Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Press
Arte e vida social | Alain Quemin, Glaucia Villas Bôas
A sociologia das
artes e da cultura
na França
Gênese, desenvolvimentos e atualidade de uma
área de pesquisa
Bruno Péquignot
Traduction de Germana Henriques Pereira de Sousa
Résumé
A sociologia das artes e da cultura é uma disciplina que tem
experimentado um forte crescimento na França desde 1985. Este capítulo
apresenta os principais temas de pesquisa e a história de seu
desenvolvimento. Serão, assim, abordados, sucessivamente, a questão
das instituições e das políticas culturais – particularmente importante na
França –, a organização e o funcionamento dos mercados da arte
nacionais e internacionais, os problemas específicos das profissões
artísticas, os problemas da recepção, com a questão dos públicos e as
questões de legitimação, objetos de debates importantes. Serão, em
seguida, apresentadas as pesquisas, remetendo, especificamente, a certas
práticas artísticas: as mais estudadas, as artes plásticas e a literatura,
obviamente, mas também o teatro e as artes performáticas em geral (o
circo), a música, ou melhor, as músicas em sua diversidade – clássica,
popular, músicas do mundo (world music), etc. –, a fotografia e o
conjunto das novas imagens, incluindo arte computacional, o cinema e a
televisão (inclusive as séries televisivas), a arquitetura e as artes
monumentais, mas também a arte de rua (grafite, hip-hop, por exemplo).
O capítulo centra-se nos debates que levaram à estruturação dos
pesquisadores nesse campo, sobretudo o que estava no centro das
discussões teóricas durante esses 25 anos: a questão das obras.
Este trabalho aponta as principais etapas institucionais desse
surgimento, tais como: a criação do Centro de Sociologia da Arte, por
Raymonde Moulin, no CNRS e na EHESS; o colóquio de Marselha, em
1985; as jornadas internacionais da sociologia da arte, organizadas pela
equipe de Grenoble e a criação, no CNRS, do Grupo de Pesquisa do
(GDR), Œuvres, Publics, Société (OPuS), por Alain Pessin, em 1999, e sua
transformação, em 2005, em um grupo de pesquisa internacional (GDR
International). Finalmente, a criação, em 1990, da única revista do
campo: Sociologia da Arte (Sociologie de l’Art). Uma extensa bibliografia
permite que o leitor consulte os trabalhos essenciais.
Note de l’éditeur
Traduzido do francês por Germana Henriques Pereira de Sousa.
Texte intégral
1 Se as questões relativas às artes e à cultura foram, desde
muito cedo, objeto de publicações dos sociólogos, ao
contrário de outras áreas de pesquisa, foi somente bem mais
tarde que foi formada uma comunidade de pesquisadores em
torno dessas questões, dos métodos e das problemáticas
compartilhadas.
2 Em vista disso, parece interessante propormos, em primeiro
lugar, uma definição dessa “subdisciplina”, antes de
rapidamente traçarmos sua gênese, para enfatizar o estado
da investigação francesa sobre esse campo hoje. Antes disso,
vale fazer uma observação que me parece necessária: a
sociologia das artes e da cultura é, antes de tudo, sociologia.
Como o conjunto dos cientistas sociais, os sociólogos das
artes e da cultura buscam estabelecer conhecimentos
rigorosos, verificados e verificáveis sobre os grupos sociais.
As principais correntes da sociologia são todas representadas
pela sociologia das artes e da cultura: o estruturalismo
genético, a sociologia dinâmica, o individualismo
metodológico, a análise estratégica, o estrutural-
funcionalismo ou ainda o interacionismo simbólico, para
citar apenas as mais importantes.
3 Como todas as outras áreas da sociologia, a sociologia das
artes e da cultura pretende, portanto, propor um
conhecimento sobre um campo particular, possivelmente
específico (o que, claro, deve ser mostrado), em que se
desdobra uma série de interações sociais, que se trata de
descrever, analisar, compreender, ou ainda explicar, entre os
atores (artistas, amadores, público, colecionadores,
galeristas ou outros tipos de marchands, curadores,
especialistas, pesquisadores), os objetos (chamados de obras
de arte, mas também objetos técnicos, ferramentas,
instrumentos, acessórios diversos), as instituições sociais
(museus, salas de concerto de teatro, fundações, etc.), as
políticas (chamadas de culturais, municipais, regionais,
nacionais e internacionais), as forças econômicas (indústrias
culturais, concorrências internacionais, mercados, etc.) e as
representações ideológicas (sistemas de valores, mitos, etc.).
4 Pesquisadores que trabalham ativamente nessa área
geralmente concordam com alguns princípios teóricos: por
exemplo, o sociólogo não deve produzir ou validar um valor
dos objetos ou dos agentes que ele estuda. Não existem
grandes ou pequenos artistas para o sociólogo, fora da
constatação – objeto da pesquisa – de uma hierarquia
existente na realidade social e socialmente construída; não
há, por isso, um julgamento outro a ser produzido, ou seja,
isso quer dizer que a questão dos critérios não é sua, para
além de uma pesquisa sobre as condições sociais de
produção dos critérios no mundo das artes. De certa forma,
pertence à arte tudo o que é reconhecido como tal num
determinado lugar, época, ou grupo social. A construção de
seu objeto, portanto, requer a consideração das definições
que funcionam nos grupos sociais analisados. Finalmente, o
sociólogo deve tomar como objeto de análise o conjunto dos
discursos produzidos sobre seu objeto, incluindo aqueles de
disciplinas vizinhas: filosofia, estética, história da arte, etc.,
mas também os dos críticos de arte, os discursos dos agentes
pertencentes ao campo, ou daqueles que, em parte,
contribuem para a sua dinâmica, incluindo assim os
públicos. É claro que cada um desses discursos possui sua
especificidade, e o trabalho do historiador, por exemplo, não
tem o mesmo estatuto que o do crítico.
5 A questão da definição do objeto de análise é um ponto de
debate: receber como arte tudo o que se apresenta como tal
representa um risco duplo: o de empirismo raso que consiste
em pensar que o real dá de si mesmo o conhecimento
daquilo que ele é, confusão muitas vezes denunciada, por
exemplo, por Gaston Bachelard (1949); mas há também um
perigo de reducionismo se somente inserirmos na pesquisa
objetos que parecem socialmente pertencer aos mundos da
arte e da cultura. As pesquisas têm gradualmente se
expandido ao conjunto das produções simbólicas (séries de
TV, práticas populares e amadoras), conforme mostrado
pelas enquetes sobre “As práticas culturais francesas”,
lideradas por Olivier Donnat (2009a) para o Ministério da
Cultura.
6 Segundo ponto importante, a sociologia das artes só pode se
desenvolver em relação ao campo no qual ela trabalha. A
maioria das questões tratadas apareceu pela primeira vez no
mundo das artes antes de serem reconstruídas pelos
sociólogos. Seus questionamentos encontram na atualidade
política, atualidade econômica e atualidade social de
desenvolvimento das atividades artísticas as fontes de suas
problemáticas. Raymonde Moulin (1992) demonstra bem a
questão quando enfatiza a relação entre os desenvolvimentos
recentes da pesquisa e as evoluções do Ministério
encarregado desses assuntos na França, ou ainda quando
trata do impacto das negociações internacionais sobre, por
exemplo, a questão da “exceção cultural” sobre certos temas
de investigação.
7 É, portanto, do campo mesmo das práticas artísticas e
culturais que vieram a maioria dos questionamentos dos
sociólogos: a revolução impressionista, antes dos ready-
mades de Duchamp, questionou a existência de critérios de
avaliação de obras; as políticas públicas favoreceram o
surgimento de instituições ou de legislações que
modificaram, ou até transformaram, o campo das artes e da
cultura. Raymonde Moulin resume bem esse ponto quando
diz que o desenvolvimento da sociologia da arte está
relacionada “à intervenção crescente e cada vez mais
diversificada do Estado” (“à l’intervention croissante et
toujours plus diversifiée de l’État” (Moulin, 1999, p. 16). O
que também pode explicar a sua importância na França em
comparação com outros países, onde as políticas culturais
não ocupam o lugar central que elas tiveram e ainda têm na
França.
8 Parece-me importante descrever rapidamente a gênese da
subdisciplina que constitui a sociologia das artes e da cultura
antes de apresentarmos os objetos de pesquisa atuais.
9 O primeiro trabalho associando arte e sociologia em seu
título, intitulado L’Art du point de vue sociologique (Alcan,
1889) [A arte do ponto de vista da sociologia], data do final
doséculo XIX e deve-se a Jean-Marie Guyau, autor esquecido
hoje, mas de quem Durkheim toma emprestado o termo
“anomia”. Jean-Marie Guyau (1854-1888) desenvolveu,
principalmente, uma filosofia moral a partir de uma posição
materialista, como em seu livro sobre a arte. Trata-se, de
fato, de um livro que pretende explicar as produções
artísticas a partir de suas próprias condições materiais de
produção. As teses que ali são desenvolvidas são próximas
daquelas sustentadas na mesma época por Hippolyte Taine
(1828-1893), que desenvolveu uma obra eclética de
historiador (sobre a Revolução Francesa ou sobre a
literatura) e que publicou em 1865 e em 1882 sua Filosofia
da Arte, onde também defende uma posição materialista na
análise das obras e dos artistas. Antes disso, pouco havia sido
escrito sobre a arte, pouco mais do que algumas linhas por
Auguste Comte, o precursor da sociologia, ou Karl Marx, um
dos pais fundadores da disciplina, a propósito de quem
devemos lembrar que ele nunca escreveu nem defendeu
teoria estética, ao contrário do que alguns marxistas parecem
ter pensado, e que, a partir desse ponto de vista, tomaram
mais emprestado de Taine do que do próprio Marx.
10 Após Guyau, que também não fez escola, há uma rubrica
“sociologia estética”, na revista L’Année Sociologique, criada
por Durkheim, e que publica alguns textos interessantes,
incluindo-se notas de leitura de Marcel Mauss. Não há muito
no próprio Durkheim, algumas poucas páginas, aliás
problemáticas, em seu curso sobre A educação moral (1938),
embora ele vá buscar na literatura os exemplos que lhe
permitem construir três tipos de suicídio, o que podemos,
contudo, aproximar de uma abordagem de sociologia da arte.
O mesmo ocorre com Max Weber, apesar de sua Sociologia
da música (1921, tradução francesa de 1997). No entanto,
Georg Simmel produziu inúmeras análises em que as
questões artísticas ocupam um lugar importante, para não
dizer central (1988, 1990). É difícil traçar aqui um panorama
completo, especialmente porque durante o período que vai
até os anos de 1960 as separações disciplinares eram muitas
vezes pouco claras: onde colocar as pesquisas de Adorno e da
Escola de Frankfurt, ou as de Norbert Elias ou Pierre
Francastel, para citar apenas os mais famosos? Na história
das artes, ou na filosofia estética? Em todo caso, podemos
dizer que as questões relacionadas com as artes não eram
prioritárias na época, para a pesquisa em sociologia.
11 No pós-Segunda Guerra Mundial, aparecem gradualmente
os elementos constitutivos da sociologia das artes: a Cátedra
de Pierre Francastel (historiador da arte que irá oferecer,
inicialmente, uma história social das artes, antes de
desenvolver uma sociologia da arte), na École Pratique des
Hautes Études, intitulada “Sociologia da arte”; a presença de
vários capítulos no Tratado de Sociologia (1967), dirigido
por Georges Gurvitch, por exemplo. A primeira mudança
notável acontecerá na década de 1960, evolução certamente
relacionada com a criação de um ministério específico para a
arte e cultura na França. Pesquisas vão, desta feita, se
desenvolver sobre a ação cultural, a democratização da
cultura, as instituições, públicos, mercados de arte, etc.
Nesse período surgem certas pesquisas fundamentais, que
ainda constituem referências no campo: em particular, os
trabalhos da equipe do Centro de Sociologia Europeia, sob os
auspícios de Bourdieu, entre outros, sobre os museus ou a
fotografia, que resultarão em alguns livros de referência
(1965, 1966) que definirão alguns dos conceitos-chave acerca
dos quais o debate continua – legitimidade, democracia, boa
vontade cultural –, mesmo que algumas conquistas possam
hoje ser discutidas. Na mesma época, aparece o trabalho
pioneiro de Raymonde Moulin, Le Marché de la peinture en
France (1967, trad. inglês 1987). Durante esse período, serão
publicadas, em outras correntes sociológicas, inúmeras
obras: Jean Duvignaud (1967), Roger Bastide (1977),
Pierre Francastel (1970), Lucien Goldmann (1964);
exemplos, entre muitos outros, cuja filiação atual é menos
acentuada.
12 Um período final pode ser identificado a partir de 1985:
Raymonde Moulin criou o primeiro e único laboratório de
sociologia dedicado às artes – o Centro de Sociologia das
Artes, na École des Hautes Études en Sciences Sociales-
EHESS (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais), em
associação com o Centre National de la Recherche
Scientifique-CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica).
Então presidente da Sociedade Francesa de Sociologia,
Moulin organizou em Marselha, com o apoio do CNRS, ajuda
logística local da equipe criada por Jean-Claude Passeron na
EHESS Marseille e o apoio do Comitê Pesquisa em
Sociologia da Arte, pertencente à Associação Internacional
de Sociologia (então presidido por Antoine Hennion), os
primeiros encontros internacionais de sociologia da arte, o
que resultou na obra Sociologia da arte, publicada pela
Documentation Française, em 1986, e reeditado pela
L’Harmattan em 1999. Esses encontros e o livro mencionado
ajudaram a avaliar a pesquisa e a lançar as bases de uma
primeira forma de reconhecimento institucional das
conquistas desse campo. As quatro mesas-redondas
organizadas permitem dar não apenas uma boa imagem do
estado da pesquisa, mas também marcar os principais eixos
da investigação que será posteriormente desenvolvida:
“Políticas e instituições culturais”, “Profissões artísticas e
mercados da arte”, “Públicos e percepção estética” e,
finalmente: “Uma sociologia das obras é possível?” Esta é a
única temática que tem um ponto de interrogação no título.
Rapidamente, tentaremos ver o que podemos pensar desse
fato.
13 Em sua conclusão, Jean-Claude Passeron esboçava uma
espécie de programa de pesquisa:
Vou fazer isso como se estivesse fazendo o papel do Ingênuo
que esperaria pacientemente, e durante bastante tempo, que
a sociologia da arte honrasse totalmente seu duplo contrato,
como o impõe seu nome: a saber, é claro, que ela se afirme
como conhecimento sociológico, conseguindo aqui uma
contribuição da mesma qualidade e da mesma forma que em
outras áreas, mas também que esse conhecimento
sociológico seja especificamente o conhecimento de obras
enquanto obras de arte e de seus efeitos estéticos; ou seja, a
sociologia da arte deverá identificar e explicar os processos
sociais e os traços culturais que contribuem a fazer o valor
artístico das obras – o qual constitui, afinal de contas, uma
vez que é atestado pelo reconhecimento social, um fato social
tão essencial como qualquer outro. (in Moulin, 1999, p. 449)1
Recepção e legitimação
23 A questão da difusão e da recepção é tratada pela análise dos
públicos de obras culturais. Após os trabalhos de Bourdieu,
Darbel e Schnapper (1969), que abriram esse campo de
pesquisa sobre os públicos de museus, e de Jean Duvignaud,
que trabalhou sobre o teatro (1965), inaugurando as
pesquisas sobre o espetáculo ao vivo, vão se desenvolver
pesquisas sobre os diversos públicos – amadores, iniciados
ou experts (Heinich, 1998; Menger, 2002a; Hennion, 1993;
Esquenazi, 2003; Ethis de 2001, 2002, 2005) –, sobre os
intermediários, como os críticos de arte, os organizadores de
eventos culturais, etc. (Menger, 2002a; Hennion, 1993).
24 A legitimação é um dos conceitos-chave da análise da
recepção: Jean-Claude Passeron, por exemplo, analisa os
processos de “labelização” (cultura popular versus cultura
“culta” ou legítima). Os processos de reconhecimento social
são uma função da prática artística, dos públicos-alvo, dos
meios utilizados. Cada um desses níveis é o tema de estudos
específicos e numerosos: Antoine Hennion desenvolve o
conceito de “mediação” para pensar as relações entre esses
diferentes níveis sem cair nos impasses de um discurso da
denúncia (1993); Jean-Claude Passeron e Emmanuel Pedler
analisam os modos de recepção da pintura no âmbito de um
museu (1991), ou a recepção da ópera (Pedler 2003);
Nathalie Heinich analisa os modos de recepção da arte
contemporânea pelo estudo das rejeições que ela sofre
(1998c), por exemplo, Jean-Louis Fabiani, finalmente,
interroga-se sobre o conceito da legitimidade (2007). Esse
processo de legitimação é tanto econômico (como o mostram
Moulin, Menger, etc.) como simbólico (Bourdieu, Passeron,
Grignon), e pode ser objeto de uma reavaliação post-
mortem, como no caso exemplar de Van Gogh (Heinich,
1991).
As Artes
27 Na descrição do campo da sociologia da arte e da cultura por
grandes eixos temáticos, pode-se preferir uma abordagem
considerando cada uma das artes. A escolha em questão tem
origem no desejo de mostrarmos que as problemáticas
atravessam todas as formas de arte, ou, pelo menos, muitas
delas. Essa unidade relativa do campo não quer dizer que
não haja uma abordagem específica própria às diferentes
pesquisas sobre uma prática artística em particular: os
conteúdos da literatura ou da música não podem ser
abordados da mesma forma, bem como os problemas
econômicos não são os mesmos para o cinema, o teatro, a
história em quadrinhos ou a literatura.
28 Não caberia aqui descrever em detalhes a pesquisa sobre
cada uma das artes. É interessante, entretanto, observar que,
gradualmente, ao termo “sociologia da arte” tornou-se
preferível falar em “sociologia das artes” (como proposto por
Raymonde Moulin) para se mostrar a diversidade das áreas
de investigação, e a autonomia relativa das investigações
sobre cada uma das artes.
As artes plásticas
29 As artes plásticas foram o foco da pesquisa de Pierre
Francastel para a pintura (1970); de Raymonde Moulin para
o mercado da pintura (1967); de Jean-Claude Passeron e
Emmanuel Pedler para a recepção da pintura (1991); de
André Ducret para a pintura e a escultura (1990); de
Nathalie Heinich para as artes plásticas (1993a); de Anne
Sauvageot para as artes de imagem (1994). E, mais
recentemente, de Pascale Ancel para as instalações (1996);
de Yvonne Neyrat para a pintura (1999); de Bruno Pequignot
para a pintura e o cinema (2007); de Sylvia Girel para as
performances (2003); de Jean-Paul Brun para a Land Art
(2005); de Alain Quemin para o mercado de arte
internacional (2002a).
As músicas
30 Vale citar o trabalho de Pierre-Michel Menger para o status
dos músicos e da música contemporânea (1983, 2002); de
Antoine Hennion para a interpretação contemporânea da
música barroca, mas também do rock, etc. (1993); de Anne-
Marie Green para as práticas populares e de consumo de
músicas como o rock, o rap, etc. (2000); de Anne Veitl para a
política de música contemporânea (1997); de Jean-
Louis Fabiani para o jazz (1986); de Philippe Coulangeon
para o jazz e seus atores em França (1999); de Emmanuel
Pedler para a recepção da ópera (2003); de Anne Benetollo
para o rock e a política (1999); de Catherine Dutheil-Pessin
para a canção realista (2004); de Eve Brenel para o flamenco
(2005); de Marie Buscatto para o jazz (2007); Hyacinthe
Ravet para os músicos de orquestra (2011, 2015). Deve-se
acrescentar a pesquisa sobre a dança de Sylvia Faure (2000,
2001).
O cinema
31 Podemos citar Jean Pierre Benghozi para a economia do
cinema (1989); Annie Goldmann para a relação cinema e
sociedade (1971); Pierre Sorlin (1977) e Olivier Thevenin
(2009) para cinema e sociologia, e o cineasta Jean-Luc
Godard, Jean-Pierre Esquenazi (2003) e Emmanuel Ethis
(2001) para o público, a recepção etc.; Laurent Tessier
(2007, 2009) para a recepção dos filmes de guerra. No
entanto, o essencial das pesquisas sobre o cinema foi
produzido no campo das ciências da informação e da
comunicação, com abordagens sociológicas, é certo, mas
também econômicas, estéticas ou históricas.
A arquitetura
33 Contribuiu para este tópico Francastel (1956) para a técnica
e estética; Raymonde Moulin et al. (1973) e Florent Champy
(2001) para a profissão de arquiteto; André Ducret (1994)
para a arte no espaço público. Mas é lamentável que a
arquitetura ainda não tenha encontrado um lugar
significativo na sociologia das artes hoje, apesar desses
poucos exemplos.
O teatro
35 Entre as contribuições, figuram aquelas de Jean Duvignaud
(1965) para o teatro, a festa, os atores; Pierre-Michel Menger
(1997) e Catherine Paradeise (1998) para a profissão do ator;
Gaëlle Redon (2006) para a organização das trupes teatrais;
Serge Proust (2006), Emmanuel Ethis (2002) e Damien
Malinas (2008) para os públicos de festivais.
Uma ciência das obras
36 Raymonde Moulin sublinhou que a questão que restou para
investigar diz respeito às próprias obras: “O retorno da
palavra ‘arte’ para designar o que foi chamado, nos anos
1960-1970, de sociologia da cultura significa antes que o foco
está no estudo dos mecanismos sociais da rotulagem
artística. Devemos saudar os esforços empreendidos para
escapar à redução determinista; mas não se pode deixar de
pensar sobre o que, pelo efeito combinado do relativismo
sociológico (que é um postulado de método) e do hiper-
relativismo estético (que caracteriza o século XX), não foi
contemplado na maioria das análises: a qualidade da obra”
(1967). Desde 1985 e o colóquio de Marseille, onde a
pergunta “Uma sociologia das obras é possível?” foi colocada,
esse capítulo de uma sociologia das artes beneficiou-se de
desenvolvimentos importantes.
37 O debate fundamental centra-se nas seguintes questões: O
que o sociólogo pode dizer sobre ou a partir da obra; ele não
estaria correndo o risco de recair na fronteira da
hermenêutica filosófica ou de confundir o seu papel com o de
crítico de arte? Como estabelecer os limites de uma
interpretação cientificamente controlada? Várias abordagens
têm sido desenvolvidas a respeito dessas questões: por
exemplo, a obra, especialmente, a literária, mas também hoje
a cinematográfica, pode ser utilizada como ilustração de uma
tese sociológica; ela também pode ser proposta como um
modelo de interpretação ou de classificação de fenômenos
sociológicos, a exemplo de Durkheim que, como já falamos,
ilustrou os diferentes tipos de suicídio com exemplos
literários (mais recentemente, é o que está fazendo, de
alguma forma, Nathalie Heinich para identificar alguns États
de femmes (1996) [Estados das mulheres], e ainda Pierre
Bourdieu quando usa o romance de Flaubert, A educação
sentimental, para descrever a autonomização do campo
literário na França, no século XIX ( Bourdieu 1992, trad. ingl.
1996). A obra literária pode também, na esteira dos trabalhos
de Lucien Goldmann, ser o lugar do rastreamento e
compreensão das estruturas de representações coletivas
(Jacques Leenhardt); ou ser considerada como uma forma de
experiência de pensamento, no sentido evocado pelo
epistemologista norte-americano Kuhn e tornar-se um
“parceiro epistemológico”, um instrumento de investigação e
compreensão de uma realidade social (Majastre, Pessin,
Gaudez); a obra pode, enfim, e isso não é incompatível com
nenhuma qualquer uma das posições anteriores, no rastro
das pesquisas de Bastide, ser considerada como um lugar de
cristalização das representações coletivas e de sua evolução
(Ancel Neyrat, Pequignot). Nesta última abordagem, a
distinção entre a análise interna e análise externa desaparece
em favor de uma permanente ida e volta entre as duas
análises. Isso significa que o que pode ser determinado pela
análise interna deve encontrar embasamento em fatos
externos (condições de produção e/ou recepção) e,
inversamente, o que é observado na análise externa tem de
encontrar o seu correspondente na investigação interna – o
que corresponde bem aos dois pontos desenvolvidos por
Jean-Claude Passeron: ser um conhecimento sociológico e
mostrar a sua especificidade própria por meio da integração
da análise das obras (Moulin, 1999 [1986]).
38 Depois de Marseille 1985, o debate repercutiu nos diversos
congressos organizados, particularmente, pelo GDR OPuS.
Todas estas reuniões, debates e polêmicas, por vezes,
ajudaram a impulsionar a questão por questionamentos
cruzados, críticas e observações que incitaram uns aos outros
a esclarecerem seus pensamentos, conceitos, métodos. Se
insisto nesse ponto, é que me parece que a comunidade dos
sociólogos das artes deu um exemplo de como deveriam ser
as relações normais entre cientistas.
39 Não se trata, numa sociologia das obras, de explicá-las. As
análises não buscam produzir uma explicação das obras, o
que faria parte do discurso do artista, do crítico de arte, ou
marchand, mas compreender o que acontece entre o antes e
o depois por meio do confronto dos resultados ou das
constatações da análise interna de uma obra com suas
condições sociais de possibilidade (história da arte,
formações artísticas, mercado, etc.), e com seus efeitos
sociais (recusa, iconoclastia, admiração, utilizações diversas:
publicidade, ilustração, ou modelagem, etc.). Portanto, o
sociólogo não propõe extrair da obra um significado. A obra
não tem, de fato, outros significados além aqueles que ela
desperta naqueles que a produzem, a apresentam, a vendem,
a recebem, ou, até mesmo, a compram. Compreender a
produção desses significados e de seus efeitos sociais é que é
tarefa da sociologia, e não da estética filosófica ou da
psicologia.
40 A questão da hermenêutica e da interpretação deve ser aqui
mencionada. Essa confusão entre hermenêutica e
interpretação não se sustenta. Certamente, antes de
Copérnico, Galileu e Newton, ou seja, no momento em que se
pensava que o conhecimento da natureza passava pela
compreensão de sua assinatura e em que as palavras
remetiam à essência das coisas, essa confusão tinha,
seguramente, seu fundamento, embora Spinoza já a tivesse
amplamente criticado. Mas, depois de Marx, Nietzsche e
Freud, e alguns outros mais próximos de nós, como Michel
Foucault, essa confusão torna-se inadmissível. Interpretar –
como evidenciado, entre outras, pelas pesquisas já referidas
acima, de Florent Gaudez, Clara Lévy, Pascale Ancel e
Yvonne Neyrat – não é descobrir ou atribuir um sentido ou
significado e menos ainda um valor; interpretar é
compreender o processo concreto de produção dos sentidos,
dos significados ou valores socialmente atribuídos às obras e
os efeitos construídos a partir dessa produção.
41 Para concluir este ponto, gostaria de retomar a pergunta
feita por André Ducret em seu livro Mesures: Études sur la
pensée plastique [Mesures: estudos sobre o pensamento
plástico], em que, a partir de 1990, punha em prática muitas
indicações que foram retomadas a seguir:
Por que a sociologia da arte estaria condenada a permanecer
em silêncio, senão pela qualidade estética, mas sobre a parte
coletiva das obras das quais ela, aliás, se esforça para
desconstruir a identidade ou para reconstruir a gênese? A
obra de arte enverga a sensibilidade de uma época, marca a
sua memória, define a sua cultura,2
Notes
1. “Je le ferai alors en jouant le personnage de l’Ingénu qui attendrait,
patiemment et depuis longtemps, de la sociologie de l’art qu’elle honore
pleinement le double contrat que son nom lui impose : à savoir, bien sûr,
qu’elle s’affirme comme connaissance sociologique en réussissant ici un
apport d’intelligibilité de même qualité et de même forme qu’en d’autres
domaines, mais aussi que cette connaissance sociologique soit
spécifiquement connaissance des œuvres en tant qu’œuvres d’art et de
leurs effets esthétiques, c’est-à-dire qu’elle parvienne à identifier et
expliquer les processus sociaux et les traits culturels qui concourent à
faire la valeur artistique des œuvres – laquelle constitue, après tout, dès
lors qu’elle est attestée par la reconnaissance sociale, un fait social aussi
incontournable qu’un autre.” [Nossa tradução]
Auteur
Bruno Péquignot
Professeur des Universités –
Université Sorbonne Nouvelle –
Paris 3
Du même auteur
Germana
Henriques Pereira de Sousa
(Traducteur)
© OpenEdition Press, 2016