Você está na página 1de 16

Revoluções, uma tradição inglesa

Rainhas, revoluções e rock and roll

Gênero que marcou uma das principais revoluções musicais da segunda metade do
século XX, o punk rock questionou, enfrentou e ironizou a forma de governo inaugurada
com as revoluções inglesas do século XVII, simbolizada, hoje, pela figura da rainha
Elizabeth II. Liderada pelo baixista Sid Vicious, a banda de punk rock Sex Pistols
protagonizou duras críticas ao governo inglês nos anos 1970. Com versos simples e
contundentes, a música God Save The Queen se tornou um hino de contestação à
imagem da Monarquia inglesa.

A história da Inglaterra é marcada por várias revoluções. Nosso objetivo é compreender o


processo revolucionário inglês do século XVII.

Cercos à revolução na internet

Se pesquisarmos imagens em navegadores da internet a partir da palavra revolução,


serão indicadas figuras como:

- mulher empunhando uma bandeira tricolor;

- punho cerrado com fundo vermelho;

- homem discursando;

- cenas de guerra.

Não haverá, nessas primeiras cenas, imagens da Revolução Puritana (1640–1649) ou da


Revolução Gloriosa (1688), isto é, das revoluções inglesas. No entanto, se a pesquisa for
repetida a partir da expressão Revolução Gloriosa, haverá prevalência de imagens de
monarcas. Isso significa que as revoluções inglesas foram protagonizadas por reis e
rainhas? Ou seus poderes foram tomados pelos revolucionários? Faça essas buscas e
pesquise também o termo Revolução Puritana, para embarcar nessa história!

Cercando (historicamente) as revoluções inglesas

O lugar das revoluções Puritana e Gloriosa. A Inglaterra foi o primeiro país moderno
europeu a romper com o Absolutismo. De modo geral, uma Monarquia absolutista
consiste na concentração de poderes nas mãos do monarca, diferente, por exemplo, da
tripartição de poderes (executivo, legislativo e judiciário), observado nas repúblicas atuais.
Comparada com as monarquias absolutistas europeias, a inglesa tem algumas
particularidades, entre as quais se destacam três:

1. A elaboração de um documento denominado Magna Carta, redigido em 1215,


estabelecendo que o rei deveria seguir a lei. Percebe-se, portanto, que, desde o início do
século XIII, o monarca inglês não concentra em suas mãos poderes absolutos.

2. A efetiva participação das mulheres no centro de poder, como Elizabeth II, a atual
rainha; Vitória, rainha durante o auge do Império Britânico; e Elizabeth I, última rainha da
dinastia Tudor, sucedida por Jaime I (1603–1625); pai de Carlos I (1625–1649), figura central
no processo revolucionário inglês do século XVII.

3. O rompimento do Estado britânico com a Igreja Católica e a fundação da Igreja


Anglicana, também comandada pelo monarca.
A relação desse Absolutismo com a emergente burguesia foi marcada por aproximações
e distanciamentos. Um ponto de aproximação foram os Cercamentos, que garantiram à
burguesia acesso e acúmulo de propriedade fundiária. Desde a Idade Média, a burguesia
compunha parte da Câmara dos Comuns do Parlamento Inglês, porém, desejava ampliar
seus espaços econômicos e políticos. O comércio de inúmeras mercadorias era monopólio
da Coroa e, com a ascensão de Carlos I, as tensões com o parlamento se acirraram. Esse
monarca deixou de consultar o legislativo, restaurou taxas e tributos extintos, ampliou
impostos e concedeu monopólios. Houve, nesse momento, um distanciamento entre o
poder absolutista e a burguesia. Bastava um estopim para o rompimento final.

Igreja Anglicana: essa instituição surgiu no contexto das Reformas Protestantes do século
XVI, evento histórico que dividiu o cristianismo europeu. A Igreja Anglicana nasceu de
uma divisão da Igreja Católica na Inglaterra, motivada por disputas políticas entre o rei
Henrique VIII e o Papado. Nessa instituição, o rei ou rainha da Inglaterra ocupava, e ainda
ocupa, uma posição de liderança secular (investido do título de Protetor e Chefe
Supremo da Igreja), embora sem funções ou poderes religiosos como os do Papa na
Igreja Católica.

Burguesia: grupo social que surgiu na Idade Média. Era composto por moradores livres
dos burgos, que se dedicavam ao comércio. Essa atividade ganhou corpo com a
flexibilização das relações feudais ao fim do Medievo. Os burgueses se valiam da
reabertura de rotas comerciais, próprias desse contexto, e orientavam suas práticas
mercantis para a obtenção do máximo de lucro possível. Como resultado, no início da
Idade Moderna, essa classe social tinha adquirido uma posição de destaque na economia,
mas não via essa relevância se refletir em possibilidades de participação na vida política.

Leis de Cercamentos (Enclosure Acts) ou Cercamentos: medida iniciada no século XI,


intensificada no século XVII e acelerada no século XVIII. Consistia em cercar as terras de
uso comum, de onde os camponeses retiravam seu sustento, para as transformar,
principalmente, em áreas de criação de ovelhas para a produção de lã, matéria-prima da
crescente produção têxtil, base da futura Revolução Industrial inglesa. Percebe-se, nesse
secular processo denominado Cercamentos, uma continuidade da concentração de terras
nas mãos de uma burguesia ascendente e, por outro lado, o empobrecimento dos
camponeses, que, via de regra, migraram aos centros urbanos emergentes.

Parlamento Inglês: desde o século XVII, era composto por duas estruturas: Câmara Alta
(Câmara dos Lordes), composta por nobres e alto clero; Câmara Baixa (Câmara dos
Comuns), composta, em grande parte, pela burguesia. Qual será a estrutura hoje do
parlamento britânico (que atualmente reúne representantes da Inglaterra, País de Gales e
Escócia)? É igual ao brasileiro?

Leia o texto sobre a Magna Carta, redigida em 1215. Esse documento impôs limites ao
poder monárquico inglês, impossibilitando-o de se tornar absolutista. Qualquer tentativa
de violação aos princípios dessa carta poderiam ser questionados pelo parlamento inglês.

Magna Carta (1215)


ESCOLA BRITANNICA

Em meados do século XVII, o rei anglicano Carlos I impôs sua religião aos ingleses em
uma sociedade formada também por católicos e protestantes calvinistas, conhecidos
como puritanos. O cenário para a eclosão de uma guerra civil estava dado. Perseguidos,
muitos puritanos fugiram para a América do Norte. Essa ação foi um dos pilares da
colonização inglesa nesse continente. Irlandeses não-anglicanos, também perseguidos
pelo monarca inglês, se revoltaram. Diante desse cenário, Carlos I convocou o parlamento
com a intenção de receber autorização para sufocar a revolta irlandesa. Os parlamentares
negaram o pedido real. Em represália, o rei ordenou a invasão à Câmara dos Comuns, de
maioria puritana. Diante desse movimento autoritário, a oposição ao rei organizou uma
frente armada contra o absolutismo carlista.

A Revolução Puritana foi uma guerra republicana?

A Revolução Puritana foi desencadeada pela invasão da Casa dos Comuns. Essa revolução
teve na guerra civil uma de suas principais características. Nessa levante revolucionário, o
exército do parlamento, cujos integrantes eram conhecidos por cabeças redondas,
enfrentou com maestria o exército real, formado pelos cavaleiros. Comandado por Oliver
Cromwell, os *Roundhead* estavam em maior número de soldados e tinham estratégias
militares sofisticadas, o que culminou na derrota definitiva dos cavaleiros na batalha de
Naseby (1645). O absolutista Carlos I foi condenado à morte, decapitado em 1649, e a
Monarquia inglesa, pela primeira vez na história, foi extinta.

Guerra Civil foi uma guerra de classes, na qual o despotismo de Carlos I foi
defendido pelas forças reacionárias da Igreja estabelecida e por proprietários
conservadores. O Parlamento venceu o Rei porque pôde apelar ao apoio
entusiástico das classes comerciais e industriais da cidade e campo, aos pequenos
proprietários rurais, pequena nobreza progressista e para as massas mais vastas
da população, sempre que pudessem, por livre discussão, entender o que
realmente era a luta.

HILL. Cristopher. A Revolução Inglesa de 1640. São Paulo: Martins Fontes,


1985. p. 10–11.

Oliver Cromwell: um republicano absolutista?

Observe a representação de Oliver Cromwell: suas vestimentas são reais? Há uma coroa
sobre sua cabeça? Reflita e tente responder: a Revolução Puritana substituiu um rei pelo
outro?

Apoiado pela burguesia, Oliver Cromwell liderou o único período republicano da história
da Inglaterra, mas seu governo esteve longe de ser uma república democrática.
Conhecido como um grande general, Cromwell declarou guerra aos separatistas
irlandeses, perseguiu opositores políticos e sufocou revoltas populares puritanas. Seu
governo tinha um objetivo muito claro: transformar a Inglaterra em uma grande potência,
especialmente marítima, por meio da burguesia inglesa. A principal ação econômica da
República Puritana foi a promulgação dos Atos de Navegação em 1651. Essa medida
incentivou e acelerou a economia inglesa. A burguesia mercantil ampliou seus lucros com
a exclusividade de transportes de mercadorias e navegação. A burguesia inglesa dava o
segundo grande passo em sua consolidação como principal grupo social do país:

- Primeiro passo: os Cercamentos, que garantiram a propriedade fundiária.

- Segundo passo: os Atos de Navegação e monopólio comercial.

Além disso, Oliver Cromwell governou a Inglaterra com poderes quase absolutos. Famoso
por sua autoridade de ferro, confiscou terras de nobres, partidários da Monarquia, e da
Igreja Anglicana, vendendo-as aos produtores rurais (burguesia rural). Também acelerou o
processo dos Cercamentos. Com essas medidas, a ditadura cromwelliana transferiu o
processo produtivo do Estado ao mercado, isto é, a economia estava cada vez mais nas
mãos da burguesia. Esses dois passos garantiram o triunfo da burguesia britânica.

Atos de Navegação (1651)


Ler documentos históricos (documentos escritos no próprio período em que o evento
aconteceu) é entrar em contato com a matéria-prima do historiador. Leia um trecho do
documento Atos de Navegação (1651).

[...] as mercadorias europeias não podiam ser transportadas para a


Inglaterra, a não ser em navios ingleses ou em navios do país de origem; do
mesmo modo os produtos da Ásia, da América ou da África não podiam ser
importados senão pela marinha britânica ou colonial.

(DEYON, 1973. p. 22).

A partir desse trecho do documento, podemos fazer algumas perguntas:

1. Essa lei se restringe à Inglaterra?

2. Pode-se falar em economia global já no século XVII?

3. Há liberdade comercial nesse Ato?

Perceba como um pequeno trecho de um documento pode revelar muitas características


da época. Os Atos de Navegação não ofertavam liberdade econômica, mas, sim,
interferiam nas economias de outras nações. Esse conjunto de leis se sustentava em uma
percepção global da economia ao propor o controle do comércio de mercadorias oriundas
de vários continentes.

Um dos motores da História são suas contradições. Identificar, entender e analisar essas
controvérsias é nossa função. Uma das razões da queda de Carlos I foi sua política
econômica de monopólios comerciais estatais. A burguesia inglesa questionou
veementemente esses incentivos e pegou em armas para derrubar o monarca, inclusive
decapitando-o. E, depois, o que aconteceu? Houve uma transferência desse monopólio.
Das mãos do Estado, essa exclusividade passou à burguesia. Eis a ironia. É ainda mais
contrastante quando pensamos que essa burguesia se alicerçou, teoricamente, nas ideias
do pai do Iluminismo: John Locke (1632–1704).

A filosofia de John Locke e as bases do Iluminismo

O inglês John Locke, filho de uma família protestante, nasceu em 1632. Esse pensador
viveu no agitado século XVII, na Inglaterra e, quando Guilherme e Maria de Orange foram
entronados, olhou com aprovação para o novo governo que se instalava.

As ideias de Locke estavam profundamente relacionadas com a Revolução Gloriosa


inglesa (1688), que estabeleceu o governo de Guilherme e Maria e consagrou a
supremacia do Parlamento na Inglaterra. Na sua maior obra política, Ensaio sobre o
governo civil (1689), Locke justificava os acontecimentos na Inglaterra.

O filósofo desenvolveu a ideia de um Estado de base contratual. Esse contrato imaginário


entre o Estado e os seus cidadãos teria por objetivo garantir os direitos naturais do
homem, que Locke identificava como a liberdade, a felicidade e a prosperidade. Para o
filósofo, a maioria tem o direito de fazer valer seu ponto de vista e, quando o Estado não
cumpre seus objetivos e não assegura aos cidadãos a possibilidade de defender seus
direitos naturais, os cidadãos podem e devem fazer uma revolução para depô-lo. Ou seja,
Locke era também favorável ao direito à rebelião. (Esse princípio de resistência à tirania
justificava a revolta dos ingleses diante das medidas autoritárias dos Stuart no trono da
Inglaterra).

(KARNAL, 2011. pp. 81–82).


Liberdade. Felicidade. Prosperidade. Direito à rebelião. Direito e dever em depor o Estado.
Qual grupo social vai aderir a essas ideias de John Locke? A burguesia!

John Locke e o Iluminismo

John Locke (1632–1704) é considerado um dos precursores do Iluminismo. Suas ideias


influenciaram inúmeros intelectuais e acontecimentos históricos, praticamente um século
após sua morte. Entre as suas principais ideias, destacam-se:

- A crítica ao Absolutismo Monárquico;

- A defesa do Liberalismo econômico, consagrado posteriormente por Adam Smith;

- A defesa da propriedade privada;

- A defesa das liberdades, especialmente da liberdade política, em que o povo deve


escolher seus representantes.

Esse conjunto de críticas e teses foi publicado em livros e periódicos da época. Uma de
suas principais obras foi Ensaio sobre o entendimento humano (1689). John Locke
vivenciou todas as tensões e fatos das revoluções inglesas. A burguesia, de acordo com
seus interesses, endossou suas opiniões. Décadas mais tarde, influenciados pelas ideias de
Locke, nomes como Voltaire (1694–1778), Montesquieu (1689–1755), Jean-Jacques Rousseau
(1712–1778) e Immanuel Kant (1724–1804) se destacaram no movimento filosófico
denominado Iluminismo, corrente de pensamento responsável por ser o combustível
intelectual da Independência dos Estados Unidos e Revolução Francesa. Qual a grande
semelhança entre esses quatro pensadores? A crítica ao Antigo Regime.

O Iluminismo foi a principal corrente filosófica do século XVIII, também conhecido como
Século das Luzes. A denominação Iluminismo faz alusão ao ato de iluminar. Claridade. Isto
é, esclarecimento de ideias e opiniões. Quando o personagem Cebolinha, da Turma da
Mônica, tem uma ideia infalível para pegar Sansão, o coelhinho da Mônica, qual imagem
aparece no balão da história? Uma lâmpada acesa! Trata-se de uma relação fundada no
Iluminismo, a associação da ideia com a luz. Longe de esgotar as interpretações sobre
essa revolucionária corrente filosófica, leia uma interpretação mais geral, porém densa,
sobre esse assunto.

O Iluminismo foi um movimento de ideias, no sentido forte de um processo


de constituição e acumulação de saber sempre renovado e sempre capaz de
ser modificado até nos fundamentos. Este é o significado da máxima latina
com a qual Kant definiu o Iluminismo: sapere aude – ousa saber, isto é, ousa
servir-te do teu próprio entendimento, sem imitar ou aceitar passivamente
as idéias das autoridades reconhecidas e temidas. Mais do que um convite
ao estudo, o lema é uma convocação à independência intelectual diante dos
demais, incluindo aí os grandes filósofos; independência diante dos
consagrados modos de ver o mundo, diante de todo o conhecimento que se
apresenta como definitivo, diante dos pressupostos em que se assenta o
saber, inclusive o saber próprio.

A máxima kantiana expressa a postura generalizada de inconformismo com


que se caracteriza o seu século, e também, a partir daí, define o Iluminismo
como um verdadeiro movimento de ideias. Se na prática permaneceram
intocados tantos pontos de partida filosóficos – os temas e as questões
recorrentes assinalados acima –, por outro lado, fazia parte da disposição
esclarecida poder também modificá-los. Neste sentido, é perfeitamente
iluminista a proposta a partir da qual Kant elaborou o projeto para a obra
filosófica que realizaria a partir de 1780: já que a razão se definia como
direito de tudo submeter a exame, também ela deveria ser submetida a seu
próprio crivo, aparecendo como crítica da razão pela razão.

O Iluminismo é capaz, assim, de autocriticar-se, de voltar-se até contra si


mesmo, coroando uma trajetória de constantes modificações, dentro da
qual ele já havia se desenvolvido em direções diferentes e conflitantes [...].

(GRESPAN, 2008. pp. 16–18).

Leia O caminho da servidão, de John Locke, e identifique os limites do conceito de


liberdade na filosofia do precursor do Iluminismo.

Texto
O caminho da servidão de John Locke
Artigo sobre John Locke
JACOBIN

Agora que você já entrou em contato com o precursor do Iluminismo e com as ideias
gerais do Século das Luzes, leia o artigo Os principais filósofos iluministas. Tente
encontrar as principais teses (ideias) de cada um deles.

Texto
Os principais filósofos iluministas
Biografias de filósofos iluministas e polêmicas que os envolveram
EBIOGRAFIA

O Liberalismo segundo Adam Smith

O escocês Adam Smith (1723–1790) é considerado o pai do Liberalismo. Nascido em meio


à difusão do Iluminismo, o Liberalismo consiste na corrente econômica que criticou
duramente o Mercantilismo praticado pelos Estados absolutistas. O Mercantilismo foi a
prática econômica hegemônica do Antigo Regime. As características básicas do
Mercantilismo foram:

- Intervencionismo e protecionismo: o Estado interferia diretamente na produção de


mercadorias e nos preços, aumentando impostos de produtos estrangeiros para os tornar
economicamente inviáveis.

- Colonialismo: dominação de terras, principalmente na América, com o intuito de


exploração econômica.

- Pacto Colonial: as colônias só podiam fazer comércio com suas respectivas metrópoles.

- Metalismo: a unidade de medida de riqueza do Antigo Regime eram os metais


preciosos, especialmente ouro e prata. De modo que os países procuravam adquirir
riquezas por meio do acúmulo desses metais.

Adam Smith, em sua obra-prima A riqueza das nações (1776), defendeu que o Estado não
deve intervir diretamente na economia. Essa regulação deve ser feita por leis que
vislumbrem a livre concorrência econômica e a autorregulamentação do próprio
mercado, garantindo, por exemplo, a qualidade dos produtos. Essas ideias já estavam
presentes em John Locke, mas foi Adam Smith, junto ao britânico David Ricardo
(1772–1823), quem alicerçou o Liberalismo como modelo econômico em meio ao contexto
da Revolução Industrial inglesa. A burguesia se apropriou das ideias do Liberalismo
econômico, coerente com seu projeto revolucionário de poder.

Foram bases do Antigo Regime:

1. Sociedade Estamental:

- Privilegiados: nobreza e alto clero.

- Terceiro Estado (não privilegiados): burguesia, trabalhadores urbanos e camponeses.

2. Monarquia absolutista:

- Poder absoluto do rei.

3. Mercantilismo:

- Intervencionismo.

- Colonialismo.

- Pacto Colonial.

- Metalismo.

Leia com atenção o texto e observe como o Iluminismo é uma resposta às estruturas do
Antigo Regime.

Texto
Iluminismo 1
As características iluministas e sua importância
KUADRO

Uma das expoentes do pensamento iluminista, Mary Wollstonecraft, sofreu preconceito


de gênero, inclusive entre os próprios iluministas. Aqui, suas luzes serão acesas. O
Iluminismo se tornou um importante legado histórico às sociedades atuais. Conceitos
como liberdade e igualdade são oriundos do Séculos da Luzes. Essa mulher teve papel
decisivo nessa formulação.

Em 1653, Oliver Cromwell dissolveu o parlamento e impôs uma ditadura pessoal, isto é, um
governo extremamente autoritário. Autointitulando-se Lorde Protetor da República,
governou a Inglaterra de forma arbitrária até sua morte, em 1658, após a qual o regime
republicano passou a ser questionado. Seu filho, Richard Cromwell, ascendeu ao poder
mas, sem conseguir controlar os opositores e sem autoridade sobre o exército, foi deposto
pelo Parlamento em 1660. O Parlamento, composto pela atuante burguesia temia que a
radicalização pudesse levar a novos conflitos e embates. Esse receio levou à opção por um
caminho de pacificação, a restauração da Monarquia, entronando Carlos II, filho do
decapitado Carlos I. Assim se encerrou a Revolução Puritana, marcada pela República e
pelo crescimento econômico e financeiro da burguesia.

A Monarquia parlamentar inglesa: a tradição que garantiu futuras revoluções


Restaurada a Monarquia, Carlos II, que estava exilado na França durante a República
Puritana, foi entronado em 1660. Sua proximidade com o Absolutismo francês não
agradava à população, tampouco aos parlamentares. Em seu reinado, Carlos II teve ações
absolutistas, por vezes fechando o Parlamento e perseguindo opositores. Além disso, não
tinha herdeiros diretos. O mais próximo na linha sucessória era seu irmão católico, Jaime
II. Formado por maioria não-católica, o Parlamento aprovou a Lei de Exclusão (1679) com a
intenção clara de impedir a futura coroação de Jaime II. No mesmo ano, se instituiu o
habeas corpus, proibindo prisões autoritárias.

Mesmo com o notório poder político do Parlamento, Jaime II ascendeu ao trono em 1685 e
rapidamente formou um conselho de maioria católica. Os laços desses conselheiros com o
Absolutismo francês eram estreitos. A Igreja Anglicana não reconhecia um católico no
poder. Parlamento, burguesia e proprietários rurais, temendo uma radicalização política,
especialmente das camadas populares, ofereceram o trono a Maria Stuart, filha de Jaime II,
casada com Guilherme III, príncipe de Orange. Seguidores do cristianismo protestante, o
casal real assumiu o poder com compromisso em obedecer à Carta de Direitos. Era um
passo largo na organização da Monarquia constitucional e parlamentar inglesa.
Sentindo-se traído e derrotado, Jaime II exilou-se na França. Com ele se encerrava a última
tentativa em reintroduzir o Absolutismo na Inglaterra. Esse processo histórico que
destronou Jaime II, recorrendo a pouquíssimos confrontos e derramamentos de sangue
ficou conhecido como Revolução Gloriosa. O resultado dessa transição de governo foi a
consolidação da burguesia no poder político e econômico da Inglaterra. Com ambos
poderes em mãos, esse revolucionário grupo social estabeleceu elementos que
embasariam futuras revoluções. Monarquia sim, Absolutismo não. Gloriosa seja a revolução.

Carta de direitos (1689)

1º Que o suposto poder da autoridade real de suspender as leis ou a


execução das leis sem o consentimento do Parlamento é ilegal;

2º Que o suposto poder da autoridade real de dispensar leis ou de executar


leis, como foi usurpado e exercido no passado, é ilegal; [...]

4º Que uma arrecadação de dinheiro para a Coroa ou para o uso dela, sob
pretexto de prerrogativa, sem o consentimento do Parlamento, por um
tempo maior e de um modo outro que o consentimento pelo Parlamento, é
ilegal;

5º Que é direito dos súditos apresentar petições ao rei e que são ilegais todos
os encarceramentos e perseguições por causa dessas apresentações de
petições;

6º Que o recrutamento e a manutenção de um exército no reino, em tempo


de paz, sem o consentimento do Parlamento, é contrário à lei;

7º Que os súditos protestantes podem ter para sua defesa armas conforme à
sua condição e permitidas pela lei;

8º Que a liberdade de palavra e dos debates ou procedimentos no interior do


Parlamento não pode ser obstado ou posto em discussão em nenhum
Tribunal ou lugar que não seja o próprio Parlamento;

9º Que as eleições dos membros do Parlamento devem ser livres;

10º Que não se pode exigir cauções, nem impor multas excessivas, nem
infligir penas cruéis e inusitadas;
11º Que a lista dos jurados escolhidos deve ser bem redigida na forma devida
e notificada; e que os jurados que nos processos de alta traição se
pronunciam sobre a sorte das pessoas devem ser livres e detentores de
terras;

12º Que as entregas ou promessas de multas e confiscos feitas a particulares


antes que se tenha comprovado o delito são ilegais e nulas;

13º Que, enfim, para remediar qualquer dano e para a retificação, o


fortalecimento e a observação das leis, o Parlamento deverá se reunir
frequentemente; e eles solicitam e reclamam com insistência todas as coisas
acima referidas como seus direitos e liberdades incontestáveis; e que
também algumas declarações, julgamentos, atos ou procedimentos, tendo
prejudicado o povo em um dos aspectos acima referidos, não podem de
modo algum servir no futuro de precedente ou exemplo.

(BRANDÃO, 2001. pp. 80–81)

Você acabou de ler um trecho de A Carta de direitos (1689), documento que marcou a
Revolução Gloriosa. Os documentos de época nos fazem pensar sobre o processo histórico
em curso naquele momento. Podemos fazer as seguintes perguntas ao ler esse conjunto
de leis:

1. Os cidadãos podem ser condenados preventivamente e sem julgamentos?

2. Observe o artigo 7º. Se não for protestante, não pode se armar?

3. O que chama a atenção no artigo 9º?

4. Releia o 11º artigo. Existe uma relação com os Cercamentos?

5. Esse documento rompe com o Absolutismo?

Ao responder a essas perguntas, percebemos como determinados grupos sociais são


privilegiados: no caso, burgueses e protestantes. Além disso, todo o poder passa pelo
Parlamento.

Qual relação essa história tem com o Brasil?

Guilherme III (1650–1702) foi co-monarca inglês junto à sua esposa, Maria. Ele era filho de
Guilherme II (1626–1650), regente dos Países Baixos (Holanda), à época da presença
holandesa no Nordeste brasileiro, entre 1630–1654. Nesse período, foi construído o
conhecido Forte Orange, em Itamaracá, Pernambuco. Leia o texto e descubra por que o
nome da dinastia Orange atravessou o Atlântico.

Texto
Forte Orange
Artigo sobre o Forte Orange
PESQUISA ESCOLAR
Sobre as cercas burguesas

Onde estão os subalternizados nas revoluções inglesas?

Quando vemos a história das revoluções inglesas, percebemos a preponderância (quase


uma exclusividade) do protagonismo masculino. São reis, burgueses e militares. Mulheres,
crianças, camponeses e trabalhadores urbanos: onde estão esses personagens, esses
sujeitos históricos nesses anos revolucionários ingleses? Na sua interpretação sobre a
Revolução Puritana, o historiador inglês Christopher Hill (1912–2003) identificou a
participação de organizações populares que se formaram nesse processo revolucionário.
Destacaram-se, por suas ideias radicais, os seguintes grupos:

- Niveladores (levellers): era formado por grande parte dos soldados do exército
parlamentar, que defendiam o comércio livre para os pequenos produtores, proteção à
pequena propriedade, separação entre Estado e Igreja, baixo custo da justiça, fim dos
Cercamentos e sufrágio universal. Destacou-se, entre os niveladores, John Lilburne (1614 -
1657).

- Escavadores (diggers): era formado por trabalhadores rurais pobres que propunham
que as terras dos nobres fossem confiscadas e distribuídas para as famílias camponesas. O
movimento dos Escavadores tinha como ideologia substituir a ordem feudal por uma
sociedade mais igualitária. Um dos líderes desse grupo foi o escritor Gerrard Winstanley
(1609-1676).

Após o governo de Oliver Cromwell, a Monarquia inglesa foi restaurada, em um acordo


entre nobreza, burguesia e Parlamento. Quais motivos levaram a esse acordo até então
impensável? Como os grupos subalternizados, especialmente trabalhadores urbanos e
camponeses, estavam organizados com uma pauta própria, diferente dos interesses da
burguesia, houve certos conflitos entre as partes. Assim, a burguesia, que estava no
comando do Parlamento, orquestrou a volta da Monarquia. Vale dizer que, sem a
participação de Niveladores e Escavadores, que radicalizaram suas ações pegando em
armas, ao lado da burguesia, as revoluções inglesas do século XVII, não teriam a menor
possibilidade de êxito.

As biografias têm uma potência histórica extraordinária. Trata-se de um gênero literário


que coloca os personagens no protagonismo das ações de seu tempo. Leia a biografia de
Gerrard Winstanley, líder dos Escavadores ingleses à época do governo de Cromwell.

Texto
Biografia - Gerrard Winstanley
Biografia de Gerrard Winstanley, líder dos Escavadores
STRINGFIXER

A lógica burguesa dos Cercamentos

A ação dos Cercamentos (medida governamental que consistia em cercar as terras de


uso comum para as transformar em áreas de criação de ovelhas) foi organizada pela
Monarquia inglesa em conjunto à burguesia no século XI. Seu auge foi entre os séculos
XVII e XVIII. Os Cercamentos garantiram à burguesia ampliação econômica e
concentração fundiária. Essas terras, outrora de uso comum, passaram, sistematicamente,
às mãos burguesas, que as utilizaram, em sua maioria, para a criação de ovelhas e com o
objetivo de produzir lã, matéria-prima da indústria têxtil. Esse processo foi dramático para
os camponeses, que perderam acesso às terras públicas, nas quais produziam seus
alimentos. Os campos ingleses foram se despovoando, em um fenômeno irreversível de
êxodo rural. A população simples do interior da Inglaterra migrara, ao longo do tempo, às
cidades. Nesses centros urbanos se localizavam as manufaturas têxteis que utilizavam
essa lã, agora cercadas para fins industriais.

Este esquema mostra como ocorria a apropriação das terras comuns pela burguesia.

Exemplo dOs camponeses ingleses que produziam seus alimentos e produtos


artesanalmente passaram, então, a morar de modo paupérrimo nos arredores das cidades.
Formou-se, assim, um excedente de mão de obra para as manufaturas e, depois, no século
XVIII, para a indústria. Os Cercamentos constituíram um fenômeno histórico excepcional e
único. Garantiram, no longo prazo histórico, três consequências:

- a concentração de terras nas mãos da burguesia;

- as bases para o desenvolvimento da industrialização;

- o empobrecimento sistemático dos moradores do campo.

A revolucionária burguesia, ora estrategicamente alinhada à nobreza e à Monarquia, ora


alinhada aos subalternizados, garantiu a efetivação de seu projeto político, econômico e
social, ampliando seu poder aquisitivo e conquistando o poder político inglês. Essa classe
social inaugurou o século XVIII com todos os atributos para empreender um dos mais
radicais eventos históricos contemporâneos: a Revolução Industrial. Por isso, as
Revoluções Inglesas são denominadas pela historiografia como revoluções burguesas.
Entre rainhas, plebe, revoluções e exclusão social, o triunfo foi da burguesia.

As revoluções inglesas do século XVII

Organizando as ideias das revoluções Puritana e Gloriosa: linha do tempo?

A organização dos eventos históricos em linhas do tempo é uma prática comum no


ensino de História. Essas representações trazem noção de linearidade e ordenação, como
se os fatos históricos acontecessem de maneira completamente sequencial, sem
contradições e caminhando para um futuro sem fim. Se a construção da linha do tempo
permite organizar cronologicamente fatos, é uma atividade relevante para os estudos.
Mas sempre observe criticamente uma linha do tempo, de modo a compreender que a
História não é simplesmente um contingente de datas e fatos isolados. Utilize-as como
um meio de ordenar as ideias e não como fim do conhecimento histórico. Se a linha do
tempo possui essa problemática, como fazer para organizar o encadeamento dos eventos
históricos? Quando assistimos a um filme, em que o tema é viagem no tempo, não é
comum aparecer uma espiral em movimento, responsável por tal viagem?

A forma geométrica em espiral se aproxima mais da organização dos fatos históricos no


tempo em que aconteceram. Ao organizar uma espiral, tem-se a oportunidade de
visualizar os fatos no espaço. É como entrar em uma espiral de caderno. Você verá os fatos
na sua frente, e, ao se virar ao lado, observará outros fatos contemporâneos a eles, porém
em outros lugares. Conseguirá ver acontecimentos atrás de você, e também à frente. Pode
ser uma vivência bem interessante. A linha do tempo tem uma função importante, mas
existem outras possibilidades de ordenação dos fatos históricos no espaço-tempo. Um
bom exercício é desenvolver uma linha do tempo sobre as revoluções inglesas,
baseando-se no texto Revolução Inglesa:

1. Primeiro, selecione as datas mais importantes. Depois, escreva uma frase-resumo bem
objetiva do evento histórico ocorrido em cada uma das datas selecionadas.

2. Leia sua linha do tempo e confira se você compreendeu os fatos das revoluções inglesas
do século XVII.

- Dica: arrisque fazer uma espiral e observe como os acontecimentos históricos ganham
outros significados.

Texto
Revoluções inglesas
Revoluções inglesas: resumo
EDUCA MAIS BRASIL

Mapa mental: revoluções inglesas do século XVII

O mapa mental é uma forma bem interessante de organização de ideias, acontecimentos,


conceitos etc. Ao lado da linha e da espiral do tempo, é uma ferramenta potente para
entender e compreender o encadeamento dos eventos históricos. Com uma vantagem
importante: os mapas mentais levam você à interpretação dos acontecimentos históricos,
ação que não ocorre com a linha ou a espiral. Mas é preciso se atentar ao fato de que a
confecção e a leitura de mapas mentais não substituem a leitura de textos formais sobre o
assunto histórico estudado.

Texto
Começa a Revolução Inglesa do século XVII
Artigo sobre a Revolução Inglesa
ENSINAR HISTÓRIA

Veja um exemplo de mapa mental sobre as revoluções inglesas.

Texto
Mapa mental das revoluções inglesas
Modelo de mapa mental
HUBSPOT

Cercas revolucionárias

Uma tentativa de definição do conceito de revolução

Ouça a música A Praieira.

Ao ouvir a música, preste atenção em seus versos. A Praieira é uma das principais obras
do músico pernambucano Chico Science. Junto à banda Nação Zumbi, Chico Science
revolucionou a cena musical brasileira nos anos 1990, misturando rock e ritmos
regionais nordestinos, (re)inventando padrões estéticos. Essa canção faz menção à
Revolução Praieira, evento histórico que sacudiu Pernambuco em 1848. Revolução
Praieira, Puritana, Gloriosa... São tantos os eventos assim denominados que se faz
necessária uma interpretação teórica do conceito. Norberto Bobbio, um importante
filósofo italiano, em seu clássico Dicionário político, elaborou uma definição para o
conceito de revolução:

I. REVOLUÇÃO, REBELIÃO, GOLPE DE ESTADO, VIOLÊNCIA. – A Revolução é


a tentativa, acompanhada do uso da violência, de derrubar as
autoridades políticas existentes e de as substituir, a fim de efetuar
profundas mudanças nas relações políticas, no ordenamento
jurídico-constitucional e na esfera sócio-econômica. A Revolução se
distingue da rebelião ou revolta, porque esta se limita geralmente a uma
área geográfica circunscrita, é, o mais das vezes, isenta de motivações
ideológicas, não propugna a subversão total da ordem constituída, mas o
retorno aos princípios originários que regulavam as relações entre as
autoridades políticas e os cidadãos, e visa à satisfação imediata das
reivindicações políticas e econômicas. A rebelião pode, portanto, ser
acalmada tanto com a substituição de algumas das personalidades
políticas, como por meio de concessões econômicas.

(BOBBIO, 993, p. 1121)

Percebe-se, nesse trecho, que Bobbio define o processo revolucionário como violento e
radical, alterando profundamente o ambiente histórico vivido. Já em outro trecho,
discorre sobre as origens do conceito, trazendo a Revolução Inglesa em sua base
argumentativa.

A palavra Revolução foi criada exatamente na Renascença, numa


referência, ao lento, regular e cíclico movimento das estrelas, como que a
indicar que as mudanças políticas não se podem apartar de leis universais
e implícitas. É no século XVII que a palavra vem a ser usada como termo
propriamente político, para indicar o retorno a um estado antecedente de
coisas, a uma ordem preestabelecida que foi perturbada; a Revolução
inglesa de 1688–1689 representa, com efeito, o fim de um longo período,
também marcado pela guerra civil, e a restauração da Monarquia. E é,
além disso, significativo que a Revolução americana e até mesmo a
Francesa, no início, não fossem concebidas pelos seus autores como algo
original e inédito, mas como retorno a um estado de coisas justo e
ordenado, que havia sido perturbado pelos excessos, pelos abusos e pelo
desgoverno das autoridades políticas, e que devia ser restaurado, quer se
tratasse de eliminar as exorbitâncias do Governo colonial inglês, quer se
devesse moderar o exercício despótico do poder da Monarquia
bourbônica. A Revolução americana nos permite ainda identificar
algumas das características do que agora usualmente se define como
guerras de libertação nacional.

(BOBBIO, 1993, p. 1121)

Em resumo, o processo histórico é denso, intenso e radical. Quando um ambiente


histórico passa por esse tipo de evento, as marcas e as transformações são profundas e
duradouras. Um ambiente histórico que passou por uma revolução jamais retrocede às
circunstâncias em que se encontrava previamente à ocorrência do evento.

Ser radical não é sinônimo de ser sectário. Radical é uma ação que busca transformar o
ambiente de modo profundo, ou seja, pelas raízes. Muitas vezes, esses termos são
confundidos. Ouça o podcast do filósofo Mario Sérgio Cortella para compreender a
definição de secCercando as revoluções brasileiras

Muitos estudiosos analisaram eventos históricos brasileiros na tentativa de


categorizá-los como revolução. Os exemplos são inúmeros. Inclusive, houve no Brasil
dois acontecimentos com traços revolucionários inspirados no Iluminismo, foram eles: a
Conjuração Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798). A título de exemplo, no entanto,
ficaremos com o evento a que faz referência a música *A Praieira*, de Chico Science. A
Revolução Praieira (1848) mobilizou Pernambuco e colocou o governo do jovem D.
Pedro II em alerta. Leia um breve histórico desse acontecimento.

O ano de 1848 foi muito agitado na Europa. Houve uma série de


movimentos marcados pela participação e por reivindicações sociais.
Entre outras coisas, os trabalhadores queriam o reconhecimento do direito
ao trabalho, a criação de novos empregos e a diminuição da jornada de
trabalho. Essas revoluções tiveram também um caráter político, sendo seu
principal objetivo o estabelecimento do voto universal, que estenderia a
participação política a todas as camadas da sociedade.

Muitas dessas ideias influenciaram um grupo de intelectuais de Recife e


Olinda. Esse grupo preocupava-se com os problemas sociais existentes em
Pernambuco. Fez suas ideias chegarem ao povo através de jornais que
tinham grande circulação entre as camadas populares. Essas ideias
mobilizaram também alguns aristocratas liberais das camadas médias
urbanas de Pernambuco.

Esse grupo de intelectuais à parte das camadas médias urbanas


formavam o grupo praieiro, uma facção radical do Partido Liberal. Essa
facção foi chamada de Partido da Praia, porque sua sede era a tipografia
de um jornal, o Diário do Povo, que ficava na rua da Praia, em Recife.
Dois fatores foram apontados pelos intelectuais como responsáveis pelos
problemas da província. Um deles foi que a família Cavalcanti dominava a
vida política em Pernambuco, com o apoio dos Regos Barros e dos
Albuquerque. Eram grandes proprietários de terras e, além de dominar o
Partido Conservador, tinham representantes no Partido Liberal. Ou seja,
esses latifundiários dominavam completamente a vida política na
província. O outro foi que os trabalhadores do campo viviam sob total
dependência e dominação dos grandes proprietários de terra.

Além desses fatores, na cidade a situação dos trabalhadores não era


melhor. Os ingleses dominavam o comércio mercantilista. Os portugueses
dominavam o comércio varejista da província e na hora de empregar
trabalhadores também davam preferência aos portugueses. Portanto, o
comércio era controlado por estrangeiros.

Essa revolta que mobilizou os liberais e o grupo praieiro contra os


conservadores, que controlavam a província, foi a chamada Revolução
Praieira, de abril de 1848.

Em Recife, manifestações populares contra o domínio estrangeiro no


comércio resultaram na morte de muitos portugueses. Em seguida, a
insurreição estendeu-se a Olinda e se espalhou pelo interior. A luta, que
começou entre diferentes grupos da elite (liberais e conservadores),
transformou-se numa revolta popular, em que se destacaram como
líderes Pedro Ivo Veloso da Silveira e Antônio Borges da Fonseca.

Os liberais revoltosos divulgaram um "manifesto ao Mundo", cujas


principais propostas eram: o fim do Poder Moderador e do Senado
Vitalício, a defesa do federalismo e do voto universal e a nacionalização do
comércio com a expulsão dos portugueses.

A insurreição foi sufocada por tropas do governo central, que pôs fim à
última revolta provincial do Império.

(Giovanni, Junqueira, Tuono, 1999. pp. 13–14)

Aquilo que nunca será uma revolução

Ainda no contexto dos eventos históricos brasileiros e na possibilidade de enquadrá-los


como revoluções, veremos um exemplo clássico da historiografia brasileira que se
propagandeou como revolução, mas não foi. Infelizmente, é comum que sejam
atribuídas denominações errôneas a eventos históricos com o objetivo de perpetuá-los
a partir de ideias opostas às que os motivaram. O golpe de Estado de 1964 no Brasil é
uma situação-problema recente para analisarmos esse fenômeno.

Florestan Fernandes (1920–1995), em seu fundamental livro O que é revolução (1981),


assim analisou o evento histórico ocorrido no Brasil em 1964.

A palavra revolução tem sido empregada de modo a provocar confusões.


Por exemplo, quando se fala de revolução constitucional, com a referência
ao golpe de Estado de 1964. É patente que aí se pretendia acobertar o que
ocorreu de fato, o uso da violência militar para impedir a continuidade da
revolução democrática (a palavra correta seria contra-revolução: mas
quais são os contra-revolucionários que gostam de ver-se na própria
pele?). Além disso, a palavra revolução encontra empregos correntes para
designar alterações contínuas e súbitas que ocorrem na natureza ou na
cultura.

(FERNANDES, 1981, p. 55)

Forças conservadoras e armadas, alinhadas a interesses internacionais, promoveram


um golpe de Estado na democracia brasileira em 1964. A ascensão do exército ao poder,
não trouxe nenhuma transformação social. Ao contrário, reforçou as estruturas de
dominação e as hierarquias sociais, enquanto reprimia a oposição através da violência,
da censura, da tortura e da política do medo. A ditadura civil militar no Brasil (1964-1985)
expressou o tradicional autoritarismo da política nacional e respondeu aos interesses
das elites econômicas, contra a vontade da maioria do povo brasileiro. Ou seja, não se
tratou de uma revolução, mas de uma brutal reação às transformações democráticas
que se projetavam nos anos 1960. Esse é um exemplo do porquê de, para categorizar
um processo como revolucionário de uma forma adequada, dever-se buscar como esse
acontecimento se constituiu no processo histórico. O olhar da investigação histórica
permite validar ou descredibilizar os usos de conceitos tão importantes. Só a partir dela
é possível construir uma representação fidedigna do passado, respeitando a mémoria
do período e garantindo interpretações coerentes sobre os fatos históricos.

Revolução Francesa (1789–1799)EUGÈNE DELACROIX/WIKIMEDIA COMMONS/DOMÍNIO


PÚBLICO

Você também pode gostar