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Pensamento Político

Brasileiro
Autora: Profa. Angélica Lúcia Carlini
Colaboradoras: Profa. Josefa Alexandrina da Silva
Profa. Ivy Judensnaider
Professora conteudista: Angélica Lúcia Carlini

Graduada em Direito pela Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica – PUC de São Paulo
(1982). Possui mestrado em História Contemporânea pelo Programa de Pós‑Graduação do curso de História da PUC
de São Paulo. Mestre em Direito Civil pelo Programa de Pós‑Graduação do curso de Direito da Universidade Paulista
– UNIP (2002). Doutora em Educação pela PUC de São Paulo (2006). Também possui doutorado em Direito Político e
Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012).

Atualmente, leciona a disciplina de Pensamento Político Brasileiro no curso de Licenciatura em Ciências Sociais da
Universidade Paulista – UNIP.

Atua na UNIP como professora da graduação em Direito desde 1998. Nesse período, já ministrou aulas das seguintes
disciplinas: Filosofia do Direito, História do Direito, Hermenêutica, Direito Empresarial e Direito do Consumidor.

Também é professora‑convidada de cursos de pós‑graduação em Direito em vários locais do Brasil, como Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e o interior do Estado de São Paulo.

É membro da Comissão de Qualificação e Avaliação da Universidade Paulista – UNIP.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C282f Carlini, Angélica Lúcia.

Pensamento Político Brasileiro. / Angélica Lúcia Carlini. – São


Paulo: Editora Sol, 2015.

140 p. il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-081/15, ISSN 1517-9230.

1. História do pensamento político brasileiro. 2. Autoritarismo e


populismo. 3. Teóricos do pensamento político brasileiro. I.Título.

CDU 32

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
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Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Vitor Andrade
Juliana Mendes
Sumário
Pensamento Político Brasileiro

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 PRIMEIRAS REFLEXÕES.....................................................................................................................................9
2 HISTÓRIA DO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO........................................................................... 13
2.1 A expansão portuguesa e o descobrimento............................................................................... 15
2.2 Os índios e os negros na formação da sociedade brasileira................................................ 17
2.3 Organização política colonial – Igreja e Coroa......................................................................... 26
2.4 Organização econômica colonial: a propriedade da terra e a produção........................ 35
3 PRINCIPAIS AUTORES E TEORIAS............................................................................................................... 40
3.1 Características do pensamento político brasileiro................................................................... 63
4 PANORAMA POLÍTICO BRASILEIRO NO IMPÉRIO E NA PRIMEIRA REPÚBLICA....................... 65
4.1 O patrimonialismo................................................................................................................................ 68
4.2 Nacionalismo.......................................................................................................................................... 72
4.3 O pensamento liberal conservador................................................................................................ 76

Unidade II
5 O BRASIL: AUTORITARISMO E MASSAS................................................................................................... 84
5.1 O coronelismo......................................................................................................................................... 84
6 O AUTORITARISMO E O PENSAMENTO POLÍTICO................................................................................ 91
7 O POPULISMO NA POLÍTICA BRASILEIRA............................................................................................... 97
8 TEÓRICOS DO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO........................................................................103
8.1 Joaquim Nabuco..................................................................................................................................103
8.2 Oliveira Viana........................................................................................................................................106
8.3 Sérgio Buarque de Holanda............................................................................................................110
8.4 Raimundo Faoro..................................................................................................................................114
8.5 Caio Prado Júnior................................................................................................................................117
8.6 Francisco Weffort................................................................................................................................121
APRESENTAÇÃO

Estudar ciência política é muito importante na sociedade contemporânea, tanto no Brasil como em
todo o mundo.

Atualmente, vivenciamos um momento histórico, marcado por sucessivas e rápidas mudanças sociais
e econômicas, e, para entender por que essas transformações ocorrem e o que elas impactam na vida
das pessoas, é necessário ter bom conhecimento de política.

No plano interno da sociedade brasileira também vivemos inúmeros acontecimentos que para serem
compreendidos com maior amplitude dependem de conhecimento sobre política. Alguns bons exemplos
são: a violência urbana e na área rural; os movimentos sociais como o MST; a escassez de políticas
públicas para as áreas de saúde e educação, que ainda são bem precárias no Brasil; a discussão sobre a
viabilidade e a eficiência de políticas públicas como o Bolsa Família, a inclusão por meio de cotas raciais
ou cotas sociais; todas essas são questões sociais e econômicas que precisam ser estudadas para serem
compreendidas de forma mais ampla.

Os debates da última eleição nacional foram marcados por um tom bastante agressivo, em especial
nas redes sociais. Muitas pessoas se desentenderam com amigos e familiares em razão das diferentes
opções de voto, em especial no segundo turno, quando a disputa é restrita a apenas dois candidatos.

De fato, eleições presidenciais diretas ocorrem no Brasil desde 15 de novembro de 1989. Antes disso,
ficamos por 25 anos (desde 1964 até 1989) sem tal privilégio.

Entre 1964 e 1985 vivemos o tenebroso período da Ditadura Militar, que suprimiu o direito de livre
escolha de governantes, além de proibir todas as formas de manifestação do pensamento, fosse esta da
imprensa, do povo, de estudantes etc.

Essa época deixou marcas profundas na sociedade brasileira, que ainda tenta superá‑las. Um dos
sinais pode ser a tradicional aversão ou pouca importância que a população brasileira dedica às questões
políticas. Isso não é um defeito! É consequência do fato de termos vivido muitos momentos políticos
conturbados, autoritários, em que o povo foi deliberadamente afastado das decisões políticas por setores
sociais organizados que desejavam ocupar o poder sem interferências.

Tais ocorrências não são características somente no Brasil, pois muitos países do mundo ainda
apresentam resquícios da herança autoritária e ditatorial e hoje tentam encontrar melhores caminhos
para sua organização política, social e econômica.

Esta obra destaca os períodos ditatoriais de alguns países na América Latina, por exemplo, Uruguai,
Paraguai, Argentina, Chile, que sofreram torturas e violação de direitos humanos nas décadas de 1960 e
1970, e até hoje esses fatos repercutem nas questões políticas contemporâneas dessas nações.

Pensar sobre política é muito mais do que saber decidir adequadamente nas urnas. Essa é uma parte
importante do processo político, mas não é tudo! O livro‑texto destaca que é preciso entender: por que a
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sociedade se organiza de uma forma, e não de outra; qual a razão de nossas instituições apresentarem problemas
de eficiência e por vezes até de credibilidade, como acontece com o Poder Legislativo e com o Executivo.

O objetivo desta disciplina é permitir aos alunos de Licenciatura em Ciências Sociais que adquiram
amplo conhecimento sobre os principais aspectos da formação histórica do pensamento político
no Brasil, seus protagonistas centrais e as ideias que difundiram. Sua meta é estudar a formação do
pensamento político brasileiro.

Com as reflexões das ideias apresentadas neste livro‑texto, exige‑se que o aluno analise de forma crítica
a realidade social e política em que vive e, na sua atividade profissional como professor, pesquisador ou
agente público, desenvolva estratégias de ação fundamentadas em seus conhecimentos, a fim de garantir
que a atuação seja ética, comprometida com a história brasileira e suas lições e, em especial, condizente
com o ideal republicano e constitucional de formação de uma sociedade mais solidária e mais justa.

Para todo aluno que se licenciar em Ciências Sociais, é fundamental possuir conhecimento
da formação histórica, política, social e econômica do Brasil, e, para isso, o estudo do pensamento
político brasileiro adquire especial importância e funcionalidade, pois permitirá ao futuro profissional
compreender as razões que nos trouxeram até este momento histórico e o potencial que esta sociedade
tem para determinar como será o seu futuro.

Ao trabalho!

INTRODUÇÃO

Na Unidade I são apresentados dois tópicos importantes: a introdução ao pensamento político


brasileiro e o panorama político brasileiro no Império e na Primeira República.

Conheceremos os principais estudiosos do tema e suas ideias, bem como as características do


pensamento político nacional.

Alguns aspectos vão merecer estudo mais aprofundado em razão de sua relevância, como o
patrimonialismo, o nacionalismo e o pensamento liberal conservador.

Na Unidade II teremos dois grandes eixos de reflexão: autoritarismo e massas; e os teóricos do


pensamento político brasileiro.

Para a compreensão desses momentos, vamos analisar os fenômenos políticos do coronelismo, do


autoritarismo e do populismo. Em seguida, visitaremos o pensamento dos teóricos mais expressivos do
pensamento político brasileiro, que são: Joaquim Nabuco, Oliveira Viana, Sérgio Buarque de Holanda,
Raimundo Faoro, Caio Prado Júnior e Francisco Weffort.

A apresentação desse conteúdo será ampliada com as sugestões de leituras e filmes que este trabalho
vai contemplar, de modo que o aluno possa participar intensamente da construção do conhecimento,
tornando‑se protagonista de sua formação profissional e intelectual.
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Unidade I
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

1 PRIMEIRAS REFLEXÕES

Algumas indagações são fundamentais quando iniciamos o estudo sobre a construção de um


pensamento político brasileiro. A primeira delas com certeza é: existe um conceito único de política?
Ou seja, quando utilizamos a palavra política, todos nós atribuímos a ela o mesmo conjunto de
significações?

Figura 1 – Congresso Nacional

Para algumas pessoas, política é sinônimo do exercício da atividade parlamentar ou da atividade


do Poder Executivo, quase sempre representado pelo cargo maior – Presidência da República. Para
outros, representa o trabalho realizado nas câmaras dos incontáveis municípios existentes no país e que
muito rapidamente repercute na vida do cidadão comum, por exemplo, o aumento do Imposto Predial
Territorial Urbano, conhecido como IPTU.

Há ainda quem diga que a política tem uma conotação pejorativa, de algo que se faz não exatamente
às claras, ou que representa estratégias e mecanismos de favorecimento de interesses escusos, como
suborno, corrupção. É nesse sentido que parte da população utiliza a expressão “politicagem”, ou seja,
aquilo que não é limpo, honesto, que não se destina a garantir o bem comum, mas apenas interesses
privados e desonestos.

Qual é, então, o sentido que devemos atribuir à política neste trabalho, o qual se dispõe a estudar a
formação do pensamento político brasileiro?

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Unidade I

Veja a seguinte definição de política:

Derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), que significa tudo o que


se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público, e até
mesmo sociável e social, o termo política se expandiu graças à influência
da grande obra de Aristóteles, intitulada Política, que deve ser considerada
como o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisão do Estado, e
sobre as várias formas de Governo, com a significação mais comum de arte
ou ciência do Governo, isto é, de reflexão, não importa se com intenções
meramente descritivas ou também normativas, dois aspectos dificilmente
discrimináveis, sobre as coisas da cidade.

[...] Na época moderna, o termo perdeu seu significado original, substituído


pouco a pouco por outras expressões como “ciência do Estado”, “doutrina do
Estado”, “ciência política”, “filosofia política”, etc., passando a ser comumente
usado para indicar a atividade ou conjunto de atividades que, de alguma
maneira, têm como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado.

Dessa atividade a pólis é, por vezes, o sujeito, quando referidos à esfera


da Política atos, como o ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos
vinculadores para todos os membros de um determinado grupo social,
o exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado território, o
legislar através de normas válidas erga omnes, o tirar e transferir recursos de
um setor da sociedade para outros, etc.; outras vezes, ela é objeto, quando
são referidas à esfera da política ações como a conquista, a manutenção, a
defesa, a ampliação, o robustecimento, a derrubada, a destruição do poder
estatal, etc. (BOBBIO, 2000, p. 954).

Bobbio (2000) reflete ainda sobre as ligações estreitas entre política e moral e entre política e ética.

Política é o conjunto de conhecimentos construídos por uma determinada sociedade em um


momento histórico específico e que permite a esse grupamento social organizar o exercício do poder,
tanto no plano interno como no relacionamento com outras comunidades sociais.

Política é, portanto, decorrência do fato de vivermos em camadas sociais, que modernamente


chamamos de sociedade; esta é quase sempre organizada em estados, com poder político determinado
e regulado por leis.

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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Figura 2 – Aristóteles

Quando tratamos de política, Aristóteles é um dos primeiros pensadores a que se recorre para
estudar, porque foi um dos precursores das reflexões sobre o papel da política na sociedade organizada
pelos homens.

Aristóteles nasceu em Estagira, na Grécia, em 384 a.C. e faleceu em Cálcis, Eubeia, Grécia, em 322 a.C.
Foi discípulo de Platão e tutor de Alexandre, o Grande. É considerado o pai da ciência política ocidental. Foi
o fundador do Liceu, em Atenas, uma escola que desenvolveu pesquisas em várias áreas do conhecimento.
Contudo, o grande destaque dessa personagem foram os estudos de política e de filosofia.

Em seu livro A política, o filósofo faz uma interessante reflexão para nos auxiliar na compreensão da
sociedade em que vivemos.

Assim, o homem é um animal cívico (político), mais social do que as abelhas


e os outros animais que vivem juntos. [...] O Estado, ou sociedade política,
é até mesmo o primeiro objetivo a que se propôs a natureza. O todo existe
necessariamente antes da parte. As sociedades domésticas e os indivíduos
não são senão as partes integrantes da Cidade, todos subordinados ao
corpo inteiro, todas distintas por seus poderes e suas funções, e todas
inúteis quando desarticuladas, semelhantes às mãos e aos pés que, uma vez
separados do corpo, só conservam o nome e a aparência, sem a realidade,
como uma mão de pedra. O mesmo ocorre com os membros da Cidade:
nenhum pode bastar‑se a si mesmo. Aquele que não precisa dos outros
homens, ou que não pode resolver‑se a ficar com eles, ou é um deus ou é um
bruto. Assim a inclinação natural leva os homens a este gênero de sociedade
(ARISTÓTELES, 2000, p. 5).

Para Aristóteles, a sociedade é o eixo do indivíduo. Destaca que só seria o contrário salvo este fosse
um deus, ou seja, uma figura mítica capaz de solucionar todos os seus problemas e ter total domínio

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Unidade I

sobre seus destinos, o que sabemos ser surreal. Dessa forma, o homem só desenvolverá plenamente seu
potencial se inserido em uma sociedade.

O Estado surge na história da humanidade para estabelecer direitos e deveres de cada membro do
grupo social, para que essa organização permita o bem‑estar da população.

O envolvimento político é inerente a cada um que vive em um determinado grupo social. Participar
de escolhas, de decisões, opinar e contrapor‑se às opiniões, propor ideias e soluções, votar e ser votado,
expressar o pensamento com liberdade e independência, tudo isso se constitui em modalidades de
práticas políticas que podem ser exercidas pelas pessoas nas sociedades contemporâneas.

Nos estados organizados em direitos e deveres, todos os indivíduos, independentemente de raça,


sexo, cor, orientação sexual, idade, ou qualquer outra circunstância pessoal, podem expor livremente
seu pensamento, participar politicamente tanto para votar como para ser votado e, principalmente,
criticar e se contrapor de forma pacífica e ordeira a tudo o que considerar equivocado ou que deva ser
modificado.

Ressalta‑se, entretanto, que existem atualmente pessoas que associam política com partidos
políticos. Esses conceitos são diferentes e não devem ser confundidos. Partidos políticos são grupos
específicos de pessoas que se unem por possuírem ideias e projetos semelhantes, que se organizam para
tentar chegar ao poder pelo voto e para instaurar uma ordem legal e legítima, que propicie a efetivação
das concepções que as unem.

No Brasil, existem partidos políticos que defendem ideias trabalhistas, socialistas, ambientalistas,
republicanas, dentre outras. Hoje totalizam 32, e estes podem ser conhecidos acessando o site do
Tribunal Superior Eleitoral.

Pesquisando essa página, será possível obter um panorama da pluralidade política brasileira, o
que será importante para as reflexões sobre a formação do pensamento político nacional. A primeira
pergunta a ser respondida é: por que há uma diversidade tão grande de partidos políticos se boa parte
da população brasileira sequer deseja se vincular a um partido?

Cabe ainda uma rápida reflexão sobre o aparente desinteresse do povo brasileiro na atualidade sobre
as questões políticas do país. A falta de entusiasmo realmente existe ou o cidadão comum não encontra
formas de se manifestar sobre política?

O debate é interessante e atual. As redes sociais têm recebido intensa participação política de seus
usuários, em especial nas últimas eleições presidenciais, como já nos referimos anteriormente.

Será que falta vontade de opinar na política ou não há espaço suficiente para a população se
manifestar?

De todo modo, vamos lembrar o que Bertold Brecht escreveu sobre aqueles que afirmam que não é
preciso se interessar sobre política.
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

O poema de Bertolt Brecht a seguir tem o provocativo nome de O analfabeto político:

O pior analfabeto é o analfabeto político.

Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do
sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a
política.

Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor
abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e
lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

Fonte: Brecht (1988, p. 42).

Eugen Berthold Friedrich Brecht foi um importante dramaturgo e poeta alemão do século XX.
Viveu o período das duas grandes guerras mundiais e, devido ao nazismo, teve de abandonar seu
país natal para viver em outros lugares da Europa. Esse poema, com certeza, é uma excelente
forma de começar uma reflexão sobre política e sua importância na nossa formação profissional
e cidadã.

Lembrete

Os estudos sobre política são feitos em diversas áreas do conhecimento.


Na atualidade, todas as áreas que têm algum vínculo com o Poder Público,
como é o caso de medicina, administração de empresas, contabilidade,
gestão, dentre outras, também precisam conhecer política para se
relacionarem melhor com a administração pública.

2 HISTÓRIA DO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

O pensamento político brasileiro é decorrente da história do Brasil, de sua descoberta pelos


portugueses, das relações entre estes e os espanhóis, do momento histórico que esses países viviam e do
que eles significavam na política e na economia da Europa.

Essa visão não é um dado, ao contrário, é algo construído ano após ano, por períodos históricos
sucessivos e que ainda não se concluíram, o que nos permite expressar desde logo uma indagação:
podemos falar de uma concepção política brasileira ou temos de considerar que existem diversos
pensamentos políticos, variáveis conforme os diferentes períodos históricos?

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Unidade I

É com essa perspectiva, ou seja, de multiplicidade de vivências históricas e sociais que influenciaram
as práticas políticas e as diferentes decisões tomadas pelo poder político, que vamos rever aspectos
fundamentais da história brasileira – do descobrimento aos dias atuais.

Afirma Francisco Carlos Teixeira da Silva:

Quando Cabral aportou suas naus aqui, conforme o próprio relato do seu
escrivão, encontrou índios, florestas, animais selvagens.... Já então isso era Brasil?
Ora, Brasil como nós o sentimos e pensamos hoje, é produto do trabalho, do
esforço, da dor e da alegria; das festas, das comidas, das danças; do português
falado com diferentes acentos e cantado na bossa nova, no samba e no axé; do
feijão com arroz, do vatapá, do tucupi, da carne de sol, do acarajé, do tacacá,
do churrasco; do branco, do negro, do índio; mais ainda, do mestiço, do cafuzo,
do cariboca, do mameluco, do mulato, do pardo e do retinto; do romance
regional, da poesia concreta e do cordel; das cidades futuristas planejadas, do
barroco e do utilitário; das praias ensolaradas, das serras com geadas e da garoa
enfumaçada... Bem, Brasil é uma soma de tudo isso, uma soma que não resulta
num produto só; uma soma de diversos que permanecem vários e, no entanto,
nós reconhecemos como único, o Brasil (apud LINHARES, 1990, p. 33).

Assim, ao falarmos que Cabral descobriu o Brasil – uma lição ensinada desde que sentamos pela
primeira vez num banco de escola – não podemos estar dizendo que o país que vive e palpita em nós já
lá estivesse, naquela manhã enevoada de abril de 1500, a esperar pelas naus portuguesas, pronto para
ser descoberto.

O Brasil ainda precisava, para ser e existir, de muito para acontecer: duras lutas, algumas guerras,
algumas traições; derrotas, epopeias e façanhas; invenção, criatividade e trabalho, muito trabalho. Nada
disso estava lá, em abril de 1500.

O pensamento político brasileiro está em construção desde o descobrimento pelos portugueses


e nunca poderá ser considerado pronto e acabado. O que esta obra poderá agregar a cada um é a
reconstituição organizada e histórica dos vários momentos e aspectos históricos que identificamos
como fundamentais para a concepção política brasileira, mas de maneira alguma poderemos abrangê‑la
completamente, haja vista ela estar em pleno processo de construção.

Um olhar investigativo é que nos permitirá responder à pergunta que Raimundo Faoro formulou em
um ensaio publicado em 1987, denominado Existe um pensamento político brasileiro?

Nesse texto, ele nos fornece elementos sólidos para efetivarmos uma trajetória de investigação
científica sobre o pensamento político brasileiro, quando afirma:

O pensamento político é uma atividade, a atividade é o território da prática.


A atividade é e ainda não é. A atividade envolve uma discrepância entre o
que é o e o que desejamos que venha a ser.
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Há na atividade e, a fortiori, na prática, o trânsito entre formas e estruturas


de existência, em dupla perspectiva. De um lado, no território do ser, de
outro lado, no campo do valor. O que é virá a ser, mas virá a ser de acordo
com valores: o direito, a justiça, limitados o ser e o valor pela sugerência.
Esta dimensão vincula a prática à experiência, ao saber informulado e à
realidade. A realidade política não existe fora da experiência, salvo nas
projeções epistemológicas do realismo ingênuo. A prática política descende,
portanto, da ética, mas não é a ética, embora ambas participem da razão
prática. A atividade que está no campo político participa do campo do ser,
sem que seja mero valor: é o ser que se desenvolve num mundo de valores.

[...] O pensamento político, porque atividade, contém carga crítica, que não se
confunde com a escolástica, nem participa da visão teórico‑contemplativa.
Como valor e como o ser que virá a ser, corrosivo da ideologia e do imobilismo
da filosofia prática. Acompanha e potencializa a dialética social, à qual se
vincula, sem ser mero reflexo, por meio de manifestações múltiplas, que
não estão necessariamente submersas no saber formulado, com o rótulo
político. Em certos momentos, o pensamento político se expressa melhor
na novela do que no discurso político, mais na poesia do que no panfleto
de circunstâncias. Repele as especializações, expandindo‑se em todas as
manifestações culturais, ainda que se afirme o congelamento ideológico e o
enciclopedismo filosófico (FAORO, 1987, p. 14‑5, grifo do autor).

O texto de Faoro nos oferece excelentes pistas de como pesquisar o pensamento político brasileiro.
Principalmente na atividade social, na diversidade da organização política ao longo da história brasileira,
nas idas e vindas das escolhas do poder, nas aparentes contradições da trajetória histórica, entre outros
aspectos vivos e dinâmicos. Dessa forma é que vamos encontrar a formação de um pensamento político
que se pode chamar de brasileiro.

E como pensar o Brasil é também pensar a influência portuguesa, espanhola e holandesa, do


descobrimento do país ao Primeiro Reinado, da República aos tempos contemporâneos, é necessário
resgatar aspectos históricos que vão nos auxiliar a identificar a construção da visão política nacional.

A reconstrução dos principais fatos históricos do Brasil que será feita a seguir servirá,
fundamentalmente, para que possamos perceber que muito da nossa organização política e social
contemporânea é resultado do processo histórico vivido pela sociedade brasileira, e que o pensamento
político do país igualmente resulta dessa trajetória histórica.

2.1 A expansão portuguesa e o descobrimento

A expansão marítima portuguesa é decorrente de inúmeros fatores econômicos, políticos e


geográficos. De fato, a localização de Portugal próxima às ilhas do Oceano Atlântico e das costas da
África facilitaram a navegação, que, naquele momento histórico, dependia de correntes marítimas
favoráveis, e elas eram encontradas naquela região.
15
Unidade I

Entretanto, isso não foi tudo. Os portugueses haviam acumulado experiência no comércio marítimo
nos séculos XIII e XIV e, amparados por um consenso de interesses da monarquia, dos nobres e dos
membros da Igreja, a expansão marítima tornou‑se um projeto nacional. De fato, ela interessava tanto
como oportunidade de novas riquezas sempre necessárias para os gastos da monarquia; era cobiçada
pelos nobres, que cultivavam o imaginário de servir ao rei e a Deus com tal atividade, ou seja, ter uma
ação realmente motivadora e à altura da nobreza; estava nos planos da Igreja, que praticaria o trabalho
de evangelização em novas terras com um desafio novo; e, ainda, interessava ao povo, para quem a
oportunidade de trabalho nas embarcações era uma possibilidade real de melhoria de vida.

Isso contribuiu de forma decisiva para que os portugueses tivessem na expansão marítima um projeto
de longa duração, que atravessou vários séculos. A proposta era permeada pelo objetivo de evangelizar em
novas terras. Não havia, no entanto, uma iniciativa política de como agir em relação às terras que viessem
a ser conquistadas e quais os objetivos a serem alcançados em termos de atuação social e política após
o descobrimento. Isso explica, em parte, que a alternativa tenha sido pela prática do extrativismo, que
dominou as relações com a terra brasileira nos primeiros anos que se seguiram ao descobrimento.

Quando se trata de analisar os primeiros anos dos portugueses nas terras que mais tarde todos
chamamos de Brasil, é imperioso fazer a seguinte reflexão: não houve descobrimento! Essa é uma forma
de pensar parcial e que não dá conta da realidade, embora tenha sido aquilo que todos nós aprendemos
nas primeiras lições de História do Brasil que tivemos nos primeiros anos de estudo.

Francisco Carlos Teixeira da Silva nos propõe um novo olhar sobre a chegada dos portugueses:

Cabral descobriu o Brasil? Não, claro que não. Cabral e seus homens, com
a bandeira de Portugal, a cruz da Ordem de Cristo e seus mercadores,
chegaram a uma terra nova, um mundo que era desconhecido para eles,
portugueses, e só para eles (os portugueses, e por extensão, os europeus)
descobriram algo novo.

A terra tocada pela esquadra portuguesa não estava deserta, abandonada


ou sem dono: cá estavam um grupo de homens, quase três milhões de
índios, que já lutavam entre si pela posse dos melhores risos, os bons vales e
as praias mais piscosas.

Apenas haveria descoberta do ponto de vista da ignorância europeia, nos


dirá um historiador português, ciente da visão de mão única embutida na
expressão descobrimento. Assim, descobrir só tem sentido do ponto de vista
que não sabe, não conhece ou nunca viu – descobre quem está fora, do
exterior. As terras, o mar e as gentes que virão um dia a ser chamadas de
Brasil, lá estavam, independente da ciência ou da ignorância dos europeus.

[...] Assim, como o historiador espanhol Sanchez de la Cuesta destacou desde


1967, não se descobriu um país em 1500: deu‑se um encontro, contato
imediato, entre povos, culturas, civilizações (apud LINHARES, 1990, p. 33).
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

É, sem dúvida, uma perspectiva bastante interessante para pensarmos a chegada dos portugueses
ao Brasil, ou seja, não mais com uma visão unilateral de “descoberta”, mas de um encontro dos mais
significativos entre povos diferentes, com culturas e valores distintos, que, a partir daquele momento,
dividiram o mesmo espaço físico e legaram para as futuras gerações aspectos econômicos, sociais e
políticos, que temos de repensar continuamente para ampliar nosso aprendizado.

Observação

Utilizamos diversas palavras de origem tupi‑guarani: Itu, Bauru,


Indaiatuba, abacaxi, jacaré, jaboti etc. Com toda essa influência, é curioso
não termos estudado com maior profundidade até hoje a língua dos
verdadeiros donos da terra.

2.2 Os índios e os negros na formação da sociedade brasileira

Na chegada ao Brasil os portugueses conheceram os indígenas, e isso causou forte impressão aos
futuros colonizadores. De outro lado, o fato foi marcante para os índios pelos vários aspectos negativos
que dele resultaram.

Veja o trecho a seguir:

É difícil analisar a sociedade e os costumes indígenas porque se lida


com povos com uma cultura muito diferente da nossa, sobre a qual
existiram e ainda existem fortes preconceitos. Isto se reflete em maior
ou menor grau nos relatos escritos por cronistas, viajantes e padres,
especialmente jesuítas.

Existe nesses relatos uma diferenciação entre índios com qualidades positivas
e negativas, de acordo com o maior ou menor grau de resistência oposto aos
portugueses. Por exemplo, os aimorés, que se destacaram pela eficiência
militar e pela rebeldia, foram sempre apresentados de forma desfavorável.
Segundo as descrições, os índios viviam em geral em casas, como homens;
os aimorés, como animais na floresta. Os tupinambás comiam os inimigos
por vingança; os aimorés, porque apreciavam carne humana. Quando a
Coroa publicou a primeira lei proibindo a escravidão dos índios (1570), só os
aimorés foram especificamente excluídos da proibição.

Há também uma falta de dados que não decorre nem da incompreensão


nem do preconceito, mas da dificuldade de sua obtenção. Por exemplo, não
se sabe quantos índios existiam no território abrangido pelo que é hoje
o Brasil e o Paraguai quando os portugueses chegaram ao Novo Mundo,
oscilando os cálculos em números tão variados como 2 milhões para todo o
território e cerca de 5 milhões só para a Amazônia brasileira.
17
Unidade I

Os grupos tupis praticavam a caça, a pesca, a coleta de frutas e a


agricultura. Quando ocorria uma relativa exaustão da terra, migravam
temporária ou definitivamente para outras áreas. Para praticar a
agricultura, derrubavam árvores e faziam a queimada – técnica que iria
ser incorporada pelos colonizadores. Plantavam feijão, milho, abóbora e
principalmente mandioca, cuja farinha se tornou também um alimento
básico da Colônia. A economia era basicamente de subsistência e
destinada ao consumo próprio. Cada aldeia produzia para satisfazer às
suas necessidades, havendo poucas trocas de gêneros alimentícios com
outras aldeias (FAUSTO, 2006, p. 24).

E, ao avaliar o impacto da chegada dos portugueses para as diversas tribos indígenas existentes no
Brasil, Boris Fausto destaca:

A chegada dos portugueses representou para os índios uma verdadeira


catástrofe. Vindos de muito longe, com enormes embarcações, os
portugueses, em especial os padres, foram associados na imaginação dos
tupis aos grandes xamãs, que andavam pela terra, de aldeia em aldeia,
curando, profetizando e falando de uma terra de abundância. Os brancos
eram ao mesmo tempo respeitados, temidos e odiados, como homens
dotados de poderes especiais.

Por outro lado, por não existir uma nação indígena e grupos dispersos
muitas vezes em conflito, foi possível aos portugueses encontrar aliados
indígenas na luta contra os grupos que lhes resistiam. Em seus primeiros
anos de existência, sem o auxílio dos tupis de São Paulo, a vila de São Paulo
de Piratininga muito provavelmente teria sido conquistada pelos tamoios.
Tudo isso não quer dizer que os índios não tenham resistido fortemente
aos colonizadores, sobretudo quando se tratou de escravizá‑los. Uma forma
excepcional de resistência consistiu no isolamento, alcançado através de
contínuos deslocamentos para regiões cada vez mais pobres. Em limites
muito estreitos, esse recurso permitiu a preservação de uma herança
biológica, social e cultural.

Os índios que se submeteram ou foram submetidos sofreram a violência


cultural, as epidemias e mortes. Do contato com o europeu resultou uma
população mestiça, que mostra até hoje sua presença silenciosa na formação
da sociedade brasileira.

Mas, no conjunto, a palavra catástrofe é mesmo a mais adequada para


designar o destino da população ameríndia. Milhões de índios viviam no
Brasil na época da conquista, e apenas entre 300 e 350 mil existem nos dias
de hoje (FAUSTO, 2006, p. 39).

18
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

A narrativa do autor nos propõe várias reflexões.

A primeira delas se relaciona com o preconceito que de alguma maneira a sociedade brasileira
cultivou a respeito dos índios, principalmente por atribuir a eles uma suposta indolência e falta de
disposição para o trabalho. Isso não é verdade, embora seja uma convicção de muitos brasileiros até nos
dias de hoje. De fato, derrubavam árvores e faziam queimadas para plantar e colher; não podiam ser
classificados apenas como extratores da natureza que sobreviviam apenas da caça e da pesca. Só por
esse fato a ideia de que não viviam do próprio trabalho já fica afastada.

Também é de se destacar um aspecto pouco explorado na história brasileira, de que parte dos índios
resistiu ao domínio português travando batalhas que custaram muitas vidas de ambos os lados. A
imagem comumente difundida de índios ingênuos que se deixaram dominar docilmente, que trocavam
ouro por espelhos e com isso foram mais facilmente subjugados pelo homem branco não se sustenta
diante de análise mais rigorosa.

Parte dos índios temia e odiava os portugueses, associava a presença deles com destruição, domínio
e morte e, por essa razão, resistiu pela luta ou pela fuga para áreas mais distantes em que os portugueses
tivessem dificuldade para empreender perseguição.

Por fim, a presença de uma população mestiça existente até hoje na sociedade brasileira é um dado
histórico bastante relevante.

Figura 3 – Indígenas

Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Censo de
2010, o número de índios no Brasil é de 896,9 mil, com 305 etnias que falam 274 línguas indígenas.
Cerca de 63,8% dos indígenas vivem em área rural, e 42,3% em áreas não reconhecidas como terras
indígenas.

Existem 120 mil índios que não falam português, e o censo ficou limitado aos que não vivem isolados,
porque os demais não foram contatados a fim de preservá‑los.
19
Unidade I

Segundo os dados, essa comunidade representa 0,4% da população brasileira. Nessa pesquisa, foram
considerados apenas aqueles que se declararam como indígenas, que se identificaram como tal, o que
significa que pode haver um número representativo de pessoas que não se declararam como indígenas,
embora efetivamente sejam descendentes.

De qualquer maneira, o percentual é pequeno em comparação com o valor absoluto da população


brasileira, o que contribui para que a agenda de políticas públicas de incentivo a proteção e preservação
dos povos indígenas e da própria cultura seja, ainda, muito precária ou tímida.

Saiba mais

Conheça o site da Survival International, uma organização não


governamental que defende os direitos dos índios em todo o mundo.
Disponível em: <www.survivalinternational.org>. Para saber mais
informações sobre a história indígena e a situação atual das diferentes
tribos brasileira, acesse o site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Disponível em: <www.cimi.org.br>. Acesso em: 4 jan. 2014.

Se a presença dos indígenas na formação brasileira é relevante e significativa atualmente, não menos
importante é a dos negros escravos trazidos da África para o trabalho na lavoura, nas casas e no comércio.

A forma como foram trazidos por si só já nos dá a dimensão da total ausência de respeito por essa
raça, e é inegável que até hoje esse traço de desrespeito em relação aos negros ainda não foi banido por
completo da sociedade brasileira contemporânea.

Sem nenhuma dúvida, a forma pela qual índios e negros foram tratados no Brasil é fator de grande
importância para entendermos a sociedade atual e a formação do pensamento político brasileiro.

Castro Alves, importante poeta brasileiro do Romantismo, descreveu com emoção e revolta em seu
famoso poema Navio negreiro, de 1869, a forma pela qual os negros eram arrancados de suas tribos na
África e trazidos para o continente recém‑descoberto. Acompanhe esse trecho do poema:

Ontem a Serra Leoa,


A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

20
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Ontem plena liberdade,


A vontade por poder...
Hoje... cúm’lo de maldade,
Nem são livres p’ra morrer...
Prende‑os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!


Dizei‑me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...

VI

Existe um povo que a bandeira empresta


P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa‑a transformar‑se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,


Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!... (ALVES, 2011, p. 49)

21
Unidade I

Figura 4 – Negros no fundo do porão de navio (1835)

O poema e a pintura ilustram muito bem o sofrimento e as precárias condições que os negros
tiveram de suportar para chegar ao Brasil.

E por que foram trazidos pelos portugueses?

Vejamos a seguinte explicação:

Outro fator importante para colocar em segundo plano a escravização


indígena foi a catástrofe demográfica. Os índios foram vítimas de doenças
como sarampo, varíola, gripe, para as quais não tinham defesa biológica.
Duas ondas epidêmicas se destacaram por sua virulência entre 1562 e 1563,
matando mais de 60 mil índios segundo parece, sem contar as vítimas do
sertão. A morte da população indígena, que em parte se dedicava a plantar
gêneros alimentícios, resultou em uma terrível fome no Nordeste e em perda
de braços.

Não por acaso, a partir da década de 1570 incentivou‑se a importação de


africanos e a Coroa começou a tomar medidas por meio de várias leis para
tentar impedir o morticínio e a escravização desenfreada de índios.

[...] Ao percorrer a costa africana no século XV, os portugueses haviam


começado o tráfico de escravos, facilitado pelo contato com sociedades que,
em sua maioria, já conheciam o valor mercantil do escravo. Nas últimas
décadas do século XVI, não só o comércio negreiro estava razoavelmente
montado como vinha demonstrando sua lucratividade. Os colonizadores
tinham conhecimento das habilidades dos negros, sobretudo por sua rentável
utilização na atividade açucareira das ilhas do Atlântico. Muitos escravos
provinham de culturas em que os trabalhos com ferro e a criação de gado
eram usuais. Sua capacidade produtiva era bem superior à do indígena.

[...] Os africanos foram trazidos do chamado “continente negro” para o Brasil


em um fluxo de intensidade variável. Os cálculos sobre o número de pessoas
22
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

transportadas como escravos variam muito. Estima‑se que entre 1550 e


1855 entraram pelos portos brasileiros 4 milhões de escravos, na sua maioria
do sexo masculino (FAUSTO, 2006, p. 24, grifo nosso).

Francisco Carlos Teixeira da Silva afirma que cálculos mais atuais apontam que cerca de 12 milhões
de africanos foram vítimas de imigração forçada, ou seja, retirados violentamente da África e trazidos
para o Novo Mundo.

A grandeza do território brasileiro impunha aos portugueses que tivessem grande número de pessoas
para a ocupação e a produção, em especial para a sobrevivência. Se a experiência com os indígenas
não tinha sido bem‑sucedida, entenderam por incrementar a escravidão de africanos para a ocupação
produtiva do território, mesmo que isso custasse tanto em termos de diferenças sociais e culturais,
impactos que até hoje sentimos na sociedade brasileira.

É importante destacar que os portugueses já utilizavam os escravos negros antes da colonização do Brasil.
De fato, eles foram amplamente utilizados na colonização da Ilha da Madeira, dos Açores e de Cabo Verde,
bem como das ilhas do Atlântico, que pertenceram a Portugal. Muito provavelmente tenham aprendido a
escravidão de negros com os árabes, que já tinham esse costume, ou também tenham adotado o próprio
costume de escravizar aqueles que eram derrotados nas guerras, hábito muito antigo na humanidade,
inclusive com relatos na Grécia antiga.

Além dos pontos destacados, os negros também foram escolhidos por suas habilidades produtivas,
tanto na agricultura como na indústria de objetos de ferro e na pecuária, características extremamente
úteis naquele período histórico de consolidação da Colônia.

Os principais portos brasileiros que receberam escravos foram a Bahia, o Rio de Janeiro e Pernambuco.
Desses locais, os cativos seguiam viagem para outras regiões do Brasil.

Se o transporte dos negros para o Brasil era feito de forma vil e desumana, não menos cruel era a vida
que levavam na Colônia. Souto Maior (1976) relata que o trabalho deles nos engenhos e nas fazendas
era árduo, extenuante e que durante todo o tempo sofriam agressões físicas dos feitores, indivíduos que
auxiliavam na administração da fazenda ou do engenho e que tinham a função de garantir, de qualquer
jeito, inclusive com a violência, que os negros produzissem e não fugissem. Não foram poucos os cafuzos
que morreram em decorrência dos castigos físicos sofridos, ou dos maus tratos durante os extensos turnos
de trabalho. Também relata o historiador que eles tinham péssima alimentação, acomodavam‑se em locais
insalubres e, com a diminuição de seu sistema imunológico, morriam por contraírem algumas doenças.

Os escravos negros reagiram inúmeras vezes contra tanta violência no tratamento que recebiam.
Quase sempre fugiam e se organizavam em quilombos, onde, além de obterem o refrigério de que
precisavam, também podiam voltar a praticar sua língua, seus costumes e sua cultura, como danças,
música, hábitos alimentares e religião.

O quilombo mais famoso foi o de Palmares, liderado por Zumbi, localizado na região em que hoje se
encontra o Estado de Alagoas. Há registros históricos de que mais de 10 mil pessoas tenham morado lá, e não
23
Unidade I

apenas negros, mas também diversos brancos que haviam fugido por diversas razões. Palmares foi, na verdade,
um grupo de vários quilombos da região bem sólidos e organizados como eram as tribos africanas. A resistência
dessa comunidade se alongou por mais de cem anos e enfrentou tanto portugueses como holandeses.

Zumbi se tornou uma figura importante para os movimentos contemporâneos. Há muito que se
trabalhar pela igualdade de tratamento e de oportunidades econômicas e sociais entre negros e brancos.

Visite o site da Faculdade Zumbi dos Palmares, ou UniPalmares. O site explica que:

Inaugurada em 20 de novembro de 2003, as aulas começaram em fevereiro de 2004.


Trata‑se da primeira faculdade idealizada por negros, tendo como foco a cultura, a
história e os valores da negritude (90% dos alunos são negros autodeclarados). É a
primeira e única instituição de ensino superior voltada para a inclusão do negro na
América Latina. A faculdade tem, na matriz curricular de seus cursos, o compromisso
com a implantação da Lei 10.639/2003, que institui como obrigatório o ensino de
História da África e Afrobrasileira em todos os níveis. Isso garante que os alunos dos
diversos cursos tenham a consciência do seu protagonismo na história.

O campus da faculdade é um espaço aberto de discussões dos mais variados


temas, que levam os alunos a uma reflexão mais profunda sobre questões
como cinema, livros, dança, teatro, etnia, raça etc.

Os cursos buscam formar empreendedores negros, capazes de ocupar cargos


mais altos dentro das instituições.

[...] A Zumbi dos Palmares vem mudando a vida de jovens negros, que estão
progredindo e alterando a realidade de si próprios, de suas famílias, do entorno
de onde vivem e da sociedade de forma geral. Prova disto é que constantemente
a Zumbi é pauta para os veículos de comunicação e que o campus da faculdade
foi escolhido pela Embaixada dos Estados Unidos e pela secretária de estado
norte‑americana Hillary Clinton, em 2010, quando esteve no Brasil.

A instituição possui uma série de convênios com algumas universidades negras


norte‑americanas, como a Dillard, Central State University, Morgan State,
Savannah State University,Virginia State University, Florida Agricultural and
Mechanical University (FAMU), Morehouse e Texas University, entre outras.

Fonte: Quem... [s.d.]

A resistência dos negros, que teve início no processo de escravidão, ainda está presente entre nós
e, certamente, deriva do fato de que na sociedade brasileira contemporânea ainda existem formas
evidentes e camufladas de preconceito contra eles. O debate em torno das cotas para negros em
universidades públicas e no serviço público, dentre outros temas, dá uma noção real sobre as múltiplas
formas de preconceito que ainda cultivamos no Brasil.
24
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Exemplo de aplicação

A resistência contra a opressão é, portanto, um traço muito forte dos afrodescendentes. Vejamos a
ponderada consideração:

Admitidas as várias formas de resistência, pelo menos até as últimas décadas do século XIX, os escravos
africanos ou afro‑brasileiros não tiveram condições de desorganizar o trabalho compulsório. Bem ou
mal, viram‑se obrigados a se adaptar a ele. Dentre os vários fatores que limitaram as possibilidades de
rebeldia coletiva, lembremos que, ao contrário dos índios, os negros eram desenraizados de seu meio,
separados arbitrariamente, lançados em levas sucessivas em território estranho.

Por outro lado, nem a Igreja nem a Coroa se opuseram à escravidão do negro. Ordens religiosas como
a dos beneditinos estiveram mesmo entre os grandes proprietários de cativos. Vários argumentos foram
utilizados para justificar a escravidão africana. Dizia‑se que se tratava de uma instituição já existente
na África, e assim apenas transportavam cativos para o mundo cristão, onde seriam civilizados e salvos
pelo conhecimento da verdadeira religião. Além disso, o negro era considerado um ser racialmente
inferior. No decorrer do século XIX, “teorias científicas” reforçaram o preconceito: o tamanho e a forma
do crânio dos negros, o peso de seu cérebro, etc., “demonstravam” que se estava diante de uma raça de
baixa inteligência e emocionalmente instável, destinada biologicamente à sujeição.

Lembremos também o tratamento dado ao negro na legislação. O contraste com os indígenas é


nesse aspecto evidente. Estes contavam com leis protetoras contra a escravidão, ainda que fossem
pouco aplicadas e contivessem muitas ressalvas. O negro escravizado não tinha direitos, mesmo porque
era considerado juridicamente uma coisa (FAUSTO, 2006, p. 33, grifo nosso).

Hoje a realidade de negros e índios é outra na legislação brasileira, mas sem dúvida falta
efetividade na aplicação das leis tanto quanto nos ressentimos de políticas públicas que garantam,
com efetividade, que índios e negros sejam respeitados e tenham sua importância reconhecida na
sociedade.

A partir dessas reflexões, como você avalia as cotas para negros e índios nas universidades
públicas e no serviço público? Antes de responder se você é contra ou a favor, como você considera
a efetividade dessas propostas políticas para diminuir a discriminação e a falta de igualdade de
oportunidades no Brasil?

Saiba mais

Para encontrar elementos interessantes a fim de aprofundar seu


conhecimento e suas reflexões sobre os índios e o Brasil, assista aos filmes:

A MISSÃO. Direção: Roland Joffé. Reino Unido: Versátil Home Vídeo,


1986. 125 min.

25
Unidade I

TERRA dos índios. Direção: Zelito Viana. Brasil: Edição Embrafilme, 1979.
105 min.

XINGU. Direção: Cao Hamburger. Brasil: Downtown Filmes, 2012. 102 min.

Outros filmes bem relevantes para reflexões sobre os negros e o Brasil são:

BRÓDER. Direção: Jeferson De. Brasil: Globo Filmes e Glaz Entretenimento,


2011. 90 min.

GANGA Zumba. Direção: Carlos Diegues. Brasil: Copacabana Filmes,


1963. 92 min.

QUANTO vale ou é por quilo? Direção: Sergio Bianchi. Brasil: Riofilme,


2005. 104 min.

2.3 Organização política colonial – Igreja e Coroa

Gilberto Freyre, em sua consagrada obra Casa Grande & Senzala, traça um retrato importante do
Brasil Colônia:

Formou‑se na América Tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata


na técnica de exploração econômica, híbrida de índio – e mais tarde de negro – na
composição. Sociedade que se desenvolveria defendida menos pela consciência
de raça, quase nenhuma no português cosmopolita e plástico, do que pelo
exclusivismo religioso desdobrado em sistema de profilaxia social e política.
Menos pela ação oficial do que pelo braço e pela espada do particular. Mas tudo
isso subordinado ao espírito político e de realismo econômico e jurídico que aqui
como em Portugal, foi desde o primeiro século elemento decisivo da formação
nacional; sendo que entre nós através das grandes famílias proprietárias e
autônomas: senhores de engenho com altar e capelão dentro de casa e índios de
arco e flecha ou negros armados de arcabuzes a suas ordens; donos de terras e de
escravos que dos senados de Câmara falaram sempre grosso aos representantes
d´el‑Rei e pela voz liberal dos filhos padres ou doutores clamaram contra toda
espécie de abusos da Metrópole e da própria Madre Igreja (FREYRE, 1989, p. 4).

Com essa importante reflexão de Gilberto Freyre, vamos iniciar nossa análise sobre o poder político
da coroa portuguesa e da Igreja no Brasil recém‑descoberto, bem como buscar entender como esse
período histórico influenciou a organização que temos na sociedade contemporânea e, principalmente,
a formação do pensamento político brasileiro.

A principal ideia do governo em relação à nova terra era de ordem econômica, ou ainda melhor,
de caráter comercial. Portugal não tinha planos para formar aqui um país independente, o que seria
extremamente contrário aos seus interesses enquanto nação, tampouco um projeto para a formação de
26
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

qualquer outro modo de organização política. O objetivo era apenas de explorar comercialmente tudo
o que pudesse ser útil à Coroa.

Mesmo que Portugal tivesse cultivado planos de povoamento e ocupação organizada e perene do
novo território, não teria condições físicas para isso, porque a população lusitana naquele momento
histórico não era tão grande para permitir dividir o número de habitantes com o Brasil.

Parte do território português no século XVI ainda se encontrava abandonado por falta de mão de obra
para ocupá‑lo e, naquele momento, já eram utilizados escravos mouros resultantes do aprisionamento
das guerras que Portugal havia participado no século XV no norte da África, assim como negros africanos.

É preciso considerar, também, que as condições climáticas dos trópicos eram muito diferentes daquelas
vividas pela população portuguesa, o que tornava a disposição para a fixação no Brasil ainda mais restrita.
O emigrante europeu tinha em mente as riquezas que poderia angariar com a venda de produtos que eram
raros e caros na Europa, como o açúcar, a pimenta, a madeira de qualidade, entre tantos outros.

O que animava o português a tentar a vida nos trópicos era a possibilidade de realizar lucrativos
negócios, mas não de trabalhar aqui para a formação de uma futura sociedade organizada. O projeto
era totalmente comercial.

Vamos ler um resumo com precisão desse período histórico:

A economia e a sociedade brasileiras surgiram como um capítulo da lenta


transição que ocorreu na Europa Ocidental, entre aproximadamente finais
do século XV e finais do século XVIII, do regime feudal ao regime capitalista.
As transformações econômicas e sociais nesse período foram comandadas
pela burguesia comercial europeia.

Um dos principais meios que essa classe de comerciantes europeus


encontrou para prosperar foi justamente o controle do comércio mantido
com as colônias. Foi por esta porta – pelo comércio – que entramos e
passamos a fazer parte da civilização ocidental. A burguesia mercantil
metropolitana (metrópole é a denominação dada ao país colonizador)
comprava os produtos coloniais (produtos agrícolas e metais preciosos) e os
comercializava na Europa, ao mesmo tempo que controlava a exportação de
produtos manufaturados e o comércio de escravos para a colônia.

A sociedade brasileira, então, se organizou em torno da produção de


produtos tropicais para abastecer os mercados metropolitanos. Durante
séculos todo o sentido da vida social no Brasil só será encontrado nessa
forma de ligação com o mundo europeu. A maneira de ocupar e explorar
terras e vidas humanas só ganha significado quando pensada em relação
às necessidades do capitalismo comercial em desenvolvimento na Europa
(VITA, 1998, p. 2).
27
Unidade I

Essa forma de colonização teria sido um prejuízo para o futuro país? Em outras palavras, os problemas
que enfrentamos até hoje na sociedade brasileira, cuja distribuição de renda, oportunidades de acesso
a trabalho, emprego, saúde, educação e moradia, por exemplo, ainda se encontra tão malfeita entre
toda a população, podem ser creditados a nossa primeira fase de existência? Certamente que sim, mas
apenas em parte, pois não podemos responsabilizar a colonização pelas imperfeições que constatamos
em nosso cotidiano.

O objetivo mercantilista que predominou entre os primeiros europeus que vieram para o Brasil, assim
como a forte presença de uma cultura de dominação para extrair o que pudesse ter valor comercial para
a Coroa, evidentemente, atrasaram o desenvolvimento da sociedade e, principalmente, o nascimento de
um projeto político e social para o país.

Ao contrário de outras nações da América, em especial dos Estados Unidos da América do Norte,
no Brasil demoramos muito para começar a refletir e efetivar esforços para a formação de um país
independente, que valorizasse seus habitantes e os respeitasse como sujeitos de direito.

A excessiva preocupação com os aspectos mercantis e o uso da mão de obra escrava para a consecução
dos resultados econômicos tornaram a falta de igualdade social uma prática comum, socialmente
aceitável e cujas raízes ainda estão presentes atualmente.

Outro aspecto relevante para a compreensão da organização social e política brasileira no período
da colonização é que Portugal, à época do descobrimento, era um estado absolutista, ou seja, todos
os poderes se concentravam no rei, que era o ungido de Deus. Era um escolhido divino como todos os
demais reis!

Tudo pertencia ao soberano: as terras, os súditos e todos os bens. Para os absolutistas, não havia
divisão entre público e privado, porque o líder possuía o domínio total sobre todas as coisas, o que
incluía o poder de vida e morte sobre as pessoas.

Contudo, o absolutismo não foi o mesmo para todos os povos e em todos os tempos. Teve
nuances mais rígidas e mais flexíveis em alguns locais, dependendo da situação de cada reino –
principalmente pelo fator de acesso da população a recursos que evitassem a fome e a miséria.
Populações famintas sempre foram um “barril de pólvora” para todos os governantes em todos os
tempos. Não há violência institucional que dê conta de massas miseráveis enfurecidas pela fome e
pelo sentimento de que não há mais nada a perder. Todos os governantes, em todos os tempos, e
isso inclui os reis, nunca foram déspotas ao ponto de desafiarem a capacidade de reação humana
diante da ameaça da inanição. Aqueles que não atentaram para isso não terminaram muito bem,
como relata a História.

O Reino português não era diferente do que foi destacado:

Se a palavra decisiva cabia ao rei, tinha muito peso na decisão uma burocracia
por ele escolhida, formando um corpo de governo. Mesmo a indefinição
do público e do privado foi limitada por uma série de medidas, tomadas
28
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

principalmente no âmbito fiscal, com o objetivo de estabelecer limites à ação


do rei. O “bem comum” surgia como uma ideia nova que justificava a restrição
aos poderes reais de impor empréstimos ou tomar bens privados para seu uso.

A montagem da administração colonial desdobrou e enfraqueceu o poder


da Coroa. Por certo, era na Metrópole que se tomavam as decisões centrais.
Mas os administradores do Brasil tinham uma esfera de atribuições, tinham
de improvisar medidas diante de situações novas e ficavam muitas vezes se
equilibrando entre as pressões imediatas dos colonizadores e as instruções
emanadas da distante Lisboa (FAUSTO, 2006, p. 60, grifo do autor).

A dificuldade de comunicação entre a Colônia e a Metrópole era imensa; entretanto, os problemas de


um local de enormes proporções como o Brasil também foram determinantes para que a administração
organizada aqui fosse complexa e burocrática.

Imprescindível recordar também que o território brasileiro passou a ser cobiçado por franceses e
holandeses, o que também impunha à Metrópole portuguesa adotar medidas enérgicas para impedir as
invasões.

Por tudo isso, e também pelo relativo fracasso do projeto de capitanias hereditárias – do qual trataremos
mais adiante–, a coroa portuguesa decidiu criar um Governo‑Geral e organizar administrativamente a
Colônia.

O primeiro governador‑geral nomeado pelo rei foi Tomé de Souza, em 1548, que assumiu o cargo
em Salvador, então instituída como sede do governo central do Brasil. Sua tarefa era árdua! Tinha
de enfrentar os mais variados problemas, desde os riscos das invasões, como os ataques de índios
revoltados, até as disputas entre colonos. Além disso, ainda era papel do governador‑geral garantir que
houvesse produção econômica significativa, de modo que a Coroa portuguesa recebesse sua parte e
ficasse satisfeita. Uma enorme variedade de adversidades, não há dúvida.

Para sanar todos os entraves, criou‑se uma estrutura bastante complexa e burocrática. Havia a
divisão de poderes entre muitas pessoas, todas elas funcionárias do poder público. Essa característica da
organização política está presente na sociedade brasileira até hoje.

Veja o excerto a seguir:

[...] cria‑se a figura do ouvidor‑geral, como instância de apelação da justiça


local e, em alguns casos, como primeira instância, limitando os poderes
de alta e baixa justiça dados anteriormente aos donatários; surge um
provedor‑mor, responsável pelos impostos e taxas correspondentes aos
direitos da Coroa (particularmente o dízimo da Ordem de Cristo, da qual
o rei era o titular, o quinto das pedras e metais preciosos e os estancos do
pau‑brasil, das drogas e especiarias) e um capitão‑mor da costa responsável
pela defesa.
29
Unidade I

[...] Com a fundação da Cidade do Salvador impõe‑se a criação dos órgãos


locais de administrados, chamados em Portugal de “concelhos” e no Brasil
de câmaras. Essas eram compostas por até seis membros, chamados de
oficiais de câmara, com funções específicas: vereadores, procuradores
e juízes ordinários, o que variava, e muito, de época para época. Tinham
funcionários à sua disposição, como os escrivães, almotacés – encarregados
da limpeza da cidade, do controle dos preços e da saúde pública –, o alcaide,
o juiz de órfãos, além de outros (TEIXEIRA DA SILVA apud LINHARES, 1990,
p. 60, grifo do autor).

E não ficava apenas nisso: às câmaras cabia também uma parte da regulação da vida econômica,
social e política da Colônia, pois era ela quem exercia o papel de administração municipal, com a
regulamentação de feiras e mercados; a gestão do “concelho” e das receitas de que ele necessitava; a
determinação das obras públicas e a conservação das ruas; a construção de edifícios; a regulação de
ofícios (atividades profissionais) e do comércio; e o abastecimento de alimentos.

As câmaras arrendavam pastos e alugavam prédios para poderem ter renda suficiente para seus
gastos, mas viviam principalmente dos impostos que arrecadavam e das multas que aplicavam em
razão de infrações praticadas contra as regras do código de posturas municipais, que era a lei que
regulamentava a vida urbana da época.

Como podemos perceber a arrecadação para manutenção do poder público não se modificou até
hoje, porque nos municípios brasileiros a manutenção do Poder Executivo e do Legislativo ainda se faz
por meio de arrecadação de tributos e taxas municipais, bem como pela aplicação de multas contra
aqueles que descumprem a legislação municipal.

Outra constatação interessante é a de que

[...] as câmaras, por fim, acabaram por constituir‑se em “nobreza da terra”,


composta fundamentalmente por senhores de engenho e lavradores
muito ricos, excluindo, por muito tempo, comerciantes de “porta aberta”,
como em São Luis do Maranhão ou Belém do Pará (Ibidem, p. 63, grifo
do autor).

As câmaras tiveram grande importância no Brasil colonial, foram a base da administração naquele
período. Também desempenharam papel importante na organização política e administrativa do período
colonial os juízes do povo, que eram eleitos pelas associações de mestres ou ofícios (entidades que
reuniam os profissionais do período), e tinham como objetivo representar perante o Senado da Câmara
os casos que envolvessem aspectos referentes ao bem comum, assim como garantir o cumprimento das
leis e impedir abusos de funcionários.

Ao governador‑geral cabia, principalmente, velar pela ordem e pela obediência às leis do Reino;
comandar as operações de defesa, em especial contra piratas e invasores; prover cargos públicos e
distribuir sesmarias.
30
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

O provedor‑mor tinha por funções promover uma nova organização na forma como estavam sendo
arrecadadas as rendas da Colônia; organizar o fisco e o sistema de alfândega; solucionar os litígios sobre
questões econômicas e fiscais e, ainda, auxiliar o governador‑geral em tudo o que fosse referente a
rendimentos e despesas do governo.

O ouvidor‑geral cuidava dos casos referentes à justiça, principalmente, os crimes de morte, que não
eram incomuns naquele período. Ele podia inclusive aplicar a pena de “morte natural”, mas, para isso, era
preciso que o governador‑geral concordasse previamente. Haddock Lobo, no entanto, destaca que “[...] tão
extensos poderes não se aplicavam, entretanto, a casos que envolvessem pessoas de qualidade, relativamente
às quais o ouvidor‑geral não podia aplicar penas além de cinco anos de degredo” (1977, p. 29).

Por fim, o capitão‑mor da costa era o responsável pelo funcionamento das esquadras, que tinham
por objetivo vigiar o litoral para mantê‑lo livre dos piratas, corsários, traficantes e todos aqueles que
pretendessem invadir as terras brasileiras que então pertenciam à Coroa portuguesa.

Como podemos perceber, a divisão das tarefas administrativas e econômicas era, em parte, parecida
com aquelas que conhecemos hoje. O que nos leva a refletir se ainda são semelhantes porque são muito
perfeitas, ou se o sistema burocrático e complexo é o que melhor se adequa à atividade que não prima
pela eficiência nem pela busca do bem‑estar de todos.

É uma excelente questão para uma reflexão mais profunda por todos nós brasileiros.

Por fim, cabe uma última análise neste item: o papel da Igreja no processo de colonização brasileiro
e o que podemos destacar para a formação do pensamento político brasileiro, nosso principal objeto de
investigação científica.

Igreja e Estado tiveram formas de relacionamento variadas em cada país do mundo nos diversos
períodos históricos. Em Portugal, os estudiosos apontam que havia certa subordinação da Igreja à Coroa,
principalmente em razão de um mecanismo conhecido como “padroado real”. Este garantia à Igreja o
direito de se organizar nas terras que fossem descobertas por Portugal e, em troca, a Coroa poderia
recolher tributos, o dízimo, que correspondia a um décimo dos valores arrecadados em quaisquer
atividades econômicas desenvolvidas pelos fiéis.

O governo também tinha a obrigação de remunerar o clero e construir e manter os edifícios religiosos,
o que motivou até a constituição de um departamento religioso do Estado para realizar essas tarefas. Tal
repartição tinha o nome de Mesa da Consciência e Ordens.

A ordem religiosa mais influente foi a Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola e outros
em 1534, em Paris, e aprovada pelo Papa em 1538.

Os jesuítas exerceram forte influência sobre a Coroa portuguesa no período da colonização brasileira,
até que o Marquês de Pombal os expulsasse do país em 1760. Fundaram escolas, igrejas e lutaram contra
a escravidão dos indígenas, implantando missões que se tornaram importantes, como a Missão de São
Miguel, localizada hoje no Rio Grande do Sul.
31
Unidade I

Também existiram outras ordens religiosas no período colonial no Brasil e todas tinham autonomia
de propósitos, bem como políticas diferentes em relação ao tratamento das questões sociais da Colônia.
Algumas delas, por exemplo, tornaram‑se proprietárias de grandes extensões de terra, onde produziam
e comercializavam produtos agrícolas, o que lhes dava independência econômica em relação ao Reino.

Muitas das rebeliões ocorridas durante o período colonial tiveram padres na liderança; isso,
obviamente, aborrecia os portugueses. Outro problema foi o fato de eles não aprovarem a escravidão
dos indígenas.

O que é certo é que os religiosos pretendiam catequizar indígenas e negros escravos, para que todos
se submetessem aos preceitos religiosos, em especial, no temor e na obediência a Deus e ao clero.

As duas instituições básicas que, por sua natureza, estavam destinadas a


organizar a colonização do Brasil foram o Estado e a Igreja Católica. Uma
estava ligada à outra, sendo o catolicismo reconhecido como religião
do Estado. Em princípio, houve uma divisão de trabalho entre as duas
instituições. Ao Estado coube o papel fundamental de garantir a soberania
portuguesa sobre a Colônia, dotá‑la de uma administração, desenvolver uma
política de povoamento, resolver problemas básicos como o da mão de obra,
estabelecer o tipo de relacionamento que deveria existir entre a Metrópole
e a Colônia. Essa tarefa pressupunha o reconhecimento da autoridade do
Estado por parte dos colonizadores que se instalariam no Brasil, seja pela
força, seja pela aceitação dessa autoridade ou por ambas as coisas.

Nesse sentido, o papel da Igreja se tornava relevante. Como tinha em suas


mãos a educação das pessoas, o “controle das almas” era um instrumento
muito eficaz para veicular a ideia geral de obediência e mais restritamente
de obediência ao poder do Estado. O papel da Igreja não se limitava a
isso. Ela estava presente na vida e na morte. O ingresso na comunidade, o
enquadramento nos padrões de uma vida decente, a partida sem pecados
deste “vale de lágrimas” dependiam de atos monopolizados pela Igreja: o
batismo, a crisma, o casamento religioso, a confissão e a extrema‑unção
na hora da morte, o enterro em um cemitério designado pela significativa
expressão de “campo‑santo” (FAUSTO, 2006, p. 29, grifo do autor).

Como podemos perceber, não eram poucos os papéis da Igreja, e foi muito relevante sua influência
política e social naquele momento histórico.

Caio Prado Júnior ainda acrescenta:

Não é o caso de abordar aqui a secular controvérsia sobre as atribuições


respectivas da Igreja e do Estado, o “Papa e o Rei”, como se dizia, e que
só muito recentemente perdeu seu sentido e sua razão de ser. Mas, de
fato, e particularmente na sociedade colonial que ora nos interessa, a
32
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

intervenção da Igreja e de seus ministros é considerável. Não é só pelo


respeito e deferência que merecem, o que lhes outorga uma ascendência
geral e marcada em qualquer matéria; mas ainda pelo direito reconhecido
de se imiscuírem em muitos assuntos específicos e particulares.

[...] Ainda há muitos setores em que a atividade administrativa da Igreja teve


não só a participação notável, mas ainda, em muitos casos importantes,
exclusiva. Assim em tudo o que hoje chamaríamos de assistência social ao
pauperismo e à indigência; à velhice e infância desamparadas; aos enfermos,
etc. O mesmo podemos dizer do ensino. Também da catequese e civilização
dos índios, em que, apesar de excluída do terreno temporal pela legislação
pombalina, continuava a ação da Igreja, através de suas missões regulares,
e mesmo em alguns casos seculares. E ainda, finalmente, não devemos
esquecer o papel que representa no setor das diversões públicas, sabido
como é que a maior parte das festividades e divertimentos populares se
realizava sob seus auspícios ou direção (PRADO JÚNIOR, 1970, p. 330).

Assim, a Igreja controlava aspectos sociais extremamente importantes como a educação, o


amparo aos necessitados e a válvula de escape das tensões que eram as festividades. Também era seu
papel determinar quem poderia ter acesso a essa vida social, porque, na medida em que expulsasse
ou excomungasse alguém, essa pessoa estaria afastada por completo da vida em sociedade, cujo
relacionamento acontecia principalmente nas missas, nas festas religiosas e na família.

Por tudo isso é que quase sempre o relacionamento entre Igreja e Coroa no Brasil colonial ocorreu em
forma de colaboração recíproca, com o objetivo de conter e administrar os problemas e, principalmente,
para garantir que cada parte alcançasse os fins que almejavam naquele momento histórico.

A presença da Igreja Católica na educação e na validação dos costumes sociais se estendeu por toda
a história brasileira e, ainda hoje, permanece viva em nossas principais práticas, como o casamento,
por exemplo; ou na presença de crucifixos nas salas de audiências dos fóruns brasileiros. O casamento
é realizado nas igrejas católicas mesmo quando os noivos e suas famílias não são praticantes dessa
religião, mas é considerado um marco importante e, não raro, o primeiro ato da festa que virá em
seguida. E os crucifixos nos fóruns, que já foram objeto de discussão acirrada entre católicos e membros
das igrejas evangélicas existentes em grande número e diversidade no Brasil, permanecem nas salas de
cada juiz, mesmo daqueles que não são católicos.

Isso tudo confirma que a presença dessa instituição na organização política e social brasileira ainda
é muito grande. Você já reparou que a disposição das salas de aula em geral é muito semelhante à de
uma igreja? E que muitos professores, infelizmente, ainda se comportam como se estivessem dizendo
verdades absolutas e inquestionáveis, como os padres fazem em seus sermões?

A formação do pensamento político no Brasil ainda atende a aspectos ditados pela Igreja Católica,
que permanece com importante influência, embora consideravelmente mitigada após a República.
Recentemente, já no século XXI, aspectos científicos como o uso de células‑tronco embrionárias em
33
Unidade I

tratamentos médicos foi criticado pela Igreja, que, inclusive, atuou junto ao Poder Judiciário para
impedir que essa modalidade de célula fosse utilizada. No entender dessa religião, as células são seres
vivos e não podem ser utilizadas para nada mais que não seja a procriação.

Exprimir livremente o pensamento é direito constitucional, e, nesse sentido, todas as organizações


religiosas podem se manifestar. Contudo, no Brasil, nem todas as instituições doutrinárias protestam
para além do círculo de seus participantes. A maior parte delas entende que seu papel é o de orientar seus
adeptos sobre como devem se conduzir perante questões importantes como o aborto, o planejamento
familiar, o divórcio, dentre outros.

Entretanto, por força da tradição histórica, as manifestações da Igreja Católica extrapolam o círculo
de seus seguidores, com o objetivo de manifestar a todos e principalmente ao Estado aquilo que entende
como correto para toda a sociedade.

A influência da Igreja na orientação política e social brasileira ainda é muito grande e merece estudos
mais aprofundados. As reflexões aqui construídas não são críticas ferrenhas à instituição ou aos seus
adeptos, ao contrário, todas as religiões e seus praticantes merecem total respeito, inclusive porque são
protegidos por lei. Ressalta‑se, contudo, que é parte da construção do pensamento crítico reconhecer
que algumas religiões influenciaram mais do que outras, e em que momentos ela foi excessiva e reiterada,
bem como em sua repercussão para a formação da sociedade brasileira contemporânea. Esse papel é dos
estudiosos e dos pesquisadores, como nós.

Lembrete

Em 1757, Marquês de Pombal expulsa os jesuítas do Brasil por julgar


que eles teriam apoiado revoltas indígenas contra a Corte portuguesa. Na
realidade, a influência dos jesuítas na educação da colônia brasileira, além
de outras questões, tornou os católicos uma ameaça ao ministro. Foi o
suficiente para banir os jesuítas de Portugal e das colônias e denunciá‑los
em Roma, na Santa Sé.

Saiba mais

Para compreendermos melhor a Igreja e suas diferentes formas de


influência, há dois clássicos do cinema:

O CRIME do padre Amaro. México: Direção: Carlos Carrera. Alameda


Films, 2002. 118 min.

O NOME da rosa. Direção: Jean‑Jacques Annaud. Neue Constantin Film,


1986. 131 min.

34
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

2.4 Organização econômica colonial: a propriedade da terra e a produção

Dois aspectos importantes serão tratados neste tópico: a maneira como a Coroa portuguesa distribuiu
as terras no Brasil, e quais as formas de produção econômica que foram privilegiadas pelos primeiros
habitantes do país.

O primeiro projeto econômico viabilizado pela Coroa foi a instituição de feitorias, que eram depósitos
dos materiais obtidos na Colônia e que seriam enviados ao governo, em especial a madeira pau‑brasil,
que foi a primeira riqueza encontrada pelos portugueses.

Esse trabalho foi entregue a uma empresa comercial dirigida por Fernando de Loronha, que mais tarde ficaria
conhecido entre nós como Fernando de Noronha. Ele arregimentou homens para a empreitada e, em troca da
concessão, a Coroa teria de pagar ao rei a quinta parte de tudo o que arrecadasse com a venda da madeira
pau‑brasil. Também se obrigou Noronha a construir fortificações que impedissem ataques de piratas, que
pretendiam roubar a madeira armazenada, bem como se comprometeu a dar início ao processo de colonização.

Nenhuma dessas tarefas se mostrou de fácil execução. Erguer fortificações no território brasileiro
era quase impossível, em razão da grande extensão do litoral. E obter o pau‑brasil também não era uma
atividade das mais fáceis, porque essa madeira não se encontrava plantada em bosques ou florestas
exclusivas. Ao contrário, estava situada na mata fechada, distante por vezes uma da outra, exigindo
grandes esforços físicos para sua localização. Sem contar o tombamento, pois o território era hostil aos
europeus e muito conhecido dos índios locais.

Os índios traziam as toras de pau‑brasil e as depositavam nas praias para que as feitorias as
guardassem até a chegada dos navios portugueses, para então serem transportadas para a Coroa. No
entanto, as feitorias eram alvo de ataques de navios franceses, que pretendiam se apropriar da madeira,
o que provocava perda do material.

Com esse quadro, Fernando de Noronha e seus homens tiveram muitos problemas para enfrentar e,
em consequência, não se interessaram muito em estabelecer um projeto de colonização.

Eclodiram as primeiras pressões junto ao rei de Portugal para que fossem efetivados esforços no
sentido de colonizar a terra recém‑descoberta. Cristóvão Jacques e Diogo de Gouveia foram dois
importantes conselheiros do rei: ambos implantaram um projeto eficiente de colonização. Dom João III
decidiu então adotar no Brasil o sistema que já fora experimentado na colonização das ilhas da Madeira,
Açores, Cabo Verde e São Tomé: as capitanias hereditárias.

As terras brasileiras foram divididas em lotes, que foram distribuídos a pessoas determinadas pelo
rei. Esses indivíduos receberam o nome de donatários e passaram a ter a posse das terras, bem como o
direito de exploração com seus próprios recursos financeiros.

Os donatários podiam transmitir a posse e todos os direitos advindos das terras para seus herdeiros,
razão pela qual ficaram conhecidas como capitanias hereditárias. Contudo, não podiam vendê‑las. Eles
também receberam o título de capitães‑mor, para que ficasse claro que eles eram o maior poder
35
Unidade I

político, econômico e social nas terras que lhes foram entregues. Em cada vila que se formava, eles
também seriam os alcaides‑mor, ou seja, tinham enorme poder em todo o seu território.

Os direitos e o poder dos donatários estavam estipulados em documentos denominados Carta de


Doação e Foral.

Regra geral era a destinação, ao governo real, de parte de tudo o que era produzido ou explorado
na capitania, por meio do recolhimento de tributos ou de pagamento de direitos que estavam previstos
nos contratos assinados.

Os donatários, por sua vez, tinham o direito de:

• fundar vilas e nomear os ouvidores e tabeliães que atuariam nelas;

• conceder sesmarias, que eram lotes de terra destinados àqueles que quisessem explorar a agricultura;

• reter 50% do pau‑brasil e do pescado;

• cobrar tributos de todas as atividades econômicas exercidas em suas terras, inclusive a simples
navegação nos rios;

• receber parte dos valores pagos à Coroa pela exploração de metais e pedras preciosas;

• exercer o papel de juiz civil e criminal nas terras sob seu domínio, inclusive para condenar à morte
escravos e homens livres.

Não há dúvida de que a ideia de poder a partir das capitanias é a de poder ilimitado! O donatário era
uma nova modalidade de rei, em um local geograficamente distante da Metrópole, afastado igualmente
dos governos centrais que aqui foram instalados. Ele não obedecia a nenhuma outra lei a não ser a
que ele próprio impusesse, não dava satisfações à Coroa de suas práticas de violência contra índios e
escravos, desde que continuasse cumprindo seus deveres econômicos para com a Coroa portuguesa.
Qualquer semelhança com o poder feudal não será mera coincidência, embora não se possa afirmar que
eram sociedades rigorosamente iguais em sua organização. Mas existem semelhanças, não há dúvida,
e elas passam principalmente pelo grande poder que foi atribuído aos donatários, poder ilimitado que
deixaria marcas profundas na disposição política e social brasileira.

A respeito da experiência das capitanias hereditárias no Brasil, Boris Fausto ensina que

Ao instituir capitanias, a Coroa lançou mão de algumas fórmulas cuja origem


se encontra na sociedade medieval europeia. É o caso, por exemplo, do direito
concedido aos donatários de obter pagamento por licenciar a instalação de
engenhos de açúcar, análogo às “banalidades” pagas pelos lavradores aos
senhores feudais. Mas, em essência, mesmo na sua forma original, as capitanias
representaram uma tentativa transitória e ainda tateante de colonização, com o
objetivo de integrar a colônia à economia mercantil europeia (FAUSTO, 2006, p. 19).
36
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

A experiência das capitanias hereditárias não foi bem‑sucedida no Brasil. Com exceção
de São Vicente e Pernambuco, as demais não prosperaram por várias razões, dentre as mais
frequentes os ataques indígenas, a inexperiência com relação ao solo e ao clima, o isolamento
dos habitantes e as longas extensões de terra que precisavam ser utilizadas na produção
agrícola ou pecuária.

As repartições que obtiveram sucesso praticaram a atividade açucareira, em especial no Nordeste,


onde os estudiosos da história colonial apontam ter sido essa atividade o núcleo central da vida
socioeconômica.

O estudo sobre os engenhos de açúcar, seu funcionamento e importância política, econômica e


social mereceu várias pesquisas, além de ser assunto de romances e filmes.

Figura 5 – Moagem de cana

Saiba mais

Destacam‑se duas obras literárias que foram tema da produção de


filmes:

CASA grande e senzala. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Brasil: Bretz
Filmes, 2001. (101 min).

MENINO de engenho. Direção: Walter Lima Jr. Brasil: Mapa Filmes, 1965.
(110 min).

O primeiro é até hoje um dos principais marcos de reflexão histórica


e social sobre o Brasil e merece uma leitura ou releitura pelos futuros
profissionais das Ciências Sociais.

37
Unidade I

Possuir a terra no Brasil colonial não chegava a ser um problema maior, embora a Coroa não tivesse
feito uma distribuição discriminada, ou seja, foram escolhidos apenas aqueles que tivessem posses
para dar início a um empreendimento de sucesso, que permitisse a Portugal continuar dominando o
comércio de açúcar na Europa, o que já havia iniciado com as ilhas do Atlântico.

O êxito da empreitada econômica e política do engenho não estava, portanto, relacionado à terra ou ao
valor imobiliário que ela pudesse possuir, pois, como vimos, ela fora dada pela Coroa em condições especiais.
O marco decisivo para o sucesso do engenho de açúcar era possuir um grande número de escravos.

Nelson Werneck Sodré ensina:

Como problema fundamental, é o trabalho que vai caracterizar a exploração


colonial. A Coroa doava a terra. Era generosa nessa doação. Mas não doava
o escravo. O escravo fazia parte do investimento inicial. Valia mais do que a
terra; muito mais, pois que a terra nada valia. A riqueza do senhor media‑se
muito mais pelo número de escravos do que pela extensão da propriedade,
embora houvesse uma relação entre um e outro desses fatores. Mais
preciosa para o senhor era a propriedade do escravo do que a da terra. Esta
era abundante e praticamente gratuita. O escravo só podia ser obtido por
compra, e não era barato. Ter ou não ter escravos era a questão fundamental.
Aquele que não os tivesse, por mais extensas que fossem as suas terras, nada
tinha. O prestígio do senhor media‑se por uma só unidade: o escravo. A
supremacia do trabalho sobre tudo o mais impunha‑se, inexoravelmente
(SODRÉ, 1963, p. 71).

E ressalta,

A Coroa não doava Capitanias a todos nem, na prática, isto teria sido possível.
O Capitão‑mor não doava sesmarias a todos, ainda que a legislação inicial
permita concluir pela generalidade das concessões. Com a execução, surgiu
a inevitável exigência: a doação era feita a “quem pudesse cultivar”. Para
poder cultivar era imprescindível, entretanto, possuir escravos. Passou isto a
constituir um privilégio inicial, discriminatório. Fundiu‑se na discriminação
básica do investimento inicial, isto é, da posse dos recursos necessários à
empresa difícil da colonização.

[...] Verifica‑se, assim, nos preliminares da colonização, uma irrecorrível


tendência discriminatória, que caracteriza o processo e vai refletir‑se na
sociedade da zona açucareira. Há uma discriminação pelo investimento
inicial, dos donatários dos demais senhores, que impossibilita a participação
dos elementos metropolitanos habituados ao trabalho. Segue‑se a
discriminação pelo privilégio de montar engenho, a que se junta a da
capacidade de operá‑lo. Desse conjunto de fatores decorrerá uma sociedade
aristocrática, em que os valores do trabalho serão amesquinhados porque
38
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

desclassificam. O que importa, então, não é a origem de classe dos primeiros


colonizadores, os donatários entre eles, mas a pressão do meio, que os fará
aristocratas qualquer que tenha sido aquela origem (Ibidem, p. 74).

E conclui Werneck:

[...] desde logo surgia a diferença entre os que se mantinham apenas como
agricultores e os que a esta condição juntavam a de senhores de engenho.
A crônica não se atentou para a desigualdade fundamental porque ela
desapareceu cedo, absorvidos os primeiros pelos segundos. Houve, de
início, colonizadores que se dedicaram apenas à agricultura e cuja tarefa
terminava praticamente com a colheita, e senhores de engenho. Os primeiros
entregavam a cana aos segundos, para ser transformada em açúcar, pagando
em espécie o serviço. Do ponto de vista social eram iguais; do ponto de vista
econômico, não o eram. Pouco a pouco, os simples plantadores passaram
a subordinar‑se aos senhores de engenho. Depois de lhe entregar a safra
acabaram por entregar a terra. Subsistiu, finalmente, apenas aquele que
dominava a unidade produtora de forma integral, que possuía os canaviais
e o engenho. Isto levou à concentração de propriedade, à aristocratização,
ao desaparecimento de plantadores independentes. De uma sociedade
hierarquizada em senhores de engenho, lavradores e escravos foi eliminado
o segundo termo. A estrutura da produção definiria logo as suas linhas
como: grande propriedade; modo escravista de produção; regime colonial
(Ibidem, p. 75, grifo do autor).

As afirmações de Werneck nos permitem profundas reflexões sobre o modelo sociopolítico brasileiro
contemporâneo, em que as exclusões sociais, a discriminação e a propriedade da terra entre poucos
donos ainda é encontrada.

Há vários temas recorrentes: a discussão em torno das cotas para negros nas universidades e no
serviço público; o papel do Movimento dos Sem‑Terra no debate sobre a reforma agrária; as franjas das
grandes cidades habitadas por aquilo que se convencionou chamar de “periferia”, ou mais recentemente
uma denominação com suposta menor carga pejorativa, que é a palavra “comunidade”, que, no entanto,
tem o mesmo significado, ou seja, a população favelada ou moradora dos morros, ou dos lugares
inabitáveis, os únicos que sobraram para a que a massa de carentes pudesse ter um local para viver sem
custos, mas sem recursos do Estado como saúde, educação, segurança ou qualquer outro. Todos esses
aspectos presentes na vida cotidiana brasileira são decorrentes de um processo histórico que ainda não
rompeu com a aristocracia, com os privilégios e com a discriminação.

Em outras palavras, o projeto sociopolítico e econômico brasileiro ainda não superou as divisões que
foram estabelecidas no período colonial, mesmo com os esforços de alguns pensadores, políticos, líderes
populares, movimentos sociais e mais recentemente de organizações não governamentais de defesa da
cidadania, que trabalharam muito e ainda atuam em prol da implantação de uma sociedade mais justa
e solidária.
39
Unidade I

Observação

A colonização do Brasil não foi tarefa fácil para os portugueses. Havia


outras nações europeias que ameaçavam seus domínios na América. As
invasões da França, por exemplo, resultaram na criação de duas colônias do
país em nossas terras.

Essa releitura do período do descobrimento e do período colonial são bases históricas essenciais
para que possamos reconstruir a formação do pensamento político brasileiro e, em especial, associar o
passado com sua influência no presente e nos problemas sociais, políticos e econômicos que temos de
solucionar.

3 PRINCIPAIS AUTORES E TEORIAS

Nas próximas páginas vamos conhecer as principais ideias de alguns pensadores que são
considerados paradigmáticos na história do pensamento político brasileiro. Eles contribuíram muito
para consolidarmos aspectos fundamentais para compreender o desenvolvimento da história política
brasileira e as consequências dessa trajetória para a situação que vivemos hoje.

Com essa análise mais aprofundada, será possível compreender historicamente os pormenores de
nossa nação, bem como refletir sobre os projetos que indicam possíveis soluções para problemas sociais
e políticos atualmente, de modo que se analisem de forma crítica a pertinência e a viabilidade dos
recursos propostos na prática metodológica do conhecimento do passado para iluminar as perspectivas
para o futuro.

Desconhecimento ou simples negação dos aspectos sociopolíticos vividos no Brasil é comum


em projetos que pretendem sanar as adversidades sem conhecê‑las em profundidade. Assim,
não é difícil encontrar quem pretenda resolver a questão habitacional nas grandes cidades com
a construção de bairros afastados, onde a população de baixa renda poderia adquirir imóveis
por valores compatíveis com a sua condição financeira. Contudo, quem propõe tais dispositivos
se esquece de que a segregação da população de baixa renda não resolve problema algum, ao
contrário, os trabalhadores ficam longe de seus locais de trabalho e gastam mais com o transporte
coletivo; os bairros não oferecem a infraestrutura social necessária como escolas, creches, unidades
de atendimento de saúde, coleta de lixo, iluminação pública que viabilize a segurança, ronda policial
preventiva, dentre outros tantos serviços que o Estado deve prestar e que não consegue fazer com
eficiência nas grandes cidades.

Além disso, o desenho urbanístico de uma cidade que afasta seus moradores de baixa renda é a
continuidade da estrurura de “casa‑grande e senzala”, tão conhecida de todos nós no período colonial
brasileiro e com marcas ainda tão presentes na estrutura da sociedade nacional. Assim, conhecer o
raciocínio de pensadores políticos é fundamental para traçarmos as estratégias e as propostas para a
identificação e o enfrentamento dos problemas que temos de solucionar.

40
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Neste trabalho vamos aprofundar o conhecimento sobre o pensamento de José Bonifácio de Andrade
e Silva, Visconde do Uruguai, Silva Jardim, Rui Barbosa, Silveira Martins, Tavares Bastos, Silvio Romero,
Euclydes da Cunha, Alberto Torres e Gilberto Freyre.

Figura 6 – José Bonifácio

José Bonifácio de Andrada e Silva nasceu em Santos, em 1763; era filho de pai comerciante de
grande poder econômico. Estudou Direito em Portugal, na Universidade de Coimbra, onde também
cursou Filosofia e Matemática. Em Paris, estudou Mineralogia e Química. Viveu e conheceu vários países
europeus e iniciou sua carreira política no Brasil em 1821, como presidente da junta provisória da
província da São Paulo.

Após se desentender com D. Pedro I, retornou para a Europa e somente voltaria ao Brasil em 1829.
Em 1831, foi indicado tutor de D. Pedro II e destituído no ano seguinte. Morreu em 1838.

O pensamento de Bonifácio foi influenciado por seus estudos de Direito em Coimbra e, nessa
medida, tem traços de jusnaturalismo, individualismo e liberalismo. Era contrário à escravidão, porque a
considerava antinatural, ou, em outras palavras, porque não era um direito natural. Chegou a representar
a Assembleia Nacional Constituinte em 1823 para que a escravidão fosse abolida, pois era contrária às
leis da justiça e da religião.

Analisemos o seguinte trecho:

Na condição de deputado, Bonifácio tinha a pretensão de construir na


América um país moderno e civilizado, projeto este que colocava na ordem
do dia reformas de grande alcance que atacassem o que considerava ser os
entraves para a conquista da civilização, quer seja, “a heterogeneidade racial
e cultural, a escravidão, a política indigenista e a profunda ignorância que
grassava entre os brancos, negros e índios no período de constituição do
Império brasileiro”.

41
Unidade I

Para vencer essas dificuldades, Bonifácio pregava o fim da escravidão e a


civilização dos índios do Brasil que, a seu ver, tornariam os escravos inúteis
com o passar do tempo. As questões mais específicas de sua proposta para
abolição gradual da escravidão estão presentes em sua Representação
à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre
a Escravatura, na qual propõe o fim do tráfico negreiro e a emancipação
gradual da escravidão.

[...] Ao chamar atenção para as dificuldades de se catequizar e civilizar os


índios, tanto no que concerne à sua natureza quanto ao modo como os índios
são tratados pelos portugueses e brasileiros, Bonifácio insiste na possibilidade
de se ter sucesso no processo civilizatório, desde que se utilize[m] métodos
e práticas adequadas para “converter esses bárbaros em homens civilizados”,
uma vez que, a seu ver, “mudadas as circunstâncias, mudam‑se os costumes”.
Ao apresentar um programa para civilização dos índios Bonifácio parte do
princípio [de] que em seu estado de natureza o homem primitivo não é bom
e nem mau, mas sim um mero autômato, cujas molas podem ser postas em
ação pelo exemplo, educação e benefícios (FURLAN COSTA, [s.d.]., p. 3, grifo
do autor).

Na obra Projetos para o Brasil, o próprio Bonifácio de Andrada e Silva destaca:

Apesar da indolência excessiva dos índios, são em geral robustos, e amam a


guerra; mas detestam o trabalho.

Os índios são um rico tesouro para o Brasil se tivermos juízo e manha para
aproveitá‑los. Cumpre ganhar‑lhes a vontade tratando‑os com bom modo,
e depois pouco a pouco inclinar sua vontade ao trabalho e instrução moral,
fazendo‑os ver que tal é o seu verdadeiro interesse, e que devem adotar
nossos costumes, e sociedade. Eles aprenderão a nossa língua, e se mesclarão
conosco por casamento e comércio.

É preciso, para catequizar e civilizar os índios bravos, que os novos


missionários estudem a sua língua e costumes, o seu caráter e inclinações
naturais, que se conformem no princípio com o seu modo de viver, que
por todos os meios honrados ganhem a sua confiança e vontade; e então
farão deles o que quiserem. A cachaça faz‑lhes perder o pouco tino que têm
naturalmente (ANDRADA E SILVA, 2000, p. 139).

Não deve nos impressionar que José Bonifácio de Andrada e Silva pensasse dessa forma, porque os
índios compunham uma cultura muito diferente daquela a que estavam habituados os portugueses e os
primeiros brasileiros nascidos aqui. O que chamava a atenção, verdadeiramente, é que muitos brasileiros
ainda pensem de forma assemelhada e que por isso a questão da preservação das terras indígenas no
Brasil, recentemente discutida na decisão do Supremo Tribunal Federal de 2013, que fixou parâmetros
42
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

para a demarcação dessas terras indígenas, ainda seja tratada de forma preconceituosa e sem respeito
à cultura da população indígena brasileira.

O autor também destaca que a economia devia valorizar a agricultura e a propriedade. Afirmava que

O governo deriva da propriedade e não vice‑versa, e é contra a natureza que


o princípio dependa do seu derivado, assim as leis de título, ou fundamentais,
não podem depender do governo.

[...] A agricultura, quarto objeto da administração, é alma da produção e a


produção o alimento da sociedade. Sem agricultura, sociedade de silfos, ou
outros quaisquer entes elementares. Sobre ela só cai o peso da sociedade
contanto que pimpolhos ingratos e destinados a assombrar a raiz, de onde
tiram o suco todo, não queiram oprimi‑la, e sujeitá‑la aos seus ambiciosos
caprichos. A agricultura é para o físico como os costumes para a moral, isto
é, o mais vasto e útil ramo da administração. Feliz o governo que olhar para
esses dois objetos com cuidado (Ibidem, p. 139).

O debate sobre políticas para a agricultura brasileira ainda permanece em aberto. De um lado,
críticas dos agricultores à falta de políticas mais claras por parte do governo; de outro, críticas dos
ambientalistas às pretensões dos empresários do agronegócio. A discussão em torno do Código
florestal, Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, o qual trouxe restrições para a agricultura em razão
da necessidade da manutenção de áreas de preservação ambiental mesmo em propriedades privadas,
é bastante simbólica e evidencia o quanto a questão agrícola no país ainda depende de um debate
mais amplo e menos patrimonialista.

José Bonifácio atuou na Assembleia Constituinte de 1823, que foi dissolvida por Dom Pedro I, e
sua proposta era a de uma constituição cuja eficácia fosse comprovada pelo apoio popular, ou seja,
que não fosse apenas uma norma de papel e sem repercussão e legitimidade no seio da sociedade da
época. Contudo, ele excluía negros e índios desse apoio popular, em uma ambiguidade que não era
incomum naquele momento histórico, no qual já se constatava a dificuldade de adaptar ideias europeias
à realidade nacional, mais complexa de ser solucionada e que não se adequava à simples importação de
ideias de outros povos e nações.

Por fim, José Bonifácio defendia a implantação de ideias do liberalismo clássico, ou seja, do sistema
sociopolítico e econômico, que defendia a liberdade do indivíduo em todos os aspectos, em especial na
defesa da propriedade privada, do livre‑mercado, da mínima intervenção do Estado na vida dos cidadãos
e da igualdade entre eles.

Os pensadores liberais acreditavam que todo homem nasce livre para trabalhar onde, como e com o
que quiser. Da mesma forma afirmavam que poderiam escolher o governo e a religião.

Para José Bonifácio, o liberalismo estava presente também na arrecadação de impostos pelo
Estado, que deveria ser mínima e racional, de forma que não impedisse que os negócios comerciais
43
Unidade I

fluíssem livremente. Era, ainda, um homem que defendia a educação e as ciências nos moldes do que
era feito pelos europeus.

Figura 7 – Visconde do Uruguai

Paulino José Soares de Souza, mais tarde Visconde do Uruguai, nasceu em 4 de outubro de 1807,
em Paris, filho de José Antonio Soares de Souza e Antoinette Gabrielle Madeline Gibert. Seu nome de
registro foi Paulin Joseph.

Seu pai era brasileiro e havia viajado para a França com o objetivo de estudar medicina. Era de uma
família de poucas posses e trabalhou ministrando aulas de latim.

Somente em 1818 Paulino José Soares de Souza conheceu o Brasil, quando seu pai resolveu
estabelecer‑se como médico no Maranhão. Em 1823, retornou à Europa para estudar Direito na Faculdade
de Coimbra. Já em 1829 retornou ao Brasil sem concluir seus estudos em Coimbra, porque a agitação
da vida política local havia interrompido as aulas. No mesmo ano foi para São Paulo para estudar na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Depois de formado trabalhou como juiz do foro em São
Paulo, mas os acontecimentos políticos decorrentes da renúncia de Dom Pedro I mobilizavam o interesse
do jovem bacharel e magistrado.

Em 1833, Paulino José Soares de Souza casou‑se com uma herdeira da elite agrícola, e isso ocorreu
porque seu sogro era fazendeiro. O fato propiciou ao ainda magistrado ter contato com problemas e
anseios que ele até então não conhecia em profundidade. A propriedade de seu sogro produzia café
e era fundada basicamente no trabalho escravo.

Em 1836, com 28 anos, foi nomeado presidente da província do Rio de Janeiro. Essa experiência foi
fundamental para que ele compreendesse com maior amplitude os problemas cotidianos e complexos
da administração pública. Como gestor público, Paulino José Soares de Souza acreditava que fosse
fundamental a participação dos particulares na gestão, inclusive na realização de obras como estradas,
por exemplo, essenciais para o escoamento da produção agrícola.

44
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Paulino também foi ministro da justiça, parlamentar e ministro dos negócios exteriores em uma
época bastante conturbada da política nacional, tendo enfrentado situações de instabilidade em todos
os cargos que ocupou. Atuou ainda como senador do Império na bancada do Partido Conservador, em
1849, e Conselheiro do Estado, em 1853. No ano seguinte recebeu o título de Visconde do Uruguai.
Batalhou muito pelo fim da escravidão e destacou‑se no plano internacional na defesa do Estado do
Amazonas como parte do território brasileiro, no episódio que envolvia os limites da região com a
Guiana Francesa.

Leia o interessante destaque:

Quer como homem de ação, quer como homem de pensamento; quer


como legislador, quer como ministro ou embaixador, Paulino impôs‑se
sempre pela imensa capacidade de estudo e de trabalho, pelo total
domínio dos temas a que se dedicava, pela agudeza de sua argumentação
e pelo vigor com que defendia suas ideias. Superou muitas vezes acirrada
oposição tanto com atitudes enérgicas quanto com habilidade e tato no
trato com opositores. Na política, fez o duro aprendizado de não só se
opor a adversários, mas, o que é mais difícil, de contrariar os interesses de
correligionários e amigos.

Tal foi o caso quando se bateu pela abolição do tráfico negreiro, ocasião
em que entre seus parentes, amigos e correligionários se encontravam
grandes proprietários de terra e de escravos, produtores de açúcar e de café.
Ainda que a lei da abolição do tráfico tenha sido apresentada e assinada
por Eusébio de Queiroz, e por este motivo leve o nome do então Ministro
da Justiça, foi de Paulino a iniciativa, a elaboração e a ferrenha defesa que
culminou com a aprovação final da lei (RODRIGUES, 2011, p. 142).

Paulino José Soares de Souza foi durante muitos anos chefe do Partido Conservador, que defendia
a ideia de que o progresso não é melhor simplesmente por ser o novo, e que nem tudo o que é novo
deve substituir de imediato o que está em vigor. As lutas políticas haviam marcado profundamente o
seu pensamento, que permanecia a favor da liberdade, mas que entendia que as mudanças deveriam
ser precedidas de análise mais judiciosa antes de serem implementadas. Ele temia que a anarquia, a
impunidade e a insubordinação pudessem causar males insanáveis para o país.

Para a pesquisadora, o Visconde do Uruguai, baseado em sua história pessoal e no conhecimento


sobre os sistemas políticos adotados pela Inglaterra, França e Estados Unidos,

[...] argumentava que, no Brasil, era necessário ter uma forte centralização,
para que a política do governo atingisse todo o território. Havia que separar
o poder judiciário da administração, para que os direitos individuais
e a justiça não fossem atropelados por julgamentos marcados pelos
sectarismos resultantes de juízes eleitos por designação dos partidos.
Finalmente, era necessário que as províncias gozassem da autonomia
45
Unidade I

indispensável à promoção, de acordo com as exigências das realidades


locais, do bem‑estar das populações de cada região, de cada município
(RODRIGUES, 2011, p. 147).

E conclui a autora:

O Visconde do Uruguai representa os valores e a mentalidade da elite


governante no período imperial da nossa história. Como estadista,
representou o pensamento conservador que elaborou a instituições que
deram estabilidade ao país por quatro décadas e que fizeram o país ser
respeitado como nação por toda a Europa.

Como liberal, era ardente defensor da liberdade. Bateu‑se pela abolição


do tráfico negreiro por convicção e também pela pressão exercida pela
política inglesa, mas silenciou, como aliás todos os seus contemporâneos,
qualquer outra menção no sentido de abolir a escravatura. Católico
convicto, visitou o Papa Pio IX, com quem manteve longa conversa,
assegurando‑lhe a fidelidade de seus súditos brasileiros. Escreveu ao
amigo, o futuro Barão do Rio Branco, que ficara emocionado com a visita.
Mas ao mesmo tempo era maçom, desde os tempos de estudante em São
Paulo, e chegou a Grão‑Mestre da Maçonaria Brasileira nos últimos anos
de vida. Representou assim todas as contradições que estavam latentes na
mentalidade vigente. Os depoimentos dos contemporâneos dão notícias
de características de sua personalidade um tanto discrepantes. Por um
lado, o Visconde de Taunay escreveu dele, provavelmente referindo‑se à
sua atuação como diplomata, que “o Visconde do Uruguai era capaz de
dançar sobre uma mesa coberta de cristais sem quebrar nem um”. Por
outro lado, os inimigos e desafetos, e os tinha muitos, diziam que era
enérgico, frio, racional e duríssimo. Criticavam‑no por ser implacável na
aplicação da lei e na punição dos que a infringiam. Os amigos, muitos e
notáveis, elogiavam‑lhe pelo mesmo motivo, por ser racional e não parcial
na aplicação da lei. Também elogiavam‑lhe a finura no trato, o vasto saber,
a inteligência e a lealdade. Era um chefe político cuja autoridade não cabia
questionar. Todos lhe reconheciam a retidão de caráter e a integridade
moral. Sua figura é lembrada como a de um homem enérgico e estudioso,
habilidoso e cioso de sua autoridade. Um homem austero, de fino trato e
reservado. Foi um dos maiores responsáveis pela política de conciliação
nacional que, por quase cinquenta anos, propiciou a paz e a prosperidade
ao país (RODRIGUES, 2011, p. 151).

Como podemos perceber, o pensamento político não é linear. Ao contrário, construído por homens
e mulheres a partir de suas peculiares análises da vida e da preservação de seus valores, o pensamento
político de um povo é datado em um determinado momento histórico, influenciado por tudo aquilo que
é relevante para os seres sociais e, não raro, como ocorreu, entre outros, com o Visconde do Uruguai, é
46
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

contraditório e contraposto. Supor coerência e linearidade na construção histórica e social é negar que
as contradições sejam, igualmente, parte da trajetória política e social de uma nação.

Antônio da Silva Jardim nasceu na Vila de Capivari em 1860, hoje município de Silva Jardim, no
Estado do Rio de Janeiro, e faleceu em um acidente no vulcão Vesúvio, em Nápoles, na Itália, em 1891.

Era advogado, jornalista e teve notória atuação em movimentos abolicionistas e republicanos no


Brasil. De origem econômica modesta, estudou Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, mais
tarde incorporada à Universidade de São Paulo – USP. No período em que esteve nessa importante
escola de Direito brasileira, citamos o ano de 1878, época em que as ideias republicanas e abolicionistas
davam o tom do debate e norteavam as reflexões dos professores e estudantes.

Silva Jardim era mais radical que muitos dos pensadores políticos de sua época. Ele queria uma
revolução que terminasse com a Monarquia, que ele criticava de forma implacável juntamente com o
Império, porque em seu entender não havia espaço para soluções negociadas, a saída era o domínio da
verdadeira liberdade, e isso deveria ocorrer com a queda da Monarquia e a proclamação da República
no Brasil.

Adepto do pensamento positivista, que acreditava principalmente no método científico e na


inexorabilidade da Lei do Progresso, Silva Jardim era duro nos seus discursos contra a Monarquia, na
defesa incondicional da honra e da pátria, e em desejar os republicanos ao lado do Exército para a
implantação do novo regime político.

Vejamos a seguinte afirmação sobre ele:

Silva Jardim estava empolgado deveras pela mística republicana. A luta pela
instauração da República afigurava‑se‑lhe como algo sagrado.

[...] Essa mística republicana, chamada por ele de “chama do patriotismo”,


empolgou desde a primeira juventude a Silva Jardim e foi reforçada pelo
comtismo, apesar da frieza do ensino positivista.

[...] A Revolução que devia instaurar a República não só era digna e justa,
mas também santa. E este dever religioso não se opunha à visão cientificista
que empolgava ao ardente propagandista. Eis as suas palavras a respeito: “E
a Revolução é um dever excepcional, e uma garantia suprema, impossível de
ser de todo banida do organismo social, bem como a moléstia do organismo
físico. A ciência não a exclui, porque paz não quer dizer indiferença, ordem
não quer dizer apatia, fraternidade não quer dizer impudor perante as
afrontas: a violência é digna, a violência é justa, a violência é santa: só os
fracos não se indignam, só os nulos não se revoltam, só os covardes não
respondem à violência, que é um insulto, com a violência, que é um castigo”
(RODRIGUEZ apud PAIM; BARRETO, 1989, p. 160, grifo do autor).

47
Unidade I

Conhecido por seus discursos inflamados, os quais eram proferidos numa época em que a repressão às
ideias republicanas e abolicionistas não raro era feita de forma violenta pelo Império, Silva Jardim acreditava
na incondicionalidade da ética, na honra como um valor sagrado e da defesa da pátria como um dever. Para
ele, o comportamento deveria ser pautado por uma única norma: viver e morrer exclusivamente pelo país.

E o autor também ressalta que:

O modelo político defendido por Silva Jardim seria, assim, o do despotismo


ilustrado ou “patrimonialismo modernizador”, que somente aceita do
liberalismo a retórica utópico‑democrática, surgida no ensejo das revoluções
americanas e francesas. Mas o seu autoritarismo está longe de aceitar em
plenitude o modelo liberal clássico do governo representativo.

O jovem tribuno deixou claro que a sua admiração pelos Estados Unidos
estava polarizada sob o ângulo modernizador, no contexto do ideário
pombalino. Cuidadosamente excluiu a prática da democracia representativa.

[...] Silva Jardim estava mais perto da visão estatizante e modernizadora


do Marquês de Pombal do que do modelo liberal e democrático do regime
representativo. A República foi anunciada por ele como o que realmente
seria no regime castilhista e no Estado getuliano: poder forte e modernizador
(RODRIGUEZ apud PAIM; BARRETO, 1989, p. 165).

Considerado um dos pensadores mais radicais daquele período, Silva Jardim se notabilizou pelas
ideias e, infelizmente, pela forma trágica de sua morte.

Figura 8 – Rui Barbosa

Rui Barbosa de Oliveira, ou simplesmente Rui Barbosa, como ficou mais conhecido na história
brasileira, nasceu em 5 de novembro de 1849, em Salvador, Bahia, e morreu em Petrópolis, Rio de
Janeiro, em 10 de março de 1923.
48
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Estudou Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo. Lá, junto a Castro Alves, o
poeta dos escravos, e com Joaquim Nabuco, o abolicionista, foi participante de um grupo que ficou
conhecido como o Ateneu Paulistano, dedicado a encontros culturais.

Depois de formado, mudou‑se para o Rio de Janeiro, onde se dedicou à advocacia e ao jornalismo.
Seu trabalho na época era centralizado na abolição da escravidão. Tornou‑se deputado provincial e
mais tarde deputado‑geral, ocasião em que defendeu o sistema federativo no Brasil ao lado de Joaquim
Nabuco. Era um homem coerente, a ponto de haver recusado um cargo de ministro antes da Proclamação
da República, porque considerava incompatível com suas ideias federativas.

Após a instauração da República, foi escolhido como ministro da Fazenda do governo provisório.
Exerceu também o cargo de ministro da Justiça. Teve grande participação na Assembleia Constituinte
que formulou a Constituição Federal de 1891, a primeira carta magna brasileira.

Desentendeu‑se com os adeptos do golpe que levou Floriano Peixoto ao poder e, na qualidade de
redator‑chefe do Jornal do Brasil, foi veemente crítico dessa situação, tanto que precisou se exilar. Ficou
em Buenos Aires, depois em Lisboa, e mais tarde em Londres. Regressou do exílio em 1895, retomando
sua condição política no Senado, onde foi sucessivamente reeleito até sua morte.

Em 1907 foi chefe da delegação brasileira que participou da Segunda Conferência de Paz, em Haia, na
Holanda. Lá defendeu o princípio da igualdade jurídica das nações soberanas, enfrentando o preconceito
das grandes potências, para as quais essa ideia era inaceitável. Devido a sua atuação, foi nomeado para
presidente de honra da Primeira Comissão, e seu nome foi destacado entre os “sete sábios de Haia”.

De volta ao Brasil, foi contra a eleição do Marechal Hermes da Fonseca, e em 1931 fundou o Partido
Liberal.

Rui Barbosa teve intensa participação na vida política brasileira, mas contra ele pesa o seguinte: em
1889, quando era ministro da Fazenda, ordenou que fossem queimados livros que continham matrículas
de escravos em todas as comarcas jurídicas que podiam realizar esses registros. Para alguns historiadores,
ele teria procedido dessa forma para tentar apagar a mancha da escravidão da história brasileira.
Outros pesquisadores, no entanto, ponderam que a atitude pode ter sido uma forma de inviabilizar que
proprietários de escravos tivessem documentos para requerer ao governo indenização pela perda da
propriedade em decorrência da abolição, que havia ocorrido em 1888.

Maria Cristina Gomes Machado escreve sobre Rui Barbosa:

Rui Barbosa era um homem informado sobre a dinâmica do mundo, estava em


permanente contato com a Europa. Ele era conhecedor da realidade brasileira,
autor, se é certo dizer, de uma “biblioteca”, autor de um minucioso projeto de
educação pública e, no entanto, ilustre desconhecido da História da Educação.

Rui Barbosa envolveu‑se com questões capitais para a organização da


sociedade. Através de sua biografia pode‑se verificar o seu envolvimento
49
Unidade I

com a vida, com as lutas que os homens estavam travando para que
mudanças infra e superestruturais acontecessem no Brasil no final do século
XIX. Rui Barbosa se insere totalmente nas lutas e toma partido frente às
transformações que se operavam no país, como a mudança do trabalho
escravo para o livre, mudança do regime monárquico para o republicano,
mudança de uma economia hegemonicamente agrária para a organização
de uma indústria embrionária. Período este de modernização da vida do
brasileiro, e em que se caminha para inserir o Brasil no processo civilizatório.

Rui Barbosa, figura de destaque na política do país, mostra‑se favorável


à sua modernização. Para modernizar a sociedade civil ele envolveu‑se
na luta pela separação da Igreja e do Estado, pelo casamento civil e pela
secularização dos cemitérios. Seus olhos estavam sempre voltados para a
modernização das relações sociais.

A primeira reforma que Rui Barbosa defendeu foi a da eleição direta. Esta
foi levada à Câmara pelo ministro do Império, barão Homem de Melo. A
redação final foi elaborada por Rui a pedido de José Antônio Saraiva, que
estabelecera as bases do projeto. Ela era uma antiga aspiração do Partido
Liberal, que buscou realizá‑la logo que retomou o poder, após 10 anos de
ostracismo político. O Partido Liberal organizou um ministério em março de
1880 e realizou a reforma através de Lei Ordinária, Lei Saraiva, sob o Decreto
nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881.

O projeto proposto por Rui impedia o voto de quem não alcançasse


renda mínima e o dos analfabetos. Rui afirmava não os excluir, [pois
eles] deveriam ser educados para usufruírem de seus direitos. Em outros
países era através da educação que os analfabetos se aproximavam do
governo. Neste projeto se incluiu a elegibilidade dos não católicos e dos
libertos, o que representava um grande avanço na legislação brasileira, e
se propunha também a vitalicidade do título para garantir um eleitorado
independente.

Rui Barbosa criticou o sistema eleitoral vigente por ser fraudulento, pois
tinha como principal problema a questão da qualificação. O título de
votante dependia de uma decisão administrativa ou judiciária, e isto levava
a um jogo de interesses administrativos, excluindo os eleitores que fossem
da oposição.

Para Rui Barbosa, o sufrágio universal deveria ser acatado, porém pedia uma
era de inteligência e educação popular para que o país pudesse alcançar esse
ideal da democracia representativa. Para ele, ainda não era possível realizar
o sufrágio universal, assim era preciso verificar quem constitucionalmente
podia votar quanto ao censo.
50
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

O projeto estabelecia assim duas exigências para o eleitorado: para votar


era preciso saber ler e escrever e possuir renda mínima de quatrocentos mil
réis de rendimento anual. Esta renda mínima era necessária, segundo Rui,
não pelo dinheiro em si, mas para que o homem não precisasse se sujeitar
a interesses alheios e influências estranhas, pois esta renda garantiria uma
certa independência do eleitor (MACHADO, 1999, p. 622, grifo nosso).

No aspecto político de Rui Barbosa prevaleceu a dimensão liberal, em especial pela preocupação
de limitar o poder do Estado em relação à sociedade e garantir que o governo estivesse a serviço da
sociedade, e nunca o inverso. Entretanto, suas ideias liberais foram consideradas por demais abstratas
e, nessa medida, impraticáveis.

Ricardo Velez Rodriguez afirma

Identificado com a tradição liberal anglo‑saxônica, o ilustre baiano


considerava que o Estado deveria estar a serviço da sociedade e, portanto,
devia ser por ela controlado. Contudo, o conceito que prevalece para Rui é
o de opinião. Nelson Saldanha expressa assim o conteúdo da noção: “[....]
Concepção de uma maioria concreta, empiricamente verificável à base das
práticas eleitorais crescentemente aperfeiçoadas. O conteúdo das inclinações
desta maioria, dentro do plano sociopolítico e ao mesmo tempo dentro
do histórico‑cultural, seria precisamente a opinião pública. O conceito,
abrigando a referência ao povo – ao populicum –, encerrava igualmente a
alusão a algo dinâmico, muito ao gosto do século. Algo passível de se sentir
e de se acompanhar: na imprensa, no parlamento, ao lado divulgável da
ciência”.

É patente, no entanto, o caráter pouco concreto da noção de regime da


opinião, para basear sobre ela toda uma avaliação da experiência parlamentar
do Império, que tinha, aliás, definido claramente os marcos constitucionais
e práticos em que se deveria enquadrar o exercício da representação. Essa
experiência nunca poderia ter sido do mesmo teor que na Inglaterra ou nos
países europeus, com o risco de esvaziá‑la por falta de uma base real.

Aí radica, ao nosso ver, outra das limitações do estadista baiano: não soube
enquadrar a experiência do sistema representativo do Império no contexto
histórico em que emergiram as instituições consagradas na Carta de 1824.
Era evidente a sua preocupação por pautar a nossa experiência de governo
representativo pelo parâmetro da experiência britânica.

[...] Esse liberalismo abstrato, sem levar em consideração as condições


que possibilitaram a construção do Império e a experiência moderada de
representação no seio dele, levou o parlamentar baiano a desconhecer a
essência mesma da instituição monárquica.
51
Unidade I

[...] Se é bem certo que podemos criticar o liberalismo de Rui por


demasiadamente teórico e alheio às nossas condições históricas, não
podemos duvidar da sua honestidade política, que o fez exilado sob o
draconiano governo de Floriano Peixoto e costumeiro derrotado nas
lides político‑partidárias (as derrotas numerosas em 1897; 1910; 1913;
1919; 1921). Esse foi o tributo pago pelo grande baiano ao seu idealismo
(RODRIGUEZ apud PAIM; BARRETO, 1989, p. 172, grifo do autor).

Rui Barbosa acreditava que era preciso desmontar o Império para instalar a República, e esta deveria
ocorrer em regime de federação, que ele compreendia como elemento que garantiria o governo do povo
pelo povo. Sem o Império seria possível se afastar do traço centralizador e permitir a expressão maior
da vontade popular.

Ele era presidencialista e entendia o presidencialismo como uma decorrência natural da República.
Não cogitou a ideia de parlamentarismo por considerar a experiência norte‑americana como um bom
modelo para ser seguido. Não foi, no entanto, o que ocorreu no Brasil, pois a passagem do Império para
o sistema republicano e federalista foi, de início, motivo para o excessivo aumento do poder do Estado,
centralizado no Poder Executivo e sem equilíbrio entre os poderes, como seria desejável.

Rui Barbosa é criticado por ter contribuído pouco para a instauração da democracia representativa no
Brasil republicano, seja por sua ideia vaga de regime de opinião, seja por ter desprezado a contribuição
da experiência parlamentar do Império. Nesse sentido, afirma Vasquez:

Se bem é certo que o idealismo de Rui não transigiu nunca com o despotismo,
também é verdade que não conseguiu elaborar meios constitucionais
eficazes que freassem a corrida estatizante por que enveredou a República
desde os primeiros anos. Porque o único meio possível de garantir um Estado
controlado pela Nação teria sido o amadurecimento, no arcabouço das
instituições republicanas, da prática da representação. E isso Rui não logrou.

Comparando Rui com os estadistas que deitaram as bases da experiência


parlamentar, Pinheiro Ferreira e José Bonifácio, bem com a geração de
espíritos ilustres que a aperfeiçoaram ao longo do Império, encontramos
neles, talvez, menos brilhantismo oratório do que no estadista baiano.
Porém, é forçoso reconhecer‑lhes um maior sentido político (RODRIGUEZ
apud PAIM; BARRETO, 1989, p. 176).

As críticas ao pensamento de Rui Barbosa não diminuem sua relevância política, principalmente por
ter sido um defensor de três ideias fundamentais para a história brasileira: o abolicionismo, a federação
e a República.

Seu descontentamento com os rumos da política e do Estado brasileiro, já ao final de sua extensa
e profícua trajetória de homem público, podem parecer escritos em nossos dias, haja vista a atualidade
que reproduzem. Vejamos o texto a seguir:
52
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

É um país reduzido a pastos dos seus governantes, é anima vilis dos seus
charlatães, é um país vaca de leite, um país gado de açougue, um país
carniça de hospital. Sua administração, sua política e seu governo, fundados
na incompetência, regidos pelo nepotismo, arruinados pelo desbarato
financeiro, resume[m]‑se numa só palavra: dilapidação.

[...] Mas a política brasileira é radicalmente amoral, é, convencida e


professamente, imoral. Renegou a moral, caluniando as nossas instituições
coma profissão de irreligiosidade, que eles confundem com a liberdade
religiosa. Renegou a moral, estabelecendo como coisas distintas duas leis
de moralidade: uma para os indivíduos, outra para o Estado (ALMEIDA,
2010, p. 88).

Esses pensamentos de Rui Barbosa se aplicam à política brasileira contemporânea, que, em larga
maioria, perdeu o referencial da ética e da moralidade como bem demonstram os recentes escândalos
de corrupção em todos os níveis de poder político.

Gaspar Silveira Martins nasceu no Departamento de Cerro Largo, no Uruguai, em 1835. Seus pais
possuíam propriedades no Uruguai e no Brasil. O sobrenome Martins é de sua mãe, e o sobrenome
Silveira, de seu pai. Registrado na tradição espanhola, tinha como último sobrenome o materno.

Estudou Direito na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, e concluiu o curso
em 1856. Em sua trajetória política, ocupou os cargos de juiz municipal, no Rio de Janeiro, deputado
provincial (1862‑1889), deputado‑geral (1872‑1879), ministro da Fazenda (de 13/2/1878 a 8/2/1879),
senador do Império (1880‑1889), presidente da província do Rio Grande do Sul (1889) e foi nomeado
conselheiro de Estado extraordinário pelo Imperador (1889). Também foi presidente do Partido Liberal,
um dos fundadores do Partido Federalista e um dos líderes da Revolução Federalista (1893‑1895).

Com a Proclamação da República, em 1889, ficou exilado com sua família na Europa. E, no período
final da Revolução Federalista, em 1895, foi para a Argentina. Liderou a oposição a Júlio de Castilhos,
Presidente da Província do Rio Grande do Sul. Pouco antes de falecer, deixou seu testamento político,
texto em que estão expressas suas principais ideias políticas. A obra apresenta uma proposta de
organização de Estado alternativo ao projeto republicano castilhista. Faleceu em 1901, em Montevidéu,
Uruguai.

Silveira Martins foi até acusado de monarquista e de defensor dos direitos dos proprietários de terra
e de escravos, que eram, a rigor, sua condição pessoal como filho de proprietários de terras no Brasil e no
Uruguai, os chamados “estancieiros”, ou seja, proprietários de estâncias. Na verdade, ele era um liberal,
não se importando com qualquer forma de governo, Monarquia ou República, desde que preservasse a
liberdade do cidadão. Para ele, o ideário político deveria ser o da liberdade individual, ou seja, o regime
de governo não era relevante.

Silveira Martins entendia que a concentração de poder era um mal para a sociedade e, nessa medida,
defendia eleições livres, em que todos pudessem manifestar sua vontade.
53
Unidade I

Além disso, ele era parlamentarista e defendia maior autonomia das províncias, que hoje denominamos
estados federativos. Lutou por uma república federativa de caráter presidencial representativo e
parlamentar, por entender que isso era o que melhor se adequava às suas concepções liberais de governo.
O Poder Executivo deveria se submeter ao Legislativo, e o Poder Judiciário deveria ter garantia de livre
funcionamento, a fim de poder assegurar o bem‑estar dos cidadãos.

Silveira Martins também era a favor da colonização em substituição ao trabalho escravo, e considerava
que isso seria especialmente proveitoso para a Província do Rio Grande do Sul, pela qual sempre lutou.

Rodriguez afirma que:

[...] Silveira Martins propunha a implantação, no Brasil, de uma República


Federativa de caráter presidencial, representativo e parlamentar, que,
ajustando‑se à concepção liberal do governo, desse a primazia do poder
público ao Legislativo, submetesse o Executivo e assegurasse o livre
funcionamento do Judiciário, a fim de promover o bem‑estar dos cidadãos
e superar, definitivamente, a crise do governo representativo, encarnada no
autoritarismo republicano, do qual o regime castilhista era a prova mais
evidente (RODRIGUEZ apud PAIM; BARRETO, 1989, p. 185).

Em poucas palavras, o pensamento que guiou Silveira Martins em sua trajetória política era
essencialmente liberal, inspirado nos ideais que haviam mobilizado a Inglaterra, os Estados Unidos e a
França no rumo da liberdade civil, com garantias constitucionais e poderes independentes.

Figura 9 – Aureliano Bastos

Aureliano Cândido Tavares Bastos nasceu na cidade de Alagoas, em 20 de abril de 1839 e faleceu
em Nice, França, em 3 de dezembro de 1875.

Foi político, escritor e jornalista. Seu pensamento político é marcado pelo pioneirismo das ideias do
federalismo e contrário à centralização administrativa no Brasil ainda durante o período do Segundo
Reinado.
54
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Estudou Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, onde iniciou sua carreira
política. Formou‑se em 1859, com apenas 19 anos de idade. Foi deputado federal por Alagoas em três
legislaturas, mas viveu parte de sua vida no Rio de Janeiro.

Era defensor das ideias do liberalismo, e entendia que a liberdade de mercado e da livre‑iniciativa era
fundamental para a sociedade. Por essa razão, era contrário ao fato de o Estado exceder sua atuação e
substituir o particular na economia produtiva. Defendia, ainda, a separação do Estado e da Igreja, bem
como a liberdade religiosa, inclusive, com a imigração de protestantes.

Seus conceitos eram muito influenciados por John Stuart Mill, Alexander Hamilton e Alexis de
Tocqueville.

Tavares Bastos acreditava que as raízes de todos os males que o Brasil vivia estavam nos erros da
Metrópole absolutista e do regime colonial. Para construir um futuro melhor para o país, destacava que
seria preciso desconstruir o arcabouço colonial e livrar‑se de seus vícios.

Ele acreditava na importância de dados estatísticos para nortearem o planejamento das mudanças
necessárias, a fim de tornar o país mais progressista. Nesse sentido, pode ser definido como pragmático
e realista, e nada utópico. Suas esperanças de melhoria não eram vãs, ao contrário, eram pensadas com
base em planejamento prévio, em dados concretos.

Destacamos a seguinte descrição:

Não havia simplismo na identificação dos “males do presente”, nem


tampouco na composição das “esperanças do futuro”. A cada fato social era
atribuída não uma única, mas uma multiplicidade de causas explicativas;
também eram cuidadosamente estabelecidos os vínculos entre os diferentes
aspectos observados.

Da mesma forma, as reformas propostas eram complexas e interligadas,


abrangendo a sociedade como um todo. Assim, por exemplo, a centralização
política e administrativa, um dos nossos principais males, associava‑se a
outros igualmente graves como a escravidão, o baixíssimo nível de instrução
da população, o atraso material do país, a falta de liberdade econômica, a
pouca comunicação com o exterior (particularmente os Estados Unidos),
dentre vários outros. As reformas propostas, para além da descentralização
administrativa e da adoção do sistema federativo, incluíam reforma do
sistema de representação e do Judiciário, emancipação gradual da escravatura,
promoção da imigração estrangeira, expansão da instrução pública, reforma
agrária, liberdade religiosa, liberdade de comércio, liberdade de cabotagem,
abertura do rio Amazonas ao estrangeiro, comunicação direta com os Estados
Unidos... Enfim, uma multiplicidade de medidas articuladas umas com as
outras, compondo uma reforma profunda do Estado e da sociedade – com a
premissa da manutenção do regime monárquico (FERREIRA, 2002, p. 55‑6).
55
Unidade I

Tavares Bastos acreditava que a província deveria ocupar um papel central no federalismo monárquico.
Para tal, destacava que eram fundamentais eleições livres para a escolha dos presidentes de província
e a ampliação de atribuições de recursos financeiros, para que esses entes políticos se organizassem
adequadamente e tivessem força de representação.

O pensamento liberal de Tavares Bastos foi dedicado, ainda, às questões da expansão da instrução
pública, à gradual libertação dos escravos e à política de imigração para viabilizar a entrada de mão
de obra estrangeira, principalmente para substituir o trabalho escravo. Para ele, a modernização do
Estado brasileiro só ocorreria com o fortalecimento das províncias e com a liberdade de escolha de
representantes políticos pelos cidadãos. Em plena Monarquia, não era pouco ser defensor de eleições
diretas!

Seu modelo de organização política e social era francamente baseado na experiência norte‑americana.
Em razão da grande convicção sobre os benefícios dessa estrutura, cometeu alguns excessos.

Acreditava, ainda, que o tipo de governo fosse secundário. Essencial era haver a reforma das
instituições políticas para promover um programa de modernização política e econômica. Relatava que
isso seria obtido se o regime de poder fosse descentralizado e com ampla participação da sociedade.

Silvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero nasceu na cidade de Lagarto, Sergipe, em 21 de


abril de 1851, e faleceu no Rio de Janeiro, em 18 de junho de 1914.

Formou‑se em Direito pela Faculdade do Recife em 1873, e atuou como crítico literário e jornalista
em vários periódicos de Pernambuco e do Rio de Janeiro. Foi deputado provincial em 1875 e deputado
federal pelo Partido Republicano em 1900.

Transferiu‑se para o Rio de Janeiro, onde foi professor concursado do Colégio Pedro II, no qual
lecionou Filosofia. Foi escritor e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.

Silvio Romero também se notabilizou por ser um polemista, ou seja, defensor de ideias que se
contrapunham às de outros pensadores e que, não raro, eram debatidas durante muito tempo por meio
de artigos publicados em jornais, ou até em livros. Credita‑se essa facilidade de polemizar ao fato de
ser descendente de uma classe social menos abastada, rural e em plena decadência econômica, o que
teria desenvolvido em Silvio Romero certo desprezo pela vida na Corte. Era um defensor dos valores
e do modo de vida da província e, na mesma medida, um crítico da vida e dos valores praticados pelo
poder dominante.

Em decorrência disso ele se define como um nacionalista, que então deveria combater os modismos
da vida na Corte e valorizar a província, focar o debate nos problemas nacionais e resgatar a cultura
brasileira. Com isso, pretendia defender a integridade e a pureza de ideias contra a imitação ou o espírito
de importação do ideário de outras nações.

Adepto das ideias positivistas de Augusto Comte, Silvio Romero produziu extensa obra literária,
sempre valorizando o método científico e criticando ferozmente até as ideias importadas, rasas em
56
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

fundamentação, repletas de palavreado rebuscado e sem consistência. Acreditava que todo estudo só
seria científico se estivesse em conformidade com leis fundamentais, que deveriam ser as mesmas, tanto
para o mundo físico como para a cultura.

Para o autor, a literatura era uma forma de compreensão do caráter nacional; dizia que o escritor
deveria ser analisado a partir de seu contexto sociocultural e histórico.

Influenciado por Darwin e Spencer, acreditava no evolucionismo e que o povo brasileiro, formado
pela miscigenação de índios, negros e brancos europeus, ainda teria um grande destino histórico e
cultural no mundo.

Veja o resumo sobre a multiplicidade do pensamento de Silvio Romero:

Silvio Romero leu e divulgou “o bando de ideias novas” que ecoavam


sobretudo da Europa. Da França num primeiro momento confiou suas
análises ao positivismo de Comte, embora depois desacreditasse que
esta mesma corrente pudesse tornar possível a compreensão da “índole”
do brasileiro. Dos naturalistas Charles Darwin e Lamarck assimilou a
seleção natural do mais apto em sua lei concorrencial pela vida. Assim,
Romero acabara por creditar à raça branca o maior número de ideias
e estas sendo as mais fortes em detrimento da contribuição da raça
negra e [da] indígena para interpretar a cultura brasileira. Mas, foi com o
evolucionismo de Herbert Spencer que Silvio Romero baseou suas análises
da cultura brasileira. Acreditava na evolução social, daí sua apologia ao
naturalismo em literatura, a defesa de determinados “recortes” históricos
que contribuiriam para a evolução literária brasileira em relação à antiga
metrópole portuguesa. Em filosofia o bacharel renegou o espiritualismo
de Vitor Cousin, de tradição retórica, posicionando‑se contra um ensino
jesuítico bem‑conformado a uma elite aristocrata, que legitimara todo
um romantismo de base católica e socialmente hierárquico (ALONSO,
2002). Em matéria de crítica, embora, segundo Antônio Candido, Romero
tenha sido um mau crítico literário, este fundara a crítica literária
moderna baseando sobretudo suas análises a partir da questão racial e
mesológica, cujo método assimilava os mesmos elementos das ciências
naturais. Afinal, para Romero a crítica não era “[...] um sistema, uma
teoria, uma doutrina feita e completa, uma ciência, mas um processo,
um método, um controle que se deve aplicar às criações do espírito
todos os ramos de sua atividade [...]” (ROMERO, 1969, p. 338).

Ver‑se‑á que Silvio Romero, imbuído de um pensamento assegurado


pelos mesmos elementos que suportam as análises científicas, investiga
os processos sociais à luz de uma crítica fundamentalmente orgânica
e funcional, e eis o sentido de sua lógica para o empreendimento de sua
produção intelectual sobre a cultura brasileira.
57
Unidade I

Não sem razão que o bacharel empreende pela busca dos fatores
condicionantes à formação do gênio, do espírito do povo brasileiro, herdeiro
da fusão das três raças: branco, índio e negro. Partindo da concepção
germânica de literatura na qual incluem “todas as manifestações da
inteligência de um povo”, Romero insurge‑se contra a ideia de restringir
as manifestações culturais do povo brasileiro à poesia. O crítico literário
acreditava nos fatores condicionantes da literatura brasileira, tais como:
“o português, o negro, o índio, o meio físico e a imitação estrangeira”.
Analisando a literatura que para este representaria o “caráter nacional do
brasileiro”, Romero formulava sua teoria no Brasil, a teoria da mestiçagem,
visto que esta era reflexo destes elementos condicionantes (COSTA FILHO,
2009, p. 25, grifo do autor).

E conclui:

Mas, seria nodal para o entendimento de sua interpretação brasileira a


questão racial, no qual afirmava Romero que a singularidade brasileira era
o mestiço, resultado da fusão das três raças. O mestiço era, pois, o “genuíno
brasileiro”, elemento ímpar e singular que bem representava o caráter
nacional brasileiro (ROMERO, 1969, p. 61). Defendendo a superioridade das
raças, Romero acreditava na fortaleza da raça ariana (branco‑europeia) em
detrimento da contribuição de negros e indígenas à formação do caráter
brasileiro. Sua interpretação, tendo em vista sua teoria do Brasil, partia da
mestiçagem como pressuposto teórico que tenderia ao branqueamento. Os
valores, instituições, costumes políticos e culturais brasileiros se explicavam
pelo contato das três raças, prevalecendo a mestiçagem como elemento
novo e o mestiço como sua representação direta. De acordo com Romero,
“todo brasileiro é um mestiço, quando não no sangue, nas ideias” (ROMERO,
1964, p. 54).

O pensamento romeriano está intrinsecamente ligado ao momento


histórico pelo qual assimilou as teorias científicas da segunda metade
do século XIX na Europa e analisou as transformações sociais no Brasil.
Lembremos que a segunda metade do século XIX caracterizou‑se por
profundas transformações socioeconômicas, fruto da desestabilização da
economia açucareira no nordeste e do surgimento da forte economia do
centro‑sul, [que era] centrada no oeste paulista e alicerçada no café. O
início desta “nova” conjectura social se dá já em 1850, quando se verifica
a proibição do tráfico intercontinental de escravos sob pressão inglesa,
embora não cesse o tráfico entre as províncias do Brasil (COSTA FILHO,
2009, p. 28, grifo do autor).

Como vimos, a contribuição de Silvio Romero para o pensamento político brasileiro é importante
e complexa, e merece um estudo mais amplo, algo que este trabalho não tem a pretensão de realizar.
58
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

É fundamental perceber que muitas das questões que ele estudou e discutiu com vigor ainda
estão presentes no cotidiano brasileiro, por exemplo, o debate sobre a existência de uma identidade
nacional brasileira, ou ainda sobre as tendências de importação de ideias e soluções para os
problemas nacionais.

Figura 10 – Alberto Torres

Alberto de Seixas Martins Torres nasceu em Itaboraí, no Rio de Janeiro, em 1865, e faleceu em
1917.

Formou‑se em Direito, tendo estudado em São Paulo e no Recife. Foi deputado estadual e federal
pelo Rio de Janeiro, ministro da Justiça a convite do presidente Prudente de Morais e ministro do
Supremo Tribunal Federal.

Foi abolicionista, republicano, expoente do pensamento ruralista brasileiro, e suas ideias influenciaram
o movimento integralista brasileiro. O integralismo foi um movimento de origem portuguesa que
chegou ao Brasil na metade do século XX e que se baseava na ideia de hierarquia e harmonia social, com
fundamento na doutrina social da Igreja, ultraconservador e com influências do fascismo.

Veja a seguinte contextualização do pensamento de Alberto Torres:

A crítica do autor à estrutura política brasileira nasce de desilusões


vivenciadas no cotidiano da atividade política. Torres passou da prática à
teoria, escrevendo sua obra após ter exercido diversos cargos públicos, entre
os quais ministro do STF, ministro do Interior e, entre 1896 e 1900, presidente
do Rio de Janeiro. Ali, segundo Felix, o antigo republicano sofre uma cisão
em seu pensamento político, desiludindo‑se com o regime republicano
e constatando a mediocridade vigente na política e na administração
brasileira (FELIX, 1976, p. 256‑69). Seu antiliberalismo, portanto, deriva do
contraste por ele percebido entre a prática política e as ideias liberais, tais
59
Unidade I

como vivenciadas nas instituições políticas das quais participou. Desiludido


com a prática política, contudo, Torres não enxerga soluções fora da esfera
política e busca transformá‑la.

[...] Dessa desilusão, portanto, derivou seu antiliberalismo, e Torres foi


pioneiro ao transformar a crítica ao liberalismo em base para a construção
do pensamento autoritário. De fato, Torres é antiliberal. Para ele, o Estado,
órgão assegurador da “justiça social”, vem suprir as imperfeições do modelo
de concorrência espontânea, substituindo a “mão invisível” (MARSON, 1989,
p. 179). O Estado teria, então, não apenas a função de suprir as deficiências
inerentes ao liberalismo como também [de] evitar que tais deficiências
funcionem como justificativa para a implantação do socialismo. Porque
Torres também é antissocialista. Dificilmente Torres aceitaria ser rotulado
como um pensador autoritário, mas ele, como acentua Florestan Fernandes,
estabelece “um confronto entre os critérios formais de reconhecimento
da democracia e a realidade política vigente”. A conclusão, ainda segundo
Fernandes, foi: “as condições reais da vida política brasileira são incompatíveis
com o modelo europeu ou norte‑americano de organização democrática da
ordem legal (FERNANDES, 1979, p. 94)”. E ele abre, a partir de tal conclusão,
um caminho que seria seguido pelos pensadores autoritários brasileiros.

A nação brasileira deveria ser criada pelo Estado. Não caberia a este atuar
apenas de forma reguladora, como compete ao Estado em uma nação já
desenvolvida, já que o Brasil não criou, ainda, os vínculos orgânicos capazes
de consolidarem‑no como nação. Não podemos, segundo Torres, darmo‑nos
ao luxo de sermos liberais.

Seu antiliberalismo contesta os fundamentos do sistema. Torres nega


validade à representatividade baseada no sistema eleitoral e partidário – o
que chama de velho constitucionalismo inglês – e propõe substituí‑la por
uma representação que resulta do acordo íntimo e espontâneo entre as
forças da opinião e seus órgãos, e que faz surgir os homens dos sucessos,
por influxo dos sentimentos e das necessidades dominantes (TORRES,
1982a, p. 89).

E critica o liberalismo, ainda, por ele ter limitado o âmbito da ação estatal,
quando deve caber ao Estado – e a um Estado forte – atuar como órgão
central de todas as funções sociais, destinado a coordená‑las e harmonizá‑las
– a regê‑las – estendendo a sua ação sobre todas as esferas da atividade,
como instrumento de proteção, de apoio, de equilíbrio, de cultura (TORRES,
1982a, p. 173). A relação da sociedade para com o Estado, portanto, é
de dependência: ela depende da ação estatal para organizar‑se, superar
seus conflitos e deficiências, enquanto o Estado, para Torres, é um espaço
desvinculado de interesses e conflitos de poder.
60
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Cabe ao Estado formar o povo, e o que ele chama de democracia política é


incapaz de levar adiante tal tarefa, devendo ser substituída por outro tipo
de regime (SOUZA, 2005, p. 302‑23).

Alberto Torres também sofre influência do positivismo e do evolucionismo. Ele acredita no Estado
forte, autoritário, como condutor de todo projeto político social, até porque estaria embasado em uma
racionalidade incontestável. Em sua concepção, o Estado deve sobrepor‑se à sociedade civil porque sabe
o que é melhor para ela.

Souza (2005) destaca ainda o pensamento de Torres sobre a cidade e o campo, e sua crença na força
da sociedade agrária:

A cidade e o campo são vistos por Torres a partir de uma rígida dualidade.
No campo, impera o trabalho produtivo e organizado, herança da escravidão,
o que o leva a fazer o elogio das consequências do sistema escravista.
Segundo ele, “social e economicamente, a escravidão deu‑nos, por longos
anos, todo o esforço e toda a ordem que então possuímos, e fundou toda
a produção material que ainda temos (TORRES, 1982a, p. 32)”. Ela foi o
alicerce da formação nacional, e é sua herança que permanece servindo de
base para o que o Brasil possui de organização nacional, em contraponto
à desestruturação provocada pela influência urbana. Torres faz, portanto,
o elogio, senão da escravidão, pelo menos de seus efeitos – a criação das
bases da organização nacional. Já a abolição é criticada por seu caráter
exclusivamente humanitário e sentimental e pelas suas consequências, já
que “a abolição fez‑se e a lavoura ficou desorganizada (TORRES, 1982, p.
58)”. Os abolicionistas foram impulsionados pelo interesse sentimental pelo
negro, mas a abolição não foi seguida pela preocupação em integrar o negro
à sociedade, deixando‑o à margem e preferindo a importação de imigrantes
(TORRES, 1982, p. 161).

O desenvolvimento, para Torres, passa não pela industrialização e


urbanização, mas sim pela exploração sistemática e racional dos recursos
agrícolas, bem como pela preservação dos recursos naturais, o que o leva a
desenvolver uma consciência ecológica consideravelmente aguçada para o
período histórico no qual viveu (SOUZA, 2005, p. 310).

Como já afirmamos nesta obra, embora seja construído na atualidade com outras dimensões
e preocupações, esse debate é contemporâneo. O agronegócio é uma atividade econômica
fundamental para muitos países, inclusive para o Brasil, que pode exportar alimentos para o
mundo todo e em condições excepcionais de produtividade, haja vista o grande espaço de terra e a
quantidade de mão de obra que possui. Contudo, existe tensão entre essa ocupação e os defensores
ambientais e do trabalho, visto que a atividade agropecuária no Brasil ainda traz problemas para
a preservação do meio ambiente e, infelizmente, nem sempre respeita a legislação trabalhista em
sua integralidade.
61
Unidade I

A agricultura era vista por Alberto Torres não apenas como uma importante ação econômica, mas
também como capaz de garantir a agregação social, ao contrário da indústria, a qual provocava o
abandono do campo e a desagregação dos valores que eram essenciais para a sociedade brasileira e que,
para ele, eram os valores decorrentes do modo de vida rural.

Vejamos o destaque a seguir:

E o agrarismo é a pedra angular de seu pensamento e de seu projeto para


a nação. O Brasil deve ser, segundo ele, em primeiro lugar, um país agrícola,
sendo ridículo contestar‑lhe este destino, diante de seu vasto território.
Deve manter, depois, o cultivo dos produtos necessários à vida e dos que
empregam matéria‑prima nacional (SOUZA, 2005, p. 207).

Agora leiamos o ponto de vista da pesquisadora:

A atuação política de Torres foi determinante no desenvolvimento de


algumas de suas ideias, dentre as quais podemos destacar a defesa do
agrarismo e da centralização governamental.

A ideia de que o Brasil deveria ter como vocação inequívoca a agricultura


é uma ideia particularmente forte entre os membros da elite econômica,
intelectual e política do Rio de Janeiro, e acreditamos que a defesa da
agricultura em detrimento da indústria é marca desse estado, por conta de
sua posição no cenário nacional.

Por sua vez, a defesa da centralização governamental pode ser encarada,


até certo ponto, como expressão de certo “saudosismo” de uma situação de
progresso vivida pelo Estado no Império, bem diferente do que ocorria nos
primeiros anos republicanos.

Mesmo defendendo o novo regime, um certo desencanto com a forma


política adotada e a ineficácia de sua ação para a resolução dos problemas
do estado vai se firmando no pensamento de Alberto Torres (FERNANDES,
2007, p. 278).

Alberto Torres era conservador, agrário, anticapitalista. Defendia a ideia de que as empresas
estrangeiras deveriam ser mantidas fora da economia brasileira porque não produziam nada relevante,
apenas mercadorias supérfluas. Para ele, a política nacionalista era essencial, a única forma de defesa
nacional contra a força estrangeira que poderia prejudicar a economia e a sociedade brasileira. A
argumentação das riquezas nacionais se dá pelo fato da possível criação de uma nação soberana, e é
nesse sentido que caminham a reflexão e a ação política de Alberto Torres.

As concepções do autor influenciaram profundamente Oliveira Viana, que estudaremos na Unidade


II deste livro.
62
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

3.1 Características do pensamento político brasileiro

Como pudemos perceber, grande parte dos pensadores estudados e que foram fundamentais entre
o fim do Império e o início da Primeira República eram bacharéis em Direito, curso em que fervilhavam
as principais ideias políticas de todos os matizes.

Liberalismo e abolicionismo foram concepções muito debatidas e defendidas pelos pensadores


estudados, tanto quanto pelos adeptos do positivismo.

A corrente do pensamento liberal advinha das ideias dominantes na Europa e nos Estados Unidos
desde a Revolução Inglesa, também denominada Revolução Gloriosa; da Independência das Treze
Colônias norte‑americanas; e, em 1789, da Revolução Francesa.

A primeira delas foi a revolução ocorrida na Inglaterra entre 1640 e 1688. Tal ocorrência foi marcada
pelo fato de o poder estatal ser transferido a uma nova classe social, que se enxergava como sujeito
de sua própria história. O intuito era de construir uma nova sociedade inglesa, tanto no aspecto
socioeconômico como no político‑cultural.

A queda de Carlos I (Inglaterra) e a ascensão de Guilherme de Orange (Holanda) ocorreram porque


o Estado absolutista do primeiro tinha um projeto político e econômico totalmente diferente daquele
dos liberais, que apoiaram o segundo. Essas propostas eram inconciliáveis, e a consequência foi
remover a Monarquia absolutista do imperador inglês e substituí‑la pela Monarquia constitucional. O
rei passou a governar com fundamento na legislação. Então, os setores liberais e burgueses impuseram
seus valores: valorização do trabalho e da vida econômica racional sem desperdício.

A segunda importante revolução liberal é a de Independência dos Estados Unidos, que ocorreu
entre 1775 e 1783. Esse movimento advém de muitos fatores, mas em especial da mudança nas
relações entre a coroa inglesa e a norte‑americana, com notória deterioração das relações políticas
e econômicas.

A Inglaterra, naquele momento, possuía sérios problemas financeiros decorrentes dos gastos e
das dívidas que havia contraído na Guerra dos Sete Anos, ocorrida em 1756 e 1763 contra a França.
Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial implicava novas necessidades, sobretudo pelo acúmulo de
pessoas nas cidades, porque era nessas metrópoles que se encontravam as fábricas que atraíam milhares
de trabalhadores. Era preciso agir na organização das cidades para impedir conflitos e descontrole social,
e isso, evidentemente, tinha custos.

A colônia norte‑americana passou a sofrer com a aplicação de novas leis criadas pela Inglaterra e
que, fundamentalmente, restringiam o comércio e aumentavam os impostos cobrados, e não tardaram
os conflitos entre os colonizadores e os colonizados. Em razão disso, em 1776, os colonos se reuniram em
um congresso com o objetivo de declarar as razões que os levavam à independência. Durante o congresso,
Thomas Jefferson redigiu a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Evidentemente,
a Inglaterra não aceitou essa emancipação de suas colônias e declarou guerra. A Guerra de Independência,
que ocorreu entre 1776 e 1783, foi vencida pelos Estados Unidos com forte apoio da França.
63
Unidade I

A liberdade foi um fator não apenas de integração dos Estados Unidos da América do Norte, como
também essencial para a criação do novo país. Um valor primordial que os norte‑americanos preservam
até hoje como um dos objetivos de criação do país.

A influência protestante, muito forte nessa época nos Estados Unidos, enfatizava a participação dos
indivíduos na vida da sociedade. No âmbito filosófico, a grande inspiração da libertação norte‑americana
foi Locke (1632‑1704) e a ideia de defesa da propriedade como um direito natural.

O governo formado pelos norte‑americanos após a Independência se caracterizava por fiel


cumprimento, pelos políticos, das leis em vigor; representação democrática de todos os cidadãos no
governo, já que poderiam se candidatar a cargos eletivos; e, com destaque, a defesa da propriedade
privada e dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos.

A Constituição (1787) adotou o sistema de república federativa e garantiu a propriedade privada.


Estabeleceu como linha mestra do país a defesa dos direitos individuais dos cidadãos, em especial a
liberdade de manifestação do pensamento, o direito de ir e vir e a liberdade de escolha de governantes.

A última grande revolução liberal foi a francesa (1789). O século XVIII foi o século do Iluminismo. O
período marca a transformação do pensamento da humanidade na busca da razão e da comprovação
(experimentação); delimita o uso da Matemática para o estudo dos fenômenos, sempre na busca de uma
explicação racional e lógica, que pudesse ser devidamente comprovada.

O rei era o único detentor do poder, ele era o Estado. Aliás, Luís XIV, conhecido como Rei‑Sol, que
governou de 1643 a 1715. O monarca pronunciou a célebre frase: L’État c’est moi! (O Estado sou eu!).

O que significa ser o Estado? Ora, significa que o rei era o único detentor do poder e que, de forma
irresponsável, podia fazer tudo sem precisar responder por seus atos, seja perante a corte, seja perante
a sociedade.

Não havia nenhum limite para suas vontades, nem a própria lei. Aumentar impostos
indiscriminadamente, mandar prender, matar ou tomar toda a propriedade de alguém eram práticas
corriqueiras dos reis de França.

Outro fato que aumentou o desejo de mudança foi porque os reis governavam de forma
desorganizada, excessivamente burocrática e injusta. A burguesia francesa que controlava o comércio,
a indústria e a atividade bancária desejava um governo melhor, justo, que permitisse que seus negócios
se desenvolvessem normalmente. Para isso, decidiram que era preciso participar não apenas da vida
econômica, mas também da organização política do país.

Os grandes intelectuais da Revolução Francesa foram John Locke, Rousseau, Voltaire e


Montesquieu. Condenavam o absolutismo e acreditavam que para viver em sociedade era preciso
estabelecer um pacto, que foi chamado de contrato social. Por esse instrumento, cidadãos abririam
mão de direitos soberanos para garantir que todos na sociedade tivessem as mesmas concessões e
oportunidades.
64
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

A Revolução Francesa, a exemplo da Independência Norte‑Americana, produziu uma declaração de


direitos. Esta afirma que os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos e que estes direitos
são naturais e não deixam de existir com o tempo.

Os principais valores dessa declaração de direitos são: liberdade é o direito de fazer tudo o que não
prejudique os outros; todos têm direito à propriedade, à segurança e à resistência contra a opresssão.

Fundamentalmente, tal documento colocou a lei acima de tudo, pois esta passava a ser a expressão
da vontade geral. Com isso, assegurou que o Estado se tornasse não um fim em si mesmo, mas uma
organização com o objetivo de garantir que todos os cidadãos pudessem usufruir livremente de seus
direitos.

Um dos aspectos mais interessantes da declaração de direitos dos franceses foi determinar que cabe
aos cidadãos, por si ou por seus representantes, o controle das finanças e da administração pública.

As palavras que historicamente consagraram a Revolução Francesa foram: liberdade, igualdade e


fraternidade.

Contudo, nem todos os franceses foram tratados como iguais a partir daquele momento. Na ânsia
do desenvolvimento econômico e do acúmulo de bens, os burgueses não conseguiram ser justos e, por
isso, as classes menos favorecidas apenas trocaram de algoz: dos reis absolutistas para os comerciantes
inescrupulosos.

Essas são as bases históricas do liberalismo.

Vamos compreender agora como o panorama político brasileiro no Império e na Primeira República
pode ser influenciado por três linhas de pensamento muito marcantes: patrimonialismo, nacionalismo
e pensamento liberal conservador.

4 PANORAMA POLÍTICO BRASILEIRO NO IMPÉRIO E NA PRIMEIRA REPÚBLICA

O panorama político agitado na Europa trouxe a família real ao Brasil em 1808, onde permaneceu
até 1821. Ao retornar a Portugal, D. João VI deixou seu filho D. Pedro I como regente e o fim do período
colonial já bastante delineado.

De fato, o clima de agitação persistiu até a retirada da família real portuguesa, em 7 de setembro
de 1822. Havia grande pressão da Metrópole. Foram elaborados decretos, e estes eram acompanhados
de cartas de José Bonifácio e de Dona Leopoldina, esposa de D. Pedro, ambas estimulando o príncipe
para a tomada da decisão que seria a única capaz de aglutinar forças políticas e militares naquele
momento. A Independência de Portugal foi declarada no mesmo local em que D. Pedro recebeu os
decretos portugueses, os quais jamais seriam cumpridos.

D. Pedro retorna ao Rio de Janeiro e, ao lado de José Bonifácio, organizou o funcionamento do novo
reino, que passou a ser denominado Império.
65
Unidade I

O Primeiro Reinado teve início com a criação de uma corte nos moldes da portuguesa, com duques,
marqueses, condes, viscondes e barões. Também foram formuladas duas ordens, a do Cruzeiro e a da
Rosa, com as quais eram agraciados os fiéis servidores do Imperador.

Não foi criada nenhuma universidade, embora cursos de Direito tenham sido iniciados a partir de
1827. No ensino básico e nos estudos científicos também não houve mudanças expressivas.

A rigor, o Primeiro Reinado não mudou quase nada na ordem econômica e social. O poder econômico
permaneceu nas mãos dos senhores de terras, a escravidão continuou em vigor e, embora tenha havido
o surgimento de uma nova classe social, que era empregada na administração pública e que dava
início a um esboço de classe média para consumir no comércio local, é imperativo reconhecer que as
mudanças ainda eram muito tímidas.

Leiamos o seguinte relato:

A realização da autonomia com o mínimo de alterações internas, penhor


da participação nela da classe dominante de senhores de terra e de
escravos, corresponderia à transferência da velha estrutura colonial ao
novo país. Qualquer alteração na referida estrutura ficava impedida,
assim, na fase da autonomia. A força do processo histórico, entretanto,
transferiria as alterações, inevitáveis que eram. A manutenção da
estrutura colonial impunha persistir numa economia de exportação
(SODRÉ, 1963, p. 253).

Após a Independência,

[...] a estrutura social básica pouco mudaria. A classe dominante, detentora


de terras e escravos, entretanto, cindira‑se, e nota‑se mesmo que a antiga
predominância rural começa a diminuir, pois apareceram gradativamente
elementos administrativos e grupos profissionais ligados às atividades
especificamente urbanas (MAIOR, 1976, p. 220).

O Primeiro Reinado foi um período conturbado por inúmeros problemas administrativos e


econômicos e com forte instabilidade política. A impopularidade de D. Pedro I foi se acentuando
à medida que aumentavam suas preocupações com a Metrópole, em especial após a morte de
D. João VI, em 1826.

Pressionado e já com os ecos dos republicanos e abolicionistas batendo às portas do palácio, D. Pedro
abdicou em favor de seu filho D. Pedro II e deixou o Brasil em 13 de abril de 1831.

O Período Regencial começou com D. Pedro II dormindo, que tinha apenas cinco anos e quatro
meses de idade quando seu pai deixou o Brasil. Quatro regências foram estruturadas para se exercer o
poder político até que D. Pedro II fosse declarado maior de idade, o que ocorreu em 23 de julho de 1840.

66
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

O período do Segundo Reinado também não foi tranquilo. Várias manifestações, revoluções, motins
e levantes ocuparam a cena política nacional, entre eles a Cabanagem, no Pará, entre 1835 e 1840, e a
Revolução Farroupilha, de 1835 a 1845.

Nesse governo, o regime parlamentarista foi implementado e vigorou até a Proclamação da República,
em 1889. O monarca, no entanto, continuava tendo a seu favor o exercício do Poder Moderador, previsto
na Constituição de 1824.

Com o nascimento de empresas, indústrias e zonas urbanas industriais e comerciais, a economia


adquire novo vigor, pois essas colocam fim ao predomínio da zona rural. Contudo, de modo geral,
a classe dominante ainda era composta de proprietários de grandes extensões territoriais, que eram,
igualmente, donos de diversos escravos.

Em 1888, um decreto de dois artigos extingue a escravidão no Brasil e, em seguida, elimina o apoio
dos grandes proprietários de terra e de escravos à monarquia. Isso fortalece os republicanos e os militares,
que já estavam sensíveis às ideias republicanas desde a Guerra do Paraguai, que marca o ingresso dos
militares na vida política e no “estamento” de classe média.

O terceiro elemento social a exercer pressão em prol da república foi da Igreja. A instituição,
descontente com as atitudes de D. Pedro II, inclusive no encarceramento de bispos na chamada questão
religiosa, fortaleceu o apoio ao movimento republicano.

Em 15 de novembro de 1889, um militar ligado a D. Pedro II e a toda a família real por laços de
respeito e estima, sem nenhuma pretensão que não fosse conter as manifestações populares pela troca
do gabinete do Visconde de Ouro Preto, acabou por proclamar a República no Brasil, muito mais em
razão da forte pressão organizada por vários segmentos sociais e apoiada pelos setores econômicos mais
fortes.

Foi organizado um governo provisório chefiado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que passou a
dirigir o país, mas os conflitos não cessaram. Por um lado, se a República era sonho de vários grupos
descontentes com o rumo da política no Segundo Império, por outro não havia consenso entre essas
classes sobre o modelo a ser adotado para a República.

Em 17 de novembro de 1889, a família real deixou o Rio de Janeiro. Encerravam‑se, então, o Segundo
Reinado e a experiência monárquica no país.

Podemos identificar pelo menos três grupos políticos que participaram ativamente do debate de
ideias e por vezes das manifestações públicas em prol de um novo modelo de país, agora republicano:
os militares que apoiavam Deodoro da Fonseca e que pensavam o modelo de governo como autoritário,
comparado ao modelo do exército; os militares positivistas, que adotavam esse ideal muito famoso na
Europa, e trazido para cá pelos estudantes brasileiros que cursavam faculdade em Portugal ou na França;
e os liberais, representados pela classe dominante, em especial, os proprietários de terra produtores de
café e leite, e os proprietários dos negócios de comércio urbano, profundamente interessados em regras
livres para a economia.
67
Unidade I

A Constituição de 1891 tomou por modelo a americana, que adotara o sistema republicano,
federalista e presidencialista. Os três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) seriam independentes;
haveria autoridade suprema do presidente, que seria eleito diretamente pelo povo para um mandato de
quatro anos; ocorreria a livre escolha dos ministros por parte do presidente; e, finalmente, senadores e
deputados também seriam eleitos pelo povo.

Algumas ideias que influenciaram esse período político merecem um estudo mais detalhado. São
os conceitos sobre patrimonialismo, nacionalismo e sobre o pensamento liberal conservador. Vamos
analisá‑los em pormenores.

4.1 O patrimonialismo

Patrimonialismo é ideia associada a patrimônio, ou seja, a propriedade.

Essa não é uma concepção brasileira, ao contrário, norteia as discussões políticas há muito tempo,
em especial na Europa, que teve Max Weber (1864‑1920) como um estudioso do tema. Para o filósofo
alemão, o patrimonialismo é uma das formas de exercício da dominação por autoridade, ou seja, de
soberania, algo muito recorrente nas pesquisas dele.

Na dominação por autoridade, há uma crença de que aquele que exerce o poder tem legitimidade
para fazê‑lo, e que isso quase sempre decorre de uma longa tradição de poder, que é aceita e reconhecida
pelos grupos sociais.

No patrimonialismo, a administração política é realizada sem que haja clara separação entre o que é
público e o que é privado, ou seja, aquele que tem o poder o exerce sem distinção entre os bens públicos
obtidos a partir da arrecadação de tributos, por exemplo, e os bens particulares que são de propriedade
do administrador político.

É o caso típico da monarquia. Esta, acreditando que tudo lhe pertence, ainda que muitos
bens sejam fruto do esforço e do trabalho dos particulares, dirige o reino conforme suas
conveniências, as do próprio rei, independentemente da vontade dos particulares e de seus
interesses coletivos.

Como explicita Reinhard Bendix apud Silveira (2000):

No patrimonialismo, o governante trata toda a administração política


como seu assunto pessoal, ao mesmo modo como explora a posse do
poder político como um predicado útil de sua propriedade privada. Ele
confere poderes a seus funcionários, caso a caso, selecionando‑os e
atribuindo‑lhes tarefas específicas com base na confiança pessoal que neles
deposita e sem estabelecer nenhuma divisão de trabalho entre eles. [...] Os
funcionários, por sua vez, tratam o trabalho administrativo, que executam
para o governante como um serviço pessoal, baseado em seu dever de
obediência e respeito. [...] Em outras palavras, a administração patrimonial
68
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

consiste em administrar e proferir sentenças caso por caso, combinado o


exercício discricionário da autoridade pessoal com a consideração devida
pela tradição sagrada ou por certos direitos individuais estabelecidos
(REINHARD apud SILVEIRA, 2000, p. 270‑1).

A descrição feita por Bendix sobre o trabalho dos funcionários escolhidos pelo governante indica que
eles atuavam no interesse do mandatário como se agissem em um serviço pessoal, ou seja, sem levar
em conta a opinião pública, o bem comum. Tal concepção se aproxima muito de uma velha tradição
brasileira, em que os administradores públicos possuem sempre assessores remunerados pelos cofres do
Estado, mas a destinação exata ninguém conhece.

São muitos os exemplos que temos no Brasil, até hoje, de governantes, deputados, senadores e
vereadores que contratam os tais assessores para tarefas que ninguém ao certo consegue especificar
quais são, e que, no entanto, são remunerados com dinheiro do Estado derivado dos tributos pagos por
toda a população, inclusive a de baixa renda.

Esses profissionais auxiliares exercem atividades quase exclusivamente de interesse dos


administradores, embora tenham remuneração pública.

Esse é um exemplo, dentre muitos outros, das consequências negativas do patrimonialismo. Outro
caso, infelizmente bastante comum, é a prática do nepotismo, ou seja, a contratação de parentes ou
amigos próximos (também chamados de “apadrinhados”) para exercer cargos públicos, em detrimento
de pessoas mais qualificadas ou concursadas. A isonomia não tem vez.

O nepotismo é uma prática que tem sido combatida no Brasil contemporâneo, mas infelizmente
ainda se encontra bastante arraigada em todos os poderes da República, ou seja, tanto no
Executivo (federal, estadual e municipal) como no Legislativo (federal, estadual e municipal) e
no Judiciário (federal e estadual – não há a esfera municipal). Em que pesem os esforços para
suprimir essa prática da vida pública nacional, ela subsiste e se apresenta de formas diferentes
para disfarçar as reais intenções, como acontece com o nepotismo cruzado, que ocorre quando
dois deputados contratam parentes um do outro. Dessa forma, inicialmente não se percebe que
o cargo está sendo ocupado por alguém ligado ao poder e que foi contratado sem possuir as
qualificações técnicas necessárias.

O nepotismo é uma ramificação das práticas patrimonialistas, que foram marcantes no Brasil no
período do Império e no início da República.

Entretanto, é preciso lembrar que essa prática não é a única consequência do patrimonialismo. A
corrupção é outra vertente direta dessa ação, porque a utilização do dinheiro público em benefício dos
interesses particulares se estende de forma incontrolável em todas as instâncias sociais no Brasil. Não
se pode deixar de lado a corrupção praticada por muitos cidadãos, por exemplo, que não querem ser
multados pelo guarda ou que cometem sonegação fiscal.

69
Unidade I

O filósofo alemão afirma:

A organização política patrimonial não conhece nem o conceito de


competência nem o da autoridade ou magistratura no sentido atual,
especialmente na medida em que o processo de apropriação se difunde. A
separação entre os assuntos públicos e privados, entre patrimônio público
e privado, e as atribuições senhoriais públicas e privadas dos funcionários
desenvolveu‑se só em certo grau, dentro do tipo arbitrário, mas desapareceu.

Mais explicitamente: o Estado patrimonial é o representante típico


de um conjunto de tradições inquebráveis. O domínio exercido pelas
normas racionais se substitui pela justiça do príncipe e seus funcionários.
Tudo se baseia então em considerações pessoais. Os próprios privilégios
outorgados pelo soberano são considerados provisórios (WEBER apud
PAIM, 1964, p. 784).

No Brasil, Raimundo Faoro foi um dos intelectuais que mais se dedicaram a estudar o patrimonialismo
e suas consequências. Analisaremos sua obra mais famosa, Os donos do poder, na Unidade II deste livro.

Para o autor, esse regime é consequência da mesma experiência vivida por Portugal, cujas instituições
políticas sofreram igualmente com a intencional confusão entre o setor público e o privado.

O patrimonialismo não interessava apenas à Coroa e a todos os que pertenciam ao universo


monárquico: era bem‑visto pelas elites econômicas, proprietárias de terras e de escravos, que almejavam
apenas vantagens próprias. Apenas isso explica por que o Brasil tenha feito a independência da Corte
e tenha mantido a escravidão dos negros; e, ainda mais, que tenha caminhado pelas ideias liberais que
nos levariam à República sem discutir mais profundamente a abolição da escravatura.

A abolição teve como consequência a subtração do apoio do poder econômico ao poder político, o
que motivou a República, que viria no ano seguinte.

Assim, é forçoso perceber que o Estado patrimonialista não tinha um modelo que interessava somente
à Monarquia. As elites econômicas também tinham enorme interesse nessas ideias, que, como podemos
perceber, ainda existem no pensamento político contemporâneo no Brasil e não raro se manifestam com
vigor.

Há diversos estudos sobre o patrimonialismo no Brasil, inclusive alguns que o destacam como uma
forma de desenvolvimento para algumas regiões do país, como no Rio de Janeiro, por exemplo.

De fato, Simon Schwartzman (1975) aponta que em cidades, por exemplo, o Rio de Janeiro, os
governantes e seu corpo administrativo fixaram residência e sede de governo. Eles se valeram dessa
circunstância para alcançar relativo desenvolvimento e progresso, ao passo que as cidades que resultaram
do desenvolvimento industrial acabaram por se tornar mais isoladas e independentes, como foi o caso
de São Paulo.
70
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Mesmo após a mudança da capital da República para Brasília, o Rio de Janeiro ainda se beneficia
da existência de uma máquina governamental que permite, dentre outras coisas, a forte presença do
funcionalismo público na cidade, com seus salários permanentemente pagos em dia e com força de
compra.

Em algumas regiões do Nordeste, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, o autor destaca que
a presença da burocracia estatal e dos militares propiciou a formação de ilhas de modernidade em
meio a uma tradição de liderança dos grandes proprietários rurais, adeptos de uma tradição que não
propiciou autonomia e evolução intelectual à população.

Para Schwartzman (1975), em algumas situações a população pode ter se beneficiado da influência
patrimonialista, embora Faoro (1987) defenda que ela foi negativa para o desenvolvimento das
instituições políticas brasileiras.

Vejamos o seguinte relato:

Denominei com esse título (Escola Weberiana brasileira), a significativa parcela


de sociólogos e pensadores que, a partir dos anos 1970, recolheram o legado
de Raimundo Faoro (1925‑2003) que, em 1958, elaborou detalhada análise da
formação social brasileira, à luz do arquétipo weberiano de “patrimonialismo”,
na obra intitulada: Os Donos do Poder. O livro de Faoro teve o mérito de
advertir para a hipótese do “patrimonialismo” na formação social brasileira.
O Estado não teria surgido como fruto de um consenso da sociedade, mas
teria se originado a partir da hipertrofia de um poder patriarcal original,
que alargou a sua dominação doméstica sobre o território, pessoas e coisas
extrapatrimoniais, passando a gerir os negócios públicos como propriedade
familiar (ou patrimonial). Essa hipótese foi retomada por Simon Schwartzman
(nasc. 1939) na tentativa de apreender o verdadeiro sentido da história política
brasileira, sem preconceitos apriorísticos. Schwartzman identificou os suportes
sociais do patrimonialismo, mas advertiu, igualmente, para a singularidade de
que se revestia: o seu caráter modernizador. Mais precisamente: em alguns
momentos, o patrimonialismo brasileiro teria assumido a liderança do processo
de modernização do país, razão pela qual não poderia exaurir‑se nos limites
do patrimonialismo tradicional, cuja análise tinha sido feita por Max Weber
(1864‑1920) em Economia e Sociedade e completada por Karl Wittfogel
(1896‑1988), na obra intitulada O Despotismo Oriental (RODRIGUEZ, 2011,
p. 18, grifos do autor).

Rodriguez (2011) aponta que existem outras análises contemporâneas do patrimonialismo, inclusive
dele próprio, o que tem contribuído para que os estudos sejam cada vez mais críticos e aprofundados.

A diversidade de conjecturas enriquece, com certeza, a construção do pensamento político brasileiro


contemporâneo. Contudo, não há dúvida das marcas do patrimonialismo no país, e de que nem todas
elas foram benéficas para a sociedade.
71
Unidade I

4.2 Nacionalismo

De acordo com a obra Dicionário de Política (2000):

[...] em seu sentido mais abrangente o termo Nacionalismo designa a


ideologia nacional, a ideologia de determinado grupo político, o Estado
Nacional, que se sobrepõe às ideologias dos partidos, absorvendo‑as em
perspectiva. O Estado nacional gera o Nacionalismo, na medida em que
suas estruturas de poder, burocráticas e centralizadoras, possibilitam
a evolução do projeto político que visa à fusão de Estado e nação, isto
é, a unificação, em seu território, de língua, cultura e tradições. Desde a
Revolução Francesa e principalmente no nosso século, antes na Europa,
em seguida no resto do mundo, a ideologia nacional experimentou tão
ampla difusão que chegou a se considerar como a única a poder fornecer
critérios de legitimidade para a formação de um Estado independente no
sentido moderno; ao mesmo tempo que um mundo onde haja ordem e paz
poderá ter, como fundamento, unicamente uma organização internacional
formada por nações soberanas.

Porém, juntamente com esta significação, outra existe, mais restrita, que
evidencia uma radicalização das ideias de unidade e independência da
nação e é aplicada a um movimento político, o movimento nacionalista,
que se julga o único e fiel intérprete do princípio nacional e o defensor
exclusivo dos interesses nacionais (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,
2000, p. 799).

Em outras palavras, nacionalismo é uma forma de pensamento político que se alicerça no conceito
de nação ou na consciência de nação.

No âmbito político, nação é definida como o grupamento de pessoas que vivem num mesmo lugar,
partilham das mesmas tradições, valores e história e também de uma mesma língua.

O pensador alemão Johann Gottfried Herder (1744‑1803) afirmava que as pessoas dependem de um
grupo nacional para alcançarem a felicidade, pois, caso sejam arrancadas de seu eixo natural, perdem as
referências e não conseguem ser felizes.

Mas como o nacionalismo surge no Brasil? E por qual razão?

Primeiro é preciso lembrar que as ideias nacionalistas chegaram ao Brasil na esteira da


Guerra do Paraguai, conflito ocorrido entre 1864 e 1870, que envolveu a Tríplice Aliança
(Brasil, Uruguai e Argentina) contra o Paraguai, e que resultou na morte de milhares de civis
e militares brasileiros.

72
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Figura 11 – Soldados da Guerra do Paraguai

Pouco tempo atrás o Brasil havia vivenciado a Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha
(1835‑1845). O movimento, com caráter separatista, além de colocar a província de São Pedro do Rio
Grande do Sul contra a Monarquia, tinha traços de luta pela República e pela abolição da escravidão.

O desejo de República era tão grande entre os revoltosos que chegaram a proclamar a República
Rio‑Grandense, da qual Bento Gonçalves foi presidente. Em Santa Catarina foi proclamada a República
Juliana. Ambas não tiveram vida longa.

O movimento gaúcho influenciou a Revolução Liberal de 1842, em São Paulo, e a Sabinada, na Bahia,
em 1837, ambas ancoradas nas ideias do Partido Liberal da época.

Figura 12 – Revolução Liberal

Guerras externas e internas contribuíram para que a reflexão em torno do sentimento de nação, da
construção de identidade nacional e, consequentemente, do nacionalismo irrompesse no pensamento
político brasileiro.

Além disso, o início do século XX foi marcado em todo o mundo por acontecimentos socias e políticos
muito significativos, como a Revolução Soviética, em 1917, e a quebra da Bolsa de Valores em Nova

73
Unidade I

Iorque, em 1929. Esses fatos não podem ser interpretados de forma singular, ao contrário, devem ser
analisados no contexto de um mundo que, se não era globalizado da forma como o conhecemos hoje,
também não estava tão isolado a ponto de não permitir que os acontecimentos de maior envergadura
provocassem repercussões significativas.

Veja o seguinte ensinamento:

O mundo estava em crise em 1930: crise política e econômica. Talvez


encruzilhada fosse um termo melhor: os mercados mostravam‑se
desorganizados, e a gestão do capital tornou‑se uma questão premente.
A democracia liberal estava encurralada pela Revolução Russa e pelo seu
antagonismo, os movimentos fascistas.

No Brasil a situação não era muito diferente. A velha política que dominara
desde a proclamação da república já não tinha a ressonância suficiente para
continuar inalterada: o país crescia, urbanizava‑se, e embora as oligarquias
rurais continuassem a ser a força política base econômica do país, novos
grupos – elites urbanas, intelectuais e profissionais, trabalhadores e
operários que aumentavam em número nas grandes cidades – começavam
a questionar a velha política oligárquica baseada na força dos Estados, na
verdade de alguns Estados mais poderosos economicamente (Minas e São
Paulo). O antigo sistema já não dava conta da nova realidade brasileira, e
na verdade a sufocava: a crise do final dos anos vinte viria a ser apenas
a gota d‘água, deixando bem claro que o mundo encontrava‑se em fase
de intensas transformações das quais o Brasil não poderia ficar à parte
(GOUVEA, 2003, p. 3‑4).

Em pouco tempo, o Brasil havia mudado muito e de forma importante. A escravidão havia terminado,
e a divisão das classes sociais incluía agora uma categoria até então malpercebida: os trabalhadores. A
crise econômica mundial havia causado problemas como a precificação do café, o que motivou o êxodo
rural. Dessa forma, as cidades brasileiras receberam muitos emigrantes em pouco tempo, e isso acelerou
o processo de difusão da cultura e do conhecimento.

Por outro lado, o espírito europeu que havia dominado o Império ficava cada vez mais
distante. As ideias de Portugal e França, que haviam inspirado a filosofia, assim como a política
e a economia do Brasil, não faziam mais sentido para os novos estratos sociais, que também
começavam a exigir maior participação política e não se contentavam com arranjos que até
então vigoravam, como o “voto de cabresto”, o poder de “coronéis”, dentre outros. A política
brasileira iniciava uma nova fase.

O início dos anos XX foi um período em que novas interpretações do país


se faziam necessárias, por conta de transformações na sociedade brasileira
(fim do escravismo e do Império, mudanças no contexto internacional que
atingiam o Brasil) que tornavam os antigos discursos algo anacrônicos. Os
74
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Sertões, de Euclides da Cunha, buscava mais do que descrever: buscava


compreender e aceitar a realidade brasileira. O brasileiro urbano, boa‑vida
e europeizado tem que encarar de frente que, queira ou não, vive em um
Brasil muito distante da tão idolatrada França; que a realidade e o povo
brasileiros têm especificidades marcantes.

Ao mesmo tempo em que intelectuais expunham com crueza a realidade


nacional – Monteiro Lobato, Euclides da Cunha, Alberto Torres – obrigando
um povo a se encarar, engendravam uma admiração por essa realidade, pelo
povo que nela vivia, tão cheio de potencial e abandonado por um governo
que só [...] atentava para os interesses das elites rurais e do capital financeiro
internacional.

O nacionalismo viria a ganhar força com a Primeira Guerra Mundial,


em um impulso que continuaria no período de paz, colocando para
o país questões relativas à segurança e [à] independência em um
cenário internacional conturbado. O sentimento de inferioridade que
tradicionalmente fazia com que as elites intelectuais desprezassem
abertamente o povo e se vissem “obrigadas a conformar‑se com o
atraso” deu lugar ao orgulho e ao sentimento de que, afinal, o Brasil era
uma terra jovem, onde tudo estava por ser feito, e poderia de fato ser
feito sob o comando certo.

Nos anos 1920 o nacionalismo ganhou mais força – em harmonia com as


tendências mundiais – e amplitude: tinha dimensões cívicas mas também
econômicas, e os movimentos artísticos da década de 1920 acrescentariam a
preocupação artística e quase antropológica com uma identidade nacional,
e uma exaltação às origens e à originalidade do povo brasileiro (GOUVEA,
2003, p. 5, grifo do autor).

Algumas manifestações artísticas poderão nos auxiliar a entender melhor esse período. Estudos
sobre a Semana de Arte Moderna de 1922 e sobre Monteiro Lobato e sua famosa personagem Jeca Tatu
são importantes.

Jeca Tatu simbolizava o caipira do interior de São Paulo, que, na opinião do escritor, era preguiçoso
e bêbado. Posteriormente, Monteiro Lobato teve conhecimento de que boa parte da população rural era
vítima de doenças como malária, febre amarela, muita verminose e outras, que, a rigor, eram fruto do
descaso das autoridades públicas com as questões sanitárias do país.

Não havia preguiça, era a carência de saúde e de educação o motivo de a população rural ter
aparência apática e suposta falta de iniciativa.

75
Unidade I

Figura 13 – Jeca Tatu

Saiba mais

Para saber mais sobre essa história, leia:

LOBATO, M. Jéca Tatuzinho. 23. ed. São Paulo: Instituto Medicamenta –


Fontoura Serpe & Cia., 1957.

4.3 O pensamento liberal conservador

Como vimos, o pensamento liberal é aquele que está associado com as concepções que predominaram
na Europa e nos Estados Unidos, em especial após a Revolução Gloriosa, ocorrida na Inglaterra, em
1688; a Revolução de Independência Norte‑Americana, de 1776; e a Revolução Francesa, de 1789.

No cerne das ideias liberais estava o pensamento de Adam Smith. Em 1776, escreveu sua célebre
obra A riqueza das nações (2012), em que defende: “o homem, com sua liberdade, rivalidade e desejo de
ganhar, é guiado por uma mão invisível a promover um fim que não fazia parte da sua intenção, ele age
de modo involuntário em nome do interesse maior da sociedade” (SMITH, 2012, p. 54).

Os liberais acreditavam, portanto, que a máxima liberdade conduziria a uma perfeita organização
econômica e social, e, nessa medida, o Estado não deveria interferir, principalmente nas atividades econômicas.

Emília Viotti da Costa ensina:

Na Europa, o liberalismo foi originalmente uma ideologia burguesa, vinculada


ao desenvolvimento do capitalismo e à crise do mundo senhorial. As noções
liberais surgiram das lutas da burguesia contra os abusos da autoridade real,
76
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

os privilégios do clero e da nobreza, os monopólios que inibiam a produção,


a circulação, o comércio e o trabalho livre. Na luta contra o absolutismo,
os liberais defenderam a teoria do contrato social, afirmaram a soberania
do povo e a supremacia da lei, e lutaram pela divisão de poderes e pelas
formas representativas de governo. Para destruir os privilégios corporativos,
converteram em direitos universais a liberdade, a igualdade perante a lei
e o direito de propriedade. Aos regulamentos que inibiam o comércio e a
produção opuseram a liberdade de comércio e de trabalho.

Embora fosse radicada numa economia capitalista em expansão e na


experiência burguesa, a mensagem liberal possuía um apelo suficientemente
amplo para atrair outros grupos sociais que, por uma razão ou outra, se
sentiam oprimidos pelas instituições do Antigo Regime. Por isso o liberalismo
serviu à burguesia inglesa para reforçar sua posição no governo, à nobreza
russa para lutar contra o czar, e ao povo francês para mandar Luís XVI, Maria
Antonieta e alguns nobres para a guilhotina (VIOTTI DA COSTA, 2010, p. 134).

No Brasil, entretanto, as ideias liberais tiveram de ser adaptadas para a realidade política, econômica
e social que estava em vigor. Aqui, tais concepções encontraram ressonância entre os proprietários de
terra e os comerciantes urbanos. Eles eram a favor da república e do sistema federalista, ou seja, que cada
província (designação dos Estados antes da Proclamação da República) fosse autônoma para se governar,
principalmente para estabelecer suas regras econômicas e tributárias, de modo que ficassem garantidos os
interesses dos grandes proprietários. Esse tipo de governo é conhecido como oligarquia, forma de governo
concentrada em poucas pessoas, normalmente da mesma família ou do mesmo grupo econômico.

No Brasil, os principais adeptos do liberalismo foram homens cujos interesses


se relacionavam com a economia de exportação e importação. Muitos eram
proprietários de grandes extensões de terra e elevado número de escravos
e ansiavam por manter as estruturas tradicionais de produção ao mesmo
tempo em que se libertavam do jugo de Portugal e das restrições que este
impunha ao livre‑comércio. As estruturas sociais e econômicas que as elites
desejam conservar significavam a sobrevivência de um sistema de clientela
e patronagem e de valores que representavam a verdadeira essência do
que os liberais europeus pretendiam destruir. Encontrar uma maneira de
lidar com essa contradição (entre liberalismo, de um lado, e escravidão e
patronagem, do outro) foi o maior desafio que os liberais brasileiros tiveram
que enfrentar. No decorrer do século XIX, o discurso e a prática liberais
revelaram constantemente essa tensão (Ibidem, p. 135).

Inicialmente, se as ideias liberais brasileiras eram alicerçadas principalmente no combate aos


privilégios de portugueses e na liberdade em relação a Portugal, com o passar dos acontecimentos
históricos, como a Independência, a abdicação de D. Pedro I, a Primeira Regência e a maioridade de
D. Pedro II, os ideais liberais no Brasil vão se modificando, ou, mais precisamente, vão se adaptando à
realidade tão peculiar do país.
77
Unidade I

Em todos os momentos, no entanto, o liberalismo brasileiro foi conservador. Foi comum na história
brasileira os liberais apoiarem ideias conservadoras, como a manutenção da escravidão, e conservadores
apoiarem ideias liberais.

Mesmo com o nascimento de um partido político para a difusão de pensamentos liberais e de


outro para as ideias conservadoras, as confusões continuaram. Na realidade, as concepções liberais eram
utópicas para aquele momento histórico. Além disso, a população brasileira estava à margem dessas
visões, e então não pôde sustentá‑las.

Durante o Segundo Império, o Partido Conservador e o Liberal se alternaram no poder, mas os


estudiosos apontam que não havia distinção maior entre eles, já que as eleições não eram decididas pela
população, e sim pelas elites, que dominavam a economia e o poder político nas províncias, inclusive
para efeito de determinar como seriam as nomeações. Ambos os partidos mudavam por completo
os ocupantes de cargos administrativos, favorecendo pessoas próximas. Além disso, as eleições eram
permanentemente alvo de acusações de fraudes.

Os dois grandes partidos imperiais – o Conservador e o Liberal – ficaram


constituídos em fins de 1830. Afinal de contas, havia diferenças ideológicas
ou sociais entre eles? Não passariam no fundo de grupos quase idênticos,
separados por rivalidades pessoais? Muitos contemporâneos afirmavam
isso. Ficou célebre uma frase atribuída ao político pernambucano Holanda
Cavalcanti: nada se assemelha mais a um “saquarema” do que um “luzia” no
poder. “Saquarema”, nos primeiros anos do Segundo Reinado, era o apelido
dos conservadores. Ele derivava do município fluminense de Saquarema,
onde o visconde de Itaboraí, um dos principais chefes do partido, tinha
uma fazenda. “Luzia” era o apelido dos liberais, em uma alusão à vila de
Santa Luzia, em Minas Gerais, onde teve início a Revolução de 1843. A ideia
de indiferenciação dos partidos pareceria também confirmada pelo fato
frequente da passagem de políticos de um campo para o outro.

Ao considerar a questão, devemos ter em conta que a política desse


período, e não só dele, em boa medida não se fazia para alcançarem
grandes objetivos ideológicos. Chegar ao poder significava obter prestígio
e benefícios para si próprio e sua gente. Nas eleições, não se esperava que
o candidato cumprisse bandeiras programáticas, mas as promessas feitas
a seus partidários. Conservadores e liberais utilizaram‑se dos mesmos
recursos para lograr vitórias eleitorais, concedendo favores aos amigos e
empregando a violência com relação aos indecisos e aos adversários. A
divisão entre liberais e conservadores tinha assim muito de uma disputa
entre clientelas opostas em busca das vantagens ou das migalhas do poder
(FAUSTO, 2006, p. 97).

Dessa forma, notamos que os problemas políticos e sociais da atualidade estão profundamente
relacionados com práticas que já foram corriqueiras na história do Brasil.
78
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Abordaremos este tema quando tratarmos do coronelismo, do autoritarismo e do populismo, na


Unidade II.

Seguindo essa linha de raciocínio, vejamos a seguinte conclusão:

Os valores associados ao liberalismo: valorização do trabalho, poupança,


apego às formas representativas de governo, supremacia da lei e do
respeito às Cortes de Justiça, valorização do indivíduo e de sua autonomia,
a crença na universalidade dos direitos do homem e do cidadão, todos esses
dogmas típicos do credo liberal tinham dificuldade de se afirmar em uma
sociedade escravista, que desprezava o trabalho manual, cultivava o ócio e a
ostentação; favorecia os laços de família, afirmava a dependência, promovia
o indivíduo em razão de seus laços de parentesco e amizade em vez de seus
méritos e talentos, como rezava a Constituição; instituía o arbítrio, fazia da
exceção a regra e negava os direitos do homem e do cidadão à maioria da
população. As elites brasileiras não podiam ignorar que o liberalismo nada
tinha a ver com a realidade vivida por milhões de brasileiros (VIOTTI DA
COSTA, 2010, p. 168).

O liberalismo foi conservador exatamente por essa razão, ou seja, ao mesmo tempo que adotava as
linhas mestras do pensamento liberal em todo o mundo, prevaleciam os interesses econômicos, sociais
e políticos das elites, sem que a população tivesse condições objetivas para opinar, protestar ou se
organizar com vistas a modificar a situação.

Saiba mais

Para entender melhor a história do Brasil, assista ao filme:

O TEMPO e o vento. Direção: Jayme Monjardim. Brasil: Downtown


Filmes, 2012. (115 min).

Resumo

Fizemos uma longa trajetória nesta obra, desde o descobrimento do


Brasil até o estudo das ideias liberais conservadoras.

Destacamos algumas reflexões sobre a importância das pesquisas sobre


política e seu sentido científico, de estudo sistematizado, que possui neste curso.

Também estudamos a formação do pensamento político brasileiro como


resultante da trajetória histórica do país, de seu povo e de suas opções

79
Unidade I

ao longo do tempo. Pensamento político é uma construção permanente e


sujeita a várias modificações, e não pode ser tratado como um tema pronto
e encerrado, para o qual não caibam novas e sucessivas argumentações.

A expansão portuguesa no sentido da América atendeu a objetivos


econômicos e sociais, e a chegada ao Brasil representou um problema de
enormes proporções, porque Portugal não tinha um projeto de colonização para
uma área do tamanho desta nação. As experiências de colonização portuguesa
eram aquelas realizadas nas ilhas do Atlântico, infinitamente menores que as
terras brasileiras.

Outro fator que se tornou uma adversidade para alguns colonizadores


lusitanos foi o relacionamento com os índios, que possuíam uma cultura
totalmente diferente da deles e que por vezes se mostrou hostil e agressiva,
inclusive para evitar a escravidão. Em alguns momentos os índios foram
aliados dos primeiros portugueses, mas quando se sentiam ameaçados
atacavam vilas, povoações, sítios e fazendas.

Essa convivência com uma cultura tão diferente deixou marcas


importantes na vida colonial, mas nenhuma delas seria tão significativa
como a experiência de importação de negros escravos para a Colônia,
prática que se estenderia por mais de trezentos anos, com consequências
que são perceptíveis até hoje na sociedade brasileira.

Também analisamos a organização colonial a partir da dimensão do


poder político exercido pela Coroa e do poder religioso da Igreja, que muitas
vezes se confundiam na vida do cidadão comum.

Estudamos a experiência da distribuição das terras em capitanias


hereditárias, bem como as tentativas de governos para centralizar as ações
políticas e administrativas, sempre com o objetivo de Portugal possuir amplo
acesso aos bens econômicos – principal razão do projeto de colonização.

Em seguida, investigamos as ideias de importantes pensadores


brasileiros: José Bonifácio de Andrada e Silva, Paulino José Soares de Souza,
Visconde do Uruguai, Antônio da Silva Jardim, Rui Barbosa, Gaspar Silveira
Martins, Aureliano Cândido Tavares Bastos, Silvio Vasconcelos da Silveira
Ramos Romero e Alberto Francisco Torres. Eles ajudaram na construção de
nossa identidade e contribuíram para uma nova visão política.

As linhas gerais do pensamento político brasileiro naquele momento


eram liberais. Para entender melhor esse aspecto, revisamos nossos
conhecimentos sobre as três revoluções liberais que conhecemos na história
mundial: a inglesa, a norte‑americana e a francesa.
80
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Por fim, tratamos das principais ideias sobre o patrimonialismo, o


nacionalismo e o pensamento liberal conservador, formas de concepções
políticas que marcaram a opinião brasileira e cujos traços mais relevantes
ainda encontramos na sociedade contemporânea.

Exercícios

Questão 1. Leia o trecho da entrevista a seguir:

Terra Indígena (TI) é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por
um ou mais povos indígenas, por ele(s) utilizada(s) para suas atividades produtivas, imprescindível à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem‑estar e necessária à sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Trata‑se de um tipo específico de posse, de natureza
originária e coletiva, que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada.

O direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional configura‑se como um
direito originário, e, consequentemente, o procedimento administrativo de demarcação de terras
indígenas se reveste de natureza meramente declaratória. Portanto, a terra indígena não é criada por
ato constitutivo, e sim reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da Constituição
Federal de 1988.

Ademais, por se tratar de um bem da União, a terra indígena é inalienável e indisponível, e os


direitos sobre ela são imprescritíveis. As terras indígenas são o suporte do modo de vida diferenciado e
insubstituível dos cerca de trezentos povos indígenas que habitam, hoje, o Brasil.

Quantas são e onde se localizam?

Atualmente existem 462 terras indígenas regularizadas, que representam cerca de 12,2% do território
nacional, localizadas em todos os biomas, com concentração na Amazônia Legal. Tal concentração é
resultado do processo de reconhecimento dessas terras indígenas, iniciadas pela Funai, principalmente
durante a década de 1980, no âmbito da política de integração nacional e consolidação da fronteira
econômica do Norte e do Noroeste do país.

Fonte: Fundação Nacional do Índio ([s.d.]).

Leia as afirmativas a seguir:

I – A demarcação de terras indígenas foi prevista na Constituição Federal de 1988, mas ainda não
foi inteiramente concluída.

II – O processo de demarcação é demorado, pois é preciso que sejam criados espaços para essa
destinação.

81
Unidade I

III – O processo de demarcação das terras indígenas tem caráter meramente declaratório, porque os
índios já ocupavam essas terras antes do colonizador português.

IV – As terras brasileiras devem atender ao princípio da propriedade privada, ou seja, devem pertencer
a quem pode comprá‑las, ou a quem investe nelas.

V – As terras indígenas demarcadas podem ser alienadas pelos índios livremente, porque pertencem
a eles.

É(são) correta(s) a(s) afirmativa(s):

A) I, II e V.

B) II, IV e V.

C) I e III.

D) II e V.

E) III, IV e V.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: a afirmativa I está correta porque a demarcação das terras indígenas está prevista
na Constituição Federal de 1988. A afirmativa II está incorreta porque não são criados espaços
para demarcação, mas sim demarcados aqueles em que as populações indígenas já vivem e neles
encontram os recursos necessários para seu bem‑estar, o que inclui suas tradições, valores e
cultura. A afirmativa V está incorreta porque as terras indígenas demarcadas não atendem aos
princípios da propriedade privada conforme regulação do Código Civil, mas sim à caracterização
de terra como suporte da preservação da vida cultural, social, de valores e de tradições dos
indígenas.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: as afirmativas II e V estão incorretas, conforme informado anteriormente. A


afirmativa IV está incorreta por dois motivos: não são aceitos investidores para adquirir terras
indígenas demarcadas, nem elas podem ser alienadas, pois fazem parte de um espaço físico que é
compreendido como suporte para preservação das tradições indígenas.

82
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

C) Alternativa correta.

Justificativa: a afirmativa I está correta, conforme explicitado anteriormente; e a afirmativa III está
correta porque os indígenas foram os primeiros habitantes das terras que mais tarde formaram o país
que hoje denominamos Brasil. Nesse sentido, então, não há necessidade de aquisição de terras para
colocar os índios, mas sim de identificar as áreas que estão relacionadas com seu modo de viver, que
tradicionalmente foram ocupadas por populações indígenas, e reconhecer o direito dos índios de ocupar
essas áreas e viver nelas em conformidade com suas tradições, seus valores e sua cultura.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: as afirmativas II e V estão incorretas, conforme destacado anteriormente.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a afirmativa III está correta, e as afirmativas IV e V estão incorretas, conforme explicado
anteriormente.

Questão 2. Recentemente, tivemos conhecimento do escândalo com dinheiro público ocorrido no


Brasil, o da Petrobras. Segundo foi apurado até o momento, empresas que prestavam serviços para a
Petrobras teriam superfaturado os valores das obras para poderem destinar uma parte a funcionários
da empresa de petróleo que ocupavam o mais alto escalão na hierarquia, inclusive cargos de diretoria.

Infelizmente, as denúncias de mau uso do dinheiro público são constantes no Brasil e, histórica e
politicamente, são decorrentes de uma linha de pensamento que chamamos de:

A) Pensamento liberal conservador.

B) Nacionalismo.

C) Conservadorismo.

D) Empreendedorismo.

E) Patrimonialismo.

Resolução desta questão na plataforma.

83
Unidade II

Unidade II
5 O BRASIL: AUTORITARISMO E MASSAS

Três importantes momentos da história do pensamento político brasileiro serão estudados neste
tópico: o coronelismo, o autoritarismo e o populismo.

Todos surgem como decorrência do momento histórico vivido pela sociedade brasileira e ainda hoje
influenciam significativamente.

5.1 O coronelismo

No Brasil, o autoritarismo está presente em vários momentos da vida social, econômica e política.
Basta observarmos com cuidado para perceber que existe uma tradição histórica e cultural que permite
que o autoritarismo esteja presente entre nós. Seja na atuação do Poder Público, seja na relação entre
particulares, os traços de autoritarismo são encontrados no cotidiano nacional.

Vamos entender nesta obra por que ocorrem determinados fatos, assim como nossa herança
histórica e política. Analisar‑se‑ão, ainda, os possíveis mecanismos para o Brasil superar essa tendência
autoritária.

Após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, foi constituído um governo provisório


no Brasil que era chefiado por Deodoro da Fonseca, que é considerado o protagonista do ato de ruptura
do Império e deposição de D. Pedro II.

Se a passagem do regime monárquico para a República no Brasil não teve maiores conflitos, o mesmo
não se pode dizer dos anos posteriores, que foram marcados por forte confronto entre os militares e os
liberais, proprietários de terras e de comércio.

Os próprios militares estavam divididos entre aqueles que apoiavam Deodoro da Fonseca e os
partidários de Floriano Peixoto. Entretanto, essa questão não chegava a amedrontar, porque o forte
espírito de dever que marca a vivência e a cultura militar fazia que os oficiais se unissem em torno de
uma ideia: a contraposição às concepções liberais.

Os militares desejavam um governo central federal forte, uma forma de ditadura que se prolongasse
e garantisse estabilidade, segurança e respeito à ordem. Nesse sentido, a autonomia das províncias
era vista como um arranjo político indesejável, porque favorecia a autoridade dos donos do poder
econômico, ou seja, os liberais. Estes, por sua vez, temiam que a força marcial tomasse para si o governo
republicano e permanecesse no poder, com alternância apenas entre eles próprios. Tal questão, além de
desagradar os liberais, também assustava a Europa, e isso era negativo para os interesses dos produtores
84
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

brasileiros, que desejavam obter crédito no exterior. Sem estabilidade política e sem liberdade para o
desenvolvimento econômico, esse crédito não viria para cá.

Na tensão política entre esses interesses opostos, foi eleita uma Assembleia Nacional Constituinte e
aprovada uma nova Constituição Federal, em fevereiro de 1891, que substituiu a de 1824, que havia sido
outorgada por D. Pedro I após a Independência.

Essa Constituição, a primeira do Período Republicano, adotou a forma federativa, o presidencialismo;


esta deu aos Estados (novo nome das províncias) autorização para exercer atividades diversificadas,
inclusive contrair empréstimos no exterior e organizar forças militares públicas e estaduais, bem como
cobrar impostos, (inclusive de exportação), o que foi de grande valia para Estados como São Paulo,
porque o café era um produto bastante exportado naquele momento histórico.

Além disso, o Estado assumiu parte das funções que eram da Igreja Católica, que, por sua vez,
deixou de ser a religião oficial do país. O casamento reconhecido passou a ser somente o civil, os
cemitérios foram tornados públicos e administrados pelos municípios, e foi determinada a liberdade de
culto religioso.

Contudo, apesar de todas essas mudanças significativas, o período da Primeira República, também
denominada usualmente de República Velha, ainda não permitia a ampla participação popular. É certo
que o voto passou a ser direto e universal, sem que fosse necessário provar renda, como acontecia
no tempo da Constituição de 1824, quando era preciso comprovar ser dono de valores equivalentes
a quatrocentos a oitocentos mil réis para poder votar a fim de eleger o deputado federal e o senador.
Além disso, esta Carta exigia que o eleitor fosse maior de 25 anos e homem. A Primeira Constituição da
República modificou tudo isso; suprimiu a exigência econômica que era bastante restritiva, porque só
os grandes proprietários de terra podiam exercer o direito de voto.

É certo que essa Constituição não avançou tanto, pois não permitia o voto feminino, mas era mais
democrática que a de 1824. Isso não foi suficiente, no entanto, para que a população efetivamente
participasse da vida política. Em outras palavras, as elites e os militares continuaram decidindo os
principais aspectos políticos e econômicos do país.

Embora a população de ex‑escravos, indígenas, brancos e mulatos pobres fosse a maioria do país, a
política oficial não tinha espaço para a participação desses brasileiros.

Por qual motivo isso acontecia?

São várias as razões, mas sem dúvida uma delas é porque o coronelismo ainda dominava o país. Mas
o que é coronelismo, quem eram esses coronéis?

Esses indivíduos eram civis e proprietários de terras que haviam recebido do Governo o título de
Coronel da Guarda Nacional, por isso exerciam o poder a seu bel‑prazer nas regiões em que estavam
localizados, distribuindo cargos por compadrio e determinando o resultado das eleições a partir da
ampla prática do voto de cabresto.
85
Unidade II

Herança do Período Imperial, a Guarda Nacional deixaria seus traços por muito tempo na história
política do Brasil. Não é difícil identificarmos em nossos dias rastros desse legado, principalmente nos
locais mais isolados e com dificuldade de comunicação e de acesso.

No prefácio da obra Coronelismo, enxada e voto (1976), significativa contribuição de Victor Nunes
Leal para as reflexões sobre esse fenômeno político e social, expõe‑se o seguinte:

A Guarda Nacional, criada em 1831, para substituição das milícias


e ordenanças do período colonial, estabelecera uma hierarquia, em
que a patente de Coronel correspondia a um comando municipal
ou regional, por sua vez dependente do prestígio econômico ou
social de seu titular, que raramente deixaria de figurar entre os
proprietários rurais. De começo, a patente coincidia com um comendo
efetivo ou uma direção, que a Regência reconhecia, para a defesa
das instituições. Mas, pouco a pouco, as patentes passaram a ser
avaliadas em dinheiro e concedidas a quem se dispusesse a pagar um
preço exigido ou estipulado pelo poder público, o que não chegava
a alterar coisa alguma, quando essa faculdade de comprar a patente
não deixava de corresponder a um poder econômico, que estava na
origem das investiduras anteriores.

Recebida de graça, como uma condecoração, acompanhada de


ônus efetivos, ou adquirida por força de donativos ajustados, as
patentes traduziam prestígio real, intercaladas numa estrutura social
profundamente hierarquizada como a que costuma corresponder às
sociedades organizadas sobre as bases do escravismo. No fundo, estaria
o nosso velho conhecido, o latifúndio, com os seus limites e o seu poder
inevitável (LIMA SOBRINHO, 1976, p. 13).

Destaca‑se ainda uma prática arbitrária dos coronéis:

[...] não raro o “Coronel” dilatava seus domínios territoriais, à custa de


propriedades usurpadas, aos adversários ou aos próprios amigos, pela
pressão de cabras, que o “Coronel” mobilizava, para criar, no dono de
pequenas propriedades, a convicção de que era melhor vendê‑las do que
abandoná‑las, pela impossibilidade de nelas continuarem. No sistema do
“Coronelismo” [....] o que nele se tratava era uma hegemonia econômica,
social e política, que acarretava, por sua vez, o filhotismo, expresso num
regime de favores aos amigos e de perseguições aos adversários. Mas a
paixão pela terra cresce tanto, que leva o “Coronel” a incluir, na expansão de
sua propriedade, as terras dos próprios correligionários, tranquilizando a sua
consciência com a avaliação exagerada dos preços espoliativos que oferece
(Ibidem, p. 15, grifos do autor).

86
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Coronelismo pode ser considerado como um termo brasileiro, ou um brasileirismo, como a ele se
refere o Prof. Basílio de Magalhães, mencionado no trabalho de Victor Nunes Leal, e que sua origem
se deve aos coronéis da Guarda Nacional. Com o tempo, o autor ressalta que o termo passou a ser
utilizado não apenas por aqueles que tinham a designação oriunda de sua inserção na Guarda Nacional,
mas também para se referir a todos os que tinham algum papel relevante na política local, ou seja,
os chefes políticos, quase sempre grandes proprietários de terra. Estes se tornavam automaticamente
coronéis na visão dos sertanejos, do povo sofrido, que vivia na cidade ou nas fazendas, mas sempre
em regime de dependência das elites econômicas.

A Guarda Nacional, criada em 18 de agosto de 1831 pelo Padre Diogo Antônio Feijó, foi uma ideia
dos liberais e estava subordinada ao Ministro da Justiça. Todos os coronéis possuíam uniforme com
as insígnias próprias do posto e com este traje marchavam para as ações de guerra, assim como o
utilizavam nas solenidades cívicas e religiosas em suas regiões.

Quase sempre o coronel era o chefe político da região e, dentre outros benefícios que recebia, um
deles é bastante interessante: quando fosse preso ou estivesse sujeito a processo criminal, não poderia
ser recolhido às prisões comuns, devendo ocupar as chamadas “salas livres” das cadeias públicas da
localidade onde residia.

Mesmo depois de extinta durante a República, a ação desses oficiais continuou entranhada nas
práticas políticas nacionais, e a designação continuou a ser aplicada a todos os chefes políticos regionais,
em especial àqueles que também representavam o poder econômico local.

Os coronéis conduziam o processo eleitoral e foram responsáveis pelo chamado voto de


cabresto, que consistia em eleições totalmente direcionadas por eles, ou seja, fraudadas, com o
objetivo de conseguir o resultado desejado. Cabresto é o arreio feito de corda ou de couro utilizado
para controlar a marcha dos animais. Nessa modalidade de votação, a população recebia ordem do
coronel para votar em um candidato escolhido por ele ou nele mesmo. Para isso, os eleitores eram
conduzidos pelo coronel ou por seus capangas, e não raro eram utilizados mecanismos de fraude
para garantir o resultado desejado.

Esses “guarda‑costas” dos militares eram chamados de capangas. A diferença destes para os
verdadeiros guarda‑costas é que eles praticam atos ilícitos a mando de seus chefes e são protegidos por
eles em relação a tais. Muitas vezes atuavam como matadores profissionais e causavam profundo temor
na população local.

Machado de Assis (1961) afirmou que, no Brasil, a ciência política acha um “limite na testa do capanga”.

Infelizmente, hoje não é difícil encontrar no Brasil resquícios dessas práticas. Em 12 de fevereiro
de 2005, morreu assassinada a freira Dorothy Mae Stang, também conhecida como Irmã Dorothy, em
Anapu, no estado do Pará. Ela lutava em defesa da população rural pobre contra o arbítrio dos grandes
proprietários rurais, por isso foi assassinada por capangas.

87
Unidade II

Lembrete

Infelizmente, essas práticas ainda são comuns no Brasil. Em 12 de


fevereiro de 2005, morreu assassinada a freira Dorothy Mae Stang, também
conhecida como Irmã Dorothy, em Anapu, no estado do Pará. Ela lutava em
defesa da população rural pobre contra o arbítrio dos grandes proprietários
rurais.

Destacam‑se a seguir os vários papéis que os coronéis exerciam:

Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse


tipo de liderança é o “coronel”, que comanda discricionariamente um lote
considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta‑lhe prestígio
político, natural coroamento de usar privilegiada situação econômica e social
de donos de terras. Dentro da esfera própria de influência, o “coronel” como
que resume em sua pessoa, sem substituí‑las, importantes instituições sociais.
Exerce, por exemplo, uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo
rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos, que os
interessados respeitavam. Também se enfeixavam em suas mãos, com ou
sem caráter oficial, extensas funções policiais, de que frequentemente se
desincumbe com a sua pura ascendência social, mas que eventualmente pode
tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas.

Essa ascendência resulta muito naturalmente de sua qualidade de proprietário


rural. A massa humana que tira a subsistência das suas terras vive no mais
lamentável estado de pobreza, ignorância e abandono. Diante dela, o
“coronel” é rico. Há, é certo, muitos fazendeiros abastados e prósperos, mas o
comum, nos dias de hoje, é o fazendeiro apenas “remediado”: gente que tem
propriedades e negócios, mas não possui disponibilidades financeiras; que
tem o gado sob penhor ou a terra hipotecada; que regateia taxas e impostos,
pleiteando condescendência fiscal; que corteja os bancos e demais credores,
para poder prosseguir em suas atividades lucrativas.

[...] Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo


jornais, nem revistas, nas quais se limita a ver figuras, o trabalhador rural, a não
ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de um benfeitor. E é dele, na
verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece. Em
sua situação, seria ilusório pretender que esse novo pária tivesse consciência
do seu direito a uma vida melhor e lutasse por ele com independência cívica.
O lógico é o que presenciamos: no plano político, ele luta com o “coronel” e
pelo “coronel”. Aí estão os votos de cabresto, que resultam, em grande parte,
da nossa organização econômica rural (LEAL, 1976, p. 37, grifo do autor).

88
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Victor Nunes Leal ressalta que, por vezes, embora a literatura brasileira não tenha sido condescendente
com a figura dos “coronéis”, sempre tratados de forma caricata e muito crítica, eles foram responsáveis
pelos únicos benefícios sociais obtidos pelos municípios, como escolas, médicos, campos de futebol,
construção de praças, bem como pela instalação de sistema de água e esgoto e de rede elétrica. É o
resultado da pressão política aos governadores e secretários de governo, ou mesmo às autoridades
federais, que viabiliza melhores condições para os municípios ou para as regiões que o coronel tem sob
seu comando.

Leia o excerto a seguir:

É comum denominar a Primeira República “república dos coronéis”, em


uma referência aos coronéis da antiga Guarda Nacional, que eram em sua
maioria proprietários rurais, com uma base local de poder. O coronelismo
representou uma variante de uma relação sociopolítica mais geral – o
clientelismo – existente tanto no campo quanto nas cidades. Essa relação
resultava da desigualdade social, da impossibilidade de os cidadãos
efetivarem seus direitos, da precariedade ou da inexistência de serviços
assistenciais do Estado, da inexistência de uma carreira no serviço público.
Todas essas características vinham dos tempos da Colônia, mas a República
criou condições para que os chefes políticos locais concentrassem maior
soma de poder. Isso resultou principalmente em ampliação da parte dos
impostos atribuída aos municípios e da eleição de prefeitos (FAUSTO,
2006, p. 149).

O coronelismo encontrou no Brasil uma condição favorável de desenvolvimento porque o sistema de


patronagem já era nosso velho conhecido. Este é o sistema de apadrinhamento ou de compadrio, que
faz as classes sociais economicamente menos abastadas buscarem obter favorecimento junto aos mais
poderosos, independentemente de possuírem ou não direito a esses benefícios.

A frase “Quem não tem padrinho morre pagão.”, até hoje utilizada por muitos de nós corriqueiramente,
segundo alguns pesquisadores, tem origem na proteção da patronagem. Veja a seguinte afirmação:

Enquanto o liberalismo continuava a ser uma utopia para as elites, para


a grande maioria da população brasileira enredada num sistema de
patronagem e clientelismo, o liberalismo não era senão retórica vazia. Por
isso o liberalismo no Brasil não chegou a ter o efeito mascarador que
chegou a ter em outros países. Não se tornou hegemônico. Essa função foi
desempenhada pela ética da patronagem. Estabelecendo relações verticais
definidas em termos de favores recíprocos entre indivíduos das classes
dominantes e os das classes subalternas, a patronagem ocultou tensões
entre raças e entre classes (com exceção, evidentemente, das relações
entre senhores e escravos). Através da patronagem, indivíduos de talento,
pertencentes às classes subalternas, eram cooptados pelas elites. Atrás de
cada self‑made man havia sempre um padrinho para lembrá‑lo de que
89
Unidade II

não teria sido bem‑sucedido por sua própria conta. Essa experiência era
resumida num ditado popular: “Quem não tem padrinho, morre pagão”.
No sistema de clientela e patronagem os políticos não eram vistos como
representantes do povo, mas como padrinhos. O Estado aparecia como
distribuidor de benesses, e os direitos dos cidadãos, como concessões ou
privilégios. O sistema de patronagem, baseada em lealdades pessoais e
troca de favores, implicava a subserviência do eleitorado ao chefão local, a
conivência das Cortes de justiça com as classes dominantes, o sistemático
desrespeito pela lei e a legitimação do privilégio (VIOTTI DA COSTA, 2010,
p. 169, grifo do autor).

A patronagem, o compadrio, a proteção do apadrinhamento pode ser encontrada até hoje na


vida política e social brasileira, tanto nos pequenos como nos grandes centros urbanos. Sempre
há alguém que acredite que um político importante pode lhe conseguir um emprego, uma vaga
no serviço público, uma oportunidade de trabalho na campanha eleitoral, uma vaga na creche ou
na escola pública, enfim, um favor qualquer que o beneficiado pretende pagar com lealdade e
fidelidade eternas, em especial nos períodos de campanha eleitoral, com o trabalho na distribuição de
santinhos, divulgação de cartazes do candidato, obtenção de autorização para pintar propagandas
nos muros etc.

Todas essas características da vida política e social nacional favoreceram a formação do autoritarismo,
uma tendência que no Brasil assume diversas dimensões.

Observação

É muito comum a prática de autoritarismo por parte de pessoas que


possuem poder legal em nosso país. Recentemente, ganhou destaque no
noticiário brasileiro o caso de um juiz de Direito, no Rio de Janeiro, que
processou uma agente de trânsito que o havia parado em uma blitz da
operação Lei Seca. Ele simplesmente disse que não poderia ser fiscalizado
porque era juiz.

Saiba mais

Para obter uma visão literária do poder dos coronéis na Bahia, leia:

AMADO, J. Gabriela, cravo e canela. São Paulo: Livraria Martins, 1958.

O filme também é bem interessante, mas o livro retrata melhor os


aspectos políticos da época e da região.

90
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

6 O AUTORITARISMO E O PENSAMENTO POLÍTICO

Frequentes crises políticas levaram o governo de Deodoro da Fonseca a ser substituído pelo de
Floriano Peixoto, e, em 1894, a oligarquia fez prevalecer sua opinião e conseguiu eleger um presidente
civil. O temor de que a sucessão de militares no poder gerasse um regime ditatorial obrigou as forças
econômicas oligárquicas a se organizar para eleger um presidente que fosse a favor de seus interesses.
E não foi apenas Prudente de Morais, o primeiro presidente civil da República, que atendeu aos desejos
dos fazendeiros, pois os presidentes subsequentes também agiram da mesma forma.

Tinha início o período que ficou conhecido como política do “café com leite”, concepção criada devido
à alternância, no poder, de presidentes dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, grandes produtores de
café e de leite, respectivamente.

Eram novos tempos, não há dúvida. Com a chegada de indústrias e da maior concentração em áreas
urbanas, a população cresceu e a economia se diversificou. As cidades eram o novo local para a vida
política, econômica e social. Ainda que as oligarquias dominassem a vida política, começavam a aparecer
os movimentos populares, as primeiras manifestações políticas do povo organizado.

A movimentação política popular se deve de alguma forma à chegada dos imigrantes no início do
século XX, em especial os italianos, que vinham de um país cuja política era bem conturbada e estavam
acostumados a manifestações e tensões políticas. A propósito, boa parte desses imigrantes vivia em
situação econômica e social muito precária, praticamente fugidos da fome e da miséria para buscar
trabalho no novo mundo e tentar “fazer a América”, como eles mesmos diziam.

Nesse mesmo período, emigraram para o Brasil espanhóis, japoneses, alemães e sírio‑libaneses, além de
portugueses, que sempre tiveram familiaridade com o Brasil, inclusive pelo idioma praticado nos dois países.

Esse momento marca também a formação da organização operária, em razão do aumento de


fábricas, em especial em São Paulo. Esse movimento operário foi muito importante para a política do
país. Difundiu suas ideias por meio de jornais, panfletos e revistas, nas quais escreveram jornalistas,
políticos e líderes operários.

O movimento operário era defensor de ideias socialistas sob inspiração das ideias de Marx e Engels,
em especial na célebre obra O manifesto comunista. Grupos de estudo e difusão do pensamento
socialista já podiam ser encontrados a partir de 1889, e eles realizaram dois importantes congressos no
Rio de Janeiro e em São Paulo.

A repressão a essas ideias foi forte e contínua, inclusive, com a aprovação de leis que causaram
a expulsão de vários imigrantes que eram líderes políticos das massas de trabalhadores. Apesar da
repressão, o Partido Comunista se organizou no Brasil em março de 1922, com o propósito de se tornar
protagonista nas lutas pela conquista dos direitos para os trabalhadores.

O movimento anarquista também foi relevante nesse momento histórico, com a criação da Confederação
Operária Brasileira, em 1906, que adotava uma política anarquista, que tinha por ideia fundamental a
91
Unidade II

negação do Estado e, consequentemente, a ampla liberdade da criação de associações e comunidades que


se regeriam por suas próprias regras. Os anarquistas criaram escolas com prática de educação libertária e
até uma comunidade, a Colônia Cecília, no Paraná, regida inteiramente por princípios afins.

Contudo, as concepções que influenciaram mais fortemente o autoritarismo no Brasil vieram do


movimento tenentista, que ocorreu durante a década de 1920. Em 1922, os tenentes promoveram uma
rebelião no Forte de Copacabana para se manifestar contra o regime político de Arthur Bernardes, então
Presidente da República, e que representava os interesses da oligarquia mineira. Os oficiais rebelados
foram combatidos pela parte da tropa militar que era leal ao presidente. Então, 17 tenentes e um civil
decidiram resistir e saíram pela avenida Atlântica para protestar, e houve um confronto que vitimou 16
deles. O fato ficou conhecido como Os dezoito do Forte.

Em 1924, os tenentes tentaram novamente derrubar Arthur Bernardes, desta vez se rebelando em
São Paulo, naquela que ficou conhecida como a Revolução de 1924. Desse movimento surgiu a Coluna
Prestes, organizada por Luís Carlos Prestes e João Alberto, que, em 1925, começou a percorrer o país
com o objetivo de difundir as ideias do socialismo e de uma revolução do povo para ocupar o poder
político. Esta chegou a ter 1.500 componentes. O movimento era contínuo; enfrentou destacamentos
militares e até capangas de coronéis, percorrendo 24 mil quilômetros até chegar ao Paraguai e à Bolívia,
sem nunca ter sido derrotada. Seus líderes se exilaram, mas continuarem a conspirar contra o governo.

Figura 14 – A marcha da Coluna

Toda essa agitação ou efervescência política e social contribuiu para que as ideias em torno de
um governo forte, centralizador e autoritário começassem a florescer em vários níveis sociais. O fator
determinante, no entanto, foi a divisão das oligarquias de Minas Gerais e São Paulo ocorrida no momento
da sucessão do Presidente Washington Luís, que governou de 1926 a 1930. Em conformidade com os
acordos políticos desses Estados, o próximo presidente deveria ser mineiro. O governador Antonio Carlos
estava pronto para assumir o cargo, mas foi preterido em benefício de Júlio Prestes, outro paulista, o que
provocou a cisão política entre os dois Estados.
92
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Foi o que bastou para que fosse criada a Aliança Liberal, grupo que reuniu o descontente Antonio
Carlos, de Minas Gerais, com Getúlio Vargas, do Rio Grande do Sul, e João Pessoa, da Paraíba. Getúlio se
candidatou a presidente junto com João Pessoa, como vice, e ambos foram derrotados. Aparentemente,
aceitaram a situação, mas houve um episódio trágico, o assassinato de João Pessoa, no Recife. Após uma
discussão, que tinha motivos particulares e públicos, o fato acabou por ser o estopim de uma revolta
que reanimou o movimento dos tenentes. Estes se uniram aos descontentes com o resultado das urnas
e determinaram o início da Revolução de 1930, que conduziu Getúlio Vargas ao poder.

A Revolução de 1930 não foi feita por representantes de uma suposta nova
classe social, fosse ela a classe média ou a burguesia industrial. A classe
média deu lastro à Aliança Liberal, mas era por demais heterogênea e
dependente das forças agrárias para que no plano político se formulasse um
programa em seu nome.

[...] Os vitoriosos de 1930 compunham um quadro heterogêneo, tanto do


ponto de vista social quanto político. Tinham‑se unido contra um mesmo
adversário, com perspectivas diversas: os velhos oligarcas, representantes
típicos da classe dominante regional, desejavam apenas um maior
atendimento à sua área, maior soma pessoal de poder, com um mínimo de
transformações; os quadros civis mais jovens inclinavam‑se a reformular
o sistema político e se associaram transitoriamente com os tenentes,
formando o grupo dos chamados “tenentes civis”; o movimento tenentista –
visto como uma ameaça pelas altas patentes das Forças Armadas – defendia
a centralização do poder e a introdução de algumas reformas sociais; o
Partido Democrático pretendia o controle do governo do Estado de São
Paulo e a efetiva adoção dos princípios do Estado liberal, que aparentemente
asseguraria seu predomínio.

A partir de 1930 ocorreu uma troca da elite do poder sem grandes rupturas.
Caíram os quadros oligárquicos tradicionais; subiram os militares, os técnicos
diplomados, os jovens políticos e, um pouco mais tarde, os industriais.

Desde cedo, o novo governo tratou de centralizar em suas mãos tanto


as decisões econômico‑financeiras quanto as de natureza política.
Desse modo, passou a arbitrar os diversos interesses em jogo (FAUSTO,
2006, p. 181).

Getúlio Vargas enfrentaria no início de seu governo a revolta paulista de 1932, conhecida
como Revolução Constitucionalista, da qual saíram como mártires quatro jovens paulistas: Martins,
Miragaia, Dráusio e Camargo. A sigla de seus nomes ficou muito conhecida: MMDC. Os paulistas
pegaram em armas contra o governo de Getúlio Vargas por entender que ele havia adotado o
autoritarismo proposto pelo movimento tenentista, na medida em que evitava convocar uma
Assembleia Nacional Constituinte.

93
Unidade II

Figura 15 – Cartaz de Convocação para o Movimento Constitucionalista de 1932

Como resultado desse conflito, foi convocada a Constituinte que elaborou a Constituição de 1934,
que, no entanto, teve vida curta.

Getúlio Vargas assumiu o poder como representante de grupos que desejavam participar das decisões
políticas e econômicas, mas sem se constituírem propriamente como um partido organizado ou como
um movimento. Eram descontentes da antiga política oligárquica, acrescidos de novos atores sociais e
econômicos, mas não tinham um projeto de governo planejado ou ao menos esboçado.

Isso permitiu a Getúlio Vargas adotar medidas governamentais centralizadoras, incentivar a


participação militar nos assuntos do Estado, ao mesmo tempo que tratou de desenvolver a indústria e
legislar na proteção dos trabalhadores.

Leia a seguinte definição sobre autoritarismo:

Na tipologia dos sistemas políticos, são chamados de autoritários os regimes


que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais
ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de
uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundárias as
instituições representativas. Nesse contexto, a oposição e a autonomia dos
subsistemas políticos são reduzidas à expressão mínima e as instituições
destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou são aniquiladas
ou substancialmente esvaziadas (STOPPINO apud BOBBIO; MATTEUCCI;
PASQUINO, 2004, p. 94).

Alberto Torres, Azevedo Amaral, Oliveira Viana e Francisco Campos são considerados, na história
do pensamento político brasileiro, como os melhores representantes do pensamento autoritário que
dominou a prática política no Brasil no período de Getúlio Vargas, de 1930 a 1945, com maior destaque
94
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

durante o chamado Estado Novo, que teve início em 1937; e durante o período de 1964 a 1985, período
conhecido como Ditadura ou Golpe Militar de 1964.

Alberto Torres já foi apresentado neste trabalho, e Oliveira Viana será estudado no próximo tópico.

Quais são as linhas mestras do pensamento autoritário? A força do Estado e o controle da


sociedade civil, que é impedida de se organizar ou ao menos tem essa possibilidade bem restrita,
embora por vezes possa votar em candidatos a cargos do Legislativo e do Executivo, porém sem
ampla liberdade.

O autoritarismo desmobilizador destaca o suposto amorfismo da


sociedade brasileira, além da irracionalidade do comportamento coletivo
dos grupos dominados. Para evitar a desagregação da ordem, decorrência
lógica da ausência de direção no âmbito da sociedade civil, o Estado
surge como instituição redentora. Um Estado forte, capaz de reintegrar,
pelo voluntarismo esclarecido de suas elites, os átomos dispersos do
organismo nacional.

[...] Na análise de Debrun é acentuada uma característica essencial do


pensamento político autoritário no Brasil, pelo menos na sua versão estatista
e tecnocrática: a desconfiança em relação a qualquer forma de mobilização
autônoma da sociedade civil, mormente dos setores populares, considerados
depositários do individualismo exacerbado e da irracionalidade. Deste modo,
o autor parece tocar o núcleo deste sistema ideológico. O que em última
análise explicaria o apelo mais sistemático à desmobilização – pois é disto
que se trata – é a suposta debilidade do povo. A coerção, embora exercida
contra o povo, far‑se‑ia, conforme os ideólogos autoritários, em seu nome e
para o seu próprio bem (SILVA, 2004, p. 91).

No Brasil, o autoritarismo não precisou de muito para se instalar. A população que não era
proprietária de terras nem de comércio era, verdadeiramente, carente de maior experiência de
mobilização política e social, principalmente porque estava privada de educação de qualidade, em
especial no ensino básico.

Nessa realidade, o autoritarismo teve campo fértil para se proliferar. A situação era herança do grande
período de tempo em que a escravidão vigorou no país, sem que tivesse se constituído um contingente de
trabalhadores assalariados para se organizarem a partir de necessidades comuns, ou seja, para discutir e
reivindicar seus direitos e as melhores políticas governamentais para garantir seus interesses.

Há, de certa forma, uma recorrência brasileira a soluções autoritárias, pois, do contrário, não haveria
explicação para momentos tão próximos em que ela foi considerada a solução mais eficaz. Assim, temos
a República, instaurada e comandada por militares; o governo de Getúlio Vargas, inspirado por ideologia
autoritária; o Estado Novo, de 1937 a 1945, profundamente ditatorial; e, 19 anos depois, em 1964, um
outro golpe militar e mais 19 anos de ditadura comandada por militares e pela elite econômica e social.
95
Unidade II

Atentemos à seguinte reflexão:

Sem o mesmo colorido, mas com maior eficácia, ganhou força, no Brasil dos
anos de 1930, a corrente autoritária. O padrão autoritário era e é uma marca da
cultura política do país. A dificuldade de organização das classes, da formação
de associações representativas e de partidos fez das soluções autoritárias uma
atração constante. Isso ocorria não só entre os conservadores convictos como
entre os liberais e a esquerda. Esta tendia a associar liberalismo com o domínio
das oligarquias; a partir daí, não dava muito valor à chamada democracia
formal. Os liberais contribuíam para justificar essa visão. Temiam as reformas
sociais e aceitavam, ou até mesmo incentivavam, a interrupção do jogo
democrático toda vez que ele parecesse ameaçado pelas forças subversivas.

Devemos distinguir, porém, entre o padrão autoritário geral e a corrente


autoritária, em sentido ideológico mais preciso. A corrente autoritária
assumiu com toda consequência a perspectiva do que se denomina de
modernização conservadora, ou seja, o ponto de vista de que, em um
país desarticulado como o Brasil, cabia ao Estado organizar a nação para
promover dentro da ordem o desenvolvimento econômico e o bem‑estar
geral. O Estado autoritário poria fim aos conflitos sociais, às lutas partidárias,
aos excessos da liberdade de expressão, que só serviam para enfraquecer o
país (FAUSTO, 2013, p. 305).

Curiosamente, ainda hoje, quando as reclamações da população ganham força e, como em 2013,
o povo vai às ruas reclamar, surgem vozes defendendo a volta da ditadura militar para reorganizar a
sociedade, garantindo ordem e desenvolvimento (ou seria progresso?). A herança autoritária brasileira
é enorme e só será devidamente compreendida e superada quando a democracia participativa for uma
realidade mais consistente no país.

Os elementos temáticos da ideologia autoritária [....] confluem para


formar uma concepção de Estado considerada a única compatível
com a realidade social brasileira. Para que a crise fosse superada,
para que a nação pudesse ser organizada e para que o povo (incapaz
politicamente) fosse educado, seria necessária a instituição de uma
forma de Estado que atribuísse ampla liberdade de movimentos aos
governantes. Quando mais desimpedida a ação das elites estatais,
mais rapidamente entraríamos na condição de nação organizada. A
persecução desta ampla liberdade de movimentos para os governantes
conduz a um conjunto de reformas institucionais cujo resultado
agregado é a hipertrofia do Poder Executivo central. O Executivo é
considerado o poder estatal responsável pela ação do Estado sobre
a sociedade. É por meio do Executivo que o Estado age para criar
uma sociedade de características homogêneas, disciplinada e de povo
obediente, capaz de dar suporte a uma nação organizada. Os ideólogos
96
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

autoritários apresentam o Executivo estatal como um poder condutor


de reformas (SILVA, 2004, p. 185).

O autoritarismo vivido pelo Brasil no período de Getúlio Vargas e, mais tarde, na Ditadura Militar de 1964
marcou profundamente a nação brasileira, que até hoje tem dificuldade para se organizar amplamente,
de forma plural, para contemplar todos os segmentos sociais e suas necessidades, principalmente para
conseguir mudanças na organização social, política e econômica que efetivem seus direitos.

Contudo, o governo de Getúlio Vargas não seria conhecido apenas pelo autoritarismo. O populismo
também seria utilizado para garantia da governabilidade do grupo que estava no poder.

Vamos entender melhor como isso ocorreu?

Saiba mais

Para obter mais dados sobre o período da Ditadura Militar e se informar


sobre exposições, o site do Museu da Resistência é excelente. Acesse: <http://
www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/>. Acesso em: 30 jan. 2015.

7 O POPULISMO NA POLÍTICA BRASILEIRA

Em 1937, um novo episódio viria tumultuar a vida política brasileira: o golpe de Getúlio Vargas e a
instalação do Estado Novo.

Dois grupos políticos haviam se organizado no Brasil, e ambos causavam preocupação para o
governo, porque se opunham de forma radical e poderiam incitar distúrbios e desavenças na população.
O primeiro era a Ação Integralista Brasileira, criada em 1932, liderada por Plínio Salgado; o segundo era
a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que reunia socialistas, comunistas e democratas liderados por Luís
Carlos Prestes.

Este último grupo desejava afastar Getúlio Vargas do poder. Então, o governante aplicou um golpe
na política, proibindo a realização das eleições para presidente. Permaneceu à frente do Poder Executivo
nesse período, conhecido como Estado Novo, e reprimiu violentamente os grupos políticos organizados,
determinando a prisão de muitos participantes, inclusive de Luís Carlos Prestes e de importantes
membros da ANL.

Contribuiu para isso uma tentativa de golpe do Partido Comunista, em novembro de 1935, que não
resultou em nada, mas que ofereceu a Getúlio Vargas os motivos necessários para a transformação do
país em uma ditadura.

E o governo que se forma a partir desse momento é uma ditadura. Prisões arbitrárias são realizadas,
perseguições políticas são constantes, um órgão especial para a repressão e tortura de inimigos políticos

97
Unidade II

é criado e, como se tudo isso não bastasse, uma nova Constituição Federal é outorgada, feita por um
único homem, Francisco Campos, um pensador de linha ideológica autoritária, como mencionamos
anteriormente.

A Constituição Federal de 1937, em suas Disposições Finais e Transitórias, declarou o país em estado
de emergência e, por essa razão, todas as liberdades civis garantidas pela própria Constituição foram
suspensas. Ao mesmo tempo que podia aposentar funcionários civis e militares no interesse do serviço
público ou por conveniência do regime, o presidente tinha poderes constitucionais para governar por
meio de Decretos‑lei em todas as matérias de responsabilidade do Governo Federal.

O estado de emergência não foi revogado durante todo o período do Estado Novo. Os governadores
dos estados federativos foram substituídos por interventores, e não foram realizadas eleições para o
Legislativo. Em resumo, o período do Estado Novo foi marcado pela centralização de poder político,
econômico e social nas mãos do presidente.

Para exercer todo esse poder sem grandes transtornos ou revoltas, Getúlio Vargas tratou de controlar
fortemente a opinião pública. Para tal, censurou os meios de comunicação e tratou de implantar um
órgão de propaganda oficial do governo, com o objetivo de fornecer à população apenas e tão somente
uma visão positiva do governo e de suas realizações.

Outra medida para assegurar o exercício do poder centralizador foi adotar uma política trabalhista
supostamente em benefício das classes trabalhadoras. Nesse aspecto reside um dos principais meios da
prática do populismo. Veja a definição:

Podemos definir como populistas as fórmulas políticas cuja fonte principal


de inspiração e termo constante de referência é o povo, considerado como
agregado social homogêneo e como exclusivo depositário de valores
positivos, específicos e permanentes.

Alguém disse que o Populismo não é uma doutrina precisa, mas uma
“síndrome”. O Populismo não conta efetivamente com uma elaboração
teórica orgânica e sistemática. Muitas vezes ele está mais latente do que
teoricamente explícito.

[...] O Populismo exclui a luta de classes: “é fundamentalmente conciliador


e espera transformar o establishment; é raramente revolucionário” (Wills in
Ionescu‑Gellner, 1971). Considerado como uma massa homogênea, o povo
não se apresenta no Populismo como classe ou agregação de classes.

[...] O Populismo tende a permear ideologicamente os períodos


de transição, particularmente na fase aguda dos processos de
industrialização. É ponto de coesão e de sutura e, ao mesmo tempo,
de referência e solidificação, apresentando grande capacidade de
mobilização e oferecendo‑se como fórmula homogênea a cada uma
98
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

das realidades nacionais em face das ideologias “importadas”, como


uma fórmula autárquica (INCISA apud BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,
2004, p. 980, grifo do autor).

A definição de Ludovico Incisa e a descrição dos momentos históricos em que o populismo tem mais
tendência de se concretizar são bastante adequadas ao Brasil de 1937, embora se possa afirmar que
traços populistas podem ser encontrados em outros momentos de relevância.

De todo modo, Getúlio Vargas tratou de colocar em prática os principais ideais do populismo, dentre
eles o de ampliar os direitos da classe trabalhadora e apresentar‑se como o “doador de direitos”. Não
permitiu que eles fossem interpretados como conquista dos trabalhadores em razão da importância
social e econômica que possuíam. Leia a seguinte informação sobre a época:

[...] representando o Estado pós‑1930, Vargas aparecia aos trabalhadores


com duas faces diferentes: uma era a da repressão a seus movimentos e
organismos mais rebeldes, mais independentes; outra, a do “pai dos pobres”,
que “doou” aos trabalhadores os direitos trabalhistas e o sindicato. Com
base nessa segunda imagem, principalmente, é que conseguiria angariar
prestígio entre os trabalhadores e manter sobre eles um enorme domínio
(VITA, 1998, p. 190‑1).

A política trabalhista de Getúlio Vargas foi a principal responsável pela imagem de protetor
dos trabalhadores. Criou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi inspirada na Carta
Del Lavoro, da Itália fascista; criou o salário mínimo para os trabalhadores urbanos com valores
variáveis em cada região do país; estabeleceu a Justiça do Trabalho; e adotou a unidade sindical,
ou seja, cada categoria poderia ter um único sindicato. O governante também tratou de atrelar os
sindicatos cada vez mais ao Estado.

Em 1940, foi criado o imposto sindical como instrumento de financiamento do sindicato e


representação máxima do vínculo deste com o Estado. Cada trabalhador, associado ou não ao sindicato,
deveria doar um dia de trabalho para custear a associação. Com isso, conseguiu cooptar inúmeros líderes
sindicais, que se tornaram dóceis instrumentos de manobra nas mãos do governo e sempre prontos a
atender suas determinações, inclusive para denunciar os trabalhadores que fizessem parte de grupos
políticos contrários ao poder vigente. Todas as categorias de trabalhadores conheceram os líderes
pelegos, que, embora representassem seus colegas de profissão, estavam sempre prontos a atender aos
interesses do governo, mesmo que contrários aos de suas respectivas categorias, pelo simples fato de
que assim se mantinham no poder e podiam gozar do benefício de administrar sindicatos, pois estes
recebiam muito dinheiro.

Vejamos a definição de pelego:

“Pelego” é uma cobertura de pano ou couro colocada sob a sela de um


animal de montaria para amortecer o choque produzido pelo movimento do
animal no corpo do cavaleiro. A ideia de amortecedor se mostrou bastante
99
Unidade II

adequada. “Pelego” passou a ser o dirigente sindical que na direção do


sindicato atua mais no interesse próprio e do Estado do que no interesse
dos trabalhadores, agindo como amortecedor dos atritos. Sua existência foi
facilitada na medida em que não precisava atrair ao sindicato uma grande
massa de trabalhadores. O imposto garantia a sobrevivência da organização,
sendo o número de sindicalizados, sob esse aspecto, um fato de importância
secundária (FAUSTO, 2006, p. 319).

Em outra obra, o autor conclui sua reflexão abordando de forma mais objetiva a construção da
imagem de “pai dos pobres” e protetor dos trabalhadores que Getúlio Vargas efetivou ao longo do
período do Estado Novo:

A construção da imagem de Getúlio como protetor dos trabalhadores


ganhou forma pelo recurso a várias cerimônias e ao emprego intensivo
de meios de comunicação. Dentre as cerimônias, destacam‑se as
comemorações de 1° de maio, realizadas a partir de 1939 no estádio do
Vasco da Gama, em São Januário – o maior estádio do Rio de Janeiro
na época. Somente em 1944 as comemorações se deslocaram para o
Pacaembu, em São Paulo. Nesses encontros, que reuniam grande massa de
operários e o povo em geral, Getúlio iniciava seu discurso com o famoso
“trabalhadores do Brasil” e anunciava alguma medida muito aguardada de
alcance social.

[...] O guia e pai doava benefícios a sua gente e dela tinha o direito de
esperar fidelidade e apoio. Os benefícios não eram fantasia. Mas sua grande
rentabilidade política se deve a fatores sociais e à eficácia da construção
simbólica da figura de Getúlio Vargas, que ganhou forma e conteúdo no
curso do Estado Novo (FAUSTO, 2013, p. 320).

Com os meios de comunicação severamente censurados, com a perseguição violenta a todos


os que eram contrários ao governo, benefícios aos trabalhadores e manutenção de organizações
sindicais fortes e fiéis e, finalmente, com o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural
vinculado ao Ministério da Justiça, que se tornou um verdadeiro ministério da propaganda
positiva das ações do governo, Getúlio Vargas conseguiu ter ao seu lado a massa trabalhadora
e a opinião pública em geral.

Ao mesmo tempo que prendia, torturava e matava inimigos do governo, o presidente trabalhava para
cooptar estudiosos, intelectuais, professores, lideranças de todos os matizes – católicos, integralistas,
entre outros –, oferecendo vantagens, cargos, recursos para publicações de interesse do governo e várias
outras formas para angariar apoio dos formadores de opinião.

100
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Figura 16 – Getúlio Vargas

Em análise sobre o Estado Novo e o papel fundamental de Getúlio Vargas na construção do populismo,
o pesquisador afirma:

Foi no curso do Estado Novo que se consolidou o chamado regime populista


ou, para alguns, o estilo populista do governo Vargas. O populismo de Vargas e
o governo implantado pelo general Perón na Argentina foram os exemplos mais
representativos desse fenômeno sociopolítico na América do Sul, correspondendo
a uma época de intensa industrialização e de atração populacional, do campo
e de cidades menores, para os grandes centros urbanos. O estilo varguista
assentou‑se num tripé formado pelo Estado, pela burguesia nacional e pela
classe operária organizada. Nesse tripé, o Estado era o polo mais relevante pelo
seu papel de partícipe e impulsionador do processo de industrialização, assim
como de conceder benefícios aos trabalhadores. Ressalvemos, porém, que o
apoio ao regime contou ainda com outros setores sociais, em particular a nova
classe média emergente, favorecida pelo desenvolvimento econômico.

Populismo, personalização e carisma estão ligados. No caso do Brasil, a figura


do chefe da nação cristalizou‑se como a do “pai dos pobres”, “defensor dos
humildes”, “estadista à frente de um Brasil autenticamente brasileiro”. Por suas
características pessoais, Vargas não era um personagem bem‑talhado para ser
a encarnação desse estilo de governo. Pequeno de altura, ostentava traços de
elite [...] e seus discursos eram proferidos em tom solene e monótono. Mas a
grande massa viu nele uma figura paternal, cuja estatura e certos traços, em
particular o “sorriso bondoso”, destacavam‑se positivamente. A máquina da
propaganda encarregou‑se de acentuar esses e outros aspectos, a ponto de
Vargas ser comumente chamado de “o nosso querido baixinho” e o “sorriso
do velhinho” tornar‑se tema de um samba, na disputa da presidência da
República, já em 1950 (FAUSTO apud SCHWARCZ; GOMES, 2013, p. 103).
101
Unidade II

Getúlio Vargas foi um grande exemplo de prática do populismo. Mas não foi o único. Em muitos
cantos do país, à frente do Poder Executivo local, ou estadual, encontramos políticos que atuam de
forma semelhante em pleno exercício dos princípios populistas, com maior ou menor sucesso, mas
com a cartilha sempre ensinando as lições de propaganda intensiva de suas ações, figuras associadas
com proteção e bondade, mas com total ausência de pluralidade no debate político.

O Estado Novo terminou em 1945 na esteira dos acontecimentos políticos e econômicos decorrentes
da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, a herança populista faria Vargas presidente novamente em
1950, quando voltou a ocupar o posto central da cena política. Aposentou‑se da vida política apenas
com o suicídio, em 1954.

Lembrete

Após o suicídio de Getúlio Vargas, uma carta foi entregue à


imprensa momentos após a sua morte. Ela destaca um claro exemplo
de populismo, pois o presidente destaca que sofria um martírio pelo
povo brasileiro, que lutava contra o vilipêndio e o escárnio das “aves
de rapina”. Ressalta que seria sempre o protetor nacional e que entraria
para a história.

Saiba mais

Para aprofundar os conhecimentos sobre os fatos históricos abordados, leia:

AMADO, J. O cavaleiro da esperança. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

___. Os subterrâneos da liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Há, ainda, um excelente filme:

GETÚLIO. Direção: João Jardim. Brasil: Copacabana Filmes, 2014. 100 min.

O escritor Jorge Amado foi militante do Partido Comunista. A primeira obra citada traz a biografia de
Luís Carlos Prestes. A outra narra os acontecimentos de 1937, quando foi criado o Estado Novo.

O filme Getúlio, com direção de João Jardim, lançado em 2014, conta o fim da trajetória política de
Getúlio Vargas, mais especificamente os acontecimentos que o levaram ao suicídio.

Vale a pena conhecer essas importantes contribuições culturais.

102
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

8 TEÓRICOS DO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Alguns estudiosos foram fundamentais para a formação do pensamento político brasileiro em vários
momentos da história do país. Vamos estudá‑los agora destacando os principais aspectos de suas ideologias.

8.1 Joaquim Nabuco

Figura 17 – Joaquim Nabuco

Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo nasceu em Recife, em 19 de agosto de 1849, e faleceu em 17


de janeiro de 1910, em Washington, nos Estados Unidos da América do Norte. Pode ser definido como
político, historiador, jurista, jornalista e diplomata.

Era filho de político, estudou Direito no Recife e entrou para o serviço diplomático, quando atuou em
Londres e depois em Washington, no período de 1876 a 1879. Voltou ao Brasil e se tornou parlamentar,
ocasião em que se engajou no movimento abolicionista. Criou, com o engenheiro André Rebouças, a
Sociedade Brasileira contra a Escravidão e utilizou sua facilidade de comunicação em comícios para
difundir as ideias de libertação dos escravos.

Escreveu a obra O abolicionismo, em 1883. Nesse livro, o autor defende que:

[...] a escravidão seria uma herança colonial que adquiriu caráter de “sistema
social”, estruturadora de todas as instituições, costumes e práticas. Como
empresa econômica principal, entranhou‑se na ocupação do território e,
em par com a monocultura, esgotou a terra e a concentrou, gerando feudos
isolados. Tolheu as atividades urbanas, impedindo o desenvolvimento de um
operariado assalariado e de classes médias, e condenou os homens livres
pobres à dependência dos grandes proprietários.

A escravidão tornou‑se o pilar de todas as profissões e negócios, gerando


uma rede de relações de clientes que invadiu o Estado e viciou toda a
sociedade no seu usufruto. No sistema político, impediu a formação de um

103
Unidade II

corpo de cidadãos e de uma opinião pública autônoma, já que o direito de


voto se assentava na propriedade de terras e de escravos.

A sequela mais duradora seria a cultural. A escravidão estruturou um modo


de vida, imiscuiu‑se na composição do povo brasileiro, adentrou a família, a
religião e o trabalho, semeando em tudo os germes da decadência (ALONSO
apud BOTELHO; SCHWARCZ, 2009, p. 62‑4).

Nabuco tinha razão, infelizmente. As marcas do longo período de escravidão vivido no Brasil estão
presentes e ainda provocam intenso debate. As cotas raciais em universidades ou no serviço público,
como políticas públicas de Estado, ainda causam muita polêmica; há opiniões contrárias e favoráveis e,
por vezes, até um pouco de preconceito expresso em meio a pontos de vista distintos.

O preconceito racial no Brasil, a propósito, sempre negado e disfarçado em nome de uma “cordialidade”
que seria a marca do brasileiro típico, pode ser sentido por milhões de negros ou descendentes diariamente,
em especial na repressão policial, que, de forma subliminar, considera negros pobres sempre como
suspeitos da prática de atos ilícitos. A discriminação perpassa por toda a vida nacional, embora ainda seja
muito difícil encontrar quem assuma, objetivamente, que agiu ou age impulsionado por ela.

A sociedade brasileira nega a existência da diferença racial, mas um simples olhar já enxerga que a
quantidade de negros ou descendentes nas salas de aula das melhores universidades públicas do país,
nos cargos de direção das grandes empresas, na condição de cientistas e pesquisadores em grandes
institutos científicos em todo o país é muito pequeno ou apenas inexistente.

Isso demonstra claramente que os negros não tiveram, ao longo da história brasileira, as mesmas
oportunidades, e que a abolição da escravatura não foi suficiente para que tivessem as mesmas chances
de ascensão social e econômica.

A história da escravidão africana na América é um abismo de degradação


e miséria que não se pode sondar, e, infelizmente, essa é a história do
crescimento do Brasil. No ponto a que chegamos, olhando para o passado,
nós, brasileiros, descendentes ou da raça que escreveu essa triste página
da humanidade, ou da raça com cujo sangue ela foi escrita, ou da fusão
de uma e outra, não devemos perder tempo a envergonhar‑se desse longo
passado que não podemos lavar, dessa hereditariedade que não há como
repetir. Devemos convergir todos os nossos esforços para o fim de eliminar
a escravidão de nosso organismo, de forma que essa fatalidade nacional
diminua em nós e se transmita às gerações futuras, já mais apagada,
rudimentar e atrofiada.

[...] Pode‑se descrever essa influência, dizendo que a escravidão cercou todo
o espaço ocupado do Amazonas ao Rio Grande do Sul de um ambiente fatal
a todas as qualidades viris e nobres, humanitárias e progressivas, da nossa
espécie; criou um ideal de pátria grosseiro, mercenário, egoísta e retrógrado,
104
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

e nesse molde fundiu durante séculos as três raças heterogêneas que hoje
constituem a nacionalidade brasileira. Em outras palavras ela tornou, na
frase do direito medievo, em nosso território o próprio ar – servil, como o
ar das aldeias da Alemanha que nenhum homem livre podia habitar sem
perder a liberdade. Die Luft leibeigen war é uma frase que, aplicada ao Brasil
todo, melhor que outra qualquer, sintetiza a obra nacional da escravidão:
ela criou uma atmosfera que nos envolve e abafa todos, e isso no mais rico
e admirável dos domínios da terra (NABUCO, 2000, p. 101).

A análise de Nabuco é muito atual. Diversos pesquisadores basearam‑se em sua obra. Leia o trecho
a seguir:

Nabuco foi um monarquista convicto e declarado, que queria construir


a democracia brasileira através de uma grandiosa refundação de nossa
política com base na libertação dos escravos negros, que eram os verdadeiros
construtores da economia e da própria alma brasileira. A refundação começaria,
aliás, na própria campanha abolicionista, que inaugurou a mobilização de rua
com fins políticos no Brasil. Foi um gigante intelectual, que fez a luta política
com extraordinário vigor e deixou importante obra escrita, abrindo espaço
para a sociologia brasileira que viria a ser desenvolvida no século XX.

Sua obra principal como formulador do ideário antiescravista é O Abolicionismo,


livro escrito em 1882 e publicado no ano seguinte, quando começava a fase
final e decisiva da campanha abolicionista. Um livro, que trata a questão
como fato social global, cuja leitura ainda hoje tem grande importância, no
qual são analisadas em profundidade as consequências da escravidão sobre a
população, sobre o território, sobre a economia (agricultura e indústria), sobre
a sociedade, sobre o conceito do trabalho, sobre a defesa, sobre a política
e sobre a própria nacionalidade do Brasil. Um livro que é realmente uma
referência básica, teórica e prática, sobre os problemas criados pelo regime
escravocrata e sentidos até hoje (BRAGA, 2009, p. 84‑5).

Nabuco é considerado um clássico entre os pensadores do pensamento político brasileiro. Para ele, a
abolição deveria ser o marco de uma verdadeira “refundação” do país, para que o Brasil fosse reconstruído
tendo a liberdade e a igualdade como fundamentos. Ele queria mais que a abolição da escravatura,
pretendia eliminar as consequências desse período histórico de modo que elas não maculassem o novo
país que surgiria.

Para esclarecer o pensamento do autor, veja o seguinte excerto:

A anistia, o esquecimento da escravidão; a reconciliação de todas as


classes; a moralização de todos os interesses; a garantia da liberdade
dos contratos; a ordem nascendo da cooperação voluntária de todos os
membros da sociedade brasileira: essa é a base necessária para reformas
105
Unidade II

que alteiam o terreno político em que esta existiu até hoje. O povo
brasileiro necessita de outro ambiente, de desenvolver‑se e crescer em
meio inteiramente diverso (NABUCO, 2000, p. 171).

O eminente revolucionário antecipou muitos problemas que enfrentamos hoje e nos convidou e
ainda nos convida à reflexão sobre o que ele chamava de “a obra da escravidão”. Para isso, ou seja, para
essa grande mudança cultural, ele defendia o caminho da educação como aspecto fundamental para a
refundação de um país de homens e mulheres livres e iguais.

A obra de Joaquim Nabuco é atual e merece ser revisitada sistematicamente por estudiosos de
Sociologia, Direito, História e Política.

8.2 Oliveira Viana

Figura 18 – Oliveira Viana

Francisco José Oliveira Viana nasceu na cidade de Saquarema, Rio de Janeiro, antiga Província
Fluminense, em 20 de julho de 1883. Faleceu em março de 1951. Era filho de fazendeiro e perdeu o
pai com apenas dois anos de idade. Cursou Direito no Rio de Janeiro e se formou em 1906. Além de
advogado, foi professor de História da Faculdade de Direito de Niterói.

Oliveira Viana foi membro da Academia Brasileira de Letras e ocupou posição destacada no governo
de Getúlio Vargas, período em que contribuiu para a elaboração da nova legislação sindical e trabalhista
adotada à época. Escreveu várias obras sobre esse assunto, em especial, Problemas de Direito Corporativo
(1938), Problemas de Direito Sindical (1943), e Direito do Trabalho e Democracia Social (1951).

A obra dessa grande figura é bastante estudada no Brasil. Muitos trabalhos acadêmicos discutem
suas ideias e vale a pena conhecê‑las com maior profundidade. Entretanto, a história nem sempre foi
assim, porque suas ideias, de Estado autoritário e seu engajamento com o governo de Getúlio Vargas,
por quem era chamado com frequência para trocar ideias sobre política e economia, fizeram que
Oliveira Viana fosse esquecido por longo tempo, pois era considerado reacionário e racista por parte da
intelectualidade brasileira.

Hoje sabemos que essas opiniões eram apenas uma maneira preconceituosa de enxergar seu trabalho,
e os estudos de sua obra e de seu pensamento colocam Oliveira Viana como um clássico do pensamento
político brasileiro.
106
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Os estudiosos apontam que o pensamento de Oliveira Viana teve influência da obra do engenheiro
católico francês que estudava Sociologia, Pierre‑Guillaume‑Fréderic Le Play. Na Psicologia Social, chegou
até Gustave Le Bon, também alcançando a Antropologia Física, com Georges Vacher de Lapouge. Entre
os brasileiros, Sílvio Romero, Euclides da Cunha e Alberto Torres foram as maiores influências intelectuais
de Oliveira Viana.

O pensamento de Oliveira Viana é qualificado como nacionalista autoritário. É inspirado pelo


positivismo e por uma ciência que se construía a partir dos estudos da influência do clima e do meio
natural na formação social.

Leia a interessante análise sobre o autor:

Oliveira Viana foi, certo, um conservador, mas também um inovador. Os


temas centrais de sua obra, nas palavras de João Cruz Costa, foram “o sertão,
as raças e a centralização política”. Se entendermos que a referência às raças
era, na época, uma forma indireta, no mais das vezes negativa, de referência
ao povo, foram também esses os temas centrais do pensamento do seu
tempo. É sabido que sua visão do Brasil incluía um declarado menosprezo
pelo mestiço e pelo negro, ao lado de um entusiasmo por um aristocratismo
arianista que identificava nos primeiros colonizadores portugueses.

Não obstante esses compromissos conservadores, Oliveira Viana criou


os fundamentos da Sociologia brasileira, dando continuidade a intuições
anteriores de Joaquim Nabuco e Euclides da Cunha. Ele estabeleceu uma
distinção de regiões na análise da sociedade brasileira que deixou para trás
as velhas abordagens do país como um todo uniforme. Definiu assim uma
perspectiva intelectual que, de algum modo, se “incorporou ao cânone
interpretativo de nossa realidade”. Estudando no seu primeiro livro as
populações rurais do Sudeste (Rio, São Paulo e Minas), ele se propunha
pesquisar nas próximas obras as do Sul e do Norte.

[...] Apesar de racista, conservador e autoritário, ou talvez por isso mesmo,


o fato é que Oliveira Viana inaugurou a agenda dos debates intelectuais
dos anos 1920 e 1930. Nesse sentido, não creio que haja exagero na
afirmação de que sua influência chegou aos anos de 1950, por meio de
alguns intelectuais filiados ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros –
Iseb (WEFFORT, 2001, p. 273).

A objetividade de Weffort na caracterização das ideias de Oliveira Viana não pode servir de justificativa
para o preconceito contra esse pensador. Ao contrário, é fundamental compreender a ideia daqueles que
nos antecederam na análise da sociedade brasileira, de sua formação e de suas opções políticas, sociais
e econômicas, para que possamos discutir a sociedade contemporânea com o necessário conhecimento
dos suportes teóricos que alicerçaram nossa trajetória.

107
Unidade II

É preciso ter presente o período histórico em que viveu Oliveira Viana, suas raízes rurais (filho de
fazendeiro), a grande importância da oligarquia proprietária de terra durante todo o período da Primeira
República e, principalmente, os transtornos políticos que o país havia enfrentado após a Proclamação da
República e a sucessão de presidentes militares e civis, estes vinculados diretamente às elites econômicas
de São Paulo e de Minas Gerais.

Destaca‑se a importante afirmação:

O período em que Oliveira Viana viveu e pensou compreende condições


históricas bastante variadas, do ponto de vista econômico, político e
social. Iniciando sua produção intelectual durante a Primeira República, ele
a desenvolve ainda mais depois de 1930 e do Estado Novo, atingindo os
primeiros anos de redemocratização do país. Ao longo de fases tão diversas,
Oliveira Viana constrói sua obra, mantendo mais ou menos a mesma
orientação.

[...] Dedicando‑se inteiramente a atividades administrativas e ocupando


o mesmo cargo, de assessoria no Ministério do Trabalho, de 1932 a 1940,
além de outros postos de importância, Oliveira Viana sempre acreditou
na eficiência e no caráter apolítico da administração. Torna‑se, portanto,
um ideólogo da ação e da expansão administrativas, reservando para as
corporações o papel fundamental: vincular a nação aos seus servidores mais
dedicados. Foi um dos mais expressivos defensores do fortalecimento do
Poder Executivo e também da administração, no momento em que no Brasil
eles evoluíam rapidamente e cresciam em importância e poder, atuando em
todos os setores da sociedade em crise. O Estado Corporativo de Oliveira
Viana, por conseguinte, busca a modernização da economia capitalista
brasileira e a conciliação entre capital e trabalho.

Essa concepção de Estado, sem projetar rigorosamente o Estado Novo, é


uma das mais elaboradas tentativas de legitimá‑lo: significa a articulação
da nação, de cima para baixo, por meio do funcionamento das corporações
(VIEIRA, 1981, p.100).

O autoritarismo para Oliveira Viana era uma estratégia temporal destinada a desaparecer quando o
povo estivesse educado e organizado para viver a verdadeira democracia. Infelizmente, esse autoritarismo
funcional ou instrumental se perpetuou no pensamento político brasileiro e sustentou ideologicamente
períodos como o da Ditadura Militar (1964 a 1985), além do próprio Estado Novo. Esse autoritarismo está
arraigado na concepção política nacional e nos momentos de crise ou de insatisfação popular. Muitos
brasileiros ainda têm a ideia de propor a volta da ditadura para que a situação no país se reorganize.

Se essa herança política e cultural não pode ser creditada somente a Oliveira Viana, haja vista outros
pensadores políticos que defenderam o autoritarismo ao longo da história, também não há dúvida de
que ele é um legítimo representante dessa vertente do pensamento político nacional.
108
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Na atualidade, os estudiosos de nosso cenário creditam a Oliveira Viana alguns aspectos relevantes
e consideram seu autoritarismo e racismo como menos importantes quando comparados com sua
contribuição. Esses aspectos pertinentes estão relacionados com a análise da questão agrária, mais
especificamente do latifúndio, e com a visão real do Brasil.

Leiamos os prudentes comentários sobre o autor:

[...] a avaliação de Oliveira Viana sobre o latifúndio se modifica de acordo


com o momento histórico que analisa. Se antes, na colônia, o identifica como
principal instrumento para a adaptação do colono português ao ambiente
americano, depois da independência, devido à sua maior característica, a
autossuficiência, passa a vê‑lo como impedimento mais sério para a tarefa
de unificação nacional que então se imporia.

Antes da independência, praticamente não existiria sentimento nacional. Portanto,


“os que fundam, em 22, o Império, criam menos uma realidade que uma expressão
nominal”. Apenas a fidelidade ao imperador teria evitado a secessão do Brasil.
Por exemplo, nas Cortes portuguesas, convocadas depois da revolução liberal
de 1820, os deputados brasileiros, como admitiu o futuro regente Diogo Feijó,
comportavam‑se mais como representantes de suas províncias do que do país. A
própria Independência só encontrou apoio mais decidido no centro‑sul, no Rio de
Janeiro e em São Paulo (RICÚPERO, 2009, p. 65).

Oliveira Viana foi precursor dos estudos que passaram a analisar o latifúndio a partir do aspecto
social, e não apenas político e econômico, ou seja, a repercussão dessa realidade das grandes áreas de
terra como um microcosmo de vida independente em relação à nação. Para ele, esse era um traço singular
do Brasil que nos afastava de qualquer outra realidade do mundo, ou seja, de ingleses, norte‑americanos
e franceses, mas também de outros povos da própria América, como os argentinos, que jamais tiveram a
organização latifundiária como um pressuposto de sua vida política e social. O latifúndio como elemento
histórico importante para a compreensão social brasileira foi uma contribuição de Oliveira Viana.

Ele acreditava que era preciso assegurar a unidade nacional com um Estado forte, capaz de organizar
a sociedade e ensiná‑la a se organizar para viver com solidariedade. Nesse aspecto, reforçar o poder
central do Estado para manter a ordem e assegurar as liberdades individuais era essencial.

Em suas obras, Oliveira Viana criticava a elite brasileira por viver distante do Brasil real e dizia que ela
era estimulada por sonhos liberais que nunca se concretizaram e sem uma noção objetiva do país. Com
esse idealismo, as elites se afastaram da realidade social, e os resultados políticos foram inadequados e
conturbados.

Na obra Populações Meridionais do Brasil, Oliveira Viana

[...] elabora uma análise histórico‑sociológica orientada “pelos mais modernos


padrões científicos”. Voltando‑se para as origens de nossa “formação”, para o
109
Unidade II

primeiro século de colonização, segundo sua terminologia, constrói um modelo


interpretativo capaz de explicar por que, no Brasil, não éramos capazes de
construir formas de solidariedade social modernas. O passado histórico mais
remoto do país “continha” as causas profundas dessa falta de solidariedade,
dessa incapacidade de organização autônoma de nossa população, que
impossibilitava a emergência de uma moderna sociedade urbano‑industrial.

[...] Para o autor, o atraso do país se devia a um descolamento entre o


Brasil “real”, marcado pelo “insolidarismo”, e o Brasil “legal”, o mundo das
instituições, destinado a dirigir uma nação, que ainda não existia (GOMES,
2009, p. 151).

A obra de Oliveira Viana é extensa, complexa e merece especial atenção de todos os estudiosos de
sociologia, sempre com o cuidado de não esquecer que ele pensou o Brasil com os recursos intelectuais
de seu tempo, o que não o impede de contribuir, até hoje, para as reflexões contemporâneas.

8.3 Sérgio Buarque de Holanda

Figura 19 – Sérgio Buarque de Holanda­

Sérgio Buarque de Holanda nasceu em São Paulo em 1902, onde viveu até 1921, quando se muda
com a família para o Rio de Janeiro e lá cursou a Faculdade Nacional de Direito. Atuou como promotor
no Espírito Santo, mas retornou ao Rio em 1927, onde permaneceu apenas até 1929, quando vai para
Berlim, Alemanha, para ser correspondente da empresa Diários Associados, que publicava vários jornais.

Na Alemanha, tem contato com a obra de Max Weber e assiste a seminários de Friedrich Meinecke.
Torna‑se colaborador de revistas e retorna ao Brasil em 1931, retomando suas atividades de correspondente
de agências internacionais de notícias.

Em 1936, publica o livro Raízes do Brasil e inicia atividades docentes na Universidade do Distrito
Federal, na cadeira de História Moderna e Contemporânea. Também leciona Literatura Comparada.

110
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Em 1946, Sérgio Buarque volta a morar em São Paulo e no ano seguinte ingressa na Escola de Sociologia
e Política como professor de História Econômica do Brasil, ocupando o lugar de Roberto Simonsen. Em
1952, muda‑se para a Itália. Lá passa dois anos ministrando aulas como professor‑convidado da cadeira
de Estudos Brasileiros da Universidade de Roma.

Em 1958, o pesquisador conquista, por meio de concurso público, a cadeira de História da Civilização
Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, com a tese Visão do
paraíso: Os Motivos Edênicos no Descobrimento e na Colonização do Brasil, que seria publicada no ano
seguinte.

Sérgio Buarque de Holanda contribuiu com a fundação da Esquerda Democrática, em 1946, e em


1980, com o Partido dos Trabalhadores (PT). Aposentou‑se na universidade em 1969 e morreu em 1982,
em São Paulo.

Ele inicia sua trajetória intelectual fortemente influenciado pelo Modernismo, porque conviveu no
Rio de Janeiro, a partir de 1921, com nomes importantes, como Prudente de Morais Neto, Graça Aranha,
Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Ribeiro Couto, dentre outros.

Colaborou com artigos e ensaios em revistas e foi editor da Estética, revista que sucedeu outra
importante publicação do período, a Klaxon.

Na Alemanha, conviveu com o fim do período da República de Weimar e o crescimento do movimento


nazista. Quando retornou ao Brasil, já tinha mais de quatrocentas páginas escritas, das quais publica
parte na revista Espelhos, em 1935, e, no ano seguinte, em Raízes do Brasil, pela Livraria José Olympio,
que era dirigida na época por Gilberto Freyre.

A obra Raízes do Brasil tem marcas profundas da experiência modernista que Sérgio Buarque de
Holanda havia vivenciado. Nela, o autor afirma que a principal razão para a colonização brasileira ter
sido possível foi o fato de ter sido realizada por um país ibérico, Portugal, que estava em uma região
indecisa entre a Europa e a África e que, de certa forma, já era mestiço mesmo antes de iniciar o
processo de colonização.

Isso teria dado a Portugal certa plasticidade e flexibilidade, viabilizando o projeto expansionista
colonizador, o que não teria sido possível a outros países mais europeus, como a Holanda.

Sérgio Buarque de Holanda identificou como forte traço brasileiro a cultura da personalidade,
típica dos portugueses, e que estaria presente no sentimento da própria dignidade de cada homem. Em
outras palavras, os valores da aristocracia estavam espalhados pelo povo lusitano e, consequentemente,
tornou‑se característica dos brasileiros.

Esses traços culturais contribuiriam, além do mais, para que entre os


hispânicos não estivesse presente uma verdadeira ética do trabalho. O
trabalho mecânico, em particular, que visa objetos externos, se chocaria
com o personalismo desses povos, que insistiram no valor próprio de cada
111
Unidade II

indivíduo. Seria bem‑considerado, em contraste, o trabalho intelectual,


até como uma maneira, no caso brasileiro, de se marcar a diferença em
relação aos escravos. O saber não seria, todavia, encarado como resultado
do esforço, mas, de maneira aristocrática, praticamente como uma dádiva
concedida a alguns poucos.

No entanto, a consequência mais forte da cultura da personalidade seria,


tal como percebido, por exemplo, por Aléxis de Tocqueville, na Nova
Inglaterra, a extrema dificuldade de fazer vigorar o associativismo, que
exige solidariedade social, até porque “em terra onde todos são barões
não é possível acordo coletivo durável”. Na verdade, a solidariedade
que porventura aparecesse teria muito mais o sentido de favorecer o
sentimento do que o interesse, fazendo parte do âmbito doméstico e
não do público (RICÚPERO, 2009, p. 108, grifo do autor).

O sociólogo observa que no Brasil colonial as cidades se subordinam ao campo, porque lá está toda
a riqueza e a base da organização social, que é patriarcal. Como consequência, o traço fundante da
sociedade brasileira seria a proteção da família, do ambiente doméstico e daqueles que nele gravitam,
sem pensamento de formação de um Estado, porque o particular se sobrepõe ao público.

Veja o que destaca o eminente estudioso:

O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma


integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas,
de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar
e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma
oposição. [...] Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que
nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão, contribuinte,
eleitor, elegível, recrutável e responsável ante as leis da Cidade. Há
nesse fato um triunfo do geral sobre o particular, do intelectual sobre o
material, do abstrato sobre o corpóreo[,] e não uma depuração sucessiva,
uma espiritualização de formas mais naturais e rudimentares, uma
procissão das hipóstases[,] para falar como na filosofia alexandrina. A
ordem família, em sua forma pura, é abolida por uma transcendência
(HOLANDA, 1969, p. 101).

Em consequência, o homem brasileiro carregaria para o ambiente público os traços da vivência


familiar e, exatamente por isso, teria tanta dificuldade para distinguir o público do privado, para tratar
objetivamente as relações, e não de forma sentimental e protecionista.

O autor ainda destaca que:

No Brasil, pode‑se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema


administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados
112
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário,


é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio
constante das vontades particulares que encontram seu ambiente
próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação
impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele
que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade.
Um dos defeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente,
do núcleo familiar – a esfera por excelência dos chamados “contatos
primários”, dos laços de sangue e de coração – está em que as
relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo
obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre
mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios
neutros e abstratos, pretendam assentar a sociedade em normas
antiparticularistas (HOLANDA, 1969, p. 106).

Com essas reflexões, Buarque de Holanda cria a figura do “homem cordial”, que seria essencialmente
a definição do brasileiro. Era o cidadão com fortes traços familiares e que tinha dificuldade em separar
o público do privado, tanto quanto tinha facilidade em tratar de maneira pessoal e informal a todos
quantos com quem se relacionasse, porque impessoalidade e formalidade não são traços próprios do
ambiente familiar.

O “homem cordial”

[...] age a partir dos sentimentos que brotam diretamente do coração sem
um filtro de racionalidade. Nesse sentido, por exemplo, não trata com
isenção amigos e inimigos, favorecendo em qualquer circunstância os
primeiros em detrimento dos outros. Por isso, para o autor, a cordialidade
é inadequada ao funcionamento da democracia e da burocracia, que
exigem normas e leis abstratas que sejam aplicadas a todos da mesma
forma (WAGNER, 2009, p. 217).

Sérgio Buarque de Holanda acreditou que essa característica brasileira estava em processo
de diluição, que a modernização traria a racionalidade necessária para que o homem filtrasse os
sentimentos e agisse no espaço público com a objetividade que ele requer. Contudo, na realidade,
após 79 anos (o livro foi publicado em 1936), ainda podemos perceber traços característicos da
forma pessoal e informal como as questões públicas são tratadas no Brasil, tanto quanto podemos
notar traços do apadrinhamento a que nos referimos anteriormente, e que vicejaram no país
exatamente em razão dessa experiência marcante de predomínio das relações familiares sobre as
relações de Estado.

Em 1959, Buarque de Holanda escreve Visão do Paraíso, trabalho acadêmico com o qual concorre
e ganha a cátedra de professor da Universidade de São Paulo, da qual se aposenta em 1969, como
forma de protesto às perseguições que a Ditadura Militar fazia contra professores daquela universidade.
Muitos docentes se aposentaram compulsoriamente.
113
Unidade II

Observação

O início do trabalho intelectual de Sérgio Buarque de Holanda se dá sob


influência do Modernismo, que se iniciou na Semana de Arte Moderna de
1922, realizada nos dias 11 a 17 de fevereiro, no Teatro Municipal de São
Paulo. Dela participaram nomes como Plínio Salgado, Menotti Del Picchia,
Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Heitor Villa‑Lobos,
Anita Malfatti, Guilherme de Almeida, dentre outros.

O objetivo do Modernismo era modificar a pintura, a literatura, a poesia e a música no cenário


brasileiro, para romper com o passado e inserir novos conceitos artísticos e estéticos, criando o novo na
arte brasileira. O conceito não era muito claro, mas sem dúvida foi relevante, pois marcou o rompimento
com o que havia sido feito até então na área artística do país.

8.4 Raimundo Faoro

Figura 20 – Raimundo Faoro

Raimundo Faoro nasceu em 1925, no município de Vacaria, Rio Grande do Sul. Era filho de
agricultores de origem italiana e mudou‑se com a família para Caçador, Santa Catarina, onde realizou
estudos primários e secundários. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fez o curso
superior em Direito. Logo em seguida se muda para o Rio de Janeiro, então capital federal, tornando‑se
procurador do Estado por meio de concurso público.

Faoro foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 2000, na cadeira que pertenceu, dentre
outros, a Barbosa Lima Sobrinho. Foi presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no
período de 1977 a 1979, época em que a Ditadura Militar ainda provocava grandes estragos na vida
política nacional, inclusive com a prática de tortura e morte daqueles que a contestavam. À frente
da OAB nacional, o advogado foi líder de uma resistência pacífica contra a Ditadura, sobretudo, pela
denúncia de tortura contra presos políticos e mediante a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita.
114
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Em 1958, publicou sua obra de maior repercussão: Os Donos do Poder (2000). O livro deveria se
chamar Formação do Patronato Político Brasileiro, mas outro gaúcho famoso, Érico Veríssimo, teria
sugerido a Faoro que modificasse o título original, certamente para torná‑lo mais impactante. Apesar
de tudo, o exemplar não teve, inicialmente, grande repercussão.

Leia o seguinte excerto:

[...] a elaboração mais refinada da teoria patrimonialista ganhou corpo


e maior estilo no pensamento político de Raimundo Faoro, quando da
publicação em 1958 de sua obra paradigmática Os Donos do Poder,
considerada um dos maiores marcos teóricos da conciliação entre dominação
tradicional‑patrimonial weberiana e a formação de nossa identidade política.

[...] Segundo Faoro, a explicação para as mazelas do Estado e da


Nação brasileiras pode ser mais manifestamente encontrada ao nos
debruçarmos sobre o caráter específico de nossa formação histórica, em
especial sobre nosso passado colonial. Em seus estudos, Faoro analisa a
estrutura de poder patrimonialista adquirida do Estado Português por
nossos antepassados, tendo sido este inteiramente importado em sua
estrutura administrativa para a colônia na época pós‑descobrimento,
fato que depois foi reforçado pela transmigração da Coroa Lusitana no
século XIX. Em sua acepção, tal modelo institucional foi transformado
historicamente em padrão a partir do qual se estruturaram a
Independência, o Império e a República do Brasil. O patrimonialismo
seria, para Faoro, a característica mais marcante do desenvolvimento do
Estado brasileiro através dos tempos (SILVEIRA, 2006, p. 9).

O autor ressalta que Faoro trabalha com a categoria teórica de estamentos que tem origem no
pensamento de Max Weber. Estes são comunidades fechadas, ao contrário das classes, que são grupos
abertos. No estamento social, os grupos se unem conforme a posição social que ocupam e que lhes
confere um status específico. São fechados porque se organizam para não permitir que outros ingressem
na comunidade, para que outros não possam compartilhar o poder que eles possuem.

É o próprio autor que nos explica com mais detalhes

O estamento político [...] constitui sempre uma comunidade, embora


amorfa: os seus membros pensam e agem conscientes de pertencer a um
mesmo grupo, a um círculo elevado, qualificado para o exercício do poder.
A situação estamental, a marca do indivíduo que aspira aos privilégios do
grupo, se fixa no prestígio da camada, na honra social que ela infunde
sobre a sociedade. Esta consideração social apura, filtra e sublima um
modo ou estilo de vida; reconhece, como próprias, certas maneiras de
educação e projeta prestígio sobre a pessoa que a ele pertence; não raro,
hereditariamente. Para incorporar‑se a ele, não há distinção entre o rico
115
Unidade II

e o pobre, o proprietário e o homem sem bens. Ao contrário da classe,


no estamento não vinga a igualdade das pessoas – o estamento é, na
realidade, um grupo de membros cuja elevação se calca na desigualdade
social (FAORO, 2000, p. 52).

Para Raimundo Faoro, os membros do “estamento burocrático” auxiliavam o príncipe a se apropriar


do Estado e a utilizá‑lo em seu próprio benefício, fundamentando o patrimonialismo, que, entre outras
coisas, contribuiu para diminuir a influência da sociedade civil como força capaz de se contrapor aos
mandos do Estado.

Com esses desdobramentos, a nação se enfraquece, não se organiza politicamente para se contrapor
ao autoritarismo e, ainda mais grave, cria uma expectativa de que tudo dependerá da atuação do
Estado, inclusive na vida privada.

Nessa perspectiva, Faoro defende que apenas uma sociedade organizada em classes, e não em
estamentos, como a brasileira, terá condições de consolidar um Estado de direito liberal e democrático.
Para o autor, a classe

[...] se forma com a agregação de interesses econômicos, determinados,


em última instância, pelo mercado. A propriedade e os serviços
oferecidos no mercado, redutíveis, propriedade e serviços, a dinheiro,
determinam a emergência da classe, com o polo positivamente e o
polo negativamente privilegiados. A classe e seus membros, por mais
poderosa que seja, pode não dispor de poder político – pode até
ocorrer o contrário, uma classe rica é repelida pela sociedade, marcada
de prestígio negativo, como os usurários e banqueiros judeus do[s]
século[s] XV e XVI de Portugal. A classe se forma de um grupo disperso,
não repousa numa comunidade, embora possa levar, pela identidade
de interesses, a uma ação congregada, a associações e comunidades,
criadas e desfeitas ao sabor das atividades propostas ocasionalmente
ou de fins a alcançar, em benefício comum.

[...] Os estamentos governam, as classes negociam. Os estamentos


são órgãos do Estado, as classes são categorias sociais (econômicas)
(FAORO, 2000, p. 59).

Para Faoro, as liberdades públicas e os direitos civis estariam mais garantidos para uma sociedade
de classes do que de estamentos. Liberdades públicas estariam diretamente relacionadas com liberdades
econômicas e, em consequência, seria mais viável a organização política com nítida separação entre
público e privado e a consolidação de um verdadeiro Estado liberal‑democrático.

Em contrapartida, numa sociedade elaborada em estamentos, não haveria espaço para vida civil livre
e justiça social, porque o estamento se funda exatamente no oposto, ou seja, na desigualdade social,
que permite a alguns ter o Estado a serviço de seus interesses e a outros nenhum direito garantido.
116
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Leia a judiciosa análise:

A literatura mais influente sobre o Brasil, segundo Faoro, particularmente


na questão conceitualmente estratégica da autonomia entre o Estado e a
sociedade civil, estaria viciada pela perspectiva marxista, “que entende a
história como expressão da infraestrutura econômica”. Com esse viés, ela
seria incapaz de perceber “a existência do Estado como realidade em si,
sobranceiro à nação, atuante como uma comunidade cuja força vem dele”.
O marxismo, ao estudar as formas autonomizadas do Estado, esgotaria
seu arsenal teórico nas análises do Estado absolutista, do bonapartismo
do Primeiro e Segundo Império Franceses, e da Alemanha de Bismarck. A
forma patrimonial‑estamental de Estado, não sendo inteligível pela chave
marxista, reclamava a teoria de Max Weber, sobretudo pelo reconhecimento
que tal chave emprestava ao estatuto de autonomia do Estado e pela segura
distinção que opera entre o campo da política e o da economia.

[...] Em nome das maiorias sem voz, assumindo a representação delas, o


acento de Faoro é de caráter radicalmente liberal‑democrático (VIANA,
2009, p. 368, grifo do autor).

Faoro combateu todas as formas de autoritarismo, mas não acreditava em mudanças. Ao contrário,
seu diagnóstico da sociedade brasileira era negativo e quase sem perspectivas. Para ele, o estamento
burocrático sobrevive governando para seus próprios interesses e alheio às necessidades do povo. A
nação é dirigida por um organismo que lhe é alheio.

8.5 Caio Prado Júnior

Figura 21 – Caio Prado Júnior

117
Unidade II

Caio Prado Júnior nasceu em São Paulo, em 11 de fevereiro de 1907, e faleceu em 23 de


novembro de 1990. Foi historiador, geógrafo, editor e político, considerado um dos grandes
intelectuais brasileiros, embora tenha se destacado também como ativista político, reunindo teoria
e prática na área.

Era filho de uma família importante da burguesia cafeeira de São Paulo e teve uma educação
privilegiada. Estudou com professores particulares, com os jesuítas do Colégio São Luís, passou um
período no Colégio Chelmsford Hall, em Eastbourne, Inglaterra, e cursou a Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco, em 1928, mesma instituição em que mais tarde defenderia sua tese de livre‑docência
em Política Econômica.

Participou do Partido Democrático (1928), atuou com entusiasmo pela Revolução de 1930 e depois
se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Conheceu a União Soviética em 1930 e foi vice‑presidente
da Aliança Nacional Libertadora, o que resultou em sua prisão, em 1935, por dois anos.

Teve de se exilar na Europa no período de 1937 a 1939 em razão de perseguições políticas do Estado
Novo de Getúlio Vargas. Quando retorna ao país, lança Formação do Brasil Contemporâneo (1942).

Prado Júnior fundou a Editora Brasiliense com Monteiro Lobato, em 1943, de quem era amigo pessoal.

Em 1947, foi eleito deputado estadual pelo PCB. Em 1964, com o Golpe Militar, teve seus direitos
políticos cassados. Exilou‑se no Chile. Foi preso ao retornar ao país, em 1971, tendo obtido habeas
corpus no ano seguinte.

Publicou ainda algumas outras obras: A Evolução Política do Brasil (1933); História Econômica do
Brasil (1945); Estruturalismo e Marxismo (1971); e História e Desenvolvimento (1972).

Segundo Gilson Schwartz (2000), Caio Prado Júnior colocou o Brasil sob a totalidade
lógico‑histórica, que os marxistas denominam de dialética, embora nem sempre consigam
chegar a um consenso sobre o que esse termo significa. Para o autor: “Na história brasileira
de Caio Prado Júnior, a dialética é antes de mais nada uma relação permanentemente tensa
entre o passado e o futuro. Qual o sentido dessa lógica, em que heranças e projetos vivem em
contradição?” (Ibidem, p. 401).

Prado Júnior teria percebido, e esta talvez seja sua grande contribuição, que o Brasil não vivia em
um regime feudal, apesar de algumas semelhanças com o sistema feudal europeu. Ao contrário, ele
destacava que o feudalismo já estava muito longe quando o país foi descoberto e que a colônia brasileira
já fazia parte de um sistema econômico mundial de capitalismo, embora aqui ainda persistissem práticas
pré‑capitalistas, como a escravidão e o latifúndio.

Caio Prado Júnior desempenhou seu trabalho de historiador a partir da lógica, organizando dados e
informações, pois acreditava em suas convicções marxistas, em que coerência e História são inseparáveis
e permeadas pela Ética e pela Filosofia.

118
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Nessa linha de trabalho e raciocínio, o autor defende que os homens que vieram para o Brasil
recém‑descoberto não pretendiam criar aqui uma colônia de povoamento, mas apenas desenvolver
atividades mercantis que lhes viabilizassem ganhos comerciais. Não tinham intenção de trabalhar
para angariar subsistência e formação de um local para se estabelecerem como membros de uma
comunidade. Ao contrário, formaram um modo original de sociedade, pois, diferentemente das colônias
de povoamento, como aquelas que se formaram nos Estados Unidos da América do Norte, o projeto não
era de permanência, tampouco identificado com as comunidades sociais europeias.

De início, contudo, nem mesmo uma sociedade existiria nas colônias de


exploração. O que prevaleceria seria a desorganização. Na verdade, a colônia
de exploração se reduziria praticamente a “uma vasta empresa comercial”.
É esse o “sentido” que estaria por trás da obra de colonização: produzir, em
grandes unidades trabalhadas pelo braço escravo, bens demandados pelo
mercado externo.

A partir desse objetivo externo, desconhecendo as necessidades da população,


se organizaria a sociedade e a economia brasileira. Em poucas palavras, a
colônia brasileira se formaria em função do “sentido da colonização”. As
diversas características de uma organização social bastante diferente da
europeia surgiriam de um objetivo básico: fornecer produtos primários para
a metrópole. A colônia, como totalidade social, se constituiria, portanto,
subordinada a outra totalidade social, a metrópole.

Ou seja, se a história, como reconhece Caio Prado Júnior, é feita de “um cipoal
de incidentes secundários”, que podem até confundir o observador, o “sentido”
revelaria que “todos os momentos e aspectos não são senão partes, por si
incompletas, de um todo que deve ser sempre o objetivo último do historiador
(RICÚPERO, 2009, p. 232, grifo do autor).

Na percepção da experiência brasileira como totalidade, e não no estudo de aspectos selecionados,


é que se encontra uma das grandes contribuições de Caio Prado Júnior para a formação do
pensamento político brasileiro. Sua visão de totalidade não exclui a análise de tópicos relevantes como
o patriarcalismo ou a escravidão, mas sua atenção está voltada para a compreensão da experiência
histórica brasileira como um processo de longa duração, em que a análise de cada etapa permite
compreender o conjunto.

Uma história como a brasileira possibilitaria até que o pesquisador


recorresse a um método bastante original. Como não ocorreram
rupturas significativas com o passado, o tempo como que se projetaria
no espaço, tornando muitas vezes mais proveitosa uma viagem pelo país
do que a pesquisa em arquivos. Entende‑se, assim, a observação que
nosso autor certa vez ouviu de um professor estrangeiro, “que invejava
os historiadores brasileiros, que podiam assistir pessoalmente às cenas
mais vivas de seu passado”.
119
Unidade II

Até porque, apesar da independência política, se manteve a estrutura


econômica e social da colônia. Dessa maneira, a orientação principal da vida
brasileira continua a estar voltada para fora dela.

[...] A continuidade com o passado ocorreria principalmente na questão


agrária, já que a grande exploração, estabelecida na colônia, teria se
mantido. Apesar da abolição, os trabalhadores continuariam a ser tratados
praticamente como instrumentos de trabalho. Além do mais, a estrutura
agrária seria o principal obstáculo para o desenvolvimento do mercado
interno brasileiro (Ibidem, p. 241).

Nesse sentido, segundo Ricúpero (2009), Caio Prado Júnior é criticado por não dar importância ou ao
menos relativizar a importância de alguns aspectos de ruptura com o passado, como a industrialização
e a classe trabalhadora organizada que se forma a partir dela.

Essa opção seria, com certeza, resultado da preferência pela análise profunda do período colonial
brasileiro, que foi marcado pelo fato de não atender às necessidades da população que aqui havia se
instalado, mas de priorizar o mercado externo, em especial a Metrópole portuguesa, que era destinatária
primeira de tudo o que aqui se produzia.

Cumpre destacar, ainda, a crítica histórica que Caio Prado Júnior faz em relação à escravidão ocorrida
no Brasil.

Naturalmente, o que antes de mais nada, e acima de tudo, caracteriza


a sociedade brasileira de princípios do século XIX, é a escravidão.
Em todo lugar onde encontramos tal instituição, aqui como alhures,
nenhuma outra levou‑lhe a palma na influência que exerce, no papel
que representa em todos os setores da vida social. Organização
econômica, padrões materiais e morais, nada há que a presença do
trabalho servil, quando alcança proporções de que fomos testemunhas,
deixe de atingir; e de um modo profundo, seja diretamente, seja por
suas repercussões remotas.

Ela (a escravidão) nasce de chofre, não se liga a passado ou tradição


alguma. Restaura apenas uma instituição justamente quando ela já perdera
inteiramente sua razão de ser, e fora substituída por outras formas de trabalho
mais evoluídas. Surge assim como um corpo estranho que se insinua na
estrutura da civilização ocidental, em que já não cabia. E vem contrariar‑lhe
todos os padrões morais e materiais estabelecidos. Traz uma revolução, mas
nada a prepara. Como se explica então? Nada mais particular, mesquinho,
unilateral. Em vez de brotar, como a escravidão do mundo antigo, de todo
o conjunto da vida social, material e moral, ela nada mais será que um
recurso de oportunidade de que lançarão mão os países da Europa a fim de
explorar comercialmente os vastos territórios e riquezas do Novo Mundo.
120
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

[...] É aí que verdadeiramente renascerá, em proporções que nem o mundo


antigo conhecera, o instituto já condenado e praticamente abolido (PRADO
JÚNIOR, 2000, p. 278).

O autor, com seus estudos e análise peculiar da história brasileira, lega para todos nós a pergunta
muito bem‑formulada por Bernardo Ricúpero (2009): “Como podemos superar a colônia?”.

A realidade brasileira contemporânea pede mais que uma resposta, exige um projeto político, social e
econômico que proponha um modelo anticolonial e que propicie justiça social e verdadeira democracia.

8.6 Francisco Weffort

Figura 22 – Francisco Weffort

Francisco Correa Weffort nasceu no município de Quatá, São Paulo, em 17 de maio de 1937. É
sociólogo, cientista político e historiador do pensamento político brasileiro. É graduado em Ciências
Sociais e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.

É professor aposentado de Ciência Política da Universidade de São Paulo. Atuou como docente‑visitante
na Universidade de Essex, na Inglaterra, no fim dos anos 1960, e da Universidade de Notre Dame, nos
Estados Unidos, no início dos anos 1990.

Participou do Instituto de Estudos e Pesquisas Econômicas e Sociais – Iepes do Rio de Janeiro e


ministrou aulas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – Uerj.

É autor de vários livros sobre a política brasileira e a latino‑americana. Dedicou‑se em especial ao


estudo do populismo nos anos de 1950 e 1960 e da emergência da democracia a partir de meados dos
anos 1970. Foi Ministro da Cultura do governo federal no período de 1995 a 2002.

Um tema central nos estudos de Weffort é o descobrimento, por parte do pensamento ou dos
pensadores, da “existência do povo”.

No Brasil e, de modo geral, na América ibérica, nos séculos XVI e XVII,


não começava um Estado, mas o parto doloroso de povos novos. Essa
peculiaridade de origem conferiu ao pensamento político ibero‑americano,

121
Unidade II

desde os inícios, o traço distintivo de uma dominância dos aspectos sociais.


A primeira grande novidade do pensamento da América ibérica estava
no confronto de portugueses e espanhóis com uma humanidade que
desconheciam. Assim, desde a partida, o objeto desse pensamento foi mais
social e cultural do que político (WEFFORT, 2001, p. 341).

O autor define como trauma da origem o ponto em comum de vários países da América ibérica,
como o México, com a chegada de Hernán Cortés e a queda da civilização asteca; o Peru, com relação
aos incas; e vários outros países, em que a chegada do colonizador teve contornos dramáticos que até
hoje se refletem no modelo social, político e econômico.

Com espírito crítico, o pesquisador enfatiza:

Na história do Brasil, o tema da formação do povo sempre se associou


aos temas da mestiçagem e da escravidão. Que gente era aquela que
surgia da mistura dos índios, que já estavam aqui, com os brancos e
negros que passaram a vir de fora? Desde Nóbrega e Vieira sempre se
lamentou que este país tivesse que crescer sobre as misérias dos índios,
dos negros, dos mestiços e dos mamelucos que proliferavam em todo o
território. Teria sido melhor, pensava‑se, que fosse de outro modo, mas,
afinal, como se dizia dos índios, os “naturais” eram muitos. [...] Esses
índios, mamelucos, mestiços e negros poderiam formar um povo?

No entusiasmo dos primeiros anos da Independência, José Bonifácio


respondeu a essa pergunta afirmativo e inovador. E, desde José
Bonifácio até Joaquim Nabuco, passando por Bernardo Pereira de
Vasconcelos, as indagações sobre o povo andavam emparelhadas com
outras, sobre as debilidades de um Estado liberal que se apoiava sobre
os escravos. A pergunta sobre como construir uma nação e um Estado
Liberal sobre uma sociedade de escravos só encontrou resposta na
perspectiva de Nabuco, que, como sabemos, descrevia a escravidão
no Brasil como um “fenômeno social total”. O que significa dizer que
para construir um Estado Liberal seria necessário destruir não apenas
a escravidão, mas também a “obra da escravidão”. Mais do que abolir
a escravatura, ele queria mudar a sociedade, reconhecer a cidadania
dos negros, e desse modo abrir os caminhos para a fundação (ou
refundação) da nação (WEFFORT, 2001, p. 345).

O autor aponta que a desigualdade foi interiorizada na sociedade brasileira e que o sentido de
igualdade vem ocorrendo fora da sociedade, ora pela Igreja, com a evangelização dos índios; ora pelo
Estado, com a abolição da escravatura e a hegemonia do trabalho livre. Nos dois casos, ainda que
houvesse uma mentalidade favorável da sociedade da época, o Estado agiu como se estivesse fora da
sociedade e introduziu as mudanças para modificar essa mesma sociedade.

122
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Em entrevista para a Revista História (2013), o autor afirma:

O Brasil é uma sociedade ainda em processo de formação. Tem 40 milhões de


pessoas aqui que não estão no mercado. Você não pode ter uma sociedade
moderna com tanta gente recebendo bolsa‑família. Muita gente está no
século XVI ainda. Estamos até agora discutindo o que fazemos com as terras
dos quilombos. Se o brasileiro mais moderno pegar um carro no Rio e sair
em boa velocidade para o interior do Estado, ele vai encontrar o século XIX,
o século XVIII, vai afundando e vai afundando. Chega um momento em que
ele para porque não tem nem coragem de ir mais. O Brasil tem coisas muito
modernas e avançou, mas ainda está no passado. Conhecer esse passado é
importante para se ter uma ideia de como mudar o presente (WEFFORT, 2013).

Francisco Weffort nos convida não apenas a prosseguir pensando e estudando o Brasil, mas também,
principalmente a continuarmos tentando encontrar soluções sociais, políticas e econômicas que
promovam mais igualdade e justiça sociais.

Resumo

Na unidade II deste livro estudamos o Brasil a partir da análise do


autoritarismo e do povo, ou seja, das massas.

Primeiro abordamos o fenômeno do coronelismo, sua formação a partir


da criação da Guarda Nacional, em 1831, e o traço comum de serem os
coronéis quase sempre grandes proprietários de terra, a quem era atribuído
o direito de ostentar uma patente e, subsequentemente, assumir o comando
social e político do município ou da região em que se encontravam.

Vimos também o quanto o coronelismo foi responsável pelo voto de cabresto,


forma utilizada para fraudar o resultado das eleições; destacou‑se, ainda, a
consolidação do fenômeno do compadrio, por meio do qual os apadrinhados
dos coronéis influentes na política conseguiam alcançar ascensão social e
econômica, independentemente de possuírem méritos para isso.

Ressaltamos os pormenores do autoritarismo e sua influência no


pensamento político. Destacamos, em especial, o movimento tenentista e
suas consequências para o Brasil, o final da política de alternância de poder
das oligarquias cafeeira e leiteira de São Paulo e Minas Gerais, bem como a
forma pela qual o ambiente ficou propício para a Revolução de 1930, que
levou Getúlio Vargas ao poder.

Depois analisamos o populismo e o marco histórico do Estado Novo


implantado por Getúlio Vargas em 1937, ancorado nos benefícios para
123
Unidade II

as classes trabalhadoras, que, no entanto, eram fortemente controladas


pelos sindicatos, os quais, a rigor, estavam a serviço do poder federal;
estavam tão atrelados que passaram a ser chamados de pelegos, ou
seja, aqueles que atuavam exatamente para conciliar interesses de
trabalhadores e do Estado, embora estivessem mais atentos para atender
às determinações estatais.

Por fim, analisamos as bases fundamentais do pensamento político de


seis importantes pensadores brasileiros: Joaquim Nabuco, Oliveira Viana,
Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Caio Prado Júnior e Francisco
Weffort.

Exercícios

Questão 1. Leia os poemas a seguir:

Irene no Céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:


– Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
– Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

Fonte: Bandeira (2008).

Tudo de novo

Minha mãe, meu pai, meu povo


Eis aqui tudo de novo
A mesma grande saudade
A mesma grande vontade
Minha mãe, meu pai, meu povo

Minha mãe me deu ao mundo


De maneira singular
Me dizendo a sentença
Pra eu sempre pedir licença
Mas nunca deixar de entrar

124
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Meu pai me mandou pra vida


Num momento de amor
E o bem daquele segundo
Grande como a dor do mundo
Me acompanha onde eu vou

Meu povo, sofremos tanto


Mas sabemos o que é bom
Vamos fazer uma festa
Noites assim, como essa
Podem nos levar pra o tom

Fonte: Veloso (2007).

Assinale a alternativa correta:

A) A ideia central que une os dois poemas é o pedido de licença que sinaliza um aspecto subalterno
em uma relação entre pessoas. Esse pensamento está associado com o que Joaquim Nabuco
chamou de “a obra da escravidão”.

B) Os dois poemas sinalizam o aspecto de cordialidade do povo brasileiro, expresso no pensamento


de Sérgio Buarque de Holanda.

C) Os poemas tratam de questões religiosas e de família, bases do pensamento político de Oliveira


Viana, que era conservador e autoritário.

D) O pensamento central que une os poemas é a manutenção dos valores familiares, que são uma
forma de estamento, como propõe Raimundo Faoro.

E) Os poemas traduzem a singularidade social brasileira, que é marcada pela alegria e pela festa,
porque na história brasileira não conhecemos guerras nem sofrimentos como outros povos.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: a Irene do poema de Manuel Bandeira chega aos céus pedindo licença para São Pedro
porque carregou com ela a marca da submissão do negro perante o branco já de outra vida. Em outras
palavras, uma vez escrava, para sempre escrava. A canção de Caetano Veloso propõe que todos devem
pedir licença a todos como forma de respeito, mas nunca devem deixar de entrar, porque todos têm
direito de ir e vir, liberdade de escolha. Joaquim Nabuco, em sua teoria da “obra da escravidão”, apontava
exatamente para esse aspecto nefasto da escravidão: ela poderia ser abolida por lei, mas não sairia de
125
Unidade II

imediato da consciência e da cultura brasileira. Ou seja, ele apontava que o preconceito permaneceria
por muitos anos na civilização brasileira, mesmo que a escravidão já tivesse sido abolida por lei.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: no pensamento de Sérgio Buarque de Holanda vamos encontrar estudos sobre a teoria
do “homem cordial”. Contudo, neste caso específico, a letra da canção de Caetano Veloso não trata de
cordialidade, mas sinaliza até certo enfrentamento, pois ele se manifesta a favor de pedir licença como
forma de respeito, mas que ninguém deve deixar de entrar porque tem direito de escolher aonde quer
ir e onde quer ficar.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: o pensamento de Oliveira Viana utilizava a ideia do autoritarismo como um elemento


necessário da organização social e política, porém temporário, e não perpétuo. Ele também foi
conservador e estudioso de questões sensíveis como raça, que lhe valeram críticas severas sobre racismo.
Entretanto, aspectos religiosos e família não estavam no cerne de suas principais reflexões.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: Raimundo Faoro trabalhou com a construção teórica sobre os estamentos sociais, que
seriam diferentes das classes e impediriam maior mobilidade social. Contudo, ele fundamentalmente
discutiu as raízes do patrimonialismo brasileiro. Assim, a manutenção dos valores da família não é um
aspecto da obra de Raimundo Faoro.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a trajetória histórica e social da sociedade brasileira é marcada por conflitos,


tensões, sofrimentos e até guerras, como a Guerra do Paraguai, a Revolução Farroupilha, a Sabinada,
dentre vários outros. É pouco científico afirmar que o Brasil tenha trajetória histórica linear, sem
conflitos e com predominância de alegria e festas. É uma análise sem fundamentos históricos,
políticos e sociais.

Questão 2. O poema se chama Pedro João Boa‑Morte, cabra marcado para morrer, e sua autoria é
de Ferreira Gullar. Leia o trecho a seguir:

Vou contar para vocês


um caso que sucedeu
na Paraíba do Norte
com um homem que chamava
Pedro João Boa‑Morte
lavrador da Chapadinha:
talvez tenha boa morte
porque vida ele não tinha.
126
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

Sucedeu na Paraíba,
mas é uma história banal
em todo aquele Nordeste.
Podia ser no Sergipe,
Pernambuco ou Maranhão,
que todo cabra da peste
ali se chama João
Boa‑Morte, vida não.

Morava João nas terras


de um coronel muito rico,
tinha mulher e seis filhos,
um cão que chamava “Chico”,
um facão de cortar mato,
um chapéu e um tico‑tico.

Trabalhava noite e dia


nas terras do fazendeiro,
mal dormia, mal comia,
mal recebia dinheiro;
se não recebia não dava
para acender o candeeiro.
João não sabia como
fugir desse cativeiro.

Olhava pra’s crianças


de olhos cavados de fome,
já consumindo a infância
na dura faina da roça.
Sentia um nó na garganta.
Quando uma delas almoçava
as outras não, a que janta
no outro dia não almoça.

Olhava para Maria,


sua mulher, que a tristeza
na luta de todo o dia
tão depressa envelheceu.
Perdera toda a alegria
perdera toda a beleza
e era tão bela no dia
que João a conheceu.

127
Unidade II

Que diabo tem nesta terra,


neste Nordeste maldito,
que mata como uma guerra
tudo que é bom e bonito?

Assim João perguntava


para si mesmo e lembrava
que a tal guerra não matava
o coronel Benedito!

Essa guerra do Nordeste


não mata quem é doutor
não mata quem é dono de engenho,
só mata cabra da peste
só mata o trabalhador.
O dono do engenho engorda,
vira logo senador.

[...]

Fonte: Gullar (2009).

Leia as afirmativas a seguir:

I – O coronelismo no Brasil foi favorecido pelo fato de que as grandes extensões de terra,
os latifúndios, dificultavam o convívio social, a troca de ideias entre trabalhadores rurais e a
presença do Estado, o que tornava o proprietário da terra autônomo e independente para agir
como quisesse.

II – O coronelismo no Brasil ocorreu de forma isolada no Nordeste porque a população rural era
maior que a população urbana.

III – Decorrentes do coronelismo temos o apadrinhamento e o compadrio, práticas de favorecimento


que desconsideram o mérito pessoal e estimulam um comportamento de cumplicidade entre as partes
envolvidas.

IV – O apadrinhamento foi necessário para a ocupação de cargos públicos administrativos no Brasil,


porque após a Independência existiam poucos profissionais em condições de suprir as necessidades de
organização do Estado brasileiro.

V – Embora os coronéis sejam mais conhecidos por suas práticas despóticas e de violência, também
contribuíram para o desenvolvimento de algumas regiões do país.

128
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO

É(são) correta(s) a(s) afirmativa(s):

A) II e III.

B) I, III e V.

C) II, III e IV.

D) I, IV e V.

E) II, IV e V.

Resolução desta questão na plataforma.

129
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

3570-IMAGEM_DE_DESTAQUE.JPG. Disponível em: <http://sindjufpb.org.br/sites/default/files/


imagecache/noticia_interna/uploads/noticia/3570-imagem_de_destaque.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2015.

Figura 3

15022011‑EF1_3760.JPG. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/


gallery_assist/29/gallery_assist663419/prev/15022011‑EF1_3760.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2015.

Figura 4

46A15F1.JPG. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/aulas/8514/


imagens/46a15f1.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2015.

Figura 5

CALIXTO, B. Moagem da cana na Fazenda Cachoeira. [s.d.]. Óleo sobre tela. 105 cm x 136 cm.

Figura 6

IMAGE.JPG. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/old/copy_of_imagens/sobre/historia/


personagens‑historicos/jose‑bonifacio‑de‑andrada‑e‑silva‑1763‑1838/jose‑bonifacio‑de‑andrada
‑e‑silva‑o‑patriarca‑da‑independencia/@@images/image.jpeg>. Acesso em: 21 jan. 2015.

Figura 7

RESOLVER.JPG. Disponível em: <http://www.brasiliana.usp.br/djatoka/resolver?url_


ver=Z39.88‑2004&rft_id=159195936868547066551459007703316879287&svc_id=info:lanl‑repo/
svc/getRegion&svc_val_fmt=info:ofi/fmt:kev:mtx:jpeg2000&svc.format=image/jpeg&svc.
level=2&svc.rotate=0&svc.region=0,0,256,256>. Acesso em: 21 jan. 2015.

Figura 8

RUIBARBOSA_FOTO1.JPG. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/paracriancas/img/rui/


ruibarbosa_foto1.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2015.

Figura 9

337‑1‑6.JPG. Disponível em: <http://www.brasiliana.com.br/uploads/obras/337/img/337‑1‑6.jpg>.


Acesso em: 21 jan. 2015.

130
Figura 10

MINIATURA&ID=816.JPG. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/util/imagem.


asp?tamanho=miniatura&id=816>. Acesso em: 21 jan. 2015.

Figura 11

PROCISSAONOACAMPAMENTO.JPG. Disponível em: <http://people.ufpr.br/~lgeraldo/


procissaonoacampamento.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2015.

Figura 12

133421_M.JPG. Disponível em: <http://www2.al.rs.gov.br/filerepository/


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Figura 13

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O TEMPO e o vento. Direção: Jayme Monjardim. Brasil: Downtown Filmes, 2012. 115 min.

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