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Instituições de Direito

Autores: Profa. Priscilla Silva Silvestrin


Prof. Robson Ferreira
Colaboradoras: Profa. Sandra Castilho
Profa. Angélica Carlini
Professores conteudistas: Priscilla Silva Silvestrin / Robson Ferreira
Priscilla Silva Silvestrin

Mestra em Ciências Contábeis pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com bolsa CAPES (2015).
Especialista em Direito Público pelo Instituto Damásio de Jesus. Graduada em Ciências Contábeis pela PUC-SP (2014)
e em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI-2005). Atualmente, é advogada e
contadora. Foi professora da Universidade Salvador (Unifacs) e das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Atua como
professora na área de concursos, na Logga Cursos Preparatórios, na Universidade Paulista (UNIP) e no Centro Universitário
Senac, sendo membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE) em ambas as instituições. É autora na Editora Saraiva e na Sol
Editora e pesquisadora na área da docência no ensino superior, nas áreas do Direito e da ciência contábil.

Robson Ferreira

Doutor em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp-2015) e mestre em Direitos Fundamentais pelo Centro
Universitário Fieo (Unifieo-1999). É bacharel em Direito pelo Unifieo (1998) e possui pós-graduação lato sensu em Direito
Societário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper-2010). Também é especialista em Direito Processual Penal pelo
Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-2000). Possui MBA Executivo pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ-1989) e pós-graduação em Mercado de Capitais pela Escola Brasileira de Economia e Finanças da
Fundação Getulio Vargas (FGV-EPGE-1987) e em Sistemas de Informações pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj-1985). Advogado inscrito na OAB/SP, atua na área empresarial consultiva. Com trinta anos de experiência profissional em
empresas de grande porte, trabalhou na PricewaterhouseCoopers (analista consultor), no Banco Bozano Simonsen (gerente), no
Unibanco (diretor), no Credibanco (diretor), banco de Nova York, na Telesp Celular/Vivo (diretor) e na Medial Saúde (diretor).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S587i Silvestrin, Priscilla Silva.

Instituições de Direito / Priscilla Silva Silvestrin, Robson Ferreira.


– São Paulo: Editora Sol, 2023.

188 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Constituição Federal. 2. Direito Civil. 3. Noções Introdutórias.


I. Ferreira, Robson. II. Título.

CDU 340.11

U518.63 – 23

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária

UNIP EaD
Profa. Elisabete Brihy
Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto
Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar

Material Didático
Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. M. Deise Alcantara Carreiro
Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes

Projeto gráfico: Revisão:


Prof. Alexandre Ponzetto Bruna Baldez
Ingrid Lourenço
Sumário
Instituições de Direito

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DE DIREITO.................................................................................................... 11
1.1 Conceito de direito............................................................................................................................... 12
1.2 Origem e finalidade do direito......................................................................................................... 14
1.3 Direito objetivo e direito subjetivo................................................................................................. 20
1.4 Direito e moral........................................................................................................................................ 21
2 CLASSIFICAÇÕES DO DIREITO...................................................................................................................... 23
2.1 Ramos do direito................................................................................................................................... 23
2.2 Fontes do direito.................................................................................................................................... 26
2.2.1 Fontes materiais....................................................................................................................................... 27
2.3 A lei............................................................................................................................................................. 32
2.3.1 Elementos e hierarquia da legislação.............................................................................................. 32
2.3.2 Vigência, cessação da obrigatoriedade, retroatividade............................................................ 33
2.3.3 Processo legislativo................................................................................................................................. 36
3 DIREITO CONSTITUCIONAL........................................................................................................................... 46
3.1 Noções introdutórias de direito constitucional........................................................................ 46
3.2 Conceito e classificação...................................................................................................................... 46
3.3 A Constituição........................................................................................................................................ 49
3.4 O poder constituinte............................................................................................................................ 50
3.5 Espécies de constituição..................................................................................................................... 52
3.6 Controle de constitucionalidade..................................................................................................... 54
3.7 Da organização nacional.................................................................................................................... 56
4 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988........................................................................................................ 56
4.1 Histórico da Constituição de 1988................................................................................................ 58
4.2 Preâmbulo................................................................................................................................................ 61
4.3 Princípios fundamentais..................................................................................................................... 61
4.4 Direitos e garantias fundamentais................................................................................................. 62
4.5 Tributação e orçamento...................................................................................................................... 65
4.6 Ordem econômica e financeira........................................................................................................ 67
4.7 Ordem social............................................................................................................................................ 70
4.8 Disposições constitucionais gerais................................................................................................. 76
4.9 Ato das disposições constitucionais transitórias...................................................................... 77
Unidade II
5 DIREITO CIVIL..................................................................................................................................................... 83
5.1 Noções introdutórias ao direito civil............................................................................................. 83
5.2 Da validade dos atos jurídicos......................................................................................................... 90
5.3 Responsabilidade civil e ato ilícito................................................................................................. 92
5.3.1 Conceito e requisitos da responsabilidade civil........................................................................... 96
5.3.2 Responsabilidade objetiva e subjetiva............................................................................................ 97
5.3.3 Responsabilidade civil e penal............................................................................................................ 98
5.3.4 Reparação do dano................................................................................................................................. 98
5.4 Contratos................................................................................................................................................100
5.4.1 Garantias contratuais...........................................................................................................................102
5.4.2 Confissão de dívida...............................................................................................................................103
5.4.3 Teoria da imprevisão.............................................................................................................................103
6 DIREITO DO CONSUMIDOR........................................................................................................................105
6.1 Noções introdutórias de direito do consumidor....................................................................105
6.2 Conceito de consumidor..................................................................................................................107
6.3 Conceito de fornecedor....................................................................................................................108
6.4 Política nacional de consumo........................................................................................................111
6.5 Proteção contra práticas comerciais abusivas........................................................................115
6.6 Propaganda enganosa ou abusiva...............................................................................................116
6.7 Proteção contratual ..........................................................................................................................122

Unidade III
7 DIREITO ADMINISTRATIVO..........................................................................................................................129
7.1 Noções introdutórias de direito administrativo.....................................................................129
7.2 Atos administrativos .........................................................................................................................136
7.2.1 Atributos e requisitos.......................................................................................................................... 137
7.2.2 Atos administrativos vinculados e discricionários.................................................................. 139
7.3 Contratos administrativos...............................................................................................................140
7.4 Licitações................................................................................................................................................142
8 DIREITO DE EMPRESA...................................................................................................................................145
8.1 Noções introdutórias de direito de empresa ..........................................................................145
8.2 Origem e evolução histórica do direito comercial.................................................................145
8.3 Fontes do direito comercial.............................................................................................................147
8.4 Empresa, empresário e estabelecimento empresarial..........................................................149
8.5 Empresário individual........................................................................................................................151
8.5.1 Microempreendedor individual (MEI)........................................................................................... 153
8.5.2 Empresas individuais de responsabilidade limitada (Eireli)................................................. 154
8.6 Classificação das sociedades empresárias.................................................................................155
8.6.1 Sociedades personificadas................................................................................................................ 156
8.6.2 Sociedades simples ............................................................................................................................. 157
8.7 Sociedades empresárias....................................................................................................................158
8.7.1 Sociedade anônima ............................................................................................................................ 159
8.7.2 Sociedade em comandita por ações..............................................................................................161
8.7.3 Sociedade em nome coletivo............................................................................................................161
8.7.4 Sociedade em comandita simples .................................................................................................161
8.7.5 Sociedade limitada............................................................................................................................... 162
8.7.6 Sociedades não personificadas....................................................................................................... 163
8.7.7 Sociedade em comum........................................................................................................................ 163
8.7.8 Em conta de participação................................................................................................................. 163
8.8 Transformação societária.................................................................................................................164
8.8.1 Incorporação ......................................................................................................................................... 164
8.8.2 Fusão.......................................................................................................................................................... 165
8.8.3 Cisão........................................................................................................................................................... 165
8.9 Dissolução societária.........................................................................................................................166
8.9.1 Dissolução................................................................................................................................................ 166
8.9.2 Liquidação................................................................................................................................................ 167
8.9.3 Extinção.................................................................................................................................................... 168
8.10 Falência e recuperação judicial...................................................................................................168
APRESENTAÇÃO

Quando decidimos iniciar um curso superior, é provável que tenhamos considerado que as atividades
empresariais muitas vezes são complicadas e certamente demandam uma série de conhecimentos de
diferentes áreas. Para buscar soluções práticas que otimizem os recursos das entidades, é importante
conhecer técnicas que nos façam alcançar resultados positivos para a organização.

Entre as fontes de conhecimentos necessários para ser um bom gestor, encontram-se as instituições
de direito, que servem justamente para adequar as ações do administrador de empresas ao ordenamento
jurídico e ao uso dos recursos financeiros, físicos, tecnológicos e humanos das empresas. A busca por
soluções para qualquer tipo de problema administrativo se relaciona com todas as áreas do direito, não
só dentro das relações empresariais, mas fora delas, uma vez que a empresa gera impacto positivo em
toda a sociedade, com geração de emprego, renda e desenvolvimento social.

Desse modo, esta disciplina tem por objetivo geral demonstrar que as organizações e os cidadãos
estão inseridos em um sistema normativo que deve ser respeitado, constituindo-se em uma ameaça e,
ao mesmo tempo, uma oportunidade; ou seja: é preciso conhecer as regras do jogo.

A partir do estudo desta disciplina, podemos compreender a organização do sistema jurídico


brasileiro e quais são os principais ramos do direito que refletem na atividade empresarial, quais sejam:
direito constitucional, direito administrativo, direito civil, direito de empresa e direito do consumidor. Ao
relacionar esses conhecimentos com a prática empresarial, é possível utilizar nossos saberes e formações
parar gerar impactos sobre as pessoas e as organizações.

Percebe-se que, além dos aspectos técnicos, a disciplina também aborda concepções práticas que
permitem ao estudante vivenciar situações hipotéticas por meio de projetos e trabalhos acadêmicos,
cujo objetivo específico é prepará-lo para atuar em um mercado dinâmico e cheio de desafios.

INTRODUÇÃO

O trabalho apresentado neste livro-texto é direcionado ao profissional de nível superior que irá atuar
diretamente em gestão, administração e controladoria, seja ela empresarial, seja estatal.

Nosso objetivo é expor ao estudante, em linhas gerais, a teoria do direito em material


sistematizado, que parte do contexto histórico até as tarefas cotidianas realizadas nas entidades
empresariais e governamentais.

A sequência de tópicos respeita a sequência do conteúdo programático da sua disciplina, aprovado


pelo Ministério da Educação (MEC). Nessa mesma sequência, já se observa que o direito constitucional
se aproxima do direito administrativo, uma vez que pertencem ao direito público, e o direito civil ao
direito de empresa e ao direito do consumidor, que se afeiçoam mais ao direito privado.

Serão apresentados: a introdução ao direito, o direito constitucional, o direito civil, o direito do


consumidor, o direito administrativo e o direito de empresa. Na introdução ao direito, traremos uma
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abordagem resumida da origem e finalidade do direito como um conjunto de normas reguladoras da vida
em sociedade, o que se denomina tecnicamente de teoria geral do estado. É dentro dessa organização
social que as organizações estão inseridas.

Ao estudar o direito constitucional, será importante compreender a ideia de Constituição como lei
maior de um país, a qual aborda os direitos e as garantias individuais que estão presentes em todas as
sociedades civilizadas. Esses direitos repercutem diretamente nas organizações.

Nos tópicos de direito civil, você deverá entender a ideia de responsabilidade civil e reparação de
danos e contratos. No tópico que trata do direito do consumidor, será possível reconhecer uma relação
de consumo e todas as repercussões dela decorrentes, como a responsabilização das organizações por
práticas comerciais abusivas.

Já em direito administrativo, serão descritos sinteticamente os atos administrativos e os tipos


de licitação que obrigatoriamente antecedem os contratos administrativos, os quais, muitas vezes,
pertencem ao dia a dia empresarial como fonte de receitas.

Por fim, será trabalhado o direito de empresa, item que contém informações muito importantes para
gestores empresariais. O que se pretende, portanto, é uma análise dos tipos de sociedade existentes no direito
brasileiro, apresentando os requisitos de cada tipo societário e as responsabilidades deles decorrentes,
bem como as suas formas de extinção, fusão, dissolução e transformação, pertencentes com maior
ênfase ao mundo dos negócios.

Convém desde já aclarar que a gestão, a administração e a controladoria empresarial implicam, entre
outras atividades, o gerenciamento de fluxos processuais e administrativos, a análise e a organização de
documentos legais sem prejuízo da assessoria técnica.

Ao final de cada unidade, haverá um resumo e dois exercícios comentados, para que você teste seus
conhecimentos acerca do conteúdo apresentado.

Um abraço e bons estudos!

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INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Unidade I
Nesta unidade, vamos realizar uma introdução ao direito e conhecer o direito constitucional. Primeiro,
descreveremos o funcionamento do ordenamento jurídico brasileiro e a forma de organizar o direito, ou
seja, as suas classificações, para que você compreenda a sua ação e associe com a sua vivência pessoal
e profissional. Depois, trataremos do direito constitucional, que contempla em seu estudo a lei mais
importante do Brasil: a Constituição Federal (CF) e o seu conteúdo.

1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS DE DIREITO

Este tópico irá versar sobre elementos da teoria geral do estado e da teoria geral do direito, para que
se possa situar os diversos ramos do direito, entre direito público e privado, com as suas aproximações,
comunicações e distanciamentos relativos, tudo sob fundamento de validade e vigência – potência de se
produzir efeito oponível, inclusive mediante monopólio do exercício legitimado da coerção pelo estado
democrático de direito, sob ordenamento jurídico soberano, fundado na soberania popular por meio do
poder constituinte originário.

Imagine a seguinte cena: você vai ao trabalho em um dia qualquer. No caminho, você repara, sem
muita atenção, nas seguintes situações:

• A copa de uma árvore florida.

• Uma mãe segurando a mão de uma criança para atravessar a rua.

• Duas pessoas conversando sobre um serviço mal prestado.

• Dois policiais em uma viatura.

• Uma faixa pendurada em uma fachada de loja com os dizeres: “Passa-se o ponto”.

Você consegue perceber como a ciência do direito atua em cada uma dessas diversas ações corriqueiras
em nossa sociedade? Existe uma conexão, além de emocional, jurídica entre a mãe e a criança: uma
declaração que o Estado faz, por meio dos cartórios, cujo nome é certidão de nascimento, atesta que a
mulher é a mãe e que a criança é a filha dela. Essa é uma das facetas presentes no direito civil.

A natureza também é preservada para a nossa e as futuras gerações. Isso é simbolizado pela árvore
com a copa florida, cujo cuidado é de responsabilidade de toda a coletividade. Essa determinação de
cuidado e preservação ambiental está presente na CF.

11
Unidade I

Os policiais representam o Estado, ou seja, a presença dele nas relações com a população, para
preservar a ordem. Quem paga o salário dos policiais é a população toda, e o faz, preponderantemente,
por meio da arrecadação tributária. Sempre que o governo gasta o dinheiro público, como para comprar
uma viatura ou uniformes, a regulamentação ocorre por intermédio do direito administrativo.

Ao se queixar de um serviço mal prestado ou de uma mercadoria que foi entregue de forma
diferente da combinada, está presente o direito do consumidor, que serve para equilibrar a relação
jurídica existente entre o fornecedor e o consumidor.

Você sabe o que significa “Passa-se o ponto”? Na linguagem popular, significa que aquele
estabelecimento empresarial está sendo vendido. No entanto, essa operação pode envolver diversos
aspectos jurídicos, como incluir a transferência do contrato de aluguel do imóvel onde funciona o
estabelecimento, os bens, como máquinas e equipamentos, e principalmente o valor da negociação, que
também tem um nome corriqueiro: luvas. As luvas correspondem ao preço da estrutura montada em
determinado local, que funciona em perfeitas condições de ser explorada comercialmente.

Repare que tudo o que for apresentado neste livro-texto terá relação com a sua realidade, que
é permeada de forma significativa pelo direito. E se por um lado o direito se apresenta como algo
valioso, nobre, imprescindível e benéfico para a nossa sociedade, por outro lado aparece com uma
feição antipática, de difícil compreensão e que muitas pessoas têm verdadeiro horror por não entender
o seu funcionamento.

Como você percebeu, a ciência jurídica decorre da organização social. É por isso que se pode afirmar
que ninguém vive isoladamente. O ser humano é gregário por natureza, ou seja, só realiza o seu potencial
na vida em sociedade, por meio das relações sociais entre as pessoas. Todos trazemos pelo menos a
noção de direito como sinônimo de lei; entendemos facilmente quando a palavra “direito” é empregada
como sinônimo de “conjunto de leis que regem as relações sociais em determinado país”.

É comum encontrarmos na língua portuguesa uma palavra com mais de um significado, e isso não
é diferente com o termo “direito”. “Direito” pode ser o seu braço, por exemplo.

Mesmo que o tomemos em seu contexto jurídico, veremos que ainda assim há várias interpretações
possíveis para o que se considera direito, e, a princípio, é essencial que você entenda os vários significados
com os quais essa palavra é empregada em nosso dia a dia. Vamos utilizar a teoria do direito e da
filosofia do direito para dar significado a esse vocábulo tão importante ao nosso estudo.

1.1 Conceito de direito

Dis + Rectum significa muito reto, justo; aquilo que é muito justo. Pode-se dizer que o direito é um
complexo de normas destinadas à solução de conflitos, realizando-se dessa forma a justiça.

Assim, ao longo do tempo, consolidou-se a noção de direito como uma regra ou um conjunto de
regras capazes de determinar o que é certo, o comportamento que todos devem adotar e seguir como
algo obrigatório em uma determinada sociedade.
12
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Apesar de a palavra possuir uma pluralidade de significados que podem refletir diferentes conceitos
– não necessariamente se reduzindo ao seu significado de origem latina –, quase sempre traz a noção
fundamental de ser uma regra ou um conjunto de regras vigentes em determinado tempo e em
determinado espaço.

Você acredita que há alguns anos não era obrigatório usar o cinto de segurança dentro de veículos
automotores no Brasil? Com o passar do tempo e a evolução da sociedade, a utilização do cinto de
segurança se tornou coercitiva, ou seja, obrigatória para minimizar os impactos de uma colisão. O mesmo
raciocínio se aplica ao uso do capacete para motociclistas. Essa observação serve para demonstrar que o
direito decorre da evolução da sociedade no tempo. Antes não era necessário. Agora é.

A vigência espacial pode ser exemplificada da seguinte forma: você sabia que o valor do salário mínimo
vigente no Brasil não é uniforme? Existe um salário mínimo nacional, e, em determinados estados da
federação, como o Rio Grande do Sul e São Paulo, os valores são superiores ao salário mínimo nacional.
Assim, você percebe que a lei assume contornos diferentes, dependendo do local onde você se encontra.

Vejamos, então, os principais significados que podem ser atribuídos ao termo “direito”:

• Norma: esse sentido é muito importante e o mais comum, pois você certamente encontrará
várias definições da palavra “direito” como lei, vale dizer, um conjunto de normas que devem ser
seguidas por todos. São normas obrigatórias, pois, caso alguém não respeite uma norma (lei),
receberá uma penalidade imposta pelo Estado, que, em última instância, é o agente que detém o
poder de obrigar as pessoas a cumprir a lei, inclusive com o emprego da força, se necessário.

• Faculdade: aplicamos esse sentido quando a palavra “direito” reflete uma capacidade que
é reconhecida a um determinado sujeito. Fica mais fácil com o seguinte exemplo: “Homens e
mulheres têm direitos iguais”.

• Justiça ou justo: nessas hipóteses, a palavra expressa o sentido de justiça que deve prevalecer
nas relações sociais, por exemplo, quando falamos que a liberdade de religião e crença é um
direito de todos.

• Ciência: esse significado fica bem claro quando ouvimos alguém dizer acertadamente que o
direito é uma ciência social aplicada.

Repare nas lições de Giorgio Del Vecchio (1934), um grande filósofo e jurista italiano, falecido na
década de 1970, que inspirou figuras importantes, como Norberto Bobbio (autor conhecido por sua
ampla capacidade de produzir escritos concisos, lógicos e, ainda assim, densos), ao esclarecer que os
ordenamentos jurídicos, no tocante ao direito privado, seguiam uma tradição de concepção romana,
calcada na naturalis ratio, ou seja, na razão natural, ao passo que o direito público seguia a tradição das
déclarations des droits, que seriam expressões típicas da tradição do jus naturae, entendida como direito
natural. Del Vecchio falou da importância do estudo da grandiose tradition doctrinale ou grandiosa
tradição doutrinal; de não se negligenciar o estudo sob pena de se renunciar à inteligência (apreensão
do sentido) do sistema jurídico.
13
Unidade I

O professor Franco Motoro (1991) explicou que, dentro das diversas facetas ou sentidos de direito,
existem os primados, sintetizados no quadro a seguir:

Quadro 1 – Significações do direito

Primado do direito-norma
Direito é um conjunto de normas, leis ou regras jurídicas aplicáveis às atividades
dos homens, sendo uma norma primária que estabelece a sanção.
Planiol, Kelsen, Clóvis Beviláqua
Primado do direito subjetivo
O direito considerado na vida real aparece como um poder do indivíduo, ou seja, o
preceito maior é a liberdade, pois direito é conduta, não norma.
Savigny, Carlos Cóssio
Primado do direito fato social
O direito é o fenômeno social por excelência. Mais do que a língua, a religião e a
arte, o direito revela a natureza íntima do grupo social; é o controle exercido pela
aplicação da força de que dispõe uma sociedade politicamente organizada.
Marx, H. Lévy-Bruhl, Benjamin Cardozo
Primado do direito ciência
A previsão do que os tribunais decidirão, a ciência do justo e do injusto a ser
estudada e transmitida às novas gerações.
Ulpiano, Holmes
Primado do direito justo ou devido
A função do juiz e do jurista é sempre descobrir e assegurar o que é justo, ou seja,
não é da regra que emana o direito; é do direito (jus) que se faz a regra. A noção
de justo é a pedra angular de todo o edifício jurídico.
Justiniano, Geny

Agora fica fácil para você entender o direito como ciência, aquela que se detém em descrever e
interpretar o direito positivo.

Entretanto, não se deve confundir esses dois conceitos. O direito positivo é a linguagem prescritiva,
pois prescreve as condutas que se expressam através do conjunto de normas válidas (em forma de leis)
num determinado espaço e tempo, enquanto a ciência do direito apresenta-se em seu caráter descritivo
e interpretativo, permitindo a aplicação das leis.

1.2 Origem e finalidade do direito

A sociedade é o produto da conjugação de esforços dos seus indivíduos, decorrente do que o professor
Dalmo Dallari (1991) nominou como “simples impulso associativo natural e da cooperação da vontade
humana”. Assim, vamos começar nossos estudos sobre os povos antigos, verificando como a posição
geográfica, a política e a economia interferiram na história jurídica de cada povo.

A história do direito busca explicar as intenções e noções de moral e o intuito dos povos que
acharam por bem escrever suas normas, em seus conceitos e objetivos. O conceito de “história do
direito” é uma produção cultural-científica decorrente das exigências de uma dada sociedade, e o

14
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

objetivo é o auxílio na compreensão das conexões que existem entre a sociedade, suas características
e sua produção em direito.

A justiça pode ser definida como “dar a outrem o que lhe é devido”, segundo uma igualdade simples
ou proporcional. Nesse caso, a justiça – ou, nesse sentido, o direito – será feita quando um determinado
ser humano receber um bem da vida que lhe é devido, guardada uma igualdade.

Na justiça distributiva, a igualdade é simples, o que significa que será dado a outrem aquilo que lhe
foi tirado. É o caso do direito penal, no qual se pune o criminoso na mesma medida em que este causou
danos a um cidadão (é a lógica da pena retributiva); ou, ainda, do direito civil, quando alguém que causa
dano a um patrimônio alheio tem de indenizá-lo na mesma quantia da lesão.

Na justiça proporcional, o bem devido a outrem deve considerar uma igualdade proporcional, o
que, em outras palavras, pode ser dito como dar aos iguais um tratamento igual e aos desiguais um
tratamento desigual na medida de sua desigualdade. Assim, a título de exemplo, em uma família em que
o irmão mais novo, de três, precisa de tratamentos médicos caríssimos, a este será dado uma parcela
proporcionalmente maior da renda familiar, tratando-se dele desigualmente aos outros na medida de sua
desigualdade. É o caso, por exemplo, na esfera jurídica, do tratamento dispensado aos consumidores ou
trabalhadores, que, pela sua flagrante vulnerabilidade frente às indústrias e grandes empresas, recebem
um tratamento desigual da lei, proporcional à sua situação de vulneração.

No que tange ao direito enquanto norma, pode-se dizer, por agora, que a norma é um juízo
hipotético‑condicional, que vincula a uma conduta uma respectiva sanção. A exemplo do que ocorria nas
primeiras civilizações, a tradição das normas baseava-se na revelação divina, ou seja, no conhecimento
transmitido ao homem diretamente por um deus ou deuses.

Você sabia que a primeira legislação significativa na Mesopotâmia foi o chamado Código de Hamurabi
(1754 a.C.)? Hamurabi foi, antes de tudo, um excelente administrador e estrategista. Havia em seu
território (Babilônia) uma heterogeneidade de pessoas, povos diferentes com línguas, culturas e raças
diferentes. Para alcançar a unificação, Hamurabi utilizou três elementos: a língua, a religião e o direito.

A lei de talião (em latim, lex talionis; lex: lei e talio, de talis: tal, idêntico), também dita pena de
talião, consiste na rigorosa reciprocidade do crime com a pena em razão dele aplicada. Ocorre que
essa proporcionalidade ou retaliação desconsidera totalmente razões, circunstâncias ou aspectos da
ocorrência da violação dos preceitos.

A lei de talião funciona de forma simples: se uma pessoa feriu outra pessoa, a pessoa que feriu deve
ser penalizada em grau semelhante. Em interpretações mais suaves, significa que a vítima recebe o valor
estimado da lesão em compensação. É o que acontece quando a imprensa escuta a família de alguma
vítima fatal da qual se conhece a autoria. O familiar responde: “Não quero nada. Só quero justiça!”.
Você pode seguramente substituir a palavra “justiça” pela palavra “vingança”, sem prejuízo algum. Essa
relação foi registrada por Hamurabi, cuja intenção por trás do princípio de “olho por olho, dente por
dente” seria restringir a compensação ao valor da perda.

15
Unidade I

Saiba mais

Você imagina que a lei do talião ainda é admitida em alguns países


orientais? Pois veja o que ocorreu com a jovem iraniana Ameneh Bahrami:
em 2004, ela recusou a oferta de casamento de Majid Movahedi. Ofendido,
o homem desfigurou seu rosto com ácido. Ameneh lutou na justiça de seu
país para que seu agressor fosse punido de acordo com a justiça retributiva
(chamada de qisas) – parte da sharia (lei islâmica) que considera moralmente
aceitável punir o criminoso de forma semelhante ao crime que ele cometeu.

Caso você tenha se interessado pelo assunto, leia o texto a seguir:

IRANIANA perdoa homem que a desfigurou com ácido antes de punição.


BBC, 2011. Disponível em: https://cutt.ly/iwk1tjQA. Acesso em: 20 jan. 2020.

Uma parcela importante da evolução da história do mundo passa pelo Egito Antigo. No Egito,
desenvolveu-se parte do direito privado através da descoberta da existência de contratos que eram
feitos por escrito, chamados de documentos da casa. Assim, quem fosse vender algo deveria redigir o
contrato e depois lacrá-lo para evitar falsificações. É como funciona a autenticação ainda hoje.

Figura 1

Disponível em: https://ury1.com/tXrmM. Acesso em: 1º set. 2023.

Uma figura importante no Egito Antigo foram os escribas. Essa era uma classe social de pessoas
alfabetizadas e letradas que ajudavam o Faraó escrevendo todos os documentos oficiais. Naquela
ocasião, apareceu o documento do escriba, que foi na verdade o antecessor da escritura pública.
16
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

No direito penal, ultrapassada a fase da vingança privada presente no Código de Hamurabi, também
havia previsão de penas cruéis, tais como chicotadas, abandono dos delinquentes aos crocodilos,
trabalhos forçados e mutilações.

Outra colaboração que remonta às origens importantes do direito é da Grécia Antiga, cujo principal
produto foi a filosofia, por meio de seus pensadores: Sócrates, Platão e Aristóteles.

Sócrates, criador da maiêutica, ou parto das ideias, autor da famosa frase “só sei que nada sei”,
sugeria a aristocracia como melhor regime, por entender que não era verdade absoluta o fato de que as
decisões, por partirem da somatória de muitas ideias individuais (democracia), seriam corretas. Por esse
pensamento, foi acusado de traição e condenado.

Platão (429 a.C. -347 a.C.), discípulo de Sócrates, foi o responsável pela organização e sistematização
do estudo da filosofia. Entre suas obras, destaca-se A República, que trata da forma ideal de Estado e do
conceito de justiça.

Aristóteles (384 a.C. -322 a.C.), por sua vez, foi discípulo de Platão. Criador da lógica, ficou eternizado
ao estruturar o silogismo – que consiste em fazer uma ou mais afirmações/premissas maiores e uma
afirmação intermediária/premissas menores e chegar dessa forma à conclusão. Estudou a fundo o
sentido de justiça ligado ao conceito de igualdade.

Admitindo-se que o homem é um ser social pela sua própria natureza e que em toda sociedade deve
existir um conjunto de normas a serem respeitadas, chega-se à conclusão de que a origem do direito é a
origem do próprio homem. A expressão latina sintetiza claramente essa ideia: ubi societa, ibi jus (“onde
há sociedade, existe o direito”).

De fato, nem sempre o direito se manifestou em sociedades arcaicas, ou até mesmo em algumas
sociedades modernas, dissociadas do campo da moral, da religião e da política. Pelo contrário, a regra, ao
menos até a Grécia Antiga, era a de que a esfera do direito interpenetrasse uma série de outras esferas
da vida social, confundindo-se com a atividade política e teológica.

A título de exemplo, pode-se indicar a Grécia micênica, pelos idos de 1.200 a.C., quando as cidades
gregas eram organizadas em torno de um deus-rei (Ánax) que não somente detinha o poder político,
mas também religioso. Era a esse deus-rei que se pagavam tributos; em torno dele que se organizava a
arquitetura da pólis, e para ele que se direcionavam os louvores.

Com a invasão da Grécia micênica pelos dórios, houve uma completa desestruturação desse modo
de vida, passando-se, ao longo dos anos, a outro modelo, racionalizado, de política, ética, religião,
direito e moral.

É a partir desse processo de racionalização que o direito, entendido como fenômeno autônomo,
encontrará seu paradigma na filosofia grega pós-socrática e, posteriormente, na política romana.

17
Unidade I

Sobre o direito romano, Villey (apud DROMI, 2007) afirma que foi considerado que, se o direito
romano tivesse consistido de uma mera prática, de uma arte completamente empírica, não teria podido
sobreviver à civilização romana. Mas Roma produziu algo novo, desconhecido mesmo na Grécia, assim
como em todos os direitos anteriores: uma literatura técnico-jurídica. No entendimento do autor,
portanto, foi um golpe de sorte haver uma literatura técnico-jurídica.

Quanto à história do direito no mundo antigo, são dignas de notas as grandes obras militares e
legislativas do imperador Justiniano I, que compilou as legislações existentes em seus domínios no
Corpus Iuris Civilis, dividido em quatro partes, cujo teor pode ser sintetizado no quadro a seguir:

Quadro 2 – Estrutura do Corpus Iuris Civilis

“Codex” deriva da palavra latina “caudex” e quer dizer “tronco de árvore”; diz respeito ao suporte
do sistema legal. Compilação das constituições imperiais para que os romanos conhecessem
Codex todas as leis que vigoravam. Dividido em 12 livros da seguinte forma: Livro I (direito eclesiástico,
fontes do direito e das funções dos servidores públicos); Livro II-VIII (direito privado); Livro IX
(delitos); Livro X-XII (regras administrativas).
Consideradas uma espécie de manual de direito para os estudantes. Declaradas de uso
Institutas obrigatório, tiveram força de lei. Divididas em 4 livros.
Digesto ou Destinou-se à reunião dos pareceres e escritos dos jurisconsultos, no total de 50 livros. Muito se
Pandectas aproveitou dessa obra no tocante aos critérios de interpretação das leis.
Regras do próprio Justiniano que se faziam necessárias no próprio cotidiano, tendo o poder de
Novelas derrogar as regras dos livros anteriores que se chocassem com o novo direito. Praticamente todas
as escritas eram em grego, já que se destinavam às populações do Império do Oriente.

Ainda hoje, o direito romano se presta como instrumento para dar respostas práticas e efetivas aos
problemas da vida, de modo a compor, solucionar e evitar conflitos, especialmente os ligados ao sistema
privado. Segundo Fachin (2001), os três pilares fundamentais – em cujos vértices se assenta a estrutura
do sistema privado clássico –, baseados no direito romano e que se encontram na alça dessa mira, são
representados pelo contrato, como expressão mais acabada da autonomia da vontade; pela família,
como organização social essencial à base do sistema; e pelos modos de apropriação, nomeadamente a
posse de propriedade, como títulos explicativos da relação entre as pessoas sobre as coisas.

Assim, busca-se compreender quando nasce o direito enquanto norma jurídica e qual sua finalidade.
É espinhosa a questão de saber quando o homem, organizado em sociedade, criou o direito, uma vez
que onde há organização social há também, em certa medida, direito.

No entanto, as artes nos legaram um registro de quando os homens passaram a questionar


a pertinência das leis humanas frente às leis dos deuses, o que pode ser um bom indício de um
esclarecimento acerca da existência de um direito humano, positivo, feito de normas, para além – ou
aquém – do direito natural, divino ou mesmo da ética.

Foi com Antígona, tragédia grega da Grécia Antiga escrita por Sófocles, como terceira parte de sua
tragédia tebana, que se deu visibilidade ao paradigma ocidental, hoje corriqueiro, que distingue um
direito natural ou divino de um direito dos homens, positivo.

18
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Em Antígona, Creonte, tio da personagem que leva o mesmo nome da peça, decide deixar seus
sobrinhos mortos, os quais foram tomados por traidores de Tebas, sem funeral. Fez isso por lei humana,
quando alcançou o controle político da cidade. Antígona, por sua vez, recusa-se a deixar seus irmãos
sem enterro, em especial por se ferir, com isso, uma lei divina, que obriga o culto aos mortos e os
rituais fúnebres.

Aqui há uma verdadeira cisão entre a lei dos homens e a lei divina, marcando, talvez, a origem de um
direito positivo, composto por normas, que encontram sua validade no mundo profano.

Se sua origem, entretanto, é de difícil circunscrição, sua finalidade é mais simples de ser compreendida,
até mesmo em razão do largo espaço que o direito ocupa na vida do homem moderno.

Mesmo o homem mais afastado das grandes cidades, que vive isolado, sabe ou deveria saber que,
se matar alguém, haverá a possibilidade de o Estado sancioná-lo com prisão ou pena de morte. Qual a
finalidade dessa verdadeira intromissão do direito na vida das pessoas?

Ora, aqui, a princípio, a finalidade do direito se apresenta como verdadeira regulação dos atos da
vida em sociedade, optando-se por incentivar alguns deles em detrimento dos outros. Porém, essa
definição da finalidade do direito ainda é muito genérica, exigindo que se especifique em que medida
o direito objetiva regular a conduta humana. De fato, se o direito tem por finalidade regular a conduta
humana, é porque pode obrigar alguém a fazer algo, ainda que contra a vontade, ou seja, tem o poder
de obrigar. A finalidade última do direito, portanto, está intimamente relacionada à categoria do
poder, e elucidá-lo é, em alguma medida, dar um passo para elucidar a finalidade do direito.

Por poder, deve-se entender aquilo que já indicava Bobbio (2010): B exerce poder sobre A quando
leva A a realizar uma conduta ainda que contra sua vontade, sob pena de sanção se a conduta a ser
realizada não se der. Tal definição tem a vantagem de ser extremamente clara. Assim, exerce poder
– familiar, no caso – o pai ou a mãe quando exigem que seu filho tire notas boas, sob pena de castigo.
Exerce poder – patronal – o patrão que exige do funcionário certo desempenho, sob pena de demissão,
por exemplo. O exercício desses poderes subjacentes às relações humanas interessa ao direito em alguma
medida, tendo por fim sua regulamentação.

Entretanto, a finalidade última do direito é a regulamentação de um poder específico, que em nossas


sociedades modernas pode-se chamar de poder político. O poder político é o poder de administrar o uso
da violência como forma de coação. Isso significa que, sendo a política a arte de alcançar o bem comum,
como queria Aristóteles, ou a mera manutenção desse poder, como queria Maquiavel, fato é que o poder
político é aquele que, para garantir o cumprimento das ordens de quem o exerce, pode ser exercido por
meio da violência. Portanto, nesse sentido, a finalidade última do direito é regular o exercício legítimo
da violência dentro do corpo social.

Dito isso, como forma de exemplificar o exposto, pode-se elencar cinco estágios pelos quais o direito
passou ao longo da história das sociedades.

19
Unidade I

Em um primeiro momento, nas sociedades primitivas, quando ainda não havia uma percepção clara
acerca do que era o direito, o poder político se encontrava pulverizado pelos clãs, famílias ou tribos,
havendo um exercício descentralizado da violência e das tentativas de coação.

Já na Grécia Antiga e em Roma, com uma maior consciência do direito, o poder político passou a
ser exercido por um governo centralizado, ainda que este não se submetesse às determinações legais.
A Idade Média, com sua descentralização política em uma série de feudos, fez com que novamente o
poder político passasse a ser exercido por diferentes agentes. O poder político só voltará a ser exercido
de modo centralizado com o Absolutismo, havendo uma concentração de poder nas mãos dos reis.

Entretanto, o direito continuaria sendo um instrumento para regular as relações entre particulares
em especial, não se submetendo o rei à esfera jurídica. É nesse sentido que se deve compreender as
palavras de Luís XIV, rei da França: “Le loi c’est moi” – ou seja, “A lei sou eu”. Por fim, com o advento
da Revolução Francesa e da Independência norte-americana, funda-se a base do moderno estado de
direito, em que todos, inclusive os agentes políticos, submetem-se ao império da lei.

Daí que, ao menos na Idade Contemporânea, em estados de direito, o direito tem por finalidade
última a própria regulação do poder político, legitimando o uso da violência como forma de coação para
que se leve as pessoas a agirem de acordo com as condutas previamente fixadas em lei.

Por fim, o direito pode ser uma ciência no sentido de que, muitas vezes, deu-se o nome de direito
às filosofias ou teorias que tentavam explicar o fenômeno jurídico em sociedade. Assim, o juiz, ao
sentenciar, opera o direito em sociedade, mas não como um cientista, uma vez que sua sentença tem
um valor deontológico – ou seja, obriga que se dê uma situação qualquer no mundo real, não podendo
ser verdadeira ou falsa, apenas válida ou inválida. O cientista do direito, por sua vez, ao explicar o
direito, nada obriga que se faça; pelo contrário, tenta afirmar algo acerca do mundo do ser, ou seja, sua
afirmação tem um valor ontológico, podendo ser verdadeira ou falsa.

1.3 Direito objetivo e direito subjetivo

Para esta disciplina, é importante diferenciar a norma como um todo (objetivo, do objeto) de como
ela age em face da conduta do sujeito (subjetivo).

Por isso, vamos analisar as visões de alguns autores sobre essas duas relevantes conceituações,
iniciando por Dromi (2007), para quem os direitos subjetivos não podem existir à margem do Estado.
Para que um direito seja juridicamente exigível, é necessário seu reconhecimento estatal; do contrário,
a reclamação de sua observância ou respeito se fundará em razões éticas ou religiosas, mas não no
ordenamento jurídico (entendido aqui como direito positivo).

Para Luz (2014), em seu dicionário jurídico, os vocábulos “direito objetivo” e “direito subjetivo” estão
conceituados da seguinte forma:

• Direito objetivo: conjunto de normas jurídicas, de cumprimento obrigatório, em vigor em


determinado momento e em determinado ordenamento jurídico. São normas de direito objetivo
a Constituição, o Código Civil, os contratos e os atos administrativo.
20
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

• Direito subjetivo: faculdade conferida pelo Estado ao cidadão para, consubstanciado na lei e
provando legítimo interesse, exercer sua pretensão em juízo. Permissão dada pela norma jurídica
para o exercício de uma pretensão; direito de ação assegurado pela ordem pública. Capacidade que
o homem tem de agir em defesa de seus interesses, invocando o cumprimento de normas jurídicas
existentes, sempre que, de alguma forma, essas regras jurídicas estiverem em conformidade com
sua pretensão.

Segundo Führer e Milaré (2004), as mais importantes acepções da palavra “direito” são as traduzidas
pelas expressões “direito objetivo” e “direito subjetivo”. Para os autores, a diferenciação é a seguinte:

• Direito objetivo: é o conjunto de regras vigentes num determinado momento, para reger as
relações humanas, impostas coativamente à obediência de todos. Os códigos Penal, de Processo,
Civil etc., bem como qualquer uma de suas regras, são exemplos de direito objetivo.

• Direito subjetivo: é a faculdade ou prerrogativa do indivíduo de invocar a lei na defesa de seu


interesse. Assim, ao direito subjetivo de uma pessoa corresponde sempre o dever de outra, que, se
não o cumprir, poderá ser compelida a observá-lo através de medidas judiciais.

Para diferenciar os dois institutos, observe a figura a seguir:

Direito objetivo
Conjunto de regras
Leis de códigos

Direito subjetivo
Faculdade do sujeito
Invocar em defesa de seus interesses

Figura 2 – Direito objetivo e direito subjetivo

Como podemos perceber, conhecer o direito objetivo é parte fundamental para poder exercer o
direito subjetivo, ou seja, invocá-lo para sua guarda e proteção. É o que acontece muitas vezes com
os direitos do consumidor, do trabalho e até mesmo dentro da esfera empresarial. É justamente este um
dos objetivos primordiais deste trabalho: fazer com que você conheça o direito objetivo e possa exercer
o direito subjetivo.

1.4 Direito e moral

É importante que você consiga diferenciar o direito da moral. Consolidamos no quadro a seguir
as principais diferenças entre ambos. Verifique com atenção as características que distinguem esses
dois conceitos:

21
Unidade I

Quadro 3 – Comparação entre direito e moral

Direito Moral
Na sociedade: as regras jurídicas visam facilitar o convívio No indivíduo: as regras morais visam
Campo de atuação social, buscam prevenir e solucionar os conflitos o melhoramento do indivíduo
Orientar as condutas para consolidar valores sociais, sendo Buscar o bem‑estar social, através do
Objetivos a Justiça o maior deles aperfeiçoamento dos indivíduos
– Privativa de liberdade – No íntimo da pessoa: remorso, dor
Sanção de consciência e arrependimento
– Restritiva de direito
(penalidade) – Na sociedade: censura pública e
– Multa desprezo social
Quem aplica a O Estado – através do Poder Judiciário, que tem a função A consciência individual e/ou a
sanção de interpretar as leis e julgar (tribunal, juiz) sociedade
Obediência ao contrato firmado entre as partes (direito Cortesia, cavalheirismo, pontualidade,
Exemplos de civil). Condutas proibidas por lei (crimes previstos no assiduidade, respeito pelo próximo,
comportamentos direito penal). Pagamento de tributos (direito tributário). companheirismo, lealdade, devolver
exigidos Seguir as regras de trânsito etc. ao dono um objeto achado (mesmo
que muito valioso) etc.

Percebeu que o campo de atuação do direito é diferente daquele da moral?

Alguns autores classificam o direito como um subconjunto da moral. Não é absolutamente verdadeira
essa teoria, pois é fácil verificar que o direito não se limita a contemplar somente as regras puramente
morais. É certo que existem muitas normas jurídicas – na verdade, a maioria – que prosperam a partir
de conceitos morais estabelecidos pelos costumes.

Você quer um exemplo prático? O Código de Trânsito Brasileiro, Lei n. 9.503 (Brasil, 1997), visa tão
somente organizar o tráfego de pessoas e veículos. Esse é um exemplo de lei que não possui nenhuma
relação com a moral, porque é amoral (alheia à valoração moral).

Indo um pouco além, podemos trazer à baila a existência de algumas leis que, para determinado
grupo social, podem ser até consideradas como imorais e que, apesar de tutelarem fatos considerados
imorais por uma parte da sociedade, ainda assim são perfeitamente legais à luz do direito.

Podemos exemplificar, sem nenhuma conotação valorativa de nossa parte, a questão do divórcio
(previsto em lei) ou as previsões legais que autorizam o aborto. Alguns países legalizaram a prostituição
ou contam com a previsão legal da aplicação da pena de morte. Assim, nota-se que a esfera normativa
do direito é diferente da moral.

O conjunto de leis de um país (vale dizer, o seu direito) visa construir um ambiente social e de
negócios em que haja segurança nas relações entre as pessoas (naturais e jurídicas), que contribui para
a redução e prevenção dos conflitos irremediavelmente surgidos nas sociedades, cabendo ao Estado,
através do poder judiciário, em última instância, resolver os conflitos entre as pessoas. O Estado pode,
inclusive, estabelecer e impor penalidade a uma das partes, que será obrigada a aceitar, sob pena do
emprego da força; prerrogativa que nas sociedades desenvolvidas é algo exclusivo do Estado, o qual a
utiliza em circunstâncias muito específicas.

22
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

A moral, por sua vez, em sentido amplo, pode ser entendida como o conjunto de costumes, de
usos e de práticas, portanto, de padrões de conduta estabelecidos num determinado tempo por um
determinado grupo social. Dessa forma, podemos dizer que a norma moral fixa quais condutas as pessoas,
inseridas numa determinada sociedade, devem seguir na busca do seu aperfeiçoamento individual.
É correto afirmar, assim, que as normas morais buscam desenvolver o ser humano em sua individualidade,
contribuindo para a harmonia social e a melhoria da sociedade como um todo.

Nesse instante, é preciso pensar a respeito de alguns aspectos: qual a consequência que uma
pessoa enfrenta quando deliberadamente não segue os padrões morais definidos pelo seu grupo social,
ou até mesmo religioso? Você já percebeu que ninguém é processado na justiça por descumprir um
mandamento moral, como estar sempre atrasado, ser descortês ou desrespeitoso com as pessoas mais
velhas, embriagar-se costumeiramente (abusando do álcool, cujo consumo é legalizado) ou até mesmo
praticar atos considerados obscenos em público (só para mencionar alguns exemplos bem corriqueiros)?
É evidente que esses comportamentos são reprováveis pela nossa sociedade; entretanto, a pessoa
experimentará no máximo a reprovação social e até, em alguns casos, o desprezo de seus amigos,
familiares ou confrades, dependendo da gravidade da conduta para aquele grupo social.

Na esfera íntima, o indivíduo poderá experimentar o sentimento de remorso e tristeza ao aceitar


a sua culpabilidade, conforme o julgamento da sua própria consciência. Não há nenhuma força capaz
de demover as pessoas desses comportamentos, considerados reprováveis, que não a sua própria
consciência, que as induz a reformular a sua conduta diante dos valores prezados pelo seu grupo social.
Direito e moral, apesar de diferentes, complementam-se na construção do convívio social, sendo certo
que a violação das normas jurídicas fixadas trará consequências externas ao indivíduo, que, inclusive,
poderá ser considerado culpado pela justiça e obrigado a cumprir uma determinada pena.

Ao contrário disso, verificamos que a não obediência às normas morais trará consequências íntimas
(internas) ao indivíduo, ou seja, é no campo de sua consciência pessoal que o remorso ou a reprovação
social lhe trará desconforto. É importante destacar que não devemos minimizar a dor que o remorso e
a censura social ou religiosa podem trazer para uma pessoa.

Para finalizar os estudos sobre moral e vontade normativa, convém trazer as lições de Dromi (2007), para
quem o bem-estar da coletividade é o parâmetro de justiça que fundamenta o Estado e o ordenamento
jurídico. Como já mencionamos, a justiça é um fim da sociedade política. A felicidade social está no bem
comum. A justiça é a realização precisa do bem comum objetivo e é a meta do direito.

2 CLASSIFICAÇÕES DO DIREITO

O verbo “classificar” significa distribuir em classes e nos respectivos grupos de acordo com um sistema
ou método de organização. Assim, classificar o direito representa agrupar, de maneira organizada e
conforme as suas similaridades, os ramos da ciência jurídica.

2.1 Ramos do direito

Neste tópico, apresentaremos a distinção didático-pedagógica entre os principais ramos do direito,


direito público e direito privado, para já se observar a distinção preliminar entre matéria livremente

23
Unidade I

disponível (facultas agendi) e matéria de direito público indisponível cogente. Também iremos ponderar
o caráter desses polos dicotômicos meramente didático-pedagógicos, uma vez que as situações
individualizadas no tempo e no espaço podem implicar derrogações parciais da autonomia privada
pelas normas de ordem pública prevalentes ou cogentes.

Figura 3

Disponível em: https://ury1.com/ke5Ff. Acesso em: 1º set. 2023.

Vamos realizar uma breve ponderação para situar o direito privado, que compreende, entre outros
ramos, o direito civil, no qual se situa o direito de empresa, além do direito do consumidor e do direito
comercial. Veremos, ainda, a notícia histórica de que, no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988,
o direito privado se constitucionalizou, importando o advento do Código Civil (Brasil, 2002a), com sua
matéria de direito de empresa e com a derrogação parcial do antigo Código Comercial.

Para que possamos compreender o conceito de responsabilidade civil, de reparação de danos e de


contratos, todas essas matérias serão relacionadas ao exercício da autonomia da vontade privada ante as
normas livremente dispositivas (facultas agendi) e as normas cogentes de ordem pública indisponíveis.

É necessário discernir a categoria da norma: o proibido, o facultado e o obrigatório (no consagrado


modelo didático-pedagógico enunciado por Hans Kelsen). E, assim, discernir direito potestativo, isto é,
direito oponível, que legitima, inclusive, o exercício de direito de ação para que o Estado lance mão do
monopólio da coerção legitimada para observância compulsória do direito potestativo de seu respectivo
titular. Para todo esse desígnio do presente tópico, precisamos discernir vontade em relação a interesse e
compreender o conceito de vontade manifestamente declarada e de ato jurídico, bem como de contrato.

Como você percebeu, em primeiro plano, podemos dividir o direito brasileiro em dois grandes
ramos: direito privado e direito público. Entender essas grandes divisões não é tão difícil. Existem vários
assuntos e temas que são de interesse somente das pessoas envolvidas numa determinada transação ou
num determinado negócio.
24
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Exemplo de aplicação

Imagine uma situação na qual alguém resolve alugar um carro em uma locadora de veículos durante
uma viagem. Haverá direitos e obrigações para ambos os lados desse negócio, que certamente serão
regidos por um contrato de locação de veículo entre as partes, registrando-se tudo: condições gerais,
preço, data de devolução do veículo, seguro do veículo etc.

Assim, é fácil compreender que esse exemplo está na esfera do direito privado, pois o contrato
somente interessa aos particulares, que são as partes envolvidas: a pessoa que está alugando o carro e
a locadora de veículos.

Quando se fala de direito público, o assunto é outro, porque passamos para a esfera pública, ou seja,
trata‑se de situações nas quais os direitos e as obrigações envolvem os interesses da sociedade como um todo.

Para entender, imagine a obrigatoriedade dos pagamentos dos tributos que recaem sobre todos
os cidadãos e empresas. Pode-se dizer que as normas jurídicas que regem a criação e a cobrança dos
tributos são de ordem pública, vale dizer, alcançam todos sem distinção, pois é através do recolhimento
dos tributos que o Estado se mantém e obtém os recursos necessários para os investimentos nos programas
estatais, incluindo saúde, segurança, educação e infraestrutura. Assim, compreende-se o caráter público
desse ramo do direito, denominado direito tributário, que interessa indistintamente a todos os cidadãos.

É correto dizer que o direito positivo é o conjunto de normas jurídicas e que se divide em vários
ramos; por exemplo, direito constitucional, direito civil, direito do consumidor, direito trabalhista, direito
constitucional e direito tributário.

Para ter uma visão geral dos ramos do direito, apresentamos a figura a seguir, que resume os
principais ramos do direito privado e do direito público.
Direito civil
Direito comercial
Direito do trabalho
Direito privado Direito previdenciário
Interno Direito do consumidor
(interesses das pessoas) Direito ambiental
....

Direito constitucional
Direito administrativo
Direito tributário
Direito processual
Interno Direito eleitoral Civil
Direito militar Penal
Direito público ....
(interesses da sociedade)

Externo Direito internacional público

Figura 4 – Principais ramos do direito privado e do direito público

Examinando a figura anterior, percebe-se com facilidade que os ramos relacionados no grupo de direito
privado são todos aqueles que tratam das relações entre as pessoas, incluindo as pessoas naturais (pessoas
25
Unidade I

físicas) e as pessoas jurídicas (empresas). O melhor exemplo deles é o direito civil, que podemos de forma
simples e objetiva definir como o ramo do direito que se ocupa do conjunto de normas que regulam as
relações de ordem privadas, aquelas que envolvem os direitos e as obrigações das pessoas e dos seus bens.

É possível notar que os ramos elencados no grupo de direito público tratam dos regramentos
importantes para o Estado, portanto, para a sociedade como um todo. Um bom exemplo disso é o direito
eleitoral, o que engloba e sistematiza as regras que se destinam a assegurar a organização e o exercício
de direitos políticos, principalmente os direitos de votar e ser votado, conforme fixa o artigo 1º do Código
Eleitoral Brasileiro (Brasil, 1965).

2.2 Fontes do direito

Entender a fonte de alguma coisa significa entender sua origem, ou seja, como e onde nasceu. Nesse
momento, interessa-nos compreender como o direito é criado e como é aplicado. Resumindo, queremos
que você entenda como as normas jurídicas são produzidas e quais são os principais critérios para a sua
interpretação e aplicação.

Existem vários significados e teorias acerca das fontes do direito. Entretanto, para ser mais objetivo,
recorre-se à interpretação mais aceita entre diversos autores, que avaliam que as fontes do direito são
de duas naturezas: fontes materiais do direito, que resultam da dinâmica das forças encontradas na
vida em sociedade; e fontes formais do direito, que são as maneiras como essas forças se manifestam
no nosso cotidiano.

Entretanto, pode ser o caso de essas fontes primárias não produzirem um número suficiente de normas
para regular, em toda a complexidade, as relações humanas. Disso decorrem lacunas, ou seja, surgem situações
que exigem uma regulação, mas que não encontram solução a partir das normas das fontes diretas.

Ainda que não pacificada a matéria, podemos dividir as fontes do direito em fontes diretas e indiretas.
As fontes diretas são aquelas de onde o direito nasce em seu estado primeiro, isto é, de onde se extrai a
norma jurídica a partir de uma interpretação direta da fonte.

São fontes diretas do direito as leis (em sentido amplo), os tratados internacionais e os contratos.
Quando faço a leitura da lei e a interpreto, tenho como resultado dessa interpretação uma norma
jurídica que deve ser seguida. O mesmo se pode dizer acerca dos tratados, quando das relações entre
países diversos, e do contrato, quando da relação entre particulares.

Nesse caso, faz-se necessário apelar para outras fontes, indiretas, que possam produzir normas
capazes de completar as lacunas. São elas: os costumes, os princípios, a doutrina e a jurisprudência.
Pode-se, por exemplo, deduzir uma norma de um costume dado em uma sociedade.

Suponhamos que no interior de um estado brasileiro seja corrente o uso de contratos verbais na
negociação de animais, e que, pelo tamanho da cidade, muitas sejam as pessoas que testemunham
esses contratos. Imaginemos que um contratante ingresse na justiça para que seu contrato de compra e
venda seja honrado. O juiz, em vez de dar o contrato por inexistente, uma vez que verbal, poderá, pelo
costume, aceitar esse tipo de contrato.

26
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Os princípios são normas extremamente genéricas que geralmente são extraídas de uma leitura
sistemática da lei. Também elas podem servir de fonte normativa. Um exemplo disso é o caso em que há
dúvidas quanto aos fatos arguidos em ação penal. Ora, na dúvida, o juiz deverá decidir pela absolvição do
réu. Essa norma não emana de uma lei em específico, mas de um princípio construído a partir da leitura
sistemática da Constituição – em razão, por exemplo, da presunção de inocência e do devido processo legal.

A doutrina e a jurisprudência também podem produzir normas quando indicam a extensão de


conceitos e de tipos legais a serem aplicados. O conceito de casa é dado pela doutrina, por exemplo, e a
ele se vinculam os operadores do direito. O tratamento que a jurisprudência dá a uma matéria tende
a ser reiterado também, muito em função da segurança jurídica.

Observe que essas fontes são indiretas porque a qualquer momento podem ser modificadas ou
desmentidas por lei, ou melhor, pelas fontes diretas. A lei é soberana dentro de um Estado e, nesse
sentido, sempre valerá como fonte do direito, ainda que conflite com a doutrina, com a jurisprudência e,
em alguma medida, com os princípios e os costumes. Dizemos “em alguma medida” justamente porque,
a nosso ver, alguns costumes, ainda que contra a lei, se mantêm, sob pena de ser injusta a aplicação da
lei. Nesse caso, pode-se dizer que a lei cai em desuso.

Também alguns princípios têm valor para além das leis, geralmente princípios constitucionais, os
quais podem e devem ser especificados pelo legislador, mas não podem por este ser afrontados. É o
caso do princípio constitucional da legalidade. Pode o legislador legislar acerca de conteúdo antes não
legislado, tornando punível o que antes era permitido; o que não pode é legislar no sentido de permitir
que seja considerado ilícito aquilo que ainda não tenha sido assim declarado por lei.

2.2.1 Fontes materiais

O direito deve obrigatoriamente refletir os anseios de determinada sociedade; caso contrário, não
será representativo para aquelas pessoas. Nesse sentido, é valiosa a lição de Martins (2018, p. 34):

Fontes materiais são o complexo de fatores que ocasionam o surgimento


de normas, envolvendo fatos e valores. São analisados fatores sociais,
psicológicos, econômicos, históricos etc. São fatores reais que irão influenciar
na criação da norma jurídica.

Somente nos regimes autoritários, como nas ditaduras, a lei é imposta pela força, pois busca legitimar
um poder que não emana da vontade popular. Já nas sociedades democráticas, como na brasileira, a
incumbência de elaborar as leis é dos representantes legislativos eleitos diretamente pelo povo para esse
fim, que devem entender e fazer refletir nas leis os valores que são importantes para a sociedade ou,
pelo menos, para alguns segmentos dela.

Você já deve ter lido ou ouvido a notícia em algum meio de comunicação de que hoje, no Brasil, a
sociedade discute temas importantes que precisam ser retratados através de novas leis ou modificações
das leis já existentes. Podemos exemplificar: em relação à maioridade penal (idade a partir da qual
uma pessoa pode ser responsabilizada penalmente), que hoje é de 18 anos, uma parcela da sociedade
brasileira defende que seja reduzida para 16 anos. Como fazer para mudar?

27
Unidade I

O poder legislativo é um dos três poderes do Estado, cuja função é legislar, ou seja, criar as leis que
regulam o Estado. Mais adiante, será acentuado com detalhes como se dá o processo de elaboração das
leis. É essencial entender que o poder legislativo é a principal via pela qual as leis são criadas e, portanto,
a principal fonte do direito material.

É bem verdade que o poder judiciário tem um papel vital, pois suas decisões – chamadas de
jurisprudência – também se constituem numa valiosa fonte material de direito. Através da jurisprudência,
que pode ser resumida de forma simples como o conjunto de decisões e interpretações feitas pelos
tribunais dos textos legais, vale dizer, das leis, forma-se o entendimento do sentido das normas jurídicas
em relação às situações de fato.

Quando se trata das fontes formais do direito, o foco são as formas de criação do direito. Depois,
entende-se as maneiras como esse direito se manifesta e os mecanismos para sua aplicação. É o que
Campos (2018, p. 20) denomina “formas de expressão do direito” ou, também, “modos de manifestação
da vontade social na expressão do direito”.

Na figura a seguir, destacam-se as fontes do direito, com a indicação de sua origem e um brevíssimo
resumo explicativo.

Fontes
formais do
Direito

(vii)
(i) (ii) (iii) (iv) (v) (vi) Princípios
Leis Doutrina Jurisprudência Contratos Analogia Costumes gerais de
direito
Poder As Fontes
Juristas Tribunais partes subsidiárias do direito em caso de
Legislativo e juízes (particulares) omissões na lei

São as grandes ideias que sustentam o


São as normas jurídicas produzidas pelo

Direito, ou seja, dão base, coerência e


Funcionam como leis entre as partes,
Estado, através do Poder Legislativo

prevista para outra situação, porém


publicados para auxiliar a criação e

desde que dentro dos limites legais


pois foram pactuadas livremente,
seus juízes através de reiteradas
entendimento pelos tribunais e

Quando se aplica para um caso


São os resultados de estudos e
(Federal, Estadual e Municipal)

pesquisas dos juristas, que são

concreto outra norma jurídica


interceptações acerca de uma

São certas situações, hábitos,

praticados pelo grupo social


comportamentos, práticas e
É o estabelecimento de um

coesão ao Direito Positivo


exercícios reiteradamente
interpretação das leis

determinada matéria

semelhante àquela

Figura 5 – Fontes do direito

Prosseguindo a análise, vamos detalhar as fontes do direito apresentadas para que você possa fixar
melhor esse conteúdo.

As leis, que são as normas jurídicas produzidas pelo Estado, são a principal fonte do direito, sem
nenhuma dúvida.

28
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Vejamos as características das leis:

• Abstração: dizemos que as leis são abstratas, ou seja, são geradoras de efeitos para o futuro.

• Generalidade: as leis são dirigidas a todos e apresentam as consequências jurídicas relacionadas


aos fatos por elas retratados de modo geral, ao contrário de uma sentença, que vincula as partes
de forma objetiva e particular.

• Estatalidade: significa dizer que as leis são elaboradas pelos órgãos do Estado e diferenciam-se
dos costumes com fonte material do direito, posto que estes são forjados dentro da sociedade, ou
seja, estão fora da órbita normativa do Estado.

• Escrita: as leis são escritas e publicadas com a presunção de que serão conhecidas por todos os
cidadãos. Também aqui temos uma diferença em relação aos costumes.

• Novidade: as leis criam sempre direitos novos, mesmo nas hipóteses em que modificam direitos
já existentes.

Quanto à doutrina, destaca-se o seguinte: os juristas são estudiosos do direito que colaboram com
seus estudos e pesquisas na definição e criação dos conceitos jurídicos, construção de teorias jurídicas
e estruturação dos institutos jurídicos. Os resultados dos seus estudos são publicados e recebem a
denominação de doutrina. A doutrina é, portanto, o conjunto do conhecimento criado, formulado e
organizado pelos juristas e que serve como fonte do direito para intepretação das leis.

Um jurista é um intérprete da lei, também conhecido como jurisconsulto, jurisperito e, ainda, jurisprudente.
Atribui-se a origem desses termos ao sistema jurídico romano, que por volta do século IV a.C., ao tornar
públicas as normas, teve a necessidade de interpretá-las. A função do jurista era estudar a lei e responder às
consultas públicas, solucionando os casos que lhe eram apresentados.

Saiba mais
Um importante jurista brasileiro foi Augusto Teixeira de Freitas, cujos
estudos tornaram-se veículo de expansão e consolidação do direito romano
em regiões sul-americanas. Sua obra ultrapassou os limites de nosso país,
repercutindo em outras nações e servindo a outros povos.

Quer saber mais sobre a obra de Teixeira de Freitas e a sua importância


no ordenamento jurídico brasileiro? Leia o artigo de Silvio Meira:

MEIRA, S. O jurisconsulto Augusto Teixeira de Freitas em face do direito


universal. Revista de Ciência Política, v. 31, n. 4, p. 1-10, 1988. Disponível
em: https://cutt.ly/Ewk1tFOu. Acesso em: 22 jan. 2020.

29
Unidade I

A sistematização e a categorização feitas pela doutrina, isto é, pelos juristas, dão origem ao
agrupamento de todos os conceitos, institutos e teorias em forma de disciplinas jurídicas ou ramos
de direito.

A jurisprudência é o estabelecimento de um entendimento pelos tribunais e seus juízes através de


reiteradas interpretações acerca de uma determinada matéria. Dizendo de forma simples: passa a ser
obrigatório reconhecer que o mesmo entendimento será produzido para uma nova causa na justiça que
aborde a mesma matéria em juízo, porque já foi várias vezes analisada para a mesma situação em outros
processos e decidida da mesma maneira.

Vale acentuar um exemplo: é uma exigência do Código Nacional de Trânsito (Brasil, 1997) que os
motoristas guardem uma distância segura do veículo da frente. Ocorrendo uma colisão na traseira de
um carro, na maioria dos casos, salvo raríssimas exceções, a culpa é do motorista que bateu na traseira.
Portanto, podemos dizer que a jurisprudência – o entendimento reiterado dos tribunais nas inúmeras
causas que chegam até o judiciário no qual os motoristas do carro da frente pedem indenização – é de
que a culpa realmente é do motorista de trás.

Os contratos são as leis entre as partes. Portanto, estando os contratos dentro dos limites fixados
pela lei, constituem-se num conjunto de direito e obrigações a serem exigidos dos contratantes, haja
vista que tais condições, inclusive as cláusulas que estipularam multas pelo inadimplemento de certas
cláusulas, foram pactuadas livremente. Nada mais justo que tenham força de lei, entre as partes,
tornando-se por isso legítimas fontes do direito.

A analogia é outro termo que deve ser acentuado, pois nem todas as situações estão previstas na lei.
É impossível que os legisladores prevejam todos os casos que possam ocorrer na sociedade e registrem
tudo em leis absolutas. Se você concorda com essa afirmação, entende que existem situações que
precisam ser julgadas e que não há na lei a previsão daquela hipótese.

Você deve estar se perguntando: e quando não há previsão na lei, como é que o juiz decide? Bem,
estamos diante de uma lacuna na lei, quando o juiz está autorizado pelo artigo 4º da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) a utilizar a analogia como uma das possibilidades para superar a
omissão da lei. Veja a seguir o texto legal em questão: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o
caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (Brasil, 1942).

O juiz aplicará ao caso concreto que estiver julgando uma outra norma jurídica prevista para outra
situação, porém semelhante, análoga àquela que se apresenta esquecida ou omitida pela legislação.
O emprego da analogia no direito é bastante fácil de ser entendido. Observe o exemplo dado pelo
professor Damásio de Jesus (1998, p. 4, apud Carride, 2004, p. 160):

A analogia consiste em aplicar uma hipótese não prevista em lei a disposição


relativa a um caso semelhante. O legislador, por meio da lei A, regulou o
fato B. O julgador precisa decidir o fato C. Procura e não encontra no direito
positivo uma lei adequada a este fato. Percebe, porém, que há pontos de
semelhança entre o fato B (regulado) e o fato C (não regulado). Então, por
analogia, aplica ao fato C a lei A.
30
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Assim, nota-se que, quando um julgador emprega a analogia, ele está fazendo uma análise por
semelhança, o que ficou bem claro com o exemplo anterior. Entretanto, existem restrições para o
emprego da analogia no direito penal. Admite-se empregá-la desde que seja para beneficiar o acusado;
não existe analogia de norma penal incriminadora, ou seja, nunca para agravar a pena do acusado.

Os costumes surgem da vontade social exteriorizada pela prática reiterada (repetidas vezes) de
certas situações, hábitos, comportamentos, práticas e exercícios. Tenha em mente que os costumes não
são mais importantes que a lei, pois, caso surja um conflito entre uma lei e um costume, é certo que
prevalecerá a lei.

Para que você possa avaliar melhor esse ponto, daremos dois exemplos de previsões legais
que incluem os costumes como fonte do direito: uma no Código Civil e outra no Código de
Defesa do Consumidor:

No Código Civil, em seu artigo 1.638, estão previstas as hipóteses em que o pai ou a mãe poderá
perder o poder de família, que é a capacidade atribuída aos pais de gerir a vida e os bens dos filhos
menores. Veja pelo texto da lei transcrito a seguir que no inciso III existe a previsão para os casos de
violação dos bons costumes:

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente;

V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção (Brasil,


2002a, grifo nosso).

No artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor, excerto a seguir, faz-se explicitamente a menção


dos costumes como forma de direito.

Art. 7º Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes


de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da
legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades
administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios
gerais do direito, analogia, costumes e equidade (Brasil, 1990b).

Pela leitura do artigo 7º, observa-se que a própria lei autoriza a utilização dos costumes sociais como
uma fonte do direito para além das condições previstas no próprio Código de Defesa do Consumidor.

31
Unidade I

Assim, a lei está informando textualmente que as práticas, os hábitos e as condutas costumeiras da
sociedade também estão protegidos por essa lei, apesar de não estarem escritos em lugar algum.

Por fim, é preciso ilustrar os princípios gerais de direito, que são as grandes ideias que sustentam o
direito, ou seja, que dão base, coerência e coesão ao direito positivo, apoiados pelo ideário de justiça,
de igualdade, de liberdade, de dignidade, da democracia etc. Portanto, são conceitos fundamentais e de
caráter geral que se ramificam para todas as áreas do direito.

2.3 A lei

O conceito de lei é uma norma escrita elaborada por órgão competente, com forma estabelecida,
pela qual as regras jurídicas são criadas, modificadas ou extintas. Há uma organização para compreender
melhor os seus aspectos e as suas diretrizes.

Observação

Você sabia que na França é crime desdenhar da experiência histórica?


Trata-se do conceito de lei memorial (Loi mémorielle), que, na França,
presta‑se a fazer uma declaração histórica de qualificação jurídica de
determinado fato relevante. Devido à reprobabilidade da conduta e à
importância de reconhecer esses crimes para as futuras gerações é que
a lei memorial se faz presente. O objetivo é fazer uma reflexão sobre os
acontecimentos históricos, como o genocídio e a escravatura, para que
esses crimes contra a humanidade jamais voltem a ocorrer.

No Brasil, há uma lei geral que organiza e sistematiza o direito brasileiro. Trata-se da LINDB,
que é a Lei n. 12.376 (Brasil, 2010). Contudo, nem sempre houve uma lei específica para organizar
e sistematizar o direito; era a antiga Lei de Introdução ao Código Civil de 1916 que se aplicava a
todas as leis.

Ocorre que o Código Civil de 1916 foi substituído pelo Código Civil de 2002, e, com a revogação
do Código, foi necessário elaborar uma nova norma de orientação legal. Assim nasceu a LINDB,
que engloba normas aplicáveis não só ao campo civil, mas ao direito privado e ao direito público,
além de inovar em vários campos da aplicação do direito, como o princípio da lei domiciliar como
reguladora da capacidade civil, dos direitos de família, da relação entre os cônjuges e da sucessão
legítima ou testamentária.

2.3.1 Elementos e hierarquia da legislação

Para Kelsen (1998), o ordenamento jurídico forma uma verdadeira unidade, que tem sua validez
na constituição estatal. A figura a seguir mostra uma visão geral de todas as normas que compõem o
ordenamento jurídico brasileiro.

32
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Constituição
Federal e suas
emendas

Leis Força da lei


Exemplos:
leis complementares;
leis ordinárias
(federais, estaduais, municipais etc.)

Medidas provisórias

Decretos

Figura 6 – Hierarquia das leis: modelo simplificado

De forma geral, as leis não têm a mesma força, pois, apesar de formarem um todo coeso, coerente e
harmonioso, algumas são mais importantes que outras, como é o caso da CF.

É certo afirmar que a CF é a lei mais importante do Brasil. Ela estabelece todos os princípios e
mecanismos necessários para a organização e o funcionamento do Estado brasileiro. A CF é a principal
lei do país, e todas as demais leis devem estar em conformidade com todas as suas disposições; caso
contrário, essa lei será considerada inconstitucional.

É comum observar no noticiário que será julgada no Supremo Tribunal Federal (STF) a
constitucionalidade de uma lei. Portanto, quando a sociedade tem dúvidas se uma determinada lei ou
parte dela está ou não obedecendo à Constituição, cabe ao STF decidir essa questão. O STF é, portanto, o
único órgão do poder judiciário com poderes para declarar a lei ou um dos seus dispositivos constitucional
ou inconstitucional, isto é, se está em conformidade ou inconformidade com a CF, respectivamente.

Observação

A Constituição diz que compete ao STF, precipuamente, a guarda da


Constituição. Assim, o STF ganhou o apelido de guardião da Constituição.

2.3.2 Vigência, cessação da obrigatoriedade, retroatividade

O significado da palavra “vigência” é derivado do latim, vigens, de vigere (estar em voga, vigorar), e é
empregado no mesmo sentido de vigor, força, eficácia. A vigência revela a qualidade ou o estado do que
33
Unidade I

está em vigor, que permanece efetivo, exerce toda a sua força. A vigência da lei é a que ainda se mantém
em voga, para ser efetivamente aplicada aos casos sob seu regime (Silva, 2003).

Com essas definições em mente, podemos dizer que, juridicamente, a vigência de uma lei é o período
de tempo de sua validade; de outra forma, o período de tempo que produz efeitos, que tem eficácia.
Geralmente, a lei traz no seu próprio texto a data estabelecida para que comece a valer, que pode ser na
data da sua publicação ou outra data qualquer futura.

É a preciosa lição do saudoso professor Caio Mário da Silva Pereira, que explica essas duas hipóteses:

A fixação do início da vigência de uma lei deve ser buscada primeiramente


nela própria, quando em disposição especial o estipula: ora estatui que
entra em vigor na sua mesma data de publicação, caso em que não ocorre
qualquer tempo intermédio, produzindo seus efeitos no mesmo dia em que é
estampada no Diário Oficial, e a partir de então sujeitando todos os indivíduos
ao seu império; ora estabelece uma data especialmente designada como
momento inicial da sua eficácia, caso em que não há cogitar de nenhuma
regra abstrata ou teórica, senão de aguardar a chegada do dies a quo.
A escolha de uma ou de outra determinação é puramente arbitrária para
o legislador, que se deixa naturalmente levar por motivos de conveniência.
Faz coincidir a data da publicação e a entrada em vigor quando entende
desaconselhável ao interesse público a existência de um tempo de espera.
Ao contrário, estipula uma data precisa, e mais remota, para aquelas leis que,
pela importância, pela alteração sobre o direito anterior, pela necessidade de
maior estudo e mais ampla divulgação, reclamam se estenda no tempo a
data de início da eficácia [...] (Pereira, 1976, p. 110-111).

Nessa segunda hipótese, quando o texto da própria lei estabelece uma data futura à sua publicação
para começar a valer, haverá um lapso temporal entre a data de publicação e a data de início da vigência
da lei. Esse período é chamado de vacância da lei.

Observação

Vacatio legis é a expressão em latim usada no mundo jurídico para dizer


que a lei ainda não está em vigor, ou seja, está vaga.

Caso o texto da lei não traga nenhuma previsão sobre sua vigência, ou seja, o prazo para sua entrada
em vigor, aplica-se a previsão do artigo 1º da LINDB, que diz textualmente: “Salvo disposição contrária,
a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada”
(Brasil, 1942). Concluímos facilmente que, não havendo previsão expressa no texto da lei, ela passará a
valer decorridos 45 dias da sua publicação. É fundamental entender quando uma lei entra em vigência.
O quadro a seguir resume o que foi tratado.

34
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Quadro 4 – Vigência da lei no tempo

O que diz o texto da lei? Data da vigência da lei Observação


Quando o texto da lei especifica A publicação deve ser oficial, ou
Vigência imediata na data da sua
que entrará em vigor na data de sua seja, no Diário Oficial. Não bastam
publicação
publicação notícias nos meios de comunicação
O período de tempo entre a data
Na data ou decorrido o prazo
Quando o texto da lei estabelece da publicação da lei e a sua efetiva
estabelecido para sua vigência após
uma data futura à sua publicação entrada em vigor é denominado
a data da sua publicação vacância da lei (vacatio legis)
Quando o texto da lei se omite e não Conforme previsão do artigo 1º da
45 dias após a data da publicação
traz nenhuma disposição acerca da Lei de Introdução às Normas do
no Diário Oficial
sua vigência Direito Brasileiro (LINDB)

Exemplo de aplicação

Pense em uma lei que proíba o comércio de cigarros em um raio de um quilômetro de qualquer
escola. Estando válida, a lei estará vigente tão logo possa produzir efeitos. Pode ser que o próprio
legislador indique o tempo necessário para que a lei entre em vigência ou pode ser que se siga a regra
geral de 45 dias a partir de sua promulgação (conforme art. 1º da LINDB).

De qualquer modo, imaginando que o legislador faça a lei vigorar a partir de sua publicação, então
estará apta a produzir efeitos. Entretanto, já há muitos anos no Brasil ninguém comercializa cigarros
perto da escola. Nesse caso, a lei continuará vigente, mas não produzirá efeitos – apenas estará apta a
produzi-los. Se for o caso de amanhã alguém tentar vender cigarros em um raio inferior a um quilômetro
de uma escola, deverá lhe ser aplicada sanção prevista nessa suposta lei.

Cessa a obrigatoriedade da lei, ou seja, cessa sua vigência, quando revogada implícita ou
explicitamente por outra lei. Pode se dar, portanto, duas hipóteses: ou uma lei posterior contradiz uma
anterior, revogando-a implicitamente, ou uma lei revoga expressamente outra lei, fazendo menção a
ela. É o caso do Código Civil de 2002, que em seu corpo revoga as disposições do Código Civil de 1916.

A regra acerca da temporalidade das leis é a de irretroatividade. Assim, uma lei vigente a partir de
hoje não estende seus efeitos ao passado para atingir fatos ocorridos anteriormente à sua vigência;
exceção feita à lei penal, quando em benefício do réu (conforme art. 5º, inciso XL, da Constituição
Federal de 1988).

A irretroatividade da lei decorre da necessidade de segurança jurídica, sob pena de todas as condutas
humanas estarem sujeitas ao arbítrio do legislador. Se a lei retroagisse, seria o caso de se anular, invalidar
ou desconstituir todo e qualquer ato anterior à nova lei que com ela conflitasse. Para evitar a produção
dessa teratologia jurídica, optou-se por tornar irretroativa a lei.

De uma forma simples, pode-se concluir que a vigência de uma lei é o seu prazo de validade, que
se inicia na data da sua publicação, ou decorrido o prazo de vacância da lei, quando houver, e passa a
vigorar por tempo indeterminado, até que em data futura desconhecida seja revogada por outra lei, que
passa a vigorar em seu lugar; nessa data, terá chegado ao fim a sua validade e eficácia.

35
Unidade I

2.3.3 Processo legislativo

O processo legislativo brasileiro está contemplado dentro da CF, iniciando no art. 59 e terminando
no art. 69. Como você já sabe, existem diversas espécies de lei, e cada uma tem sua função no direito,
sendo utilizada para regulamentar as condutas de grupos de pessoas.

O nosso processo legislativo compreende a elaboração das seguintes espécies normativas:

• Emendas à Constituição.

• Leis complementares.

• Leis ordinárias.

• Leis delegadas.

• Medidas provisórias.

• Decretos legislativos.

• Resoluções.

Você pode estar se perguntando: e o decreto-lei? Em resposta, é importante informar que atualmente
o nosso ordenamento jurídico não permite mais a criação dos chamados decretos-leis. Os que existem
hoje são os decretos-leis que já existiam e que não afrontam de nenhum modo a CF. Essa situação se
refere ao processo de recepção das normas. Diz-se que a legislação foi recepcionada pela CF, ou seja,
não a afronta.

Observação

As únicas espécies normativas que dependem de sanção presidencial


são a lei ordinária e a lei complementar. As demais dispensam sanção
presidencial para começar a vigorar.

Emenda constitucional

As legislações devem refletir a sociedade na qual elas estão inseridas. Há, por óbvio, evolução na
sociedade, e, portanto, é necessário mudar as legislações, para adequá-las às necessidades sociais.
Assim, existem formas de mudar as legislações, e é essa a função da emenda constitucional. As emendas
à Constituição estão relacionadas ao poder constituinte derivado reformador, o qual está sujeito a uma
série de limites para preservar a segurança jurídica. Esses limites podem ser limites expressos, quando a
própria lei limita, ou limites implícitos, ou seja, que dependem de interpretação.

36
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Observe a figura a seguir:

Iniciativa

Formais Quórum

Promulgação

Intervenção
Expressos federal

Implícitos Circunstâncias Estado de defesa

Materiais - Estado de sítio


cláusulas pétreas

Figura 7

Os limites expressos para a criação de uma emenda constitucional são classificados em formais,
circunstanciais e materiais.

Vamos iniciar nossos estudos pelos limites formais, que se dividem em iniciativa, quórum e
promulgação.

A iniciativa é dada nos termos do art. 60, I, II e III da Constituição (BRASIL, 1988), que determina que
a Constituição poderá ser emendada mediante proposta dos seguintes membros:

• de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

• do presidente da República;

• de mais da metade das assembleias legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada
uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Depois de proposta a emenda constitucional, ela será discutida e votada em cada casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos
respectivos membros. Nessa fase de discussão e votação, é necessário que a maioria decida aprovar a
emenda constitucional. Ela exige aquilo que chamamos de maioria absoluta.

Maioria absoluta é o primeiro número inteiro acima da metade dos membros da casa legislativa, mas
se trata da metade dos membros; ou seja, mesmo quem não for, conta. Para ficar claro, temos como
exemplo a Câmara dos Deputados Federais, que tem 513 membros. Sua maioria absoluta será sempre de
257 votos, enquanto a maioria simples pode variar de acordo com os presentes.
37
Unidade I

A promulgação é o instrumento que declara a existência da lei e ordena sua execução. Emendas
constitucionais são promulgadas pelas mesas da Câmara e do Senado, em sessão solene do Congresso.
A promulgação das leis complementares e ordinárias é feita pelo presidente da República e ocorre
simultaneamente à sanção. Assim, a emenda à Constituição será promulgada pelas mesas da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem, e não pelo presidente.

Confira na figura a seguir o trâmite da emenda constitucional:

Apresentação da
PEC
Câmara dos Deputados (CD) Senado Federal (SF)

(1.1) (2.1)
Análise da Comissão de Análise da Comissão de
Constituição e Justiça Constituição e Justiça

(1.2)
Análise da Comissão Especial As PECs iniciadas e aprovadas na
e Temporária criada pela CCJ CD vão para a SF como Casa Revisora
As PECs iniciadas e aprovadas na SF
vão para a CD como Casa Revisora
(1.3) (2.2)
Discussão e votação no Discussão e votação no
Votação em

Votação em
Plenário Plenário
2 turnos

2 turnos
Não
Sim (3.1) Sim
(1.4) Passou pela Casa (2.3)
Aprovada? Revisora? Aprovada?
Não Sim Não
(1.5) (2.4)
PEC arquivada PEC arquivada
Sim Sim
Modificada pelo SF volta (3.2) Modificada pelo CD volta
para reanálise da CD Foi modificada? para reanálise da SF
Não

(3.3) Promulgação e
publicação da PEC

Figura 8 – Fluxograma de tramitação da PEC

A CF (Brasil, 1988), no art. 60, § 5º, determina que a matéria constante de proposta de emenda
rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
Mas você sabe o que é sessão legislativa?

Segundo o Glossário de termos legislativos (Senado Federal, 2018), a sessão legislativa ordinária
é o período de atividade normal do Congresso a cada ano, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de
agosto a 22 de dezembro. Cada quatro sessões legislativas, a contar do ano seguinte ao das eleições
parlamentares, compõem uma legislatura. Já a sessão legislativa extraordinária compreende o trabalho
38
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

realizado durante o recesso parlamentar, mediante convocação. Cada período de convocação constitui
uma sessão legislativa extraordinária.

Os limites expressos circunstanciais para a criação de uma emenda constitucional são situações em
que a CF torna-se imutável, ou seja, não pode ser alterada. As hipóteses em que a Constituição não
pode ser emendada são durante a vigência de excepcionalidades circunstanciais, que exige do governo
algumas medidas que busquem restabelecer ou garantir a continuidade da normalidade constitucional
que está ameaçada. As medidas são as seguintes:

• A intervenção federal representa uma situação de anormalidade, quando é permitida a suspensão


temporária da autonomia de um estado da Federação. Sendo um estado de exceção, a intervenção
federal só pode ser acionada em casos específicos e quando não houver outra medida capaz de
solucionar a questão.

• O estado de defesa busca, nos termos da Constituição, preservar ou prontamente restabelecer a


ordem pública ou a paz social. Nesse sentido, a Constituição prevê duas hipóteses de ameaça: a grave
e iminente instabilidade institucional ou calamidades de grandes proporções na natureza.

• O estado de sítio pode ser acionado em três hipóteses, com aplicações diferentes (Brasil, 1988):
comoção grave de repercussão nacional (inciso I, primeira parte); fatos que comprovem a ineficácia
de medida tomada durante o estado de defesa (inciso I, parte final); e declaração de estado de
guerra ou resposta à agressão armada estrangeira (inciso II).

São limites expressos materiais para a criação de uma emenda constitucional aquilo que chamamos
de cláusulas pétreas, que são:

• A forma federativa de Estado: o Brasil possui uma organização composta por diversas entidades
territoriais autônomas dotadas de governo próprio, que são os Estados.

• O voto direto, secreto, universal e periódico: chamado de sufrágio universal.

• A separação dos poderes: executivo, legislativo e judiciário, independentes e harmônicos entre si.

• Os direitos e as garantias individuais: são direitos garantidos, hoje, a todos os seres humanos,
enquanto indivíduos de direito, intimamente ligados às concepções de direitos humanos.

São limites implícitos aqueles que não podem ser alterados, ainda que não escritos expressamente
dentro da constituição; ou seja, decorrem da interpretação.

O exemplo é que não pode ser alterado o titular do poder constituinte, que é sempre o povo. Outro
limite implícito é que os limites expressos, ou explícitos, não podem ser modificados.

39
Unidade I

Leis complementares

Existem alguns assuntos que só podem ser tratadas por lei complementar. Por isso, alguns
doutrinadores entendem que há uma hierarquia entre as leis complementares e as leis ordinárias.
Contudo, não se trata propriamente de uma hierarquia, mas de uma reserva legislativa. Assim, cada
espécie normativa trata de um assunto.

Uma lei complementar serve como um complemento a uma norma constitucional que a exija e
também se presta a fixar a cooperação entre os entes federados, sendo eles União, Estados, Distrito
Federal e Municípios.

Um exemplo de lei complementar é o Código Tributário Nacional (CTN), que é a Lei n. 5.172 (Brasil,
1966). O CTN trata de diversos assuntos relativos ao direito tributário, o qual regula a arrecadação
tributária nacional, nos termos do art. 146 da CF (Brasil, 1988):

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a


União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,


especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos


impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas


sociedades cooperativas;

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as


microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive
regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no
art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da
contribuição a que se refere o art. 239.

Para que a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal vote leis complementares e leis ordinárias,
é necessária a presença da maioria absoluta dos membros no local onde o projeto de lei está sendo
votando. Quando a quantidade de membros presentes for verificada, é importante analisar a quantidade
de votos, pois as leis complementares necessitam de uma maioria absoluta de votos, enquanto as leis
ordinárias necessitam de uma maioria simples ou relativa de votos.
40
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Lembrete

Maioria simples é a metade da maioria dos presentes. Maioria absoluta


é a metade do quórum máximo.

A nossa constituição determina que, exceto alguma disposição constitucional em contrário, as


deliberações de cada casa e de suas comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria
absoluta de seus membros.

Leis ordinárias

A lei ordinária é uma espécie normativa mais comum e, por isso, leva o nome de ordinária. A lei
ordinária está prevista na CF, que, como você já sabe, edita normas de forma geral e abstrata.

A competência material, ou seja, do que tratam as leis ordinárias, é residual, pois podem elas dispor
sob qualquer matéria, com exceção das que estão reservadas às leis complementares e aos assuntos
internos do Congresso Nacional, que devem ser regulados por decretos e resoluções.

As leis ordinárias são consideradas atos normativos primários, ou seja, criam, modificam e extinguem
direitos, seguindo um processo legislativo e preceitos expressos diretamente na CF.

Segundo o STF, não existe hierarquia entre leis complementares e leis ordinárias; todas devem ser
obedecidas. No entanto, a reserva de matéria tem as seguintes consequências: uma lei materialmente
complementar não pode ser revogada por lei ordinária (considerando que esta não pode legislar sobre
aqueles assuntos), mas uma lei complementar sempre pode revogar uma lei ordinária.

Para que uma lei complementar seja aprovada, é necessário que a maioria absoluta, ou seja, mais da
metade dos membros do Congresso Nacional, seja favorável ao projeto.

O projeto de lei ordinária é o documento que inicia o processo legislativo para que uma lei ordinária
seja criada ou alterada. Processo legislativo é o conjunto de todas as fases que são necessárias para que
um projeto de lei seja aprovado, desde a proposta até a fase de votação.

Segundo o artigo 61 da CF (Brasil, 1988), a iniciativa das leis ordinárias cabe:

• a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados;

• a qualquer membro do Senado Federal ou do Congresso Nacional;

• ao presidente da República;

• ao STF;

41
Unidade I

• aos Tribunais Superiores;

• ao procurador-geral da República.

Ainda, existe uma hipótese diferente, que é a iniciativa para a elaboração de uma lei ordinária pelos
cidadãos através de ação popular. É o que chamamos de lei de inciativa popular. Para que essa iniciativa
seja considerada válida, é necessária a assinatura de, no mínimo, 1% do eleitorado do país, distribuído
pelo menos por cinco estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.

Leis delegadas

A lei delegada é uma lei equiparada à lei ordinária. A competência para a sua elaboração é do
presidente da República, desde que haja pedido e delegação expressa do Congresso Nacional.
A delegação é efetivada por resolução, na qual conste o conteúdo juntamente com os termos do
exercício dessa atribuição.

A lei delegada tem restrições e não pode ter como seu objeto, por exemplo, as seguintes matérias:
atos de competência exclusiva do Congresso Nacional; matéria reservada à lei complementar; legislação
sobre planos plurianuais; diretrizes orçamentárias e orçamentos, conforme os artigos 59, inciso IV, e 68,
ambos da CF.

Medidas provisórias

As medidas provisórias são uma espécie normativa privativa do presidente da República que possui
força de lei, devendo ser observados os pressupostos constitucionais de relevância e urgência, sob pena
de inconstitucionalidade. As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12, perderão eficácia,
desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do
§ 7º, uma vez por igual período.

O trâmite da medida provisória começa com a edição dela pelo presidente da República, que a
encaminha para a Câmara dos Deputados e, depois, ao Senado Federal. Assim, mesmo sem que o
poder legislativo analise a medida provisória, ela começa a vigorar com força de lei. Essa medida se
justifica em razão dos pressupostos de relevância e urgência e, se é urgente, deve ser cumprida de
imediato pelos cidadãos.

A diferença da medida provisória é que ela começa a valer assim que publicada. Depois, ela segue o
mesmo rito do processo legislativo, porque a ideia é que a medida provisória se converta em lei.

Lembrete

O STF é o órgão de cúpula do poder judiciário, e a ele compete,


precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102
da Constituição da República (Brasil, 1988).
42
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Talvez você se questione se o poder judiciário pode ou não decretar a inconstitucionalidade de uma
medida provisória. A resposta é que o poder judiciário somente poderá decretar a inconstitucionalidade
de uma medida provisória se ela descumprir os requisitos de relevância e urgência na sua edição.

Já sabemos que a lei começa a viger em 45 (quarenta e cinco) dias contados da sua publicação, caso
ela mesma não estipule prazo diferente. No caso da medida provisória é diferente, porque ela perde a
eficácia em 60 (sessenta) dias. Acontece que, muitas vezes, o Congresso Nacional não consegue apreciar
tudo nesse prazo. É por isso que o legislador determinou que esse prazo de 60 (sessenta) dias pode ser
prorrogado, uma única vez, por mais 60 (sessenta) dias. Assim, o prazo máximo da vigência de uma
medida provisória sem que haja apreciação do poder legislativo é de 120 (cento e vinte) dias.

Observação

O prazo das medidas provisórias fica suspenso durante os períodos de


recesso do Congresso Nacional.

Outra questão importante sobre a medida provisória é o que se chama de regime de urgência, o qual
ocorre quando se passam 45 (quarenta e cinco) dias da edição e publicação da medida provisória sem
que ela tenha sido objeto de votação. Então, todas as outras questões que deveriam ser apreciadas pelo
Congresso são paralisadas, e a medida provisória ultrapassa as outras pautas. No jargão legislativo, diz-se
que “trancou a pauta” para forçar que os parlamentares apreciem a medida provisória.

Suponha que a medida tenha sido apreciada pelo Congresso e ele não delibere pela conversão da
medida provisória em lei. O que acontece? Primeiramente, ela perde os seus efeitos normativos; depois,
ela não pode mais ser editada na mesma sessão legislativa. Isso ocorre porque a medida provisória é
uma excepcionalidade do poder executivo, cuja função é executar as leis decididas pelo legislativo, e,
portanto, essa excepcionalidade está sujeita a uma série de restrições materiais.

Confira a seguir as vedações materiais da medida provisória, ou seja, os assuntos que não podem ser
tratados em medida provisória (conforme o art. 62 da Constituição Federal de 1988):

• Nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral.

• Direito penal, processual penal e processual civil.

• Organização do poder judiciário e do Ministério Público, carreira e garantia de seus membros.

• Planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares,


ressalvado o previsto no art. 167, § 3º, que vise à detenção ou aos sequestros de bens, de poupança
popular ou qualquer outro ativo financeiro.

• Reservada a lei complementar.

• Já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto
do presidente da República.

43
Unidade I

Como você pode perceber, a medida provisória é algo excepcional dentro do ordenamento jurídico e
serve apenas quando há relevância e urgência.

Decretos legislativos

Os decretos legislativos, conforme o Senado Federal (2018), servem para regular matérias de
competência exclusiva do Congresso, tais como: ratificar atos internacionais; sustar atos normativos
do presidente da República; julgar anualmente as contas prestadas pelo chefe do governo; autorizar
o presidente da República e o vice-presidente a se ausentarem do país por mais de 15 dias; apreciar a
concessão de emissoras de rádio e televisão; autorizar em terras indígenas a exploração e o aproveitamento
de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de recursos minerais.

Convém ressaltar que os decretos legislativos também podem ser utilizados pelos poderes
legislativos de todas as unidades federativas, ou seja, aplicam-se também aos Estados, aos Municípios
e ao Distrito Federal.

Outra particularidade dos decretos legislativos é que, em razão da matéria que tratam, não dependem
de aprovação do chefe do poder executivo – prefeito, governador ou presidente.

A Constituição aponta que é da competência exclusiva do Congresso Nacional:

• Resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos
ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

• Autorizar o presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças
estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados
os casos previstos em lei complementar.

• Autorizar o presidente e o vice-presidente da República a se ausentarem do país, quando a


ausência exceder 15 dias.

• Aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio ou suspender


qualquer uma dessas medidas.

• Sustar os atos normativos do poder executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos
limites de delegação legislativa.

• Mudar temporariamente sua sede.

• Fixar idêntico subsídio para os deputados federais e os senadores, observado o que dispõem os
arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

44
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Resoluções

As resoluções são atos normativos que regulam matérias da competência privativa da casa legislativa,
de caráter político, processual, legislativo ou administrativo.

Observação

As resoluções não podem contrariar os regulamentos e os regimentos,


mas explicá-los.

Essa espécie normativa pertence aos atos administrativos normativos, pois está relacionada apenas
a atos do governo em face dos particulares. Assim, as resoluções partem de autoridades superiores e
disciplinam a matéria de sua competência específica.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por exemplo, define uma lista de consultas,
exames e tratamentos, denominada Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que os planos de
saúde são obrigados a oferecer, conforme cada tipo de plano – ambulatorial, hospitalar com ou sem
obstetrícia, referência ou odontológico.

Saiba mais
A Secretaria da Receita Federal do Brasil é um órgão específico, singular,
subordinado ao Ministério da Economia, que exerce funções essenciais para
que o Estado possa cumprir seus objetivos. É responsável pela administração
dos tributos de competência da União, inclusive os previdenciários, e dos
incidentes sobre o comércio exterior, abrangendo parte significativa das
contribuições sociais do país.
Também subsidia o poder executivo federal na formulação da política
tributária brasileira, previne e combate a sonegação fiscal, o contrabando, o
descaminho, a pirataria, a fraude comercial, o tráfico de drogas e de animais
em extinção e outros atos ilícitos relacionados ao comércio internacional.
A Secretaria da Receita Federal do Brasil também produz diversas espécies
normativas, com a finalidade de garantir a arrecadação necessária ao Estado,
com eficiência e aprimoramento do sistema tributário, contribuir para a
melhoria do ambiente de negócios e da competitividade do país e garantir
segurança e agilidade no fluxo internacional de bens, mercadorias e viajantes.
Para saber mais sobre as normas da Secretaria da Receita Federal do
Brasil, acesse:
Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br . Acesso em: 1º set. 2023.

45
Unidade I

Outro exemplo possível é a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 33, de 3 de junho de 2008
(Brasil, 2008a), que aprova o regulamento técnico para planejamento, programação, elaboração,
avaliação e aprovação dos sistemas de tratamento e distribuição de água para hemodiálise, visando à
defesa da saúde dos pacientes e dos profissionais envolvidos.

Como você pode perceber, as resoluções são instrumentos importantes de normatização administrativa
dos órgãos técnicos do governo.

3 DIREITO CONSTITUCIONAL

3.1 Noções introdutórias de direito constitucional

Este tópico irá apresentar elementos da teoria geral do estado para que possamos entender a função
da CF como fundamento último do ordenamento jurídico que se compreende de forma sistêmica, uma
vez que a norma fundante, anterior à CF, é pressuposta, não escrita – a legitimidade do poder constituinte
originário em estatuir ordenamento jurídico soberano a partir da CF.

A norma fundamental é a principal lei, a lei maior de um país; é a sua Constituição Federal. Portanto,
o direito constitucional é o ramo do direito público que estuda a organização político-administrativa
do Estado, que se expressa através da sua principal lei, denominada Constituição Federal (todo
Estado tem uma).

A Constituição muitas vezes era tomada pelo mero suporte material, em que se concentrariam as
normas de caráter constitucional – ou seja, normas que em sua essência traziam matéria constitucional.

Atualmente, independentemente do conteúdo das normas constitucionais, considera-se ainda que


uma constituição deva trazer os elementos básicos conformadores de um Estado; entretanto, o que a
caracterizaria seria sua rigidez, ou, mais especificamente, a necessidade de um processo diferenciado e
mais rigoroso para a modificação de suas cláusulas.

É esse o caso da CF. A Constituição brasileira traz os elementos básicos de nosso Estado – federativo,
republicano e presidencialista –, além de estabelecer os direitos fundamentais individuais e sociais; mas
também, e principalmente, traz um processo de emenda à Constituição mais rigoroso que o processo
legislativo comum, protegendo seu conteúdo de modificações temerárias e arbitrárias.

3.2 Conceito e classificação

Um sinônimo usado para a palavra “constituição” é “organização”, que, ordinariamente, expressa


a ideia de criação e organização de algo. Pode ser a organização de uma empresa – através do seu
contrato social, de um clube, de um sindicato e até mesmo de um partido político qualquer – por meio
dos seus estatutos.

Quando se trata da organização político-administrativa do Estado, é preciso que tudo esteja bem
definido e pactuado com a sociedade. A CF é o contrato político-social que expressa a vontade do povo
46
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

e o pacto federativo. Portanto, deve conter como o Estado está ordenado, como ele vai funcionar, a
distribuição dos poderes, as competências de cada ente estatal e também como promover as garantias e
as liberdades individuais dos seus cidadãos. Tudo isso está previsto na CF. Por isso, não se pode conceber
um Estado sem Constituição.

“Constituição” é um vocábulo de sentido plurívoco e equívoco; isso significa que não tem um sentido
unívoco, ou seja, não tem um único e exclusivo sentido. Remonta à ação ou verbo ou à conduta de
constituir. Para este estudo, importa compreender “constituição” como a nomenclatura que se dá ao
corpo de normas escritas e principiológicas que organizam o Estado e regem a República democrática do
Brasil. Eis que o Brasil se trata de um estado democrático de direito sob ordenamento jurídico soberano,
cuja teleologia (que significa “finalidade” mais “fundamento”) está estatuída no art. 3º da Constituição
Federal (Brasil, 1988).

Note-se, desde já, que a norma pressuposta (isto é, a norma não escrita) é a soberania popular que
legitima o poder constituinte a estatuir o estado democrático de direito, sob ordenamento jurídico soberano,
por meio da CF, que, portanto, deve organizar os poderes da República e lhes determinar o exercício do
poder (que se funda na soberania popular) e, assim, a organização do Estado e suas competências.

A norma pressuposta (também chamada de norma fundante ou norma fundamental) é não escrita
e anterior à Constituição. Desse modo, o fundamento último do ordenamento jurídico é a norma
pressuposta fundante, que gira em torno da soberania popular, e aí reside a comunicação do direito
constitucional com a teoria geral do estado e com a filosofia do direito. O poder constituinte originário
inaugura a ordem jurídica do Estado por meio da Constituição.

Quanto à origem Promulgada (popular)


Outorgada

Quanto à forma Escrita


Não escrita (costumeira)

Quanto à estabilidade Rígida


Flexível

Figura 9 – Critérios de classificação das Constituições

Nos regimes democráticos, as constituições são elaboradas e promulgadas por uma Assembleia
Nacional Constituinte, formada por representantes eleitos com essa finalidade, ou seja, pessoas eleitas
diretamente pelo povo para criar a CF. Portanto, é correto dizer, nesses casos, que a Constituição é
popular, pois foi elaborada por representantes eleitos diretamente pelo povo daquele país. Todavia, pode
acontecer de a Constituição ser imposta ao povo, ou seja, outorgada por um governante antidemocrático,
que a elabora sem a participação popular. A Assembleia Nacional Constituinte é dotada de um poder
denominado poder constituinte originário.

Pensemos juntos. Diz-se que é constituinte porque a Assembleia Nacional Constituinte recebe a
missão, através do voto direto, de criar uma nova Constituição. Também é correto dizer que é um
47
Unidade I

poder originário; isso significa que estabelecerá os fundamentos do Estado, por isso é considerado
um poder inicial e ilimitado em termos jurídicos, pois não se subordina a nenhuma lei anterior que
poderia limitar de alguma forma o seu alcance. Os representantes eleitos para formarem a Assembleia
Nacional Constituinte discutem livre e democraticamente e votam os dispositivos que devem compor
a nova Constituição, cujo texto original será promulgado, dando forma à Lei Magna do Estado.
A maioria dos autores brasileiros costuma diferenciar as Constituições quanto à sua forma em dois
tipos: as escritas e as não escritas. Veja o ensinamento do professor Luís Roberto Barroso:

[...] quanto à forma. Tal classificação diz respeito à forma de veiculação das
normas constitucionais. Sob esse critério, as Constituições podem ser:

a) escritas: quando sistematizadas em um texto único, de que é exemplo


pioneiro a Constituição americana;

b) não escritas: quando contidas em textos esparsos e/ou costumes


e convenções sedimentados ao longo da história, como é o caso,
praticamente isolado, da Constituição inglesa (Barroso, 2019, p. 80).

Idealmente, as Constituições deveriam ser diplomas legais muito estáveis. Ao longo do tempo,
deveriam sofrer poucas alterações, pois as estruturas fundamentais do Estado devem ser robustas
suficientemente para resistir ao tempo. É o caso da Constituição dos Estados Unidos da América (EUA),
que foi promulgada em 1787, sendo a única até hoje naquele país. Não é o caso do Brasil, que está na sua
sétima Constituição: quatro foram promulgadas por Assembleias Constituintes; duas foram impostas,
uma por D. Pedro I, naturalmente durante o Império, e outra pela ditadura Vargas; e uma foi aprovada
pelo Congresso por imposição do regime militar autoritário que tomou o poder em 1964.

Analise o quadro a seguir para consolidar o conhecimento acerca dos períodos e das origens de cada
uma dessas sete Constituições brasileiras.

Quadro 5 – Relação das Constituições brasileiras

Relação Ano/período Origem


Imposta pelo Imperador D. Pedro I, logo após a
1ª Constituição 1824 – Império proclamação da Independência do Brasil, em 1822
Promulgada durante o governo do Marechal
2ª Constituição 1891 – Brasil República Deodoro da Fonseca, logo após a Proclamação da
República, em 1889
3ª Constituição 1934 – Segunda República Promulgada durante o governo Getúlio Vargas
4ª Constituição 1937 – Estado Novo Outorgada pela ditadura de Getúlio Vargas
5ª Constituição 1946 Promulgada durante o governo Eurico Gaspar Dutra
Imposta pelo Governo Militar, logo após o golpe
6ª Constituição 1967 – Regime Militar militar de 1964
Promulgada durante o governo de transição de José
7ª Constituição 1988 – Constituição Cidadã Sarney, restabelece o regime democrático no Brasil

48
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

3.3 A Constituição

Diz-se que a Constituição é um documento político, dirigida a todas as pessoas e que deve
preferencialmente ser escrita em linguagem comum, evitando-se a linguagem técnica, para que todos
os cidadãos possam ler e entender tudo o que ela contém.

A Constituição é a lei mais importante do país, mas não é a única. É por isso que as demais leis devem
obediência aos seus mandamentos. Imagine como ficaria o funcionamento do Estado se as outras leis
– como o Código de Defesa do Consumidor, que regula os direitos dos consumidores – contivessem
previsões legais conflitantes com o que foi estabelecido na Constituição. Não seria fácil para ninguém,
a sociedade ficaria confusa. Entretanto, isso às vezes acontece, pois podem surgir novas leis que
apresentem dispositivos conflitantes com a Constituição.

Não é raro ler uma notícia sobre a inconstitucionalidade de uma determinada lei ou dispositivo legal.
Mas você sabe quando isso acontece? A inconstitucionalidade ocorre quando o texto de uma lei confronta
a CF. Nesses casos, somente o poder judiciário pode declarar uma lei ou parte dela inconstitucional. A lei
perde sua validade por violar os mandamentos da CF. O STF é o órgão do poder judiciário que sempre
dará a palavra final sobre qualquer matéria que envolva a CF.

Assim, a CF é a principal lei do nosso país, pois regula a República Federativa do Brasil. Todas as
demais leis do país, inclusive as Constituições estaduais e as leis orgânicas (principal lei dos Municípios
e do Distrito Federal), devem respeitar os mandamentos da CF.

Ulysses Silveira Guimarães, político e advogado formado pela Universidade de São Paulo (USP), teve
forte atuação na oposição à ditadura militar. Ingressou na política em 1945, quando se filiou ao Partido
Social Democrático (PSD). Disse Ulysses:

A caravela vai partir. As velas estão pandas de sonho, aladas de esperanças.


O ideal está ao leme e o desconhecido se desata à frente... Nossa carta de
marear não é de Camões e, sim, de Fernando Pessoa ao recordar o brado:
‘Navegar é preciso. Viver não é preciso’. Posto hoje no alto da gávea, espero
em Deus que em breve possa gritar ao povo brasileiro: ‘Alvíssaras, meu
Capitão. Terra à vista!’ Sem sombra, medo e pesadelo, à vista a terra limpa e
abençoada da liberdade.

Esse foi o discurso “Navegar é Preciso”, proferido por Ulysses Guimarães, no dia 22 de setembro
de 1973, na convenção do MDB, ao decidir lançar sua “anticandidatura”. Exatos 15 anos depois, no
dia 22 de setembro de 1988, foi aprovada, em turno único de votação, a redação final do projeto de
Constituição.

49
Unidade I

Saiba mais

Para saber mais sobre o discurso proferido por Ulysses Guimarães, leia
o texto a seguir:

GUIMARÃES, U. Discurso do deputado Ulysses Guimarães, presidente da


Assembleia Nacional Constituinte, em 5 de outubro de 1988, por ocasião da
promulgação da constituição federal. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2,
p. 595-602, jul./dez. 2008. Disponível em: https://cutt.ly/Ewk1yztr. Acesso em:
23 jan. 2020.

Apresentada para você a Constituição, vamos agora conhecer as classificações da Constituição


Federal de 1988:

• Quanto à origem promulgada (popular): foi elaborada por uma Assembleia Nacional
Constituinte eleita pelo voto direto em 15 de novembro de 1986. Na ocasião, foram eleitos os
membros da Constituinte, composta de 487 deputados e 72 senadores. O Deputado Ulysses
Guimarães, do MDB-SP, foi eleito seu presidente em 2 de fevereiro de 1987. A Constituição atual
foi aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte em 22 de setembro de 1988 e promulgada em
5 de outubro de 1988, dando início à refundação do estado democrático de direito e consagrando
os direitos fundamentais, entre eles o voto direto para todos os níveis do poder legislativo e
executivo, inclusive para presidente da República.

• Quanto à forma escrita: a Assembleia Nacional Constituinte produziu o texto do diploma legal
máximo, que seria batizado como Constituição Cidadã por proclamar os direitos fundamentais e
a preservação da dignidade da pessoa humana.

• Quanto à estabilidade ou consistência rígida: a Constituição estabelece um processo


legislativo restritivo e especial para que seja emendada, embora alguns doutrinadores digam que
a Constituição de 1988 seja do tipo rígida, pois existem partes que não podem ser mudadas,
mesmo com emendas. Tecnicamente chamamos de cláusulas pétreas, e elas estão dispostas no
art. 60 § 4º da CF.

Se, como visto, a Constituição, pela sua importância dentro do sistema jurídico, ocupa o estamento
mais alto de nossa pirâmide kelseniana, então o que fundamenta a própria Constituição? É justamente
este o conceito que será apresentado a você no próximo tema: o poder constituinte.

3.4 O poder constituinte

A própria CF traz no seu texto dispositivos que estabelecem a forma pela qual ela poderá ser
modificada. Por que isso é importante? Porque o poder constituinte originário só existe durante o
período de elaboração da nova Constituição. Após a aprovação e a promulgação da CF, a Assembleia
50
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Nacional Constituinte se dissolve, e, junto com ela, o poder constituinte originário se extingue. Então,
tudo deve seguir rigorosamente os mandamentos previstos na Constituição, que passa a reger o país,
inclusive o procedimento para sua alteração, que recebe o nome de emenda, agora a cargo do Congresso
Nacional, que passa a deter o poder constituinte reformador.

Importa notar que o Estado não é a origem do direito, ao passo que o próprio Estado é consequência
ou efeito do direito. Aliás, a legitimidade do Estado pressupõe a soberania do constituinte originário.
Vejamos as lições de Bartolomé Cenzano apud Dromi (2007, p. 170):

Não esqueça que se o fundamento dos direitos humanos é a natureza


humana e o do Estado é um pacto ou consenso entre indivíduos dotados
de direitos e liberdades iguais, todos os indivíduos hão de ter os mesmos
direitos na hora de formar parte da manifestação da vontade geral que
constitui a essência da comunidade política.

Assim, é da própria feição dos direitos fundamentais sua anterioridade ao próprio Estado. Continua
Dromi (2007) afirmando que, de um ponto de vista filosófico, todos os direitos fundamentais preexistem.
Antes de ser proprietários, somos seres humanos; antes de ter direito à indústria e ao comércio, temos
direito à vida e à não discriminação. A vida é a liberdade respeitada. Desse modo, o ordenamento procura
consagrar direitos que a evolução histórica reconheceu como indissociáveis da humanidade. A norma e
sua interpretação remontariam seu fundamento a princípios universais superiores que deveriam inspirar
a legislação, com a convicção de que o direito não se limitaria à norma, mas, ao contrário, seria anterior
e superior a ela.

Figura 10

Disponível em: https://ury1.com/nQ3Zn. Acesso em: 1º set. 2023.

Alterar a CF de um país pode ser simples ou difícil, e isso dependerá do próprio texto da Constituição,
que deve estabelecer critérios flexíveis ou mais rígidos para a sua modificação. O termo correto que
designa a alteração do texto constitucional é “emenda”. Assim, sempre que for necessário incluir algum
novo dispositivo na Constituição ou modificar o texto já existente, isso só poderá ser feito através de
51
Unidade I

uma emenda constitucional. É por isso que, quando é necessária alguma alteração, por menor que seja,
no texto da CF é apresentada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Como já sabemos, existe
um processo legislativo especial para que sejam propostas alterações no texto da CF.

Lembrete

Para as emendas à Constituição, exige-se um quórum de aprovação


de 3/5 dos congressistas, votação em dois turnos com rol de legitimados
próprio, conforme art. 60 da Constituição Federal (Brasil, 1988).

3.5 Espécies de constituição

Classificar algo é importante em razão de suas características. Assim ocorre com a Constituição.
As constituições, na medida em que são dotadas de algumas características, podem ser classificadas.
A isso chamamos de espécies de Constituição ou tipologia. Qualquer classificação depende de critérios
escolhidos pelos estudiosos, e não se pode dizer que um é mais acertado que o outro; talvez mais
adequado. Para introduzir o assunto, vamos apresentar as principais classificações.

Quanto à forma

Quanto à forma, as constituições podem ser classificadas em: outorgadas, promulgadas, cesaristas
e costumeiras (não escritas ou consuetudinárias). Outorgada é a constituição imposta de maneira
unilateral pelo agente revolucionário (grupo ou governante), que não recebeu do povo a legitimidade
para atuar em nome dele.

Ao seu turno, a constituição promulgada é também conhecida por democrática, votada ou popular,
porque resulta da vontade do povo, exercida por meio dos representantes populares (constituintes). É a
Constituição fruto do trabalho de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita diretamente pelo povo,
para em nome dele atuar, nascendo, portanto, da deliberação da representação legítima popular.

Observação

As Constituições outorgadas recebem, por alguns estudiosos, o apelido


de Cartas Constitucionais. Assim, não é tecnicamente correto chamar a
nossa Constituição de Carta Constitucional, porque a CF de 1988 foi
promulgada, e não outorgada.

A cesarista não é propriamente outorgada, tampouco democrática, ainda que criada com participação
popular, sendo formada por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um Imperador, como
os plebiscitos napoleônicos, ou um ditador, como o plebiscito de Pinochet, no Chile. Não existe uma
participação popular, pois visa apenas consolidar a vontade do detentor do poder. A classificação
de cesarista decorre do título romano “César”. No uso comum, o termo foi usado como sinônimo de
imperador e adaptado na Rússia para o título de “Czar”.
52
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

A constituição costumeira, também chamada de não escrita ou consuetudinária, para Lenza (2017),
seria aquela Constituição que, ao contrário da escrita, não traz as regras em um único texto solene e
codificado. É formada por textos esparsos, reconhecidos pela sociedade como fundamentais, e baseia-se
nos usos, nos costumes, na jurisprudência e nas convenções. Um exemplo clássico é a Constituição da
Inglaterra. A doutrina observa que hoje, contudo, mesmo a Inglaterra (exemplo normalmente lembrado
de país regido por uma Constituição não escrita) assenta princípios constitucionais em textos escritos,
em que pesem os costumes formarem relevantes valores constitucionais.

Quanto à extensão

Quanto à extensão, as constituições podem ser classificadas em: sintéticas (concisas, breves,
sumárias, sucintas, básicas) ou analíticas (amplas, extensas, largas, prolixas, longas, desenvolvidas,
volumosas, inchadas).

As sintéticas seriam aquelas enxutas, que trazem apenas e tão somente os princípios fundamentais e
estruturais do Estado. É uma forma de constituição que não se preocupa em regulamentar absolutamente
tudo; desenha apenas os princípios e, por isso, tende a ser mais durável que a analítica. Você pode
estar se perguntando: mas e se houver alguma situação que não haja respaldo nos princípios? É aí
que ingressa o poder das supremas cortes de justiça, que interpretam os princípios conforme os casos
concretos que lhes são apresentados e formam um repositório normativo.

As analíticas são aquelas em que o legislador constituinte trouxe para o texto constitucional
tudo o que julgou relevante e pertinente como sendo direto e garantia fundamental. Um exemplo de
constituição analítica é a nossa CF/88. Veja a seguir:

Título IX

Das Disposições Constitucionais Gerais

Art. 242. O princípio do art. 206, IV, não se aplica às instituições


educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes
na data da promulgação desta Constituição, que não sejam total ou
preponderantemente mantidas com recursos públicos.

§ 1º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das


diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro.

§ 2º O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será


mantido na órbita federal (Brasil, 1988, grifo nosso).

Na sua opinião, seria relevante constar do texto constitucional que o Colégio Pedro II deveria ser
mantido sob o comando do Governo Federal? Pois é justamente essa minúcia que poderia ser tratada em
outra espécie normativa, mas que o legislador constituinte entendeu pertinente inserir na constituição.
Essa crítica foi observada pelo professor Paulo Bonavides (1997), para quem as Constituições se
53
Unidade I

fizeram desenvolvidas, volumosas, inchadas, em consequência principalmente das seguintes causas: a


preocupação de dotar certos institutos de proteção eficaz, o sentimento de que a rigidez constitucional
é anteparo ao exercício discricionário da autoridade, o anseio de conferir estabilidade ao direito
legislado sobre determinadas matérias e, enfim, a conveniência de atribuir ao Estado, através do mais
alto instrumento jurídico, que é a Constituição, os encargos indispensáveis à manutenção da paz social.

As Constituições podem ser rígidas, flexíveis e semirrígidas ou semiflexíveis.

• Rígidas: são aquelas Constituições que exigem, para a sua alteração, um processo legislativo mais
complexo e solene do que o processo de alteração das normas não constitucionais.

• Flexíveis: são aquelas Constituições que podem ser alteradas conforme o processo legislativo de
alteração das normas infraconstitucionais, ou seja, não há diferença no processo de votação, sendo
exatamente a mesma dificuldade em alterar a Constituição e uma lei que não é constitucional.

• Semiflexíveis: também chamadas de semirrígidas, são aquelas Constituições tanto rígidas


quanto flexíveis, ou seja, algumas matérias exigem um processo de alteração mais complicado
do que o exigido para alteração das leis infraconstitucionais, enquanto outras não requerem
tal formalidade.

Leciona Pedro Lenza (2017) que imutáveis seriam aquelas Constituições inalteráveis, verdadeiras
relíquias históricas e que se pretendem eternas, sendo também denominadas permanentes, graníticas
ou intocáveis.

3.6 Controle de constitucionalidade

O controle de constitucionalidade caracteriza-se por uma forma de corrigir no presente e em


determinado ordenamento jurídico a adequação ou conformidade com a Constituição. Em outras
palavras, é verificar se um ato, lei, decreto ou ação está ou não de acordo com a Constituição.

Observe na figura a seguir o esquema do controle de constitucionalidade:

Preventivo
Difuso
Controle de
constitucionalidade Repressivo
Concentrado
Por omissão
legislativa

Figura 11 – Controle de constitucionalidade

Como você observou, o controle de constitucionalidade das leis e demais espécies normativas
compreende o controle preventivo e o controle repressivo.
54
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

O controle preventivo visa prevenir, antes ou durante o processo legislativo, a introdução de uma
norma inconstitucional no ordenamento. Assim, no momento que um projeto de lei for apresentado,
a pessoa que der início ao processo legislativo deve verificar a regularidade da matéria que irá tratar
o projeto de lei. Esse controle preventivo é exercido pelos três poderes: pelo poder legislativo, quando
encaminha a matéria para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ); pelo poder executivo, quando o
chefe do executivo (presidente, governador ou prefeito) sanciona ou veta o projeto de lei; e, por fim,
pelo poder judiciário, que garante que o processo legislativo cumpra as regras da Constituição.

O controle repressivo opera por meio do exercício da tutela jurisdicional do poder judiciário e
divide‑se em duas categorias: o controle difuso ou por via difusa e o controle concentrado.

Controle difuso ou via difusa (via indireta ou de exceção ou de defesa) diz respeito basicamente à
arguição judicial de inconstitucionalidade por meio de ação judicial cuja causa de pedir verse alguma
situação concreta na qual o interessado invoca tutela jurisdicional para obstar incidência da norma.
O rito ou a forma processual pode variar, a exemplo da ação de rito ordinário ou de rito comum, ou
mesmo embargos à execução, mandado de segurança, entre outros meios processuais.

Diz-se que a declaração de inconstitucionalidade é, na via difusa, incidenter tantum, ou seja,


pressuposto (preliminar) para a procedência ou improcedência do pedido, de modo que a declaração
de inconstitucionalidade antecederia o mérito do pedido – por exemplo, declaração judicial de
inconstitucionalidade incidenter tantum com respectiva procedência de mérito de pedido de devolução
de tributo indevidamente pago ou de declaração de não incidência tributária –, e os efeitos da coisa
julgada se restringem às partes da respectiva ação judicial.

Controle concentrado ou via concentrada (via direta ou de ação) diz respeito a uma ação judicial
cuja causa precípua de pedir seja a declaração de inconstitucionalidade de uma norma, por meio de
ação direta de inconstitucionalidade (art. 103 da Constituição Federal) ou da ação declaratória de
inconstitucionalidade (art. 103, § 4º, da Constituição Federal), de modo que a ação versa sobre o controle
em abstrato de uma norma – norma, em sentido geral, é dotada de generalidade e abstração, e sua
vigência implicaria a potência de produzir efeito, isto é, eficácia, independentemente de um ou outro
caso concreto individualmente situado.

O controle constitucional de omissão legislativa presente no art. 103, § 2º, da Constituição é aquele
que pode ensejar propositura de mandado de injunção, nos termos do art. 5º, inciso LXXI, da CF.

O mandado de injunção, para Silva (2003), será concedido sempre que a falta de norma regulamentadora
torne inviável o exercício dos direitos e das liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, soberania e cidadania. Continua o autor afirmando que compete ao STF o julgamento
do mandado de injunção quando a elaboração da norma for de atribuição do presidente da República, do
Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das mesas de cada uma dessas casas
legislativas, do Tribunal de Contas da União, de algum dos Tribunais Superiores ou do próprio STF.

É importante considerar o controle de constitucionalidade de âmbito estadual, que diz respeito


à prerrogativa dada às Constituições estaduais para instituir ação direta de inconstitucionalidade de
55
Unidade I

âmbito estadual (art. 125, § 2º, da Constituição Federal, que implica competência da justiça estadual:
art. 97 da Constituição Federal).

3.7 Da organização nacional

A República Federativa do Brasil, como qualquer outro Estado contemporâneo, possui uma forma
de Estado, uma forma de governo e um sistema de governo. São esses os três pilares da organização
nacional dada na CF.

A forma de Estado adotada pelo constituinte foi a Federação. Isso significa que a República Federativa
do Brasil é formada a partir de um conjunto de entes, chamados federados, havendo dois ou mais entes
capazes de legislar. No nosso caso, podem legislar União, Estado e Municípios, cada qual a partir de seu
parlamento. Esse vínculo federativo é indissociável, não podendo ser alterado nem mesmo por emenda
à Constituição.

A forma de governo é republicana. Assim, todo agente político somente exercerá suas funções por
tempo determinado. Seu mandato, portanto, outorgado pelo povo soberano, tem tempo de duração.
Em uma República, não pode haver mandato sem tempo de duração, sob pena de se descaracterizar
o instituto.

Por fim, o Brasil é presidencialista. O presidencialismo é um sistema de governo que se opõe


ao parlamentarismo. No presidencialismo, o presidente, ou quem lhe faça as vezes, aglutina as
competências de chefe de Estado e de governo, ou seja, representa o Estado brasileiro junto aos
Estados estrangeiros, comanda as Forças Armadas e possui competência para tomar decisões
administrativas internas.

O Brasil difere, portanto, da Inglaterra, onde a rainha possui competências de chefe de Estado,
comandando as Forças Armadas e representando o país junto ao restante do mundo, enquanto o
primeiro ministro acumula as funções de chefe de governo, tomando decisões administrativas internas.

4 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Chegamos ao estudo da Constituição Federal. Você já sabe que essa é a principal lei do nosso
ordenamento jurídico, que sua classificação é analítica e, portanto, cheia de divisões em títulos, capítulos,
seções e subseções, cada grupo com informações sobre a forma de organização da sociedade brasileira.

A Constituição Federal de 1988 se epicentra na prevalência da soberania popular, do povo como


destinatário final da administração pública, seu funcionamento e serviços. Por isso, a pauta da soberania
cadencia a estruturação do Estado em relação ao funcionamento orgânico dos poderes da República,
bem como concatena todo o ajustamento do ordenamento jurídico à nova ordem constitucional. Todo
esse eixo da soberania popular coaduna o contexto sócio-histórico de superação do regime militar,
que amesquinhou o campo das chamadas liberdades civis – aqui, podem ser também referidas como
liberdades individuais.

56
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Grosso modo, a partir do Renascimento e mais notadamente do Iluminismo (tudo pautado na


concepção de homem como dotado de dignidade própria em razão de seus atributos inerentes à condição
humana, vontade livre e livre arbítrio) e, sobretudo, a partir do Contratualismo (corrente filosófica que
se ocupou de ponderar a formação dos estados nacionais e, pois, do estado de direito), entende-se por
liberdades individuais, e mesmo por liberdades civis, todo o campo de direitos e interesses contra os quais
o governante não poderia dispor. Trata-se de um campo de liberdades que o ordenamento resguarda de
eventuais investidas desferidas por aqueles no exercício do poder (costuma-se, tradicionalmente, dizer-se
daquele que exerce o poder de governante, conquanto o sentido de governante, aqui, seja lato e amplo).

Trata-se da pauta da usurpação (a questão das liberdades civis recai na pauta da usurpação), que diz
respeito justamente à afirmação da soberania popular, que não poderia ser usurpada pelo governante,
compreendido o vocábulo “governante” em sentido lato.

Diz-se, tradicionalmente, em teoria geral do estado e em filosofia do direito, que o amplo campo
das liberdades civis decorre do reconhecimento da invariante axiológica da soberania popular que obsta
concepção de Estado cuja soberania se epicentre na figura de um déspota absolutista que estivesse
legitimado a dizer qual o direito.

Eis que tanto a função legiferante quanto a função de distribuição de justiça (tutela jurisdicional,
iuris dicere), bem como toda a pauta do chamado poder de polícia, remontam, todas, à tópica do poder
de império, que abrange o uso legitimado da força (poder coercitivo).

O perpassar sócio-histórico de toda essa pauta de teoria geral do estado e em filosofia do direito,
por implicar o campo das invariantes axiológicas e da consciência jurídica dos povos, parte do cotejo do
direito das gentes (que muito se associa ao discernimento do conceito de nação em relação ao conceito
de povo, tudo em torno da questão da identidade cultural, dos laços sociais de pertença grupal).
Por isso falamos em gênio do povo, espírito do povo, concepção lata (da deriva morfossintática saxônica,
isto é, do saxão) do volksgeist (que em filosofia do direito se coteja com o conceito do espírito dos
tempos, zeitgeist, e daí a questão da experiência dos povos, que conforma sua consciência jurídica e seu
sentimento do justo).

Em teoria geral do estado e em filosofia do direito, liberdades civis ou liberdade civil (cuja tópica é
mais abrangente que uma ou outra estipulação de sentido e alcance que se pretenda mais epicentrada
em direito constitucional) diz respeito, sobretudo, à esfera, margem ou campo de liberdade do homem
(tanto do indivíduo quanto do grupo social) contra o qual nenhum governante ou déspota possa
investir contra, isto é, possa dispor (porque analienável), de modo que a soberania popular perpassa
ao ordenamento jurídico soberano: eis o advento do estado democrático sob ordenamento jurídico
soberano, gênese do chamado estado moderno.

Vejamos mais esta lição de teoria geral do estado e de filosofia do direito: o direito que fundamenta
toda essa pauta de liberdade civil é o direito de livre associação, por meio do qual o homem (cuja
qualidade ou natureza decorre da vontade livre e do livre arbítrio), haja vista a sociabilidade ser o traço
humano precípuo, organiza-se em sociedade, a partir do volksgeist (que em filosofia se coteja com o
conceito do espírito dos tempos, zeitgeist, e daí a questão da experiência dos povos, que conforma sua
consciência jurídica e seu sentimento do justo, pauta preliminar do chamado direito das gentes).

57
Unidade I

Lembrete

A Constituição Federal de 1988 se epicentra na prevalência da soberania


popular, com respectivo reconhecimento do povo como destinatário final
da administração pública e, pois, de seu funcionamento e serviços. Assim, a
pauta da soberania concatena tanto a estruturação do Estado em relação ao
funcionamento orgânico dos poderes da República quanto o ajustamento
do ordenamento jurídico à nova ordem constitucional.

Todo esse eixo da soberania popular coaduna o contexto sócio-histórico


de superação do regime militar, que amesquinhou o campo das chamadas
liberdades civis.

4.1 Histórico da Constituição de 1988

O contexto histórico da Constituição Federal de 1988, conforme antedito, gira em torno da


afirmação ou do reconhecimento, incontenível (porque pauta de invariante axiológica da prevalência do
valor da vida humana), da soberania popular, que visava superar as feridas nacionais do regime militar,
que amesquinhou o campo das chamadas liberdades civis. Pauta do povo como destinatário final da
administração pública, quadro que, em última análise, remonta ao chamado direito de livre associação,
que atravessa toda a sociabilidade humana (matéria de teoria geral do estado).

Tudo isso se insere no contexto da experiência latino-americana em torno da afirmação das


liberdades civis, que parte da experiência comum latino-americana das feridas nacionais legadas pelo
regime militar, que malferiu o âmago da vontade popular, inflamou o espírito do povo e exortou as
gentes ao reclamo político de observância do direito, cujo triunfo popular resta consubstanciado na
Constituição Federal de 1988.

Muitas vezes nos deparamos na nossa vida pessoal, bem como profissional, com problemas para os
quais não sabemos onde buscar amparo. Então, é importante que você saiba onde procurar informações
legais que suportem as suas pretensões e sustentem o seu direito ou sua pretensão. Assim, importa você
ter uma visão geral do teor da Constituição Federal de 1988, observando o quadro a seguir:

Quadro 6

Preâmbulo
Título I
Princípios Fundamentais
Capítulo I – Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos
Título II Capítulo II – Direitos Sociais
Direitos e Garantias
Fundamentais Capítulo III – Da nacionalidade
Capítulo IV – Dos Direitos Políticos
Capítulo V – Dos Partidos Políticos

58
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Capítulo I – Da Organização
Político‑Administrativa
Capítulo II – Da União
Capítulo III – Dos Estados Federados
Capítulo IV – Dos Municípios

Capítulo V – Do Distrito Federal e Seção I – Do Distrito Federal


Título III dos Territórios
Da Organização Seção II – Dos Territórios
do Estado Capítulo VI – Da Intervenção
Seção I – Disposições Gerais
Seção II – Dos Servidores Públicos
Capítulo VII – Da Administração
Pública Seção III – Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios
Seção IV – Das Regiões
Seção I – Do Congresso Nacional
Seção II – Das Atribuições do Congresso Nacional
Seção III – Da Câmara dos Deputados
Seção IV – Do Senado Federal
Seção V – Dos Deputados e dos Senadores
Seção VI – Das Reuniões
Capítulo I – Do Poder Legislativo Seção VII – Das Comissões
Subseção I – Disposição
Geral
Seção VIII – Do Processo Legislativo Subseção II – Da Emenda
à Constituição
Subseção III – Das Leis
Seção IX – Da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária
Seção I – Do presidente e do vice-presidente da República
Seção II – Das Atribuições do presidente da República
Seção III – Da Responsabilidade do presidente da República

Título IV Capítulo II – Do Poder Executivo Seção IV – Dos Ministros de Estado


Da Organização Subseção I – Do Conselho
dos Poderes Seção V – Do Conselho da República e do Conselho de da República
Defesa Nacional Subseção II – Do Conselho
de Defesa Nacional
Seção I – Disposições Gerais
Seção II – Do Supremo Tribunal Federal
Seção III – Do Superior Tribunal de Justiça
Seção IV – Dos Tribunais Regionais Federais e dos Juízes
Federais
Capítulo III – Do Poder Judiciário
Seção V – Do Tribunal Superior do Trabalho, dos Tribunais
Regionais do Trabalho e dos Juízes do Trabalho
Seção VI – Dos Tribunais e Juízes Eleitorais
Seção VII – Dos Tribunais e Juízes Militares
Seção VIII – Dos Tribunais e Juízes dos Estados
Seção I – Do Ministério Público
Capítulo IV – Das Funções Seção II – Da Advocacia Pública
Essenciais à Justiça Seção III – Da Advocacia
Seção IV – Da Defensoria Pública

59
Unidade I

Seção I – Do Estado de Defesa


Capítulo I – Do Estado de Defesa e
Título V Seção II – Do Estado de Sítio
do Estado de Sítio
Da Defesa do Estado Seção III – Disposições Gerais
e das Instituições
Democráticas Capítulo II – Das Forças Armadas
Capítulo III – Da Segurança Pública
Seção I – Dos Princípios Gerais

Seção II – Dos Limites do Poder de Tributar


Capítulo I – Do Sistema Tributário
Título VI Seção III – Dos Impostos da União
Nacional
Da Tributação e Seção IV – Dos Impostos dos Estados e do Distrito Federal
do Orçamento Seção V – Dos Impostos dos Municípios
Seção VI – Da Repartição das Receitas Tributárias
Seção I – Normas Gerais
Capítulo II – Das Finanças Públicas
Seção II – Dos Orçamentos
Capítulo I – Dos Princípios Gerais
da Atividade Econômica
Título VII Capítulo II – Da Política Urbana
Da Ordem Econômica Capítulo III – Da Política Agrícola e
e Financeira Fundiária e da Reforma Agrária
Capítulo IV – Do Sistema
Financeiro Nacional
Capítulo I – Disposição Geral
Seção I – Disposições Gerais
Seção II – Da Saúde
Capítulo II – Da Seguridade Social
Seção III – Da Previdência Social
Seção IV – Da Assistência Social
Seção I – Da Educação
Capítulo III – Da Educação, da
Seção II – Da Cultura
Cultura e do Desporto
Título VIII Seção III – Do Desporto
Da Ordem Social Capítulo IV – Da Ciência,
Tecnologia e Inovação
Capítulo V – Da Comunicação
Social
Capítulo VI – Do Meio Ambiente
Capítulo VII – Da Família, da
Criança, do Adolescente, do Jovem
e do Idoso
Capítulo VIII – Dos Índios
Título IX
Das Disposições
Constitucionais
Ato das Disposições
Constitucionais
Transitórias

Como você pode perceber, a nossa Constituição apresenta uma série de informações e princípios que
regem toda a sociedade brasileira. Ela representa o ápice histórico de um momento de transição entre
a democracia e a ditadura no Brasil. Assim, tornou-se complexa, extensa, mas com um apelido muito
pertinente: Constituição Cidadã.

60
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

4.2 Preâmbulo

O significado da palavra “preâmbulo” é aquilo que vai adiante ou que precede alguma coisa; deriva
da palavra latina praeambulus e, para o nosso estudo, entende-se como a parte inicial de uma lei em
que se explica ou se justifica a edição e promulgação. O preâmbulo não possui força normativa. Embora
não faça parte do texto constitucional propriamente dito, ele serve como elemento de interpretação
e integração normativa, e em razão de não fazer parte do texto constitucional, não pode prevalecer
contra qualquer texto que esteja expresso nele.

Como você observou no quadro anterior, a nossa Constituição possui um preâmbulo, que contém
os seguintes dizeres:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem‑estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (Brasil, 1988).

Segundo o professor Alexandre de Moraes (2017), o preâmbulo de uma Constituição pode ser definido
como o documento de intenções do diploma e consiste em uma certidão de origem e legitimidade
do novo texto e uma proclamação de princípios, demonstrando a ruptura com o ordenamento
constitucional anterior e o surgimento jurídico de um novo Estado. O preâmbulo é de tradição em
nosso direito constitucional e nele devem constar os antecedentes e o enquadramento histórico da
Constituição, bem como suas justificativas e seus grandes objetivos e finalidades.

Certamente você reparou que há no preâmbulo Constitucional uma rogação a Deus. Qual seria o real
significado e a importância dessa afirmação, já que o Estado brasileiro é laico, ou seja, o Brasil é um país
que adota posição neutra no campo religioso? Isso porque a característica do Estado é a imparcialidade
em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião.

Para Alexandre de Moraes (2017), a evocação à “proteção de Deus” no preâmbulo da CF não a torna
confessional, mas reforça a laicidade do Estado, afastando qualquer ingerência estatal arbitrária ou
abusiva nas diversas religiões e garantindo tanto a ampla liberdade de crença e cultos religiosos quanto
a ampla proteção jurídica aos agnósticos e ateus, que não poderão sofrer quaisquer discriminações pelo
fato de não professarem uma fé.

4.3 Princípios fundamentais

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em estado democrático de direito e tem como fundamentos:

61
Unidade I

Soberania Cidadania

Valores sociais do
Dignidade da trabalho e da livre
pessoa humana iniciativa

Pluralismo político

Figura 12 – Fundamentos da República Federativa do Brasil

É importante que você saiba que o estado democrático de direito significa que existem no Brasil
normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades
públicas aos direitos e às garantias fundamentais. Esse princípio democrático está claro quando
a Constituição (Brasil, 1988) afirma que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” em seu parágrafo único do artigo 1º.

4.4 Direitos e garantias fundamentais

Os direitos fundamentais são os direitos humanos escritos na CF. O próprio nome “direitos
fundamentais ou humanos” já diz tudo. Representam todos os direitos básicos e necessários à condição
humana e que precisam ser protegidos e garantidos pelo Estado. A CF de 1988 recebeu a denominação
Constituição Cidadã porque ampliou a proteção desses direitos fundamentais.

Muitos políticos e advogados costumam utilizar frases pomposas para se referir às condições mínimas
de vida das pessoas ou quando algum direito humano é violado. Trata-se do conhecido princípio da
dignidade da pessoa humana. Esse princípio norteia o estado democrático de direito, ou seja, uma
sociedade fundada na solidariedade, na qual todos os cidadãos têm vez e voz, através da concretização
dos direitos fundamentais e do voto, respectivamente.

Em virtude dessas questões, os artigos 5º, 6º e 7º da CF são vitais, pois descrevem esses direitos.
Todos os cidadãos brasileiros devem conhecer esses dispositivos. Assim, a Constituição Cidadã pode ser
considerada um marco na democracia brasileira.

O artigo 5º da CF possui 76 incisos que dispõem sobre os direitos e as garantias individuais gerais e
de natureza penal. Entre as garantias individuais gerais, estão: a liberdade de pensamento; a liberdade de
consciência e religiosa; a liberdade de expressão; o direito à privacidade; a inviolabilidade do lar; o sigilo
de correspondência; o direito de propriedade e o direito à herança. Para citar um exemplo: o princípio
da igualdade entre homens e mulheres significa que os iguais devem ser tratados de modo igual e os
desiguais de modo desigual, na medida de sua desigualdade.

62
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Como você pode perceber, o art. 5º contempla ainda um dos princípios fundamentais do direito, o
da legalidade. Reza o artigo 5º, inciso II, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei, ou seja, apenas a lei pode obrigar alguém a fazer (prestação positiva) ou
então abster-se de fazer alguma coisa. Um exemplo de deixar de fazer algo são as proibições do Código
de Trânsito Brasileiro (Brasil, 1997), como a que consta do art. 81:

Nas vias públicas e nos imóveis é proibido colocar luzes, publicidade,


inscrições, vegetação e mobiliário que possam gerar confusão, interferir na
visibilidade da sinalização e comprometer a segurança do trânsito.

A integridade física não permite a tortura nem o tratamento desumano ou degradante; não permite
a violação do direito à vida e assegura aos ressocializandos o respeito à integridade física.

A liberdade de pensamento, culto, crença religiosa, expressão da atividade artística, científica, de


comunicação do exercício de qualquer trabalho ou profissão, assim como o respeito ao sigilo profissional,
deixam claro o espírito democrático que inspirou a Assembleia Nacional Constituinte de 1988.

Saiba mais

Rui Barbosa, em seu discurso lido por Reinaldo Porchat para os


formandos da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco da USP, em
1920, quando foi escolhido como paraninfo e não pôde comparecer por
motivos de saúde, escreveu o célebre Oração aos moços, no qual afirmou
que “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente
aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social,
proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da
igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade,
seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”

Você pode ler o documento completo em:

BARBOSA, R. Oração aos moços. 5. ed. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa,
1999. Disponível em: https://l1nk.dev/TaTg3. Acesso em: 28 jan. 2020.

São direitos e garantais de natureza penal: o direito de resposta; a anterioridade da lei; a irretroatividade
penal; a individualização da pena; o direito de defesa; não ser preso por dívida e a liberdade provisória.
Entre os direitos e as garantias da esfera penal, a Constituição reconhece a instituição do júri popular,
segundo a qual as pessoas, ao serem julgadas por crimes contra a vida, devem ser sentenciadas pela
própria sociedade, representada pelo corpo de jurados.

63
Unidade I

Como garantia penal, consta a determinação da individualização das penas, ou seja, a pena não
passará de uma pessoa a outra. É por isso que não existe no Brasil a hipótese de algum descendente
(filho) cumprir uma pena em nome do ascendente (pai). Ainda, a CF garante a estrita legalidade:
somente permite a prisão por ordem judicial ou flagrante delito, assegurando diversos direitos dos
ressocializandos.

E se acontecer, no entanto, de você ter o seu direito de ir e vir cerceado? Em outras palavras, o que
acontece se você for preso injustamente? Você poderá utilizar um remédio constitucional chamado
de habeas corpus contra a ilegalidade, violência ou coação à sua liberdade de locomoção. A tradução de
habeas corpus é “toma-te o corpo”, ou seja, “retome a sua liberdade de ir e vir”. Ela tem cabimento quando
há prisão ilegal e não necessita de advogado para sua apresentação na justiça. Isso porque o habeas
corpus constitui uma exceção legal à atividade privativa do advogado. É um instrumento processual
constitucional, um remédio constitucional previsto no art. 5º, LXVIII, da CF/88, regulamentado pelos
artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal e que visa prevenir ou sanar a ocorrência de violação ou
coação na liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Desse modo, como a liberdade
está relacionada aos direitos fundamentais da pessoa humana, o habeas corpus pode ser impetrado pela
própria parte, por qualquer pessoa em seu favor ou em favor de outra pessoa, e ainda pelo Ministério
Público, sendo dispensável a presença do advogado.

Ainda na esfera penal, supondo que em uma emenda à Constituição pretende-se proibir a liberdade
de culto ou implantar a pena de morte no Brasil, é fácil concluir que seria inconstitucional, pois a
liberdade de culto e a inviolabilidade do direito à vida estão contidas no artigo 5º, que é cláusula pétrea
e, portanto, não pode ser modificado.

O artigo 6º trata dos direitos sociais dos indivíduos, ou seja, saúde, educação, lazer, trabalho,
previdência social e segurança.

Já o artigo 7º, que possui 34 incisos, dispõe acerca dos direitos do trabalhador, incluindo: proteção
da relação de emprego contra a dispensa arbitrária; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
seguro-desemprego; salário mínimo; 13º salário; repouso semanal remunerado; licença-maternidade;
aviso prévio; redução dos riscos do trabalho; aposentadoria; creches; pré-escola, entre outros.

Dentro desse mesmo espírito democrático, o constituinte garante a liberdade de associação, sendo
vedado aquele de caráter paramilitar, a liberdade de reunião e de locomoção. A vida privada, a honra
e a imagem também foram preocupações para o constituinte, garantindo-se, assim, a inviolabilidade
da casa, do sigilo de correspondência e de comunicação. A constituição também garante o direito de
petição, ou seja, de pedir e obter do poder judiciário alguma tutela jurisdicional, bem como certidões e
informações dos poderes públicos.

Ainda estão previstos no artigo 5º da Constituição Federal o mandado de segurança contra lesão
ou ameaça a direito líquido e certo e o habeas data para assegurar o conhecimento ou a retificação de
informações constantes em bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público.

64
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Lembrete

São remédios constitucionais o habeas corpus, o habeas data, o


mandado de segurança e o mandado de injunção.

Por fim, merece destaque a ação popular, garantida a qualquer cidadão sua propositura, contra ato
lesivo ao patrimônio público.

4.5 Tributação e orçamento

A Constituição Federal de 1988 trouxe, no título VI, a tributação e o orçamento com suas regras
básicas, que orientam a conduta tanto dos particulares administrados, no caso da arrecadação, quanto
dos administradores públicos, quando se trata de orçamento.

O sistema tributário nacional apresentado no texto constitucional se inicia pelos princípios


gerais de direito tributário e estabelece as regras básicas regentes da relação do Estado/Fisco com
o particular/contribuinte, definindo as espécies de tributos, as limitações do poder de tributar, a
distribuição de competências tributárias e a repartição das receitas tributárias, caracterizando-se,
assim, pela rigidez e complexidade.

Esse conjunto de princípios constitucionais forma um todo orgânico, um verdadeiro corpo normativo
que vigora no Brasil a partir das diretrizes constitucionais. E quais são essas diretrizes? Inicialmente, cabe
esclarecer que o tributo é imposto, ou seja, uma imposição para convivermos na sociedade. Trata‑se de
uma colaboração do cidadão para a administração de toda a sociedade.

Justamente porque os bens dos cidadãos são apropriados pelo Estado por meio da arrecadação
tributária é que se devem ter claras as regras tanto de arrecadação quanto de destinação. É em razão disso
que o legislador constituinte decidiu alocar as duas ações em um mesmo título: tributação e orçamento.

Para conhecer um pouco mais sobre a história do tributo, convém trazer a história da derrota da
cavalaria, narrada por Franz Oppenheimer (1913, p. 146), em tradução livre:

A derrocada da cavalaria corresponde à cobrança de tributos previamente


delimitados, de modo a se permitir a conservação do excedente do trabalho,
que não mais seria destinado ao mantenimento da escorte militaire.
O excedente que deixa de ser destinado à cavalaria pode ser comercializado
na ville. A derrocada da cavalaria está intimamente ligada ao surgimento de
uma nova organização social. Assim, o cavaleiro que protegia contra invasões
e dava identidade nacional – com toda a carga simbólica do juramento de
fidelidade – é sacrificado para o advento do Estado Nacional.

O fundamento do poder de tributar reside no dever jurídico de essencial e estrita fidelidade dos
entes tributantes, representados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios,
ao que estiver descrito na Constituição da República. Dessa forma, ao mesmo tempo que o legislador

65
Unidade I

constituinte restringiu a liberdade do Congresso Nacional em estabelecer a competência tributária de


cada ente federativo – porque ele mesmo estabeleceu quais tributos pertencem a qual ente –, ele
descreveu com detalhes as limitações do poder de tributar e a repartição das receitas tributárias, o que
torna mais segura a tarefa de arrecadar e gastar os recursos.

Existem, conforme a Constituição Federal, três espécies de tributos: os impostos, as taxas e as


contribuições de melhoria.

As limitações ao poder de tributar constam do art. 150 da Constituição, que elenca algumas
limitações ao poder de tributar. Isso porque existem também outros institutos, tal qual a imunidade
tributária, que constitui uma limitação ao poder estatal de invadir a propriedade privada através da
cobrança de tributos confiscatórios.

Aliás, você sabe o que significa tributo confiscatório? Esclarece o professor Alexandre de Moraes
(2017) que, apesar da dificuldade na definição dos contornos conceituais e jurisprudenciais, confisco ou
confiscação pode ser entendido como o ato do poder público de decretação de apreensão, adjudicação
ou perda de bens pertencentes ao contribuinte, sem a contrapartida de justa indenização. Assim, o
confisco é estabelecido sempre que o proprietário de um bem o perde, em benefício do poder público,
sem a justa indenização.

Diante do exposto, concluímos que as limitações ao poder de tributar são normas legitimadas pela
CF que visam impedir as situações por elas descritas, ou seja, restringem a força tributária do Estado.

Analisada a parcela que compete à arrecadação, passamos a estudar a parte relativa à utilização dos
recursos públicos, tratada no orçamento, tendo em mente, desde já, que a gestão pública é fundamentada
basicamente na CF de 1988, nos artigos 165 ao 169.

Além da CF, a gestão e administração dos recursos públicos arrecadados em razão dos tributos estão
apresentadas na Lei n. 4.320 (Brasil, 1964) e na Lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil, 2000). O orçamento
público é formado por três documentos: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Vejamos essas três leis:

Plano Plurianual 4 anos

Lei de Diretrizes Metas e prioridades


Orçamentárias

Orçamento fiscal

Orçamento de
Lei Orçamentária investimento das
Anual empresas estatais

Orçamento da
seguridade social

Figura 13 – Leis do orçamento público

66
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

• Plano Plurianual (PPA): é o instrumento de planejamento do orçamento. Terá vigência para


quatro anos e conterá as diretrizes, os objetivos e as metas do governo. A LOA deverá ser elaborada
de acordo com os planos estipulados no PPA.

• Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): estabelece quais as prioridades do governo para


determinado exercício, extraindo as metas definidas no PPA e atribuindo-as à LOA. Também traz
diversas normas que devem ser seguidas na elaboração e durante a execução do orçamento. Até
trinta dias após o encerramento de cada bimestre, o poder executivo deverá publicar o relatório
resumido da execução orçamentária, chamado de RREO. Essa obrigatoriedade é dada pela CF, e a
estrutura de apresentação é detalhada na Lei de Responsabilidade Fiscal.

• Lei Orçamentária Anual (LOA): é o orçamento anual propriamente dito. Prevê os orçamentos
fiscais, da seguridade social e de investimentos das estatais. Todos os gastos do governo para o
ano seguinte são previstos em detalhe na LOA. Dentro da LOA, estão três orçamentos: fiscal, da
seguridade social e de investimentos.

Saiba mais
Para saber mais sobre orçamento público, leia o texto a seguir:
ORÇAMENTO público. Portal da Transparência, [s.d.]. Disponível em:
https://acesse.one/kocIe. Acesso em: 3 mar. 2020.

É proibido fazer vinculações na receita orçamentária, a não ser aquelas expressas pela legislação.
Aqui, fazemos menção ao princípio da não afetação da receita. A Constituição também proíbe a
abertura de crédito suplementar ou especial (autorizações para despesas) sem autorização legislativa.
Além disso, o orçamento público deve ter seus valores determinados. Não é possível elaborar um
orçamento com crédito ilimitado. Outra limitação imposta pela Constituição é a de utilizar recursos
do orçamento, sem autorização legislativa, para cobrir déficits de empresas, fundações e fundos.

Talvez você deva estar se perguntando: e se o governo fizer uma obra que não termine em um
ano, ou seja, se o valor gasto pelo governo em investimentos ultrapassar o exercício financeiro?
A resposta é simples: todo investimento cuja execução ultrapassar um exercício financeiro deverá estar
incluso no PPA ou ter lei que autorize a sua inclusão para que seu início seja permitido. Isso diz respeito
ao princípio do planejamento-programação. Se a execução do investimento ultrapassar o exercício
financeiro, significa que o valor é relevante; logo, ele deve constar nos planos do governo.

4.6 Ordem econômica e financeira

Nos termos da CF, a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa e tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.
A ordem econômica deve observar os seguintes princípios:

67
Unidade I

• Soberania nacional.

• Propriedade privada.

• Função social da propriedade.

• Livre concorrência.

• Defesa do consumidor.

• Defesa do meio ambiente.

• Redução das desigualdades regionais e sociais.

• Busca do pleno emprego.

• Tratamento favorecido para empresas nacionais.

A ordem econômica na Constituição de 1988, em seu artigo 170, optou pelo modelo capitalista de
produção, também conhecido como economia de mercado (art. 219), cuja essência é a livre iniciativa.
Ainda, assegurou a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Confira-se a lição de Raul Machado Horta (1995, p. 256):

No enunciado constitucional, há princípios – valores: soberania nacional,


propriedade privada, livre concorrência. Há princípios que se confundem com
intenções: reduções das desigualdades regionais, busca do pleno emprego;
tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de
pequeno porte (alterado pela EC n. 6/95); função social da propriedade. Há
princípios de ação política: defesa do consumidor, defesa do meio ambiente.

Sobre os princípios, cabe ponderar os ensinamentos de Alexandre de Moraes sobre o tratamento


favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras que tenham sua sede
e administração no país:

Emenda Constitucional n. 6, de 15-8-1995, alterou a redação dos arts. 170,


IX, 176, § 1º; revogou o art. 171, e criou o art. 246, na Constituição Federal,
trazendo novidades em relação ao tratamento das empresas brasileiras.
A redação anterior previa como um dos princípios da ordem econômica, o
“tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de
pequeno porte”. Por sua vez, o art. 171, que trazia as definições de empresa
brasileira e empresa brasileira de capital nacional, foi revogado, inexistindo
qualquer diferenciação ou benefício nesse sentido, inclusive, em relação à
68
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

pesquisa e à lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais de


energia hidráulica; em face da alteração da redação originária do art. 176,
§ 1º, da Constituição Federal, basta que sejam empresas constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País
(Moraes, 2017, p. 861, grifo nosso).

Nota-se que houve uma alteração no sentido de estender o tratamento favorecido também às
empresas com capital internacional, sendo suficiente ter a sua sede e administração no Brasil e ser
constituídas conforme a legislação brasileira, não mais diferenciando capital nacional de capital
estrangeiro. Atitudes como a narrada pretendem atender a um dos desejos do constituinte: a busca pelo
pleno emprego.

Moraes (2017) destaca que, apesar de o texto constitucional de 1988 ter consagrado uma economia
descentralizada de mercado, autorizou o Estado a intervir no domínio econômico como agente normativo
e regulador, com a finalidade de exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento indicativo ao
setor privado, sempre com fiel observância aos princípios constitucionais da ordem econômica.

A atuação do Estado na economia se dá de duas formas: de maneira direta (excepcionalmente), nos
casos previstos na Constituição e quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei, nos termos do art. 173 da Constituição Federal; ou de
maneira indireta (via de regra), na qualidade de agente normativo e regulador da atividade econômica
no que concerne às funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o
setor público e indicativo para o setor privado, conforme o art. 174 da Constituição Federal.

Como exemplo das questões tratadas na seara econômica, tomemos a atividade turística, que é
importante para qualquer economia, seja ela nacional, regional ou local, pois o deslocamento constante
de pessoas aumenta o consumo, motiva a diversidade de produção de bens e serviços e possibilita
o lucro e a geração de emprego e renda. Apesar de alguns estudos demonstrarem que o turismo
apresenta efeitos econômicos, sociais, culturais e ambientais múltiplos, os resultados produzidos nem
sempre são divididos igualmente entre os envolvidos. Afinal, como qualquer atividade capitalista,
produz desigualdades na distribuição dos benefícios e dos custos. A população residente é vítima dos
efeitos do turismo e sofre com alguns impactos negativos; por exemplo, o aumento descontrolado do
número de turistas e de agressões naturais e culturais.

Acerca da função social da propriedade, cabe destacar que está intimamente ligada à política
urbana, à política agrícola e fundiária e à reforma agrária. Por função social, entende-se a utilização
da propriedade, urbana ou rural, conforme os objetivos sociais de uma determinada cidade. Embora a
Constituição garanta o direito à propriedade, a função social impõe limites a ela para poder garantir que
o exercício desse direito não seja prejudicial ao bem coletivo. Um exemplo da aplicação desse princípio
é a desapropriação para a reforma agrária de terras improdutivas. Isso significa que uma propriedade
rural ou urbana não deve atender apenas aos interesses de seu proprietário, mas também ao interesse
da sociedade.

69
Unidade I

4.7 Ordem social

A ordem social, baseada no primado do trabalho e tendo por objetivo o bem-estar e a justiça
sociais (art. 193 da Constituição Federal), é prevista nos arts. 193 a 232 do texto constitucional, neles
contemplando diversos assuntos considerados relevantes para a sociedade, sob a ótica do constituinte
quando da elaboração de nossa Constituição.

Observe as matérias relativas à ordem social com os respectivos artigos da Constituição Federal:

Disposições Gerais Art. 193

Seguridade Social Arts. 194 e 195

Da Saúde Arts. 196 a 200

Previdência Social Arts. 201 e 202

Assistência Social Arts. 203 e 204

Educação Arts. 205 a 214


Ordem social

Cultura Arts. 215 e 216

Desporto Art. 217

Ciência e Tecnologia Arts. 218 e 219

Comunicação Social Arts. 220 a 224

Meio Ambiente Art. 225

Família da Criança, do Arts. 226 a 230


Adolescente e do Idoso

Índios Arts. 231 e 232

Figura 14 – Ordem social na Constituição

Entre as questões mais significativas acerca da ordem social, está o direito previdenciário. O texto
constitucional estabeleceu que a previdência social será organizada em termos de um regime geral,
contributivo e de filiação obrigatória (art. 201, CF/88). Nesse caso, o modelo brasileiro optou por um
sistema contributivo em que o regime previdenciário exige a contribuição obrigatória por parte daqueles

70
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

que se vinculam ao sistema, afastando-se de amostras mais licenciosas nas quais a contribuição é
facultativa ou mesmo dispensada.

Essa estrutura de financiamento compulsório permite – ou, pelo menos, busca permitir – que o sistema
se autoalimente, viabilizando a aposentadoria e a concessão dos demais benefícios previdenciários com
base no regime de contribuição daqueles que estão na ativa. No modelo atual, a previdência social
é financiada através de um sistema de coparticipação entre a iniciativa privada e o poder público, a
partir de tríplice forma, composta pelo financiamento dos empregados, dos empregadores e do Estado,
havendo uma forma solidária de integração. É aquilo que muitos denominam de coparticipação no
custeio da previdência, a partir de um financiamento da sociedade de forma direta e indireta, que une
trabalhadores, empresas e governo em prol de um objetivo comum. Observe a figura a seguir:

Segurados
RGPS
Social Dependentes
RPPS

Servidores da União, dos


Previdência Pública Estados, dos Municípios e do
Distrito Federal

PGBL
Complementar
- facultativa PRGP
Qualquer pessoa
- por instituição PAGP
financeira
Privada Aberta
Fechada - via PRSA
empresa para seus
funcinários
PRI

Figura 15 – Previdência social no Brasil

A seguir, vamos esclarecer o diagrama.

A previdência se divide em duas: social e complementar facultativa. A social subdivide-se em Regime


Geral de Previdência Social (RGPS) e Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Já a previdência
complementar facultativa pode ser pública ou privada, sendo que a privada é aberta, ou seja, acessível
a qualquer pessoa que se filie a ela, independentemente de condição, o que é o caso da pública (apenas
servidores públicos). A exceção é a previdência privada fechada, destinada apenas aos funcionários de
uma determinada empresa.

A previdência privada é cessível a qualquer pessoa que deseje e é oferecida por instituições financeiras.
São o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL); o Plano com Remuneração Garantida e Performance

71
Unidade I

(PRGP); o Plano com Atualização Garantida e Performance (PAGP); o Plano com Remuneração Garantida
e Performance sem Atualização (PRSA) e o Plano de Renda Imediata (PRI).

Sobre os preceitos constitucionais relativos à educação, trata-se de um direito de todas as famílias e


um dever do Estado, com a colaboração da sociedade e o objetivo de atender ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil, e os Estados


e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.

No tocante à igualdade das pessoas portadoras de deficiência, a Constituição determinou em


seu art. 227 §2 que a lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso
público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às
pessoas portadoras de deficiência. Além disso, assegura a reserva de cargos e empregos públicos, proíbe
a discriminação salarial e determina a habilitação e reabilitação para a promoção de sua integração à
vida comunitária.

Exemplo de aplicação

O Instituto Mara Gabrilli (IMG) atua em projetos que resgatam a dignidade e a autonomia de
pessoas com deficiência, além de desenvolver publicações, disponíveis para download, para instruir
a população sobre seus direitos e possibilidades. Um dos projetos desenvolvidos pelo Instituto é
o Cadê você?, que localiza e identifica pessoas com deficiência residentes nas comunidades mais
carentes do município de São Paulo, avalia suas condições de vida, sua situação socioeconômica,
seus recursos de acessibilidade e cria uma rede de proteção, levando informações sobre os principais
serviços existentes nas áreas de saúde, trabalho, acessibilidade, educação e direito.

Conforme as informações do Instituto, há uma equipe do projeto Cadê você? formada pelos seguintes
profissionais: assistente social, fonoaudiólogo, psicólogo, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional.

E no seu município, existem ações de institutos voltadas às crianças, às pessoas idosas, às pessoas
portadoras de deficiência ou aos indígenas? Reflita.

Saiba mais
Para conhecer melhor o projeto Cadê você?, acesse:
INSTITUTO MARA GABRILLI. Projeto Cadê Você? São Paulo: IMG, 2015.
Disponível em: https://urx1.com/wAcOI. Acesso em: 28 jan. 2020.

Como já sabemos, a Constituição de 1988 é fruto da consolidação da democracia no Brasil. Assim,


existiam muitos desejos de mudança e necessidades reais de regulamentação. É o caso do regramento

72
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

da comunicação social. Esse regramento é resultado da censura administrativa, levada a efeito pelos
órgãos do poder executivo. É por isso que o art. 220 determina que a manifestação do pensamento, a
criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer
restrição, observado o disposto na Constituição.

Uma questão sensível é a propaganda de tabaco. A regulamentação da Lei Antifumo n. 12.546


(Brasil, 2011b) é um dos principais temas abordados pelos especialistas. Sancionada em dezembro de
2011, a lei proíbe a propaganda em pontos de venda de cigarros, como padarias e lanchonetes, além de
proibir o fumo em ambientes fechados.

No que tange à disciplina constitucional do meio ambiente, o art. 225 determina que todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações.

A governança ambiental busca minimizar os impactos ambientais que ações governamentais ou


empresariais podem ocasionar. Os danos ambientais não conhecem fronteiras, causando prejuízos a empresas
e países. Desse modo, os países limítrofes e/ou mesmo distantes devem respeitar as regras de proteção. É por
isso que as questões ambientais são tratadas, via de regra, em sede de direito internacional.

Apresentaremos aqui um panorama de princípios de direito ambiental, que expõem a forma pela
qual a ciência jurídica entende e interpreta as questões relativas ao meio ambiente:

Quadro 7 – Panorama de princípios de direito ambiental

Princípio do desenvolvimento Princípio do


Princípio da ubiquidade sustentável poluidor/usuário-pagador

Princípio da prevenção
Princípio da precaução
Princípio da participação
Princípio da função socioambiental da
Princípio da cooperação dos povos Princípio da informação ambiental propriedade privada
Princípio da educação ambiental Princípio do usuário-pagador
Princípio da responsabilidade ambiental

A seguir, vamos conhecer melhor cada um desses princípios:

• Princípio da ubiquidade: o bem ambiental não encontra qualquer fronteira, seja espacial,
seja territorial, seja mesmo temporal. A reparação deve ser a mais ampla possível, levando em
consideração não apenas o ecossistema diretamente afetado, mas todos aqueles outros que
sofrem consequências negativas, ainda que reflexas, da poluição. A compensação deve atender
aos interesses não apenas das gerações atuais, mas das que estão por vir.

• Princípio do desenvolvimento sustentável: busca, para o progresso econômico e social, a


racionalização no uso dos recursos ambientais, de forma a não apenas satisfazer as necessidades
73
Unidade I

das gerações presentes, mas também não comprometer a capacidade das gerações futuras de
satisfazer as suas próprias necessidades.

• Princípio do poluidor-pagador ou usuário-pagador: princípio a ser usado para alocar custos


das medidas de prevenção e controle da poluição, encorajar (estimular) o uso racional dos recursos
ambientais escassos e evitar distorções do comércio internacional e de investimentos. Isso significa
que o poluidor deve suportar os custos do implemento das medidas mencionadas, decididas pelas
autoridades públicas para assegurar que o ambiente se mantenha em nível aceitável. Em outros
termos, o custo dessas medidas deveria refletir-se no preço dos bens e serviços, cuja produção e
consumo são causadores de poluição. Tais medidas não devem ser acompanhadas de subsídios,
porque desse modo criariam distorções significativas em comércio e investimentos internacionais.

Outra questão importante trazida à Constituição no tópico relativo à ordem social é a proteção da
família, da criança, do adolescente e da pessoa idosa.

Acerca da família, a definição e os arranjos sociais foram alterados no curso do tempo. A CF/88
preserva a situação de grupo, sem preocupação com gênero e formação de casal (admitindo-se a
formação de família para os casos de famílias constituídas por um membro e seus descendentes).

Merecem situação especial a criança e o adolescente, conforme art. 227 da CF/88:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil, 1988).

Repare no comando legal e na sucessão de agentes que devem cuidar da criança, do adolescente e
do jovem: primeiro a família, depois a sociedade e, por fim, o Estado. Nessa questão social tão sensível,
existe uma figura essencial na proteção desse grupo de pessoas: o conselho tutelar.

O conselho tutelar é um órgão municipal responsável por zelar pelos direitos da criança e do
adolescente. Formado por membros eleitos pela comunidade para mandato de três anos, é um órgão
permanente e possui autonomia funcional, ou seja, não é subordinado a qualquer outro órgão estatal.

Segundo consta no artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são atribuições do
conselho tutelar e, consequentemente, do conselheiro tutelar atender não só crianças e adolescentes,
mas também atender e aconselhar pais ou responsáveis. O conselho tutelar deve ser acionado sempre
que se perceba abuso ou situações de risco contra a criança ou o adolescente, como em casos de
violência física ou emocional. Cabe ao conselho tutelar aplicar medidas que zelem pela proteção dos
direitos da criança e do adolescente.

74
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

Saiba mais

Sugerimos a leitura do livro a seguir, publicado num momento em que


o governo federal e a sociedade civil começaram a debater de forma mais
profunda o problema da violência em todas as suas formas e manifestações:

CARLSSON, U.; VON FEILITZEN, C. A criança e a violência na mídia.


Brasília: UNESCO Brasil, 1999. Disponível em: https://urx1.com/gSOmJ.
Acesso em: 28 jan. 2020.

Medidas constitucionais também alcançaram pessoas idosas, fim de preservar a sua qualidade de
vida, nos termos do art. 230:

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as


pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo
sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados


preferencialmente em seus lares.

§ 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos


transportes coletivos urbanos (Brasil, 1988).

No Brasil, a Lei n. 10.741 (Brasil, 2003) dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa. Mas você sabe quem
é a pessoa idosa nos termos da lei? São aquelas pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta)
anos. É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação
de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.

Finalmente, sobre a proteção do índio, a Constituição preocupa-se em garantir-lhes o solo, fonte


de suas riquezas, bem como a sua cultura. Estatuto do Índio é o nome pelo qual ficou conhecida a Lei
n. 6.001 (Brasil, 1973b), que dispõe sobre as relações do Estado e da sociedade brasileira com os índios. Em
linhas gerais, o Estatuto seguiu um princípio estabelecido pelo velho Código Civil brasileiro (Brasil, 1916):
de que os índios, sendo “relativamente incapazes”, deveriam ser tutelados por um órgão indigenista
estatal – de 1910 a 1967, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), e, atualmente, a Fundação Nacional do
Índio (Funai) – até que eles estivessem “integrados à comunhão nacional”, ou seja, à sociedade brasileira.

75
Unidade I

Figura 16

Disponível em: https://urx1.com/nRWj2. Acesso em: 1º set. 2023.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), a Constituição de 1988 rompe essa tradição secular
ao reconhecer aos índios o direito de manter a sua própria cultura. Há o abandono da perspectiva
assimilacionista, a qual entendia os índios como categoria social transitória, a serem incorporados à
comunhão nacional. Pondera o Instituto que a Constituição não fala em tutela ou em órgão indigenista,
mas mantém a responsabilidade da União de proteger e fazer respeitar os direitos indígenas.

Desde a promulgação da Constituição, surgiram propostas em tramitação no Congresso para


rever a legislação ordinária relativa aos direitos dos índios. A partir de 1991, projetos de lei foram
apresentados pelo executivo e por deputados para regulamentar dispositivos constitucionais
e adequar a velha legislação aos termos da nova Carta. Em 1994, uma proposta do Estatuto das
Sociedades Indígenas foi aprovada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, mas se
encontra paralisada em sua tramitação.

4.8 Disposições constitucionais gerais

Nas disposições gerais da Constituição, existem diversos artigos que tratam de temas variados.
Entre esses temas, merecem destaque as orientações para os dez anos da criação de um novo
Estado na Federação, atribuição constitucional específica ao Ministério da Fazenda para fiscalizar
o comércio exterior.

Sobre a matéria penal, as disposições gerais determinam que as propriedades rurais e urbanas de
qualquer região do país onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração
de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de
habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas
em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º, sobre a função social da propriedade. Além disso,
estabelecem que todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito

76
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e revertido em


fundo especial com destinação específica, na forma da lei.

4.9 Ato das disposições constitucionais transitórias

O ato das disposições constitucionais transitórias (ADCT) é uma norma transitória, isto é, de irradiação
de eficácia (vigência) delimitada pela sua finalidade: cadenciar a organização e o funcionamento – e,
portanto, a oferta dos serviços da administração pública – dos poderes da República, simétricos ao
ordenamento jurídico advindo da Constituição Federal de 1988.

A finalidade do ADCT é estabelecer regras de transição entre o antigo ordenamento jurídico e o novo,
instituído pela manifestação do poder constituinte originário, providenciando a cadência e a concatenação
do antigo e do novo direito edificado.

Assim, o ADCT versa sobre a execução orçamentária concatenada pela organização dos poderes da
República e de seu funcionamento, sempre em vista do lastro sócio histórico da CF/1988. Encampada
a soberania pelo povo, o estado democrático de direito, sob ordenamento jurídico soberano, ultrapassa
o regime militar mediante o poder de império outorgado ao poder judiciário, titular único e exclusivo
da iuris dicere (tutela jurisdicional), eis que a titularidade soberana do poder de império: potestade de
dizer o direito, apenar, empregar força coercitiva (monopólio da violência legitimada, dotada de auto
executoriedade própria do poder geral de cautela) por meio do exercício da iuris dicere.

Com relação ao conteúdo do ADCT, a própria consultoria legislativa do Senado Federal, em trabalho
elaborado por RAAD (2005), alerta que é preciso pôr fim a essa tendência (de inserir ou manter conteúdos
no ADCT), pois, de resto, na maior parte das vezes, as disposições inseridas no ADCT poderiam pura e
simplesmente figurar como artigos das emendas que as contemplaram de modo irregular.

Uma das matérias trazidas no ADCT foi a previsão, no art. 2º, da realização de um plebiscito para
eleger o sistema de governo da República. O plebiscito ocorreu no dia 21 de abril de 1993, sendo que
a República e o sistema presidencialista de governo foram mantidos pela população. Pelo artigo, a
consulta popular estava marcada originalmente para ocorrer no dia 7 de setembro de 1993, mas foi
antecipada para 21 de abril de 1993 pela Emenda Constitucional n. 2, de 25 de agosto de 1992. O resultado
foi que, de um universo de 90.256.461 eleitores na época, compareceram às urnas 66.209.385 (73,36%),
sendo que 551.043 votaram em trânsito na ocasião. A República foi escolhida por 43.881.747 (66,28%)
eleitores, e a Monarquia recebeu 6.790.751 (10,26%) votos. Votaram em branco nesse item 6.813.179
(10,29%) eleitores, e 8.741.289 (13,20%) anularam o voto. Já 36.685.630 (55,41%) eleitores optaram
pelo sistema presidencialista de governo, e 16.415.585 (24,79%) pelo parlamentarista. Votaram em
branco nesse item 3.193.763 (4,82%) eleitores, e 9.712.913 (14,67%) votaram nulo.

77
Unidade I

Resumo

O homem é um ser social, e, por isso, em toda sociedade deve existir


um conjunto de normas a serem respeitadas. Assim, a origem do direito é
a origem do próprio homem. A expressão latina sintetiza claramente essa
ideia: ubi societa, ibi jus (“onde há sociedade, existe o direito”).

O conceito de direito pode ser interpretado como norma, na medida


em que representa a lei, uma faculdade, porque é uma capacidade dada
ao sujeito de exercê-la e é também uma ciência social aplicada. Direito
também tem a conotação de justiça, ou do que é justo, aquilo que deve ser
preservado nas relações sociais.

Na Antiguidade, a lei do talião determinava a proporcionalidade entre


a conduta considerada criminosa e a retaliação aplicada às pessoas que
violavam os preceitos de bem comum.

A grande contribuição romana para o direito é a literatura jurídica, e um


dos documentos mais importantes do direito romano foi o Corpus Iuris Civilis.

O direito objetivo é o conjunto de normas existentes, ao passo que o


direito subjetivo representa a permissão que as pessoas têm de invocar
as normas jurídicas em seu favor. O direito e a moral se diferenciam pelo
campo de atuação, pelos objetivos, pela forma e aplicação da sanção. A
moral está no indivíduo, e o direito é a parte social, sendo que a justiça é o
seu principal valor.

O direito pode ser classificado em privado, que trata dos interesses


das pessoas, e público, que se divide em interno e externo e que trata dos
interesses das sociedades. As fontes do direito são classificadas em formais
(leis, doutrina, jurisprudência e contratos) e subsidiárias (analogia, costumes
e princípios gerais de direito).

A lei possui uma organização que parte da Constituição Federal, leis


complementares e ordinárias, medidas provisórias, decretos e outras
espécies normativas, como resoluções, portarias etc.

A lei entra em vigor em todo o território nacional após 45 dias da sua


publicação, exceto se houver disposição em contrário, que a faça valer
antes ou depois desse período.

78
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

A Constituição Federal pode ser classificada quanto à origem em


promulgada ou outorgada, quanto à forma em escrita ou não escrita
(costumeira) e quanto à estabilidade em rígida ou flexível.

A República Federativa do Brasil possui uma forma de Estado federativa,


uma forma de governo republicana e um sistema de governo presidencialista.
São esses os três pilares da organização nacional dada na CF.

Os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil são a


soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

O artigo 5º da CF possui 76 incisos que dispõem sobre os direitos e


as garantias individuais gerais e de natureza penal. Entre as garantias
individuais gerais, estão: a liberdade de pensamento; a liberdade de
consciência e religiosa; a liberdade de expressão; o direito à privacidade; a
inviolabilidade do lar; o sigilo de correspondência; o direito de propriedade
e o direito à herança.

A Constituição Federal de 1988 trouxe, no título VI, a tributação


e o orçamento com suas regras básicas, que orientam a conduta tanto
dos particulares administrados, no caso da arrecadação, quanto dos
administradores públicos, quando se trata da forma de o agente público
gastar os seus recursos.

A ordem social brasileira está baseada no primado do trabalho e tem


por objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Essa ordem social está prevista
nos arts. 193 a 232 da Constituição.

O Ato das Disposições Constituicionais Transitórias versa sobre as regras


de transição entre o antigo ordenamento jurídico, anterior a 1988, e o novo
direito que estava sendo edificado.

79
Unidade I

Exercícios

Questão 1. José Sofrimento procurou um amigo que estuda direito porque ele está com problemas
conjugais e deseja se separar. Ele não é casado, mas vive em regime de união estável com uma pessoa
que é funcionária na loja de material de construção que ele possui. Na verdade, ela é funcionária, mas
não tem carteira assinada, porque ele preferiu que ela constasse no contrato social da empresa como
sócia, com 1% do capital social. José Sofrimento pretende romper o vínculo da união estável e também
pretende que a moça não trabalhe mais na loja, porque a situação vai ficar constrangedora após a
separação. O colega de José pensou muito antes de concluir que o problema é complicado porque
existem aspectos de:
A) Direito de família, direito empresarial e direito previdenciário.

B) Direito de família, de sucessões e direito do trabalho.

C) Direito de família, direito tributário e direito do trabalho.

D) Direito civil, direito empresarial e direito do trabalho.

E) Direito constitucional, direito administrativo e direito tributário.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: direito de família é um dos ramos de direito civil, assim, o correto seria direito civil;
direito empresarial está correto e será utilizado para que o vínculo societário seja desfeito, porque na
verdade ele é falso; e, o direito do trabalho está correto porque a funcionária que era uma falsa sócia
vai alegar que tinha direitos trabalhistas que lhe foram negados, em razão da estratégia de colocá-la no
contrato social da empresa.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: direito de família e sucessões são áreas do direito civil e, nesse caso, somente o
direito de família será utilizado para o desfazimento do vínculo de união estável, porque a sucessão
se estabelece apenas quando ocorre a morte de alguém que tinha bens a serem partilhados entre
sucessores, quase sempre o cônjuge sobrevivente, descendentes e ascendentes. A utilização do direito do
trabalho está correta porque a funcionária que foi falsamente colocada como sócia da empresa e tem
direitos trabalhistas a exigir de seu ex-companheiro e empregador.

80
INSTITUIÇÕES DE DIREITO

C) Alternativa incorreta.
Justificativa: direito de família é um ramo do direito civil e será utilizado para a separação da união
estável do casal; o direito tributário não será utilizado porque não estão em discussão tributos a serem
recolhidos; e o direito do trabalho será utilizado porque a falsa sócia da empresa atuava como empregada
e, por isso, tem direitos a exercer.

D) Alternativa correta.
Justificativa: o problema colocado no enunciado da questão será solucionado com a utilização do
conhecimento de três áreas do direito: civil, para solucionar o rompimento da união estável do casal;
empresarial, para solucionar o contrato social da empresa que falsamente colocava como sócia alguém
que, na verdade, era empregada; e, direito do trabalho, para que a funcionária possa requerer todos
os valores que deixaram de ser pagos durante o período em que ela figurou falsamente como sócia e
trabalhou como empregada.

E) Alternativa incorreta.
Justificativa: os três são ramos do direito público, que não será utilizado para solucionar essa questão
que é oriunda de uma relação privada de casal, aliada com uma relação empresarial e trabalhista.

Questão 2. A Destroy All é uma empresa de construção de condomínios residenciais e empresariais


que pretende aprovar um projeto para construção de duas mil unidades residenciais e três torres de
edifícios para empresas e escritórios em uma região próxima à cidade de Salvador, Estado da Bahia, área
de mangue e com intensa necessidade de proteção ambiental. O projeto vai gerar empregos e aumentar
o recolhimento de tributos no município e no estado, porém é, sem dúvida, fortemente agressivo à
preservação ambiental. O parecer dos técnicos é contrário ao projeto e isso provocou muita polêmica,
mas eles estão alicerçados no princípio:

I – Do desenvolvimento sustentável.
II – Da ubiquidade.
III – Da autonomia da vontade.

Assinale a alternativa correta:

A) I, somente.
B) II, somente.
C) III, somente.
D) I e II, somente.
E) I e III, somente.

Resposta correta: alternativa D.


81
Unidade I

Análise das alternativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: o princípio do desenvolvimento sustentável é da área de direito ambiental e determina


que o progresso econômico e social só pode ser viabilizado mediante racionalização do uso dos recursos
naturais, de forma a atender os interesses das gerações atuais e preservar os das futuras gerações.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: princípio da ubiquidade é aquele que tem por objetivo garantir a proteção ao meio
ambiente, que será sempre considerado um fator relevante para ser estudado preventivamente antes de
qualquer atividade, pública ou privada, com objetivo de preservar a qualidade de vida no planeta.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o princípio da autonomia da vontade é aquele que permite às partes, no contrato,


agirem em total consonância com sua vontade. Esse princípio é fortemente relativizado no direito
ambiental porque não há interesse privado que seja superior ao interesse público de preservação da
vida e da qualidade de vida no planeta.

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