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Historiografia

Autora
Alexandra Dias Ferraz Tedesco
Videoaula - A historiografia “tradicional”

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Introdução
Caro aluno, seja bem-vindo!

Nesta aula, trataremos algumas das principais correntes e desdobramentos daquilo que se
convenciona chamar de “historiografia contemporânea”. Antes de começarmos, vale a pena
lembrar que, assim como ocorreu em diversas áreas do conhecimento, a historiografia também
acompanhou a abertura da sociedade como um todo. Por isso, ficaremos atentos à relação entre
as escolas teóricas, seus principais intérpretes e os acontecimentos centrais do século XX, que
deram forma às reflexões historiográficas.

Iniciaremos com a Escola dos Annales, uma das principais vertentes da crítica ao positivismo,
que ganhou repercussão mundial a partir da fundação, em 1929, da revista dos Annales.
Veremos como, a partir da multiplicação dos objetos, fontes e procedimentos do historiador,
autores como Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel revolucionaram a escrita da História
e o papel da reflexão sobre o passado na compreensão do presente.

Em seguida, nosso olhar se dirigirá para a Escola de Frankfurt, que surge na Alemanha na década
de 1920 e que tem desdobramentos fundamentais para compreendermos como os intelectuais
de meados do século XX refletiram em relação a temas como o totalitarismo, a noção de
historicidade e a interação entre expectativa do futuro e projetos de emancipação. Outra escola
importante para a compreensão dos rumos do debate historiográfico contemporâneo é aquela
que se organizou em torno da New Left Review. Os chamados “marxistas sociais ingleses”,
especialmente na figura de Eric Hobsbawm e Edward P. Thompson revisaram algumas das teses
marxistas clássicas e, na mesma trilha aberta pelos Annales, dedicaram-se a pensar os
costumes e as experiências vivenciadas pelas populações outrora excluídas da narrativa da
história, como os camponeses, as mulheres e as classes trabalhadoras.

Finalmente, terminaremos nosso percurso observando os desdobramentos dessas inovações na


historiografia da virada do século XX para o século XXI. Para isso, entraremos em contato com
os temas centrais da chamada “história do tempo presente”, como a noção de testemunho, os
debates em torno da objetividade/subjetividade do historiador contemporâneo e as interações
entre o campo da história e o campo da memória.

Estudar historiografia exige um exercício constante de reflexividade. Mais do que elencar uma
série de abordagens possíveis para a análise dos fenômenos históricos, ela nos convida a pensar
sobre a própria produção das nossas lentes de observação. Essa dimensão é fundamental para
que nós, historiadores, possamos nos ver como parte integrante da história que narramos, além
de nos ajudar a pôr em perspectiva as demandas que as mudanças sociais impõem a seus
intérpretes. Afinal, como dizia Marc Bloch em sua obra clássica “Apologia da História” os homens
se parecem mais com seu tempo do que com seus pais.
UNIDADE 1

Os Annales e o conhecimento
histórico
Objetivos:
- Apresentar os principais debates historiográficos referentes à assim chamada
Escola dos Annales, fornecendo aos alunos as ferramentas necessárias para que
eles analisem criticamente esses postulados teóricos.
- Desenvolver o olhar comparativo para a apreciação das rupturas e
continuidades entre as diferentes fases do empreendimento dos Annales.
- Situar historicamente as mudanças de ordem teórica, incentivando o olhar
sistêmico sobre o projeto intelectual dos Annales.

Videoaula - A Escola dos Annales

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1 Os Annales e o conhecimento histórico

1.1 Introdução

O termo “Escola dos Annales” refere-se, inicialmente, a um projeto intelectual historicamente


situado na França das primeiras décadas do século XX. Mais do que apenas uma escola, os
Annales se tornaram a grande referência da historiografia mundial a partir da década de 1950.
Podemos começar nossa reflexão nos questionando sobre como um empreendimento que
começou com uma revista, a Annales d’Histoire Économique et Sociale (Anais de História
Econômica e Social), fundada em 1929, acabou se convertendo no grande paradigma
internacional dos historiadores da primeira metade do século. Para responder a essa questão,
faremos uma breve incursão aos antecedentes dos Annales, que nos ajudarão a perceber como
esses autores dialogaram criticamente com a tradição anterior.

A virada do século XIX para o século XX é marcada, na França, pelo predomínio da tendência
positivista. Tendo suas origens nas reflexões teóricas da escola filosófica do positivismo,
historiadores consagrados como Charles Langlois e Charles Seignobos organizavam a escrita da
história a partir da ideia de rigor documental, empreendimento conhecido como Escola Metódica.
Para esses historiadores, que ocupavam posições dominantes no sistema universitário francês e,
portanto, possuíam certa capacidade de definir os rumos da pesquisa histórica, o passado
poderia ser descrito a partir de seus registros oficiais. Isso significa que o historiador não
poderia, nem deveria investir suas vivências pessoais na narração do passado. Ao contrário,
deveria primar pela objetividade e pelo rigor metodológico, atentando-se para os elementos
causais que organizavam a reconstrução do passado.
Os termos em destaque no parágrafo acima, “positivismo” e “objetividade” são tributários de uma
ampla discussão filosófica, que orientou grande parte do século XIX nessa disciplina.
Basicamente, trata-se de uma celeuma entre aqueles identificados com a tradição positivista, que
primavam pela análise objetiva da realidade (ou seja, isenta de envolvimento e atenta às
regularidades e leis sociais que seriam, no limite, análogas às da biologia) e aqueles que
pretendiam cultivar uma relação de subjetividade com os fenômenos do passado, dentre os quais
podemos destacar o alemão Wilhelm Dilthey, autor de obras clássicas como “A Construção do
mundo histórico nas Ciências Humanas” e “Introdução às Ciências Humanas”.

Para saber mais sobre essa discussão, você pode consultar o artigo:

www.scielo.br [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922002000200003]

Figura 1: Leopold Von Ranke

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Leopold_Von_Ranke_1877.jpg]

Essa perspectiva, consolidada desde a circulação da obra de Leopold von Ranke (Figura 1), em
meados do século XIX,  já vinha sendo questionada por historiadores que consideravam que
essa visão limitava o trabalho do historiador, além de deixar de fora aspectos importantes como
os novos setores sociais que emergiam na sociedade francesa, os movimentos econômicos mais
amplos e as implicações culturais dos processos de modernização social. É a partir dessas
críticas que emerge o grupo que ficou conhecido, posteriormente, como Escola dos Annales. Dois
historiadores, Lucien Febvre e Marc Bloch, protagonizaram esse movimento de renovação.

Para entender o impacto de sua empreitada, vamos conhecer um pouco sobre sua inserção no
campo intelectual francês, suas principais ideias e a repercussão de suas inovações
metodológicas.

Antes de adentrarmos propriamente nos pressupostos da Escola dos Annales, porém, vale a
pena nos determos um pouco em algumas considerações introdutórias. Como foi possível que
um debate ocorrido dentro das universidades francesas alcançasse tamanha projeção
internacional? Essa questão é importante porque os Annales representaram não apenas uma
ruptura com o positivismo ou com a chamada Escola Metódica, mas também uma nova forma de
relação dos historiadores com seu objeto.

Primeiramente, é preciso considerar que a França estava no centro da vida intelectual europeia
do século XIX. Se a Alemanha possuía, já então, grandes universidades, que atraíam alunos do
mundo todo para seus prestigiosos cursos científicos, era em Paris que intelectuais de diversas
correntes se encontravam e criavam laços de sociabilidade e de vínculos profissionais. Pintores,
filósofos, sociólogos e, claro, historiadores, podiam ali conviver e dialogar sobre temas comuns a
essas especialidades como a modernidade, o crescimento das cidades e as novas expressões da
sensibilidade contemporânea (Figura 2).

Figura 2: Paris da Belle Epoque - 1911

Fonte: www.linternaute.com
[http://www.linternaute.com/savoir/magazine/photo/paris-belle-epoque-par-
eugene-atget/le-paris-de-la-belle-epoque-vu-par-eugene-atget.shtml]

Já nos primeiros anos do século XX, mais precisamente em 1904, uma reforma no sistema
universitário francês procurava modernizar os métodos de ensino e a estrutura organizacional.
Essa reforma, muito debatida em jornais e em círculos de intelectuais, abriu espaço para a
descentralização das cátedras universitárias. Esse foi um fator determinante para o
aparecimento dos Annales, já que vários alunos de historiadores renomados tiveram a
oportunidade de conseguir um espaço institucional para suas inovações. Bloch e Febvre,
protagonistas dos primeiros anos dos Annales, vão para Estrasburgo graças à expansão do
sistema universitário que então se efetivava.

A proposta de renovação dos Annales já vinha sendo discutida em outras disciplinas das
ciências. A reforma universitária em 1904 havia questionado os pilares da formação clássica do
ensino superior francês. Diversos grupos que não aceitavam a modernização das relações
universitárias e não compactuavam com as inovações teóricas em questão se organizaram para
impedir a modernização. O caso mais famoso da resistência desses setores foi um manifesto,
divulgado em 1911 e intitulado L’Sprit de la Nouvelle Sorbonne (O espírito da nova Sorbonne). O
documento acusava os renovadores de frustrarem as expectativas da juventude e de tirar-lhes o
direito de receber a formação universitária clássica criticava, sobretudo, as novas ciências
sociais. O curioso é que esse manifesto circulou de forma anônima, com o pseudônimo “Agathon”
e, apenas depois que o documento já circulava há tempos, descobriu-se que os autores eram
Henri Massis e Alfred de Tarde.

A pluralidade dos intérpretes e a robusta duração da revista (que começou em 1929 e continua,
ainda hoje, a ser publicada) fizeram com que parte importante dos intérpretes dessa corrente
distinguisse, analiticamente, três fases ou “gerações” da Escola dos Annales. A primeira seria a
dos fundadores, Marc Bloch e Lucien Febvre e tem como marco fundamental a criação da revista.
A segunda refere-se às décadas de 1950 e 1960, principalmente a partir dos trabalhos do
historiador da longa duração, Fernand Braudel. Por fim, a terceira geração engloba uma
pluralização de temáticas e uma abertura ainda maior nos procedimentos utilizados para
acessar o passado, e foi protagonizada por autores como Pierre Nora, Pierre Chaunu e Jacques
Le Goff.

Tendo em mente a existência dessas fases, que atravessam grande parte da história do século
XX, podemos começar nossa jornada pela grande empreitada intelectual que foram os Annales.

1.2 As “fases” dos Annales


Em 1929, Marc Bloch e Lucien Febvre, jovens professores da Universidade de Estrasburgo,
fundaram a revista Annales d’Histoire Économique et Sociale (Anais de História Econômica e
Social) (Figura 3). Ambos haviam estudado em consagradas instituições francesas e
combateriam, a partir da fundação da revista, os mestres – considerados historiadores
positivistas – Charles Langlois e C. Seignobos. Bloch havia defendido seu doutorado sobre o
sistema de servidão na França e Febvre era especialista no tema das reformas religiosas dos
séculos XV e XVI. Dedicando-se, portanto, a temas da chamada História Medieval esses
historiadores procuravam desvencilhar-se de uma concepção rígida da história, e propunham,
com a fundação da revista, inaugurar uma “história problema”, capaz de compreender o passado
a partir de suas relações, suas zonas menos frequentadas, seus aspectos psicológicos e suas
implicações culturais.

Figura 3: Revista dos Annales

Fonte: www.persee.fr
[https://www.persee.fr/issue/ahess_00
03-441x_1929_num_1_1]

A revista, que congregava autores de diversas especialidades da historiografia e geógrafos,


sociólogos e estudiosos de áreas afins, contestava uma história feita apenas no registro da
política e que ignorava setores e aspectos tidos como “marginais” pelos positivistas. Um
exemplo dessa renovação pode ser encontrado na obra de Bloch “Os Reis Taumaturgos” (1924).

Neste livro, o autor explora a crença, muito difundida na Europa da sociedade feudal, de que o
toque dos reis tinha um poder mágico de cura. Com isso, Bloch colocava no centro da análise
questões como as crenças, as ideias, as mentalidades, enfim, todo o escopo de problemas que
era anteriormente ignorado pela historiografia interessada em “grandes fatos da política”.
Além das obras sobre História Medieval e Moderna, especialidade dos fundadores, a revista
ajudou a divulgar uma nova concepção de prática historiográfica. O exemplo mais famoso dessa
posição pode ser encontrado em duas obras consagradas de Bloch e Febvre, respectivamente,
“Apologia da História ou o Ofício do Historiador” (1949) e “Combates pela História” (1953). Em
tom de manifesto, esses tratados sintetizavam a busca dos autores por uma história capaz de
inserir os historiadores na composição do próprio objeto de pesquisa. A fórmula, consagrada por
Bloch, condensava-se na proposta de que a história era não apenas uma ciência, mas “a ciência
do homem no tempo”.

Para dar materialidade a essas questões, vamos observar um trecho do texto de Bloch, no qual
ele analisa justamente a necessidade de considerar que o passado não pode ser “reconstruído”
por um historiador objetivo, ao contrário, deve ser reelaborado e narrado a partir das demandas
do presente e, sobretudo, da colaboração com outras áreas de conhecimento e outras
subjetividades (como as testemunhas, os intérpretes e as reconstruções documentais
elaboradas por sujeitos do passado).

Toda coletânea de coisas vistas é, em uma boa metade, de coisas vistas por outro. Economista,

estudo o movimento das transações este mês, esta semana: é com a ajuda de estatísticas que não

foram feitas pessoalmente por mim. Explorador da crista da realidade, ponho-me a sondar a opinião

pública sobre os grandes problemas do momento; faço perguntas, anoto, confiro, recenseio

respostas. O que me fornecem elas serão mais ou menos inabilmente expressa, a imagem que meus

interlocutores formam do que acreditam eles mesmos pensar ou aquela que pretendem me

apresentar de seus pensamentos? Eles são sujeitos de minha experiência. (BLOCH, 2001, p. 70).

Em termos sucintos, a aposta dos Annales se fundamenta em que a disciplina histórica é a


“história ciência do homem, ciência do passado humano. E não, de modo nenhum, ciência das
coisas ou dos conceitos” (FEBVRE, 1977, p. 30).

Nesse sentido, era preciso considerar, além dos textos de documentos clássicos, outras fontes
que pudessem registrar, a seu modo, a passagem do homem pelo tempo. Além disso, a pesquisa
em história passava a ser entendida como um trabalho em equipe, congregando diversas
especialidades em torno dos mesmos problemas, e não mais um trabalho que o historiador fazia
sozinho, isolado em seu gabinete.

Nesses tratados metodológicos, Bloch e Febvre concordam em que a história, disciplina


metodologicamente orientada, não deixa de ser uma ciência quando se abre a novas
perspectivas. Eles salientavam, todavia, que a história era uma atividade humana e, portanto, não
poderia ser reduzida a leis e a regularidades. Segundo Febvre (1977, p. 35):
Assim a história provará, uma vez mais, a unidade viva da ciência: assim se sentirá, ainda mais,

irmã das outras ciências, de todas aquelas cujo maior problema é hoje promover o acordo do lógico e

do real – como é, para a história, promover o acordo do institucional e do contingente.

Figura 4: Escola N. Superior

Fonte: commons.wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Louis_Pasteur,_exterior_of_Ecole_
Normale_Supérieure._Photogr_Wellco
me_V0028767.jpg]

Em 1941, em palestra na École Normal Supérieure (Figura 4), Febvre indica que esse sismo
metodológico que transformou a história se abateu também sobre outras ciências, como a
mecânica e a microbiologia. “Os nossos conhecimentos ultrapassaram bruscamente a nossa
razão. O concreto fazia estalar os quadros do abstrato” (FEBVRE, 1977, p. 52).

Ele sustentava que era preciso dar as costas para o passado, ver onde a história se encontrava
com a vida, para que ação e pensamento pudessem, enfim, coexistir na práxis do historiador. A
ciência – reitera Febvre – é um objeto de historiadores no tempo, não de puros intelectos.

Em famoso prefácio à Apologia da História, de Marc Bloch, Jacques Le Goff demarca essa
fronteira ao traçar um panorama das relações dos Annales com seus antecessores, positivistas
como Seignobos:

Marc Bloch não pede à história que defina falsas leis, as quais a intrusão incessante do acaso torna

impossíveis. Mas não a concebe (a história) senão penetrada de razão e de inteligibilidade, o que

situa sua cientificidade não do lado da natureza, de seu objeto, mas da démarche e do método do

historiador (LE GOFF apud BLOCH, 2001, p. 20).

Trata-se, nesse sentido, de uma recusa parcial: os Annales não rechaçam no positivismo sua
busca por critérios científicos para a história, mas sim a tendência a buscar o padrão
demarcador desses critérios no repertório das ciências naturais. No fim, procuram garantir que a
especificidade da História esteja resguardada, ainda que, para isso, estabeleçam um amplo e
profícuo diálogo com outras disciplinas.

Para saber mais sobre os primeiros anos dos Annales, é possível consultar o artigo da
pesquisadora Mariana Osés, disponível gratuitamente no link:
www.historiadahistoriografia.com.br
[https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1142]

Sinteticamente, é possível delinear os contornos que limitam a relação dos Annales com a
discussão sobre a cientificidade da história. Se, por um lado, eles a consideram uma ciência, não
estão dispostos a conceder seu território metodológico ao predomínio das ciências naturais,
especificamente no que se refere à aplicabilidade de leis. A aposta que lastreia teoricamente
essa renovação parte de que os fatos não reconstroem o passado e não dizem nada sem que o
historiador pergunte. 

Figura 5: Homenagem a Marc Bloch

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Place_Marc-Bloch,_Paris_20.jpg]

Como salientado anteriormente, não podemos entender a dinâmica da Escola dos Annales
deslocada da realidade social na qual ela estava inserida, não apenas de discussões teóricas
vive um projeto intelectual. Um exemplo dramático dessa imbricação entre historiografia e
sociedade é a trajetória do próprio Marc Bloch. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, dez
anos após a fundação da revista dos Annales, Bloch, que era judeu, teve que deixar a direção da
revista. Engajou-se na resistência francesa contra os alemães e, nos anos finais da guerra, foi
preso e torturado pela Gestapo. Acabou fuzilado em 1944, deixando inacabada sua obra mais
famosa, Apologia da História ou O Ofício do Historiador. Seu colega Lucien Febvre seguiu na
direção da Revista até 1946 quando delegou a função a um jovem colaborador do periódico e
continuador das teses centrais dos Annales, Fernand Braudel, que inauguraria a chamada
“Segunda Geração dos Annales” e que conheceremos a partir de agora.

Videoaula - A Segunda Geração dos Annales

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1.2.1 Fase 2: Braudel e as ciências sociais

Se é verdade que não podemos reduzir toda uma geração de colaboradores da revista dos
Annales a apenas um autor, também é verdade que a trajetória de Fernand Braudel nos ajuda a
percorrer as mudanças no periódico, as inovações metodológicas do período e a ampliação da
colaboração com outras disciplinas que caracteriza esse momento da Escola dos Annales.
Começaremos, portanto, com Braudel, e tomaremos suas principais contribuições
historiográficas como guia para a compreensão mais ampla das renovações das décadas de
1950 e 1960.

Fernand Braudel nasceu em Meuse, na França, e especializou-se, ao longo de extensa e profícua


carreira, nas relações entre o espaço geográfico e a chamada história da longa duração. Antes de
ingressar na revista dos Annales, Braudel foi, assim como Bloch, prisioneiro de guerra. Foi nesse
período, inclusive, em que ele trabalhou em sua obra mais clássica "O Mediterrâneo e o Mundo
Mediterrânico à Época de Filipe II", com acesso a uma pequena biblioteca e às suas memórias.

A obra de Braudel, da qual falaremos a partir de agora, segue o exemplo de Bloch e Febvre ao se
desdobrar em duas direções principais. Por um lado, seu esforço por compreender a história
econômica da época moderna, deu origem a análises consagradas que contavam com o apoio de
geógrafos e sociólogos, consolidando a vocação “interdisciplinar” dos Annales. Por outro,
Braudel também escreveu textos de metodologia e reflexão teórica. Começaremos por um deles,
através do qual é possível identificar algumas das ideias centrais da chamada “Segunda
Geração” dos Annales:

No passado considerava-se que só haveria ciência se ela fosse capaz de prever: tinha de ser

profética ou não ser. Hoje, inclinar-nos-íamos a pensar que nenhuma ciência social, incluindo a

história, é profética; por conseguinte, de acordo com as antigas regras do jogo, nenhuma delas teria

direito ao belo título de ciência. Além disso, só haveria profecia – repare-se bem nisso – no caso de

existir a continuidade da história, o que os sociólogos e, embora não todos, os historiadores põem

violentamente em dúvida. Mas, para quê levantar a discussão sobre o confuso nome de ciência e

sobre todos os falsos problemas que dele derivam (...). Nós, que nos resignaríamos sem esforço a não

acreditar na obrigação da antítese, aliviaríamos, de bom grado, as nossas habituais discussões

metodológicas, prescindindo desse debate. O problema da história não se situa entre o pintor e o

quadro – audácia que teria sido considerada excessiva – entre quadro e paisagem, mas antes na

própria paisagem, no coração da vida. (BRAUDEL, 1990, p. 55).

Deste fragmento, podemos desdobrar algumas das principais contribuições de Braudel ao


debate historiográfico das décadas de 1950 e 1960. Inicialmente, a discussão sobre o caráter
científico ou não científico da história. Esse ponto é central, pois inúmeras vezes os Annales
foram criticados por colocarem em dúvida a “objetividade” da ciência histórica assim como era
praticada pelos seus antecessores positivistas.

O que Braudel nos esclarece – e que já aparecia nos temas de Lucien Febvre – é que não se trata
de ignorar o caráter científico da história, mas de salientar a especificidade dos critérios da
ciência histórica. Assim, ao contrário de implantar um método das ciências naturais para os
fenômenos históricos, os Annales supunham que a subjetividade do historiador poderia se
integrar ao estudo dos objetos do passado sem comprometer, com isso, os critérios de
cientificidade. Afinal, alegavam que a história segue um método e, nesse sentido, é
profundamente científica.

Outro tema interessante levantado por Braudel, na esteira do debate sobre os critérios científicos
para a História, é o da colaboração entre disciplinas. O autor do estudo sobre o Mediterrâneo
chamou a atenção de seus contemporâneos para o fato de que coexistiam, nos fenômenos do
passado, uma pluralidade de temporalidades históricas. Dessa forma, no nível do evento, do
efêmero, operaria a “curta duração”, temporalidade a qual os historiadores, desde o começo da
tradição de Heródoto, estavam habituados a perceber. Depois, afirmava Braudel, seria necessário
considerar o tempo da “média duração”, no qual se situariam os eventos sociais de médio
escopo, como as monarquias, as curvas comerciais, etc. Finalmente – e nisso reside a maior
contribuição de Braudel à historiografia de seu tempo – o historiador deveria considerar o tempo
da “longa duração”, nele, as mudanças seriam lentas a ponto de se tornarem quase
imperceptíveis, capturáveis apenas pelas marcas que imprimem às médias e curtas duração.

Neste registro, encontram-se, por exemplo, os períodos geológicos e as configurações


estruturais da sociedade. É a partir daí que ele chamará ao diálogo, especialmente a partir da
revista dos Annales, os geógrafos e sociólogos que, na França da década de 1950, estavam
profundamente influenciados pela corrente estruturalista.

O esforço de Fernand Braudel em angariar apoio de outras disciplinas passou, portanto, por abrir
espaço para a discussão com um dos grupos intelectuais mais poderosos da França do pós-
guerra, os cientistas sociais. Nomes importantes da escola de Émile Durkheim eram diálogos
frequentes de Braudel, o que contribuiu para que a revista dos Annales ganhasse projeção
internacional, ampliando o esforço institucional de Marc Bloch e Lucien Febvre. Ocupando
posições centrais no sistema educacional francês, como professor do College de France a sexta
seção da EPHE, os autores vinculados à revista tornaram-se, pouco a pouco, dominantes no
cenário francês.

[...] trata-se, até os anos 1950, de um pequeno grupo de historiadores que - frequentemente ligados

por amizades e contatos pessoais - estavam comprometidos com um estilo de pensamento comum.

Assim, a corrente transformou-se depois em associação informal de historiadores econômicos,

sociais e culturais, cuja espinha dorsal institucional veio a ser a Sexta Seção da EPHE, que se

sentiam comprometidos com uma tradição comum. (RAPHAEL apud NOVAES; FORASTIERI DA

SILVA, 2013, p. 143).

As perspectivas teóricas que Braudel ajudou a consolidar, assim como a história-problema,


remontavam à geração dos fundadores, e estabeleciam um importante elemento de continuidade
entre a primeira e a segunda geração da escola. Além disso, a discussão estabelecida na obra
sobre o Mediterrâneo contribuiu para que os historiadores estivessem mais atentos à própria
historicidade do tempo histórico, desnaturalizando as hierarquias causais que ainda restavam no
campo da historiografia.

Seu diálogo com os cientistas sociais, especialmente estruturalistas, abriu uma nova
possibilidade teórica para as futuras gerações, a de analisar a assincronia entre as mudanças
econômicas, sociais, políticas e aquelas do domínio das “mentalidades” e das representações.
Um fato político, por exemplo, evento de curta duração, não poderia mais ser entendido como
tributário apenas de um fato anterior, deveria ser agora pensado relacionalmente como uma
manifestação de esferas mais “profundas” da sociedade, como aquela responsável pelas
expectativas e temores de uma geração de sujeitos da história. Essa abertura teórica será o
grande eixo articulador da chamada “terceira geração dos Annales”, que analisaremos a partir de
agora.

1.2.2 A terceira fase dos Annales

Quando Fernand Braudel deixou a direção da revista dos Annales, em 1972, já haviam se passado
mais de quarenta anos desde o empreendimento inicial de Bloch e Febvre. O projeto havia
sobrevivido à Segunda Guerra Mundial, aos influxos econômicos do pós-guerra que fraturaram a
sociedade francesa e à década de 1960, cuja manifestação mais radical, o maio de 1968, havia
questionado toda a intelectualidade consagrada daquele país.

Era natural, nesse sentido, de que a própria revista sofresse modificações. Aliás, nada mais
condizente com o espírito dos Annales do que a necessidade de ajustar a historiografia às
demandas concretas do presente, às suas inquietações culturais e epistemológicas de cada
tempo histórico. A chamada “terceira geração dos Annales” congrega historiadores muito
diferentes entre si como Jacques Le Goff, Pierre Nora, Pierre Chaunu e Jacques Ravel. Em
comum, todos eles possuíam um elemento de continuidade com o projeto dos fundadores,
atentar-se para a dimensão problemática da histórica, abrindo mão de soluções simplistas e
causais e, sobretudo, a abertura para considerar novas fontes e novos procedimentos
metodológicos na composição de uma narrativa historiográfica. Vamos acompanhar alguns
debates.

Assim como seus antecessores, Le Goff circulava em instituições consagradas do campo


intelectual francês, tendo inclusive sucedido Braudel na direção da École des Hautes Études en
Sciences Sociales. Também seguindo certa tradição dos fundadores dos Annales, Bloch e Febvre,
Le Goff era um medievalista. Sua obra se direcionou, sobretudo, para o estudo das lendas e do
imaginário medieval, entendidas a partir de elementos como o vestuário e as representações
gráficas (Figura 6). Para acessar essa dimensão do passado, Bloch aproximou-se da
antropologia histórica, mais uma vez baseando-se na cooperação interdisciplinar para construir
os objetos de estudo.
Figura 6: O imaginário medieval a partir da pintura creditada a Bichir

Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Darbarscene.jpg]

Outro tema importante sobre o qual se debruçou Le Goff é a reflexão em torno da memória.
Território nem sempre facilmente acessado pelo historiador, a dimensão memorialística exige
que ele assuma a posição de ouvinte de um “outro”. Essas questões já apareciam na obra de
Bloch, mas retornam em Le Goff na forma de um tratado fundamental para os debates
historiográficos de seu tempo, intitulado História e Memória, publicado em 1988.

Essa discussão, que trazia para o centro da análise a categoria da “testemunha”, figura portadora
da memória, também foi o centro das preocupações de outro grande nome da terceira geração
dos Annales, Pierre Nora. Nora protagonizou a organização de uma obra muito importante
intitulada Lugares de Memória (1984). Tratava-se de uma produção de caráter quase
enciclopédico, preparada em comemoração aos 200 anos da revolução francesa. Nessa ocasião,
Nora aponta a necessidade de interpretar a busca social e política por símbolos de memória
como um sinal de que a sociedade já não possui vínculos reais com seu passado. Essa reflexão
congregou uma série de intérpretes sobre o tema da memória e do testemunho, e foi um dos
caminhos pelos quais historiadores e filósofos puderam trabalhar em conjunto durante a década
de 1980 (RICOEUR, 2010).

Também dedicado à história da França, mas do ponto de vista da história social, Pierre Chaunu
contribuiu com as discussões sobre a história quantitativa, serial. Em contato com estatísticos e
geógrafos, Chaunu consolidou a contribuição interdisciplinar da revista, ao mesmo tempo em
que contribuiu para o estudo da Europa do ponto de vista da “longa duração”.

Videoaula - A disseminação dos Annales

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1.3 A difusão dos Annales

Poderíamos listar muitos outros autores que compuseram a terceira geração dos Annales.
Abordar todos eles seria impraticável porque, com o passar das décadas, o empreendimento
iniciado por Bloch e Febvre tornou-se robusto a ponto de espraiar-se internacionalmente e
colecionar adeptos e críticos em todas as grandes universidades do mundo.

Para concluir nosso percurso, nesse sentido, nos concentraremos em duas grandes
possibilidades analíticas: inicialmente, veremos como os Annales repercutiram na composição
da historiografia brasileira. Em seguida, conheceremos algumas críticas feitas ao Annales
(inclusive por autores que dialogavam frequentemente com a Revista), a partir das quais
poderemos construir um mapa conceitual mais amplo que nos informe sobre a circulação e a
consagração internacional da metodologia da chamada “Nova História”.
A fase inicial dos Annales foi marcada, como anteriormente exposto, pela consolidação da
revista, e também por dificuldades e tensões de ordem política que atravessaram o
empreendimento e que não podem ser desconsiderados: a Segunda Guerra Mundial, a prisão de
Braudel, a morte de Bloch, dentre as inúmeras dificuldades financeiras causadas pela guerra, são
fatores que ajudam a compreender porque essas primeiras décadas foram mais “regionais”, e
tiveram impacto mais restrito ao universo francês. Depois da segunda guerra, especialmente
com a gestão de Fernand Braudel, a revista passa por um processo de internacionalização.

Atualmente, departamentos de História de universidades de todo o mundo são, em alguma


medida, influenciados pela Escola dos Annales. Alguns deslocamentos internacionais ajudam a
entender essa difusão. Fernand Braudel, por exemplo, lecionou na Universidade de São Paulo,
entre 1935 e 1937, na Universidade de São Paulo, e ajudou a consolidar uma estratégia de aliança
intelectual entre França e Brasil. Além dele, outros prestigiosos estudiosos, como o antropólogo
Claude Levi Strauss, também vieram ao Brasil nas chamadas “missões francesas”, notadamente
nas décadas de 1930 e 1940.

É, contudo, na chamada terceira geração dos Annales, décadas de 1970 a 1990, que o projeto se
torna quase hegemônico no cenário internacional, e também no Brasil. Esse momento coincide
com o contexto de montagem de nosso sistema de pós-graduação e, mais uma vez, vários
historiadores, filósofos e sociólogos mundialmente reconhecidos são chamados a contribuir em
nossos recém-criados departamentos. A circulação dos Annales no Brasil, entretanto, encontrou
alguns empecilhos, ligados a uma tradição bastante consolidada em nossos intérpretes, o
marxismo.

Se, no campo da necessidade de conferir espaço na narrativa da história aos camponeses,


operários e excluídos da narrativa oficial, os Annales comungavam com a análise marxista, havia
uma diferença substancial que não pode ser ignorada, e que dá forma à incorporação específica
que influenciou, reciprocamente, marxistas e historiadores dos Annales no Brasil. Essa diferença
é, sobretudo, epistemológica e diz respeito aos fundamentos do ofício do historiador.

Se, para os Annales, os historiadores deveriam estar atentos a aspectos “representacionais”


como as mentalidades, as experiências narradas, as memórias e os costumes como
fundamentos do acesso ao passado, para os marxistas eram necessários atentar-se às grandes
unidades de análise como “modo de produção” e “classes sociais”.

Foi na tensão entre essas correntes que os historiadores brasileiros incorporaram a tradição dos
Annales. Dentre os representantes mais destacados dessa assimilação, que ajudaram a projetar
a discussão sobre os Annales entre nós, podemos destacar José Costa D' Assunção Barros,
autor de “A Escola dos Annales: considerações sobre a história do movimento”, Raimundo
Barroso Cordeiro Jr, Cláudia Cury e Elio Flores, que organizaram o livro “Cultura histórica e
historiografia: legados e contribuições do século 20”, Rosa Maria G. Silveira, com “A 3ª Geração
dos Annales: cultura histórica e memória”. Lilia Moritz Schwartz, autora da apresentação à
edição brasileira por uma historiografia da reflexão de Marc Bloch, “Apologia da História ou o
ofício do historiador” e Ronaldo Vainfas e Ciro F. Cardoso, organizadores da coleção “Domínios
da história: ensaios de teoria e de metodologia”. Além desses títulos, não podemos deixar de
mencionar a obra “Nova História em Perspectiva”, de Fernando Novais e Rogério Forastieri da
Silva, que condensa as publicações atualizadas de comentadores célebres dos Annales.

Vale ressaltar, também, que muitas das ideias que constituíram os Annales, como a necessidade
de observar fontes além dos registros documentais oficiais, a atenção às dimensões culturais e
sociais do passado e a valorização de personagens “de baixo”, são percebidas, hoje, em
historiadores das mais diversas tendências.

O paradigma inaugurado pelos Annales incorporou-se em nossas práticas de pesquisa de modo


indelével, de modo que hoje é quase impossível desvencilhar nossa prática historiográfica das
reflexões trazidas pela Escola, mesmo em historiadores que não se declaram formalmente
adeptos dos Annales. No Brasil, os estudos sobre as manifestações culturais populares, sobre o
folclore e sobre a história das mulheres são alguns exemplos dessa permeação.

Antes de encerrar, vamos conhecer algumas críticas e debates a respeito dos Annales. Longe de
invalidar o esforço do grupo, essas discussões ajudaram a promovê-lo, na medida em que
problematizaram em revistas e livros de ampla circulação algumas de suas principais ideias.
Alguns autores, como Carlo Ginzburg, por exemplo, identificam-se como continuadores dos
Annales, a partir de uma proposta intitulada de micro-história, que colocava em diálogo o estudo
do cotidiano e questões sobre arte e mundo das representações.

A micro-história – atenta aos aspectos cotidianos das experiências sociais e às pequenas


dinâmicas dos sujeitos “marginais” – radicaliza a posição dos Annales, especialmente defendida
na Terceira Geração, de que o historiador deve estar atento a questões como a sensibilidade, o
medo, os desejos, enfim, as dimensões mentais da experiência humana, e não apenas às
categorias amplas como “estrutura” e “classe social”. Alguns autores identificam, nesse sentido,
a existência de uma “quarta geração”, que se estenderia até os debates contemporâneos, já no
século XXI.

A obra de Carlo Ginzburg traz reflexões muito interessantes para os interessados em temas
culturais, sobretudo em relação a períodos mais recuados para os quais a documentação é mais
difícil. Vale a pena conhecer sua obra mais famosa, O queijo e os vermes (2006), e entender sua
proposta para o trabalho com as mentalidades em períodos anteriores ao século XVIII.

Outro debate famoso, nesse sentido, foi aquele protagonizado por dois interlocutores clássicos
dos Annales, François Dosse e Peter Burke. Dosse, por um lado, defende que não se pode pensar
a “Escola dos Annales” como um contínuo, já que, para ele, as diferenças de abordagem entre as
gerações fazem com que cada uma delas constitua uma escola distinta. Burke, em seu clássico
“A Escola dos Annales”, discorda, e argumenta que há um fio condutor – a interdisciplinaridade –
que unifica as três gerações em um projeto consistente.

Independentemente do posicionamento que adotemos, a existência de inúmeros debates


contemporâneos sobre o tema indica a profundidade da influência dos Annales no imaginário da
historiográfica contemporânea. É a partir desse debate entre François Dosse e Peter Burke,
inclusive, que daremos o pontapé inicial para a próxima reflexão: qual a contribuição específica
dos Annales para a colaboração entre as disciplinas de ciências humanas no século XX.

1.4 A contribuição interdisciplinar dos Annales

Um dos pontos centrais da Escola dos Annales, já mencionado anteriormente, merece, nesse
momento, um pouco mais de nossa atenção. Trata-se da proposta interdisciplinar que se
constituiu, conforme Peter Burke, como o eixo que conecta as três gerações dos Annales. Essa
questão ultrapassa, no entanto, a relação entre os membros da Escola, e nos ajuda a visualizar
uma dinâmica mais ampla da produção dos saberes em ciências humanas no século XX, a
relação entre as disciplinas.

A História e a Filosofia institucionalizaram-se ainda em princípios do século XIX, notadamente na


Alemanha. Além dessa organização precoce nas universidades, ambas as disciplinas contavam
com um amplo lastro temporal, desde Heródoto, passando pelos medievalistas que refletiram
sobre o tempo, como Santo Agostinho, até os românticos alemães. Essas perspectivas já eram
consolidadas no imaginário do ocidente quando, no século XIX, a especialização das
universidades alemãs confinou historiadores e filósofos cátedras específicos. O mesmo não
aconteceu, contudo, com outras disciplinas do que hoje conhecemos como “ciências humanas”.
As ciências sociais – sociologia, antropologia, ciência política – e a psicanálise, por exemplo, só
alcançaram o estatuto de disciplina ao longo do século XX, notadamente a partir do esforço de
seu fundador, Sigmund Freud (Figura 7).

Figura 7: Sigmund Freud

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Sigmund_Freud,
by_Max_Halberstadt_(cropped).jpg]

Dentro desse contexto, o fato de que os Annales tenham estimulado, ao longo de toda sua
existência, o contato entre as disciplinas, ajuda a mensurar a importância que a Escola teve na
divulgação e na integração de áreas como a sociologia, a demografia e a antropologia.

Vamos observar alguns exemplos dessa integração. No caso da primeira geração, tomaremos
como exemplo a obra de Marc Bloch “Os Reis Taumaturgos”. Embora a obra tenha, tempos
depois, sido classificada como um estudo sobre as “mentalidades”, o termo que o autor utiliza
para descrever seu procedimento metodológico é “psicologia coletiva”.

Tratava-se de compreender de que forma certas sociedades do passado sentiam, produziam e


perpetuavam certo conjunto de crenças. Entender aspectos tão subjetivos como esses exigiu de
Bloch o descolamento da tradição positivista que focava apenas em documentos oficiais. Afinal,
como um documento de registro paroquial, por exemplo, poderia ajudar a desvendar um aspecto
psicológico do passado?

Nesse sentido, a psicologia, disciplina que ganhava força a partir da institucionalização da


psicanálise de Sigmund Freud e, posteriormente, de Jacques Lacan, é parte integrante dos
procedimentos metodológicos de Marc Bloch.

Outro caso em que a psicologia e a antropologia social contribuem para a composição da obra é
o clássico “O queijo e os vermes”, de Carlo Ginzburg. A antropologia social e uso de categorias
advindas dessa área do saber, fornecem todo o escopo conceitual da leitura psicológica de um
moleiro da idade média. Nesse sentido, podemos perceber que o uso interdisciplinar perpassa
toda a existência dos Annales, desde os pioneiros até os autores mais contemporâneos que se
vinculam, em alguma medida, a essa tradição.

Outro exemplo interessante, agora pensando no historiador Fernand Braudel, da Segunda


Geração, é o uso de categorias advindas da geografia (especialmente para pensar sobre a
espacialidade da longa duração, que refere-se ao tempo geológico) e das ciências sociais.
Braudel recorda que o tempo das ciências sociais é o tempo estrutural, enquanto o dos
historiadores costuma ser o do efêmero, do acontecimento de tempo curto. A estratégia, para ele,
era somar esforços para perceber as distintas camadas temporais nas quais estariam inscritas
as dinâmicas sociais. O historiador apropria-se, nesse sentido, do crescimento das ciências
sociais e da antropologia estrutural nos anos 1950 e 1960, notadamente de autores como Levi
Strauss e, em alguma medida Michel Foucault, para aproximar a historiografia das categorias da
“longa duração”.

Assim como Braudel, Pierre Chaunu, já nos anos 1980, seguirá propondo uma aproximação com
as ciências sociais, especialmente com a demografia e com a economia, para viabilizar sua
proposta de pensar a “longa duração”, a partir de grandes séries de preços, empreendimento que
ficou conhecido como “história quantitativa” ou serial.
Muitos historiadores brasileiros, como Dora Paiva da Costa, encontraram, na metodologia da
história serial, desenvolvida na Terceira Geração dos Annales, uma possibilidade de pensar sobre
o período colonial de nosso país, especialmente no que diz respeito à escravidão. Como os
documentos sobre os escravos eram, frequentemente, incompletos e seus hábitos culturais tidos
na época como irrelevantes, tiveram poucos registros, o trabalho com séries documentais e
numéricas permitiu a elaboração de estatísticas e aproximações, fundamentais para que
pudéssemos conhecer aspectos fundamentais da cultura e dos modos de vida (alimentação,
vestuário etc.), dos escravos.

Podemos perceber, em síntese, que o projeto de interdisciplinaridade dos Annales foi uma via de
mão dupla. De um lado, conceitos e abordagens metodológicas de outras disciplinas foi
essencial para a composição de uma historiografia relacional e complexa, apta a entender
aspectos não oficiais do passado como as mentalidades, os sentimentos e as estruturas. Do
outro, ainda que o recurso a essas disciplinas estivesse condicionado à centralidade da História,
essa aproximação ajudou a consolidar as disciplinas mais novas, que emergiam no cenário
universitário nas décadas de 1940, 1950 e 1960.
Exercícios de fixação
Pensando na contribuição dos Annales para a divulgação da chamada “história-problema”,
assinale a alternativa correta:

A primeira geração dos Annales não se preocupou em questionar os pressupostos


positivistas.

Para François Dosse, há uma continuidade entre as gerações dos Annales, referente ao
questionamento da temporalidade.

A história-problema é um dos principais cânones dos Annales, e conecta, para Burke, os


esforços das três gerações.

A história-problema critica uma historiografia preocupada com setores anteriormente


excluídos.

A chamada “história-problema” foi negada pela terceira geração dos Annales.

Sabemos que os Annales começaram em torno de uma revista, fundada em 1929 por Marc Bloch
e Lucien Febvre. Tendo em mente a circulação dos Annales ao longo das décadas posteriores,
assinale a alternativa correta:

A circulação internacional dos Annales só foi possível porque os historiadores estavam em


posições subalternas.

No Brasil, os Annales não tiveram nenhuma repercussão.

Os Annales devem sua fama internacional ao fato de que a Alemanha da década de 1940 os
acolheu.

No Brasil, vários campos de pesquisa são tributários das renovações propostas pelos
Annales.

A fundação da revista dos Annales tem relação com o crescimento da chamada Escola
Metódica na França.
UNIDADE 1

Os Annales e o conhecimento
histórico
Conclusão
São várias as contribuições da Escola dos Annales para a historiografia
contemporânea, não apenas no que diz respeito ao contato da História com
outras disciplinas, mas também no que se refere à reflexão que os historiadores
fazem sobre as possibilidades e os limites de seu ofício.
Podemos começar esse balanço a partir da ideia central que orientou a fundação
da Revista do grupo, em 1929, por Marc Bloch e Lucien Febvre, a crítica da
História política tradicional, baseada nas explicações causais dos grandes
eventos, protagonizados pelos “grandes personagens” e a proposição de uma
história-problema, que implica o historiador na formulação de perguntas sobre o
passado e aciona, assim, uma nova concepção de “ciência”.
Além disso, as novas aberturas metodológicas que os Annales apresentaram são
de fundamental contribuição historiográfica. Para além dos documentos oficiais,
o historiador é apresentado à possibilidade de contar com cartas, registros
imagéticos, testemunhos e objetos do passado. Essa nova disposição está
relacionada com a ampliação dos próprios objetos aos quais se dirige o olhar do
historiador, refletir sobre a história daqueles que não constavam na grande
narrativa oficial (a história “dos de baixo”), considerar aspectos como as crenças,
os medos e os sentimentos e, ainda, o questionamento sobre a temporalidade
linear da história, especialmente a partir da contribuição de Fernand Braudel.
Por fim, não podemos deixar de mencionar o aspecto que está por trás de todas
essas renovações, a contribuição de outras disciplinas para a composição do
olhar do historiador: a geografia, a demografia e, sobretudo, as ciências sociais,
integram a proposta dos Annales, de modo que suas iniciativas ultrapassam o
campo restrito da historiografia e incidem sobre a própria identidade das
ciências humanas ao longo do século XX.
UNIDADE 2

A Escola de Frankfurt
Objetivos:
Os objetivos desta unidade estão organizados a partir de três pontos centrais:
1. Apresentar aos alunos as principais contribuições da Escola de Frankfurt para a discussão historiográfica,

habilitando-os a pensar criticamente a relação entre História e Filosofia.

2. Desenvolver a habilidade de pensar as inovações teóricas em conjunto com as tensões sociais em que

foram geradas.

3. Analisar a circulação desse repertório crítico na Historiografia brasileira.

Videoaula - A Escola de Frankfurt

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2 A Escola de Frankfurt

2.1 O contexto histórico de surgimento da Escola de Frankfurt

O termo “escola de Frankfurt” é usualmente associado a um grupo de intelectuais que,


agrupados em torno do Instituto de Pesquisas Sociais, na cidade alemã de Frankfurt, interessou-
se por temas como o marxismo hegeliano, a liberdade e os desafios para a racionalidade no
século XX.

Veremos, neste momento, que os assim chamados frankfurtianos são mais do que um
agrupamento de filósofos, sociólogos e historiadores preocupados com temas comuns, eles são
representantes de um dos contextos intelectuais mais dramáticos do último século, a saber, a
perseguição aos judeus levada a cabo pelo regime de Adolf Hitler na Alemanha. Esse fato marcou
a trajetória do grupo, e influenciou profundamente a escolha dos métodos, dos problemas e a
contribuição desses autores para a historiografia.

Começaremos, primeiramente, compreendendo o contexto de surgimento da Escola de Frankfurt,


para então nos debruçarmos, em um segundo momento, nas contribuições propriamente
historiográficas de seus autores, notadamente de Walter Benjamin.

O Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt foi fundado em 1923, como um anexo à


Universidade de Frankfurt, na Alemanha. Naquele contexto, Berlim vivenciava uma situação
cultural paradoxal. De um lado, a chamada Republica de Weimar tentava se recuperar da crise
econômica gerada pelo pagamento de dívidas decorrentes da Primeira Guerra Mundial. Do outro,
uma grande modernização cultural tomava conta das ruas, dos teatros, dos cafés e, claro, das
universidades. Essas manifestações culturais, bem como a alteração nos modos de vida
urbanos, guardavam relação com as transformações sociais de uma sociedade que se
modernizava e se industrializava para tentar recuperar os anos da primeira guerra.

É nesse contexto que surge, por iniciativa de Max Horkheimer e Theodor Adorno, em parceria
com Felix Weil, um argentino radicado em Berlim, o empreendimento da fundação do Instituto. A
ideia inicial era garantir um espaço de discussão e pesquisa que conectassem as mudanças
sociais da década de 1920 com o corpus teórico marxista.

Vale mencionar que, nesses anos, a Revolução Russa de 1917 ainda estava se consolidando, e
grande parte dos marxistas da Europa ainda tentavam compreender o alcance e o significado
desse evento para as reflexões futuras acerca da emancipação dos povos.  
Outro fator importante a levarmos em consideração é que os autores vinculados ao instituto
eram, em sua maioria, filósofos de formação. Desse modo, grande parte de suas interpretações
sobre o mundo, sobre o futuro e sobre a própria história estão ligadas a certas correntes
filosóficas que vigoravam naquele contexto, como o neokantismo e o neo-hegelianismo.

É a partir dessa combinação de correntes que os autores discutirão temas como a racionalidade
capitalista, a indústria cultural, a personalidade autoritária e as possibilidades de emancipação
em uma sociedade cada vez mais atomizada.  Esse conjunto de questões ficou conhecido com o
nome de “teoria crítica”, notadamente a partir das contribuições de Theodor Adorno (Figura 8)
para a formulação da metodologia conhecida como dialética negativa.

Figura 8: Theodor Adorno

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:AdornoHorkheimerHabermasbyJe
remyJShapiro2.png]

O esforço do Instituto foi interrompido nos primeiros anos da década de 1930, com a ascensão
do Terceiro Reich. Os pesquisadores do Instituto, que eram em sua maioria judeus, foram
obrigados a emigrar.

Inicialmente, graças ao apoio de intelectuais suíços, eles puderam se estabelecer em Genebra.


Com a radicalização das perseguições, todavia, Max Horkheimer e Theodor Adorno, e depois H.
Marcuse e M. Pollak emigraram para os Estados Unidos, que sediou o empreendimento por cerca
de 20 anos. Já nos Estados Unidos, eles se debruçaram em problemas candentes daquele
momento como o futuro das perspectivas socialistas, a transformação de cidadãos em
consumidores e, sobretudo, a adesão de grandes contingentes populacionais a perspectivas
autoritárias.
Na obra Dialética do Esclarecimento, de 1947, Adorno e Horkheimer perguntam-se,
exemplarmente, sobre qual poderia ser o motivo para uma sociedade que, tendo evoluído técnica
e socialmente ao longo dos últimos anos, desembocar em novas e cada vez mais violentas
formas de barbárie. O pessimismo é uma das características centrais das interpretações que se
gestaram no contexto americano.

Theodor Adorno, por exemplo, apesar das inúmeras críticas que desferia à sociedade americana
(que considerava vulgar e incapaz de pensar filosoficamente como a alemã), trabalhou em um
importante projeto ao lado do famoso sociólogo americano Paul Lazarsfeld (Pollak), buscando
entender as formas da chamada “personalidade autoritária”.

Figura 9: Homenagem a Adorno

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:FFM_Adorno-Denkmal_04-
2016_08.jpg]

Martin Jay em “A imaginação dialética” (2008) faz um aporte interessante para introduzir a obra
do que é conhecidamente o mais “emancipatório” dos frankfurtianos e o mais americano, Herbert
Marcuse. Tomando a proposta da Teoria Crítica enquanto uma tentativa de integração da
filosofia com a análise social através da reativação do componente hegeliano do marxismo, Jay
aponta que as teses desses autores têm, como pano de fundo, uma descrença na tarefa
emancipatória do proletariado. Vemos, em Marcuse, que o proletariado deixa de ser o sujeito
único, ou necessário, dessa tarefa, mudança que o permite funcionar como porta-voz de
movimentos negros, feministas, estudantis, enfim, um amplo espectro de identificações
estranhas ao marxismo mais ortodoxo, que opera com sujeitos apriorísticos (TEDESCO, 2018).

Outro tema fundamental dos frankfurtianos, já indicado acima, é a indústria cultural. Esse termo,
cunhado por Adorno e por Horkheimer, pretendia contrapor-se ao conceito de “cultura de massa”,
que servia, então, para explicar a sociedade do consumo do pós-guerra, especialmente no que
diz respeito ao caso americano e ao american way of life (Figura 10).

Figura 10: Modo de vida americano

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:American_way_of_life.jpg]

Os frankfurtianos consideravam que, por se tratar de um tipo de consumo cultural que não
dependia do gosto ou da personalidade individual, mas sim de uma ampla e irrestrita
padronização, a expressão “indústria cultural” descreveria com mais acerto as atuais relações
entre os indivíduos, as instituições e o mercado. Além de tornar as pessoas todas iguais,
incapazes de um ato emancipatório, os autores ainda percebiam o imenso potencial autoritário
de uma sociedade que substitui indivíduos pensantes por consumidores. Fazem, inclusive, um
alerta: “Um belo dia, a propaganda de marcas específicas, isto é, o decreto da produção
escondido na aparência da possibilidade de escolha, pode acabar se transformando no comando
aberto do Fuhrer” (ADORNO; HORKHEIMER, 1975, p. 149).
Após a Segunda Guerra Mundial, alguns frankfurtianos retornaram à Europa como Adorno.
Outros, como Marcuse, optaram por ficar nos EUA, onde construíram uma ampla rede de
contatos intelectuais e de amizades pessoais. Marcuse, inclusive, se tornaria o grande mentor
intelectual das revoltas estudantis em Berkeley, em 1967 (Figura 11), além de ter se engajado
profundamente nas lutas pelos direitos civis nos Estados Unidos, desenvolvendo teses muito
importantes sobre as novas necessidades emancipatórias de sua geração, sobre a importância
da repressão sexual no controle das instituições capitalistas (era um grande leitor de Freud e
deve a ele muitos de seus conceitos) e, também, sobre o papel da juventude na tarefa
emancipatória.

Figura 11: Protestos estudantis em 1967

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Shimer_College_no_student_union
_protest_1967.jpg]

A escola de Frankfurt, como vimos, atuou em diversas áreas: filosofia, história, ciências sociais.
Sua circulação mundial foi amplificada ao longo das décadas de 1970 e 1980, sobretudo em
países como o Brasil e a Argentina.

Antes de compreendermos essa divulgação, todavia, faremos uma incursão pela trajetória de um
dos nomes mais importantes da escola, que teve, também, um dos destinos mais trágicos, Walter
Benjamin, autor de Teses sobre a História.
Videoaula - Walter Benjamin- o anjo da história

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2.2 A concepção de História em Walter Benjamin

A história de Walter Benjamin (Figura 12) se entrelaça com a do Instituto de Pesquisas Sociais de
Frankfurt, embora não se reduza a ela. Benjamin nasceu em Berlim em 1892, filho de ricos
comerciantes judeus. Essa formação é importante para compreendermos as teses que ele
desenvolverá ao longo da vida, principalmente no que diz respeito à combinação, típica do
pensamento benjaminiano, entre o corpus teórico marxista, o messianismo judaico e os aportes
estéticos da obra de Bertold Brecht.  

A obra de Benjamin é bastante diversificada e incide sobre temas da vida urbana, da arte e da
modernização da sociedade europeia. Em um de seus textos mais famosos, “A obra de arte na
era de sua reprodutibilidade técnica” (1935), o autor desenvolve uma importante contribuição à
estética materialista da arte, em diálogo com seu contemporâneo, o filósofo húngaro Georg
Lukács. Para Benjamin, o progresso das técnicas de reprodução da arte (como a fotografia e, em
alguma medida, o cinema) retiram da obra de arte seu caráter de raridade e, com isso, sua “aura”.
Figura 12: Retrato de Walter
Benjamin

Fonte:  wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Walter_Benjamin_vers_1928.jpg]

Essa situação, descrita de modo bastante pessimista por Benjamin, redunda na perda de
sensibilidade humana para as questões transcendentais e compõe um quadro analítico bastante
presente em toda sua obra, a tensão entre a modernidade e a perda da substância da vida. Nesse
sentido, Benjamin se aproxima tanto da herança hegeliana quanto das ideias que estão em
circulação neste momento, notadamente a psicanálise.

Michel Lowy, ao abordar a contribuição de Benjamin para a teoria da história, faz uma
ponderação importante em relação ao caráter fragmentado da posição do autor “trata-se de um
crítico revolucionário da filosofia do progresso, um adversário marxista do “progressismo”, um
nostálgico do passado que sonha com o futuro” (2002, p. 199).

Essas múltiplas frentes de análise e essa dimensão contraditória de sua trajetória são visíveis
tanto em suas obras de estética quanto em suas contribuições acerca da história das cidades e
dos tipos urbanos. O que unifica essas dimensões é a composição da história como “fragmento”
e não como sistema.

Benjamin combina, ao longo de sua obra, as imagens utópicas e de redenção messiânica


(tributárias de sua formação estética e religiosa) com a crítica ao progressismo que ignora que a
história não é uma sucessão linear de acontecimentos explicáveis causalmente. Para ele,
efetivamente, a história é uma composição, uma sobreposição.

Um dos temas centrais de sua visão da história, a Revolução, não aparece em Benjamin na sua
acepção marxista tradicional, que via a revolução como um processo inevitável, uma culminação
de tensões. Para Benjamin, ela era, na realidade, uma interrupção no processo de catástrofe, esse
sim inerente à organização social. O pessimismo, nesse sentido, é uma das chaves explicativas
da teoria da história benjaminiana.

Figura 13: Angelus Novus, de Paul Klee

Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Klee-


angelus-novus.jpg]

Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-

se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas

abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós

vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente

ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e

juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta

força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao

qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que

chamamos progresso. (BENJAMIN, Tese 9, 1940).


Em 1940, é publicada sua obra mais importante no que diz respeito à teoria da história, as “Teses
sobre o conceito de História”. Essa obra é composta por um conjunto de fragmentos unidos pela
proposta de escrever a história a contrapelo, ou seja, do ponto de vista dos vencidos. Para ele,
como a história não é linear e não pode ser entendida pela chave do progresso, a luta de classes
segue atualizando-se permanentemente, de modo que os vencedores de ontem são, ainda, os
vencedores de hoje.

O rompimento dessa lógica catastrófica é, efetivamente, o cerne de sua proposta de


interpretação e atuação na história. Vejamos, por exemplo, o fragmento a seguir, na qual
Benjamin explicita sua concepção de tempo histórico como fragmento:

Comparados com a história da vida orgânica na Terra, diz um biólogo contemporâneo, os míseros

50.000 anos do Homo Sapiens representam algo como dois segundos ao fim de um dia de 24 horas.

Por essa escala, toda a história da humanidade civilizada preencheria um quinto do último segundo

da última hora. O "agora", que como modelo do messiânico abrevia num resumo incomensurável a

história de toda a humanidade, coincide rigorosamente com o lugar ocupado no universo pela

história humana. (BENJAMIN, Tese 18, 1940).

As teses de Benjamin podem parecer, à primeira vista, um pouco abstratas. Vale a pena
mencionar que Benjamin entendia que a forma não sistemática de suas reflexões era parte
integrante de seu potencial emancipador. A racionalidade técnica seria o formato quadrado, dos
tratados, enquanto o ensaio seria mais livre. Nisso concordava com Adorno que, em “O Ensaio
como forma”, aponta que o ensaio não é, como queria Lukacs (foco de sua crítica), uma forma de
arte, pois não se define na estética. “Na alergia contra as formas, consideradas como atributos
meramente acidentais, o espírito científico-acadêmico aproxima-se do obtuso espírito
dogmático” (ADORNO, 1995, p. 19).

Em todo caso, Benjamin também escreveu sobre aspectos singulares da modernidade, como o
crescimento das grandes cidades como Paris e os efeitos dessa modernização na relação que os
homens estabeleciam entre si e com os objetos. Em “Baudelaire, um lírico no auge do
capitalismo”, Benjamin, em obra também fragmentária, narra mais uma vez a relação de
deslocamento entre a modernização urbana e o sujeito que, inserido no ritmo incessante da
grande cidade, desloca-se do passado e da tradição. Esse descolamento, para Benjamin,
significa precisamente a tensão entre novo e antigo, esperança e pessimismo, que perpassa toda
sua obra.
Flaneur

Para Benjamin, a figura desaparecida na modernidade é a do Flaneur, o passeante despreocupado


das ruas de Paris.

Figura 14: Homenagem ao Flaneur

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Flaneur_op_Lange_Voorhout.JPG]

Benjamin estava preocupado em falar sobre as figuras da modernidade como o colecionador, e


também sobre os lugares da modernidade como a rua e os cafés. Essa observação de fatores
“culturais” ou subjetivos faz parte do mesmo diagnóstico dos Annales, as estruturas são
compreendidas em suas irrupções, nos momentos que estamos concentrados no presente e que,
sem que percebamos analiticamente como, o passado irrompe.  

A visão apocalíptica de Benjamin torna-se ainda mais reveladora quando colocada à luz de sua
trajetória intelectual. Benjamin nunca esteve formalmente vinculado ao Instituto, mas mantinha
relações pessoais com Adorno, sua família, e tal, que tentava interceder por ele frente a
Horkheimer.

Nos primeiros anos de 1930 quando os frankfurtianos fogem da Europa por conta da ascensão
do Reich, Benjamin decide ficar. Nas cartas trocadas com o desesperado Adorno, que tentava
apressar o amigo, Benjamin narrava que não queria se separar de sua biblioteca e que, ademais,
não acreditava que os europeus chegariam àquele nível de barbárie. Benjamin, cidadão alemão,
ainda que judeu, julgou estar protegido.

Em 1940 quando finalmente estava convencido a fugir, a vida de Benjamin foi abreviada por um
episódio que ilustra de modo singular a fragmentação da história. Ao chegar em PortBou, cidade
espanhola de onde embarcaria em direção aos EUA, Benjamin viu a cidade ser invadida por
tropas aliadas dos alemães. Desesperado, tirou a própria vida e não pode ver que, no dia
seguinte, o navio partiu sem problemas do porto espanhol.

Diáspora de intelectuais judeus pelo mundo

Os autores da Escola Frankfurt não foram os únicos intelectuais judeus alemães que tiveram que
emigrar da Alemanha no período de perseguição aos judeus. Nomes importantes como E.
Husserl, Hannah Arendt e Karl Mannheim tiveram destinos similares e foram acolhidos por países
como Inglaterra e Estados Unidos. Para saber mais sobre esse assunto, é possível consultar: JAY,
M. A imaginação dialética. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

2.3 A circulação da Escola de Frankfurt no Brasil

Finalmente, para encerrarmos nosso percurso sobre a escola de Frankfurt, vamos entender um
pouco da repercussão de seus principais autores em contextos globais.
Na América Latina os autores frankfurtianos não foram lidos pela esquerda até avançada década
de 1980, já que as traduções anteriormente feitas para o espanhol não estavam associadas à
divulgação dos autores como marxistas, mas sim como filósofos alemães críticos da
modernidade.

No caso do Brasil, a repercussão também teve sua fase mais pujante nas décadas de 1970 e
1980. Para que possamos mensurar esse impacto, vamos recuperar alguns elementos sobre os
estudos historiográficos no Brasil deste contexto.

As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas, na historiografia brasileira, pela emergência de


autores alinhados com a perspectiva dos Annales, somada à tradição marxista que havia
orientado a maior parte de nossas interpretações sobre o passado ao longo das décadas
anteriores.

Assim, abordagens como as de Caio Prado Junior ou de Florestan Fernandes, por exemplo,
sociólogos muito importantes para as pesquisas históricas brasileiras, começaram a ser
preteridas em nome de discussões sobre aspectos culturais, sobre as mentalidades e sobre os
costumes. Nesse sentido, a Escola de Frankfurt tem, no Brasil dos anos 1980, um campo fértil
para análises heterodoxas, sobretudo no campo dos estudos culturais. 

Silvio Camargo (2014), analisando a circulação dos autores da Teoria Crítica no Brasil, destaca
que, já na década de 1950, algumas obras eram conhecidas por intérpretes nacionais como
Roberto Schwarz e José Guilherme Merquior. Até esse momento, a obra que mais circulava no
Brasil era, segundo Camargo, “A obra de arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”, de Walter
Benjamin. Até a década de 1970, inclusive, esse é o texto que mais se destaca dentre aqueles
vinculados à tradição frankfurtiana. Autores como Michel Lowy acionam os temas de Benjamin,
sobretudo, sua crítica à cultura de massas, para entender os fenômenos então em voga na
sociedade brasileira, como a própria ampliação dos dispositivos culturais dos anos 1960.

No fim da década, outros dois autores ganham destaque no cenário nacional, Theodor Adorno e
Herbert Marcuse. Em 1973, por exemplo, Sergio Paulo Rouanet publica o ensaio “De Eros a
Sísifo”, na revista Tempo Brasileiro, um marco nas reflexões frankfurtianas no Brasil.

No fim dos anos 1970, a preocupação dos intelectuais, sobretudo os cientistas sociais, com a
questão da luta pela democracia, favoreceu a abertura às teses do mais recente dos autores
frankfurtianos, Jurgen Habermas, que aborda a questão da esfera pública e da democracia. Por
fim, é preciso mencionar o trabalho de Gabriel Cohn, sociólogo que articulou as teses sobre a
indústria cultural, das primeiras obras de Adorno e Horkheimer, a um variado rol de autores
clássicos da sociologia como Max Weber e que ajudou a projetar nacionalmente esse debate.
Como você pode perceber, a permeação dos frankfurtianos foi ampla e diversificada, e atingiu
tanto historiadores (influenciados pela concepção de história fragmentária de Walter Benjamin)
como sociólogos e psicanalistas, interessados nos aportes da Teoria Crítica para o entendimento
de questões como a sociedade de massas, a indústria cultural e as teorias da comunicação e da
esfera pública.

Além dessas influências, é preciso registrar que um dos traços principais do empreendimento de
Frankfurt, a compreensão das razões que levam às adesões autoritárias, ainda hoje são temas
constitutivos das ciências humanas como um todo, motivo pelo qual sua contribuição à
historiografia crítica ainda pode ser ampliada.
Exercícios de fixação
A Escola de Frankfurt não pode ser entendida descontextualizada das tensões que marcaram a
sociedade ocidental dos anos 1930 a 1960. Tendo em vista esse panorama, assinale a alternativa
correta:

Os membros do Instituto de Pesquisas Sociais não foram obrigados a emigrar de seu país de
origem.

A ida dos frankfurtianos aos Estados Unidos marcou o seu desaparecimento intelectual.

A Alemanha nazista era receptiva às ideias frankfurtianas.

A história do Instituto de Pesquisas Sociais foi marcada pelo trânsito internacional de seus
principais membros.

Todos os autores vinculados à Escola de Frankfurt se opuseram aos movimentos estudantis


da década de 1960.

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

Walter Benjamin via a história de modo positivista e linear.

Verdadeiro Falso

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

As teses sobre a História, de Benjamin, opõem-se à ideia de que a história pode ser considerada
apenas progressivamente.

Verdadeiro Falso
Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

A catástrofe tem um papel importante na concepção de história de Benjamin, que diz respeito ao
fator “irruptivo” do passado.

Verdadeiro Falso

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

Não há, em Benjamin, qualquer menção ao papel da modernização das grandes cidades.

Verdadeiro Falso
UNIDADE 2

A Escola de Frankfurt
Conclusão
Ao longo desta unidade, conhecemos a “Escola de Frankfurt” e os autores
vinculados a ela. Os nomes mais consagrados Walter Benjamin, Theodor Adorno,
Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Jurgen Habermas, eram bastante diferentes
entre si, mas possuíam em comum a proposta de compreender aspectos nodais
do mundo contemporâneo, como a sociedade de massas, a indústria cultural e as
adesões a regimes autoritários.
A trajetória do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt foi marcada pelos
influxos políticos e sociais das primeiras décadas do século XX. Inicialmente
sediado em Frankfurt, o instituto teve de transferir-se para Genebra e depois
para Nova York, para fugir da perseguição nazista. Essa condição de mobilidade,
por um lado, contribuiu para a circulação dos autores da Teoria Crítica, que
contribuíram enormemente para o desenvolvimento de pesquisas nos Estados
Unidos, sobretudo, a respeito do autoritarismo e da cultura de massas.
Por outro lado, trajetórias trágicas como as de Walter Benjamin, nos ajudam a
perceber como os debates historiográficos estão sempre marcados por tensões
que extrapolam a teoria e incidem propriamente sobre o contexto em que estão
inseridos. Walter Benjamin foi, aliás, o autor que mais se dedicou, dentre os
frankfurtianos, à composição de uma reflexão sobre a história. Sua proposta era
compreender o ritmo do tempo a partir da noção de fragmento, não de
continuidade, desafiando assim as propostas marxistas de progresso inexorável
através da revolução. A obra de Benjamin foi uma das pioneiras em refletir sobre
o processo tenso de adequação à modernidade e foi bastante divulgada, no
Brasil, por autores como Gabriel Cohn e José Guilherme Merquior.
O projeto da Teoria Crítica ainda não está acabado, autores como Axel Honneth e
Jurgen Habermas que continuam buscando soluções para os dilemas da
sociedade do consumo e da fuga da democracia. A historiografia mantém um
diálogo amplo com esses autores, assim como os cientistas sociais e todos
aqueles interessados em compreender criticamente o projeto de sociedade do
mundo contemporâneo.
UNIDADE 3

A iNew Lefti e a história social


inglesa
Objetivos:
1. Identificar os principais temas e debates teóricos do movimento intelectual conhecido como New Left

(nova esquerda).

2. Incentivar e desenvolver a habilidade de conectar os debates intelectuais em torno da renovação do

marxismo nos anos 1950 com as mudanças sociais e políticas daquele contexto.

3. Fomentar a leitura crítica e comparativa das principais contribuições historiográficas de Edward. P.

Thompson.

Videoaula - A New Left

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3 AiNew Leftie a história social inglesa

3.1 O que foi aiNew Lefti

Assim como no caso dos Annales, os marxistas ingleses cujo empreendimento intelectual ficou
conhecido como New Left (nova esquerda), também se articularam em torno de uma revista, a
New Left Review, fundada em 1960. Também como os analíticos franceses, esses autores
estiveram no centro das principais polêmicas sociais, políticas e culturais do século XX, e suas
contribuições à historiografia guardam estreita relação com a experiência vivenciada pelos
autores em contextos como a Segunda Guerra Mundial, a consolidação da União Soviética e a
divulgação dos famosos “relatórios Krushov”.

Para que possamos compreender mais detalhadamente as contribuições da New Left – também
conhecida como história social inglesa – vamos partir da intenção geral que unifica vários
historiadores em torno do mesmo debate, a proposta de questionar os dogmas historiográficos
que ainda operavam nas análises sobre o mundo social. Nesse caso, além de questionar a
historiografia positivista – como os Annales estavam fazendo – contestava também os dogmas
da historiografia marxista. Os principais nomes da New Left – Edward Thompson, Eric
Hobsbawm e Paul Sweezy, por exemplo – afirmavam que a análise ortodoxa do marxismo,
especialmente aquela encampada pelo filósofo Louis Althusser, não era suficiente para explicar
uma parte importante do mundo social, a experiência dos trabalhadores e dos camponeses. Para
esses autores, de modo geral, era preciso resgatar os aspectos culturais e cotidianos da
experiência do capitalismo, saindo da órbita da história economicista, que considerava apenas
esquemas analíticos amplos, como o de “classe social” e o de “luta de classes”.

Veremos que esses autores desenvolveram uma vasta análise dos aspectos culturais dos
agentes oprimidos, e garantiram a eles um papel importante nas análises marxistas que
circularam a partir de suas publicações.

Nas próximas páginas, você conhecerá dois aspectos fundamentais do projeto da New Left.
Inicialmente, vamos refletir sobre o contexto histórico da crítica ao marxismo ortodoxo que deu
origem à New Left. Depois, detalharemos as contribuições de um dos principais nomes da
história social inglesa, o historiador dos costumes Edward P. Thompson, que mudou os rumos da
historiografia inglesa e que teve, no Brasil, ampla acolhida entre os historiadores e teóricos da
história social.
Figura 15: Eric Hobsbawm

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/w/ind
ex.php?curid=22207599]

Videoaula - Intelectuais e a política

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3.2 A revisão do marxismo e a experiência da história

O ano de 1956 é fundamental para a história que esta unidade pretende apresentar. Em
historiografia, geralmente, não trabalhamos com datas fundadoras inequívocas, afinal, a
construção do conhecimento histórico é sempre processual e gradativa. No caso da New Left,
porém, vamos partir de um acontecimento localizado no tempo e no espaço, pois ele
circunscreve as tomadas de posição de um grupo de historiadores ingleses que mudou a
concepção de história social marxista então em vigor.

Neste ano de 1956, dois acontecimentos basilares afetam a autoimagem da esquerda europeia.
O primeiro deles foi a invasão da União Soviética à Hungria, que causou muitas críticas de parte
dos intelectuais defensores do projeto soviético. No mesmo ano, a autoridade máxima do Partido
Comunista, Nikita Krushov, em uma tentativa de retomar a legitimidade do governo, divulgou um
relatório que detalhava todos os crimes e abusos cometidos pelo mandatário anterior, Joseph
Stalin, que acabara de morrer.

A divulgação deste relatório, no qual constavam as prisões e os expurgos arbitrários do período


stalinista, fez com que a esquerda europeia tivesse que repensar seu apoio ao projeto da União
Soviética. Esse clima de revisão dos pressupostos comunistas influenciou um grupo de
historiadores britânicos que, vinculados ao Partido Comunista Inglês, notaram a necessidade de
revisar algumas teses clássicas do marxismo, com o intuito de atualizar a pertinência de seu
engajamento político.

Figura 16: Stalin e Krushov

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Joseph_Stalin
_and_Nikita_Khrushchev_1930s.jpg]
Foi assim que, na década de 1960, uma confluência de fatores contribuiu para que os marxistas
ingleses se dispusessem, através da revista Past and Present e depois da New Left Review, a
encampar essa tarefa de revisão. O termo “new” (novo) refere-se à ideia de que certas teses
marxistas, sobretudo a mais clássica – que supunha que os fenômenos da superestrutura como
a cultura eram causalmente vinculados à estrutura econômica – não eram mais funcionais para
a compreensão da realidade.

Desde a década de 1940 autores como Antonio Gramsci e os frankfurtianos Theodor Adorno e
Walter Benjamin, apontavam para o fato de que a cultura não era apenas um efeito das relações
econômicas, mas possuía certo grau de autonomia e até de prioridade em relação à esfera da
produção econômica. Essa questão amadureceu ao longo da década de 1950 e encontrou, nos
movimentos pelos direitos civis da década de 1960, terreno fértil para seu desenvolvimento.

Movimentos sociais dos anos 1960 e maio de 1968

Os movimentos pelos direitos civis aconteceram em diversas partes do globo. Nos Estados
Unidos, mulheres, negros e outras minorias engajaram-se na luta pelos direitos civis. Na Europa,
movimentos reuniram trabalhadores, estudantes e intelectuais em prol, dentre outras coisas, do
não engajamento de seus países nas guerras de libertação nacional.

Para saber mais sobre este tema, você pode consultar: journals.openedition.org
[https://journals.openedition.org/spp/1596] .

Inspirados, portanto, por essas novas atmosferas de combate social, que colocavam a questão
da cultura na linha de frente – como você pode observar na Figura 17 –, alguns historiadores
como E. P. Thompson, Stuart Hall e Eric Hobsbawm, formularam uma teoria da história capaz de
combinar a base marxista comum a todos eles com uma nova perspectiva na qual a experiência
dos agentes ganha centralidade.
Figura 17: Movimento dos Direitos civis

Fonte: wikimedia.org
[https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f0/Womens_liberation_
movement.png]

Dentre as principais revisões conceituais que os historiadores sociais britânicos propunham,


estava a própria essência que definia o que era uma “classe social”. Para os marxistas ortodoxos,
como Althusser, a classe social era um conceito objetivo, e o pertencimento à classe burguesa
ou proletária dependia exclusivamente da posição do sujeito na cadeia produtiva (se não era
detentor dos meios de produção, proletário; se era detentor dos meios de produção, burguês).

Se o pertencimento de classe era uma questão objetiva, como os marxistas clássicos explicavam
o fato de que muitas pessoas não agiam conforme as classes às quais se vinculavam? Nesse
ponto entra em cena outro conceito marxista clássico, o de consciência de classe. Até esse
momento, a tradição marxista supunha que os indivíduos precisavam tomar consciência da
opressão à qual estavam subordinados. Quando isso acontecesse, adquiririam consciência de
classe e, assim, consciência revolucionária. Os autores da New Left criticavam frontalmente essa
abordagem. Para eles, o marxismo ortodoxo destituía os indivíduos de agência no fluxo da
história.

Segundo Hobsbawm, Thompson e Sweezy, por exemplo, era necessário compreender que cada
sujeito vivenciava de forma diferente a experiência social do capitalismo e que não era possível
formular uma receita pré-concebida que explicasse as vivências de toda a classe operária. Seu
olhar, então, se dirigiu a trazer para a discussão historiográfica a experiência desses sujeitos, em
sua singularidade e historicidade próprias. Esse empreendimento, conhecido como history from
below (história dos de baixo), unifica a obra de vários historiadores pertencentes à New Left, e
ficou consagrada mundialmente a partir dos escritos de E. P. Thompson, que conheceremos a
partir de agora.

3.3 O conceito de história em E. P. Thompson

Edward Palmer Thompson (1924-1993) nasceu em Oxford, da Inglaterra. Seus pais eram muito
engajados nas discussões políticas de seu tempo, de modo que Edward sempre esteve em
contato com as principais tendências da esquerda marxista. Essa dimensão reverbera em toda
sua trajetória como intelectual. Thompson conciliou seus estudos em história e a publicação de
suas principais obras com uma vida dedicada às questões sociais, tanto como militante do PC
britânico quanto como combatente voluntário na Iugoslávia.

Essa dimensão atuante do intelectual era uma das principais questões em jogo na Europa da
década de 1960. Autores como o francês Jean Paul Sartre (1905-1980), por exemplo,
encarnavam uma nova imagem de engajamento. Se, antes, ao intelectual estavam reservadas as
discussões de ordem teórica ou filosófica, apartadas da materialidade da vida, a geração que
chega à maturidade nos anos 1960 ganha identidade a partir de uma concepção nova sobre a
função do intelectual, tratando-se de, efetivamente, comprometer-se com as demandas de seu
tempo. Assim, Thompson pode ser compreendido como uma dessas trajetórias mistas, nas
quais o empenho teórico intelectual esteve permanentemente vinculado a uma atitude militante
diante das questões sociais de seu tempo, como você pode observar na Figura 18. Conforme
Denis Dworkin:

Além de ser um historiador, Thompson foi um poeta, um escritor político e um militante. Este foi um

dos fundadores da Nova Esquerda Britânica na década de 1950 e ao longo da vida foi ainda um

defensor do desarmamento nuclear. Grande parte da carreira acadêmica de Thompson foi investida

na educação para adultos da classe operária. Sua principal posição acadêmica foi a de diretor do

Centro de História Social da Universidade de Warwick, no Reino Unido. (2014, p. 91).


Figura 18: E. P. Thompson em manifestação

Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/w/index.php?


curid=37570936]

Thompson publicou uma série de obras importantes para a historiografia. Destacaremos, no


entanto, duas delas, que condensam suas reflexões sobre o marxismo, a história e o papel da
experiência social da classe operária. A contribuição mais importante de Thompson no campo da
teoria da história é um debate com o marxista estruturalista Louis Althusser.

Althusser, autor de obras clássicas da tradição ortodoxa como “Os Aparelhos Ideológicos do
Estado”, publicada em 1970, vinculava-se a uma versão canônica do esquema marxista e
supunha que era necessário manter os critérios objetivos para a definição conceitual de “classe
social”.

Em 1978, Thompson publicou uma obra intitulada “A Miséria da Teoria”, na qual criticava as teses
ortodoxas de Althusser e, com isso, se indispunha com uma parte importante da militância do
Partido Comunista. Após a publicação, uma série de autores se engajou no debate. Nomes
importantes do campo marxista, como Perry Anderson, alinharam-se a Althusser, afirmando que
flexibilizar o conceito de “consciência de classe”, como queria Thompson, seria o equivalente a
retirar a própria substância política do marxismo.
O título do livro de Thompson “A miséria da teoria” faz referência a um debate clássico do
movimento comunista. Trata-se da discussão protagonizada por Karl Marx e Joseph Proudhon no
começo do século XIX, que se deu através das obras “Miséria da Filosofia”, publicada por Marx
em 1847, em resposta à obra do anarquista Proudhon, publicada no mesmo ano intitulada
“Filosofia da Miséria”.

A grande discussão entre esses autores, no começo da década de 1980, dizia respeito ao papel
do agente na história. Para os marxistas ortodoxos, a ação humana estava condicionada a certos
imperativos sociais, de modo que, por exemplo, um trabalhador não poderia efetivamente ser
dono de seu futuro se não tomasse consciência de sua condição de explorado.

Essa tradição recorria à máxima marxista, inscrita na obra o “18 Brumário de Luis Bonaparte”, de
1852, de que os homens fazem a história, mas não a fazem como querem. O que Thompson e os
autores da New Left propunham era ampliar o escopo de autonomia do sujeito na composição
das lutas sociais e, assim, da História. Se a discussão com Althusser foi importante para
demarcar teoricamente essas posições, foi em uma obra de historiador clássico e no trabalho
com fontes em primeira mão que Thompson escreveu seu nome na história da historiografia.
Conheceremos, agora, “A formação da classe operária inglesa”, um dos livros mais celebrados (e
também criticados) do século XX, que começou a ser publicado ainda em 1963.

O próprio título do livro nos apresenta a algumas questões importantes. Ao falar em “formação”
da classe operária, Thompson já indica que a classe não era um dado estático do mundo social,
como supunham alguns marxistas ortodoxos. Para ele, a classe estava em seu “fazer-se” e era,
portanto, no cotidiano, nas experiências de sociabilidade familiar e nas ações prosaicas do dia a
dia que as pessoas se dariam conta de sua posição no mundo, e não através de rígidos
esquemas teóricos.

A classe social seria, nesse sentido, uma relação social, que só poderia ser apreendida a partir
dos elementos simbólicos e culturais que organiza essas relações. O que Thompson buscava,
sinteticamente, era orientar o olhar do historiador para “a forma como essas experiências são
tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas
institucionais” (THOMPSON, 2004, p. 10).
Atento, portanto, às experiências que formam a classe social, Thompson percebe, em sua obra,
algumas questões importantes, como a revolução industrial, saudada como principal impulso
para a modernização das relações econômicas, indispensável no esquema marxista clássico,
não foi sentida do mesmo modo pelas comunidades camponesas que tiveram suas tradições
interrompidas pelas inovações fabris. Por exemplo, o tempo do camponês, anteriormente
orientado pela natureza, passava a ser, depois da revolução, alienado de si mesmo. Esta
configuração é retomada em várias obras ficcionais e romanescas acerca do período, tais como
a famosa Germinal, de Emile Zola (Figura 19). Assim, mesmo o lazer, as relações amorosas e a
alimentação se tornaram reféns de uma nova concepção de mundo e deveriam ser analisadas
em conjunto, como integrantes da vida social.

Figura 19: Cartaz da obra Germinal de Emile Zola

Fonte: gallica.bnf.fr [https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b9012974m]


Esses aspectos, que Thompson captura a partir da análise dos modos de vida desses
camponeses, são as contribuições importantes do autor para a historiografia. Hoje em dia a
história social do trabalho e as análises marxistas já consideram os aportes da New Left e de E.
P. Thompson como fundamentais para o entendimento global das relações sociais.

Desse modo, assim como os Annales haviam feito em seu contexto, os historiadores sociais
ingleses puseram em circulação uma ampla proposta de renovação que, ainda que muito
combatida e criticada em seu contexto de nascimento, é hoje indispensável componente dos
debates historiográficos, inclusive no Brasil. A representação das mulheres na arte, por exemplo,
(Figura 20) é um dos campos abertos por esses estudiosos, atentos à dimensão cultural da
história.

Figura 20: Retrato da classe operária na Inglaterra

Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Peasant


_Woman_Cooking_by_a_Fireplace.jpeg]
Exercícios de fixação
Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

A revista dos Annales e a New Left Review têm em comum o fato de defenderem a perpetuação
da historiografia marxista clássica.

Verdadeiro Falso

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

Nomes como Marc Bloch e Edward Thompson se aproximam metodologicamente na defesa da


relevância dos costumes para a análise histórica.

Verdadeiro Falso

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

O ponto de convergência entre ambas as escolas é a revisão do positivismo e a defesa de uma


historiografia atenta aos grandes acontecimentos e aos grandes personagens.

Verdadeiro Falso

Tendo em vista o debate entre Thompson e Althusser, assinale a alternativa correta:

Ambos defendiam o marxismo ortodoxo.


Thompson defendia o marxismo ortodoxo das revisões propostas por Althusser.

Althusser defendia um ponto de vista renovador em relação a Thompson.

Thompson diagnostica a insuficiência do marxismo clássico.

Althusser e Thompson comungavam na crítica radical ao marxismo.


UNIDADE 3

A iNew Lefti e a história social


inglesa
Conclusão
Ao longo desta unidade, pudemos entrar em contato com um projeto intelectual
fundamental para a composição dos debates atuais da historiografia. Os
marxistas ingleses como Maurice Dobb, Eric Hobsbawm e E. P. Thompson foram,
assim como os historiadores dos Annales, responsáveis por um amplo trabalho
de revisão da historiografia clássica de caráter positivista.
Agrupados em torno de dois periódicos – primeiramente a revista Past and
Present e depois a New Left Review – esses historiadores colocaram em questão
alguns dos dogmas interpretativos do marxismo, como a objetividade do
conceito de classe social e a relação de causalidade entre estrutura e
superestrutura.
O grande saldo desse debate para nós, historiadores contemporâneos, é a
possibilidade de pensar o passado a partir das relações culturais, considerando
as dimensões simbólicas, cotidianas, e a experiência em primeira pessoa dos
sujeitos que viveram em contextos de mudança social.
Os historiadores da New Left ficaram consagrados, sobretudo, por inserirem na
lógica da narrativa da história os sujeitos “de baixo”. Raramente entendidos
como personagens pela história positivista (que considerava apenas os “grandes
homens” e os “grandes fatos”) esses autores se interessaram por dinâmicas
sociais mais complexas, que rompiam com os esquemas historiográficos de seu
tempo.
Atualmente, a história social do trabalho, a história da classe trabalhadora e a
história dos setores, historicamente desprestigiadas, como as mulheres, são
tributárias do empreendimento desses historiadores.
UNIDADE 4

História do presente
Objetivos:
a. Apresentar sinteticamente as principais correntes historiográficas da virada do século XX para o século

XXI.

b. Desenvolver a habilidade de analisar criticamente os dilemas sociais e culturais que se colocam

atualmente para o historiador.

c. Contextualizar historicamente a questão da memória e do testemunho.

Videoaula - História e memória

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4 História do presente

4.1 Questões para a história do presente

Neste momento vamos nos concentrar em conhecer alguns dos debates mais recentes da
historiografia. Como vimos anteriormente, diversas escolas de pensamento (Annales, Frankfurt,
New Left) contribuíram para que o historiador do século XXI tivesse a sua disposição uma
pluralidade de métodos, objetos e procedimentos possíveis.

Vimos também que muitas questões sociais e políticas, aparentemente deslocadas da atividade
do historiador, foram importantes para oferecer propostas e demandas para os analistas de cada
período; não é possível compreender os Annales, por exemplo, sem compreender a Segunda
Guerra Mundial, assim como não é possível entender o esforço dos marxistas sociais ingleses
sem levar em conta o impacto da divulgação dos relatórios de Krushov.

A partir de agora, vamos refletir sobre o cenário do fim do milênio, atentos às questões de ordem
contextual que oferecem a nós, historiadores do século XXI, desafios e possibilidades.

Dentre as principais questões encontram-se, por exemplo, as demandas contemporâneas por


uma história pública, ou seja, feita em comunhão com as necessidades da sociedade, o papel da
testemunha e dos relatos em primeira pessoa e, no limite, a necessidade de o historiador
considerar, em seu ofício, o fato de que está ele próprio imerso em identidades e pertencimentos
sociais que compõe sua prática e sua visão de mundo. Vamos começar?

4.2 A história pública e os debates memorialistas

Um dos principais debates que emergem no fim do século é o da relação entre história e


memória. O tema já havia aparecido, por exemplo, nas teses da terceira geração dos Annales,
especialmente em Pierre Nora e Jacques le Goff.

As últimas décadas do século, todavia, trazem à tona a necessidade de repensar o legado dos
inúmeros traumas do século XX (o Holocausto, centralmente, mas também as violações dos
direitos humanos em países latino-americanos e asiáticos). Os historiadores são implicados
nesses debates, sobretudo, no que diz respeito à importância de resgatar a memória do século
XX para garantir que certas situações não voltem a acontecer.

Na Figura 21, você pode observar o Monumento às vítimas de terrorismo estatal, em Buenos
Aires. Trata-se de um rico exemplo de como, na contemporaneidade, as ideias de “monumento”,
de “memória coletiva” e de política memorialísticas ganham centralidade não apenas no trabalho
do historiador, mas, de modo geral, na esfera pública. Os recursos a esses “lugares de memória”
são importantes porque, na contemporaneidade, o historiador está confrontado com o imperativo
de dar voz a grupos sociais que foram preteridos ao longo das últimas décadas.

Figura 21: Monumento às vítimas de terrorismo estatal, em Buenos Aires

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monumento_a_las_Víctimas_del_Terrorismo_de_Estado_2.jpg]

Um conceito importante para pensar a relação entre renovação dos paradigmas jurídicos das
vítimas e historiografia é o de “Justiça de Transição”. Em 2005, a ONU consolidou o
entendimento conceitual desse dispositivo a partir da ideia de direito à verdade. As ditaduras da
América Latina, especialmente a Argentina, marcada por uma violência sistemática do Estado,
foram o horizonte dessa jurisprudência. Tratava-se, então, de assegurar o direito ao
esclarecimento contextual dos crimes cometidos pelo Estado (causa, natureza e extensão).

Essa proposta baseia-se em duas fontes de legitimidade, a vítima, em primeiro lugar, e o direito
internacional e humanitário, depois. Se a palavra testemunhal encontra-se posicionada em
relação de privilégio epistemológico frente às narrativas oficiais e canônicas, como os tratados
internacionais, temos um indicativo do modo pelo qual a esferas do direito internacional e da
historiografia se encontram em uma reflexão sobre o próprio estatuto de legitimidade dos
discursos sobre as ditaduras e o terrorismo de Estado.
Mães de maio

Figura 22: Mães da Praça de Maio

Fonte: www.tiempoar.com.ar
[https://www.tiempoar.com.ar/assets/files/materials/img/7e/7efae841adeccddb
70ee8523772f4888_MAIN.jpg]

As “mães de maio” e as “avós de maio” são um conhecido movimento de mulheres argentinas que
luta para reencontrar os filhos desaparecidos no contexto da ditadura militar, entre 1976 e 1983
(figura 22). Para saber mais sobre o movimento, você pode consultar o texto de Renata
Gonçalves:

www.uel.br [http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/v1_renata_GVII.pdf]

Não são poucas as abordagens historiográficas que destacam a centralidade do testemunho na


moderna historiografia contemporânea. Podemos pensar, por exemplo, nas ponderações
exemplares de Pierre Nora, em seus Lieux de Memorie, ainda nos anos 1980, ou nas discussões
de Jason Pollak, acerca das possibilidades frutíferas de intersecção entre história e memória, em
relação de fiança mútua e não de competição. Efetivamente, a “história oral” ganha força na
disciplina, em um movimento de emancipação documental encampado pela terceira geração dos
Annales e condensado na aposta em recuperar a narrativa “dos de baixo”, que não eram
registrados na historiografia na medida em que não constavam nos documentos oficiais.
Esse enriquecimento é, como se tem discutido, paralelamente temático e procedimental, na
medida em que as narrativas em primeira pessoa, as reconstituições testemunhais e,
centralmente, a questão da memória, se colocam no centro da problemática historiográfica da
virada do século. O historiador François Hartog (2014), inclusive, diagnostica que o registro de
memória se transmuta de direito em dever cívico, estreitamente vinculado a uma nova
concepção de cidadania e de esfera pública.

Para Hartog (2014, p. 50), essas incontornáveis questões transparecem nas palavras chave do
tempo presente, que ele chama de “palavras de época”: memória, comemoração, patrimônio e
identidade, crime contra a humanidade, vítima, terror. “Formando mais ou menos um sistema,
essas palavras, que não tem a mesma história nem o mesmo mote, remetem-se uns aos outros e
tornam-se pontos de referência tão poderosos quanto vagos, suportes para ações, slogans para
fazer valer reivindicações e exigir reparações.”

Nesse sentido, a reflexão crítica de Hartog se encontra com a de Pierre Nora, a própria
comemoração passou de um modelo histórico para um memorialístico, no qual vigora a
centralidade do presente. Se antes, diz Hartog, concentrando-se na fórmula da história magistra
vitae dos séculos anteriores, a história julgava e condenava, hoje o árbitro é a memória e, mais
propriamente, o dever de memória.

É ali que reside, para o historiador, a potência catártica de evocação do passado, a condenação
dos crimes contra a humanidade, a pessoalização da culpa e a centralidade do testemunho da
vítima encontram-se, nesse sentido, em uma nova configuração temporal, o tempo do
imprescritível, que é o tempo do trauma. Hartog encontra-se, nesse ponto, com as discussões
também relevantes de Paul Ricoeur (2010) acerca da justa memória, a partir dos anos 1980.

A Comissão Nacional da Verdade produziu, ao longo de anos de trabalho investigativo que reuniu
historiadores, antropólogos, geógrafos, entre outros, uma série de relatórios e documentos que
estão disponíveis para consulta pública. Você pode consultar esse material no site da Comissão:

memoriasreveladas.gov.br [http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/]

Para além de reverberar conceitualmente e juridicamente, a centralidade da vítima inaugura uma


nova temporalidade, centrada no papel do testemunho, que é fundamental para a redefinição do
papel do historiador na sociedade contemporânea.

Uma das discussões mais frutíferas que emerge desse entrecruzamento é o debate sobre a
possibilidade de superação/esquecimento do passado traumático das vítimas de regimes de
exceção. A ideia de “anistia sem amnésia”, por exemplo, que estrutura os trabalhos
historiográficos argentinos sobre a ditadura militar terminada em 1986, é um dos
desdobramentos heurísticos do novo ordenamento jurídico internacional sobre crimes contra a
humanidade.

Figura 23: Reunião da Comissão Nacional da Verdade - CNV

Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:CNV_-


_entrega_do_Relatório.jpg]

Ao mesmo tempo, podemos ter em vista o trabalho da Comissão Nacional da Verdade no Brasil
(Figura 23), instaurada apenas em 2011, tem por base um imperativo de não punição formal dos
envolvidos, graças às condições da lei de anistia, ao mesmo tempo em que salientam os direitos
de memória das vítimas como dever de memória da parte do Estado. Apesar das diferenças, uma
profunda operação de contensão do futuro organiza essas iniciativas, a ideia de “ditadura nunca
mais”.

Tensão constitutiva entre presente e passado, pois, a historiografia sobre os genocídios, os


crimes contra a humanidade e os direitos humanos coloca ao historiador importantes questões.
Inicialmente, pode-se considerar a importância dos debates conceituais acerca do termo
genocídio e as inflexões jurídicas que marcaram sua consolidação.

Em uma segunda instância, o fortalecimento de organizações supranacionais, como a própria


ONU, que se consolidam na esteira do “julgamento de Nuremberg” e se aprimoram no fim do
século, quando o terrorismo de Estado das ditaduras, especialmente na América Latina,
engendram novas demandas de reconhecimento público e de memória e, portanto, de história
pública.
Figura 24: Julgamento de Nuremberg

Fonte: wikimedia.org [https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lord-justice-


lawrence-at-nuremberg-72-867.jpg]

Por fim, a consolidação da ideia de direitos humanos e do direito à memória, trouxe aos
historiadores reflexões candentes sobre o conceito de “fonte histórica”, de testemunho, e sobre a
própria capacidade da história em explicar seus próprios desdobramentos.

Essas inflexões marcaram a renovação da disciplina na virada do milênio. Nesse caso, vale
destacar que o debate entre história e memória, tanto em sua dimensão colaborativa como em
sua dimensão conflitiva, seguem atuantes e profícuos, e se constituem como um horizonte
dinâmico para o historiador do contemporâneo. Afinal, como salienta Beatriz Sarlo (2007, p. 9),
fazendo um exercício de pensamento semelhante a este para o caso argentino, o consenso em
torno da importância dos temas não precisa, para que se enriqueça, escamotear o potencial das
tensões, já que “nem sempre a história consegue acreditar na memória, e a memória desconfia
de uma reconstituição que não coloque em seu centro os direitos da lembrança (direitos de vida,
de justiça, de subjetividade).”

Nas últimas décadas do século XX, a historiografia debruçou-se sobre o problema da


cientificidade em relação ao tema da memória. Cada indivíduo, equacionando sua experiência
pessoal, elabora suas memórias de modo subjetivo.

Nesse contexto, será que a atenção à memória nos levaria a uma posição anticientífica? Esse
questionamento é basilar para o entendimento dos desafios lançados à História no século XXI. A
discussão condensa-se em perceber que, ainda que a memória seja carregada de impressões
subjetivas, essas subjetividades podem ser integradas ao discurso historiográfico, sem prejuízo
de seu estatuto de ciência.

Essa remodelação, que não encontra consenso no campo histográfico, mas que lhe é intrínseca,
nos ajuda a adentrar nos debates contemporâneos sobre a chamada história pública e da
história do tempo presente, que são manifestações do interesse público em torno do passado e
que ultrapassam as discussões rigidamente historiográficas.

Vamos conhecer agora alguns desdobramentos teóricos desse reavivamento da memória e das
impressões subjetivas que vêm ganhando corpo desde as últimas décadas do século XX.

4.3 A fragmentação do campo historiográfico

Considerando todos os ganhos conceituais que a discussão sobre a memória, a história pública
e as reconstruções testemunhais trouxeram para a historiografia, devemos levar em conta,
também, que essa pluralização de debates traz consigo alguns desafios.

Muito se fala, hoje em dia, sobre uma “fragmentação” no campo historiográfico. Essa situação
corresponderia à prevalência de concepções “pós-modernas” (baseadas na fragmentação das
identidades, dos temas e dos conceitos) em detrimentos das explicações clássicas da história,
baseadas em grandes categorias como classes sociais, movimentos estruturais e correntes
políticas bem definidas.

Figura 25: Michel Foucault

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Conference_de_presse_sur_l_affai
re_Jaubert._De_gauche_%C3%A0_droite,_Pierre_Laville,_Michel_Foucault,Cla
ude_Mauriac,_Denis_Langlois_et_Gilles_Deleuze.jpg]
Certamente, precisamos considerar que, algumas contribuições das ciências humanas,
notadamente da filosofia, como Michel Foucault, (Figura 25), tiveram um grande impacto nos
debates historiográficos.

Atualmente, a ideia de que a História obedece a uma linearidade e pode ser analisada a partir de
mecanismos de observação causal não é mais aceita por todos os historiadores. Alguns deles,
na esteira da tradição dos Annales e da Escola de Frankfurt, dedicam-se a pensar a mudança
desse paradigma, e preferem compreender a história a partir de suas múltiplas identidades.

Nesse sentido, não haveria mais uma História, única e comprovável cientificamente, mas uma
pluralidade de pontos de vista construídos a partir dos pontos de observação do sujeito. Assim,
teríamos uma história das mulheres, uma dos povos indígenas, uma dos afrodescendentes e
assim por diante.

Essa mudança de orientação, que data da virada do século XX para o XXI tem, contudo, sua
própria história. Nesse momento, vamos descobrir de que modo essas concepções foram
gestadas e ganharam destaque no circuito dos historiadores.

Na década de 1990, Francis Fukuyama decretou – no artigo que logo virou livro de circulação
mundial “O fim da história e o último homem” (1992) – o próprio fim, por carência de elementos
críticos, da narrativa histórica. Não foi menos repercutida a constatação diametricamente
oposta, de Samuel Hundington, apostando no acirramento de uma sorte de “choque de
civilizações” (1996) que comprometia nossa expectativa enquanto sociedade ultramoderna.

Essas duas análises impactam fortemente no campo da historiografia, já que assumem, a rigor,
uma posição apocalíptica, que decreta a própria incapacidade da historiografia em pensar e
narrar seu próprio tempo.
Figura 26: Atentado de 11 de setembro

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:WTC_smoking_on_9-11.jpeg]

Um evento ocorrido em 11 de setembro de 2001, o atentado às Torres Gêmeas do World Trade


Center (Figura 26), em Nova York, contudo, reacendeu algumas discussões. O novo milênio
começava com um evento multicausal, e os historiadores foram novamente chamados a
interpretar e vaticinar sobre o passado, o presente e, alguma medida o futuro.

Nisso consiste, precisamente, um dos maiores desafios à historiográfica contemporânea. Assim,


como conciliar o rigor do debate teórico com a ampliação da demanda pública pela história?

A chamada “história pública” vem ganhando espaço no debate historiográfico, notadamente a


partir de iniciativas que procuram democratizar o acesso ao debate sobre o passado. Para saber
mais sobre o tema e conhecer as principais iniciativas em torno do tema, você pode acessar o site
da Rede Brasileira de História Pública: historiapublica.com.br [http://historiapublica.com.br/] .

Esses são apenas algumas das questões que o analista do presente deve considerar. A queda do
muro de Berlim e o fim da experiência soviética podem ser interpretados como a moldura factual
desse rearranjo nas expectativas do mundo presente. São esses rearranjos que conheceremos a
partir de agora, partindo do ressurgimento do passado no presente que demarca o começo dos
anos 1980, aqueles que Hartog (2014) chamou de “os anos da memória”.

Dessa forma, os anos 1980 configuram-se, na historiografia, como um momento de ampliação


do campo de possibilidades analíticas. Alguns ramos da história política, como as biografias e as
histórias intelectuais, como destaca Remond (1998), são reabilitados a partir da flexibilização do
paradigma estruturalista, especialmente na França.

Em paralelo, é também nesse contexto que as perspectivas decoloniais de Edward Said, Frantz
Fanon (Figura 27) e, em alguma medida, G. Spivak tornam-se um horizonte de pesquisa viável na
historiografia, movimentos esses reivindicados ainda hoje.

Figura 27: Cartaz em homenagem a Frantz Fanon

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Who_was_Frantz_Fanon,_London_
May_2017.jpg]
Os chamados “estudos subalternos” congregam uma série de filósofos, historiadores, sociólogos
e outros analistas das ciências humanas que, durante as décadas de 1960 e 1970, refletiram
sobre a dependência que os países periféricos sofriam em relação aos países centrais como
Edward Said e Frantz Fanon. Composto majoritariamente por indianos como Homi Bhabha e
Chakrabarty, esse grupo preocupa-se não apenas com a dependência material, mas também com
a colonização epistemológica que era operada a partir da Europa e dos EUA no plano da cultura e
das representações. Para saber mais sobre o tema, vale a pena consultar a obra de Boaventura de
Souza Santos: professor.ufop.br
[http://professor.ufop.br/sites/default/files/tatiana/files/epistemologias_do_sul_boaventura.pdf]

Estas emergências teóricas, conforme Iggers (2010) circunscrevem uma “recusa à crença na
superioridade cultural do Ocidente como ápice do desenvolvimento histórico, largamente
difundida desde o Iluminismo até o segundo terço do século XX”. Rearranjos dessa natureza
abalaram de forma contundente as hierarquias de consagração da disciplina.

Iggers (2010) e Hartog (2014) notam a correspondência entre os fatos dramáticos do século XX,
especialmente os que seguiram à Segunda Guerra Mundial, e a emergência do discurso sobre
memória e testemunho, que trouxe em seu bojo o debate sobre as fontes orais. A relação íntima
entre a hoje bem posicionada história oral e a história do tempo presente é, nesse sentido, íntima,
o presente é, afinal, o próprio tempo do testemunho. Vale a pena lembrar que, os aspectos
narrativos da experiência individual e, sobretudo, seu uso documental, encontraram certa
resistência entre a comunidade de historiadores. Efetivamente, o “tempo presente” costumava
ser cedido aos olhares mais sincrônicos das ciências sociais, nos tempos em que a historiografia
considerava que a escrita de si e os testemunhos eram, antes de tudo, particularizações
infrutíferas, que obscureciam, com sua carência de potencial generalizador, os movimentos
profundos e estruturais da história.

Considerando essa inflexão de ordem institucional, não é de surpreender que a onda


memorialística, que toma corpo nas últimas décadas do século, venha, precisamente, de um
movimento híbrido, viabilizada pelo contexto de pluralização das fontes de pesquisa, já
consolidado na historiografia, a demanda pelo resgate da memória, pela audição do esquecido e,
no limite, pela credibilidade do testemunho vêm da própria esfera pública.
O interesse por temas e narrativas sobre o passado, ressaltado por Jurandir Malerba (2014)
sobre o papel dos historiadores frente à “historiografia de massa”, aliado ao apoio político e
jurídico às políticas de memória e reparação (as comissões da verdade, por exemplo),
constrangeram positivamente o campo historiográfico a repensar, ou ao menos tematizar, suas
relações com a memória e com as fontes orais.

Figura 28: História pública

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:História_pública.png]

A Figura 28 mostra uma das iniciativas de pensar a história publica atualmente. Trata-se de uma
iniciativa de popularizar conceitos historiográficos na rede mundial.

Para conhecer mais sobre conceitos historiográficos, acesse: nepemi.sites.ufsc.br


[http://nepemi.sites.ufsc.br/projeto-teoria-da-historia-na-wikipedia/]

Apesar desse crescimento exponencial, algumas questões de ordem metodológica merecem ser
considerados nessa apreciação, as críticas a respeito da carência de objetividade que irmanam a
história oral e a história do tempo presente não deixam de se fazer presentes nas querelas
metodológicas do fim do século. Elas constituem, efetivamente, uma parte importante do
substrato temático do discurso da “crise da história” que inaugura, e de certo modo preside, essa
reflexão.

Apesar de que analistas tenham insistido, com propriedade, no fato de que a história pode e deve
incidir criticamente – inclusive em termos de crítica documental – nas reconstituições
testemunhais, a tensão entre vítimas-testemunhos e historiadores é perene. Isso se deve,
segundo uma atmosfera que conecta as questões de Hartog (2014) com aquelas formuladas por
Sarlo (2007) para o caso latino-americano, porque a própria temporalidade da história está em
questão no predomínio do testemunho, o tempo da vítima é, afinal, o tempo do imprescritível, o
presente eternificado.

Além disso, conforme chama atenção Norberto Guarniello (2004, p. 16), é preciso acomodar a
dimensão conflitiva da história oral e do testemunho em relação aos cânones da história
institucional, considerando que “não importa quão científicas sejam, essas interpretações da
História são sempre produtoras de memória de lembrança ou esquecimento, são instrumentos
de identidade de legitimidade e de poder”.

Figura 29: Monumento Carandiru

Fonte: wikimedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monumento_Sonho_de_Liberdade.
jpg]

Essa dimensão de poder é constitutiva das novas relações entre o historiador e seus públicos já
que o fenômeno é eminentemente coletivo e, assim, submetido a flutuações, transformações e
quebras no imaginário social. Isso ocorre com muitas memórias coletivas. Na Figura 29, por
exemplo, você pode observar o monumento erguido onde anteriormente ficava a casa de
detenção do Carandiru. A ideia é, ao mesmo tempo, lembrar e ressignificar a memória, o que
deixa antever o caráter público e presentista da história. Pollak chama atenção, nesse sentido,
para uma última questão que compõe esse panorama de desafios à história do presente. Em
seus termos:

Podemos, portanto, dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade,

tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante

do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução

de si. (POLLAK, 1992, p. 205).

O filme “Narradores de Javé” (2001), dirigido por Eliane Caffé, é um rico instrumento para pensar
sobre os novos desafios da história oral, da busca pelo resgate da memória e do papel do
historiador.

A alegada “crise” da história, nesse sentido, abre-se para uma importante reacomodação, se o
presente é o tempo da memória por excelência, são os historiadores do presente chamados a
repensar a posição da história como crítica da memória e, assim, reafirmar o potencial crítico do
próprio ofício. Quando Hartog (2014) nos pergunta se o presente é, necessariamente, o tempo da
crise, parece estar nos convidando a pensar a crise como alargamento da expectativa de futuro,
como crise de crescimento, e não como mera fragmentação.

Essa discussão pode parecer um pouco abstrata, mas não podemos nos esquecer de que ela diz
respeito à nossa autoimagem como sociedade. Observe, na Figura 30, o “Museu do Amanhã”,
inaugurado no Rio de Janeiro nas vésperas da Copa do Mundo de 2014. A brincadeira com o
nome do Museu (afinal, o passado, e não o futuro costuma ser objeto de memória) ajuda o
historiador a perceber que as novas gerações são mais abertas a considerar a história como
uma construção permanente.

Nesse contexto, os novos desafios são também novas possibilidades, principalmente para
aqueles que se dedicam a estudar a chamada História do Tempo Presente.
Figura 30: Museu do Amanhã

Fonte:  wikipedia.org
[https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Museu_do_Amanh%C3%A3_05.JPG]

Todas essas reflexões historiográficas são o pano de fundo de uma mudança na orientação dos
tempos. Novos sujeitos históricos, com experiências distintas entre si, constituem-se enquanto
intérpretes privilegiados de uma concepção de identidade que é costurada pelas vivências
pessoais, pelo testemunho e pelas demandas públicas em torno do passado. Considerar esses
elementos é importante para que o ofício do historiador possa ser permanentemente atualizado
e colocado a serviço da análise crítica do mundo.

Contemporaneamente, as redes sociais, o compartilhamento da memória digital, dentre outras


plataformas de enunciação, complexificam a tarefa do historiador, que não tem mais o
monopólio sobre os temas do passado. Podemos, diante disso, tomar uma atitude de recusa,
mas também podemos, conforme Marc Bloch, atualizar nossas reflexões, já que os homens se
parecem mais com seu tempo do que com seus pais.
Exercícios de fixação
Atento às demandas que a construção coletiva da memória oferece aos historiadores, Norberto
Guarnielo fez a seguinte proposição: “Não importa quão científicas sejam essas interpretações
da História, elas são sempre produtoras de memória, de lembrança ou esquecimento, são
instrumentos de identidade, de legitimidade e de poder” (GUARNIELLO, N. História científica,
história contemporânea e história cotidiana. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, n. 48,
p.13-38, 2004. p. 16).

Tendo em mente essa afirmação, assinale a alternativa correta.

A memória e a história são sempre opostas.

Estar atento à memória é fundamental para que o passado seja visto como um instrumento
de poder.

Guarniello chama atenção para a necessidade de que os historiadores atuais substituam a


memória pelo esquecimento.

A memória coletiva não é histórica, pois nem todos os contemporâneos se lembram da


mesma maneira.

A história e a memória não se distinguem, sendo ambas abordagens científicas do passado.

Complete o texto:

A história do tempo presente deve à história Selecione... seu caráter compartilhado. Muitos
historiadores criticam o fato de que autores amadores escrevam suas narrativas sobre o
Selecione... . Todavia, é importante cultivar a memória Selecione... de uma sociedade,
pois, através dela, as pessoas podem ligar-se afetivamente e socialmente a seus semelhantes.
Assim, a história pública, que tem crescido muito nos últimos anos, tem importante função de
Selecione... científica, e pode ajudar a reposicionar os historiadores como agentes
sociais dispostos a discutir o passado, o presente e o Selecione... de modo colaborativo.
UNIDADE 4

História do presente
Conclusão
Falar sobre o próprio presente sempre foi um desafio para os historiadores. Ao
mesmo tempo, o presente concreto sempre impôs aos narradores do passado
suas demandas, seus constrangimentos concretos e suas disputas por
legitimidade. Ao longo do século XX uma série de escolas historiográficas pôs
em relevo a imbricação entre as múltiplas temporalidades no ofício do
historiador. Cada qual a seu modo, elas ajudaram a complexificar nossa tarefa, e
também a torná-la, mais do que nunca, imprescindível.
Ao longo da última unidade, vimos que os historiadores do século XXI são
confrontados com questões que emergiram nos últimos cinquenta anos. As
disputas em torno da memória, o surgimento de ferramentas metodológicas
como a história oral – uma manifestação da necessidade de recuperar o papel
das testemunhas na narrativa do passado – e as permanentes ressignificações
operadas na esfera pública a respeito da identidade coletiva, são algumas dessas
questões.
Ao historiador do século XXI, nesse sentido, desdobram-se algumas ponderações
fundamentais, que acompanhamos através de debatedores importantes como
François Hartog, Michael Pollak e Pierre Nora. Em que medida a memória e a
história são antagônicas e em que medidas são parceiras na empreitada de
reativação do passado? Essa questão é a pergunta organizadora das mais
recentes iniciativas conhecidas como “história do tempo presente” e “história
pública”, que procuram sistematizar a necessidade de que o ofício do historiador
esteja em sintonia com as demandas do seu tempo. Atualizando as palavras de
Marc Bloch em Apologia da História, a historiografia do tempo presente é, ao
mesmo tempo, observadora e testemunha da incidência do presente no passado.
Videoaula - Desafios contemporâneos à historiografia

Escaneie a imagem ao lado com um app QR code para assistir o vídeo ou clique aqui
[https://player.vimeo.com/video/429814705] .
Considerações finais
Qualquer historiador que se depare com o desafio de narrar a construção da narrativa histórica
do século XX (também conhecida como historiografia) terá de enfrentar alguns desafios, muitos
dos quais conhecemos ao longo das últimas páginas.

As tensões políticas que, muitas vezes, afetam os rumos do debate intelectual, as vicissitudes
internas que opuseram mestres a discípulos e, também, as próprias necessidades do campo
universitário, são fatores constitutivos da nossa elaboração do passado. Ao mesmo tempo, o
século XX é exemplarmente rico na pluralização de possibilidades para o trabalho do historiador.

Vimos que, com os Annales, a história positivista foi questionada, e com ela os usos inequívocos
dos documentos oficiais. Novas possibilidades se abriram a partir da “história-problema” e
nomes como Febvre, Bloch, Braudel e Le Goff se cristalizaram na tradição da nossa disciplina.

No caso da Escola da Frankfurt, uma rica colaboração entre filósofos, sociólogos e pensadores
interessados pela história nos descortinou a possibilidade de pensar o tempo histórico como
fragmento, para usar os termos de Walter Benjamin.

O mesmo espírito inovador é encontrado nos marxistas ingleses, dispostos a questionar e


reelaborar um dos debates intelectuais mais importantes dos últimos séculos: a questão da
classe social e da experiência do trabalhador comum frente às mudanças da história.

Finalmente, fomos apresentados ao estado atual da historiografia, marcado pelo debate em torno
da memória, do testemunho, da história do presente, da história oral e do papel social do
historiador na construção das representações coletivas. Apesar da longa trajetória percorrida, é
importante manter os olhos atentos aos novos tempos, afinal são eles que trazem aos
historiadores as lentes através das quais observam e narram o passado.
Exercícios de fixação - respostas
Pensando na contribuição dos Annales para a divulgação da chamada “história-problema”,
assinale a alternativa correta:

A primeira geração dos Annales não se preocupou em questionar os pressupostos


positivistas.

Para François Dosse, há uma continuidade entre as gerações dos Annales, referente ao
questionamento da temporalidade.

A história-problema é um dos principais cânones dos Annales, e conecta, para Burke, os


esforços das três gerações.

A história-problema critica uma historiografia preocupada com setores anteriormente


excluídos.

A chamada “história-problema” foi negada pela terceira geração dos Annales.

Sabemos que os Annales começaram em torno de uma revista, fundada em 1929 por Marc Bloch
e Lucien Febvre. Tendo em mente a circulação dos Annales ao longo das décadas posteriores,
assinale a alternativa correta:

A circulação internacional dos Annales só foi possível porque os historiadores estavam em


posições subalternas.

No Brasil, os Annales não tiveram nenhuma repercussão.

Os Annales devem sua fama internacional ao fato de que a Alemanha da década de 1940 os
acolheu.

No Brasil, vários campos de pesquisa são tributários das renovações propostas pelos
Annales.

A fundação da revista dos Annales tem relação com o crescimento da chamada Escola
Metódica na França.
A Escola de Frankfurt não pode ser entendida descontextualizada das tensões que marcaram a
sociedade ocidental dos anos 1930 a 1960. Tendo em vista esse panorama, assinale a alternativa
correta:

Os membros do Instituto de Pesquisas Sociais não foram obrigados a emigrar de seu país de
origem.

A ida dos frankfurtianos aos Estados Unidos marcou o seu desaparecimento intelectual.

A Alemanha nazista era receptiva às ideias frankfurtianas.

A história do Instituto de Pesquisas Sociais foi marcada pelo trânsito internacional de seus
principais membros.

Todos os autores vinculados à Escola de Frankfurt se opuseram aos movimentos estudantis


da década de 1960.

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

Walter Benjamin via a história de modo positivista e linear.

Verdadeiro Falso

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

As teses sobre a História, de Benjamin, opõem-se à ideia de que a história pode ser considerada
apenas progressivamente.

Verdadeiro Falso
Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

A catástrofe tem um papel importante na concepção de história de Benjamin, que diz respeito ao
fator “irruptivo” do passado.

Verdadeiro Falso

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

Não há, em Benjamin, qualquer menção ao papel da modernização das grandes cidades.

Verdadeiro Falso

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

A revista dos Annales e a New Left Review têm em comum o fato de defenderem a perpetuação
da historiografia marxista clássica.

Verdadeiro Falso

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

Nomes como Marc Bloch e Edward Thompson se aproximam metodologicamente na defesa da


relevância dos costumes para a análise histórica.
Verdadeiro Falso

Marque verdadeiro ou falso para a afirmação:

O ponto de convergência entre ambas as escolas é a revisão do positivismo e a defesa de uma


historiografia atenta aos grandes acontecimentos e aos grandes personagens.

Verdadeiro Falso

Tendo em vista o debate entre Thompson e Althusser, assinale a alternativa correta:

Ambos defendiam o marxismo ortodoxo.

Thompson defendia o marxismo ortodoxo das revisões propostas por Althusser.

Althusser defendia um ponto de vista renovador em relação a Thompson.

Thompson diagnostica a insuficiência do marxismo clássico.

Althusser e Thompson comungavam na crítica radical ao marxismo.

Atento às demandas que a construção coletiva da memória oferece aos historiadores, Norberto
Guarnielo fez a seguinte proposição: “Não importa quão científicas sejam essas interpretações
da História, elas são sempre produtoras de memória, de lembrança ou esquecimento, são
instrumentos de identidade, de legitimidade e de poder” (GUARNIELLO, N. História científica,
história contemporânea e história cotidiana. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, n. 48,
p.13-38, 2004. p. 16).

Tendo em mente essa afirmação, assinale a alternativa correta.

A memória e a história são sempre opostas.


Estar atento à memória é fundamental para que o passado seja visto como um instrumento
de poder.

Guarniello chama atenção para a necessidade de que os historiadores atuais substituam a


memória pelo esquecimento.

A memória coletiva não é histórica, pois nem todos os contemporâneos se lembram da


mesma maneira.

A história e a memória não se distinguem, sendo ambas abordagens científicas do passado.

Complete o texto:

A história do tempo presente deve à história pública seu caráter compartilhado. Muitos
historiadores criticam o fato de que autores amadores escrevam suas narrativas sobre o
passado . Todavia, é importante cultivar a memória coletiva de uma sociedade,
pois, através dela, as pessoas podem ligar-se afetivamente e socialmente a seus semelhantes.
Assim, a história pública, que tem crescido muito nos últimos anos, tem importante função de
divulgação científica, e pode ajudar a reposicionar os historiadores como agentes
sociais dispostos a discutir o passado, o presente e o futuro de modo colaborativo.
Autoria
Alexandra Dias Ferraz Tedesco
Autora
Mestre e Doutora em História, respectivamente pela UNESP (2012) e UNICAMP (2018), a autora
desenvolve pesquisa nas áreas de Historiografia, Teoria da História, História das disciplinas e
História da Ciência, e é autora de uma série de artigos sobre essas temáticas. Tem experiência
na área de ensino a distância (2013-2019) e como docente no Ensino Básico e Superior.
Glossário

Bertold Brecht
Poeta e dramaturgo alemão, nascido em 1898, conhecido por realizar experimentações teatrais
que mesclavam seu engajamento no marxismo, o experimentalismo soviético e o conceito de
estranhamento do teatro chinês. É autor de peças como “A Santa Joana dos Matadouros” e “A
Ópera dos Três Vinténs”.

Dialética negativa
Interpretação adorniana da tradição dialética (que remonta, no caso da teoria crítica, à influência
hegeliana e marxista), a dialética negativa caracteriza-se pelo convívio conflitivo de tese e
antítese, sem que esteja implicada, necessariamente, uma síntese, ou uma resolução.

Escola Metódica
Nome dado à tendência protagonizada por Charles Seignobos e Langlois. A escola surgiu na
França, no fim do século XIX, e retomava a herança positivista da objetividade e o legado de
Leopold von Ranke de apego aos documentos e à neutralidade do historiador diante dos fatos do
passado.

Estruturalismo
Corrente analítica que se difundiu entre muitas áreas das ciências humanas e que supõe a
existência de determinantes estruturais e da necessidade de observação sistêmica do mundo.
Seus principais nomes são Claude Levi Strauss, na antropologia, e M. Saussure, na Linguística.

História Magistra Vitae


Expressão utilizada por autores como François Hartog e R. Koselleck para descrever o tipo de
relação com a história que prevalecia até o século XVIII. Sinteticamente, trata-se de uma
expectativa ofereça modelos de conduta para o futuro baseado na história de vida de
personagens do passado.

Julgamento de Nuremberg
Ocorrido na cidade de Nuremberg (Alemanha), o evento se refere a um julgamento de guerra
realizado logo após o término do conflito, em 1945. Foi o primeiro de uma série de julgamentos
militares que culminaram no caso do julgamento de Eichmann, em 1961.

Leopold von Ranke


Conhecido como o pai da Historiografia contemporânea, von Ranke foi um dos primeiros
historiadores a entenderem seu ofício como um trabalho científico. Focava-se na análise da
história através do rigor do documento e ajudou a difundir, ao longo do século XIX, a concepção
de que a história era uma disciplina científica e deveria ser absorvida pela instituição
universitária.

Michel Foucault
Um dos filósofos mais conhecidos do século XX, Michel Foucault dedicou-se a questionar a
linearidade da história moderna, inserindo questões como as rupturas epistémicas e os distintos
modos de configuração cultural que respondem a cada unidade histórica. Entre suas obras mais
famosas estão “História da Loucura” e “As Palavras e as Coisas”.

Neo-hegelianismo
Corrente de pensamento que se desenvolveu na virada do século XIX para o século XX e
pretendia reabilitar o idealismo do filósofo alemão Georg W. F. Hegel. O nome mais famoso dentre
os participantes desse movimento é o italiano Benedetto Croce.

Neokantismo
Corrente filosófica desenvolvida principalmente na Alemanha a partir da década de 1920. Sua
proposta era resgatar os aspectos epistemológicos da obra do filósofo Immanuel Kant e pensar
uma alternativa filosófica que se situasse entre a metafísica e o positivismo, correntes então em
voga naquele contexto.

Positivismo
Corrente filosófica protagonizada, no começo do século XIX, por Auguste Comte. Trata-se da
defesa da objetividade e da neutralidade do analista e, aplicada à historiografia, supõe que os
fatos do passado devem ser analisados tais como os biológicos: através do diagnóstico de uma
“lei” que explicaria os fenômenos de forma causal.

Psicanálise
Escola inaugurada por Sigmund Freud, que deu início à psicologia moderna. Parte da análise de
fenômenos do inconsciente e de sua repressão para o entendimento da psique dos indivíduos e
da sociedade.

Revoltas estudantis
Entre 1967 e 1969, diversas universidades do mundo vivenciaram o questionamento, por parte
dos estudantes, dos costumes conservadores e tradicionais que organizavam o sistema de
ensino. As manifestações mais famosas ocorreram na Universidade de Berkeley, em 1967, e na
Universidade de Nanterre, na França, em 1968.
Bibliografia
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