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Descrição
A noção de conflito e transformação social na Antiguidade pensando em especial em uma
categoria de transição temporal entre o fim de um período histórico e o início de outro como uma
invenção discursiva.
Propósito
Oferecer ao aluno de História Antiga instrumentos para entender que toda a lógica de transição de
“marcos” históricos é uma construção e que o fenômeno deve ser analisado, como é feito com o
período chamado de Fim do Mundo Antigo.
Objetivos
Módulo 1
Módulo 3
Introdução
Não existe em História uma unidade de tempo cronológico linear. Essa é uma concepção
ultrapassada que didaticamente é utilizada, mas, via de regra, é marcada por uma escolha
política que pode ser pessoal do pesquisador ou até de uma sociedade.
Tempo é uma unidade a ser analisada pela interpretação humana, por isso, marcado por
quem produziu sobre o tempo, pelas referências espaciais e pelas disputas sobre a
interpretação. Sendo assim, a noção de crise e conflito dependem de quem observa e o que
deseja discutir ou recortar.
Quando a história bíblica de José é contada, é apresentado que ele “cai nas graças” do faraó por
interpretar um sonho que permite ao líder político se preparar melhor para os anos de estiagem. Em
um modelo também conhecido como “modo de produção asiático”, é função do governo garantir
recursos para momentos de crise, evitando que as convulsões sociais se tornem conflitos
conflagrados e que gerem a possibilidade de perda de sua situação de comando.
Outro exemplo que podemos mencionar trata-se de quando os líderes militares passam a exigir a
Péricles que os soldados sejam reconhecidos como cidadãos na Guerra do Peloponeso em virtude
de um conflito com outras poleis, é gerada uma convulsão social que precisa ser mediada e foi
negociada pelo líder político ateniense à frente das decisões políticas durante o conflito.
Famoso discurso histórico de Péricles no final do primeiro ano da Guerra do Peloponeso.
oleis
Plural de pólis, como eram chamadas as cidades na Grécia Antiga.
Então, movimentações de disputas de maior ou menor grau, geradas por pressões militares, por
fome, por fenômenos naturais, são um desafio dos governantes, palacianos, citadinos, faraônicos
ou políades.
As consequências dessas convulsões, que acontecem em meio a conflitos, podem ser diversas,
como supressão e substituição do poder político, negociações, massacres e todas elas geram
necessariamente novas consequências e processos. Cabe ao analista da História estar atento e
perceber esse movimento.
Grécia Antiga
É tarefa difícil responder quem foram os gregos antigos. No século V a.C., em Histórias (VIII, 144.2),
Heródoto de Halicarnasso sugeriu alguns critérios: os gregos seriam aqueles que partilham o
mesmo sangue, falam a mesma língua, cultuam os mesmos deuses, frequentam os mesmos
templos, oferecem os mesmos sacrifícios e têm costumes em comum.
Essa síntese, contudo, oculta enormes variações regionais: as práticas de culto eram diversas,
existiam inúmeros grupos étnicos que, dentre outras coisas, falavam o grego com expressivas
variações dialetais, sem falar nos hábitos variados. Apesar disso, como mostra Heródoto, existiam
diversos critérios que, a despeito da diversidade, eram capazes de promover alguma unidade.
A língua grega era, sem dúvida, fator decisivo de promoção da unidade, mas
a relação com o espaço, com as formas de urbanização, as escolhas
estéticas e padrões arquitetônicos também funcionavam como elementos
que garantiam coesão social.
Invasões externas, baixa demográfica, diminuição das redes de produção e comércio foram
fenômenos que ajudaram a caracterizar as “trevas” com que se denominou o período.
No entanto, arqueólogos e historiadores perceberam que não houve um “limbo histórico”, apesar
das sucessivas crises.
É bem provável que os famosos poemas de Homero, a Ilíada e a Odisseia, tenham sido compostos
oralmente no final desse período.
A formação das poleis marcou não apenas o período seguinte, conhecido como Período Arcaico
(séc. VIII ao VI a.C.), mas toda a história da Grécia Antiga. Um movimento de expansão das
comunidades de língua grega pelo Mar Mediterrâneo permitiu que novas cidades fossem fundadas.
Politicamente, a noção de “cidadania” começa a se estabelecer. O alfabeto grego é inventado, além
das leis e dos jogos pan-helênicos, dos quais os mais célebres foram os Jogos Olímpicos, que
ocorriam a cada quatro anos na pólis de Olímpia. As mudanças no espaço também foram
plenamente sentidas, já que alterações sociais estimulam novas exigências práticas e soluções
estéticas (e vice-versa).
Atenção!
É importante notar que a “acomodação” de grupos diversos e suas representações aparecem nos
templos, quando os grupos locais e as poleis passavam a se representar na figura dos deuses. O
templo não era o espaço somente de oração, mas de paz para mediar os conflitos.
O período que mais recebe atenção dos especialistas, no entanto, é o chamado Período Clássico
(séc. V ao IV a.C.). Foi a época em que a pólis de Atenas se fez a mais famosa do mundo grego.
Trata-se da época imediatamente posterior às chamadas Guerras Médicas, que opuseram as
cidades gregas ao poderoso Império Persa, primeiramente liderados pelo Rei Dario e, em seguida,
por seu filho Xerxes. Os navios de guerra atenienses foram decisivos para garantir a resistência
grega, garantindo a essa cidade particular liderança sobre as demais.
Roma Antiga
O século VIII a.C. foi um importante momento para a fundação de cidades. Como vimos, os gregos
expandiram-se pelo Mar Mediterrâneo e formaram inúmeras poleis e entrepostos comerciais.
Acredita-se que Roma tenha sido fundada em meados desse século, mais precisamente em 753
a.C., mas não pelos gregos. Ainda que diversos grupos étnicos habitassem a região nesse período,
acredita-se que tenham sido os etruscos que, em acordo político com grupos sabinos e latinos,
teriam viabilizado esse acontecimento.
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Monarquia
República
Império
P í d i d 27 C 476 C f id t Rô l A t
Período que vai de 27 a.C. a 476 a.C., ano em que foi deposto Rômulo Augusto, o
último imperador romano do Ocidente.
Rômulo também foi o nome do primeiro rei romano. As histórias a seu respeito são bem
conhecidas. Ele e seu irmão gêmeo Remo foram colocados em um cesto e lançados pelo tio
Amúlio nas águas do Rio Tibre. Uma loba os teria resgatado e oferecido graciosamente a teta para
que bebessem. Um pastor, vendo o que acontecia, recolheu os meninos. Quando cresceram,
depuseram Amúlio e pediram autorização para fundar uma cidade. Nova disputa começou, dessa
vez entre os gêmeos. Rômulo se consagrou vencedor, fundou a cidade e tornou-se seu primeiro rex
.
ex
Rei, em latim.
Loba Capitolina. Autor desconhecido. Data: séc. XI-XII. Localização: Museus Capitolinos .
Saiba mais
Trata-se, naturalmente, de uma narrativa mítica, mas que produziu a imagem-símbolo mais popular
de Roma: a chamada Loba Capitolina, esculpida em bronze e inicialmente atribuída ao pintor
etrusco Vulca de Veios. No entanto, por meio da datação por radiocarbono, descobriu-se que o
artefato foi elaborado durante a Idade Média (séc. XI-XII). As crianças, como se percebe pela
diferença estilística, foram uma interpolação tardia, ocorrida provavelmente em 1471, quando a
estatueta foi doada à cidade de Roma e transferida para o Capitolino.
Patrícios
Plebe
Essa sociedade, fortemente ligada às atividades agrícolas, foi governada não só por reis latinos,
mas também por reis etruscos, cujas influências foram notáveis na estética e arquitetura latinas,
mas também na política, nos costumes e religião. No entanto, conta-se que a monarquia foi
derrubada pelos excessos de Tarquínio, o último rei etrusco. Ele teria violentado uma jovem
chamada Lucrécia que, por vergonha, cometeu suicídio. A reação dos romanos foi bastante
enfática: liderados por Júnio Bruto, expulsaram Tarquínio, aboliram a realeza e juraram jamais
permitir que a cidade fosse governada por outro rei. A mudança de regime garantiu a instauração
da República em 509 a.C.
A plebe passou a reivindicar mais direitos e deu início a uma luta social que persistiu por muitos
séculos. Em 450 a.C., as Leis das XII Tábuas foram escritas e não apenas se tornaram a base do
que veio a ser conhecido como Direito Romano, mas também instituíram direitos até então
inexistentes. Novas conquistas foram se acumulando, desde a autorização para casamentos entre
patrícios e plebeus à determinação de que um dos dois cônsules (magistratura mais importante da
República) fosse sempre plebeu. As lutas sociais e desigualdades entre as classes persistiram em
boa medida, mas, do ponto de vista institucional, as lutas da plebe garantiram muitos avanços.
No início, a ocupação de territórios na Península Itálica tinha uma proposta defensiva, visando
manter eventuais hostilidades distantes da urbe. Com o tempo, no entanto, as vitórias nas guerras
se mostraram extremamente lucrativas, tanto pela aquisição de novos territórios, com riquezas
naturais e terras agricultáveis, como pela escravização dos derrotados e insurgentes.
A situação muda significativamente quando Otávio, sobrinho-neto de César, assume o poder após
vencer a guerra particular contra Marco Antônio. Com respaldo do Senado, Otávio Augusto recebe
uma série de honrarias, que incluíram até mesmo mudanças no calendário: os meses de agosto e
julho passaram a ser assim nomeados em homenagem a ele, Augusto, e seu tio, Caio Júlio César.
Com uma série de obras públicas, Otávio garantiu trabalho para os cidadãos mais empobrecidos.
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Convulsões sociais no Mundo Antigo
Neste vídeo, discutiremos o conceito de convulsão social e conflito.
Questão 2
Roma foi um dos impérios mais vastos e longevos da História. Apesar de o termo “império”,
sua história tem formas políticas diversas e mediações de conflitos de modos variados. Em
relação às convulsões sociais do mundo romano, podemos afirmar que:
Roma tinha mais interesse em assegurar seu poder nas áreas conquistadas,
E assim, mantinha a cidadania controlada somente com os primeiros membros
das famílias romanas.
Neste módulo, você aprenderá sobre os fatores históricos que caracterizaram a história romana a
partir do século III e causaram transformações políticas, econômicas, sociais e culturais no mundo
romano e sobre como a historiografia tem se debruçado sobre esse período transitório.
O século III representa um marco temporal bastante significativo na história do Império Romano.
Nele, podemos identificar fatores políticos, econômicos, sociais e culturais que desencadearam
amplas transformações nos aspectos internos e externos do mundo romano.
Dado o amplo impacto que essas transformações propiciaram ao seu contexto, alguns
historiadores situam nesse século a “crise” do Império Romano. Contudo, há claras divergências
entre os historiadores sobre os fatores que desencadearam tal crise. Alguns, como Gibbon,
consideram que a difusão do cristianismo pelo Império corroeu as bases da cultura romana,
especialmente a religiosa, comprometendo, assim, o senso de identidade do cidadão romano, que
cada vez menos distinguia-se dos germânicos que adentravam no Império. Nas palavras do autor:
Contrapondo-se aos demais autores, Rostovtzeff (1926) atribuiu a queda de Roma a uma luta de
classes que reuniu camponeses e soldados em um conflito comum contra a elite proprietária de
terras no mundo romano que, a partir do século III, em função do fim das guerras de conquista que
alimentavam o Império com a sua mão de obra fundamental, a escravizada, aumentou a pressão
fiscal sobre o campesinato que, envolto em dívidas, perdeu as suas terras. A essa perspectiva, Ferril
contrapôs-se radicalmente.
Logo, o que está em jogo é desvendar os fatores que promoveram a desagregação do Império
Romano Ocidental. Após estudar os fatores históricos do período sob as óticas políticas,
econômicas, sociais e culturais, de acordo com Ferril, a queda de Roma no Ocidente foi este “estar
mais exposto às arremetidas bárbaras” (FERRIL, 1989, p. 23).
O fato é que, por fatores religiosos ou político-militares, o mundo romano do século III teve a sua
estrutura abalada por uma série de eventos internos e externos que comprometeram a integridade
do Império. Logo, longe de entender que a “queda” do Império Romano possa ser explicada a partir
de uma causa específica, consideramos que se trata de um fenômeno político complexo e
pluricausal. Passemos a considerar os fatores políticos, socioeconômicos e culturais que foram
desencadeados a partir do século III no mundo romano e que comprometeram a sua integridade.
Nessas cidades, desenvolveu-se “uma elite escravista, rica em terras e pessoas escravizadas, que
produzia produtos agrícolas e artesanais vendidos em todo o Mediterrâneo” (GUARINELLO, 2008, p.
11). Logo, o centro expansionista romano era “virtual”, no sentido de que a cidade de Roma era a
capital do império, mas politicamente a liderança encontrava-se não mais nela, e sim no “conjunto
de cidades da Itália, das colônias romanas e de todos os locais onde houvesse cidadãos romanos”
(GUARINELLO, 2008, p. 11).
A pergunta que se levanta para os estudiosos que estudam o Império Romano é:
Guarinello, divergindo de Ferril, atribui a manutenção da coesão romana não exclusivamente à ação
do exército romano, mas a um conjunto de tendências gerais identificadas no sistema imperial:
Guarinello considera, então, que a grande força política constitutiva do Império era o equilíbrio
mantido entre as forças políticas citadinas que o formavam e que representavam os seus principais
centros de distribuição de riquezas. Nas palavras do autor:
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Os “inimigos do lado de lá da fronteira” a que Ferril se refere também poderiam ser conhecidos
como povos bárbaros ou povos germânicos. Os romanos, a exemplo dos gregos, consideravam
como “bárbaros” os povos que viviam fora do “limes” (fronteira) romano e que não partilhavam da
sua cultura.
Ao levar adiante o seu projeto de expansão territorial, os romanos foram relacionando-se com
esses povos de diversas formas, que envolveram tanto a submissão militar quanto o
estabelecimento de pactos de federação.
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A forma como as autoridades romanas lidaram com esses “bárbaros” não foi homogênea, os
acordos estabelecidos e os mecanismos de controle foram diferenciados. Isso porque tais povos
não formavam uma entidade única, sendo caracterizados por uma ampla variedade de tipos étnicos
que se espalharam pelo território ocidental do Império a princípio situando-se nas atraentes
fronteiras onde podiam ter acesso aos produtos e aos bens ali produzidos, e posteriormente,
aproveitando-se da instabilidade política e militar, para iniciarem processos migratórios e invasivos
nos territórios imperiais.
A instabilidade política e econômica que caracterizou o século III romano sem dúvida ampliou os
movimentos de migração e de invasão das tribos germânicas e pressionou as autoridades
provinciais e imperais a criarem estratégias para lidar com essa ampla gama de povos ansiosos por
desfrutar das riquezas e dos benefícios que o mundo romano tinha para lhes oferecer.
Em busca da elaboração de uma história nacional que espelhasse as origens das nações europeias,
fortalecendo as lideranças políticas do período, especialmente em um contexto em que a
delimitação dessa identidade estava relacionada à necessidade de demarcar o seu espaço na
corrida imperialista que motivava os Estados europeus em busca de recursos para ampliar os seus
parques industriais, foram promovidos estudos étnicos, linguísticos e históricos que identificassem
os povos que, juntamente com os romanos, povoaram o continente europeu na Antiguidade e na
Idade Média.
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Os estudos filológicos implementados, sobretudo na Alemanha, e que serviram como modelo para
os demais países europeus, contribuíram para a difusão da noção de que as línguas nacionais
descendiam das línguas antigas faladas nas distintas regiões do continente. Os filólogos
identificaram quatro subfamílias linguísticas no continente europeu: germânica, eslava, românica e
helênica.
Os povos conhecidos como “bárbaros” com os quais os romanos tiveram contato em seu território
ocidental foram nomeados pelos filólogos do século XIX como germânicos, respeitando-se a
subfamília linguística. Como concluiu Patrick Geary:
(GEARY, 2005)
Logo, suevos, godos, bretões, jutos, saxões, vândalos, burgúndios e tantos outros povos foram
categorizados como “povos germânicos” e passaram a ser reconhecidos pela historiografia sob
essa nomenclatura. Veja o mapa a seguir que apresenta a localização de algumas das tribos
germânicas no território romano ocidental.
Mapa
Século III
O século III foi marcado pela instabilidade política crescente que indispunha generais e
imperadores a ponto de, em um período de duas décadas, Roma ter sofrido inúmeros golpes
de estado que conduziam generais ao trono imperial, os chamados “imperadores de caserna”.
close
Século IV
O século IV pode ser entendido como um momento em que as forças imperiais romanas
buscaram reaver o controle sobre a máquina governamental. Diocleciano (284-305),
Constantino e Teodósio foram aqueles que, em um projeto político quase continuativo,
buscaram fortalecer as bases políticas centrais do Império.
A principal medida tomada foi a divisão do Império em quatro zonas de comando. A tetrarquia
estabelecida, onde dois césares e dois augustos governavam concomitantemente as áreas
imperiais a ocidente e a oriente.
Busto de Diocleciano.
A entrada de soldados germânicos no exército significou um grande avanço nas relações entre os
romanos e algumas das tribos germânicas que se tornaram aliadas imperiais no combate a outros
povos germânicos que ameaçavam a integridade do território romano. Dessa forma, fica claro que
não havia entre os povos germânicos uniões políticas prolongadas ou mesmo união militar. Há,
sim, registros de formações de federações germânicas que tinham um caráter eventual e que
estavam condicionadas ao esforço conjunto de conquista de um território específico. Foi o caso,
por exemplo, dos godos que se organizaram entre ostrogodos e visigodos no entorno da Mésia, e
entre aliados e a exigência do reconhecimento de suas “autonomias” no século IV.
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O termo “romanização” surge na historiografia de fins do século XIX e início do XX para explicar o
contato entre os romanos e os outros povos, ou melhor, a forma como a adoção dos padrões
estéticos, das práticas de consumo e de produção dos romanos foi encontrada nas províncias e
nas regiões de fronteira do Império.
Um grande debate em torno do conceito de romanização vem animando a historiografia atual pelo
menos desde as décadas de 1970 e 1980, que tem rejeitado a noção de que a difusão da cultura
romana entre os povos germânicos representou a implantação da civilização sobre a barbárie.
Tal perspectiva difundida principalmente em fins do século XIX e início do XX, com o nascimento da
Antropologia Cultural, condenava a distinção das sociedades entre “civilizadas” e “bárbaras” e a
perspectiva evolucionista em relação aos modelos sociais, considerando, ao contrário, que cada
sociedade só pode ser efetivamente compreendida devidamente a partir das suas características
próprias, sem a utilização de modelos dicotômicos entre culturas superiores e inferiores que
expressam, em grande parte, uma perspectiva eurocêntrica.
Os movimentos nativistas da década de 1970 e 1980, em busca de um entendimento mais efetivo
sobre as bases históricas das nações em um contexto em que a descolonização e as novas
configurações políticas surgidas com o mundo da Guerra Fria e, mesmo, da sua dissolução, levou
os historiadores a debruçarem-se novamente sobre as matrizes historiográficas produzidas até
então para o estudo do Império Romano.
O uso do conceito de romanização, viabiliza o estudo do dinamismo das trocas dos mais diversos
níveis ocorridos na bacia do Mediterrâneo romano.Dessa forma, seria possível entender as diversas
dinâmicas que caracterizaram a interação entre romanos e germânicos nas diversas províncias do
Império
omanização
É criticado a utilização por ser genéricos e vinculado ao ideal de conquista romana.
Constantino abandonou a tetrarquia e retomou o controle central do Império, que tinha as suas
fronteiras frequentemente ameaçadas pelo deslocamento dos povos germânicos, o que fez com
que o imperador investisse em um exército móvel que se deslocasse a partir de um centro para
garantir as defesas do território imperial.
A transição do centro de poder para o Oriente
Rumo ao Oriente
Além dos investimentos militares, Constantino, cada vez mais consciente de que a sobrevivência
econômica do Império dependia das províncias orientais, transferiu, em 330, a sua corte imperial
para a cidade de Bizâncio, uma antiga colônia grega que desempenhava um papel comercial
primordial na dinâmica econômica do Mediterrâneo, e posteriormente ficou conhecida como
Constantinopla, atual Istambul, capital da Turquia.
E, segundo Wim Blockmans e Peter Hoppenbrouwers (2012, p. 24), além dos fatores apontados
anteriormente, o imperador Constantino também pretendia distanciar-se da classe senatorial
romana que pretendia se manter fiel ao paganismo, resistindo aos esforços do imperador que
empenhava-se em defender a expansão do cristianismo pelo mundo romano.
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Além disso, o deslocamento dos povos germânicos para o território ocidental do Império ampliou-
se ainda mais com a chegada dos hunos, povos de origem asiática, ao Ocidente.
Conduzidos por Átila, iniciou as suas expedições em 434, sobre as fronteiras orientais do Império e
as províncias dos Balcãs, e em 451, saqueou o norte da Gália, além de posteriormente promover
saques nas cidades da Planície do Pó, na Península Itálica.
Átila foi o governante dos hunos em 434-453.
O avanço das forças hunas aumentou significativamente a entrada dos germânicos no Império.
Sobre esse movimento, Jacques Heers chamou a atenção para o fato de que os grandes feitos de
armas ou combates decisivos que os cronistas se empenham em ressaltar, como a travessia do
Reno pelos vândalos e seus aliados, em 406, não foram a regra da forma como se desenvolveram
as relações entre romanos e germânicos. Nas palavras do autor:
Por meio de uma manobra política e militar, Teodósio (347-395) assumiu o trono imperial e
estabeleceu uma série de medidas administrativas que visavam garantir a sobrevivência
econômica do Império, além de conter o avanço dos germânicos nas fronteiras ocidentais. Dentre
elas, podemos situar o tratado de federação (foedus) estabelecido com os visigodos por meio do
qual o Império lhes cedia territórios e os inseria na defesa do Império, tendo o direito de manter os
seus próprios governantes e as suas armas. Como afirma Jacques Heers:
As tribos, populações ou povos inteiros, obtinham assim um foedus,
tratado que precisava as condições de estabelecimento dos federados
em terras abandonadas ou nos domínios de grandes proprietários
romanos.
Contudo, a medida político-administrativa mais impactante tomada pelo imperador foi a divisão do
Império Romano em duas partes:
A divisão do Império, por mais que inicialmente não tenha sido estabelecida para efetivamente
isolar as duas partes regiões, mas sim facilitar a sua administração, em longo prazo representou a
sobrevivência do Império no Oriente e a desagregação do domínio territorial romano no Ocidente.
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Blockmans e Hoppenbrouwers consideram que “Os imperadores do século IV fizeram tudo o que foi
possível para dar a Bizâncio — ou Constantinopla (“cidade de Constantino”) como logo passou a ser
chamada — alguma aura de Roma” (BLOCKMANS; HOPPENBROUWERS, 2012, p. 25) investindo em
obras públicas monumentais e “amenidades públicas” características da cultura urbana romana,
tais como: foros, termas, teatros e pistas de corrida.
No século IV, então, Bizâncio se tornou o centro político do mundo romano e ampliou
consideravelmente o seu escopo populacional, o que em muito esvaziou o prestígio da cidade de
Roma, que se viu mais exposta às lutas internas pelo poder e aos saques constantes realizados
pelas tribos germânicas.
Após diversos embates, Roma foi efetivamente dominada e saqueada por um povo germânico, os
hérulos, que depuseram o último imperador romano do Ocidente, Rômulo Augusto. O ano de 476 é
tradicionalmente considerado como o marco temporal do “fim” do Império Romano Ocidental, mas
o Império Romano Oriental, ou Império Bizantino, manteve-se íntegro até o ano de 1453, quando a
cidade de Constantinopla foi ocupada pelos turcos otomanos.
Queda de Constantinopla.
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Migração, invasão ou assimilação? Bárbaros e
romanos
Neste vídeo, veremos os conceitos de migração, invasão ou assimilação. Também falaremos sobre
bárbaros e romanos.
Inúmeras rebeliões que ocorreram nas províncias romanas a partir, sobretudo, do século III
fizeram parte de um debate sobre o que leva ao “fim” do Império Romano do Ocidente.
Identifique a alternativa que explica os fatores que levaram ao fim do Império Romano:
O debate sobre o papel dos bárbaros no fim do Império é construído por paixões, mas que ao
ser analisado de forma mais cuidadosa, é possível notar que está imerso em dinâmicas em
dois sentidos. Um dos fatores que explica o papel dos bárbaros no Império Romano a partir do
século III:
Aspectos socioeconômicos
Desmontando a economia
O Império Romano foi constituído com base na expansão territorial empreendida pela aristocracia
romana em busca de novas terras agrícolas, a partir da Itália, durante o período republicano.
O crescimento territorial experimentado com o avanço do poder imperial contribuiu tanto para
saciar o desejo dos aristocratas romanos por novas terras produtivas, mas também contribuiu para
que esse grupo aristocrático se diversificasse e entre eles fossem instauradas tensões políticas
que resultaram nas inúmeras revoltas provinciais.
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Nota-se, então, que o domínio territorial e político dessas famílias se estendia por todo o Império e
os cargos administrativos imperiais nas províncias. Conforme as forças romanas avançaram,
alguns desses cargos passaram a ser exercidos também pelas elites locais dos povos
conquistados que se integraram à estrutura político-burocrática romana e passaram a integrar-se à
aristocracia romana nas províncias, formando uma força política à parte que, conforme o século III
avançava, tornava-se cada vez mais rebelde ao poder central imperial romano.
Com o fim da expansão territorial romana e das guerras de conquista, principal motor de geração
da mão de obra escravizada, o Império enfrentou uma escassez de mão de obra que alguns
historiadores, como Anderson, consideram como um fator primordial na deflagração da crise do
século III.
A escassez da mão de obra escravizada ampliou a utilização da mão de obra camponesa livre. A
presença de pequenos e médios proprietários de terras foi ampliada na República romana, mas
durante o período imperial a força produtiva agrícola concentrava-se nos latifúndios controlados
pelas forças aristocráticas.
A tensão crescente nas cidades em função das revoltas internas e dos saques promovidos pelos
povos germânicos forçou a saída de uma grande fatia populacional das cidades para o campo.
Esse êxodo urbano liberou um considerável volume de mão de obra camponesa livre para atuar nas
vilas romanas pertencentes à aristocracia que, nesse momento, carecia da mão de obra
escravizada. Os latifundiários, então, acomodaram os seus escravizados em lotes menores e
deixaram que eles se autossustentassem recolhendo o excesso de produção.
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O resultado dessas transformações econômicas na área agrícola foi a criação e difusão das
relações de colonato. E quem era o colono? De acordo com Perry Anderson (1987, p. 90), era o
rendeiro camponês dependente, amarrado à propriedade de seu senhor, pagando-lhe aluguéis em
bens ou em dinheiro por lote ou trabalhando em seu cultivo em base de menção.
Os latifundiários, em geral, permitiam que os colonos retivessem metade do que produziam em seu
lote. Dessa forma, desobrigavam-se de prover o sustento dos colonos, garantindo somente o seu
acesso à terra e a defesa diante dos perigos militares (invasões, rebeliões, saques e pilhagens).
Os colonos também se encontravam isentos do serviço militar e o pagamento dos impostos por
eles efetuado era recolhido em suas aldeias, o que os colocava diretamente sob a autoridade
jurídica dos aristocratas, que aumentou significativamente entre os séculos IV e V. Logo, o
estabelecimento do colonato favoreceu o enriquecimento dos latifundiários e a formação de um
novo tipo de mão de obra que caracterizará a economia de fins do Império Romano e do início da
Idade Média.
Atenção!
É importante lembrar, contudo, que a escravidão não desapareceu do Império Romano, já que as
pessoas escravizadas atuavam nas mais diversas atividades agrícolas, artesanais, domésticas etc.,
sendo cada vez mais indispensáveis aos seus detentores em função da sua escassez.
Em geral, Roma se tornou consumidora dos luxuosos produtos vindos do Oriente, especialmente
aqueles que chegavam via rota da seda, que se originava no Extremo Oriente, e o mercado persa, e
que agradavam, sobretudo à aristocracia romana do centro e da periferia. Ao analisar os efeitos que
as mutações do século III trouxeram para a economia romana, M. Rostovtzeff concluiu:
Quanto à vida urbana, ela ficou bastante comprometida tanto devido à pressão fiscal exercida pelos
imperadores, quanto pelos saques e as pilhagens decorrentes das revoltas provinciais e dos
ataques germânicos.
Apesar de as grandes cidades terem tido as condições necessárias para manter o seu dinamismo
econômico por mais tempo, como foi o caso das cidades marítimas como Alexandria, Antioquia,
Éfeso e Cartago, o Império praticamente não investiu na fundação de novas cidades a partir do
século III. “Ao mesmo tempo, na maioria das cidades provinciais de tamanho moderado, o pulso da
vida começou a bater mais devagar”, concluiu Rostovtzeff.
Saques em Roma.
Em cada uma das províncias o processo de transformação das estruturas socioeconômicas se deu
de forma diferenciada, daí os historiadores atuais estarem mais interessados em estudar as
especificidades do processo histórico que se desenvolveu em cada região do que criar explicações
generalizantes para o entendimento desse quadro complexo que foi a desagregação do mundo
romano e a gestão do mundo medieval.
Alguns autores que professam uma abordagem marxista, como P. Anderson, defendem que foi
justamente a luta de classes que reuniu escravos, colonos e soldados insatisfeitos com o
domínio da aristocracia imperial sobre os meios de produção.
close
Peter Geary
Ambos os vínculos eram antigos na sociedade romana e se estenderam por todas as províncias,
conectando os proprietários de terras e os seus camponeses subordinados. “Nos tempos
turbulentos do final da Idade Antiga, a importância desses vínculos aumentou para ambas as
partes.” (GEARY, 2005, p. 89). Tais vínculos se estreitaram nos tempos de crise quando “Os
proprietários protegiam os camponeses dos cobradores de impostos e dos encarregados do
recrutamento militar e, em troca, fortaleciam suas próprias milícias com os habitantes de suas
terras” (GEARY, 2005, p. 89).
Por isso, os integrantes das revoltas ocorridas no século V não eram apenas indivíduos
escravizados e colonos, mas também senhores. “No entanto, não há indícios de que tais relações
se baseavam em uma identificação étnica ou nacional: eram relações de lealdade entre indivíduos e
famílias” (GEARY, 2005, p. 89).
Aspectos culturais
A cultura em disputa: legado ou assimilação
A partir da perspectiva de alguns autores que têm se debruçado sobre o estudo da transição da
Antiguidade para o Medievo, o cristianismo foi um dos fatores-chave para o entendimento desse
processo histórico. Vejamos essas perspectivas a seguir:
Arther Ferril
Autores mais clássicos como Ferril entenderam o avanço do cristianismo como a salvação do
Império, na medida em que lhe garantiu a continuidade política e moral necessária e
impedindo a sua implosão já no século III.
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Edward Gibbon
Apesar das posições antagônicas, os dois autores mencionados e seus seguidores reconheceram a
crescente influência que o cristianismo exerceu sobre o mundo romano, especialmente a partir do
século IV, quando gradativamente deixou de ser um culto ilícito e perseguido pelas autoridades
imperiais e tornou-se a religião oficial do Império.
Mesmo após a morte do seu fundador, o cristianismo, inicialmente considerado como uma seita
judaica, espalhou-se entre a população da Palestina e das áreas em torno dela e gradativamente
ganhou uma identidade religiosa própria, distanciando-se dogmaticamente do judaísmo em
algumas esferas.
Mosaico da lavagem dos pés na Basílica de São Pedro.
Apesar de desde o início ter caído em desgraça diante das autoridades romanas por rechaçar o
culto ao imperador, considerado um dos marcos cívicos fundamentais para qualquer cidadão, o
cristianismo sobreviveu e expandiu-se lentamente entre a população romana entre os séculos II e
III.
No século III, é perceptível a instalação de um clima de perseguição aos cristãos partindo das
autoridades imperiais e estima-se que isso tenha ocorrido em função da crescente influência do
cristianismo no exército e em outras instâncias burocráticas. As perseguições movidas pelos
imperadores Maximino, Décio e Valeriano obtiveram um efeito contrário, ao invés do cristianismo
arrefecer, tornou-se cada vez mais organizado.
O apedrejamento de Santo Estevão preso na Igreja dos Santos Cirilo e Metódiopor, Praga.
Saiba mais
Os adeptos do cristianismo, passando por cima das divergências quanto a questões dogmáticas,
estabeleceram comunidades eclesiásticas que se espalharam pelos territórios orientais e
ocidentais do Império.
Em um momento em que o Império enfrentava um período tão turbulento, a Igreja, mesmo nos
primórdios da sua organização, mostrava-se como uma instituição sólida e uma reserva moral para
uma população que via a estrutura imperial comprometida por uma crise que afetava a sua vida
cotidiana.
A expansão do cristianismo entre a população romana foi habilmente detectada por Constantino, o
Grande, que soube utilizá-la para fortalecer o poder imperial. Afora as questões relativas à
sinceridade da conversão de Constantino, o importante é o entendimento do que esse ato religioso
representou para o contexto do século IV e para o futuro do Império.
Constantino ascendeu ao trono impondo a sua autoridade militar sobre os outros generais com os
quais rivalizava o poder. A porção ocidental do Império se encontrava repartida entre os generais
Licínio e Constantino, que era responsável pela administração da Gália, Inglaterra e Espanha.
Maxêncio avançou sobre a Itália, território que também cabia a Constantino. Às vésperas da
batalha contra Maxêncio, Constantino disse ter tido um sonho em que o símbolo do crisma (ou uma
cruz, não há unanimidade nas fontes históricas do período) lhe foi revelado. Entendendo esse fato
como o sinal divino da sua vitória, Constantino mandou pintar o símbolo no escudo dos soldados e
terminou por vencer a batalha em 28 de outubro de 312. Esse episódio ficou conhecido como a
“Vitória de Ponte Mílvio”.
Imperador Constantino IX, um mosaico bizantino no interior de Hagia Sophia, Istambul, Turquia.
inal
In hoc signo vinces (com este sinal, vencerás).
Saiba mais
De acordo com Paul Veyne, esse sonho foi um prenúncio para a sua conversão. Longe de querer
impor a sua nova fé aos cidadãos do Império, Constantino soube utilizá-la estrategicamente para
fortalecer o poder imperial, embora Veyne insista em considerar que aos olhos do imperador o
cristianismo não era “uma ideologia a ser inculcada aos povos por cálculo político” (VEYNE, 2011,
p. 18).
Em 313, com a assinatura do Edito de Milão, Constantino tornou o cristianismo uma religião lícita
para o Estado e dessa forma os cristãos puderam professar livremente a sua fé.
Como Veyne chama a atenção, a conversão de Constantino não trouxe o fim das perseguições, já
que estas haviam finalizado antes da sua ascensão ao trono, mas garantiu que o cristianismo fosse
entendido como uma religião favorecida pelo Estado romano (VEYNE, 2011, p. 16). Isso porque o
imperador se colocou como o protetor dos cristãos e mandou construir diversas igrejas por todo o
Império para ajudar a difusão da nova fé.
O império cristão
Cristianismo em Roma
Com a benção de Constantino, a estrutura da Igreja se expandiu principalmente nos centros
administrativos do Império. No Concílio de Niceia, reunido em 325, a Igreja deu um passo bastante
importante na sua organização interna. Os patriarcas das cidades de Alexandria, Antioquia, Roma,
Constantinopla e Jerusalém se tornaram os principais líderes eclesiásticos, enquanto os
metropolitanos supervisionavam os bispos, que por sua vez supervisionavam os padres
responsáveis pelas paróquias. Dessa forma, configurou-se a hierarquia eclesiástica nesse primeiro
momento.
O afresco da cena como o imperador Constantino fala no conselho em Niceia (325), Sevilha, Espanha.
Era das famílias nobiliárquicas romanas que saíam os indivíduos que ocupavam os principais
cargos eclesiásticos, em grande parte em função de serem os poucos que tinham a formação
intelectual suficiente para desenvolver adequadamente os ofícios da Igreja.
Os membros desse clero hierarquicamente constituído passaram a exercer uma influência moral e
religiosa sobre a população, e a controlar as propriedades territoriais eclesiásticas.
Seguindo a política inaugurada por Constantino, após um período em que alguns imperadores
tentaram resgatar os antigos cultos romanos em detrimento do cristianismo, Teodósio (379 - 395)
tornou a religião cristã oficial no Império Romano. Em 380, Teodósio promulgou o Edito de
Tessalônica que tornou o cristianismo a religião oficial do Império. Esse edito pode ser entendido
como o coroamento do processo iniciado por Constantino e o estabelecimento da colaboração
decisiva entre Igreja e Estado.
Teodósio, então, iniciou uma política imperial que conciliava a afirmação da fé cristã, por meio da
lei de Deus, com as leis do Império. Dessa forma, pretendia manter a paz e a universalidade nos
campos político e religioso, promovendo a junção efetiva entre Igreja e Estado e combatendo as
heresias, o paganismo e a apostasia que ameaçassem a unidade eclesiástica e a integridade da fé
cristã. De acordo com Blockmans e Hoppenbrouwers:
A Igreja, portanto, nasceu à sombra da estrutura imperial, mas diante da desestruturação que o
Império experimentou, tornou-se a instituição romana que sobreviveu à Antiguidade e ganhou
feições ainda mais definidas na Idade Média. Entendendo-se como representante da vontade
divina, a Igreja foi em muito ampliando a sua atuação na sociedade conforme o vácuo político do
poder imperial romano aumentava.
Além de organizar-se internamente, a Igreja criou mecanismos para promover a difusão da fé cristã
entre a população das províncias romanas e entre os povos germânicos, especialmente aqueles
que adentravam no território imperial.
O projeto evangelizador foi desenvolvido, sobretudo, pelos monges que, por meio da constituição
de monastérios, aproximavam-se mais diretamente da população e ofereciam a ela o
conhecimento da fé cristã e a prática da caridade.
Curiosidade
As práticas monásticas adotadas pela Igreja tiveram origem na tradição oriental em que os monges
eram homens solitários e eremitas, contudo, os monges ocidentais eram cenobitas, viviam em
grupos e habitavam monastérios distantes das cidades e geralmente construídos em regiões
ermas como vales e florestas. Atuando diretamente sobre a evangelização do campesinato, os
monges agiam também como missionários itinerantes.
Com o apoio da Igreja, guardiã da cultura intelectual romana, foram firmadas noções como
monarquia e hereditariedade do poder entre os povos germânicos, embora em alguns deles elas
tenham alcançado uma fundamentação sólida, como foi o caso dos francos, e em outros elas não
tenham sido efetivamente implantadas.
Inspirando-se nos exemplos bíblicos dos reis cristãos e na tradição imperial romana, as autoridades
eclesiásticas cercavam os reis germânicos e legitimavam o seu poder e o da sua família por meio
da missão de governo atribuída aos reis pela vontade divina. Contudo, apesar de todo esse
arcabouço ideológico, a implementação efetiva do poder régio se deu de formas específicas entre
os diversos povos germânicos Alguns deles foram absorvidos por outros e nem chegaram a
os diversos povos germânicos. Alguns deles foram absorvidos por outros e nem chegaram a
constituir reinos autônomos de fato e outros, apesar de contarem com uma realeza relativamente
estruturada, não ficaram ilesos diante das crises sucessórias que se abriam a cada momento em
que o trono se encontrava vago, já que o princípio da hereditariedade como fundamentação para a
transmissão do poder ao sucessor não fora plenamente adotado.
Exemplo
Esse foi o caso dos visigodos, que tiveram o seu reino consumido pelas lutas sucessórias e, por
isso, não tiveram condições de resistir ao avanço dos muçulmanos sobre a Península Ibérica já no
século VIII.
Por meio da sua conversão e a do seu povo, alguns reis germânicos garantiram não só a
consolidação do seu poder, mas também o apoio administrativo e jurídico necessário para a
organização do seu reino. Foram os clérigos membros das cortes régias que fundamentando-se
nos rudimentos do Direito romano auxiliaram os reis em seu esforço legislador e ordenador de
registrar na forma de leis os seus costumes e organizar os primeiros conjuntos de leis germânicas.
A lei sálica, publicada em latim pelo rei franco Clóvis, a lei Gombette, promulgada pelo rei burgúndio
Gundebaldo, são exemplos dos conjuntos legislativos produzidos nesse período.
Lei sálica.
Relembrando
Lembrando, como Marcelo da Silva, que os historiadores costumam atribuir significado excessivo
aos marcos cronológicos largamente difundidos tanto no âmbito acadêmico quanto na educação
escolar por meio, sobretudo, dos livros didáticos (SILVA, 2008, p. 53), cabe considerarmos, para
concluir o nosso conteúdo, em linhas gerais, as proposições feitas por alguns historiadores quanto
à forma como podemos nomear esse período de tempo transitório entre a Antiguidade e a Idade
Média.
Afora a perspectiva marxista, o termo “Alta Idade Média” foi utilizado para representar uma espécie
de “período de trevas” que se situava entre o esplendor da Antiguidade e o período de renovação
que representou a Baixa Idade Média. Um caminho semelhante foi traçado por historiadores
franceses da primeira metade do século XX, como Ferdinand Lot, que “habituou-se a mostrar a Alta
Idade Média como o fruto da decadência do mundo romano, da corrupção e mesmo do
desaparecimento do legado antigo” (SILVA, 2008, p. 55).
Marcelo Silva aponta que, mesmo com as inovações trazidas pela historiografia francesa dos
Annales, os primeiros historiadores dessa escola tenderam a considerar a Alta Idade Média como o
prenúncio das mudanças que viriam no período baixo medieval. Seja pela difusão do modelo de
realeza cristã, como defendeu Marc Bloch, quer como um período em que o paganismo resistiu,
como postulou Jean-Claude Schmitt.
A perspectiva por meio da qual esses autores conceberam a Alta Idade
Média é marcadamente teleológica.
Contribuindo para discutir as possibilidades para o entendimento desse período transitório, Patrick
Geary chamou a atenção para a importância que ele tem para a historiografia, na medida em que
contém elementos simbólicos que foram largamente utilizados pela historiografia nacionalista do
século XIX na elaboração das histórias das nações europeias.
Em uma tentativa de reagir à perspectiva teleológica que foi aplicada ao termo “Alta Idade Média” e
à difusão das noções de ruptura e de decadência do mundo romano, historiadores como Peter
Brown talharam o termo “Antiguidade Tardia” para nomear esse período transitório. Assim como P.
Brown, o foco de Paul Veyne encontra-se “nas inovações, nas mutações e na criatividade do mundo
romano”, bem como nas “novas estruturas mentais, sociais e religiosas” que nelas se desenhavam
(SILVA, 2008, p. 57).
Longe de ser uma unanimidade, a noção de “Antiguidade Tardia” é também alvo de críticas de
historiadores como Mark Edwards e Arnaldo Marcone por negar a noção de ruptura e se concentrar
em noções associadas à continuidade — integração, assimilação, transição pacífica, entre outros, o
que promoveria um apagamento do impacto socioeconômico e político propiciado pelo quadro
contextual do século III em diante.
Seguindo uma linha alternativa aos usos já apontados do termo “Alta Idade Média” e tecendo
críticas ao conceito de “Antiguidade Tardia”, Hilário Franco Júnior, dentre outros historiadores,
utiliza o termo “Alta Idade Média” ou “Primeira Idade Média” para nomear o momento em que as
bases culturais do mundo medieval foram forjadas com base nas referências da cultura romana, a
saber:
Romanismo
Do qual foram herdadas as bases políticas que fundamentaram as realezas germânicas.
Germanismo
Que legou à sociedade medieval a firmeza dos vínculos pessoais pautados na fidelidade.
Ou seja, independentemente do uso meramente cronológico que façamos desses termos, eles
trazem em si uma gama de significados históricos e historiográficos diferenciados. Entretanto, eles
têm em comum o fato de que reconhecem os séculos finais do Império Romano e os iniciais da
Idade Média como períodos transitórios, marcados por profundas transformações políticas,
econômicas, sociais e culturais, que ainda hoje precisam ser desvendadas por seus estudiosos.
video_library
Economia e crise: relações no fim da Antiguidade
Neste vídeo, serão abordadas as relações no fim da Antiguidade.
A inserção e a atuação dos membros do clero nas cortes dos reis germânicos
E era pouco significativa, pois a autoridade religiosa e política desses reinos eram
exercidas pelos sacerdotes dos cultos locais.
Questão 2
Para nomear o período de transição da Antiguidade para a Idade Média, alguns historiadores,
como Peter Brown, utilizam o termo “Antiguidade Tardia” para classificar esse contexto
histórico. Assinale a alternativa que apresenta a proposição correta acerca do uso desse
termo:
Considerações finais
Os debates acerca do fim do Império Romano e o início da Idade Média envolvem paixões. Muito
mais que um posicionamento político, historiográfico, a questão passa por um estudo sobre como
a busca de perceber como algo tão belo desapareceu, ou como uma nova força veio e conquistou a
grande Roma, ou ainda, que catástrofe se abateu sobre o mundo, marcando formas de disputa
entre os investigadores.
A verdade em História precisa ser uma demanda superada, assim como a arqueologia reconstrutiva
do que aconteceu exatamente. Sendo assim, passamos a investigar as modificações econômicas e
culturais que nos fornecem pistas sobre o momento.
Por fim, centramo-nos na historiografia e em como historiadores, ao ver uma mesma questão
histórica, são capazes de embater e de ter visões distintas sobre os eventos.
headset
Podcast
Neste podcast, apresentaremos um resumo de todo o conteúdo.
Referências
ANDERSON, P. Passagem da Antiguidade ao Feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1987.
FERRIL, A. A queda do Império Romano. A explicação militar. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.
GEARY, P. O mito das nações ou a invenção do nacionalismo. São Paulo: Conrad Editora do Brasil,
2005.
GIBBON, E. Declínio e queda do Império Romano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
SILVA, M. C. da. Entre “Antiguidade Tardia” e “Alta Idade Média”. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 12, n.
2/n. 3, p. 53-64, 2008.
VEYNE P Quando nosso mundo se tornou cristão (312-194) Rio de Janeiro: Civilização Brasileira
VEYNE, P. Quando nosso mundo se tornou cristão (312 194). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2011.
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Para saber mais sobre os assuntos tratados neste conteúdo:
Assista ao filme A Última Legião (2007), e perceba como esse ideal ainda existe no imaginário até
os dias de hoje.
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