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1. Os principais desenvolvimentos
históricos da ciência antropológica
1.1 As principais teorias e escolas
1.1.1. O evolucionismo
O estudo das sociedades humanas vivas, na continuidade das
interrogações renascentistas sobre a alteridade (ou seja, o outro
forçosamente distante e desconhecido), só passou a representar um
interesse real, a partir do momento em que foi possível obter
informações sobre sociedades muito afastadas e estranhas para os
europeus pelo contacto directo com elas. Anteriormente tinha-se
especulado muito sobre essas sociedades sem ser possível observá-las.
Independentemente dos interesses materiais em causa, as primeiras
descrições, muitas vezes fantasiosas, mas em certos casos bastante
reveladoras de mundos diferentes e intrigantes para os europeus do
século XVI, suscitavam a curiosidade dos espíritos pelas revelações que
eram feitas acerca das novas criaturas humanas, até aí desconhecidas,
e dos seus modos de viver.
As descrições de viagens pelos portugueses são várias e extraordinárias
para a época, entre as quais não se pode deixar de citar: a Crónica do
Descobrimento e Conquista da Guiné de Gomes Eanes de Zurara
(1410-1474) onde é descrito o contacto dos portugueses com as
tradições dos guineenses; o Roteiro de Viagem de Vasco da Gama,
redigido em 1497 e atribuído a Álvaro Velho, onde é feita a descrição do
encontro entre os portugueses e os habitantes da baía de Santa Helena,
assim como com os habitantes da enseada de São Brás; a Carta de
Pêro Vaz de Caminha, escrivão que viajou com Pedro Álvares de Cabral,
fascinado pelas gentes que via pela primeira vez à chegada ao Brasil,
enviou uma volumosa carta de várias páginas ao Rei D. Manuel a relatar
as suas impressões sobre os ameríndios: o aspecto, os
comportamentos, os ornamentos, como reagiam ao vinho de uva
elemento de civilização de expressão máxima por excelência. Pode
ainda referir-se a obra Etiópia Oriental de Frei João dos Santos (1609)
onde são dadas informações sobre os costumes, as artes e ofícios,
modos de vestir, tatuagens, enfeites de cabeça, dos vários povos da
costa oriental de África e designadamente dos macuas do Norte de
Moçambique. Mas existe ainda o notável relato das aventuras de viagens
de Fernão Mendes Pinto (1510-1583) pelo Oriente, em Peregrinação,
cuja avaliação científica está por fazer a fim de destrinçar a parte de
fantasia eventual e a parte autobiográfica, onde o autor revela usos e
costumes das gentes com que se encontrou; posteriormente, durante os
séculos XVIII e XIX, outros numerosos relatos foram elaborados como o
de Lacerda, nas Viagens a Cazembe; ou de António Gil, Considerações
sobre alguns pontos mais importantes da moral religiosa e sistema de
jurisprudência dos Pretos do Continente de África Ocidental Portuguesa
além do Equador, tendentes a dar alguma ideia do carácter peculiar das
suas instituições primitivas (1854). Segundo J. Poirier [1968], António Gil,
4
1.1.2. O difusionismo
Naturalmente, a época evolucionista não foi estanque nem
absolutamente homogénea do ponto de vista do pensamento
antropológico.
Sob o impulso das críticas do antropólogo americano F. Boas
[1858-1942] às teses evolucionistas, uma nova compreensão da
humanidade desconsidera progressivamente o evolucionismo linear e
cede o lugar ao que foi designado de escola difusionista ou ainda de
corrente da história cultural.
Esta corrente foi sobretudo relevante nos Estados Unidos, mas também
na Alemanha pela iniciativa do geógrafo F. Ratzel [1844-1904], onde
prevaleceu até finais dos anos trinta.
Assim, contrariamente aos evolucionistas, que interpretavam as
semelhanças entre sociedades como a expressão de uma evolução
paralela, os difusionistas interpretam esta evolução como sendo
essencialmente o resultado de empréstimos e de contactos culturais
entre sociedades.
Saída da crítica do evolucionismo, a corrente difusionista, reagindo à
ideia de um desenvolvimento unilinear das sociedades, parte do princípio
de que o processo de desenvolvimento cultural não é uniforme para
todas as sociedades mas que este conhece a diversidade pelo facto de
existirem forçosamente contactos, mais ou menos acidentais, entre
sociedades. O homem sendo pouco inventivo, a história da humanidade
resumir-se-ia assim a empréstimos culturais sucessivos, a partir de focos
de civilização cuja distância geográfica, por muito grande que fosse, não
devia constituir qualquer obstáculo para a difusão.
Pretendendo que a maioria dos elementos culturais que constituem uma
sociedade tinham sido tomados a outras culturas, provenientes de um
número limitado de centros de difusão – devido à relativa raridade dos
processos de invenção –, a teoria difusionista considerava necessário
estabelecer a cronologia da história cultural de uma sociedade para
compreender as suas características do momento. Enquanto, para os
evolucionistas dois elementos culturais similares, existentes em duas
culturas distintas, eram interpretados como o resultado de duas
evoluções paralelas e independentes, para os difusionistas a
semelhança resultava de uma transferência directa ou indirecta de
uma das sociedades para a outra.
Porém, as escolas difusionistas alemã e austríaca obtiveram resultados
interessantes ao introduzir as noções de complexo cultural e de circulo
de cultura ou de civilização para qualificar áreas de vastos complexos
culturais de onde se teriam expandido certos aspectos para a maior
parte do planeta.
Discípulos de Ratzel, como Frobenius [1873-1938], vulgarizador da
noção de área cultural, (“Kulturkreis”), F. Graebner [1873-1938] e o
missionário W. Schmidt [1868-1954], sustentavam que era possível
redesenhar os caminhos seguidos pelos complexos culturais da difusão
e registar os diferentes sítios onde se observavam as características do
complexo.
7
1.1.3. O funcionalismo
Em antropologia, o funcionalismo corresponde à doutrina que pretende
privilegiar o estudo da função dos elementos sociais em detrimento do
estudo da sua forma. O conceito de forma social designa qualquer
aspecto de um complexo de civilização cujas expressões podem ser
observadas e transmitidas de uma sociedade para outra. A transmissão
de um elemento de civilização é muitas vezes acompanhada pela
dissociação da forma e da significação dado que, na maioria das vezes,
esta escapa à compreensão dos indivíduos, enquanto a forma pode ser
facilmente apreendida e ser imitada ou copiada sem que
necessariamente tenha o mesmo significado. Assim, é funcionalista a
opinião daquele que pretende atribuir uma função a qualquer elemento
social.
Por outras palavras, os funcionalistas consideram o estudo da sociedade
em termos de organização e funcionamento. O objectivo é evidenciar
as relações causais, funcionais e interdependências entre os factos
sociais e as instituições de uma dada sociedade. A análise funcionalista,
ao querer estudar a função de uma instituição num quadro social geral
subentende que os factos sociais estão intimamente ligados uns aos
outros.
O fundador e o mais notável representante do funcionalismo
antropológico foi Malinowski. Mas Radcliffe-Brown [1881-1955] esteve
igualmente na origem da teoria funcionalista que mais tarde viria a ser
desenvolvida por M. Fortes [1906-1983].
Jean Poirier, apoiado no que considera ser a melhor análise sobre a
contribuição de Malinowski acerca do funcionalismo, na obra colectiva
9
1.1.4. O estruturalismo
C. Lévi-Strauss foi sem dúvida nos anos sessenta o grande
representante do estruturalismo em antropologia social. O interesse pela
linguística resulta da convicção de que esta ocupava um lugar cimeiro no
conjunto das ciências sociais e que neste conjunto foi a que de longe
realizou os maiores progressos: “a única, sem dúvida, a poder reivindicar
o nome de ciência e a ter conseguido, ao mesmo tempo, formular um
método positivo e conhecer a netureza dos factos submetidos à sua
análise” [C. Lévi-Strauss, 1985:37].
Este método foi sobretudo aplicado em França às estruturas do
parentesco, aos mitos, à alimentação, de forma muito interessante por C.
Lévi-Strauss.
Segundo Lévi-Strauss, o objecto da análise estrutural, consiste em
procurar pelo método dedutivo as estruturas particularmente
inconscientes que podem ser evidenciadas a partir de dados empíricos
etnográficos, como: as regras de parentesco, a mitologia, as práticas
culinárias, as classificações culinárias, a arte, etc.
11
Assim, no mesmo Ensaio sobre o Dom o autor refere ainda: “Os factos que
estudámos são todos [...] factos sociais totais [...] quer dizer põem em
movimento, em certos casos, a totalidade da sociedade e das instituições [...]
Todos estes fenómenos são ao mesmo tempo jurídicos, económicos,
religiosos, e mesmo estéticos morfológicos, etc. [...] São «todos», sistemas
sociais inteiros, dos quais tentámos descrever o funcionamento. Não os
estudámos como se estivessem estáticos num estado único ou cadavérico, e
ainda menos os decompusemos ou dissecámos em regras de direito, em
mitos, em valores e em preço. Foi considerando o todo em conjunto que
pudemos aperceber o essencial, o movimento do todo, o aspecto vivo, o
instante fugidio em que a sociedade toma, em que os homens tomam
consciência sentimental deles próprios e da sua situação em relação a outro”
[op.cit].
Estas preocupações de Mauss, todas elas metodológicas, marcaram
decisivamente o desenvolvimento do pensamento antropológico que se
seguiu. Em França, designadamente com M. Griaule que trabalhou junto dos
dogon e estudou as culturas do ponto de vista da interpretação dos seus
próprios membros, tentando mostrar como os mesmos esquemas culturais
podiam estar presentes em níveis culturais diferentes; com C. Lévi-Strauss;
com Balandier, antropólogo africanista, que se dedicou ao estudo das
mutações africanas do após-guerra; mas também com o austríaco R.
Thurnwald, considerado um dos porta-voz do funcionalismo (de um
funcionalismo matizado em relação ao de Malinowski); ou ainda com o próprio
Malinowski; e igualmente com os americanos R. H. Lowie (discípulo de Boas),
o qual se fez notar no domínio do estudo da organização social, M. Mead que
estudou os Arapesh e os Mundugamor da Nova Guiné cujo “temperamento”
masculino e feminino comparou, C. Du Bois, R. Linton e A. Kardiner que
trabalharam sobre o tema do comportamento, determinado pela educação e
pelo meio técnico e económico, imposto pelo grupo aos indivíduos. Estes três
últimos autores estão também na origem da noção “personalidade de base”2 e
de “pattern”.
Uma última nota para dizer que se o seu contributo para a teoria geral da
antropologia foi de facto importante, em França, Mauss ocupa um lugar à
altura dessa importância, um lugar comparável ao de Boas nos Estados
Unidos.
________________________________
2
Esta noção define a configuração psicológica resultante do conjunto dos elementos constitutivos da
personalidade possuídos em comum pelos membros de uma sociedade.
17
Indivíduo falecido
Ou Casamento
Casamento polígamo
Filiação
Divórcio
1 2
Ou Segundo casamento de um homem
Marido e esposa
Procriaram
Irmão e irmã
Ego feminino
P= – Primos paralelos
Px – Primos cruzados
G+ – Gerações superiores
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G0 – Geração Zero
G- – Gerações inferiores
Uma nota, para indicar, muito sucintamente, que os primos paralelos se
definem como tal pelo facto de serem indivíduos saídos de irmãos de
mesmo sexo. Inversamente, os primos cruzados são definidos por
uma relação entre indivíduos saídos de irmãos de sexo diferente.
Primos cruzados e primos paralelos
patrilaterais matrilaterais
G+ 1
G0
irmão Ego prima
direita
2º Col
22
2.1.2 As abreviações
Para além dos símbolos utilizados para construir os diagramas
genealógicos, utilizam-se ainda, por razões de operacionalidade, um
sistema de abreviações ou de notação dos termos de parentesco.
Pode dizer-se que o sistema de notação representa uma tentativa de
criação de uma linguagem científica universal dos termos de parentesco.
Ou seja, apresenta-se como uma terceira linguagem – entre a linguagem
local e a do investigador –, uma espécie de metalíngua que está para os
antropólogos do parentesco como o latim para os botânicos.
A língua inglesa foi a primeira a fornecer os seus princípios, mas os
franceses, para quem a notação em inglês se tornava difícil de utilizar,
criaram igualmente termos convencionais para referir o campo de
aplicação (o léxico parental de referência) das nomenclaturas do
parentesco.
Ora, temos de concordar que também para os especialistas e outros
leitores de língua portuguesa, nem uns nem outros são práticos, embora
se deva reconhecer que qualquer uma destas línguas é de maior difusão
que o português.
Inicialmente, na medida em que todo o antropólogo é levado a ler
trabalhos realizados noutras línguas, são igualmente apresentados os
sistemas de notação em inglês e em francês.
Classicamente, os especialistas utilizavam exclusivamente a notação em
inglês. E ainda hoje, nos trabalhos publicados em revistas internacionais,
é este sistema de notação o mais usual, por razões de universalidade
científica da língua inglesa. Contudo, simbolizar uma qualquer relação de
parentesco neste idioma causa as maiores dificuldades, tanto na sua
elaboração como, e sobretudo, na leitura dos diagramas, para quem não
está suficientemente familiarizado com o inglês. Como é sabido, a
construção da frase em inglês relatando uma relação de parentesco faz-
se, do nosso ponto de vista, de frente para trás (por exemplo “Father's
Brother”, irmão do pai: “tio”). Sendo assim, as abreviações justapõem-se
na ordem inversa à do português o que exige um exercício suplementar
de leitura dos diagramas para o que já de si nem sempre é fácil. Quanto
à adopção do sistema de notação francês é uma evidência dizer que
também não representa qualquer vantagem em trabalhos redigidos em
português, para além de não oferecer especial carácter de
universalidade, embora o idioma tenha uma incomparável maior difusão
científica que o português. Estes são os principais argumentos em favor
da utilização de um sistema de notação em português.
Assim, quando da publicação de um artigo ou livro em língua francesa ou
inglesa, tal como o trabalho em si, também o sistema de notação deverá
ser traduzido.
As abreviações dizem essencialmente respeito, por um lado, ao núcleo
de parentes consanguineamente muito próximos, como: pai, mãe, filho,
23
filha, irmão, irmã e, por outro, aos afins destes parentes de primeira
ordem4. A partir das abreviações destas relações básicas, todas as
outras são possíveis de construir, articulando as respectivas abreviações
umas com as outras, conforme as relações de parentesco a descrever.
Na notação em português aqui proposta, foi utilizada a primeira letra do
termo de parentesco para construir o símbolo da abreviação (por
exemplo P para “pai”.) ou, nos casos em que não era possível (por
existirem outras relações começadas pela mesma letra), a primeira e
última letra do termo (por exemplo Fo para “filho”); com excepção de
marido e esposa cujas abreviações contêm três letras, a primeira e as
duas últimas (Mdo para “marido” e Esp para “esposa” ou Mer para
“mulher”). Existem dois outros casos de figura que contêm igualmente
três letras (cuja escolha não seguiu as mesmas regras), mas não são
propriamente termos de parentesco: “primogénito” (Pgt) e “benjamim”
(Bjm). Contudo, mesmo nas relações de três letras, seria possível
empregar unicamente dois símbolos alfabéticos. Pareceu-me, no
entanto, ser mais explícito, as abreviações adoptadas. Quanto às idades
intermédias estas são expressas através dos sinais + e -.
A notação em inglês é, em todas as situações, constituída por uma única
letra, a que corresponde à inicial do termo de parentesco.
Pai P
Mãe M
Filho Fo
Filha Fa
Irmão Io
Irmã Iã
Tio IoP/IoM (irmão do pai/da mãe)
Tia IãP/M (irmã do pai/mãe)
Sobrinho FoIo/FoIã (filho do irmão/da irmã)
Sobrinha FaIo/FaIã (filha do irmão/da irmã)
Primo FoIoP/FoIoM/FoIãP/FoIãM (Filho do irmão do pai/
do irmão da mãe/da irmã do pai/da irmã da mãe)
Prima FaIoP/FaIoM/FaIãP/FaIãM (filha do irmão do pai/
do irmão da mãe/etc.)
Primogénito Pgt
Benjamim Bjm
________________________________
4
Segundo J. P. Murdock [1949], os parentes de primeira ordem são os que constituem as famílias
nucleares a que Ego pertence enquanto solteiro e casado: pais, irmãos e irmãs na sua família de
orientação, marido ou esposa, os filhos e filhas na sua família de procriação.
24
Afins:
Marido Mdo
Esposa/Mulher Esp/Mer
Cunhado IoMdo/IoMer/MdoIã/MdoIãMdo/MdoIãEsp (irmão do
marido/irmão da mulher/marido da irmã/marido da irmã
do marido/marido da irmã da esposa).
Cunhada IãMdo/IãEsp/EspIoMdo/EspIoEsp (irmã do marido/irmã
da esposa/esposa do irmão do marido/esposa do
irmão da esposa).
Father F (Pai)
Mother M (Mãe)
Son S (Filho)
Daughter D (Filha)
Brother B (Irmão)
Sister Z (Irmã)
Uncle FB/MB (Tio)
Aunt FZ/MZ (Tia)
Nephew BS/ZS (Sobrinho)
Niece BD/ZD (Sobrinha)
Afins:
Husband H (Marido)
Wife W (Esposa)
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Père Pe (Pai)
Mère Me (Mãe)
Fils Fs (Filho)
Fille Fe (Filha)
Frère Fr (Irmão)
Soeur So (Irmã)
Oncle FrPe/FrMe (frère du père/frère de la mère), (Tio)
Tante SoPe/SoMe (soeur du père/soeur de la mère), (Tia)
Neveu FsFr/FsSo (fils du frère/fils de la soeur), (Sobrinho)
Nièce FeFr/FeSo (fille du frère/fille de la soeur), (Sobrinha)
Cousin FsFrP/FsFrM/FsSoP/FsSo, (fils du frère du père/fils du
frère de la mère/fils de la soeur du père/etc., (Primo)
Cousine FeFrP/FeFrM/FeSoP/FeSoM (fille du frère du père/etc.,
(Prima)
Afins:
Mari Ma (Marido)
Epouse/Femme Ep/Fme (Esposa), (Mulher)
Beau-Frère FrMa/FrEp/MaSo/MaSoMa/MaSoEp (frère du
mari/frère de l'épouse/mari de la soeur du mari/
mari de la soeur de l'épouse, (Cunhado)
Belle-Soeur SoMa/SoEp/EpFr/EpFrMa/EpFrEp (soeur du
mari/soeur de l'épouse/épouse du frère du mari/
épouse du frère de l'épouse (Cunhada)
2.1.3 As nomenclaturas
Como referi, uma nomenclatura de parentesco consiste no conjunto dos
termos de parentesco que uma determinada cultura utiliza para tratar ou
referir as pessoas entre as quais existe uma relação de carácter
parental.
Assim, a terminologia representa uma linguagem específica que permite
classificar os parentes em diferentes categorias. Com efeito, o termo de
parentesco indica simultaneamente a categoria do parente e o tipo de
atitude que lhe está associado. Por outras palavras, determina o modelo
de comportamento social de tipo parental a ter para com ele. Uma
criança é educada, desde a sua tenra idade, a distinguir os seus vários
parentes e a integrar no seu sistema cognitivo parental todo um conjunto
de atitudes a respeitar em relação a eles.
Refira-se no entanto que em muitos casos o elemento verbal parental
nem sempre é suficiente para expressar automática e completamente o
tipo de atitude a observar entre parentes. Outros elementos, esteriores
ao termo de parentesco, são necessários para indicar o comportamento
adequado a ter entre eles. Por exemplo, na nossa cultura, ao termo
primo podem corresponder vários comportamentos a ter em conta, em
função da geração e do grau de colateralidade em causa: assim, entre
primos de mesma geração é usual o tratamento pelo prenome e o tutear;
entre primos de gerações distintas, uma diferença de idade significativa
pode implicar o vocear5 (de você) para além do uso do termo de
parentesco e do prenome ou mesmo do apelido; entre primos ainda mais
afastados, o tratamento entre eles implica geralmente o emprego do
termo de parentesco juntamente com o vocear.
Contudo, não parece haver uma equivalência automática e absoluta
entre o sistema de apelações e o sistema de atitudes. No entanto, é
certo que há fortes correspondências entre os dois aspectos mas, apesar
de tal, alterações no sistema de apelações podem nunca chegar, ou
levar algum tempo, a cristalizarem-se em atitudes parentais
correspondentes.
________________________________
5
Permito-me criar o neologismo “vocear” (em contraponto de “tutear” pouco usual mas existente na
língua portuguesa) em substituição da longa frase “tratamento por você” que sendo necessário repeti-
las vezes sem conta se revela pouco prática em estudos sobre os sistemas de atitudes.
27
primo prima primo prima irmão Ego irmã primo prima primo prima
30
irmão irmã irmão irmã irmão Ego irmã irmão irmã irmão irmã
primo prima irmão irmã irmão Ego irmã irmão irmã primo prima
pai Irmã irmão irmã irmão Ego irmã irmão irmã filho filha
do pai
sobrinhos/as
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6
Os Crow são um povo das planícies do Montana cuja terminologia, por ter sido estudada em primeiro
lugar, constitui um tipo de referência ao qual correspondem outros sistemas, como o dos Hopi
(metrilineares).
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sobrinho sobrinha irmão irmã irmão Ego irmã irmão irmã Irmão mãe
da mãe
A B D B
termo termo
J L
2.1.4.2. O avunculato
O avunculato (do latim avunculus, tio) consiste numa relação
particular entre o tio e o filho da irmã.
Relações avunculares
2.1.7 Parentela
A parentela consiste no grupo de parentes consanguíneos que ego
reconhece como tal. Nos casos em que a linha genealógica de
descendência é indiferente – o que acontece na maioria dos casos –, a
parentela é dita bilateral. Porém, existem sociedades em que o
recrutamento dos membros da parentela é feito numa única linha,
agnática ou uterina. A fundamental característica da parentela é ela
definir-se exclusivamente em relação a um indivíduo de referência, ou
seja ego, que se encontra no centro de uma tal configuração.
________________________________
9
Esta forma de associação doméstica existia na planície panoniana da Jugoslávia (entre o Danúbio e a
Ilíria).
46
herança
sucessão
2.2.3 O Estado
Como foi referido anteriormente, uma questão importante que preocupou
os antropólogos foi a origem do Estado. M. Fortes, E. E. Evans-Pritchard
[1940] colocaram a questão de saber se a existência ou ausência de
Estado estaria relacionada com a demografia ou a densidade
populacional num determinado território ou, ainda, com o modo de
viver.
Uma das características do Estado consiste em poder exercer um
controlo coercitivo sobre os seus membros assim como nas suas
relações com outras sociedades, como já foi referido mais atrás. Na
Europa, e de modo geral no resto do mundo ocidentalizado, estamos
habituados a reconhecer as formas clássicas de Estado. Mas, por
exemplo, no continente africano tradicional, em certos reinos, podia
observar-se diferentes formas de forte organização política, como, por
exemplo, no reino kuba do Zaire organizado em torno de chefaturas
com chefes nomeados pelo rei. Noutros, como no Daomé, os chefes
nomeados pelo rei estavam sujeitos a um controlo de delegações
enviadas pelo poder supremo real.
O Estado não se confunde com um governo, o qual não é mais do que
uma das suas componentes principais. No caso português, é consensual
dizer-se que, por razões históricas profundas, Estado e Nação formam
um todo confundido. Espanha é de toda a evidência um Estado
multicultural, heterogéneo do ponto de vista regional, composto por
várias regiões-nações: catalã, galega, basca, etc. Para além destas
características, estão sobretudo, algumas delas, animadas de um certo
espírito de separação em relação ao poder central espanhol, a fim de se
constituírem em Estados-nações independentes. A dimensão geográfica
do país não parece constituir uma explicação para a referida
heterogeneidade. A longa duração, também não parece ser uma
explicação para a existência destes Estados imperfeitos. De facto, tanto
a França como Espanha são países antigos; enquanto em Itália, cuja
unidade actual é muito recente, os movimentos centrífugos em relação
ao poder central não parecem ter, pelo menos até agora, grande
expressão.
52
53
________________________________
12
Tanto openfield como bocage são termos consagrados em geografia agrária. A palavra inglesa
openfield significa literalmente campos abertos mas na realidade ela pressupõe uma forma de
organização agrária específica aos campos abertos. Inversamente, a palavra francesa bocage significa
que se trata de uma paisagem de campos cercados mas igualmente de uma organização social
correspondente. Nestas condições, estes dois conceitos contêm uma ambiguidade, à qual se deve dar
atenção, na medida em que podem significar formas de organização agrária ou simplesmente campos
abertos ou fechados.
61
FIM
66
67
41012
ANTROPOLOGIA GERAL II
TESTES FORMATIVOS
TERESA JOAQUIM
2007
68
O cabeçalho de teste deve ser preenchido de forma legível. Não rubrique nem
escreva o seu nome nas folhas do teste, excepto no local indicado para o efeito.
As questões de resposta curta são avaliadas de acordo com os seguintes critérios: (1)
abordagem directa do tema; (2) utilização adequada de conceitos; (3) organização de
ideias; (4) capacidade de síntese; (5) clareza e correcção de linguagem.
GRUPO I
A. desenvolvimento multilinear.
B. desenvolvimento unilinear.
C. desenvolvimento plurilinear
D. desenvolvimento linear.
(...) se o fossem não seria possível dar conta das tensões sociais e da
mudança social observáveis.
A. teoria da união.
B. teoria da filiação.
C. teoria da aliança.
D. teoria da ligação.
70
A. filho.
B. sobrinho.
C. primo.
D. primogénito.
Figura 1
A. sudanesa
B. esquimó
C. iroquesa
D. hawaiana
Figura 2
8. Observe com atenção a Figura 2 e identifique, em relação a ego, os seguintes
71
A. 4 / 16 / 12.
B. 4 / 14 / 12.
C. 3 / 1 / 8.
D. 4 / 10 / 12.
GRUPO II
15. O sororato consiste na obrigação de, quando a esposa morre, o seu grupo de
parentes de origem ter a obrigação de facultar outra em substituição.
Verdadeiro.
16. A linhagem consiste num conjunto de indivíduos tendo em comum um (ou uma)
ancestral comum, sendo capazes de estabelecer todos os elos que os ligam uns aos
outros e ao ancestral comum.
Verdadeiro.
Verdadeiro.
GRUPO III
GRUPO I
A. necessidades sintéticas.
B. necessidades primárias.
C. necessidades derivadas.
D. necessidades biológicas.
A. poligenia.
B. monogamia.
C. poliandria.
D. poligamia.
76
5. A regra de residência que leva um casal a ir viver junto dos parentes da mãe da
esposa ou no seu território designa-se:
A. residência uxorilocal.
B. residência natolocal.
C. residência virilocal.
D. residência matrilocal.
A. família nuclear.
B. família extensa.
C. família composta.
D. família alargada.
A. bando.
B. linhagístico.
C. com Estado
D. grupos de idade.
A. estrutura agrária.
B. paisagem agrária.
C. sistema de cultivo.
D. paisagem de cultivo.
77
10. Na estruturação dos elementos dos sistemas agrários qual é o conceito que tem
como suporte o espaço ecológico e o território ocupado nas suas diferentes escalas:
A. o espaço físico.
B. o território.
C. a morfologia social.
D. a paisagem agrícola.
GRUPO II
Verdadeiro.
13. A ideia de Boas, partilhada por Lowie, de que é impossível descobrir a ordem do
quadro global das instituições humanas é designada por “Morfologismo” de Boas e
Lowie.
Verdadeiro.
Verdadeiro.
15. O sororato é uma forma de casamento que consiste na obrigação que uma mulher
tem em casar com o irmão do seu marido falecido.
16. O clã consiste num conjunto de indivíduos tendo em comum um ancestral comum
fundador, em virtude de uma regra de filiação unilinear.
Falso. Os seus membros dizem-se aoarentados uns aos outros por referência
a um ancestral comum, mas na realidade são geralmente incapazes de
78
17. A herança difere da sucessão pelo facto de esta última se referir não a bens
materiais mas à transmissão de estatuto e autoridade.
Verdadeiro.
Verdadeiro.
19. Teoricamente, no estudo das morfologias rurais, não se deve distinguir espaço
físico de território.
GRUPO III