de existir a concepção de lar para estabelecer as relações sociais e familiares. Há, sim,
incertezas que permeiam até mesmo os mínimos direitos como ser humano.
Na identificação das necessidades sociais, tendo o território como base, a NOB/SUAS (2005, p. 17)
traz a seguinte referência:
disponibilizado no território. Esse acesso traz não a concepção de centralidade, mas a de referenciar as
desigualdades existentes num determinado território para um diagnóstico pertinente em localizar as
demandas existentes que possam ser alcançadas pela PNAS. Do contrário, novamente estaremos apenas
apresentando um discurso distante da realidade e de sua concretização no âmbito da assistência social.
Segundo Brisola (2011, p. 8), o SUAS “exige do profissional a formação continuada, além de uma
prática com dimensão investigativa, no intuito de desvelar as formas de vida cotidiana das famílias para
desenvolvimento de uma prática interventiva qualificada, com vistas à sua autonomia e emancipação”.
Portanto, trabalhar a política social tendo como base o território demanda atividade profissional,
investigações e intervenções qualificadas, de modo que os profissionais possam potencializar suas
intervenções práticas no território, favorecendo as transformações necessárias para a inclusão social
como direito e, acima de tudo, a dignidade humana.
Ao se tratar do território como elemento que fundamenta a política de assistência social, leva-se
em consideração as condições de vida da população identificada num determinado território (cidade,
bairro, comunidade, região) por um processo de indicadores geográficos e sociais.
Segundo Koga (2005, p. 71), “cada cidade expressa concretamente, no seu cotidiano, as mais
diferentes desigualdades sociais. Estas desigualdades vão além da classificação dos municípios e das
cidades segundo os maiores e menores graus de pobreza e indigência de suas populações”. Koga ainda
enfatiza que:
Entre outros aspectos abordados pela concepção de território do SUAS, os aspectos demográficos
são elementos que fundamentam a contribuição da territorialização para as intervenções. A PNAS
(BRASIL, 2004a, p. 11) traz referência de que:
Portanto, pode-se entender que os fundamentos que estabelecem o território como estrutura
organizativa da materialização da política social buscam sedimentar que “a questão central a ser
considerada é que esse modelo de desigualdade do país ganha expressão concreta no cotidiano das
cidades, cujos territórios internos (bairros, distritos, áreas censitárias ou de planejamento) tendem a
apresentar condições de vida também desiguais” (BRASIL, 2004a, p. 13).
Pautando na questão das condições desiguais de vida, Santos (2007, p. 17) afirma que “o território
também pode ser definido nas suas desigualdades a partir da ideia de que a existência do dinheiro
no território não se dá da mesma forma”, ou seja, não é possível entender os recursos e as formas
de controle disponíveis para viabilizar os direitos sociais através da assistência social se não tivermos
uma compreensão apurada sobre questões da economia local/global, que consequentemente trazem
consequências cotidianas, geralmente aos que são menos favorecidos pelas políticas sociais de um
Estado mínimo e, na maioria das vezes, paliativo frente às questões sociais.
Muitas vezes, é comum olharmos o Estado de direitos como algo distante e abstrato do cotidiano
do serviço social, pois as macro decisões interferem no cotidiano da população: a ausência de uma
política fiscal que possa gerar um processo mais equânime de sociedade, a escassez de uma gestão
social adequada para os recursos das políticas sociais, entre tantas variáveis que necessitam de
aprimoramento. Considera-se também a pior de todas, que desconstrói a vida e a identidade de um
país: a corrupção institucionalizada, ou seja, o veneno que degrada a dignidade humana e a garantia
dos direitos sociais no país.
Assim, ainda conforme Santos (2007, p. 17), “o comando se dá a partir do dinheiro global. Esse fluído,
que também invisível, um dinheiro tornado praticamente abstrato, um dinheiro global e um dinheiro
118
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
despótico. [...]. É um dinheiro sustentado por um sistema ideológico”. Essa ideologia não é algo que está
para dispor sua funcionalidade para o bem de todos, mas justamente o contrário; torna-se o símbolo
que descaracteriza sua própria funcionalidade em benefício de alguns e catástrofe para a maioria.
As ações que embasam a política de assistência social na atualidade estão, portanto, atreladas a
uma complexidade de fatos, repercussões, diferentes realidades, diferentes estruturas, pensamentos
e, principalmente, ideologias. Como traz Morin (2008, p. 199), “pensar a complexidade [...] é o maior
desafio do pensamento contemporâneo, que necessita de uma reforma no nosso modo de pensar”. Não
apenas pensar no sentido cognitivo de fazê-lo, mas na necessidade de profundas reflexões e práticas
que alcancem os objetivos perdidos por excesso de vaidade, ego, ideologias vazias, como ainda explica
Morin (2008, p. 206):
Conforme nos apresenta o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2013, p. 30), a questão
territorial está associada ao desenvolvimento e à redução significativa de desigualdades no território e
do território. Assim:
119
Unidade II
Entendemos que se trata de uma complexidade que amplia as questões sociais a serem tratadas no
âmbito da assistência social, mas que, sem a parceria com outras políticas setoriais, sem o entendimento
de que o lugar das coisas são os lugares onde estão as pessoas, faremos em vão mudanças sem ação.
É necessário buscarmos por um nivelado tratamento de realmente fazer o caminho de reduzir na prática
tais desigualdades, ou então voltaremos a um discurso ideológico, sem efeitos no que deve ser feito
(e não apenas proposto).
Com vistas a estender nossa reflexão em torno da leitura do território a partir do SUAS, buscamos
interpretar as possibilidades de uma dinâmica socioterritorial, em que se encontram disponibilizados
os serviços a serem prestados por essa política pública, focada no princípio de territorialização, tratado
como eixo dessa discussão.
Conforme Milton Santos (2000, p. 122), “territorializar é construir e reconstruir sem cessar pelo
comportamento do ator social, materialmente e em suas representações: pelo indivíduo e seu grau
de poder ou de influência; para o indivíduo é uma alquimia entre o pessoal e o coletivo, onde nosso
aparelho cognitivo não pode inventar tudo”.
Um fator relevante a ser considerado pelos trabalhadores sociais é a análise de dados da aproximação
com a realidade. O estudo dos dados coletados pela assistência social em cada município deve ser
amplamente trabalhado, possibilitando um diagnóstico detalhado e preciso para o planejamento de
diversas ações intersetoriais e complementares. Isso demanda trabalhar uma nova postura profissional
no trato da integração de conhecimento e novo paradigma do trabalho em rede, trabalho em rede
entendido como a soma de atuações de diversas áreas para que as ações desenvolvidas busquem aportar
uma forma de adequação às demandas existentes, sem considerar a fragmentação das intervenções no
campo das políticas públicas, pois essas são intrinsecamente correlacionadas em sua existência.
No âmbito das relações sociais e da gestão dos serviços ofertados, entendemos que somente a partir
da prática das ações do SUAS em cada município é que podemos referenciar a região como espaço de
integração sociopolítica, pois “novas situações se acumulam ou se dispersam dentre os territórios que
compõem uma cidade, pelo próprio processo de especulação fundiária e de péssima redistribuição de
bens e serviços públicos” (KOGA, 2003, p. 30).
Completando a concepção de estabelecer o território como base para trabalhar a oferta de políticas
sociais, é importante considerar, conforme Campos (2005, p. 59), que, para o SUAS, “o território está
vinculado não apenas à noção de propriedade da terra, como a ideia de poder e posse podem sugerir,
120
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
mas à sua apropriação, associada ao controle por parte das instituições ou grupos sociais sobre um dado
segmento do espaço”. Isso significa uma apropriação considerada como múltiplas formas de ocupação
numa base geográfica da existência social nas diversas formas de expressão das relações entre cidadãos
e desses com o espaço vivido. Conforme Koga (2003, p. 30):
Olhar para além das condições de vida das populações significa considerar
também, suas potencialidades. Por entre imagens e mapas, medidas de
lugares e entre lugares se encontra o desafio de melhor conhecer as cidades
para melhor intervir no chão onde tudo acontece, onde se evidenciam
as necessidades e afloram as potencialidades, onde se dão as relações do
âmbito privado e público, onde os homens se encontram.
Para conduzir um banco de dados que seja adequado ao planejamento e à gestão da assistência,
o ordenamento de dados do SUAS e a própria gestão dessa política no território dependem do
aprimoramento dos sistemas criados ao longo desses anos e efetivados pela Secretaria de Avaliação e
Gestão da Informação (SAGI). Por isso, a gestão de informação, monitoramento e avaliação dos dados
para intervenção dos trabalhadores do SUAS conta com o sistema REDESUAS e SUASWEB.
Lembra-se de que cada um desses subsistemas e aplicativos têm seus conceitos, objetivos,
competências e são alimentados pelas informações obtidas no trabalho cotidiano dos municípios,
estados e monitorados pela instância federal.
mais aproximada da realidade quanto como uma constante inovação de técnicas e estratégias para a
efetivação de uma ação.
• Enfoque na relação convenial entre gestores, implicando burocracia, demora e atraso no repasse
de recursos, falta de autonomia na gestão por parte dos municípios e estados.
Mesmo havendo muito empenho em estabelecer um sistema de gestão que evidencie uma estrutura
regulatória das atividades e intervenções do SUAS, é preciso reconhecer que há necessidade de
corresponder às demandas que são produzidas pela ausência de outras políticas públicas, devendo-se
122
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
ampliar a agenda dos direitos sociais e evidenciá-los como norma, não como condicionalidade. Para
isso, é necessário fortalecer o pacto federativo nas intervenções políticas e técnicas da gestão partilhada
trazida pelo SUAS.
Nesse processo de normatização, a NOB/SUAS (2005, p. 6) prevê que a “providência essencial para a
regulamentação do novo modelo é precisamente a revisão das bases operacionais legais por meio das
quais se efetua o financiamento, o repasse de recursos, a gestão, o controle e as competências entre os
três entes federados”.
A política de assistência social, como direito e necessidade de justiça social, tem como finalidade
promover o bem-estar e a justiça social. É partilhada no artigo 6º da Constituição de 1988, que elenca
como direitos sociais “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988).
Nos termos da Constituição de 1988, a dignidade humana constitui um de seus objetivos fundamentais,
enfatizada pelo artigo 3º, que dispõe como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
A assistência social, de acordo com a Constituição de 1988, passou a ser tratada como uma política
pública de direito, estabelecida no artigo 203:
Pela Constituição de 1988, os direitos sociais se manifestam numa conjuntura regulamentada por
uma ordem jurídica, cultural, social e política, o que demanda a operacionalização e articulação de
políticas públicas para que esses direitos sejam realmente efetivados. Se assim podemos considerar,
123
Unidade II
a assistência social como política setorial será mediadora no acesso aos direitos sociais a partir
dos extratos da questão social como problemáticas particulares (o desemprego, a fome, a carência
habitacional, a falta de escolas, a incapacidade física etc.) (NETTO, 1992).
A Constituição Brasileira de 1988, portanto, fundamenta a assistência social como política pública,
ao admitir a necessidade de equacionar problemas socioassistenciais decorrentes da ordem econômica
capitalista, visando minimizar as desigualdades estruturais geradas pela ordem socioeconômica,
produzidas pela lógica do capital. No campo da assistência social, a partir de 1988, uma série de
mudanças conceituais desencadeia o aprimoramento de novas técnicas e a alteração nos métodos que
embasam sua atuação, a forma de financiamento e reestruturação dessa política atrelada ao regime da
seguridade social.
Quanto ao escopo da política de assistência social em pauta, inserida no tripé da seguridade social
(saúde, educação e assistência social), o conceito de universalidade pauta-se no artigo 194, inciso I da
Constituição Federal de 1988:
Para concretizar a cobertura de atendimento da assistência social junto às demais políticas, outro
pilar importante de estruturação da assistência social foi a LOAS (BRASIL, 1993), que regulamenta
esse aspecto da Constituição e estabelece normas e critérios para a organização da assistência social,
que é um direito e exige definição de leis, normas e critérios como em seu artigo 4º, inciso II – da
universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas
demais políticas públicas.
Ressalta-se que a assistência social tem como objeto de intervenção a questão social trazida pelo
Estado de fundamentação neoliberal. É necessário entender que a questão social é o conjunto das
expressões das desigualdades da sociedade capitalista e que a assistência social, em muitos casos, é o
único caminho para alcançar a condição de dignidade, respaldada pelo Art. 3º da Constituição Federal.
A questão social advém do conflito capital-trabalho inserido na ampla questão da luta de classes
MERISSE; LEMOS, 2013). A questão social é justamente o aporte contraditório da política social do
Estado como garantidor de uma universalização da proteção social, ou seja:
124
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
O sentido da universalidade, portanto, é utilizado para assegurar que a assistência social deve ser
prestada a todos que necessitarem dela, sem discriminação (princípio da universalidade) e sem exigência
de qualquer contrapartida ou contribuição por parte de seus usuários (princípio da não contributividade
ou da gratuidade).
É importante considerar que o conceito de universalização dessa política está atrelado a uma nova
característica de permitir acesso uniforme a todos que dela necessitarem e a responsabilidade estatal a
ela reconhecida. Portanto:
A LOAS, entre vários aspectos, permitiu a gestão compartilhada entre os três entes federados, União,
estados e municípios, reafirmando e readequando importantes instrumentos de gestão. Conforme
Bourguignon (2007, p. 47):
Entendemos que o significado da gestão compartilhada trazida pela LOAS entre os entes
federados traduz não só a necessidade de cooperação política das instâncias de governo dentro de um
regimento estrutural, mas a cooperação entre diferentes instituições representativas no que se refere
ao planejamento, à execução, ao monitoramento e à avaliação da política de assistência social em
cada localidade onde são ofertados os serviços socioassistenciais – sobretudo porque a articulação
em diferentes instâncias pode representar uma forma de gestão mais eficaz tanto na prestação dos
serviços quanto no financiamento desses.
Nas legislações que embasam a política de assistência social, pode-se verificar que o pacto federativo
constitui-se como divisão de competências, não como característica cooperativa, mas de maneira
hierárquica, amparada pelo princípio da autonomia administrativa e fiscal dos entes federados. Assim:
assistência social. A política nacional de 1998 criou condições para o salto que ocorreu com a política
nacional de 2004.
Somente em 2005 houve o lançamento oficial da NOB do SUAS por intermédio da Secretaria
Nacional de Assistência Social (SNAS), em cumprimento à Resolução n. 27, de 24 de fevereiro de 2005,
do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), para conhecimento e apreciação. Essa é
resultado de 11 anos de formulação e debate na área da assistência social, com foco no processo
de consolidação da PNAS sob a égide do Sistema Único em curso (NOB/SUAS, 2005).
Resumo
128
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Exercícios
Quadro 1
E) Território – caso B; região – caso C; lugar – caso A; espaço – não há caso associado.
129
Unidade II
Análise da questão
O conceito de território corresponde ao caso B, uma vez que o assistente social, ao participar da
elaboração de política pública ou programa social, está exercendo o poder do Estado no território sobre
o qual é soberano, determinando a sua materialidade.
A partir da materialidade conformada pela relação de poder exercida no território, nasce o espaço.
Concluímos, então, que o conceito de espaço corresponde ao caso D: quando o assistente social, a partir
da política pública elaborada, atua diretamente no território e relaciona-se com os demais agentes, ele
cria o território vivido, o espaço.
Ao se relacionar com o alvo da política pública elaborada, o assistente social deve levar em conta
as subjetividades do indivíduo amparado (ou do grupo), que tem relação pessoal e afetiva com o que
eles entendem como um lugar. Ou seja, o conceito de lugar corresponde ao caso A, no qual o grupo de
indígenas deslocados não necessariamente percebe o local da mesma forma que o assistente social, pois
houve o desenvolvimento de uma relação de natureza identitária.
Por fim, toda atuação do assistente social, de acordo a Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993, conhecida
como Código de Ética do Assistente Social, deve ser baseada em conhecimentos técnicos sólidos.
Portanto, ao atuar no espaço, o assistente social deve ser capaz de diferenciá-lo para melhor atender à
população residente. Nesse sentido, o conceito de região corresponde ao caso C, pelo qual o assistente
social constrói conhecimento técnico que lhe permite distinguir uma área de outra.
Questão 2. (Enade 2010) Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal estabelecem parâmetros
para a política urbana, os quais estão regulamentados na Lei n. 10.257, de julho de 2001, o Estatuto da
Cidade. De acordo com essa lei, avalie se cada uma das afirmativas a seguir constitui uma diretriz para
a elaboração da política urbana.
III – Desapropriação de solo urbano para fins da constituição de zonas de interesse social.
IV – Instituição do imposto territorial progressivo para terrenos subtilizados nas zonas urbanas
centrais da cidade.
130
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
A) I, II e III.
B) I, II e V.
C) I, III e IV.
D) II, IV e V.
E) III, IV e V.
Análise da questão
A questão prevê a distinção entre diretriz e instrumento. As diretrizes oferecem a ampla ideia da
política (nesse caso, urbana), e os instrumentos definem os procedimentos a serem tomados pelos
órgãos públicos para efetivar as diretrizes ou os princípios dessa política, além de garantir os direitos
regidos pela Carta Magna.
Partindo dessas definições, a lei atribui a tarefa de gerenciamento aos municípios. Oferece às cidades
um novo conjunto de instrumentos de intervenção e ordenamento de seus territórios, associados a uma
concepção de planejamento e gestão urbana e territorial.
O conceito de diretriz está relacionado aos itens I, II e V da questão, como se explica a seguir.
• Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante
o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação,
consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais. Essa diretriz
visa efetivar o direito à moradia de milhões de brasileiros que vivem em condições precárias e
sem nenhuma segurança jurídica de proteção ao direito de moradia nas cidades, em razão de
os assentamentos urbanos em que vivem serem considerados ilegais e irregulares pela ordem
legal urbana em vigor. Mediante essa diretriz, o Estatuto da Cidade aponta a necessidade da
constituição de um novo marco legal urbano que ofereça proteção legal ao direito à moradia para
as pessoas que vivem nas favelas, nos loteamentos populares, nas periferias e nos cortiços, a partir
da legalização e da urbanização das áreas urbanas ocupadas pela população considerada pobre.
Já os itens III e IV da questão, segundo o artigo 4º da Constituição Federal, da Lei n. 10.257/01, são
considerados instrumentos, como se explica a seguir.
• Desapropriação de solo urbano para fins da constituição de zonas de interesse social. O poder
público municipal pode efetuar essa desapropriação no caso de o proprietário deixar de cumprir
com a obrigação de conferir uma destinação social à sua propriedade urbana, nos termos e prazos
estabelecidos no plano urbanístico local, após o término do prazo máximo de cinco anos de
aplicação do imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo. Segundo o art. 8º do
Estatuto da Cidade, a desapropriação para fins de reforma urbana poderá ser procedida pelo
município, quando transcorridos cinco anos do IPTU progressivo, sem que o proprietário tenha
cumprido a obrigação de cobrança, edificação ou utilização.
132
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
• Instituição do imposto territorial progressivo para terrenos subutilizados nas zonas urbanas
centrais da cidade. Esse imposto progressivo no tempo é uma sanção ao proprietário que não
destinou sua propriedade a uma função social. Seu objetivo é motivar a utilização devida da
propriedade urbana de modo a garantir, nos termos do Plano Diretor e do plano urbanístico local,
o cumprimento da função social da propriedade.
Existem outros instrumentos importantes da política urbana, como: o Plano Diretor da Cidade,
o Plano Plurianual, as Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Anual, os Planos de Habitação de
Interesse Social e as Conferências de Habitação e das Cidades.
A partir de 2005, a elaboração dos Planos de Habitação de Interesse Social passou a ser obrigatória
aos municípios com mais de 20 mil habitantes e aos estados que desejam fazer uso do Fundo Nacional
de Habitação de Interesse Social. Além desses planos, tanto os municípios quanto os estados deverão
definir os Conselhos Locais de Habitação de Interesse Social, bem como os Fundos de Habitação de
Interesse Social.
II – Trata-se de uma diretriz de Regulação Urbana de áreas ocupadas pela população de baixa renda.
133
Unidade II
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Figura 2
GAENSLY, G. Biblioteca Nacional. Largo S. Bento, 1902? São Paulo, Acervo FBN. Disponível em: https://
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Figura 3
Figura 4
Figura 5
Figura 6
CARVALHO, J. Conheça a história da 1ª favela do Rio, criada há quase 120 anos. G1, 10 fev. 2015.
Disponível em: https://glo.bo/3tTA63f. Acesso em: 22 mar. 2021.
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Figura 8
Figura 9
134
POLÍTICA SETORIAL - HABITAÇÃO
Figura 10
PENA, R. A. Segregação socioespacial e o filme “O Preço do Amanhã”. Brasil Escola, [s.d.]. Disponível em:
https://bit.ly/3cnCLMU. Acesso em: 22 mar. 2021.
Figura 11
ARCHDAILY. Segregação urbana em 6 fotografias: desigualdade vista de cima. [s.d.]. Disponível em:
https://bit.ly/3sqgiUO. Acesso em: 22 mar. 2021.
Figura 12
ARCHDAILY. Segregação urbana em 6 fotografias: desigualdade vista de cima. [s.d.]. Disponível em:
https://bit.ly/3sqgiUO. Acesso em: 22 mar. 2021.
Figura 13
ARCHDAILY. Segregação urbana em 6 fotografias: desigualdade vista de cima. [s.d.]. Disponível em:
https://bit.ly/3sqgiUO. Acesso em: 22 mar. 2021.
Figura 14
ARCHDAILY. Segregação urbana em 6 fotografias: desigualdade vista de cima. [s.d.]. Disponível em:
https://bit.ly/3sqgiUO. Acesso em: 22 mar. 2021.
Figura 15
ARCHDAILY. Segregação urbana em 6 fotografias: desigualdade vista de cima. [s.d.]. Disponível em:
https://bit.ly/3sqgiUO. Acesso em: 22 mar. 2021.
Figura 16
ARCHDAILY. Segregação urbana em 6 fotografias: desigualdade vista de cima. [s.d.]. Disponível em:
https://bit.ly/3sqgiUO. Acesso em: 22 mar. 2021.
Figura 19
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caracterização de assentamentos precários. Brasília: Ministério das Cidades, 2010. p. 46.
Figura 20
BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Guia para o mapeamento e
caracterização de assentamentos precários. Brasília: Ministério das Cidades, 2010. p. 47.
135
Unidade II
Figura 21
BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Guia para o mapeamento e
caracterização de assentamentos precários. Brasília: Ministério das Cidades, 2010. p. 47.
Figura 22
BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Guia para o mapeamento e
caracterização de assentamentos precários. Brasília: Ministério das Cidades, 2010. p. 48.
Figura 23
BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Guia para o mapeamento e
caracterização de assentamentos precários. Brasília: Ministério das Cidades, 2010. p. 48.
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Informações:
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