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Desenvolvimento Humano
Autores: Profa. Cássia Regina Palermo Moreira
Prof. Mário Luiz Miranda
Colaboradora: Profa. Vanessa Santhiago
Professores conteudistas: Cássia Regina Palermo Moreira / Mário Luiz Miranda
Natural de São Paulo, doutora em Ciências pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP‑USP), com
mestrado e bacharelado em Educação Física pela Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFEUSP).
Professora na Universidade Paulista (UNIP) de 2004 a 2011 e de 2014 até o momento no curso de Educação
Física e em outros cursos de graduação. Professora pela Uniesp, em 2013. Leciona as disciplinas Aprendizagem e
Desenvolvimento Motor, Crescimento e Desenvolvimento Humano, Métodos de Pesquisa, Psicologia Aplicada ao
Esporte, entre outras. Membro do Grupo de Estudos da Ação e Intervenção Motora (EEFE‑USP). Bacharela em Direito,
desde 2013, pelas Faculdades Integradas de Guarulhos – SP (FIG-UNIMESP).
Natural de São Paulo, foi atleta de judô e atualmente é árbitro internacional continental dessa modalidade pela
Federação Internacional de Judô e Confederação Brasileira de Judô. É mestre em Ciências pela Escola de Educação
Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE‑USP), pós-graduado em Aprendizagem Motora também pela
EEFE-USP e graduado em Educação Física na UNIP, onde atua como coordenador pedagógico e professor, desde 2006,
nas disciplinas de Aprendizagem e Desenvolvimento Motor e Lutas: Aspectos Pedagógicos e Aprofundamento, na qual
é líder acadêmico. É professor nos cursos de pós-graduação à distância de Aprendizagem e Desenvolvimento Motor
na disciplina de Teorias de Aprendizagem Motora da Universidade Estácio de Sá e Unicsul. Seus principais trabalhos
publicados são: A iniciação no Judô: Relação com o Desenvolvimento Infantil; Efeitos do Uso da Instrução Verbal e
Demonstração por Vídeo na Aprendizagem de uma Habilidade Motora do Judô; estudos de prática formalizada de kata
(rotinas de aprendizagem de golpes da modalidade de judô) com o título Práctica y Caracterización de las Katas por
Profesores y Árbitros de Judô Experimentados e o livro Respostas Psicofisiológicas da Arbitragem de Judô: Efeitos da
Experiência dos Árbitros e do Nível das Competições.
CDU 159.922
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permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Aline Ricciardi
Giovanna Oliveira
Sumário
Crescimento e Desenvolvimento Humano
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9
Unidade I
1 VIDA HUMANA: DESENVOLVIMENTO DA ESPÉCIE, CRESCIMENTO E
DESENVOLVIMENTO DO INDIVÍDUO E POSSIBILIDADES DE RELAÇÕES COM
A EDUCAÇÃO FÍSICA........................................................................................................................................... 11
2 DESENVOLVIMENTO DA ESPÉCIE............................................................................................................... 13
2.1 A origem do homem: considerações sobre evolução............................................................. 14
2.2 A origem do homem na história do homem............................................................................. 16
2.3 Características morfofuncionais do homem moderno (Homo sapiens sapiens)................ 20
2.4 Importância do estudo da evolução humana para a Educação Física............................ 23
3 CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DO INDIVÍDUO...................................................................... 25
3.1 Ideias equivocadas sobre crescimento e desenvolvimento humano............................... 25
3.2 Os fenômenos e os conceitos de crescimento e desenvolvimento humano................ 26
3.3 Há limites para o crescimento e para o desenvolvimento ao longo da vida?.............. 28
3.4 Fatores de influência e variações no processo de crescimento e
desenvolvimento de uma pessoa........................................................................................................... 30
3.5 Domínios que compõem o desenvolvimento humano.......................................................... 33
3.5.1 Domínio motor......................................................................................................................................... 35
3.5.2 Domínio cognitivo................................................................................................................................... 38
3.5.3 Domínio emocional................................................................................................................................. 40
3.5.4 Domínio moral.......................................................................................................................................... 42
3.5.5 Domínio social e cultural...................................................................................................................... 45
3.6 A integração polêmica de dois domínios do desenvolvimento: razão e emoção....... 47
4 O CICLO DE VIDA E AS FAIXAS ETÁRIAS.................................................................................................. 50
4.1 Para mais reflexões sobre o ciclo de vida e a atuação profissional.................................. 51
Unidade II
5 INICIANDO A VIDA: CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO NO PERÍODO PRÉ-NATAL......... 55
5.1 Concepção................................................................................................................................................ 55
5.1.1 Sistemas reprodutivos............................................................................................................................ 55
5.1.2 Característica reprodutiva feminina e masculina................................................................................58
5.2 Gravidez: o difícil caminho da concepção.................................................................................. 60
5.3 A saúde da mulher e fatores que podem afetar a gravidez saudável............................. 61
5.4 O período pré-natal.............................................................................................................................. 62
5.4.1 O primeiro mês......................................................................................................................................... 62
5.4.2 O segundo mês......................................................................................................................................... 64
5.4.3 O terceiro mês........................................................................................................................................... 66
5.4.4 O quarto mês............................................................................................................................................. 67
5.4.5 O quinto mês............................................................................................................................................. 69
5.4.6 O sexto mês................................................................................................................................................ 70
5.4.7 O sétimo mês............................................................................................................................................. 72
5.4.8 O oitavo mês.............................................................................................................................................. 73
5.4.9 O nono mês................................................................................................................................................ 74
5.5 O processo de nascimento ou parturição................................................................................... 76
5.5.1 Parto vaginal.............................................................................................................................................. 76
5.5.2 Parto cesariano......................................................................................................................................... 77
6 INFÂNCIA............................................................................................................................................................. 78
6.1 Primeira infância................................................................................................................................... 78
6.1.1 Desenvolvimento físico......................................................................................................................... 78
6.1.2 Desenvolvimento sensorial e cognitivo.......................................................................................... 80
6.1.3 Desenvolvimento motor....................................................................................................................... 81
6.1.4 Desenvolvimento emocional e sociocultural................................................................................ 87
6.1.5 A grande importância do ato de amamentar – para a mãe e para o bebê..................... 90
6.2 Segunda infância................................................................................................................................... 92
6.2.1 Domínio cognitivo e moral.................................................................................................................. 92
6.2.2 Domínio motor......................................................................................................................................... 93
6.2.3 Domínio emocional e sociocultural...........................................................................................................95
6.3 Terceira infância..................................................................................................................................... 95
6.3.1 Desenvolvimento cognitivo e moral................................................................................................ 95
6.3.2 Desenvolvimento físico e motor........................................................................................................ 96
6.3.3 Desenvolvimento emocional e sociocultural................................................................................ 99
6.3.4 Interação dos domínios do desenvolvimento: um exemplo de fatos..............................101
6.3.5 Para mais reflexões sobre Educação Física na terceira
infância e atuação profissional...................................................................................................................103
6.4 Adolescência..........................................................................................................................................103
6.4.1 Domínio físico.........................................................................................................................................104
6.4.2 Desenvolvimento cognitivo e moral..............................................................................................105
6.4.3 Desenvolvimento motor.....................................................................................................................107
6.4.4 Desenvolvimento emocional e sociocultural..............................................................................109
6.4.5 Para mais reflexões sobre Educação Física na adolescência e atuação profissional...111
Unidade III
7 MATURIDADE ETÁRIA...................................................................................................................................116
7.1 IDADE ADULTA......................................................................................................................................117
7.1.1 Adulto jovem (ou início da idade adulta) – de 20 a 40 anos de idade............................ 117
7.1.2 Adulto de meia idade (ou vida adulta intermediária) – de 40 a 65 anos de idade... 123
8 TERCEIRA IDADE.............................................................................................................................................127
8.1 Compreendendo a velhice...............................................................................................................127
8.2 Domínio sensorial e cognitivo.......................................................................................................129
8.3 Domínio físico e motor.....................................................................................................................131
8.4 Domínio emocional e sociocultural.............................................................................................134
8.5 A terceira idade é mesmo a “melhor idade”?...........................................................................139
8.6 Para mais reflexões sobre o processo de envelhecimento e atuação profissional...140
8.7 Aproximação do término da vida.................................................................................................143
APRESENTAÇÃO
Ao final do curso, o estudante deverá estar apto a: a) compreender conceitos e reconhecer as etapas
do processo de crescimento e desenvolvimento do ser humano e as principais características inerentes
a cada etapa, estabelecendo relações entre elas; b) identificar e relacionar fatores que possam afetar
o curso do crescimento e desenvolvimento humano; c) refletir acerca dos cuidados e adequações da
prática de atividade física e da futura atuação profissional para as diferentes faixas etárias.
INTRODUÇÃO
O ser humano é estudado por muitas áreas de conhecimento, desde a Filosofia, as Ciências Naturais
(como Física, Química e Biologia etc.), as Humanidades (como História, Ciências Políticas, Economia
etc.) e as diversas religiões. O conhecimento cotidiano também deve ser levado em consideração, pois
muitos costumes e tradições são edificados sobre conhecimentos populares, em muitos casos, passados
de geração para geração e bastante sujeitos a regionalismos.
A rigor, ao se lançar um olhar mais atento ao ser humano, identifica-se que vários aspectos em
cada um de nós parecem ser realmente “mais naturais e inevitáveis”, como, por exemplo, pensar, sorrir,
possuir determinada configuração corporal (cabeça, tronco e membros) e a possibilidade de uma série de
ações intelectuais e motoras associadas a essa configuração, ao passo que outra parte parece depender
grandemente de influências do ambiente, seja relacionado ao local onde se nasce ou se vive, seja ao que
nos é ensinado e assim por diante.
É importante observar também que no curso superior (graduação e pós-graduação) não basta
somente descrever os acontecimentos (fenômenos) ou de que modo (método) foram investigados. Em
outras palavras, não é suficiente saber o que se vai estudar e como se vai estudar. Além disso, é preciso
que uma pergunta esteja no meio acadêmico-científico: por quê?
A pergunta “Por quê?” deve estar constantemente entre nossas preocupações como estudantes
e como futuros profissionais. É uma pergunta muito presente ao longo da infância, especialmente a
partir dos cinco anos de idade, aproximadamente, e jamais perde sua importância se o objetivo for
compreender, com algum grau de profundidade, o grande desafio que é, mais tarde, estudar e agir como
profissionais competentes e éticos.
É nesse sentido que se espera contribuir para que o atual estudante, futuro profissional ou professor
de Educação Física – e sempre pesquisador – compreenda adequadamente a vida humana em seus
processos de crescimento e desenvolvimento ao longo de todo o seu ciclo (ciclo vital), tendo em vista
que todos os seres humanos e cada um dos seres humanos são importantes, desde a vida dentro do
útero (ou mesmo “fabricada” em um laboratório) até o momento de sua morte.
Para se proceder de modo coerente em uma disciplina como esta, que lida com características
generalizáveis, ora tratando de fenômenos mundiais, ora tratando de eventos nacionais, locais e até
mesmo particulares, foi necessário selecionar ou enfatizar certos aspectos ou domínios comportamentais
em detrimento de outros, porém não sem critérios de escolha justificáveis.
Unidade I
1 VIDA HUMANA: DESENVOLVIMENTO DA ESPÉCIE, CRESCIMENTO E
DESENVOLVIMENTO DO INDIVÍDUO E POSSIBILIDADES DE RELAÇÕES COM A
EDUCAÇÃO FÍSICA
Estudar crescimento e desenvolvimento humano tem como finalidade uma compreensão das pessoas
e de si mesmo (da própria pessoa que os estuda, pois ela, obviamente, também é um ser humano).
Nesse sentido, para tentar responder questões e elaborar outras tantas sobre esse vasto, inerente e
profundo fenômeno que é a vida humana, entende-se que toda e qualquer informação deve ao menos
ser levada em consideração. Por isso, recomenda-se as seguintes fontes de informação:
• Periódicos (revistas) científicos(as): têm como propósito apresentar dados de pesquisa mais
recentes, que levam à constante atualização de conhecimento, nas mais diversas áreas das Ciências
e das Humanidades (Ciências Humanas). É comum que periódicos dessa natureza contenham
também indicações e comentários de novos livros a serem lançados.
• Filmes na modalidade ficção: apesar de os enredos nem sempre se aproximarem de uma história
que realmente ocorreu, é comum que tratem de inúmeros fenômenos presentes na vida das
mais diferentes pessoas. Ademais, não há qualquer restrição em se imaginar pessoas e situações
diversificadas, uma vez que não se pode prever, ao longo da vida, com quais problemas ou
demandas cada um de nós pode vir a deparar, seja na área profissional ou na vida em sociedade de
forma mais ampla. Temas cotidianos, recorrentes e repetidos, não raro são tratados por diferentes
filmes sob perspectivas absolutamente diversas, cujo resultado pode ser sensibilizar diferentes
espectadores para um mesmo tema ou, em contrapartida, possibilitar a um mesmo espectador
ampliar suas perspectivas, adquirir novas e repensar antigas. Outra vantagem de filmes de ficção é
que, em razão de hábitos culturais, há um número expressivo de pessoas que lhes assistem. Além
disso, em nosso país em particular, existem muito mais pessoas que apresentam hábito de assistir
11
Unidade I
a filmes do que de ler livros, e como consequência, esse é um meio de as pessoas compartilharem
experiências comuns.
• Peças teatrais, espetáculos de dança, feiras livres (de gastronomia, de livros, de artesanato): com
propósitos semelhantes ao que se pode encontrar nos filmes, essas e tantas outras formas de
expressão literária, artística ou cotidiana não são menos importantes para a compreensão de
outros seres humanos.
• Visitas a museu: museus contêm uma riqueza imensa de materiais surpreendentes, que retomam
e reinterpretam a história humana, em sentido amplo ou estrito, dependendo da temática e
propósito do museu, bem como das exposições que nele se encontram, pois vários museus, de
tempos em tempos, trocam de coleções (no todo ou em parte). Muitos museus também permitem
que se fotografe, tanto em seu interior como em áreas externas que também pertencem ao
museu; os locais em que se permite fotografar são rigorosamente determinados pelo próprio
museu, mais comumente considerando a delicadeza do material no que se refere a flashs de
luz ou outro critério. Em nosso país, a visita a museus é um hábito de parte muito reduzida da
população, mesmo em certas capitais, em que a oferta desse tipo de entretenimento é maior do
que em localidades menores. Modificar esse hábito é de bastante relevância para uma melhor
compreensão da vida humana, pois qualquer produção material do ser humano há de ter sua
relevância para percebê-lo e compreendê-lo em suas necessidades vitais.
Todos esses contatos são imprescindíveis para o estudo do crescimento e desenvolvimento humano,
entretanto, para profissionais das áreas de Saúde e Educação, a observação atenta a todas as pessoas
em nossa vida diária é igualmente imprescindível. Afinal, não lidamos com as pessoas que estão nesses
materiais, mas com as pessoas com as quais deparamos em nosso cotidiano – no exercício da profissão
ou não, presencial ou virtualmente.
12
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Por isso que as instituições de Ensino Superior tendem, cada vez mais, a exigir um número variável
(embora pré-estabelecido) de horas dedicadas a atividades extracurriculares (atividades complementares).
Uma formação no curso superior pressupõe comprometimento com um conhecimento amplo (uma
vez que universidade tem sentido de universalidade) e, ao mesmo tempo, específico, no que se refere
ao aprofundamento. A Educação Física requer ambos, por isso está legitimada e consolidada no Ensino
Superior. Afinal, atividade física e motora está presente na evolução do ser humano, como espécie e
como indivíduo.
2 DESENVOLVIMENTO DA ESPÉCIE
Para tratar do desenvolvimento da espécie humana, há que se remeter à origem do ser humano,
que se constitui matéria controversa, pois que existem muitas explicações pautadas nas diferentes
culturas, as quais apresentam diversos sistemas de crenças e religiões, fundamentadas em suas próprias
cosmogonias.
Observação
Busca-se explicar também a origem e o funcionamento de tudo o que se conhece (ou que nós, seres
humanos, acreditamos conhecer), em especial, o que chamamos de natureza, e o que chamamos de
“nós”, seres humanos.
É curioso que, muitas vezes e em diversas situações, tratamos do universo como se dele não fizéssemos
parte, e tratamento semelhante atribuímos à natureza, ou seja, como se não fôssemos formados pelos
mesmos elementos químicos que a água (hidrogênio e oxigênio), os gases (hidrogênio, oxigênio, cloro,
enxofre, nitrogênio etc.), a terra (cálcio, carbono, sódio, magnésio etc.), as plantas e os outros animais,
pois que, no âmbito da Biologia, também somos animais.
Observação
13
Unidade I
Falar em evolução requer compreensão de conceitos e certos cuidados, a fim de que se compreenda
que não é uma questão de mera opinião ou preferência de ideias. Discutir a respeito de evolução requer
estudo e muito bom senso. É preciso investigar, refletir a até mesmo “desconstruir” certas noções que
foram transmitidas popularmente como corretas, porque não foram estudadas tanto quanto necessário.
Para estudar evolução, é preciso conhecer um pouco de Biologia.
O pesquisador Charles Darwin (1809-1882) foi o propositor da teoria da evolução, com a ideia
de que há uma continuidade entre todos os seres vivos. Essa continuidade, no entanto, não se refere
a uma mera relação linear que se inicia pelo mais simples (um ser de uma única célula) e chega ao
mais complexo (estando o homem no topo, no ponto mais elevado), mas sim a uma relação na qual
ocorrem ramificações. Essa estrutura ramificada seria como uma “árvore da vida”, ou seja, por analogia,
haveria uma única raiz, mas com muitos ramos evolutivos, resultando em muitas espécies diferentes
(YAMAMOTO, 2009; MATURANA; VARELA, 2001). Por exemplo, o homem e outros primatas como gorila,
chimpanzé etc. possivelmente se originaram de um mesmo ancestral, o que não significa que um
chimpanzé tenha “evoluído” até se tornar homem.
Duas obras de Darwin que refletem sua elaboração teórica sobre evolução são: A Origem das Espécies
(1859) e A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais (1837).
Saiba mais
O filme a seguir retrata dilemas da vida de Darwin quando estava
escrevendo sua obra A Origem das Espécies.
CRIAÇÃO. Dir. Jon Amiel. Reino Unido: Recorded Picture Company (RPC),
2009. 108 minutos.
Observação
Processos aleatórios são eventos que ocorrem ao acaso, sem algo
predeterminado.
14
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Os organismos que essa autora menciona referem-se a qualquer ser vivo, seja uma bactéria, um
cachorro, uma estrela do mar, uma planta, o ser humano, enfim: qualquer ser vivo.
Não existe um “tipo” ou espécie de ser vivo que seja considerado superior a outro em termos absolutos;
o que existem são diferentes espécies que vivem em certos ambientes de forma melhor do que outras
espécies naquele mesmo ambiente. Essa “forma melhor” está associada a menos dificuldade de obter
alimento, mais chances de acasalamento, melhores condições de proteger a cria, comparativamente a
outras espécies, nesse mesmo ambiente. Assim, há os mais bem‑adaptados e os menos bem‑adaptados
a um determinado ambiente.
Por outro lado, pode ocorrer alguma modificação nesse ambiente que venha a favorecer uma espécie
que era menos adaptada e passar a prejudicar a que, anteriormente, vivia melhor.
Note-se, portanto, que evolução, em Biologia, não deve ser entendida como um sinônimo de
progresso, ou seja, não existe a espécie “mais evoluída” ou “melhor” (YAMAMOTO, 2009), existem apenas
espécies “diferentes”.
Observação
“Seleção natural é um processo através no qual os indivíduos mostram
sobrevivência e/ou reprodução diferencial” (YAMAMOTO, 2009, p. 1).
Contudo, o conceito não é mais aceito pela Biologia (YAMAMOTO, 2009) e nem pela Etnologia,
que, para Houaiss, é o campo de estudo das diferentes culturas (etnias) mediante fatos e documentos
(ETNOLOGIA, 2001).
A justificativa biológica para desconsiderar essa noção – noção que não encontra fundamento
científico – é que cor da pele ou qualquer outra variação na aparência não são determinadas por
diferenças genéticas significativas; aliás, pesquisas têm mostrado que existem mais variações de genes
em uma mesma população do que quando se comparam diferentes populações.
15
Unidade I
Em outras palavras: todos nós, humanos, somos da mesma espécie e, portanto, temos a mesma
origem. Isso afasta a ideia de eugenia (sinônimo de “bem‑nascido”), ou seja, a ideia de que certas
pessoas são melhores do que outras, isto é, de “qualidade superior” àquelas não fossem de mesma
origem genética, como se possuíssem em seus genes um favorecimento genético a priori.
A rejeição do conceito de raça pela Etnologia dá‑se porque, embora certos grupos de pessoas
possam vir a apresentar bastantes semelhanças entre si quanto a características físicas e biológicas,
esses mesmos grupos podem não apresentar ou pouco apresentar características culturais em comum.
Portanto, observa-se que nem no campo das Ciências Naturais nem no campo das Humanidades o
conceito de raça se legitima.
O importante é saber que determinado povo ou determinada etnia não podem ser considerados nem
superiores e nem inferiores a outro povo. Isso é muito importante, pois, do contrário, podem passar a
ideia errônea de que pessoas de pele branca são de melhor qualidade do que as de pele negra, ou de que
pessoas de uma mesma cultura são “mais evoluídas” do que de outra.
No âmbito da vida social humana, o uso desse conceito gera preconceito, e preconceito gera
sofrimento.
O estudo sobre crescimento e desenvolvimento humano tem como objetivo preparar o estudante e
futuro profissional para exercer a profissão de forma refletida e ética. Com essa fundamentação, nós,
autores deste material, corroboramos a não aceitação do conceito de raça.
Lembrete
Um primeiro ponto a ser lembrado é a divisão teórica da História humana em dois grandes períodos:
a Pré-História e a História.
É importante considerar que a própria divisão da História e boa parte dos materiais encontrados
tiveram como base inicial interpretativa a cultura europeia. É o chamado eurocentrismo, como se a
Europa fosse o lugar onde tudo se iniciou: todas as culturas, os meios de produção, os povos e assim por
diante. Porém, hoje, mesmo sabendo que não foi assim, a divisão dos períodos históricos permanece do
modo apresentado a seguir.
• A Pré-história é o período que abrande desde os primeiros hominídeos até a invenção da escrita,
em aproximadamente 4.000 a.C.
16
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Para as finalidades desta disciplina, essa divisão constitui apenas um referencial para a compreensão
de certos valores, organizações e manifestações socioculturais, bem como para delimitar épocas referentes
ao desenvolvimento de certas pesquisas e seus autores, assim como para auxiliar na interpretação de
determinadas questões, inclusive relacionando-se com a prática ou escassez de prática de atividade
física na Contemporaneidade, principalmente nos dias atuais.
O estudo da História está pautado em alguns materiais fundamentais. De forma simplificada, pode‑se
dizer que são: documentos (em especial, documentos escritos); fósseis e outros objetos encontrados nas
escavações. As escavações começaram a ser realizadas com mais frequência a partir do século XIX.
De acordo com Rodrigues (2009), com base em análise de DNA (molécula que se encontra no
núcleo celular), há estimativas de que a linhagem de primatas não humanos divergiu da linhagem
humana há cerca de 6 ou 7 milhões de anos, embora a prova fóssil mais antiga dessa separação seja
datada de 4 milhões e 400 mil anos.
17
Unidade I
A partir da década de 1960, a África passou a ser considerada o local onde o ser humano atual
se originou, apesar de também haver fósseis de outros hominídeos em outros lugares, como Ásia
e Europa.
É muito importante compreender que a palavra hominídeo refere-se aos primatas dos quatro gêneros
seguintes: Ardipithecus; Australopitecos; Paranthropus; Homo.
Os três primeiros foram extintos e não necessariamente deram origem ao gênero Homo, que é o
gênero do ser humano atual.
Convém observar que ser classificado como Homo (H) não é próprio somente ao homem atual, pois
houve outros Homo, porém de espécies que não a sapiens. Foram estes: H. habilis; H. erectus; H. sapiens
neanderthalensis.
Note que o H. sapiens neanderthalensis, embora tenha a palavra sapiens, na parte que classifica
espécie, tem também a palavra neanderthalensis. Por sua vez, o homem moderno (isto é, nós, seres
humanos atualmente vivos e os povos dos quais descendemos) é classificado como Homo sapiens
sapiens, ou seja, a palavra sapiens se repete.
Observação
Saiba mais
Houve também o Homo sapiens arcaico ou Homo heidelbergensis, que deve ter surgido entre
500 mil e 100 mil anos, cujos fósseis foram encontrados em Zâmbia, Etiópia, França, Grécia e China
(RODRIGUES, 2009).
18
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Segundo essa autora (2009), a agricultura, que surgiu há aproximadamente 10 mil anos, tornou-se
um modo de vida simultâneo para diferentes grupos de pessoas na América Central, no sul da África e
no sudeste do Mediterrâneo.
Sabe-se que esse modo de produção modificou o modo de vida humano: a necessidade de caçar
animais e coletar frutos (comportamento caçador-coletor), cuja consequência era mudar de lugar com
certa frequência (modo de vida nômade) foi substituída pelo modo de vida denominado sedentário.
Observação
Na atualidade, atribui-se o conceito de estilo de vida sedentário quando se faz referência à ausência
ou baixa frequência de atividades diárias que envolvam grandes grupos musculares e um razoável
gasto energético em razão dessas atividades. Essa é uma marca da sociedade contemporânea, bastante
relacionada à utilização de veículos automotores e equipamentos eletrônicos. Em contrapartida, o estilo
de vida ativo envolve a prática de atividade física constante e organizada, como, por exemplo, realizar
caminhadas de ao menos 30 minutos, três vezes durante a semana e até mesmo optar por subir e descer
andares através de escadas em vez de tomar o elevador, realizar caminhos diários a pé ou de bicicleta em
vez de usar meios de transporte coletivo, carro ou motocicleta, entre outros hábitos.
Retomando as adaptações relativas ao modo de vida sedentário, é correto afirmar que se estabelecer
em determinado local modifica as relações dentro do grupo, como determinar outros parâmetros para
divisão territorial (por exemplo, construindo moradias e muros), noção de propriedade, desenvolvimento
diferenciado da linguagem e várias outras elaborações culturais.
Bussab e Ribeiro (1998) indicam possibilidades bastante coerentes de como características biológicas
e culturais foram se engendrando mutuamente, ao longo de milhares de anos, entre os primeiros
hominídeos, até que se constituísse o ser humano como é hoje (o qual será chamado, genericamente,
neste texto, de “homem” – incluindo homens e mulheres).
De acordo com Papalia e Feldman (2013, p. 62), aprendizagem refere-se a “uma mudança duradoura
no comportamento baseada na experiência ou adaptação ao ambiente”.
Individualmente, envolve também outros aspectos: repetição de uma informação para que seja
armazenada (memória), reprodução (produzir de novo, de modo semelhante) do que aprendeu; e
comunicação a respeito do que foi aprendido, modificando alguns aspectos, contanto que sem perder
características importantes do que foi ensinado.
19
Unidade I
O processo de aprendizado exige também foco de atenção, ou seja, sem prestar atenção é difícil
aprender. Pode-se até memorizar, porém, hoje em dia, aprender não se resume a memorizar e sim a
atribuir significado próprio à informação que está sendo ensinada. Aliás, existe a possibilidade de a
pessoa aprender sem que outra a ensine: ela observa, experimenta, tenta, testa, repete as tentativas e,
muitas vezes, consegue realmente aprender sem ajuda de outrem.
Observa-se na figura a seguir um macaco realizando uma atividade típica da cultura humana:
andar de bicicleta. Esse é apenas um indicador de que o processo de aprendizagem não é exclusivo
do ser humano.
O fenômeno da aprendizagem no ser humano é muito valorizado, não apenas para a sobrevivência
como também para o bom convívio social, uma vez que pessoas com dificuldade de aprendizado tendem
a ser menosprezadas – o que, obviamente, deve ser combatido.
Por isso, nota-se que a aprendizagem tem um valor adaptativo, haja vista, contemporaneamente, o
tempo que crianças e adolescentes permanecem na escola e o quanto são cobrados para realizarem, em
casa, atividades relativas à escola.
Exemplo de aplicação
Reflita a respeito da seguinte situação: uma pessoa adulta jovem, de 20 anos, que entrou na Educação
Infantil com quatro anos de idade, e acabou o Ensino Médio com 17, sem repetir nenhum ano letivo.
Quanto do tempo dela foi dedicado à escola e sobre o que será que ela aprendeu? Quanto de todos os
conteúdos que ela aprendeu ela conseguiria explicar ou reproduzir?
As características típicas de uma determinada espécie de ser vivo, advindas de suas origens evolutivas,
são adjetivadas por “filogenéticas”. Portanto, filogenia (filogênese) é a história evolutiva de uma espécie.
E ontogenia (ontogênese) refere-se a características próprias de um indivíduo.
20
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Isso não significa, necessariamente, que características típicas de uma espécie sejam exclusivas dessa
determinada espécie. Por exemplo, muitos animais são capazes de se manterem em postura bípede
e ereta: pinguins, cangurus, suricatos, entre outros; todavia, seus modos de locomoção apresentam
padrões de movimento muito diferentes uns dos outros, assim como os do homem.
Observação
Outro exemplo: esquilos se mantêm em postura ereta e movimentam alimentos em suas patas
dianteiras, assim como guaxinins; todavia não dispõem de mãos semelhantes às dos seres humanos, as
quais permitem uma quantidade inimaginável de atividades manuais.
O homem pertence à ordem dos primatas, mas há uma divisão entre apes e monkeys, sendo os
primeiros chamados de primatas superiores e os segundos de primatas inferiores. Os superiores abarcam
o homem, os chimpanzés, os gorilas, os bonobos e os orangotangos. Ausência de cauda, locomoção
bípede e estrutura articulada do cotovelo são características morfológicas que os aproximam, além da
similaridade do DNA, em especial, com os chimpanzés. A estrutura social de cada um desses primatas
também apresenta organização própria com alguma ordem hierárquica, mas diferentes formas de
convívio intragrupo.
Na ilustração a seguir, nota-se a necessidade de o gorila apoiar-se em uma das mãos para se locomover
(além das patas dianteiras). Sua situação, portanto, diferente da que ocorre com o ser humano, em que
ambas as mãos ficam livres para carregar ou manipular objetos enquanto se locomovem.
21
Unidade I
Saiba mais
O filme a seguir é uma ficção científica que apresenta processo evolutivo
atípico de chimpanzés, assemelhando-os a humanos, após uma série de
experimentos realizados por cientistas, criando ameaças à sociedade
humana local.
PLANETA dos macacos: a origem. Dir. Rupert Wyatt. EUA: Twentieth
Century Fox Film Corporation, 2011. 106 minutos.
Exemplo de aplicação
Com base no filme Planeta dos Macacos e fundamentando-se no que foi estudado até este ponto,
é de se esperar que seja possível essa proporção de semelhança entre uma espécie e outra? Sugestões:
a) pensar na configuração cerebral, no DNA e na história natural (evolutiva) de ambas as espécies; b)
escrever seu posicionamento sobre essa situação.
As consequências da postura ereta e bípede são: mãos livres para tocar em objetos e manipulá-los, assim
como a si mesmos e a outros seres, praticar, por exemplo, atividades relacionadas à higiene, prazer sexual,
preparo de alimentos, carinho físico etc.; campo visual acima da altura de alguns predadores naturais, como
felinos selvagens de grande porte; facilitação do contato entre olhares (“olhos nos olhos”) por mais tempo,
possibilitando aprimoramento das relações sociais; facilitação do desenvolvimento da fala. Outro aspecto que
contribui com a fala é o aparelho buco-nasal, que propicia a “interrupção” entre a respiração e a ingestão de
alimento, levando a uma boa coordenação entre essas duas ações.
Observação
Morfologia da mão
A mão é uma região que recebe muitas terminações nervosas e, consequentemente, há muitos
impulsos elétricos vindos do cérebro e retornando a ele. Isso implica que as mãos apresentam-se
bastante sensíveis a estímulos ambientais e, por meio do tato, consegue-se executar movimentos muito
precisos, traduzidos em habilidades manuais bem específicas, como costurar, bordar, escrever, realizar
cirurgias etc.
Exemplo de aplicação
Realize a seguinte experiência: em vez da postura ereta em pé, isto é, sobre dois apoios, procure ficar
sobre quatro ou seis apoios; peça para alguém íntimo fazer o mesmo. Fiquem de frente um para o outro
e procurem olhar reciprocamente um nos olhos do outro e conversar entre si. Há grandes possibilidades
de sentir um incômodo muito grande em pouco tempo, pois não há adequação anatômica para
realizar essas ações nessa posição de modo confortável para um ser humano, em especial pela pressão
intervertebral na região cervical, além da dificuldade de se sustentar por mais do que alguns minutos
em quatro ou seis apoios.
Conhecer essas características da origem da filogênese humana pode ser importante para
compreendermos por que o homem atingiu certo nível de desenvolvimento – cognitivo (intelectual),
afetivo (emocional), social etc. – comparativamente a outros seres vivos.
Isso ocorreu tanto por meio de um sistema nervoso central bastante diferenciado (especializado) e
uma série de outras estruturas e funções como através de arranjos sociais específicos, isto é, atividades
organizadas em grupo.
Afirmar que uma característica é causa (motivo) e outra é efeito (consequência) pode ser arriscado.
É importante considerar que outros animais são muito mais fortes e ágeis que o homem e, para muitos
deles, o homem é uma presa fácil.
23
Unidade I
sobrevivência (isto é, para a continuidade da espécie) e assim o ser humano precisou buscar soluções
para ultrapassar essas barreiras.
Não há dúvidas de que as habilidades manuais atribuem uma característica única de destreza e
precisão, que deve ter impulsionado muito a cultura de forma ampla, e talvez mais especialmente ainda
os trabalhos artesanais domésticos, sobretudo a atividade de tecer.
Nesse sentido, entendendo-se que atividades lúdicas e “esportivas”, isto é, que envolvessem
séria competição e vigor nas capacidades físicas, estavam presentes em grandes civilizações
da Antiguidade, fica o seguinte questionamento: seriam essas atividades formas de regulação
social, isto é, de criação e aplicação de regras, de estabelecimento de relações hierárquicas entre
pessoas e tarefas, ou mesmo uma forma de apaziguar conflitos, além de treinamento para fins
bélicos e de lazer?
Exemplo de aplicação
Importante para refletir sobre a evolução do ser humano: “Ao que tudo indica, assim que
nossos ancestrais desenvolveram uma dependência da cultura para sobreviver, a seleção natural
começou a favorecer genes para o comportamento cultural. [...] tomados alguns cuidados para não
simplificar indevidamente o processo, pode-se dizer que biologia e cultura caminharam juntas”
(BUSSAB; RIBEIRO, 1998).
Saiba mais
Lembrete
24
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
É muito comum pensar que muitas das características de uma pessoa são absoluta e totalmente dependentes
de sua idade (desde a primeira infância até a terceira idade), ou que estejam restritas absolutamente a fatores
genéticos, isto é, herdadas de seus pais e outros ascendentes (como avós, bisavós etc.), ou ainda, que ocorram
por causa exclusivamente do modo como foram criadas, da educação que receberam.
Outro problema é quando se associa estritamente certas atividades físico-motoras e até intelectuais
como exclusivas do sexo masculino e outras como exclusivas do sexo feminino, sem que se tenha a real
noção de que as diferenças entre pessoas de sexos diferentes não são absolutas, mas sim uma mescla,
uma interação entre características individuais próprias e possibilidades de escolhas.
• quanto mais gorda for uma criança, mais forte ela será;
• invariavelmente, todas as garotas crescem até os dezoito anos de idade, e todos rapazes, até os 21;
• se uma pessoa realizar exercícios de alongamento, ela crescerá mais do que as que não os realizam;
• certas atividades físico-motoras e mesmo intelectuais são adequadas somente para homens, e
outras, somente para mulheres;
• cada pessoa nasce com determinados dons, mas desprovida de outros, e sem esse dom, não há
como ela aprender;
• uma pessoa que está em processo de envelhecimento mais avançado ou em idade mais avançada
não é capaz de aprender.
Esses pensamentos podem acarretar uma série de problemas para os mais variados aspectos da
vida das pessoas, comprometendo não apenas o entendimento acerca dos processos de crescimento e
desenvolvimento humano por pais, cuidadores, profissionais de áreas de saúde e educação, mas também
a felicidade das pessoas, por ameaçar as possibilidades de que realizem seus desejos e inspirações
pessoais.
Basta imaginar situações pelas quais passa um profissional ou professor de Educação Física ao
exercer sua profissão. Se ele não conseguir interpretar corretamente o que se passa no desenvolvimento
de uma criança, adolescente, adulto ou idoso, não apenas poderá aplicar exercícios físicos e motores
25
Unidade I
inadequados, como também dificultar o convívio de seu aluno ou cliente com outras pessoas, seja no
convívio familiar, em atividades laborais (do trabalho), em grupos sociais maiores e mesmo quando a
pessoa desejar se exercitar sozinha.
Não obstante, talvez o pensamento mais equivocado quando se observa, estuda e investiga
crescimento e desenvolvimento humano seja estar convicto de que muito já se sabe. Fica a sugestão de
que se pense o quanto ainda há por saber.
Saiba mais
O CURIOSO caso de Benjamin Button. Dir. David Fincher. EUA: Warner
Bros, 2009. 166 minutos.
Exemplo de aplicação
O primeiro aspecto a considerar é que a palavra fenômeno, em ciência, não se remete a algo “fora
do normal”, extraordinário ou incomum, como usamos popularmente (embora esse uso também esteja
correto). Em ciência, fenômeno refere-se a qualquer evento que pode ser estudado, seja um objeto
(uma máquina, um utensílio etc.), um comportamento (exemplos: ansiedade, agressividade; o andar,
o escrever; uma decisão tomada, a memória, entre muitos outros), uma manifestação cultural (uma
partida de basquetebol, um concerto musical, as guerras etc.), e assim por diante.
Em segundo lugar, conceituar e definir não são o mesmo. Conceito refere-se a ideias, noções. Por
exemplo, quando se ouve a palavra “esporte”, pode-se pensar em várias pessoas praticando atividade
física em equipes, competindo ou, simplesmente, correndo para melhorar as capacidades físicas ou
como forma de lazer; assim, é comum que se diga “a pessoa cuida do jardim por esporte”, no sentido de
que realiza algo que lhe dá prazer e não necessariamente em troca de remuneração.
Contudo, diferentemente de um conceito, uma definição para esporte será formal, técnica, precisa e
certamente envolverá outros elementos e conceitos, como competição e regras. Barbanti (2002, p. 228)
indica uma definição de esporte, de acordo com a área de Sociologia do Esporte:
Note-se, portanto, que: a) uma definição requer delimitações e maior precisão do que um conceito;
b) para um mesmo fenômeno, pode haver mais de um conceito e mais de uma definição.
Observação
Crescimento
De acordo com esse raciocínio, entende-se que o desenvolvimento humano abrange todo o
período de vida, ou seja, desde a concepção de um novo ser no útero materno (ou in vitro) até a
morte desse ser.
Algumas pessoas podem permanecer com a seguinte questão: “E após a morte?...”. Bem, após a morte
(ou a possibilidade de vida após a morte) é um fenômeno ou tema do qual a ciência não se aventura a
tratar, deixando-o para o âmbito das religiões, da Filosofia e do próprio conhecimento popular. Por outro
lado, a Psicologia e a Antropologia, por exemplo, são áreas pautadas em conhecimento científico que
estudam (entre outros muitos temas), como as pessoas lidam com a morte de outros entes (seres), em
especial de pessoas ou animais que lhes são afetivamente próximos.
28
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Espera-se que ele aconteça com os demais órgãos do corpo, como fígado, baço, cérebro, coração,
pulmão etc. Contudo, por motivos aleatórios no processo de desenvolvimento humano, pode haver um
crescimento inesperado de algum órgão mesmo na idade adulta ou terceira idade, em razão de edema
(acúmulo anormal de líquido nos tecidos do organismo), proliferação de células anômalas (isto é, que
não são típicas da estrutura daquele órgão), entre outros motivos.
Quanto ao desenvolvimento, ele é entendido como um processo que se inicia com a concepção
(conforme será visto adiante) e se encerra com a morte. Em outros termos, pode-se afirmar o seguinte:
enquanto existir vida, existirá desenvolvimento.
Lembrete
29
Unidade I
É notório que as pessoas não se desenvolvem todas do mesmo modo ao longo do tempo. No
que se refere à produção de movimentos (ações motoras), por exemplo, é comum que os bebês,
por volta de um ano de idade, passem do engatinhar para o andar; no entanto, há bebês que não
chegam a engatinhar, passando diretamente do rastejar para o andar; assim como alguns andam com
cerca de oito meses e outros, com um ano e dois meses de idade e assim por diante. Crianças com
Síndrome de Down apresentam o andar ainda posteriormente, às vezes com cerca de dois anos de
idade. Outro exemplo: uma mesma criança pode andar quando tem nove meses e depois optar por
somente engatinhar por mais um mês, até que volte a andar e não mais queira engatinhar. O que é
possível inferir dessas situações?
• Primeiro: a velocidade com que ocorre um evento (no caso do exemplo, o andar) está relacionada
à idade, mas a idade em si não é determinante para sua ocorrência.
Refletindo sobre essas constatações, é importante compreender certos aspectos fundamentais para
estudar os fenômenos de crescimento e desenvolvimento humano.
• Fatores internos ou intrínsecos: há fatores internos à pessoa, próprios de sua estrutura e de suas
funções orgânicas.
• Fatores externos ou extrínsecos: existem fatores externos à pessoa, próprios dos ambientes onde
ela se desenvolveu ao longo da vida.
30
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
• Fatores externos: alimentação, tempo e local para dormir, uso de medicamentos, uso de drogas
ilícitas, (isto é, que a lei não permite, como maconha, cocaína etc.), pais e outros cuidadores, demais
membros da família, animais de estimação, certos objetos, meio ambiente (clima, vegetação,
relevo, poluição e outros), infraestrutura social (saneamento básico, transporte, moradia etc.),
educação formal (escola), entre muitos outros.
Observação
Embora possa existir uma lista imensa de fatores externos, é curioso notar que não há uma
ordem de importância que seja definida a priori, uma vez que cada pessoa pode se afetar mais por
um fator do que por outro. Além disso, se tomarmos o exemplo do número de horas de sono: pode
ser que ele esteja atrelado a outros fatores, como excesso de barulhos intensos e frequentes na
vizinhança, ou a hábitos familiares, como o de dormir muito tarde, mesmo tendo de acordar muito
cedo no dia seguinte. Portanto, vários fatores externos inter‑relacionados podem influenciar o
crescimento e desenvolvimento humano.
Note-se, semelhantemente, que em muitas situações é bastante difícil separar fatores internos e
externos. Por exemplo, uma criança que apresenta intolerância à lactose, que pode ser uma característica
genética, tem de passar por adaptações em seus hábitos alimentares desde cedo, o que denota uma
interação muito forte entre um fator interno e um externo.
Desde a gestação e ao longo de cada uma das faixas etárias, serão realizados comentários e
exemplos sobre diferenças interindividuais e intraindividuais, bem como sobre a interação de fatores
internos e externos, pois todos esses elementos em conjunto e mutuamente inter‑relacionados
é que permitem que se obtenha uma ideia mais aproximada dos fenômenos de crescimento e
desenvolvimento humano, ao menos do ponto de vista teórico.
Papalia e Feldman (2013, p. 51-52) indicam trabalhos de outros pesquisadores que estabeleceram
sete princípios básicos do desenvolvimento do ciclo de vida e que abrangem e complementam o que foi
apresentado a esse respeito no presente texto. Os princípios são estes:
• O desenvolvimento envolve mudança na alocação de recursos: alguns desses recursos são tempo,
energia, dinheiro e apoio social. No início da vida adulta, por exemplo, é comum que se invista
mais tempo e energia em trabalho ou em trabalho e estudo; a criança, naturalmente, investe sua
energia e seu tempo no brincar e assim por diante.
• O desenvolvimento revela plasticidade: algumas capacidades como memória e força física podem
ser aumentadas e aperfeiçoadas, mesmo com o processo de degeneração natural da idade. Contudo,
há limites nessa plasticidade, ou seja, é um erro pensar que quanto mais se treina alguma dessas
capacidades, mais se consegue obter resultados satisfatórios, como se essa plasticidade fosse
infinita.
32
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Observação
Movimento
Afeto
Cognição (emoções)
(razão)
Estruturas e
Socialização e funções físicas
culturalização
Os domínios são:
• Emocional (afetivo): sentimentos: alegrias, tristezas, angústias, medo, ansiedade, motivação etc.
33
Unidade I
• Social: relação de cada pessoa com um grupo bastante grande no qual ela está inserida e que, em
geral, é regulado por um líder e/ou por uma organização política e territorial.
Quando se reflete sobre as funções da Educação Física e do Esporte como campos de conhecimento,
investigação e áreas de intervenção de profissionais, há necessidade de conhecer esses aspectos e suas
inter‑relações, a fim de compreender um pouco a respeito das pessoas praticantes das mais variadas
atividades físicas, nos diversos ambientes e contextos, incluindo esportes. Isso porque os profissionais
dessas áreas devem estar adequadamente qualificados para lidar com as mais diferentes pessoas em
todas as faixas etárias, isto é, ao longo de todo o ciclo de vida (da vida desde dentro do ventre materno
até a terceira idade).
Os profissionais que orientam e acompanham essas pessoas podem e devem agir como
participantes ativos de um processo de formação em que ambos – o praticante/atleta/cliente/
aluno e o profissional/professor – estejam em permanente interação, ainda que cada um tenha
suas próprias expectativas, metas, experiências e realizações.
É importante compreender por que muitas pessoas não praticam atividade física sistematica ou
mesmo aleatoriamente. Há muitos estudos sobre aderência, não aderência e desistência da prática de
atividade física.
Observação
• Pessoas que têm alguma deficiência física e/ou mental ou doença mental podem apresentar
certas características bastante diferenciadas do que as que serão descritas e discutidas ao longo
desta disciplina. Todavia, essas pessoas são igualmente importantes. Toda pessoa é importante.
34
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Contudo, ideal seria que fosse possível abarcar todas as características humanas de que se
tem conhecimento. Entretanto, além de descabida pretensão, isso seria também uma ilusão,
posto que a “surpresa evolutiva” faz parte do próprio processo de crescimento e desenvolvimento
humano, em que filogênese e ontogênese combinam-se de tal forma que não é possível uma
previsibilidade absoluta.
Como fenômeno, o desenvolvimento do domínio motor abrange a relação entre o sistema nervoso
central (SNC) e o sistema musculoesquelético. O bebê passa por muitas e rápidas mudanças no primeiro
ano de vida, em razão da maturação do SNC, levando à internalização (“desaparecimento”) de certos
reflexos (como os reflexos de sucção, preensão palmar, “de mergulho” entre outros) e, progressivamente,
à aquisição de ações motoras, como rolar, girar, engatinhar e, mais adiante, andar, correr, saltar, além das
habilidades que envolvem explorar características de objetos e usá-los para outros fins, como brincar ou
se alimentar, por exemplo.
Observação
É importante considerar que não apenas a maturação do SNC merece destaque, mas
também as experiências. Assim, deve-se falar em integração entre maturação e experiência,
pois só uma ou outra não seria suficiente para que as pessoas aprendessem habilidades
motoras, uma vez que o processo de aprendizagem (motora ou não) depende de ambos os
aspectos, conforme já discutido.
Portanto, a ampliação e melhora nas habilidades motoras ao longo da vida ocorrem pela interação
dos aspectos maturacionais e estimulações ambientais, em uma inter‑relação de três elementos:
organismo (indivíduo, pessoa), ambiente (contexto), tarefa (atividade).
O denominado modelo da ampulheta, de David Gallahue, foi proposto em 1982 com a finalidade
de explicar o desenvolvimento motor nas diferentes faixas etárias, desde a vida intrauterina até
a terceira idade. A seguir, apresentam-se dois esquemas, adaptados e simplificados referentes ao
modelo da ampulheta.
35
Unidade I
Estágio de decodificação de
de 4 meses a 1 ano
Fase motora informações
reflexa Dentro do útero até 4 meses Estágio de codificação de
de idade informações
36
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Observação
Idade Estágios
Movimentos determinados
Acima de 12 anos Culturalmente
Combinação de movimentos
6/7 a 11/12 anos Fundamentais
2 a 6/7 anos Movimentos fundamentais
1 a 2 anos Movimentos rudimentares
intra-útero a 4 meses Movimentos reflexos
37
Unidade I
Saiba mais
No artigo a seguir, um dos próprios autores do Modelo da Pirâmide,
Edison de Jesus Manoel, discute e crítica sobre a obra e a abordagem em
que está presente esse modelo, vinte anos após sua proposição.
MANOEL, E. J. A abordagem desenvolvimentista da Educação Física
Escolar – 20 anos depois: uma visão pessoal. Revista da Educação Física,
Maringá, v. 19, n. 4, 4. trim., p. 473-88, 2008.
Tanto o modelo de Gallahue como o de Tani et al. podem ser considerados para orientar o
desenvolvimento motor e a aquisição de ações motoras. Ambos os modelos serão, em alguma medida,
retomados posteriormente, por estender sua proposição de desenvolvimento motor até o fim da vida,
na terceira idade.
O biólogo suíço Jean Piaget (1896‑1980) foi o proponente da Teoria dos Estágios Cognitivos, elaborando
uma associação entre certos comportamentos e as faixas etárias respectivas a esses comportamentos.
Ele desenvolveu um método de pesquisa com base em observações minuciosas de bebês, crianças e
adolescentes, além de entrevistar seus próprios filhos e discorrer de modo pormenorizado sobre seus
comportamentos.
Ele procurou compreender de que forma cada ser humano compreende a si mesmo como
diferente de outro ser, e como solucionar problemas (isto é, desafios intelectuais), nas mais diversas
atividades de vida diária, como em brincadeiras e no entendimento de grandezas físicas (como
noções de forma e volume).
Para esse autor, a criança e o adolescente constroem relações de acordo com quatro parâmetros que
se integram: objeto, tempo, espaço e causalidade (relação de causa e efeito).
Piaget estabeleceu que a cada estágio desenvolve-se um novo modo de pensar e de responder aos
estímulos do ambiente. Um estágio é baseado no anterior e constrói as bases para o seguinte. A ordem
dos estágios é invariável para todas as pessoas, mas os momentos de transição (“idade”) podem ter
alguma variação.
38
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Assim como os dois modelos de desenvolvimento motor apresentados, o modelo de Piaget para o
desenvolvimento cognitivo está fundamentado no princípio de que o desenvolvimento é vitalício.
Observe o quadro a seguir, que será descrito adiante nas respectivas faixas de idade.
Idade Estágio
Intra-útero a 4 meses Sensório-motor (subestágios 1 e 2)
1 a 2 anos Sensório-motor (subestágios 3 a 6)
2 a 6/7 anos Pré-operatório
6/7 a 11/12 anos Operatório concreto
Acima de 12 anos Operatório formal
É importante salientar que, além de Piaget, há outros autores bastante importantes no que se refere
ao tema sobre a origem e o desenvolvimento do ser humano, sendo dois deles muito expressivos e
influentes nessa compreensão, com contribuições relevantes para a área da Psicologia e da Psicologia
da Educação: Lev Semenovich Vygotsky e Henry Wallon. Assim como Piaget, eles têm sido adotados
também para a Educação Física, principalmente na Educação Física escolar.
Saiba mais
39
Unidade I
Mais atualmente, o pesquisador estadunidense Howard Gardner apresentou sua teoria das
inteligências múltiplas (GARDNER, 1993), a qual tem sido também bastante aceita. Essa teoria considera
que a inteligência não pode ser avaliada por meio de testes de QI (quociente de inteligência), como se
certa pontuação determinasse se uma pessoa é mais ou menos inteligente do que outra. Isso porque
esse teste e vários outros não envolvem todas as atividades humanas valorizadas em praticamente
todas as culturas – como música e esportes, por exemplo.
Assim, essa teoria procura mostrar que as avaliações da inteligência precisam abranger mais do
que testes com medidas quantitativas, assim como atividades outras que não somente a linguagem
gramatical, a aritmética e os problemas de lógica, pois eles não revelam todas as capacidades humanas
que estão relacionadas à inteligência.
No âmbito da Educação, isso tem sido bastante aplicado (talvez nem tanto no Brasil, ainda). Por
exemplo, pode-se incentivar o desenvolvimento da linguagem mediante mímica, em vez da linguagem
falada. Nesse sentido, as atividades físicas e expressivas têm sido bastante valorizadas, sendo um exemplo
o ensino de conceitos de Física por intermédio da dança.
Deve-se destacar a importância de prestar atenção a algo muito comum em Ciência e Filosofia:
assim como outros pesquisadores e pensadores como Edison de Jesus Manoel (2008), Gardner critica a
própria teoria, admitindo a necessidade de diálogo com outros autores, a fim de promover uma correta
interpretação de sua teoria e a renovação de seus pressupostos teóricos, conforme explicita em uma
obra posterior, de 2001, intitulada Inteligência: um Conceito Reformulado.
Entenda-se que as ideias de Gardner não substituem as de Piaget e nem têm essa pretensão.
Uma das grandes preocupações de Gardner é tratar o conceito de inteligência de forma diferente
do que vinha sendo considerado, e por isso enfatiza a necessidade de uma abordagem qualitativa
para esse conceito e não puramente quantitativa, como dos testes de QI. Aliás, entender que o
desenvolvimento cognitivo deva ser compreendido de modo qualitativo é justamente uma das
bases da abordagem de Piaget.
Emoções, muito comumente, regulam e afetam nossas atitudes e, desse modo, constituem aspectos
fundamentais da nossa formação, pois, ao se expressar, o ser humano provoca reações comportamentais
e isso invoca significados que se solidificam em nossa cognição e, além do mais, estimulam afinidades
atitudinais isto é, relativas a atitudes relevantes, frente às demandas situacionais e à própria existência,
sobretudo quando se exercita a autorreflexão.
40
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Observação
A temática das emoções tem sido tratada por diversas correntes e autores da Psicologia. Contudo,
pode-se destacar que o desenvolvimento emocional teve como precursor o médico Sigmund Freud, com
a perspectiva psicanalítica, segundo a qual o desenvolvimento (não apenas o emocional) é moldado por
forças inconscientes que motivam o comportamento humano.
A teoria de Freud é demasiado complexa para que seus outros elementos sejam elencados e
discutidos no presente livro-texto. Todavia, é importante saber que esse autor teve fundamental
importância não apenas para elaborar outra “visão” sobre o desenvolvimento humano (baseado
na tensão entre necessidades e desejos íntimos versus padrões sociais pré-determinados), como
também incitou uma profunda reflexão filosófica acerca da realização da felicidade individual,
do preconceito étnico (posto que ele era de origem judaica e, como tal, sofreu perseguições) e
do preconceito de gênero (boa parte de seus pacientes eram mulheres), e ainda revolucionou o
tratamento psiquiátrico, dando oportunidade para que o paciente fosse escutado, mediante o
método terapêutico que ele desenvolveu: a psicanálise, que se constitui também num diferenciado
referencial teórico-metodológico de pesquisa.
41
Unidade I
Convém notar que embora esses dois autores tenham sido mencionados nesse tópico sobre
desenvolvimento emocional, suas teorias se estendem além desse domínio do desenvolvimento. Por
exemplo, em Freud há um “apelo” para a importância de aspectos orgânicos (“biológicos”), ao passo que
Ericsson destaca a influência social. Mesmo assim, as construções teóricas de ambos os autores estão
presentes neste livro-texto, ainda que de modo bastante superficial.
Saiba mais
A moral pode ser heterônoma ou autônoma. A moral heterônoma está associada à necessidade
de algo ou alguém para determinar uma conduta adequada ou inadequada; a moral autônoma está
associada à ausência dessa regulação por outrem, ou seja, a própria pessoa tem condição de decidir por
si mesma a forma correta de agir, sem a necessidade de intervenção de outra pessoa ou determinada
religião, instituição política, conjunto de leis etc.
O desenvolvimento moral foi bastante investigado por Piaget. Fundamentando-se em seus estágios
de desenvolvimento cognitivo, Lawrence Kohlberg aperfeiçoou os estudos de Piaget e propôs seis
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CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
estágios de desenvolvimento moral; contudo, esse autor chegou a pensar na possibilidade de um sétimo
estágio, em que as pessoas têm uma preocupação com os efeitos de suas ações não apenas sobre outras
pessoas, mas sobre todo o universo (por exemplo, pessoas fortemente envolvidas em preservação do
meio ambiente).
De acordo com Papalia e Feldman (2013), outra pesquisadora importante nesse tema é Carol Gilligan,
que investigou mais especificamente o desenvolvimento moral em mulheres de diferentes idades. Há
algumas evidências de que as mulheres tendem a se preocupar mais com o cuidado (responsabilidades)
pelos outros, ao passo que os homens preocupam-se mais com o que é justo ou injusto. Entretanto,
esses resultados também não são conclusivos.
• ambas as teorias (de Kohlberg e de Gilligan) corroboram que o nível mais elevado do desenvolvimento
moral é o que envolve a responsabilidade sobre outra pessoa;
• diferentes culturas apresentam sistemas de valores morais diversos, e que mudam ao longo do
tempo.
Saiba mais
Talvez estudar Ética não seja tarefa tão difícil quanto desenvolver um “fazer ético”, ou seja, realizar
intervenções a favor de interesses de outras pessoas e não apenas em benefício próprio.
Um filósofo contemporâneo que desenvolve reflexões sobre ética e alteridade (isto é, a relação do
“eu” com “outro”) é Emmanuel Lévinas. Outro pesquisador que se dedica a estudos sobre ética e moral
é Yves de La Taille.
Saiba mais
LÉVINAS, E. Entre nós: ensaios sobre alteridade. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.
Em certo sentido, pode-se dizer que a pessoa com preocupações éticas procura se colocar
na situação do outro, na tentativa de compreender um pouco de seus sentimentos, ideias e
posicionamentos. Além disso, um fazer ético pressupõe que o outro (seja uma pessoa, outro ser
vivo e até mesmo um objeto ou o meio ambiente) jamais deverá ser um meio para que outra
pessoa atinja a felicidade, ainda que essa satisfação seja fugaz (isto é, passageira). Um exemplo:
uma pessoa convida um amigo para uma festa porque ele tem carro para lhe dar carona e não
porque ela gostaria que ele fosse por gostar de sua companhia. Nesse caso, o amigo seria um
meio para sua comodidade; e mesmo que ele espontaneamente quisesse ir à festa, chamá-lo só
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CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
por causa da carona não seria ético, pois para a pessoa, ele continuaria sendo apenas um meio
para ela obter vantagem.
No Brasil, por fortes aspectos culturais de subordinação e opressão, é comum as pessoas agirem de
forma moral, ou seja, seguindo regras, porém nem sempre de forma ética. Há também muitas pessoas
que denotam atitudes imorais.
De modo simplificado, é possível afirmar que o ensinamento atribuído a Jesus Cristo: “Amai
ao próximo como a ti mesmo”, é uma noção ética de relação interpessoal (intersubjetiva). Para
não causar distorções (outros sentidos) que o verbo amar pode suscitar, um raciocínio semelhante
seria substituí-lo pelo verbo “respeitar”. “Respeite o outro como a você mesmo”, já seria bastante
satisfatório e conferiria a preservação do sentimento de dignidade para ambas (ou mais) pessoas,
por exemplo.
No âmbito da Educação Física e do Esporte, seria adequado atribuir esse pensamento ao fair play,
popularmente traduzido como “jogo limpo”, em que não se usa prejudicar o adversário além do que
as regras do jogo (ou esporte) permitam. Aliás, tanto os jogos envolvendo ao menos dois opositores
como as várias modalidades esportivas podem e devem ser trabalhados para que as pessoas envolvidas
(estudantes, participantes, jogadores, atletas, técnicos, entre outros) entendam que o respeito às regras,
além de importante para o equilíbrio da própria diversão, é também uma forma de respeitar o oponente,
o parceiro de equipe, o árbitro e assim por diante.
O psicólogo cultural Ernst Boesch (que estudou com Piaget), definiu o conceito de cultura como segue:
Sociedades mais complexas, isto é, com mais de um modo de produção (agricultura, indústria), bem
como aquelas que apresentam amplas relações comerciais e diferentes tipos de organização, não raro
apresentam mais de uma cultura ou diferentes subculturas que perfazem uma “cultura maior”, por
exemplo, a cultura urbana, que contém hábitos próprios relativos a transporte, alimentação, lendas
típicas etc.
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Unidade I
A influência entre cultura e sociedade é recíproca e muito difícil de ser estudada, em razão justamente
da complexidade e diversidade de relações. A Sociologia e a Antropologia se ocupam diretamente da
compreensão desses dois fenômenos.
Na proposta desta disciplina, é importante ressaltar que tanto cultura como sociedade não são
partes acessórias do desenvolvimento humano. Pelo contrário, estudar qualquer outro domínio do
desenvolvimento humano sem estabelecer relações de igual importância com os domínios social
e cultural não abarca o ser humano com a devida importância de ser, para além de um indivíduo,
uma pessoa.
Figura 8 – Livros
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CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Essas duas figuras representam meios diferentes de preservar a história de culturas e sociedades
diversas – da mais suntuosa, a pirâmide egípcia, até a mais simples, porém não menos valiosa: o livro.
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Exemplo de aplicação
O filme anterior expõe todo o dilema ético e moral de um alto membro do exército nazista: um
juiz que causou a execução inúmeras pessoas durante a II Guerra Mundial, com mais alguns colegas
também juízes, serão agora julgados pro um tribunal estadunidense. O principal julgador desses juízes
também vive um conflito ético e moral. Sugere-se assistir ao filme e refletir a respeito da eugenia e do
preconceito étnico contra judeus e outros povos perseguidos pelos alemães e outros simpatizantes do
nazismo, causando um fenômeno inédito na história: a tortura e o massacre, em massa, oriundos da
ignorância científica sobre a origem do homem e da perseguição insana pelo poder.
É imperioso esclarecer que a complexidade e profundidade dos estudos desses autores apresentados
e de muitos outros pesquisadores que buscam a compreensão do desenvolvimento humano, nos seus
variados aspectos (domínios), não supõe que um aspecto comportamental se sobreponha a outro
em importância: todos são importantes e estão interrelacionados. A Educação Física, em maior ou
menor grau, tangencia todos eles e se aprofunda em alguns, a depender do interesse de pesquisa e do
encaminhamento da atuação profissional.
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Unidade I
Razão e emoção, embora sendo objetos de investigação em Psicologia, constituem construtos que
são estudados por essa área, ora em separadamente, ora relações de causalidade, ora em integração,
e de acordo com diversos pressupostos filosóficos, epistemológicos e de procedimentos de pesquisa
(SOUZA, 2006).
Observação
Essa separação não é somente uma escolha metodológica, mas um posicionamento epistemológico,
que passa a ser disseminado tanto no meio acadêmico de pesquisa como nos cursos de formação em
Educação Física.
E por que conceber afetividade (emoção) e cognição como instâncias comportamentais separadas
torna-se uma preocupação?
O motivo que justifica tomar certo cuidado com essa concepção refere-se à própria compreensão
acerca do desenvolvimento humano (tanto do ponto de vista ontogenético, como filogenético) e,
consequentemente, na forma de se lidar com os seres humanos – que, assim como em qualquer outra
área de fronteira entre saúde e educação, é o caso da Educação Física.
Um indicativo do problema de isolar ora cognição, ora afetividade, pode ser identificado quando se
ministram aulas sobre o desenvolvimento cognitivo, por exemplo. É de se esperar que Jean Piaget seja um
dos autores abordados para essa finalidade, por ser conhecido como estudioso e proponente de uma teoria
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CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
sobre o desenvolvimento cognitivo, conforme visto há pouco. Entretanto, não é comum associar Piaget à
compreensão da afetividade, e essa falta de associação constitui um equívoco.
Segundo Souza (2002; 2006), Piaget considerava a afetividade absolutamente importante para a construção
do conhecimento, bem como para o desenvolvimento mental. A autora afirma que, ao estudar relações
entre afetividade e cognição, Piaget tinha também o intuito de desfazer a dicotomia razão – emoção, pois,
embora concebesse afetividade e cognição como de naturezas diferentes, entendia que elas não apenas são
imprescindíveis no desenvolvimento psicológico humano, mas que existe certa correspondência temporal entre
as sequências de estágios em que ambas se desenvolvem. Portanto, para Piaget, as relações entre afetividade e
cognição não são de causa e efeito, mas de complementaridade (SOUZA, 2006).
Quanto à diferença de naturezas entre afetividade e cognição, essa autora aponta que, na
perspectiva piagetiana, “a afetividade é responsável pelos conteúdos da conduta (prazeres e
desprazeres; sentimentos de fracasso e sucesso), enquanto a inteligência organiza estruturalmente
a mesma conduta [...]” (SOUZA, 2006, p. 58).
É certo que o presente trabalho não tem como foco contemplar a grandiosidade da teoria de Jean
Piaget, mas sim de apontar para a necessidade de estudar cuidadosamente as ideias de autores da
Psicologia, notadamente os que estão sempre em pauta na formação em Educação Física, como é o caso
de Piaget. Esse cuidado pode auxiliar a dimensionar melhor o alcance do aproveitamento das teorias em
Psicologia para a área da Educação Física.
Por exemplo, convém lembrar que Piaget procurou elaborar uma teoria sobre a gênese da construção
do conhecimento no sujeito, o qual ele denominou sujeito epistêmico, que é o próprio ser (em sentido
amplo, não em cada indivíduo) (SOUZA, 2006). Sob essa perspectiva, desdobra-se um aspecto muito
importante: a questão da generalização, pois, ao entender que essa teoria explica funções psicológicas
gerais, pode-se correr o risco de julgá-la suficiente para explicar toda e qualquer manifestação ou
nuança das funções cognitivas – como, por exemplo, dificuldade na compreensão de conteúdos teóricos,
problemas de encadeamento lógico – seja na verbalização, seja na elaboração de textos escritos, etc.
Talvez pela estreita relação com as funções cognitivas, ou pela própria valorização sócio-histórico-cultural
do intelecto – como já mencionado – a discussão acerca do processo de ensino e aprendizagem em vários
níveis de ensino na escola tem atribuído pouca importância à afetividade como objeto de estudo.
É curioso saber que, mesmo na Psicologia, a afetividade custou a ser reconhecida como inerente
à natureza humana (VALSINER, 2006; SIMÃO, 2010). Simão (2010, p. 61) chama a atenção para a o
entendimento de Valsiner (2001 apud SIMÃO, 2010) sobre a importância da afetividade no processo de
desenvolvimento humano, explicitada a seguir:
De acordo com esse pensamento, o autor alerta não apenas para a complementaridade entre
cognição e afetividade, mas também para mais dois pontos de grande importância: a afetividade como
essencial para os processos cognitivos; a relação afetiva da pessoa com o mundo, como indispensável
para sua atuação no mundo. É imprescindível destacar que Valsiner não está atribuindo uma supremacia
da afetividade sobre a cognição (ou vice-versa). Assim como qualquer domínio do desenvolvimento
humano, a relevância de ambos é recíproca e inegável.
Figura 9 – Objeto (do tipo jarro) retratando uma luta esportiva; à esquerda, o árbitro
da luta. (Museu de Arqueologia de Atenas, Grécia)
A luta ilustrada nessa foto retrata uma atividade comum na Grécia Antiga e está sendo usada aqui
para representar a integração de alguns domínios do desenvolvimento humano: cognitivo, em razão do
raciocínio envolvido na tomada de decisão na escolha da melhor estratégia para vencer o oponente;
cultural, pois que era uma atividade típica de homens mais jovens; social, porque além do divertimento,
era uma necessidade saber lutar para defender o território; físico, pois a força muscular é bastante
importante para a vitória; motor, pela necessidade de equilíbrio e, possivelmente, algumas técnicas de
movimento; moral, pois as regras deveriam ser cumpridas e sua efetivação era acompanhada por um
árbitro. O domínio emocional, segundo explicitado anteriormente, é indissociável dos demais, ainda que
possa não ser prioritário nessa situação.
Em primeiro lugar, convém ressaltar que essa divisão tem o intuito de situar, isto é, de aproximar
a ocorrência de um evento ao longo dos processos de crescimento e desenvolvimento humano e
não associar esse evento de forma absoluta à determinada idade. Isso não seria realmente possível
em razão das variações que já foram mencionadas. Por isso, determinada idade ou faixa de idade
deve ser um critério e não o único critério para a ocorrência de determinado evento, estado ou
característica nesses processos.
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CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO
O que será apresentado a seguir é uma aproximação de um “modelo” de divisão por faixas etárias e
os respectivos nomes desses períodos, mas esse não é o único (PAPALIA; FELDMAN, 2013).
• Terceira idade (ou vida adulta tardia ou velhice): de 65 anos de idade em diante.
• Há outras divisões etárias, a depender dos diferentes estudiosos. Por exemplo, Malina, Bouchard
e Bar-Or (2009), dividem a primeira infância do nascimento aos dois anos de idade e dos dois aos
seis anos.
• A infância é também dividida de outro modo, bastante usado no Brasil, qual seja: primeira infância:
de zero a dois anos de idade (“bebê”) e de dois a seis anos de idade; segunda infância: de seis a 11
anos de idade.
• Observa-se, então, que de acordo com essa outra classificação, a primeira infância englobaria a primeira
e a segunda infância do modelo anterior, ao passo que a segunda infância deste modelo corresponderia
à terceira infância do modelo anterior. A escolha por uma ou outra divisão vai depender do autor ou da
finalidade ou do enfoque de quem estuda cada uma das faixas etárias.
Seja durante caminhadas e corridas por parques, ruas, seja praticando esportes ou ginástica, na
educação física na escola, clubes e academias, o que salta aos olhos de quem observa alguém em
movimento é o corpo – tanto em sua forma como em sua função: do belo desenho das definições
musculares ao considerado “inadequado” rascunho do excesso de gordura e celulites; do corpo rápido,
novo, compacto, leve e dinâmico (isso é, que tem movimento), ao corpo lento, envelhecido, excedente,
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Unidade I
E, embora não seja nosso foco discutir a educação física escolar, vale lançar uma questão: o que
temos feito “dos corpos” de crianças e adolescentes ao longo desses, no mínimo, 11 anos que eles
passam na escola? Estamos atentos às subjetividades dos corpos infantis e adolescentes? Quais os
desdobramentos desses corpos na posteridade?
Por que as questões de sexo e gênero continuam tão recorrentes na atuação profissional, bem como
o embate competição versus cooperação?
Para os corpos adultos, resta o treinamento individualizado (personal training) – e basta? E para os
idosos, fica a promessa da longevidade? Qual é nossa relação com esses corpos, com suas potencialidades,
seus alcances e limites? É certo que neste momento ninguém tem competência para responder essas
questões, porém está lançada uma “semente de inspiração” para que nos debrucemos sobre elas.
Ainda assim, fica uma sugestão: pensar a atuação profissional, a relação com nossos alunos-clientes.
A reflexão já começou. Ela não se encerra com o processo de desenvolvimento. Ela deve ser constante,
diária e perpétua.
Resumo
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