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Historiografia no século
XX
Da Objectividade Científica ao Desafio
Pós-Moderno
COM UMA NOVA EP I LOGUE DO AUTOR

Georg G. Iggers

Imprensa da Universidade de Wesleyan


Middletown, Connecticut
Publicado pela Wesleyan University Press, Middletown, CT o64s9
www.wesleyan.edu/wespress

1997 ser Ge -g G. Igge rs


Epílogo C Zoo5 de Georg G. Iggers
Todos os direitos reservados

Uma versão inglesa alargada do livro Geschichtswissenschaft im eo.


JahrhunJert. Ein kritischer Überblick im internationalen Vergleich
(GÖttingen, 993). Publicado com autorização da editora alemã
Vandenhoeck & Ruprecht em Göttingen.

Originalmente produzido em 1997 pela Wesleyan/University Press


of New England, Hanôver, NH 03755-

Edição da Wesleyan University Press incluindo um novo epílogo do autor


produzido pela primeira vez em z s

Impresso nos Estados Unidos da América s 4 3

Biblioteca do Número de Controlo do Congresso


Zoo4- s-s7 ISBN-13978 -o-i-68957 66-6
iSBN-iO: o-i-895 6766- 3

A Biblioteca do Congresso tem o catálogo eJition original como se segue.


Biblioteca do Congresso CataIoging-in-Publication Oata
Iggers, Georg G.
Geschichtswissenschaft im 2o. Jahrhundert [Geschichtswissenschaft im 2o.
Jahrhundert. inglês]
Historiografia no vigésimo centurião : da objectividade científica
ao desafio pós-moderno / por Georg G. Iggers.
p.cm
Uma versão inglesa expandida de: Geschichtswissenschaft
im zo. Jahrhundert. O 1993
Inclui referências bibliográficas e índice. isax
o-i-89553 *-6 (cl : alk. paper).
ISBN O- 8195- 63o6- (4pa : alk. papel)
i. Historiografia-História-Século Roth. 2. História - Filosofia.
3. História-Metodologia. I. Título.
D 23.I 34*3*997
9 7" 2-dc2o
Introdução

Há mais de vinte anos, publiquei um pequeno livro sobre o


estado dos estudos históricos na Europa nessa altura, no qual
mostrei como as formas tradicionais de bolsas de estudo foram
substituídas por novas formas de investigação histórica nas
ciências sociais.* Os historiadores de todos os países estavam em
grande parte de acordo em que a investigação, tal como tinha
sido praticada internacionalmente desde o início dos estudos
históricos como disciplina profissional no início do século XIX,
não correspondia nem às con- dições sociais nem políticas da
segunda metade do século XX nem às exigências de Jhe de uma
ciência moderna. Entretanto, as ideias sobre história e
historiografia sofreram de novo uma profunda mudança. Este
volume não deve, portanto, ser visto como uma continuação que,
por assim dizer, traria a minha publicação de 197a Up tO date.
Em vez disso, preocupa-se principalmente com um número
seleccionado de mudanças básicas no pensamento e na prática
dos historiadores de hoje. Embora existam muitas continuidades
com formas mais antigas de investigação histórica e escrita
histórica, uma reorientação básica tem tido lugar.
Cada vez mais, nos últimos vinte anos, os pressupostos sobre
os quais a investigação e a escrita históricas se têm baseado
desde a emergência da história como disciplina profissional no
século nove da adolescência têm sido questionados. Muitas
destas suposições remontam ao início de uma tradição contínua
da historiografia ocidental na antiguidade clássica. O que era
novo no século XIX era a profissionalização dos estudos
históricos e a sua concentração nas universidades e na
investigação cen...
2°Historiografia no século XX

ters. No centro do processo de profissionalização estava a firme


crença no estatuto científico da história. O conceito ciência foi,
sem dúvida, entendido de forma diferente pelos historiadores do
que pelos cientistas naturais, que procuravam o conhecimento
sob a forma de generalizações e leis abstractas. Para os
historiadores a história diferia da natureza porque tratava de
significados tal como eles se expressavam nas intenções dos
homens e mulheres que fizeram história e nos valores e costumes
que deram coesão às sociedades. A história tratava de pessoas
concretas e culturas concretas no tempo. Mas os historiadores
partilharam o optimismo das ciências profissionalizadas em geral
de que a investigação metodologicamente controlada torna
possível o conhecimento ob-jectivo. Para eles como para outros
cientistas, a verdade consistia na correspondência do
conhecimento a uma realidade objectiva que, para o historiador,
constituía o passado "tal como tinha realmente ocorrido". "2 A
autodefinição da história como disciplina científica implicou para
o trabalho do historiador uma divisão acentuada entre o discurso
científico e literário, entre historiadores profissionais e amadores.
Os historiadores ignoraram a medida em que a sua investigação
assentava em suposições sobre o curso da história e a estrutura da
sociedade que predeterminavam os resultados da sua
investigação.
A transformação da história em discípulo institucionalizado
não deve, contudo, levar-nos a ignorar as continuidades com
formas mais antigas de escrita histórica. A historiografia do
século XIX permaneceu numa tradição que remonta aos grandes
historiadores da antiguidade grega clássica. Partilharam com
Tucídides a distinção entre mito e verdade, e ao mesmo tempo,
apesar da sua ênfase no carácter científico e, portanto, não
retórico da escrita histórica, prosseguiram na tradição clássica da
escrita histórica no pressuposto de que a sua - história é sempre
escrita como uma narrativa. O problema da narrativa histórica,
contudo, como Hayden White' e outros teóricos recentes da
história salientaram, é que, embora proceda de factos ou
acontecimentos validados por pirataria, requer necessariamente
passos imaginários nativos para os colocar numa história
coerente. Por conseguinte, um elemento ficcional entra em todo
o discurso histórico.
Assim, a ruptura entre a história "científica" do século nove
da adolescência e as tradições literárias mais antigas da história
não foi de modo algum tão grande como muitos historiadores do
século dezanove tinham
Introduçã o-3

assumido. O discurso histó rico "científico" envolveu a


imaginação literá ria enquanto a tradição literária mais antiga
também procurou a verdade na reconstrução de um passado
real. A orientaçã o "científica" desde Leopold von Ranke
partilhou três suposiçõ es básicas com a tradição literá ria desde
Tucídides até Gibbon: (i) Eles ac- ceparam uma teoria de
correspondência da verdade que sustenta que a histó ria retrata
pessoas que realmente existiram e acçõ es que realmente tiveram
lugar. (2) Pressupunham que as acçõ es humanas espelhavam as
tençõ es dos actores e que era tarefa do historiador
compreender estas intençõ es, a fim de construir uma histó ria
histó rica coerente. (3) Operaram com uma concepção
unidimensional e diacró nica do tempo, em que os
acontecimentos posteriores seguem os anteriores numa
sequência coerente. Estas suposiçõ es de realidade,
intencionalidade, e sequência temporal determinaram a
estrutura da escrita histó rica de Heró doto e Tucídides a Ranke, e
de Ranke até ao século XX. Estas suposiçõ es têm sido
gradualmente questionadas no pensamento histó rico recente.
Creio que podemos distinguir duas orientaçõ es muito
diferentes no pensamento histó rico do século XX. A primeira
tratava da transformaçã o do tipo de narrativa, histó ria orientada
para eventos característica da historiografia profissional no
século IX em formas de investigaçã o e escrita histó rica orientada
para as ciências sociais no século XX. As suposiçõ es
fundamentais da historiografia tradicional foram desafiadas, mas
as suposiçõ es bá sicas acima delineadas permaneceram intactas.
Os vá rios tipos de histó ria orientada para as ciências sociais
abrangeram o espectro metodoló gico e ideoló gico desde
abordagens quantitativas tã o cioló gicas e econó micas e o
estruturalismo da escola de Urinates-School até à aná lise da
classe marxista. De diferentes formas, todas estas abordagens
procuraram modelar a investigação histó rica mais de perto,
depois das ciências naturais. Enquanto que a historiografia
tradicional se tinha concentrado na agência dos indivíduos e em
elementos de intencionalidade que desafiavam a reduçã o à
generalização abstracta, as novas formas de histó ria orientada
para as ciências sociais enfatizavam as estruturas e processos de
mudança social. No entanto, partilhavam duas noçõ es chave com
a historiografia mais antiga. Uma era a afirmaçã o de que a
histó ria tratava de um assunto real ao qual os relatos formulados
pelos historiadores deviam corresponder.
4 - Historiografia no século XX

É certo que esta realidade nã o pô de ser apreendida


directamente mas, como toda a ciência, deve ser mediada pelos
conceitos e estruturas mentais dos historiadores que, no entanto,
ainda visam o conhecimento objectivo. As novas abordagens da
ciência social criticaram a historiografia mais antiga em vá rios
aspectos: Argumentaram que se centrava demasiado nos
indivíduos, especialmente nos "grandes homens", e nos
acontecimentos como constituindo o tema da histó ria, e que
negligenciava o contexto mais amplo em que estes operavam.
Neste sentido, as abordagens das ciências sociais, quer
marxistas, parsonistas ou analistas, representavam uma
democratizaçã o da histó ria, uma inclusã o de segmentos mais
vastos da populaçã o, e uma extensã o da perspectiva histó rica da
política à sociedade. Opõ em-se à s abordagens mais antigas, não
por serem científicas, mas porque nã o o eram suficientemente.
Desafiaram um dos pressupostos básicos desta abordagem mais
antiga, nomeadamente que a histó ria trata de pormenores, nã o
de generalizaçõ es, que o seu objectivo é "nã o compreender",
não "explicar", e sustentaram, em vez disso, que todas as
ciências, incluindo a histó ria, devem incluir explicaçõ es causais.
Num segundo ponto, houve também acordo entre a tradição mais
antiga e as abordagens das ciências sociais. Ambas funcionavam com
uma noção de tempo unilinear, com a concepçã o de que havia
con- tinuidade e direcção na histó ria, que de facto existia algo como
a história em contraste com uma multiplicidade de histó rias. Esta
concepção de histó ria assumiu uma forma diferente na histó ria
convencional mais antiga - a ografia - do que nas abordagens
posteriores das ciências sociais. Ranke tinha rejeitado a noção de
uma filosofia da histó ria que pressupunha um esquema de histó ria
universal, mas que, no entanto, pressupunha que a histó ria
possuía uma coerência interior e um desenvolvimento, e4 assinou
uma posiçã o privilegiada para a histó ria do Ocidente. Os
historiadores das ciências sociais tenderam a acreditar que pelo
menos a histó ria da era moderna evoluiu numa direcçã o clara.
Embora poucos aceitassem uma ideia de progresso que
conferisse a esta direcçã o um cará cter benéfico, a maioria
operava com uma noçã o de "civilizaçã o moderna" ou
"racionalizaçã o" progressiva que conferia coerência ao
desenvolvimento histó rico. Também aqui a histó ria do mundo
ocidental moderno tinha um estatuto privilegiado. A histó ria do
mundo
coincidiu com a ocidentalizaçã o.
Estes pressupostos têm sido cada vez mais contestados no
pensamento filo-só fico desde o final do século XIX. É , no entanto,
Introdução-S

apenas no último quarto de século que as dúvidas que este


desafio produziu afectaram seriamente o trabalho dos
historiadores. Esta reorientação do pensamento histórico reflectiu
mudanças fundamentais na sociedade e na cultura. De certo
modo, o paradigma da historiografia profissional iniciado por
Ranke já tinha estado fora de sintonia com as realidades sociais e
políticas da época em que se tornou universalmente o padrão
para os estudos históricos. Ranke era muito uma criança da era
da restauração que se seguiu à Revolução Francesa e à Era
Napoleónica. O seu conceito de Estado
descansou sobre as realidades políticas do pré-i8 4 8 Prússia,
antes do estabelecimento de instituições representativas e antes
da alização industrial com os seus concomitantes sociais. Daí a
ênfase na primazia da política relativamente isolada das
realidades económicas ou sociais.
forças e a dependência quase exclusiva de documentos oficiais
do Estado. No final do século XIX, quando esta para-
digm tornou-se o modelo para a historiografia profissional em
França 5 os Estados Unidos,° e noutros lugares, as condições
sociais e políticas que pressupunha já tinham sido
fundamentalmente
transformado.
Na viragem do século, historiadores em França, Bélgica,
Estados Unidos, Escandinávia, e mesmo na Alemanha
começaram a criticar o paradigma Rankean e a apelar a uma
história que tivesse em conta os factores sociais e económicos,7
tal história teve necessariamente de se afastar de uma
concentração em acontecimentos e personalidades individuais de
liderança para se concentrar nas condições sociais em que estes
existiam. A democratização e a emergência de uma sociedade de
massas exigiu também uma historiografia que tivesse em conta o
papel de segmentos mais vastos da população e as condições em
que estes viviam. Assim, de diferentes perspectivas os Novos
Historiadores nos Estados Unidos, o círculo em torno de Henri
Berr em França e Henri Pirenne na Bélgica, e os marxistas em
geral na Europa Continental voltaram-se para as suas concepções
particulares da ciência social como parte integrante do trabalho
dos historiadores. Enquanto que as formas convencionais de
história política e diplomática dominam...
na profissão até muito depois de -945, atenção crescente
foi dada à história social. Particularmente após -945, as ciências
sociais sistemáticas começaram a desempenhar um papel cada
vez mais importante no trabalho dos historiadores. É esta
transformação que o meu livro de
há vinte anos atrás retratada.
6Historiografiano século XX

No entanto, o optimismo em relação à natureza e direcção do


mundo moderno em que descansava a história das ciências
sociais foi profundamente abalado por mudanças fundamentais
na estrutura da existência social num mundo industrial tardio. As
ciências sociais orientadas histo-rianos tinham concebido o
mundo moderno de forma mais dinâmica do que a escola de
Rankean. Previam o crescimento económico contínuo e a
aplicação da racionalidade científica à ordem da sociedade como
valores positivos que definiam a existência moderna.
Já na segunda metade do século XIX, estes pressupostos
relativos ao curso da história tinham sido sujeitos a críticas
devastadoras por Jacob Burckhardt9 e Friedrich Nietzsche".
Estas notas pessimistas repetiram-se em dis- cussões filosóficas e
reflexões sobre o estado da cultura moderna através de...
na primeira metade do século XX, mas não afectaram seriamente
o pensamento de historiadores praticantes até aos I6os 9. Em
muitos aspectos, os I6os9 foram um ponto de viragem em que a
consciência de uma crise da sociedade e cultura modernas, há
muito tempo em preparação, chegou a um ponto de viragem. Só
então as condições criadas pela Segunda Guerra Mundial se
tornaram óbvias, entre elas o fim dos impérios coloniais e uma
maior consciência de que os povos não-ocidentais também
tinham uma história.** Dentro das sociedades ocidentais, o
concepções mais antigas de um consenso nacional, reiteradas em
escritos do 1950 5.'2S rt la Ct d seria uma Arte a t t r a art' l eSS C f' t ht di V t r - sities dentro dos
estados nacionais estabelecidos. The Other America (-96i)'° de
Michael Harrington retratou uma imagem muito diferente da
sociedade americana do que as opiniões optimistas dos
historiadores SUCh a S Da fli' 1Boor Stifl a 14fl d SoC io logi StS SUCh U S Da n ie l B'
11.** Mas as concepções marxistas de classe pareciam
inadequadas num ambiente cada vez mais consciente de outras
divisões tais como género, raça, etnia, e estilo de vida. A
mudança de uma indus- trial para uma sociedade da informação
afectou ainda mais a consciência.
Pela primeira vez, houve uma intensa consciência dos lados
negativos do crescimento económico com a sua ameaça a um
ambiente estável. O impacto total do Holocausto afundou-se na
consciência pública, não imediatamente no final da Segunda
Guerra Mundial, mas apenas à distância, quando uma nova
geração adquiriu uma postura crítica. As qualidades destrutivas
do processo civilizador passaram cada vez mais para o centro da
consciencialização.
Para o historiador, esta transformação de consciência tinha
Introdução-7

várias consequências. Marcou para muitos o fim de uma "grande


narrativa "16 O Ocidente apareceu cada vez mais como apenas
um entre várias civilizações, nenhuma das quais podia
reivindicar
a primazia. Do mesmo modo, a modernidade perdeu a sua
qualidade única. Oswald Spengler tinha falado relativamente cedo
de uma pluralidade de civilizações, cada uma das quais para ele,
no entanto, seguiu um caminho de desenvolvimento.
andorinha-do-mar. 17 Marc Bloch e Fernand Braudel já no
IOS93 e Ios94 passaram de uma história narrativa que se seguiu
a uma se-quência de acontecimentos para uma que examinou as
condições numa
período de tempo". De uma perspectiva muito diferente,
Burckhardt já tinha tentado algo semelhante.* E mesmo uma ep-
och específica não constituía uma unidade integrada, como
Braudel salientou quando examinou o século XVI a partir de três
perspectivas temporais diferentes. 20 O tempo no sentido
newtoniano como entidade objectiva ou no sentido kantiano de
uma categoria universal de pensamento já não existia. O tempo
histórico variou para Braudel com o tema do seu estudo, cada um
com uma velocidade e ritmo diferentes, quer o historiador tenha
lidado com as grandes estruturas abrangentes dentro das quais a
história natural ou social, económica e cultural sofreu mudanças
graduais, quer com o pulso rápido da história política. Além
disso, mesmo dentro de um quadro social definido, coexistiam ou
competiam concepções diferentes do tempo, como na distinção
de Jacques Le Goff entre o tempo do clero e do comerciante na
Idade Média$ 2l ou na visão de Edward P. Thompson sobre o
confronto do tempo pré-industrial e industrial numa era de
capitalismo industrial emergente. 22 As reivindicações de segmentos
da população anteriormente excluídos das narrativas históricas,
sobretudo as mulheres e as minorias étnicas, levaram à criação de
novas histórias por vezes integradas numa narrativa maior, mas
muitas vezes à parte dela.
Esta fragmentação do tema da história não constitui, por si só,
um repúdio de interesse histórico. Em muitos aspectos, o âmbito
da escrita histórica expandiu-se enormemente nos últimos trinta
anos. As histórias mais recentes desafiaram de facto a
historiografia tradicional, que se tinha concentrado nas elites
políticas e sociais, e exigiam a inclusão dos segmentos da
população que durante muito tempo tinham sido negligenciados.
Ofereceram "uma história a partir de baixo", que não só incluía
as mulheres, mas também introduziu uma perspectiva feminista.
Desafiaram também a
8-Historiografia no século XX

abordagens das ciências sociais, que tinham colocado grandes


estruturas impessoais no centro da história e, ao fazê-lo, não
tinham mais questionado as relações de poder existentes do que
tinham a história política mais antiga. Se a história das ciências
sociais tinha procurado substituir o estudo da política pelo da
sociedade, a nova história voltou-se para o estudo da cultura
entendida como as condições da vida quotidiana e da experiência
quotidiana. Desta per-específica, a ênfase marxista no papel
central da política e da economia como o local do poder e da
exploração permaneceu demasiado impermeável aos interesses e
preocupações reais dos seres humanos vivos. Em vez de um
declínio no interesse histórico, as últimas três décadas assistiram
a uma verdadeira explosão nos escritos históricos, uma vez que
vários segmentos da população procuraram estabelecer as suas
identidades para além do maior, tradicional, grossista nacional.
O questionamento da possibilidade de condução objectiva
A investigação histórica constituiu de todo um desafio mais
sério. Cada vez mais, a desilusão com a qualidade da civilização
ocidental moderna provocou uma reacção profunda contra a
perspectiva científica do mod- ern. Antropólogos como Claude
Levi- Strauss negaram que a racionalidade científica moderna
oferecesse qualquer vantagem sobre o pensamento mítico
"selvagem" na tentativa de chegar a um acordo com a vida.°3 A
partir da sistematização de Ranke da crítica de fonte no IOS de
1820, as tentativas de Robert Fogel no IOS97 de transformar a
história numa ciência que trabalha com o modo teo-retical
quantificável1s,° os 4historiadores assumiram que existem
objectos de investigação histórica acessíveis a métodos
claramente definidos de em quiry. Esta confiança correspondia à
estrita linha divisória entre o discurso histórico e literário e à
separação entre a forma como um historiador que se via como
cientista trabalhava e a do escritor popular de história mais
consciente das qualidades literárias da sua obra. Nietzsche já
tinha na sua
primeiros escritos, The Birth of Traged y (i87 2) e O fthe Usefulness
and Disadvantage of History for Li fe) (1874), negaram a
possibilidade e a utilidade da investigação histórica e académica
historiografia. Ele acreditava não só que o objecto da
investigação era determinado pelos interesses e preconceitos do
historiador, mas também que a convicção em que o pensamento
ocidental desde Sócrates e Platão se tinha baseado,
nomeadamente que existe uma verdade objectiva não ligada à
subjectividade do pensador, era insustentável.
Introdução-9

Para Nietzsche, como para Marx antes dele, o conhecimento era


um meio de exercer o poder.25 Mas Nietzsche nã o partilhava
a confiança de Marx de que a desmascaração dos factores
ideoló gicos que entraram no conhecimento poderia levar a um
conhecimento objectivo. A histó ria da razã o filosó fica desde
Só crates pareceu-lhe ser uma forma de despropositado, um meio
eficaz de afirmar autoridade e poder. Assim, negou a prioridade
do ló gico, por exemplo Socrático, sobre o preló gico, ou seja,
mítico ou poético, do pensamento.
A partir deste ponto de partida, um nú mero crescente de
historiadores nas ú ltimas décadas chegou à convicçã o de que a
histó ria está mais ligada à literatura do que à ciência. Esta noção
desafiou os pró prios pressupostos sobre os quais assentou a
moderna bolsa de estudo histó rica. A ideia de que a objectividade
na investigação histó rica não é possível porque nã o existe
nenhum objecto da histó ria tem ganho cada vez mais
actualidade. Consequentemente, o historiador é sempre o
prisioneiro do mundo em que pensa, e os seus pensamentos e
percepçõ es são condicionados pelas categorias da língua em que
opera. Assim, a linguagem molda a realidade
mas não se refere a ela. 26 Esta ideia surgiu particularmente na
teoria linguística e literária desde o I 96os 27, embora a concepção
básica da língua com a qual trabalhou tivesse sido prefigurada no
Curso de Linguística Geral de Ferdinand de Saussure, publicado
em que 191628via a linguagem como um sistema auto-contido.
Roland
Barthes no I 96os29 e Hayden White no IOS 97'0 sublinhou o
carácter literário dos textos histó ricos e os elementos ficcionais
continham inevitavelmente. Desenvolvendo mais a con- cepçã o
de Saussure da linguagem como um sistema auto-contido de
sinais, teó ricos literá rios em França e nos Estados Unidos,
como Jacques Der- rida e Paul de Man, argumentaram que a
linguagem constró i a realidade em vez de se referir a ela. O
historiador trabalha com textos, mas estes textos nã o se
referem a um mundo exterior. No aforismo bem conhecido de
Derrida, "nã o há nada fora do texto "** O texto nã o tem de ter
uma forma escrita ou verbal. Culturas, como os antropó logos
como Clifford Geertz manteriam, são também textos.°2 Mas nã o
são apenas textos nã o referenciais, também nã o têm um
significado inequívoco. Cada texto pode ser lido de inú meras
maneiras. A intenção do autor já não importa, não só porque é
multifacetada e contraditó ria, mas também porque o texto existe
independentemente do autor. Aplicado à histó ria, isto significa
10 - Historiografia no século XX

que, em última análise, cada obra histórica é uma obra literária


que tem de ser julgada por categorias de crítica literária.
Esta é uma linha de argumentação que tem sido
constantemente prosseguida na teoria literária francesa e
americana desde a sua formação de Barthes - a sua tradução no I
96os. Barthes negou a distinção entre história e literatura e, com
ela, a distinção entre facto e ficção que tem sido geralmente
aceite no pensamento ocidental desde que Aristóteles a formulou
no seu PoetiCS. Esta crítica do realismo histórico tem estado
ligada a uma crítica da sociedade e da cultura modernas. Assim,
Barthes queixou-se que "o realismo do discurso histórico faz
parte de um padrão cultural geral ... [que] aponta para um
fetichismo alienante do 'real,' pelo qual os homens procuram
escapar à sua liberdade e ao seu papel como criadores de mean-
ing". Numa linha semelhante, Hayden White observou "a
relutância em considerar as narrativas históricas como aquilo que
mais manifestamente são: ficções verbais, cujo conteúdo é mais
inventado do que encontrado e cujas formas têm mais em
comum com os seus homólogos da literatura do que com os da
ciência...
ences".34 Levando a cabo a crítica da suposta autoridade em
A sociedade moderna ainda mais, Hans Kellner acusou que a
"verdade" e a "realidade" são, evidentemente, as principais armas
autoritárias da sociedade moderna". 5 O que isto significa é a
negação da forma como os historiadores têm feito investigação
histórica desde a Antiguidade Clássica e, mais especificamente,
desde a profissionalização dos estudos históricos. Como Robert
Berkhofer observou: "Porque os historiadores normais tentam
reconciliar interpretações variantes através de re ferenCe a factos e
não através de argumentos sobre a natureza das narrativas como
tal, devem presumir na prática que a factualidade possui algum
tipo de realidade coerciva". Uma vez que nega a factualidade, "a
con- teoria literária temporária desafia o próprio fundamento
intelectual da prática histórica actual".6
No entanto, os críticos do realismo histórico que insistiram na
autônoma omissão de textos raramente foram para além de
afirmações teóricas, para enfrentar um assunto histórico
concreto, que para eles só poderia ser uma construção linguística.
Os defensores do movimento que se definiu como "Novo
Historicismo" trataram 7mais directamente da literatura e da
cultura num contexto histórico, especificamente o da "8Inglaterra
tChe d t hr o ug h a s suas condutas
Elizabetana", a ppr o iluminadas, e
também o encontro europeu com o original
Introdução-11

habitantes do Novo Mundo. 39 Estes dois grupos partilhavam


pressupostos básicos da teoria literária pós-modernista sobre a
cen- tralidade da linguagem e a sua opacidade, bem como
concepções antropológicas das culturas como redes simbólicas de
significado. Não obstante, os Novos Historicistas rejeitaram a
noção de autonómio dos textos e viram os textos como parte de
complexas negociações simbólicas que reflectiam relações de
poder compreendidas em parte em Foucaultiano, mas em parte
também em termos marxistas. Os textos que formaram as bases
das suas análises foram informados pela mesma dialéctica
cultural que a sociedade em geral, na qual desde o início do
período moderno as forças do mercado capitalista tinham
operado. Para elas, como para o sociólogo Pierre Bourdieu, estas
forças assumiram a forma, não de um conto simbólico material,
mas de um conto simbólico culturalmente negociável.
Sublinhando os múltiplos significados de todos os textos
literários e culturais, permaneceram tão críticos das práticas do
"seu tory normal" como os praticantes da teoria literária pós-
modernista. Visavam aquilo a que Stephen Greenblatt, o
iniciador do Novo Historicismo, chamou uma "Poética da
Cultura". 40
As críticas radicais aos métodos de investigação histórica
aceites que dominaram as discussões teóricas da história a partir
do
*97OS até ao presente tiveram um impacto importante, mas
ainda assim limitado, na escrita da história. Se se aceitasse as
premissas desta crítica, seria impossível uma escrita histórica
significativa. É evidente que a história tem qualidades literárias.
O historiador, como F. A. Ankersmit argumentou,4* utiliza
sempre metáforas para crear imagens históricas. A diferença
entre o que ele chama de historiografia moderna, tanto da
orientação Rankeana como da ciência social e a posição pós-
moderna, reside na insistência deste último no carácter
metafórico e não-referencial de cada texto histórico e na ilusória
convicção do primeiro de que existe uma substância histórica
separada da prosa ou da po-extensão do historiador. Hans
Kellner, numa linha semelhante, viu toda a tradição da erudição
histórica moderna como uma aberração da concepção antiga e
pré-moderna da história como uma forma de retórica.42
Mas a questão não é obviamente assim tão simples. Pois até
os historiadores anteriores ao período de profissionalização se
viam a si próprios como retóricos para quem a história devia
conter exemplos, lições para a vida, e ao mesmo tempo estavam
empenhados em contar uma história verídica. O teor das recentes
discussões, tais
12°Historiografia no século XX

como o painel sobre "Ficcionalidade, Narratividade,


Objectividade" no Congresso Internacional de Ciências
Históricas em Montreal em I Was995.4' to occupy a middle
position, para reconhecer, como Roger Chartier o formulou, que
embora "uma entre muitas formas de narração, a história é no
entanto singular na medida em que mantém uma relação especial
com a verdade. Mais precisamente, as suas estruturas narrativas
visam reconstituir um passado que realmente foi. Esta re- erência
a uma realidade pré-existente do texto histórico e situada fora
dele, da qual o texto tem a função de produzir um relato
inteligível ... é o que constitui a história e a mantém diferente da
fábula ou da falsificação" ^
Esta distinção entre verdade e falsidade continua a ser
fundamental - mental para o trabalho do historiador. O conceito
de verdade tornou-se imensamente mais complexo no decurso do
recente pensamento crítico. Para ter a certeza de que o postulado
de "um objectivo absoluto - a objectividade e a cientificidade do
conhecimento histórico já não é ac- Ce pt e d Wit hotlt re Ser Va t iofl ".45
No entanto, o conceito de verdade e com ele o dever do historiador
de evitar e de descobrir a falsificação não foi de modo algum
abandonado. Como profissional formado, continua a trabalhar
criticamente com as fontes que tornam possível o acesso à
realidade do passado. A distinção entre racionalidade e
irracionalidade na investigação histórica não assenta num
conceito abstracto de verdade ou objectividade, mas sim "na
ideia da história como uma comunidade interpretativa, uma
disciplina praticante com padrões profissionais". 46
A fuga da realidade do passado no pensamento literário,
guístico e histórico recente reflecte um profundo
descontentamento com os aspectos alienantes da civilização
moderna. Na medida em que a ciência oc- cupied um papel
central nesta civilização, as abordagens científicas, incluindo a
tradição moderna da história académica, foram alvo de ataques.
Esta crítica, é claro, também teve implicações políticas. O que
tinha começado no século XIX e na primeira metade do século
XX com Burckhardt, Nietzsche, e mais tarde Heidegger como
uma rejeição da herança humanista do En- lightenment de uma
perspectiva elitista e antidemocrática foi retomado depois do
194a por pensadores como Jean-Paul Sartre e a Escola de
Frankfurt-Theodor Adorno e Max Horkheimer- que ocupavam
posições geralmente mais identificadas com a esquerda, mas que
já não viam na fé do Iluminismo em
Introdução-13

Se47 o Iluminismo tinha procurado libertar os homens dos mitos e


ilusões, os seus críticos procuraram libertar os seres humanos da
falta de sentido ético que, na sua opinião, a abordagem racional -
ou, na sua opinião, racionalista - da vida e da realidade
implicava. A razão ciência-ficção tornou-se subitamente um
monstro. Foucault e Derrida concordaram que, ao colocar a razão
abstracta no centro, a tradição ocidental da filosofia desde Sócrates
tinha legitimado padrões de dominação 48 e, para Joan Scott
escrever a partir de uma perspectiva feminista, tinha estabelecido a
autoridade patriarcal na própria linguagem do discurso
comum,49
Esta crítica pós-moderna continha pontos válidos importantes.
Demonstrava que a noção de uma história unitária não era dez-
capaz, que a história era marcada não só pela continuidade mas
também por rupturas. Os críticos apontam correctamente para os
pressupostos ideológicos que foram incorporados no discurso
dominante da erudição histórica profes- sional. Também desafiam
com razão as suas pretensões exageradas de falar com a
autoridade de peritos. No entanto, tendem a deitar fora o bebé
com a água do banho quando negam a possibilidade de qualquer
tipo de discurso racional de história - cal cal e questionam a
noção de verdade histórica e com ela a de falsidade histórica.
Eliminam assim não só a fronteira reconhecidamente fluida que
existe entre o discurso histórico, que envolve sempre elementos
ficcionais, e a ficção, que procura sobretudo interpretar a
realidade, mas também a que se situa entre a erudição honesta e a
propaganda. Esta confusão de aborrecimentos tornou-se
particularmente problemática nas recentes discussões sobre o
Holocausto como um acontecimento histórico.* As contradições
da resolução da história em literatura puramente imaginativa
tornam-se ap- tos na confissão de Hayden White de que a partir
de uma perspectiva moral - é inaceitável negar a realidade do
Holocausto, mas é impossível numa narrativa histórica
estabelecer objectivamente que aconteceu".
O desafio pós-modernista teve um impacto significativo no
pensamento e na escrita histórica sem, contudo, destruir as
continuidades com concepções e práticas mais antigas. O pós-
modernismo reflecte uma sociedade e cultura em transformação,
na qual velhas certezas sobre o crescimento industrial, o
crescimento económico ex
14 -Historiografia no século XX

expectativas, e as normas tradicionais da classe média têm sido


abaladas. Isto tem-se reflectido na historiografia dos últimos
vinte anos. O tema da história passou das estruturas e processos
sociais para a cultura, no sentido lato da vida quotidiana. A
história voltou a assumir um rosto humano, uma vez que foi dada
uma nova atenção aos indivíduos, desta vez não às pessoas altas
e poderosas, mas às pessoas comuns. Uma escola dos seus -
torianos procurou substituir o estudo dos processos macro-
históricos e macrossociais por aquilo a que chamaram micro-
história, concentrando-se em pequenas unidades sociais
constituídas por viduais-indígenas concretos. A nova ênfase na
cultura da vida quotidiana colocou a história em estreito contacto
com a antropologia de Clif- ford Geertz. "Acreditando, com Max
Weber, que o homem é um animal suspenso em teias de
significado que ele próprio teceu", Geertz "toma[s] a cultura
como essas teias e a sua análise, portanto, não uma ciência
experimental em busca do direito, mas uma ciência interpretativa
em busca de significado. É a explicação ... construindo
expressões tão ciais [que] na sua superfície [são] enigmáticas"
que o estudante de cultura está atrás. Assim, a nova história
cultural, tal como a "hermenêutica" do historicismo clássico,
preocupa-se não com a explicação, mas com a "explicação", a
tentativa de reconstruir o significado das expressões sociais que
servem como seu texto, ts 52
No entanto, a hermenêutica da nova história difere da
hermenêutica
a escola de Rankean. Esta última não só tratou de um assunto
diferente, o de personalidades dirigentes no âmbito do trabalho
de enquadramento de grandes instituições políticas, mas também
assumiu que os textos continham um significado claro que
poderia ser reconstruído através de uma análise filológica. Ranke e
a sua escola ainda acreditavam que a história era uma ciência
rigorosa, mesmo que diferente em matéria mat- ter e métodos das
ciências explicativas. Para a nova história cultural, as instituições
centrais do Estado, da Igreja e do mercado mundial tinham
desmoronado, e o significado dos textos já não era transparente,
mas era marcado por contradições e rupturas.
Tudo isto deu apoio aos ataques pós-modernistas contra
noções de objectividade e método científico, que terminaram
com a abolição da distinção entre narrativa histórica e ficcional.
No entanto, um exame da historiografia do passado
Introdução- 1S

vinte anos, que empreendo neste volume, sugere antes que,


embora os historiadores se tenham tornado muito mais
guardados na sua crença na autoridade da ciência, trabalharam
no entanto com a convicção de que o historiador lidou com um
passado real e não com uma imagem e que este passado real,
embora acessível apenas através do meio da mente do
historiador, exigia métodos e abordagens que seguissem uma
lógica de investigação. É impressionante que enquanto o
pensamento pós-moderno punha cada vez mais em causa a
autoridade do estudioso profissional, o trabalho histórico sentia
de facto as pressões de uma profissionalização crescente.
Embora houvesse chamadas no final do século XX, pelo
movimento Oficina de História para cidadãos 53interessados no
exterior
as universidades a escavar pelas suas raízes, de facto a nova
história cultural foi levada a cabo quase inteiramente nas
universidades. Uma boa parte do desafio à ética científica no
trabalho histórico veio de fora das disciplinas - de teóricos e
críticos literários que desejavam fazer cair a história em
imaginação literária- eratura. No entanto, a própria crítica
literária, uma vez que o domínio dos intelectuais independentes
que escreviam em revistas e resenhas, foi, de forma crescente,
aprisionada nos confins da academia. Não com - reorientações
filosóficas básicas permanentes, a cultura da academia, incluindo
os seus critérios para adquirir as credenciais necessárias para
obter uma posição e ter uma carreira de sucesso, permaneceu
notavelmente constante desde o lançamento da historiografia
profes-ional nas universidades alemãs no início do século XIX
até ao presente. Assim, apesar dos apelos ao repúdio de um ethos
científico, o ethos científico persistiu na prática.
Isto era essencial para que houvesse um trabalho histórico
significativo. A história continuou a ser um ofício erudito. Os
historiadores dos Ios97 e 19 os aprenderam com os antropólogos
o significado da cultura na compreensão do comportamento
político e social. Assim, os estudos da Revolução Francesa
tomaram uma nova direcção. A ênfase em factores de classe e
económicos que tinham informado as análises marxistas de
Georges Lefebvre54 fl fl d Alb t r t Soboul55 e a análise anti-marxista
de Alfred Cobban56 sel meados do século XX foi substituída por
uma maior ênfase na cultura, língua, símbolos e rituais nos
escritos de François Furet, 57Lynn Hunt, 5William Sewell, 5a Il d
Simofl SCha m a °0 ifl
I6 - Historiografia no século XX

os -9 os e os Early -99OS. Mas, em última análise, os novos


histo-rianos culturais, tal como os seus antepassados tradicionais,
tiveram de ir também aos arquivos. Embora fossem altamente
críticos dos pressupostos das anteriores abordagens das ciências
sociais, utilizaram, no entanto, muitas vezes com a ajuda de
técnicas informáticas modernas, técnicas empíricas
descobertas para criar uma base para a sua recon-estruturação
interpretativa da cultura local.
Embora o trabalho das i S97 e dos anos 80 enfatizasse
frequentemente o significado da cultura em detrimento da política
e de processos sociais mais amplos, os acontecimentos desde -9
9tornaram claro
que esta última não pode ser ignorada. Embora seja difícil depois
do
enormities do nosso século para seguir a teoria da modernização
ao dotar a civilização do Ocidente de qualquer dignidade especial
ou para ver a história como um processo unitário, é no entanto
claro que as forças poderosas descritas por essa teoria são de
facto opera- tive no mundo moderno. É certo que a teoria da
modernização tem sido geralmente demasiado optimista ao ver o
mundo moderno como o "fim da história "61 , o resultado de um
processo benigno. Além disso , o colapso do império soviético
demonstrou a inadequação de uma dependência exclusiva da
análise política, económica ou cultural, enquanto que a
persistência de velhos hábitos nacionalistas e religiosos e a sua
transformação em condições modernas, tal como manifestada
nos conflitos étnicos e nos surtos de divertimento religioso dos
últimos anos, expuseram ainda mais os limites da teoria da
modernização. O que é necessário no seu lugar é uma ampla
abordagem histórica que leve em consideração tanto os aspectos
culturais como institucionais. A crítica pós-moderna da ciência
tradicional e da historiografia tradicional tem oferecido
importantes cor- retivos ao pensamento e à prática histórica. Não
destruiu o compromisso do historiador de recapturar a realidade
ou a sua crença numa lógica de investigação, mas demonstrou a
complexidade de ambos. Talvez possamos ver na história da
historiografia um diálogo contínuo que, embora nunca chegue à
finalidade, contrib- utes a um alargamento de perspectiva.

A nossa história começa com a profissionalização dos estudos


históricos no século XIX. A historiografia é, evidentemente,
muito mais antiga. Os seres humanos lidaram com o seu passado
em todas as culturas, mas
Introdução-I7

as formas como o fizeram diferiram. Assim, no Ocidente,


incluindo o mundo islâmico, mas também na Ásia Oriental, a
história escrita tem ocupado um papel importante, mas também
as formas não escritas de história, monumentos, símbolos, e
tradições populares. Pelo menos tão cedo como Heródoto e
Tucídides no Ocidente e Ssu'ma Chi'en no Oriente, foi feito um
esforço consciente para distinguir a história do mito e chegar a
uma descrição verdadeira dos acontecimentos passados. No
entanto, não houve qualquer tentativa de reivindicar para a
história o estatuto de uma ciência semelhante, no seu rigor, às
ciências naturais. A busca da história como um género literário
que procura recapturar a realidade do passado de forma
verdadeira e honesta, mas de uma forma esteticamente elegante,
persistiu desde a antiguidade clássica ocidental e oriental asiática
até há relativamente pouco tempo. Apenas no século XIX a
história foi transformada numa disciplina de tamanho
profissional que se via a si própria como uma "ciência" praticada
por historiadores profissionalmente formados.
Os falantes de inglês não se sentem confortáveis com o termo
"histori- cal science" (Geschichtswissenschaft), comummente
usado em línguas europeias conti-nentais, mas também em
línguas do leste asiático, para distinguir a história como
disciplina da história como perseguição literária. O termo não é
comum na língua inglesa, onde a ciência geralmente denota as
ciências naturais sistemáticas ou uma lógica de investigação e
explicação modelada nas ciências naturais, como na abordagem
sistemática e propensão para a abstracção a ser encontrada nas
"ciências sociais". Nas línguas do continente, Wissenschaft (Ger-
man), science (French), scienza (Italian), ciencia (Spanish), ou
nauk (Russian) denotam uma abordagem sistemática a qualquer
esfera do conhecimento, incluindo as humanidades, guiada por
métodos de in vestigation aceites por uma comunidade de
estudiosos.
Usaremos o termo neste livro para nos referirmos à disciplina
moderna da história. A emergência da ciência histórica neste
sentido coincidiu com o estabelecimento da história como uma
disciplina profes- sional ensinada e estudada nas universidades.
O disci- pline nunca teve o rigor conceptual das ciências naturais
ou das ciências sociais analíticas devido aos elementos de
volição, intenção e significado no comportamento humano que
desafiam o grau de abstracção em que o conhecimento reside nas
ciências mais duras. No entanto, exige a adesão a uma lógica de
investigação científica partilhada por estudiosos em geral,
através da qual os resultados de
18 -Historiografia no século XX

A investigação histórica pode ser testada quanto à sua validade,


tal como o são noutras disciplinas. Também espera que o
estudioso vá além dos dados em bruto produzidos pelas suas
fontes para criar um relato coerente que, como todo o discurso
científico, envolva explicação. A natureza da explicação difere
obviamente na historiografia da das ciências duras porque tem de
ter em conta não só a intenção e a individualidade dos seus
objectos de estudo mas também o papel da subjectividade do
investigador, claramente maior nos estudos históricos do que nas
ciências duras. Thomas Kuhn argumentou que, mesmo na física,
as concepções do que constitui o trabalho científico não resultam
exclusivamente de desenvolvimentos e discussões internas à
disciplina, mas estão intimamente ligadas ao
correntes intelectuais mais vastas da cultura em que se
desenvolve o trabalho científico. 62 Jf isto aplica-se a uma
disciplina como a física, que procura enfaticamente excluir
elementos de subjectividade no julgamento científico, aplica-se
ainda mais à história, que reconhece o papel da subjectividade
como um ele- ment inescapável na investigação académica.
O acima exposto não pretende sugerir que o trabalho da lista
científica ou do historiador possa ser explicado principalmente
em termos de factores sociais ou que tenha principalmente uma
função ideológica. Mas significa que a ciência, e especialmente a
"ciência histórica", que está tão intimamente ligada aos valores e
intenções humanas, deve ser vista no quadro sociocultural e
político em que é praticada. Uma história de historiografia que
tenha em consideração apenas factores internos à disciplina da
história não é possível. É concebível que um conjunto de factos
históricos possa ser examinado através de padrões críticos sobre
os quais existe um consenso na disciplina; o mesmo consenso
dificilmente pode ser alcançado quando estes factos são inseridos
num contexto mais amplo de acontecimentos e desenvolvimento.
Como já indiquei, a ciência, e isto inclui a ciência histórica,
nunca pode ser reduzida a um conjunto de processos de
pensamento desencarnado internos à disciplina, mas envolve
sempre seres humanos vivos que trabalham no quadro de
instituições académicas e científicas e têm pressupostos sobre a
natureza da realidade que partilham com um grande número dos
seus tesouros. A ciência pressupõe sempre uma comunidade de
estudiosos que partilham práticas de investigação e formas de
comunicação. Não é, portanto, possível separar uma história de
historiografia
Introdução-I9

das instituições e do ambiente social e intelectual em que se


desenvolve o trabalho académico.
As três partes deste livro abordarão o estabelecimento da
história como disciplina académica, o desafio das ciências
sociais à bolsa tradicional e, finalmente, a crítica das abordagens
das ciências sociais pelo pensamento pós-modernista e o seu
efeito sobre o trabalho do historiador.

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