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Formação dos Professores versus Educação Especial

A reflexão e o estudo sobre a formação docente é tema de grande relevância nos


últimos anos e envolve múltiplos conceitos sociais, históricos e políticos, pois não
se limita simplesmente à aquisição unilateral de conteúdos.

Nesse sentido, pensar a educação implica pensar a prática pedagógica e a

formação docente com qualidade, tema cada vez mais pertinente e complexo por
suas diversas teorias e vertentes, o que exige qualificação, políticas adequadas e
valorização profissional considerando a realidade e o ambiente atuante do
professor. Antes de tudo convém conhecer e entender o conceito de formação.
Segundo, Freire (1996, cit in. Bandeira, 2006, p.2),

“o vocábulo “formação” deriva do latim formatione e tem o sentido de formar, construir, que
por sua vez está em processo de interação e de transformação de conhecimentos. O educador
Freire (1996) já se referiu à formação como um fazer permanente que se refaz constantemente
na ação. Decerto que a formação não se dá por mera acumulação de conhecimentos, mas
constitui uma conquista tecida com muitas ajudas: dos livros, mestres, das aulas, das conversas
entre professores, da internet, dentre outros. Além do mais depende sempre de um trabalho de

teor pessoal. Parodiando Freire, ninguém forma ninguém, cada um forma-se a si mesmo ”

Com base nessa afirmação, fica claro que o termo formação está intrinsecamente
ligado a palavra construção e de acordo com Freire (2007), a mesma só é possível
através do processo de interação e de transformação de conhecimentos, não apenas
transferidos, mas que possibilite sua produção e construção em termos de vivência,
ou seja, a teoria deve ser coerente com a prática cotidiana do professor e não por
mera acumulação de conhecimentos como “produção científica”, mas por sua
característica fundamentalmente humana que reside em seu caráter formador,
levando em conta o contexto social da comunidade à qual ele atua.

A formação inicial, contínua ou pós-graduada, assume uma importância vital na


implementação da Educação Inclusiva para que os professores do Ensino Regular
ou de Educação Especial detenham competências ao nível da diferenciação
pedagógica e curricular, capacidade reflexiva sobre a prática e de partilha de
experiências de ensino inclusivas, que lhes permitam responder à diversidade
funcional dos alunos que frequentam as escolas. Face a este novo paradigma
educativo, a formação de professores implica a consciencialização por parte da
tutela na criação de políticas educativas que incluam a Educação Inclusiva nos
modelos e currículos de formação dos professores, para que estes se sintam
empenhados na educação de todos os alunos.

Grande parte dos cursos de formação inicial de professores ministrados em


Moçambique não inclui a área das Necessidades Educativas Especiais (NEE) e,
quando é incluída no currículo de formação superior, são tratados domínios das
(deficiências) mais severas, causando um efeito negativo nas atitudes de aceitação e
receios quanto à intervenção pedagógica destes professores perante os alunos com
NEE já no exercício da docência. Quanto à formação contínua de professores,
apesar de se ter registado alguma melhoria quanto à quantidade, a Educação
Inclusiva ainda é apresentada como desligada da realidade educativa das escolas ou
das necessidades dos professores que têm alunos com NEE nas suas turmas
(RODRIGUES, 2003).
No sentido de inverter esta situação, Rodrigues (2014) afirma que a formação de
professores deve seguir três princípios essenciais ao nível dos modelos formativos
para que exista uma verdadeira relação entre a equidade e a inclusão de todos os
alunos:

Isomorfismo: Os alunos em situação de formação inicial devem ser colocados em


contextos de formação semelhantes àqueles que encontrarão quando iniciarem a sua
prática profissional, incluindo nesta estratégia uma relação direta entre os
conteúdos que aprendem e as competências que deverão deter no final da sua
formação. A supervisão sobre a prática e o confronto com situações reais
permitirão ao formando perceber quais as opções adequadas para responder com
competência a situações espectáveis que possam ocorrer no exercício da docência;
Infusão: A formação em matéria de Educação Inclusiva deve estar incluída nos
conteúdos desenvolvidos nas diversas disciplinas regulares de formação pedagógica
para que não persista na mente dos futuros professores a ideia de duas pedagogias:
a normal e a especial.

Relação entre teoria, investigação e prática : O conhecimento e a experiência


não constituem um receituário para a resolução de todos os problemas educativos
dos alunos, mas podem consistir num referencial para obter as informações
necessárias para o planeamento de métodos e estratégias que possibilitem respostas
bem sucedidas para problemas mais difíceis. O desenvolvimento de práticas
inclusivas nos professores que irão integrar as escolas do futuro depende da
formação permanente, ou seja, da atualização de conhecimentos, competências e do
acompanhamento supervisionado das suas práticas, numa perspetiva, aberta,
colaborativa e positiva (RODRIGUES, 2014).

A Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação Inclusiva (2012)


também se debruçou sobre a formação inicial de professores na Europa, definindo
um conjunto de áreas de competência (atitudes, conhecimentos e capacidades), que
determinam o Perfil dos Professores Inclusivos. O desenvolvimento deste Perfil
deve incluir atitudes de valorização da diversidade funcional e cultural dos alunos;
a valorização do apoio a todos os alunos, criando expetativas elevadas nos futuros
professores, de forma a que estes implementem metodologias de ensino que
contribuam para resultados positivos nos seus alunos ao nível social, emocional e
educativo; a valorização do trabalho colaborativo com as famílias dos alunos,
professores e outros técnicos de Educação; a valorização do desenvolvimento
pessoal e profissional dos professores, para que a formação inicial seja o ponto de
partida para os dotar de capacidades de reflexão sobre a necessidade de
diferenciação na prática pedagógica quotidiana e a implementação de
procedimentos de avaliação verdadeiramente formativos.
Portanto, a formação inicial e contínua dos professores deve ser revista, não apenas
em questões de pedagogia ou conceitos ligados às NEE, mas incluir experiências e
conhecimentos construídos dentro da profissão docente nas dimensões do Saber,
Fazer e Acreditar (ROUSE, 2008). Para que os professores sejam capazes de
desenvolver crenças e atitudes positivas perante a diversidade multicultural,
capacidades de análise sobre as suas práticas, capacidades de investigação, de
partilha de boas experiências e de indagação na procura de soluções inovadoras,
justas e democráticas num contexto profissional e educativo em constante mudança
legislativa e de exigências unilaterais.

Desafios da prática docente na educação Especial

Segundo Arroyo (2007), “O campo da educação, das políticas, do currículo e da formação se orienta
por princípios universalistas genéricos, não constituídos no reconhecimento da diversidade e das
brutais desigualdades.” (Arroyo, 2007, p. 205). Nesse sentido, o Estado tem como obrigação oferecer
condições para o pleno desenvolvimento das pessoas, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho de maneira digna, igualitária e justa, contudo essa diversidade tem
sido tratada ao longo dos séculos de forma deficiente e ainda não foi devidamente sanada pelas
políticas de Estado, pelas escolas e seus respectivos currículos.

Em Moçambique, o maior desafio para a efetiva inclusão escolar de pessoas com necessidades
especiais tem sido a falta de preparo de grande parte dos professores aliada a carência de uma
formação sustentada nos pressupostos da educação inclusiva. É comum ouvir relatos de muitos
professores que não se sentem preparados ou que temem lidar com alunos com diferentes
necessidades educativas. Desta forma, a formação do professor tem relação direta com a qualidade
do ensino e este depende muito do comprometimento com a profissão docente. A base vem da
partilha de conhecimentos, de estudos de casos de práticas pedagógicas, que são as experiências, as
trocas” (ROZEK, 2010).

A formação do professor é fundamental no processo de inclusão. Contudo, ele precisa ser apoiado e
valorizado, pois sozinho não poderá efetivar a construção de uma escola fundamentada numa
concepção inclusiva. Para tanto, faz-se necessário, conforme aborda a Declaração de Salamanca: “a
preparação de todo o pessoal que constitui a educação, como fator chave para a promoção e
progresso das escolas inclusivas.” (Salamanca,1994, p. 27).
Segundo Libâneo (2007), torna-se necessário ao professor, refletir sobre sua formação, pois é clara a
necessidade de uma formação geral e profissional que considere essa diversificação das atividades
educativas em múltiplas instâncias. Isso implica repensar os processos de aprendizagem e
competências comunicativas levando em conta a análise de situações novas e cambiantes para o
enfrentamento das exigências do mundo contemporâneo, capaz de promover de fato uma educação
de qualidade, considerando a heterogeneidade do grupo.

Há algumas décadas, o profissional docente vem enfrentando grandes desafios, antes, ao concluir
uma graduação acreditava-se que o professor estava apto para atuar na sua área até o fim da
carreira, hoje este deve está consciente de que sua formação é constante. Seja como for esta
formação, o aluno com NEE será cada vez mais comum nas escolas, estejam elas preparadas ou não,
cabe às universidades e cursos de capacitação, o papel de oferecer à sociedade um profissional no
melhor nível de qualidade, considerando seus diversos públicos e tendo consciência do papel do
professor na superação da lógica da exclusão.

Na formação universitária, destaca-se o desafio de disciplinas específicas para o ensino especial,


Nesse ponto, pôde-se constatar que nenhuma das disciplinas gerais oferecidas nos cursos inclui em
seu conteúdo temas relacionados à educação de crianças com deficiência ou educação inclusiva. Isto
é, apesar do discurso oficial da inclusão educacional, o tema da deficiência é tratado somente pelas
disciplinas específicas. Todas as demais matérias (teóricas e práticas) não se ocupam, minimamente,
de temas a ela relacionados, ou seja, continua sendo apresentado como um problema do
especialista.

Segundo Chambal e Bueno (2014) Por outro lado, a análise das disciplinas específicas oferecidas
pelas diferentes universidades permitiu constatar que, com exceção da Universidade Pedagógica de
Maputo, o restante não oferece disciplinas específicas nos cursos de formação de professores.

Essa ausência de disciplinas específicas nas suas propostas curriculares incide em diferentes cursos,
conforme a universidade: em uma delas é o curso de gestores que não inclui disciplina; em outra, o
curso de formação de psicólogos para o trabalho, paradoxalmente, é o único (entre quatro cursos
oferecidos) que inclui uma disciplina específica.

Além disso, a diversidade de denominações das disciplinas oferecidas (NEE, Educação para NEE,
Educação Inclusiva, Educação e Reabilitação) não expressa uma distinção de propostas, já que
disciplinas com denominações diferentes possuem basicamente o mesmo conteúdo, assim como
disciplinas com a mesma denominação possuem conteúdos distintos. A exceção aqui fica por conta
da Universidade Pedagógica, que apresenta a mesma disciplina para os cursos oferecidos, o que,
dada a importância política que essa universidade possui no campo da formação docente, pode estar
designando uma tendência à uniformização (CHAMBAL e BUENO, 2014)

Por outro lado, verifica-se uma contradição entre disciplinas mais específicas e outras de cunho mais
geral. Por exemplo, se os objetivos da disciplina Educação Especial e Reabilitação se referem muito
mais a processos especiais de ensino do que de inclusão escolar, os da disciplina Educação Inclusiva
se voltam exclusivamente para as políticas, estrutura e funcionamento das instituições educacionais
inclusivas. Ou seja, ao lado de uma postura bastante tradicional da primeira, surge uma disciplina
que parece indicar que os novos princípios começam a ser incorporados.

Em outros termos, enquanto as primeiras, mesmo que de forma inconsciente, continuam a expressar
que os alunos precisam se adaptar para serem absorvidos pela escola, as segundas parecem começar
a indicar que a escola também tem que se modificar para receber os mais diferentes alunos.

O outro desafio os professores, sentem-se frustrados quando os alunos com NEE não conseguem
acompanhar o currículo comum e, principalmente, quando têm dificuldades em comunicar e
entender os alunos com NEE. Este desafio lançado pelos alunos com NEE aos professores, que requer
uma perspetiva normalizadora e inclusiva, implica atitudes diferentes, uma atuação sistemática, uma
visão ecológica e sistémica, embora contextualizada das realidades vividas em cada momento do
processo ensino-aprendizagem, em que se deixa de valorizar unicamente os conhecimentos e o
progresso académico, para se valorizar o desenvolvimento global de cada ser humano (Serra, 2008).
Esta visão exige preparação afetiva e académica, por parte do professor, para que possa enfrentar as
frustrações que evidenciam. Corroborando com a fundamentação teórica estas atitudes de
frustração podem estar relacionadas com a formação dos professores. Palácios (1987) refere que,
para o êxito da inclusão, para além das atitudes, é essencial a formação dos professores.

Propostas da prática docente em situações de educação especial

O docente de educação especial, enquanto parte ativa da equipa multidisciplinar, assume um papel
essencial no processo de flexibilidade curricular, contribuindo para a promoção de competências
sociais e emocionais, envolvendo os alunos ativamente na construção da sua aprendizagem,
promovendo o desenvolvimento das áreas de competências inscritas no Perfil dos alunos à saída da
escolaridade obrigatória, nomeadamente, a capacidade de resolução de problemas, o relacionamento
interpessoal, os pensamentos crítico e criativo, a cidadania.

O seu papel será igualmente relevante: (i) nos processos de gestão dos ambientes de sala de aula,
(ii) na adaptação dos recursos e materiais, (iii) na constituição de grupos de alunos consoante as
suas necessidades e potencialidades, (iv) na adequação das metodologias de ensino e de
aprendizagem, (v) na avaliação das aprendizagens, (vi) na definição de percursos de melhoria das
aprendizagens, (vii) no trabalho interdisciplinar e (viii) na monitorização da implementação de
medidas de apoio à aprendizagem.

A intervenção do docente de educação especial realiza-se de acordo com duas vertentes: uma
relativa ao trabalho colaborativo com os diferentes intervenientes no processo educativo dos alunos
e outra relativa ao apoio direto prestado aos alunos que terá, sempre, um caráter complementar ao
trabalho desenvolvido em sala de aula ou em outros contextos educativos.

O docente de educação especial, no âmbito da sua especialidade, apoia os docentes do aluno na


definição de estratégias de diferenciação pedagógica, no reforço das aprendizagens e na
identificação de múltiplos meios de motivação, representação e expressão.

A ação educativa desenvolvida nos centros de apoio à aprendizagem, complementar da que é


realizada na turma de pertença do aluno, convoca a intervenção de todos os agentes educativos,
nomeadamente o docente de educação especial.

Um docente integra a Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva, a quem cabe um


conjunto de atribuições e competências de apoio à operacionalização da educação inclusiva: por um
lado, propor o apoio à sua implementação e respetivo acompanhamento e monitorização da eficácia
das medidas de suporte à aprendizagem; por outro lado, cabe-lhe o aconselhamento dos docentes na
implementação de práticas pedagógicas inclusivas, o acompanhamento do centro de apoio à
aprendizagem e a sensibilização da comunidade educativa para a educação inclusiva, através de
ações diversas.

Referências

Arroyo, M. G.(2007) Condição docente, trabalho e formação. In. Souza, João Valdir Alves de (Org.).
Formação de professores para a educação básica: dez anos da LDB. Belo Horizonte: Autêntica.

Chambal & Buenos (2014). A formação de professores na perspectiva da educação inclusiva em


moçambique: uma perspectiva. Campinas. Disponível em: Disponível em
<http://www.cedes.unicamp.br>

Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. (1994). Brasília:
UNESCO. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca>. [Acessado em
21/04/2024]

Freire, P. (2007). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36. Ed. São
Paulo: Paz e Terra.
Libâneo, J. C. (2011). Sobre qualidade de ensino e sistema de formação inicial e continuada de
Professores. In: Libâneo, José Carlos. Adeus professor, adeus professora?: novas exigências
educacionais e profissão docente. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 37 a 50.

Palácios, J, (1987). Las atitudes de los professores hacia la integracion. Revista de Educación. (número
extra 1987), 209-215.

Serra, H. (2008). Estudos em Necessidades Educativas Especiais – Domínio Cognitivo. Porto: Edições
Gailivro, S.A

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