A constituição dos estados nacionais e o poder da monarquia: capitalismo mercantil, religião e o pensamento burguês
Elementos em comum nas trajetórias de constituição de estados
nacionais sob o absolutismo monárquico em Portugal, Espanha, França e Inglaterra, apesar da diferenciação histórica e cultural: modernização institucional subjacente à organização do poder real, centralizado e autoritário, sobre territórios conquistados por invasores ou acertados nos casamentos dinásticos; ordenamento centralizado na figura do rei, que se faz assessorar por um conselho. Os estados nacionais e a Igreja
A Igreja Católica tentou deter a onda de nacionalismos
e assegurar sua supremacia sobre os Estados nacionais, variando, em cada realidade nacional, com certo sucesso, na Espanha e em Portugal e com relativo sucesso na França. Profunda crise política e perda de poder na Inglaterra; A Reforma Luterana, o Calvinismo, a Igreja Anglicana, o Puritanismo inglês e outros movimentos religiosos do século XVI não constituíram oposições aos estados nacionais absolutistas e sim divisões internas, de caráter religioso, nesses estados, às quais os reis tiveram de respeitar sob a pena de causar a instabilidade dos governos. Estados nacionais, monarquias, mercantilismo e religião: Portugal
Um estado nacional português independente se deu para além
das lutas de Afonso Henriques pela retomada de territórios aos mouros ou pela defesa de interesses portugueses perante Castela. Coube a Afonso II buscar apoio político e servil nas camadas populares, criar comunas, estimular os conselhos que davam renda e suporte militar ao estado e assegurar uma administração impessoal. João I imprimiu organização ao estado (Ordenações Afonsinas, 1446), resgatando, do direito romano, as linhas básicas do pensamento jurídico na direção do absolutismo monárquico, compatível com a definição comercial da economia, aproximando o rei dos comerciantes e banqueiros. Estados nacionais, monarquias, mercantilismo e religião: Espanha
O casamento de Isabel (de Castela e Leão) com Fernando
(de Aragão) permitiu a unificação das Espanhas, a incorporação de Navarra e vencer os mouros em Granada, em 1492. Para consolidar a unificação dos reinos, a Coroa Espanhola deu início à construção de uma identidade cristã nacional, usando a antiga instituição medieval católica: a Inquisição. O Papa Sisto IV, por insistência de Isabel, autorizou o Tribunal do Santo Ofício em Sevilha, sob a direção do dominicano Tomás de Torquemada, confessor da rainha. Os Autos de Fé, cerimônias públicas de aplicação das sentenças de morte e tortura, visavam protestantes e judeus denunciados por não seguirem a “verdadeira fé” (catolicismo romano). Inglaterra
Em 1066, o Duque Guilherme, da Normandia (uma região da
França), conquistou a Inglaterra aos reis saxões que a ocupavam, por isso, passou à história como Guilherme, o Conquistador. Essa dinastia normanda foi importante do ponto de vista cultural, mas o perfil da monarquia inglesa adquiriu traços nacionais decisivos com a ascensão de Henrique II (Henrique d’Anjou) ao trono, dando início à dinastia dos Plantagenetas (1154-1399). Henrique II e Leonor, duquesa de Aquitânia, foram os pais de Ricardo Coração de Leão e de João Sem Terra, dois reis irmãos, grandes rivais e fundadores da monarquia inglesa. Inglaterra: Henrique II e seu filho, João I
Henrique II convocou jurisconsultos, introduziu mudanças na
lei e trâmites da justiça (juízes itinerantes), integrando novas normas ao direito consuetudinário inglês (Common Law); cobrança de impostos sobre a renda e as propriedades (fortalecer tesouro e enfraquecer senhores feudais); Criação do júri de instrução (Grand Jury); Outorga das Constituições de Clarendon, separação entre poder eclesiástico e político (contra Thomas Beckett). João I, Rei da Inglaterra (1199 a 1216), ou João Sem Terra, pressionado por 26 barões, membros do alto clero e outros “servidores fiéis” do rei, firmou a Magna Carta em 1215. A magna carta, o rei e os barões
Um documento de 63 parágrafos que estabelece regras
básicas e normas na condução das práticas governativas em relação ao poder feudal, afirma a liberdade da Igreja, direitos e liberdades dos homens, as normas reais para concessões de terras e cobrança de impostos, liberdade para os mercadores se deslocarem, entrarem e saírem da Inglaterra e instala um sistema de justiça. A Carta foi confirmada pelo rei Eduardo I em 1297, demonstrando a persistência dos confrontos entre rei e súditos (as duas Guerras dos Barões). O documento é considerado um primeiro passo na institucionalização das relações entre rei e súditos, estabelece princípios que foram reafirmados e ampliados no século XVII, após a Revolução Gloriosa, com a assinatura do Bill of Rights. Guerra dos 100 anos: França e Inglaterra
As relações entre França e Inglaterra compreendiam uma rede
de vínculos dinásticos, senhoriais de vassalagem, territoriais, econômicos e comerciais, dando origem a conflitos de várias modalidades, inclusive os que desencadearam a Guerra dos 100 anos (que durou 116 anos e não foi contínua): Eduardo III, Rei da Inglaterra, se candidatou para suceder Carlos IV, filho de Felipe IV, o Belo, no trono da França porque, como Duque de Aquitânia e um dos Pares da França, era vassalo do rei francês, mas um tribunal constituído por Pares da França deu preferência a Felipe de Valois, depois Felipe VI. Este foi um motivo para o início das hostilidades, mas não o fundamental: Ao término da guerra, em 1453
A sucessão de Eduardo III, o primeiro rei falando inglês,
deu origem à Guerra das Rosas, uma guerra civil entre duas famílias descendentes de Eduardo III, ambas com pretensões ao trono: York, Rosa Branca e Lancaster, Rosa Vermelha. O final da guerra deu início à dinastia Tudor com Henrique VII, cujo filho mais velho, Arthur, foi prometido para Catarina de Aragão, filha dos reis de Espanha, então o país mais rico e poderoso da Europa. Todavia, Arthur faleceu, coube, dessa forma, a Henrique VIII (1509-1553) casar-se com a viúva do irmão. Desse casamento nasceu uma filha, Mary, que se casou, mais tarde, com Felipe II, o filho de Carlos V, da Espanha. Os Tudors: Henrique VIII
Henrique VIII rompeu com a Igreja Católica e fundou a Igreja
Anglicana, com profundas consequências políticas e econômicas para a Inglaterra. Henrique VIII confiscou terras e propriedades da Igreja Católica na Inglaterra e em Gales, provocando mudanças fundamentais na economia e na sociedade inglesas: o rei destinou parte do confisco à nobreza que o apoiara, parte ofereceu aos burgueses ricos, mas a preços módicos, outra parte às Universidades de Oxford e Cambridge, que passaram a apoiá-lo. A terra, transformada em bem de produção, inclusive produção de lã, comercializada com Flandres, ficou submetida à alta de preços, assim como os produtos. Elizabeth I
Elizabeth I foi hábil na condução da política econômica,
estimulou a expansão dos mercados, o ataque aos navios espanhóis procedentes da América, carregados de ouro e prata, criou a Companhia das Índias Orientais, ou “Company of Merchants of London Trading to the East Indies”, que existiu durante 250 anos com frota e exército próprios e uma receita bruta superior à do governo, apoiou o desenvolvimento das manufaturas; venceu a Espanha, lutou contra a Irlanda, apoiou a ciência, a educação e a cultura. Quanto à religião, foi tolerante, manteve a posição anglicana e se opunha aos chamados Puritanos, menos por questões teológicas do que políticas e enfrentou, também por questões políticas, o catolicismo extremado da Irlanda. Interatividade
Qual das proposições abaixo não corresponde à verdade dos
fatos? a) O Rei Henrique VIII, da dinastia Tudor, ratificou o documento conhecido por Magna Carta. b) Elizabeth I soube controlar a oposição do Parlamento e estimular a economia. c) Mary I desenvolveu intensa perseguição religiosa aos protestantes. d) A negociação das terras da Igreja provocou mudanças significativas na estrutura de classes na Inglaterra. e) Henrique VIII enfrentou o Papa e instaurou a Igreja Anglicana. Os primeiros Stuarts
Sucederam à Elizabeth dois reis da casa de Stuart: James I e
Charles I. O Rei James I estimulou a colonização (dos EUA) por companhias tipicamente capitalistas, as chamadas Joint Stock Company, (Virginia Company of Plymouth e Virginia Company of London), sociedades por ações, diminuindo o risco de investimento entre os muitos interessados. James I fortaleceu a Igreja Anglicana, combateu católicos, calvinistas e puritanos na Inglaterra, Escócia e Irlanda, mas sua política absolutista desagradou e provocou atritos com o Parlamento, que se agravaram após sua morte, em 1625, com a ascensão de Carlos I ao trono e que pretendeu governar sem o Parlamento. 1645: a República na Inglaterra
A Câmara dos Comuns, constituída por burgueses notáveis
e a pequena burguesia rural (roundheads), majoritariamente puritana, assumiu a liderança da oposição com Oliver Cromwell, dando início a uma guerra civil que promoveu uma série de mudanças políticas no Estado. Cromwell assumiu a chefia do governo como Lorde Protetor, cargo vitalício e hereditário, eliminou a Casa dos Lordes, implantou uma República Ditatorial, expandiu os interesses coloniais da Inglaterra, dando forma e força ao mercantilismo inglês com medidas protecionistas. Nessa época, os Niveladores (Levellers) aparecem na cena política como grupo independente, eles eram defensores da tolerância religiosa e do liberalismo dos séculos XVIII e XIX. Foi nesse período que Hobbes escreveu sua mais famosa obra: “O Leviatã”. A Revolução Gloriosa
O Parlamento, então, declarou vago o trono e indicou Mary
(filha de Jaime II, protestante) casada com William de Orange (holandês e calvinista) para ocupar o trono da Inglaterra, como Mary II. Este movimento de 1688 foi denominado Revolução Gloriosa, mas, na verdade, foi um golpe de Estado. Mary II permaneceu no trono até sua morte, em 1689, por varíola. Seu marido foi quem, na verdade, governou, embora não fosse bem aceito na Inglaterra. Dele partiram decisões importantes, como a criação do Banco da Inglaterra (1694) e saneamento das finanças, impulsionando o capitalismo inglês. A Declaração de Direitos
Os reis tiveram que firmar a Declaração de Direitos, aprovada
depois pelo Parlamento, reconhecendo os direitos do povo inglês e aceitando a supremacia do Parlamento sobre as decisões da Coroa. Da Revolução Gloriosa, de 1688, a Inglaterra saiu como um Estado liberal-burguês, instalando o regime monárquico- parlamentar, representando um acordo entre burguesia, nobreza e realeza, do qual ficava excluído o povo, constituído pelos trabalhadores do campo e das cidades. Em 1700, o Parlamento elaborou novo documento, Ato de Estabilização, para limitar poderes da Coroa e assegurar direitos e liberdades dos súditos, o Ato foi ratificado posteriormente. França: Felipe IV, o Belo (1285 a 1314)
Ele submeteu o Conde de Flandres a uma série de obrigações
políticas e econômicas de indenização de guerra; adotou medidas monetárias, manipulou o valor da moeda, obrigou os cambistas a operar nos escritórios reais; reestruturou a política fiscal, taxando pesadamente os súditos não nobres (burgueses); expulsou os banqueiros lombardos, aplicou impostos ao alto clero e exigiu que bispos e abades lhe devessem obediência (essas duas medidas provocaram a crise entre Igreja e Coroa); determinou a conversão obrigatória dos judeus (mediante pagamento) ou sua expulsão do reino. Felipe IV e a estruturação da monarquia
Dois órgãos ou instâncias de governo estavam centrados
na pessoa do rei: Um organismo de consulta, o conselho, no qual os legistas constituíam uma parcela, não sua totalidade, utilizado na elaboração da política de governo e na sua execução administrativa; Um organismo de consentimento, a assembleia, por vezes utilizado como força de suporte para sua política. O rei podia convocar a assembleia quando quisesse e a constituía ao seu gosto. Por princípio ou premissa era admitido o acordo tácito, implícito na convocação. Essas assembleias deram origem aos Estados Gerais. Felipe IV teve como preceptor Gilles de Rome. Tendências centrais na trajetória do absolutismo monárquico francês
Ênfase na construção do Estado territorial, os reis vão
centralizando poder na medida em que saem vitoriosos; Conflitos na superação das instituições feudais, porque impostos e taxas passam a ser devidos ao rei; Cuidado na elaboração jurídico-institucional das mudanças, daí a importância dos “legistas”, do judiciário e das normas processuais; Atrasos na elaboração de política econômica, remodelação das atividades produtivas, adequando-as ao mercantilismo e às exigências do capitalismo manufatureiro; Ênfase na articulação entre órgãos de governo, instaurando a burocracia administrativa do Estado. Dois séculos depois de Felipe IV
Francisco I (1515) mantém o centralismo como estratégia
política, mas a estrutura de poder se torna cada vez mais pessoal, com membros do conselho e clérigos do palácio substituídos por senhores de fortuna. Uma “nobreza de emergentes”, formada no comércio, foi ocupando cargos no Estado e se apropriando dos privilégios da antiga nobreza; as contradições de interesses vão explodir mais tarde, nos movimentos das Frondas; A França se tornara um Estado quase moderno, centralizado, com fronteiras asseguradas. Nobreza e burguesia colaboram com o rei e mantêm as classes populares submissas. O rei se associa ao Papa para impedir a Reforma de romper esse arranjo. Luís XIII (1601-1643) e seu ministro, o Cardeal Richelieu: os tempos de “Os três mosqueteiros”
Uma política inspirada em parte em Maquiavel e Hobbes, mas
principalmente em autores franceses: Guez de Balzac, Cardin Le Bret e Philippe de Béthume. O absolutismo figura como “razão de Estado”, argumentação de Luís XIII e de Richelieu. Maquiavel escreveu “O Príncipe” (1532). Situa a prática política dos reis acima da lei moral, uma postura pragmática à qual se pode adicionar uma ética finalista, visando o Estado. Cardin Le Bret, um jurista, escreveu, em 1632, sobre a Soberania do Rei, que, segundo ele, goza de independência absoluta. Philippe de Béthume publica, em 1633, O Conselheiro de Estado, anotações sobre a política moderna do servidor, revelando afinidades com o curso da política francesa. Luís XIV, o Grande Rei ou o Rei Sol e Mazarin: o absolutismo francês em sua expressão máxima
O Cardeal era italiano, não aceito pelos franceses, o que
provocou movimentos (Fronda) de revoltas de parlamentares, de segmentos da nobreza e do povo de Paris (barricadas), a família real teve de fugir. Luís XIV era católico, não contestava a autoridade do Papa, revogou o Edito de Nantes, reiniciou a perseguição aos judeus, retomou a perseguição aos protestantes e jansenistas (católicos que contestavam o poder absoluto), provocando revoltas e reflexos desastrosos na economia. Impôs ao clero uma declaração de quatro princípios, proclamando a autonomia da Igreja da França perante o Papa e sob a direção do rei. Luís XIII e Luís XIV: faces do absolutismo francês
Luís XIV manteve-se afastado do povo, exercendo poder
absoluto. Quando faleceu, a monarquia estava consolidada, mas os cofres vazios. Os parlamentares esperavam, sem muita ilusão, retomar o poder. Para o Rei, o Estado e sua pessoa estavam ligados para sempre: a glória de um seria a de outro. Enquanto Luís XIII exerceu o poder absoluto visando ao Estado, Luís XIV o exerceu centrado em sua pessoa, em sua religião e em sua glória, desse plano pessoal ele imaginava contaminar o Estado com glória e poder. Os dois Cardeais e o poder absoluto na França: Richelieu e Mazarin
Richelieu trata da arquitetura política do Estado francês e
de sua condução em suas obras, assim, ele se distingue de Hobbes, que pretende construir uma ciência da política e se aproxima de Maquiavel, apesar de descrever seu legado de experiência de um lugar muito próximo ao do rei. Para ele, o pragmatismo e considerações morais estão estritamente ligados, então, o Cardeal ensaia “conciliar a ética cristã com o interesse do Estado, para cobrir, com a razão de Estado, a da moral”. Mazarin é afeito às intrigas palacianas, apto a percebê-las, a se situar no nível mais concreto das articulações de poder, o das relações pessoais. Seu livro surpreende pela análise calculista e individualista dessas relações, visando o poder. O padre teólogo professor do absolutismo: Jacques-Bénigne Bossuet (1627-1704)
Para o rei, essa posição de “paternidade” entre o rei e seu
povo, levava à fidelidade e à obediência: cabia ao rei o exercício do poder e ao súdito o exercício da obediência. A síntese do absolutismo monárquico em Bossuet (um rei, uma lei, uma fé) aponta para o catolicismo da França (gálico), era crítico e intolerante com todas as demais tendências religiosas, inclusive católicas. Bossuet era contra: as ideias políticas de Maquiavel e Hobbes, por terem base racional; a partilha institucional do poder com ministros fortes (Richelieu e Mazarin), ou com um Parlamento (monarquia parlamentar). Todos esses modelos, para ele, seriam convites à anarquia, ao sofrimento do povo e à humilhação do príncipe. Interatividade
Abaixo, algumas observações sobre figuras do absolutismo
monárquico francês. Qual delas está errada? a) Bossuet era padre, teólogo, retirou da Bíblia exemplos do exercício de poder real para ensinar seu pupilo, o Delfim da França. b) Mazarin, Cardeal, desenvolveu teorização do absolutismo real comparável à de Maquiavel e Hobbes em importância. c) Richelieu concentrou sua análise na arquitetura política do Estado. d) Felipe II, o Augusto, é considerado fundador do estado nacional francês. e) Henrique IV definiu uma política para o absolutismo real que, a partir dele, assume contornos nítidos e institucionais. O Crepúsculo do absolutismo monárquico na França: Luís XV (1710-1774) e Luís XVI (1754-1793)
Luís XV não foi um bom rei, embora contasse com o apoio
dos franceses no início de seu governo, mas foi perdendo esse apoio na medida em que se distanciava dos negócios do governo e tomava medidas autoritárias em um ambiente político delicado e tenso. Viveu em Versailles, afastado das condições de vida da população, sob a influência das tendências da corte, principalmente de suas amantes. Luís XVI (1754-1793) Os franceses tinham esperança nesse rei jovem, sério, culto, que não era dado às aventuras românticas, mas esse Luís ocupava seu tempo mais com caçadas do que com a política, e não foi capaz de enfrentar a crítica ao absolutismo monárquico nem fazer frente à pressão do alto clero e da nobreza e nem assinar a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. A Revolução Francesa em curso
Luís XVI convocou os Estados Gerais e tentando contornar
a oposição dos parlamentares, ampliou o Terceiro Estado. Na organização dessa Assembleia, a distribuição de seus integrantes no espaço é, até hoje, uma referência para tendências políticas: o terceiro estado, constituído pela burguesia francesa e setores da classe média, se sentava à esquerda do salão, enquanto o segundo estado – o clero, a nobreza – se sentava à direita. O rei se recusa a ratificar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e dissolve a Assembleia; mas o Terceiro Estado jura dotar a França de uma Constituição. Revolução Francesa : conclusão
Luís XVI foi preso, condenado por um tribunal revolucionário,
e guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. O mesmo destino teve sua esposa, Maria Antonieta e, na sequência, mais de 2000 nobres e agregados do “Ancien Régime”. Instala-se, na França, um Regime de Terror que só será contido com a constituição de um Consulado (Ditadura), com Napoleão Bonaparte. Quais as bases legitimadoras do poder do soberano e quais as bases de sua limitação?
Conceitos centrais à Ciência Política: legitimidade e legalidade,
e entre os dois, um terceiro: reconhecimento. Legitimidade do poder diz respeito à adesão voluntária às decisões que, emanadas do poder político, afetam a todos em uma comunidade, porque expressam legalidade, mas legitimidade deve ser ancorada em algo que transcenda o indivíduo, tanto aquele que exerce a decisão, quanto o outro sobre quem ela será exercida, portanto, é o reconhecimento público, da coletividade, que empresta legitimidade ao exercício do poder político. A legitimidade do poder político e a crença na racionalidade
A legitimidade do poder político apoiada na crença da
racionalidade permitiu a ordenação e a reformulação do Estado segundo um dado entendimento racional do mundo, sobretudo ancorado em discursos que instauraram estatutos jurídicos formais, obras da razão humana. Nesse caso, o Estado pode ser visto como uma construção racional e jurídica, da qual decorrem princípios normativos (leis) que podem ser ou não eficazes, no sentido de atingirem aos fins propostos. Consequentemente, esses princípios normativos podem ser alterados sem afetar a legitimidade de toda a construção racional (Estado) da qual decorreram tais princípios. O Governo, a lei, o rei e os súditos: Jean Bodin (1530-1596)
Jean Bodin conviveu com intolerância religiosa, misticismo,
perseguição e morte aos huguenotes, noite de São Bartolomeu, casamento de Henrique IV com Margot de Valois. Ele era um intelectual, jurista, membro do Parlamento de Blois e professor de Direito, legítimo representante desses tempos: um dos teóricos da construção do Estado a partir do conceito de soberania, Escreveu “Os seis livros sobre a República”. Era ferrenho monarquista, por isso, República tem aqui o sentido original de res publica e Método da História. Ele também escreveu um livro sobre demônios e feiticeiras, “De la démonomanie des sorciers” em 1580. Aspectos do pensamento de Bodin: tolerância religiosa
Fez parte de movimentos do extremismo católico, mas
apoiou Henrique IV que, como ele, também oscilava entre o calvinismo e o catolicismo. Com relação às divisões e guerras religiosas dentro da França, Bodin adota uma posição que hoje seria considerada “tolerante”, porque, sem deixar de reconhecer a presença das várias tendências religiosas irreconciliáveis, ele propõe situar o Estado acima disso e desloca a lealdade de todos os súditos para a pessoa do rei. Nas condições políticas de seu tempo, essa posição estratégica se afinava com uma tendência denominada “políticos”, que também propunha a tolerância religiosa e a figura do rei como representação da unidade do Estado francês, um argumento do absolutismo monárquico para favorecer a formação de uma identidade nacional francesa. Soberania
A relação básica que define o Estado é a que se dá entre
soberano e súdito, todas as outras relações, de caráter religioso, ético e social ficariam fora da teoria política. Essa sujeição é que torna o súdito cidadão. Entre os súditos pode haver os de religião distinta, os de língua distinta; entre os cidadãos pode haver os de costumes diferentes e os que se organizam em grupos de profissões diferentes, mas essas organizações não formam um estado, embora possam formar cites (nações) distintas, as “nações” não formam um estado, a menos que os cidadãos estejam submetidos a um soberano em comum. Importante notar que a soberania tem caráter absoluto e perpetuidade. Soberania: o poder soberano
O poder soberano deve estar acima das leis, a soberania
abrange todas as atribuições do soberano como chefe jurídico do Estado, o que implica autoridade do soberano sobre o direito consuetudinário, que ele sanciona ao permitir sua existência. O poder soberano não se submete às leis e nem cria para si leis especiais; esse é o traço distintivo do Estado e condição para preservar sua ordenação. Logo, esse poder deverá ser indivisível e perpétuo para expressar a soberania. Assim, para Bodin, as distintas formas de governo variam segundo a fonte desse poder. Aqui há uma distinção importante entre formas de Estado e de Governo. Soberania é indivisível
A soberania se caracteriza pelo poder de dar leis aos cidadãos
sem que, para isso, seja necessário o consentimento de qualquer instância. Na França e na Inglaterra, os Estados Gerais teriam uma função de assessoria, os conselheiros do rei devem ser consultados, mas o rei não deve submeter-se a eles, ou melhor, os conselhos não devem ser imperativos. Em suma, não existe poder soberano dividido, ele pode ser o rei, a assembleia ou o povo. Portanto, as formas de governo são constituídas pelo “aparato intermediário” pelo qual esse poder é exercido. Fonte e limitações à soberania
Em uma monarquia, a fonte de soberania é o rei, as demais
instâncias de poder, como ministros, cumprem função de assessoria. Mas se o rei está submetido a um parlamento ou assembleia, então o governo que existe é uma aristocracia e, finalmente, se o poder final de decisão ou de revisão reside em um órgão popular, então o governo é democrático. É importante notar que: o rei pode delegar poder à assembleia, ou parlamento, assegurando um governo democrático ou, inversamente, a assembleia ou parlamento pode concentrar o poder em um governo despótico. Interatividade
As proposições abaixo são fragmentos extraídos do
pensamento de Jean Bodin. Qual delas está correta? a) Bodin adotou postura intolerante com relação às divisões e guerras religiosas. b) Para Bodin, a lei não podia modificar o costume nem o costume modificar a lei. c) O conjunto de leis relativas à propriedade privada não constituía limitação para o poder do soberano. d) O poder do rei era absoluto, mas algumas leis só poderiam ser modificadas com aprovação do Parlamento. e) Para Bodin, era mais fácil para os súditos serem leais aos princípios jurídicos do que à pessoa física de um rei. O medo e a insegurança, a ideia de pacto entre o soberano e os súditos: Thomaz Hobbes (1588-1679) e a ciência
Como assegurar o interesse comum em uma sociedade que,
sob o efeito do capitalismo, diversificara classes, respectivos interesses, e religiões? Como assegurar base de sustentação para o governo, quando a sociedade já não se apresentava como uma comunidade? A resposta encontrada por Hobbes seria resultante de uma busca por fundamentos racionais do interesse privado, orientada pela razão. A sociedade política deveria criar uma forma de associação racional para governar os homens. Essa era uma exigência na Inglaterra de Hobbes e a concepção de “estado de natureza” pareceu ser uma nova possibilidade para pensar a política, sem recorrer à teologia, ou filosofia, mas à ciência. O estado de natureza
É uma criação artificial, racional, na qual os indivíduos são
construídos nas suas diferenças de classes, interesses, posses, mas na semelhança de desejos, o que instaura conflito e concorrência entre eles, portanto, a insegurança e o medo. No estado de concorrência, “o homem é o lobo do homem”; mesmo em tempos de paz, todos estão contra todos, dando origem à guerra, que impede as atividades de toda sorte, econômicas, intelectuais e artísticas, fazendo desaparecer o sentido privado de propriedade, na medida em que, o que pertence a um é desejado por outro. “O Leviatã”, o poderoso gigante protetor
Na obra “O Leviatã” ou “Matéria, Forma e Poder de um
Estado Eclesiástico e Civil”, Hobbes discute o estado como um homem artificial, mais forte e poderoso do que cada um dos indivíduos, necessário para protegê-los na medida em que todos têm em comum os mesmos desejos de riqueza, as mesmas noções de recompensa e de castigo. Esse estado é representado como uma metáfora da coletividade, na imagem de um gigante (Leviatã), que empunha espada e cajado episcopal e pela articulação entre poderes distintos: militar, religioso e político. Um pacto entre todos dá origem ao Estado, evita a luta e o medo, fundamenta o poder do rei ou da assembleia
Se o pacto é voluntário, sua preservação depende da ameaça
e castigo. Não são apenas as palavras que o sustentam, logo, confere ao rei o poder de castigo e armas para imposição. A sociedade política, em Hobbes, é instaurada por uma escolha racional, derivada do medo da guerra, mas se dirige à esperança de paz no Estado: todos se encontram representados na instância de poder constituída, todos se comprometem, entre si, com a obediência ao senhor que escolheram, mas o senhor ou soberano não se compromete. Ele não fez o pacto, foi escolhido por todos para representá- los, não houve delegação de poder, mas a radical alienação do poder de cada um para o Leviatã, que os representa coletivamente, exercendo uma vontade absoluta. O Estado pode assumir forma diversa, desde que o poder soberano seja indivisível
Aos homens que, no estado natural, gozavam de direitos
individuais em meio aos conflitos de interesses, restou a total submissão ao poder soberano instalado: eles têm deveres e não mais direitos individuais, sendo esse o traço fundamental na constituição da “cidadania”. Ao firmarem o pacto, os homens abriram mão da liberdade em nome de um governo autoritário, aceitaram a dominação em nome da proteção, seus interesses são então representados pelo poder soberano, exatamente por isso, a forma de Estado mais vantajosa para todos seria a Monarquia, no entender de Hobbes, visto que, se todos os súditos acumulam riquezas, o poder do Monarca será ampliado. Portanto, é do interesse do rei a riqueza, a glória e a segurança dos súditos. Aspectos gerais da concepção de Hobbes
A concepção de Hobbes é racional, fria, se aproxima
daquela de Maquiavel e para alguns dos seus intérpretes, é individualista e materialista. Estão ausentes de seu pensamento quaisquer referências à justificativa religiosa do poder civil dos reis e finalidades outras que não sejam a proteção de cada um, de suas riquezas e interesses em face dos interesses da ambição dos demais. Consequentemente, o poder de legislar fica concentrado no soberano, mas a lei é um artifício decorrente da instituição do Estado: fora dele não há direito e nele todo direito decorre da lei, que, por definição, não pode ser injusta. As leis decorrem da vontade do soberano, logo, ele está submetido a elas enquanto não as revogar. Todavia, o direito de promulgar leis e de revogá-las é dele. Quais seriam os deveres do soberano com relação aos súditos?
O soberano deve garantir aos súditos segurança para
realização das satisfações, cabendo ao Estado as medidas que permitam trabalho, educação, encaminhando os súditos para o sucesso. Cabe aos súditos a inocente liberdade permitida pela lei e as leis devem ser explicadas ou justificadas para serem racionalmente obedecidas. O indivíduo-cidadão, em Hobbes, se constrói no Estado, por um processo político, na relação com o poder, mas não se trata de um indivíduo temeroso, de um sujeito da sujeição, mas daquele considerado curioso e sábio. Hobbes submete a Igreja ao Estado ou à soberania. Ela, a soberania, não é o poder de fazer não importa o quê. Qual o papel do Estado com relação à economia e à propriedade privada no século XVII?
Nas Províncias Unidas da Holanda, que se destacavam na
economia mercantilista, no ambiente político de tolerância religiosa, o consentimento ao pacto explica a sociedade e o Estado como autoridade pública, soberana do próprio grupo. Esse é o fundamento da teoria de soberania de Althusius. Em contrapartida, as relações econômicas entre estados, questão central ao capitalismo mercantilista em expansão, aparece em Grocio, cuja reflexão política é marcada pela importância reguladora do direito positivo. Em Hobbes, ao modelo de estado absolutista, corresponderia um governo liberal, não intervencionista, conservador, enfim, um governo que mantivesse as lutas políticas sob controle, mas ampliando as oportunidades de negócios. Bodin (século XVI, na França) e Hobbes (século XVII, na Inglaterra)
Ambos refletem sobre o Estado, sua constituição no marco do
absolutismo monárquico na França, de influência católica na Inglaterra anglicana e calvinista. Ambos os pensadores enfrentaram a espinhosa questão dos limites ao poder absoluto em face das normas jurídicas, da convenção e dos presumíveis direitos dos cidadãos. Todavia, os amantes do autoritarismo sempre evocam Hobbes para justificar a paz de um “governo forte”. O argumento, além de impreciso, porque ignora as modulações do pensamento do autor, tem sido utilizado pelos temerosos de perder privilégios e riquezas, servindo a distintas ditaduras, inclusive na elaboração teórica de Golbery do Couto e Silva para a ditadura. O “direito” instituído nessas condições apenas expressa e aplaca aquele medo. Interatividade
Qual dessas proposições está correta?
a) Portugal e Espanha se organizaram como estados nacionais após a descoberta do Novo Mundo. b) Na Inglaterra, a luta entre nobres e Coroa se estendeu por largo período, envolveu a consolidação do Parlamento em duas casas. c) A França não enfrentou guerras para consolidação do estado nacional. d) A nobreza francesa foi a grande articuladora do estado nacional francês, juntamente com o clero. e) A instalação do Tribunal do Santo Ofício, em Lisboa, tinha por objetivo reforçar a identidade nacional cristã portuguesa. ATÉ A PRÓXIMA! Unidade II
PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO
Profa. Neusa Meirelles
Os fundamentos econômicos e políticos do pensamento liberal burguês
Há dois sentidos básicos para liberal: o econômico,
designando o modelo clássico da economia de mercado, caracterizado pela lei da oferta e da demanda, descrita por Adam Smith no século XVIII, na Escócia. Os agentes econômicos interagindo livremente no mercado instauram concorrência que equilibra os preços. Essa versão clássica da palavra liberal remete a uma economia livre de interferências, sobretudo do governo. Ao mencionar interferência de governo, a palavra liberal desliza de seu significado estritamente econômico para o difuso campo dos conceitos políticos. Liberal, neoliberal, pós-neoliberal
Deve-se ter claro que o modelo de mercado que inspirou a
economia clássica não existe mais: há muito a economia capitalista é gerida por agentes corporativos, preços administrados, não obstante continuar capitalista. O Estado interfere na economia como suporte das atividades econômicas, mesmo que o governo se intitule liberal. Na dinâmica econômica neoliberal dos anos 90, movida pelo capital financeiro e pela tecnologia de gestão, foram exigidas estratégias governativas adequadas, referidas como sendo “política neoliberal”. Seguiu-se uma fase de adaptações e a definição de novas estratégias políticas, caracterizando a tendência contemporânea, denominada por política “pós-neoliberal”. Pensamento liberal burguês
O pensamento liberal burguês abrange um conjunto
diversificado de ideias que dizem respeito à dimensão econômica das políticas dos Estados Nacionais, para as quais, a burguesia não somente forneceu recursos de sustentação, como participou de sua elaboração. Há variantes desse processo na história dos estados europeus e, por conseguinte, na história das colônias desses estados. Na medida em que a burguesia se constituiu como classe social, sua atuação política se fez no âmbito da sociedade civil, instância a que ela mesma deu origem, mas essa formação nas colônias foi diversa. A ordem social burguesa
Na ordem burguesa capitalista, a terra passa a integrar o
conjunto de bens passíveis de negociação no mercado, adquirindo outro sentido: além de ser um bem familiar (herança), ela possui valor associado ao seu potencial de exploração produtiva. O proprietário da terra deixa de exercer dominação sobre as pessoas que nela habitavam e produziam, dividindo com ele o produto, as relações passam a contratuais remuneradas, e regidas por legislação específica, inclusive fiscal. Outra situação acontece, mesmo na economia capitalista, quando são restritas as possibilidade de acesso à terra, como se passou no Brasil, nos seringais, engenhos e mesmo em fazendas modernas. Quais as bases do pensamento burguês?
Iluminismo, cuja origem se encontra no Renascimento,
(expansão mercantil, ascensão da burguesia e consolidação dos estados nacionais), compreendendo: o iluminismo francês, cujas raízes mais profundas se vão encontrar no racionalismo cartesiano, presente nos enciclopedistas (Diderot, Rousseau, Voltaire, Montesquieu, e outros); o iluminismo escocês, cujas raízes mais profundas se encontram em Bacon e Newton, Adam Smith, John Locke e David Hume. Os dois movimentos mantêm estreita relação, emergindo em meio às mudanças sociais em processo, tanto no Reino Unido quanto na França. Estado e Governo: Locke (1632-1704) o filósofo da revolução inglesa, pai do pensamento liberal
Filósofo empirista, individualista, conservador, Locke é,
filósofo da classe privilegiada, da burguesia que assumira o controle da política por meio do Parlamento. Autor de obras fundamentais em política, ambas de 1690: “O Ensaio sobre o Entendimento Humano”, em filosofia, e “Dois Tratados sobre o Governo Civil”. Concebe o ser humano como racional, em busca da felicidade, alcançada com a paz, harmonia e segurança; no estado original, ou estado da natureza, não havia o contrato social nem o estado civil, contudo, já havia a propriedade. Locke concebe esse estado da natureza como um momento pelo qual passou toda a sociedade humana e admite que alguns povos ainda estejam nele. Por que o contrato social e a passagem para o estado civil, se o estado natural é pacífico?
Contrato: a propriedade de uma parte da terra e comércio da
produção acarretam aumento de riqueza de uns em detrimento de outros, acentuando diferenças e lutas entre os mais ricos e os demais. O contrato social foi o meio racional de resolver essa situação, mas, com ele, aquele grupo sai do estado natural para se constituir como estado civil ou, mais precisamente, como uma sociedade política. O estado civil preserva os direitos já existentes no estado natural (liberdade, vida e propriedade) e institui princípios normativos (leis, juízes) que não somente resguardam os direitos como obrigam seu cumprimento e obediência. O corpo governativo
É a segunda etapa no processo de constituição da sociedade
civil, ele deve ser eleito por uma maioria, mas respeitando o direito da minoria. Em sequência, dá-se a constituição de um Poder Legislativo. A sociedade civil ou sociedade política não é uma abstração teórica, mas resulta de uma trajetória constitutiva em que se firmam os vínculos sociais em um “corpo político” (expressão usual em Locke) constituído por homens racionais, proprietários de seu trabalho, riquezas e liberdade. A liberdade natural implica direitos individuais e, por extensão, no reconhecimento dos direitos dos demais homens, criando vínculos imperativos, obrigatoriedades que se formam ao longo dessa convivência ou sociabilidade. O estado de natureza, em Locke, é distinto do concebido por Hobbes e por Rousseau
Na medida em que todos detêm liberdade, todos são racionais
e todos buscam a felicidade, a sociedade se forma em uma teia de relações em que todos têm obrigações para com os demais. No estado natural, os homens não são perfeitos, eles têm interesses, fraquezas, desejos e necessidades, buscam a felicidade, mas são racionais, exercendo a liberdade de seus direitos com consciência, como o direito à propriedade. A começar pela propriedade de si, da terra e das riquezas produzidas pelo trabalho (mas não do trabalho expropriado de outro homem). Esses direitos são preservados no estado civil, assegurados por lei e juízes aptos a obrigar sua aplicação e a sentenciar os casos de desobediência. Corpo político e a vontade geral
Cabe ao corpo político, cuja força resulta da união de todos,
expressar uma vontade ou a vontade geral, que se constituiu por um pacto, o governo civil e nele o Poder Legislativo. Aqueles que vão exercer esse governo o fazem por “delegação” de todos, com a finalidade de assegurar o bem-estar de todos e a propriedade, por meio de leis e da política. A escravidão é uma face da guerra e desarticula a sociabilidade humana ou a humanidade, mas Locke foi acionista de uma companhia de comércio inglesa cuja principal atividade era o comércio de escravos. Interatividade
Qual das proposições abaixo sobre estado de natureza em
Hobbes e Locke está correta? a) Em Locke, o estado de natureza corresponde ao bom selvagem, à inocência gentil, feliz como no paraíso. b) Só em Hobbes o estado de natureza antecede a ideia de normatização jurídica. c) Em Hobbes, o estado de natureza é irracional, porque o homem é irracional, movido apenas pela paixão. d) As duas concepções são radicalmente distintas, não há termo de comparação possível. e) As duas concepções se aproximam porque referidas a um mesmo conceito, mas diferem na concepção de homem. Locke, consentimento e representação
Enquanto o consentimento submete a todos às leis e normas
autorizadas, a representação institui (pela presença daquele indivíduo que está ausente) a maioria ou a vontade geral. Na verdade, a representação implica em autorização para que alguém legisle, tome decisões em nome do outro. Nesse sentido, os representantes têm seu tempo limitado (duração de mandato), mas eles não falam em nome dos indivíduos que os escolheram e sim se submetem à maioria, admitindo que ela seja a expressão da “vontade geral” ou “do povo”. O Poder Legislativo
Na medida em que o Legislativo faz as leis necessárias para
atingir as finalidades, ele é o maior poder no Estado; quanto ao Executivo, confiado ao príncipe, tem por finalidade zelar pela segurança e bem-estar de todos. O Poder Legislativo é limitado pelos direitos naturais, portanto, o poder político deve ser justo, ou seja, moral. Locke introduz o direito de resistência ao poder, ou o direito dos governados se insurgirem, porém, não se trata de reconhecer as aspirações populares, mas de defender ou restaurar a ordem estabelecida. O povo
É dotado de razão e instaurado como mandatário da lei
natural e como regulador moral das relações entre governantes e governados. O pensamento liberal de Locke influenciou decisivamente autores como Montesquieu e Rousseau, embora suas concepções possam apresentar diferenças significativas em relação a esses autores. Além disso, influenciou decididamente as lutas da independência americana. Na leitura da Declaração de Direitos Universais é possível perceber a influência das posições de Locke ou do liberalismo em vários dos direitos apontados, às vezes diretamente. Outras vezes, as posições do inglês aparecem mescladas às de Rousseau. No rastro do pensamento de Locke, a Revolução Americana
Além do pensamento de Locke, que ofereceu elementos
teóricos importantes para a Constituição Inglesa, as ideias francesas e a maçonaria constituíram apoio fundamental para as negociações. A revolução acenava com a possibilidade de ampliação dos negócios para o capital europeu sem a incômoda mediação da Inglaterra e não se tratava de uma revolução contra a ordem burguesa estabelecida, mas de uma revolução para instituir a ordem burguesa em uma região de enorme potencial. A figura exemplar da Revolução Americana foi o “bom burguês” Benjamim Franklin, um articulador do que se mostrava útil para os interesses que representava e para os interesses de quem o ouvia. Franklin e Paine, Utilitarismo e Senso Comum
Sem que as conversações pudessem ser consideradas
negociações, era a isso que resultavam os “pontos em comum”, habilmente identificados por Franklin. Na verdade, o Utilitarismo americano incorpora o pragmatismo, postura central à política burguesa. Outro arquiteto da revolução foi Thomas Paine. Mais inflamado e teórico do que Franklin, publicou um panfleto, “Senso Comum”, no qual advogava a república e criticava a monarquia inglesa. Na verdade, trata-se de um compromisso entre interesses contraditórios, entre os grandes proprietários de lavouras no sul e os industriais e manufaturas do norte, entre os pequenos estados e os grandes. Federalistas
Das contradições forma-se o “movimento” federalista, na
verdade, artigos publicados e assinados por Publios, um pseudônimo para Hamilton, Madison e Jay. O debate reside na necessidade ou não de um governo forte e centralizador para as treze colônias. Nos artigos, duas filosofias apareciam, em certo sentido, articuladas: Locke e Montesquieu. Contudo, as negociações acabaram por conduzir a um modelo de compromisso, tendo ao centro um governo que coordena interesses contraditórios em nome do bem-estar comum. O contrato social francês, cidadania e revolução: de Rousseau a Tocqueville
Os dois autores estão situados em um período dos mais
significativos na história: a Revolução Francesa e a Revolução Americana. Rousseau deixou sua obra para a Revolução Francesa, embora não fosse o único, enquanto Tocqueville viaja da França, reconduzida a uma monarquia, para analisar a sociedade que emergiu da outra Revolução, a Americana. Condorcet: Marie-Jean Antoine Nicolas Caritat, Marquês de Condorcet (1743-1794). Por que ele? Porque fez uma espécie de síntese do pensamento do período, da paixão de Rousseau, do racionalismo crítico de Voltaire e contou com a admiração de D’Alembert, portanto, dos enciclopedistas, mas também sistematiza o Utilitarismo que se forma a partir dos enciclopedistas. O que é o Terceiro Estado? Perguntou um padre, Sieyès, bispo de Chartres
Seu texto sobre o Terceiro Estado tem efeito explosivo, é uma
crítica radical aos privilégios. Para ele, a soberania da nação supera a soberania do Estado, associada à pessoa do rei. Em sua análise, ele constrói a Nação pela lei, princípio formal (Juridicismo) e pelo Racionalismo, porque não se ocupa da história, a razão aparece como suporte necessário e suficiente para suas conclusões; pelo Utilitarismo, porque focaliza o Terceiro Estado e os demais sob o foco da serventia de cada estrato para a nação; pelo Individualismo, porque admite que a nação seja a reunião de indivíduos e vontades individuais. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
Personalidade complexa, irascível, mas apaixonado; há
diferenças irreconciliáveis entre as posições de Rousseau e as dos demais integrantes do “enciclopedismo”: Ele não parte de uma razão sofisticada e da filosofia para entender e discutir o mundo, mas da consciência do homem comum, simples e inocente. Para ele, o homem fino e educado representava uma forma pervertida do humano; ao contrário, no homem simples, os sentimentos e as emoções são mais puros e permitem uma vida mais harmoniosa. Essa “natureza do homem”, presente no estado natural de pura inocência é desarticulada quando a propriedade privada introduz desigualdades nessa harmonia. Estado natural de inocência, liberdade e igualdade
Rousseau considera a inteligência perigosa, porque instala a
dúvida, destruindo a veneração, papel semelhante ao da ciência e da razão. Duas obras de Rousseau são fundamentais para a compreensão de sua teoria política: o “Contrato Social” e o “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens”. Na verdade, o Discurso antecede o Contrato, conforme ele mesmo afirma. A questão de base no discurso consiste em: o que é o homem verdadeiramente natural? A resposta surpreende: praticamente um animal, que não conhece a liberdade nem a escravidão; não conhece a propriedade nem a miséria; não é infeliz, mas também não é feliz. A construção do contrato social
Para Rousseau, o contrato não se estabelece só pela razão,
mas pelo sentimento ou sensibilidade recíproca, que permite a realização de um pacto social. Essa idealização dos sentimentos morais encantou tanto a Kant... Desse modo, todo conjunto de indivíduos (comunidade) goza de uma identidade coletiva, constituindo não uma racionalidade, mas o sentimento de um “eu comum”. Em face desse “comum partilhado”, cada indivíduo participante está em igualdade com os demais, o que lhes permite realizar o pacto legitimado pela própria vontade de todos ou pela vontade geral. Vontade geral em Locke e Rousseau
A expressão “vontade geral” também aparece em Locke, convém
apontar a diferença, por assim dizer, profunda, de significado: em Locke já existe uma sociedade política que expressa a vontade de todos, ou melhor, da maioria, respeitados os direitos das minorias; em Rousseau, a vontade geral emerge de uma situação de igualdade natural entre os integrantes do grupo ou da comunidade, a vontade geral, nesse sentido, é uma instância agregadora, um corpo coletivo. Rousseau e a soberania do povo
Ela é inalienável, indivisível e infalível porque expressa a
vontade geral, portanto, a frase “soberania do povo” remete à base do governo, ao povo, um corpo político, enquanto o governo é mais um órgão administrativo. A frase remete à constituição de um Poder Legislativo e de leis que controlem as vontades individuais, implicando a distribuição de papéis (e de poderes específicos), ou seja, a instalação de um corpo político permanente ao qual Rousseau caracteriza como governo. O corpo intermediário é constituído de magistrados e pode tomar formas distintas em torno das três principais, democracia, aristocracia e monarquia, mas ele preferia a aristocracia. Interatividade
Qual dessas proposições sobre o pensamento de Rousseau não
está correta? a) A construção do contrato social se dá por um ato de razão, permitindo a elaboração de um pacto social. b) Todo conjunto de indivíduos que goza de uma identidade coletiva, partilha o sentimento de um “eu comum”. c) Cada indivíduo participante de uma coletividade está em igualdade com os demais. d) A expressão “soberania do povo” remete à base do governo, ao povo como um corpo político. e) Ao pacto legitimado pela própria vontade de todos, denomina-se vontade geral, uma instância agregadora, um corpo coletivo. Montesquieu (1689-1755)
Em Montesquieu, duas forças se contrapõem no ambiente
político: a nobreza, centrada no rei, e o povo, ou seja, a burguesia, já que, para ele, o “baixo povo” não tem condições de participação, mas, sem dúvida que a reflexão de Montesquieu é contemporânea, dada a presença de dispositivos institucionais que asseguram a participação sem comprometer a estabilidade. Ele investigou o funcionamento dos regimes políticos ao longo da história sob uma ótica racionalista, cartesiana e positivista. Sua linha de investigação era dirigida a buscar as causas explicativas dos fatos, das leis positivas, para explicá-las à luz de fatores sociais e históricos. As leis que presidem a política
Montesquieu conceitua lei como “relações que derivam da
natureza das coisas”, desse modo, deveria haver leis que explicassem a diversidade de formas de governo, de situações políticas e de Estados. Mas leis que regem relações políticas têm fundamento e origem em situações sociais e históricas. Essas leis não são necessariamente racionais se examinadas à luz de uma razão investigativa, porque elas são práticas cristalizadas, escritas, dizem respeito às instituições e existem para reger o comportamento dos homens em relação aos homens, em instituições e situações. O espírito das leis
Ao colocar seu objetivo em esclarecer o “espírito das leis”,
Montesquieu vai buscar esclarecer a presença de condições ou “coisas” que expliquem o aparecimento das leis positivas e sua transformação. Essas “coisas” são, grosso modo, fatores sociais, ambientais, geográficos, clima, religião, as leis, as máximas de governo, os exemplos das coisas passadas, os meios e as maneiras de onde se forma um espírito geral resultante. Portanto, a dinâmica de poder em uma sociedade remete às formas de governo, não às instituições, mas ao seu funcionamento, logo, é fundamental esclarecer quem detém o poder e como ele está dividido. Montesquieu e formas de governo
Ele chega a três formas de governo: na monarquia, um
só governa, mas as instituições e leis estabelecem como esse governo deve ser exercido; na república, quem governa é o povo, mas o povo não tem condições de exercer o poder na continuidade da escolha, pois falta-lhe a racionalidade necessária, logo, será necessário identificar como se dão as divisões de classe para estabelecer qual a fonte de poder; o despotismo não consiste propriamente em uma forma de governo, uma vez que quem exerce o poder é uma só pessoa, ao sabor de sua vontade e desígnio. Traço constitutivo de um governo e seu caráter político: o espírito da lei
Na monarquia, há o governo constitucional de um monarca,
sendo a ambição e a avareza os traços negativos da monarquia (daí a necessidade de corpos intermediários). Na democracia, o governo do povo é exercido indiretamente, por isso, o amor à igualdade e à simplicidade seriam os traços da república. O despotismo, o traço negativo, caracterizado pelo poder arbitrário de um indivíduo, mas não há uma melhor forma de governo, visto que fatores vários intervêm: o tamanho do estado, a economia, o clima e a geografia (esses considerados hoje a manifestação mais clara de eurocentrismo, ou seja, do preconceito europeu em relação às demais áreas do planeta). Montesquieu, alguns aspectos gerais de seu pensamento
Ele estava preocupado com o risco do despotismo e
quase como recurso preventivo recomenda a separação dos poderes, não exatamente nos termos atuais, mas uma divisão de poder para não concentrá-lo nas mesmas mãos. Propõe os corpos intermediários, que seriam os parlamentos e a nobreza, que atuariam como contrapesos ao poder Executivo, uma proposta que decorre de sua idealização do sistema inglês, de viés aristocrático e sua moral burguesa. A moderação de Montesquieu é conservadora e elitista, não concebe a participação política de todos, não reconhece no “baixo povo” condição para tanto, mas cabe ao Estado assegurar a esse contingente condições adequadas de sobrevivência por meio de instituições públicas. Alexis Tocqueville (1805-1859): Democracia na América, em 1835
Um jovem de ascendência nobre, educado, que rapidamente
se tornara juiz e mais rápido ainda sentiu ameaça por parte da política do governo de Luis Felipe. Ele e seu amigo Baumont, também advogado, conseguiram, por influências familiares, uma providencial viagem de estudos aos EUA a pretexto de estudar o sistema prisional norte-americano. A viagem durou oito meses e foi financiada pelo Ministério do Interior, da França. Alexis concentrou seus estudos na dimensão política, Baumont, na situação dos negros na América. Assegurar a democracia seria um caminho acessível a todos os povos?
Quais características teriam os países que caminharam nessa
direção? Como assegurar a liberdade e a igualdade dentro da ordem ou no Estado? Essas são as questões discutidas na obra de Alexis Tocqueville, porém, ele fala de defesa da liberdade, mas não apenas da liberdade econômica (essa discutida em Locke), mas da liberdade política, de manifestação, portanto, associada à representação política (uma preocupação em Rousseau). O balanço entre liberdade e igualdade constitui um tema fundamental em Tocqueville e, por consequência, a compreensão das finalidades e funções do Estado (liberal) democrático. Para Tocqueville, a democracia é uma lei universal
Todos os povos e países seguirão por esse caminho inelutável,
mas cada um ao seu modo, não existindo uma “democracia imposta” para um povo, ou por um Estado para o outro. Esse aspecto traz o que pensar sobre a política de “democratização do Oriente Médio”, adotada hoje pelos EUA. Quando a esfera pública passa a ser comandada pelo Estado e não pelo “público” e o Estado acaba por intervir na esfera privada, há um risco para a democracia, na medida em que implica restrição à liberdade. A democracia não pode ser concebida como “governo da maioria” quando não respeita os direitos das minorias. Quanto à relação economia e democracia
Embora um liberal, Tocqueville via riscos no liberalismo. O
individualismo e a concorrência, implícitos na economia de mercado, tenderiam a levar os cidadãos a uma postura individualista, deixando as preocupações políticas a cargo do Estado. Além disso, na economia capitalista, a livre iniciativa, que conduz ao enriquecimento de poucos, mantém muitos na pobreza, amplia a diferença entre ricos e pobres e consequentemente compromete a ideia de igualdade, ou seja, a própria ideia de democracia. Por consequência, a sociedade de massas não seria democrática, mas estaria muito próxima do modelo de uma sociedade autoritária ou de uma “tirania democrática”. Qual a conclusão a que chega Tocqueville, considerando esses riscos da democracia?
Democracia é um processo, portanto, repousa na
atividade política dos cidadãos e não na ação de um governo onisciente. A soberania popular se torna eixo da dinâmica democrática quando articulada em associações que deveriam ser respeitadas e resguardadas pelo Direito, sendo uma prevenção contra a “onipotência da maioria”. Não basta dizer que o povo é ignorante se não há um processo de formação democrática ou dizer que ele não sabe participar da política ou da democracia se não há formação de costumes democráticos; é preciso dar condições para que o povo possa participar e exercer a democracia em igualdade com os demais agentes (atores) do jogo político. Quais as conclusões de Tocqueville sobre o Estado?
As finalidades do Estado seriam: assegurar a segurança dos
cidadãos (interna e externa) e a soberania, preservando o território; garantir educação e saúde (essa finalidade foi acrescida posteriormente). A finalidade do Estado democrático de assegurar igualdade e liberdade aos cidadãos fica estabelecida, a partir da lei, como princípio normativo. No entanto, a igualdade não é a encontrável nas condições concretas da existência social, em que pese ser a existência social a garantia da democracia. Lembrando que quando Tocqueville fala da Democracia, a América era escravagista. Ele, crítico da escravidão, considerava importante manter as colônias francesas. O Estado
É preciso, então, pensar o Estado como construção (construto
teórico) e locus de exercício de poder, que reflete os interesses hegemônicos naquela sociedade e naquele momento histórico. Logo, as características dessa construção refletem “quem” a construiu: a burguesia, na formação do capitalismo manufatureiro e industrial. Todavia, os interesses da burguesia não são os mesmos: eles divergem, por exemplo, entre urbana e rural, industrial, comercial e financeira. A lei, o direito, mais precisamente a Constituição, é a garantia maior desses interesses e a garantia da burguesia contra os privilégios da nobreza e mesmo do clero, categorias cujo poder foi superado pela história. Como responder às mudanças?
A sociedade formada no capitalismo industrial passou por
mudanças profundas na economia e na tecnologia ao longo dos séculos XVIII e XIX, mas, no plano político, uma questão que permaneceu sendo discutida consistiu na configuração teórica e política de um modelo de estado adequado ou consistente com as mudanças sociais e econômicas emergentes, compreendendo dois aspectos principais: a configuração do governo e sua dinâmica e as relações, sobretudo econômicas, entre estados ou entre “nações”. Na base dessas discussões encontrava-se a preocupação das elites com a preservação da ordem. Interatividade
Qual das proposições abaixo sobre o pensamento de Tocqueville
está equivocada? a) Todos os povos e países seguirão para a democracia, mas não é possível impor a democracia para um povo ou país. b) Quando a esfera pública passa a ser comandada pelo Estado e não pelo “público” há um risco para a democracia. c) A democracia não pode ser concebida como “governo da maioria” quando não respeita os direitos das minorias. d) A sociedade de massas seria uma sociedade democrática ou muito próxima desse modelo. e) Economia capitalista conduz ao enriquecimento de poucos, compromete a ideia de igualdade, a ideia de democracia. O conservadorismo: Edmund Burke (1729-1797)
Um irlandês culto, advogado e parlamentar, homem do
partido político Whig, é considerado um dos fundadores do conservadorismo, tendência que se expande pela Europa após a Revolução Francesa, em paralelo a tendências que a elogiavam, vendo mesmo na experiência francesa um modelo para outros países. Burke foi um crítico sistemático e violento da Revolução Francesa, mas se engana aquele que suponha em suas palavras apenas um conservadorismo oportunista, “de palanque”. Suas ideias não eram desprovidas de suporte filosófico teórico coerente, embora ele não fosse partidário das especulações filosóficas e teóricas como suporte da ação política. Mas, então, qual a base de suas críticas? O questionamento de Hume
Para ele, as convenções apenas parecem verdadeiras, porque
são úteis, fundamentam regras, mas elas se apoiam mais na imaginação do que na razão, portanto, a obediência ao soberano, no passado, se apoiava no consentimento em interesses em comum e não em verdades racionais imutáveis. Essa tendência de pensamento sofre o impacto da Revolução Francesa leva ao idealismo kantiano e ao idealismo dialético de Hegel, porque ambos os sistemas recuperam a tradição e o costume. Essa revivescência da tradição cultural e da história serve a Burke em seu apelo persistente pela tradição. David Hume e Edmund Burke, afinidades insuspeitadas
Um filósofo escocês, David Hume, de pensamento claro, frio
e levemente sardônico e Burke, o apaixonado e imaginativo parlamentar irlandês. Os dois concebem a sociedade como artificial, resultante de convenções e mesmo de preconceitos. Contudo, o arranjo que se entende por tradições de uma nação tem uma utilidade que ultrapassa a convivência harmônica ou a crença em direitos autoevidentes. Na verdade, a tradição (as convenções) é o repositório da história, da religião, da moralidade e da própria razão. Facetas do pensamento de Burke
Para ele, a tradição (as convenções) é o repositório da
história, da religião, moralidade e da própria razão, por isso, a tradição tem uma utilidade que ultrapassa a crença de direitos autoevidentes, porque esse sentimento de comunidade, de partilhar de uma história idealizada em comum, substitui o culto ao indivíduo. Assim, a sociedade constrói, na história, o conjunto de convenções sociais que expressa valores morais, expectativas, padrões de sociabilidade, portanto, direitos e deveres que resultam ser a natureza da sociedade, consequentemente, os homens são sociais. Burke, crítico da Revolução Francesa
Como crítico da Revolução, Burke alerta para o poder das
ideias filosóficas teóricas, como a igualdade, os direitos do homem e a soberania popular da democracia abstrata, a maioria numérica. A crítica se apoia no valor da tradição cultural que os franceses revolucionários pareciam ignorar. Para o filósofo escocês, a sociedade natural não se fundamenta no princípio da igualdade, mas na desigualdade, assim como a propriedade. Admitir a igualdade, como afirma Burke, seria “uma monstruosa ficção”. Evidentemente que a biodiversidade confirma a posição de Burke, porém... A natureza tem por fundamento a igualdade?
o argumento de Burke não se baseava nesse aspecto e sim
no respeito, ao sistema britânico, à articulação e acomodação entre normas e práticas consuetudinárias e à história das relações entre estado e sociedade na Inglaterra. Outro aspecto importante nessa referência reside na associação entre Estado e religião, que marcou a tradição política do Estado na Inglaterra. Burke parlamentar
Como parlamentar, os temas tratados foram a natureza da
constituição, representação parlamentar e valor dos partidos. A contribuição de Burke, como homem de partido, talvez seja mais significativa para a teoria política que seu debate sobre os efeitos da Revolução Francesa. Ele caracteriza partido político pelo esforço conjunto de seus integrantes, baseados em princípios de mútuo acordo, voltados para a promoção do interesse nacional. Burke parlamentar
Burke defendeu as liberdades conquistadas pelos britânicos e
sabendo da necessidade de reformas, alertava o Parlamento para que elas fossem conduzidas como aperfeiçoamentos e não como na França, com o furor de ideias vazias e o terror do sangue. Para ele, homem e sociedade são criações divinas, portanto, o Estado, criação humana, deve ter sustentação ou suporte religioso, o que se reflete na dimensão de sagrado que ele reconhecia no Estado e no exercício das funções públicas. Burke tem inspirado o pensamento conservador nas suas variantes britânicas e nos EUA. Interatividade
Sabe-se que Burke se valeu do pensamento de David Hume
para fundamentar seu próprio pensamento. Mas, quais pontos de convergência existiriam entre o pensamento de um filósofo e o de um parlamentar liberal? Aponte a alternativa correta dentre as abaixo indicadas: a) Ambos eram iluministas empiristas. b) Burke empresta sentido pragmático ao pensamento teórico. c) Para ambos, a sociedade é artificial, uma criação social humana, fundamentada em convenções com sentido pragmático. d) O racionalismo constituiu o elo de ligação entre os dois. e) Não possuem nada em comum, mas ambos eram irlandeses. ATÉ A PRÓXIMA! Unidade III
PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO
Profa. Neusa Meirelles
Pensamento político ocidental
Processo histórico resultante teórico
e da prática política, pelo qual: foram estabelecidos critérios e valores na apreciação do poder e política, tais como liberdade, garantia da propriedade, segurança e felicidade; a burguesia imprimiu sua marca à sociedade, que se diz sociedade burguesa, e, finalmente, construiu para si o modelo de Estado burguês. Processos endógenos ao capitalismo mudaram a sociedade burguesa:
a) as formas mais rentáveis e eficientes de trabalho,
presididas por sistemas de gestão mais eficientes e mais lucrativos, geraram um contingente populacional, urbano em sua maioria, integrado pelos que exercem a força de trabalho necessária ao sistema, mas em condições distintas das anteriores; b) um “novo” contingente populacional se qualifica como participante do jogo político, inclusive para redefinir sua configuração institucional e instaurar novas regras. O Estado burguês e a sociedade industrial: mudança e permanência
De modo geral, na sociedade industrial, o indivíduo
tem sua liberdade barrada por direitos de súdito. Tendências de pensamento surgem para dar conta das mudanças sociais e econômicas emergentes. As disposições de poder do Estado burguês precisam ser alteradas para que permaneçam fundamentalmente as mesmas. A ordem social e a política: positivismo e socialismo
São posturas políticas diametralmente opostas,
em face da ordem social analisada por uma racionalidade autoritária “científica”. Para o positivismo, era o controle moralizante, autoritário e científico da ordem o sentido da política positiva. As ideias socialistas visavam outra ordem social e, especialmente na versão marxista, uma ordem construída pelos militantes em um processo revolucionário de acirramento das contradições. Positivismo: Auguste Comte (Montpellier, 1798 – Paris, 1857)
Obras: Curso de filosofia positiva, o Discurso
sobre o espírito positivo (1844) e o Discurso sobre o conjunto do positivismo (1848). Proposta: a reorganização da sociedade a partir do pensamento científico, de uma ciência do social (sociologia) centrando a investigação nas leis naturais invariáveis, reveladas pela observação sistemática dos fatos, e pelas relações estabelecidas entre eles. O positivismo toma a sociedade como “organismo social”, estudando:
a) o estado estático, pela teoria positiva da ordem social,
forças sociais de preservação da estrutura e as responsáveis pela coesão social ou solidariedade; b) o estado de dinâmica social, das leis naturais que respondem pela evolução da sociedade humana, ou seja, a “Lei dos Três Estágios”, ou ainda a relação entre a ordem e o progresso. Os três estágios evolutivos da humanidade e da vida são: o teológico (fetichismo, politeísmo, monoteísmo), o metafísico e o positivo. O progresso: mudança das crenças, das teológicas para as científicas, um recurso para o reformismo, suporte para mudanças que induzem à permanência. Positivismo, uma “política científica” para a “saída” da situação social de crise, ordem moral
A crise como momento da “marcha geral da civilização”,
coexistência em conflito de dois sistemas: um que se extinguia (a velha ordem), e outro que tendia a se constituir (a nova ordem industrial e científica). O positivismo, o movimento (e partido) capaz de enfrentar a “anarquia social” instalada, e de preservar o Ocidente de qualquer tentativa comunista, portanto “uma política moderna, capaz de satisfazer aos pobres, tranquilizando os ricos”, sob o marco republicano, porque Comte era contrário à monarquia. Positivismo e organização política:
expansão do executivo, inclusive com função legislativa;
abolição do Parlamento, exceto para discussão de orçamento, abolição do sufrágio universal; o modelo positivista aproxima-se ao de uma ditadura do proletariado, um regime correspondente ao “período de transição” entre a “anarquia” e o Estado positivista. A ordem social e a política: as ideias socialistas
As ideias socialistas formam um leque de tendências,
mas a origem está associada à formação urbana do capitalismo, especialmente industrial. São as contradições entre segmentos sociais que passam a conviver no espaço urbano em situações radicalmente distintas que acabam por provocar as revoltas às quais as revoluções emprestaram discursos igualmente distintos. Dessas tendências, e foram muitas, apenas três nomes serão considerados nessa unidade: Saint-Simon, Proudhon e Karl Marx. As ideias socialistas: Saint-Simon (1760-1825)
Saint-Simon viveu o período intenso de lutas políticas
revolucionárias de violência do terror, sucedido pela repressão e Restauração do Império com Napoleão, seguido pela nova fase de lutas, repressão e articulações políticas tendentes à reconstrução do Estado. Suas ideias são apresentadas como uma proposta “esclarecida” crítica e irônica para os leitores, mas... Seu pensamento reflete a confiança na ciência como meio para encaminhar problemas sociais, a tônica do positivismo. Para Saint-Simon, o estudo científico da sociedade parte de seu funcionamento (fisiologia)
Ele distingue classes sociais pela posição profissional,
posse de capital (ricos, banqueiros e proprietários) e, finalmente, trabalhadores industriais e povo. Propõe uma nova religião, mais espiritualizada, condizente com as condições instauradas pelas luzes, nas quais o poder está associado à razão, ou ao saber. Saint-Simon em Cartas de um habitante de Genebra para os seus contemporâneos (1803)
No texto, ele conclama os trabalhadores a se unirem,
superando a distinção entre o trabalho braçal, exercido pelos que não são instruídos, e a riqueza dos que comandam, designados por “ricos” ou “proprietários”. Essa diferenciação, base da relação de dominação entre os dois segmentos, seria minimizada na medida em que os trabalhadores, mais numerosos, “forçassem” os ricos a instruí-los. Todavia, a dominação aparece como “um fato”, um desejo, encontrado em todo homem. Saint-Simon, moralidade e política:
não propõe transformação da sociedade, mas apela para
o princípio moral que preside as relações administrativas, na medida em que todos trabalham para um fim comum e útil; reconhece que os trabalhadores são mais numerosos e produtivos, mas não propõe alterar essa relação, retirando dela uma conclusão de cunho moral; ênfase à organização, ao trabalho produtivo em qualquer setor, e ao saber de gestão na organização. crítico do liberalismo, sua crítica à situação na França também é liberal. Interatividade
Positivismo e socialismo são tendências políticas. Abaixo estão
algumas proposições a respeito, mas qual delas está errada? a) Nas duas tendências se nota o apego a uma racionalidade autoritária “científica”. b) Comte desenvolveu uma modalidade de socialismo científico do qual teve origem a sociologia. c) Para o positivismo, o controle moralizante, autoritário e científico da ordem era o eixo da política. d) As ideias socialistas de Saint-Simon tinham caráter utópico. e) As ideias socialistas na versão marxista visavam outra ordem social, atingida por meio de um processo revolucionário. As ideias socialistas: Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), uma referência ao pensamento socialista, autor criticado por Marx
Em O que é a propriedade? (1840) afirma que
“a propriedade é um roubo”, embora essa frase não fosse dele, mas de Brissot, em 1789. Três anos depois, Proudhon enviou a Marx o seu livro Filosofia da miséria (1847), acompanhado por uma carta solicitando uma “crítica severa” da obra. Marx respondeu com Miséria da filosofia e criticou Proudhon, apontando falhas teóricas, mesmo porque o francês criticara a economia política marxista sem instrumental teórico para tanto. A contribuição de Proudhon:
reconhece que os direitos inalienáveis do homem eram
violados pelo sistema econômico, mas acreditava na possibilidade de uma “harmonia natural” e social, conforme a vontade de Deus (embora ele se dissesse não religioso, sendo-lhe atribuída a frase de efeito “Deus é o mal”); faz uma crítica à propriedade a partir da indignação moral, em face do sistema (imoral) de retribuição – portanto uma crítica ao sistema de remuneração ao trabalho, não à propriedade privada em si; sua contribuição é um esquema normativo cujos ideais são justiça e liberdade, mas tentou basear esse esquema em uma análise econômica e apontar mudanças de caráter prático. O problema social deve ter solução científica:
propõe um Banco do Povo como instrumento
fundamental, mas a proposta não saiu do papel; crítico do Estado pela concentração de poder, mesmo aquele poder que represente (aparentemente) uma vontade geral, a seu ver uma ilusão, o que o torna um crítico de Rousseau, preferindo Voltaire; não aceita o sufrágio universal e, quanto à democracia, não sacrifica igualdade à liberdade, nem liberdade à igualdade. O centro da contribuição de Proudhon está no princípio da solidariedade ampliado para o âmbito político
para ele o Estado é uma federação de grupos,
resultante da reunião de vários grupos diferentes por natureza, objetivos, e por práticas distintas, mas agrupados em torno de um interesse comum; no âmbito internacional, esse princípio levaria aos grandes blocos de nações, ou Estados; no âmbito social, o princípio de solidariedade leva ao mutualismo, ou à associação mutualista, sistema de trocas de serviços, bens e recursos entre os integrantes da associação, evitando a luta de classes e a violência. Três contribuições de Marx e Engels para teoria e ação política:
a) o materialismo histórico dialético – método de
investigação e de construção do conhecimento; b) identificação de processos e de sujeitos coletivos que dinamizam a história, em uma relação dialética; c) construção simbólica, discursiva, das condições materiais de existência e daquelas possíveis de alteração pela práxis. O método de investigação, o materialismo histórico dialético
A realidade social é histórica, e não um “fluir”
do tempo, nem uma sequência de estágios, mas um movimento que se dá por contradição. Logo: uma dada situação no presente não é estática, pois nela estão contidas as condições do passado e ao mesmo tempo as “sementes” do futuro; o movimento dialético das condições históricas fora trabalhado antes por Hegel (idealista) e Feuerbach (materialista). Qual a novidade no pensamento de Marx e Engels?
A relação entre as condições materiais concretas
da vida dos homens (forças produtivas e relações produtivas) e a estrutura social política, e o Estado. O vínculo entre a vida real (as condições materiais de existência) e as ideias, enfim, o modo como os homens vivem se reflete no modo como pensam sobre si próprios, sobre os outros, sobre o mundo e a política – daí resulta o conceito de ideologia. Identificação de processos e de sujeitos coletivos na história: classe social e luta de classes
Os dois conceitos resultam das relações de antagonismo
instauradas no Modo de Produção Capitalista (MPC), entre capital e trabalho e dominação política. Teoricamente, no capitalismo industrial, burguesia e proletariado compõem as classes sociais em luta no MPC. Marx, no Manifesto comunista, aponta a relação de antagonismo entre classes, a luta de classes, e Lênin considerou-a como “fio condutor da história”. As classes sociais são históricas, estão em movimento, em contradição (dialética), portanto em uma dada formação social
Os interesses objetivos do capital (burguesia) podem ser
subdivididos e até contraditórios (latifundiários, banqueiros, industriais, exportadores, importadores), e também os interesses dos trabalhadores (sindicatos) podem aparecer subdivididos (grande empresa, indústria etc.), dando origem a subdivisões das classes em segmentos. Essas subdivisões integram o processo de luta de classes, desde que as classes tenham consciência de si e se reconheçam como sujeitos de um processo histórico. Nas condições concretas de existência, as pessoas tendem a esposar ideias relacionadas a essas condições de existência ao lugar ocupado na ordem produtiva. Ideologia, palavra difícil, mas não é só a justificativa da ordem:
ela abrange uma concepção de mundo e do sujeito
no mundo, uma análise do presente tendo em vista o futuro e a concepção de linhas de ação (práxis) convergentes para esse futuro; nessa acepção, ideologia abrange o conjunto de ideias e de práticas de um projeto fundamental às organizações políticas que se colocam como objetivo à transformação da sociedade, seja pela força das armas ou não. Alienação, outra palavra difícil, separação entre sujeito e realidade
Partindo desse entendimento, a palavra em Marx vai remeter
à separação entre trabalhador e seu trabalho, cujo “produto” será apropriado pelo outro sob a forma de capital. Essa separação é radical e o trabalhador (não importa o nível) passa a se identificar pelo trabalho que realiza e que é alienado a outrem. Ele deixa de ser ele mesmo para “ser” aquilo que faz, para “ser” o gerente, o fiscal etc. Interatividade
Qual das proposições abaixo é fiel ao conteúdo exposto?
a) Saint-Simon foi positivista, aluno de Proudhon. b) Saint-Simon não foi um socialista importante, mas o seu Banco do Povo foi uma iniciativa que teve significado prático. c) Marx foi um teórico do socialismo no século XIX, cujas previsões foram desmentidas por Adam Smith. d) As pessoas não estão condenadas a assumir tendências de pensamento correspondentes ao seu lugar na ordem produtiva, mas existe uma tendência para isso. e) A dialética hegeliana é tão materialista quanto a marxista, a diferença está no papel reservado a Deus em Hegel. As ideias socialistas: o ambiente político, partidos e organizações políticas
Emtre meados do século XIX até as primeiras décadas
do XX, opera-se uma expansão capitalismo industrial e a formação do capital financeiro que, em ritmo elevado de acumulação e operando em escala internacional, aprofunda contradições sociais em certos países europeus, propiciando a formação de grandes contingentes populacionais emigratórios. Nessa configuração, o fortalecimento do segmento social “burguês” que se formara, enfrenta a oposição dos trabalhadores organizados em ligas, círculos operários, sindicatos e partidos políticos. Os movimentos e greves não reivindicavam o poder, mas exigiam mudanças na condução da política econômica e das políticas públicas. O ruído das reivindicações populares urbanas e o governo na França pós-revolucionária
Napoleão representou uma força política pacífica
e defensora da ordem democrática e da vontade geral, em meio das contradições entre segmentos da burguesia, Executivo e Legislativo. Após a queda de Napoleão, as tendências políticas já instaladas retornam: de um lado, a contrarrevolução dos monarquistas católicos, e de outro, as ideias laicas e libertárias dos revolucionários, em geral republicanas, porém com as variações do socialismo e do positivismo. No confronto dessas duas tendências, o liberalismo passou a representar o desejo de ordem e tranquilidade ao gosto da classe média. Luís Felipe e a queda da monarquia
Em 1830 explodiu a revolução, tendo por base as
condições sociais precárias vividas pela maioria da população trabalhadora, sobretudo em Paris. Mas a vitória foi do capitalismo industrial, na sua configuração financeira, sobre os proprietários de terras, aristocracia e o clero. O “Rei dos Franceses”, como Luiz Felipe referia a si próprio, foi também o rei burguês, e pretendeu manter uma política liberal moderada, mas provocou oposição de vários setores, inclusive da classe operária, cujas reivindicações explodiram na Revolução de 1848, provocando a queda da monarquia. A primeira iniciativa de organização política dos trabalhadores em Londres (1864)
Fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores,
de cujo Comitê participava Marx. Essa reunião ficou conhecida como Primeira Internacional. Coube a Marx redigir a Mensagem Inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores e os Estatutos Provisórios dessa Associação, que foi aprovada na reunião de 1871, na Conferência da Associação Operária Internacional (nome pelo qual a associação passaria a ser denominada a partir dos Estatutos). Seguiu-se, em âmbito internacional, a Segunda Internacional, em 1889, da qual participaram socialistas brasileiros. Revolução Russa e partidos políticos
A mudança no ambiente político internacional
afetou radicalmente o processo de construção e consolidação dos partidos socialistas. Na Rússia, a Revolução de 1905-1907 vencera a monarquia e o Partido Menchevique alcançara o poder, com perfil populista. Em 1917, o Partido Comunista Soviético lidera a Revolução Russa e assume decisivamente o poder em nome do proletariado, uma vitória que afetou profundamente as posições dos partidos operários e socialistas que se formaram no período. Partido Comunista (Rússia, 1917)
Tinha perfil e objetivos decorrentes das
condições históricas e políticas russas. Os soviets, ou “conselhos operários”, eram grupos de militantes organizados em todos os setores de atividade e unidades produtivas, formando uma pirâmide de poder, de controle e circulação de informação. A capilaridade da organização partidária assegurava centralidade da orientação política e ideológica, além da obtenção de informações das bases necessárias para avaliação e controle, cumprindo papel estratégico no processo revolucionário de transformação econômica e social da Rússia. Vanguarda intelectual?
Na condução da práxis transformadora, o partido
correspondeu à configuração russa do processo de transição política em curso, em um mundo de expansionismo capitalista. As medidas adotadas não decorriam de um modelo consolidado de Estado socialista, mas de condições históricas peculiares do momento. Portanto, não era uma teoria geral referente à passagem de um modelo de Estado capitalista para um socialista. Para Lênin e outros, caberia ao partido o papel de vanguarda revolucionária e um perfil intelectual, mas essa formação não era típica do proletariado, e sim da pequena burguesia. Seria possível uma vanguarda que não tivesse suas raízes na própria classe, ou a vanguarda deveria surgir espontaneamente do proletariado?
Para Lênin, intelectuais e trabalhadores deveriam
integrar-se em uma “organização centralizada e disciplinada”, dotada de uma consciência adequada, voltada para a história que é o partido. Em face da popularidade das ideias socialistas de base marxista fora da Rússia, sobretudo entre a intelectualidade, o Partido Comunista Russo, decidiu “proletarizar” os partidos comunistas sob seu controle. Partido Comunista: a rigidez teórica e equívocos
Apesar das discussões internas, o PCB persistiu na rigidez
em torno de categorias de análise teórica, conduzindo à adoção de estratégias equivocadas e dissidências. Um exemplo seria a insistência de considerar o poder do grande proprietário rural como manifestação de um modelo feudal, em decadência, ou “restos feudais” presentes e persistentes no capitalismo retardatário brasileiro. Outro equívoco foi o de trabalhar com o antagonismo “proletariado versus burguesia”, uma contradição teórica válida, mas que na prática política exige estratégias adequadas à realidade, e não aderentes apenas à teoria. Enfim, faltou a análise concreta da situação. Dissidências e a presença na história política
O pensamento socialista de matriz marxista-leninista
esteve na base de vários partidos políticos brasileiros – do PCB, PC do B, PCR –, além das várias vertentes de movimentos que surgiram nos anos 1960. Os dissidentes – e são muitos – não deixaram simplesmente o Partido. Antes, elaboraram um exame crítico detalhado das posições adotadas pelo PCB e de suas próprias posições. Este é o caso da análise de Carlos Marighella sobre as teses apresentadas pelo Comitê Central do PCB para o VI Congresso da entidade, em 1967. O Partido Socialista
Foi formado em 1947, originário da II Convenção Nacional
da Esquerda Democrática, no Rio de Janeiro. A linha ideológica do partido é a liberal burguesa, aproximando-se do que se entende por “socialismo utópico”. Portanto, fundamentalmente reformista. O Partido e seus militantes desempenharam papel significativo na esfera política, sobretudo no Nordeste. Conceitos básicos: representação política e hegemonia
Representação política: remete à presença de uma
ausência – o representante é, por definição, uma figura coletiva, supostamente a síntese dos muitos que não têm voz ou que não podem exercê-la, por questões práticas e até mesmo por comodismo. Na democracia representativa, essas vozes silenciadas se fazem ouvir nos círculos de decisão – sobretudo no legislativo, pela voz do representante, que a si mesmo não representa! Hegemonia: remete ao exercício do poder político em dadas condições sociais e históricas. O conceito remete ao processo político, aos dispositivos e práticas de poder, no cenário cambiante em que se insere a dinâmica de governo e a própria configuração do Estado. Representação política e composição social: elites e maiorias
Na condução da política, no governo e na concepção
do modelo de Estado, tornou-se fundamental estabelecer mecanismos de representação política que diminuam o controle das elites sobre a política. O modelo de governo civil, inspirado na tradição liberal de uma vontade geral, consistia de um governo para o povo, e não por ele. O elitismo implícito nessa concepção política levou à aceitação de um distanciamento entre representados e governo, caracterizando o governo por consentimento da população como modelo típico da sociedade industrial. Interatividade
Por que os mecanismos de representação e prática da política
na sociedade industrial, baseados na vontade geral, não diminuíram as reivindicações e críticas nos países europeus? a) Devido à ordenação institucional monárquica. b) Devido a imperfeições dos sistemas eleitorais, que foram corrigidas. c) Os mecanismos de representação não se destinavam a fornecer as bases de apoio aos maus governos. d) Pela herança da Revolução Francesa e a revolta contra a ordem. e) A vontade geral não corresponde às condições concretas de existência no capitalismo industrial, pois falta um espaço para encaminhamento de interesses materiais em conflito. Impasses e riscos da representação
Tocqueville, em 1848, referindo-se à democracia
americana, falava de uma “revolução democrática”, com base na igualdade em liberdade, favorecendo o sistema representativo. Todavia, essa “revolução” não soluciona a questão da capacitação para a escolha, muito menos para que a escolha realizada selecione os mais capazes para exercer a política. Instala-se então o risco de esses mais capazes constituírem, na verdade, representantes de uma maioria que exerceria poder opressivo. Na América, a prática associativa e o acordo moral, instaurado na primeira fase da colonização para o bem-estar de todos, contornaria esse risco. Tocqueville e as observações do “liberal de outro tipo”
Em suas observações sobre os mecanismos de
poder nos EUA, supunha ser aquele país constituído por uma população de “iguais”, por isso: ele mesmo não escapou dos preconceitos de cor e de “raça” – para ele, os “brancos” representam a “essência” do homem, e os demais povos encontrados na América, índios, são de espécie inferior; considerou a escravidão dos africanos um “mal necessário”, assim como afirmou que os povos indígenas americanos não conheciam a posse da terra; Tocqueville e as observações do “liberal de outro tipo” (continuação)
sua “democracia americana” tem um referencial
específico – a “democracia” praticada entre brancos dos EUA (e mantida por mais de 100 anos depois da visita do francês); interessado em demonstrar a liberdade e igualdade americanas, ele não percebeu as contradições entre norte e sul (as que eclodiriam em guerra civil posteriormente), apenas indicou a diferença entre as duas regiões; somente indicou o avanço americano sobre as terras mexicanas do Texas, sem considerar se essa “invasão branca” era ou não democrática. As manifestações populares e o cenário político da sociedade industrial nos séculos XIX e XX
A participação popular passou a integrar a cultura
como parte da própria concepção de política, tanto na França quanto no Reino Unido. As “barricadas” apareceram sistematicamente nas ruas de Paris e de outras cidades francesas, ao longo dos séculos XIX e XX, “por cima” das diferenças partidárias e da situação formal de eleitor. A manifestação popular, em várias vertentes, teve papel fundamental nos movimentos contra o colonialismo, reivindicação de direitos civis na África, Índia, EUA; Na América Latina, esse processo foi diferenciado. Manifestação popular na política
Não consiste na expressão de partidos políticos, mas
no posicionamento de militantes, simpatizantes e populares em relação a problemas políticos identificados. O trabalho de politização e mobilização é desenvolvido por agentes diversos, inclusive partidos, associações (mais recentemente ONGs, redes sociais, blogs) e a comunicação circula pela imprensa escrita, falada, televisiva e virtual. Reprimir as manifestações nas ruas constitui em mecanismo de força que “conta” a favor dos manifestantes. Governo e hegemonia: a sociedade civil em questão (Hegel e Gramsci)
A construção do Estado burguês se firma nos modelos
absolutistas e ganha coerência nas formulações liberais e iluministas dos séculos XVII e XVIII. O suporte teórico dessa concepção de Estado reside no conceito de vontade geral, que institui, por pacto ou contrato, o Estado como instância política que a expressa e, ao mesmo tempo, legitima o governo do qual essa “vontade geral” participa, uma formulação que se mantém. Em plena expansão do capitalismo industrial, a construção iluminista contratualista dessa concepção de Estado estava sob a crítica de autores distintos como Hegel e Marx. Mas por quê? Hegel, a construção do espaço da sociedade civil
A impossibilidade de o Estado “dar conta” da sociedade
em transformação foi identificada e trabalhada por Hegel, separando a esfera política da sociedade civil burguesa. O Estado deveria ser situado a partir da distinção entre o que seja de sua responsabilidade – portanto no nível mais amplo – e o que seja da responsabilidade dos membros da sociedade, no livre jogo de suas atividades. Dessa diferenciação resulta o campo específico de atuação política, espaço de manifestação dos conflitos, discussão das ideias e onde as tendências emergentes na sociedade possam ressoar sem comprometer a liberdade. Antonio Gramsci, teórico e político marxista italiano, discutiu o conceito de hegemonia em relação à sociedade civil e ao Estado
Ele explica que é um erro supor uma distinção
orgânica (intrínseca, arraigada ou funcional) entre sociedade civil e sociedade política, apesar de essa distinção existir teoricamente. Considera duas forças presentes na sociedade civil: os movimentos pela “livre iniciativa” e o movimento sindical. Todavia, os sindicatos dependem dos rumos emprestados à política econômica (movimentos pela livre iniciativa). Consequentemente, essa condição os mantém na subalternidade. Sociedade política ou sociedade civil? A “confusão” segundo Gramsci
No Estado Liberal, as figuras que exercitam suas atividades
na sociedade civil (empresários, por exemplo), são as mesmas que emprestam caráter estatal à atividade econômica, porque são elas que respondem pelas regulamentações legislativas, as quais têm caráter coercitivo. Outro aspecto importante reside na relação entre governo e sua prática governativa: enquanto o governo se apresenta como instituição e discurso no plano formal, as práticas governativas são afetadas pelo jogo das elites por hegemonia na sociedade civil. Comentários finais
A vida social contemporânea propicia a formação
de demandas gerais da maioria da população, além de demandas peculiares a segmentos sociais específicos. Essas demandas, sob a forma de reivindicações, surgem nas cidades e propiciam uma nova política, cuja aplicação se dá sobre o corpo, na dimensão de uma “biopolítica” ou “biopoder”. As políticas públicas de saúde, migração, natalidade etc. são exemplos dessa modalidade de política. No controle dessas políticas estão posicionadas as elites no jogo dinâmico por hegemonia. Interatividade
Qual das proposições abaixo está incorreta?
a) A incorporação de previsão e racionalidade à gestão do capital na indústria e serviços expandiu o capitalismo financeiro internacional. b) A capilaridade da organização partidária foi fundamental à Revolução Russa, propiciando maior flexibilidade ideológica. c) Um erro do PCB residiu no apego às categorias teóricas. d) O pensamento socialista, de matriz marxista-leninista, serviu de base para vários partidos políticos brasileiros e para vertentes das organizações contra a ditadura. e) Hegemonia remete ao exercício do poder político; o conceito não remete à estabilidade, mas à dinâmica de poder. ATÉ A PRÓXIMA!