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História da América Colonial

Autor: Prof. Ricardo Felipe di Carlo


Colaboradores: Prof. Francisco Alves da Silva
Prof. Vinícius Albuquerque
Professor conteudista: Ricardo Felipe di Carlo

Formado pela Universidade de São Paulo, USP, em 2007, é bacharel e licenciado em História. Defendeu sua
dissertação de mestrado em 2011, no programa de História Econômica, também da USP. Na verdade, o mestrado foi
a continuidade da pesquisa feita como iniciação científica, Exportar e abastecer: população e comércio em Santos,
1775–1836, quando trabalhou com a economia colonial e seu quadro de crise.

Durante um ano da iniciação científica foi bolsista Fapesp. Depois, já no mestrado, foi bolsista da mesma
instituição por mais dois anos. Após esse período, no início de 2011, foi contratado como professor do Colégio e Curso
Pré‑Vestibular Objetivo. Também preparou aulas digitais e orientou os alunos para as Olimpíadas de História. Em 2013,
surgiu o convite para escrever para a Universidade Paulista, UNIP, o que tem sido uma grande honra e prazer para
sua atividade profissional, já que propicia a oportunidade de dialogar com aqueles que são amantes da história e já
perceberam, de algum modo, a satisfação enorme que ensinar propicia.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D545h Di Carlo, Ricardo Felipe.

História da América Colonial. / Ricardo Felipe Di Carlo. – São


Paulo: Editora Sol, 2015.

160 p. il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXI, n. 2-074/15, ISSN 1517-9230.

1. História. 2. América Colonial. 3. Expansão marítima. I. Título.

CDU 97

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
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Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Carla Moro
Giovanna Oliveira
Sumário
História da América Colonial

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 OS POVOS DA AMÉRICA................................................................................................................................ 11
1.1 O quadro de diversidade e as fontes da América..................................................................... 11
1.2 A cultura olmeca e os maias............................................................................................................. 14
1.3 Os astecas................................................................................................................................................. 17
1.4 Os incas..................................................................................................................................................... 20
1.5 Os índios do Brasil................................................................................................................................. 23
1.6 Os índios da América do Norte........................................................................................................ 26
2 A EXPANSÃO MARÍTIMO‑COMERCIAL DA EUROPA........................................................................... 28
2.1 As transformações econômicas....................................................................................................... 28
2.2 As transformações políticas.............................................................................................................. 32
2.3 As transformações culturais............................................................................................................. 34
2.4 As transformações sociais.................................................................................................................. 35
2.5 As transformações religiosas............................................................................................................ 36
3 AS GRANDES NAVEGAÇÕES........................................................................................................................ 37
3.1 Ciclo Oriental – pioneirismo português....................................................................................... 37
3.2 Ciclo Ocidental – navegações espanholas.................................................................................. 42
3.3 Os Tratados de Rivalidade.................................................................................................................. 44
3.4 Navegações inglesas, francesas e holandesas........................................................................... 45
4 A ALTERIDADE: O CONTATO COM O OUTRO.......................................................................................... 50
4.1 Barbárie ou bom selvagem?.............................................................................................................. 50
4.2 A conquista.............................................................................................................................................. 52

Unidade II
5 A ORGANIZAÇÃO DA COLONIZAÇÃO....................................................................................................... 68
5.1 A estrutura do Antigo Regime e as bases do Mercantilismo Colonial............................ 68
5.2 A colonização espanhola.................................................................................................................... 76
5.3 Traços comparativos da colonização portuguesa ................................................................... 90
5.4 A colonização holandesa.................................................................................................................... 93
5.5 A colonização francesa....................................................................................................................... 97
5.6 A colonização inglesa.......................................................................................................................... 99
5.7 A colonização do Caribe – o auge da exploração do Antigo
Sistema Colonial..........................................................................................................................................106
6 O ILUMINISMO, O REFORMISMO ILUSTRADO E A CRISE DO ANTIGO REGIME.....................112
7 IMPÉRIO COLONIAL ESPANHOL ENTRE A DECADÊNCIA E O
REFLORESCIMENTO – AS REFORMAS BORBÓNICAS ..........................................................................116
8 A GESTAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA..........................................................................................................124
8.1 A gestação da Independência – insatisfações e revoltas ..................................................124
8.2 A gestação da Independência – os modelos ...........................................................................131
APRESENTAÇÃO

A grande proposta ao se desenvolver um material para o curso de História da América é ser capaz de
problematizar o processo de formação da construção desse continente, desde seus povos originários, a
chegada do europeu e o encontro de culturas tão diferentes, até o processo e as relações de colonização.
Assim, conheceremos as raízes pelas quais se estabeleceram os Estados nacionais, com suas contradições,
lutas e construções.

Essas relações são bastante significativas, variadas e amplas, mas podem ser descortinadas a ponto
de nos fazer dar impulso para estudos que, cada vez mais, possam produzir conhecimento em nosso país
e propiciar o saber aos alunos que nos aguardam.

Um professor bem preparado é elemento‑chave para instigar a curiosidade pela História. Portanto,
fortalecer a preparação se torna condição indispensável para uma formação sólida que a Universidade
Paulista – UNIP procura trazer a todos os seus alunos. Nesse sentido, estaremos satisfeito se este material
e as aulas forem capazes de gerar uma forte perspectiva de desenvolvimento e fomentar o desejo de
uma formação contínua e incessante de que todo professor necessita.

A maneira de abordar esse conteúdo será percorrer as possibilidades diversas de fontes a fim de
promover uma perspectiva histórica que leve em consideração todo e qualquer tipo de vestígio do
passado. Logo, não basta apenas fazer a leitura do conteúdo, ou de um texto clássico, ou mesmo
de alguma nova abordagem, é preciso, ao mesmo tempo, produzir história, pelo seu olhar, pelo seu
criticar e pelo seu pensar. Fomentar o espírito crítico com os diversos enfoques em torno de uma base
historiográfica consistente se torna nossa grande maneira de promover a análise da História da América,
bem como ser capaz de destacar e comparar os diferentes processos históricos desenvolvidos nas mais
variadas áreas desse continente tão vasto.

Ainda que no caso do Brasil tenhamos uma matéria específica, alguns pontos serão destacados para
complementar a análise comparativa e fomentar a discussão.

As relações estabelecidas desde os primórdios da América, como o contato com o europeu e a


organização da colonização, geraram raízes que precisam ser claramente apresentadas para a
compreensão de sua crise e, consequentemente, do processo de independência e formação dos Estados
nacionais no Novo Mundo. Ao mesmo tempo, essa análise poderá estimular a discussão dos limites e
contradições relacionados a essa história e propiciar a crítica do presente, já que muitas questões, por
mais de séculos, permanecem escancaradas nos noticiários.

Nesse sentido, não deixe de ler e criticar tudo que lhe é exposto. Analise o texto e as interpretações,
mas, ao mesmo tempo, veja as questões levantadas nos mapas, critique as imagens selecionadas. Nada
está aqui por acaso. Perceba as relações, as construções, as elaborações culturais que adquirem diversos
significados. Estabeleça as bases de desenvolvimento dos diversos momentos. O historiador é, antes de
tudo, um cientista que utiliza a razão e o método para produzir conhecimento e você faz parte disso.
Mãos à obra!

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INTRODUÇÃO

Compreender a História da América Colonial não é apenas inserir a “descoberta” europeia e, a


partir daí, suas relações. Muito pelo contrário, precisamos promover uma História da América por
si mesma, sozinha; compreender como se estabeleciam as relações entre os mais diversos povos
existentes, quais eram as características de cada um e o seu desenvolvimento cultural, social,
econômico e político.

Contudo, inegavelmente, a chegada dos brancos europeus, possibilitada por uma série de novas
configurações da Europa na Baixa Idade Média, modificou todas as bases existentes. Assim, a História
europeia é inserida para se compreenderem as relações estabelecidas no Novo Mundo. Ou seja, a partir
da análise do que era a América, é possível analisar como se estabeleceu o contato com o outro. Essa
alteridade de diferentes significados e significações rapidamente se transformou em um amplo ataque
para a conquista das grandes e mais ricas civilizações pré‑colombianas. Os interesses mercantilistas
europeus produziram um ataque maciço. Seu resultado foi logo visto: uma verdadeira tragédia. Milhões
de indígenas, em passo acelerado, foram dizimados.

As armas, as crenças, as novas doenças introduzidas, e, sobretudo, o uso das rivalidades internas
(rapidamente compreendidas pelos europeus) geraram a destruição do mundo dos nativos. Uma riqueza
metalista enorme foi conduzida para a Europa – daí os espanhóis terem se concentrado nas áreas dos
impérios asteca e inca.

A partir de então, a configuração europeia da Época Moderna estabeleceu o Antigo Regime que
promoveria a montagem do Antigo Sistema Colonial. As relações foram baseadas na necessidade de
garantir a posse do território contra as disputas com outros países europeus e, sobretudo, propiciar o
acúmulo primitivo de capital para a metrópole.

Esse sistema nortearia todas as relações no Novo Mundo, inclusive daqueles que não traziam
atrativos para a promoção desse esquema econômico. Ao mesmo tempo, fomentava relações sociais
completamente novas e utilizava a mão de obra com o máximo de exploração possível. O auge dessa
perspectiva foi, justamente, a ressignificação que o trabalho compulsório indígena assumiu com a
chegada dos europeus e também a maior migração forçada da história: o tráfico de escravos africanos.

Percebe‑se, assim, de início, que quando o mundo finalmente se aproximou, ou seja, quando
diversos povos passaram a ter contato entre si, as relações não foram nada amistosas ou pacíficas.
Configuraram‑se relações de extrema exploração e enorme desolação.

Ao mesmo tempo, a implantação desse sistema dava impulso para a garantia da força do poder real
na Europa, o absolutismo. Essa questão norteou a colonização como uma política de Estado, dirigida
pelo núcleo central e caracterizada pela subordinação e submissão.

No entanto, não foram todas as regiões que viram o sistema colonial da mesma maneira. Em áreas da
América do Norte, não houve atrativos significativos para os ingleses. O relativo descaso metropolitano
propiciou condições diferentes de colonização, que estava muito mais voltada para um desenvolvimento
8
interno. Não é à toa que dali brotaria a primeira experiência de liberdade e o modelo para a propagação
do fim da subordinação.

Claro que nem toda a conquista e dominação foram aceitas. Diversos povos lutaram em diferentes
períodos. Alguns nunca foram colocados sob o julgo europeu, mas há de se dizer que também, no seio
do próprio sistema, diversas revoltas surgiram. Algumas tomaram proporções enormes: no século XVIII
germinava a perspectiva de que os anseios locais eram diferentes dos valores impostos.

Isso ficou ainda mais evidente na Crise do Antigo Sistema Colonial. Quando a Europa passou a viver
a transição para o capitalismo industrial, com todo o sistema do Antigo Regime colocado em xeque, as
relações nas colônias foram cada vez mais alteradas.

Foi nesse momento que tivemos a gestação do processo de independência. As relações estabelecidas
nas revoltas se difundiram. Ao mesmo tempo, o arrocho colonial foi agravado. Por fim, brotaram os
primeiros sonhos de modelos como os dos Estados Unidos e do Haiti. Uma nova perspectiva concreta
era vista: por um lado, o que as elites desejavam ter, por outro, o medo de que a proporção não fosse
demasiadamente grande. Ou seja, no projeto dos Estados Nacionais na América, alterar as relações
políticas, mas manter as bases sociais e econômicas, era questão difícil. E é isso o que procuraremos
descortinar e entender ao longo dos nossos estudos.

9
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Unidade I
1 OS POVOS DA AMÉRICA

A História da América não se inicia, em absoluto, com a chegada do europeu nesse continente.
Muito pelo contrário, uma diversidade de povos e culturas bastante avançadas já era vista por aqui. O
território, de amplitude gigantesca, criava condições naturais capazes de gerar técnicas e organizações
das mais variadas, ainda que, em alguns casos, vários desses grupos tivessem contatos uns com os
outros e adotassem características comuns. Houve também aqueles que acabaram por dominar outros
povos e constituíram verdadeiros impérios de magnitude bastante significativa.

Julgamos ser de pouca valia promover uma análise dos povos ameríndios pelo viés apenas comparativo
com o desenvolvimento europeu. Procurar classificá‑los pelos moldes do olhar eurocêntrico é perder,
em certa perspectiva, a heterogeneidade existente na América. Claro que a composição de termos,
na medida do possível, pode ser utilizada para deixar clara a análise. Contudo, o historiador necessita
estabelecer suas bases a partir de uma visão comprometida com a crítica e com a valorização da alteridade,
independentemente se esta é tão distinta de sua realidade ou dos valores que, invariavelmente, carrega
consigo a partir de sua formação e de seu mundo.

1.1 O quadro de diversidade e as fontes da América

As condições geográficas de um território de mais de 42 milhões de km² atuaram como questões


básicas propiciadoras da variedade de técnicas e organizações produzidas por inúmeros povos
organizados em tribos, por laços familiares, ou mesmo impérios baseados na força militar, que talvez
totalizassem 50 milhões de habitantes.

Alguns povos habilmente foram capazes de desenvolver a agricultura, a pecuária, além de contar
com a metalurgia e atividades artesanais para a tecelagem e cerâmica. Mais do que isso, alcançaram
técnicas de astronomia e de arquitetura e urbanismo que foram absolutamente assustadoras para o
branco europeu.

Nesse sentido, torna‑se necessário compreender as dificuldades de se estudar certos grupos pela
ausência de fontes. Ao mesmo tempo, a chegada do europeu produziu a destruição de boa parte daquilo
que seria muitíssimo aproveitável. Certa documentação foi destruída por estar relacionada a sacerdotes
ou assuntos religiosos. Ao mesmo tempo, outros povos não possuíam a escrita como forma de registro.
Os cronistas europeus se chocavam com a alteridade e nem sempre estavam preocupados em retratar
aquilo que viam. Alguns desses relatos eram utilizados para fomentar o espírito de aventureiros para
as próximas expedições. Outros mesclavam suas narrativas com a presença de “anjos ou demônios”. Na
prática, havia uma clara exaltação dos valores europeus e desprezo pelos povos da América. Ainda que
tenhamos outras fontes escritas por missionários ou mestiços, que são capazes de remeter a maiores
11
Unidade I

informações dos dois lados – como os relatos de Garcialaso de la Vega em Comentários reales de los
Incas (1609), ou o de Felipe Guamán Poma de Ayala, Nueva crónica y buen gobierno (em torno de 1615),
em alguns aspectos uma única visão sobressai: procuram exaltar o império inca e seu desenvolvimento
quase como um paraíso terrestre antes da chegada do europeu.

Enfim, todo esse quadro acaba por trazer à tona dificuldades para a compreensão maior desse
universo tão grande de povos. Contudo, nas últimas décadas, com o auxílio da arqueologia e de outros
estudos, como a antropologia e a sociologia, a pesquisa sobre a América Pré‑Colombiana tem crescido,
gerando a expectativa de bons frutos a serem colhidos.

Estados Unidos

Gypson Cave
Lago Monave
13 000 anos
México

Venezuela
El Jobo
Taquixquiac 12 000 anos
Puebla
22 000 anos

São Raimundo
Nonato (PI)
Pachamachay Brasil 39 000 anos
25 000 anos
Chile

Lagoa
Santa (MG)
15 000 anos
Monteverde
12 000 anos

Figura 1 – Os mais importantes sítios arqueológicos da América

12
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Esquimó do
Alasca

Esquimó
Esquimó
Caribu

Atabasco Esquimó do
Labrador
Algonquiano
Huroniano
Sioux Moicano
(Pele Vermelha) Iroquês
Chinook Sioux
Apache Muscogi

Comanche Seminole
Astecas
Região dos Taianos
Pueblos
Aruaque
Maias

Caraíba
Chibcha
Kara Caraíba

Jivaro Aruaque Bororo


Tupi
Quichua
Tupi

Incas

Aimará
Tupi
Incas Charrua

Araucano

Patagões

Figura 2 – Os diversos povos do continente americano

13
Unidade I

1.2 A cultura olmeca e os maias

Apesar da existência de diversos povos na América Central, conhecida como Mesoamérica, o


desenvolvimento dos olmecas foi bastante significativo na costa sul do Golfo do México.

Para conhecer a grandeza dessa civilização, as pesquisas arqueológicas geram ótimos resultados.

Escavações feitas em centros olmecas, como, por exemplo, Tres Zapotes, La


Venta, San Lorenzo e outros, revelaram grandes transformações culturais.
La Venta, o maior dos centros, foi erguido numa pequena ilha, a poucos
metros acima do nível do mar, numa área pantanosa junto ao rio Tonalá, 16
quilômetros antes de sua foz no golfo do México. Embora só se encontrasse
pedra disponível a 64 quilômetros do local, foi desenterrada na região uma
série de colossais esculturas de pedra (alguma delas com três metros de
altura) e outros monumentos (LEÓN‑PORTILLA, 2012, p. 27‑28).

Esse avanço urbano foi capaz, inclusive, de criar uma grande e famosa cidade: Teotihuacán, “cidade dos deuses”,
que era um grande centro cultural, religioso, repleto dos mais diversos tipos de construções que imaginamos
para uma área urbana. De alguma maneira, talvez por meio do comércio ou por esforços de comunicação (por
questões religiosas ou migração), suas técnicas e características ganharam participantes em outras regiões. É
bastante provável que a cidade tenha se tornado um importante centro, talvez de controle político.

Seu poder político era definido a partir dos sacerdotes, que promoveram também avanços na
capacidade de produção agrícola e de artesanato.

Figura 3 – Queimador feito em barro, característico


desse contexto. Perceba a sofisticação do artesanato

14
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Nesse contexto, a mais importante técnica de produção agrícola foi desenvolvida na região: as
chinampas. A ideia era produzir verdadeiras hortas flutuantes no lago Texcoco. Para tal empreitada,
foram construídas jangadas de junco com a terra fértil colocada dentro delas, que flutuavam presas nas
extremidades.

Não há certeza acerca das razões que levaram à decadência de Teotihuacán durante o
século VI a.C. As hipóteses oscilam entre um fim abrupto, causado por forças da natureza, por
doenças, ou ainda um processo ocasionado por diversas disputas e batalhas pelas terras férteis
da região.

O legado dos olmecas, contudo, deixou marcas muito importantes, além das já comentadas: eles
geraram uma forma de escrita e numeração, conhecimentos dos astros (a ponto de produzir um
calendário), entre outros.

Por sua vez, os maias se estabeleceram em considerável esplendor. Eram provenientes,


provavelmente, de áreas mais setentrionais e se estabeleceram na Península de Yucatán, além
de parte da América Central. Sua organização política principal eram as cidades‑Estado. O
controle era hereditário e teocrático. Havia, contudo, relações que poderiam ser dadas para a
formação de uma espécie de “confederação”. A sociedade era rigidamente dividida a partir do
nascimento. Os mais importantes eram os ligados ao governo, mesmo como funcionários, e os
militares. Na base da estrutura social, ficavam os trabalhadores, que sustentavam as atividades
do dia a dia.

Lembrete

Cidades‑Estado eram caracterizadas por autonomia e soberania.


Promoviam governos próprios e podiam, ou não, se unir em momentos
específicos.

O cultivo da terra e a propriedade eram coletivos. Cada comunidade promovia suas atividades
e garantia suas necessidades. A principal produção era de milho, ainda que, eventualmente, outros
gêneros fossem produzidos.

Sua religião era politeísta e animista. Realizavam sacrifícios humanos como forma de agradar
aos deuses em suas mais diversas áreas, sobretudo em momentos de grandes necessidades,
como pragas e safras diminutas. Faziam pirâmides com enormes escadarias, onde promoviam os
sacrifícios e também observações astronômicas. Um de seus maiores legados foi a invenção do zero,
capaz de completar e precisar os cálculos matemáticos. Assim, sua engenharia e arquitetura eram
impressionantes. Muitas de suas pirâmides continuam a ser achadas por arqueólogos, soterradas
em diversas áreas da Mesoamérica.

15
Unidade I

Figura 4 – A pirâmide de Uxmal

Quando os espanhóis chegaram à América, os maias já estavam em decadência, apesar de sua


cultura ter gerado um amplo desenvolvimento na região e de significativos contatos com outros povos
de diversas organizações específicas, até mesmo com os astecas. Até hoje o motivo não é muito claro.
Alguns historiadores apontam problemas com a produção para a sobrevivência, mas a hipótese mais
aceita é a perspectiva do aumento das guerras entre as diversas cidades‑Estado, capazes de promover
enormes perdas e propagar a fome por um longo período. Ou seja, a questão das desavenças internas,
pela ausência de um forte poder central, teria sido capaz de corroer as estruturas sociais e econômicas,
desestabilizando tudo e fomentando a miséria.

Figura 5 – Templo do Jaguar, em meio à floresta tropical em Tikal

16
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

co
tl â nti
Oce ano A

Teotihuacán
Mayapán
Tenochtitlán Chichén Itzá
Uxmal Copán

c o
cífi
o Pa
Ocean
Cuzco
Nazca

As três grandes civilizações pré‑colombianas.


Cultura asteca
Cultura maia
Cultura inca

Figura 6

1.3 Os astecas

Os astecas também foram conhecidos como mexicas. Eles estavam localizados no noroeste do
México, na região conhecida como Aztlán, e acreditavam ser o povo escolhido de Huitzilopochtli, o deus
Sol da guerra. O mito de sua fundação remete à procura do local escolhido pelos deuses para sua grande
17
Unidade I

capital. Ele estaria marcado por uma águia, com uma serpente em seu bico, parada em um cacto. Em
1325, essa cena teria sido vista e, então, foi fundada Tenochtitlán (Rocha de Cactos), atual cidade do
México, às margens do lago Texcoco.

A organização social era baseada nos laços de parentescos que formavam a comunidade: calpulli
(grande casa). Para poder sobreviver, todos deveriam pertencer a uma dessas comunidades e a soma
delas formaria uma grande cidade. Era um local residencial e também econômico, já que seus membros
tinham direito à terra e dividiam as atividades por idade e sexo. A plantação era para si e uma parte
ficava para o Estado. Havia fiscais que controlavam os impostos.

Os principais grupos sociais eram os tlatoque (governantes) e os pipiltin (nobreza). Essas aproximações
de nomes são, na prática, impróprias, já que transmitem um modelo diferente, mas, na medida do possível,
serão expostas para facilitar a compreensão. Uma das características centrais desses grupos foi a criação
de uma dimensão histórica que justificasse a dominação e os privilégios, como o de possuir isenção de
impostos ou um grande abatimento. Eram os pipiltins que escolhiam os próximos governantes. Além
de serem os únicos a ocupar cargos administrativos importantes, recebiam o benefício de terem várias
esposas e objetos de distinção social, ou mesmo conseguir entretenimento.

Seus filhos eram conduzidos a importantes centros de estudos chamados de calmecac. Lá era garantida
a preservação do saber da civilização. Aprendiam leitura e escrita, conhecimentos de astronomia e
diversas formas de promoção dos cargos de administração pública que poderiam seguir. Eventualmente
alguns (é muito provável que os mais destacados) eram selecionados para se tornarem sacerdotes.

Já os pochtecas (comerciantes) eram os responsáveis por trocar produtos, geralmente excedentes


dos calpulli, em longas distâncias, com isenção de impostos. Na prática, se organizavam em tipos
de “corporação” e, apesar de não serem proprietários de nada, cresciam em importância e recebiam
encomendas dos pipiltin. Também poderiam utilizar o cacau como moeda. Ao se deslocarem por tanto
tempo, se tornavam uma espécie de “embaixadores”, capazes de trazer notícias das mais variadas regiões.

Os tecuhtli (militares) eram responsáveis pelas ações de defesa e ataque, ainda que trabalhassem
também na terra. Já os macehualtin (povo) eram os grandes responsáveis pelos trabalhos contínuos na
comunidade.

Indícios apontam que a sociedade asteca poderia dividir certas funções no calpulli de acordo com as
habilidades demonstradas e suas funções poderiam variar. Até mesmo as ações dos pochtecas não eram
permanentes. Contudo, vale destacar que essa perspectiva não permite avaliá‑la como igualitária. Era uma
sociedade de privilégios, mas talvez as diferenças não fossem tão grandes entre determinados grupos.

O Estado poderia redistribuir produtos entre os calpulli de acordo com as necessidades. Os impostos
eram cobrados em gêneros e, nesse sentido, obter os produtos requisitados pelo governo fortalecia o
comércio. Para isso, feiras eram promovidas, o que facilitava as trocas para o pagamento do tributo
compulsório. A importância dos pochtecas era crescente, já que em suas andanças acabavam por
descobrir onde era possível encontrar cada tipo de produto e saber em quais regiões de trato mercantil
procurar.
18
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

A organização agrária era baseada em três modalidades. A propriedade comunal, o calpulli, garantia
a subsistência e o pagamento de impostos. A propriedade controlada pelos pipiltin, apesar de não ter um
caráter privado, garantiria o sustento desse grupo. Por fim, as áreas reservadas para as obras públicas e
tempos geravam um espaço importante.

Figura 7 – Esse manuscrito espanhol procura demonstrar


como se estabelecia a exploração na região do México

O trabalho para as obras públicas era requisitado de maneira provisória, apesar de compulsório –
era o cuatequil. Já o trabalho rural era dividido em quatro segmentos. Os calpuleque e os teccaleque
eram membros do calpulli. Os primeiros trabalhavam para garantir seu sustento e o pagamento de
seus impostos. Os segundos, em geral, podiam trabalhar também nas terras dos pipiltin, deixando ali
o que produziam. Os arrendatários não pertenciam a nenhuma comunidade e trabalhavam em terras
alheias aos calpulli; essa atividade era incomum e se constituía em alguma anomalia que poderia ser
temporária por razões obscuras. De qualquer forma, tinham que pagar tributo pelo uso dessas terras. Por
fim, os mayeque trabalhavam em qualquer tipo de terra como escravos e acabavam por serem mantidos,
quase sempre, nessa condição. Eram, talvez, provenientes das guerras.
19
Unidade I

A força dos astecas foi crescendo na medida em que promoviam conquistas militares, o que permitia
uma ampla extensão de domínio. O poder era dividido entre o imperador, comandante absoluto do
exército, e a mulher‑serpente, um homem responsável pelas questões básicas de governo.

Figura 8 – A figura de Atlantes ficava no topo da pirâmide em Tula e tinha 4,6 metros

Suas artes envolviam a escrita pictórica (capaz de produzir desenhos) ou a hieroglífica (de símbolos).
Mantiveram a herança cultural da região com a arquitetura e o urbanismo, promovendo a construção de
pirâmides, palácios e transporte de água (como aquedutos enormes). Davam destaque principal para a
arte plumária, vista como grande elemento de honra. Estavam em pleno esplendor quando os espanhóis
chegaram à América.

1.4 Os incas

Os incas se estabeleceram no Altiplano Andino e atingiram um amplo território. Eram, inicialmente,


um povo nômade, mas logo passaram dessa situação à conquista, por ações militares, de povos vizinhos,
até atingir um enorme desenvolvimento e uma população entre 3,5 e 7 milhões (talvez mais). O nome
da civilização era dado pelo título do imperador: inca, filho do Sol; ele tinha como uma das atribuições
mais importantes ser o mediador entre os deuses e os homens, ainda que, ao mesmo tempo, também
fosse considerado um deus.

Sua produção era condicionada pelas difíceis condições naturais. Basicamente, eram três regiões
distintas. O litoral estreito, de planície desértica e árida, não encontrava população inca, justamente
20
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

por tais condições, mas, em alguns pontos específicos, era irrigada por rios. Já a serra andina era onde
se localizava o império. Mesmo com áreas de até 4.000 metros e noites bastante frias, a agricultura foi
muito bem planejada. Os incas construíam terraços capazes de deixar a região plana e de não sofrer com
o risco da erosão. Tinham uma enorme variedade de produtos que se adaptavam bem à altitude. Dentre
eles, com especial destaque, a batata. O milho, proveniente da Mesoamérica, teve um processo de difícil
adaptação e pôde ser utilizado apenas nas regiões mais baixas.

Dessa maneira, a região do império apresentava troca vertical de produtos, de acordo com sua altitude
e produção. O guano, fezes de aves, era utilizado como fertilizante. A pecuária também era bastante
significativa. As lhamas eram os principais animais domesticados. Havia ainda os guanacos, alpacas e
vicunhas. Por fim, nessa área, a arquitetura foi toda produzida em pedra. O esplendor absolutamente
magnífico foi criado pela necessidade de técnicas capazes de concluir tais tarefas, já que a madeira era
rara na região e, por isso, de custo muito maior.

Peru
Pato Bravo

América
Central

América
do Sul
Cobaia

Lhama Alpaca

Figura 9 – As áreas que, provavelmente, foram a origem dos principais animais domesticados na América

A terceira região era a bacia do Amazonas. Ali a água era abundante, o que fazia a região ser a mais
fértil. Na prática, contudo, a população que se localizava ali era de pequenos grupos que mantinham
contato com o império.

21
Unidade I

De qualquer maneira, a terra foi a principal fonte de sobrevivência e todos tinham acesso a ela.
As pessoas se estabeleciam a partir de comunidades residenciais denominadas ayllus, onde homens e
mulheres trabalhavam em busca da subsistência. O líder de cada um dos ayllus era um kuraca, responsável
pela administração, justiça e divisão do trabalho. Ele definia o pagamento do principal tributo: o trabalho
compulsório ao Estado, denominado mita. Esse serviço era temporário, pessoal, desempenhado por
homens adultos, para atividades de diversos tipos (minas, estradas, templos, cidades etc.). O Estado
garantiria a manutenção econômica desse trabalhador com uma espécie de “salário”. Essa perspectiva
gerava uma circulação constante de indígenas ao longo do império, conhecidos como mitayos. Todavia,
ninguém poderia sair do seu ayllu sem autorização. Há de se ter em vista que a geografia vertical impedia
a fácil locomoção, daí as estradas serem quase que o único meio de se transitar. Um dos benefícios de ser
um kuraca era justamente não precisar pagar tributos, ou seja, não eram escolhidos para a mita.

Havia ainda as terras do Inca, que eram desenvolvidas para a tripartição da produção: para o Inca
(que tinha os yanas, trabalhadores perpétuos), para os panacas (dirigentes diretamente ligados à família
do Inca) e para o Estado (com a finalidade de redistribuição em caso de necessidade). Por fim, as terras
do Sol eram as reservadas para finalidades religiosas, onde mulheres trabalhavam de forma exclusiva
para os cultos religiosos.

A quantidade de terra aproveitável dependia muito de cada região. Contudo, havia um consenso de
que cada ayllu não poderia ter menos do que o necessário para a sobrevivência.

Outro tipo de trabalho significativo entre os incas era a atividade na estrutura têxtil. Dentro dos
ayllus, geralmente, as mulheres, produziam roupas ou outros artigos com a lã proveniente da pecuária.
Eventualmente, essa produção era cobrada em forma de tributo – o exército poderia necessitar de
roupas e, então, o Estado fornecia os insumos e o ayllu a mão de obra.

O comércio, muito raro, era realizado por trocas entre as comunidades. Não havia escrita, apesar do
uso do quipo – uma forma de utilização de registro baseada em cordões que variavam sua estrutura de
acordo com o nó produzido e repetido.

O avanço de sua arquitetura e engenharia teve como obra mais admirável a construção de Machu
Picchu. A cidade esplendorosa, em uma região de dificílimo acesso pela área montanhosa, distante
mais de 80 quilômetros de Cuzco, só foi encontrada em 1911 pelo americano Hiram Bingham, apesar
de, provavelmente, ser conhecida pela população local. De qualquer modo, é um fantástico sítio
arqueológico praticamente intacto. As razões para a cidade ter sido desabitada são desconhecidas.
Algumas das hipóteses levantadas são de que a cidade fosse reservada aos deuses, ou que fosse uma
espécie de refúgio, mas que não chegou a ser utilizado com a chegada dos espanhóis.

22
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Figura 10 – As ruínas de Machu Picchu demonstram as características


urbanísticas dos incas e também sua genialidade na engenharia

1.5 Os índios do Brasil

Os indígenas do Brasil desfrutavam de uma natureza exuberante e conseguiam obter seus alimentos,
basicamente, por meio da caça e da coleta. A diversidade e heterogeneidade também eram características
importantes. Ao mesmo tempo, não deixaram grandes monumentos e não tinham qualquer sistema de
escrita ou numeração. Uma alternativa de fonte de informações são as obras produzidas pelos europeus,
mas, como já comentamos, eles não tinham preocupação científica com os relatos e praticamente só
tiveram contato com os indígenas do litoral. Faltam fontes, mas boa parte dos estudos, atualmente,
avança por meio de descobertas arqueológicas ou pelo contato com a antropologia. Essas áreas estudam
a forma de vida de algumas tribos que praticamente se mantiveram isoladas, pelo menos do contato
com o sistema estabelecido a partir dos portugueses.

A classificação hoje mais aceita para os indígenas do Brasil é a divisão por grupo linguístico, ainda
que não contemple as variáveis existentes. Os quatro principais grupos são os Tupis, Jês, Nuaruaques
e Caraíbas. Vale destacar ainda que mesmo aquelas que menos se aproximam desses grupos são
consideradas de seu grupo por certa semelhança. Contudo, há diversas tribos absolutamente isoladas e
que impedem qualquer esforço de classificação.
23
Unidade I

nas
mazo
Rio A

Linha do Tratado de Tordesilhas


o
Oceanico
l â n t
At
o
Oceanco
Pa c í fi
Tupi-guarani
Jê ou Tapuia
Nuaruaque
Caraíba
Outras nações

Figura 11 – Os grupos indígenas do Brasil

As características razoavelmente comuns a todos esses grupos são a caça, pesca, coleta, agricultura
rudimentar e a divisão de tarefas por sexo. Acredita‑se também que muitos estavam começando a
desenvolver a cerâmica (apesar de outros já dominarem essa técnica).

Os Tupis, predominantes no litoral, constantemente migravam e eram caracterizados por uma


economia baseada pela caça, pesca, e uma agricultura rudimentar que privilegiava a mandioca, o milho
e a batata. Poderiam se organizar em confederação, no caso de guerra ou para uma aliança temporária.
Eram politeístas, produziam grandes rituais funerários, praticavam rituais antropofágicos e a recepção
lacrimosa. Investiam, com habilidade, na pintura do corpo, da cerâmica, além da arte plumária.

Os Jês eram bastante semelhantes às características dos Tupis. A diferença central era a preparação
mais elaborada dos alimentos ao utilizarem o fogo para as carnes e a moenda para a produção de
farinha. Por fim, utilizavam a pajelança como forma de ajudar os mortos e impedir qualquer avanço dos
espíritos maus.

Os Nuaruaques eram o grupo mais extenso da América, pois estavam presentes desde a América do
Norte, Mesoamérica e América do Sul até o Paraguai. Sua marca mais central era a produção de uma
cerâmica de enorme qualidade.

24
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Por fim, os Caraíbas eram bastante semelhantes aos Tupis e provavelmente formaram o primeiro
tronco a ter contato com os europeus na época da chegada de Colombo.

Figura 12 – Vaso de cerâmica típico indígena

Figura 13 – Estatueta antropomorfa de cerâmica encontrada em Santarém, PA

Figura 14 – Coroa da tribo Kaxinawa

25
Unidade I

Observação

A heterogeneidade e a adaptação promovida por cada grupo indígena,


de acordo com suas necessidades e formas de relacionamento, apenas
revelam maneiras diferentes de vida e não representam inferioridade.

1.6 Os índios da América do Norte

Também na América do Norte o quadro da população indígena é bastante heterogêneo. Em


boa medida, diversas comunidades coexistiam e desenvolviam formas de sobrevivência. Em geral, a
propriedade e o regime de trabalho eram coletivos. Estar integrado ao grupo era condição básica para a
sobrevivência. A divisão de trabalho era baseada na idade e sexo. Cabia aos homens, em geral, a busca
de alimentos, a preparação agrícola e a domesticação de animais, além, quando necessário, da defesa na
guerra. Já as mulheres podiam cuidar da produção do solo, cozinhar e desenvolver atividades artesanais,
como a tecelagem ou a cerâmica.

A produção era, basicamente, de subsistência. Eventualmente, trocas de produtos poderiam ser feitas
com outras tribos, em caso de necessidade de algum material específico. Nesse sentido, a característica
geral dos índios dessa região, semelhante aos da Mesoamérica e da América Andina, era a sedentarização.

As comunidades eram o elo de desenvolvimento baseado nas relações familiares. Em geral, a crença
em um passado totêmico unia esses grupos. Aos poucos, grupos familiares poderiam ser integrados
à comunidade por laços de casamento. O líder poderia ser hereditário ou eletivo, mas não tinha
condições muito distintas do grupo – ao que parece, seria capaz, sobretudo, de manter a estrutura e
o funcionamento da comunidade. A visão religiosa animista e politeísta também era vista por lá. Em
grande medida, acreditavam que as forças existentes contribuíam para que as ações de sobrevivência
fossem bem‑sucedidas.

Figura 15 – Aldeias características dos índios da América do Norte

26
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Figura 16 – A presença do búfalo era


bastante marcante na América do Norte

Dentre os diversos grupos existentes, um dos mais conhecidos, em virtude de suas características
peculiares e da manutenção de sua sobrevivência até os dias atuais, é o dos esquimós. Eles habitavam
as regiões com um frio muito rigoroso e se adaptaram a essa situação. Caçavam focas, baleias e outros
animais do hábitat e, assim, obtinham alimento e também materiais para a confecção de roupas e
instrumentos de caça. A domesticação de cães se tornou bastante importante para o uso de transporte
e para complementar as atividades de caça.

Outro grupo de especial destaque, das tribos do deserto, são os pueblos, provenientes da
cultura anasazi. Estavam inseridos no território entre os rios Colorado e Grande. Nessa perspectiva,
aproveitando‑se da condição desses rios, promoveram um sistema de irrigação capaz de manter um
significativo conjunto de habitantes, mesmo que em uma área desértica. Destacaram‑se ainda por uma
arquitetura bastante complexa. A garantia de alimentos gerava também uma maior estratificação social
e era o Conselho de Anciãos que tomava as principais decisões. Tinham grande conhecimento nas áreas
de tecelagem e cerâmica.

Figura 17 – Fabulosas ruínas deixadas pelos Pueblos na região do Chaco, EUA

27
Unidade I

Por fim, outros grupos importantes estavam relacionados à Grande Planície e à caça de búfalos.
Outros ainda, como os iroqueses, próximos da região dos Apalaches, formavam diversas tribos que
poderiam se unir em confederações no momento da guerra.

Saiba mais

Um dos melhores filmes para se problematizar a análise de povos indígenas é:

APOCALYPTO. Direção: Mel Gibson. Estados Unidos: 2006. 139 minutos.

2 A EXPANSÃO MARÍTIMO‑COMERCIAL DA EUROPA

Inserir a História da América no contexto europeu é tarefa fundamental para o historiador


problematizar como se deu a formação dos elementos que estruturaram a dominação e que
cristalizaram uma estrutura econômica voltada aos interesses de reis do “além‑mar”. Ao mesmo
tempo, as relações de imposição cultural em torno do cristianismo sugerem forças que precisam
ser problematizadas para a compreensão do impacto gigantesco da alteridade do olhar do outro.
Algo inteiramente novo e de proporções inimagináveis se iniciava, algo irreversível e de expectativas
inteiramente profundas.

Os povos da América não foram capazes de resistir à investida violenta e destruidora do branco.
Muitos simplesmente desapareceram nessa conquista. Outros foram subjugados. Outros ainda
foram se amoldando aos novos padrões, hábitos e crenças, se miscigenando e criando realidades
significativamente distintas, inclusive, diferentes até mesmo dos padrões europeus. Ou seja, houve
a formação de algo inteiramente novo, ainda que com traços predominantes, em geral, do europeu
conquistador.

2.1 As transformações econômicas

Durante a Baixa Idade Média, entre os séculos XII e XV, a Europa viveu a crise do sistema
feudal e, concomitantemente, o início do capitalismo, ainda que em uma fase bastante
incipiente. As Cruzadas, ao reabrirem o comércio do Mediterrâneo para os cristãos, geraram
grande reativação das trocas de produtos, das atividades monetárias e ainda das próprias
condições para a vida urbana. Novas rotas e novos produtos alcançavam a Europa cristã, então
em contato com árabes.

28
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

O comércio Ocidente-Oriente (do século IX ao


Oceano XIII), monopólio de venezianos e genoveses
Atlântico
pa
Euro Ri
Veneza o Drava
Gênova
Marselha Pisa Crimeia

Ri
Mar Negro

oE
Rio Tejo

br
Rio Danúbio

o
Córsega
Baleares Constantinopla
Amalfi Tessalônica
Sardenha
Corfu
Cefalônia Eubeia Esmirra
Sicília
Túnis Zama Antióquia
Rodes
Creta Chipre Tiro
Mar Mediterrâneo S. João
d’Acre
Rotas comerciais venezianas Jafa
Rotas comerciais genovesas Alexandria
Rio Nilo

Figura 18 – O comércio do Mediterrâneo propiciou grande impulso das atividades mercantis


para a Europa, com o monopólio das cidades italianas de Veneza e Gênova

Os produtos considerados “especiarias” ganharam mercado na Europa. Eram fundamentalmente


temperos, como cravo, canela, pimenta, ervas e outros diversos, mas também englobavam tecidos,
cerâmicas ou ervas aromáticas e terapêuticas.

De todas as especiarias existentes no Oriente e cobiçadas pelos europeus,


nenhuma era mais importante e mais valiosa do que a pimenta. Hoje
considerada mero condimento, a pimenta, nos séculos XVI e XVII, era artigo
de fundamental importância na economia europeia. Como não havia
condições de se alimentar o gado durante o rigoroso inverno da Europa
setentrional, a quase totalidade dos rebanhos era abatida por volta do mês
de novembro. O sal era usado para preservar a carne por vários meses, mas
a pimenta e, em menor escala, o cravo, eram considerados imprescindíveis
para tornar o sabor das conservas menos repulsivo. Na Europa, o preço da
pimenta era altíssimo e na Índia os hindus só aceitavam trocá‑la por ouro
(BUENO, 1998, p. 26).

A rota central que se estabelece para as especiarias era proveniente do Mediterrâneo: as cidades
italianas de Veneza e Gênova chegavam aos atravessadores do litoral asiático e traziam os cobiçados
produtos para a Europa. No interior do continente asiático, havia grupos de mercadores pelo deserto
que eram os intermediários entre os europeus e a região produtora propriamente.

Como nos explica Hilário Franco Júnior, Veneza e Gênova dominaram esse mercado por causa das
Cruzadas:

As duas apoiaram a Primeira Cruzada em troca de privilégios comerciais


nas regiões dominadas. Ali no Oriente Médio, obtinham os procurados
29
Unidade I

produtos de luxo orientais, que trocavam por mercadorias do Ocidente.


Interessada em ampliar seus negócios, Veneza, graças a várias manobras
políticas, conseguiu desviar a Quarta Cruzada para a conquista do
Império Bizantino. Este temporariamente desapareceu (1204‑1261)
e os venezianos se apossaram de territórios importantes. Neles
conseguiam, além de produtos vindos do Extremo Oriente (especiarias,
seda, perfumes), algumas matérias‑primas básicas para a indústria
têxtil que se desenvolvia na Europa. Descontentes com o sucesso de
sua rival, genoveses apoiaram os bizantinos contra Veneza e em troca
consolidaram seu império colonial no mar Egeu e no mar Negro (FRANCO
JÚNIOR, 1988, p. 53).

Na prática, a dinamização também se dava pelo trato mercantil em outras rotas, sobretudo
no Norte europeu com o controle nórdico – são as rotas de comércio do Mar do Norte (Hansa
Teutônica), mas também pela famosa rota da região de Champagne. Feiras e trocas, monetárias
ou não, se propagavam, gerando um impulso comercial bastante consistente e até mesmo uma
atividade bancária:

Não por acaso também, a atividade bancária nasceu na Itália. Era


interesse de seus comerciantes enfrentar a diversidade de moedas,
facilitando sua uniformização e, portanto, os negócios entre pessoas
de diferentes regiões. Assim, alguns mercadores passaram a se dedicar
ao câmbio (cambiare = trocar), ficando conhecidos por banqueiros,
pois as diversas moedas a serem trocadas ficavam expostas em bancas,
como outra mercadoria qualquer. Apenas num segundo momento,
possivelmente no século XII em Gênova, os banqueiros ampliaram
seu leque de atuação, aceitando depósitos reembolsáveis a qualquer
momento, fazendo empréstimos, transferindo valores de clientes de
uma cidade para outra. Para se atrair capitais, pagavam‑se juros sobre
os depósitos. Para evitar aos clientes os inconvenientes de transporte
de valores até importantes praças comerciais, desenvolveram‑se
instrumentos de crédito, protótipos da letra de câmbio e da nota
promissória (FRANCO JÚNIOR, 1988, p. 57).

30
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Figura 19 – As variadas rotas de comércio reativadas e desenvolvidas durante a Baixa Idade Média

Contudo, já no século XIV, o sistema feudal europeu enfrentava significativos problemas. O


crescimento demográfico visto durante a Baixa Idade Média não era uma situação possível, já que a
produção era estática, autossuficiente e introvertida. Sendo assim, as Cruzadas eram uma alternativa
para uma perspectiva de sobrevivência e expansão. No entanto, em certo aspecto, elas contribuíram para
desarticular o sistema, na medida em que os senhores foram morrendo em terras longínquas e muitos
dos servos criaram rebeliões – esse processo ficou evidente nesse século. As revoltas mais famosas foram
as rebeliões camponesas na França, denominadas Jacqueries. A trilogia formada pela Guerra dos Cem
Anos (1337‑1453), pela Peste Negra e pela fome generalizada acarretou uma queda da população e do
sistema produtivo em proporções enormes.

A Guerra dos Cem Anos envolveu questões políticas e econômicas. O rei inglês Eduardo III entendia
ser o herdeiro do trono francês por ser neto, por parte da mãe, do rei Felipe, o Belo, da França. No
entanto, nesse país, pela lei sálica, era proibida a sucessão do trono para mulheres ou para descendentes
provenientes de sua linhagem. Ao mesmo tempo, havia grande interesse, para ambos os países, na
região de Flandres (na atual área dos Países Baixos) para a produção de tecidos. A guerra se tornou
extremamente dispendiosa e demorada, com várias incursões ao longo de mais de cem anos.

A Peste Negra, por sua vez, revelava as péssimas condições higiênicas em que a população europeia
vivia e, sobretudo, a total despreocupação com essa área. É bem razoável, desse modo, a praga
que se estabeleceu, chegada do Oriente, e se disseminou rapidamente ao encontrar esse ambiente.
Provavelmente, tratava‑se de uma peste bubônica que matou milhares e milhares que simplesmente
desconheciam quais eram as causas da doença e quais as maneiras de se precaver.

Nesse sentido, há diversos testemunhos de pessoas morrendo às centenas e mais centenas, noite
e dia, em um clima absolutamente desolador. Famílias enterrando filhos, pais e mães – por vezes,
31
Unidade I

desaparecendo em uma velocidade impressionante. E o pior: não havia a mínima ideia científica das
razões que faziam a epidemia se propagar. Por isso, os contemporâneos entendiam que se tratava do
fim do mundo, do momento em que Deus estava castigando a humanidade por seus pecados. Se já não
bastassem as mortes, o trauma religioso também foi bastante marcante.

Figura 20 – A gravura ilustra a visão desoladora e aterrorizante da Peste

Por fim, mas não menos importante, a propagação da fome era comum por qualquer mudança
climática e pelas dificuldades impostas pelos problemas provenientes das guerras, rebeliões e da peste,
desarticulando o sistema produtivo agrícola ainda razoavelmente estático e introvertido.

É dessa maneira que a Expansão Marítima europeia, em seus aspectos econômicos, tem como grande
viés a superação desse quadro crítico europeu, o que foi agravado pela queda de Constantinopla (1453),
comprometendo o comércio existente no Mediterrâneo e gerando o declínio do vigor econômico das
cidades italianas. Assim, boa parte dos experientes navegadores dessa região ofereceram seus serviços
para as coroas ibéricas.

A perspectiva era encontrar novas formas de se atingir o lucrativo comércio do Oriente, sobretudo
sem atravessadores, além de angariar metais preciosos para continuar a monetarizar a economia e
promover o desenvolvimento comercial.

2.2 As transformações políticas

No sistema feudal, a característica central é a descentralização política. Apesar de o rei manter um


sentido de poder de direito, na prática, as necessidades que se impuseram pelas invasões bárbaras e pela
crise do Império Romano, sobretudo após o reino dos francos, gerou‑se um sistema essencialmente de
poder local.

No entanto, as novas perspectivas vistas com o reflorescimento do comércio geravam novas


necessidades políticas para a burguesia mercantil. Promover o controle do rei em todo o território
32
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

favoreceria uma necessidade fundamental: a padronização de pesos, medidas e moedas. Durante o


período medieval, a cada feudo uma unidade diferente, além de impostos variados, eram encontrados
pelo burguês. Era necessário garantir o fim de cobranças variadas e dispêndios com transições de valores
que poderiam gerar perdas entre um território e outro.

Nesse sentido, fortalecer a figura do rei, único capaz de promover a padronização de todo um amplo
território, se tornava tarefa básica. A burguesia passava, então, a financiar o rei em sua empreitada.
Pelos recursos provenientes de impostos, mecanismos de centralização passavam a ser colocados em
prática: desde o uso da diplomacia, com alianças (tais como o casamento), até com, eventualmente, o
uso da guerra. Assim, a nobreza, aos poucos, deixava de ser uma nobreza guerreira e se tornava cortesã,
sustentada e mantida pela Coroa.

Não se deve deixar de perceber que também era fundamental para o desenvolvimento comercial o
rei ser o único capaz de direcionar os recursos de uma ampla região para os dispêndios enormes que
uma empreitada como as Grandes Navegações gerava. E não havia nenhuma certeza do retorno de
tais valores. Assim, era necessário ser capaz de mobilizar valores que seriam investidos na vastidão do
Atlântico e sem a cobrança de um retorno imediato.

Figura 21 – Os Estados Nacionais passaram a se desenvolver no início da época moderna.


Tinham grandes relações com o desenvolvimento comercial e dinamizavam a vida.
Na imagem, repare a representação de diversos grupos em torno do aglomerado urbano

Ainda que em processos variados, é nesse momento que a Europa passa a viver a transição para a
formação das Monarquias Nacionais – desenvolvimento central para as Grandes Navegações. Coloca‑se,
então, um fator central para o pioneirismo ibérico: foram justamente Portugal e Espanha os países
capazes de angariar condições de controle do rei para todo o território e, assim, fomentar as expedições
rumo a novas rotas para o lucrativo comércio das Índias.

No entanto, deve ter‑se claro quais são os limites desse desenvolvimento nacional. Como aponta
José Mattoso ao pensar acerca da nacionalidade portuguesa:
33
Unidade I

A delimitação política e econômica é um elemento objetivo que distingue de


todas as outras a comunidade humana nela inserida. Para esta comunidade
constituir uma Nação é ainda preciso que os seus membros adquiram a
consciência de formar uma coletividade tal que daí resultem direitos e
deveres iguais para todos, e cujos caracteres eles assumam como expressão
da sua própria identidade. Esta consciência forma‑se por um processo
lento, que não envolve simultaneamente todos os sujeitos. Começa por
eclodir em minorias capazes de conceber intelectualmente em que consiste
propriamente a Nação; depois essa ideia vai se propagando lentamente a
outros grupos, até atingir a maioria dos habitantes do País. [...]

As guerras com Castela e a Revolução de 1383‑1385, ao trazerem


as tropas estrangeiras a Portugal, evidenciam a diferença entre os
Portugueses e os outros, isto é, aqueles que falavam outra língua, tinham
outros costumes e se comportavam como inimigos. Cem anos depois,
a expansão ultramarina coloca muitos portugueses em face de gente
ainda mais estranha perante a qual eles se apresentam como irmanados
pela vassalagem a um mesmo rei, sejam minhotos, alentejanos ou
beirões. A sujeição à Espanha, no século seguinte, faz refletir sobre o
que é ser português e o que é estar sujeito a uma administração não
portuguesa, pela mesma época em que se pode ler nos Os lusíadas a
epopeia mitificada de um povo capaz de chegar aos confins do mundo. E
assim sucessivamente, até às exaltadas manifestações populares contra
a Inglaterra por ocasião do Ultimatum de 1890, às comemorações
nacionais dos vários centenários que fazem refletir nos feitos heroicos
de outrora, às revoluções cuja vitória se atribui à participação popular,
à propaganda ideológica nacionalista dos anos 30 a 60. Tudo isso vai
consolidando e difundindo o conceito de Nação. É preciso não esquecer,
porém, que só os cidadãos capazes de ler podiam conhecer Os lusíadas, e
que só os que tinham feito o ensino primário podiam compreender o que
era a história pátria e saber os direitos dos cidadãos. Ora a população
analfabeta só em pleno século XX deixa de constituir mais da metade do
povo português. É preciso, portanto, esperar até uma época bem recente
para poder admitir uma efetiva difusão da consciência nacional em
todas as camadas da população, e em todos os pontos do seu território
(MATTOSO, 2000, p. 40).

2.3 As transformações culturais

Os contatos com o Oriente e os valores do Renascimento promoviam uma articulação de estudos


extremamente importantes e significativos. A valorização do homem e do conhecimento racional era
promovida com a chegada do saber clássico, que estava em posse dos árabes e bizantinos e que vieram à
tona com as Cruzadas. Nesse sentido, novos estudos são estabelecidos, como a astronomia, a cartografia
e a matemática:
34
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Por volta de 1330, com o uso da numeração árabe, começara em


Portugal uma lenta revolução, chamada de aritmetização do real, que
viria a ter importantes reflexos no desenvolvimento das mentalidades
protomodernas. Tratando‑se de estruturas mentais marcadamente
analíticas assumiram, desde o início, um protagonismo que não deixou
pedra sobre pedra quanto ao que restava das heranças medievais; estes
saberes passaram do estádio de pouco ou mais ou menos, a uma outra
situação de saber, conhecida como sendo o da precisão, como lembrava
Lucien Febvre (ALMEIDA, 2000, p. 110).

Assim, instrumentos com tecnologia bastante significativa eram produzidos: bússolas,


astrolábios, caravelas, naus e velas latinas. Esse aparato tecnológico era fundamental para a
aventura do além‑mar. Enfrentar a enormidade de mares nunca antes navegados, a mentalidade
de monstros e temores das adversidades, só se tornaria plausível com o mínimo de capacidades
possíveis para a navegação prolongada e sua localização básica. Logo, o conhecimento que se
adquire é absolutamente indispensável.

Figura 22 – Representação típica do desenvolvimento dos estudos


marítimos relacionados à instrumentalização e à astronomia

2.4 As transformações sociais

Apesar de a sociedade feudal ser bastante enrijecida com seus valores estamentais e de ordens, o
desenvolvimento do comércio permite um novo estilo de vida, que é baseado no lucro e na usura: a vida
urbana da burguesia mercantil.

Esse grupo é promovido em torno das novas condições e necessidades que se estabelecem entre a
crise feudal e o início da modernidade. A perspectiva dos novos hábitos, com as especiarias, criava uma
demanda que deixava os negócios com razoável espaço na Europa cristã.

Nesse sentido, um avanço importante poderia ser dado também para aqueles com “espírito
aventureiro” – acreditar na possibilidade de outra forma de se viver e auferir lucros seria possível para
marginalizados e desesperançados pela estrutura feudal.

35
Unidade I

Figura 23 – O quadro acima é a representação feita pelo pintor alemão Quentin Massys
de um banqueiro e sua mulher. Repare que, além da preocupação com a moeda
propriamente, há uma significativa perspectiva: a mulher o acompanha fazendo leitura

O avanço do comércio e as novas condições políticas abrem as cortinas das possibilidades inteiramente
novas de empreendimentos visando ao lucro das especiarias para a burguesia ou mesmo para aqueles
com atividades bancárias, além de contar com outros elementos menos favorecidos, mas esperançosos
de encontrar uma nova forma de viver por meio das Grandes Navegações, o que não seria possível na
estrutura feudal.

2.5 As transformações religiosas

Apesar de tradicionalmente as Cruzadas serem vistas como um movimento cristão apenas para
a reconquista da Terra Santa (Jerusalém), elas fizeram parte de um desenvolvimento muito maior. A
perspectiva da expansão era fundamental e tinha como grande objetivo o combate militar do infiel, quer
fosse o muçulmano, quer fosse qualquer outro que estivesse distante dos ideais promovidos pela Igreja
(como os albigeneses, na França).

Dessa maneira, o “espírito cruzadista” permeou as ações também da Reconquista na Península Ibérica
de uma maneira muito importante para começar o processo de um conceito de nação, conforme vimos
anteriormente. É nesse sentido que esse ideal permaneceu durante as Grandes Navegações, inclusive
quando houve o contato com outras regiões, como os muçulmanos do Norte da África. Esse ideal
procurou ainda justificar todo o esforço de colonização europeia na América: era um dever do europeu
promover a catequese dos ameríndios.

36
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

De qualquer maneira, também havia uma “mística” do imaginário medieval que fortalecia o espírito
aventureiro misturado ao religioso. Como atesta Charles Boxer, a procura por um reino cristão chamado
Preste João sempre estava presente nos relatos do período:

Era um potentado mítico, em sua origem vagamente imaginado pelos


europeus como soberano de um poderoso reino “nas Índias” – termo elástico
e ambíguo que muitas vezes englobava a Etiópia e a África Oriental, bem
como o que se conhecia como Ásia. [...]

As versões mais extravagantes da lenda de Preste João, como, por exemplo,


a afirmação de que comiam à sua mesa, feita de esmeraldas, mais de 30
mil pessoas, entre as quais doze arcebispos que se sentavam à sua direita
e vinte bispos, à esquerda, parecem não ter circulado tanto em Portugal
como em outros países europeus. Porém em Portugal, como em outros
lugares, acreditava‑se, com efeito, que esse misterioso rei‑sacerdote,
quando definitivamente localizado, seria um aliado inestimável contra os
muçulmanos, fossem eles turcos, egípcios, árabes ou mouros. Quanto aos
portugueses, esperavam encontrar Preste João numa região africana, onde
ele poderia ajudá‑los a lutar contra os mouros (BOXER, 2002, p. 35‑36).

A luta religiosa justificava ambições econômicas e sociais em torno de um imaginário que carregava
perspectivas medievais com outras de desenvolvimento tecnológico e valores renascentistas baseados
na razão. Vale destacar que a grande obra de circulação e, quase única, acerca do mundo do Oriente,
era a obra de Marco Polo. É no bojo dessa visão repleta de contradições e limites feitos por todo homem
em qualquer que seja seu período histórico que é preciso compreender as características das ações das
Grandes Navegações e a adoção de um sistema de colonização capaz de se estabelecer, com razoável
manutenção, por três séculos.

3 AS GRANDES NAVEGAÇÕES

A partir das condições geradas pela crise do sistema feudal e pelas necessidades econômicas que se
estabeleciam pelo início do capitalismo, ainda que sem ser o sistema predominante, mas na montagem
da estrutura mercantilista, a figura do rei, capaz de unificar politicamente e direcionar os recursos de
uma ampla gama de territórios, se junta aos interesses mercantis da burguesia em ascensão. Essa união
financiou as viagens de longa distância em busca de novas rotas para as especiarias e novas fontes de
metais preciosos. Ao mesmo tempo, os avanços culturais propiciaram os meios tecnológicos capazes de
tais ousadias e desafios. Por fim, o espírito cruzadista justificou a ação, encabeçado pela continuidade
da propagação do cristianismo católico e o combate ao infiel.

3.1 Ciclo Oriental – pioneirismo português

A primeira questão que se estabelece após entender as razões que motivaram os europeus é
compreender como os portugueses acabaram por reunir todas as condições necessárias para se tornarem
os pioneiros nas Grandes Navegações.
37
Unidade I

É fundamental, inicialmente, fazer menção a sua posição geográfica privilegiada. Estar diretamente
ligado ao oceano facilitava a logística de toda a empreitada e, ao mesmo tempo, impedia problemas
diretos com outros países para qualquer deslocamento no Atlântico, além de trazer uma tradição
naval‑mercantil bastante importante, como atesta Vitorino Magalhães Godinho:

Logo que Portugal se tornou num reino independente, já os Portugueses


aparecem nas feiras de Tessalónica, e ainda antes do final do século
mercadores portugueses frequentam Marselha e Montpellier. Ao
longo do século XIV, navios portugueses carregam trigo nos celeiros
mediterrâneos – seis deles são sequestrados em Barcelona em 1333
–, barcas de Lisboa, Setúbal e Aveiro transportam sardinha e outro
pescado para o Levante hispânico, provavelmente em troca de dobras
de ouro. Mas é talvez com Maghrebe que as relações comerciais são
mais intensas, e o sistema monetário português alinha‑se pelo sistema
monetário norte‑africano. [...]

Os principais vetores da presença portuguesa nas águas do Estreito até


Tunes e Génova são, no entanto, o corso e a angariação de fretes (GODINHO,
1990, p. 192).

Nessa perspectiva, torna‑se interessante perceber como vai se ampliando a força da burguesia
empreendedora, capaz de gerar uma aliança com o monarca, existente precocemente desde a Revolução
de Avis (1383‑85), que colocou no poder D. João I.

Ao mesmo tempo, os estudos náuticos ganham força. O contato comercial constante incrementa as
técnicas utilizadas e fomenta o avanço, inclusive pela facilidade de contato com os árabes. É por isso
que se tornou tarefa significativa os estudos para a tradução dessas importantes fontes de estudos das
obras clássicas.

A caravela é um dos exemplos mais significativos desse desenvolvimento. Era rápida, com boa
capacidade de carga, o que, inclusive, foi incrementado em pouco tempo – e ainda era capaz de se
manter em uma boa batalha. Fora ela, várias outras embarcações foram promovidas ao longo das
atividades navais dos séculos XIV e XVI.

É preciso destacar que não foram os portugueses, ou seus rivais espanhóis, os grandes e únicos
aventureiros rumo aos grandes oceanos. Contudo, a grande questão que se estabelece é que os ibéricos
se tornaram os responsáveis por alterar completamente a história mundial com seus empreendimentos
e com a organização de um sistema de exploração capaz de promover uma integração e contatos nunca
antes vistos ou mantidos. É o que atesta Charles Boxer:

Os portugueses e os espanhóis tiveram precursores (mais ou menos


isolados) na conquista dos oceanos Atlântico e Pacífico, mas os esforços
desses aventureiros notáveis não alteraram o curso da história do mundo.
Foram encontradas moedas cartaginesas do século IV a. C. nos Açores,
38
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

bem como moedas romanas de datas posteriores na Venezuela, em


circunstâncias que sugerem a possibilidade de terem sido levadas por
barcos arrastados por tempestades na era clássica; porém, se assim foi,
não há nada que nos garanta que esses barcos um dia regressaram à
Europa com as notícias. Os vikings viajaram da Noruega e da Islândia para
a América do Norte algumas vezes na Baixa Idade Média, mas suas últimas
colônias, abandonadas na Groelândia, sucumbiram aos rigores do clima e
aos ataques dos esquimós antes do final do século XV. Algumas galerias
italianas e catalãs, do Mediterrâneo, aventuraram‑se com ousadia em
viagens de descobrimento no Atlântico, nos séculos XIII e XIV. Contudo,
embora seja provável que tivessem avistado algumas das ilhas do Açores
e da Madeira, e por certo redescoberto as Canárias (as ilhas Afortunadas
dos geógrafos romanos), tais viagens não tiveram prosseguimento
sistemático. Permaneceu apenas a vaga lembrança dos irmãos Vivaldi,
genoveses que partiram em 1291 com a firme intenção de contornar o
sul da África e alcançar a Índia por mar, mas desapareceram depois de
passar o cabo Não, na costa marroquina. De igual modo, ainda que juncos
chineses ou japoneses levados por tempestades ocasionais possam ter
involuntariamente alcançado a América, e apesar de os “argonautas do
Pacífico”, polinésios do Havaí, terem colonizado ilhas tão longínquas como
a Nova Zelândia, tais feitos não alteraram o isolamento básico em que
a América e a Austrália continuaram em relação aos outros continentes
(BOXER, 2002, p. 31‑32).

O grande marco inicial do avanço português foi a tomada de Ceuta, em 1415. A cidade
era um ponto fundamental para o controle do estreito de Gibraltar e para as relações entre
o Mediterrâneo e o Atlântico. Muitas caravanas convergiam para esse local, o que promovia
lucros constantes para essa primeira conquista. Apesar da vitória, da manutenção da presença
portuguesa e da obtenção de informações do território a desbravar, as questões econômicas
se tornaram infrutíferas nessa cidade, já que os árabes conseguiram realocar o comércio para
outro polo.

De qualquer maneira, a partir daí, os portugueses decidem‑se pela perspectiva da expansão a partir
do chamado Périplo Africano, ou seja, o contorno do litoral desse continente, ainda que absolutamente
desconhecessem a extensão da rota que pretendiam seguir.

39
Unidade I

América Europa
do Norte (3)
Lisboa Espanha
(2) Ásia (10)
(1)
(4)
S. Salvador (6) (5)
(8)
África Calicute

América
do Sul (9) Oceano Índico
Oceano Atlântico
Austrália
(7)
(1) Ceuta (1415) (6) Arquipélago de Cabo Verde (1445)
(2) Arquipélago da Madeira (1419) (7) Cabo da Boa Esperança (1488)
(3) Arquipélago dos Açores (1431) (8) Calicute (1498)
(4) Cabo Bojador (1434) (9) Baía Cabrália (1500)
(5) Cabo Branco (1445) (10) Japão (1517)

Figura 24 – A extensão das Grandes Navegações portuguesas atingindo o Japão em 1517

A partir de Ceuta, os portugueses mantiveram navegação por cabotagem – através do litoral –, o que
garantia segurança e um fácil avanço. Um importante marco desse avanço foi a chegada às chamadas
Ilhas Atlânticas (Madeira e Açores), que propiciaram a primeira investida na tentativa de um sistema
de colonização capaz de gerar lucro para a Coroa: ali foram implantadas capitanias hereditárias e a
produção de cana de açúcar.

Outro marco significativo foi atravessar o Cabo Bojador (1434), repleto de histórias de medo e da
mística medieval. Temos, então, justificadas as palavras famosas do poeta Fernando Pessoa, ao glorificar
o passado português:

Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal


São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena


Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fonte: Pessoa (1934).

40
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

A partir daí, os portugueses marcam sua presença em diversas regiões, como o Golfo da Guiné (1452)
e o sul da África (1482). Nesse momento, os portugueses já estavam atuando com certo comércio e,
especialmente, com o tráfico negreiro. O contato já era bastante acentuado com diversos grupos do
continente.

No entanto, uma grande dificuldade se estabelece: contornar o Cabo das Tormentas, último grande
ponto do litoral atlântico. A navegação de cabotagem já não era possível pelos ventos e correntes de
água contrários que se estabeleciam (hoje sabemos que essa situação na região é ocasionada pela
corrente de Benguela, que passa por ali). Dessa maneira, a viagem de Bartolomeu Dias, em 1488, foi um
marco extremamente importante – a decisão de ir para o interior do Atlântico e só depois retornar, na
esperança de que as águas mar adentro fossem menos agitadas. Este foi o ponto em que os portugueses
precisaram confiar absolutamente em seus instrumentos e técnicas de navegação.

Na verdade, Bartolomeu Dias acreditava no mesmo fenômeno que se via na parte Norte do Atlântico,
na região portuguesa, como explica Luís Adão da Fonseca:

O que está aqui em causa é a hipótese de que, no Atlântico meridional,


aconteça o mesmo que na costa portuguesa, onde o vento norte, que
sopra com força ao longo da costa, enfraquece no interior do oceano.
Ou seja, ao admitir que, em matéria de regime de ventos, o Atlântico
sul funciona como o do norte, mas ao contrário, Bartolomeu Dias revela
que perspectiva o oceano como um espaço unitário, de norte a sul, com
um funcionamento de tipo mecânico. É a ruptura total com a visão
tradicional. Ou seja, abre‑se a porta para a delimitação futura da rota do
Índico (FONSECA, 2001, p. 16).

A partir daí, o contorno do litoral africano é muito mais rápido: bastam dez anos para a expedição de
Vasco da Gama (1498) alcançar as Índias. Finalmente, os portugueses conseguem obter uma nova rota
para os cobiçados produtos do Oriente. Há de se destacar, mais uma vez, que os dispêndios para cada
uma dessas viagens eram gigantescos. A empreitada de Vasco da Gama demorou mais de dois anos para
ir e retornar, mas seu pioneirismo gerou lucros enormes para a Coroa.

Em 1500, Pedro Álvares Cabral partiu para as Índias com a ordem de garantir o empreendimento
português no Oriente, procurando estabelecer o “Império Português”. Nessa viagem, temos o relato
oficial da “descoberta” do Brasil. Ainda que a documentação seja pouco esclarecedora, há de se ter em
vista que uma das justificativas que nos parece mais plausível a respeito da certeza da presença de terras
no outro lado do Atlântico foi a travessia alcançar léguas além do Cabo Verde e a disputa diplomática
portuguesa pelo Tratado Tordesilhas (1494), como veremos. Entendemos que garantir uma porção de
terra nesse local seria bastante importante para a manutenção do controle da rota recém‑alcançada,
mesmo que estejamos apenas defendendo uma hipótese.

Na prática, é apenas por volta de 1515, com D. Afonso de Albuquerque, que os portugueses
conseguem várias vitórias militares nas Índias, capazes de assegurar a formação do Império Luso do
Oriente, além do apoio obtido pela diplomacia e ação dos missionários.
41
Unidade I

A seguir, os empreendimentos portugueses alcançam até mesmo o extremo Oriente. Marco


significativo desse avanço foi o contato com os japoneses em 1517.

No entanto, ainda que os planos portugueses pudessem ser contrários, a presença de outros europeus
no território recém‑encontrado das Índias será uma realidade em poucos anos. Essa perspectiva acaba
com o monopólio português, o que fará com que o Império luso já não tenha a mesma força por volta
de 1530 e perca seus territórios ao longo dos séculos XVI e XVII.

3.2 Ciclo Ocidental – navegações espanholas

A Espanha não conseguiu acompanhar de imediato os seus vizinhos. Dois problemas significativos,
resquícios de seu passado, permaneciam dispendiosos e de difícil solução: as batalhas de reconquista
contra os muçulmanos e os diferentes reinos existentes no território.

Figura 25 – Além do combate aos muçulmanos, a unificação


espanhola só seria possível com a união dos reinos cristãos

Uma mudança significativa surgiu em 1469 quando, por um acordo, os reis católicos, Fernando, do
reino de Aragão, e Isabel, do reino de Castela, se casaram. A partir daí, parte do território se uniu e um
grande impulso foi dado contra os invasores. Sucessivas vitórias foram vistas até que, em 2 de janeiro de
1492, os espanhóis tomaram Granada, último reduto de resistência dos muçulmanos.
42
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Estava aberta a perspectiva do avanço comercial espanhol, apesar de que certas atividades já eram
promovidas, sobretudo no Mediterrâneo. É nesse sentido que, em 3 de agosto, os preparativos ficaram
prontos para uma investida apoiada pelos reis católicos: a viagem de Cristovão Colombo partindo para
o Oeste rumo às Índias, por acreditar na esfericidade da Terra.

Na verdade, Colombo chegou a oferecer seus serviços para a Coroa portuguesa. Contudo, o navegador
genovês não foi apoiado, pois os lusos já estavam em considerável avanço no Périplo Africano. Não valia
a pena começar a gastar os escassos recursos disponíveis em uma nova perspectiva de trajeto.

O fato é que, em apenas pouco mais de três meses, no dia 12 de outubro, Colombo atingia um
território desconhecido aos europeus, a Ilha de Guanahaní (São Salvador). Apesar de ter promovido
mais três viagens ao Novo Mundo, Colombo não foi capaz de perceber que não se tratava das Índias.
Contudo, o marco é extremamente importante para a Coroa hispânica, já que, a partir daí, a certeza
da terra empreende a mobilização, ao limite, dos meios de sustentação das demais viagens e outros
navegadores.

América Europa
do Norte Ásia

África

América Oceano Índico


do Sul
Oceano Oceano Atlântico Austrália
Pacífico
Colombo – Guaanani (1492)
Vicente Yañez Pinzon (1499)
Vasco Nuñes Balboa (1513)
Circum-navegação da Terra (1519-22)

Figura 26 – As viagens de expansão marítima espanholas da época moderna acabaram por contornar o mundo

Já em 1499, o navegador Vicente Pinzon, parceiro de Colombo, teria alcançado o Rio Amazonas. A
partir daí, uma série de locais foram relatados, tais como Porto Rico, Jamaica e Cuba. É de se destacar
que foi o navegador Américo Vespúcio o grande propagador da ideia de que as terras recém‑alcançadas
eram um novo continente: daí a designação em sua homenagem, América.

Por fim, duas outras grandes ações dos espanhóis foram a descoberta do oceano Pacífico, promovida
por Vasco Núnez Balboa em 1513, e a circum‑navegação da Terra, iniciada em 1519 pelo navegador
português Fernão de Magalhães a serviço da coroa espanhola e concluída apenas em 1522 por Juan
Sebastião Elcano, após mais de 1124 dias. Estava comprovada a esfericidade da Terra e o ciclo Ocidental
se mostrou absolutamente completo.

43
Unidade I

3.3 Os Tratados de Rivalidade

A partir do avanço da expansão marítima dos países ibéricos, a rivalidade e a perspectiva de garantir
o domínio de terras se tornavam cada vez mais fortes. Isso era bastante evidente já no primeiro acordo,
promovido em 1480, sem que nenhum dos países tivesse alcançado grande avanço, em que Portugal
entregava à Espanha a posse das Ilhas Canárias e recebia em troca o direito de usufruir do monopólio
de comércio e navegação no litoral africano abaixo da linha do Equador.

Tratado de saragoça (1529)


Ásia
Novo
Tratado de tordesilhas (1494)

Mundo Europa
Espanha
Portugal
Ormuz Cantão
Antilhas
Cauta Macao
Diu
Damão
África Goa Filipinas
Cabo Guiné Calicute Malaca
Malinque Ceilão Bornéu
Verde Nova Guiné
Angola Mombaça Sumatra
Java Molucas
Oceano Pacífico Brasil Moçambique
Madagascar
Austrália
Bula Inter Coetera (1493)

Oceano Safala Oceano


Atlântico Índico
Cabo da Boa
Esperança Portugal e seu império colonial até 1580
Espanha e seu império colonial até 1580
Parte espanhola
Parte portuguesa

Figura 27 – Os empreendimentos portugueses e espanhóis estabeleceram


enormes áreas de conquista e transações comerciais dos mais diversos gêneros

Após a expedição de Colombo, a rivalidade aumentou. Era preciso, aos olhos espanhóis, garantir
imediatamente a conquista do Oriente (ainda que não tivessem certeza de que se tratava das sonhadas
Índias). A arbitrariedade da questão foi conduzida pelo papa Alexandre VI, que era nascido na Espanha.
A decisão foi a criação da Bula Inter Coetera: um meridiano que passaria a 100 léguas a oeste de Cabo
Verde e que garantiria à Espanha a posse do local recém‑descoberto – o oeste da linha imaginária.
Portugal não aceitou ficar apenas com o leste e ameaçou ações de guerra.

É em torno dessa não aceitação portuguesa que, em 1494, foi criado o Tratado de Tordesilhas:
o meridiano seria colocado 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Tal decisão agradou Portugal e, para
os espanhóis, causou satisfação devido à garantia da posse das terras que Colombo alcançou. É
razoavelmente obscura, pela ausência de fontes, a explicação do porquê de Portugal pleitear esse
aumento. A hipótese defendida por alguns é a de que, como mencionamos anteriormente, talvez por
vestígios de terra no oceano, os portugueses desconfiassem da possibilidade de terras no Atlântico Sul.

De qualquer forma, ainda que as questões relativas às terras recém‑descobertas estivessem satisfeitas,
a divisão não contemplava as terras não conhecidas das Índias. Logo, quando se verificasse que o mundo
44
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

era redondo, seria necessário mais uma repartição. Foi isso o que ocorreu com o Tratado de Saragoça,
em 1529: um novo meridiano foi estabelecido, com o oeste português (fechando seu trecho com leste
de Tordesilhas) e o leste espanhol (concluindo a área a partir do oeste de Tordesilhas).

Essa divisão solucionou o problema da rivalidade ibérica. Contudo, não foi aceita imediatamente
pelos demais países que se formavam na Europa. Sobretudo franceses, ingleses e holandeses acabaram
por promover invasões ao território recém‑descoberto, ou contaram com corsários, principalmente os
ingleses, para alcançar parte da riqueza proveniente do Novo Mundo. Já nesse momento, o capitalismo
mercantil estava razoavelmente estabelecido e criava condições para a montagem de um sistema de
colonização centralizado na figura de um monarca com tendências absolutistas e focado no objetivo do
acúmulo primitivo de capital.

O eixo econômico europeu, claramente, deixava de ser o Mediterrâneo e se configurava nas relações
do Atlântico com o Índico, promovendo a ascensão de Portugal e Espanha e consolidando a decadência
das cidades italianas – já com rotas interrompidas após a conquista de Constantinopla pelos turcos
otomanos.

3.4 Navegações inglesas, francesas e holandesas

Tanto Inglaterra como França tiveram problemas significativos para finalmente participar da
exploração do Novo Mundo. A questão inicial comum foi a Guerra dos Cem Anos (1337‑1453). O conflito,
lento e demasiadamente custoso, impedia o direcionamento de recursos para as aventuras além‑mar,
assim como gerava uma perda constante de homens – em um contexto de população diminuta para
promover expedições que não se saberia aonde chegariam e se conseguiriam voltar.

A partir daí, os problemas se tornaram mais particulares para os dois países. No caso inglês, logo surgiu
uma violenta guerra civil pelo controle do poder, conhecida como Guerra das Duas Rosas (1455‑1485).
O conflito colocava em questão, de um lado, a família York, “a rosa branca”, e de outro lado, a família
Lancaster, “a rosa vermelha”. Ambos os grupos acabaram por se enfraquecer nesse custoso e demorado
conflito, o que permitiu que a família Tudor, na figura de Henrique VII, assumisse o poder, criando “a
rosa branca com vermelho”. Foi nesta dinastia que a Inglaterra viveu o auge do absolutismo. Henrique
VIII rompeu com a Igreja católica e, pelo Ato de Supremacia de 1534, garantiu ao monarca também
o poder religioso. Suas filhas, a seguir, assumiram o poder. Maria I, apesar do curto período no poder,
desestabilizou as relações da Reforma, procurando retornar ao catolicismo e perseguir os seguidores
do novo grupo cristão. Por sua vez, Elizabeth I, além de retomar a Reforma, gerou grande impulso ao
processo de desenvolvimento inglês, criando as bases para o processo que geraria a Revolução Industrial.

Como a rainha não deixou herdeiros, a Inglaterra passou a ser controlada pela Dinastia Stuart, um
período tumultuado baseado em constantes conflitos do Parlamento com o rei. Basicamente, os Stuart
pretendiam promover, com todo o vigor, as ideias de centralização do poder e da economia, enquanto o
Parlamento, defensor dos burgueses, procurava a todo custo se defender de tal força.

De qualquer maneira, já no reinado de Henrique VII, houve a primeira expedição oficial com
o navegador italiano John Cabot, em 1497. Ao procurar uma alternativa para a chegada às
45
Unidade I

Índias, acabou chegando a Labrador, no Canadá. Morreu em sua segunda tentativa, logo no ano
seguinte. Seu filho, Sebastian, procurou continuar a empreitada e chegou à Bacia de Hudson.
Essas campanhas foram significativas, pois, ainda que estivessem longe de produzir um processo
sistemático de expedições ou colonização, permitiram aos ingleses pleitear a posse dessas áreas
americanas.

Além do programa de incentivo e apoio ao ataque de corsários, no reinado de Elizabeth I, Walter


Raleigh fundou, em meados da década de 1580, a colônia da Virgínia (homenagem a Elizabeth I – “a
Rainha Virgem”), mas que não durou até o fim dessa década. As causas principais do fracasso foram
a falta de recursos e os ataques dos nativos em busca de recuperar seu território. Foi significativo,
contudo, que, nesse mesmo período, os ingleses patrocinaram Francis Drake, que conseguiu promover a
segunda viagem de circum‑navegação.

Hudson
1610
Cabot
1498

Gilbert
1583
Cabot
1497

Raleigh
1584
co ano
acífi Oce ntico
an oP Atlâ
Drake
Oce 1578

Figura 28 – O mapa revela o processo de exploração promovido pelos ingleses

É, entretanto, a partir da Dinastia Stuart que os ingleses passaram a procurar um processo de


colonização mais efetivo na América do Norte. Companhias de comércio foram criadas para, por meio
de patrocínio particular, promover a empreitada. Foi assim que a Plymouth Company explorou o norte
da região e a denominou Nova Inglaterra. Esse território passou a ser importante polo de colonos com
os puritanos, refugiados religiosos que chegaram em meados do século XVII.

46
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Nesse contexto, ainda durante o século XVII, foram estabelecidas, aos poucos, diversas regiões que
constituiriam as chamadas Treze Colônias inglesas.

o
ntic
Atlâ
no
ea
Oc

Figura 29 – As Treze Colônias foram o principal foco de colonização inglesa na América

Após a dispendiosa e terrível Guerra dos Cem Anos, os franceses começaram suas empreitadas
também pelas ações de corsários. Contudo, ainda no século XVI, passaram a promover expedições para
o Norte da América a fim de encontrar, de alguma forma, uma passagem rápida para as Índias pelo
noroeste do Novo Mundo, o que logo se mostrou infrutífero pelas condições naturais da região. De
qualquer forma, Jacques Cartier chegou a fundar a Nova França na região do Rio São Lourenço.

Mesmo com limitações nos recursos, como dispendiosas e sangrentas guerras religiosas e a formação
do poder monárquico absolutista, outras expedições alcançaram áreas da América portuguesa: como
no caso da criação, no Rio de Janeiro, da França Antártica, de 1555–1567; ou mesmo, mais adiante, da
França Equinocial, no Maranhão, de 1612–1615. Era significativo, contudo, o desenvolvimento do Norte;
em 1608, foi fundada a cidade de Québec, no Canadá. Nessa centúria os franceses também atingiram a
foz do Mississipi, o que propiciou a posse de um amplo território batizado de Louisiana, em homenagem
ao rei Luís XIV. Além dessa área central, os franceses também procuraram ocupar certas áreas das
Pequenas Antilhas e se manter no Sul com a Guiana Francesa.

47
Unidade I

Canadá

Louisiana

tico
o Atlân
Ocean

Ilha São Bartolomeu


Ilha São Marinho
Ilha Sta. Cruz
Ilha São Cristóvão
Ilha Granada Ilha Guadalupe
Ilha Martinica
Ilha Sta. Lúcia

Guiana Francesa

Figura 30 – As áreas ocupadas pelos franceses eram de ampla extensão e de ótima localização para o contato litorâneo

A maneira central de tentar criar um sistema colonial foi também valer‑se da ação de particulares,
ou mesmo da fundação de Companhias. Todavia, o grande interesse estabelecido foi o comércio de peles
nas áreas do Norte.

Por fim, a Holanda promoveu um grande desenvolvimento mercantil em seu território, ainda que seu
poder político estivesse dominado pelos espanhóis. Com isso, no século XVI, o país passou a promover
sua luta de independência. Dessa maneira, não houve significativas expedições holandesas ao Novo
Mundo.

As ações expressivas dos holandeses foram promovidas em torno de suas companhias


de comércio. Um ponto interessante foi a fundação de Nova Amsterdã, em 1626, no Norte
da América do Norte, que depois passou ao domínio inglês – recebendo o nome de Nova
Iorque. Além disso, uma de suas Companhias promoveu ações contra os espanhóis invadindo
possessões em diversas partes do globo, com especial destaque para o Nordeste brasileiro,
entre 1624 e 1654.

48
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Europa Ásia

Açores
Madeira
A Canárias
m
é
ri Cabo Verde
c
a África
S. Jorge
das Minas

Ascensão

Sta. Helena

O mundo dividido entre as potências europeias na época moderna


Área sob controle de Portugal

Área sob controle da Espanha

Área sob controle da França

Área sob controle da Inglaterra

Área sob controle da Holanda

Figura 31

Foi nesse contexto que o impacto das Grandes Navegações na formação do capitalismo reconfigurando
relações sociais e políticas causou um impacto profundo em toda a Europa e em grande parte do
Hemisfério, sobretudo, na América – área central do processo de sistematização de colonização voltada
ao enriquecimento metropolitano.

49
Unidade I

Saiba mais

Os filmes a seguir podem fazer um contraponto interessante na leitura


do processo das expedições ultramarinas:

1492: a conquista do paraíso. Direção: Ridley Scott. Estados Unidos:


Paramount Pictures, 1992. 155 min.

ELIZABETH: a era de ouro. Direção: Shekhar Kapur. Reino Unido, 2007.


114 min.

4 A ALTERIDADE: O CONTATO COM O OUTRO

Um dos momentos mais marcantes do início da modernidade foi a chegada do europeu na América.
Procurar entender um encontro tão marcante de relações e mentalidades absolutamente distintas gera
um amplo aspecto de compreensão.

Colombo tinha uma visão magnânima das terras descobertas, em torno de uma perspectiva muito
relacionada com o gosto pelo fantástico, pelas concepções de mitos provenientes da Idade Média, de
uma ideia de Paraíso, aventuras e um amplo horizonte a ser desvendado. Isso leva à hipótese de que
essas ideias poderiam ter como fundamento engrandecer “os achados” e os feitos dos navegadores e,
em última instância, da Coroa patrocinadora e incentivadora.

De qualquer maneira, aos poucos, todo o saber em mãos dos europeus foi levantado para procurar
entender quem era esse outro povo e quais eram suas características. Inclusive, como já vimos, uma primeira
questão a ser desvendada era que eles não eram asiáticos, se tratava das pessoas de um Novo Mundo.

Nesse sentido, entender as relações culturais que se estabeleceram é a nossa proposta inicial para, a
seguir, correlacionar essas relações com o processo de conquista e dominação.

4.1 Barbárie ou bom selvagem?

Após o momento inicial da chegada, a certeza de se tratar de um Novo Mundo, o fim dos relatos
utópicos e a explosão geográfica e populacional da América geraram a necessidade de repensar a questão
civil e o desenvolvimento humano. Assim, já não bastavam as explicações puramente teológicas de até
então. Um retorno aos clássicos, no bojo do processo do Renascimento cultural, precisava ser colocado
em prática. Uma das certezas novas mais facilmente comprovada é a esfericidade da Terra. Foi dessa
maneira que Colombo, apesar de seus limites e até de sua falta de compreensão completa do que vivia,
se tornou um herói fundador, artífice de tempos inteiramente novos.

O encontro cultural resultava em uma aproximação de dois universos com contradições


específicas e que trazia aos humanistas a necessidade de reconhecimentos de questões bastante
50
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

presentes no Novo Mundo, como as formas de organização de Estado, a chamada “idolatria” (ou
seja, a maneira de crer, mesmo que, para a mentalidade cristã, de falsos deuses) e a forma de
trabalho e economia.

Foi nessa significação que o padre dominicano Bartolomé de Las Casas e suas obras tiveram
grande importância ao longo do século XVI. Sua principal perspectiva foi lutar para que os índios
não fossem considerados bárbaros e, assim, escravizados e dominados – como o direito romano
garantia, de acordo com os interesses daqueles que iam para o Novo Mundo e procuravam consolidar
sua conquista.

Seus grandes debates aconteceram com Juan Ginés de Sepúlveda, um dos defensores de que os
nativos eram culturalmente inferiores e necessitavam de tutela, inclusive, se necessário, da escravidão,
já que cometiam diversos crimes e o papa já havia autorizado o domínio cristão.

A defesa de Las Casas era a de que, abaixo das diferenças culturais existentes entre todos os
homens, existiam as mesmas características morais ou mesmo sociais. Utilizando elementos como
a teoria da escravidão natural de Aristóteles, ele procurou descortinar as relações existentes e, por
meio de um estudo histórico, comparar os ameríndios com outros povos considerados “primitivos”,
tais como os celtas. Assim, a barbárie era uma condição cultural que poderia abranger todos os não
cristãos, o que gerava um ponto interessante, já que, com isso, eram postos em cheque os valores do
mundo clássico.

As sociedades ameríndias, baseadas no costume, na lei, na organização de grandes cidades,


apesar de carecerem de escrita, eram muito capazes de responder por meio da educação, visto que
eram dotadas de grandes valores e seus meios mais obscuros eram justificados pelo meio em que
viviam.

Assim, retomando a perspectiva de comparação das culturas, ainda que em espaços e tempos
diversos, Las Casas promoveu uma escala histórica para todo o homem. Acreditava serem, dessa
maneira, os sacrifícios humanos promovidos por povos da América um impulso natural de devoção
aos seus deuses, ainda que estivessem necessitados de conhecer o Deus verdadeiro. Mostravam um
coração capaz de crer, mas precisavam da instrução verdadeira e não da pura sujeição e domínio
promovidos pelos europeus.

Estava, portanto, inaugurada a perspectiva do índio como um “bom selvagem”, mesmo que diversos
outros autores mantivessem a perspectiva deste como barbárie.

Ainda que por ora não adentremos a análise da escravidão propriamente dita do ameríndio, é
digno de nota perceber que os valores da alteridade eram vistos como inferiores, mesmo para aqueles
que procuravam defendê‑los da brutalidade. A perspectiva de uma pura escala evolutiva gerava esse
conceito, que limitava a compreensão de realidades e valores distintos.

51
Unidade I

Figura 32 – O Códice Borbônico feito pelos astecas demonstra uma


riqueza artística extraordinária. Atente para os diversos detalhes

4.2 A conquista

Os objetivos que rapidamente envolveram a conquista estavam relacionados aos interesses


econômicos, com as notícias de uma enorme quantidade de ouro e prata, além da demonstração de
força do cristianismo, ou seja, imbuídos de um “espírito cruzadista”.

Colombo, antes de sua partida, havia garantido com a Coroa certos privilégios, como uma soma
de recursos para a expedição, 10% dos lucros, e ainda títulos como Vice‑rei das terras a serem
descobertas e Almirante do Atlântico. Ele alcançou São Salvador e outras ilhas, como La Hispaniola,
onde fundou um forte e tentou promover certo desenvolvimento. Seu retorno contou com grande
prestígio e suas outras três viagens alcançaram novos territórios em torno do Caribe, América
Central e do Sul.

52
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Figura 33 – A gravura idealiza a chegada de Colombo, com seus exemplares do


Novo Mundo, na presença dos reis católicos da Espanha

Açores
América
do Norte Lisboa
Oceano Atlântico Palos
Cádiz

Golfo do
México Guanahani
Mar dos Sargaços
Cuba Hispanhola
Iucatã África
Jamaica Cabo Verde
Santiago
Mar do Caribe
Margarita
Trinidad

Oceano Primeira viagem


Pacífico América Segunda viagem
Terceira viagem
do Su Quarta viagem

Figura 34 – As viagens de Colombo percorriam o Novo Mundo, ainda que o grande objetivo fosse encontrar as Índias

Já no início do século XVI, os recursos de La Hispaniola haviam sido exauridos. Boa parte da população
local havia sido morta pelas condições de trabalho impostas, ou por doenças absolutamente novas para
eles trazidas pelos europeus.

Aqueles que atravessavam o Atlântico traziam grande espírito aventureiro, juventude ou uma
mobilidade capaz de se sustentar em condições bastante diversas. Precisavam aguentar desde as
peripécias das viagens até um clima completamente diferente, repleto de alimentos novos e, em casos
53
Unidade I

mais extremos e difíceis, as doenças tropicais. Exemplos dessa juventude são o conquistador Hernán
Cortés ou mesmo o cronista Bernal Díaz, já que ambos atravessaram o Atlântico com 19 anos.

Na segunda década do século XVI, as expedições passaram a ser promovidas para as terras
continentais. A Coroa deixara de patrocinar diretamente as ações. Permitia os recursos privados, mas
procurava manter o controle. Aquele que descobrisse riquezas teria o direito a um quinto. Em vinte
anos de exploração, milhões de índios haviam sido vencidos pelos europeus, além dos maiores impérios,
astecas e incas, terem sido conquistados.

Surgiram, então, notícias de uma enorme quantidade de ouro. Em 1519, foi organizada uma
expedição tendo como chefe Hernán Cortés. A frase atribuída ao comandante sintetizava bem o espírito
de conquista: “eu e meus companheiros sofremos de uma doença de coração que somente pode ser
curada com ouro” (apud ELLIOTT, 2012, p. 167). A hierarquia para o preparação da expedição era muito
importante. Todos tinham uma função e eram especializados nisso. Os chefes geralmente pertenciam
à pequena nobreza e desejavam ocupar um espaço capaz de melhorar sua condição na metrópole (é o
caso de Cortés). Contudo, havia também outros mais pobres, como Pizarro. As tropas eram formadas, em
boa proporção, por fidalgos experimentados na guerra, mas também havia muitos marinheiros, soldados
pobres, voluntários e camponeses desejosos por enriquecer.

A expedição partiu no dia 10 de fevereiro, levando 11 embarcações, mais de 600 homens, além de
17 cavalos. Quando alcançaram Vera Cruz, ouviram de emissários a presença de um grande governante
do interior, Montezuma, que logo Cortés quis encontrar e substituir. Também ali um novo intérprete,
sobrevivente de um naufrágio, foi encontrado e substituiu o indígena que acabara de fugir. Um dos
presentes que Cortés recebeu foram 20 escravos indígenas. Dentre eles estava Malinche, que se tornaria
amante de Cortés – e, por esse laço, passou a ser intérprete bastante confiável e informante da estrutura
de dominação dos astecas. Com isso, Cortés conseguiu a amizade de grupos indígenas contra a dominação
asteca. É por isso que, para muitos, Malinche é considerada uma grande traidora, la traidora, por ter sido
um instrumento fundamental para a conquista. Para outros, no entanto, é vista como a mãe pátria, por
seu filho ser considerado o símbolo da mestiçagem, por gerar influência feminina e ainda demonstrar a
importância de outras comunidades indígenas, além dos astecas.

Foi a partir daquele momento que o grande fator de conquista passou a ser visto pelos espanhóis:
os astecas, assim como os incas, conforme vimos, constituíam impérios centralizados e bastante
relacionados à figura de um líder, tanto Montezuma quanto Atahualpa, capazes de criar um amplo
sistema de controle de um vastíssimo território. Logo, havia a facilidade de existir uma língua comum, de
existirem estradas – principalmente no caso específico de um relevo tão acidentado como no território
inca; mas, sobretudo, era possível identificar as rivalidades internas e utilizar isso como vantagem para
os conquistadores. Cortés, nesse sentido, demonstrou ser um líder bastante hábil e carismático.

É dessa maneira que sustenta Elliot: “a conquista de Cortés foi tanto uma revolta de uma população
subjugada contra seus déspotas quanto uma solução imposta de fora” (ELLIOTT, 2012, p. 170).

Por muito tempo se discutiram outros fatores para a conquista, como o uso das armas europeias –
canhões, pólvora, mosquetes, couraças e também de cavalos e cachorros. Os canhões eram muito difíceis
54
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

de serem conduzidos mata adentro. A pólvora sofria com o clima tropical úmido e rapidamente podia
se deteriorar com uma simples chuva ou mesmo com a passagem de um rio ou riacho. O mosquete
demorava a ser armado, além de ser visto em pequeno número (os homens de Cortés só tinham treze).
As couraças não eram mantidas no corpo por muito tempo, devido ao calor excessivo e o seu peso
para as grandes jornadas. Os cavalos, sim, davam vantagem em campo aberto. Os cachorros também
eram importantes para impedir algum ataque surpresa, apesar de esta não ser a modalidade de guerra
utilizada pelos indígenas.

A questão que também teve peso importante na conquista foi o trauma produzido. Havia diversas
profecias e presságios impressionantes, tanto dos astecas quanto dos incas, que pareciam demonstrar
que os brancos montados a cavalos eram deuses, ou que o fim dos tempos se aproximava, mas essa
perspectiva logo foi desfeita pela força utilizada pelos conquistadores, além de sua “febre” pelo ouro. Era
o que tratava Tovar em sua crônica:

Naquele tempo o ídolo Quetzalcoatl, deus dos cholultecas, anunciou a vinda


de homens estranhos para tomar o reino. Também o rei de Texcoco, que tinha
um pacto com o demônio, veio certa vez visitar Montezuma numa hora
imprópria e garantiu que os deuses lhe tinham dito que grandes provações
e grandes sofrimentos se preparavam para ele e seu reino; vários feiticeiros
e encantadores diziam a mesma coisa (TODOROV, 1983, p. 71).

Todorov (1983) argumenta que esses sinais podem ter sido inventados a posteriori, como forma de
inserir o acontecimento no universo de relações produzidas pela história asteca. É interessante que os
maias, a única das três civilizações que já havia sido dominada por outro povo, em momento algum
encarou os espanhóis como deuses. Já essa impressão, que depois passou para os astecas, permaneceu
completamente real para os incas.

Por outro lado, algo de que os indígenas não puderam escapar foi a proliferação de doenças contra
as quais não tinham defesa alguma, como gripe, varíola, peste e sarampo, que acabaram por matar
milhares e milhares de nativos. Um dos escravos que Cortés trouxe em sua expedição estava com varíola
– a doença rapidamente se alastrou em grandes proporções entre os astecas.

Por fim, é significativo perceber que a abrupta relação de impacto dos espanhóis penetrando no
território e, rapidamente, se inserindo nas relações de dominação e controle acabaram por desestabilizar
a estrutura econômica e militar do império.

Após o contato com Malinche, Cortés partiu para o encontro com Montezuma, por quem é
muito bem recebido. Finalmente, em 8 de novembro de 1519, chega a Tenochtitlán. Lá os espanhóis
ficaram maravilhados com a grandeza da cidade e, principalmente, se empolgaram quando
descobriram a quantidade de ouro existente ali. A decisão passou a ser, então, prender Montezuma
na tentativa de garantir uma posição que pudesse fazer os astecas apenas modificarem o comando
para os espanhóis.

55
Unidade I

Figura 35 – Montezuma, em uma ilustração do século XVI

Contudo, depois da prisão do imperador, os espanhóis não receberam facilmente o que desejavam.
Após a ação de Pedro de Alvarado, que matou muitos membros da elite asteca, Cortés se viu forçado a
fugir da cidade. A ação foi bastante difícil. Muitos homens morreram dos dois lados. O episódio de 30 de
junho de 1520 ficou conhecido como noche triste.

Observação

Apesar de toda a destruição promovida pelos europeus, é a sua visão


que predomina. Assim, a noche triste só recebeu esse nome pelo sentimento
do Cortés pela perda de seus amigos (não pela morte dos indígenas).

Depois de sua rearticulação, sobretudo com os aliados locais que angariara contra os astecas, Cortés
cercou Tenochtitlán e, no dia 13 de agosto de 1521, triunfou. Precisou dominar o novo imperador e
também, aos poucos, as comunidades dominadas pelos astecas com diversas expedições. Foram muitos
os conflitos nesse período.

Apesar de as várias expedições começarem a rumar para o sul, é a de Pizarro a considerada de


sucesso, mesmo com um processo ainda mais difícil de dominação. Cortés promoveu duas expedições
iniciais, uma que alcançou o litoral da Colômbia e outra que foi até o norte do Peru, retornando para a
Espanha para conseguir mais recursos e a concessão do rei para se tornar governador daquela região.

Quando retornou para as terras incas, em 1531, Pizarro ficou sabendo da morte do imperador inca e
da guerra civil entre seus filhos, Huascar e Atahualpa, pela sucessão do trono. O conquistador espanhol,
apoiado por Diego de Almagro e procurando se aproveitar da situação, chegou de surpresa e tentou
submeter o então imperador, Atahualpa, à Coroa espanhola. Contudo, o imperador não aceitou e foi
preso. A tentativa era de, mais uma vez, simplesmente transferir a autoridade para os espanhóis. Mesmo
com o pagamento de um enorme resgate, o conquistador decidiu executar Atahualpa. A partir daí,
ele passou a promover ataques até alcançar e dominar Cuzco, em 15 de novembro de 1533. Em 1535,
fundaram uma nova capital, litorânea, para facilitar a comunicação – Ciudad de los Reyes, atual Lima.

Assim, as questões internas do império inca enfraqueceram consideravelmente a estrutura política


e econômica. Nesse sentido, os espanhóis, mesmo após a tomada da capital, ainda precisavam realizar
várias expedições para diversas regiões e cidades importantes. Além disso, os incas procuraram se
reorganizar e os redutos desse poder ecoaram por várias décadas. A geografia impedia o mapeamento
rápido da região.
56
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Um dos movimentos mais significativos de manutenção da hostilidade contra os invasores foi


promovido pelo Mano Inca, filho de Huayana Cápac. No início, ele até havia apoiado os espanhóis,
inclusive pela visão religiosa, mas logo percebeu que suas ações nada mais eram do que a usurpação
de tudo que pertencia ao seu povo. No ápice do movimento, o líder conseguiu sitiar Cuzco por mais de
um ano, desde março de 1536 até abril de 1537. Era muito difícil conquistar a cidade pelas fortificações
criadas e pelo uso das armas, ainda que os europeus estivessem em menor número. A falta de recursos
para a sobrevivência fez com que o movimento perdesse vigor. Entretanto, a quantidade de terra de
difícil acesso dominada por Mano era tamanha a ponto de alguns considerarem‑na “a volta do império
inca”. Criticavam tudo que o europeu apresentava e, sobretudo, a religião.

Seu filho, Sayri Tupac, ainda criança, foi outro a continuar a resistência. Contudo, após mais de dez
anos, ele decidiu aceitar um acordo com os espanhóis, renunciar e viver entre eles. Seu irmão, Titu Cusi,
não aceitou e assumiu o movimento por mais alguns anos, mas foi atacado pelos espanhóis e, por razões
obscuras, morreu (alguns dizem que por doença) em 1571. O seu meio‑irmão, Tupac Amaru, foi o último
a tentar trazer sobrevida ao sonho de liberdade. Uma expedição liderada por Martin Garcia de Loyola
o encontrou e o prendeu. Seu fim foi trágico: foi executado, diante de toda a população, em Cuzco, no
ano de 1572.

Outras regiões dominadas pelos espanhóis nesse contexto foram El Salvador e Guatemala, em 1523
e 1524, Honduras, em 1524 e 1526, além da Califórnia, em 1532, e a Bolívia, de 1538 a 1544.

Saiba mais

A conquista e suas relações são muito bem analisadas no livro:

TODOROV, T. A conquista da América: a questão do outro. Tradução de


Beatriz Perrone Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

Na prática, a partir da segunda metade do século XVI, o ciclo de expedições puramente de conquista
decresceu, apesar de, em algumas regiões, como o norte do México, a Flórida e o Chile central, os índios
terem conseguido resistir por muito tempo. Em outros locais, no extremo, como os pampas argentinos,
o sul do Chile e regiões marginais, povos indígenas nunca foram conquistados. A grande questão é
que certos povos não pertenciam a qualquer poder central e tinham a capacidade de viver em lugares
de difícil acesso ou bastante hostis. De qualquer maneira, as descobertas econômicas em torno da
conquista dos grandes impérios começam a criar a necessidade da colonização, garantindo a fixação e
a exploração sistemática das regiões.

Não se pode perder de vista, porém, as contradições e relações estabelecidas, inventadas ou recriadas
desse imenso processo. Como afirma Nathan Wachtel:

Temos de aceitar que, após o choque inicial da conquista, a história da


sociedade colonial, tanto na Nova Espanha quanto no Peru, foi a de um

57
Unidade I

longo processo de reintegração em todos os níveis: econômico, social em


político, ideológico. Conforme a herança pré‑colombiana e a força dos
adversários, o processo assumiu formas muito diferentes: sincretismo,
resistência, mestiçagem e hispanização. Mas continua até hoje o conflito
entre a cultura espanhola dominante – que tentava impor seus valores e
costumes – e a cultura nativa dominada – que insistia em preservar seus
próprios valores e costumes (WACHTEL, 2012, p. 239).

Exemplo de aplicação

Procure discutir, em uma análise comparativa, a relação entre a cultura indígena e a espanhola e a
cultura africana e a portuguesa.

Em torno do processo da conquista militar e política, a Igreja católica passou também a procurar
ferramentas, por meio de instituições e métodos, que fossem capazes de promover o controle espiritual
dos milhões de nativos. O contexto era particularmente significativo, já que a Reforma Protestante
acabara de quebrar a unidade cristã da Europa Ocidental, dividindo muitas regiões e ainda coexistindo
com as guerras religiosas.

Figura 36 – A Igreja católica foi um elemento


constante no processo de dominação

Em 1524, franciscanos, dominicanos e agostinianos eram relativamente presentes. Padres faziam


parte de todas as expedições oficiais, pois geravam exemplo de virtude, difundiam o Evangelho e
chegavam com votos específicos, como de pobreza, castidade ou austeridade, apesar de nem sempre
conseguirem mantê‑los.

58
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Os debates em torno dos métodos de evangelização geravam a perspectiva teológica e prática.


Era necessário o conhecimento da Bíblia, mas, ao mesmo tempo, saber como agir nas mais diversas
situações. Em geral, os métodos variavam entre a persuasão e a punição. No primeiro, era preciso muito
diálogo e conhecimento para demonstrar o quanto era necessário abandonar os antigos ídolos. Já no
segundo, a força e a violência davam motivos para que o nativo desistisse de sua fé, ainda que fosse
apenas algo a ser demonstrado para o fim de seu sofrimento. Tanto no México como na região andina,
ambos os métodos foram misturados e utilizados a partir da época da conquista, mas a punição foi
significativamente preponderante.

De acordo com a interpretação de cada padre presente era iniciada a destruição de ídolos e vestígios
pagãos. Muitos códices foram queimados e boa parte das fontes históricas estava perdida. Na ideia do
europeu, as igrejas e catedrais deveriam ser erguidas nos mesmos lugares dos templos indígenas para
mostrar visualmente que a adoração deveria ser apenas a católica. Seria uma forma pedagógica de
mostrar que as antigas religiões deveriam ser extirpadas. Assim, logo de início, a ação missionária gerou
grande impacto e trauma.

Outra forma de promover o Evangelho era a redação de catecismos (diálogos que colocavam rezas
ou mesmo a explicação do conceito de pecado), cantares para acompanhar a missa ou mesmo trechos
bíblicos em línguas indígenas e na língua espanhola.

Figura 37 – Páginas do catecismo desenvolvido por frei Pedro de Gante. Nota‑se a grande finalidade
didática e prática de promover imagens de situações específicas para a propagação da fé com o gentio

A separação da população entre adultos e crianças foi outra forma de evangelização. Promoviam‑se
grupos menores, como reduções ou pueblos, sob a direção de padres e com índios voluntários. Foram
criados colégios para fomentar a educação religiosa, ou mesmo universidades capazes de formar padres
preparados para disseminar o catolicismo. Em 1538, foi criada a universidade em Santo Domingos; em
59
Unidade I

1551, em Lima (Peru) e no México; e depois, até o século XVIII surgiram em Bogotá (Colômbia), Quito
(Equador), Santiago (Chile), Córdoba (Argentina), Cuzco (Peru), Chargas (Bolívia) e Guatemala.

O ato simbólico bastante comum entre os indígenas era o batismo em massa. O rito serviria para
incorporá‑los ao reino celestial e permitir a participação nas outras práticas da Igreja.

Claro que nem todos aceitaram essas relações, alguns as incorporaram em parte. No processo da
conquista e do choque nasceu o sincretismo, misturando diversos elementos existentes da cultura
indígena com o catolicismo. Festas foram adaptadas, assim como certos valores e rituais foram
mantidos:

Descobrimos que eles estavam mantendo um grande huaca, chamado


Camasca, junto à porta da igreja e um outro, chamado Huacrapampa, no
interior dela; e atrás do altar principal, junto à porta da sacristia, havia mais
um huaca, chamado Pichacianac (WACHTEL, 2012, p. 222).

Essa não era a primeira vez que esse fenômeno ocorria. O mundo pré‑colombiano já havia assistido
à imposição das culturas astecas e incas.

A partir da metade do século XVI, coube aos jesuítas passar a ter papel preponderante e promover
estratégias de ensino. Eles eram uma ordem de rígida estrutura moral voltada especificamente para a
proclamação das boas novas.

A Igreja católica se tornou o grande sustentáculo ideológico que visava a garantir a dominação e
também impedir a propagação do protestantismo, como se via na Europa. A relação de padroado da Igreja,
promovendo certa relação bastante estreita Estado/Igreja, se manteve até o século XIX. A Igreja possuía
funções políticas, como o arbítrio papal nas questões internacionais, assim como a Coroa podia indicar toda
a hierarquia religiosa. Contudo, o Estado pagava os salários do clero, construía e mantinha os monumentos,
igrejas e catedrais. Isso não era visto como prejudicial pela Igreja. A divisão política estabelecida era também
aquela a que a Igreja obedecia. As funções exclusivas do Estado eram as econômicas (garantir a exploração
e o pagamento de impostos) e militares (defender o território a todo custo).

Lembrete

O contexto europeu do início do século XVI é de grande disputa religiosa


após as 95 teses de Martinho Lutero. A Igreja católica precisava conter o
avanço dos protestantes.

Para terminar esse processo de conquista espiritual, foram desenvolvidas ainda as missões, a partir do
século XVII. As populações indígenas eram separadas e colocadas sob a direção dos padres. Apareceram
mais nas regiões não centrais em que havia população nômade. Em alguns casos, principalmente
no século XVIII, chegaram a formar cidades. Eram uma alternativa mais forte para a evangelização.
Utilizavam a persuasão e a punição para fortalecer a fé. Supostamente, eram “repúblicas de igualdade”
60
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

com grande assistência aos índios. Teriam a função de extirpar os focos de permanência de religiões
nativas. Foram duramente criticadas por aqueles que entendiam as missões como apenas uma forma
de os padres explorarem a mão de obra indígena. Elas foram desmontadas à força, principalmente no
século XVIII.

Por fim, a Inquisição foi um grande foco da área normativa e, por vezes, um verdadeiro poder
paralelo. Criadas desde o século XVI na América, só foram abolidas na época da independência. Seu
princípio básico era de que as heresias eram qualquer pensamento, ação ou atitude contrários às
diretrizes da Igreja católica. Os membros do tribunal inquisidor estavam preocupados, sobretudo, em
combater qualquer propagação do protestantismo e do judaísmo, pois eram mais tolerantes com as
religiões indígenas. A Inquisição funcionava a partir de rumores e denúncias. Havia crimes contra a fé e
outros contra a moral e os costumes. Os primeiros eram considerados mais graves, punidos com pena de
morte ou confisco dos bens, os outros eram menos drásticos e raramente resultavam em pena de morte.
A tortura era o instrumento básico de investigação. As punições mais famosas foram os Autos de fé – os
principais ocorreram na conquista, que geravam um grande aglomerado de populares, junto com os réus
e as autoridades. Ouvia‑se a sentença pública e a condenação muitas vezes acontecia com a queima
pública. Muito provavelmente, a Inquisição foi o instrumento de maior repressão e normatização dos
costumes.

A Igreja mantinha uma hierarquia muito bem definida, seguindo um tribunal com regimentos. A
tentativa central era promover uma pureza espiritual, apesar de tal perspectiva estar relacionada com
o racismo – por exemplo, para atingir os cargos mais altos dessa poderosa instituição, era necessário
exame de pureza de sangue. Nesse sentido, seu estatuto era usado para restringir o poder a um pequeno
grupo.

Não é à toa, portanto, que a religião católica se expandiu e se tornou muito forte na América Latina,
permeando todo o desenvolvimento do sistema de colonização por mais de três séculos.

No caso da América portuguesa, não foi necessária a conquista militar pela ausência de um grande
poder central entre os diversos grupos existentes. Porém, projeto semelhante foi estabelecido para
a conquista espiritual. Também foram utilizados mecanismos semelhantes para a propagação da fé
católica, como as missões e a Inquisição, que não foi instalada por aqui, mas promoveu visitas e foi um
braço importante do Estado. De qualquer maneira, também se formou um importante núcleo da Igreja
católica e a miscigenação principal foi relacionada com a cultura africana.

Observação

Uma das marcas mais importantes da constituição da América Latina


foi a miscigenação, tanto com as culturas indígenas, no caso espanhol,
como com as culturas africanas, nos domínios portugueses.

Por fim, na colonização da América do Norte não houve uma preocupação significativa com a
evangelização dos nativos ou mesmo com o uso sistemático de exploração de mão de obra, ainda
61
Unidade I

que a região possuísse um número bastante considerável de ameríndios. O ameríndio, na prática, era
sempre um elemento estranho, que não deveria necessariamente ser inserido na sociedade dos brancos,
quanto mais ser apresentado às boas novas da fé. Em alguns momentos, o indígena foi um aliado
temporário importante para ações de guerra; o exemplo mais evidente foi a chamada Guerra dos Sete
Anos (1756‑1763), em que ingleses e franceses utilizaram nativos em seus exércitos para aumentar o
contingente e também ter a vantagem do conhecimento do território. Apesar dessas relações, contudo,
muitos contatos entre brancos e indígenas foram resolvidos com a força das armas – essa perspectiva
será ainda mais evidente quando, no século XIX, os Estados Unidos passariam a promover a marcha para
o Oeste e massacrar as populações indígenas.

Exemplo de aplicação

Reflita sobre quais elementos e exemplos podem ser discutidos para a composição histórica e atual
da miscigenação na América Latina.

Resumo

O mundo americano, por muito tempo, viveu sem contato com


outros povos. Sua enorme extensão causou uma enorme diversidade de
relações, formas de política, economia, sociedade e cultura. Milhões e
milhões moravam no frio do Ártico, como em planícies e planaltos, ou
mesmo em desertos, como também nas áreas montanhosas e de difícil
localização.

Esse amplo conjunto, contudo, também teve importantes civilizações,


que em boa medida eram centralizadoras de uma enorme população,
formando os maias, astecas e incas. Ainda que os maias estivessem em
decadência quando os europeus chegaram, haviam produzido fantásticos
monumentos e descobertas. Já os astecas e incas estavam em pleno
esplendor – seus domínios eram enormes, assim como suas riquezas. Suas
organizações eram promovidas a partir de comunidades que pagavam
tributos e nem sempre aceitavam essa situação. Conseguiram criar medidas
de arquitetura e engenharia capazes de construir cidades exuberantes,
mesmo em locais geográficos difíceis – Tenochtitlán, localizada próximo ao
lago Texcoco, teve que desenvolver uma grande engenharia de aquedutos e
passagens de pontes; Cuzco, por sua vez, estava em uma área montanhosa
muito elevada e, mesmo assim, os incas produziam sua urbanização com
pesadíssimas pedras.

Havia também diversas tribos que também habitavam o continente e


tinham cultura refinada, desde os esquimós às tribos do deserto, ou dos
milhões que habitavam a Amazônia e o atual território brasileiro.

62
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Ao mesmo tempo, as transformações que ocorriam na Europa ao longo


do final da Idade Média, na crise do feudalismo, permitiram um amplo
desenvolvimento do comércio. Um conjunto de fatores foi responsável por
esse avanço.

A atração pelas especiarias, com mercado em franca expansão, trazia o


sonho de um enriquecimento rápido. Contudo, era fundamental superar a
crise do século XIV, a chamada “trilogia da morte” causada pelas fome, peste
e guerra. As desarticulações provenientes dessa retração eram bastante
evidentes. Era necessário avançar em busca de novas fontes de produtos e
de metais preciosos (utilizados como valor de troca, moeda).

O processo de centralização monárquica era condição básica para


conseguir unificar politicamente um amplo território e direcionar uma vasta
quantidade de recursos para expedições no “Mar Tenebroso” (o Atlântico).

A burguesia, contudo, aspirando a ascender seus negócios e relações


sociais, apoiou os mais diversos vetores e, sobretudo, o rei – tentando obter
favores e monopólios.

O Renascimento cultural e o contato com os árabes propiciaram uma


série de novos estudos, gerando o arcabouço tecnológico capaz de permitir
ao homem europeu navegar, sistematicamente, pelas águas do Atlântico e
provavelmente sobreviver.

Por fim, a manutenção de um “espírito cruzadista” trazia a justificativa


e apoio central para as aventuras que se iniciaram. Combater os infiéis da
África ou, mais à frente, evangelizar os índios, era a explicação básica de
todo o processo que seria visto a partir de então.

É nesse amplo conjunto de fatores que os ibéricos, desfrutando de


sua posição geográfica privilegiada, partem para grandes navegações. Os
portugueses são os pioneiros por alcançarem centralização monárquica
precoce, terem forte apoio da burguesia e dos estudos náuticos, já com
tradição nos mares do Mediterrâneo e em sua costa. Os espanhóis não
tiveram a mesma perspectiva por causa da falta de centralização e das
Guerras de Reconquista.

De qualquer forma, o caminho decidido pelos portugueses, pelo


contorno da África, não foi nada fácil. Em 1492, a Coroa espanhola, já
unificada, apostou no navegador genovês Cristovão Colombo. Sua chegada
a um Novo Mundo gerou um contato de alteridade e transformações nunca
antes imaginados. Todavia, logo a seguir, os portugueses conseguiram sua
rota para as especiarias.
63
Unidade I

Os espanhóis, contudo, passaram a promover expedições para explorar


os novos territórios alcançados. Logo perceberam que uma grande fortuna
poderia ser obtida com a conquista dos grandes impérios.

Aproveitando‑se das rivalidades locais, mas também do uso de armas


mais poderosas, como a pólvora, o cavalo e a disseminação de doenças
nunca antes vistas na América, os espanhóis, com centenas de homens,
dominaram os impérios asteca e inca.

A partir daí, uma ampla estruturação da conquista espiritual dos


chamados gentios passou a ser promovida pela Igreja Católica. Mais do que
isso, iniciou‑se a estruturação de um sistema de povoamento e exploração,
conhecido como colonização.

Exercícios

Questão 1. (Enade 2011)

A noite triste

Raramente, na história, se encontraram duas personalidades tão contrastantes. Foi o


encontro entre um homem que tinha tudo e um homem que nada tinha. Um imperador
comparado com o sol, cujo rosto seus súditos não podiam contemplar, e detentor do título
de Tlatoani, que quer dizer ‘o da grande voz’, e um soldado com nenhum maior tesouro do
que sua astúcia e sua vontade. Montezuma era governado pela fatalidade: os deuses tinham
voltado; e Cortés, pela vontade, alcançaria seus objetivos contra todas as desvantagens

Fonte: FUENTES, C. O espelho enterrado: reflexões sobre a Espanha e o Novo Mundo. Tradução de Mauro Gama.
Rio de Janeiro: Rocco, 2001, p. 114-5.

64
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

A partir dos acontecimentos que são evocados pela imagem e pelo texto, analise as seguintes
afirmações:

I. A historiografia que valoriza elementos culturais e simbólicos em sua análise tem tratado a Noite
Triste como uma batalha de insurreição encabeçada por Cuauhtémoc, que expulsou os Espanhóis de
Tenochtitlan após os Astecas terem compreendido que eles não eram deuses, mas invasores que podiam
ser derrotados.

II. A historiografia que cunhou a chamada “visão dos vencidos” descreveu a conquista da América
como resultado da crueldade e da ganância que detiveram o crescimento de civilizações jovens e
criativas, tendo deixado um legado de tristeza.

III. A historiografia cultural interpreta a figura de Malinche como uma deusa pós-conquista, que
traduz a civilização multirracial, uma representação que mescla sexualidade com formas de expressão
e evoca simbolicamente a maternidade da primeira criança mestiça, pois a mestiçagem é um forte elo
que reúne os descendentes de índios, europeus e africanos.

IV. Bartholomé de Las Casas escreveu a mais importante obra da chamada “visão dos vencidos”
e, embora fosse um religioso ligado à Igreja Católica Romana, foi capaz de renovar os métodos
historiográficos.

V. É comum, nas várias correntes historiográficas, o argumento de que o mundo indígena, tal como
fora antes da chegada do conquistador, desapareceu; suas manifestações simbólicas, seus ídolos e seus
tesouros foram enterrados e esquecidos em favor da Igreja Barroca dos cristãos e dos Palácios do Vice-
Reinado, mas é possível identificar “os murmúrios dos conquistados sob a linguagem dos conquistadores”.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I, II e IV.
B) I, II e V.
C) I, III e V.
D) II, III e IV.
E) III, IV e V.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das afirmativas

I – Afirmação correta.

Justificativa: é possível observar no quadro não uma atitude de reverência por parte do imperador
asteca, mas de reconhecimento da humanidade do espanhol, vestido com armaduras.
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Unidade I

II – Afirmação correta.

Justificativa: esta visão, muito popular na década de 1980, foi influenciada por uma visão marxista
da história, cuja dinâmica é o embate entre classes dominantes e dominadas. No entanto, não podemos
esquecer que os astecas exerciam uma política agressiva e imperialista.

III – Afirmação incorreta.

Justificativa: a mestiçagem não foi um fenômeno que ocorreu de maneira contundente no México
do mesmo modo como ocorreu no Brasil.

IV – Afirmação incorreta.

Justificativa: Bartholomé de las Casas, apesar de descrever com detalhes os costumes dos astecas,
expressava uma visão da Igreja sobre a conquista, não tendo qualquer relação com alguma possível
história dos vencidos.

V – Afirmação correta.

Justificativa: estes murmúrios estão, sobretudo, nos costumes dos próprios conquistadores. Podemos
citar o caso dos bandeirantes de São Paulo, que usavam arco e flecha e falavam o tupi-guarani.

Questão 2. (Enade 2005) Considere as pinturas abaixo:

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HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Rugendas, ao pintar telas como as acima, expressava concepções e pretendia alcançar objetivos
de ordem individual. Respondia também a determinadas demandas próprias de sua época. Pode-se
concluir que o pintor visava representar

A) a essência do caráter nacional brasileiro marcado pela barbárie.

B) índios e negros como objeto de pesquisa de antropólogos e historiadores europeus.

C) a imagem exótica dos trópicos pela qual havia curiosidade na Europa.

D) a imagem de nativos destinados ao extermínio e à desaparição.

E) a transformação do mundo arcaico no nascente mundo moderno.

Resolução desta questão na plataforma.

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