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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Análise crítica e comparação entre os verbetes Escola dos Annales, constatado na


Wikipédia em português, e Escuela de los Annales, na Wikipédia de língua espanhola.

Introdução aos Estudos Históricos I

Gabriel da Rocha Ucella


Matrícula: 202410346311

Rio de Janeiro
2024
Resumo: Esta atividade prezará por analisar criticamente e, em seguida, comparar os
verbetes presentes na Wikipédia em língua portuguesa e espanhola tratando da temática
historiográfica Escola dos Annales e, respectivamente, Escuela de los Annales. A avaliação,
todavia, irá contemplar precisamente algumas teses, voltando-se às seguintes problemáticas: as
informações estão completas? são compreensíveis? abordam os principais temas? e, sobretudo,
faltam discussões que são essenciais para a compreensão do assunto?

1. INTRODUÇÃO

Inicialmente, tendo em vista as problemáticas das quais serão postas em materialidade


– anteriormente denotadas acima – serão realizados apontamentos optativos de direcionamento,
visando atender de forma coerente às questões da atividade. Com isso, levarei em consideração
os seguintes pontos dos quais avalio como essencial estar contido nos verbetes para a
compreensão do assunto:

1) O essencial, em meu ponto de vista, para compreender as ações dos historiadores é analisar
progressivamente a transição do tempo histórico junto à ótica historiográfica dos estudiosos
que, do final do século XIX para o início do XX, alteraram-se pouco a pouco tendo em vista as
lentas mudanças dos paradigmas analíticos;

2) Ressaltar a enormidade de influências que, tanto March Bloch quanto Lucian Febvre –
fundadores da Annales d’histoire économique et sociale – receberam desde o ingresso no meio
acadêmico na École Normale;

3) É substancial levantar a grande importância do processo histórico como um todo, posto que
os paradigmas historiográficos limitados aos eventos políticos e militares eram dominantes e,
além disso, foram enfrentados por inúmeros estudiosos. Peter Burke em sua obra traz, em
síntese, esta concepção: ‘’ O domínio [...] da história política, era frequentemente contestado na
última parte do século XIX’’ (BURKE, 1992, p. 13);
4) Crucial apontar não apenas os grandes nomes dos historiadores marcantes dos Annales – a
intenção não é ser um ‘’ídolo individual’’ (Idem, p. 14) -, mas também, a influência de inúmeros
intelectuais, sendo economistas, geógrafos, sociólogos antropólogos, e psicólogos.

5) Por último, ressaltar a interdisciplinaridade dos estudos, notando-se, como Burke traz, ‘’o
intercâmbio de ideias através das fronteiras disciplinares’’ (Idem, p. 19), ou, também, como José
Carlos Reis levanta, ‘’ [...] história e ciências sociais ‘trocariam serviços [...]’ ‘’ (REIS, 2010, p.
102).

2. Verbete ‘’ Escola dos Annales’’.

Tratando-se sobre o repertório em língua portuguesa, contido na WIKIPÉDIA, julgo


como pouco elucidada a respeito dos fatos históricos não apenas por erros ortográficos mas,
também, por omissões (propositais?) de figuras importantes à analise concreta do objeto de
estudo. Para materializar um exemplo:

Os fundadores do periódico (1929) e do movimento foram os historiadores Marc


Bloch e Lucien Febvre, então docentes na Universidade de Estrasburgo. Rapidamente
foram associados à abordagem inovadora dos "Annales", que combinava a Geografia,
a História e as abordagens sociológicas da "Année Sociologique". Muitos dos seus
colaboradores eram conhecidos em Estrasburgo e reuniam-se para produzir uma
análise que rejeitava a ênfase predominante em política, diplomacia e guerras,
característica de muitos historiadores dos séculos XIX e XX, liderados pelos
"sorbonnistas" - designação dada por Febvre (WIKIPÉDIA, 2024).

Note-se que o que não foi dito é a respeito de um personagem importante à época, o
sociólogo Émile Durkheim, fundador da revista ‘’ Année Sociologique ‘’. Mas em quê este
detalhe atrapalharia no texto? O francês fora uma das maiores influências de um dos fundadores
da revista dos Annales, Marc Bloch. ‘’[...] como comprova a análise de suas últimas obras, sua
maior influência foi a do sociólogo Émile Durkheim, que iniciou sua carreira de professor na
École mais ou menos na época de seu ingresso ‘’ (BURKE, 1992, p. 18).
É um detalhe, mas a falta implica na compreensão de notar tanto nas obras de Bloch a
presença do uso de conceitos como ‘’ consciência coletiva ‘’ e ‘’ fatos sociais ‘’ (Idem, p. 21)
quanto sobretudo na sua importância para o movimento.
Adiante, é denotado no repertório claramente dados importantes de compreensão a respeito da
natureza do movimento, que seriam sobre as inovações historiográficas, emergindo com a
história-problema, substituindo a grande ênfase que era dada na história política, dos eventos e
dos conflitos militares, denota-se, também, a ampliação ou a diversificação das fontes
documentais, no entanto, não é citado quais são estas fontes que ‘’ surgiram ‘’ para a análise do
historiador, faltando com uma discussão essencial. Antes dos Annales, a velha tradição
conservadora historiográfica prezava o estudo apenas através de documentos oficiais, moldando
a história como factual e narrativa, porém, a história-problema tomou o lugar, encerrando-se
essa escrita meramente factual, sem interpretação, tal como Barros traz:

É impressionante constatar como, durante todo um século que abarca a pré-história e


a história desta escola, perdura com a mesma intensidade aquela velha crítica dos
Annales à “história factual”, através da oposição de uma história-problema –
interpretativa, problematizada, apoiada em hipóteses, capaz de recortar o
acontecimento através de novas tábuas de leitura, e, na verdade, capaz de
problematizar este próprio gesto de recortar um acontecimento (BARROS, 2012, p.
306).

A diversificação das fontes com esta alteração de paradigma contará, agora, com
qualquer vestígio que possua atividade humana, arquivos privados, iconográficas,
arqueológicas, fontes seriais, entre outras, e as novas fontes, agora, entrarão a dispor do
historiador graças ao vínculo das disciplinas humanas e sociais à História, a
interdisciplinaridade, que era pensada tanto por Bloch quanto por Febvre, de acordo com Burke
‘’ o compromisso de Bloch com a geografia era menor do que o de Febvre, embora seu
compromisso com a sociologia fosse maior. Contudo, ambos estavam pensando de uma maneira
interdisciplinar ‘’ (BURKE, 1992, p. 18).
Na enciclopédia está apontado corretamente ao trazer Henri Berr como crucial à esta questão
da união das disciplinas através da fundação de sua revista. Nota-se a citação de conceitos
específicos, no entanto, sem precisar o autor que o emergiu, como ‘’ história de longa duração
‘’, trazido por Fernand Braudel entre a década de 50 e de 60 do século XX para explicar como
transformam-se as estruturas políticas através da temporalidade.
A respeito da primeira e segunda gerações do movimento estão claras as informações, é
trazido os principais nomes em ambas, tanto Bloch e Febvre com seus marcantes feitos de
alterar o paradigma de análise da história com a ‘’história-problema’’ e, além disso, a
relativização que passou a ser dada à uma mera narração neutra dos fatos históricos,
estabelecendo a problemática, a interrogação à fonte e a análise interpretativa da mesma. É
apontado, também, a importância de Braudel ao conceituar sua análise temporal da história,
sendo marcante no movimento.

3. Verbete ‘’Escuela de los Annales’’.

Voltando-se a um objeto de estudo segundo o qual apresenta uma língua diferente, nota-
se, claramente, padrões inteiramente distintos ao da língua portuguesa, porém, tais padrões de
escrita e criação em torno da linguagem resultariam em uma abordagem mais ou menos
completa? Trata-se mais da reflexão do que de uma resposta em si, são histórias diferentes, com
valores e modelos tradicionais distintos – embora ambas colonizações católicas. No entanto,
pensando-se na análise do documento, é notável informações mais completas, mais claras à
compreensão, traz informações adicionais, como por exemplo sobre as nomeações da revista e
suas mudanças perante a temporalidade histórica, como exemplo:

Lleva su nombre por la revista francesa Annales d'histoire économique et sociale


(después llamado Annales. Economies, sociétés, civilisations, y nuevamente
renombrado en 1994 como Annales. Histoire, Sciences sociales), en donde se
publicaron por primera vez sus planteamientos (WIKIPEDIA, 2024).

Tais informações tornam-se mais interessantes por estender a temática mais próxima do
tempo atual, o que é algo positivo, pois o autor ou autora do texto torna assim o assunto mais
completo.
O texto segue com sua notável clareza explicativa a respeito da temática, porém não como um
todo.
A despeito de conter informações adicionais das quais não contêm no texto em português, como
citado anteriormente acima, falta, no entanto, a citação do processo histórico como um todo,
não mencionando as influências anteriores que resultaram neste grande projeto dos Annales, o
que, consequentemente, torna o texto mais voltado aos grandes nomes de destaque, como
Bloch, Febvre, Braudel - o destaque à Braudel é tanto quanto os outros.
Para não ser injusto, aparece uma única vez apenas uma influência que foi crucial à composição
da revista no futuro:

La revista Annales fue fundada y editada por los historiadores franceses Marc Bloch
y Lucien Febvre en 1929, mientras enseñaban en la Universidad de Estrasburgo. La
publicación propuso una concepción de la investigación histórica distinta a la que le
había antecedido, pues combinó la geografía, la historia y los planteamientos
sociológicos de los Année Sociologique (en donde escribían muchos colegas de Bloch
y Febvre en Estrasburgo); además, propugnaba una ampliación en los temas de estudio
de la Historia, y rechazaba el énfasis predominante en la política, la diplomacia, y los
hechos bélicos, enfoques a los que adherían muchos de los historiadores del siglo xix
(WIKIPEDIA, 2024).

É aparente a descrição da revista do sociólogo francês, Durkheim, a Année Sociologique,


porém, tal como consta também no outro verbete analisado, há esta omissão e, por considerar
o processo temporal histórico como um todo vital à compreensão da temática, julgo como uma
falta essencial, posto que o sociólogo também se posicionava contra a tradição factual da
histórial dos grandes acontecimentos individualistas ‘’ Durkheim despreza os acontecimentos
particulares, nada mais do que ‘ manifestações superficiais; ‘ ‘’(BURKE, 1992, p. 13) e, além
disso, para citar mais um exemplo como um influente para Marc Bloch ‘’ Sem dúvida, La
societé féodale é o seu livro mais durkheiminiano. [...] Observações incidentais tais como a que
se segue são um eco das palavras do mestre: ‘’ em toda literatura, a sociedade contempla sua
própria imagem’’ [...] (Idem, p. 25).
Conforme se segue, a escrita torna o entendimento do texto como se não houvesse
antecedentes, o que impede uma análise concreta por inteira do movimento Annales, há a
explicitação de que Febvre e Bloch se encontraram na Universidade de Estrasburgo, o que de
fato ocorreu, conforme dito por José Carlos Reis: ‘’ [...] a história sob a influência das ciências
sociais foi uma nouvelle histoire que, após uma longa fase de gestação, começou nos anos 1920,
com Febvre e Bloch, na Universidade de Estrasburgo ‘’ (REIS, 2010, p. 91).
Uma outra omissão que, ao meu ver, é gravíssima tendo em vista sua influência com a
criação de uma revista que incitava a interdisciplinaridade entre os intelectuais da época, é
Henri Berr, tal como Reis levanta a respeito da definição desta ‘’nova história ‘’ e a influência
de Berr:
‘’ Ela (referindo-se à ‘nova história’) significou a aceitação por parte dos
historiadores das críticas dos sociólogos durkheimianos e da Révue de Synthèse
Historique, de Henri Berr, que exigiam a aproximação da história das ciências sociais
para eu se renovasse, se atualizasse e se tornasse também uma história social ‘’ (Idem,
p. 91-92).

A respeito da primeira e segunda gerações, não há uma separação categórica como ‘’


primeira ‘’ e ‘’ segunda ‘’ para as mesmas, a separação se dá por ‘Nacimiento’ referindo-se à
origem do movimento, e a segunda se dá por “El tiempo de Braudel’’, dando o protagonismo à
Fernand Braudel.
A primeira geração com seus grandes protagonistas, Bloch, Febvre, são analisados
como os fundadores que trouxeram a concepção da história-problema, cujo novo método
constaria por abordar a história através de perguntas, ‘’ por ela, o historiador sabe que escolhe
seus objetos no passado e que os interroga a partir do presente ‘’ (Idem, p. 93). Substituindo
pouco a pouco, assim, a abordagem narrativa com explicações teleológicas.
A segunda geração é abordada de uma maneira individualista, aos holofotes de Fernand
Braudel – o que certamente é compreensível tendo em vista o protagonismo do mesmo -, é
explanado ao todo a sua influência ao trazer suas análises a respeito das estruturas e conjunturas,
vinculando-as em uma análise de curta, média e longa duração da história, enfatizando, em sua
renomada obra ‘’ O Mediterrâneo e o mundo na época de Felipe II ‘’ a combinação de um
estudo na longa duração com a interação entre o meio, economia, a sociedade, a política, a
cultura e os acontecimentos (BURKE, 1992, p. 38).
É abordado, também, de forma bem clara todo o seu papel e sua importância com suas
obras, como exemplos O Mediterrâneo e Civiliazção material, economia e capitalismo. Seu
marcante papel à historiografia atual não deixa de ser ressaltado em ponto algum, julgo,
inclusive, que foi a parte mais bem explanada do verbete espanhol.

4. Conclusão

Acerca da avaliação crítica realizada em torno dos verbetes Escola dos Annales e
Escuela de los Annales, é notório que, apesar de serem claros em algumas partes do tema,
faltam, no entanto, com a mesma clareza em outros pontos. Embora em ambos há omissões de
figuras cruciais para o período de alternância historiográfica, o que implica, de acordo com a
análise realizada compreender totalmente do tema, posto que a falta das influências das quais
foram necessárias à consolidação do movimento dos Annales ou da ‘’ Corriente de los Annales
‘’ implicam em uma análise faltosa em discussões essenciais. Não cabe, apenas, levantar os
principais temas do objeto de estudo, cabe, ainda, investigá-los em sua total conformidade,
portanto, mostram-se incompletos nas devidas abordagens.

REFERÊNCIAS

ESCOLA DOS ANNALES. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia


Foundation,2024
Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Escola_dos_Annales&oldid=67236747>. Acesso
em: 4 jan. 2024
Wikipedia, La enciclopedia libre, 2024 [fecha de consulta: 3 de febrero del 2024]. Disponible en
<https://es.wikipedia.org/w/index.php?title=Escuela_de_los_Annales&oldid=157945447>.
BARROS, José D’Assunção. História: Debates e Tendências – v. 12, n. 2, jul./dez. 2012, p.
305-325
BURKE, Peter. A Revolução Francesa da Historiografia: A Escola dos Annales (1929-
1989). São Paulo: Unesp, 1992.
REIS, José Carlos. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: FGV, 2010.

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