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ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. Marc Bloch. In: MALERBA, Jurandir.

Lições de História: Da
história científica à crítica da razão metódica no limiar do século XX. Porto Alegre: Editora FGV e
ediPUCRS, 2014. p. 417-461.

Professor Carlos Rojas é mexicano, nascido em 1955, Doutor em economia e pós-doutor


pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) onde leciona na Escuela Nacional de
Antropología y História. Possui vasta produção sobre história crítica, um dos expoentes dessa
interpretação no México, e talvez o “Antimanual del mal historiador”, de 2005, seja um livro
indispensável para pensar o fazer história. Possui publicações sobre a História Nacional do México,
em especial sobre a atualidade e o movimento (neo)zapatista, além de signatário da Sexta
Declaração da Selva Lacandona de 2005. Possui publicação inclusive na revista Diálogos da UEM.
O texto traz dois momentos bem declarados: o primeiro trata-se de um escrito de Rojas
sobre a trajetória de vida tanto científica (na produção histórica) quanto intelectual (na participação
social) de Marc Bloch, o que demonstra formas de se pensar o papel do historiador na sociedade
que o circunda, mesmo que não de forma militante, em partido ou agremiação política, mas também
na formação acadêmica, dividindo a explanação em momentos cronológicos e articulando-os com
os contextos que os envolvia; num segundo, traz um texto do próprio Bloch intitulado “Como e por
que trabalha um historiador”, o qual é formado por anotações para a disciplina que ofereceu na
Universidade de Estrasburgo, cujo campus foi evacuado em 1940 devido à ocupação nazista. Em
traços gerais, apenas para questão introdutória, um dos objetivos de Rojas é justamente, ao pensar o
momento histórico de intensificação de perspectivas pós-modernas (da publicação atual em 2014),
relembrar o papel social do historiador dando como exemplo a vida e os ensinamentos de Bloch, no
sentido de destacar o importante ato de se fazer e pensar a História.
Nascido em Lyon em 1886, Marc Bloch era pertencente a uma família “modestamente
abastada”, que se muda para Paris pouco tempo depois de seu nascimento. Assim, passa sua
infância e adolescência no círculo de amizades e conhecimento de seu pai, Gustave Bloch,
historiador especialista em antiguidade romana. Essa aproximação precoce e o acesso aos bens
culturais, históricos e à historiografia produzida na França do período foi capaz de lhe fomentar o
caminho da ciência histórica. Um dos caminhos que o envolvem também passam pela origem
judaica que, tanto o aflige devido ao contexto do antissemitismo e das Guerras Mundiais, quanto o
constitui como herança cultural e capacidade histórica, em termos cosmopolitas e poliglotas, ao
mesmo tempo que é basilar na produção de reflexão e crítica sobre o método histórico metódico,
marcado pelo positivismo, já presentes nas anotações de 1906 (p. 424).
Num segundo momento, marcado pela expansão rumo à pós-graduação e aos estudos
específicos, Bloch acaba por receber uma bolsa de estudos e ir à Alemanha, onde adquire os traços
germânicos de sua análise, a maturação da História Social e Econômica, as quais eram periféricas
na França, além disso, todo seu processo formativo foi capaz de assegurar a implicação que se vê
em sua monografia L’Ile de France que discute história regional e coloca em questão a necessidade
de alinhar, para mais que mero proselitismo específico de interesse apenas aos atores regionais, os
regionalismos com a história geral, que contemple “uma pergunta de interesse geral colocada aos
documentos que provém de uma determinada região” (p. 428). Será professor do Liceu de
Montpellier em 1912-1913 e depois no Liceu de Amiens em 1913-1914 e, com a eclosão da Guerra,
mobiliza-se no front e se torna combatente. Em 1920 obtém o título de doutor e, desde 1919, passa
a lecionar em Estrasburgo, formando sua aliança com Lucien Febvre. Com a experiência do
combate na Primeira Guerra, publica em 1921 Reflexões de um historiador sobre as falsas notícias
da guerra, considerando o conflito como uma experiência de psicologia social, analisando os
rumores e as formas que se espalha e adquire legitimidade ante a consciência coletiva, o que se
assemelha, em partes, ao que se configura como notícia nos períodos medievais e antigos e que
acaba por criar fantasias e certas histerias coletivas, que serão fruto de análise de Bloch na
posterioridade, como nos Reis Taumaturgos de 1924 (destaque para a excepcionalidade das
lideranças de qualquer ordem como uma persistência da atualidade que é até certo ponto explorada
pela psicologia de Carl Gustave Jung e à criação de um modelo de análise dos eventos sociais,
culturais e de poder relacionados à tais formulações do consciente coletivo). É nesse momento
também que Bloch passa a ser conhecido fora da França e a dar palestras em outros países bem
como em ter seus escritos traduzidos e publicados no exterior. Além disso é o momento de
articulação e publicação da revista de história econômica e social Annales d’Histoire Economique
et Sociale com Febvre que criticava a constância da história política metódica, como também da
publicação de Sociedade Feudal (1939-1940 e que apresentará “um modelo global de explicação da
estrutura social do mundo e da civilização europeia durante sua específica etapa medieval” p. 437,
mas que também pode ser utilizado para outras sociedades ou outros períodos) e Les caracteres
originaux de l’histoire rural francaise (1931, em que propõe a leitura das características agrárias
que envolvem os atores desse ambiente e a funcionalidade e/ou importância de tais traços para o
contexto, na qual Rojas destaca parte do “terceiro mundo” como objeto). É também o período em
que Bloch acaba por definitivamente ater-se ao trabalho acadêmico em detrimentos das ações de
prática política ou social.
Já no caminhar de suas atividades, na expansão das publicações dos Annales e no momento
que publicava Sociedade Feudal, eclode a Segunda Guerra Mundial, conflito que fará com que
Bloch abandone a atividade acadêmica e participe ativamente do combate, em que passa a discutir,
e que aparece em A Estranha Derrota (redigido em 1940 e publicado em 1946), o papel dos
intelectuais no conflito e na sociedade em geral de 1919-1939. Um trecho de representação: “se o
intelectual não assume o seu compromisso social com o próprio presente e com a sociedade onde
vive, torna-se igualmente responsável, pela omissão, do destino e dos rumos que essa sociedade
toma no momento de ir ao encontro de seu futuro específico” (p. 440). Com as mudanças que
ocorrem em termos de contexto como também na vida pessoal de Bloch, o mesmo acaba por
radicalizar suas posições, abandonar as cátedras de Paris, romper com Febvre, voltar a Lyon e
participar dos Movimentos Unidos de Resistência Francesa contra os nazistas. É nesse período
também que escreve a inacabada Apologia da História ou Ofício do Historiador, em que tem como
base questionar “para que serve a história?”. Inacabada quando em 1944 o avanço nazista sobre a
França livre torna-se preocupante e Bloch termina preso em 8 de março de 1944, torturado e
assassinado em 16 de junho.
Partindo para a leitura das anotações de Bloch (após um período de pausa para reflexão e
condolências), tem-se, logo de início, os objetivos da aula a ser dada: conselhos de ordem técnica e
os métodos, metas e problemas, ou, “do como e do porquê” (p. 446) se faz a história. Assim, parte
para a disciplina em duas partes: a primeira com relação ao testemunho histórico, a natureza e a
crítica do testemunho, neste sentido apresentar as fontes, onde se localizam tais vestígios, quais são
as lacunas impossíveis de serem preenchidas e por que, isto é, em como a ciência histórica, como
fruto dos vestígios do homem em um espaço e tempo, está fadada à verificação desses vestígios.
Assim, um conselho prático e técnico, classificar os testemunhos nas quais ele indica dois tipos:
conforme as finalidades/natureza (intencionais ou não) ou conforme suas características
externas/tipo de fonte (escritos ou de objetos) Quanto à crítica, trata-se de analisar a aplicabilidade
do testemunho à realidade e entender se se trata de uma falsificação ou não. Isto é, para além do
sentido instrumental/de objeto da falsificação (copiar algo raro para se mostrar como verídico) mas
também da intencionalidade que envolve o testemunho em termos de poder, de realidade, das
formas de se escrever, das datas, dos materiais utilizados na produção do testemunho, como
também por serem ou não fantasiosas, estarem distantes da realidade e se aproximarem mais de uma
formulação do autor que uma condição social capaz de se sustentar ante outras fontes (Skinner
Fundações do pensamento político moderno dá um exemplo quanto a isso), além do plágio e das
estatísticas; a segunda, a interpretação do testemunho. Essa interpretação perpassa em si o ofício do
historiador de analisar, perceber, conceber, destrinchar o histórico, entender as premissas de tempo,
cronologia e espaço, das relações entre os contextos, das rupturas e das continuidades. Aqui Bloch
faz várias ressalvas e pontos que abrem inúmeras discussões (importantes) as quais apenas
exemplifico para não me alongar: história global ante específica ou ainda as linhas e divisões entre
o campo das ciências humanas e sociais; conhecer e não julgar; tempo presente; história como
ciência da experiência; passado e presente; mito da origem.

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