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Unidade I

PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

Profa. Neusa Meirelles


A constituição dos estados nacionais e o poder da
monarquia: capitalismo mercantil, religião e o
pensamento burguês

Elementos em comum nas trajetórias de constituição de estados


nacionais sob o absolutismo monárquico em Portugal, Espanha,
França e Inglaterra, apesar da diferenciação histórica e cultural:
 modernização institucional subjacente à organização do poder
real, centralizado e autoritário, sobre territórios conquistados
por invasores ou acertados nos casamentos dinásticos;
 ordenamento centralizado na figura do rei, que se faz
assessorar por um conselho.
Os estados nacionais e a Igreja

 A Igreja Católica tentou deter a onda de nacionalismos


e assegurar sua supremacia sobre os Estados nacionais,
variando, em cada realidade nacional, com certo sucesso,
na Espanha e em Portugal e com relativo sucesso na França.
Profunda crise política e perda de poder na Inglaterra;
 A Reforma Luterana, o Calvinismo, a Igreja Anglicana,
o Puritanismo inglês e outros movimentos religiosos
do século XVI não constituíram oposições aos estados
nacionais absolutistas e sim divisões internas, de caráter
religioso, nesses estados, às quais os reis tiveram de respeitar
sob a pena de causar a instabilidade dos governos.
Estados nacionais, monarquias, mercantilismo e
religião: Portugal

 Um estado nacional português independente se deu para além


das lutas de Afonso Henriques pela retomada de territórios
aos mouros ou pela defesa de interesses portugueses perante
Castela. Coube a Afonso II buscar apoio político e servil nas
camadas populares, criar comunas, estimular os conselhos
que davam renda e suporte militar ao estado e assegurar uma
administração impessoal.
 João I imprimiu organização ao estado (Ordenações Afonsinas,
1446), resgatando, do direito romano, as linhas básicas do
pensamento jurídico na direção do absolutismo monárquico,
compatível com a definição comercial da economia,
aproximando o rei dos comerciantes e banqueiros.
Estados nacionais, monarquias, mercantilismo e
religião: Espanha

 O casamento de Isabel (de Castela e Leão) com Fernando


(de Aragão) permitiu a unificação das Espanhas, a
incorporação de Navarra e vencer os mouros em Granada,
em 1492. Para consolidar a unificação dos reinos, a Coroa
Espanhola deu início à construção de uma identidade cristã
nacional, usando a antiga instituição medieval católica:
a Inquisição.
 O Papa Sisto IV, por insistência de Isabel, autorizou o Tribunal
do Santo Ofício em Sevilha, sob a direção do dominicano
Tomás de Torquemada, confessor da rainha.
 Os Autos de Fé, cerimônias públicas de aplicação das
sentenças de morte e tortura, visavam protestantes
e judeus denunciados por não seguirem a “verdadeira fé”
(catolicismo romano).
Inglaterra

 Em 1066, o Duque Guilherme, da Normandia (uma região da


França), conquistou a Inglaterra aos reis saxões que
a ocupavam, por isso, passou à história como Guilherme,
o Conquistador. Essa dinastia normanda foi importante do
ponto de vista cultural, mas o perfil da monarquia inglesa
adquiriu traços nacionais decisivos com a ascensão de
Henrique II (Henrique d’Anjou) ao trono, dando início à
dinastia dos Plantagenetas (1154-1399).
 Henrique II e Leonor, duquesa de Aquitânia, foram os pais
de Ricardo Coração de Leão e de João Sem Terra, dois reis
irmãos, grandes rivais e fundadores da monarquia inglesa.
Inglaterra: Henrique II e seu filho, João I

 Henrique II convocou jurisconsultos, introduziu mudanças na


lei e trâmites da justiça (juízes itinerantes), integrando novas
normas ao direito consuetudinário inglês (Common Law);
cobrança de impostos sobre a renda e as propriedades
(fortalecer tesouro e enfraquecer senhores feudais); Criação do
júri de instrução (Grand Jury); Outorga das Constituições de
Clarendon, separação entre poder eclesiástico e político
(contra Thomas Beckett).
 João I, Rei da Inglaterra (1199 a 1216), ou João Sem Terra,
pressionado por 26 barões, membros do alto clero e outros
“servidores fiéis” do rei, firmou a Magna Carta em 1215.
A magna carta, o rei e os barões

 Um documento de 63 parágrafos que estabelece regras


básicas e normas na condução das práticas governativas em
relação ao poder feudal, afirma a liberdade da Igreja, direitos e
liberdades dos homens, as normas reais para concessões de
terras e cobrança de impostos, liberdade para os mercadores
se deslocarem, entrarem e saírem da Inglaterra e instala um
sistema de justiça. A Carta foi confirmada pelo rei Eduardo I
em 1297, demonstrando a persistência dos confrontos entre
rei e súditos (as duas Guerras dos Barões). O documento é
considerado um primeiro passo na institucionalização das
relações entre rei e súditos, estabelece princípios que foram
reafirmados e ampliados no século XVII, após a Revolução
Gloriosa, com a assinatura do Bill of Rights.
Guerra dos 100 anos: França e Inglaterra

As relações entre França e Inglaterra compreendiam uma rede


de vínculos dinásticos, senhoriais de vassalagem, territoriais,
econômicos e comerciais, dando origem a conflitos de várias
modalidades, inclusive os que desencadearam a Guerra dos
100 anos (que durou 116 anos e não foi contínua):
 Eduardo III, Rei da Inglaterra, se candidatou para suceder
Carlos IV, filho de Felipe IV, o Belo, no trono da França
porque, como Duque de Aquitânia e um dos Pares da França,
era vassalo do rei francês, mas um tribunal constituído por
Pares da França deu preferência a Felipe de Valois, depois
Felipe VI.
Este foi um motivo para o início das hostilidades,
mas não o fundamental:
Ao término da guerra, em 1453

 A sucessão de Eduardo III, o primeiro rei falando inglês,


deu origem à Guerra das Rosas, uma guerra civil entre duas
famílias descendentes de Eduardo III, ambas com pretensões
ao trono: York, Rosa Branca e Lancaster, Rosa Vermelha.
 O final da guerra deu início à dinastia Tudor com Henrique VII,
cujo filho mais velho, Arthur, foi prometido para Catarina de
Aragão, filha dos reis de Espanha, então o país mais rico e
poderoso da Europa. Todavia, Arthur faleceu, coube, dessa
forma, a Henrique VIII (1509-1553) casar-se com a viúva do
irmão. Desse casamento nasceu uma filha, Mary, que se
casou, mais tarde, com Felipe II, o filho de Carlos V,
da Espanha.
Os Tudors: Henrique VIII

 Henrique VIII rompeu com a Igreja Católica e fundou a Igreja


Anglicana, com profundas consequências políticas e
econômicas para a Inglaterra.
Henrique VIII confiscou terras e propriedades da Igreja Católica
na Inglaterra e em Gales, provocando mudanças fundamentais
na economia e na sociedade inglesas:
 o rei destinou parte do confisco à nobreza que o apoiara, parte
ofereceu aos burgueses ricos, mas a preços módicos, outra
parte às Universidades de Oxford e Cambridge, que passaram
a apoiá-lo. A terra, transformada em bem de produção,
inclusive produção de lã, comercializada com Flandres,
ficou submetida à alta de preços, assim como os produtos.
Elizabeth I

 Elizabeth I foi hábil na condução da política econômica,


estimulou a expansão dos mercados, o ataque aos navios
espanhóis procedentes da América, carregados de ouro e
prata, criou a Companhia das Índias Orientais, ou “Company
of Merchants of London Trading to the East Indies”, que existiu
durante 250 anos com frota e exército próprios e uma receita
bruta superior à do governo, apoiou o desenvolvimento das
manufaturas; venceu a Espanha, lutou contra a Irlanda, apoiou
a ciência, a educação e a cultura. Quanto à religião, foi
tolerante, manteve a posição anglicana e se opunha aos
chamados Puritanos, menos por questões teológicas do que
políticas e enfrentou, também por questões políticas, o
catolicismo extremado da Irlanda.
Interatividade

Qual das proposições abaixo não corresponde à verdade dos


fatos?
a) O Rei Henrique VIII, da dinastia Tudor, ratificou o documento
conhecido por Magna Carta.
b) Elizabeth I soube controlar a oposição do Parlamento e
estimular a economia.
c) Mary I desenvolveu intensa perseguição religiosa aos
protestantes.
d) A negociação das terras da Igreja provocou mudanças
significativas na estrutura de classes na Inglaterra.
e) Henrique VIII enfrentou o Papa e instaurou a Igreja Anglicana.
Os primeiros Stuarts

 Sucederam à Elizabeth dois reis da casa de Stuart: James I e


Charles I. O Rei James I estimulou a colonização (dos EUA) por
companhias tipicamente capitalistas, as chamadas Joint Stock
Company, (Virginia Company of Plymouth e Virginia Company
of London), sociedades por ações, diminuindo o risco de
investimento entre os muitos interessados. James I fortaleceu
a Igreja Anglicana, combateu católicos, calvinistas e puritanos
na Inglaterra, Escócia e Irlanda, mas sua política absolutista
desagradou e provocou atritos com o Parlamento, que se
agravaram após sua morte, em 1625, com a ascensão de
Carlos I ao trono e que pretendeu governar sem o Parlamento.
1645: a República na Inglaterra

 A Câmara dos Comuns, constituída por burgueses notáveis


e a pequena burguesia rural (roundheads), majoritariamente
puritana, assumiu a liderança da oposição com Oliver
Cromwell, dando início a uma guerra civil que promoveu uma
série de mudanças políticas no Estado. Cromwell assumiu
a chefia do governo como Lorde Protetor, cargo vitalício e
hereditário, eliminou a Casa dos Lordes, implantou uma
República Ditatorial, expandiu os interesses coloniais da
Inglaterra, dando forma e força ao mercantilismo inglês
com medidas protecionistas. Nessa época, os Niveladores
(Levellers) aparecem na cena política como grupo
independente, eles eram defensores da tolerância religiosa
e do liberalismo dos séculos XVIII e XIX. Foi nesse período
que Hobbes escreveu sua mais famosa obra: “O Leviatã”.
A Revolução Gloriosa

 O Parlamento, então, declarou vago o trono e indicou Mary


(filha de Jaime II, protestante) casada com William de Orange
(holandês e calvinista) para ocupar o trono da Inglaterra,
como Mary II.
 Este movimento de 1688 foi denominado Revolução Gloriosa,
mas, na verdade, foi um golpe de Estado.
 Mary II permaneceu no trono até sua morte, em 1689, por varíola.
Seu marido foi quem, na verdade, governou, embora não fosse
bem aceito na Inglaterra. Dele partiram decisões importantes,
como a criação do Banco da Inglaterra (1694) e saneamento das
finanças, impulsionando o capitalismo inglês.
A Declaração de Direitos

 Os reis tiveram que firmar a Declaração de Direitos, aprovada


depois pelo Parlamento, reconhecendo os direitos do povo
inglês e aceitando a supremacia do Parlamento sobre as
decisões da Coroa.
 Da Revolução Gloriosa, de 1688, a Inglaterra saiu como um
Estado liberal-burguês, instalando o regime monárquico-
parlamentar, representando um acordo entre burguesia,
nobreza e realeza, do qual ficava excluído o povo, constituído
pelos trabalhadores do campo e das cidades.
 Em 1700, o Parlamento elaborou novo documento, Ato de
Estabilização, para limitar poderes da Coroa e assegurar
direitos e liberdades dos súditos, o Ato foi ratificado
posteriormente.
França: Felipe IV, o Belo (1285 a 1314)

 Ele submeteu o Conde de Flandres a uma série de obrigações


políticas e econômicas de indenização de guerra; adotou
medidas monetárias, manipulou o valor da moeda, obrigou
os cambistas a operar nos escritórios reais; reestruturou a
política fiscal, taxando pesadamente os súditos não nobres
(burgueses); expulsou os banqueiros lombardos, aplicou
impostos ao alto clero e exigiu que bispos e abades lhe
devessem obediência (essas duas medidas provocaram
a crise entre Igreja e Coroa); determinou a conversão
obrigatória dos judeus (mediante pagamento) ou sua
expulsão do reino.
Felipe IV e a estruturação da monarquia

Dois órgãos ou instâncias de governo estavam centrados


na pessoa do rei:
 Um organismo de consulta, o conselho, no qual os legistas
constituíam uma parcela, não sua totalidade, utilizado na
elaboração da política de governo e na sua execução
administrativa;
 Um organismo de consentimento, a assembleia, por vezes
utilizado como força de suporte para sua política. O rei podia
convocar a assembleia quando quisesse e a constituía ao seu
gosto. Por princípio ou premissa era admitido o acordo tácito,
implícito na convocação. Essas assembleias deram origem aos
Estados Gerais.
 Felipe IV teve como preceptor Gilles de Rome.
Tendências centrais na trajetória do absolutismo
monárquico francês

 Ênfase na construção do Estado territorial, os reis vão


centralizando poder na medida em que saem vitoriosos;
 Conflitos na superação das instituições feudais, porque
impostos e taxas passam a ser devidos ao rei;
 Cuidado na elaboração jurídico-institucional das mudanças,
daí a importância dos “legistas”, do judiciário e das normas
processuais;
 Atrasos na elaboração de política econômica, remodelação
das atividades produtivas, adequando-as ao mercantilismo
e às exigências do capitalismo manufatureiro;
 Ênfase na articulação entre órgãos de governo, instaurando
a burocracia administrativa do Estado.
Dois séculos depois de Felipe IV

 Francisco I (1515) mantém o centralismo como estratégia


política, mas a estrutura de poder se torna cada vez mais
pessoal, com membros do conselho e clérigos do palácio
substituídos por senhores de fortuna.
 Uma “nobreza de emergentes”, formada no comércio, foi
ocupando cargos no Estado e se apropriando dos privilégios
da antiga nobreza; as contradições de interesses vão explodir
mais tarde, nos movimentos das Frondas;
 A França se tornara um Estado quase moderno, centralizado,
com fronteiras asseguradas. Nobreza e burguesia colaboram
com o rei e mantêm as classes populares submissas. O rei se
associa ao Papa para impedir a Reforma de romper
esse arranjo.
Luís XIII (1601-1643) e seu ministro, o Cardeal
Richelieu: os tempos de “Os três mosqueteiros”

 Uma política inspirada em parte em Maquiavel e Hobbes, mas


principalmente em autores franceses: Guez de Balzac, Cardin
Le Bret e Philippe de Béthume. O absolutismo figura como
“razão de Estado”, argumentação de Luís XIII e de Richelieu.
 Maquiavel escreveu “O Príncipe” (1532). Situa a prática
política dos reis acima da lei moral, uma postura pragmática à
qual se pode adicionar uma ética finalista, visando o Estado.
 Cardin Le Bret, um jurista, escreveu, em 1632, sobre a
Soberania do Rei, que, segundo ele, goza de independência
absoluta.
 Philippe de Béthume publica, em 1633, O Conselheiro de
Estado, anotações sobre a política moderna do servidor,
revelando afinidades com o curso da política francesa.
Luís XIV, o Grande Rei ou o Rei Sol e Mazarin: o
absolutismo francês em sua expressão máxima

 O Cardeal era italiano, não aceito pelos franceses, o que


provocou movimentos (Fronda) de revoltas de parlamentares,
de segmentos da nobreza e do povo de Paris (barricadas),
a família real teve de fugir.
 Luís XIV era católico, não contestava a autoridade do Papa,
revogou o Edito de Nantes, reiniciou a perseguição aos
judeus, retomou a perseguição aos protestantes e jansenistas
(católicos que contestavam o poder absoluto), provocando
revoltas e reflexos desastrosos na economia.
 Impôs ao clero uma declaração de quatro princípios,
proclamando a autonomia da Igreja da França perante
o Papa e sob a direção do rei.
Luís XIII e Luís XIV: faces do absolutismo francês

 Luís XIV manteve-se afastado do povo, exercendo poder


absoluto. Quando faleceu, a monarquia estava consolidada,
mas os cofres vazios. Os parlamentares esperavam, sem
muita ilusão, retomar o poder.
 Para o Rei, o Estado e sua pessoa estavam ligados para
sempre: a glória de um seria a de outro.
 Enquanto Luís XIII exerceu o poder absoluto visando ao
Estado, Luís XIV o exerceu centrado em sua pessoa, em sua
religião e em sua glória, desse plano pessoal ele imaginava
contaminar o Estado com glória e poder.
Os dois Cardeais e o poder absoluto na França:
Richelieu e Mazarin

 Richelieu trata da arquitetura política do Estado francês e


de sua condução em suas obras, assim, ele se distingue de
Hobbes, que pretende construir uma ciência da política e
se aproxima de Maquiavel, apesar de descrever seu legado
de experiência de um lugar muito próximo ao do rei.
 Para ele, o pragmatismo e considerações morais estão
estritamente ligados, então, o Cardeal ensaia “conciliar a ética
cristã com o interesse do Estado, para cobrir, com a razão de
Estado, a da moral”.
 Mazarin é afeito às intrigas palacianas, apto a percebê-las,
a se situar no nível mais concreto das articulações de poder,
o das relações pessoais. Seu livro surpreende pela análise
calculista e individualista dessas relações, visando o poder.
O padre teólogo professor do absolutismo:
Jacques-Bénigne Bossuet (1627-1704)

 Para o rei, essa posição de “paternidade” entre o rei e seu


povo, levava à fidelidade e à obediência: cabia ao rei o
exercício do poder e ao súdito o exercício da obediência.
 A síntese do absolutismo monárquico em Bossuet (um rei,
uma lei, uma fé) aponta para o catolicismo da França (gálico),
era crítico e intolerante com todas as demais tendências
religiosas, inclusive católicas.
Bossuet era contra: as ideias políticas de Maquiavel e Hobbes,
por terem base racional; a partilha institucional do poder com
ministros fortes (Richelieu e Mazarin), ou com um Parlamento
(monarquia parlamentar). Todos esses modelos, para ele, seriam
convites à anarquia, ao sofrimento do povo e à humilhação
do príncipe.
Interatividade

Abaixo, algumas observações sobre figuras do absolutismo


monárquico francês. Qual delas está errada?
a) Bossuet era padre, teólogo, retirou da Bíblia exemplos do
exercício de poder real para ensinar seu pupilo, o Delfim
da França.
b) Mazarin, Cardeal, desenvolveu teorização do absolutismo
real comparável à de Maquiavel e Hobbes em importância.
c) Richelieu concentrou sua análise na arquitetura política
do Estado.
d) Felipe II, o Augusto, é considerado fundador do estado
nacional francês.
e) Henrique IV definiu uma política para o absolutismo real
que, a partir dele, assume contornos nítidos e institucionais.
O Crepúsculo do absolutismo monárquico na França:
Luís XV (1710-1774) e Luís XVI (1754-1793)

 Luís XV não foi um bom rei, embora contasse com o apoio


dos franceses no início de seu governo, mas foi perdendo
esse apoio na medida em que se distanciava dos negócios
do governo e tomava medidas autoritárias em um ambiente
político delicado e tenso. Viveu em Versailles, afastado
das condições de vida da população, sob a influência
das tendências da corte, principalmente de suas amantes.
 Luís XVI (1754-1793) Os franceses tinham esperança nesse rei
jovem, sério, culto, que não era dado às aventuras românticas,
mas esse Luís ocupava seu tempo mais com caçadas do
que com a política, e não foi capaz de enfrentar a crítica ao
absolutismo monárquico nem fazer frente à pressão do alto
clero e da nobreza e nem assinar a Declaração de Direitos
do Homem e do Cidadão.
A Revolução Francesa em curso

 Luís XVI convocou os Estados Gerais e tentando contornar


a oposição dos parlamentares, ampliou o Terceiro Estado.
 Na organização dessa Assembleia, a distribuição de seus
integrantes no espaço é, até hoje, uma referência para
tendências políticas: o terceiro estado, constituído pela
burguesia francesa e setores da classe média, se sentava
à esquerda do salão, enquanto o segundo estado – o clero,
a nobreza – se sentava à direita.
 O rei se recusa a ratificar a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão e dissolve a Assembleia; mas o Terceiro
Estado jura dotar a França de uma Constituição.
Revolução Francesa : conclusão

 Luís XVI foi preso, condenado por um tribunal revolucionário,


e guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. O mesmo destino
teve sua esposa, Maria Antonieta e, na sequência, mais de
2000 nobres e agregados do “Ancien Régime”.
 Instala-se, na França, um Regime de Terror que só será
contido com a constituição de um Consulado (Ditadura),
com Napoleão Bonaparte.
Quais as bases legitimadoras do poder do soberano
e quais as bases de sua limitação?

 Conceitos centrais à Ciência Política: legitimidade e legalidade,


e entre os dois, um terceiro: reconhecimento.
 Legitimidade do poder diz respeito à adesão voluntária às
decisões que, emanadas do poder político, afetam a todos
em uma comunidade, porque expressam legalidade, mas
 legitimidade deve ser ancorada em algo que transcenda o
indivíduo, tanto aquele que exerce a decisão, quanto o outro
sobre quem ela será exercida, portanto, é o reconhecimento
público, da coletividade, que empresta legitimidade ao
exercício do poder político.
A legitimidade do poder político e a crença na
racionalidade

 A legitimidade do poder político apoiada na crença da


racionalidade permitiu a ordenação e a reformulação do
Estado segundo um dado entendimento racional do mundo,
sobretudo ancorado em discursos que instauraram estatutos
jurídicos formais, obras da razão humana.
 Nesse caso, o Estado pode ser visto como uma construção
racional e jurídica, da qual decorrem princípios normativos
(leis) que podem ser ou não eficazes, no sentido de atingirem
aos fins propostos.
 Consequentemente, esses princípios normativos podem ser
alterados sem afetar a legitimidade de toda a construção
racional (Estado) da qual decorreram tais princípios.
O Governo, a lei, o rei e os súditos:
Jean Bodin (1530-1596)

 Jean Bodin conviveu com intolerância religiosa, misticismo,


perseguição e morte aos huguenotes, noite de São
Bartolomeu, casamento de Henrique IV com Margot de Valois.
 Ele era um intelectual, jurista, membro do Parlamento de Blois
e professor de Direito, legítimo representante desses tempos:
um dos teóricos da construção do Estado a partir do conceito
de soberania,
 Escreveu “Os seis livros sobre a República”. Era ferrenho
monarquista, por isso, República tem aqui o sentido original
de res publica e Método da História. Ele também escreveu um
livro sobre demônios e feiticeiras, “De la démonomanie
des sorciers” em 1580.
Aspectos do pensamento de Bodin:
tolerância religiosa

 Fez parte de movimentos do extremismo católico, mas


apoiou Henrique IV que, como ele, também oscilava entre
o calvinismo e o catolicismo. Com relação às divisões e
guerras religiosas dentro da França, Bodin adota uma posição
que hoje seria considerada “tolerante”, porque, sem deixar de
reconhecer a presença das várias tendências religiosas
irreconciliáveis, ele propõe situar o Estado acima disso e
desloca a lealdade de todos os súditos para a pessoa do rei.
Nas condições políticas de seu tempo, essa posição
estratégica se afinava com uma tendência denominada
“políticos”, que também propunha a tolerância religiosa
e a figura do rei como representação da unidade do Estado
francês, um argumento do absolutismo monárquico para
favorecer a formação de uma identidade nacional francesa.
Soberania

 A relação básica que define o Estado é a que se dá entre


soberano e súdito, todas as outras relações, de caráter
religioso, ético e social ficariam fora da teoria política.
Essa sujeição é que torna o súdito cidadão.
 Entre os súditos pode haver os de religião distinta, os de
língua distinta; entre os cidadãos pode haver os de costumes
diferentes e os que se organizam em grupos de profissões
diferentes, mas essas organizações não formam um estado,
embora possam formar cites (nações) distintas, as “nações”
não formam um estado, a menos que os cidadãos estejam
submetidos a um soberano em comum.
 Importante notar que a soberania tem caráter absoluto e
perpetuidade.
Soberania: o poder soberano

 O poder soberano deve estar acima das leis, a soberania


abrange todas as atribuições do soberano como chefe jurídico
do Estado, o que implica autoridade do soberano sobre
o direito consuetudinário, que ele sanciona ao permitir
sua existência.
 O poder soberano não se submete às leis e nem cria para si
leis especiais; esse é o traço distintivo do Estado e condição
para preservar sua ordenação. Logo, esse poder deverá ser
indivisível e perpétuo para expressar a soberania. Assim, para
Bodin, as distintas formas de governo variam segundo a fonte
desse poder. Aqui há uma distinção importante entre formas
de Estado e de Governo.
Soberania é indivisível

 A soberania se caracteriza pelo poder de dar leis aos cidadãos


sem que, para isso, seja necessário o consentimento de
qualquer instância.
 Na França e na Inglaterra, os Estados Gerais teriam uma
função de assessoria, os conselheiros do rei devem ser
consultados, mas o rei não deve submeter-se a eles,
ou melhor, os conselhos não devem ser imperativos.
 Em suma, não existe poder soberano dividido, ele pode ser o
rei, a assembleia ou o povo. Portanto, as formas de governo
são constituídas pelo “aparato intermediário” pelo qual esse
poder é exercido.
Fonte e limitações à soberania

 Em uma monarquia, a fonte de soberania é o rei, as demais


instâncias de poder, como ministros, cumprem função de
assessoria. Mas se o rei está submetido a um parlamento ou
assembleia, então o governo que existe é uma aristocracia e,
finalmente, se o poder final de decisão ou de revisão reside em
um órgão popular, então o governo é democrático.
 É importante notar que: o rei pode delegar poder à assembleia,
ou parlamento, assegurando um governo democrático ou,
inversamente, a assembleia ou parlamento pode concentrar
o poder em um governo despótico.
Interatividade

As proposições abaixo são fragmentos extraídos do


pensamento de Jean Bodin. Qual delas está correta?
a) Bodin adotou postura intolerante com relação às divisões
e guerras religiosas.
b) Para Bodin, a lei não podia modificar o costume nem o
costume modificar a lei.
c) O conjunto de leis relativas à propriedade privada não
constituía limitação para o poder do soberano.
d) O poder do rei era absoluto, mas algumas leis só poderiam
ser modificadas com aprovação do Parlamento.
e) Para Bodin, era mais fácil para os súditos serem leais aos
princípios jurídicos do que à pessoa física de um rei.
O medo e a insegurança, a ideia de pacto entre o
soberano e os súditos: Thomaz Hobbes (1588-1679)
e a ciência

 Como assegurar o interesse comum em uma sociedade que,


sob o efeito do capitalismo, diversificara classes, respectivos
interesses, e religiões? Como assegurar base de sustentação
para o governo, quando a sociedade já não se apresentava
como uma comunidade?
 A resposta encontrada por Hobbes seria resultante de uma
busca por fundamentos racionais do interesse privado,
orientada pela razão. A sociedade política deveria criar uma
forma de associação racional para governar os homens.
 Essa era uma exigência na Inglaterra de Hobbes e a
concepção de “estado de natureza” pareceu ser uma nova
possibilidade para pensar a política, sem recorrer à teologia,
ou filosofia, mas à ciência.
O estado de natureza

 É uma criação artificial, racional, na qual os indivíduos são


construídos nas suas diferenças de classes, interesses,
posses, mas na semelhança de desejos, o que instaura
conflito e concorrência entre eles, portanto, a insegurança
e o medo.
 No estado de concorrência, “o homem é o lobo do homem”;
mesmo em tempos de paz, todos estão contra todos, dando
origem à guerra, que impede as atividades de toda sorte,
econômicas, intelectuais e artísticas, fazendo desaparecer
o sentido privado de propriedade, na medida em que, o que
pertence a um é desejado por outro.
“O Leviatã”, o poderoso gigante protetor

 Na obra “O Leviatã” ou “Matéria, Forma e Poder de um


Estado Eclesiástico e Civil”, Hobbes discute o estado como
um homem artificial, mais forte e poderoso do que cada um
dos indivíduos, necessário para protegê-los na medida em
que todos têm em comum os mesmos desejos de riqueza, as
mesmas noções de recompensa e de castigo.
 Esse estado é representado como uma metáfora da
coletividade, na imagem de um gigante (Leviatã), que
empunha espada e cajado episcopal e pela articulação entre
poderes distintos: militar, religioso e político.
Um pacto entre todos dá origem ao Estado, evita a luta
e o medo, fundamenta o poder do rei ou da assembleia

 Se o pacto é voluntário, sua preservação depende da ameaça


e castigo. Não são apenas as palavras que o sustentam, logo,
confere ao rei o poder de castigo e armas para imposição.
 A sociedade política, em Hobbes, é instaurada por uma escolha
racional, derivada do medo da guerra, mas se dirige à
esperança de paz no Estado: todos se encontram
representados na instância de poder constituída, todos se
comprometem, entre si, com a obediência ao senhor que
escolheram, mas o senhor ou soberano não se compromete.
 Ele não fez o pacto, foi escolhido por todos para representá-
los, não houve delegação de poder, mas a radical alienação
do poder de cada um para o Leviatã, que os representa
coletivamente, exercendo uma vontade absoluta.
O Estado pode assumir forma diversa, desde que o
poder soberano seja indivisível

 Aos homens que, no estado natural, gozavam de direitos


individuais em meio aos conflitos de interesses, restou a total
submissão ao poder soberano instalado: eles têm deveres e
não mais direitos individuais, sendo esse o traço fundamental
na constituição da “cidadania”.
 Ao firmarem o pacto, os homens abriram mão da liberdade em
nome de um governo autoritário, aceitaram a dominação em
nome da proteção, seus interesses são então representados
pelo poder soberano, exatamente por isso, a forma de Estado
mais vantajosa para todos seria a Monarquia, no entender de
Hobbes, visto que, se todos os súditos acumulam riquezas,
o poder do Monarca será ampliado. Portanto, é do interesse
do rei a riqueza, a glória e a segurança dos súditos.
Aspectos gerais da concepção de Hobbes

 A concepção de Hobbes é racional, fria, se aproxima


daquela de Maquiavel e para alguns dos seus intérpretes, é
individualista e materialista. Estão ausentes de seu
pensamento quaisquer referências à justificativa religiosa
do poder civil dos reis e finalidades outras que não sejam
a proteção de cada um, de suas riquezas e interesses em face
dos interesses da ambição dos demais.
 Consequentemente, o poder de legislar fica concentrado no
soberano, mas a lei é um artifício decorrente da instituição do
Estado: fora dele não há direito e nele todo direito decorre da
lei, que, por definição, não pode ser injusta. As leis decorrem
da vontade do soberano, logo, ele está submetido a elas
enquanto não as revogar. Todavia, o direito de promulgar leis
e de revogá-las é dele.
Quais seriam os deveres do soberano
com relação aos súditos?

 O soberano deve garantir aos súditos segurança para


realização das satisfações, cabendo ao Estado as medidas
que permitam trabalho, educação, encaminhando os súditos
para o sucesso.
 Cabe aos súditos a inocente liberdade permitida pela lei
e as leis devem ser explicadas ou justificadas para serem
racionalmente obedecidas.
 O indivíduo-cidadão, em Hobbes, se constrói no Estado, por
um processo político, na relação com o poder, mas não se
trata de um indivíduo temeroso, de um sujeito da sujeição,
mas daquele considerado curioso e sábio.
 Hobbes submete a Igreja ao Estado ou à soberania.
Ela, a soberania, não é o poder de fazer não importa o quê.
Qual o papel do Estado com relação à economia e à
propriedade privada no século XVII?

 Nas Províncias Unidas da Holanda, que se destacavam na


economia mercantilista, no ambiente político de tolerância
religiosa, o consentimento ao pacto explica a sociedade e o
Estado como autoridade pública, soberana do próprio grupo.
Esse é o fundamento da teoria de soberania de Althusius.
 Em contrapartida, as relações econômicas entre estados,
questão central ao capitalismo mercantilista em expansão,
aparece em Grocio, cuja reflexão política é marcada pela
importância reguladora do direito positivo.
 Em Hobbes, ao modelo de estado absolutista, corresponderia
um governo liberal, não intervencionista, conservador, enfim,
um governo que mantivesse as lutas políticas sob controle,
mas ampliando as oportunidades de negócios.
Bodin (século XVI, na França) e Hobbes
(século XVII, na Inglaterra)

 Ambos refletem sobre o Estado, sua constituição no marco do


absolutismo monárquico na França, de influência católica na
Inglaterra anglicana e calvinista. Ambos os pensadores
enfrentaram a espinhosa questão dos limites ao poder
absoluto em face das normas jurídicas, da convenção
e dos presumíveis direitos dos cidadãos.
 Todavia, os amantes do autoritarismo sempre evocam Hobbes
para justificar a paz de um “governo forte”. O argumento, além
de impreciso, porque ignora as modulações do pensamento
do autor, tem sido utilizado pelos temerosos de perder
privilégios e riquezas, servindo a distintas ditaduras, inclusive
na elaboração teórica de Golbery do Couto e Silva para
a ditadura. O “direito” instituído nessas condições
apenas expressa e aplaca aquele medo.
Interatividade

Qual dessas proposições está correta?


a) Portugal e Espanha se organizaram como estados nacionais
após a descoberta do Novo Mundo.
b) Na Inglaterra, a luta entre nobres e Coroa se estendeu por
largo período, envolveu a consolidação do Parlamento em
duas casas.
c) A França não enfrentou guerras para consolidação do estado
nacional.
d) A nobreza francesa foi a grande articuladora do estado
nacional francês, juntamente com o clero.
e) A instalação do Tribunal do Santo Ofício, em Lisboa, tinha
por objetivo reforçar a identidade nacional cristã portuguesa.
ATÉ A PRÓXIMA!
Unidade II

PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

Profa. Neusa Meirelles


Os fundamentos econômicos e políticos do
pensamento liberal burguês

 Há dois sentidos básicos para liberal: o econômico,


designando o modelo clássico da economia de mercado,
caracterizado pela lei da oferta e da demanda, descrita por
Adam Smith no século XVIII, na Escócia. Os agentes
econômicos interagindo livremente no mercado instauram
concorrência que equilibra os preços.
 Essa versão clássica da palavra liberal remete a uma economia
livre de interferências, sobretudo do governo. Ao mencionar
interferência de governo, a palavra liberal desliza de seu
significado estritamente econômico para o difuso campo dos
conceitos políticos.
Liberal, neoliberal, pós-neoliberal

 Deve-se ter claro que o modelo de mercado que inspirou a


economia clássica não existe mais: há muito a economia
capitalista é gerida por agentes corporativos, preços
administrados, não obstante continuar capitalista. O Estado
interfere na economia como suporte das atividades
econômicas, mesmo que o governo se intitule liberal.
 Na dinâmica econômica neoliberal dos anos 90, movida
pelo capital financeiro e pela tecnologia de gestão, foram
exigidas estratégias governativas adequadas, referidas como
sendo “política neoliberal”. Seguiu-se uma fase de adaptações
e a definição de novas estratégias políticas, caracterizando a
tendência contemporânea, denominada por política
“pós-neoliberal”.
Pensamento liberal burguês

 O pensamento liberal burguês abrange um conjunto


diversificado de ideias que dizem respeito à dimensão
econômica das políticas dos Estados Nacionais, para as
quais, a burguesia não somente forneceu recursos de
sustentação, como participou de sua elaboração.
 Há variantes desse processo na história dos estados europeus
e, por conseguinte, na história das colônias desses estados.
 Na medida em que a burguesia se constituiu como classe
social, sua atuação política se fez no âmbito da sociedade civil,
instância a que ela mesma deu origem, mas essa formação nas
colônias foi diversa.
A ordem social burguesa

 Na ordem burguesa capitalista, a terra passa a integrar o


conjunto de bens passíveis de negociação no mercado,
adquirindo outro sentido: além de ser um bem familiar
(herança), ela possui valor associado ao seu potencial de
exploração produtiva.
 O proprietário da terra deixa de exercer dominação sobre as
pessoas que nela habitavam e produziam, dividindo com ele
o produto, as relações passam a contratuais remuneradas,
e regidas por legislação específica, inclusive fiscal.
 Outra situação acontece, mesmo na economia capitalista,
quando são restritas as possibilidade de acesso à terra, como
se passou no Brasil, nos seringais, engenhos e mesmo em
fazendas modernas.
Quais as bases do pensamento burguês?

Iluminismo, cuja origem se encontra no Renascimento,


(expansão mercantil, ascensão da burguesia e consolidação
dos estados nacionais), compreendendo:
 o iluminismo francês, cujas raízes mais profundas se vão
encontrar no racionalismo cartesiano, presente nos
enciclopedistas (Diderot, Rousseau, Voltaire, Montesquieu,
e outros);
 o iluminismo escocês, cujas raízes mais profundas se
encontram em Bacon e Newton, Adam Smith, John Locke e
David Hume. Os dois movimentos mantêm estreita relação,
emergindo em meio às mudanças sociais em processo, tanto
no Reino Unido quanto na França.
Estado e Governo: Locke (1632-1704) o filósofo da
revolução inglesa, pai do pensamento liberal

 Filósofo empirista, individualista, conservador, Locke é,


filósofo da classe privilegiada, da burguesia que assumira o
controle da política por meio do Parlamento.
 Autor de obras fundamentais em política, ambas de 1690: “O
Ensaio sobre o Entendimento Humano”, em filosofia, e “Dois
Tratados sobre o Governo Civil”.
 Concebe o ser humano como racional, em busca da felicidade,
alcançada com a paz, harmonia e segurança; no estado
original, ou estado da natureza, não havia o contrato social
nem o estado civil, contudo, já havia a propriedade.
 Locke concebe esse estado da natureza como um momento
pelo qual passou toda a sociedade humana e admite que
alguns povos ainda estejam nele.
Por que o contrato social e a passagem para o estado
civil, se o estado natural é pacífico?

 Contrato: a propriedade de uma parte da terra e comércio da


produção acarretam aumento de riqueza de uns em detrimento
de outros, acentuando diferenças e lutas entre os mais ricos e
os demais.
 O contrato social foi o meio racional de resolver essa situação,
mas, com ele, aquele grupo sai do estado natural para se
constituir como estado civil ou, mais precisamente, como
uma sociedade política.
 O estado civil preserva os direitos já existentes no estado
natural (liberdade, vida e propriedade) e institui princípios
normativos (leis, juízes) que não somente resguardam os
direitos como obrigam seu cumprimento e obediência.
O corpo governativo

 É a segunda etapa no processo de constituição da sociedade


civil, ele deve ser eleito por uma maioria, mas respeitando o
direito da minoria. Em sequência, dá-se a constituição de um
Poder Legislativo.
 A sociedade civil ou sociedade política não é uma abstração
teórica, mas resulta de uma trajetória constitutiva em que se
firmam os vínculos sociais em um “corpo político” (expressão
usual em Locke) constituído por homens racionais,
proprietários de seu trabalho, riquezas e liberdade.
 A liberdade natural implica direitos individuais e, por extensão,
no reconhecimento dos direitos dos demais homens, criando
vínculos imperativos, obrigatoriedades que se formam ao
longo dessa convivência ou sociabilidade.
O estado de natureza, em Locke, é distinto do
concebido por Hobbes e por Rousseau

 Na medida em que todos detêm liberdade, todos são racionais


e todos buscam a felicidade, a sociedade se forma em uma teia
de relações em que todos têm obrigações para com os demais.
 No estado natural, os homens não são perfeitos, eles têm
interesses, fraquezas, desejos e necessidades, buscam a
felicidade, mas são racionais, exercendo a liberdade de seus
direitos com consciência, como o direito à propriedade.
 A começar pela propriedade de si, da terra e das riquezas
produzidas pelo trabalho (mas não do trabalho expropriado de
outro homem). Esses direitos são preservados no estado civil,
assegurados por lei e juízes aptos a obrigar sua aplicação e a
sentenciar os casos de desobediência.
Corpo político e a vontade geral

 Cabe ao corpo político, cuja força resulta da união de todos,


expressar uma vontade ou a vontade geral, que se constituiu
por um pacto, o governo civil e nele o Poder Legislativo.
 Aqueles que vão exercer esse governo o fazem por “delegação”
de todos, com a finalidade de assegurar o bem-estar de todos
e a propriedade, por meio de leis e da política.
 A escravidão é uma face da guerra e desarticula a
sociabilidade humana ou a humanidade, mas Locke foi
acionista de uma companhia de comércio inglesa cuja principal
atividade era o comércio de escravos.
Interatividade

Qual das proposições abaixo sobre estado de natureza em


Hobbes e Locke está correta?
a) Em Locke, o estado de natureza corresponde ao bom
selvagem, à inocência gentil, feliz como no paraíso.
b) Só em Hobbes o estado de natureza antecede a ideia de
normatização jurídica.
c) Em Hobbes, o estado de natureza é irracional, porque o
homem é irracional, movido apenas pela paixão.
d) As duas concepções são radicalmente distintas, não há
termo de comparação possível.
e) As duas concepções se aproximam porque referidas a um
mesmo conceito, mas diferem na concepção de homem.
Locke, consentimento e representação

 Enquanto o consentimento submete a todos às leis e normas


autorizadas, a representação institui (pela presença daquele
indivíduo que está ausente) a maioria ou a vontade geral. Na
verdade, a representação implica em autorização para que
alguém legisle, tome decisões em nome do outro.
 Nesse sentido, os representantes têm seu tempo limitado
(duração de mandato), mas eles não falam em nome dos
indivíduos que os escolheram e sim se submetem à maioria,
admitindo que ela seja a expressão da “vontade geral” ou
“do povo”.
O Poder Legislativo

 Na medida em que o Legislativo faz as leis necessárias para


atingir as finalidades, ele é o maior poder no Estado; quanto
ao Executivo, confiado ao príncipe, tem por finalidade zelar
pela segurança e bem-estar de todos.
 O Poder Legislativo é limitado pelos direitos naturais, portanto,
o poder político deve ser justo, ou seja, moral.
 Locke introduz o direito de resistência ao poder, ou o direito
dos governados se insurgirem, porém, não se trata de
reconhecer as aspirações populares, mas de defender ou
restaurar a ordem estabelecida.
O povo

 É dotado de razão e instaurado como mandatário da lei


natural e como regulador moral das relações entre
governantes e governados.
 O pensamento liberal de Locke influenciou decisivamente
autores como Montesquieu e Rousseau, embora suas
concepções possam apresentar diferenças significativas
em relação a esses autores. Além disso, influenciou
decididamente as lutas da independência americana.
 Na leitura da Declaração de Direitos Universais é possível
perceber a influência das posições de Locke ou do liberalismo
em vários dos direitos apontados, às vezes diretamente.
Outras vezes, as posições do inglês aparecem mescladas às
de Rousseau.
No rastro do pensamento de Locke, a Revolução
Americana

 Além do pensamento de Locke, que ofereceu elementos


teóricos importantes para a Constituição Inglesa, as ideias
francesas e a maçonaria constituíram apoio fundamental para
as negociações.
 A revolução acenava com a possibilidade de ampliação dos
negócios para o capital europeu sem a incômoda mediação da
Inglaterra e não se tratava de uma revolução contra a ordem
burguesa estabelecida, mas de uma revolução para instituir a
ordem burguesa em uma região de enorme potencial.
 A figura exemplar da Revolução Americana foi o “bom
burguês” Benjamim Franklin, um articulador do que se
mostrava útil para os interesses que representava e para
os interesses de quem o ouvia.
Franklin e Paine, Utilitarismo e Senso Comum

 Sem que as conversações pudessem ser consideradas


negociações, era a isso que resultavam os “pontos em
comum”, habilmente identificados por Franklin. Na verdade,
o Utilitarismo americano incorpora o pragmatismo, postura
central à política burguesa.
 Outro arquiteto da revolução foi Thomas Paine. Mais inflamado
e teórico do que Franklin, publicou um panfleto, “Senso
Comum”, no qual advogava a república e criticava a monarquia
inglesa.
 Na verdade, trata-se de um compromisso entre interesses
contraditórios, entre os grandes proprietários de lavouras no
sul e os industriais e manufaturas do norte, entre os pequenos
estados e os grandes.
Federalistas

 Das contradições forma-se o “movimento” federalista, na


verdade, artigos publicados e assinados por Publios, um
pseudônimo para Hamilton, Madison e Jay. O debate reside
na necessidade ou não de um governo forte e centralizador
para as treze colônias.
 Nos artigos, duas filosofias apareciam, em certo sentido,
articuladas: Locke e Montesquieu. Contudo, as negociações
acabaram por conduzir a um modelo de compromisso, tendo
ao centro um governo que coordena interesses contraditórios
em nome do bem-estar comum.
O contrato social francês, cidadania e revolução:
de Rousseau a Tocqueville

 Os dois autores estão situados em um período dos mais


significativos na história: a Revolução Francesa e a Revolução
Americana. Rousseau deixou sua obra para a Revolução
Francesa, embora não fosse o único, enquanto Tocqueville
viaja da França, reconduzida a uma monarquia, para analisar a
sociedade que emergiu da outra Revolução, a Americana.
 Condorcet: Marie-Jean Antoine Nicolas Caritat, Marquês
de Condorcet (1743-1794). Por que ele? Porque fez uma
espécie de síntese do pensamento do período, da paixão de
Rousseau, do racionalismo crítico de Voltaire e contou com
a admiração de D’Alembert, portanto, dos enciclopedistas,
mas também sistematiza o Utilitarismo que se forma a partir
dos enciclopedistas.
O que é o Terceiro Estado? Perguntou um padre,
Sieyès, bispo de Chartres

 Seu texto sobre o Terceiro Estado tem efeito explosivo, é uma


crítica radical aos privilégios.
 Para ele, a soberania da nação supera a soberania do Estado,
associada à pessoa do rei. Em sua análise, ele constrói a
Nação pela lei, princípio formal (Juridicismo) e
 pelo Racionalismo, porque não se ocupa da história, a
razão aparece como suporte necessário e suficiente para
suas conclusões;
 pelo Utilitarismo, porque focaliza o Terceiro Estado e os
demais sob o foco da serventia de cada estrato para a nação;
 pelo Individualismo, porque admite que a nação seja a
reunião de indivíduos e vontades individuais.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

Personalidade complexa, irascível, mas apaixonado; há


diferenças irreconciliáveis entre as posições de Rousseau e
as dos demais integrantes do “enciclopedismo”:
 Ele não parte de uma razão sofisticada e da filosofia para
entender e discutir o mundo, mas da consciência do homem
comum, simples e inocente.
 Para ele, o homem fino e educado representava uma forma
pervertida do humano; ao contrário, no homem simples, os
sentimentos e as emoções são mais puros e permitem uma
vida mais harmoniosa.
 Essa “natureza do homem”, presente no estado natural de pura
inocência é desarticulada quando a propriedade privada
introduz desigualdades nessa harmonia.
Estado natural de inocência, liberdade e igualdade

 Rousseau considera a inteligência perigosa, porque instala a


dúvida, destruindo a veneração, papel semelhante ao da
ciência e da razão.
 Duas obras de Rousseau são fundamentais para a
compreensão de sua teoria política: o “Contrato Social” e o
“Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade
entre os Homens”. Na verdade, o Discurso antecede o
Contrato, conforme ele mesmo afirma.
 A questão de base no discurso consiste em: o que é o homem
verdadeiramente natural? A resposta surpreende: praticamente
um animal, que não conhece a liberdade nem a escravidão; não
conhece a propriedade nem a miséria; não é infeliz, mas
também não é feliz.
A construção do contrato social

 Para Rousseau, o contrato não se estabelece só pela razão,


mas pelo sentimento ou sensibilidade recíproca, que permite
a realização de um pacto social. Essa idealização dos
sentimentos morais encantou tanto a Kant...
 Desse modo, todo conjunto de indivíduos (comunidade)
goza de uma identidade coletiva, constituindo não uma
racionalidade, mas o sentimento de um “eu comum”.
 Em face desse “comum partilhado”, cada indivíduo
participante está em igualdade com os demais, o que lhes
permite realizar o pacto legitimado pela própria vontade de
todos ou pela vontade geral.
Vontade geral em Locke e Rousseau

A expressão “vontade geral” também aparece em Locke, convém


apontar a diferença, por assim dizer, profunda, de significado:
 em Locke já existe uma sociedade política que expressa a
vontade de todos, ou melhor, da maioria, respeitados os
direitos das minorias;
 em Rousseau, a vontade geral emerge de uma situação
de igualdade natural entre os integrantes do grupo ou da
comunidade, a vontade geral, nesse sentido, é uma instância
agregadora, um corpo coletivo.
Rousseau e a soberania do povo

 Ela é inalienável, indivisível e infalível porque expressa a


vontade geral, portanto, a frase “soberania do povo” remete
à base do governo, ao povo, um corpo político, enquanto o
governo é mais um órgão administrativo.
 A frase remete à constituição de um Poder Legislativo e de
leis que controlem as vontades individuais, implicando a
distribuição de papéis (e de poderes específicos), ou seja, a
instalação de um corpo político permanente ao qual Rousseau
caracteriza como governo.
 O corpo intermediário é constituído de magistrados e
pode tomar formas distintas em torno das três principais,
democracia, aristocracia e monarquia, mas ele preferia
a aristocracia.
Interatividade

Qual dessas proposições sobre o pensamento de Rousseau não


está correta?
a) A construção do contrato social se dá por um ato de razão,
permitindo a elaboração de um pacto social.
b) Todo conjunto de indivíduos que goza de uma identidade
coletiva, partilha o sentimento de um “eu comum”.
c) Cada indivíduo participante de uma coletividade está em
igualdade com os demais.
d) A expressão “soberania do povo” remete à base do governo,
ao povo como um corpo político.
e) Ao pacto legitimado pela própria vontade de todos,
denomina-se vontade geral, uma instância agregadora, um
corpo coletivo.
Montesquieu (1689-1755)

 Em Montesquieu, duas forças se contrapõem no ambiente


político: a nobreza, centrada no rei, e o povo, ou seja, a
burguesia, já que, para ele, o “baixo povo” não tem condições
de participação, mas, sem dúvida que a reflexão de
Montesquieu é contemporânea, dada a presença de
dispositivos institucionais que asseguram a participação
sem comprometer a estabilidade.
 Ele investigou o funcionamento dos regimes políticos ao longo
da história sob uma ótica racionalista, cartesiana e positivista.
 Sua linha de investigação era dirigida a buscar as causas
explicativas dos fatos, das leis positivas, para explicá-las à luz
de fatores sociais e históricos.
As leis que presidem a política

 Montesquieu conceitua lei como “relações que derivam da


natureza das coisas”, desse modo, deveria haver leis que
explicassem a diversidade de formas de governo, de situações
políticas e de Estados.
 Mas leis que regem relações políticas têm fundamento e
origem em situações sociais e históricas.
 Essas leis não são necessariamente racionais se examinadas
à luz de uma razão investigativa, porque elas são práticas
cristalizadas, escritas, dizem respeito às instituições e existem
para reger o comportamento dos homens em relação aos
homens, em instituições e situações.
O espírito das leis

 Ao colocar seu objetivo em esclarecer o “espírito das leis”,


Montesquieu vai buscar esclarecer a presença de condições
ou “coisas” que expliquem o aparecimento das leis positivas
e sua transformação.
 Essas “coisas” são, grosso modo, fatores sociais, ambientais,
geográficos, clima, religião, as leis, as máximas de governo,
os exemplos das coisas passadas, os meios e as maneiras de
onde se forma um espírito geral resultante.
 Portanto, a dinâmica de poder em uma sociedade remete
às formas de governo, não às instituições, mas ao seu
funcionamento, logo, é fundamental esclarecer quem detém
o poder e como ele está dividido.
Montesquieu e formas de governo

 Ele chega a três formas de governo: na monarquia, um


só governa, mas as instituições e leis estabelecem como
esse governo deve ser exercido; na república, quem governa
é o povo,
 mas o povo não tem condições de exercer o poder na
continuidade da escolha, pois falta-lhe a racionalidade
necessária, logo,
 será necessário identificar como se dão as divisões de
classe para estabelecer qual a fonte de poder; o
despotismo não consiste propriamente em uma forma de
governo, uma vez que quem exerce o poder é uma só
pessoa, ao sabor de sua vontade e desígnio.
Traço constitutivo de um governo e seu caráter
político: o espírito da lei

 Na monarquia, há o governo constitucional de um monarca,


sendo a ambição e a avareza os traços negativos da
monarquia (daí a necessidade de corpos intermediários).
 Na democracia, o governo do povo é exercido indiretamente,
por isso, o amor à igualdade e à simplicidade seriam os traços
da república. O despotismo, o traço negativo, caracterizado
pelo poder arbitrário de um indivíduo,
 mas não há uma melhor forma de governo, visto que fatores
vários intervêm: o tamanho do estado, a economia, o clima e
a geografia (esses considerados hoje a manifestação mais
clara de eurocentrismo, ou seja, do preconceito europeu em
relação às demais áreas do planeta).
Montesquieu, alguns aspectos gerais de
seu pensamento

 Ele estava preocupado com o risco do despotismo e


quase como recurso preventivo recomenda a separação
dos poderes, não exatamente nos termos atuais, mas uma
divisão de poder para não concentrá-lo nas mesmas mãos.
 Propõe os corpos intermediários, que seriam os parlamentos
e a nobreza, que atuariam como contrapesos ao poder
Executivo, uma proposta que decorre de sua idealização do
sistema inglês, de viés aristocrático e sua moral burguesa.
 A moderação de Montesquieu é conservadora e elitista, não
concebe a participação política de todos, não reconhece no
“baixo povo” condição para tanto, mas cabe ao Estado
assegurar a esse contingente condições adequadas de
sobrevivência por meio de instituições públicas.
Alexis Tocqueville (1805-1859):
Democracia na América, em 1835

 Um jovem de ascendência nobre, educado, que rapidamente


se tornara juiz e mais rápido ainda sentiu ameaça por parte
da política do governo de Luis Felipe.
 Ele e seu amigo Baumont, também advogado, conseguiram,
por influências familiares, uma providencial viagem de
estudos aos EUA a pretexto de estudar o sistema prisional
norte-americano.
 A viagem durou oito meses e foi financiada pelo Ministério
do Interior, da França. Alexis concentrou seus estudos
na dimensão política, Baumont, na situação dos negros
na América.
Assegurar a democracia seria um caminho acessível
a todos os povos?

 Quais características teriam os países que caminharam nessa


direção? Como assegurar a liberdade e a igualdade dentro da
ordem ou no Estado?
 Essas são as questões discutidas na obra de Alexis
Tocqueville, porém, ele fala de defesa da liberdade, mas não
apenas da liberdade econômica (essa discutida em Locke),
mas da liberdade política, de manifestação, portanto,
associada à representação política (uma preocupação em
Rousseau).
 O balanço entre liberdade e igualdade constitui um
tema fundamental em Tocqueville e, por consequência,
a compreensão das finalidades e funções do Estado
(liberal) democrático.
Para Tocqueville, a democracia é uma lei universal

 Todos os povos e países seguirão por esse caminho inelutável,


mas cada um ao seu modo, não existindo uma “democracia
imposta” para um povo, ou por um Estado para o outro. Esse
aspecto traz o que pensar sobre a política de “democratização
do Oriente Médio”, adotada hoje pelos EUA.
 Quando a esfera pública passa a ser comandada pelo Estado
e não pelo “público” e o Estado acaba por intervir na esfera
privada, há um risco para a democracia, na medida em que
implica restrição à liberdade.
 A democracia não pode ser concebida como “governo da
maioria” quando não respeita os direitos das minorias.
Quanto à relação economia e democracia

 Embora um liberal, Tocqueville via riscos no liberalismo. O


individualismo e a concorrência, implícitos na economia
de mercado, tenderiam a levar os cidadãos a uma postura
individualista, deixando as preocupações políticas a cargo
do Estado.
 Além disso, na economia capitalista, a livre iniciativa,
que conduz ao enriquecimento de poucos, mantém muitos
na pobreza, amplia a diferença entre ricos e pobres e
consequentemente compromete a ideia de igualdade,
ou seja, a própria ideia de democracia.
 Por consequência, a sociedade de massas não seria
democrática, mas estaria muito próxima do modelo de uma
sociedade autoritária ou de uma “tirania democrática”.
Qual a conclusão a que chega Tocqueville,
considerando esses riscos da democracia?

 Democracia é um processo, portanto, repousa na


atividade política dos cidadãos e não na ação de um
governo onisciente.
 A soberania popular se torna eixo da dinâmica democrática
quando articulada em associações que deveriam ser
respeitadas e resguardadas pelo Direito, sendo uma
prevenção contra a “onipotência da maioria”.
 Não basta dizer que o povo é ignorante se não há um processo
de formação democrática ou dizer que ele não sabe participar
da política ou da democracia se não há formação de costumes
democráticos; é preciso dar condições para que o povo possa
participar e exercer a democracia em igualdade com os demais
agentes (atores) do jogo político.
Quais as conclusões de Tocqueville sobre o Estado?

 As finalidades do Estado seriam: assegurar a segurança dos


cidadãos (interna e externa) e a soberania, preservando o
território; garantir educação e saúde (essa finalidade foi
acrescida posteriormente).
 A finalidade do Estado democrático de assegurar igualdade e
liberdade aos cidadãos fica estabelecida, a partir da lei, como
princípio normativo.
 No entanto, a igualdade não é a encontrável nas condições
concretas da existência social, em que pese ser a existência
social a garantia da democracia.
 Lembrando que quando Tocqueville fala da Democracia,
a América era escravagista. Ele, crítico da escravidão,
considerava importante manter as colônias francesas.
O Estado

 É preciso, então, pensar o Estado como construção (construto


teórico) e locus de exercício de poder, que reflete os interesses
hegemônicos naquela sociedade e naquele momento histórico.
Logo, as características dessa construção refletem “quem”
a construiu: a burguesia, na formação do capitalismo
manufatureiro e industrial.
 Todavia, os interesses da burguesia não são os mesmos:
eles divergem, por exemplo, entre urbana e rural, industrial,
comercial e financeira. A lei, o direito, mais precisamente a
Constituição, é a garantia maior desses interesses e a garantia
da burguesia contra os privilégios da nobreza e mesmo do
clero, categorias cujo poder foi superado pela história.
Como responder às mudanças?

 A sociedade formada no capitalismo industrial passou por


mudanças profundas na economia e na tecnologia ao longo
dos séculos XVIII e XIX, mas, no plano político, uma questão
que permaneceu sendo discutida consistiu na configuração
teórica e política de um modelo de estado adequado ou
consistente com as mudanças sociais e econômicas
emergentes, compreendendo dois aspectos principais: a
configuração do governo e sua dinâmica e as relações,
sobretudo econômicas, entre estados ou entre “nações”.
 Na base dessas discussões encontrava-se a preocupação das
elites com a preservação da ordem.
Interatividade

Qual das proposições abaixo sobre o pensamento de Tocqueville


está equivocada?
a) Todos os povos e países seguirão para a democracia, mas
não é possível impor a democracia para um povo ou país.
b) Quando a esfera pública passa a ser comandada pelo Estado
e não pelo “público” há um risco para a democracia.
c) A democracia não pode ser concebida como “governo da
maioria” quando não respeita os direitos das minorias.
d) A sociedade de massas seria uma sociedade democrática
ou muito próxima desse modelo.
e) Economia capitalista conduz ao enriquecimento de poucos,
compromete a ideia de igualdade, a ideia de democracia.
O conservadorismo: Edmund Burke (1729-1797)

 Um irlandês culto, advogado e parlamentar, homem do


partido político Whig, é considerado um dos fundadores do
conservadorismo, tendência que se expande pela Europa
após a Revolução Francesa, em paralelo a tendências que a
elogiavam, vendo mesmo na experiência francesa um modelo
para outros países.
 Burke foi um crítico sistemático e violento da Revolução
Francesa, mas se engana aquele que suponha em suas
palavras apenas um conservadorismo oportunista, “de
palanque”. Suas ideias não eram desprovidas de suporte
filosófico teórico coerente, embora ele não fosse partidário
das especulações filosóficas e teóricas como suporte da
ação política. Mas, então, qual a base de suas críticas?
O questionamento de Hume

 Para ele, as convenções apenas parecem verdadeiras, porque


são úteis, fundamentam regras, mas elas se apoiam mais na
imaginação do que na razão, portanto, a obediência ao
soberano, no passado, se apoiava no consentimento em
interesses em comum e não em verdades racionais imutáveis.
 Essa tendência de pensamento sofre o impacto da Revolução
Francesa leva ao idealismo kantiano e ao idealismo dialético de
Hegel, porque ambos os sistemas recuperam a tradição e
o costume.
 Essa revivescência da tradição cultural e da história serve
a Burke em seu apelo persistente pela tradição.
David Hume e Edmund Burke, afinidades
insuspeitadas

 Um filósofo escocês, David Hume, de pensamento claro, frio


e levemente sardônico e Burke, o apaixonado e imaginativo
parlamentar irlandês. Os dois concebem a sociedade como
artificial, resultante de convenções e mesmo de preconceitos.
 Contudo, o arranjo que se entende por tradições de uma nação
tem uma utilidade que ultrapassa a convivência harmônica ou
a crença em direitos autoevidentes.
 Na verdade, a tradição (as convenções) é o repositório da
história, da religião, da moralidade e da própria razão.
Facetas do pensamento de Burke

 Para ele, a tradição (as convenções) é o repositório da


história, da religião, moralidade e da própria razão, por isso, a
tradição tem uma utilidade que ultrapassa a crença de direitos
autoevidentes, porque esse sentimento de comunidade, de
partilhar de uma história idealizada em comum, substitui o
culto ao indivíduo.
 Assim, a sociedade constrói, na história, o conjunto de
convenções sociais que expressa valores morais, expectativas,
padrões de sociabilidade, portanto, direitos e deveres que
resultam ser a natureza da sociedade, consequentemente,
os homens são sociais.
Burke, crítico da Revolução Francesa

 Como crítico da Revolução, Burke alerta para o poder das


ideias filosóficas teóricas, como a igualdade, os direitos do
homem e a soberania popular da democracia abstrata, a
maioria numérica.
 A crítica se apoia no valor da tradição cultural que os
franceses revolucionários pareciam ignorar.
 Para o filósofo escocês, a sociedade natural não se
fundamenta no princípio da igualdade, mas na desigualdade,
assim como a propriedade. Admitir a igualdade, como afirma
Burke, seria “uma monstruosa ficção”.
 Evidentemente que a biodiversidade confirma a posição de
Burke, porém...
A natureza tem por fundamento a igualdade?

 o argumento de Burke não se baseava nesse aspecto e sim


no respeito, ao sistema britânico, à articulação e
acomodação entre normas e práticas consuetudinárias e à
história das relações entre estado e sociedade na Inglaterra.
 Outro aspecto importante nessa referência reside na
associação entre Estado e religião, que marcou a tradição
política do Estado na Inglaterra.
Burke parlamentar

 Como parlamentar, os temas tratados foram a natureza da


constituição, representação parlamentar e valor dos partidos.
 A contribuição de Burke, como homem de partido, talvez seja
mais significativa para a teoria política que seu debate sobre
os efeitos da Revolução Francesa.
 Ele caracteriza partido político pelo esforço conjunto de seus
integrantes, baseados em princípios de mútuo acordo,
voltados para a promoção do interesse nacional.
Burke parlamentar

 Burke defendeu as liberdades conquistadas pelos britânicos e


sabendo da necessidade de reformas, alertava o Parlamento
para que elas fossem conduzidas como aperfeiçoamentos e
não como na França, com o furor de ideias vazias e o terror
do sangue.
 Para ele, homem e sociedade são criações divinas, portanto,
o Estado, criação humana, deve ter sustentação ou suporte
religioso, o que se reflete na dimensão de sagrado que ele
reconhecia no Estado e no exercício das funções públicas.
 Burke tem inspirado o pensamento conservador nas suas
variantes britânicas e nos EUA.
Interatividade

Sabe-se que Burke se valeu do pensamento de David Hume


para fundamentar seu próprio pensamento. Mas, quais pontos
de convergência existiriam entre o pensamento de um filósofo e
o de um parlamentar liberal? Aponte a alternativa correta dentre
as abaixo indicadas:
a) Ambos eram iluministas empiristas.
b) Burke empresta sentido pragmático ao pensamento teórico.
c) Para ambos, a sociedade é artificial, uma criação social
humana, fundamentada em convenções com sentido
pragmático.
d) O racionalismo constituiu o elo de ligação entre os dois.
e) Não possuem nada em comum, mas ambos eram irlandeses.
ATÉ A PRÓXIMA!
Unidade III

PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

Profa. Neusa Meirelles


Pensamento político ocidental

Processo histórico resultante teórico


e da prática política, pelo qual:
 foram estabelecidos critérios e valores na apreciação
do poder e política, tais como liberdade, garantia da
propriedade, segurança e felicidade;
 a burguesia imprimiu sua marca à sociedade,
que se diz sociedade burguesa, e, finalmente,
construiu para si o modelo de Estado burguês.
Processos endógenos ao capitalismo
mudaram a sociedade burguesa:

a) as formas mais rentáveis e eficientes de trabalho,


presididas por sistemas de gestão mais eficientes
e mais lucrativos, geraram um contingente populacional,
urbano em sua maioria, integrado pelos que exercem
a força de trabalho necessária ao sistema, mas em
condições distintas das anteriores;
b) um “novo” contingente populacional se qualifica como
participante do jogo político, inclusive para redefinir
sua configuração institucional e instaurar novas regras.
O Estado burguês e a sociedade
industrial: mudança e permanência

 De modo geral, na sociedade industrial, o indivíduo


tem sua liberdade barrada por direitos de súdito.
 Tendências de pensamento surgem para dar conta
das mudanças sociais e econômicas emergentes.
 As disposições de poder do Estado burguês
precisam ser alteradas para que permaneçam
fundamentalmente as mesmas.
A ordem social e a política: positivismo e socialismo

 São posturas políticas diametralmente opostas,


em face da ordem social analisada por uma
racionalidade autoritária “científica”.
 Para o positivismo, era o controle moralizante, autoritário
e científico da ordem o sentido da política positiva.
 As ideias socialistas visavam outra ordem social
e, especialmente na versão marxista, uma ordem
construída pelos militantes em um processo
revolucionário de acirramento das contradições.
Positivismo: Auguste Comte
(Montpellier, 1798 – Paris, 1857)

 Obras: Curso de filosofia positiva, o Discurso


sobre o espírito positivo (1844) e o Discurso
sobre o conjunto do positivismo (1848).
 Proposta: a reorganização da sociedade a partir
do pensamento científico, de uma ciência do social
(sociologia) centrando a investigação nas leis naturais
invariáveis, reveladas pela observação sistemática dos
fatos, e pelas relações estabelecidas entre eles.
O positivismo toma a sociedade
como “organismo social”, estudando:

a) o estado estático, pela teoria positiva da ordem social,


forças sociais de preservação da estrutura e as responsáveis
pela coesão social ou solidariedade;
b) o estado de dinâmica social, das leis naturais que respondem
pela evolução da sociedade humana, ou seja, a “Lei dos Três
Estágios”, ou ainda a relação entre a ordem e o progresso.
 Os três estágios evolutivos da humanidade
e da vida são: o teológico (fetichismo, politeísmo,
monoteísmo), o metafísico e o positivo.
 O progresso: mudança das crenças, das teológicas
para as científicas, um recurso para o reformismo,
suporte para mudanças que induzem à permanência.
Positivismo, uma “política científica” para a
“saída” da situação social de crise, ordem moral

 A crise como momento da “marcha geral da civilização”,


coexistência em conflito de dois sistemas: um que se
extinguia (a velha ordem), e outro que tendia a se constituir
(a nova ordem industrial e científica).
 O positivismo, o movimento (e partido) capaz de enfrentar
a “anarquia social” instalada, e de preservar o Ocidente de
qualquer tentativa comunista, portanto “uma política moderna,
capaz de satisfazer aos pobres, tranquilizando os ricos”, sob
o marco republicano, porque Comte era contrário à monarquia.
Positivismo e organização política:

 expansão do executivo, inclusive com função legislativa;


 abolição do Parlamento, exceto para discussão de orçamento,
 abolição do sufrágio universal;
 o modelo positivista aproxima-se ao de uma ditadura do
proletariado, um regime correspondente ao “período de
transição” entre a “anarquia” e o Estado positivista.
A ordem social e a política: as ideias socialistas

 As ideias socialistas formam um leque de tendências,


mas a origem está associada à formação urbana do
capitalismo, especialmente industrial.
 São as contradições entre segmentos sociais que passam
a conviver no espaço urbano em situações radicalmente
distintas que acabam por provocar as revoltas às quais as
revoluções emprestaram discursos igualmente distintos.
 Dessas tendências, e foram muitas, apenas
três nomes serão considerados nessa unidade:
Saint-Simon, Proudhon e Karl Marx.
As ideias socialistas: Saint-Simon (1760-1825)

 Saint-Simon viveu o período intenso de lutas políticas


revolucionárias de violência do terror, sucedido pela
repressão e Restauração do Império com Napoleão,
seguido pela nova fase de lutas, repressão e articulações
políticas tendentes à reconstrução do Estado.
 Suas ideias são apresentadas como uma proposta
“esclarecida” crítica e irônica para os leitores, mas...
 Seu pensamento reflete a confiança na ciência como meio
para encaminhar problemas sociais, a tônica do positivismo.
Para Saint-Simon, o estudo científico da sociedade
parte de seu funcionamento (fisiologia)

 Ele distingue classes sociais pela posição profissional,


posse de capital (ricos, banqueiros e proprietários) e,
finalmente, trabalhadores industriais e povo.
 Propõe uma nova religião, mais espiritualizada, condizente
com as condições instauradas pelas luzes, nas quais o poder
está associado à razão, ou ao saber.
Saint-Simon em Cartas de um habitante de
Genebra para os seus contemporâneos (1803)

 No texto, ele conclama os trabalhadores a se unirem,


superando a distinção entre o trabalho braçal, exercido
pelos que não são instruídos, e a riqueza dos que
comandam, designados por “ricos” ou “proprietários”.
 Essa diferenciação, base da relação de dominação
entre os dois segmentos, seria minimizada na medida
em que os trabalhadores, mais numerosos, “forçassem”
os ricos a instruí-los.
 Todavia, a dominação aparece como “um fato”,
um desejo, encontrado em todo homem.
Saint-Simon, moralidade e política:

 não propõe transformação da sociedade, mas apela para


o princípio moral que preside as relações administrativas, na
medida em que todos trabalham para um fim comum e útil;
 reconhece que os trabalhadores são mais numerosos
e produtivos, mas não propõe alterar essa relação,
retirando dela uma conclusão de cunho moral;
 ênfase à organização, ao trabalho produtivo em
qualquer setor, e ao saber de gestão na organização.
 crítico do liberalismo, sua crítica à
situação na França também é liberal.
Interatividade

Positivismo e socialismo são tendências políticas. Abaixo estão


algumas proposições a respeito, mas qual delas está errada?
a) Nas duas tendências se nota o apego a
uma racionalidade autoritária “científica”.
b) Comte desenvolveu uma modalidade de socialismo
científico do qual teve origem a sociologia.
c) Para o positivismo, o controle moralizante, autoritário
e científico da ordem era o eixo da política.
d) As ideias socialistas de Saint-Simon tinham caráter utópico.
e) As ideias socialistas na versão marxista visavam outra ordem
social, atingida por meio de um processo revolucionário.
As ideias socialistas: Pierre-Joseph Proudhon
(1809-1865), uma referência ao pensamento
socialista, autor criticado por Marx

 Em O que é a propriedade? (1840) afirma que


“a propriedade é um roubo”, embora essa frase
não fosse dele, mas de Brissot, em 1789.
 Três anos depois, Proudhon enviou a Marx o seu
livro Filosofia da miséria (1847), acompanhado por
uma carta solicitando uma “crítica severa” da obra.
 Marx respondeu com Miséria da filosofia e criticou
Proudhon, apontando falhas teóricas, mesmo porque
o francês criticara a economia política marxista sem
instrumental teórico para tanto.
A contribuição de Proudhon:

 reconhece que os direitos inalienáveis do homem eram


violados pelo sistema econômico, mas acreditava na
possibilidade de uma “harmonia natural” e social, conforme
a vontade de Deus (embora ele se dissesse não religioso,
sendo-lhe atribuída a frase de efeito “Deus é o mal”);
 faz uma crítica à propriedade a partir da indignação moral,
em face do sistema (imoral) de retribuição – portanto uma
crítica ao sistema de remuneração ao trabalho, não à
propriedade privada em si;
 sua contribuição é um esquema normativo cujos ideais são
justiça e liberdade, mas tentou basear esse esquema em uma
análise econômica e apontar mudanças de caráter prático.
O problema social deve ter solução científica:

 propõe um Banco do Povo como instrumento


fundamental, mas a proposta não saiu do papel;
 crítico do Estado pela concentração de poder, mesmo
aquele poder que represente (aparentemente) uma vontade
geral, a seu ver uma ilusão, o que o torna um crítico de
Rousseau, preferindo Voltaire;
 não aceita o sufrágio universal e, quanto à democracia, não
sacrifica igualdade à liberdade, nem liberdade à igualdade.
O centro da contribuição de Proudhon
está no princípio da solidariedade ampliado
para o âmbito político

 para ele o Estado é uma federação de grupos,


resultante da reunião de vários grupos diferentes
por natureza, objetivos, e por práticas distintas,
mas agrupados em torno de um interesse comum;
 no âmbito internacional, esse princípio levaria
aos grandes blocos de nações, ou Estados;
 no âmbito social, o princípio de solidariedade leva ao
mutualismo, ou à associação mutualista, sistema de
trocas de serviços, bens e recursos entre os integrantes
da associação, evitando a luta de classes e a violência.
Três contribuições de Marx e Engels
para teoria e ação política:

a) o materialismo histórico dialético – método de


investigação e de construção do conhecimento;
b) identificação de processos e de sujeitos coletivos
que dinamizam a história, em uma relação dialética;
c) construção simbólica, discursiva, das condições materiais
de existência e daquelas possíveis de alteração pela práxis.
O método de investigação, o
materialismo histórico dialético

A realidade social é histórica, e não um “fluir”


do tempo, nem uma sequência de estágios, mas
um movimento que se dá por contradição. Logo:
 uma dada situação no presente não é estática,
pois nela estão contidas as condições do passado
e ao mesmo tempo as “sementes” do futuro;
 o movimento dialético das condições
históricas fora trabalhado antes por Hegel
(idealista) e Feuerbach (materialista).
Qual a novidade no pensamento de Marx e Engels?

 A relação entre as condições materiais concretas


da vida dos homens (forças produtivas e relações
produtivas) e a estrutura social política, e o Estado.
 O vínculo entre a vida real (as condições materiais
de existência) e as ideias, enfim, o modo como os
homens vivem se reflete no modo como pensam
sobre si próprios, sobre os outros, sobre o mundo
e a política – daí resulta o conceito de ideologia.
Identificação de processos e de sujeitos coletivos
na história: classe social e luta de classes

 Os dois conceitos resultam das relações de antagonismo


instauradas no Modo de Produção Capitalista (MPC), entre
capital e trabalho e dominação política.
 Teoricamente, no capitalismo industrial, burguesia e
proletariado compõem as classes sociais em luta no MPC.
 Marx, no Manifesto comunista, aponta a relação de
antagonismo entre classes, a luta de classes, e Lênin
considerou-a como “fio condutor da história”.
As classes sociais são históricas, estão em
movimento, em contradição (dialética), portanto
em uma dada formação social

 Os interesses objetivos do capital (burguesia) podem ser


subdivididos e até contraditórios (latifundiários, banqueiros,
industriais, exportadores, importadores), e também os
interesses dos trabalhadores (sindicatos) podem aparecer
subdivididos (grande empresa, indústria etc.), dando origem
a subdivisões das classes em segmentos.
 Essas subdivisões integram o processo de luta de classes,
desde que as classes tenham consciência de si e se
reconheçam como sujeitos de um processo histórico.
 Nas condições concretas de existência, as pessoas
tendem a esposar ideias relacionadas a essas condições
de existência ao lugar ocupado na ordem produtiva.
Ideologia, palavra difícil, mas
não é só a justificativa da ordem:

 ela abrange uma concepção de mundo e do sujeito


no mundo, uma análise do presente tendo em vista
o futuro e a concepção de linhas de ação (práxis)
convergentes para esse futuro;
 nessa acepção, ideologia abrange o conjunto de ideias
e de práticas de um projeto fundamental às organizações
políticas que se colocam como objetivo à transformação
da sociedade, seja pela força das armas ou não.
Alienação, outra palavra difícil,
separação entre sujeito e realidade

 Partindo desse entendimento, a palavra em Marx vai remeter


à separação entre trabalhador e seu trabalho, cujo “produto”
será apropriado pelo outro sob a forma de capital.
 Essa separação é radical e o trabalhador (não importa
o nível) passa a se identificar pelo trabalho que realiza e
que é alienado a outrem. Ele deixa de ser ele mesmo para
“ser” aquilo que faz, para “ser” o gerente, o fiscal etc.
Interatividade

Qual das proposições abaixo é fiel ao conteúdo exposto?


a) Saint-Simon foi positivista, aluno de Proudhon.
b) Saint-Simon não foi um socialista importante, mas o seu
Banco do Povo foi uma iniciativa que teve significado prático.
c) Marx foi um teórico do socialismo no século XIX, cujas
previsões foram desmentidas por Adam Smith.
d) As pessoas não estão condenadas a assumir tendências
de pensamento correspondentes ao seu lugar na ordem
produtiva, mas existe uma tendência para isso.
e) A dialética hegeliana é tão materialista quanto a marxista,
a diferença está no papel reservado a Deus em Hegel.
As ideias socialistas: o ambiente político,
partidos e organizações políticas

 Emtre meados do século XIX até as primeiras décadas


do XX, opera-se uma expansão capitalismo industrial e
a formação do capital financeiro que, em ritmo elevado
de acumulação e operando em escala internacional,
aprofunda contradições sociais em certos países
europeus, propiciando a formação de grandes
contingentes populacionais emigratórios.
 Nessa configuração, o fortalecimento do segmento
social “burguês” que se formara, enfrenta a oposição
dos trabalhadores organizados em ligas, círculos
operários, sindicatos e partidos políticos.
 Os movimentos e greves não reivindicavam
o poder, mas exigiam mudanças na condução
da política econômica e das políticas públicas.
O ruído das reivindicações populares urbanas
e o governo na França pós-revolucionária

 Napoleão representou uma força política pacífica


e defensora da ordem democrática e da vontade
geral, em meio das contradições entre segmentos
da burguesia, Executivo e Legislativo.
 Após a queda de Napoleão, as tendências políticas já
instaladas retornam: de um lado, a contrarrevolução dos
monarquistas católicos, e de outro, as ideias laicas e
libertárias dos revolucionários, em geral republicanas,
porém com as variações do socialismo e do positivismo.
 No confronto dessas duas tendências, o liberalismo
passou a representar o desejo de ordem e tranquilidade
ao gosto da classe média.
Luís Felipe e a queda da monarquia

 Em 1830 explodiu a revolução, tendo por base as


condições sociais precárias vividas pela maioria
da população trabalhadora, sobretudo em Paris.
Mas a vitória foi do capitalismo industrial, na sua
configuração financeira, sobre os proprietários de
terras, aristocracia e o clero.
 O “Rei dos Franceses”, como Luiz Felipe referia a si próprio,
foi também o rei burguês, e pretendeu manter uma política
liberal moderada, mas provocou oposição de vários setores,
inclusive da classe operária, cujas reivindicações explodiram
na Revolução de 1848, provocando a queda da monarquia.
A primeira iniciativa de organização política
dos trabalhadores em Londres (1864)

 Fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores,


de cujo Comitê participava Marx. Essa reunião ficou
conhecida como Primeira Internacional. Coube a Marx
redigir a Mensagem Inaugural da Associação Internacional
dos Trabalhadores e os Estatutos Provisórios dessa
Associação, que foi aprovada na reunião de 1871,
na Conferência da Associação Operária Internacional
(nome pelo qual a associação passaria a ser denominada
a partir dos Estatutos).
 Seguiu-se, em âmbito internacional, a Segunda Internacional,
em 1889, da qual participaram socialistas brasileiros.
Revolução Russa e partidos políticos

 A mudança no ambiente político internacional


afetou radicalmente o processo de construção
e consolidação dos partidos socialistas.
 Na Rússia, a Revolução de 1905-1907 vencera a monarquia e o
Partido Menchevique alcançara o poder, com perfil populista.
 Em 1917, o Partido Comunista Soviético lidera a
Revolução Russa e assume decisivamente o poder
em nome do proletariado, uma vitória que afetou
profundamente as posições dos partidos operários
e socialistas que se formaram no período.
Partido Comunista (Rússia, 1917)

 Tinha perfil e objetivos decorrentes das


condições históricas e políticas russas.
 Os soviets, ou “conselhos operários”, eram grupos de
militantes organizados em todos os setores de atividade
e unidades produtivas, formando uma pirâmide de poder,
de controle e circulação de informação.
 A capilaridade da organização partidária assegurava
centralidade da orientação política e ideológica, além
da obtenção de informações das bases necessárias
para avaliação e controle, cumprindo papel estratégico
no processo revolucionário de transformação econômica
e social da Rússia.
Vanguarda intelectual?

 Na condução da práxis transformadora, o partido


correspondeu à configuração russa do processo
de transição política em curso, em um mundo de
expansionismo capitalista.
 As medidas adotadas não decorriam de um modelo
consolidado de Estado socialista, mas de condições
históricas peculiares do momento. Portanto, não era
uma teoria geral referente à passagem de um modelo
de Estado capitalista para um socialista.
 Para Lênin e outros, caberia ao partido o papel de vanguarda
revolucionária e um perfil intelectual, mas essa formação
não era típica do proletariado, e sim da pequena burguesia.
Seria possível uma vanguarda que não tivesse
suas raízes na própria classe, ou a vanguarda
deveria surgir espontaneamente do proletariado?

 Para Lênin, intelectuais e trabalhadores deveriam


integrar-se em uma “organização centralizada e
disciplinada”, dotada de uma consciência adequada,
voltada para a história que é o partido.
 Em face da popularidade das ideias socialistas de
base marxista fora da Rússia, sobretudo entre a
intelectualidade, o Partido Comunista Russo, decidiu
“proletarizar” os partidos comunistas sob seu controle.
Partido Comunista: a rigidez teórica e equívocos

 Apesar das discussões internas, o PCB persistiu na rigidez


em torno de categorias de análise teórica, conduzindo à
adoção de estratégias equivocadas e dissidências.
 Um exemplo seria a insistência de considerar o poder do
grande proprietário rural como manifestação de um modelo
feudal, em decadência, ou “restos feudais” presentes e
persistentes no capitalismo retardatário brasileiro.
 Outro equívoco foi o de trabalhar com o antagonismo
“proletariado versus burguesia”, uma contradição teórica
válida, mas que na prática política exige estratégias
adequadas à realidade, e não aderentes apenas à teoria.
 Enfim, faltou a análise concreta da situação.
Dissidências e a presença na história política

 O pensamento socialista de matriz marxista-leninista


esteve na base de vários partidos políticos brasileiros
– do PCB, PC do B, PCR –, além das várias vertentes
de movimentos que surgiram nos anos 1960.
 Os dissidentes – e são muitos – não deixaram simplesmente
o Partido. Antes, elaboraram um exame crítico detalhado das
posições adotadas pelo PCB e de suas próprias posições.
 Este é o caso da análise de Carlos Marighella sobre
as teses apresentadas pelo Comitê Central do PCB
para o VI Congresso da entidade, em 1967.
O Partido Socialista

 Foi formado em 1947, originário da II Convenção Nacional


da Esquerda Democrática, no Rio de Janeiro.
 A linha ideológica do partido é a liberal burguesa,
aproximando-se do que se entende por “socialismo
utópico”. Portanto, fundamentalmente reformista.
 O Partido e seus militantes desempenharam papel
significativo na esfera política, sobretudo no Nordeste.
Conceitos básicos: representação
política e hegemonia

 Representação política: remete à presença de uma


ausência – o representante é, por definição, uma figura
coletiva, supostamente a síntese dos muitos que não
têm voz ou que não podem exercê-la, por questões
práticas e até mesmo por comodismo.
 Na democracia representativa, essas vozes silenciadas
se fazem ouvir nos círculos de decisão – sobretudo no
legislativo, pela voz do representante, que a si mesmo
não representa!
 Hegemonia: remete ao exercício do poder político
em dadas condições sociais e históricas.
 O conceito remete ao processo político, aos dispositivos e
práticas de poder, no cenário cambiante em que se insere a
dinâmica de governo e a própria configuração do Estado.
Representação política e composição
social: elites e maiorias

 Na condução da política, no governo e na concepção


do modelo de Estado, tornou-se fundamental estabelecer
mecanismos de representação política que diminuam o
controle das elites sobre a política.
 O modelo de governo civil, inspirado na tradição
liberal de uma vontade geral, consistia de um
governo para o povo, e não por ele.
 O elitismo implícito nessa concepção política
levou à aceitação de um distanciamento entre
representados e governo, caracterizando o
governo por consentimento da população
como modelo típico da sociedade industrial.
Interatividade

Por que os mecanismos de representação e prática da política


na sociedade industrial, baseados na vontade geral, não
diminuíram as reivindicações e críticas nos países europeus?
a) Devido à ordenação institucional monárquica.
b) Devido a imperfeições dos sistemas
eleitorais, que foram corrigidas.
c) Os mecanismos de representação não se destinavam
a fornecer as bases de apoio aos maus governos.
d) Pela herança da Revolução Francesa
e a revolta contra a ordem.
e) A vontade geral não corresponde às condições concretas
de existência no capitalismo industrial, pois falta um espaço
para encaminhamento de interesses materiais em conflito.
Impasses e riscos da representação

 Tocqueville, em 1848, referindo-se à democracia


americana, falava de uma “revolução democrática”,
com base na igualdade em liberdade, favorecendo
o sistema representativo.
 Todavia, essa “revolução” não soluciona a questão da
capacitação para a escolha, muito menos para que a escolha
realizada selecione os mais capazes para exercer a política.
 Instala-se então o risco de esses mais capazes
constituírem, na verdade, representantes de uma
maioria que exerceria poder opressivo.
 Na América, a prática associativa e o acordo moral,
instaurado na primeira fase da colonização para o
bem-estar de todos, contornaria esse risco.
Tocqueville e as observações
do “liberal de outro tipo”

Em suas observações sobre os mecanismos de


poder nos EUA, supunha ser aquele país constituído
por uma população de “iguais”, por isso:
 ele mesmo não escapou dos preconceitos de cor
e de “raça” – para ele, os “brancos” representam
a “essência” do homem, e os demais povos encontrados
na América, índios, são de espécie inferior;
 considerou a escravidão dos africanos um “mal necessário”,
assim como afirmou que os povos indígenas americanos não
conheciam a posse da terra;
Tocqueville e as observações do
“liberal de outro tipo” (continuação)

 sua “democracia americana” tem um referencial


específico – a “democracia” praticada entre brancos
dos EUA (e mantida por mais de 100 anos depois da
visita do francês);
 interessado em demonstrar a liberdade e
igualdade americanas, ele não percebeu as
contradições entre norte e sul (as que eclodiriam
em guerra civil posteriormente), apenas indicou
a diferença entre as duas regiões;
 somente indicou o avanço americano sobre as
terras mexicanas do Texas, sem considerar se
essa “invasão branca” era ou não democrática.
As manifestações populares e o cenário político
da sociedade industrial nos séculos XIX e XX

 A participação popular passou a integrar a cultura


como parte da própria concepção de política, tanto
na França quanto no Reino Unido.
 As “barricadas” apareceram sistematicamente
nas ruas de Paris e de outras cidades francesas,
ao longo dos séculos XIX e XX, “por cima” das
diferenças partidárias e da situação formal de eleitor.
 A manifestação popular, em várias vertentes, teve papel
fundamental nos movimentos contra o colonialismo,
reivindicação de direitos civis na África, Índia, EUA;
Na América Latina, esse processo foi diferenciado.
Manifestação popular na política

 Não consiste na expressão de partidos políticos, mas


no posicionamento de militantes, simpatizantes e populares
em relação a problemas políticos identificados.
 O trabalho de politização e mobilização é desenvolvido por
agentes diversos, inclusive partidos, associações (mais
recentemente ONGs, redes sociais, blogs) e a comunicação
circula pela imprensa escrita, falada, televisiva e virtual.
 Reprimir as manifestações nas ruas constitui em mecanismo
de força que “conta” a favor dos manifestantes.
Governo e hegemonia: a sociedade
civil em questão (Hegel e Gramsci)

 A construção do Estado burguês se firma nos modelos


absolutistas e ganha coerência nas formulações liberais
e iluministas dos séculos XVII e XVIII.
 O suporte teórico dessa concepção de Estado reside
no conceito de vontade geral, que institui, por pacto ou
contrato, o Estado como instância política que a expressa
e, ao mesmo tempo, legitima o governo do qual essa
“vontade geral” participa, uma formulação que se mantém.
 Em plena expansão do capitalismo industrial,
a construção iluminista contratualista dessa
concepção de Estado estava sob a crítica de
autores distintos como Hegel e Marx.
 Mas por quê?
Hegel, a construção do espaço da sociedade civil

 A impossibilidade de o Estado “dar conta” da sociedade


em transformação foi identificada e trabalhada por Hegel,
separando a esfera política da sociedade civil burguesa.
 O Estado deveria ser situado a partir da distinção entre
o que seja de sua responsabilidade – portanto no nível
mais amplo – e o que seja da responsabilidade dos
membros da sociedade, no livre jogo de suas atividades.
 Dessa diferenciação resulta o campo específico de atuação
política, espaço de manifestação dos conflitos, discussão
das ideias e onde as tendências emergentes na sociedade
possam ressoar sem comprometer a liberdade.
Antonio Gramsci, teórico e político marxista
italiano, discutiu o conceito de hegemonia
em relação à sociedade civil e ao Estado

 Ele explica que é um erro supor uma distinção


orgânica (intrínseca, arraigada ou funcional) entre
sociedade civil e sociedade política, apesar de
essa distinção existir teoricamente.
 Considera duas forças presentes na sociedade civil: os
movimentos pela “livre iniciativa” e o movimento sindical.
 Todavia, os sindicatos dependem dos rumos
emprestados à política econômica (movimentos
pela livre iniciativa). Consequentemente, essa
condição os mantém na subalternidade.
Sociedade política ou sociedade civil?
A “confusão” segundo Gramsci

 No Estado Liberal, as figuras que exercitam suas atividades


na sociedade civil (empresários, por exemplo), são as mesmas
que emprestam caráter estatal à atividade econômica, porque
são elas que respondem pelas regulamentações legislativas,
as quais têm caráter coercitivo.
 Outro aspecto importante reside na relação entre
governo e sua prática governativa: enquanto o governo
se apresenta como instituição e discurso no plano formal,
as práticas governativas são afetadas pelo jogo das elites
por hegemonia na sociedade civil.
Comentários finais

 A vida social contemporânea propicia a formação


de demandas gerais da maioria da população, além de
demandas peculiares a segmentos sociais específicos.
 Essas demandas, sob a forma de reivindicações,
surgem nas cidades e propiciam uma nova política,
cuja aplicação se dá sobre o corpo, na dimensão
de uma “biopolítica” ou “biopoder”.
 As políticas públicas de saúde, migração, natalidade
etc. são exemplos dessa modalidade de política.
 No controle dessas políticas estão posicionadas
as elites no jogo dinâmico por hegemonia.
Interatividade

Qual das proposições abaixo está incorreta?


a) A incorporação de previsão e racionalidade
à gestão do capital na indústria e serviços
expandiu o capitalismo financeiro internacional.
b) A capilaridade da organização partidária foi fundamental à
Revolução Russa, propiciando maior flexibilidade ideológica.
c) Um erro do PCB residiu no apego às categorias teóricas.
d) O pensamento socialista, de matriz marxista-leninista,
serviu de base para vários partidos políticos brasileiros
e para vertentes das organizações contra a ditadura.
e) Hegemonia remete ao exercício do poder político; o conceito
não remete à estabilidade, mas à dinâmica de poder.
ATÉ A PRÓXIMA!

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