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A CONTRIBUIÇÃO DO DESENHO NO DESENVOLVIMENTO DA

CRIANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE TEÓRICA

Ana Patrícia de Oliveira Amorim1- Faculdade IESM


Ana Lúcia de Araújo Claro2- Faculdade IESM

Eixo – Educação da infância


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O presente artigo faz uma análise teórica sobre a contribuição do desenho no


desenvolvimento da criança na Educação Infantil. Este trabalho é um recorte da pesquisa, em
andamento, de conclusão de curso, do Instituto de Ensino Superior Múltiplo– IESM, e está
sendo realizada em duas instituições de Educação Infantil da rede municipal de Timon-MA.
Objetiva explorar a contribuição do desenho para o desenvolvimento infantil, bem como a
caracterização dos estágios do desenho. Reflete, ainda, sobre o desenvolvimento gráfico. Os
teóricos que mais contribuíram para o estudo foram: Brittain e Lowenfeld (1977), que falam
sobre os estágios do desenho na educação infantil; Ferreira (2005) e Derdyk (1989), que
tratam sobre a importância do desenho; Moreira (1997), Mèredieu (2006) e Iavelberg (2013),
que contribuíram com informações sobre o desenvolvimento gráfico; dentre outros autores. A
metodologia selecionada foi à pesquisa bibliográfica sobre os autores que abordam a temática
trabalhada. O presente artigo está estruturado em três partes. Inicialmente, fazemos uma breve
explanação da educação infantil, com a finalidade de contextualizar a pesquisa, e abordamos a
importância do desenho na Educação Infantil. Na segunda parte, caracterizamos os estágios
do desenho a partir da perspectiva de Brittain e Lowenfeld. Na terceira parte discutimos sobre
o desenvolvimento gráfico das crianças e apresentamos algumas considerações sobre a
contribuição do desenho no desenvolvimento infantil. Os estudos realizados apontam que o
desenho na Educação Infantil desempenha um papel imprescindível no processo formativo
das crianças. Quando desenham, elas adquirem muitos aprendizados, uma vez que esse
recurso se constitui como uma maneira de comunicar-se. Portanto, mesmo que os traços
sejam a priori compreendidos apenas pelas crianças, elas estão expressando e demonstrando
suas opiniões, suas individualidades, ou seja, seu jeito de simbolizar.

Palavras-chaves: Educação. Educação Infantil. Desenho infantil. Aprendizagem.

1
Graduanda do curso de Pedagogia da Faculdade IESM.E-mail: patyamorim10@hotmail.com
2
Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Especialista em Psicopedagogia pela
PUC/PR.Professora da rede municipal de Timon/MA e professora da Faculdade –IESM.E-mail:
ana.claro13@hotmail.com.

ISSN 2176-1396
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Introdução

A Educação Infantil constitui uma das modalidades da Educação Básica fundamental


para o desenvolvimento da criança, pois é nessa etapa que se inicia o processo de apropriação
do conhecimento pela criança por meio dos atos de educar, de cuidar e de brincar. As
primeiras experiências que as crianças vivenciam no ambiente da Educação Infantil irão
contribuir para seu desenvolvimento, tendo em vista que elas se encontram em pleno
crescimento tanto no que diz respeito ao aspecto cognitivo como também ao emocional, ao
afetivo, ao social e ao moral.
No Brasil, o surgimento da Educação Infantil se deu de forma gradativa, e somente a
partir das décadas de 1970 a 1990 é que os estudos começaram a ser intensificados e a dar
visibilidade e expansão para a educação da primeira infância (ROSEMBERG, 1999, p. 14).
Na década de 1990, após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de
1996, o MEC (Ministério da Educação e Cultura) apresentou o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Tal documento sugere que as novas atribuições
desse nível de ensino devem estar articuladas a padrões de qualidade, considerando as
crianças em diversos contextos, como, por exemplo, sociais, ambientais e culturais. Além
disso, orienta que, na rotina das instituições, devem estar presentes as brincadeiras, as rodas
de conversas e as histórias, bem como os ateliês ou as oficinas de desenhos, de pinturas,
dentre outras (BRASIL, 1998, p. 23; 55).
Entretanto, é por meio das Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil que são
traçados os princípios éticos, políticos e estéticos que devem nortear as propostas pedagógicas
nas instituições infantis, levando em consideração as concepções de criança, de infância e de
currículo. Dentre esses princípios, destacamos o estético, que enfatiza a importância de se
desenvolver atividades que despertem a sensibilidade, a criatividade, a ludicidade, assim
como a liberdade de se expressar em diferentes manifestações artísticas e culturais (BRASIL,
2009, p. 16).
Sendo assim, podemos perceber o quanto o desenho se faz presente nesse momento de
socialização, de aprendizagens. Os traços que as crianças fazem no papel, geralmente, não
tem sentido algum para os adultos, mas essas garatujas são bastante importantes para o
desenvolvimento dessas crianças, por isso elas devem ser encorajadas e incentivadas.
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Cada criança tem seu modelo próprio de se expressar por meio dos desenhos, e, a
partir disso, elas brincam, experimentam ideias, emoções e pensamentos, representam o
mundo a partir das relações que se instauram com o outro e com o meio em que vivem.
Contudo, a arte pode colaborar consideravelmente para esse desenvolvimento, pois é na
relação entre a criança e o seu meio que se instaura a aprendizagem. Sendo assim, os
desenhos infantis são sempre uma satisfação e um prazer para quem o observa. Neles se
envolvem uma originalidade e um frescor de imaginação que são a própria essência da
criançada.

Importância do desenho na Educação Infantil

O desenho infantil tem se constituído como um tema de investigação de vários


pesquisadores, e foi somente no final do século XX que o interesse por ele começou a ser
despertado por parte dos teóricos em diversas áreas do conhecimento. O desenho é uma forma
de a criança comunicar e expressar seus sentimentos, tendo em vista ainda não poder expô-los
pela linguagem oral e escrita. Assim, a arte na idade infantil, mais do que um entretenimento,
é um entendimento significativo da criança, consigo mesma, é a seleção daqueles aspectos em
que ela vive, com os quais ela se identifica. Isso porque a arte proporciona a ela uma vasta
gama de possibilidades, sendo muito importante para o seu contínuo processo de crescimento
perceptual e emocional.
De acordo com Mèredieu (2006, p. 2), os estudos sobre o desenho foram se ampliando
e as áreas que se beneficiaram com essa expansão foram a Psicologia, a Pedagogia, a
Sociologia e a Estética. A partir de então, essas concepções tiveram uma grande mudança por
causa da maneira que os desenhos infantis eram encarados, como “malogros” ou “fracassos”,
já que eram tidos como uma mera fase de preparação para a arte adulta. “[...] o aparecimento
do que se chama arte infantil foi condicionado pela evolução das técnicas gráficas e plásticas
e pela difusão cada vez maior do papel e do lápis, ocasionada pela baixa do custo de
fabricação desses produtos” (MÈREDIEU, 2006, p. 4).
No século XIX a criança só podia produzir seus desenhos quando lhe eram fornecidos
instrumentos e materiais. Durante muito tempo, o papel se tornou um produto caro, e muitas
delas não tinham condições de possuir esses suportes e, por isso, tinham de se contentar em
escrever na areia. Com o passar do tempo, os desenhos foram evoluindo com o auxílio de
instrumentos e de materiais modificados para o estilo infantil, com o aparecimento de canetas
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hidrográficas, principalmente nas escolas do maternal, e com o surgimento do grafismo,


utilizando-se muitas cores.
Comenta Moreira (1997, p. 28) que “a criança pequena desenha pelo prazer do gesto,
pelo prazer de produzir uma marca. É um jogo de exercício que a criança repete muitas vezes
para certificar-se do seu domínio sobre aquele movimento”. A ação desse movimento é um
rabisco que é impossível de ser compreendido pelo adulto e que é a chamado de “garatuja”. O
desenho nessa fase não tem compromisso com a representação de qualquer espécie. Com o
prazer do gesto, a criança deixa sua marca, com a conquista do controle da mão usando os
instrumentos. Assim, “[...] observar como a criança aprende a desenhar é fato fundamental
para o trabalho educacional, e conhecer os processos de aprendizagem no desenho promove
as transformações de seu ensino” (IAVELBERG, 2013, p. 102). Nesse sentido, a tarefa dos
educadores consiste em saber como a criança aprende e se desenvolve nesse campo de forças
nas diferentes culturas, como também cabe à escola abrir oportunidades no ensino das
diversas áreas de conhecimento. É preciso estimular a criatividade das crianças para que elas
desenvolvam sua capacidade desenhista.
Derdyk (1989, p. 19) enfatiza que a criança, enquanto desenha, canta, dança, conta
histórias, teatraliza, imagina ou até silencia. No agir do desenho, ela é estimulada a outras
manifestações, o que possibilita uma grande caminhada pelo seu imaginário, uma vez que
“[...] o desenho também é manifestação da inteligência, a criança vive a inventar explicações,
hipóteses e teorias para compreender a realidade” (DERDYK, 1989, p. 54).
O mundo infantil é reinventado constantemente, construindo-se e reconstruindo-se
possibilidades e desenvolvendo-se a sua inteligência, principalmente quando existem
possibilidades e condições físicas, emocionais e intelectuais. Além disso, “[...] a criança que
tem bastante oportunidade para desenhar certamente, irá explorar uma maior quantidade de
tipos variados de grafismos” (DERDYK, 1989 p. 59). Dessa forma, a compreensão se torna
aguçada, pois, a partir dos rabiscos, poderá surgir, em um tempo futuro, certas formas básicas.
Portanto, a garatuja também é como uma atividade mental, cognitiva e simbólica. Ao
desenhar, a criança passa a ganhar compreensão do mundo, aprende a desenhar o que vê e o
que as pessoas executam ao seu redor e, com isso, adquire e assimila níveis de conhecimento
e de produção artística cada vez mais complexos.
Derdyk (1989, p. 73) afirma que “[...] desenhar é uma atividade lúdica, reunindo,
como em todo o jogo, o aspecto operacional e o imaginário. No jogo do desenho, o tempo e o
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espaço são transformados”. O autor comenta ainda que todo ato de brincar reúne esses dois
aspectos, que se correspondem: a operacionalidade, que envolve o funcionamento físico,
temporal, espacial, material, as regras; e o imaginário, que envolve o projetar, o pensar, o
idealizar, o imaginar situações. Quando se faz um desenho, o espaço do papel se altera, pois
esse ato envolve a ludicidade, e nesse brincar envolve aspectos que correspondem desde ao
funcionamento físico até o idealizar.
O desenho é indispensável para o desenvolvimento da criança, pois ela projeta no
papel o seu esquema corporal, representando seus impulsos, seus desejos, suas emoções e
seus sentimentos. “Cada desenho reflete os sentimentos, a capacidade intelectual, o
desenvolvimento físico, a acuidade perceptiva, o envolvimento criador, o gosto estético e até
a evolução social da criança, como indivíduo” (BRITTAIN; LOWENFELD, 1977, p. 35). O
trabalho das crianças contém uma verdadeira profundeza de sentimento e de emoções tendo
em vista que, na medida em que elas vão crescendo e se desenvolvendo, os desenhos ficam
abertamente visíveis para elas e esses rascunhos podem, sim, colaborar com o
desenvolvimento emocional.
Iavelberg (2013, p. 35) afirma: “As crianças de educação infantil agem com vigor ao
desenhar. Experimentam movimentos e matérias oferecidos sem medo, fazendo-os variar por
intermédio de suas ações”. Diante disso, a criança trabalha de modo concentrado em seu
desenho, pois, desde cedo, a cultura já se faz presente no meio social. A partir disso, essas
crianças vão construindo suas ideias sobre o que é o desenho e para que serve esse desenhar.
O rabisco torna, no entanto, tradutor das vivências desses sujeitos, isto é, ao desenhar,
a criança consegue expressar suas verdadeiras emoções. Geralmente, na fase infantil têm uma
necessidade de nomear os desenhos, surgindo, assim, o conjunto dos seus traços iniciais. “[...]
a criança projeta no desenho o seu esquema corporal, deseja ver a sua própria imagem
refletida no espelho do papel” (DERDYK, 1989, p. 51). Dessa forma, a criança, por meio de
seus desenhos, exibe indícios de sua realidade, trazendo à tona desejos interiores, emoções e
sentimentos vividos por ela. Muitas delas expressam algo voltado para as experiências e as
vivências do seu mundo. Por isso, o professor deve sempre incentivá-las a desenhar por meio
de desafios que despertem sua curiosidade.
Conforme ressalta Lowenfeld (1977), os tamanhos do desenho infantil “[...] mudam
como um todo ou uma parte, de acordo com sua importância. Se formos corrigi-las, iremos
interferir no toque emocional que a criança dedica às coisas cujas dimensões exagera”
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(LOWENFELD, 1977, p. 31). Por isso, nunca devemos corrigir essas proporções enquanto a
criança estiver feliz com a sua própria criação. Não devemos intervir no seu trabalho, pois
isso só serviria para torná-la inibida, uma vez que ela, ao desenhar, “[...] transmite sua
experiência subjetiva do que é importante para ela no ato de desenhar; unicamente demonstra
o que se encontra de forma ativa em sua mente” (LOWENFELD, 1977, p. 31). Ou seja, a
criança transfere sua experiência a algo que está baseado na sua interpretação pessoal.
Portanto, o desenho lhe fornece registros das coisas importantes para ela durante a confecção
dos desenhos.

Os estágios do desenho na Educação Infantil na perspectiva de Brittain e Lowenfeld

De acordo com Brittain e Lowenfeld (1977), o estágio evolutivo da personalidade


passa por consecutivas fases, desde a infância até a adolescência: a fase das garatujas, dos
dois aos quatro anos de idade; a pré-esquemática, dos quatro aos sete anos; a esquemática, dos
sete aos nove; a do realismo, dos nove aos 12; a do pseudonaturalismo, dos 12 aos 14; e a fase
da decisão, dos 14 aos 17 anos. Portanto, como não existem duas crianças iguais, os seus
desenhos relativamente não sairão idênticos.
Cada arte feita refletirá em inúmeras facetas da pessoalidade de cada criança, assim
como nos seus desenhos, demonstrando a evolução de suas personalidades. No entanto, este
trabalho abordará apenas a fase das garatujas, que vai desde os dois anos até os quatro, e a
fase pré-esquemática, dos quatro aos sete anos, tendo em vista que a nossa pesquisa está
direcionada à modalidade da Educação Infantil, que compreende a etapa de zero a cinco anos
de idade.
Na primeira fase, que é a das garatujas, a criança muito pequena começa a desenhar,
construindo rabiscos intermináveis e desordenados em uma folha de papel e passando por
várias fases de crescimento evolutivo, o que faz com que as garatujas variem de riscos até
formas controladas, conforme é apresentado nas figuras 1 e 2, em que podemos perceber tais
características dessas fases.
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Figura 1 - Garatuja desordenada feita por uma criança de dois anos e meio

Fonte: Brittain e Lowenfeld (1977, p. 118).

Figura 2 - Garatuja controlada feita por uma criança de três anos

Fonte: Brittain e Lowenfeld (1977, p. 121).

Na fase da rabiscação desordenada, conforme mostra a Figura 1, as linhas aparecem


em todas as direções. Enquanto que, na Figura 2, percebemos que a criança demonstra certo
controle visual sobre os traços que está construindo. Assim, o uso dessa nova descoberta
estimula a criança a variar seus movimentos, sendo que essas linhas podem ser repetidas,
horizontalmente, verticalmente e em forma circular (BRITTAIN; LOWENFELD, 1977, p.
120).
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Por meio do traçado, a criança pode expressar afeto, medo, confiança ou


agressividade. Segundo Lowenfeld (1977), depois chega a fase da rabiscação longitudinal, em
que o rabisco já é intencionado e o sujeito já tem noção do que está fazendo, passando a
admirar a sua própria atividade. Quando a criança chega à fase da rabiscação acompanhada de
fabulação, ela começa a dar nome aos seus desenhos, dando um significado aos seus trabalhos
plásticos, pois, em “[...] determinado tempo, a criança descobrirá que existe uma ligação entre
seus movimentos e os traços que faz no papel, isto pode ocorrer mais ou menos seis meses
após ter começado a garatujar” (BRITTAIN; LOWENFELD, 1977, p. 120).
Depois de algum tempo da fase das garatujas, a criança começa a ter controle visual de
seus traços “[...] embora a criança nessa idade não tenha controle visual sobre suas garatujas,
os pais devem considerar esse fato uma indicação de que ela ainda não está pronta para
desempenhar tarefas que requeiram um exato controle motor de seus movimentos”
(BRITTAIN; LOWENFELD, 1997, p. 119). No entanto, o início da fase das garatujas indica
que a criança necessita de auxílio ao desenvolver alguns movimentos.

Esta nova etapa é de grande interesse no desenvolvimento das crianças. Representa


o ponto em que elas começam a dar nomes às suas garatujas. Talvez o menino diga:
“está é mãe”, ou “este sou eu correndo”. Contudo, no desenho, não são
reconhecíveis nem ele nem mãe. Esta atribuição de nomes às garatujas é de grande
significado, pois indica uma transformação no pensamento da criança (BRITTAIN;
LOWENFELD, 1997, p. 123).

Apesar de os desenhos não serem ainda identificados, a criança começa a nomear as


suas garatujas, relacionando-as com as coisas da realidade a sua volta, e, mesmo que a criança
tenha

[...] Usualmente chegado à fase de atribuição de nomes às suas garatujas, por volta
dos três anos e meio, desfrutará, frequentemente, o puro movimento físico e, se
receber um novo instrumento de desenho, passará tempo considerável ensaiando
essa ferramenta (BRITTAIN; LOWENFELD, p. 124).

Nessa fase, a criança se diverte passando o tempo desenhando, descobrindo suas


próprias possibilidades e tornando suas garatujas mais reconhecíveis. Nessa idade,
aproximadamente, a criança transfere o sentimento de felicidade. Esse exercício é essencial
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para ela, e não devemos desviá-los ou interrompê-los, ou seja, de modo algum devemos privá-
los dessa criação.

Os primeiros traços são, geralmente, fortuitos, e a criança parece não se aperceber de


que poderia fazer deles o que quisesse. Variam em comprimento e direção, embora
possam repetir-se algumas vezes, à medida que a criança movimenta o braço para
trás e para frente. Além disso, ela pode estar olhando para outro lado, enquanto faz
esses traços, e continua ainda garatujando (BRITTAIN; LOWENFELD, 1977, p.
117).

As crianças, na fase das garatujas, ainda não desenvolveram um controle muscular


perfeito, e só os movimentos mais abrangentes serão repetidos. Para as crianças, os rabiscos
são grandes movimentos, sendo que, para os adultos, parece ser um ato insignificante.
Já na fase pré-esquemática, que vai dos quatro aos sete anos de idade, a criança,
segundo Brittain e Lowenfeld (1977), vai conseguindo transmitir em suas artes qualquer
objeto de reconhecimento. Nessa mesma fase a criança realiza suas primeiras tentativas de
representação, durante até os sete anos de idade.
Nessa etapa, o indivíduo começa a desvendar a relação que se estabelece naquele
momento entre o desenho, o pensamento e a sua realidade. O indivíduo passa a simbolizar o
seu mundo, no qual surgem a figura humana e os objetos. No início, a imagem do ser humano
é representada por um círculo irregular do qual saem braços e pernas, sendo melhorada mais
tarde no decorrer do desenvolvimento da criança. Na Figura 3, podemos perceber como a
figura humana é simbolizada.

Figura 3 - “Um homem” desenhado por uma criança de quatro anos


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Fonte: Brittain e Lowenfeld (1977, p. 150).


Nessa etapa, as crianças simbolizam os seus desenhos fazendo uma distinção de
pessoas, de casas ou de árvores. À medida que elas vão evoluindo, seus desenhos ficam mais
claros de se identificar. Assim, por meio do estágio pré-esquemático, “[...] é possível
considerar que os desenhos das crianças dessa idade são fruto da evolução de um conjunto
indefinido de linhas até uma definida configuração representativa” (BRITTAIN;
LOWENFELD, p. 149). As primeiras tentativas de representação progridem exatamente nas
fases das garatujas, pois o primeiro símbolo criado pelas crianças é um homem, como é
apresentado na Figura 3. Esse homem é desenhado com movimentos circulares indicando as
pernas, e esses desenhos têm características comuns quando feitos por crianças de cinco anos.
Brittain e Lowenfeld (1977, p. 147) falam da importância da fase pré-esquemática, a
qual deriva da criação consciente da forma gráfica, portanto, esse período do desenvolvimento
é importantíssimo para a criança, pois ela cria conscientemente seus desenhos fazendo uma
relação com o mundo a sua volta. Desse modo, “[...] a criança pré-escolar aprende de modo
mais ativo do que passivo, isto é, sua interação real com o meio, o tocar, ver e manipular
fazem parte do seu progresso total” (BRITTAIN; LOWENFELD, p. 381).
Portanto, a interação real da criança está estreitamente conectada ao seu
desenvolvimento de cognição e de percepção, isto é, a criança, a partir dos seis anos de idade,
já consegue de forma organizada fazer o desenho de um homem. Com isso, a fase de evolução
das crianças é prolongada sempre em busca de novos conceitos, e esses símbolos e essas
representações mudam constantemente, porque, na “[...] fase das primeiras experiências
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representativas, mais interesse e excitação são estimulados através das relações entre o
desenho e um objeto do que entre a cor e um objeto” (BRITTAIN; LOWENFELD, p. 153).
Nessas primeiras experiências, o indivíduo começa a desenvolver formas, e essas formas se
tornam essenciais diante da fase das garatujas, pois as crianças usam constantemente a cor
para definir os objetos, mas, quando elas passam a fazer uso das linhas, os instrumentos
começam a ser comparados mais com sua forma original.
Os desenhos das crianças na fase das garatujas e na fase pré-esquemática podem ser
considerados um reflexo da própria criatividade infantil. Os desenhos, as garatujas e as
pinturas da criança não só representam seus conceitos, seus sentimentos e suas compreensões,
mas também proporcionam ao adulto ou o professor um modo de compreendê-la melhor.
Além disso, o desenho pode colaborar não só com o desenvolvimento intelectual da criança
durante o seu crescimento, mas também com o desejo. O desejo dela de explorar e de
investigar o ambiente ao seu redor, estando suscetível, assim, a cometer erros e a sentir amor,
afeto e medo. É essencial que a criança viva por si mesma todas essas experiências.

Desenvolvimento gráfico das crianças

O processo de desenvolvimento gráfico infantil está diretamente ligado ao crescimento


físico, social, intelectual e afetivo-emocional da criança. Os primeiros signos gráficos da
humanidade foram as estilizações da figura humana. Arno Stern (apud MÈREDIEU, 2006, p.
13) observou que a imagem do boneco está subjacente a todas as principais figuras do
desenho infantil: “[...] na origem, escrita e desenho poderiam derivar de uma projeção
inconsciente do esquema corporal”. Ou seja, as imagens dos bonecos são pequenas projeções
que se encontram ocultas e invisíveis nas figuras do desenho infantil no nosso subconsciente.
O grafismo infantil, na perspectiva de Mèredieu (2006), é, sobretudo, narrativo e figurativo:
“[...] assim que descobre a possibilidade de representar o real por meio de signos, a criança
contenta-se geralmente em desenhar objetos e não recorre com frequência à abstração”
(MÈREDIEU, 2006, p. 38).
Portanto, no grafismo infantil, o indivíduo busca transmitir alguma mensagem por
meio de seus desenhos. "Toda criança deseja, mas nem toda criança gosta, necessariamente,
de desenhar” (DERDYK, 1989, p. 51). Provavelmente, algumas delas escolhem outras
atividades expressivas: algumas gostam de pintar, de cantar, de dançar, de contar histórias,
enquanto outras gostam de construir e de representar. Isso porque a sensibilidade e a estrutura
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mental de cada criança são individuais. Cada uma se adapta a alguma atividade. No início,
“[...] a criança garatuja desordenadamente, caoticamente, casualmente, longitudinalmente em
todas as direções” (DERDYK, 1989, p. 60), pois ela ainda não tem a menor noção do campo
total do papel. Mas, com o tempo, ela se dá conta das bordas da folha, percebendo o campo de
sua ação.
Com o desenho, a criança representa, cria regras que ela mesma pode se encarregar de
subverter. A criança, entre dois e seis anos, simboliza o que ela sabe do objeto, assim, ela
assimila tudo o que vê e vivencia. Ao desenhar, ela desvenda a afetividade que estabelece
com o objeto (DERDYK, 1989, p. 126).
De acordo com Moreira (1997, p. 20), o desenho é sua primeira escrita da criança, e
ela desenha para deixar sua marca registrada no papel, pois, antes de aprender a escrever, ela
se auxilia nos desenhos. Ou seja, “[...] no ato de desenhar, pensamento e sentimento estão
juntos, pois também é possível constatar que as crianças, com algum comprometimento a
nível intelectual, apresentam acentuado comprometimento no desenho” (MOREIRA, 1997, p.
24). O desenho marca o desenvolvimento da infância, pois, em cada estágio, esse recurso
assume uma característica própria.
As crianças têm seus sentimentos e acabam por depositá-los no desenho, expressando
seus medos, suas tristezas, e sua alegria. “A arte na educação passa a ser vista não só como
autoexpressão, mas também como conhecimento” (PCN/Arte. BRASIL, 2000 apud
FERREIRA, 2005, p. 16). Os alunos ampliam sua visão de mundo por meio do saber e,
fundamentados na proposta de ensino da arte, devem conhecer nosso passado para entender o
presente. Isso porque os educandos, ao desenvolverem atividades por meio das linguagens
artísticas, podem aprender a desvelar uma pluralidade de significados, de interferências
culturais, econômicas e políticas. Assim, o desenho “[...] é para a criança um campo
imaginário onde ela poderá desenvolver a imaginação criadora” (FERREIRA, 2005, p. 21).
Durante a confecção de seus desenhos, a criança vai adquirindo experiências
importantes para seu desenvolvimento e, com isso, ela poderá tornar-se dona de sua própria
imaginação. Entretanto, para que isso aconteça, “[...] o trabalho artístico deve ser espontâneo
e criativo. Não se deve entregar a criança desenhos prontos para colorir nem mostrar a criança
como se “pinta”, pois a tornará insensível ao meio” (FERREIRA, 2005, p. 23). Na atividade
artística, não deve haver preocupação com a arte das crianças, pois uma vez que não há
medida real que avalie essa expressão artística.
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A criança, quando chega à fase de três a quatro anos, sente uma necessidade de imitar
os adultos. Com isso, percebemos a vontade dela de escrever. Ela vai demonstrando, tentando
imitar as escritas, principalmente dos adultos. “[...] a criança aprende, então, a utilizar os
elementos de um código gráfico praticamente universal, que lhe permite fazer-se compreender
e entrar em contato com o adulto” (MÈREDIEU, 2006, p. 18). O sujeito nessa idade está em
um processo de socialização em que aprende a utilizar vários elementos gráficos e passa
compreender e a socializar em contato com o adulto.
Mèredieu (2006) destaca que, por meio do desenho, podemos conhecer a
personalidade da criança. Por exemplo: “[...] a criança zangada rabisca com energia, a
angustiada borra com traços negros o desenho que acabou de fazer” (MÉREDIEU 2006, p.
18). A zangada deposita todo seu sentimento de raiva, com o rabisco centrado no papel,
porque seu grafismo ainda não se desenvolveu, encontra-se no estágio inicial. A criança,
quando se expressa o desenho, representa-o por meio de “[...] signos gráficos – sol, boneco,
casa, navio –, signos emblemáticos cujo número aparece idêntico através de todas as
produções infantis” (MÈREDIEU, 2006, p. 14). De acordo com a variação de cada idade, o
indivíduo utiliza variados signos gráficos, cada um com um modo de expressão próprio para
suas produções.
Derdyk (1989, p. 15) chama a atenção para algo importante que o professor deve
possuir: clareza e conhecimento sobre as linguagens expressivas das crianças, para não
incorrer em erros inadequados no momento de avaliar as garatujas e os rabiscos delas. O
papel do educador é fundamental na vivência prática e efetiva do aluno. Então, para que não
haja erros na avaliação das garatujas e dos rabiscos, o docente da pré-escola deve ter uma
possível inter-relação com o pleno desenvolvimento da criança. Portanto, é necessário, tanto
para o adulto quanto para a criança atividades mais condizente com a realidade de ambos,
para que aconteça uma troca assertiva entre teoria e prática.
O desenho se torna objeto de estudo por refletir muito a realidade vivenciada pelas
crianças. Portanto, é por meio dele que muitas delas demonstram seus anseios interiores e que
se demonstra o desenvolvimento mental delas. “O desenho-jogo simbólico vai se modificando
e conquistando novas formas. Vão aparecendo figuras fechadas, com inscrições dentro e fora.
Começam a surgir os primeiros bonecos, quase girinos” (MOREIRA, 1997, p. 36).
Os desenhos vão ganhando formas diferenciadas e variadas no decorrer do tempo, vão
se transformando continuamente em um universo simbólico que envolvem, por exemplo,
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casas, aviões, bonecos etc. O trabalho artístico deve ser espontâneo e criativo. “Não se deve
entregar à criança desenhos prontos para colorir nem mostrar à criança como se ‘pinta’, pois a
tornará insensível ao meio” (FERREIRA, 2005, p. 23). O professor não deve dar respostas
prontas para seus alunos, para que assim eles não dependam do pensamento alheio.
O educador deve incentivar seus educandos a inventar e a criar suas próprias ideias
diante de seu trabalho. “A arte infantil deve ser apreciada levando em conta a sua fase de
desenvolvimento” (FERREIRA, 2005, p. 23). Por isso, todos os trabalhos das crianças devem
ser valorizados, como também se deve observar as ideias, a individualidade e o pensamento
mental e emocional do trabalho artístico de cada criança.
De acordo com o desenvolvimento intelectual, ocorre a expansão de ideias que a
criança tem de si mesma e do meio no qual ela vive, demonstrando a sua capacidade
intelectual. Uma “[...] criança que diz: ‘não posso desenhar’ demonstra estar inibida na
expressão espontânea e criadora de suas experiências” (LOWENFELD, 1977, p. 43).
Muitas das crianças se expressam de modos variados, de acordo com suas diferenças
individuais. Se elas não conseguem representar, alguma coisa deve ter intervindo em sua
autoconfiança, podendo ser até a intervenção dos adultos dizendo que seu desenho está
“errado” ou não está legal.
Entretanto, Brittain e Lowenfeld ressaltam que “[...] até os rabiscos indefinidos de uma
criança, nas fases das garatujas, podem representar, na realidade, um sentimento ou os
sentimentos do eu” (BRITTAIN; LOWENFELD, 1997, p. 40). Os desenhos nessas fases
fornecem bons indícios sobre o desenvolvimento da criança, o qual se estende desde a um
ponto de vista em que suas ações estão centradas em si mesmo, no caso do egocentrismo, até
uma progressiva conscientização do eu.

Uma criança que está garatujando aos quatro anos de idade pode começar a dar
nomes a algumas partes de seu desenho e a relacionar este com objetos estranhos a
si própria. As linhas podem subir e descer de um lado a outro da página, e ela dirá
que se trata de um cachorrinho correndo (BRITTAIN; LOWENFELD, 1997, p. 91).

Um professor sensível e alerta deve compreender que isso talvez estabeleça uma
experiência fortemente satisfatória. Isso porque essa descarga de energia é natural e não deve
ser reprimida, pois isso pode intervir na evolução do desenvolvimento da criança.
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Lowenfeld (1977, p. 98) afirma que as crianças utilizam dois modos diferentes para
ocupar a totalidade do papel. No primeiro, elas podem iniciar seus rabiscos e dar
continuidade, sem interrompê-lo, cobrindo todo o espaço da folha do papel, além de essa
atividade ser repetitiva, pode ser atribuída de maneira natural o espírito infantil. No segundo
modo, a criança pode iniciar com um grande movimento o seu desenho e, depois de ver o que
está fazendo, ao notar que sua arte não está espalhada, ela tenta ampliar para atingir todo o
espaço em branco no papel, sendo que essa criança não possui hábito de organização.

Considerações Finais

Ao discorrer sobre a contribuição do desenho na educação infantil, consideramos


relevante destacar alguns pontos, como, por exemplo, que os primeiros anos de vida são
possivelmente os mais significativos para o desenvolvimento das crianças. Assim, o desenho
marca o desenvolvimento da infância, pois, em cada estágio que a criança vivencia, ela vai
expressando seus medos, suas tristezas e suas alegrias e vai desvelando sua subjetividade,
pois ela projeta no papel o seu esquema corporal, representando seus impulsos, seus desejos,
suas emoções e seus sentimentos.
A criança, ao desenhar, vai adquirindo muitas aprendizagens, deixando sua marca
registrada no papel, uma vez que, antes de aprender a escrever, ela se auxilia dos desenhos.
Ou seja, é como se os desenhos falassem, chegando mesmo a ser um conjunto de escrituras ou
até mesmo uma caligrafia, pois, durante a criação do desenho, a criança vai adquirindo
experiências importantes para o seu desenvolvimento emocional, intelectual, físico,
perceptual, social, estético e criador.
Portanto, é importante que os professores valorizem a arte das crianças, pois o desenho
se constitui como um elemento articulador da prática pedagógica, para que o professor possa
compreender como elas vão se desenvolvendo nesta fase tão importante que é a Educação
Infantil, além disso, o professor deve conhecer e compreender as etapas de evolução do
desenho, para que não haja erros na avaliação das garatujas e dos rabiscos. Para isso, faz-se
necessário que o educador tenha um conhecimento sólido do desenvolvimento infantil.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução n. 5, de 17 de dezembro de 2009: Fixa


as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/CNE, 2009.
901

_______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.


Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Introdução. v. 1. Brasília:
MEC/SEF, 1998.

BRITAIN, W. Lambert; LOWENFELD, Viktor. Desenvolvimento da capacidade criadora.


1. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho: Desenvolvimento do grafismo infantil. São


Paulo: Scipione, 1989.

FERREIRA, Aurora. A criança e a arte: O dia a dia na sala de aula. Rio de Janeiro: WAK,
2005.

IAVELBERG, Rosa. O desenho cultivado da criança. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2013.

LOWENFELD, Viktor. A criança e sua arte. 2 ed. São Paulo. Mestre Jou, 1977.

MÈREDIEU, Florence de. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2006.

MOREIRA, Ana Angélica Albano. O espaço do desenho: A educação do educador. São


Paulo: Loyola, 1997.

ROSEMBERG, F. Expansão da Educação Infantil e processo de exclusão. Caderno de


Pesquisa, São Paulo, v. 1, n. 107, p. 7-40, jul. 1999.

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