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Teorias e Correntes Historiográficas

A corrente dos Annales


A Revista Síntese, durante os anos de 1920 e a Revista dos Annales,
durante a década de 1930, opõe-se contra o domínio da escola positivista.
Trazem uma nova corrente historiográfica, que despreza o
acontecimento, insistindo na longa duração. A sua preocupação é a
atividade económica, a organização social e a psicologia coletiva, em
detrimento da vida política. Inicia uma aproximação da história às ciências
humanas.
Lucien Febvre, March Bloch e Fernand Braudel, iniciam um
“combate”, contra a escola metódica. A escola dos Annales impõe-se após
a Segunda Guerra Mundial. Fazem uma incursão pela geografia histórica,
pela economia e demografia históricas, exercendo uma grande influência
por toda a Europa Ocidental, na América Latina e nos Estados Unidos
Febvre e os Annales
Em 1900, aparece a Revista Síntese, criada por Henri Berr. É o ponto
de encontro de sociólogos, como Durkheim, geógrafos como Vidal de la
Blache, economistas como Simiand, psicólogos como Wallon e
historiadores opositores ao positivismo como Febvre. Quando Berr, em
1920, lança a sua coleção intitulada “A Evolução da Humanidade”, Febvre
dá a sua contribuição, com a “A Terra e a Evolução Humana”.
Lucien Febvre, é um adepto do género da biografia. Confronta o seu
“herói” com a sociedade do seu tempo. Reflete sobre o personagem para
explorar as mentalidades coletivas. Esta sua atitude está patente em “Um
Destino: Martinho Lutero e o Problema da Descrença n Seculo XVI: a
Religião de Rabelais”.
Com Bloch cria em 1929, a revista “Les Annales d’ Historie
Économique et Social”.
No primeiro número da revista enumera dois objetivos:
1 - Eliminar o espírito de especialidade, promover a
pluridisciplinaridade e favorecer a união das ciências humanas;
2- Passar da fase dos debates teóricos de “A Revista de Síntese” para
a das realizações concretas.
A partir de 1946, a revista passa a chamar-se. “Les Annales,
Economies, Societés e Civilizations”. A partir deste momento,inflete a sua
orientação da história económica e social, para a história das mentalidades.
Para Febvre a história não pode ser concebida como uma sequência
de acontecimentos, deduzidos a partir de apenas documentos escritos. A
história é também feita a partir de fontes não escritas, como é caso de
vestígios arqueológicos, fazendo também o apelo às ciências mais
próximas, como a linguística ou a etnologia, opondo-se em todos os pontos
à escola metódica.
Apelando à história total, aborda aspetos das atividades humanas. Na
sua uma obra modelo intitulada O Problema da Descrença no Século XVI: a
Religião de Rabelais, Febvre leva a história em direção ao estudo das
estruturas mentais, privilegiando o estudo dos modos e pensar dos
indivíduos de uma mesma época.
Bloch: o Ofício de Historiador
Marc Bloch começa por ensinar história nos liceus e posteriormente
na Universidade e Estrasburgo. É aqui que conhece Febvre e com ele funda
a revista Les Annales d'Histoire Économique et Sociale. Bloch é um
especialista em história medieval e as suas obras principais são: Os Reis
Taumaturgos, um estudo sobre o carácter sobrenatural atribuído à realeza,
particularmente em França e em Inglaterra; Os Caracteres Originais da
História Rural Francesa, uma análise da evolução das estruturas agrárias no
Ocidente do século XI ao século XVIII; A Sociedade Feudal, uma síntese
sobre a organização social na Idade Média.
Sofre as medidas antissemitas dos ocupantes nazis e dos
colaboradores franceses, devido à origem judaica. Em 1942, depois da
invasão da zona livre de França pelas forças alemães, passa à
clandestinidade e torna-se membro da Resistência. Em junho de 1944, é
preso, torturado e fuzilado pelos nazis.
Durante o ano de 1941, Bloch faz uma reflexão sobre a escola dos
Annales. O seu manuscrito apesar de incompleto é publicado, mais tarde,
por Lucien Febvre, com o duplo título Apologie pour L’ Historie ou Métier
d'Historien, em português, Apologia da História ou o Ofício de Historiador.
Apesar da sua fragmentação, torna-se no manifesto da escola dos
Annales, apresentando-se como uma resposta ao manual publicado por
Langlois e Seignobos. É menos crítico que Febvre no que respeita à “história
historiozante”, apreciando a escola erudita alemã, Renan e Fustel de
Coulanges, que devolveram à erudição a categoria intelectual. Tal como
Febvre, condena a falta de ambição dos historiadores “positivistas”.
Diziam eles que aqueles estavam: “preocupados com as dificuldades,
as dúvidas, os frequentes recomeços da crítica documental, tiraram destas
constatações uma lição de humildade desiludida: a disciplina à qual
votavam os seus talentos não lhes pareceu capaz, nem no presente de
conclusões bem seguras, nem no futuro de muitas perspetivas de
progresso”.
Ao contrário do que defendem Langlois e Seignobos, Bloch diz que
não há limitação no número de documentos. Aponta como outras fontes
históricas, da arqueologia, artísticos e numismáticos.
Segundo o historiador, o conhecimento, por exemplo, das invasões
bárbaras depende tanto do exame das crónicas ou cartas, como também
podem depender da arqueologia funerária e da nomenclatura dos locais.
Diz Bloch, que: “as imagens pintadas ou esculpidas, a disposição e o
mobiliário dos túmulos têm, pelo menos, tanto a dizer-nos como muitos
escritos”. No estudo da Idade Média Bloch, não se detêm nos cartulários,
nos atos de chancelaria e nas vidas dos santos. O seu interesse vira-se para
os tesouros enterrados nos períodos de perturbações, levando-o a esboçar
uma história monetária da Europa.
Bloch vai avançado para novos domínios do conhecimento histórico,
como é caso dos factos económicos. Nota-se uma influência da obra de
Marx, relativamente ao relacionamento das estruturas económicas e das
classes sociais como também do estudo das flutuações económicas na base
da série de preços segue os trabalhos do economista Simiand e do
historiador Hauser.
Bloch defende ainda que a história económica se volte para o mundo
contemporâneo.
Alarga o campo da história para outras direções: a pré-história e o
folclore. Iniciado na etnologia, escreve Os Reis Taumaturgos, onde examina
a dimensão mágica da autoridade monárquica, nomeadamente o poder
atribuído ao rei Capeto de curar, pelo simples toque, as escrófulas. Mas a
obra-prima de Bloch é Os Caracteres Originais da História Rural Francesa,
do Século XI ao Século XVIII, onde observa, numa duração muito longa, as
formas da ocupação do solo, as técnicas de produção, os modos de
povoamento, os quadros senhoriais, as práticas comunitárias.
Bloch preocupa-se com a necessidade de dar aos jovens
investigadores de história uma aprendizagem em epigrafia, paleografia, em
diplomática. Junta-lhe a iniciação à arqueologia, à estatística, à história da
arte, às línguas antigas e modernas. Não bastando isto, que pratica o ofício
de historiador tem que conhecer as ciências vizinhas, como é o caso da
geografia, da etnografia, da demografia, da economia, da sociologia, a
linguística. Não sendo possível concentrar estas aptidões num mesmo
indivíduo, deve colocar-se a possibilidade de aliar as técnicas praticadas por
diferentes técnicos. Tal situação, supõe um trabalho por equipas que
envolvam especialistas de diversas disciplinas.
O historiador deve ter a paixão de compreender, renunciando, tanto
quanto possível ao juízo de valor. O historiador deve submeter-se uma
espécie de purificação, libertando-se dos seus preconceitos, dos seus
sentimentos e das suas referências intelectuais. Tal situação de abstração,
de recusa do juízo moral, da exclusão de todo o finalismo não significam
uma fuga perante os problemas da sociedade do seu tempo.
O seu envolvimento e empenhamento na Resistência, Bloch
testemunha que o historiador não se encerra numa torre de marfim.
Bloch trás um novo paradigma. É preciso compreender o passado a
partir do presente e compreender o presente à luz do passado. É este
vaivém perpétuo e infinito entre o passado e presente, que permite
enriquecer o conhecimento das sociedades antigas e esclarecer sobre ela
mesma a sociedade atual.
Braudel: Os tempos da história
Fernand Braudel, por sugestão de Febvre, transforma um tema de
tese convencional, “A politica mediterrânica de Felipe II”, numa obra que
se torna num inquérito original sobre “O Mediterrâneo na Época de Filipe
II”. É uma forte mudança de perspetiva. O Mediterrâneo é a obra de uma
vida. Trata-se de um livro em que a inovação metodológica fixa o “tipo-
ideal” da tese para várias gerações de historiadores.
Nesta obra, o personagem central não é Filipe II, mas sim o
Mediterrâneo. Braudel impregnou-se da geografia humana de Vidal de la
Blanche, das teses de Blanchard, que davam conta da formação das
paisagens ao considerarem as evoluções históricas, da experiência de
Febvre, que iniciara o diálogo entre a geografia e a história.
Braudel tenciona edificar uma geo-história, nua perspetiva de colocar
os problemas humanos tal como os vê, divididos no espaço e, sempre que
possível cartografados numa geografia humana inteligente.
Faz da tradicional geografia histórica, dedicada ao estudo das
fronteiras, sem preocupação da terra, do clima, das plantas, dos animais,
uma geografia humana retrospetiva.
Obriga os geógrafos a prestar mais atenção ao tempo e aos
historiadores, inquietaram-se com o espaço, concebendo a pluralidade das
durações, chegando à distinção de um tempo geográfico, de um tempo
social, de um tempo individual.
Podemos dizer que Braudel fixa dos escalões. Primeiro, uma história
quase imóvel, a do homem nas suas relações com o meio que o rodeia, feita
muitas vezes de regressos insistentes, de ciclos sempre recomeçados.
Braudel descreve as montanhas e os montanheses, com os seus costumes
ancestrais; as planícies litorais com as suas águas estagnadas e os seus
habitantes roídos pela malária; as “planícies líquidas”, cujas costas, ventos,
correntes impõem as formas e os ritmos da navegação; as ilhas, que são
escalas para os marinheiros, ninhos de piratas, focos de emigração.
O tempo geográfico parece confundir-se com a eternidade; o espaço
mediterrânico quase não mudou entre Augusto e Filipe II. Todavia, a
impressão de permanência deve ser corrigida.
Durante séculos, o clima registou variações, a vegetação degradou-
se, os locais das cidades foram modificados. Assim, a observação geográfica
leva a “verificar as oscilações mais lentas que a história conhece”.
Um segundo escalão, com: “uma história lentamente ritmada, a
história social dos grupos e agrupamentos”.
Braudel desenha os eixos de comunicação terrestres e marítimos,
avalia as distâncias comerciais, a dimensão dos mercados, o raio de
influência dos portos.
Avalia o crescimento demográfico, conta os homens e analisa a sua
repartição, assinalando as regiões vazias e as cheias. Interessa-se pelos
mecanismos monetários. A abundância dos metais preciosos provoca um
aumento dos preços, segundo uma tendência secular, modulada por
flutuações decenais. O movimento dos preços tem incidência sobre os
rendimentos. Os negociantes e os senhores enriquecem, os operários e os
camponeses empobrecem.
Num terceiro escalão: “uma história tradicional, com oscilações
breves e rápidas, não à dimensão do homem, mas do indivíduo. Apresenta
os impérios, as suas instituições, populações e forças militares. Passa em
revista os principais acontecimentos, não se detendo num género tão
tradicional.
Braudel, ao dar atenção à “história-batalha”, fez uma concessão à
escola “positivista”. Como representante da escola dos Annales, relega
esses acontecimentos para segundo plano.
Mas em termos gerais Braudel, permanece fiel às orientações de
Febvre e de Bloch, em que defende a unidade das ciências humanas e tenta
fundar uma história total, mantendo a ligação entre o passado e o presente.
Após a fundação da corrente dos Annales, o historiador faz-se
economista, antropólogo, demógrafo, linguista.
A história torna-se um dos ofícios menos estruturados da ciência
social e por isso mais flexível. Passa a haver uma história económica, uma
história demográfica e uma história social.

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