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41012 – Antropologia Geral II

Apontamentos de: Jorge Loureiro


E-mail: jorgel@sapo.pt
Data: 28.05.2008

Livro: Antropologia Geral (Armindo dos Santos)

Nota: Matéria referente ao ano lectivo 2007-2008 (Doutora Teresa Joaquim)


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1. Os principais desenvolvimentos
históricos da ciência antropológica
1.1 As principais teorias e escolas
1.1.1. O evolucionismo
O estudo das sociedades humanas vivas, na continuidade das
interrogações renascentistas sobre a alteridade (ou seja, o outro
forçosamente distante e desconhecido), só passou a representar um
interesse real, a partir do momento em que foi possível obter
informações sobre sociedades muito afastadas e estranhas para os
europeus pelo contacto directo com elas. Anteriormente tinha-se
especulado muito sobre essas sociedades sem ser possível observá-las.
Independentemente dos interesses materiais em causa, as primeiras
descrições, muitas vezes fantasiosas, mas em certos casos bastante
reveladoras de mundos diferentes e intrigantes para os europeus do
século XVI, suscitavam a curiosidade dos espíritos pelas revelações que
eram feitas acerca das novas criaturas humanas, até aí desconhecidas,
e dos seus modos de viver.
As descrições de viagens pelos portugueses são várias e extraordinárias
para a época, entre as quais não se pode deixar de citar: a Crónica do
Descobrimento e Conquista da Guiné de Gomes Eanes de Zurara
(1410-1474) onde é descrito o contacto dos portugueses com as
tradições dos guineenses; o Roteiro de Viagem de Vasco da Gama,
redigido em 1497 e atribuído a Álvaro Velho, onde é feita a descrição do
encontro entre os portugueses e os habitantes da baía de Santa Helena,
assim como com os habitantes da enseada de São Brás; a Carta de
Pêro Vaz de Caminha, escrivão que viajou com Pedro Álvares de Cabral,
fascinado pelas gentes que via pela primeira vez à chegada ao Brasil,
enviou uma volumosa carta de várias páginas ao Rei D. Manuel a relatar
as suas impressões sobre os ameríndios: o aspecto, os
comportamentos, os ornamentos, como reagiam ao vinho de uva
elemento de civilização de expressão máxima por excelência. Pode
ainda referir-se a obra Etiópia Oriental de Frei João dos Santos (1609)
onde são dadas informações sobre os costumes, as artes e ofícios,
modos de vestir, tatuagens, enfeites de cabeça, dos vários povos da
costa oriental de África e designadamente dos macuas do Norte de
Moçambique. Mas existe ainda o notável relato das aventuras de viagens
de Fernão Mendes Pinto (1510-1583) pelo Oriente, em Peregrinação,
cuja avaliação científica está por fazer a fim de destrinçar a parte de
fantasia eventual e a parte autobiográfica, onde o autor revela usos e
costumes das gentes com que se encontrou; posteriormente, durante os
séculos XVIII e XIX, outros numerosos relatos foram elaborados como o
de Lacerda, nas Viagens a Cazembe; ou de António Gil, Considerações
sobre alguns pontos mais importantes da moral religiosa e sistema de
jurisprudência dos Pretos do Continente de África Ocidental Portuguesa
além do Equador, tendentes a dar alguma ideia do carácter peculiar das
suas instituições primitivas (1854). Segundo J. Poirier [1968], António Gil,
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considerado um excelente observador, terá sido o primeiro a referir,


mesmo antes de Bachofen, o modelo de sucessão matrilinear.
Tornava-se evidente a diferença constatada entre as sociedades
reportadas pelas descrições que delas eram feitas e o modelo de
progresso representado pelas sociedades europeias, levando assim a
concluir que umas seriam menos evoluídas que outras e as mais
evoluídas teriam tido origem num estado primitivo idêntico, confirmado
pelo que parecia ser a evidência demonstrada pela própria diferença.
O evolucionismo sociológico e a procura das leis do progresso, nos
seus contornos modernos da época – que vai da segunda metade do
século XIX até à segunda década do século XX –, constitui-se a partir
das teorias biológicas da evolução, inspiradas dos trabalhos de
naturalistas como Lamarck (1744-1829) que descreve os processos de
evolução biológica e a correlação entre meio ambiente e estrutura
biológica.
A constatação da diferença, que se considerava corresponder a vários
estados de desenvolvimento das sociedades, era obtida em função dos
critérios de comparação com o modelo histórico de evolução das
sociedades europeias do século XIX e XX. Forja-se assim, uma
concepção evolucionista auto-centrada na história. É a partir desta
concepção, que se coloca a questão da elaboração de uma tipologia das
sociedades e dos quadros culturais da humanidade existentes na altura.
A sua elaboração pressupunha a definição de estados pelos quais
teriam passado todas as sociedades, umas mais rapidamente, outras
mais lentamente – assim como o estabelecimento das leis permitindo a
passagem de um estado para o outro. O processo de evolução a que
todas as sociedades teriam de se sujeitar, corresponderia à sucessão,
mais ou menos rápida, de um movimento de desenvolvimento
unilinear, segundo mudanças cumulativas e irreversíveis comuns a
todas as sociedades, reflectido pelas características das suas
instituições, das suas técnicas, etc.
Comparado com o processo histórico, o evolucionismo sociológico
difere dele pelo facto de não ser identificável por uma cronologia de
acontecimentos de forma precisa, nem no tempo nem no espaço. Nestas
condições, os processos evolucionistas, forçosamente apoiados numa
história hipotética, porque dependente de reconstituições
conjecturais sobre períodos muito remotos, não eram demonstráveis e
muito provavelmente nunca o serão.
As primeiras figuras mais proeminentes da época evolucionista não
tinham formação antropológica e as suas especialidades iniciais eram
muito diversas: J. J. Bachofen (1815-1897), L. H. Morgan (1818-1881),
H. J. S. Maine (1822-1888), J. F. MacLennan (1827-1881), eram juristas;
A. Bastian (1826-1905) médico; mas também biólogos ou geógrafos
como o alemão F. Ratzel (1844-1904) fundador da antropogeografia.
Bachofen, na Alemanha, Maine e MacLennan, na Grã-Bretanha, e
Morgan, na América, foram os principais representantes das teorias
evolucionistas sobre os estados primitivos da evolução social.
Morgan, apresentava os três principais estados pelos quais teriam de
passar todas as sociedades a fim de atingirem o progresso: a selvajaria,
a barbárie e finalmente a civilização. O homem moderno teria assim
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passado da selvajaria para a barbárie depois de ter inventado a olaria e


atingido a civilização após ter criado a escrita.
Estes estados principais, correspondentes a períodos conducentes ao
progresso, eram por sua vez subdivididos em outros tantos períodos cuja
passagem de um para outro se caracterizaria sempre por uma mudança
importante, tanto ao nível das técnicas como da forma de organização
social, sempre superiores à anterior. Assim, a selvajaria subdividir-se-ia
em selvajaria inferior – média – superior; a barbárie em barbárie
inferior – média – superior e finalmente a civilização.
Durante o período evolucionista era raro os estudiosos recolherem eles
próprios os materiais sobre os quais se debruçavam para forjar as suas
teorias. Estava-se ainda muito longe de uma etnografia aprofundada
sobre uma determinada sociedade, como veio a ser praticado mais tarde
pelos pioneiros do trabalho de campo intensivo, como F. Boas e B.
Malinowski.
A contribuição da escola evolucionista, apesar dos seus excessos
teóricos – como o de tentar classificar as sociedades e as suas
instituições segundo uma cronologia histórica linear –, foi da maior
importância para o desenvolvimento da ciência antropológica.
Graças igualmente ao método comparativo, utilizando a grande massa
de material etnográfico acumulado, foi possível sistematizar e explicar
dados até então em desordem e incompreensíveis. No caso do
parentesco, a seguir a Morgan ter evidenciado as terminologias
descritivas e classificatórias do parentesco designadamente, foram
elaboradas as noções de endogamia e exogamia, de parentesco por
aliança, de colateralidade e de poligamia (poliandria e poliginia) que
conservam actualmente a maior importância geral na antropologia e em
particular no estudo do parentesco.
Poliginia – tipo de organização familiar em que um marido pode ter,
legalmente, várias esposas.
Poliandria – organização familiar em que uma esposa tem,
legalmente, vários maridos ao mesmo tempo.

Nos anos sessenta, Morgan voltou à cena antropológica pela mão da


antropologia marxista francesa que considera da maior importância a
visão que ele tinha da dinâmica da história, assim como por C. Lévi-
Strauss que o considera como o fundador da antropologia do parentesco
de que ele próprio foi um dos notáveis seguidores.
Será a corrente funcionalista e um dos seus maiores representantes
Malinowski que reformula, já a partir da segunda década do século XX, a
relação entre unidade e diversidade sócio-cultural, introduzindo então um
ponto de vista relativista das culturas e das sociedades.
Também a escola culturalista americana inverteu a perspectiva ao dar
importância à diversidade. Segundo esta escola, as diferentes
diversidades culturais são entidades irredutíveis assim como a unidade
do género humano representa a capacidade das sociedades humanas a
se diferenciarem infinitamente culturalmente. Este relativismo absoluto
será atenuado pelo funcionalismo britânico como veremos mais adiante.
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1.1.2. O difusionismo
Naturalmente, a época evolucionista não foi estanque nem
absolutamente homogénea do ponto de vista do pensamento
antropológico.
Sob o impulso das críticas do antropólogo americano F. Boas
[1858-1942] às teses evolucionistas, uma nova compreensão da
humanidade desconsidera progressivamente o evolucionismo linear e
cede o lugar ao que foi designado de escola difusionista ou ainda de
corrente da história cultural.
Esta corrente foi sobretudo relevante nos Estados Unidos, mas também
na Alemanha pela iniciativa do geógrafo F. Ratzel [1844-1904], onde
prevaleceu até finais dos anos trinta.
Assim, contrariamente aos evolucionistas, que interpretavam as
semelhanças entre sociedades como a expressão de uma evolução
paralela, os difusionistas interpretam esta evolução como sendo
essencialmente o resultado de empréstimos e de contactos culturais
entre sociedades.
Saída da crítica do evolucionismo, a corrente difusionista, reagindo à
ideia de um desenvolvimento unilinear das sociedades, parte do princípio
de que o processo de desenvolvimento cultural não é uniforme para
todas as sociedades mas que este conhece a diversidade pelo facto de
existirem forçosamente contactos, mais ou menos acidentais, entre
sociedades. O homem sendo pouco inventivo, a história da humanidade
resumir-se-ia assim a empréstimos culturais sucessivos, a partir de focos
de civilização cuja distância geográfica, por muito grande que fosse, não
devia constituir qualquer obstáculo para a difusão.
Pretendendo que a maioria dos elementos culturais que constituem uma
sociedade tinham sido tomados a outras culturas, provenientes de um
número limitado de centros de difusão – devido à relativa raridade dos
processos de invenção –, a teoria difusionista considerava necessário
estabelecer a cronologia da história cultural de uma sociedade para
compreender as suas características do momento. Enquanto, para os
evolucionistas dois elementos culturais similares, existentes em duas
culturas distintas, eram interpretados como o resultado de duas
evoluções paralelas e independentes, para os difusionistas a
semelhança resultava de uma transferência directa ou indirecta de
uma das sociedades para a outra.
Porém, as escolas difusionistas alemã e austríaca obtiveram resultados
interessantes ao introduzir as noções de complexo cultural e de circulo
de cultura ou de civilização para qualificar áreas de vastos complexos
culturais de onde se teriam expandido certos aspectos para a maior
parte do planeta.
Discípulos de Ratzel, como Frobenius [1873-1938], vulgarizador da
noção de área cultural, (“Kulturkreis”), F. Graebner [1873-1938] e o
missionário W. Schmidt [1868-1954], sustentavam que era possível
redesenhar os caminhos seguidos pelos complexos culturais da difusão
e registar os diferentes sítios onde se observavam as características do
complexo.
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Nestas condições, o difusionismo não era menos hipotético e conjectural


que o evolucionismo.
Precisamente, a principal crítica feita ao difusionismo resulta do facto de
saber se as diversas culturas, entendidas como expressões
convergentes da vida humana, derivam de certos centros de difusão ou,
ao contrário, são invenções autónomas aparecendo paralelamente umas
às outras, para resolver necessidades idênticas. Por outro lado, ao
darem ênfase às permanências culturais, os difusionistas não
conseguiram resolver a questão da inovação e da criatividade humana,
apesar de no seu corpus de análise a quantidade de áreas, consideradas
de referência, terem sido substancialmente reduzidas.
Mas a maior oposição ao difusionismo foi suscitada pela própria
culturologia inglesa ao enredar-se na deriva hiper-difusionista. De facto,
o hiper-difusionismo levou ao descrédito completo do difusionismo em
resultado da sua teoria dita “pan-egípcia” ou heliocêntrica, (ou seja, que
tudo está centrado num único ponto que regula todo o resto) defendida
pelos hiper-difusionistas ingleses. O biologista G. Elliot-Smith
[1871-1937] e W. J. Perry [1887-1950] pretendiam que o Egipto teria sido
o berço de todas as civilizações e o único centro de difusão cultural.
Rapidamente esta posição foi contrariada por descobertas, em África
designadamente, que atestavam a existência de focos de civilização fora
de qualquer influência egípcia.
Durante o mesmo período, enquanto a culturologia inglesa dava origem
ao hiper-difusionismo, o fundador da antropologia americana, Franz
Boas, na origem do culturalismo americano, dedicava-se ao estudo dos
processos de contacto e transferência cultural em resultado das
migrações, dos empréstimos, da imitação ou da aculturação.
Porém, a noção de cultura é bastante complexa e incerta, assim como as
numerosas definições que suscitou e que vão da cultura dita humanista à
cultura antropológica.
E. B. Tylor [1832-1917] (antropólogo britânico considerado o fundador da
“culturologia”, na perspectiva evolucionista) deu uma definição geral de
cultura considerada como a mais precisa: “conjunto complexo incluindo
os saberes, as crenças, a arte, os costumes, o direito, assim como toda
a tendência ou hábito adquirido pelo homem vivendo em sociedade”. Ao
longo do tempo, diferentes autores, em particular os culturalistas
americanos foram reafirmando a abrangência da definição, à qual se
poderia acrescentar a relativamente recente definição concisa dada
pelos franceses M. Pannoff e M. Perrin no seu dicionário de etnologia
[1973:73]: “Conjunto dos conhecimentos e dos comportamentos
(técnicos, económicos, religiosos, sociais, etc.) que caracterizam uma
determinada sociedade humana”.
Todavia, o interesse da questão não está na reflexão que suscitou a
definição de Tylor mas por ter instruído a antropologia cultural a reflectir
sobre uma das características fundamentais da cultura: a sua
transmissibilidade, na acepção de tradição cultural, de herança
cultural etc., conducente por sua vez a uma noção vizinha: a
civilização.
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A antropologia americana (cuja abordagem, como se viu, difere, em certa


medida, da antropologia social britânica que privilegia os factos de
sociedade enquanto relações sociais e menos enquanto
comportamentos culturais) tem a maior tradição no estudo da cultura,
cuja temática foi desenvolvida pelo seu brilhante representante Franz
Boas. Mais tarde, também M. J. Herskovits [1895-1963] (antropólogo
americano aluno de F. Boas) esteve particularmente interessado no
estudo dos problemas derivados do contacto entre culturas e dos
processos de aculturação.
A noção de aculturação foi introduzida pelos antropólogos anglo-
saxões para designar os fenómenos resultantes de contactos directos e
prolongados entre duas culturas diferentes, caracterizando-se pela
modificação ou transformação de um ou dos dois tipos culturais em
presença. Nesta medida, a aculturação é um aspecto intrínseco ao
processo de difusão.
As noções de tipo e grau de aculturação foram introduzidas para
definir o campo e a importância deste fenómeno.
Todavia, na realidade, esta concepção de mudança automática revelou-
se mais complexa do que se julgava, na medida em que ela era sempre
avaliada em função das culturas dominantes levando a considerar que
as sociedades tradicionais eram fatalmente conduzidas a adoptar as
características das sociedades de maior força cultural.

1.1.3. O funcionalismo
Em antropologia, o funcionalismo corresponde à doutrina que pretende
privilegiar o estudo da função dos elementos sociais em detrimento do
estudo da sua forma. O conceito de forma social designa qualquer
aspecto de um complexo de civilização cujas expressões podem ser
observadas e transmitidas de uma sociedade para outra. A transmissão
de um elemento de civilização é muitas vezes acompanhada pela
dissociação da forma e da significação dado que, na maioria das vezes,
esta escapa à compreensão dos indivíduos, enquanto a forma pode ser
facilmente apreendida e ser imitada ou copiada sem que
necessariamente tenha o mesmo significado. Assim, é funcionalista a
opinião daquele que pretende atribuir uma função a qualquer elemento
social.
Por outras palavras, os funcionalistas consideram o estudo da sociedade
em termos de organização e funcionamento. O objectivo é evidenciar
as relações causais, funcionais e interdependências entre os factos
sociais e as instituições de uma dada sociedade. A análise funcionalista,
ao querer estudar a função de uma instituição num quadro social geral
subentende que os factos sociais estão intimamente ligados uns aos
outros.
O fundador e o mais notável representante do funcionalismo
antropológico foi Malinowski. Mas Radcliffe-Brown [1881-1955] esteve
igualmente na origem da teoria funcionalista que mais tarde viria a ser
desenvolvida por M. Fortes [1906-1983].
Jean Poirier, apoiado no que considera ser a melhor análise sobre a
contribuição de Malinowski acerca do funcionalismo, na obra colectiva
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dirigida por Raymond Firth e publicada em 1957, refere o seguinte: “A


ideia central da nova teoria é que, no organismo social, tudo se explica
pelas inter-relações que existem entre os órgãos e as funções; num dado
grupo, tudo deve ser inteligível a partir da utilidade contemporânea que
pode ter tal ou tal fenómeno; a cultura é uma totalidade orgânica cujos
diversos elementos estão interligados; cada elemento ajusta-se a todos
os outros, no seu lugar, e joga o seu papel num conjunto significante
como o de um vasto maquinismo” [1968:55]. Acrescenta ainda que o
conceito de relação é fundamental em Malinowski, na medida em que ele
insiste fortemente na importância das relações existentes entre os factos
sociais e o todo a que pertencem, entre os próprios factos sociais assim
como entre os factos e o meio exterior. É fundamental também, quando
afirma que a especificidade de uma cultura reside na «conexão orgânica
de todas as suas partes» e nas relações que cada cultura mantém com o
meio interno do homem (o qual exprime necessidades) e o meio externo
(que fornece o quadro das respostas fornecidas pelo grupo), isto é com a
sociedade [Op.cit].
O fundamento da necessidade e resposta à necessidade, postulado por
Malinowski, leva-o a criar uma tipologia distinguindo entre as
necessidades primárias a que o homem está adstrito por razões
biológicas, algumas delas universais por essa razão (como a
necessidade de se alimentar); as necessidades derivadas, próprias da
condição humana e específicas das sociedades (tais como a educação,
a linguagem); e, finalmente, as necessidades sintéticas que
correspondem a motivações características do psiquismo humano (como
os ideais, a religião).
A ideia de necessidades humanas, fundamental no pensamento do
autor, será a mais contestada.
Os analistas da teoria funcionalista moderna, expurgada dos seus
aspectos mais contestáveis, apresentam o funcionalismo como sendo
simultaneamente uma doutrina e um método. Como doutrina, quando
postula uma orientação geral segundo a qual a utilidade é a finalidade
absoluta do estado da sociedade ou cultura. Como método, quando
considera que os factos descritos devem ser recolocados no seu
contexto e interpretados em relação a este. Como método ainda, quando
a teoria funcionalista é encarada como uma hipótese de explicação de
qualquer fenómeno social, enquanto dependente da totalidade a que
pertence, indispensável ao seu funcionamento. Segundo os
funcionalistas, o facto social ou a instituição em causa só revela a sua
razão de ser quando apreendidos nas suas relações funcionais com os
outros factos ou instituições constituintes da totalidade social. Por
exemplo, uma determinada cerimónia ritual só será compreensível se for
percebida a maneira como se encontra ligada a outros níveis sociais
(parentesco, economia, etc.), para revelar assim a sua função em
relação aos outros diferentes níveis.
Assim, encontra-se implícito no funcionalismo uma hipótese holística e
um princípio utilitarista. É aliás este último aspecto que foi o mais
violentamente contestado. Supor que tudo tem uma função precisa num
sistema social, é deixar pouco lugar à disfunção, à dinâmica da
mudança. Para certos autores, as representações sociais (a ideia que as
pessoas fazem da sua prática social) que, na perspectiva destes, os
indivíduos são capazes de alterar segundo as circunstâncias, são
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potentes motores de acção social capazes de contrariar o relativo


determinismo social, engendrando pela mesma ocasião novas
representações e assim sucessivamente.
Certas críticas feitas ao funcionalismo vieram em particular dos
antropólogos dinamistas e da corrente marxista (muito representada em
França, por investigadores como C. Meillassoux, E. Terray, F. Rey, M.
Godelier) que contestaram a sua postura anti-história. Estes,
contrariamente aos funcionalistas, consideram que as sociedades não
são sistemas delimitados e equilibrados, se o fossem não seria possível
dar conta das tensões sociais e da mudança social observáveis.
Na realidade, contrariamente à analogia da coerência orgânica, todas as
sociedades são animadas por conflitos internos e não é demonstrável a
existência de sistemas sociais harmoniosamente organizados, graças a
um conjunto de instituições inteiramente ajustadas umas às outras.
Mas é sobretudo Lévi-Strauss que exemplifica nos melhores termos os
excessos do raciocínio funcionalista: “Dizer que uma sociedade funciona
é um truísmo; mas dizer que tudo numa sociedade funciona é um
absurdo” [1985:17].
Todavia, em avaliações sucessivas, o funcionalismo foi rectificando os
seus excessos iniciais. Na prática actual, da maioria dos investigadores,
a análise funcional consiste em tratar qualquer facto social do ponto de
vista das relações relativas que ele mantém, sincronicamente, com
outros factos sociais no seio de uma totalidade. Porém, esta totalidade
não pressupõe estar necessariamente inteira e definitivamente
estruturada. Assim, na sua definição mais recente, a noção de função
não deve ser entendida como um facto de causa a efeito mas somente
como uma relação de interdependência relativa entre os factos, sendo
que as relações existentes entre eles não representam relações de
determinação ou leis de funcionamento.

1.1.4. O estruturalismo
C. Lévi-Strauss foi sem dúvida nos anos sessenta o grande
representante do estruturalismo em antropologia social. O interesse pela
linguística resulta da convicção de que esta ocupava um lugar cimeiro no
conjunto das ciências sociais e que neste conjunto foi a que de longe
realizou os maiores progressos: “a única, sem dúvida, a poder reivindicar
o nome de ciência e a ter conseguido, ao mesmo tempo, formular um
método positivo e conhecer a netureza dos factos submetidos à sua
análise” [C. Lévi-Strauss, 1985:37].
Este método foi sobretudo aplicado em França às estruturas do
parentesco, aos mitos, à alimentação, de forma muito interessante por C.
Lévi-Strauss.
Segundo Lévi-Strauss, o objecto da análise estrutural, consiste em
procurar pelo método dedutivo as estruturas particularmente
inconscientes que podem ser evidenciadas a partir de dados empíricos
etnográficos, como: as regras de parentesco, a mitologia, as práticas
culinárias, as classificações culinárias, a arte, etc.
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As estruturas não correspondem à realidade empírica mas aos modelos


que são construídos a partir dela, os quais devem satisfazer três
condições:
1) apresentar um carácter de sistema onde todos os elementos são
solidários uns dos outros, de tal modo que nenhum se pode modificar
sem que esta mudança afecte todos os outros;
2) tornar possível uma série de transformações ordenadas, conduzindo
a um ou vários grupos de modelos do mesmo tipo;
3) permitir prever de que forma reagirá o modelo se um ou vários dos
seus elementos for modificado [Lévi-Strauss, 1985].
A noção de estrutura é antiga, assim como a sua utilização em
antropologia social cuja definição varia segundo os autores. Uma
estrutura social consiste no conjunto dos elementos concretos de um
sistema e corresponde a figuras estáticas da organização social, tal
como os estatutos sociais1 que fazem com que os indivíduos e os grupos
sejam interdependentes.
Como vimos, a perspectiva é diferente no estruturalismo de Lévi-Strauss.
A estrutura só se revela em função dos elementos que ela conjuga: “O
princípio fundamental é que a noção de estrutura social não se refere à
realidade empírica, mas aos modelos construídos a partir dela” [Ibid:
305]. É neste sentido que o autor define a estrutura: “uma estrutura
oferece um carácter de sistema. O modelo deve ser construído de tal
forma que o seu funcionamento possa dar conta de todos os factos
observados” [Ibid: 306].
Não me parece poder negar-se o carácter de cientificidade ao
estruturalismo, mesmo se não teve êxito em todas as suas aplicações,
mas nesse aspecto não foi o único. Precisamente, o seu mérito menos
contestável é o ter alargado, de forma sistemática, o inventário da
pertinência. Outra das características do estruturalismo de Lévi-Strauss,
é querer explicar a relação do universal com o particular, com
fundamento em relações de transformação dos modelos sociais. Porém,
o que lhe foi sobretudo criticado é ter prestado maior atenção ao estudo
formal dos modelos e menor às relações sociais reais a que dizem
respeito.
Certos críticos consideraram a sua perspectiva como uma visão estática
da sociedade e acusaram-no de situar fora do tempo as “estruturas
lógicas” que são supostas comandar as sociedades. Para o autor, a
história não é recusável, ela é uma realidade que tem de ser considerada
com a maior atenção.
A questão central, em Lévi-Strauss, é a explicação do tipo de fenómeno
em causa: a essência da natureza humana. Na realidade, ele colocou de
forma rigorosa e complexa, o problema das relações entre a história e a
antropologia, formulando-o do seguinte modo: “ou as nossas ciências se
debruçam sobre a dimensão diacrónica dos fenómenos, quer dizer sobre
a sua ordem no tempo, e elas são incapazes de fazer a sua história; ou
elas tentam trabalhar à maneira do historiador, e a dimensão do tempo
escapa-lhes.
_______________________________________
1
O estatuto social de um indivíduo corresponde ao conjunto de direitos e deveres inerentes à sua
posição nas relações com os outros. Sendo assim, o estatuto social de alguém corresponde à soma
dos diferentes estatutos parciais que possui no seio dos vários grupos em que participa: família,
profissão, etc.
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Pretender reconstituir um passado do qual é impossível atingir a história,


ou querer fazer a história de um presente sem passado, drama da
etnologia num caso, da etnografoa no outro, tal é, em qualquer caso, o
dilema...” [Lévi-Strauss, 1985: 5].

O cientista francês tinha particularmente em mente as pequenas


sociedades da América tropical, onde o uso da história é diferente do
europeu. Significava somente que essas sociedades não têm
consciência idêntica à dos europeus desse passado, o qual transcende a
mera memória colectiva, e sempre que alguma alteração significativa
acontece, e dela se apercebem, todos os esforços são desenvolvidos no
sentido de repor a situação tal como ela é imaginada ter sido – o que
naturalmente é vão. Esta ilusão, da possibilidade de reposição de
situações anteriores, normalmente feitas na base de representações
sociais, limita a tomada de consciência e o controlo dos acontecimentos
na longa duração: “A natureza do pensamento selvagem é ser
intemporal; ele deseja agarrar o mundo, ao mesmo tempo, como
totalidade sincrónica e diacrónica, e o conhecimento que dele tem
parece-se com a que oferecem, de um quarto, espelhos fixados a
paredes opostas e que se reflectem um no outro (assim como os
objectos colocados no espaço que os separa), mas sem serem
rigorosamente paralelos” [C. Lévi-Strauss, 1962: 348].
É precisamente no estudo dos mitos que Lévi-Strauss vai igualmente
aplicar a análise estrutural depois da sua obra monumental sobre as
Estruturas Elementares do Parentesco [1982]. A análise estrutural
permite ao autor introduzir uma ordem na desordem aparente, dar
sentido ao caótico, fazer sobressair as invariantes na infinita variedade
das narrativas míticas, e evidenciar finalmente o substracto sociológico
explicativo comum a todos eles: nuns, a explicação do aparecimento do
fogo, noutros o aparecimento da vida humana, etc.
As maiores críticas feitas ao estruturalismo francês foram menos a
proposta segundo a qual as mesmas estruturas, activas em todas as
sociedades humanas, podem, segundo os casos, subtender
manifestações diferentes e mais o princípio de que todas as variações
culturais podem resultar de um fundo humano invariável [Dan Sperber,
1985]. Mas precisamente, segundo Dan Sperber [1968], um dos
aspectos positivos da obra de C. Lévi-Strauss é o de recentrar a
antropologia no estudo do seu primeiro objecto: a natureza humana.
Todavia, o estruturalismo antropológico não se resume ao de Lévi-
Strauss, nem este é exactamente o mesmo que o dos sociólogos ou de
antropólogos como Radcliffe-Brown designadamente, o qual define a
estrutura como tendo “uma disposição ordenada de partes ou de
elementos que a compõem”. Segundo esta proposta, “Os elementos da
estrutura são pessoas, seres humanos, considerados não como
organismos mas como ocupando um lugar na estrutura social.” Quanto à
estrutura social, esta “designa a rede complexa de relações sociais
existindo realmente e reunindo seres humanos individuais num certo
ambiente natural”.
Ora, esta definição de estrutura foi bastante criticada por Lévi-Strauss, o
qual lhe apontava o facto desta surgir como um conceito intermediário
entre a antropologia social e a biologia; e ainda de Radcliffe-Brown
partilhar com Malinowski uma certa inspiração naturalista da escola
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inglesa que ele opõe à atitude sistemática e formalista necessária.


Segundo o autor francês, a posição empirista de Radcliffe-Brown
impedia-o de distinguir claramente estrutura social e relações sociais,
reduzindo assim a noção de estrutura social ao conjunto das relações
sociais concretas numa determinada sociedade. Daqui, segundo o autor
francês, resulta o facto de Radcliffe-Brown não ter atribuído uma maior
importância à distinção entre estrutura e forma estrutural, entre modelo e
realidade. Para acentuar a imprtância da distinção e reforçar a sua
crítica, Lévi-Strauss cita M. Fortes que escreveu, tal como ele próprio
pensava, “A estrutura não pode ser directamente apreendida na
«realidade concreta»”.
A perspectiva de Radcliffe-Brown nunca chegou a revelar-se, no sentido
moderno da definição da palavra, uma abordagem dos fenómenos
sociais dita estruturalista. Por esta razão, Radcliffe-Brown não é
considerado um estruturalista, mas fundamentalmente um estruturo-
funcionalista.

1.2 Os fundadores da etnografia: Franz Boas


e Bronislaw Malinowski
Os eruditos de gabinete procediam às suas análises a partir de informações
recolhidas por terceiros, tais como missionários, governadores coloniais e
aventureiros de toda a ordem. Estes não eram profissionais e muito menos
cientistas. Naturalmente, os preconceitos e o etnocentrismo das suas
descrições eram uma constante. Desconhecendo as línguas locais, a maioria
das intervenções no terreno eram realizadas por intermédio de tradutores o
que reforçava a distorção e incompreensão das sociedades visitadas que não
eram vistas como totalidades viáveis, mas estados atrasados em relação à
civilização.
De facto, no quadro científico que se perfila no horizonte do fim do século XIX,
Franz Boas e Bronislaw Malinowski revolucionam, decisivamente, a
metodologia etnológica ao fundarem uma etnografia de terreno de extremo
rigor.
Assim, no fim do século XIX, Franz Boas [1858-1942] vai viver pessoalmente
a experiência de investigações etnográficas junto dos Kwakiutl e dos Chinook
da Colômbia britânica. Nestas missões, afina os métodos de estudo
considerando que no terreno tudo deve ser objecto de descrição meticulosa e
minuciosa: desde os objectos mais concretos aos aspectos mais simbólicos.
Para ele, tudo deve ser anotado na medida em que cada pormenor tem a
maior importância para a reconstituição de uma totalidade social. Na época, e
mesmo bastante tempo depois, em resultado de uma atitude científica de um
extremo rigor, Boas não foi o único a considerar como prematura a teorização
e generalização da informação recolhida.
Embora noutro registo, o próprio Evans-Pritchard [1902-1973] referiu que as
sociedades que o antropólogo estuda eram do domínio do “descritivo” e não
do “explicativo”.
Outros antropólogos pensaram ser a melhor postura científica enquanto não
fosse conseguido o quadro completo das tipologias das sociedades humanas.
Diga-se no entanto, incidentemente, que esta atitude científica é uma
14

exigência geral devendo ser respeitada, sem excessos, onde a investigação


não tenha reunido as condições indispensáveis à teorização e generalização.
Boas, formado em ciências físicas e naturais, compreendia melhor que
ninguém esta condição científica e, como tal, não aceitava as generalizações
evolucionistas e mesmo difusionistas que considerava não estarem
demonstradas nem susceptíveis de serem demonstráveis. É precisamente por
recusar qualquer teoria preconcebida, ou proposta de explicação geral, e
pensar que cada cultura é dotada da sua própria história irredutível a outras
que Boas elaborou um método extremamente indutivo, implicando um trabalho
de recolha exaustiva de dados de terreno.
A reacção de Boas às teses evolucionistas lineares – e em particular à obra de
Morgan – foi excessiva, conduzindo-o a considerar que as formas culturais
sendo inúmeras, os antropólogos se deveriam limitar a descrevê-las
rigorosamente sem se preocuparem em retirar conclusões de carácter geral.
Boas, pensava de facto ser impossível descobrir a ordem do quadro global das
instituições humanas – atitude radical e estéril partilhada igualmente por Lowie
[1883-1957] e designada por “Morfologismo” de Boas e Lowie.
Seja como for e como se pode imaginar, é vão pensar, ser possível, fazer o
inventário de todas as instituições culturais existentes no universo. Para além
da tarefa ser vã e acima de todas as capacidades humanas, estas instituições
não são estáveis, modificam-se, mudam conforme os contextos, apresentam
multi-contornos e, desde logo, não são facilmente apreensíveis.
Assim, de Franz Boas, mais do que a sua exagerada prudência e do também
designado “nominalismo boasiano” de que foi censurado, retêm-se
essencialmente o seu exemplo como excepcional e escrupuloso investigador
de terreno, patente no rigor da recolha exaustiva do material etnográfico.
Porém, se Boas foi um dos percursores do trabalho de campo, é sobretudo
Bronislaw Malinowski que é considerado o fundador da modalidade científica
moderna da prática etnográfica.
Malinowski, de certo modo inspirado na “escola sociológica francesa” e na
importância que Durkheim dá ao contexto sociológico, a fim de fundamentar
a explicação dos factos sociais, vai revolucionar a investigação antropológica,
colocando no centro desta a importância do inquérito de terreno.
A este propósito, a lição que Malinowski nos dá nos Argonauts of the Western
Pacific [1922] é exemplar e das mais fascinantes.

1.3 A contribuição teórica da “escola de


sociologia francesa”: Emile Durkheim e
Marcel Mauss
Após longos anos de estudos de gabinete, sem contacto directo com as
populações longínquas sobre as quais dissertava e agora, finalmente, já
dotada do método de trabalho de campo, a antropologia carecia todavia de um
aparelho teórico capaz de dar sentido à acumulação de informação recolhida
pelos novos etnógrafos do fim do século XIX. Na prática, a investigação de
terreno era efectuada, na maioria das vezes, com poucas excepções, por
pessoas sem a menor formação.
15

Durkheim, tem como preocupação demonstrar a autonomia do social em


relação a todos os aspectos que não pertencem à sua esfera. Uma autonomia
que deveria caracterizar-se pela capacidade de explicação do social pelo
social – a qual deveria ser independente da explicação psicológica (ciência
nascente), da explicação histórica (na perspectiva evolucionista), geográfica
(na perspectiva difusionista) e biológica (na perspectiva funcionalista de
Malinowski).
Para Durkheim [1987], a especificidade do facto social, significa que este não
é redutível à psicologia particular dos indivíduos, mas exterior a estes,
preexistindo-lhes e continuando a existir depois deles. Assim, os factos sociais
devem ser apreendidos como “coisas”, só susceptíveis de serem explicados se
relacionados com factos de mesma natureza.
A sua influência, para além da colaboração directa com Marcel Mauss, (seu
sobrinho e até certo ponto seu discípulo), foi importante em França e teve uma
grande audiência fora do país. Essa influência estendeu-se a Inglaterra, onde
alcançou um grande ascendente sobre a antropologia britânica e em particular
sobre Radcliffe-Brown que irá estudar no terreno os rituais da população das
ilhas Adamão, seguindo nesse estudo, segundo Paul Mercier, a direcção das
conclusões sugeridas por Durkheim em Les formes élémentaires de la vie
religieuse ao interpretar o sentido profundo (a função) dos ritos religiosos
numa determinada sociedade: “...a sociedade, ao render um culto ao seu
totem ou ao seu deus, rende de certo modo um culto a ela mesma e
assim reforça a sua coesão, a sua continuidade, e o sentimento da sua
identidade colectiva” [in Mercier,1986: 113].
A este propósito, para terminar, gostaria de citar P. Mercier quando diz: “Se os
antropólogos de gabinete tivessem necessidade de ser reabilitados, é sem
dúvida o caso de Durkheim que necessitaria de ser tomado em conta como
exemplo privilegiado” [Ibid: 114].
Na época, a cena da investigação antropológica está praticamente ocupada
pelos anglo-saxões, entretanto embrionária noutros países.
Como Durkheim, também Mauss não era um homem de terreno. Porém, foi
graças a ele que se formaram os primeiros etnólogos franceses e a forte
dedicação dos seus antigos alunos ao mestre que foi, levou um deles (D.
Paulme) a publicar o essencial das aulas do seu curso geral, sob o título
Manual de Etnografia [1993].
Para Mauss, os fenómenos sociais são “em primeiro lugar sociais, mas
também ao mesmo tempo fisiológicos e psicológicos”. E nesta medida devem
ser compreendidos na sua inteira dimensão humana.
Esta concepção, Mauss exprime-a em Essai sur le don, forme archaïque de
l'échange do modo seguinte: “...o dado, é Roma, é Atenas, é o francês médio,
é o melanésio de tal ou tal ilha, e não a oração ou o direito em si [...] os
psicólogos [...] sentem fortemente o privilégio, e sobretudo os
psicopatologistas têm a certeza de estudar o concreto [...] o comportamento de
seres totais e não divididos em faculdades. É preciso imitá-los. O estudo do
concreto, coisa completa, é possível e mais cativante e mais explicativo ainda
em sociologia [...] O princípio e o fim da sociologia, é de avistar o grupo inteiro
e o seu comportamento todo inteiro” [1923: 24].
De facto, pode dizer-se que um dos conceitos mais importantes proposto por
Mauss foi o de “fenómeno social total”.
16

Assim, no mesmo Ensaio sobre o Dom o autor refere ainda: “Os factos que
estudámos são todos [...] factos sociais totais [...] quer dizer põem em
movimento, em certos casos, a totalidade da sociedade e das instituições [...]
Todos estes fenómenos são ao mesmo tempo jurídicos, económicos,
religiosos, e mesmo estéticos morfológicos, etc. [...] São «todos», sistemas
sociais inteiros, dos quais tentámos descrever o funcionamento. Não os
estudámos como se estivessem estáticos num estado único ou cadavérico, e
ainda menos os decompusemos ou dissecámos em regras de direito, em
mitos, em valores e em preço. Foi considerando o todo em conjunto que
pudemos aperceber o essencial, o movimento do todo, o aspecto vivo, o
instante fugidio em que a sociedade toma, em que os homens tomam
consciência sentimental deles próprios e da sua situação em relação a outro”
[op.cit].
Estas preocupações de Mauss, todas elas metodológicas, marcaram
decisivamente o desenvolvimento do pensamento antropológico que se
seguiu. Em França, designadamente com M. Griaule que trabalhou junto dos
dogon e estudou as culturas do ponto de vista da interpretação dos seus
próprios membros, tentando mostrar como os mesmos esquemas culturais
podiam estar presentes em níveis culturais diferentes; com C. Lévi-Strauss;
com Balandier, antropólogo africanista, que se dedicou ao estudo das
mutações africanas do após-guerra; mas também com o austríaco R.
Thurnwald, considerado um dos porta-voz do funcionalismo (de um
funcionalismo matizado em relação ao de Malinowski); ou ainda com o próprio
Malinowski; e igualmente com os americanos R. H. Lowie (discípulo de Boas),
o qual se fez notar no domínio do estudo da organização social, M. Mead que
estudou os Arapesh e os Mundugamor da Nova Guiné cujo “temperamento”
masculino e feminino comparou, C. Du Bois, R. Linton e A. Kardiner que
trabalharam sobre o tema do comportamento, determinado pela educação e
pelo meio técnico e económico, imposto pelo grupo aos indivíduos. Estes três
últimos autores estão também na origem da noção “personalidade de base”2 e
de “pattern”.
Uma última nota para dizer que se o seu contributo para a teoria geral da
antropologia foi de facto importante, em França, Mauss ocupa um lugar à
altura dessa importância, um lugar comparável ao de Boas nos Estados
Unidos.

________________________________
2
Esta noção define a configuração psicológica resultante do conjunto dos elementos constitutivos da
personalidade possuídos em comum pelos membros de uma sociedade.
17

2. Dois eixos de análise privilegiados pela


antropologia social e cultural
2.1 O campo do parentesco
O estudo do parentesco teve, desde muito cedo, um papel preponderante na
investigação antropológica. Pode mesmo dizer-se que o seu estudo foi durante
muito tempo, e de certo modo continua a sê-lo, uma das “galinhas de ovos de
ouro” da antropologia. O seu carácter abstruso, a utilização de um certo
número de abreviações, os diagramas, cuja leitura nem sempre é fácil,
necessitando de alguma ginástica cerebral, transmitiram a ideia de que a
antropologia tinha adquirido, com os estudos de parentesco, um alto grau de
cientismo.
Porém, exageros à parte, é verdade que o estudo do parentesco corresponde
a um dos eixos da investigação antropológica cujo sucesso científico foi dos
mais brilhantes. A razão prende-se com o facto do parentesco ser, nas
sociedades que habitualmente estudam os antropólogos, a chave
absolutamente indispensável para a sua compreensão. Neste tipo de
sociedades, as relações de parentesco estão presentes em todos os aspectos
da vida social: económico, religioso, político, etc.
Em particular nas sociedades simples, sem Estado, ou nas sociedades
europeias ditas tradicionais, não é possível compreender como se processam
as relações entre indivíduos e grupos, as relações de poder, as diversas
prestações, etc. se não se conhecer como se organiza o parentesco entre os
indivíduos e o modo como se reflecte em toda a organização social. A. R.
Radcliffe-Brown, a propósito da sua larga experiência dos sistemas de
parentesco africanos faz notar que “Para a compreensão de um qualquer
aspecto da vida social de uma população africana – aspecto económico,
político ou religioso – é essencial possuir um conhecimento aprofundado da
sua organização familiar e matrimonial. Isto é de tal maneira evidente para o
etnólogo que é praticamente inútil de o sublinhar” [1952: 1].
Por exemplo, no estudo que realizei numa aldeia da Beira-Baixa na década de
oitenta, foi possível constatar como o parentesco se reflecte de forma muito
estreita na paisagem agrícola – influenciando a organização do espaço
agrário, tanto nas formas como na dimensão dos campos, etc. – e determina
assim fortemente a organização social local no seu todo [A. Santos, 1992].
De facto, para além do exemplo que dei a propósito da minha própria
experiência na Beira-Baixa, existe uma quantidade de trabalhos sobre
parentesco europeu atestando a permanência do seu peso, ou o reactivar de
certos aspectos, nas sociedades contemporâneas modernas, desmentindo,
assim, os lugares comuns que pretendiam fazer crer que o parentesco só teria
importância para os selvagens. Françoise Zonabende, em La mémoire longue
[1980], revela que, em meio rural francês contemporâneo, o casamento entre
primos germanos3 (primos direitos) muito em uso no passado, volta a ser
praticado no presente. O interessante no caso é ser precisamente a distância
geográfica que, de certo modo, actua como factor atenuante da perspectiva do
________________________________
3
Os indivíduos que têm o mesmo pai e mãe são chamados “germanos”. Assim, os primos direitos por
terem avós comuns e forte proximidade consanguínea são ditos “primos germanos” (ou seja, quase tão
próximos como irmãos).
18

grau de proximidade consanguínea. Deste modo, o primo germano converte-


se no cônjuge ideal, na medida em que nem é muito próximo nem muito
afastado consanguineamente.
Estes esclarecimentos e diferentes exemplos são suficientes para poder
constatar quanto são importantes os estudos sobre o parentesco a propósito
das sociedades em geral e das ocidentais modernas inclusivamente. Eu diria
urgentemente no caso das sociedades ocidentais exactamente por não terem
merecido um tratamento idêntico ao que foi dado às sociedades exóticas e
tradicionais. E não foi dado um tratamento idêntico por se ter tido por base de
raciocínio uma atitude “anti-ciência”, ao considerar-se, implicitamente e à priori
(quer dizer sem fundamento de prova), ser o parentesco não determinante no
nosso tipo de sociedade ou ser coisa já conhecida. Na minha perspectiva, é
mais que fundamental os investigadores debruçarem-se sobre estes
monumentos que são os sistemas e os usos sociais do parentesco europeu
assim como sobre os seus múltiplos reflexos na sociedade e respectivos
condicionamentos em determinadas instituições. Não será este livro de
iniciação à antropologia o lugar indicado para explicar quanto a sociedade
portuguesa se ressente da longa permanência dos filhos solteiros em casa dos
pais e da tardia passagem directa do filho da dependência materna para a da
esposa.
Como não é difícil imaginar, seria possível multiplicar os mais variados
exemplos dos efeitos sociais do parentesco enquanto sistema básico e o
interesse do seu estudo.
Confrontado com a importância do parentesco, L. Morgan [1851] foi dos
primeiros a debruçar-se sobre o assunto, ao dedicar-se ao estudo das
terminologias de parentesco. Estas estiveram na base de uma tipologia dos
sistemas de parentesco assim como das formas de organização social
propostas por Morgan e, mais tarde, completada e afinada por Murdock [1949].
As investigações sobre parentesco têm sido numerosas. Sobretudo as que
opuseram durante algum tempo duas escolas: a inglesa apoiada na teoria da
filiação e, mais recentemente, a escola francesa quando Lévi-Strauss funda a
teoria da aliança, apoiado na análise estrutural do parentesco.
Porém, tanto uma como a outra das escolas convergem nos mesmos
objectivos e o próprio Lévi-Strauss [1958: 333] concorda absolutamente com
Radcliffe-Brown quando este define os objectivos do estudo do parentesco
como devendo conduzir a:
1) fazer uma classificação sistemática;
2) compreender os traços específicos de cada sistema:
a) seja ligando cada traço a um conjunto organizado
b) seja reconhecendo-lhe um exemplo particular de uma classe de
fenómenos já identificados;
3) enfim, conseguir chegar a generalizações válidas sobre a natureza das
sociedades humanas.
O terceiro ponto é muito importante, na medida em que reintroduz a finalidade
geral da antropologia e relembra que o estudo do parentesco não deve
confinar-se a meras tautologias acerca de sistemas formais e abstractos, sem
deixar aperceber os seus diferentes encaixes no contexto social de onde foram
extraídos [Radcliffe-Brown, 1941: 17, in Lévi-Strauss, 1958: 333].
Lévi-Strauss termina dizendo que “Para Radcliffe-Brown, a análise do
parentesco tem por objectivo reduzir a diversidade [de 200 ou 300 sistemas de
parentesco] a uma ordem, seja ela qual for. Por detrás da diversidade, pode de
19

facto discernir-se princípios gerais, em número limitado, que são aplicados e


combinados de formas diversas” [Ibid.]. Na afirmação de Lévi-Strauss
transparece, claramente, as suas preocupações estruturalistas que são
essencialmente de carácter tipológico para o autor britânico.
É comum utilizar-se indiferentemente os termos parentesco, família,
familiares, para falar dos parentes. Contudo, o mais usual, actualmente, é
utilizar-se o termo parentesco para referir os parentes no seu geral ou referir
uma relação desse tipo “nós ainda temos algum parentesco em comum”. O
termo “família” sendo mais utilizado para falar dos parentes mais próximos
como a família conjugal, “...a família lá de casa...”, é no entanto também, por
vezes, empregue para evocar os parentes em geral: “...na minha família...” ou
ainda para referir uma relação desse tipo “...ainda temos alguns laços de
família”.
Acontece, o termo parentesco ser utilizado para falar indiferentemente dos
nossos parentes muito próximos, como os pais etc., ou referir o conjunto dos
parentes mesmo os muito afastados e inclusivamente ancestrais não
contemporâneos do locutor. Do mesmo modo, a mera utilização do termo
família não informa imediatamente e com precisão quem são os indivíduos
incluídos nesta categoria. Ora, esta imprecisão terminológica constitui uma das
dificuldades da antropologia na medida em que muitos dos seus conceitos
científicos são, como já foi dito, retirados do vocabulário comum. Dada a
relativa equivalência entre as palavras parentesco e família e respectiva
imprecisão, é sempre de todo o interesse precisar de que parentesco ou tipo
de família se trata.
Assim, o termo parentesco tem vários sentidos correntes, mas no que nos
interessa designa as relações entre indivíduos baseadas numa ascendência
comum, real, suposta ou fictícia e em certas modalidades de afinidade.
Além disso, é necessário distinguir o parentesco biológico do parentesco
socialmente reconhecido.
Este desajuste, entre consanguinidade e parentesco socialmente reconhecido,
verifica-se nomeadamente nas linhas colaterais do nosso próprio sistema
português: quando designamos “tio/tia” os cônjuges dos nossos tios
consanguíneos. Ou seja, nomeamos de modo idêntico os tios de sangue e os
tios por afinidade, o que não é indiferente para a análise. Este fenómeno é, por
exemplo ainda, igualmente observável no parentesco dito totémico em que a
consanguinidade entre os membros do clã totémico não têm por base a
consanguinidade real, mas a figura de um, ou uma, ancestral comum fictício.
Por outras palavras, não é necessário existir uma relação de consanguinidade
para que exista uma relação fundada sobre o parentesco. Contudo, as
relações biológicas não deixam de estar na base da construção social do
parentesco.

2.1.1 Os símbolos dos Diagramas de


Parentesco
Antes de abordar o estudo do parentesco, nos seus principais aspectos,
é necessário dar a conhecer os diferentes símbolos convencionais de
que se serve o antropólogo do parentesco para elaborar e interpretar os
diagramas de parentesco:
20

Indivíduo de sexo masculino

Indivíduo de sexo feminino

Indivíduo de sexo indiferente

Indivíduo falecido

+ Primogénito/irmão/filho mais velho

+ Primogénita/irmã/filha mais velha

_ Benjamim/irmão/filho mais novo

_ Benjamim/irmã/filha mais nova

Ou Casamento

Casamento polígamo

Filiação

Germanidade (relação entre irmãos)

Divórcio

1 2
Ou Segundo casamento de um homem

Marido e esposa

Procriaram

Irmão e irmã

Ego masculino (indivíduo de referência em relação ao qual se


avaliam as relações de parentesco)

Ego feminino

P= – Primos paralelos
Px – Primos cruzados
G+ – Gerações superiores
21

G0 – Geração Zero
G- – Gerações inferiores
Uma nota, para indicar, muito sucintamente, que os primos paralelos se
definem como tal pelo facto de serem indivíduos saídos de irmãos de
mesmo sexo. Inversamente, os primos cruzados são definidos por
uma relação entre indivíduos saídos de irmãos de sexo diferente.
Primos cruzados e primos paralelos

primos primos primos


Ego primos
cruzados paralelos cruzados
paralelos

patrilaterais matrilaterais

Os parâmetros são os seguintes:


➢ a linha recta, ao longo da qual se encontram os ascendentes e
descendentes;
➢ as linhas colaterais, nas quais se distribuem os colaterais a
diferentes graus (os irmãos são os nossos primeiros colaterais e o
ponto de partida para a contagem de todos os outros);
➢ o grau de consanguinidade que informa sobre a maior ou menor
proximidade parental dentro de uma certa categoria (por exemplo,
entre primos); e, finalmente,
➢ o grau genealógico que indica a posição de um indivíduo no grupo
de parentesco.
O cruzamento destes elementos permite situar com precisão um
indivíduo numa cadeia genealógica.
Assim, dois indivíduos, parentes do quarto grau de consanguinidade, em
que ambos se encontram na geração 0 (G0) e no segundo grau de
colateralidade (2º Col.) em relação um ao outro, só podem ser, na cultura
europeia (de parentesco cognático), primos direitos.

G+ 1

G0
irmão Ego prima
direita
2º Col
22

O cruzamento das diferentes coordenadas, dadas no exemplo, é


importante visto existirem parentes diversos num mesmo grau: por
exemplo, são também do quarto grau o nosso tio-avô, entre outros.

2.1.2 As abreviações
Para além dos símbolos utilizados para construir os diagramas
genealógicos, utilizam-se ainda, por razões de operacionalidade, um
sistema de abreviações ou de notação dos termos de parentesco.
Pode dizer-se que o sistema de notação representa uma tentativa de
criação de uma linguagem científica universal dos termos de parentesco.
Ou seja, apresenta-se como uma terceira linguagem – entre a linguagem
local e a do investigador –, uma espécie de metalíngua que está para os
antropólogos do parentesco como o latim para os botânicos.
A língua inglesa foi a primeira a fornecer os seus princípios, mas os
franceses, para quem a notação em inglês se tornava difícil de utilizar,
criaram igualmente termos convencionais para referir o campo de
aplicação (o léxico parental de referência) das nomenclaturas do
parentesco.
Ora, temos de concordar que também para os especialistas e outros
leitores de língua portuguesa, nem uns nem outros são práticos, embora
se deva reconhecer que qualquer uma destas línguas é de maior difusão
que o português.
Inicialmente, na medida em que todo o antropólogo é levado a ler
trabalhos realizados noutras línguas, são igualmente apresentados os
sistemas de notação em inglês e em francês.
Classicamente, os especialistas utilizavam exclusivamente a notação em
inglês. E ainda hoje, nos trabalhos publicados em revistas internacionais,
é este sistema de notação o mais usual, por razões de universalidade
científica da língua inglesa. Contudo, simbolizar uma qualquer relação de
parentesco neste idioma causa as maiores dificuldades, tanto na sua
elaboração como, e sobretudo, na leitura dos diagramas, para quem não
está suficientemente familiarizado com o inglês. Como é sabido, a
construção da frase em inglês relatando uma relação de parentesco faz-
se, do nosso ponto de vista, de frente para trás (por exemplo “Father's
Brother”, irmão do pai: “tio”). Sendo assim, as abreviações justapõem-se
na ordem inversa à do português o que exige um exercício suplementar
de leitura dos diagramas para o que já de si nem sempre é fácil. Quanto
à adopção do sistema de notação francês é uma evidência dizer que
também não representa qualquer vantagem em trabalhos redigidos em
português, para além de não oferecer especial carácter de
universalidade, embora o idioma tenha uma incomparável maior difusão
científica que o português. Estes são os principais argumentos em favor
da utilização de um sistema de notação em português.
Assim, quando da publicação de um artigo ou livro em língua francesa ou
inglesa, tal como o trabalho em si, também o sistema de notação deverá
ser traduzido.
As abreviações dizem essencialmente respeito, por um lado, ao núcleo
de parentes consanguineamente muito próximos, como: pai, mãe, filho,
23

filha, irmão, irmã e, por outro, aos afins destes parentes de primeira
ordem4. A partir das abreviações destas relações básicas, todas as
outras são possíveis de construir, articulando as respectivas abreviações
umas com as outras, conforme as relações de parentesco a descrever.
Na notação em português aqui proposta, foi utilizada a primeira letra do
termo de parentesco para construir o símbolo da abreviação (por
exemplo P para “pai”.) ou, nos casos em que não era possível (por
existirem outras relações começadas pela mesma letra), a primeira e
última letra do termo (por exemplo Fo para “filho”); com excepção de
marido e esposa cujas abreviações contêm três letras, a primeira e as
duas últimas (Mdo para “marido” e Esp para “esposa” ou Mer para
“mulher”). Existem dois outros casos de figura que contêm igualmente
três letras (cuja escolha não seguiu as mesmas regras), mas não são
propriamente termos de parentesco: “primogénito” (Pgt) e “benjamim”
(Bjm). Contudo, mesmo nas relações de três letras, seria possível
empregar unicamente dois símbolos alfabéticos. Pareceu-me, no
entanto, ser mais explícito, as abreviações adoptadas. Quanto às idades
intermédias estas são expressas através dos sinais + e -.
A notação em inglês é, em todas as situações, constituída por uma única
letra, a que corresponde à inicial do termo de parentesco.

2.1.2.1. Notação das relações de parentesco em


língua portuguesa
Consanguíneos:

Pai P
Mãe M
Filho Fo
Filha Fa
Irmão Io
Irmã Iã
Tio IoP/IoM (irmão do pai/da mãe)
Tia IãP/M (irmã do pai/mãe)
Sobrinho FoIo/FoIã (filho do irmão/da irmã)
Sobrinha FaIo/FaIã (filha do irmão/da irmã)
Primo FoIoP/FoIoM/FoIãP/FoIãM (Filho do irmão do pai/
do irmão da mãe/da irmã do pai/da irmã da mãe)
Prima FaIoP/FaIoM/FaIãP/FaIãM (filha do irmão do pai/
do irmão da mãe/etc.)
Primogénito Pgt
Benjamim Bjm

________________________________
4
Segundo J. P. Murdock [1949], os parentes de primeira ordem são os que constituem as famílias
nucleares a que Ego pertence enquanto solteiro e casado: pais, irmãos e irmãs na sua família de
orientação, marido ou esposa, os filhos e filhas na sua família de procriação.
24

Afins:

Marido Mdo
Esposa/Mulher Esp/Mer
Cunhado IoMdo/IoMer/MdoIã/MdoIãMdo/MdoIãEsp (irmão do
marido/irmão da mulher/marido da irmã/marido da irmã
do marido/marido da irmã da esposa).
Cunhada IãMdo/IãEsp/EspIoMdo/EspIoEsp (irmã do marido/irmã
da esposa/esposa do irmão do marido/esposa do
irmão da esposa).

A aposição de várias abreviações é lida introduzindo a preposição


“do/da” entre dois termos de parentesco, conforme indicado nos
exemplos.

2.1.2.2. Notação das relações de parentesco em


língua inglesa
Consanguíneos:

Father F (Pai)
Mother M (Mãe)
Son S (Filho)
Daughter D (Filha)
Brother B (Irmão)
Sister Z (Irmã)
Uncle FB/MB (Tio)
Aunt FZ/MZ (Tia)
Nephew BS/ZS (Sobrinho)
Niece BD/ZD (Sobrinha)

Afins:

Husband H (Marido)
Wife W (Esposa)
25

2.1.2.3. Notação das relações de parentesco em


língua francesa
Consanguíneos:

Père Pe (Pai)
Mère Me (Mãe)
Fils Fs (Filho)
Fille Fe (Filha)
Frère Fr (Irmão)
Soeur So (Irmã)
Oncle FrPe/FrMe (frère du père/frère de la mère), (Tio)
Tante SoPe/SoMe (soeur du père/soeur de la mère), (Tia)
Neveu FsFr/FsSo (fils du frère/fils de la soeur), (Sobrinho)
Nièce FeFr/FeSo (fille du frère/fille de la soeur), (Sobrinha)
Cousin FsFrP/FsFrM/FsSoP/FsSo, (fils du frère du père/fils du
frère de la mère/fils de la soeur du père/etc., (Primo)
Cousine FeFrP/FeFrM/FeSoP/FeSoM (fille du frère du père/etc.,
(Prima)

Afins:

Mari Ma (Marido)
Epouse/Femme Ep/Fme (Esposa), (Mulher)
Beau-Frère FrMa/FrEp/MaSo/MaSoMa/MaSoEp (frère du
mari/frère de l'épouse/mari de la soeur du mari/
mari de la soeur de l'épouse, (Cunhado)
Belle-Soeur SoMa/SoEp/EpFr/EpFrMa/EpFrEp (soeur du
mari/soeur de l'épouse/épouse du frère du mari/
épouse du frère de l'épouse (Cunhada)

A aposição de várias abreviações é lida introduzindo a preposição


“de” e “du” entre dois termos de parentesco, conforme indicado nos
exemplos.
Um sistema de parentesco, enquanto tal, é constituído no mínimo por
cinco aspectos relativamente interdependentes:
1) a nomenclatura ou terminologia do parentesco. Ou seja, um
conjunto de termos de parentesco servindo cada um deles para
designar individualmente os nossos parentes;
2) As regras de aliança matrimonial que são um dos elementos chave
da articulação entre parentesco e sociedade;
3) o tipo de filiação que determina o modo pelo qual os indivíduos,
através da descendência comum, ficam ligados uns aos outros ou a
determinados grupos de filiação;
4) o modelo de residência que os cônjuges escolhem para viver;
5) e, finalmente, a herança e a sucessão pelas quais se fazem a
devolução dos bens e estatutos.
26

Estes diferentes elementos estão mais ou menos fortemente inter-


relacionados e por essa razão formam sistema. Por consequência,
quando se realiza um estudo de parentesco, sobretudo se for de maneira
menos formal, é necessário apreender o conjunto dos elementos
constituintes do sistema e respectivas conexões, na forma complexa das
relações praticadas entre indivíduos aparentados pelo sangue e pelo
casamento, considerando assim todos os aspectos sociais do
parentesco na sua totalidade lógica. De facto, nesta complexidade
entram muitos aspectos dependentes, como os estatutos dos indivíduos,
as relações sexuais autorizadas, a eventual escolha preferencial do
cônjuge, etc., que integram o todo e devem ser observados.

2.1.3 As nomenclaturas
Como referi, uma nomenclatura de parentesco consiste no conjunto dos
termos de parentesco que uma determinada cultura utiliza para tratar ou
referir as pessoas entre as quais existe uma relação de carácter
parental.
Assim, a terminologia representa uma linguagem específica que permite
classificar os parentes em diferentes categorias. Com efeito, o termo de
parentesco indica simultaneamente a categoria do parente e o tipo de
atitude que lhe está associado. Por outras palavras, determina o modelo
de comportamento social de tipo parental a ter para com ele. Uma
criança é educada, desde a sua tenra idade, a distinguir os seus vários
parentes e a integrar no seu sistema cognitivo parental todo um conjunto
de atitudes a respeitar em relação a eles.
Refira-se no entanto que em muitos casos o elemento verbal parental
nem sempre é suficiente para expressar automática e completamente o
tipo de atitude a observar entre parentes. Outros elementos, esteriores
ao termo de parentesco, são necessários para indicar o comportamento
adequado a ter entre eles. Por exemplo, na nossa cultura, ao termo
primo podem corresponder vários comportamentos a ter em conta, em
função da geração e do grau de colateralidade em causa: assim, entre
primos de mesma geração é usual o tratamento pelo prenome e o tutear;
entre primos de gerações distintas, uma diferença de idade significativa
pode implicar o vocear5 (de você) para além do uso do termo de
parentesco e do prenome ou mesmo do apelido; entre primos ainda mais
afastados, o tratamento entre eles implica geralmente o emprego do
termo de parentesco juntamente com o vocear.
Contudo, não parece haver uma equivalência automática e absoluta
entre o sistema de apelações e o sistema de atitudes. No entanto, é
certo que há fortes correspondências entre os dois aspectos mas, apesar
de tal, alterações no sistema de apelações podem nunca chegar, ou
levar algum tempo, a cristalizarem-se em atitudes parentais
correspondentes.

________________________________
5
Permito-me criar o neologismo “vocear” (em contraponto de “tutear” pouco usual mas existente na
língua portuguesa) em substituição da longa frase “tratamento por você” que sendo necessário repeti-
las vezes sem conta se revela pouco prática em estudos sobre os sistemas de atitudes.
27

No estudo das nomenclaturas, o tipo de comportamento parental é


verificável segundo três formas de classificação:
1) o modo de utilização;
2) a estrutura linguística;
3) o campo de aplicação.

2.1.3.1. O modo de utilização


Do ponto de vista da utilização, os termos de parentesco têm dois
modos de funcionalidade:
1. o tratamento directo – ou de endereço – quando alguém se
dirige pessoalmente ao parente interpelando-o pelo termo
corespondente: “avô!”, “mãe!”, “tio!”, etc. e
2. o tratamento indirecto – ou de referência – tal como sugere
a palavra, quando o locutor fala de um determinado parente a
terceiros: “o meu avô”, “a minha prima”, etc.
Na nossa cultura, como nas restantes terminologias europeias de
modo geral, existe de facto um termo de afinidade específico para
designar os pais do nosso cônjuge mas este não é aplicável
directamente à pessoa em causa. Neste tipo de relação, intervém
na nossa cultura (e noutras também) um tabu terminológico em
relação ao emprego do termo sogro/sogra que introduz distância,
sendo mesmo preferível utilizar-se o termo pai/mãe que aproxima.
Porém, esta forma subtil de integração dos sogros no grupo
parental mais íntimo da consanguinidade não é exclusiva destes,
acontece igualmente com os cunhados, os quais na sociedade
rural tradicional portuguesa é corrente designarem-se por
“mano/a”.
Com efeito, esta reserva de tratamento directo para com os sogros,
é em geral muito vulgar em relação à maioria dos parentes por
aliança cujos termos são comummente decalcados dos
consanguíneos ou empregando o seu nome próprio. Em França,
designadamente, este último comportamento é muito comum em
relação à maioria dos aliados.
Resumindo, um termo de endereço faz parte integrante da
conduta codificada que cada indivíduo deve ter para com os seus
parentes. Esta conduta, dado ser um dado requerido pela
sociedade a todos os indivíduos, resulta da determinação do lugar
que cada parente ocupa no sistema de parentesco.
Constata-se assim que os termos de referência têm um campo de
aplicação mais preciso que os utilizados no tratamento directo, na
medida em que o tratamento na referência é mais preciso que o do
tratamento directo. Como se viu na nossa cultura, o termo mãe
para além de servir para chamar a mãe biológica pode ainda ser
empregue para se dirigir à sogra ou à madrasta. Acontece o
mesmo com o termo tio que pode ser aplicado inclusivamente para
se dirigir a uma pessoa exterior ao parentesco sob a forma
contraída de “ti” (denotando uma certa familiaridade
condescendente).
Para contrariar as imprecisões do campo de aplicação, certas
sociedades possuem séries diferentes de termos para o tratamento
28

directo e para a referência, enquanto noutras, como a nossa, são


necessários, como se viu, alguns paliativos para reduzir a
ambiguidade do campo de aplicação parental.

2.1.3.2. A estrutura linguística dos termos de


parentesco
Do ponto de vista da estrutura linguística, os termos de
parentesco podem apresentar-se segundo três ordens:
1. elementares – quando não podem ser decompostos em
elementos lexicais dotados de significado parental, como:
“pai”, “mãe”, “primo”, etc.,
2. derivados – quando são compostos por um termo elementar e
outro elemento lexical sem significado parental: bis+avô
(“bisavô”), belle+mère (“belle-mère”) em francês, ou
grand+father (“grandfather”) em inglês, etc., ou
3. descritivos – quando na nomenclatura não existe um termo
específico para referir um determinado parente e se conjugam
dois ou mais termos elementares para indicar a relação, por
exemplo: “irmão do pai” ou em sueco a palavra “farbor” para
referir o tio.
A forma descritiva para referir os parentes é muito utilizada, mesmo
nos casos em que existem termos específicos. Tal, acontece mos
casos em que o emprego de um termo elementar ou derivado não
é suficiente para identificar o parente de quem se fala. Assim,
quando é necessário explicitar a relação para precisar o lado
parental: “o irmão do meu avô paterno” por exemplo.

2.1.3.3. O campo de aplicação


Segundo o campo de aplicação, os termos de parentesco podem
ser
1. denotativos, quando indicam uma única categoria de
parentes, em função da geração, do sexo e laço genealógico.
Quer dizer que qualquer um dos termos pode incluir várias
pessoas num mesmo tipo de relação com Ego, embora nem
todas as relações sejam exactamente equivalentes em todos
os casos (por exemplo, possuímos vários tipos de cunhados).
Inversamente, este aspecto não é verificável em relação ao
pai, à mãe, etc., dado serem pessoas únicas na sua categoria.
2. classificatórios, quando enviam para vários indivíduos
pertencentes a mais de uma categoria de parentes, definidos
segundo a geração, o sexo, e o laço genealógico. Ou seja,
quando não é feita a distinção, em parte ou na totalidade,
entre parentes em linha recta e colaterais. No campo da
aliança, também o termo cunhado tem na nossa língua uma
aplicação variada: quincadimensional precisamente, porque
refere cinco relações tão variadas como as de irmão do
marido; de irmão da esposa; de marido da irmã; de marido da
irmã da esposa; de marido da irmã do marido.
A omissão das particularidades classificatórias nas terminologias
europeias – classificadas, sem outra matriz, como descritivas com
base na simples análise do núcleo de parentes muito próximos de
29

Ego – e a constatação da sua existência nítida noutras sociedades,


conduziram Morgan a retirar conclusões de carácter distintivo e
tendencioso entre as terminologias europeias e as terminologias
das sociedades “primitivas”. As primeiras seriam descritivas (e
desde logo seriam analíticas) enquanto as segundas seriam de tipo
classificatório (denotando uma certa confusão, confundindo o que é
diferente).

2.1.3.4. Os principais tipos terminológicos


Um certo número de tipos de terminologias do parentesco,
considerados de referência, foram retidos por Murdock [1949] para
construir a sua tipologia. Os principais tipos são seis:
1. esquimó,
2. havaiano,
3. iroquês,
4. sudanês,
5. crow e
6. omaha.
A tipologia foi construída com base na terminologia de Ego
masculino para designar ao seus parentes femininos a qual na
apresentação aqui dada considera no entanto outras relações.
Se tivermos em conta a tipologia de Murdock, a terminologia
portuguesa, tal como a do resto da Europa e de outros povos tão
diferentes como os esquimós do Cobre do Grande Norte ou os
pigmeus andamaneses da floresta tropical, etc., pode ser
classificada na categoria esquimó.

2.1.3.4.1. Terminologia esquimó

Uma terminologia é qualificada de tipo esquimó quando,


entre outros aspectos, os irmãos do pai e da mãe são
referidos por um termo idêntico “tios”, assim como as irmãs
de ambos os pais são igualmente designadas por um mesmo
termo “tias”. Outra característica terminológica esquimó, diz
respeito ao facto dos primos de Ego serem classificados
numa única categoria terminológica – independentemente de
serem patrilaterais ou matrilaterais, cruzados (filhos de
irmãos de sexo diferente) ou paralelos (filhos de irmãos de
mesmo sexo) – e serem distinguidos dos irmãos e irmãs por
um termo específico.

tio tia pai mãe tia tio

primo prima primo prima irmão Ego irmã primo prima primo prima
30

2.1.3.4.2. Terminologia hawaiana

Um caso muito típico de classificação dos parentes é o


exemplo da terminologia de tipo hawaiano, dito ainda
“sistema geracional”. De facto, este tipo caracteriza-se pela
classificação terminológica dos parentes em linha recta e
colaterais por gerações. Por outras palavras, os parentes
em linha recta e em linha colateral são designados por um
termo idêntico em cada geração, segundo a respectiva
distinção de sexo. Assim, a mãe e a irmã desta, tal como o
pai e o irmão deste, são respectivamente designados pelo
mesmo termo – “mãe/mâe” para as primeiras e “pai/pai” para
os segundos – o que, em consequência de tal, também a
distinção terminológica entre irmãos e primos não existe.

mãe pai mãe pai


pai mãe

irmão irmã irmão irmã irmão Ego irmã irmão irmã irmão irmã

filho/a filho/a filho/a

O tipo hawaiano é ainda mais corrente que o sistema


esquimó, existindo nas suas diferentes variações muito além
do universo estritamente malaio-polinésio onde foi
inicialmente referenciado.

2.1.3.4.3. Terminologia iroquesa

Outro exemplo clássico de nomenclatura classificatória,


corresponde à terminologia iroquesa, onde se pode
observar, designadamente, o agrupamento na mesma
categoria terminológica o pai e o irmão deste, e na categoria
de mãe a irmã desta. Inversamente, os irmãos dos pais, de
sexo diferente destes, são chamados “tios/as”. Em
consequência, Ego denota terminologicamente as primas
cruzadas bilaterais (a filha da irmã do pai e a filha do irmão
da mãe) com um termo idêntico distinguindo-as das primas
paralelas (filha da irmã da mãe e filha do irmão do pai) e das
irmãs, as quais são, geralmente, não em todos os casos,
designadas por um termo idêntico. Por outras palavras, os
primos paralelos são distinguidos dos primos cruzados na
medida em que aos primeiros Ego chama “irmãos” e aos
segundos “primos”.
31

tia pai pai mãe tio


mãe

primo prima irmão irmã irmão Ego irmã irmão irmã primo prima

2.1.3.4.4. Terminologias crow e omaha

A particularidade classificatória destes dois tipos resulta do


facto de não marcarem terminologicamente determinadas
gerações. Por outro lado, são respectivamente matrilineares
e patrilineares.
No tipo Crow6, o princípio das gerações é de facto
ignorado em relação a certas categorias de parentes. Estas
são classificadas verticalmente por um termo idêntico
independentemente da geração o que explica a
particularidade da terminologia. Assim, os irmãos dos pais de
ego de sexo diferente destes não são denotados pelo
emprego de um termo específico, mas referidos de modo
descritivo (“irmã do pai”/”irmão da mãe”). Em contrapartida,
os irmãos dos pais de ego de mesmo sexo que estes são
chamados pelo mesmo termo com que ego designa os seus
pais (“pai”/”mãe”) e em consequência os primos paralelos
(filhos de irmãos de mesmo sexo) são chamados “irmãos”
por Ego. No lado materno, o tio é referido por um termo
descritivo (“irmão da mãe”) para na geração seguinte Ego
chamar “filho/a” aos filhos deste.

Irmã do pai pai pai mãe mãe Irmão da mãe

pai Irmã irmão irmã irmão Ego irmã irmão irmã filho filha
do pai

pai Irmã do pai

sobrinhos/as
________________________________
6
Os Crow são um povo das planícies do Montana cuja terminologia, por ter sido estudada em primeiro
lugar, constitui um tipo de referência ao qual correspondem outros sistemas, como o dos Hopi
(metrilineares).
32

Resumindo, na terminologia dos primos, Ego distingue, por


um lado, as primas cruzadas patrilaterais das matrilaterais e,
por outro, distingue cada uma destas categorias das primas
paralelas e das irmãs que são designadas pelo mesmo
termo. A filiação é matrilinear e a residência patrilocal.
A terminologia de tipo omaha é patrilinear do ponto de
vista da filiação pelo que em consequência deste facto
apresenta características terminológicas simetricamente
inversas à Crow.

Irmã do pai pai pai mãe mãe Irmão da mãe

sobrinho sobrinha irmão irmã irmão Ego irmã irmão irmã Irmão mãe
da mãe

filho filha Irmão da mãe mãe

2.1.3.4.5. Terminologia sudanesa

A terminologia sudanesa, tem características fortemente


descritivas na maioria dos casos. Cada uma das categorias é
normalmente, mas nem sempre, referida pelo emprego de
termos descritivos (“filha da irmã do pai”, “filha do irmão da
mãe”). A existência destas particularidades na maioria dos
casos observados, conduziram Murdock [1949] a caracterizar
o tipo sudanês como sendo uma terminologia descritiva.

A B D B

termo termo Ego termo termo termo


E H G I F

termo termo
J L

Na tipologia de Murdock são ainda indicados dois outros


tipos terminológicos, bastante minoritários, representando
uma forma transitória de sistema de filiação: o Yuma e o
Fox.
O sistema Yuma, instável, porque indefinido quanto ao
regime de filiação, e em transição de um regime de filiação
33

para outro, pode apresentar uma terminologia de tipo iroquês


no que diz respeito às primas (o qual distingue, como se viu,
as primas cruzadas das paralelas). O tipo Fox tem a
particularidade de apresentar, como o Yuma, não só um
regime de filiação em transição mas ainda uma terminologia
das primas cruzadas assimétrica (ou seja, o uso de termos
distintos para cada um dos lados patri-matrilateral). Em
suma, umas vezes são de tipo crow outras vezes de tipo
omaha ou mesmo sudanês.
Graças à terminologia classificatória, as sociedades conseguem
reduzir consideravelmente o grande número de termos que teriam
de utilizar se não fizessem intervir este tipo de classificação, que
segundo Murdock [1949] são da ordem média dos 25 entre os
milhares teoricamente possíveis.
O método genealógico consiste em consignar uma genealogia
recorrendo à memória dos seus interlocutores para indicarem os
seus parentes um a um, do conjunto dos seus ascendentes,
descendentes, colaterais e aliados. É precisamente neste processo
de registo que se obtêm os diferentes termos de parentesco.
Com o registo da totalidade dos termos de parentesco ajudado
pela reconstituição de um certo número de genealogias-tipo, fica
assim evidenciada a correspondente nomenclatura. Na análise,
convém empregar um certo número de parâmetros permitindo
efectuar as necessárias medidas em termos de graus de
consanguinidade e, assim, situar com precisão um determinado
indivíduo numa dada genealogia:
1) O cômputo dos graus de consanguinidade (existem vários
sistemas de contagem dos graus, mas os mais utilizados
no universo europeu do parentesco são, por um lado, o
cálculo romano ou civil empregue em antropologia,
direito e genética e, por outro, o sistema de cálculo
germânico-canónico usado nos documentos da igreja
católica.
2) A geração, cuja detrminação das gerações superiores
(G+) ou inferiores (G-) se inicia a partir de Ego (G0).
3) O grau de colateralidade (ºCol) cujo estabelecimento se
faz horizontalmente a partir da linha recta (Lr) na geração
de Ego (G0). Assim, por exemplo, os irmãos de Ego são
para ele parentes do primeiro grau de colateralidade, os
tios e primos germanos (primos direitos) de segundo
grau.
4) Em determinadas nomenclaturas o sexo e a idade podem
ser pertinentes para a análise, não somente do ponto de
vista estritamente linguístico mas simultaneamente do
ponto de vista do significado mais estritamente
antropológico.
Outros procedimentos de medição, mais excepcionais, dos graus
de parentesco, tais como a matemática, são utilizados por certos
analistas, como por exemplo J. Atkins [1974]. Do ponto de vista da
34

análise linguística dos termos de parentesco mencione-se, na


perspectiva estruturalista, a obra de F. G. Lounsbury [1966]; noutro
campo, o emprego da análise componencial, inspirada na
linguística americana, foi utilizada de forma muito interessante por
W. H. Goodenough [1951].
Refira-se, no entanto, que o excessivo grau de formalismo na
análise dos sistemas de parentesco reverte sempre para uma
abstracção cuja abrangência antropológica é raramente
descortinável.

2.1.4 O casamento e a aliança matrimonial


O grau de distância consanguínea entre os grupos de onde emanam os
indivíduos esposáveis pode ser consideravelmente variado de uma
sociedade para outra, pelo que aliança tanto pode realizar-se fora de
qualquer laço de parentesco como dentro de um grupo de
consanguíneos relativamente próximos e autorizados para o efeito.
O tabu do incesto obriga a procurar cônjuge fora de um círculo de
aparentados consanguineamente muito próximos. A proibição do
incesto não se limita a interditar determinadas relações sexuais (as
quais podem acontecer de modo ilícito), mas sobretudo, através da
permissão, autorizar certos casamentos e alianças. Tem porém como
característica ser uma proibição de natureza universal cujo fundamento é
nunca permitir, no mínimo, o casamento entre irmãos.
Segundo a teoria de Lévi-Strauss [1967], a aliança corresponde à
escolha do cônjuge segundo dois grandes modelos. Um deles definido
por regras positivas e outro por regras negativas. As primeiras,
prescrevem ou indicam preferencialmente a escolha do cônjuge e as
segundas, limitam-se a proibir um pequeno círculo de parentes
consanguineamente muito próximos, deixando livre a escolha do cônjuge
relativamente a indivíduos não aparentados ou ao conjunto dos outros
parentes.
A primeira das regras corresponde ao que Lévi-Strauss [1967] definiu
como as estruturas elementares do parentesco, segundo as quais as
regras de escolha do cônjuge têm efectivamente um carácter positivo, no
sentido em que a escolha do cônjuge deve ser realizada
preferencialmente numa determinada zona do parentesco.
A segunda das regras, corresponde às estruturas complexas do
parentesco que conhece designadamente o universo europeu. O código
civil e a própria igreja limitam-se a emitir regras negativas definindo uma
certa zona de parentesco cujos membros não podem contrair matrimónio
entre eles.

2.1.4.1. O átomo do parentesco


Segundo a teoria da aliança apresentada por C. Lévi-Strauss
[1985], o átomo de parentesco ou elemento de parentesco
consiste na estrutura de parentesco irredutível a qualquer outra
forma mais elementar. Segundo o autor, esta estrutura de
35

parentesco implica a existência de três tipos de relações familiares,


sempre dadas em qualquer sociedade humana:
1) uma relação de consanguinidade,
2) uma relação de aliança,
3) uma relação de filiação.
Átomo do parentesco

Esta teoria que se opõe à teoria da filiação desenvolvida pelos


britânicos, designadamente por Radcliffe-Brown, tem por raciocínio
imediato a troca matrimonial das mulheres entre os homens de
uma determinada comunidade ou grupo, tendo em consideração a
universalidade da proibição do incesto.
Troca matrimonial primária

Segundo esta teoria, um homem para adquirir uma esposa terá de


ter uma filha ou irmã para a dar em troca, como esposa, ao homem
que lhe deu a sua. Se a filha ou irmã não existir, a conclusão da
troca será diferida e realizada mais tarde.

2.1.4.2. O avunculato
O avunculato (do latim avunculus, tio) consiste numa relação
particular entre o tio e o filho da irmã.
Relações avunculares

Esta relação corresponde ao conjunto de direitos e obrigações que


o tio materno tem para com o filho da irmã, assim como o tipo de
tratamento que é reconhecido entre eles.
36

A este tipo de relação parental, habitualmente presente nos


sistemas matrilineares, mas não unicamente, é dada uma
explicação fundadora na teoria da aliança por Lévi-Strauss.
Com efeito, voltando ao elemento de parentesco referido
anteriormente, Lévi-Strauss considera ser a figura do tio materno
o seu princípio estrutural. Assim, o avunculato não pode ser
isolado da sua estrutura mínima (o que impediria a sua
compreensão).
A importância do tio materno remete, por sua vez, para a relação
com o filho da sua irmã – para a relação avuncular –, fortemente
característica dos sistemas matrilineares (embora nem sempre
observada nem exclusiva destes como foi dito), e nos quais o tio
uterino se substitui à autoridade do pai e às limitações de
transmissão patrimonial da mãe. A teoria da aliança insiste na
proibição do incesto e na sua universalidade, para explicar a razão
pela qual os indivíduos têm necessidade de procurar cônjuge fora
do grupo de parentesco consanguineamente muito próximo. Assim,
os irmãos e irmãs não podendo esposarem-se entre si, terão de
procurar cônjuge num grupo distinto mais ou menos próximo. Esta
exogamia de grupo explicaria o princípio fundador da sociedade.
Além disso, a aliança matrimonial ao ser praticada com vizinhos
potencialmente adversos ou mesmo fortemente inimigos permite
criar as condições necessárias para o restabelecimento de
relações de boa vizinhança e paz.

2.1.4.3. Os tipos de casamento


2.1.4.3.1. A monogamia e a poligamia

A monogamia (do grego mono «único» gamia «união,


matrimónio») tal como a conhecemos legalmente na nossa
cultura, está longe de ser universal. De facto, numerosos
povos praticam a poligamia ou seja os seus membros
partilham vários cônjuges autorizados. Porém, a poligamia
subdivide-se em duas práticas distintas: a poliginia e a
poliandria.
A poliginia (do grego poli «várias» + gino «mulher»),
bastante comum entre certos povos, designadamente entre
os indivíduos de cultura islâmica, consiste no facto de um
homem ter várias esposas (ou várias mulheres partilharem
entre elas o mesmo homem, formulação que depende do
ponto de vista do locutor ou da sociedade em causa) e de ser
admitido legalmente em determinada sociedade.
A poliandria (igualmente do grego poli «vários» + andro
«homem»), género certamente menos comum que a
monogamia e a poliginia mas bem real, apresenta a
característica inversa, ou seja consiste no facto de uma
mulher dispor de vários maridos (ou vários homens
partilharem uma mesma mulher) admitidos legalmente na
sociedade em causa. Esta modalidade de casamento é
observável nos toda da Índia e no Tibete designadamente,
37

muitas vezes praticada na forma adélfica ou seja os maridos


são irmãos entre si.
Assim, existem povos onde a forma de associação
matrimonial praticada é muito diferente da que estamos
habituados, inclusivamente de formas de associação
matrimonial modernas como as dos casais homossexuais de
ambos os sexos. Por exemplo, em certas sociedades
poliândricas particulares, de caçadores e guerreiros, o casal
matrimonial não é constituído por dois indivíduos de sexo
oposto mas de sexo idêntico e heterossexuais, porém com a
seguinte particularidade: o casal compõe-se de duas
mulheres no qual uma é bastante mais velha que a outra. A
mais nova, em idade de procriar, é fecundada por um homem
mais ou menos de passagem. O indivíduo de passagem terá
um papel de genitor mas não de pai social, papel que será
assumido pela mulher mais velha.

2.1.4.3.2. O levirato e o sororato

O levirato (uma forma de casamento designado secundário,


na medida em que foi precedido por um primeiro casamento),
consiste na obrigação que uma mulher tem em casar com
irmão do seu marido falecido. Os filhos nascidos deste novo
casamento não serão considerados filhos do genitor mas do
defunto considerado como pai social.
Entre múltiplos exemplos de levirato, note-se o caso da
sociedade arapesh, estudada por M. Mead [1935], em que
uma viúva volta geralmente a casar no clã do marido, tanto
quanto possível com um dos irmãos deste, sobretudo se tiver
filhos, dado estes deverem ser criados nas terras do seu pai
falecido.
Modalidade inversa ao levirato, o sororato consiste no
princípio segundo o qual quando a esposa morre, o seu
grupo de parentes de origem tem a obrigação de fornecer
uma outra em substituição da primeira. Sobretudo, nos casos
em que as circunstâncias do falecimento foram obscuras e a
mulher sendo jovem não tenha deixado a esperada
progenitura. Ou ainda no caso em que não tendo falecido é
no entanto uma esposa estéril. Em qualquer destas
situações, uma irmã mais nova da referida esposa pode
substituí-la e os filhos nascidos da união serão considerados
filhos da primeira esposa. Esta modalidade de casamento
pode ser observável, entre outros, nos shoshone onde uma
mulher quando morre, a sua linhagem deve substituí-la por
outra, geralmente uma irmã mais nova, cedida por um valor
mais baixo que a primeira. Outro exemplo, é o das ilhas
Marquesas onde o sororato é praticado pela aristocracia
como forma de manter as relações privilegiadas iniciais.
Estes casamentos são compreensíveis se tivermos em conta
que envolvem fortemente os grupos a que pertencem os
nubentes.
38

2.1.5 Descendência e filiação


A filiação define relações de consanguinidade, reais ou fictícias, que
diferenciam grupos de consanguíneos e os tornam possíveis aliados,
segundo a selecção imposta pelo tabu do incesto. Por outro lado, a
filiação ao definir o parentesco e não parentesco determina, em
consequência, no quadro da herança e da sucessão, os direitos, deveres
e obrigações respeitantes a determinados indivíduos e grupos
aparentados, decidindo os que são excluídos.
É igualmente necessário ter em atenção a distinção entre genitor e pai/
mãe social, dado as duas realidades nem sempre coincidirem. Acontece
muitas vezes, na nossa sociedade, uma criança ter um pai biológico
desconhecido e viver com um homem que assume a paternidade social
provindo a todas as necessidades inerentes ao correspondente papel (é
o caso notório da adopção). Um exemplo muito notável e revelador pode
ser encontrado na história francesa, na relação adulterina de Louis XIV
com a marquesa de Montespan, da qual resultaram vários filhos os quais
para não serem reclamados pelo marido de madame de Montespan (que
adquiriria assim o estatuto de pai de filhos que não eram seus) foram
declarados filhos do rei mas de mãe incógnita. Noutras sociedades,
como por exemplo os Nayar do sul da Índia, distinguem três papéis
normalmente reunidos num único:
• o papel de pai social,
• o papel de genitor e
• o papel de detentor da autoridade.
Nesta sociedade, um homem, geralmente pertencente à casta superior
brâmane, pode realizar um casamento com uma rapariga que continuará
a viver em casa dos seus pais e onde tem toda a liberdade de ter
amantes. Os filhos nascidos destas relações sexuais (de diferentes
genitores) serão considerados filhos do marido (pai social) e, dado tratar-
se de uma sociedade matrilinear, dependerão da autoridade do seu tio
uterino.

2.1.5.1. A filiação indiferenciada


A filiação indiferenciada, dita ainda bilateral ou cognática
(bilateral descent ou cognatic descent em inglês; filiation bilatéral,
indifferenciée ou cognatique em francês) corresponde à
modalidade que conhecemos na nossa sociedade e grosso modo à
maioria das sociedades ocidentais. Está no entanto longe de estar
reservada às sociedades de modelo europeu, reflectindo na
realidade um tipo de filiação bastante comum em toda a
humanidade.
Nas culturas onde se pratica a filiação indiferenciada, ego pertence
indiferenciadamente à linhagem do seu pai e da sua mãe e desde
logo às quatro linhagens ascendentes da linha recta. Sendo assim,
a terminologia do parentesco patrilateral e matrilateral é
exactamente a mesma em ambos os lados, como se viu nos
diferentes tipos de nomenclatura. Outro aspecto, consiste em as
relações de parentesco de ego serem idênticas tanto com o lado
paterno como com o lado materno.
39

Em consequência desta prática, os direitos, deveres e obrigações


são, regra geral, exactamente os mesmos em relação às duas
linhas de descendência.
De facto, a generalidade dos sistemas europeus de parentesco
corresponde caracteristicamente à filiação indiferenciada,
sobretudo no que toca à relativa equivalência das relações de
parentesco com ambas as linhas parentais. Porém, um sistema
destes claramente típico é o sistema português (e de forma
idêntica o caso espanhol) se tivermos em consideração o modelo
de transmissão do nome. Com efeito, o principal critério de
definição de pertença a um grupo e, desde logo de filiação, é a
partilha de um mesmo patronímico.

2.1.5.2. A filiação matrilinear (ou uterina)


Nas sociedades onde se pratica a filiação matrilinear (matrilineal
descent em inglês e filiation matrilinéaire em francês), ego pertence
ao grupo de parentes maternos. Nestes sistemas, o laço de
parentesco é exclusivamente transmitido pelas mulheres. A linha
de parentesco paterna é naturalmente reconhecida mas esta tem
um papel de parentesco secundário. Os parentes paternos de ego
pertencem à sua respectiva linha materna que, desde logo, é
diferente da de ego. Geralmente a residência é dita simétrica
porque concorda com a filiação, ou seja a residência matrimonial é
matrilocal.

Legenda: grupo matrilinear

grupo residencial matrilocal (sistema dito simétrico)

Existem numerosos sistemas de parentesco matrilineares embora,


segundo o que parece, a maioria dos sistemas existentes seja
patrilinear. Nestes sistemas, um homem está reduzido ao papel de
marido da mãe dado não ter nenhuma função na atribuição do
estatuto parental aos filhos. Assim, o parentesco biológico
40

relativamente ao pai é ignorado e simultaneamente o de pai social,


cujo papel é desempenhado pelo irmão da mãe.
Outro exemplo muito interessante e elucidativo é o caso
apresentado por Georges Condominas, a propósito dos mnong gar
(ou phii brêe) matrilineares7, onde o conjunto dos indivíduos
pertencentes a um clã se reclama de um ancestral comum em linha
materna e o estatuto de escravo e de homem livre se adquiria por
via feminina.
Na comunidade judaica a qualidade de pertença adquire-se
através das mulheres. Assim, uma judia casada com um homem
não judeu, os seus filhos serão considerados judeus o que não
acontecerá com a situação inversa.

2.1.5.3. A filiação patrilinear (ou agnática8)


A filiação patrilinear (patrilineal descent em inglês e filiation
patrilinéaire em francês), apresenta uma configuração
diametralmente inversa à matrilinear.
Os muçulmanos são caracteristicamente patrilineares, o que
significa que os filhos de um casal têm o estatuto de pertença ao
grupo de parentes do pai. Numerosas sociedades estão
organizadas segundo o regime patrilinear, de longe o mais comum.
Na Europa, inclusivamente, existem mais que fortes inflexões
patrilineares em certos sistemas de parentesco, como por exemplo
no que diz respeito à transmissão do nome como já foi visto atrás
[Dos Santos, 1994].
Geralmente o grupo residencial é simétrico ao sistema de filiação e
corresponde assim ao grupo patrilocal.

2.1.5.4. A filiação bilinear (ou dupla filiação


unilinear)
A filiação bilinear ou dupla filiação unilinear (double descent em
inglês e filiation bilinéaire ou double filiation unilinéaire em francês),
combina os dois sistemas unilineares, patri-matrilinear, e cada uma
das duas linhas preenche um papel diferente da outra.
A B C D

Legenda: linhas de filiação


________________________________
7
Os mnong gar (“Homens da floresta”) são um povo semi nómada dos Altos Planaltos vietnamitas.
8
Os agnatos correspondem aos indivíduos (masculinos e femininos) descendendo de um mesmo
ancestral pelos homens exclusivamente.
41

Nos ashanti do Gana, o pai transmite o espírito (o “ntoro”)


enquanto o sangue (o “abusua”) é transmitido pela mãe [Fortes,
1950].
A definição de filiação bilinear dada mais acima, reporta-se às
características principais do sistema, porém foram observadas
algumas variantes importantes em diferentes partes do globo.
Segundo alguns autores, o sistema de filiação bilinear seria de
todos o mais raro. Pela minha parte penso que, provavelmente,
não o será tanto como geralmente se pensa.
Uma última nota para fazer observar que os diferentes exemplos,
dados mais atrás, a respeito da Europa, como sendo sistemas
indiferenciados, atestam na realidade modalidades de regimes de
parentesco que levam a colocar, na maioria deles, a questão de
saber se os seus sistemas definidos habitualmente como
indiferenciados o são efectivamente.

2.1.6 A linhagem, a linhada e o clã


A linhagem (lineage em inglês; lignage em francês) consiste num
conjunto de indivíduos tendo em comum um (ou uma) ancestral comum
fundador, do qual se reclamam, em virtude de uma regra de filiação
unilinear: agnática (linhagem patrilinear) ou uterina (linhagem
matrilinear). Os membros da linhagem são capazes de estabelecer
todos os elos que os ligam uns aos outros e ao ancestral comum,
característica que distingue a linhagem do clã. Geralmente a linhagem
constitui um grupo local (patri ou matrilocal) cuja unidade social tem por
princípio a autoridade jurídica, o património, a exogamia, o culto e a
solidariedade. Por exemplo, na sociedade Ashanti do Gana a linhagem é
considerada como uma “pessoa” [Fortes, 1950] e cada indivíduo
representa a linhagem e é responsável pelos actos dos restantes
membros.
Quanto à linhada (issue ou stock of descendants em inglês; lignée em
francês), esta representa um segmento de linhagem de indivíduos
primogénitos e benjamins, independentemente da regra de filiação e da
linha, recta ou colateral, pela qual o parentesco é estabelecido. Por
exemplo, no nosso tipo de cultura, certos direitos podiam ser
transmitidos por via primogénita e fazer, assim, evidenciar uma linhada
de primogénitos por oposição a filhos segundos. Os Três Mosqueteiros
de Alexandre Dumas não são outros se não os benjamins (“Les cadets
de France”) excluídos, devido à posição na sua ordem de nascimento,
dos bens principais dos seus respectivos pais (reservados aos
primogénitos), não lhes restando senão a espada que põem ao serviço
do rei.
Relativamente ao clã, os seus membros dizem-se aparentados uns aos
outros por referência a um ancestral comum, mas na realidade são
geralmente incapazes de estabelecer o laço que afirmam ter com o
ancestral epónimo, contrariamente, como se viu, à linhagem. O clã pode
ser constituído por uma ou várias linhagens, ter uma base territorial local
ou encontrar-se disperso pela regra da exogamia. Seja como for, o clã é
dotado de um espírito de solidariedade e funciona como um todo em
acto. Ou seja, se um dos seus membros cometer um crime todo o clã se
42

encontrará envolvido e deverá prestar contas enquanto grupo no seu


conjunto.

2.1.7 Parentela
A parentela consiste no grupo de parentes consanguíneos que ego
reconhece como tal. Nos casos em que a linha genealógica de
descendência é indiferente – o que acontece na maioria dos casos –, a
parentela é dita bilateral. Porém, existem sociedades em que o
recrutamento dos membros da parentela é feito numa única linha,
agnática ou uterina. A fundamental característica da parentela é ela
definir-se exclusivamente em relação a um indivíduo de referência, ou
seja ego, que se encontra no centro de uma tal configuração.

2.1.8 A residência matrimonial


Em sociedades como a nossa, por exemplo, a residência não obedece a
regras fixas e rígidas, estando antes dependente de aspectos diversos e
exteriores ao parentesco, em particular o económico. No entanto, nestas
mesmas sociedades, se não se pode falar geralmente de reais regras
residenciais é possível evidenciar, em alguns casos, fortes tendências no
sentido da realização de um determinado modelo cultural de residência
matrimonial. Ou seja, quando as condições sociais e económicas locais
são neutras em relação a ambos os cônjuges, a tendência é praticar-se
um modelo cultural de residência matrimonial em conformidade com os
usos do lugar. Por exemplo em Portugal, em meio especialmente rural, é
comum a residência ser de tipo matrilocal entre aldeias, sempre que
eventuais impeditivos não se interponham. Porém, outros tipos de
residência existem no nosso País, os quais também – sempre que os
elementos favoráveis ao modelo cultural estão presentes – tendem a
realizar-se por força de emergência da estrutura social local antiga, mais
ou menos ainda existente.
Foram observados os seguintes modelos principais:
1) a residência patrilocal,
2) a residência virilocal,
3) a residência matrilocal,
4) a residência uxorilocal,
5) a residência bilocal,
6) a residência alternada,
7) a residência duolocal (chamada também natolocal),
8) a residência avuncolocal,
9) a residência neo-local.
É possível que certos autores refiram alguns destes modelos utilizando
outros termos, para além ainda da sua definição poder também variar em
alguns dos casos.
A residência patrilocal, matrilocal, virilocal, uxorilocal corresponde a uma
regra unilocal de residência, segundo a qual um dos cônjuges deve ir
habitar para junto do grupo de parentes do outro.
A residência patrilocal, corresponde à regra que leva a que os dois
cônjuges devam residir na casa ou terras do pai do marido.
43

A residência virilocal distingue-se da residência patrilocal pelo facto


dos cônjuges se estabelecerem na casa e nas próprias terras do marido
e não do grupo de parentes do marido.
A residência matrilocal, resulta da regra que leva um casal a ir viver
junto dos parentes da mãe da esposa ou no seu território.
A residência uxorilocal consiste na regra inversa à da residência
virilocal, os cônjuges vão instalar-se na casa da esposa.
A residência bilocal não impõe um único local de domicílio como o tipo
unilocal. Segundo a escolha, o casal integra-se num ou noutro grupo de
parentes, podendo um dos cônjuges deixar de ser membro do grupo de
origem abandonado.
A residência alternada consiste no facto de esta alternar entre a
residência patrilocal e matrilocal. A alternância pode ser periódica ou em
função de determinadas regras. Por exemplo, os homens boschimanes
estão obrigados a viver em casa do pai da esposa até ao nascimento de
um certo número de filhos, antes de poderem ir residir com o grupo dos
seus parentes.
A residência duolocal, designada também de natolocal, significa que
cada um dos cônjuges vive separadamente em casa dos seus
respectivos pais.
Na maioria das vezes ela é provisória mas pode ter um carácter
definitivo.
Os homens ashanti casados vivem em casa de sua mãe juntamente com
os seus irmãos e irmãs assim como com os filhos das irmãs. Por seu
turno, as esposas vivem igualmente na casa de sua mãe com os
próprios filhos onde confeccionam a comida que é levada por estes ao
seu pai.
Também no norte de Portugal foi observado este tipo de residência, em
que os cônjuges vivem e trabalham separadamente durante o dia em
casa dos seus respectivos pais e passam a noite juntos na casa dos pais
da esposa [B. O'Neil, 1984].
A residência avuncolocal, consiste na regra segundo a qual um casal
vai residir junto do irmão da mãe do marido. Este tipo pode ser
facilmente observado nas sociedades matrilineares, mas não
exclusivamente.
A residência neo-local corresponde à regra segundo a qual os cônjuges
moram num local independente do dos seus respectivos pais. Este tipo
de residência é característico das sociedades ocidentais, embora não
seja exclusivo delas. Mas mesmo nestas, em períodos de crise
económica, é comum um jovem casal com dificuldades financeiras
morar, mais ou menos tempo, em casa de um dos pais do casal,
geralmente em casa dos pais da esposa no caso português.

2.1.9 A família nuclear


Como vimos no início deste sub-capítulo, o conceito de família é muito
impreciso dado poder subentender associações de parentes muito
44

diferentes, segundo o locutor: indivíduos ligados pelo sangue, pelo


casamento, pela adopção; ou também indicar pessoas pertencentes a
uma determinada linhada importante.
O conceito de família nuclear tem uma maior precisão, dado
corresponder à definição de um grupo irredutível de indivíduos co-
residentes constituído pelos cônjuges e respectivos filhos solteiros
(geralmente de mesmo sangue mas também eventualmente adoptados).
Porém, este grupo está longe de ser universal, como também ser
exclusivo do mundo ocidental moderno.

Mais ainda, o reconhecimento da família nuclear como base nas diversas


formas de organização social apoiadas no parentesco, não é unânime e
continua a ser objecto de debates controversos entre cientistas.
Com efeito, o grupo que constitui a família nuclear, designada ainda de
restrita, conjugal ou elementar (os termos são inutilmente vários e
atrapalham-se uns aos outros), não corresponde ao átomo do
parentesco (ou elemento de parentesco) evidenciado por C. Lévi-Strauss
para forjar a teoria da aliança, enquanto centro da organização social
fundamentada no parentesco, como se viu anteriormente.
Num passado recente (e porventura ainda hoje em certos locais mais
recônditos da Europa), no seio das sociedades ocidentais modernas
onde a família conjugal é generalizada, foi igualmente possível observar
este agrupamento associado a agregados mais vastos como a família
extensa ou alargada. Contudo, na sociedade moderna actual, a família
nuclear está a sofrer uma forte mudança, é menos exclusiva e encontra-
se em crescente concorrência com outras formas de associação, como
os casais de indivíduos de mesmo sexo (legitimados ou não pela
sociedade) reivindicando inclusivamente a possibilidade de adopção de
crianças.
De resto, é um facto que, na maioria das sociedades humanas, a família
conjugal, monogâmica (na qual nenhum dos cônjuges está autorizado a
ter simultaneamente outro cônjuge) e restrita, está associada a
agregados mais vastos e complexos, tais como a família poligâmica (ou
família composta), a família extensa, a família indivisa ou alargada.
A família nuclear deve ser distinguida do grupo doméstico devido a
este corresponder, na sociedade camponesa, a uma unidade residencial,
com funções de produção e consumo, onde nem todos os seus membros
são aparentados dado que ao grupo de parentes está muitas vezes
associado um certo número de trabalhadores agrícolas, entre outros.
Investigações históricas mostram que, em certas condições e por várias
razões, os grupos familiares eram levados a associar-se entre eles e,
muitas vezes, podiam incluir, de facto, membros estranhos ao
parentesco. Em alguns casos, os estranhos associavam-se como se
fossem irmãos ou mesmo como famílias conjugais aparentadas
45

ficticiamente. As comunidades familiares reagrupavam também parentes


e eram regidas sem contrato formal mas tácito – razão pela qual são
chamadas comunidades tácitas. É também o caso da zadruga
jugoslava9, formação agrícola constituída por famílias voluntariamente
associadas na qual, tal como nas comunidades tácitas, o grupo
doméstico tinha como elo central a residência e as refeições em comum.
A realidade da família poligâmica conduz à família composta, pelo
facto de compreender o conjunto dos diferentes cônjuges e respectivos
filhos.

Em contrapartida, a família extensa (extended family em inglês; famille


étendue em francês) não corresponde à mera justaposição de várias
famílias conjugais mas a um grupo de consanguíneos, aliados e
descendentes, representando no mínimo três gerações co-habitando
num mesmo local.
Na realidade, é a co-habitação de diferentes gerações e não o número
de indivíduos que torna a família extensa diferente da família nuclear.

A família indivisa ou alargada (joint family em inglês; famille indivise ou


élargie em francês) é um agregado relativamente diferente da família
extensa, na medida em que apresenta uma configuração menos vertical
e mais horizontal.

________________________________
9
Esta forma de associação doméstica existia na planície panoniana da Jugoslávia (entre o Danúbio e a
Ilíria).
46

2.1.10 A herança e a sucessão


Porque se pode herdar sem suceder, os antropólogos distinguem a
herança da sucessão. Na realidade são duas práticas muito diferentes.
Para os antropólogos, a herança diz respeito aos bens – móveis e
imóveis – que um indivíduo deixa após o seu falecimento e que deverão
ser partilhados segundo determinadas regras em vigor na sua
sociedade. Em casos extremos, as eventuais dívidas e outros deveres e
obrigações a que um indivíduo se encontrava eventualmente adstrito,
são elas também susceptíveis de serem endossadas aos respectivos
herdeiros; porém, os deveres e obrigações cabem ser assumidos,
geralmente, pelo sucessor. Com efeito, a realidade da sucessão difere
da herança por não estar em causa a partilha de bens materiais mas a
transmissão de estatuto – relativamente a direitos, deveres e obrigações
– e de autoridade – relativamente à posição do autor da sucessão.
Um exemplo muito interessante desta distinção é descrito num trabalho
etnográfico sobre a transmissão da propriedade agrícola no Alentejo.
Neste, apresenta-se o caso de uma fratria de vários germanos em que
apenas um deles é de sexo masculino. No momento da herança dos
pais, todos foram herdeiros em partes iguais dos bens deixados, mas na
sucessão da gestão da totalidade (nenhum herdeiro retira o seu quinhão
do conjunto) foi eleito um único indivíduo que no presente caso foi o
indivíduo de sexo masculino (o qual ficou com o encargo de no final da
actividade agrícola dividir lucros e prejuízos em partes idênticas).
Como se pode facilmente entender, neste processo de devolução dos
bens e de transmissão da sucessão, a ordem de nascimento também é
importante.
Na maioria das sociedades, o sexo dos herdeiros é igualmente relevante,
tanto relativamente à herança como à sucessão. Por exemplo, esta
distinção de sexo é extremamente significativa do ponto de vista da
herança e da sucessão no povo hopi.

herança

sucessão

Os bens do tio-avô materno são devolutos a uma sobrinha em forma de


gado e culturas arvenses e uma parte destes pode ser igualmente
herdada por uma filha da sobrinha. Em contrapartida, a sucessão nos
estatutos do defunto, enquanto chefe político e figura religiosa do clã, é
atribuída ao filho da sobrinha.
Se o processo de transmissão dos bens patrimoniais familiares releva
geralmente da competência da família nuclear, em algumas situações a
sociedade toma o direito de intervir, a fim de verificar a execução do seu
47

modelo de partilha. É o caso na nossa sociedade, aquando do


estabelecimento de um “inventário de menores”, em que um órfão se
encontra em concorrência com outros herdeiros à herança disponível e
em particular com um dos seus progenitores e lhe é designado pelo
tribunal um tutor exterior ao grupo de parentes.
Outro aspecto relevante, está relacionado com o facto da herança e
sucessão não se realizarem forçosamente na sua totalidade no seio da
família nuclear. Em algumas regiões de tradição do herdeiro principal o
autor da herança pode designar um sobrinho para lhe suceder em
detrimento de uma filha ou de um filho incapaz de dar continuidade à
casa de família10.

2.2 O campo da antropologia política


2.2.1 A organização política das sociedades
O domínio da antropologia política é vastíssimo e a seu respeito existe
uma literatura especializada bastante profunda e diversificada,
reflectindo a história do seu desenvolvimento.
A este título, a organização política tem sido encarada como um dos
eixos de investigação estruturante da vida das sociedades e ocupou
desde cedo os antropólogos enquanto especialidade.
Naturalmente, todas as sociedades possuem uma organização política
agindo a diferentes níveis: social, territorial, económico, militar, etc. Este
facto, só por si, é suficientemente importante para interessar os
antropólogos. Mas o fenómeno torna-se ainda mais relevante, se
observarmos que as organizações políticas são muito diversificadas, e
mais ou menos complexas, segundo o tipo de sociedade.
Todos os membros de uma sociedade estão sujeitos ao sistema político
que a regula, embora nem todos participem, directa e especificamente,
nos seus diferentes níveis enquanto particularmente responsáveis por
um órgão de poder. No entanto, todos eles estão, de facto, implicados no
sistema político, directa ou indirectamente, em posição dominante ou
secundária, se considerarmos que um sistema político consiste numa
rede complexa de relações sociais na qual se inscreve o binómio
governantes/governados.
Nas pequenas sociedades, habitualmente estudadas pelos antropólogos,
a organização social e a organização política estão intimamente
interligadas. Em muitos casos, estes dois níveis relacionais sobrepõem-
se nitidamente, pelo que não é de admirar que naquelas sociedades a
organização política seja funcionalmente decalcada da organização
parental, que o mesmo é dizer da organização social, visto também
estas últimas se confundirem ou interpenetrarem profundamente.
Pode dizer-se que a antropologia política procura estabelecer a
tipologia dos diferentes sistemas políticos existentes no universo,
________________________________
10
Neste caso, todos são herdeiros mas o sobrinho é beneficiário de uma terça parte dos bens e sucede
na exploração da totalidade da propriedade. O sistema funciona porque os herdeiros não desmantelam
a unidade da propriedade, retirando as suas partes, e aceitam a eleição de um único sucessor para dar
continuidade ao conjunto indiviso.
48

estudando-os teoricamente um a um, para finalmente proceder à


sua comparação. Não é, no entanto, seguro poder estabelecer-se
facilmente a referida classificação tipológica e, sobretudo, evidenciar as
correlações entre um determinado modelo político e as diferentes
características da sociedade onde ela se aplica. Porém, apesar de tal,
pode considerar-se, grosso modo, a antropologia política como a
ciência que estuda e compara – apoiada em estudos etnográficos –
as formas e modos de organização política. Todavia, a realização
exaustiva deste quadro está longe de ser evidente, na medida em que a
grande dificuldade do seu estabelecimento tipológico reside – como
condição prévia – na definição precisa da noção de organização política,
e em dever ter em conta toda a diversidade dos seus tipos.

2.2.2 A perspectiva de alguns antropólogos


Foram representantes da antropologia britânica e o americano L. Morgan
os que inicialmente mais se interessaram pelo estudo da organização
política, designadamente H. J. Maine, R. Lowie, A. R. Radcliffe-Brown,
M. Fortes, E. E. Evans-Pritchard, com a particularidade destes dois
últimos terem introduzido a noção de sistema político. Mais
recentemente, e ainda na Europa, contribuíram com novas
reformulações teóricas sobre os sistemas políticos,
• os autores dinamistas M. Gluckman, G. Ballandier;
• a importante corrente marxista representada por, entre outros, Y.
Copans, M. Godelier, E. Terray;
• os estruturalistas J. Pouillon e E. Leach;
• nos Estados Unidos, há a salientar os neo-evolucionistas como
M. Fried, L. Krader, M. Sahlins.
As preocupações iniciais dos antropólogos privilegiavam, na perspectiva
evolucionista, a questão da origem do Estado e do direito. Mas se
inicialmente foram colocadas muitas questões sobre a origem do Estado,
depressa se chegou à conclusão que, independentemente das
respostas, a existência deste não constituía a única possibilidade de
organização política, tal como ficou demonstrado pelos antropólogos, ao
revelarem múltiplas formas de organização social onde esta condição
não tem realidade. É assim que H. S. Maine, em Ancient Law [1861],
evidenciou, desde muito cedo, a existência de sociedades cuja
organização política assenta no parentesco e não no território. Ou seja, a
existência de sociedades sem Estado paralelamente a sociedades
com Estado. Porém, se em muitas sociedades o parentesco fornece de
facto o esqueleto que articula os mecanismos reguladores da gestão
política, tal não significa também que, nas sociedades humanas, o
mecanismo do parentesco seja o único sistema regulador político para
além do Estado. Mais tarde, R. Lowie, em Primitive Society [1927],
rejeitará todos os esquemas evolucionistas que envolviam a questão da
origem do Estado, e às sociedades fundadas na organização parental
acrescentou outros tipos: as organizações fundadas nos grupos
etários, na idade e no sexo.
Na última década de trinta, as preocupações sobre as origens do Estado
deram lugar à perspectiva funcionalista inicial que concentrava a sua
atenção nos mecanismos da ordem e da coesão social, ao serviço da
qual se encontraria naturalmente a organização política. Neste quadro
teórico finalista, a questão das tensões e conflitos políticos assim
49

como a estratificação desigual dos grupos não podia ser evidenciada.


A partir da década de cinquenta, o fim dos colonialismos impõe a
realidade do movimento histórico social de emancipação dos povos
colonizados, ao formalismo anterior. Pela mesma altura, o estruturalismo
abstrai-se, como noutros domínios, dos aspectos formais privilegiados
pela análise funcionalista e propõe-se estudar sobretudo os sistemas
políticos como processos complexos de acção política.
Foram, de facto, H. J. Maine [1861] e mais tarde L. H. Morgan [1877], os
primeiros a evidenciar o facto dos laços de parentesco constituírem a
arquitectura social das sociedades sem Estado. Nestas condições,
estudar o parentesco é, como se pôde antever no sub-capítulo anterior,
abrir caminho para penetrar nas múltiplas dimensões do social e em
particular nas formas políticas das sociedades de pequenas dimensões,
assim como nos mecanismos da acção política das sociedades em geral.
Em relação às sociedades sem Estado, M. Fortes e E. E. Evans-
Pritchard confirmavam, no seguimento de autores anteriores, que estas
se subdividiam, por sua vez, em
• pequenas sociedades nas quais a organização política e a
organização do parentesco são decalcadas uma da outra e
• sociedades nas quais a organização política corresponde ao
modelo da organização linhagística.
Contudo, esta subdivisão revelou-se ser nitidamente insuficiente, na
medida em que os princípios reguladores políticos da sociedade podem
ser ainda outros: por exemplo, as classes etárias ou vários factores
simultaneamente, como já referira R. Lowie [1927].
Os antropólogos apresentam hoje um quadro dos sistemas políticos que,
embora não sendo exaustivo, permite orientar as investigações e afiná-
lo, enriquecendo-o à medida das novas complexidades observadas.
Do ponto de vista tipológico, Fortes e Evans-Pritchard [1940] salientaram
três grandes modelos de organização política:
1) as sociedades de dimensões muito reduzidas em que a estrutura
política se funde completamente na organização parental, na
medida em que ela abarca o conjunto das relações de parentesco
da totalidade do grupo;
2) as sociedades linhagísticas, onde a organização política se
modela na linhagem reflectindo uma estreita coordenação entre os
dois sistemas, os quais conservam porém a sua distinção e
autonomia;
3) as sociedades com Estado cuja organização se apoia num
aparelho administrativo, etc.
Estas últimas, contrariamente às primeiras, são ditas assim por
possuírem um governo e aparelho administrativo especializados, um
aparelho judicial, agentes de administração política, etc..
Em relação às duas primeiras categorias de organização política,
observa-se, como já foi referido, uma diversidade que se pode resumir
nas seguintes formas principais:
a) o bando: a primeira das organizações políticas corresponde às
sociedades dos grupos caçadores e recolectores, como por
exemplo os bosquímanes da região desértica do Calaari (Sudoeste
africano), os aborígenes australianos, etc. No bando, os direitos
50

são iguais entre indivíduos ao ponto da distinção sexual não


constituir uma diferença funcional. As transgressões são reprimidas
essencialmente pelo afastamento do infractor do grupo. Mesmo as
transgressões mais graves raramente são punidas com a pena de
morte.
b) A organização linhagística: existem outros grupos de caçadores
e recolectores cuja base política vai mais além da unidade da
família extensa. São sociedades onde o poder é difuso, e que
certos autores apelidam de sociedades “anarquicamente
controladas”. Na organização política linhagística, a legitimidade de
pertença a um grupo e o direito ao seu território são definidos pela
ligação ao ancestral fundador do grupo.
A estes tipos de organização foram acrescentados outros modelos como,
por exemplo os sistemas baseados exclusivamente na organização
segundo os grupos de idade.
Outro aspecto considerado, como característica de determinados
sistemas políticos, segundo Radcliffe-Brown [1940], são as diferentes
formas estruturais de desigualdade política, evidenciadas nas
pequenas sociedades, com base, por exemplo, na idade e no sexo. A
forma de governo pelos mais velhos é uma forma de organização política
muito corrente em muitas das sociedades estudadas pelos antropólogos.
Na sua perspectiva estrutura-funcionalista, ele considera que se este
equilíbrio for perturbado a sociedade reagirá em vários sentidos
possíveis podendo conduzir à sua renovação ou ao estabelecimento de
um novo equilíbrio.
Segundo o mesmo autor, um sistema político pressupõe um conjunto de
relações entre grupos, organizados na base do parentesco ou do
território, enquanto sistema de equilíbrio social. Este sistema de
equilíbrio não seria outra coisa senão o resultado de uma relação de
forças no interior da sociedade.
Quanto ao Estado, Radcliffe-Brown diz ser este comummente
apresentado como uma entidade superior aos indivíduos, dotado de
soberania sobre estes, mas que na realidade não passa de uma mera
ficção de filósofo no contexto das pequenas sociedades habitualmente
estudadas pelos antropólogos, onde esta abstracção não existe: “O que
existe é uma organização, quer dizer um conjunto de seres humanos
ligados por um sistema complexo de relações. No interior desta
organização, indivíduos diferentes têm papéis diferentes. Alguns, como
os chefes ou os anciãos, capazes de darem ordens que serão acatadas,
como os legisladores ou os juízes..., estão em posse de poderes
especiais e encontram-se investidos de uma autoridade. Nada é
parecido com os poderes do Estado, na realidade existem unicamente
poderes emanando de indivíduos: reis, principais dignatários,
magistrados, polícias, chefes de partidos e eleitores. A organização
política da sociedade não é mais que a parte da organização social
assumindo o controlo e a regulamentação do recurso ao
constrangimento físico”.
Nas sociedades ocidentais, bem organizadas, o eventual recurso
coercitivo com o objectivo da manutenção da ordem pública, é exercido
por forças especializadas. No âmbito externo, as relações com outras
51

sociedades são geridas por protocolos de defesa do interesse comum


interno.

2.2.3 O Estado
Como foi referido anteriormente, uma questão importante que preocupou
os antropólogos foi a origem do Estado. M. Fortes, E. E. Evans-Pritchard
[1940] colocaram a questão de saber se a existência ou ausência de
Estado estaria relacionada com a demografia ou a densidade
populacional num determinado território ou, ainda, com o modo de
viver.
Uma das características do Estado consiste em poder exercer um
controlo coercitivo sobre os seus membros assim como nas suas
relações com outras sociedades, como já foi referido mais atrás. Na
Europa, e de modo geral no resto do mundo ocidentalizado, estamos
habituados a reconhecer as formas clássicas de Estado. Mas, por
exemplo, no continente africano tradicional, em certos reinos, podia
observar-se diferentes formas de forte organização política, como, por
exemplo, no reino kuba do Zaire organizado em torno de chefaturas
com chefes nomeados pelo rei. Noutros, como no Daomé, os chefes
nomeados pelo rei estavam sujeitos a um controlo de delegações
enviadas pelo poder supremo real.
O Estado não se confunde com um governo, o qual não é mais do que
uma das suas componentes principais. No caso português, é consensual
dizer-se que, por razões históricas profundas, Estado e Nação formam
um todo confundido. Espanha é de toda a evidência um Estado
multicultural, heterogéneo do ponto de vista regional, composto por
várias regiões-nações: catalã, galega, basca, etc. Para além destas
características, estão sobretudo, algumas delas, animadas de um certo
espírito de separação em relação ao poder central espanhol, a fim de se
constituírem em Estados-nações independentes. A dimensão geográfica
do país não parece constituir uma explicação para a referida
heterogeneidade. A longa duração, também não parece ser uma
explicação para a existência destes Estados imperfeitos. De facto, tanto
a França como Espanha são países antigos; enquanto em Itália, cuja
unidade actual é muito recente, os movimentos centrífugos em relação
ao poder central não parecem ter, pelo menos até agora, grande
expressão.
52
53

3. O estudo das morfologias sócio-


espaciais
3.1 Uma proposta de estudo das morfologias
rurais europeias
A presente proposta metodológica inscreve-se no panorama da etnologia das
sociedades rurais, como uma das suas múltiplas áreas de conhecimento. A
concretização deste panorama científico, grosso modo em torno do universo
plural camponês e rural, articula-se fundamentalmente à volta de dois
aspectos estruturantes: os sistemas de parentesco e os sistemas agrários.
Apesar da presente reflexão e correspondente exemplificação se apoiarem,
por razões de precisão metodológica, no domínio português, não deixa de
pretender ser válida para as sociedades rurais e camponesas em geral.
Outra das insistências aqui feitas consiste no método de observação e análise
antropogeográfica (à qual Marcel Mauss prefere, por certas razões, o termo
de morfologia social [1973: 394] dando-lhe contudo um sentido distinto), como
modo de aceder à lógica interna de funcionamento das pequenas
comunidades de economia agrária.
A importância deste género de investigação prende-se com o facto do
processo subjacente de cristalização e configuração material, dos diferentes
aspectos socioculturais locais, ser susceptível de evidenciar a lógica interna
aldeã. A finalidade última desta abordagem liga-se com o objecto essencial da
antropologia, como ficou claro ao longo deste livro, e que não é tanto
evidenciar características sociais particulares, mas sobretudo tentar realçar
relações do maior alcance geral possível, a partir de uma problemática
prévia.
Deste ponto de vista, contrariamente ao que poderá eventualmente sugerir o
que foi dito até aqui, a referida problemática não deverá ser entendida como
tendo por principal finalidade o estudo de tipologias agrárias e de parentesco,
nem de tipologias – eventualmente existentes – resultantes de uma relação
automaticamente concomitante entre elas. Deverá, ao contrário, ser entendida
como um ponto de partida metodológico para a compreensão da organização
social aldeã, graças à possibilidade de leitura da materialização de
fenómenos sociais mais ou menos profundos – como os sistemas de
parentesco – em formas especiais concretas – como as que resultam das
estruturas agrárias e dos diferentes suportes técnicos que lhes estão
associados.
Assim a estratégia metodológica é duplamente interessante, pois permite
observar no espaço fenómenos subjacentes, dificilmente detectáveis, ao
mesmo tempo que deixa perceber os mecanismos da sua manifestação e
eventual inter-relação. De facto, a procura de correspondências entre os
sistemas de parentesco e agrário autoriza o acesso aos fundamentos
sociológicos das sociedades camponesas/rurais, dado ser razoável pensar
haver efectivamente relações estruturais entre ambos os sistemas – embora
segundo graus variáveis a evidenciar – e serem, por esta razão, susceptíveis
de revelar o seu fundamento social global.
54

C. Lévi-Strauss confirma a possível existência de estreitas correlações entre


sistema social e ordenamento social do espaço território quando refere que
estas “(...) podem existir entre a configuração espacial dos grupos e as
propriedades formais que dependem dos outros aspectos da sua vida social”
[1985: 320].
Esta afirmação reforça a opinião de que a cristalização das propriedades do
sistema social no espaço, pode ser procurada nas morfologias espácio-sociais
aldeãs (nas paisagens sociais) e em particular nas estruturas agrárias,
dependentes das suas relações de interdependência com os sistemas de
parentesco.
Com efeito, o parentesco, nas suas diversas manifestações, designadamente
na forma de parentela, ou de residência – como o grupo doméstico vivendo
sob um mesmo tecto, com funções de solidariedade, produção e consumo –,
oferece um meio de observação e compreensão das diferentes incidências do
sistema social sobre a organização do espaço, dado ser simultaneamente uma
emanação e uma parte constitutiva e essencial desse mesmo sistema.
Por seu turno, a estrutura agrária, como manifestação de uma actividade
económica fundamental, é capaz de reflectir concreta e simbolicamente as
relações do uso social que é dado ao território aldeão.
O pressuposto parte do princípio de que o espaço natureza é susceptível de
ser transformado segundo certos modelos sociais e culturais (económicos,
identitários, simbólicos) de um dado grupo e que estes imprimem certas
configurações significativas à paisagem. A configuração espacial pode
espelhar mais ou menos o sistema social do grupo ou, pelo contrário,
responder a representações que não lhe são correspondentes, ou a
representações de modelos exógenos ao grupo. Mas seja qual for o caso, e
mesmo quando o quadro espacial reflecte efectivamente o social do grupo, a
sua incidência parece não ser total mas parcial. A incidência tende, no entanto,
a fazer-se através de elementos significativos do sistema o que consente
pensar que mesmo quando o todo não se encontra totalmente materializado
no espaço, age pelas propriedades parciais activas do todo, conforme foi
possível observar numa aldeia da Beira-Baixa [Dos Santos: 1992].
Resumindo, as correlações referidas poderão ter um carácter estrutural ou
resultarem de representações que não subtendem o sistema local mas que,
em qualquer das circunstâncias, são potentes factores de acção social, quer
no sentido da resistência à mudança, quer da própria mudança, face a
influências exteriores.
Nestas condições, as relações de menor ou maior interdependência entre
estas sociedades locais com o universo urbano envolvente – imediato e
nacional – deverão ser igualmente consideradas para avaliar o grau de
intensidade das influências exógenas e tentar perceber o tipo de distância – se
existir – entre a representação do social e esse mesmo social.
Na realidade, pode acontecer não haver correspondência entre estes dois
níveis, e no caso de não existir será interessante conhecer as razões de
representações não correspondentes à prática social.
A importância metodológica do estudo dos sistemas de parentesco e agrário
advém ainda do facto destes serem sistemas básicos e sempre presentes em
qualquer sociedade camponesa/rural, o que lhes confere características de
universalidade.
55

Deste modo, a universalidade da associação destes dois sistemas, seja qual


for a área geográfica e cultural do seu estabelecimento, coloca o seu estudo
numa posição estratégica do ponto de vista comparativo.
C. Lévi-Strauss é da mesma opinião quando, na obra já citada, justifica o
fundamento da perspectiva comparativa deste género de investigação ao
interrogar-se se “(...) não haverá qualquer coisa de comum a todas elas
[sociedades] – tão diferentes aliás – onde se constata uma relação (mesmo
obscura) entre a configuração espacial e estrutura social?” [ibid: 321], ao
mesmo tempo que sublinha a importância teórica e metodológica da questão
ao afirmar que se “(...) possui assim o meio de estudar os fenómenos sociais e
mentais a partir das suas manifestações objectivas, sob uma forma
exteriorizada e – poder-se-ia dizer – cristalizada” [1985: 321].
Assim, do ponto de vista heurístico, a proposta de estudo simultâneo do
sistema de parentesco e do sistema agrário, funda-se, como já foi dito, não só
no facto de tanto um como o outro serem factores intervenientes muito
significativos na lógica global do sistema social local como também por serem,
ao mesmo tempo, comuns a qualquer sociedade camponesa. Porventura
poderão não ser os únicos nestas condições, mas a evidência desta
característica, no presente caso, concede-lhes a máxima importância
estratégica do ponto de vista comparativo.

3.1.1 A estruturação dos elementos do


parentesco
A importância do parentesco neste género de investigação é realçada à
luz da incidência das suas propriedades básicas e respectiva intervenção
dos seus mecanismos nos múltiplos aspectos da vida social camponesa.
Inicia-se o seu estudo propriamente dito pela abordagem do método de
análise das terminologias, a fim de relacionar os termos de parentesco
entre si nas suas oposições binómicas, para tentar perceber o conteúdo
das relações jurídicas que lhes estão subjacentes. Um caso de não-
reciprocidade, pode ser a idade relativa entre primos da mesma geração,
levando também um tratar por você e o outro a tutear.
Ora, a reciprocidade ou não-reciprocidade de uma relação de parentesco
é importante para o conhecimento do carácter jurídico do conteúdo das
relações uma por uma, a fim de completar o quadro dos termos de
parentesco e o seu significado no âmbito da lógica interna de uma
nomenclatura.
De facto, os termos de parentesco não devem ser unicamente
comparados nas suas oposições binómicas, devem igualmente ser
observados em relação ao conjunto da nomenclatura e considerados do
ponto de vista dessa totalidade, enquanto sistema.
A análise do significado destas relações, expressas através das
terminologias, é realizada seguindo uma metodologia própria, cujas
variáveis a ter em consideração são numerosas, implicando o seu estudo
transversal uma certa complexidade. Porém, no âmbito desta disciplina,
são ministrados unicamente os meios necessários para uma primeira
abordagem das nomenclaturas europeias e em particular da terminologia
portuguesa padrão, assim como das suas variedades locais.
56

É de referir ainda, do ponto de vista metodológico, que, na análise, para


além de se distinguir terminologicamente a consanguinidade da aliança,
deve procurar-se ainda a expressão linguística das relações parentais
segundo os contextos de utilização: na referência e no tratamento
directo, consoante o contexto familiar e extra-familiar. Por outro lado,
como os termos de parentesco podem indicar e constituir categorias de
parentes de igual ou diferente nível genealógico, é necessário isolar
estas últimas para as poder analizar pormenorizadamente e inter-
relacionar do ponto de vista da totalidade do vocabulário parental.
A análise de uma nomenclatura implica igualmente que as relações de
parentesco devam ser medidas segundo um determinado método de
cômputo dos graus genealógicos ou outras formas métricas de medição.
É provável que se tenha de recorrer a um dos diferentes modelos de
contagem dos graus genealógicos: essencialmente o cômputo romano
(dito ainda cálculo civil) mas também o canónico, para realizar certas
medições genealógicas e proceder à sua confrontação com o sistema de
contagem local português consoante uma das suas variantes locais, ou
ainda para interpretar alguns documentos notariais e registos paroquiais
(obviamente, o sistema germânico antigo fica de fora no contexto
português, assim como os modelos comuns inglês, o “common degree”,
e francês que não são aqui abordados).
Uma vez estabelecido o conhecimento de uma nomenclatura, é possível
passar à reconstituição das genealogias e iniciar assim o estudo do
sistema de filiação.
Para determinar o tipo e grau de interdependência – variáveis segundo o
tipo de sociedade em causa – entre os dois níveis sociológicos,
procurando os elementos de inter-relação, é necessário evidenciar o
modo como se define a pertença ao grupo de parentesco, segundo o tipo
de filiação. É igualmente necessário evidenciar os contornos que
delimitam a parentela e a sua subdivisão em grupos operatórios de
parentes, de modo a fazer sobressair o tipo de relações determinantes
no contexto deste grupo de parentes alargado e os seus efeitos no
espaço.
Neste sentido, o estudo do modo de atribuição do apelido, que se realiza
no seio do grupo mais restrito e identifica as linhadas11 diferenciando-as,
permite compreender – designadamente no caso das sociedades
rurais/camponesas europeias – o sistema de filiação e, por seu turno,
através deste, identificar as suas ramificações recorrentes com a
organização agrária. Para esta compreensão, concorre igualmente a
identificação do modo de transmissão dos bens patrimoniais que,
emboar não defina um tipo de filiação, é, em muitos casos, paralelo ou
mesmo correlativo ao modelo de atribuição do apelido.
Por exemplo, nas regiões onde se praticava a partilha preciputária (com
doação da terça) – nas quais a função do prenome na comunidade
perdia alguma da sua importância – o apelido do ancestral fundador da
casa sobrepunha-se ao apelido pessoal – que também se esbatia – e
________________________________
11
O termo linhada é uma tradução directa da palavra francesa lignée, introduzida por mim no livro
Heranças [1992] para descrever, volto a lembrar, a seguinte realidade: segmento de linhagem
englobando uma sucessão de indivíduos aparentados, em linha recta ou colateral, por uma relação
com um mesmo ancestral comum, seja qual for a regra de filiação.
57

imprimia a sua marca no espaço ao longo das gerações. Assim, nestas


regiões, certos apelidos – sob a forma de nomes de casas – tinham uma
forte incidência no espaço e na longa duração, manifestando-se
designadamente sob a forma toponímica de delimitação e de
identificação dos patrimónios, em lugar do nome dos indivíduos que não
deixavam marcas ao longo do tempo.
As diferentes zonas identitárias são por natureza espaços geográficos e
parentais de exclusão ou de inclusão da procura privilegiada do cônjuge
ideal.
Em tão poucos aspectos como este é possível delimitar fronteiras nítidas
de área cultural, como é o caso da atribuição do nome de família.
Do ponto de vista do contexto aldeão português, a questão revela-se
mais complexa, visto terem sido detectados usos muito diferentes do
praticado no registo civil padrão – o que parece não acontecer de forma
tão diversa noutros países.
No entanto, apesar da forma observada na aldeia dos Chãos (concelho
do Fundão) ser (do ponto de vista consuetudinário) provavelmente muito
mais corrente no país do que se pensa, foi possível constatar na aldeia
da Pena, no concelho de São Pedro do Sul, onde existe a prática da
instituição da casa (prática de herdeiro principal e sucessor único), uma
forma oposta, próxima da transmissão patrilinear do nome de família
relativamente ao herdeiro principal e sucessor único. Diga-se, no
entanto, que a referida aldeia se encontrava até há pouco tempo em
situação de grande isolamento geográfico e, ainda hoje, é de acesso
difícil. Pela sua posição geográfica particular, a aldeia da Pena
representa certamente um conservatório – cristalizado pelas condições
do seu isolamento – de características sociais e culturais singulares, mas
muito provavelmente significativas de uma área geográfica mais
alargada, dado fazer parte de um sistema social de montanha e neste
ser o núcleo mais excêntrico do conjunto.
As parentelas, como instrumento de análise da configuração do universo
parental efectivo e da subdivisão em diferentes categorias operatórias de
parentesco a que estão sujeitas – tais como família chegada, afastada,
etc. –, permitem avaliar a operacionalidade diferencial destes subgrupos
no contexto da globalidade do parentesco e da sociedade local.
A aliança matrimonial deve ser considerada do ponto de vista endógamo
e exógamo relativamente ao grupo parental para, entre outros aspectos,
detectar o grau de consanguinidade dos casamentos assim como a taxa
de uniões entre primos germanos. A aliança deve ser igualmente
estudada considerando a endogamia e exogamia local dos casamentos,
a fim de delimitar as características e extensão da área geográfica
matrimonial. De facto, a área de endogamia matrimonial é reveladora da
extensão da influência sociocultural de determinado grupo e definidora
de identidade local, regional e “étnica”, facilmente detectável graças à
circulação dos apelidos, como já foi referido.
Como elemento importante de estruturação social do espaço, o tipo de
residência matrimonial que pode resultar de uma regra cultural explícita
ou ser influenciada por factores económicos, tem um papel determinante
que também deverá ser atentamente estudado. Este aspecto é tanto
mais importante quanto é interessante verificar em Portugal a existência
58

de alguma variedade residencial como expressão de fortes modelos


culturais residenciais, alterados, porém, em certas circunstâncias
conjunturais, por constrangimentos económicos que se impõem aos
cônjuges.
Actualmente, a prática mais corrente é certamente aquela que os
antropólogos designam de residência neo-local – praticada sobretudo
nos meios urbanos – ou seja, quando os cônjuges residem numa
moradia distinta da dos pais.
Na prática, a residência neo-local realiza-se facilmente quando os dois
cônjuges são naturais de uma mesma localidade. Mas o caso muda de
figura quando são originários de locais diferentes e obrigados a optar por
um destes (patri ou matrilocalmente) para estabelecer a residência
matrimonial, independentemente de, uma vez o local escolhido, se
estabelecerem de forma neo-local. Assim, para o observador, o ponto de
vista a considerar é duplo: endolocal e exolocal, para além de outros
factores a ter em conta, o que é susceptível de introduzir uma certa
variedade.
É revelador da diversidade residencial, o já referido exemplo de
patrilocalidade da aldeia da Pena, sejam ou não ambos os cônjuges
originários da localidade.
Mais notável é o tipo de residência relatado por B. O'Neil [1984] em
Fontelas (Trás-os-Montes). Neste exemplo, a residência dos cônjuges é
– ou pelo menos assim era na época do estudo – natolocal, conjugada a
uma inflexão matrilocal durante períodos mais ou menos longos,
segundo os casos.
O tipo residencial deverá ser analisado estatisticamente para verificar a
eventual existência de tendências dominantes – na ausência de regras
explícitas – e eliminar os factores aleatórios individuais de carácter
puramente económico fazendo emergir os factores sociais subtendentes
ao tipo de residência matrimonial dominante.
Numa relação de maior ou menor interdependência com o tipo
residencial, a transmissão da herança e sucessão na gestão dos bens
fundiários são porventura dos fenómenos com a mais forte e concreta
inscrição no espaço, ao fixar certos indivíduos à terra e libertando outros,
segundo modalidades cristalizantes em configuraçãoes espaciais
efectivas, de significativa visibilidade para o observador.
Estas regras apresentam alguma variedade que muito provavelmente
não serão uma mera emanação exclusiva do sistema de parentesco,
mas serão igualmente condicionadas por determinadas condições
exteriores a este e capazes de influenciar, por sua vez, a sua lógica. No
caso particular do sistema fundiário, as condições geográficas com as
quais o sistema de parentesco tem de interagir, são numerosas e
parecem ter algum papel determinante na definição das regras de
divisão dos bens, segundo se trate de terras de planície ou de montanha,
mais ou menos aráveis, irrigáveis ou não, mais ou menos abundantes,
etc.
Assim, em relação à diversidade dos modos de transmissão da herança
em Portugal – embora esta fosse mais acentuada no passado – o
contraste situa-se essencialmente entre a partilha ab intestat (sem
59

testamento e igualitária) e a partilha preciputária (com doação da terça e


desigual). A sul do Tejo a situação é ainda pouco clara dado haver uma
maior insuficiência de investigações sobre o assunto.
Na citada aldeia da Pena, os actuais habitantes serão provavelmente
uns dos últimos representantes de uma organização social camponesa
fundada na divisão desigual dos bens: pela doação da terça (em vida ou
por testamento) em benefício de um herdeiro principal – geralmente em
linha primogénita masculina ou, em alternativa, a “quem melhor merecer”
–, seguida da conservação por este da totalidade dos restantes bens da
divisão – por, em troca de tornas, os co-herdeiros não exigirem as suas
fracções quando deixam a casa – e da sua exploração e gestão mesmo
quando os restantes herdeiros ficam solteiros a viver com o irmão chefe
da casa. No exemplo referido, outro ponto de estrutura reside na
manutenção da identidade da casa patrimonial ao longo das linhadas
domésticas, representadas pelos respectivos sucessores, e na regra da
residência patrilocal, segundo a qual as esposas vão residir com os
maridos para a aldeia destes. A composição dos membros de uma casa
não corresponde à família nuclear; várias gerações coabitam, para além
do facto dos irmãos, geralmente os mais novos, ficados solteiros,
viverem e trabalharem com o irmão herdeiro da casa patrimonial.
Trata-se de uma definição clássica de sistema de parentesco cuja
relação com a vida social – no caso das sociedades locais europeias – é
possível evidenciar e obter desta forma os meios para perceber o
funcionamento da sociedade em causa assim como, pela mesma
ocasião, aceder às razões de certas causas e efeitos relativamente à
incidência dos sistemas de parentesco nas relações entre sociedade
local e sociedade englobante.

3.1.2 A estruturação dos elementos dos


sistemas agrários
Como foi anunciado no início do presente projecto metodológico,
proponho-me agora apresentar alguns tipos de configurações espaciais
de estrutura e de paisagem agrárias, como exemplos de uma maior ou
menor correlação destas com o sistema social induzido do parentesco.
Para tal, apresento o quadro clássico da tipologia agrária – estudada
pelos geógrafos e historiadores agrários – correspondente aos diferentes
sistemas sociais que lhes estão subjacentes e representativa de
determinadas modelagens sociais do território habitado e respectivas
paisagens.
Relativamente ao conceito de paisagem, aproveito a ocasião para
incidentemente referir que este deve ser entendido no sentido de
realidade física, resultante do ordenamento social do espaço, cuja
configuração é objectivada e interpretada (sociologicamente) por um
observador exterior ao grupo e não na sua inatingível realidade
autónoma nem, obviamente, na perspectiva de recriação de uma visão
estética de paisagem, variável segundo os indivíduos e as culturas, e
significativamente mais subjectiva. De facto, como refere G. Lenclud
[1995], quem estaria em condições de dizer que uma determinada
realidade física é na sua factualidade bruta, não olhada,
independentemente de um esquema conceptual fixando
60

convencionalmente, mas não arbitrariamente, o que há exactamente de


factual nela e que poderia supostamente escapar à acção deformante de
qualquer olhar? É um facto que, na realidade, o fenómeno de paisagem
observado só tem de tangível a construção que o esquema conceptual
fixado pelo etnólogo permite objectivar e graças a ele o torna inteligível.
Mas naturalmente, também a utilização agrícola ou sistema de cultivo
constitui um dos elementos essenciais de configuração da paisagem
agrária. Não sendo desprovido de significado que se semeie trigo ou
pasto, que se lavre ou cave manualmente, que se lavre no sentido das
curvas de nível ou indiferentemente, que as culturas se repitam ou
alternem, que se pratique pousio (segundo diferentes tipos possíveis) ou
não, que se plantem árvores ou não, que estas sejam plantadas em
pleno campo ou nos seus limites.
Os modos de relação entre campos cultivados, como elementos de
morfologia sócio-espacial, são susceptíveis de revelar estruturas mentais
e sociais contrastadas. Desde logo, a disposição de todos os elementos
e respectivas relações que ordenam no espaço paisagens agrícolas
diferenciadas – cuja variedade reflecte naturalmente diferentes modos de
vida social – são interessantes para a análise etnológica na medida em
que expressam sistemas sociais particulares e revelam diferenças entre
si sempre significativas.
Na óptica delineada, o espaço camponês/rural no qual o processo social
local se realiza (evidenciando uma forma particular de organização, da
qual fazem inclusivamente parte as diversas configurações
características desse processo), confirma uma vez mais ser um terreno
privilegiado de observação da potencial incidência das relações de
parentesco e das organizações familiares nas formas materiais que
tomam no espaço. Esta incidência – cujos vários graus de intensidade
são finalmente o objecto do presente assunto – é susceptível de
modelar, mais ou menos marcadamente, a paisagem segundo o tipo de
produção agrícola, as técnicas utilizadas e inclusivamente o género de
suportes materiais, tais como máquinas agrícolas antigas ou modernas,
etc.
Assim, o espaço aldeão, na sua componente agrícola, deve ser
abordado metodologicamente segundo um plano de observação
específico, convergindo do mesmo modo que o sistema de parentesco
para evidenciar a morfologia social.
Para além dos grandes tipos de organização agrária – como o openfield
e o bocage12 – e de estabelecimento habitacional – como o habitat
concentrado e o habitat disperso – que se impõe conhecer, a atenção
deverá concentrar-se muito particularmente nas formas derivadas ou
intermédias destes tipos de organização agrícola e nas novas formas
sociais de vida no espaço rural.

________________________________
12
Tanto openfield como bocage são termos consagrados em geografia agrária. A palavra inglesa
openfield significa literalmente campos abertos mas na realidade ela pressupõe uma forma de
organização agrária específica aos campos abertos. Inversamente, a palavra francesa bocage significa
que se trata de uma paisagem de campos cercados mas igualmente de uma organização social
correspondente. Nestas condições, estes dois conceitos contêm uma ambiguidade, à qual se deve dar
atenção, na medida em que podem significar formas de organização agrária ou simplesmente campos
abertos ou fechados.
61

Existente num passado relativamente recente, o openfield opunha-se ao


bocage geograficamente (pelo contraste entre os openfields das
planícies da Europa central e os bocages do oeste europeu) e pelo facto
de corresponderem a duas grandes organizações agrárias e sociais
muito diferentes que podem ser definidas da seguinte maneira:
O primeiro, caracterizava-se por uma paisagem agrícola de campos
abertos, sem cercadura, dispostos em forma estelar à volta de um
habitat concentrado. A alternância das culturas, geralmente trienal (em
certos casos podia ser quadrienal), fazia-se segundo uma divisão do
finage13, ou de uma das partes do finage, em 3 folhas:
1.ª destinava-se ao trigo ou ao centeio;
2.ª destinava-se a um cereal de Primavera, aveia ou cevada;
3.ª ficava em pousio.
Ninguém era livre de trabalhar nos campos antes de uma decisão
colectiva, como também ninguém era livre da escolha das culturas
praticadas. O pousio era forçado.
Embora neste sistema os indivíduos estivessem sujeitos a
constrangimentos colectivistas, estes não pressupunham, apesar de tal,
a repartição igualitária dos meios de produção agrícola.
É fácil observar em Portugal, do estrito ponto de vista da configuração
espacial (não da organização social típica), a paisagem agrícola de tipo
openfield, como por exemplo no caso do Alentejo, a qual se opõe, grosso
modo, à actual paisagem de bocage minifundiária mais comum no norte
do país. Inversamente, existirão isoladamente, em certas zonas,
algumas das práticas típicas do openfield, inclusivamente onde o sistema
cedeu o lugar a uma organização de tipo bocage. Por exemplo, o
pascigo colectivo com pastor comum, em regime de vezeira14, embora de
facto nestas zonas a sua prática não esteja sequer associada
actualmente a uma paisagem de openfield.
Os aspectos referidos, são alguns exemplos de práticas próprias de uma
lógica comum a várias sociedades locais que não convém isolar do
contexto da sua organização social, para não correr o risco de invocar
em vão particularismos (que nada têm de particular quando vistos à luz
da metodologia comparativa) tão caros à etnografia portuguesa.
A segunda grande paisagem, o bocage, caracteriza-se essencialmente
pela existência de campos fechados, segundo diferentes tipos de
cercadura – plantadas (sebes diversas), construídas (taludes, muros) ou
ambas (sebes, taludes e muros).
Sendo a propriedade individual no caso do bocage, existe, por
consequência, uma total ausência de constrangimentos de trabalho
colectivos e, inversamente, um individualismo exacerbado.
A paisagem de bocage e, de certo modo, a própria organização social
correspondente, é comum em Portugal e pode facilmente ser observada
no norte do país, em particular. No entanto, na realidade, esta apresenta-
________________________________
13
O finage corresponde à palavra francesa que significa o território agrícola de uma comunidade local.
Naturalmente, o finage não pertence enquanto tal à comunidade no seu todo mas aos seus membros
individualmente que podem alienar os seus direitos de propriedade a indivíduos não pertencentes ao
local. Assim o finage define unicamente um território agrícola junto do qual se estabeleceu uma
população em vista de o explorar economicamente e sobre o qual ela exerce determinados direitos.
14
Ver designadamente a região do Barroso, segundo Jorge Dias, 1981.
62

se raramente de forma pura, evidenciando, na maioria dos casos, no


seio de grandes campos fechados, aspectos paisagísticos de openfield.
A situação actual resulta de mudanças históricas que levaram a
modificações de organização do espaço agrícola. A leitura destas
mudanças pode ser feita no terreno (auxiliada por fotografias aéreas) e
induzir algumas conclusões interessantes relativamente às morfologias
espácio-sociais anteriores.
Espaço físico, território e morfologia espácio-social, são conceitos que
definem, obviamente, realidades muito diferentes para as quais se
chama a atenção.
O espaço físico apresenta-se segundo diferentes dimensões: aéreo,
ecológico terrestre, marítimo, etc., e em diferentes escalas de
acessibilidade para o ser humano.
Como tal, o espaço físico deve distinguir-se teoricamente do território
que é um espaço físico investido por excelência pelo homem como área
geográfica de actividade económica e política. O território é portanto um
espaço de acção social e como tal de representações de pertença e de
referência identitária: local, parental, de área endogâmica matrimonial,
patronímica, regional, étnica, nacional.
Quanto à morfologia social que tem como suporte o espaço ecológico e
o território social ocupado nas suas diferentes escalas, define-se
segundo M. Mauss [1950: 389] pelo “substrato material das sociedades,
quer dizer a forma que estas afectam quando se estabelecem no solo, o
volume e a densidade, a maneira como é distribuída, assim como o
conjunto das coisas que servem de lugar à vida colectiva”.
A expressão “morfologia social” foi criada por Durkheim, aquando da
inauguração de uma nova secção na revista L'Année sociologique onde
referia a propósito o seguinte: “A vida social repousa sobre um substrato
que está determinado tanto na sua forma como na sua dimensão. O que
o constitui, é a massa dos indivíduos que compõem a sociedade, a
maneira como estão dispostos no solo, a natureza e a configuração das
coisas de todas as espécies que afectam as relações colectivas.
Segundo a população é mais ou menos considerável, segundo está
concentrada nas cidades ou dispersa no campo, segundo a maneira
como as cidades e as casas estão construídas, segundo espaço
ocupado pela sociedade é mais ou menos extenso, segundo aquilo que
são as fronteiras que a delimitam, as vias de comunicação que a
percorrem, etc., o substrato é diferente” [1899: 520].
Assim, no domínio específico das estruturas agrárias, a paisagem é,
como já vimos, muito importante para a observação da relação entre
morfologia social e sub-sistema social induzido pela estrutura do
parentesco. A sua análise deverá compreender particularmente o estudo
das formas que os campos apresentam, dado serem fortes indicadores
do modo de partilha dos bens patrimoniais familiares e dos mecanismos
sociais que lhes estão subjacentes.
Por outro lado, como as formas dos campos estão relacionadas com as
suas dimensões, estas informam globalmente não só sobre a
organização social do minifúndio, da grande propriedade e do latifúndio,
mas também – de modo mais preciso – sobre o grau de atomização da
63

propriedade, a taxa de casamentos consanguíneos e, muito em


particular, sobre os casamentos entre primos germanos.
Deste modo, o estabelecimento de um calendário agrícola é de uma
importância fundamental para poder perceber a articulação entre
elementos de estrutura agrária referidos e o sistema social
correspondente, sabendo-se de antemão que nele se inscrevem os
diferentes ciclos sociais anuais. Como se sabe, é corrente que em caso
de mudanças extremas de clima haja anos em que estas podem
conduzir à impossibilidade de praticar o cultivo de determinada planta.
Nas explorações de menor dimensão é necessário libertar as parcelas
para dar lugar às culturas seguintes.
Nestas condições, devem ser elaborados vários calendários agrícolas a
partir dos quais será estabelecido um calendário-tipo, expurgado das
variações climatéricas mais ou menos significativas e das eventuais
diferenças de dimensão das explorações entre cultivadores. De facto,
uma vez identificada a incidência das alterações climatéricas na variação
dos momentos de cultivo, as diferenças entre cultivadores evidenciam-se
por si, sendo a sua leitura do maior significado para a compreensão da
estratificação económica local.
A esta estratificação económica, não serão provavelmente alheios os
regimes de exploração agrícola. Segundo os modos de ocupação e
exploração do solo, será possível, ou não, observar inclusivamente a
existência simultânea de numerosos rendeiros entre os proprietários. De
facto, muitos destes últimos poderão ser igualmente rendeiros a fim de
complementar uma exploração de menor dimensão ou menor
rendimento, como, por exemplo, no caso dos pequenos proprietários da
zona de piemonte norte da serra da Gardunha. Os casos de figura
possíveis podem ser variadíssimos e o sistema local apresentar alguma
complexidade. Com efeito, entre as categorias dos não proprietários e
proprietários podem existir variadas situações intermédias:
1) exploração exclusiva da própria propriedade;
2) situação de proprietário e de rendeiro;
3) rendeiro unicamente;
4) ou ainda alguns destes casos de figura associados a diferentes
formas de parceria, como as modalidades de terças, de meias, etc.,
segundo o que me foi dado observar na referida zona da Gardunha
[Dos Santos: 1992].

3.1.3 Correlações entre a organização social e


a paisagem agrícola local
Regra geral, os próprios bens consumidos na aldeia e na cidade são
progressivamente idênticos (o que pode variar significativamente é a
quantidade de bens consumidos), contribuindo para alterar e
homogeneizar o gosto como também os valores relativos ao universo de
consumo.
O habitat antigo cai em ruínas, é destruído ou modificado.
Uma parte considerável dos campos é abandonado e rapidamente se
cobre de vegetação, por baixo da qual se esbatem as velhas vias de
64

comunicação e entram em ruína os meios de captação de água.


Resultante desta situação, o sistema de irrigação é progressivamente
abandonado. As fontes de água não são mantidas na medida em que
são substituídas pela água canalizada. As nascentes são obstruídas e na
maioria dos casos encontram-se poluídas, consideradas que são sem
interesse por falta de actividade agrícola.
Pais e avós vivem uma velhice mais longa e solitária e o recurso a lares
de idosos é crescente.
As fronteiras das parentelas tendem a regredir, reduzindo o grupo de
indivíduos de relações automáticas de parentesco que embora sejam
ainda reconhecidos como parentes, ficam sujeitos à concorrência de
relações de simples carácter electivo. De facto, actualmente a tendência
indica que o recrutamento das relações é fortemente submetido a
concorrência pelo reforço das relações electivas de vizinhança e pelas
novas relações que o trabalho assalariado suscita.
Enfim, podemos dizer que toda uma civilização camponesa se esboroa
sob os nossos olhos, dando lugar, pouco a pouco, a algo de novo do
qual ainda não se descortinam formas socioculturais relativamente
estáveis e reconhecíveis, mas às quais os estudiosos deverão estar
atentos.
Obviamente a situação de alteração ou abandono não é sempre nítida e
homogénea em todo o país, resta ainda uma extensa zona agrícola
fronteiriça muito evidenciada e interessante de observar. A população
total da área é superior a 5 milhões de pessoas dos quais um milhão se
dedica à agricultura.
Assim, graças ao método de observação e análise propostos,
concentrando simultaneamente a atenção na organização social –
induzida pelo sistema de parentesco – e nas configurações espaciais
aldeãs (mais ou menos estáveis e/ou alteradas), será possível inter-
relacionar um certo número de variáveis sociológicas, como as que
apresentámos, e penetrar em profundidade nos mecanismos de acção e
reacção das sociedades locais face aos novos tempos que se
apresentam.
As situações locais serão variadíssimas, desde aldeias praticamente em
vias de extinção a outras reforçadas graças a uma redefinição
económica e social, passando por aquelas que mantêm uma actividade
agrícola mais ou menos tradicional ou em fase de adaptação às novas
condições de produção do sector.
De facto, a presente reflexão não propõe um assunto isolado de um
contexto científico mais vasto; articula-se num programa de investigação
(iniciado no Laboratoire d' Anthropologie Sociale do Collège de France,
com Isac Chiva no fim dos anos 80) sobre a vida rural europeia, cujos
objectivos teóricos gerais são susceptíveis de serem prosseguidos.
No entanto estes domínios somados e mesmo articulados não
constituem em si, como é evidente, um campo específico de
conhecimento, como já foi indicado a propósito da interdisciplinaridade.
65

Com efeito, cada um dos campos de saber tem, obviamente, métodos


gerais e específicos que devem ser minimamente conhecidos, quando se
pretende obter resultados fundamentados.
Assim, a observação não é um mero método das ciências sociais.

FIM
66
67

41012

ANTROPOLOGIA GERAL II

TESTES FORMATIVOS

TERESA JOAQUIM

2007
68

TESTE FORMATIVO N.º 1

PARA RESOLUÇÃO DO TESTE ACONSELHA-SE QUE


LEIA ATENTAMENTE AS SEGUINTES INSTRUÇÕES:

Os testes formativos têm por objectivo proporcionar ao aluno a preparação para o


exame final. Por esta razão são apresentados os potenciais tipos de questões a figurar
na estrutura dos exames sumativos. No entanto, cada exame final poderá ter uma
configuração diferente da exemplificada mas será sempre baseado no tipo de questões
enunciadas nos testes 1 ou 2.

O cabeçalho de teste deve ser preenchido de forma legível. Não rubrique nem
escreva o seu nome nas folhas do teste, excepto no local indicado para o efeito.

Este teste é constituído por 5 páginas e termina com a palavra FIM.

O teste está organizado em três grupos de questões. No GRUPO I requer a selecção


da resposta correcta entre quatro opções; no GRUPO II deve identificar se a
formulação é Verdadeira (V) ou Falsa (F), no GRUPO III deve responder elaborando
uma respostas curta.

Nas questões que requerem a selecção da resposta assinale com um X a alternativa


de resposta que julga correcta (para o efeito deve utilizar a grelha de respostas que
está na última página). Se quiser alterar qualquer resposta dada, risque por inteiro (a
cheio) o quadrado que quer inutilizar e marque um novo X na alternativa de resposta
agora seleccionada.

As questões de resposta curta são avaliadas de acordo com os seguintes critérios: (1)
abordagem directa do tema; (2) utilização adequada de conceitos; (3) organização de
ideias; (4) capacidade de síntese; (5) clareza e correcção de linguagem.

Os 20 valores atribuídos ao teste são distribuídos da seguinte forma:


GRUPO I – 9 valores; GRUPO II – 8 valores; GRUPO III – 3 valores.

Esta prova terá a duração de 120 minutos. Adicionalmente serão concedidos 30


minutos de tolerância.
69

GRUPO I

1. Para os evolucionistas o processo de evolução a que todas as sociedades teriam de


se sujeitar, corresponderia à sucessão, mais ou menos rápida, de um movimento de:

A. desenvolvimento multilinear.
B. desenvolvimento unilinear.
C. desenvolvimento plurilinear
D. desenvolvimento linear.

(...) segundo mudanças cumulativas e irreversíveis comuns a todas as


sociedades, reflectido pelas características das suas instituições, das suas
técnicas, etc.

2. As correntes dinamista e marxista francesa, criticas do funcionalismo, consideram


que as sociedades:

A. não são sistemas delimitados e equilibrados.


B. são sistemas delimitados e equilibrados.
C. não são sistemas abertos e equilibrados.
D. são sistemas abertos e equilibrados.

(...) se o fossem não seria possível dar conta das tensões sociais e da
mudança social observáveis.

3. O objecto da análise estrutural consiste em procurar pelo método dedutivo as:

A. estruturas inconscientes evidenciadas a partir de dados teóricos etnológicos.


B. estruturas conscientes evidenciadas a partir de dados empíricos etnográficos.
C. estruturas inconscientes evidenciadas a partir de dados empíricos etnográficos.
D. estruturas inconscientes evidenciadas a partir de dados antropológicos.

Segundo Lévi-Strauss, o objecto da análise estrutural consiste em procurar


pelo método dedutivo as estruturas particularmente inconscientes que podem
ser evidenciadas a partir de dados empíricos etnográficos, como: as regras de
parentesco, a mitologia, as práticas culinárias, as classificações culinárias, a
arte, etc.

4. Na análise do parentesco duas escolas opuseram-se quanto aos fundamentos


teóricos do seu estudo. A escola inglesa, liderada por Radcliffe-Brown, desenvolveu a
sua postura teórica com base na:

A. teoria da união.
B. teoria da filiação.
C. teoria da aliança.
D. teoria da ligação.
70

5. Atendendo às notações das relações de parentesco, em língua portuguesa,


identifique a seguinte: FoIop

A. filho.
B. sobrinho.
C. primo.
D. primogénito.

Primo: FoIop (Filho do irmão do pai)

6. Do ponto de vista da estrutura linguística, os termos de parentesco são derivados


quando:

A. na nomenclatura não existe um termo específico e se conjuga dois ou mais termos


elementares.
B. é composto por um termo elementar e outro elemento lexical sem significado
parental.
C. não podem ser decompostos em elementos lexicais dotados de significado parental.
D. é composto por um termo descritivo e outro elemento lexical sem significado
parental.

(...): bis+avô (“bisavô”), belle+mère (“belle-mère”) em francês, ou grand+father


(“grandfather”) em inglês, etc.

Figura 1

7. Observe com atenção a Figura 1 e identifique a terminologia correspondente.

A. sudanesa
B. esquimó
C. iroquesa
D. hawaiana

Figura 2
8. Observe com atenção a Figura 2 e identifique, em relação a ego, os seguintes
71

A. 4 / 16 / 12.
B. 4 / 14 / 12.
C. 3 / 1 / 8.
D. 4 / 10 / 12.

9. No estudo das morfologias sócio-espaciais, a análise antropogeográfica visa:

A. aceder à lógica externa de funcionamento das pequenas comunidades de economia


artesanal.
B. aceder à lógica interna de funcionamento das pequenas comunidades de economia
agrária.
C. aceder à lógica externa de funcionamento das pequenas comunidades de economia
agrária.
D. aceder à lógica interna de funcionamento das pequenas comunidades de economia
artesanal.

10. À organização social associada com paisagem denominada de bocage, são


características a:
A. propriedade colectiva, comunitarismo exacerbado e troca de serviços voluntários
com base prioritária em subgrupos de vizinhança.
B. propriedade individual, individualismo exacerbado e troca de serviços voluntários
com base prioritária em subgrupos de vizinhança.
C. propriedade colectiva, individualismo exacerbado e troca de serviços voluntários
com base prioritária em subgrupos da parentela.
D. propriedade individual, individualismo exacerbado e troca de serviços voluntários
com base prioritária em subgrupos da parentela.

(...) Individualismo somente rompido pela entreajuda voluntária,


correspondente a uma troca de serviços necessária, em determinados
momentos de forte actividade agrícola, durante os quais o recrutamento dos
indivíduos se faz na base de subgrupos da parentela e, em menor grau, na
base de relações electivas de amizade e de vizinhança.

GRUPO II

11. O difusionismo adopta a noção de invenção paralela e independente entre culturas.

Falso. Contrariamente aos evolucionistas, que interpretavam as semelhanças


entre sociedades como a expressão de uma evolução paralela, os
difusionistas interpretam esta evolução como sendo essencialmente o
resultado de empréstimos e de contactos culturais entre sociedades.

12. A teoria heliocêntrica contribuiu fortemente para a expansão da teoria difusionista


no seio da antropologia.
72

Falso. A maior oposição ao difusionismo foi suscitada pela própria culturologia


inglesa ao enredar-se na deriva hiper-difusionista. De facto, o hiper-
difusionismo levou ao descrédito completo do difusionismo em resultado da
sua teoria dita “pan-egípcia” ou heliocêntrica, (ou seja, que tudo está centrado
num único ponto que regula todo o resto) defendida pelos hiper-difusionistas
ingleses.

13. No funcionalismo há uma hipótese holística e um princípio utilitarista.

Verdadeiro. Segundo os funcionalistas, o facto social ou a instituição em


causa só revela a sua razão de ser quando apreendidos nas suas relações
funcionais com os outros factos ou instituições constituintes da totalidade
social.

14. De acordo com as notações das relações de parentesco em língua portuguesa:


IãMdo, corresponde à sobrinha.

Falso. Sobrinha: FaIo / FaIã (filha do irmão / filha da irmã)

15. O sororato consiste na obrigação de, quando a esposa morre, o seu grupo de
parentes de origem ter a obrigação de facultar outra em substituição.

Verdadeiro.

16. A linhagem consiste num conjunto de indivíduos tendo em comum um (ou uma)
ancestral comum, sendo capazes de estabelecer todos os elos que os ligam uns aos
outros e ao ancestral comum.

Verdadeiro.

17. A família extensa corresponde a um grupo de consanguíneos, aliados e


descendentes co-habitando num mesmo local.

Verdadeiro.

18. O Estado é composto por um conjunto de instituições cujos critérios mínimos


correspondentes são exclusivamente europeus.

Falso. Muitas sociedades possuem uma organização política correspondendo


a estes critérios mínimos. Na Europa, e de modo geral no resto do mundo
ocidentalizado, estamos habituados a reconhecer as formas clássicas de
Estado.

19. O estudo das morfologias rurais permite evidenciar, através da cristalização e


configuração material, dos diferentes aspectos socioculturais locais, a lógica externa
aldeã.

Falso. (...) a lógica interna aldeã.


73

20. Na transmissão da herança a partilha ab intestat equivale à doação da terça e


divisão desigual.

Falso. (...) (sem testamento e igualitária)

GRUPO III

21. Explique, relativamente a uma organização política linhagística, os fundamentos


da legitimidade de pertença a um grupo e das suas alianças políticas.
(5-10 linhas)

Numa sociedade política linhagística, a legitimidade de pertença a um grupo e


o direito ao seu território são definidos pela ligação ao ancestral fundador do
grupo. O fundamento das alianças políticas assenta nas alianças matrimoniais
entre linhagens, em particular em torno das linhagens dominantes.
74
75

TESTE FORMATIVO N.º 2

GRUPO I

1. Uma das principais críticas ao evolucionismo incide no facto de as suas noções


serem:

A. apoiadas numa história hipotética, dependente de reconstituições conjecturais.


B. apoiadas numa história hipotética, dependente de constituições estruturais.
C. apoiadas numa história verdadeira, dependente de reconstituições conjecturais.
D. apoiadas numa história hipotética, dependente de reconstituições pontuais.

(...) sobre períodos muito remotos, não eram demonstráveis e muito


provavelmente nunca o serão.

2. Na tipologia das necessidades humanas de Malinowski, aquelas que são próprias da


condição humana e especificas das sociedades (como a educação, a linguagem) são
denominadas:

A. necessidades sintéticas.
B. necessidades primárias.
C. necessidades derivadas.
D. necessidades biológicas.

3. Para Mauss, os fenómenos sociais são:

A. em primeiro lugar sociais, e em segundo lugar fisiológicos e psicológicos.


B. em primeiro lugar fisiológicos, e em segundo lugar psicológicos e sociais.
C. em primeiro lugar sociais, mas também ao mesmo tempo étnicos e psicológicos.
D. em primeiro lugar sociais, mas também ao mesmo tempo fisiológicos e
psicológicos.

(...) E nesta medida devem ser compreendidos na sua inteira dimensão


humana.

4. Identifique a alínea que corresponde exclusivamente ao tipo de casamento em que


uma mulher dispõe de vários maridos:

A. poligenia.
B. monogamia.
C. poliandria.
D. poligamia.
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5. A regra de residência que leva um casal a ir viver junto dos parentes da mãe da
esposa ou no seu território designa-se:

A. residência uxorilocal.
B. residência natolocal.
C. residência virilocal.
D. residência matrilocal.

6. A família constituída por um grupo de consanguíneos, aliados e descendentes,


representando no mínimo três gerações co-habitando num mesmo local corresponde à:

A. família nuclear.
B. família extensa.
C. família composta.
D. família alargada.

7. Na organização política linhagística, a legitimidade de pertença a um grupo e o


direito ao seu território são definidos:

A. pela ligação exclusiva à família nuclear.


B. pela ligação ao ancestral fundador do grupo.
C. pela ligação a determinado grupo de idade.
D. pela ligação ao ancestral original do território.

8. Para Fortes e Evans-Pritchard as sociedades nas quais a organização política e a


organização de parentesco são decalcadas uma da outra corresponde às sociedades de
tipo:

A. bando.
B. linhagístico.
C. com Estado
D. grupos de idade.

9. Na estruturação dos elementos dos sistemas agrários a maneira como o agricultor


explora as suas terras: escolha das plantas cultivadas, afolhamentos, etc., designa-se:

A. estrutura agrária.
B. paisagem agrária.
C. sistema de cultivo.
D. paisagem de cultivo.
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10. Na estruturação dos elementos dos sistemas agrários qual é o conceito que tem
como suporte o espaço ecológico e o território ocupado nas suas diferentes escalas:

A. o espaço físico.
B. o território.
C. a morfologia social.
D. a paisagem agrícola.

GRUPO II

11. Para os difusionistas a semelhança entre dois elementos culturais similares,


existentes em duas culturas distintas, resultava exclusivamente de uma transferência
directa de uma das sociedades para a outra.

Falso. Contrariamente aos evolucionistas, que interpretavam as semelhanças


entre sociedades como a expressão de uma evolução paralela, os
difusionistas interpretam esta evolução como sendo essencialmente o
resultado de empréstimos e de contactos culturais entre sociedades.

12. Malisnowski postula uma tipologia das necessidades, identificando,


sequencialmente, as: primárias, derivadas e sintéticas.

Verdadeiro.

13. A ideia de Boas, partilhada por Lowie, de que é impossível descobrir a ordem do
quadro global das instituições humanas é designada por “Morfologismo” de Boas e
Lowie.

Verdadeiro.

14. De acordo com as notações das relações de parentesco em língua portuguesa:


FaIãP corresponde à prima.

Verdadeiro.

15. O sororato é uma forma de casamento que consiste na obrigação que uma mulher
tem em casar com o irmão do seu marido falecido.

Falso. O sororato consiste no princípio segundo o qual quando a esposa


morre, o seu grupo de parentes de origem tem a obrigação de fornecer uma
outra em substituição da primeira.

16. O clã consiste num conjunto de indivíduos tendo em comum um ancestral comum
fundador, em virtude de uma regra de filiação unilinear.

Falso. Os seus membros dizem-se aoarentados uns aos outros por referência
a um ancestral comum, mas na realidade são geralmente incapazes de
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estabelecer o laço que afirmam ter com o ancestral epónimo, contrariamente à


linhagem.

17. A herança difere da sucessão pelo facto de esta última se referir não a bens
materiais mas à transmissão de estatuto e autoridade.

Verdadeiro.

18. O Estado não corresponde à única possibilidade de organização política.

Verdadeiro.

19. Teoricamente, no estudo das morfologias rurais, não se deve distinguir espaço
físico de território.

Falso. O espaço físico deve distinguir-se teoricamente do território que é um


espaço físico investido por excelência pelo homem como área geográfica de
actividade económica e política.

20. No contexto actual da organização social e a paisagem agrícola local as parentelas


aumentam de vigor e têm um papel mais relevante na coesão dos grupos de
parentesco.

Falso. As parentelas perdem algum vigor e deixam de ter o papel relevante


que tinham no passado e na coesão dos grupos de parentesco face a
terceiros. As fronteiras das parentelas tendem a regredir, reduzindo o grupo de
indivíduos de relações automáticas de parentesco que embora sejam ainda
reconhecidos como parentes, ficam sujeitos à concorrência de relações de
simples carácter electivo.

GRUPO III

21. Na campo do estudo do parentesco, o termo linhada descreve que realidade


social?
(5-10 linhas)

A linhada corresponde a um segmento de linhagem englobando uma


sucessão de indivíduos aparentados, em linha recta ou colateral, por uma
relação com um mesmo ancestral comum, seja qual for a regra de filiação.

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