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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA HISTÓRIA

A ESCOLA DOS ANNALES: PRIMEIRA


GERAÇÃO

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Olá!
Ao final desta aula, o aluno será capaz de:

1. Reconhecer qual o contexto histórico presente durante o surgimento da Revista dos Annales;

2. identificar quais foram as principais transformações trazidas pela revista para o campo da historiografia;

3. compreender quais foram as principais críticas feitas pelos primeiros historiadores dos Annales à

historiografia do século XIX.

Para se entender o surgimento do movimento do Annales, suas características e influências é preciso, antes,

compreender o contexto o qual propiciou à March Bloch, Lucien Febvre e outros autores a criação, em 1929, dos

Annales d’histoire économique et sociale.

O historicismo, já desde o final do século XIX e início do século XX, passou a sofrer pesadas críticas de diferentes

intelectuais que não concordavam com sua metodologia de análise.

Em 1900, o filósofo Henri Berr fundou a Revue de Synthèse historique, pois recusava-se a aceitar que a história

era uma simples narração, como assim acreditava Ranke. Junto com ele outros intelectuais de diferentes

disciplinas contribuiram com sua forma de pensar, como o geógrafo Paul Vidal de La Blanche e o sociólogo Emite

Durkheim.

Seguindo essa mesma lógica, em 1906 surgiu na França um grupo de historiadores voltado para os estudos

econômicos dedicados a pesquisas com temas e metodologias inovadoras, liderado por Paul Mantouz.

Assim, aos poucos e continuamente iam surgindo novas formas de se pensar a história e a sociedade com

características em comum: a crítica, a relação direta estabelecida por Ranke entre a história e a narrativa dos

acontecimentos políticos e a negação à valorização da história apenas dos grandes dirigentes e chefes militares.

A história puramente política não era mais suficiente para atender as demandas explicativas sobreo o mundo.

Os Annales surgem, assim, como herdeiros dessas mudanças e da Revue de Synthèse historique, que desde a sua

fundação já pregava a valorização da interdisciplinaridade conclamada a ser utilizada entre as diferentes

ciências que tratavam do homem.

Berr teve papel fundamental para a formação intelectual de Febvre fazendo com que este aumentasse cada vez

mais seu interesse pela geografia histórica. Além de Henri Berr, Vidal de la Blanche também havia sido antigo

professor de Febvre.

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Para alguns historiadores como Peter Burke, por exemplo, o surgimento dos Annales não estava ligado apenas à

fundação de uma revista ou à inauguração de uma escola.

Esse surgimento representou um movimento de transformações historiográficas muito maior, chegando a

comparar as mudanças trazidas pelo grupo a uma revolução dentro da própria história.

Não se pode negar, contudo, que a Revista e as inovações atribuídas aos seus intelectuais surgiu, a partir de de

um ambiente de muitas transformações acadêmicas.

Assim, tanto a geografia, a sociologia e a economia inspiraram um novo modo de pensar a história.

Sobre o nascimento dessa nova forma de olhar para a história, afirma o historiador Peter Burke:

"A necessidade de uma história mais abrangente e totalizante nascia do fato de que o homem se sentia como um

ser cuja complexidade em sua maneira de sentir, pensar e agir não podia reduzir--se a um pálido reflexo de jogos

de poder, ou de maneiras de sentir, pensar e agir dos poderosos do momento.”

Fazer uma outra história, na expressão usada por Febvre, era portanto menos redescobrir o homem do que,

enfim, descobri-lo na plenitude de suas virtualidades, que se inscreviam concretamente em suas realizações

históricas.

Abre-se, em conseqüência, o leque de possibilidades do fazer historiográfico, da mesma maneira que se impõe a

esse fazer a necessidade de ir buscar junto a outras ciências do homem os conceitos e os instrumentos que

permitiriam ao historiador ampliar sua visão do homem."

BURKE, Peter. A Escola dos Annales: A Revolução Francesa da Historiografia. p.4.

Em sua fundação, no dia 15 de janeiro de 1929, a ~ales d'histoire économique et sociale tinha a contribuição dos

seguintes colaboradores; Lucien Febvre e March Bloch como diretores; Henri Houser como historiador, mais

voltado para os estudos da História Moderna; o medievalista Georges Espinas, o especialista em História Antiga

André Piganiol, o historiador belga Henri Pirenne, o sociólogo maurice Halbwachs, o economista Charles Rist e o

analista político André Siegfried.

A primeira publicação da revista afirma a vontade de se escrever a história a partir de uma reflexão econômica e

social. Posteriormente, como será estudado nas outras aulas, e de acordo com as mudanças sociais, veremos que

a revista vai mudar algumas vezes de nome.

Embora não tenha sido fundada apenas por March Bloch e Lucien Febvre, são esses dois historiadores que mais

influenciaram a historiografia e divulgação do movimento.

• Marc Bloch

Era filho de uma família judia, oriundo de Lyon na França e filho de um especialista em História Antiga

chamado Gustave Bloch. Em 1919, foi nomeado para a universidade de Estrasburgo, após ter defendido a

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sua tese em História Medieval Rois et serfs. Suas obras mais conhecidas são: les Rois Thaumaturges

(1924), Les caractères originaux de l'histoire rurale française (1931) e La société féodale (1936).

Dessas três obras, a mais conhecida ficou sendo les Rois Thaumoturges, onde Bloch faz um estudo

comparativo dos ritos de sagração na França e na Inglaterra e busca compreender como determinadas

populações puderam acreditar no poder de cura das escrófulas pelos reis.

O autor foi eleito para a universidade de Sorbonne em 1936. Em 1941 lecionou na Universidade de

Clemont-Ferrandi. Já em 1942, ameaçado pela invasão alemã, refugiou-se e uniu-se à resistência.

Preso pelos alemães, foi fuzilado em junho de 1944. Seu último livro, Apologia da História, ou O Ofício do

Historiador, escrito enquanto esteve preso ficou inacabado, contudo, tornou-se leitura fundamental aos

historiadores por apresentar as primeiras ideias da Escola dos Annales.

• Lucien Febvre

Francês da região de Nacy, o autor iniciou seus trabalhos através da pesquisa Philippe 11 et lo Franche-

Comté. Assim como Bloch, foi professor em Estrasburgo em 1919, e depois no collège de France, em

1933.

Especializou-se em estudar o século XVI e alguns de seus personagens importantes ligados à

religiosidade como Lutero, por exemplo. Algumas obras importantes suas foram: Um destin: Martin

Luther de 1928; Le Problème de l'incroyonce ou XVI siècle; Lo religion de robelois de 1942, dentre

outras.

Febvre foi também um autor muito ligado às influências geográficas e renovou as relações entre as duas

disciplinas com o livro Le Probléme historique du Rhim, de 1931, onde buscou entender como o rio

Reno, a partir da prática da comercialização, acabou transformando-se em fronteira para duas nações.

As publicações elaboradas por esses dois autores e demais colaboradores da revista desconstrói a escola

historiográfica anterior, na medida em que cria um novo método para os historiadores, buscando a

interdisciplinaridade, o diálogo com as Ciências Sociais, não se prendendo apenas aos fatos, mas

problematizando-os com o objetivo de se chegar a um saber racional e científico. Esse objetivo, também presente

nos estudos de historiadores metódicos, não fora abandonado.

Nessa medida, a Revista, ao ser lançada, apesar de manter o caráter de cientificidade, torna perceptível a clara

ruptura com o historicismo e o positivismo, através de profundas críticas ao uso exclusivo que esta fazia aos

documentos escritos.

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Os intelectuais dos Annales insistiam sobre a diversidade no uso das fontes que deveriam ser usadas pelo

historiador em seu trabalho de pesquisa. A observação histórica deveria ser feita através da análise de diversos

testemunhos. O historiador, na sua pesquisa, deveria trabalhar fontes não escritas, principalmente as ligadas à

arqueologia.

As publicações pós-1929 na França deixaram de lado a história voltada apenas para o relato, bem como

demonstravam que não era possível o conhecimento total sobre o passado. Este deveria ser reconstruído, com a

ajuda que as outras ciências poderiam oferecer.

Para March Bloch, em Apologia à História, o passado estaria sempre em processo e progresso, mudando muitas

vezes seu modo de compreendê-lo, sendo que poderia ser escrito de maneira diferenciada, de acordo com a visão

de cada historiador e/ou do leitor. (BIOCH - Apologia à história. cap.2)

Outro ponto de ruptura com a historiografia do século XIX estava na superação da história nacional e na

valorização da história comparada, muito utilizada por Henri Pirenne e por Bloch que, para sua utilização,

defendia ainda uma maior proximidade entre a história e a antropologia.

A Revista também contrariava a objetividade tão valorizada pela geração anterior como garantia para a

veracidade e a cientificidade da história.

Os Annales insistiam sobre a influência do historiador, inevitável já no ato da pesquisa. A total separação entre

sujeito e objeto de pesquisa era impossível. O papel atribuído ao historiador era completamente diferente, pois

caberia a ele a construção da sua pesquisa. Era o pesquisador que deveria buscar, analisar e interrogar seu

objeto através das fontes.

Nessa perspectiva, o homem deveria ser visto como sujeito da sua história, não apenas ligada a fatos, datas e

relatos, mas uma história que conseguisse compreender as relações existentes nas entrelinhas dos

acontecimentos.

Deveria apreender seus problemas e os contextos nos quais estavam inseridos.

O objetivo do pesquisador era claro: o homem e não apenas o passado, como algo que não tivesse qualquer

relação com um determinado período. O passado estudado pelos Annales deveria estar sempre voltado para o

presente. Havia uma relação clara entre essas duas temporalidades, pois seriam os questionamentos do presente

que levariam ao estudo do passado.

March Bloch e Lucien Febvre renovaram também trazendo à hitoriografia o interesse pela atualidade.

De acordo com o historiador François Dosse, mais de 40% dos trabalhos publicados pela revista entre 1929 e

1941 foram dedicados à história contemporânea. (DOSSE, p. 61-62)

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A história não se apresentava para esse grupo apenas como uma ciência preocupada com um passado distante,

até porque não estava mais tão preocupada em legitimar a formação dos Estados Nacionais, assim como aparecia

normalmente durante o século anterior.

A colaboração entre as diversas ciências sociais e a história é outro dado, sobretudo, as relações traçadas entre a

geografia e a história. A contribuição dos geógrafos nos Annales é de suma importância e fica claro nas

publicações que ambas as ciências se influenciavam mutuamente.

Pode-se citar como exemplo o trabalho de Bloch, intitulado Les caracteres originaux de l'histoire rurale

française. Mais tarde, essa relação também vai se fazer presente nas obras de Fernand Braudel.

O movimento dos Annales, assim como Materialismo Histórico e o Historicismo constituiu, sem dúvida, uma das

influências mais importantes para a Historiografia atual. Muitos autores, posteriormente, vão questionar se o

movimento teria sido realmente uma inovação, entretanto, o impacto das suas ideias sobre a historiografia

ocidental como um todo foi inevitável.

Sem dúvida, Bloch e Fevbre não foram os primeiros a repensar a escrita da história, bem como houve uma

enorme contribuição de pensamentos oriundos de intelectuais de outras ciências que possibilitaram suas

inovações e sucesso, o que não apaga, contudo, o seu brilho como movimento bem estruturado e triunfante na

historiografia francesa e ocidental.

O que vem na próxima aula


•A Segunda geração dos Annales;

•a era Braudel;

•continuidades e rupturas com a primeira geração.

CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• entendeu qual o contexto histórico existente à época da fundação da Revista dos Annales;
• identificou quais foram as principais transformações trazidas pela revista para o campo da
historiografia;
• compreendeu quais foram as principais críticas feitas pelos primeiros historiadores dos Annales à
historiografia do século XIX.

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