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VERTENTES

HISTORIOGRÁFICAS NO
SÉCULO XX
AULA 1

Prof. Alexandre Olsemann


CONVERSA INICIAL

O estudo de vertentes historiográficas é essencial à formação acadêmica


dos estudantes deste curso. É importante o conhecimento e a compreensão de
obras, autores e correntes teórico-metodológicas influentes na produção
historiográfica.
Entender como o conceito de história, enquanto disciplina de estudo,
modificou-se ao longo do desenvolvimento das civilizações, é o primeiro passo
que deve ser dado. Nesta disciplina, vamos conhecer os diversos meios de
registro e as diferentes abordagens do processo da produção historiográfica ao
longo do século XX.

TEMA 1 – A HISTÓRIA TRADICIONAL: DISCURSOS

Para compreender os discursos que perpassam as alterações que o


estudo da história sofreu nas últimas décadas do século XX, podemos abordar
as duas acepções proposta pelo historiador inglês Keith Jenkins: o designo da
história como relacionada ao passado, e seu campo de estudo compreendido
como uma interpretação construída sob o discurso do historiador.
Diante desse entendimento, distinguem-se duas vertentes: a história
como aquilo que aconteceu no passado e, do outro lado, a ideia de história como
campo de estudo que se constrói a partir de um discurso.
Nesse sentido, a ação do historiador no estudo e no registro
historiográficos assume papel preponderante no estudo de história e em sua
concepção enquanto disciplina. A partir do entendimento de que um fato histórico
pode ter diversas leituras, percebemos que o registro historiográfico pode se
configurar sobre o real e sobre o discurso. Essa questão é objeto de reflexão de
Michel de Certeau (1925-1986).

Saiba mais

Apresentamos duas sugestões de leitura para ampliar seu conhecimento:

• O livro A história repensada, de Keith Jenkins (2001), apresenta reflexões


sobre o papel do historiador, com abordagem de enfoques, métodos e
procedimentos que configuram a trajetória desse profissional ao longo dos anos.

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• A obra A escrita da história, de Michel de Certeau (2011), explora as
etapas fundamentais da historiografia e as abordagens assumidas nesse campo
científico. Com certeza, é uma leitura que contribuirá com a sua formação.

As fontes a partir das quais o historiador estabelece o seu estudo, sejam


primarias, secundárias ou obtidas de uma pluralidade, representam discursos e
possibilitam o entendimento e a reconstrução daquilo que definimos como
passado. O discurso, conforme aponta Jenkins, é impregnado da realidade
vivenciada pelo historiador no momento de seu registro. Com isso, tem-se que
tanto a historiografia como a visão sobre determinados feitos históricos são
modificadas no decorrer do tempo.
Desde o século XIX, discute-se que o discurso histórico é resultado do
olhar do historiador. Daí a importância de estabelecer o papel do historiador e os
caminhos da historiografia, com o entendimento dos limites entre o que se
configura como discurso e o que é fruto do imaginário. Por fim, definimos
ferramentas e métodos utilizados pelo historiador.

TEMA 2 – O SABER HISTÓRICO DO SÉCULO XIX

Em meio às transformações do pensamento científico e às inovações que


se estabeleceram na Europa no século XIX, o registro historiográfico também se
renovou. Foram propostos novos caminhos de pesquisa e um novo registro para
a concepção de um saber histórico.
Sabemos que, a partir do século XIX, com o enfoque da historiografia
alemã de Leopold Von Ranke, a composição da história enquanto disciplina entra
em foco como um campo científico, a partir da concepção de uma única verdade
no relato histórico, com a noção de imparcialidade do historiador.
Essa mudança de paradigma no campo do registro historiográfico leva à
adoção de métodos que primavam por rigor na investigação, aceitação da fonte
e desenvolvimento do trabalho do historiador.

Saiba mais

Leopold Von Ranke (1795-1886) é considerado um dos mais importantes


historiadores do século XIX e de toda a história da historiografia. Como
historiador, inovou na proposta metodológica de seu trabalho, tendo

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desenvolvido um registro historiográfico da formação das nações ocidentais
modernas. Para ampliar seu conhecimento, leia o artigo:

DA MATA, S. Ranke reloaded: entre história da historiografia e história


multiversal. História da Historiografia: International Journal of Theory and
History of Historiography, v. 4, n. 6, p. 247–251, 2011. Disponível em:
<https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/244>. Acesso
em: 10 ago. 2021.

Sobre a perspectiva de Ranke, o cientificismo da história se estabelece


na prática profissional do historiador, visto como aquele que pode trazer vida às
fontes, com o método histórico ou o historicismo, sempre com destaque para a
relevância das fontes oficiais e para um rigor metodológico que busca garantir a
qualidade da informação.
Assim, o foco era o estudo do passado, por meio de referências
consideradas oficiais e confiáveis para a época. O relato historiográfico era
pautado na objetividade, com o intento de descrever o que realmente
acontecera.
Com base nessa perspectiva de registro historiográfico, teve origem a
concepção de que a história produz apenas verdades incondicionais. Essa
percepção, própria do século XIX, acabou entrando no século XX. Mesmo no
estudo acadêmico, essa visão manteve-se e foi disseminada nas escolas de
educação básica. Atualmente, não se pensa mais na história como verdade
inquestionável, como veremos no decorrer de nosso estudo.
A imparcialidade era uma prerrogativa importante para pensar o registro
historiográfico, proposto por Ranke, a partir do qual se origina o conhecimento
puro de que o historiador faz uso. Outro ponto importante nesse contexto é a
capacidade hermenêutica assumida pelo historiador, que se utilizava de um
método para organizar as fontes. Assim, para fazer um registro historiográfico, o
profissional deveria ser capaz de manter-se imparcial, sempre seguindo o
método para organizar as fontes.
Essa visão contribuiu significativamente para a profissionalização do
historiador e o desenvolvimento de técnicas próprias para o exercício de sua
atividade.

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TEMA 3 – A ESCOLA DOS ANNALES

Ao avançar em nosso estudo, vamos voltar o nosso olhar para o início do


século XX, momento em que o pensar historiográfico e o papel do historiador
entram em foco, com estudos e publicações de uma revista francesa, a Annales
d'histoire économique et sociale. Essas produções são a origem do que
chamamos de Escola dos Annales.
Do que se trata esse movimento? Podemos entendê-lo como uma ruptura
na produção historiográfica do início do século XX. Ao apresentar uma nova
proposta para se pensar a produção da história, a Escola da Annales tinha como
base o pensamento dos historiadores Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre
(1878-1956).
Para estabelecer essa nova perspectiva sobre o registro historiográfico, o
movimento propõe, primeiramente, pensar o que é o objeto da histórica. As
fontes são outro ponto determinante dessa proposta, pois nesse enfoque há
ampliação do rol de possibilidades de fontes para o registro histórico. O tempo
também é visto como uma variante essencial, podendo ser configurado em curta,
média ou longa duração, de modo a pensar as mudanças que acontecem na
história.
Um marco importante na Escola de Annales é o diálogo da história com
outras áreas do conhecimento, principalmente as relacionadas com as ciências
sociais. Além de Bloch e Febvre, dois outros historiadores participaram do
entendimento e desenvolvimento dessa concepção: Peter Burke e Fançois
Dosse.

Saiba mais

A leitura do livro A escola dos Annales (1929-1989): A Revolução


Francesa da historiografia, de Peter Burke (2011), possibilita conhecer o
movimento intelectual associado à revista francesa Annales. Na obra, são
apresentadas as três principais gerações de historiadores que delinearam e
deram consistência a essa nova proposta de registro historiográfico.

A característica marcante de negação à história tradicional positivista e a


oposição ao imperialismo político são elementos que fazem ressignificar a
estrutura do registro historiográfico. Diferentemente do século XIX, ao longo do
qual o foco era o estudo da história-narração, no contexto da Escola de Annales,

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tem-se a proposição da história-problema, com novas hipóteses, reflexões e
discussões, buscando estabelecer uma produção historiográfica preocupada
com todas as atividades humanas.
Os apontamentos até aqui apresentam apenas algumas características e
considerações sobre esse movimento que alterou o fazer do historiador. Em
outros momentos da nossa disciplina, teremos a oportunidade de aprofundar a
nossa reflexão sobre a Escola de Annales.

Saiba mais

“Os historiadores, em geral, são mais empíricos e preocupados com a


confiabilidade das fontes. Isso, claro, é importante também para os historiadores
do tempo presente, mas estes são confrontados de modo mais direto com duas
problemáticas”. Leia a entrevista de Fançois Dosse para conhecer um pouco
sobre esse importante historiador de nossa contemporaneidade:

DOSSE, F. Entrevista. Rev. Bras. Hist., v. 32, n. 64, dez. 2012. Disponível em:
<https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01882012000200018>. Acesso em: 10 ago. 2021.

TEMA 4 – MARC BLOCH E LUCIEN FEBVRE

Para entender o desenvolvimento da história enquanto disciplina e área


de pesquisa científica, neste momento vamos nos aprofundar nas figuras de
Marc Bloch e Lucien Febvre, historiadores que marcaram a chamada primeira
geração da Escola de Annales. Vamos lá!
As contribuições desses dois historiadores aos estudos historiográficos
são inúmeras. Assim, convém perceber que eles ajudaram a romper a forma de
estudar a história, estruturando a prática profissional do historiador como a
conhecemos hoje.
Um fato interessante sobre Bloch e Febvre é que ambos tiveram uma
formação acadêmica muito próxima, pois estudaram, com pouca diferença de
tempo (início do século XX), na mesma instituição francesa. Essa formação
colaborou com a ideia de diálogo entre a história e outras áreas do conhecimento
científico, o que os levou a ampliar as possibilidades de fontes para o registro
historiográfico.

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Além da sociologia, que influenciou Bloch, a Geografia trouxe a noção de
que é importante considerar as influências que o meio exerce sobre o homem e
vice-versa. Esses dois campos do conhecimento são determinantes nos
primeiros diálogos que Bloch e Febvre estabelecem entre o registro
historiográfico e outras áreas do conhecimento.
O século XX é marcado pela pulverização de atividades humanas, fato
que é objeto de atenção para o historiador, que em sua prática profissional
precisa considerar tal diversidade e escolher tipos de registros e fontes que
podem instrumentalizar da melhor forma o entendimento e o registro histórico da
época.

Saiba mais

Para ampliar seu repertório de leitura e seu conhecimento sobre o


pensamento de Marc Bloch, indicamos as obras Introdução à história (2010) e
Apologia da história: ou o ofício do historiador (2002), ambas publicações que
contribuíram sobremaneira à sua formação. Não deixe de ler!

A primeira geração de Annales tinha em mente uma história total ou


global. A partir do entendimento de determinada região ou situação, buscava-se
elencar o máximo de informações e estudos possíveis. Desse modo, era
essencial o desenvolvimento de um trabalho colaborativo.
Já em suas publicações iniciais, em 1929, a revista francesa Annales
d´histoire économique et sociale apresentava uma composição plural de
editores, promovendo interdisciplinaridade mediante o diálogo dos dois
historiadores com outras áreas do conhecimento.
Infelizmente, com o advento da Primeira Guerra Mundial, os países da
Europa sentiram o impacto do conflito em suas produções acadêmicas e
científicas. Na área da historiografia não foi diferente, pois Bloch e Febvre foram
chamados ao front.
Com o fim do conflito, ambos tiveram a oportunidade de trabalhar juntos
na Faculdade de Estrasburgo. Os anos entre 1920 e 1933 possibilitaram a
retomada das publicações e de novos estudos historiográficos. Nessa época,
Bloch produz uma de suas obras mais conhecidas, Os reis taumaturgos, cujo
foco de estudo é a representação da figura do rei e o modo como a população,
em determinada época e localização, reverencia o monarca.

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A Segunda Guerra Mundial interrompeu novamente as produções
científicas e abalou as nações da Europa. Bloch volta ao front e morre em 1944.
A revista é retomada apenas com Febvre, nos anos seguintes ao término do
conflito que influenciou, direta ou indiretamente, todos os países do mundo.

TEMA 5 – PRESSUPOSTOS E TEMPORALIDADE

Dando continuidade ao nosso estudo, é importante entender que a Escola


de Annales coloca em foco as temporalidades do historiador. Essa perspectiva
é um elemento estruturador, que estabelece como o tempo se constitui para o
registro historiográfico.
As temporalidades são entendidas como períodos de curta, média e longa
duração. Essa noção de tempo é retomada posteriormente por Charles Blondel
(1876-1939) na chamada segunda fase das gerações analistas.

Saiba mais

A obra Teoria da história: princípios e conceitos fundamentais (Barros,


2013) apresenta conceitos fundamentais para compreender o ofício do
historiador, a partir de referenciais teóricos e métodos.

Sabemos que, a partir dessa concepção, o historiador tem em mente o


estudo e o registro historiográfico com base em questionamentos. Assim, o
profissional busca entender o homem em sua pluralidade, como sujeito ativo e
pertencente a uma realidade geográfica, para o registro de permanências,
rupturas e tensões existentes ao longo das temporalidades históricas.
Em nosso estudo, é importante entender a definição do tempo de curta
duração como corresponde ao tempo do fato. Trata-se do tempo do evento, que
pode ser datado, marcado em uma temporalidade.
Já o tempo de média duração está relacionado ao que chamamos de
conjuntura. Refere-se ao acontecimento, em um determinado período, em que é
possível visualizar início e término, como mudanças de cunho político,
econômico, cultural e social.
O tempo de longa duração corresponde ao que chamamos de estrutura.
Essa perspectiva de temporalidade de maior duração corresponde a situações
históricas de longo decurso de tempo, como questões que não são possíveis de
resolução em um momento conjuntural, a exemplo de problemas estruturais que

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demandam ações de uma temporalidade mais longa. Aqui, as mudanças
acontecem lentamente, principalmente nos níveis social e cultural.
Com os estudos historiográficos propostos pela Escola de Annales, as
noções de temporalidade levam o historiador a trabalhar com a perspectiva de
três tempos, o que possibilita a compreensão, no registro histórico, do que se
modifica nas sociedades a curto, médio e longo prazo.

Saiba mais

“O historiador não apenas pensa ‘humano’. A atmosfera que seu


pensamento respira naturalmente é a categoria da duração. Decerto, dificilmente
imagina-se que uma ciência, qualquer que seja, possa abstrair do tempo.”
(Bloch, 2002, p. 55). Acesse o e-book da obra Apologia a história ou o ofício do
historiador (Bloch, 2002) e conheça mais sobre o pensamento desse líder da
Escola de Annales.

Nesta aula, estamos longe de esgotar o entendimento da importância da


temporalidade histórica nos registros e estudos historiográficos. Esclarecemos
novamente que essa questão será vista em outros momentos da nossa
disciplina.

NA PRÁTICA

Para nossa atividade prática, vamos realizar uma reflexão a Escola de


Annales em sua primeira geração, em um comparativo com os pressupostos da
visão positivista, estudada anteriormente. Vamos perceber as mudanças no
entendimento do ofício do historiador antes dos estudos e das proposições de
Bloch e Febvre. Complete o quadro com as informações pertinentes a cada
movimento de registro historiográfico.

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Quadro 1 – Atividade

MÉTODO POSITIVISTA ESCOLA DE ANNALES


Espera-se que os estudantes Espera-se que os estudantes
identifiquem o uso de fontes reconheçam a diversidade de
FONTES oficiais. fontes.

É esperado que apontem o Os estudantes devem indicar


entendimento da história a visão de uma história-
VISÃO SOBRE A HISTÓRIA narração. problema para o historiador.

Espera-se que os estudantes É esperado que os


mencionem a percepção do estudantes indiquem a ideia
TEMPO tempo histórico. das diversas temporalidades.

FINALIZANDO

Em nosso estudo, até o momento, demos passos iniciais em direção ao


entendimento da história da historiografia. Ao identificarmos algumas
características da história e da historiografia produzidas no século XIX,
entendemos como se estabeleceu o historicismo alemão, nas figuras do Augusto
Comte e Leopold von Ranke.
Refletimos sobre as rupturas que se estabeleceram na historiografia do
século XIX ao século XX, como a mudança de foco da memória e da oralidade
para um registro mais factual, com rigor metodológico, segundo proposta de
Leopold von Ranke.
Na sequência, voltamos nosso olhar para os anos de 1920, com as
publicações da revista francesa Annales d´histoire économique et sociale, com
a organização da Escola de Annales, nas figuras de March Bloch e Lucien
Fevbre. Em nosso estudo, entendemos como as novas tendências
historiográficas repercutiram na trajetória da historiografia ocidental a partir da
década de 1920.
Essa trajetória de conhecimento é essencial para a sua formação, de
modo que você conheça e identifique os pressupostos das vertentes

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historiográficas que se estabeleceram e influenciaram as concepções de história
e o ofício do historiador. Esse saber é necessário para identificar, tanto nas
pesquisas como no trabalho, quais são as vertentes teóricas, as metodologias e
os referencias que temos em cada período de registro histórico.

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REFERÊNCIAS

BARROS, J. d’A. Teoria da história: princípios e conceitos. Rio de Janeiro:


Vozes, 2013.

BLOCH, M. Apologia a história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro:


Zahar, 2002. Disponível em:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5579608/mod_resource/content/1/Tex
to%201%20-%20Apologia%20da%20Hist%C3%B3ria%20ou%20o%20Of%C3
%ADcio%20do%20Historiador.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2021.

BLOCH, M. Introdução à história. Lisboa: Editora Europa-América, 2010.

BURKE, P. A escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da


historiografia. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

CERTEAU, M. de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Unversitária,


2011.

JENKINS, K. A história repensada. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2001.

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