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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS

HISTÓRICOS
AULA 2

Prof. Caio de Amorim Féo


CONVERSA INICIAL

Na presente aula, verificaremos algumas das principais correntes teórico-metodológicas da

história, com a intenção possibilitar ao aluno um vislumbre das perspectivas usuais durante o

trabalho historiográfico. Nesse sentido, pretendemos expor as origens e pressupostos fundamentais

que configuram tais correntes, além de mencionar alguns de seus principais membros para que os

alunos possam recorrer caso desejem se aprofundar mais em alguma dessas perspectivas. Como se
trata de um vasto campo com diversas possibilidades, decidimos selecionar aquelas que nos parecem

mais basilares para um(a) aluno(a) que esteja iniciando o curso de História. São elas: a Escola

Metódica, Escola dos Annales, Marxismo, Pós-modernismo e História Global.

TEMA 1 – FUNDAÇÃO DA HISTÓRIA ENQUANTO DISCIPLINA

Comecemos pela escola historiográfica considerada como pioneira nos estudos históricos como

campo científico do conhecimento. Inaugurada no século XIX, essa corrente garantiu importantes

avanços ao setor da História em questões de método, teoria e abordagem do objeto de estudo por
parte do historiador. Ainda que atualmente seja uma perspectiva considerada datada e não mais

utilizada de forma específica nos estudos históricos, a Escola Metódica forneceu importantes avanços

que atualmente são considerados como indispensáveis na pesquisa histórica, independentemente da

perspectiva utilizada.

1.1 ESCOLA METÓDICA

a chamada Escola Metódica possui suas origens em meados do século XIX, momento em que a

História estava se formando como disciplina. Foi ela, inclusive, a principal responsável pela

institucionalização e consolidação da História como uma área do conhecimento autônoma e clamava

para sua prática um teor científico.


Tradicionalmente essa corrente historiográfica é também conhecida como positivista,

especialmente pelo rigor que possui no tratamento com os documentos históricos. Entretanto, como

bem destacaram Guy Bourdé e Hervé Martin (1990), seria um erro considerá-la positivista, já que essa

filosofia da história possui pressupostos que são opostos ao defendidos pela linha metódica. Entre as

principais características do positivismo que se choca com os metódicos estão a defesa da busca por

leis ordenadoras e totalizantes, bem como a preferência pelas populações em massa ao invés dos

grandes personagens históricos, o que possibilitaria estudos que fossem capazes de “ao mesmo

tempo constituir o passado e prever o futuro” (Bourdé; Martin, 1990, p. 113).

A referência principal dos metódicos, nesse sentido, não seria o positivismo encabeçado por

Augusto Comte, mas sim os trabalhos do alemão Leopold von Ranke (1795-1886). Os pressupostos

rankeanos que influenciaram a Escola Metódica foram elencados por Bourdé e Martin (1990), sendo

preciso relembrá-los brevemente no esquema abaixo.

Quadro 1 – Pressupostos rankeanos


Por meio dessa influência que em 1876 foi inaugurada a Revue Historique por Charles Fagainez e

Gabriel Monod, principal revista francesa que dera início à chamada Escola Metódica. De acordo com

Pedro Paulo Funari e Glaydson José da Silva (2008), os metódicos introduziram seus estudos também

no ensino básico como forma de refundar os valores nacionais, sendo a escola o principal veículo de

propagação do ideal de nação. Vale lembrar que a França havia acabado de ser derrotada na Guerra

Franco-Prussiana (1870-1871), algo que abalou fortemente as bases nacionais que a França se

ancorava até então.

Podemos destacar, portanto, que os principais membros dessa escola de pensamento que

aplicava rigorosos métodos de análise e primava a utilização de documentos escritos e foco em

grandes personagens e batalhas são, para além do próprio Ranke, Gabriel Monod, Charles Fagainez,
Ernest Lavisse e Charles Seignobos.

TEMA 2 – A REVOLUÇÃO NA HISTÓRIA COM A CRÍTICA AOS


METÓDICOS

A segunda metade do século XIX certamente foi dominada pelas perspectivas construídas pela

Escola Metódica, um modelo objetivo de fazer história que retirava qualquer poder de interferência

do historiador em termos de julgamento sobre seu objeto de análise. Mas ainda que tenha vigorado

nas primeiras décadas do século XX, foi justamente nesse momento que as primeiras críticas aos

métodos e teorias da Escola Metódica passaram a ser questionados. A principal corrente que se

destacou nesse momento foi a chamada Escola dos Annales, encabeçada pelos historiadores Lucien

Febvre e Marc Bloch. Nos dedicaremos aqui a observar suas principais críticas aos metódicos e

também seus principais pressupostos teórico-metodológicos.

2.1 A ESCOLA DOS ANNALES: A PRIMEIRA GERAÇÃO

A primeira geração de historiadores dos Annales se deu a partir da inauguração, em 1929, da


revista intitulada Annales d’histoire économique et sociale, que segundo Peter Burke tinha a intenção

de “exercer uma liderança intelectual nos campos da história social e econômica [...] em favor de uma

abordagem nova e interdisciplinar da história” (Burke, 1992, p. 33).

A elaboração do projeto dos Annales tem relação direta com os desenvolvimentos dos

praticamente 60 anos anteriores liderados pela Escola Metódica. Guy Bourdé e Hervé Martin (Bourdé;
Martin, 1990, p. 115) elucidaram as críticas direcionadas pelos Annales aos metódicos, as quais

resumimos no esquema a seguir:

Quadro 2 – Críticas direcionadas aos metódicos

Nesse sentido, como ressalta Burke (1992), trata-se de uma corrente historiográfica que foca a

pesquisa histórica a partir de um problema imposto pelo historiador, que analisará seu tema por um

viés interdisciplinar. Podemos citar como principais autores dessa geração Marc Bloch, Lucien Febvre

e Henri Pirenne, ainda que este último fosse mais um colaborador do grupo do que um membro

integrante.

2.2 SEGUNDA GERAÇÃO DOS ANNALES

O sucesso da Escola dos Annales logo se tornou visível e rapidamente se tornou uma das escolas

historiográficas (seria até possível dizer a mais) influentes não apenas na Europa, como no mundo.

Com a morte de Marc Bloch em 1944, Lucien Febvre assumiu a direção dos Annales até 1956, ano

que viria a falecer. Foi então que uma outra figura passou a ganhar destaque e terminou por
impulsionar ainda mais a produção historiográfica. Trata-se de Fernand Braudel. Braudel assumiu o

posto de líder dos Annales após a morte de Febvre e estabeleceu a corrente historiográfica annalista

como interdisciplinar.

De acordo com Peter Burke (1992), o aspecto mais relevante trazido nos estudos de Braudel foi,

sem dúvida, as mudanças de perspectivas a respeito das categorias de tempo e espaço. Esta última

foi promovida especialmente pela aproximação do autor com os estudos do renomado geógrafo

Paul Vidal de la Blache, com quem manteve diálogos constantes. Particularmente em sua obra O
Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Filipe II, publicado pela primeira vez em 1949, se

tornou uma referência indispensável e representa um trabalho onde o trato com a geografia é
marcante em vários momentos.

Contudo, é importante destacar que a questão do tempo seja ainda mais predominante nos

trabalhos de Fernand Braudel, principalmente por essa categoria estar presente em todos os
momentos de seu O Mediterrâeno... ordenando todo o desenvolvimento de sua análise. Burke (1992)

nos informa que a definição do tempo de longa duração proposto por Braudel seria aquele de maior
interesse aos historiadores, pois embora ele fosse curto quando comparado com outras

temporalidades, como o tempo geológico, ele seria o responsável por fornecer ao historiador aquela
imagem mais clara das mudanças que seu objeto de análise sofrera. Em outras palavras, Braudel

mantinha um grande interesse nas estruturas, sendo que essas só seriam possíveis de serem
identificadas com maior precisão e clareza quando o historiador se dedicasse a analisá-las na longa

duração.

Em fins da década de 1960, após desgastes internos no grupo, Braudel recrutou novos
historiadores para integrar os Annales a fim de promover uma renovação de seus membros. Dentre

eles estavam importantes nomes como Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie e Marc Ferro.
Outro nome de destaque nessa segunda geração, tão preocupada com as questões de demografia e

economia, fora Georges Duby, historiador que inovou em suas análises sobre a sociedade rural na
Idade Média.

2.3 TERCEIRA GERAÇÃO DOS ANNALES

As tendências trabalhadas especialmente, embora não unicamente, por Fernand Braudel, dando

ênfase nas transformações estruturais passíveis de conhecimento pela análise da longa duração,
manifestaram o crescimento de uma outra linha de pesquisa ainda durante a segunda geração, mas

que de fato foi impulsionada na terceira geração: os estudos acerca da mentalidade.

Pedro Paulo Funari e Glaydson José da Silva afirmam que a terceira geração dos Annales

proporcionou uma verdadeira ampliação dos pressupostos de Lucien Febvre e Marc Bloch, que
clamavam pela maior interdisciplinaridade nos estudos históricos. Isso teve impacto inclusive nos

temas que foram cada vez mais se diversificando, estando presentes alguns “como morte, doença,
alimentação, sexualidade, família, loucura, bruxaria, mulher, clima etc” e que viria a ressaltar a

“passagem quase exclusiva de preocupações socioeconômicas e demográficas em declínio para uma


história mais antropológica” (Funari; Silva, 2008, p. 71).

Funari e Silva (2008) também ressaltam que outra diferença da terceira geração (também

chamada de História Nova) em relação às duas anteriores é que, enquanto aquelas mantiveram sua
liderança conduzidas por nomes específicos, esta manifestou uma despersonalização tamanha que se

refletiu na ausência de um diretor e na ampliação da condição fragmentada na produção intelectual


de seus membros.

Mas o ponto marcante dessa geração foi de fato o estudo das mentalidades. A questão-chave

dessa temática era demonstrar as distinções existentes entre a mentalidade da época estudada com a
do historiador que a estudava. Nos termos de Georges Duby, essa consciência de mentalidades

distintas era importante para impedir que fosse cometido o “anacronismo psicológico”, prejudicando
a análise (Funari; Silva, 2008, p. 73). Contudo, como bem destacam Funari e Silva (2008), essa geração

também sofreu duras críticas de outras linhas historiográficas, especialmente porque, ao considerar
as mudanças da mentalidade estruturadas em longas durações, corria-se o risco de dispor “em níveis

similares diferentes segmentos [sociais], aí constituindo uma de suas maiores críticas” (Funari; Silva,
2008, p. 73).

Apesar das críticas, as inovações da terceira geração dos Annales foram extremamente

importantes na historiografia e ainda hoje nos auxiliam em reflexões das mais diversas. Entre os
principais expoentes dessa geração estão, além de Georges Duby (que também esteve ativo na

segunda geração), Pierre Nora, Jacques Le Goff, Philippe Ariès e Jacques Revel.

TEMA 3 – A HISTÓRIA PELA PERSPECTIVA DO MATERIALISMO


HISTÓRICO
É preciso destacar que as críticas levantadas pelos Annales contra a Escola Metódica não
formularam a única vanguarda de enfrentamento das prerrogativas desSa corrente historiográfica.

Além dos Annales é preciso destacar também a historiografia marxista que, seguindo os preceitos de
Karl Marx do século XIX estabeleceriam críticas profusas ao mesmo tempo que indicavam novas

perspectivas teórico-metodológicas, assim como introduziam a necessidade de exploração de outras


temáticas até então pouco trabalhadas. Veremos nesse terceiro tema, portanto, o desenvolvimento e

estabelecimento do Marxismo como corrente historiográfica destacando seus pressupostos básicos


de funcionamento.

3.1 MARXISMO

nos escritos de Karl Marx ao longo de todo o século XIX, foi desenvolvida uma perspectiva

teórico-metodológica que supera o campo da História e possui seus alicerces na Filosofia. Durante o
século XX, a corrente marxista foi adaptada e reformulada em alguns aspectos que formularam

diferentes perspectivas. Não pretendemos aqui fazer um levantamento dessas ramificações por
questões de espaço no presente material, por isso decidimos apresentar as principais linhas que

constituem o pensamento marxista que, de uma forma ou de outra, acabam por integrar as
perspectivas por mais diversas que possam ser.

O principal fator que caracteriza a abordagem marxista está explicitado na concepção filosófica
que a sustenta, uma posição que coloca em oposição à grande perspectiva filosófica de então no

século XIX: o idealismo de Hegel. Karl Marx foi um duro crítico dos pressupostos da filosofia
hegeliana e não é preciso se esforçar para percebê-lo como tal. José Paulo Netto (2011) nos explica
que na visão de Marx a teoria seria a elaboração feita pelo pesquisador a respeito de um objeto

quando compreendido como manifesto na realidade. Para chegar a determinada teoria, o


pesquisador (e em nosso caso o historiador) deveria partir de um método específico para que fosse

possível chegar à essência daquele objeto, ou seja, depreendendo sua estrutura e dinâmica na
realidade. Nos termos de Netto:

Para Marx, ao contrário, o papel do sujeito é essencialmente ativo: precisamente para apreender

não a aparência ou a forma dada ao objeto, mas a sua essência, a sua estrutura e a sua dinâmica
(mais exatamente: para apreendê-lo como um processo), o sujeito deve ser capaz de mobilizar um

máximo de conhecimentos, criticá-los, revisá-los, e deve ser dotado de criatividade e imaginação.

(Netto, 2011, p. 25)


Nesse sentido, percebemos que a abordagem marxista também combate a ausência de

posicionamento por parte do pesquisador da perspectiva metódica, inserindo-o no seio da


construção da análise sobre o objeto. Em termos filosóficos, Marx rebate a posição do idealismo de

Hegel ao afirmar que a essência e, portanto, a elaboração de uma síntese sobre um dado objeto só é
possível de ser feita a partir da aplicação de métodos sobre aquilo que se estuda, levando às

proposições e construções teóricas, isto é, no plano ideal. Trata-se, como bem expõe Netto (2011), da
base do pensamento marxista estar ancorado no pressuposto de que é o ser quem determina a

consciência, e não o oposto.

Ciro Flamarion Santana Cardoso sintetiza de forma bastante clara as prerrogativas do Marxismo:

A principal contradição dialética reconhecida pelo Materialismo Histórico (ou seja, pela teoria

marxista de como funcionam e mudam as sociedades humanas) é a que se estabelece entre as


sociedades humanas historicamente dadas e a natureza, e que se resolve no desenvolvimento das

forças produtivas. As outras contradições fundamentais são a que vincula as forças produtivas com
as relações de produção e a que estabelece a determinação em última instância da base econômica

sobre os níveis da superestrutura (política, instituições, leis, ideologias). Justamente da análise

integrada de tais contradições surgem os conceitos fundamentais de modo de produção, formação


econômico-social e – para certas sociedades – o de classes sociais (Cardoso, 1992, pp. 40-41)

Nesse sentido, ao realizar seus estudos sobre o capitalismo, Marx esclarece que sua investigação

tem por base a compreensão de que as relações materiais dos homens “formam a base de todas as
suas relações” (Marx, 2009, p. 245, citado por Netto, 2011, p. 34). Por mais que a perspectiva marxista

encare que, em última instância, é o econômico que determina as relações humanas, isso não
significa que devamos reduzir a abordagem marxista a um mero determinismo economicista. O

próprio Friedrich Engels, personagem importante nas formulações da perspectiva do materialismo


histórico, esclarecera em uma carta no ano de 1890 que sua proposição desenvolvida juntamente

com Marx não colocava o econômico como único e exclusivo fator de transformação das relações
humanas. Nas palavras de Engels, se alguém mobiliza a concepção de que o “fator econômico [é] o
único determinante [das transformações sociais], converte esta tese numa frase vazia, abstrata,

absurda” (Marx; Engels, 2010, p. 107, citado por Netto, 2011, p. 14).

O entendimento equivocado de que a abordagem marxista daria primazia ao econômico face às

demais esferas do social (cultura, política, religião etc.) não era presente somente entre os críticos do
Marxismo, mas inclusive muitos adeptos deste entendiam suas formulações como correspondendo a

essa noção de determinismo do econômico. Romper com tal perspectiva era necessário e o próprio
Marx demonstrou como a abordagem do materialismo histórico que ele e seu colega Engels
propunham poderia ser utilizada no estudo de um fenômeno histórico com foco na esfera política.

Foi nesse sentido que a obra O 18 Brumário de Luís Bonaparte foi publicada em 1852. Conforme as
décadas foram passando e a abordagem foi sendo cada vez mais empregada, novos estudos

confirmaram que a abordagem marxista não se restringia à abordagem do econômico, algo que
pode ser visto, por exemplo, nos estudos sobre cultura do historiador inglês Edward Palmer

Thompson.

Em suma, podemos afirmar que a perspectiva marxista trouxe inúmeras inovações envolvendo
tanto questões estruturais quanto de dinâmicas específicas das sociedades. Baseando-se numa linha

filosófica oposta ao idealismo hegeliano, o marxismo defendeu uma clara atuação ativa do
historiador durante o procedimento de análise de seu objeto, seja ele qual fosse. Por tratar

especialmente das questões produtivas como base da reprodução e transformação social, o


marxismo abriu margem para estudos de setores da sociedade que até então mobilizavam pouca

atenção, particularmente o campesinato e o operariado.

TEMA 4 – CRISE DA HISTÓRIA E ASCENSÃO PÓS-MODERNA

A historiografia presenciou ao longo das décadas de 50-60 do século passado a ascensão de

uma nova perspectiva um tanto provocativa e, de certa forma, também inovadora: o pós-
modernismo. A base da crítica pós-moderna encontra sua origem já no século XIX, mas é

principalmente no XX que suas discussões colocaram em xeque a qualidade da História como ciência,
desafiando a conquista metódica que, até então, não havia sido questionada de forma tão veemente.

É fato que as perspectivas sobre como o historiador deveria proceder ao fazer sua análise são
variadas, mas a crítica pós-moderna assumiria uma postura questionando inclusive a existência da

verdade dos fatos, ou seja, atingia o cerne da matéria prima do historiador.

4.1 PÓS-MODERNISMO

Compreender a discussão que envolve a perspectiva pós-moderna nos impulsiona a partir em

direção a dois pontos essenciais: aos discursos e aos argumentos totalizantes. Se fossemos rastrear as
origens da perspectiva pós-moderna, deveríamos nos deslocar para o século XIX em direção aos

estudos filosóficos de Friedrich Nietzsche. Diogo da Silva Roiz (2010) nos informa que Nietzsche
possuía uma postura crítica a respeito das reflexões sobre os fatos, justamente por considerar que

estes não existem na realidade, sendo somente interpretações que podem variar de acordo com
quem interpreta determinada situação. O ponto é preocupante especialmente para os historiadores
que procedem em suas pesquisas analisando fatos.

A crítica ganharia novos contornos especialmente ao longo das décadas de 1950-60. Como
destaca Ellen Melkins Wood (1999), essa nova corrente teórico-metodológica “é produto de uma

consciência formada na chamada idade áurea do capitalismo, por mais que possa insistir na nova
forma do capitalismo (‘pós-fordista’, ‘desorganizada’, ‘flexível’) da década de 1990” (Wood, 1999, p. 9-

10). Seria, portanto, fruto de uma sociedade que presenciou tanto os horrores das duas Guerras
Mundiais quanto os benefícios tecnológicos proporcionados pelo capitalismo da década de 1960.

As temáticas pós-modernas são variadas passando por temas culturais até os linguísticos, mas

são nesses últimos que suas abordagens mais se destacaram a partir das análises dos discursos. De
acordo com Wood (1999), a estrutura da sociedade na linha pós-moderna seria aquela mesma da

linguagem, e é nesse sentido que podemos compreender melhor a afirmação dos discursos como

chave investigativa da História cuja origem está em Nietzsche. Já que a estrutura explicativa e
ordenadora da sociedade está na linguagem e “todos nós somos dela cativos, nenhum padrão

externo de verdade, nenhum referente externo para o conhecimento existe para nós, fora dos

‘discursos’” (Wood, 1999, p. 11). Ou seja, a verdade única e possível de se apreender se encontra nos

discursos, e por isso mesmo ela não é una e possui uma enorme variedade.

Justamente pelo discurso ser a chave dos fenômenos históricos e também da prática do
historiador que a crítica a respeito da cientificidade ganhou corpo. Segundo Roiz (2010), um dos

maiores historiadores pós-moderno, o estadunidense Hayden White, direcionou suas críticas

afirmando que o discurso narrativo nos trabalhos históricos estava mais próximo da arte do que da

ciência. Já Wood (1999) ressaltou que alguns dos pesquisadores mais recentes extrapolam a noção
do conhecimento como socialmente construído a ponto de estender essa perspectiva para as leis

físicas e matemáticas, afirmando que suas formulações são frutos de um contexto histórico

específico. Ainda nessa perspectiva de pluralidade é que os pós-modernos possuem seu foco em

realçar as diferenças e agir contrariamente às teorias ditas reducionistas, totalizantes ou, para ser
mais claro, que buscam estabelecer sínteses sobre os fenômenos históricos. Nos termos de Wood,

estruturas e causas “foram substituídas por fragmentos e contingências. Não há um sistema social
(como, por exemplo, o sistema capitalista), com unidade sistêmica e ‘leis dinâmicas’ próprias; há
apenas muitos e diferentes tipos de poder, opressão, identidade e ‘discurso’” (1999, p. 14).

Dentre os principais pensadores pós-modernos que podemos citar, estão Charles Wright Mills,
Hayden White, Keith Jenkins, Michel Foucault e Paul Ricoeur, todos sendo ainda bastante influentes

nos trabalhos historiográficos.

TEMA 5 – PENSANDO O MUNDO GLOBALMENTE

Mais recentemente temos presenciado um crescimento bastante considerável de pesquisas que

se dizem globais. Embora não seja uma linha de pesquisa nova, pois possui origens já desde meados
do século XX, o que comumente vem sendo chamado de História Global tem colocado importantes

problemas a partir de considerações teórico-metodológicas a respeito da espacialidade estudada e

das interconexões dos fenômenos históricos. Veremos neste tema os principais contornos da História

Global que atualmente pode ser considerada como uma das correntes historiográficas com maior
destaque nos estudos históricos.

5.1 HISTÓRIA GLOBAL

podemos afirmar que as origens da História Global podem remontar desde estudos como o já

mencionado O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Filipe II de Fernand Braudel.

Considerado como pioneiro dos estudos da então chamada História Mundial, Braudel se tornou
importante referência no campo e inspirou muitos pesquisadores a romper com as fronteiras

nacionais em suas pesquisas. A ruptura com a ideia de se estudar os temas dos mais diversos

considerando as circunscrições espaciais do Estado-nação como categoria analítica fundamental foi


um dos principais avanços dessa corrente historiográfica. As nações atuais possuem distintas

configurações territoriais quando comparamos esses mesmos espaços em momentos que os

estados-nacionais não tinham sido construídos ainda.

Um momento-chave da evolução da perspectiva global fora a ascensão do processo de

globalização pós 1950, tornando o mundo cada vez mais conectado e integrado. Fluxos, trânsitos e

principalmente as conexões passaram a ser alguns dos objetos preferidos dos historiadores globais
que perceberam a impossibilidade de sociedades sobreviverem e se desenvolverem de maneira
isolada. Por isso que, de acordo com Sebastian Conrad (2019), muitos passaram a identificar ou

buscar as origens da(s) globalização(ções) ou mesmo localizar suas manifestações no tempo.

A superação dessas fronteiras nacionais como parâmetro fundamental de investigação histórica

também está relacionada com a superação da explicação de fenômenos históricos de maneira


endógena, ou seja, considerando somente as mudanças internas da sociedade em que o pesquisador

se debruça. Além disso, é preciso mencionar outro fator em que a crítica da História Global se

direciona: o eurocentrismo.

Seguindo de perto as proposições de Sebastian Conrad, a crítica ao eurocentrismo não significa

mover os estudos da história para outras regiões do globo para além da Europa, mas sim em romper
com o que o autor chama de “eurocentrismo conceitual” (Conrad, 2019, p. 203-204). Trata-se de

avançar numa abordagem que evite a reprodução dos mesmos valores e parâmetros que

consagraram a narrativa da ortodoxia eurocêntrica. Em outras palavras, mudar a região de análise da

Europa para outro continente qualquer não faz com que se rompa com o eurocentrismo se as bases
e os preceitos fundamentais da pesquisa são os mesmos formulados pelas narrativas eurocêntricas

tradicionais que davam ênfase no chamado nacionalismo metodológico.

É preciso ter em mente, contudo, que a História Global ainda não é uma perspectiva em que

os(as) autores(as) possuem concordância a respeito de sua prática metodológica. Como bem definiu

Diego Olstein em seu livro Thinking History Globally (2015), atualmente é possível definir pelo menos
12 perspectivas distintas que estão “pensando o mundo globalmente”, o que nos demonstra a

diversidade de abordagens distintas. Contudo, se podemos definir as prerrogativas que são criticadas

de maneira comum a todas elas seriam, sem dúvida, a ruptura com o eurocentrismo e com o

nacionalismo metodológico.

Entre os principais autores que se destacam nos estudos de História Global estão Sebastian
Conrad, Diego Olstein, Bruce Mazlish, Immanuel Wallerstein e Sanjay Subrahmanyam.

NA PRÁTICA

As correntes historiográficas são extremamente variadas e múltiplas nas suas abordagens. Nesse

sentido, propomos a seguinte atividade: analise o trecho abaixo e tente identificar qual a corrente
historiográfica, dentre as mencionadas ao longo desta aula, que mais se aproxima com a linha de

raciocínio do autor, justificando sua escolha.

Proponho que a base da cultura, e da religião como campo primordial de sua manifestação, reside

na forma e na maneira pela qual os indivíduos entendem, definem, articulam e expressão as mútuas
relações estabelecidas entre si e com a natureza. Em sociedades caracterizadas por uma profunda

hierarquização e apropriação desigual da produção, estas formas de percepção social e estes


modos de comportamento fundamentam-se tanto nos aspectos relativamente igualitários da

organização do trabalho e da vida cotidiana, e na reprodução deste domínio ao longo do tempo,

quanto na extrema desigualdade que caracteriza a relação de apropriação do produto e a


reprodução dessa relação. (Bastos, 2013, p. 80-81)

FINALIZANDO

Nesta aula, vimos as diversas correntes teórico-metodológicas que podem ser utilizadas nas

pesquisas históricas do historiador. Visamos estabelecer cinco vias historiográficas possíveis que
internamente se desdobram em diversas outras possibilidades, mas que infelizmente não temos

espaço o suficiente para discorrer nesse texto. Contudo, fornecemos ao longo de cada uma delas

diversos autores para que o(a) aluno(a) possa recorrer às suas obras a fim de conhecer mais a

respeitos da perspectiva em questão mais lhe tenha chamado a atenção.

Passando desde a Escola Metódica com suas metodologias rigorosas e pela consolidação da
História como disciplina, seguimos para a Escola dos Annales com suas três gerações críticas aos

pressupostos metódicos e promovendo cada vez mais a interdisciplinaridade. Com o Marxismo,

vimos como o enfrentamento da história metódica não se restringiu aos Annales, sendo uma

corrente pautada em pressupostos filosóficos do materialismo histórico que reformula o


entendimento das transformações sofridas nas sociedades humanas. Contrastamos, ao fim, com a

perspectiva crítica da História enquanto ciência pela corrente Pós-Moderna e seu foco nos discursos,

além da História Global com suas múltiplas perspectivas que entendem a fluidez do espaço e a

interconectividade das sociedades e de seus processos históricos.

Vale lembrar que todas essas correntes não necessariamente se anulam e, a depender da
questão formulada pelo pesquisador ao seu objeto de análise, podem ser combinadas de muitas

maneiras a fim de garantir uma pesquisa de qualidade e com um alto nível de discussão teórica e

metodológica.
REFERÊNCIAS

BASTOS, M. J. da M. Assim na Terra como no Céu.... Paganismo, Cristianismo, Senhores e

Camponeses na Alta Idade Média Ibérica (Séculos IV-VIII). São Paulo: Editora da Universidade de

São Paulo, 2013.

BOURDÉ, G.; MARTIN, H. As Escolas Históricas. Portugal: Editora Publicações Europa-América,

1990.

BURKE, P. A Revolução Francesa da Historiografia: a Escola dos Annales (1929-1989). 2. ed.

São Paulo: Editora UNESP, 1992.

CARDOSO, C. F. S. Uma Introdução à História. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992.

CONRAD, S. O que é História Global? Porto: Edições 70, 2019.

FUNARI, P. P. A.; SILVA, G. J. da. Teoria da História. São Paulo: Editora Brasiliense, 2008.

NETTO, J. P. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

Olstein, d. Thinking History Globally. London: Palgrave Macmillan, 2015.

ROIZ, D. da S. O ofício do historiador: entre a ‘ciência histórica’ e a ‘arte narrativa’. Revista

História da Historiografia, n. 4, p. 255-278, 2010.

WOOD, E. M. Introdução. In: FOSTER, J. B.; WOOD, E. M. (Org.). Em defesa da História:

Marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

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