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Formação Econômica do

Brasil Contemporâneo
Autor: Profa. Deborah Hornblas Travassos
Colaboradores: Prof. Maurício Felippe Manzalli
Prof. Gabriel Lohner Gróf
Professora conteudista: Deborah Hornblas Travassos

Economista pela Fundação Armando Alvares Penteado – Faap, especialista em História Econômica do Brasil pela
Universidade de São Paulo – USP, mestre e doutora em Antropologia da Religião também pela USP. Atualmente
é professora da UNIP no curso de Ciências Econômicas, coordenadora de pós‑graduação em Economia e Relações
Internacionais pela Faap e professora de Economia na Fatec São Paulo.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

T779f Travassos, Deborah Hornblas.

Formação Econômica do Brasil Contemporâneo. / Deborah


Hornblas Travassos. – São Paulo: Editora Sol, 2015.

156 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXI, n. 2-123/15, ISSN 1517-9230.

1. Economia. 2. Formação econômica. 3. Brasil contemporâneo. I.Título.

CDU 33(81)

A-XVIII

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Comissão editorial:
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Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Giovanna Oliveira
Lucas Ricardi
Sumário
Formação Econômica do Brasil Contemporâneo

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 DA CRISE DA DÉCADA DE 1930 AO ESTADO NOVO 1930‑1954................................................... 11
1.1 A crise de 1929 e as suas consequências para a economia brasileira............................. 11
1.2 A Revolução de 1930 – o fim da Velha República e o início da era
Getúlio Vargas................................................................................................................................................ 13
1.2.1 A Revolução de 1930............................................................................................................................. 13
1.3 A política econômica de salvação do café da Nova República.......................................... 14
1.4 As teorias que explicam a industrialização do Brasil.............................................................. 17
1.4.1 Teoria dos Choques Adversos.............................................................................................................. 17
1.4.2 Ótica da Industrialização Liderada pelas Exportações.............................................................. 19
1.4.3 Capitalismo Tardio................................................................................................................................... 20
1.4.4 Ótica da Industrialização Promovida Intencionalmente por Políticas
do Governo............................................................................................................................................................ 20
1.5 Avaliação do desempenho do setor industrial em períodos controvertidos................ 21
1.6 A industrialização da cidade de São Paulo................................................................................. 21
1.7 A história de Delmiro Gouveia......................................................................................................... 22
1.8 Algumas histórias de famosos grupos industriais brasileiros de São Paulo.................. 23
1.8.1 A indústria Matarazzo............................................................................................................................ 23
1.8.2 O grupo Votorantim................................................................................................................................ 24
1.9 O modelo de substituição de importações................................................................................. 25
1.10 A Revolução de 1932........................................................................................................................ 27
2 OS ANOS DE 1934 A 1937............................................................................................................................ 28
2.1 A democracia de Getúlio Vargas..................................................................................................... 28
2.2 O Estado Novo (1937‑45).................................................................................................................. 30
2.3 A censura no Estado Novo................................................................................................................ 31
3 A SEGUNDA GUERRA E O ESTADO NOVO – 1939‑1945.................................................................. 32
3.1 O Brasil e a Segunda Guerra Mundial........................................................................................... 34
3.2 A economia brasileira durante o período da Segunda Guerra........................................... 34
3.3 O Brasil e a criação da CSN............................................................................................................... 37
3.4 O fim do Estado Novo......................................................................................................................... 38
4 O GOVERNO DUTRA (1946‑51)................................................................................................................... 39
4.1 Política Econômica do Governo Dutra......................................................................................... 40
4.2 O Plano Salte........................................................................................................................................... 43
4.3 O último governo de Getúlio Vargas (1951‑54)....................................................................... 43
4.3.1 Carta‑testamento.................................................................................................................................... 44
4.4 A economia do Governo Vargas de (1951‑54).......................................................................... 46
4.5 A interpretação da vocação agrária versus a interpretação
desenvolvimentista...................................................................................................................................... 49

Unidade II
5 DO GOVERNO DE CAFÉ FILHO (1954‑55) AO GOVERNO DE JÂNIO
QUADROS (1961).................................................................................................................................................. 57
5.1 O governo de Café Filho..................................................................................................................... 57
5.1.1 A gestão de Gudin................................................................................................................................... 57
5.1.2 A gestão Whitaker................................................................................................................................... 58
5.2 O governo de Juscelino Kubitschek (1956‑60)......................................................................... 59
5.2.1 A eleição de JK.......................................................................................................................................... 60
5.2.2 O programa de obras públicas e a construção de Brasília...................................................... 63
5.2.3 O Plano de Metas..................................................................................................................................... 64
5.2.4 Análise do resultado do Plano de Metas........................................................................................ 69
5.2.5 Os pontos positivos do Plano de Metas......................................................................................... 70
5.2.6 Os pontos negativos do Plano de Metas........................................................................................ 71
5.2.7 Outros indicadores econômicos do período................................................................................. 72
5.2.8 O final do governo de JK...................................................................................................................... 75
5.3 O governo de Jânio Quadros (janeiro de 1961 a agosto de 1961).................................... 77
5.3.1 A economia do governo Jânio Quadros......................................................................................... 79
5.3.2 A crise política do governo de Jânio Quadros............................................................................. 80
5.4 Do governo João Goulart (1961‑63) ao golpe de 1964........................................................ 82
5.4.1 O governo de João Goulart (1961‑63)............................................................................................ 82
5.4.2 A economia do período Jango (1961 a março de 1964)......................................................... 83
5.5 A Cepal e suas principais diretrizes................................................................................................ 84
6 A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA LATINA................................................................. 85
6.1 A tese de Raul Prebisch....................................................................................................................... 85
6.2 Estratégias de desenvolvimento para a América Latina........................................................ 87
6.3 A tese de Hans Singer.......................................................................................................................... 90
6.4 Limites da industrialização para a Cepal..................................................................................... 91
6.5 O Plano Trienal....................................................................................................................................... 91
6.5.1 Metas do Plano Trienal.......................................................................................................................... 92
6.5.2 As reformas de base................................................................................................................................ 93
6.5.3 A receptividade ao Plano...................................................................................................................... 94
6.5.4 O fracasso do Plano Trienal................................................................................................................. 95
6.6 A iminência do Golpe de 1964........................................................................................................ 96
6.6.1 A cronologia do Golpe........................................................................................................................... 97
Unidade III
7 OS GOVERNOS MILITARES DE CASTELO BRANCO (1964‑67) E EMÍLIO
GARRASTAZU MÉDICI (1969‑73).................................................................................................................105
7.1 O governo de Castelo Branco (1964‑67)...................................................................................105
7.2 A sociedade brasileira durante a Ditadura Militar.................................................................107
7.3 O Paeg......................................................................................................................................................108
7.3.1 Medidas de combate à inflação.......................................................................................................108
7.3.2 A reforma tributária..............................................................................................................................109
7.3.3 Reforma monetária............................................................................................................................... 110
7.3.4 Política salarial.........................................................................................................................................111
7.3.5 Política externa.......................................................................................................................................112
7.4 O governo de Costa e Silva (1967‑69)........................................................................................113
7.4.1 A economia durante o governo de Costa e Silva..................................................................... 114
7.4.2 Aumento da intervenção governamental...................................................................................116
7.4.3 Aumento das exportações.................................................................................................................116
7.4.4 Financiamento externo.......................................................................................................................117
7.4.5 Inflação......................................................................................................................................................117
7.4.6 Investimento estrangeiro...................................................................................................................117
7.4.7 Política salarial e distribuição de renda........................................................................................ 118
7.4.8 O fim do governo de Costa e Silva.................................................................................................118
7.5 O governo de Emílio Garrastazu Médici (1969‑73)..............................................................118
7.5.1 A economia do governo Médici.......................................................................................................121
7.5.2 O fim do governo Médici....................................................................................................................121
7.6 O primeiro Choque do Petróleo e sua influência na economia brasileira....................121
8 O GOVERNO DE ERNESTO GEISEL (1974‑79)......................................................................................123
8.1 A economia durante o governo Geisel.......................................................................................125
8.1.1 O II PND.................................................................................................................................................... 126
8.1.2 O Programa do Proálcool................................................................................................................... 126
8.1.3 Obras do II PND..................................................................................................................................... 127
8.1.4 Resultados do II PND........................................................................................................................... 127
8.1.5 Estatização............................................................................................................................................... 128
8.1.6 Inflação..................................................................................................................................................... 129
8.1.7 Política e sociedade.............................................................................................................................. 130
8.2 O segundo Choque do Petróleo.....................................................................................................131
8.3 O governo de João Baptista Figueiredo (1979‑85)...............................................................132
8.3.1 O caso Riocentro................................................................................................................................... 134
8.3.2 A economia do governo Figueiredo.............................................................................................. 134
8.3.3 O III PND................................................................................................................................................... 135
8.3.4 As negociações com o FMI................................................................................................................ 136
8.3.5 A retomada do crescimento em 1984.......................................................................................... 137
8.3.6 Vamos rever algumas causas possíveis da inflação................................................................ 138
8.4 O movimento Diretas Já e a transição democrática.............................................................139
8.5 O fim do governo Figueiredo e da Ditadura Militar no Brasil...........................................141
APRESENTAÇÃO

O livro‑texto que ora apresentamos destina‑se aos estudos da formação econômica do Brasil
contemporâneo no período que vai de 1930 a 1980. O objetivo é levá‑lo à compreensão das mudanças
das políticas econômicas no período e ao entendimento de como elas influenciarão a economia brasileira
em tempos atuais. Essas informações serão muito importantes nas tomadas de decisões na sua vida
profissional, pois só podemos entender o presente se tivermos compreensão do passado.

Percorreremos o período proposto abordando com ênfase a política econômica, mas sem esquecer
aspectos políticos e sociais de relevância para o período, pois sem uma contextualização política,
histórica e social, ficaria muito difícil entendermos a economia.

Em cada unidade de nosso livro‑texto, você encontrará:

• Textos explicativos que elucidam a matéria.

• Resumos do conteúdo estudado.

• Exercícios comentados.

• Tópicos para refletir, nos quais convidamos você a pensar sobre assuntos da atualidade.

• A seção Saiba Mais, na qual indicamos filmes e livros que, de alguma forma, complementam os
temas investigados. Não deixe de explorar essas sugestões; garantimos que você irá ampliar seu
conhecimento sobre os temas apresentados e que isso será extremamente útil, não apenas na
questão específica da disciplina, mas na sua vida profissional.

• Lembretes – anotações pontuais que remetem a alguma informação já conhecida – e Observações


– apontamentos que chamam sua atenção para algum ponto destacado sobre o assunto em
desenvolvimento – são recursos que reforçam algumas questões que quisemos salientar.

INTRODUÇÃO

Abordaremos o período que vai da Revolução de 1930 até o fim da Segunda Guerra Mundial
(1939‑45), o processo de industrialização do País e as teorias que explicam esse processo, as políticas
econômicas do governo Getúlio Vargas e a nova inserção do Brasil no mundo através do Modelo de
Substituição de Importações até o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954.

Na sequência estudaremos o período que vai do governo interino de Café Filho até o período em que
Juscelino Kubitschek foi presidente e implantou o Plano de Metas, importante plano de modernização
do Brasil. Estudaremos o período que vai de 1961 a 1964, que abrange o governo de Jânio Quadros até
sua renúncia e o governo de João Goulart, seu Plano Trienal e sua abordagem baseada nos princípios
da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). Preocuparemo‑nos com o modelo de
substituição de importações adotado nesse período e suas contradições macroeconômicas.
9
Por fim, trataremos do período militar, desde o Golpe até as crises econômicas da década de
1970 (primeiro e segundo Choques do Petróleo). Estudaremos os planos econômicos da época desde
o Paeg, passando pelo Milagre Econômico e pelo segundo PND. Preocuparemo‑nos, então, com os
desequilíbrios macroeconômicos que marcaram profundamente o período, como a escalada da inflação,
o endividamento externo e o processo de modernização do País.

10
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Unidade I
O FIM DA VELHA REPÚBLICA, A INDUSTRIALIZAÇÃO E O ESTADO NOVO DE
GETÚLIO VARGAS (1937‑1945)

1 DA CRISE DA DÉCADA DE 1930 AO ESTADO NOVO 1930‑1954

1.1 A crise de 1929 e as suas consequências para a economia brasileira

A seguir estudaremos a tumultuada década de 1930 no Brasil. Esse período foi profundamente marcado
por mudanças estruturais, desde o fim de sua inserção como país prioritariamente primário‑exportador
e o início da industrialização até grandes mudanças na política, com o fim da Velha República e a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder.

Todas essas mudanças iniciam‑se com a maior crise que o capitalismo já vivenciou e que ocorreu nos
Estados Unidos em 1929. Falamos da quebra da bolsa de Nova York, que disseminaria a crise por todo o
mundo – uma calamidade econômica que, logicamente, atingiria profundamente o Brasil.

Então vamos recordar o que foi a crise de 1929 e como ela afetou o Brasil: após a Primeira Grande
Guerra (1914‑18), os Estados Unidos apresentaram um profundo enriquecimento graças à venda de
armas e bens de consumo duráveis aos seus aliados na Europa (Tríplice Aliança). Não podemos esquecer
que os norte‑americanos só se envolveram diretamente na Guerra em 1917 (faltava apenas um ano
para o fim do conflito). Assim, podemos afirmar que a guerra em nenhum momento ocorreu em solo
americano e os EUA não perderam civis, fábricas ou plantações, bem diferente do que havia ocorrido nos
quatro longos anos de batalhas na Europa, que teve seu território devastado, suas fábricas bombardeadas,
sua agricultura destruída e parte de sua população dizimada.

Podemos inferir, desse triste panorama, que a Europa, tanto os países que perderam quanto os que
venceram, teriam tido imensas dificuldades em seu processo de reconstrução.

Já na década de 1920, os EUA, por sua vez, se tornaram uma nação enriquecida e com uma economia
muito aquecida. Esse aquecimento refletia‑se na produção de bens industrializados e agrícolas, sob
um regime de padrão‑ouro, e taxas de juros baixas. Além disso, a partir desse período, o governo
estadunidense passou a adotar uma política de empréstimos externos que visava tanto aos países
destruídos pela guerra como aos países pouco desenvolvidos, como era o caso do Brasil, nessa longínqua
década de 1920.

Esse clima de euforia econômica refletiu‑se na bolsa de valores. O sistema monetário baseado no
ouro impedia que houvesse inflação, mesmo com taxas de juros baixas, a demanda mundial estava
aquecida, era um ambiente muito propício à especulação, como vemos na fala do economista Galbraith:
11
Unidade I

O ambiente de confiança e otimismo é fator essencial para que haja algum


“boom” de crescimento bem como a poupança, mesmo que seja com
dinheiro emprestado. O desabrochar da especulação é muito mais provável
após marcantes períodos de prosperidade do que nas primeiras fases de
recuperação de uma depressão (GALBRAITH, 1979, p.151).

milhões New Deal


12
Recessão
10
Guerra de 1941
8

2
Craque da Bolsa
1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942

Figura 1

Observação

Quando a taxa a taxa de juros está baixa, estimula a produção e isso se


reflete no desempenho positivo da bolsa de valores.

O colapso da economia foi inevitável, eram inúmeras as empresas fantasmas, a especulação estava
incontrolável, os estoques se avolumavam. A venda generalizada de ações por pânico em virtude da
perda de confiança alastrou‑se sem controle.

A quebra da bolsa de valores de Nova York de 1929 tornou‑se uma verdadeira tragédia; fortunas se
desfizeram do dia para a noite, empresas faliram, houve desemprego em massa, enfim, os anos que se
seguiram ao episódio não seriam nada fáceis. Estava iniciada a Grande Depressão.

Saiba mais

Para maiores informações sobre o tema, leia:

GALBRAITH, J. O colapso da Bolsa de 1929. Rio de Janeiro: Expressão e


Cultura, 1979.

12
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

E o que o Brasil tinha a ver com isso? Muito. Lembre‑se: o maior comprador do café produzido pelo
País eram os Estados Unidos, além disso, o governo brasileiro, junto com os cafeicultores, financiava a
lavoura de café com empréstimos externos desde 1906, durante os acordos firmados no Convênio de
Taubaté (FURTADO, 1984).

Como havia ocorrido nos países mais ricos, o padrão‑ouro não havia resistido à Primeira Guerra, mas
foi retomado mais tarde, com a Caixa de Estabilização, experiência que só durou até 1929.

Observação

No Brasil, padrão‑ouro resultava do estabelecimento da Caixa de


Conversão, que emite papel‑moeda com lastro no metal.

Com a quebra da bolsa, os EUA imediatamente pararam de comprar o café brasileiro (o café é um
bem supérfluo) e pararam de emprestar dólares para que o governo brasileiro comprasse o excedente
de café. A crise foi exportada para o nosso país e parecia que tínhamos entrado em um beco sem saída.

1.2 A Revolução de 1930 – o fim da Velha República e o início da era


Getúlio Vargas

1.2.1 A Revolução de 1930

A Revolução de 1930 ocorreu em 24 de outubro e foi um movimento armado que impediu que o
novo presidente da República, Júlio Prestes, assumisse o poder. A sucessão à presidência proposta pelo
último presidente do Brasil, Washington Luís, estava atrelada à crise no setor cafeeiro, e esse último
presidente era paulista e cafeicultor.

Pela lógica da “Política do Café com Leite”, que existia na Velha República, o indicado para a sucessão
deveria ser um mineiro. Porém, devido à profunda crise de 1929, Washington Luís achou por bem indicar
outro cafeicultor, Júlio Prestes, rompendo com a política anterior.

Nas eleições de 1930, São Paulo e Minas Gerais romperam os acordos de alternância à presidência
desde o início da república. Isso ocorreu frente à indicação de Júlio Prestes em detrimento do mineiro
Antônio Carlos de Andrada, que era então presidente do estado de Minas Gerais.

Formou‑se no período a Aliança Liberal liderada pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande
do Sul, insatisfeitos com os rumos políticos do País. O clima político tornou‑se muito tenso frente à
acusação de fraude eleitoral contra o governo de São Paulo, pois a vitória de Júlio Prestes à presidência
foi acusada de fraudulenta.

O clima chegou a seu ápice com o assassinato do paraibano João Pessoa, indicado a vice‑presidente
de Getúlio Vargas. Houve uma revolta armada que como consequência derrubou Washington Luís, e
assim iniciou‑se a Nova República e teve fim a hegemonia do poder da oligarquia cafeeira paulistana.
13
Unidade I

Getúlio Vargas, que anteriormente havia sido ministro da Fazenda de Washington Luís e era presidente
do estado do Rio Grande do Sul, assumiu a chefia do “Governo Provisório” em 3 de novembro de 1930.

Figura 2

Saiba mais

Veja o documentário:

REVOLUÇÃO de 30. Dir. Sylvio Back. Brasil: Sylvio Back Produções


Cinematográficas, 1980. 118 minutos.

1.3 A política econômica de salvação do café da Nova República

Com a crise mundial deflagrada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, a situação da
economia cafeeira ficou em situação muito grave. Tornara‑se impossível conseguir crédito no exterior
para financiar a compra de novos estoques.

A liquidação das resevas metálicas somada à ausência de compradores de café levou a uma grande
queda de preço do produto, a baixa foi de 22,5 centavos de dólares por libra para 8 centavos (FURTADO,
1984, p. 187).

A baixa do preço internacional do café e a falência de conversibilidade levaram à queda do valor da


moeda nacional, favorecendo os produtores de café, mas o mercado externo não tinha como absorver
essa enorme produção.

Observação

O café é um produto considerado supérfluo, e, portanto, muito sensível


às variações de preço; a procura é pouco elástica em função dos preços.

14
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Além disso, a desvalorização da moeda, ao estimular a venda de café, induzia o cafeicultor a continuar
colhendo café. Isso levava à maior baixa de preços e à nova depreciação da moeda nacional.

A pergunta que o novo governo implantado por Getúlio Vargas passa a enfrentar é: como lidar
com os estoques sem acesso a recursos externos? Era evidente que o execedente de produção não seria
escoado em um tempo hábil, a resposta seria destruir o execedente das colheitas, queimado‑os.

Veja a tabela a seguir:

Tabela 1 – Café destruído pelo governo federal e produção nacional


(1931‑1945) – toneladas

Ano Toneladas de café destruídas A Quantidade produzida de café B % de A sobre B


1931 169.547 1.301.670 13,03
1932 559.778 1.535.745 36,45
1933 821.221 1.776.600 46,22
1934 495.947 1.652.538 30,01
1935 101.587 1.135.872 8,94
1936 223.869 1.577.046 14,2
1937 1.031.786 1.460.959 70,62
1938 480.240 1.404.143 34,2
1939 211.192 1.157.031 18,25
1940 168.964 1.002.062 16,86
1941 205.370 961.552 21,36
1942 138.768 829.879 16,72
1943 76.459 921.934 8,29
1944 8.127 686.686 1,18
Total 4.692.855 17.403.717 26,96

Fonte: Gremaud, Vasconcellos e Toneto (2007).

Essa atitude do governo da Nova República foi de extrema importância para condução da economia
brasileira em periodo de crise tão profunda. Ao queimar o execedente de café e, com isso, regular
o preço do produto, estava‑se na realidade mantendo‑se o nível de emprego que afetava não só o
mercado externo, mas também o mercado interno, reduzindo‑se, assim, os efeitos multiplicadores de
desemprego sobre os demais setores da economia (FURTADO, 1984).

O choque externo sobre a economia brasileira afetou a moeda e o balanço de pagamentos, vejamos
a seguir alguns indicadores:

As resevas, que somavam 31 milhões de libras em setembro de 1929, caíram


a 14 milhões em agosto de 1930 e haviam desaparecido em 1931. Em
1931‑32 as importações caíram a um terço do seu valor em libras esterlinas

15
Unidade I

de 1928, enquanto as exportações caíram quase que à metade. Em volume


as importações decresceram em cerca de 60% entre 1928 e 1932, enquanto
as exportações declinaram 16%. Os preços de importação em mil‑réis
cresceram 6%, enquanto os preços de exportação caíram quase 25%. Assim,
os termos de intercâmbio sofreram uma deterioração de cerca de 30% e a
capacidade de importar, de 40% (ABREU, 1990, p. 74).

Com a desvalorização da moeda nacional, somada à manutenção do emprego por meio da proteção
do setor exportador, podemos afirmar que os interesses ligados à indústria nacional ficaram protegidos,
pois os produtos importados ficaram muito caros e os industriais tinham acesso a insumos relativamente
baratos, além da manutenção do poder de compra, que era formado basicamente por aqueles que direta
ou indiretamente estavam ligados ao setor cafeeiro.

Outra questão fundamental sobre o período refere‑se ao pagamento da dívida externa que o Brasil
tinha com os bancos internacionais. Em função da crise, é lógico que o País passou a ter enormes
dificuldades para honrar o seus comprimissos com os bancos internacionais.

Um funding loan parcial foi negociado em 1931, e a negociação foi unilateral da parte do Brasil:

Garantia o pagamento integral do serviço dos Funding Loan de 1989 a 1914


e estipulava que os juros relativos aos demais empréstimos federais por três
anos seriam pagos com títulos de 5% cuja emissão corresponderia ao Funding
Loan de 1931. As amortizações relativas a esses empréstimos federais seriam
suspensas e nada se dispunha sobre o serviço dos empréstimos estaduais e
municipais (ABREU, 1990, p. 76).

Observação

Conforme nos conta Abreu (1990), o primeiro funding loan foi uma
medida econômica tomada por Campos Sales durante a República Velha,
em 1989, durante a crise do encilhamento. Essa medida estabelecia a
concessão de emprétimos de 10 milhões de libras esterlinas, a ser utilizado
para o pagamento dos juros da dívida externa brasileira, nos três anos
seguintes – houve concessão de mais 10 anos para o pagamento da dívida.
Em resumo, funding loan significava dar um prazo maior para o pagamento
da dívida por meio de um novo empréstimo.

Após o primeiro funding loan, seguiram‑se os de 1914 e o de 1931.

Como vemos na citação de Abreu (1990), o acordo não era bom para os Estados Unidos, que tinham
grande participação nas dívidas estaduais e municipais. Assim, havia uma tensão entre as relaçãoes
entre EUA e o Brasil.

16
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Analisando sob a ótica de Celso Furtado (1984) a Política e Salvação do Café adotada por Vargas,
podemos afirmar que foi um período no qual o Brasil caminhou por uma contramão histórica, ou
seja, enquanto o mundo enfrentava uma crise sem preedentes, no Brasil iniciava‑se o processo de
modernização por meio da industrialização.

Isso significa que a demanda agregada que foi sustentada pela manutenção da compra do
excedente cafeeiro, a desvalorização da moeda nacional que protegia o mercado interno e, portanto,
a indústria nascente levaram ao abandono paulatino por parte do País de um modelo unicamente
primário‑exportador para um modelo de desenvolvimento baseado na indústria.

1.4 As teorias que explicam a industrialização do Brasil

Nesse item estudaremos quatro teorias que procuram entender como se deu o processo de
industrialização do Brasil. São teses estudadas por importantes economistas brasileiros e um brasilianista.
Uma das teorias mais aceitas é a dos Choques Adversos, defendida por Celso Furtado e pelos teóricos
da Cepal.

Analisaremos também a Teoria da Industrialização Liderada pelas Importações, defendida pelo


brasilianista Warren Dean, além da Teoria do Capitalismo Tardio, de Maria da Conceição Tavares,
Sérgio Silva e João Manoel C. de Mello, e a Ótica da Industrialização Promovida pelo Governo, de
Maria Teresa Versiani.

1.4.1 Teoria dos Choques Adversos

Essa teoria parte do princípio de que a industrialização brasileira ocorreu como resultado de estímulos
à produção industrial provenientes de dificuldades no comércio internacional e de implementação de
políticas internas expansionistas.

É o caso que acabamos de estudar. A crise dos anos 1930 representou não um retrocesso, mas um
importante avanço da modernização do País, por meio da industrialização como reação à derrocada da
economia cafeeira (FURTADO, 1984).

É lógico que como todas as teorias, a dos Choques Adversos também é passível de críticas;
um dos mais importantes dados que questionam a validade dessa teoria para todo o período
que abrange a industrialização do Brasil refere‑se à não identificação de um crescimento
industrial induzido pelas exportações no período que antecede a década de 1930, como
podemos observar na tabela a seguir, em momentos de crise como em 1914 (início da Primeira
Guerra). Nesse período, de fato, a indústria decresce em relação ao ano anterior, indo contra os
princípios dos choques adversos. A tabela também aponta para a existência de uma indústria,
mesmo que incipiente.

17
Unidade I

Tabela 2 – Taxas de variação em relação ao ano anterior

Ano Produto industrial Produto agrícola


1910 4,4 4,7
1911 9 ‑7,4
1912 10,7 11
1913 0,9 ‑2,2
1914 ‑8,7 6,7
1915 12,9 ‑0,9
1916 11,4 4,2
1917 8,7 3,6
1918 ‑1,1 3
1919 14,8 ‑1,3
1920 5,2 13,4
1921 ‑1,8 4,1
1922 18,8 0,5
1923 13,3 3,9
1924 ‑1,1 1
1925 1,1 ‑3,2
1926 2,4 3,2
1927 10,8 10,8
1928 7 18,4
1929 ‑2,2 0,3

Fonte: Abreu (1990, p. 393).

Observe a tabela seguinte, que contabiliza empresas de máquinas, oficinas mecânicas e fundições
no estado de São Paulo no ano de 1917, ou seja, bem antes de 1930, mostrando a diversidade e a
quantidade, já bastante considerável, de fábricas no Brasil:

Tabela 3 – Empresas de máquinas, oficinas mecânicas e fundições, estado de São Paulo,


1907 (em mil‑réis correntes)

Empresa Cidade Operários Capital Valor da produção


F. & L. Sydow (antes 1891) São Paulo 21 4.000 100.000
F. Amaro (1892) São Paulo 100 200.000 700.000
Cia. Mecânica Importadora (1890) São Paulo 353 5.000.000 303.000
Rizkallah Jorge São Paulo 45 80.000 75.000
Herman Stoltz & C. São Paulo 51 100.000 100.000
Aliberti & C. São Paulo 33 60.000 12.000
J. Rangel & C. São Paulo 22 20.000 144.000
Philadelpho Castro São Paulo 15 25.000 60.000
Affonso Mariano São Paulo 95 40.000 480.000

18
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Empresa Cidade Operários Capital Valor da produção


Antonio Marmano São Paulo 65 50.000 360.000
Huntgen & C. São Paulo 74 350.000 380.000
Lidgerwood Company Limited (1860) São Paulo 206 400.000 583.000
Bacheli & Bulgarelli São Paulo 5 4.000 36.000
Cardinali & Matarazzo São Paulo 53 50.000 160.000
Craig & Martins (1895) São Paulo 105 100.000 400.000
Craig & Martins São Paulo 76 100.000 200.000
Bernardo Kuntgen São Paulo 136 700.000 550.000
Caldas & C. Piracicaba 10 50.000 96.000
Companhia Mac Hardy (1875) Campinas 254 978.000 860.000
Pedro Anderson & C. Campinas 49 98.000 600.000
Pedro Faber Campinas 7 40.000 30.000
Lidgerwood Company Limited (1860) Campinas 46 100.000 100.000
Arens Irmãos (1876) Jundiaí 168 650.000 920.000
Jefferson Barreto & C. São Paulo 51 300.000 350.000
A. Milanesi & Irmãos (1900) Botucatu 15 30.000 n.d.
Carlos Tonanni (1902) Jaboticabal 110 600.000 n.d.

Fonte: Marson (2012, p. 59).

1.4.2 Ótica da Industrialização Liderada pelas Exportações

Ótica defendida pelo brasilianista Warren Dean, parte do princípio de que a origem do crescimento
inicial da indústria brasileira relaciona‑se linearmente com as exportações. O crescimento do setor
exportador implicaria, pois, uma expansão do mercado interno e das importações de maquinaria, e
se traduziria em um aumento dos investimentos industriais. Uma retração no setor exportador, ao
contrário, provocaria uma redução nesses investimentos.

Apesar do que vimos nas tabelas anteriores, de fato, havia indústria antes de 1930. Essa expansão é
bem menor e menos importante do que a observada após 1930, assim essa teoria consegue explicar a
indústria pré‑1930, mas não o aumento da produção industrial que ocorreu após a crise de 1929 (DEAN,
1976). Podemos observar isso na tabela a seguir:

Tabela 4 – Taxas de variação em relação ao ano anterior

Ano Produto industrial Produto agrícola


1930 ‑6,7 1,2
1931 1,2 ‑6,3
1932 1,4 6,0
1933 11,7 12,0
1934 11,1 6,2
1935 11,9 ‑2,5

19
Unidade I

1936 17,2 9,5


1937 5,4 0,1
1938 3,7 4,2
1939 9,3 ‑2,3
1940 ‑2,7 ‑1,8
1941 6,4 6,3
1942 1,4 ‑4,4
1943 13,5 7,3
1944 10,7 2,4
1945 5,5 ‑2,2
1946 18,5 8,4
1947 3,3 0,7
1948 12,3 6,9
1949 11,0 4,5

Fonte: Abreu (1990, p. 396).

1.4.3 Capitalismo Tardio

A emergência e a evolução de uma indústria manufatureira em São Paulo são analisadas por essa teoria
como uma etapa do desenvolvimento de uma economia agrícola exportadora capitalista e determinada,
portanto, em primeiro lugar, por fatores internos. A libertação da escravatura tem importante papel no
processo de inserção do País no modo capitalista de produção, pois só haverá capitalismo se houver mão
de obra assalariada e, por sua vez, só haverá mão de obra assalariada em escala importante se houver
indústria (MELLO, 1982).

Como nas outras teorias analisadas até aqui, a crítica que podemos fazer sobre essa análise é que ela,
assim como a teoria dos Choques Adversos de Celso Furtado, subestima a diversidade industrial ocorrida
no período antes de 1930.

1.4.4 Ótica da Industrialização Promovida Intencionalmente por Políticas do Governo

Essa ótica dá ênfase à proteção concedida à indústria como um fator que teria propiciado a
emergência e o desenvolvimento de um setor manufatureiro num país agrícola exportador, identificando
ainda ciclos alternados de investimento e de produção, determinados por alterações na taxa de câmbio
(VERSIANI, 1975).

Como critica a essa teoria podemos dizer que partir sempre do pressuposto de que o governo
esteve disposto a proteger a indústria seria uma precipitação. Não há nenhuma comprovação de
que o Estado brasileiro teria promovido uma política explicitamente protecionista no período que
antecede a Primeira Guerra.

20
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

1.5 Avaliação do desempenho do setor industrial em períodos controvertidos

Podemos fazer breves análises sobre a industrialização do País a partir das teorias brevemente descritas:
a despeito de uma expansão industrial relevante na década de 1930, a gênese da industrialização é
anterior a esse período, há não uma só indústria nascente no período, ela apresenta alguma diversificação.

No investimento industrial durante os anos do Encilhamento o então ministro da Fazenda, Rui


Barbosa, adotou uma política que visava a estimular a industrialização e o desenvolvimento brasileiro,
mas sabemos que essa política levou a uma grave crise econômica, o que resultou em altíssimos níveis
de inflação. Apesar da crise, muitas indústrias resistiram, deixando um legado que seria utilizado como
base industrial anos mais tarde.

Como vimos na teoria de Maria Teresa Versiani, que defende a ideia que a indústria teria sido promovida
por políticas públicas que teriam o intuito de proteção à produção industrial brasileira, se isso não se
confirma, mesmo que “meio sem querer”, também acabou por estimular a modernização do país.

Enfim, podemos dizer que as quatro teorias se adequam a períodos específicos que vão da proclamação
da República do Brasil até a Segunda Grande Guerra (1939‑45).

Saiba mais

Assista ao filme:

MAUÁ – o imperador e o rei. Dir. Sérgio Rezende. Brasil: Company


Contact Information, 1999. 135 minutos.

1.6 A industrialização da cidade de São Paulo

A cidade de São Paulo foi palco de um crescimento extraordinário, de uma pequena vila com pouco
mais de 31.000 moradores em 1870, a cidade já contava com uma população de em torno de 70 mil
habitantes no período entre 1870 e 1890 (SÃO PAULO, [s.d.]).

Esse significativo crescimento populacional deveu‑se fundamentalmente à requisição cada vez


maior da demanda por mão de obra que passou a existir nas fazendas de café, em função tanto do
aquecimento da própria produção cafeeira quanto da pressão pela abolição da escravatura (FURTADO,
1984). A população de São Paulo, em 1900, já chegava ao surpreendente número de 270 mil habitantes,
e em 1920, a 600 mil habitantes, a maioria de imigrantes.

Os números da entrada de imigrantes pela cidade de São Paulo são surpreendentes. Vejamos alguns
registros da entrada de pessoas vindas principalmente da Itália, mas também de outros países europeus
como Portugal, Espanha e Alemanha:

21
Unidade I

Tabela 5

Ano Imigrantes
1886 9.536
1887 32.112
1888 92.086
1889 27.893
1890 28.291
1891 108.736

Adaptada de: Reznik e Fernandes (2014).

O início da industrialização da cidade deveu‑se ao café e aos investimentos em infraestrutura


gerados tanto para o escoamento da lavoura cafeeira quanto pela fixação do cafeicultor no planalto.

As primeiras instalações industriais visavam justamente atender à demanda dos cafeicultores,


visando a construção civil, iluminação pública, calçamentos etc. e principalmente a uma infraestrutura
mais sofisticada, como a construção de estradas de ferro que escoariam a produção do interior para o
porto de Santos, passando obrigatoriamente pela cidade de São Paulo (SÃO PAULO, 2005).

A industrialização de São Paulo não teria ocorrido se não fosse o capital cafeeiro. As primeiras
tentativas de industrialização do Brasil não aconteceram no sudeste cafeeiro, mas sim no Nordeste,
contudo essas experiências acabaram não tendo resultados positivos, fundamentalmente pela ausência
de um mercado interno, já que se tratava de uma região muito pobre e na qual faltava uma infraestrutura
que desse apoio a essa indústria, como transporte e energia.

Vejamos uma história sobre essa tentativa de industrialização do Nordeste no século XIX.

1.7 A história de Delmiro Gouveia

Delmiro Gouveia, nascido no Ceará em meados do século XIX, foi o primeiro empresário a empregar,
em 1913, a energia hidráulica da queda de Angiquinho na cachoeira de Paulo Afonso a fim de colocar
em funcionamento as máquinas de sua indústria, que se chamava Companhia Agro Fabril Mercantil,
instalada na cidade de Recife, em Pernambuco.

Em 1914, Gouveia inaugurou uma fábrica de linhas que passou a dominar o mercado brasileiro, mas
também atingiu mercados na América do Sul, como Argentina, Chile, Bolívia e Peru. Ainda nesse ano, o
empresário iniciou a construção de estradas para a circulação de seus produtos em Alagoas, onde residia
na época, fundando 520 km de vias carroçáveis, introduzindo, assim, pela primeira vez os automóveis
no sertão nordestino.

Gouveia viajou diversas vezes para os Estados Unidos e Europa, locais de onde trouxe a ideia do uso
da energia elétrica. Instalou‑se no distrito de Pedra, em Alagoas (atualmente o distrito chama‑se Delmiro

22
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Gouveia), próximo a Paulo Afonso, em 1909, e o distrito passou a contar com uma população de 5 mil pessoas
que tinham acesso a essa grande novidade que era a luz artificialmente produzida, além de água encanada,
esgoto, telefone, telégrafo, tipografia, capela, cinema, lavanderia, fábrica de gelo, armazéns e escolas.

A fábrica trouxe muitos empregos, fundando a primeira vila operária no sertão. Os moradores da vila
não pagavam pela água e pela energia elétrica, mas não podiam jogar lixo nas ruas, beber nada alcoólico
ou portar armas.

Três anos após a inauguração da fábrica, Delmiro Gouveia foi assassinado a tiros aos 54 anos
em circunstâncias que nunca foram esclarecidas. Pressupõe‑se que toda essa modernidade deva ter
incomodado os coronéis dos grandes latifúndios nordestinos, que pretendiam manter a população na
pobreza e, consequentemente, na ignorância, e assim assegurar seu curral eleitoral, além de garantir uma
mão de obra barata e abundante. Termina assim muito rapidamente a mais bem‑sucedida experiência
de industrialização do Nordeste brasileiro (A HISTÓRIA..., [s.d.]).

Saiba mais

Leia o seguinte livro, para iniciação aos assuntos ligados à vida e obra
do empreendedor nordestino:

FARIAS, J. A. de. Delmiro Gouveia. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001.

Veja também o filme:

CORONEL Delmiro Gouveia. Dir. Geraldo Sarno. Brasil: Globo Vídeo,


1977. 90 minutos.

1.8 Algumas histórias de famosos grupos industriais brasileiros de São Paulo

Os imigrantes e os cafeicultores foram os precursores da industrialização do Brasil. Dentre os


imigrantes, podemos citar as famílias Matarazzo (italiana), Jafet (libanesa), Crespi (italiana), Klabin
(judia) e Ignácio (português).

A seguir veremos rapidamente duas dessas histórias.

1.8.1 A indústria Matarazzo

Ao contrário do que muitos pensam, Francisco Matarazzo, quando chegou ao Brasil, em 1881, não
era pobre e uma pessoa de pouca instrução. Ele tinha educação superior e experiência no comércio
trazida da Itália. O conde Matarazzo se estabeleceu inicialmente na cidade paulista de Sorocaba, no
comércio de banha de porcos, e anos depois mudou‑se para a capital São Paulo, onde fundou uma
empresa que importava farinha de trigo e toucinho.

23
Unidade I

Em 1900, com crédito obtido no British Bank of South America, construiu o primeiro moinho a vapor
em São Paulo e em 1904 fundou uma fábrica têxtil. Além disso, foi proprietário de uma fábrica de azeite,
fósforos, massas, velas, conservas, caixas de madeira, tipografia, cerâmica etc.

Em 1930, o nome da família Matarazzo era sinônimo de riqueza e êxito empresarial (REGO, 2014).

1.8.2 O grupo Votorantim

Em 1892, o português Antônio Pereira Ignácio deu início à sua carreira industrial como retalheiro e
fundou uma empresa de beneficiamento de algodão.

O empresário esteve nos Estados Unidos, onde se aperfeiçoou e, com os lucros obtidos na sua fábrica,
adquiriu uma fábrica de cimento.

Em 1917, adquiriu a empresa têxtil Votorantim, segunda maior empresa do ramo em São Paulo,
e acabou por obter o controle de 17% das algodoarias do estado de São Paulo. Em 1925, o genro de
Pereira Ignácio, J. Ermírio de Moraes, tornou‑se diretor‑gerente da companhia Votorantim e, depois, seu
único proprietário (REGO, 2014).

Esse grupo que surgiu em São Paulo, do lado das indústrias Matarazzo, Crespi, Klabim, Jafet etc., se
tornou um símbolo da industrialização e do desenvolvimento de São Paulo.

Figura 3

Saiba mais

Leia o texto:

SEVCENKO, N. A cidade metástasis e o urbanismo inflacionário: incursões


na entropia paulista. Revista USP, São Paulo, n. 63, p. 16–35, set./nov. 2004.
Disponível em: <http://www.usp.br/revistausp/63/02‑nicolau.pdf>. Acesso
em: 7 ago. 2015.

24
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

1.9 O modelo de substituição de importações

Após a crise de 1930, a indústria brasileira passou à forma que comumente chamamos de PSI, ou
seja, Processo de Substituição de Importações.

Como escreveu Celso Furtado, a maneira como o Brasil enfrentou a crise de 1930 fez com que se
deslocasse o centro dinâmico da economia brasileira. Ou seja, o elemento essencial deixou de ser a
demanda externa (típica de economias primário‑exportadoras) e passou a ser a atividade industrial, que
é obviamente nesse período voltada para o mercado interno.

Apesar do nível de renda ser mantido, com a Política de Salvação do Café, persistiam os constantes
desequilíbrios no balanço de pagamentos brasileiros causados fundamentalmente pela queda na
exportação do café. A renegociação da dívida externa brasileira e a desvalorização da moeda nacional
aliviaram a pressão sobre o balanço.

Porém, a desvalorização da moeda nacional causou forte elevação nos preços dos bens importados;
isso teve o poder de tornar os produtos nacionais mais atraentes, estimulando o seu consumo pelo
mercado interno. Essa rentabilidade tornou o setor mais dinâmico e passou a atrair investimentos tanto
do próprio setor cafeeiro como de outros setores também. Esse é o deslocamento do centro dinâmico
citado por Furtado (GREMAUD, 2002).

Podemos afirmar, portanto, que a industrialização do Brasil na década de 1930 se deu pelo processo
de substituição de importações.

Observação

Substituição de importações significa produzir internamente o que


antes era comprado fora do país.

Quais são as características fundamentais desse tipo de industrialização baseada no PSI?

São:

• A industrialização, nesse caso, é fechada, ou seja, voltada para dentro. Visa fundamentalmente
atender o mercado interno.

• Depende de medidas protetoras do governo dos concorrentes externos (GREMAUD, 2002).

Quais os mecanismos de proteção à indústria nacional usados no PSI?

• Desvalorização do câmbio: desvalorizando o câmbio, o produto importado fica muito caro, o que
por si só acaba se constituindo como protetor da indústria nacional. A vantagem da desvalorização
do câmbio é que indiretamente acaba também favorecendo o setor exportador, gerando mais
25
Unidade I

recursos para estimular a indústria nacional. Contudo, a desvantagem é que o país fica dependente
de tecnologia e de bens de capital dos quais ele não tem autonomia e cujos preços geralmente
ficam extremamente altos, pois são importados.

• Elevação das tarifas de importação: as tarifas de importação são elevadas, obtendo‑se, dessa
forma, um efeito protecionista sobre alguns produtos pré‑definidos pelo governo. Esses produtos
são aqueles que podem ser produzidos internamente e aos quais aplicam‑se tarifas mais baixas
para bens que o país não tenha possibilidade de produzir (GREMAUD, 2002).

Percebe‑se que o mecanismo fundamental do modelo de PSI estava no estrangulamento do mercado


externo, porém, se você avança em um setor, provavelmente irá estrangular outro setor.

Por exemplo: se desenvolvemos a indústria de bens alimentícios por meio de medidas protecionistas,
por outro lado são necessárias mais máquinas para mecanizar o setor e tornar a produção mais eficiente.
Se não possuímos a tecnologia para construir essas máquinas, obrigatoriamente teremos de adquiri‑las
fora do país, daqueles que possuem essa tecnologia. Isso cria um paradoxo: apesar de o governo
eventualmente poder nos beneficiar com isenção de tarifas aduaneiras, a moeda nacional continua
desvalorizada, assim, pagaremos caro por esses equipamentos e esses preços terão de ser repassados ao
consumidor final, limitando o avanço da demanda.

Outra característica importante do modelo de PSI é o inevitável aumento da participação do


Estado, pois para que a industrialização se concretize, é necessário que o governo gere adequação
da legislação, por exemplo, criando uma lei trabalhista; também é necessária a criação de órgãos e
instituições de fomento à indústria, como a criação de um Banco de Desenvolvimento – no caso do
Brasil, o BNDE.

O Estado precisa também criar infraestrutura, como fornecimento de energia, água, saneamento
e meios de escoamento da produção, como estradas, portos etc. O governo brasileiro também se viu
obrigado a fornecer insumos básicos à produção com a fundação da CSN (Companhia Siderúrgica
Nacional) e a Companhia Vale do Rio Doce, além da própria Petrobras (GREMAUD, 2002).

Podemos inferir que, devido ao excesso de protecionismo, as indústrias criadas por meio desse modelo
tendem a ser mais ineficientes, pois além da proteção, não contam com uma concorrência expressiva.

Uma característica cruel do modelo de PSI é a tendência de haver um aumento da concentração


de renda. Isso porque com a falta de investimentos na agricultura há uma liberação da mão de obra
para os crescentes centros urbanos, gerando problemas socioeconômicos de alocação adequada dessa
população carente. Os salários tendem a ser baixos devido ao excesso de oferta de mão de obra e as
condições de vida desses trabalhadores costumam ser extremamente ruins. O aumento de favelização e
da violência urbana são consequências imediatas desses desequilíbrios.

Esse modelo não permite a inserção de grupos ou pessoas pouco capitalizadas, dando oportunidade
apenas àqueles que contam com quantias maiores de dinheiro ou financiamento (GREMAUD, 2002).

26
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Lembrete

O Processo de Substituição de Importações será o modelo adotado pelo


Brasil até o final da década de 1980.

1.10 A Revolução de 1932

A Revolução de 1932, também conhecida como Revolução Constitucionalista, ocorreu em São


Paulo entre 9 de julho e outubro de 1932. Ela tinha como objetivo principal a derrubada do governo
de Getúlio Vargas e a promulgação de uma nova constituição. Foi o último grande conflito armado
ocorrido no Brasil.

São Paulo deixou de apoiar governo de Getúlio Vargas, constituindo um partido denominado Frente
Única, que exigia o fim da ditadura do governo provisório de Vargas. A revolta contra o governo era
uma reação contra a derrubada de Júlio Prestes, que havia tido em 1930 o voto de 90% dos paulistanos.

O estopim da revolta se deu quando, em 23 de maio, quatro dos cinco jovens que formavam o
chamado MMDC (Martins, Miraguaia, Dráuzio, Camargo e Alvarenga) foram assassinados por partidários
de Getúlio Vargas. Ao movimento liderado pelo MMDC se uniram o PRP (Partido Republicano Paulista)
e o Partido Democrático.

Apesar de Getúlio Vargas já ter estabelecido que haveria eleições para uma nova Assembleia
Nacional Constituinte e nomeado um interventor paulista, os paulistas continuavam insatisfeitos com
as constantes interferências do governo federal e não evitaram o conflito.

Na figura a seguir, podemos observar um cartaz confeccionado na época e espalhado pela cidade
de São Paulo, que convocava os paulistas a lutarem na Revolução de 1932 contra o governo federal,
pegando em armas e citando o grupo MMDC:

Figura 4

27
Unidade I

Enfim, em 9 de julho, o movimento revolucionário se inciou. Pedro de Toledo foi proclamado


governador de São Paulo. Alistaram‑se 200.000 voluntários e, destes, 60.000 combateram. Apesar do
número extraordinário de combatentes, São Paulo estava em desvantagem e acabou cercado pelas
forças federais. Não havia como conseguir armas e São Paulo criou uma moeda própria, uma moeda
lastreada em ouro recolhido pelos revolucionários em uma campanha denominada “Ouro para o bem
de São Paulo”.

Em setembro de 1932, as condições de São Paulo eram muito precárias, assim, as tropas gaúchas
acabaram por ocupar a cidade de São Paulo. Terminado o conflito, muitos revolucionários se exilaram e
o saldo de mortos foi bastante significativo – oficialmente foram 634 mortos.

O saldo, porém, não foi totalmente negativo: a Revolução marcou o início do processo de
democratização, pois em 3 de maio de 1933 foram realizadas eleições para a Assembleia Nacional
Constituinte e isso levou à promulgação da Constituição brasileira de 1934 (REVOLUÇÃO..., [s.d.]).

2 OS ANOS DE 1934 A 1937

2.1 A democracia de Getúlio Vargas

Uma nova Constituição foi promulgada em 16 de julho de 1934, promovendo vários avanços na
democracia brasileira, como a proteção aos trabalhadores, o voto feminino e a obrigatoriedade do
ensino primário (que atualmente denominamos fundamental).

Também foi criada através da nova Constituição uma Justiça do Trabalho que se adequava aos novos
ritmos de tempo de trabalho urbano assalariado do País, como a criação da jornada de oito horas diárias
de trabalho, repouso semanal e férias remuneradas. Getúlio Vargas se reelegeu nesse mesmo ano por
meio do voto democrático, se legitimando no poder após o golpe de 1930.

Figura 5 – Getúlio Vargas

28
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Esse período pode ser considerado um interregno democrático que antecedeu o golpe do Estado
Novo de 1937, porém, apesar desses avanços, foi uma época politicamente muito conturbada. Dentre
as crises políticas que nela houve podemos citar a Intentona Comunista de 1935 promovida pela ALN
(Aliança Nacional Libertadora), que tinha como base ideológica o socialismo, cujos líderes eram Luiz
Carlos Prestes e sua esposa Olga Benário Prestes.

Saiba mais

Assista ao filme:

OLGA. Dir. Jayme Monjardim. Brasil: Europa Filmes; Globo Filmes, 2004.
141 minutos.

Economicamente, esse período foi marcado pelo alívio do balanço de pagamentos, porém havia
uma pressão dos empresários norte‑americanos para que houvesse um regime de câmbio preferencial
no Brasil:

[...] Essas pressões provocaram o envio da missão chefiada por John


Williams, do Federal Reserve Bank of New York, para aliviar a situação
cambial brasileira. Em contraste com diagnósticos ortodoxos, tal como
Niemeyer em 1931, Williams reconheceu que a solução do problema
cambial não dependia das autoridades brasileiras e sim da recuperação
do nível de comércio internacional e da redução dos obstáculos ao
livre comércio. O controle cambial só havia sido adotado após o
esgotamento das políticas de exportação de reservas e de depreciação
cambial. Reconhecia que esta última acarretava a redução da receita de
exportação em vista da inelasticidade da demanda de café, conjugada à
importância do Brasil no mercado internacional do produto [...] (ABREU,
1990, p. 83).

No início de 1935, em função da gravidade da crise cambial, foi proposta pelo presidente do Banco
do Brasil a suspensão do pagamento do serviço da dívida externa. Para minimizar essa crise com os EUA,
o então ministro da Fazenda, Sousa Costa, comprometeu‑se a liberalizar o regime de câmbio e manter
o serviço da dívida. Com essa política mais liberal, as exportações se expandiram em 20% entre 1935 e
1936, enquanto as importações mantiveram‑se constantes.

As dificuldades eram muitas, mas a economia do Brasil crescia em torno de 6,5% ao ano entre 1934
e 1937. O encarecimento das importações permitiu o uso da capacidade ociosa na indústria.

Nesse período, embora se iniciasse uma lenta recuperação da economia mundial, a política de
compra e queima do café ainda permanecia, o que assegurava o preço da saca.

29
Unidade I

Em relação aos resultados comparados entre crescimento industrial e agrícola, nota‑se que a
agricultura teve no período um desempenho medíocre, crescendo pouco mais de 2% ao ano, enquanto
a indústria cresceu em média 11% ao ano (ABREU, 1990).

Em termos de política internacional, o governo apresentava uma aproximação cada vez maior com
a Alemanha e um distanciamento dos Estados Unidos. Getúlio Vargas aparentemente se sentia mais
confortável com os princípios ideológicos de uma direita não democrática que encontrava terreno fértil
na Alemanha após o fim da República de Weimer e a ascensão do governo nazista do Terceiro Reich, que
pregava uma gestão com princípios nacionalistas, intervencionistas e concentracionistas – princípios
esses que influenciariam o Estado Novo entre 1937 e 1945.

Algumas estatísticas do período em relação ao comércio exterior: de 1928 a 1939, a participação


norte‑americana caiu de 27% para 23%; a britânica, de 22% para 10%; a francesa, de 6% para 3%;
enquanto a alemã cresceu de 12% para 25% (ABREU, 1990). Esses números deixam claro que havia uma
aproximação comercial com a Alemanha.

Logicamente, o maior comércio com a Alemanha não estava assentado somente em bases ideológicas,
mas também sobre a tensão com os Estados Unidos, desde a renegociação da dívida externa com os
norte‑americanos.

2.2 O Estado Novo (1937‑45)

A Constituição de 1934, como vimos, iniciou um processo de democratização do País e determinou


a realização de eleições diretas para a presidência da república em 1938. Pela nova Carta, Getúlio Vargas
poderia ser reeleito.

O mundo entrava em efervescência ideológica a partir da década de 1930 com a ascenção de diversas
ditaduras, principalmente na Alemanha, com a ideologia nazista conquistando cada vez mais adeptos,
e na Itália, com as ideias fascistas comandadas por Mussolini. As ideologias nazistas e fascistas eram
marcadas por forte sentimento nacionalista e pela centralização estatal.

No Brasil não era diferente, de um lado as greves se tornavam cada vez mais constantes com apoio
da ANL (Aliança Nacional Libertadora) e, de outro, havia grupos que defendiam doutrinas cada vez mais
próximas do nazi‑fascismo europeu, por meio da Ação Integralista Brasileira (AIB), organização fascista
liderada por Plínio Salgado.

Tornava‑se cada vez mais evidente a aproximação ideológica de Getúlio Vargas com a AIB e o
afastamento cada vez maior da ALN, que havia apoiado em 1930 a subida de Vargas ao poder.

O governo passou a amedrontar a população brasileira com um pressuposto “perigo vermelho”. Em


função dessa ameaça, Getúlio Vargas declarou estado de sítio em 1935, fechou o Congresso e os direitos
civis foram suspensos. O governo federal perseguiu e torturou seus inimigos. Em 1936, Luís Carlos
Prestes e sua esposa Olga Benário Prestes foram presos. Olga, que era estrangeira e judia, foi deportada
para um campo de concentração nazista na Alemanha, onde acabou falecendo.
30
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

O golpe do Estado Novo foi dado em 10 de novembro de 1937, inaugurando um período de profundo
autoritarismo no Brasil. O governo justificou o golpe alegando que havia uma ameaça comunista que
deveria ser debelada, dizendo que havia descoberto um documento denominado Plano Cohen, que
expunha a intenção de entregar o País aos comunistas soviéticos.

O Plano Cohen, de 1935, era um pressuposto plano que tinha por objetivo derrubar o presidente
Getúlio Vargas e propiciar aos comunistas a tomada do poder. No dia 30 de setembro de 1937, o general
Góes Monteiro, chefe do Estado‑Maior do Exército brasileiro, noticiou, no programa de rádio Hora do
Brasil, a descoberta de um plano arquitetado pelo Partido Comunista do Brasil que tinha como objetivo
derrubar o presidente. No dia seguinte, Getúlio Vargas anunciou que o Brasil estava em estado de
guerra, justificando, assim, o golpe de Estado.

Anos mais tarde, comprovou‑se que o plano nunca existiu, era uma farsa, que foi elaborada pelo
próprio governo com o objetivo de declarar o Estado Novo e, assim, manter Vargas no poder sem que
houvesse as eleições previstas na Constituição de 1934. Quem revelou a farsa foi o próprio general Góes
Monteiro.

O presidente foi assumindo uma postura ditatorial diante da aproximação com a Alemanha Nazista.
Na elaboração do falso Plano Cohen, Vargas mostrou uma proximidade com o grupo denominado
“Integralistas”, liderado por Filinto Muller, que pregava um extremo nacionalismo e a perseguição aos
comunistas.

2.3 A censura no Estado Novo

O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) foi criado durante o período do Estado Novo.
O nome inocente não revelava as verdadeiras intenções desse órgão, que foi responsável não só pela
promoção do regime junto à população, mas também pela violenta censura aos órgãos de imprensa
e aos veículos de comunicação; a música, o cinema e as artes em geral foram vítimas de constante
perseguição por parte do DIP.

O governo do período foi marcado por um extremo populismo e pela fomentação de sentimentos
nacionalistas e, com isso, apesar de ser uma ditadura, conseguiu o apoio da população brasileira. Foi
instituído um sindicato oficial, vinculado ao Ministério do Trabalho, e proibida a organização sindical
não governamental. Assim, as relações entre trabalhadores e patrões ficavam sob o controle do Estado.

Por outro lado, em 1943, o governo consolidou as leis trabalhistas por intermédio da criação da CLT
(Consolidação das Leis Trabalhistas), que garantiu importantes direitos ao trabalhador, como o direito
ao descanso semanal remunerado, a férias, à jornada de trabalho de oito horas, ao salário mínimo, e
à regulamentação do trabalho feminino e dos menores de idade; assim, Vargas passou a ser chamado
nessa época de “Pai dos Pobres”.

O sentimento de apoio ao governo era alimentado também pela promessa de modernização e


industrialização cada vez maior do País. Para isso foram criados órgãos de apoio ao desenvolvimento,
como o Conselho Nacional do Petróleo e o Conselho Federal do Comércio Exterior. Como sabemos,
31
Unidade I

esse foi o período da criação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), então símbolo maior de
desenvolvimento do País.

A Constituição de 1934 de caráter democrático foi derrubada e o governo outorgou outra Constituição,
baseada na Carta Polonesa – tanto que ficou conhecida como “A Polaca”. Era um conjunto de leis muito
mais autoritário, baseado nos princípios fascistas que tanto pareciam agradar ao presidente. Tratava‑se
de mais um profundo golpe na jovem democracia que havia sido uma promessa em 1934.

Por essa trajetória, pode‑se perceber que Getúlio Vargas era um camaleão da política: deu um golpe
em 1930, desrespeitando a Constituinte da época, pouco tempo depois, promulgou uma Constituição
democrática em 1934, ano em que assumiu o poder por vias legais e, finalmente, em 1937, deu outro
golpe de Estado, dessa vez instalando uma ditadura feroz que perseguiu e torturou seus inimigos
políticos, abandonando a Constituição democrática e substituindo‑a por outra de caráter fascista.

Como veremos mais adiante, Getúlio Vargas voltou ao poder em 1951, eleito democraticamente
e assumindo claramente uma postura de defesa das camadas menos favorecidas da população e se
afastando da burguesia industrial, o que o levou ao isolamento e finalmente a um trágico fim que
culminou com seu suicídio.

3 A SEGUNDA GUERRA E O ESTADO NOVO – 1939‑1945

Não iremos, neste momento, entrar em detalhes de um conflito tão amplo e de enorme complexidade,
mas é interessante fazer um pequeno resumo dessa guerra para podermos entender a participação do
Brasil e como sua economia foi influenciada pelo maior conflito ocorrido no século XX.

A II Grande Guerra foi deflagrada em 1939 e colocou em disputa o nazi‑fascismo contra a


liberal‑democracia. Apesar de Getúlio Vargas ter nutrido simpatia pelas ideologias alemã e italiana no
período, o Brasil combateu ao lado dos aliados.

Entretanto, voltando ao conflito na Europa, podemos afirmar que não foi uma guerra que começou
do dia para noite. Aliás, desde a assinatura do Tratado de Versalhes, em 1921, que, em função de suas
exigências muitas vezes inexequíveis, colocou a Alemanha em uma situação muito difícil, já se iniciava
uma situação de conflito na Europa.

Observação

O Tratado de Versalhes foi assinado em 1921 e dentre suas exigências em


relação à derrota da Alemanha na Primeira Guerra (1914‑1918), estavam:
devolução dos territórios de Alsácia‑Lorena para a França, desmilitarização
do país e pagamento de dívidas enormes de guerra pela Alemanha aos
países que compunham a Tríplice Aliança.

32
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Na década de 1930, foi recorrente o surgimento de governos totalitários que eram nacionalistas e
militaristas. Na Alemanha, surgiu o nazismo, liderado por Adolf Hitler e, na Itália, o fascismo, liderado por
Benito Mussolini. Ambos os países enfrentavam graves crises econômicas desde o final da Primeira Guerra,
em 1918. Esses países, junto com o Japão, que tinha desejos expansionistas na Ásia, formaram o Eixo.

O início do conflito ocorreu em 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Os Aliados, formados
pela França, Inglaterra, URSS e EUA, declararam guerra à Alemanha.

O Eixo obteve importantes vitórias, conquistando Polônia, Ucrânia, Iugoslávia, Sudetos, França,
Noruega e parte do norte da África. O Japão também obteve êxito, invadindo o norte da China. Em 1941,
o Japão atacou a base naval de Pearl Harbor, nos Estados Unidos (Havaí), obrigando os norte‑americanos
a entrarem no conflito ao lado dos Aliados.

O Eixo começou a perder forças a partir de 1941 e as derrotas, a partir de então, se acumulariam. A
derrota na frente russa foi muito grave para o exército alemão, até o final da guerra com a vitória dos
Aliados, em 1945.

A Segunda Guerra Mundial foi marcada por eventos terríveis, como o genocídio praticado contra
judeus (seis milhões de mortos nos campos de concentração nazistas), o genocídio de ciganos (três
milhões de mortos nos campos de concentração nazistas) e o ataque atômico às cidades japonesas de
Hiroshima de Nagasaki em agosto de 1945, evento esse que encerrou definitivamente a Segunda Guerra.

Saiba mais

Assista ao filme:

O RESGATE do soldado Ryan. Dir. Steven Spielberg. EUA: DreamWorks


SKG; Paramount Pictures; Amblin Entertainment, 1999. 169 minutos.

Figura 6 – À esquerda, Mussolini; à direita, Hitler

33
Unidade I

3.1 O Brasil e a Segunda Guerra Mundial

Getúlio Vargas, como vimos anteriormente, havia assumido uma posição ideológica mais próxima
do Eixo do que dos aliados, porém essa posição se modificaria em 1942, quando algumas embarcações
brasileiras foram atingidas por submarinos alemães no Oceano Atlântico. Em função desse ataque, o
Brasil se aliou aos Estados Unidos. Ao nosso país interessava essa união, pois os EUA prometiam ajuda na
construção e instalação da nossa primeira siderúrgica, fundamental para o processo de industrialização
do País. Por outro lado, a aliança com o Brasil interessava aos Aliados em função da posição geográfica
do país, fundamentalmente por causa do nosso imenso litoral.

O Brasil participaria diretamente do conflito ao enviar tropas para a Itália. Foi, assim, enviada a
Monte Castelo, na Itália, a 61,3 km de Bolonha, perto dos Apeninos, uma força expedicionária conhecida
como FEB (Força Expedicionária Brasileira). A batalha durou três meses, de 24 de novembro de 1944 a 21
de fevereiro de 1945. Enfim, o monte foi tomado pelos brasileiros, contendo o avanço alemão.

O Brasil cedeu bases militares aos Aliados, a principal foi a da cidade de Natal, no Rio Grande do
Norte, que servia de local de abastecimento para a força aérea norte‑americana.

Quando a Guerra acabou, em 1945, Getúlio Vargas foi deposto pelos militares, sob o comando de
Góes Monteiro. O poder ficou temporariamente sob a responsabilidade de José Linhares, presidente do
Supremo Tribunal Federal.

Quem assumiu a presidência, pelo voto popular, em 2 de dezembro de 1945, foi o general Eurico
Gaspar Dutra, dando, desse modo, fim ao Estado Novo.

3.2 A economia brasileira durante o período da Segunda Guerra

O Estado Novo fortaleceu o poder central, foram criadas agências governamentais que tinham como
objetivo regular a área econômica. A legislação social deu forças à classe trabalhadora e em 1940 a
construção da primeira siderúrgica brasileira marcou a mudança na forma de ação do Estado.

Em 1937, foram adotados regimes de controle cambial e de importações que pretendiam uma taxa
de câmbio favorável. Esse período foi marcado também por escassez de divisas, em função da elevação
das importações, que cresceram cerca de 40% em valor de 1936 a 1937, o que forçou o governo a
exercer um forte controle sobre o câmbio. De 1937 a 1939, os preços do café caíram 25% enquanto a
quantidade exportada cresceu 40% (ABREU, 1990).

Quanto à política externa, lentamente o Brasil começou a se reaproximar dos Estados Unidos, como
podemos perceber na citação a seguir:

A política norte‑americana baseada na desistência de pressões para obtenção


de vantagens a curto prazo em benefício de um objetivo estratégico explica
a ineficácia dos protestos repetidos de credores privados norte‑americanos.
No Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, esboçaram‑se planos
34
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

de desenvolvimento econômico do Brasil, abandonando‑se as soluções


de curto prazo, tais como a concessão de crédito para o descongelamento
de atrasados. Essas propostas demonstram o clima favorável das relações
bilaterais que possibilitou a visita da Missão Aranha aos Estados Unidos em
princípios de 1939 (ABREU, 1990, p. 92).

A Missão Aranha marcou o início de um período de reaproximação do Brasil com os Estados Unidos,
em função das dificuldades que o Brasil enfrentava em seu relacionamento comercial com a Alemanha.
A missão se comprometia a adotar uma política cambial liberal, a criar obstáculos aos alemães e a
retomar o serviço da dívida pública externa.

O início da guerra, em 1939, resultou na perda dos mercados na Europa, o que teve como consequência
uma grande diminuição do saldo da balança comercial num momento em que o Brasil precisava de
divisas para honrar os compromissos firmados durante a Missão Aranha com os EUA. Essa situação só
se regularizou após 1941, quando a expansão das exportações foi assegurada como o fornecimento de
suprimentos estratégicos aos norte‑americanos e do aumento da demanda por produtos brasileiros em
mercados antes supridos pelo Reino Unido, como carne e algodão.

Antes de 1941, a escassez brasileira de divisas impedia a manutenção de um nível adequado de


importações, mas mesmo a partir dessa data (1941), quando aumentaram as reservas brasileiras, havia
restrições dos EUA em fornecer produtos ao Brasil, devido às novas prioridades relacionadas à Guerra
impostas pelos norte‑americanos.

Essa situação criava um paradoxo na economia brasileira, que ao mesmo tempo em que
conseguia manter saldos conversíveis na sua balança comercial, não conseguia estimular a
indústria pela falta de insumos importados, o que reforçava o modelo de PSI. Assim, podemos
afirmar que as dificuldades de acesso às importações não reduziram substancialmente a taxa de
crescimento industrial.

O PIB desse período, no entanto, não apresentou um desempenho muito favorável, pois houve
uma queda da produção agrícola na década de 1930, o produto agrícola de 1940‑1942 praticamente
se estagnou em relação ao período anterior (1936‑39) e a recuperação pós‑1942 foi modesta, sendo
apenas 8% superior. O PIB, que havia crescido 3,5% a.a. em 1937‑39, atingiu 0,4% a.a. entre 1939‑42 e
se recuperou ao crescer 6,4% entre 1942 e 1945 (ABREU, 1990).

Tabela 6 – Taxa de variação em relação ao ano anterior

Ano PIB Nível de atividade EUA


1930 ‑2,1 ‑9,8
1931 ‑3,3 ‑7,6
1932 4,3 ‑14,7
1933 8,9 ‑1,8
1934 9,2 9,1

35
Unidade I

1935 3,0 9,9


1936 12,1 13,9
1937 4,6 5,3
1938 4,5 ‑5,0
1939 2,5 8,6
1940 ‑1,0 8,5
1941 4,9 16,1
1942 ‑2,7 12,9
1943 8,5 13,2
1944 7,6 7,2
1945 3,2 ‑1,6
1946 11,6 ‑11,9
1947 2,4 ‑0,8
1948 9,7 4,5
1949 7,7 0,1

Fonte: Abreu (1990, p. 401).

Pela tabela anterior podemos perceber tanto a evolução do PIB brasileiro no período como a da
participação dos Estados Unidos na atividade econômica brasileira. Podemos notar que, a partir de 1936,
cresceu substancialmente essa participação, que voltou a cair no final da Segunda Guerra.

Quanto ao crescimento do PIB, a partir da tabela, podemos fazer a seguinte análise: apesar de, em
alguns anos, o PIB ter apresentado um desempenho sofrível, em outros, como em 1943, durante o auge
da Guerra, o Brasil teve um desempenho muito favorável.

A política monetária do período foi expansionista, aumentando as pressões inflacionárias,


que se mantiveram entre 15 a 20% a.a. As tentativas de contenção inflacionárias não forma
efetivas, mantendo, assim, uma tendência de aumento. O Brasil ainda não adotara o sistema
decimal em 1941 e para acabar com a confusão foi criado, em 1942, o cruzeiro, correspondente
a 1 mil‑réis (PILAGALLO, 2009).

A Segunda Guerra não se mostrou, no caso brasileiro, um período de crescimento excepcional no


setor exportador, beneficiando apenas os produtores de bens estratégicos e de manufaturas, como
tecidos de algodão e pneus.

Já em relação às importações, aumentava a dependência do Brasil em relação aos Estados Unidos, e a


questão mais importante relativa ao suprimento de produtos norte‑americanos referia‑se à construção
da siderúrgica de Volta Redonda (RJ).

Veja a tabela a seguir:

36
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Tabela 7 – Taxa de variação em relação ao ano anterior

Ano Exportações (US$ 1.000³) Importações (US$ 1.000³) Balança comercial (US$ 1.000³)
1937 346,8 279,2 67,6
1938 294,3 246,5 47,8
1939 299,9 218,0 81,9
1940 252,1 200,7 51,4
1941 367,7 222,5 145,2
1942 409,8 177,4 232,4
1943 472,6 226,9 245,7
1944 580,3 310,4 269,9
1945 655,1 322,5 332,6

Fonte: Abreu (1990, p. 398).

3.3 O Brasil e a criação da CSN

A Companhia Siderúrgica Nacional foi fundada em 1941, durante o Estado Novo, após um acordo
diplomático, denominado “Acordo de Washington”, feito entre o Brasil e o EUA. O Brasil só possuia, nessa
época, siderúrgicas a carvão vegetal. O projeto contou com a consultoria da empresa norte‑americana
Mc Kee, contando com 50 técnicos norte‑americanos. Os fundos norte‑americanos vieram por
intermédio do Eximbank – Export Import Bank.

A indústria foi construída em Volta Redonda, na época distrito da cidade de Barra Mansa (RJ). Em
1940, aumentara a produção de ferro gusa e lingotes de aço, mas laminados ainda não eram produzidos.
A empresa só começou a operar no ano de 1946, no governo de Eurico Gaspar Dutra, que não convidou
Getúlio Vargas para a inauguração (ALBERTI, 1999).

Saiba mais

Leia as informações sobre a Missão Aranha neste site:

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Diretrizes do Estado Novo (1937‑1945)


– Missão Aranha. CPDOC, [s.d.]a. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/
producao/dossies/AEraVargas1/anos37‑45/EstadoEconomia/Missaoranha>.
Acesso em: 11 ago. 2015.

Com o Estado Novo, o regime de trabalho no Brasil ficou subordinado ao Estado.

37
Unidade I

Figura 7

3.4 O fim do Estado Novo

A partir de 1942, o governo já pensava em lentamente fazer uma transição democrática e os meios
de comunicação iniciaram uma campanha a favor da imagem de Vargas.

Já em 1943, a oposição começou a se manifestar. Foram feitas passeatas estudantis promovidas pela
UNE (União Nacional dos Estudantes); em outubro, lideranças de Minas Gerais lançaram um documento
contestando o regime ditatorial. Esse documento ficou conhecido como Manifesto dos Mineiros e o
governo reagiu prendendo vários de seus signatários.

A tensão continuou em 1944. Oswaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores, renunciou.
Em outubro, o brigadeiro Eduardo Gomes lançou sua candidatura.

Com a aproximação do final da Segunda Guerra, no Brasil iniciou‑se uma movimentação a favor
do retorno da democracia. Tanto trabalhadores como estudantes vinham se manifestando contra a
ditadura, apesar da forte repressão do governo Vargas.

Na recepção da volta dos pracinhas brasileiros vitoriosos da Itália, faixas foram vistas pedindo a volta
à democracia.

Em função dessas constantes pressões, Getúlio Vargas concedeu anistia aos presos políticos e deu
liberdade à organização de partidos políticos. Além disso, convocou eleições para dezembro de 1945. Havia
também o movimento contrário, o chamado “Queremismo”, que pedia a permanência de Vargas no poder.

Um dos candidatos à presidência da república foi Eurico Gaspar Dutra que, junto com os militares,
forçou Getúlio Vargas a deixar a presidência. Em outubro de 1945, quem assumiu o governo foi o
presidente do Supremo Tribunal, José Linhares, ficando no cargo até dezembro daquele ano (FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS, [s.d.]b).
38
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Ao terminar a Segunda Guerra, encerra‑se também o período da ditadura civil brasileira representada
pelo Estado Novo. Nos anos de 1946 a 1951, a presidência da república seria ocupada por um general,
mas foi um período democrático que trataremos de entender mais adiante.

Figura 8

4 O GOVERNO DUTRA (1946‑51)

Eurico Gaspar Dutra, eleito o novo presidente do Brasil em 1946, era militar. Dutra aproximou‑se
de Getúlio Vargas a partir da Revolução Constitucionalista de 1932. Em 1936, foi nomeado ministro
da Guerra e ajudou na instalação do Estado Novo, divulgando, junto com Vargas, uma pressuposta
ameaça comunista, junto com Góes Monteiro. O futuro presidente defendia a aproximação com o Eixo,
enquanto Oswaldo Aranha procurava uma aproximação com os Aliados. A aproximação com os Estados
Unidos foi aceita com relutância pelo general Dutra.

Em 1945, Dutra foi procurado por setores oposicionistas que lhe propuseram um golpe de estado
contra Vargas. Empossado em 1946, aproximou‑se dos setores mais conservadores e afastou‑se de
Vargas e do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). O governo continuou a política de perseguição aos
partidos de esquerda, rompeu relações com a União Soviética e fechou o Partido Comunista Brasileiro;
além disso, fechou sindicatos que faziam qualquer tipo de oposição ao governo.

A política econômica do governo Dutra foi marcada por posições liberais e pelo rápido esgotamento
das reservas cambiais acumuladas durante o período da Segunda Guerra. Foi criado o chamado Plano
Salte (saúde, alimentação, transporte e energia), mas esse plano não alcançou as metas.

Nesse período, foi construída a importante rodovia (que posteriormente foi batizada com o
nome do presidente, a Via Dutra) que passou a ligar as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Foi
criado também o Estatuto do Petróleo, voltado para a criação de refinarias e aquisição de navios
petroleiros.

39
Unidade I

Outra medida do governo que se tornou polêmica foi a proibição de jogos de azar em todo o território
nacional. Os cassinos, que fizeram muito sucesso durante a era Vargas, foram todos fechados.

Em 1946, a Constituição denominada “Polaca”, do Estado Novo, foi substituída por uma nova
Carta de caráter democrático que, dentre as novas prerrogativas, reestabeleceu as eleições diretas para
presidente, governadores e prefeitos, passou a permitir a liberdade e a manifestação de ideias, também
a liberdade de crença e cultos e a garantia ampla de defesa jurídica a pessoas acusadas de algum crime.

4.1 Política Econômica do Governo Dutra

Como analisamos anteriormente, o Brasil havia enfrentado crises sucessivas do balanço de


pagamentos nos primeiros anos da Segunda Guerra (de 1939 até 1943), o que fez com que o governo
passasse a ser cada vez mais interventor. Essa intervenção se fez presente por meio da adoção de
controles cambiais e de importações e da criação de diversos órgãos regulatórios.

A política econômica do governo Dutra possui períodos distintos. O primeiro foi a mudança na
política de comércio exterior, com o fim do mercado de livre câmbio e a adoção de contingenciamento
às importações, de 1947 até o início de 1948. O segundo foi o afastamento do ministro da Fazenda,
indicando a mudança de uma política econômica rígida para uma mais flexível.

Ao terminar a Guerra, o País tinha acumulado importantes divisas em função de fornecimento de


material estratégico ao exterior e do baixo nível de importações.

O governo Dutra iniciou‑se sob a égide liberal de Bretton Woods. É interessante recordarmos alguns
pontos importantes desse encontro.

Em primeiro de julho de 1944, mais de 700 delegados de 44 países chegaram ao Mount Washington
em Bretton Woods, New Hampshire, para tomar parte nas mais amplas negociações econômicas
internacionais da história. As nações aliadas, perseguidas por três décadas de depressão e guerras,
reuniram‑se para fazer o esboço de um plano, criando uma nova ordem econômica pós‑guerra.

O principal representante britânico era Keynes, o interlocutor era Harry Dexter White. Os pensadores
forneceram o capital intelectual para a criação do FMI e do Banco Mundial, que foram planejados para
serem instituições centrais em um mundo sem guerras e sem nacionalismos. A agenda de Bretton
Woods foi dominada por duas ideias básicas: a primeira era a de que os EUA haviam assumido o papel de
potência hegemônica depois da Segunda Guerra e a segunda era a de alçar a moeda norte‑americana
como moeda chave mundial.

Nos princípios da década de 1940, os consultores da política externa de Roosevelt já se haviam


convencido de que os EUA não suportariam mais o tipo de isolacionismo que se seguiu ao Tratado
de Versalhes de 1919. O processo de planejamento do pós‑guerra foi uma combinação de liberalismo
e autointeresse. Os EUA desejavam uma economia mundial aberta, com o mínimo de obstruções ao
comércio e afluxos financeiros.

40
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

O principal objetivo de Bretton Woods era proporcionar um clima monetário estável a fim de facilitar
uma retomada do comércio internacional. Nos anos 1930, frequentemente os países se refugiavam
no protecionismo e na depreciação de suas moedas para ganharem vantagens sobre seus parceiros
comerciais. Em Bretton Woods, o FMI ficou incumbido de policiar o comércio e as práticas monetárias
dos países membros. Mais tarde, em 1947, o FMI foi auxiliado nessa função, principalmente na área
comercial, pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt).

No século XIX e início do século XX, a maioria das nações atrelavam suas moedas ao ouro. Sob o
padrão‑ouro, o volume de moeda em circulação era limitado pelo estoque nacional do metal. Keynes já
há muito argumentava que o padrão‑ouro contribuía para a depressão e o desemprego. Governos que
adotavam o padrão‑ouro ficavam impossibilitados de expandir suas ofertas monetárias para amparar
as quedas nos negócios e atingir objetivos sociais. Roosevelt afastou os EUA do padrão‑ouro em 1933.

White dividia com Keynes as críticas ao padrão‑ouro, mas os banqueiros americanos eram favoráveis
ao padrão. A solução era fazer o dólar equivalente ao ouro. Como estoques de valor ouro e dólar eram
equivalentes (somente para o comércio internacional, dólares no exterior poderiam ser trocados por
ouro no EUA), Bretton Woods estabeleceu taxas de câmbio fixas entre as moedas. Os países teriam que
obter a aprovação do FMI para mudar o valor de suas moedas.

Em 1946, o Banco Mundial e o FMI iniciaram suas atividades. O Banco Mundial foi planejado para
facilitar a reconstrução da Europa. Como garantia de bom procedimento dos devedores, os países, antes
de conseguirem empréstimos do Banco Mundial, eram obrigados a fazer parte do FMI.

Depois da Guerra, o dólar americano era a única moeda mundialmente aceita pelo comércio
internacional. Em 1947, havia escassez de dólares. Os EUA tinham uma parcela desproporcional da
capacidade produtiva mundial e sua dependência de importações era mais modesta do que a maioria
de seus parceiros comerciais. Esse problema se intensificou após a Segunda Guerra. Com a Europa
incapacitada para comprar produtos americanos, os EUA tiveram que diminuir sua produção e mergulhar
numa recessão. O que salvou a insegura recuperação do pós‑guerra não foram os acordos de Bretton
Woods, mas a Guerra Fria, que resultou no Plano Marshall, apresentado por Truman como essencial para
evitar a dominação comunista na Europa.

Assim que o Plano Marshall foi acionado, o sistema monetário de Bretton Woods começou a operar.
O grande feito desse sistema foi colocar o dólar como moeda‑chave no mundo. O sistema ouro‑dólar era
superior ao padrão‑ouro, pois ao contrário do ouro, dólares podiam ser criados para expandir o comércio
mundial. Dólares saiam dos EUA para financiar programas de ajuda, investimentos e empréstimos, o
dólar era considerado tão bom quanto ouro.

Observação

Os EUA expandiram a oferta de moeda internacional através de déficits


no seu balanço de pagamentos.

41
Unidade I

Até a década de 1950, o sistema monetário de Bretton Woods funcionou razoavelmente bem.
Contudo, o professor de Yale, Triffin, previa problemas. Para ele, os crônicos déficits no Balanço de
Pagamentos traziam as sementes de destruição do sistema. Os déficits não poderiam servir eternamente
como fonte de moeda internacional. Enquanto os EUA mantivessem ligação dólar‑ouro, se a hemorragia
de dólares estancasse, a antiga escassez de dólares retornaria e estrangularia o comercio internacional.
Por outro lado, um fluxo constante de dólares dos EUA para o exterior criaria um excesso de dólares no
exterior, estimulando governos a demandarem ouro com esses dólares. O estoque de ouro do Tesouro
diminuiria, solapando a confiança na capacidade dos EUA de honrar o lastro de dólar em ouro, levando
a uma crise monetária internacional – esse problema ficou conhecido como Dilema de Triffin.

Observação

Bretton Woods foi um encontro realizado em 1944 nos Estados Unidos


que contou com a presença de lideranças norte‑americanas, banqueiros,
políticos, além do próprio Keynes. Nesse encontro, ficou estabelecido que
a nova moeda‑chave mundial seria o dólar, o que colocou os EUA como a
nação mais poderosa do bloco capitalista.

Saiba mais

Leia o livro:

MOFFIT, M. O dinheiro do mundo: de Bretton Woods à beira da


insolvência. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1985.

Havia por parte do governo brasileiro a percepção de que a economia mundial iria se reorganizar
rapidamente e de que, com isso, o preço do café se elevaria.

O governo identificava como maior problema econômico do período a inflação, que era causada
fundamentalmente por déficits constantes no orçamento da União. O ministro da Economia, Pedro Luís
Correia e Castro, adotou até 1949 uma política monetária contracionista para combater a inflação.

A taxa de câmbio foi mantida fixa, mas o câmbio estava sobrevalorizado, com o intuito de atender à
demanda por matérias‑primas e bens de capital com o objetivo de reequipar a indústria nacional, forçar
a queda dos preços nacionais que enfrentariam a competição dos produtos estrangeiros e estimular o
ingresso de capitais, mas, por outro lado, o Brasil perdia competitividade no mercado externo.

Esse clima de otimismo não se mostrou real porque em primeiro lugar era falsa a ideia de que a
situação das reservas internacionais era favorável. O problema fundamental do setor externo era o
saldo de pagamentos em moedas conversíveis, especialmente dólares. As reservas acumuladas durante
a guerra eram insuficientes para financiar déficits da magnitude daqueles observados no período.

42
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

O Brasil obtinha superávits comerciais com uma moeda inconversível, enquanto acumulava déficits
crescentes com os EUA e outros países de moedas fortes.

Com o término da Segunda Guerra, a pauta de exportações brasileiras foi profundamente afetada
com a recuperação dos tradicionais fornecedores, que passaram a reintegrar o mercado internacional.
Veja alguns dados: a exportação de manufaturas em 1945 era de 20%; em 1946, caiu para 7,5%; e, em
1952, passou apenas para 1% (ABREU, 1990).

Com essa conjuntura, as reservas de moedas conversíveis reduziram‑se rapidamente e o Brasil


começou a acumular dívidas.

Em função desses desequilíbrios, já em meados de 1947, o governo instituiu um sistema de controle


das importações. A ideia era dar melhor uso à moeda estrangeira disponível, e isso acabou se ajustando
perfeitamente ao modelo adotado pelo Brasil desde 1930, o já falado PSI.

Esse controle era feito da seguinte forma: mantinha‑se o câmbio sobrevalorizado e progressivamente
eram impostas medidas discriminatórias à importação de bens de consumo não essenciais e com similar
nacional. Com isso, os bens de consumo, principalmente os duráveis, obtiveram um grande estímulo de
produção em território nacional.

Os investimentos em substituição de importações foram possíveis, também, graças à política de


crédito do Banco do Brasil.

4.2 O Plano Salte

Esse plano foi uma iniciativa de intervenção planejada do Estado para o desenvolvimento econômico
e visava aos setores de saúde, alimentação, transporte e energia, prevendo investimentos para os anos de
1949 e 1953. Contudo, o plano enfrentava dificuldades, como a inexistência de formas de financiamento
definidas.

O plano só foi aprovado pelo Congresso em 1950 e, como estava muito fragmentado, acabou sendo
abandonado em 1951.

No final do governo de Eurico Gaspar Dutra houve uma retomada do crescimento industrial, mas
havia uma inflação crescente e desequilíbrios financeiros tanto no setor público como no setor externo.

4.3 O último governo de Getúlio Vargas (1951‑54)

Em 1950, com a aproximação de novas eleições presidenciais, Dutra apoiou o candidato do PSD à
sua sucessão, o mineiro Cristiano Machado. Contudo, o eleito foi um velho conhecido dos brasileiros:
Getúlio Vargas, que assumiu a cadeira em janeiro de 1951.

A pergunta é: como um político que havia instituído uma dura ditadura durante o Estado Novo
havia sido eleito pelo povo brasileiro para retornar ao poder?
43
Unidade I

Podemos apontar algumas soluções para esse questionamento: a primeira é uma propaganda ativa
que criava uma imagem de salvador da pátria, com a alegação de ter sido o político que mais fez para
os trabalhadores. Como vimos anteriormente, Vargas era chamado de “Pai dos Pobres”. A segunda é que
suas posições claramente nacionalistas, principalmente durante a campanha “O Petróleo é Nosso”, eram
extremamente apelativas aos eleitores – e, consequentemente, angariavam muitos votos.

O ambiente em que o mundo vivia nesse início da década de 1950 era o da Guerra Fria, que polarizava
o mundo entre os defensores do liberalismo e os defensores do nacionalismo. Vargas era um nacionalista,
e dentro dessa perspectiva, era favorável a um Estado interventor e à rejeição ao capital estrangeiro.
Durante seu governo, foram criadas a Petrobras, que se tornou responsável pela prospecção, refino e
distribuição de petróleo, e a Eletrobrás, responsável pela geração e distribuição de energia elétrica.

Dentre aqueles que passaram a atacar o posicionamento de Getúlio Vargas, estava Carlos Lacerda,
que acusava constantemente o presidente de promover uma guinada à esquerda do País. Esses
desentendimentos eram constantemente vistos pela população brasileira nos jornais, principalmente no
que pertencia a Lacerda, A Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro, que acusava o presidente de corrupto.

Em 24 de agosto de 1954, Carlos Lacerda sofreu um atentado na Rua Toneleros, uma importante
rua no bairro carioca de Copacabana. O guarda‑costas do jornalista, Gregório Fortunato, faleceu, mas
Lacerda apenas se feriu. De fato, esse crime nunca ficou completamente esclarecido, mas Carlos Lacerda
acusou Getúlio Vargas de ser o mandante do crime.

Após esse episódio, os grupos que se opunham a Vargas passaram a exigir seu afastamento. Setores
das Forças Armadas e da sociedade civil se uniram aos grupos de oposição e em 24 de agosto de 1954
foi entregue ao presidente um ultimato, assinado pelo ministro da Guerra, exigindo sua renúncia.

Vargas estava no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, quando redigiu uma Carta Testamento e em
seguida se suicidou com um tiro no peito. O povo que apoiava o presidente saiu às ruas em grandes
manifestações populares. Os comícios culpavam a imprensa, a UDN e o governo dos Estados Unidos;
greves de trabalhadores ocorreram como forma de protesto.

Com a morte de Getúlio Vargas, assumiu seu vice, Café Filho.

4.3.1 Carta‑testamento

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram‑se e novamente


se desencadeiam sobre mim. [...] Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de
domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz‑me chefe de
uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade
social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea
dos grupos internacionais aliou‑se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de
garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça
da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na
potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a
44
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que
o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.

[...]

Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue
de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha
vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. [...] E aos que pensam que me derrotaram,
respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas
esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para
sempre em sua alma e meu sangue será o preço de seu resgate.

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de
peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha
vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no
caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.

Adaptado de: Vargas (2005).

Notem que a Carta Testamento de Getúlio Vargas culpa a burguesia pelo seu suicídio ao mesmo
tempo em que se coloca ao lado dos menos favorecidos. Alguns autores consideram que essa carta foi
a última “cartada política” de Vargas, que não queria ser retirado do governo de maneira vergonhosa e
pretendia entrar para história brasileira como herói.

Nunca ficou provado quem foi de fato o mandante do crime da Rua Toneleiros, as investigações não
chegaram a nenhuma conclusão que pudesse apontar definitivamente para culpa do presidente Getúlio Vargas.

Saiba mais

Assista ao filme:

GETÚLIO. Dir. João Jardim. Brasil: Globo Filmes, 2014. 101 minutos.

Figura 9

45
Unidade I

4.4 A economia do Governo Vargas de (1951‑54)

O período do último mandato de Vargas foi marcado pelo clima de Guerra Fria que colocava em
confronto os Estados Unidos e a União Soviética. Países como o Brasil não estavam no alto da pauta de
interesses dos norte‑americanos e, assim, o País dependia estritamente do mercado e dos movimentos
privados de capitais internacionais para o financiamento de seus déficits em transações correntes e seus
projetos desenvolvimentistas.

As iniciativas governamentais na economia forma herdadas em parte pelo governo de Dutra,


e, como observamos, havia uma inflação crescente em decorrência do desequilíbrio financeiro do
setor público; além disso, no setor externo, havia a expectativa de aumento do preço do café. Mas,
por outo lado, o governo via a necessidade de estabilizar a economia saneando as finanças públicas,
adotando uma política monetária restritiva e, ao mesmo tempo, realizando empreendimentos no
setor industrial.

Em 1952, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), que era subsidiado
por intermédio de um adicional sobre o Imposto de Renda e foi fundamental para o financiamento de
projetos de infraestrutura de transporte e energia.

Em 1953, foi feita a Instrução 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que


condicionava as importações aos interesses industriais, mediante leilão de divisas com câmbio
diferenciado conforme a necessidade da importação. Esses leilões passaram a ser importantes fontes de
arrecadação para o Estado.

A Sumoc tinha como principal atribuição a responsabilidade de definir as políticas monetárias,


internas e externas do País. Além disso, deveria preparar o campo para que um dia o Brasil tivesse um
Banco Central independente que tivesse as funções de assessoria, controle e fiscalização bancária. Era
subordinada ao Ministério da Fazenda e dividia a tarefa de administrar a política monetária do País com
o Banco do Brasil.

A Sumoc tinha o poder de requerer a emissão de papel‑moeda ao Tesouro Nacional, receber com
exclusividade os depósitos dos bancos comerciais e as operações desses bancos, ser responsável pela
política cambial, promover a compra e venda de títulos do governo e autorizar o redesconto de títulos
e empréstimos a bancos.

Esse órgão passou a desempenhar funções de um banco central, inclusive controlando a emissão
de papel‑moeda e as atividades bancárias. Inclusive, foi a Sumoc que criou o Orçamento Monetário
(BANCO CENTRAL DO BRASIL, [s.d.].).

A falta de sustentação política da burguesia industrial e as limitações da acumulação financeira


nacional, em uma economia que dependia muito da tecnologia externa, resultaram em poucas
transformações na estrutura produtiva, impedindo que o Brasil se tornasse autônomo no seu
desenvolvimento industrial.

46
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

A política de comércio exterior nos dois primeiros anos do governo Vargas manteve a taxa de
câmbio fixa e sobrevalorizada e o regime de concessão de licenças para importar, mas essa medida foi
flexibilizada nos primeiros anos do novo governo.

A inflação era um das principais preocupações dos governos, mas as medidas para minimizar a
inflação não surtiram os efeitos desejados, como podemos perceber no texto a seguir:

O importante papel anti‑inflacionário atribuído à expansão das importações


é facilmente compreensível no contexto do ortodoxo pensamento econômico
das autoridades da época. A inflação era explicada pela expansão dos meios
de pagamento que, no caso brasileiro, chocava‑se com a oferta relativamente
inelástica no mercado interno, agravada pela escassez de oferta de bens
de produção, que tornava a melhoria de produtividade dependente de
importações. Nessas condições, a acumulação de amplos saldos de exportação,
desacompanhada de medidas fiscais de esterilização monetária (de difícil e
lenta adoção) ou de uma contrapartida adequada de importações, constituiria
sério fator de inflação a se somar ao déficit orçamentário e à expansão
creditícia ocorridos em 1950 (ABREU, 1990, p. 126).

Quanto ao desempenho da economia, o PIB real cresceu 4,9% e 7,3% em 1951 e 1952, respectivamente.
O setor de serviços foi o que apresentou maiores taxas de crescimento. A produção industrial, afetada
pela liberalização das importações, apresentou baixas taxas de crescimento.

No período, foram apresentadas elevadas taxas de investimento, ajudadas também pela liberalização
das importações com taxas de câmbio sobrevalorizadas e fomentadas pela expansão do crédito no
período. As participações nos investimentos totais do País, tanto dos setores privados quanto públicos,
também foram alteradas.

No início de 1953, houve um colapso cambial no país, com atrasos cambiais acumulados e sem êxito
no combate à inflação. Apesar da grande redução das importações e da evolução pouco favorável das
exportações, os atrasados comerciais continuaram a aumentar.

Ao mesmo tempo, aumentavam as dificuldades do governo nos planos social e político. Em 23 de


março de 1953, eclodiu uma grande greve de trabalhadores em São Paulo que chegou a paralisar 300
mil operários.

Vejamos alguns dados do período nas tabelas a seguir:

Tabela 8 – Taxas de variação em relação ao ano anterior

Ano PIB Produto industrial


1950 6,8 12,7
1951 4,9 5,3

47
Unidade I

1952 7,3 5,6


1953 4,7 9,3
1954 7,8 9,3

Fonte: Abreu (1990, p. 403).

Tabela 9

Ano Produto agrícola Setor de serviços


1950 1,5 7,9
1951 0,7 6,0
1952 9,1 5,9
1953 0,2 1,9
1954 7,9 9,8

Fonte: Abreu (1990, p. 407).

Tabela 10

Ano Dívida interna (% do PIB) Salário mínimo real


1950 3,7 9,4
1951 3,0 12,8
1952 2,5 ‑63,0
1953 2,1 14,4
1954 ‑1,6 ‑17,2

Fonte: Abreu (1990, p. 407).

No início de 1954, as perspectivas de evolução do setor externo da economia brasileira pareciam


favoráveis. Havia uma expectativa otimista com as receitas a serem geradas pelo café e confiança de que
a dívida externa poderia ser renegociada. A preocupação central concentrou‑se no problema da inflação.

Um ponto de inflexão dizia respeito aos salários. A proposta do ministro do trabalho, João Goulart,
era de um reajuste de 100%. Contra essa proposta se colocaram a UDN e a Fiesp. Vargas, pressionado
pelo desgaste de seu governo, anunciou, em 1º de maio de 1954, o aumento de 100% do salário mínimo.
Essa atitude alimentou ainda mais a inflação.

Os problemas do governo aumentaram ainda mais quando somaram‑se ao não cumprimento das
expectativas de melhoras da exportação de café. O governo decretou, em junho de 1954, o aumento
do preço mínimo do café com o objetivo de maximizar as receitas cambiais, mas isso não melhorou a
situação do Brasil, pois o consumo externo de café continuava a cair.

O ano de 1954 foi caracterizado por uma profunda crise no governo. Pode‑se dizer que a política de
Vargas, que tinha como proposição agradar toda a sociedade, desagradou principalmente os industriais,
48
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

os militares e a burguesia. Embora tivesse ao seu lado os trabalhadores, o governo não realizou
transformações estruturais e colocou em risco sua política econômica.

Vargas acabou isolado politicamente, a oposição encontrou nesse ambiente um favorecimento


a uma campanha cada vez mais violenta contra o presidente, que culminou no assassinato da Rua
Toneleros e no consequente suicídio do presidente em agosto de 1954.

Veja a tabela a seguir:

Tabela 11 – Taxa de variação em relação ao ano anterior

Ano Exportações (US$ 1.000³) Importações (US$ 1.000³) Balança Comercial (US$ 1.000³)
1950 1.359,0 934,0 425,0
1951 1.771,0 1.703,0 68,0
1952 1.416,0 1.702,0 ‑286,0
1953 1.540,0 1.116,0 424,0
1954 1.558,0 1.410,0 148
1955 1.419,0 1.099,0 320
1956 1.483,0 1.046,0 437
1957 1.392,0 1.285,0 107,0
1958 1.244,0 1.179,0 65,0

Fonte: Abreu (1990, p. 403).

4.5 A interpretação da vocação agrária versus a interpretação


desenvolvimentista

A partir de Getúlio Vargas, ficam evidentes os conflitos entre as elites econômicas do País. Alguns
grupos queriam que o Brasil continuasse funcionando como celeiro de produtos primários, agrícolas; a
justificativa era que nesse campo sempre havia sido o melhor e que o Brasil, por possuir extensas terras,
teria essa vocação agrícola. Desse modo, existia a crença de que nossa nação seria rica se seguisse a
sua habilidade e condições naturais de uma espécie de provedor natural de produtos agropecuários
para o restante do mundo. Já o outro grupo pretendia que o Brasil se desenvolvesse, especialmente
por meio da industrialização, partindo da premissa de que o desenvolvimento só ocorreria por meio do
desenvolvimento do capitalismo industrial.

Esses grupos se contraporiam no decorrer do tempo, e essa discussão jamais encontrou um


consenso. O setor representado pela elite latifundiária vinculada ao café queria que seus interesses
fossem protegidos, já a burguesia industrial partia do princípio de que o desenvolvimento só viria por
meio da modernização do País.

Não podemos nos esquecer de que o Brasil tem um passado agrário, baseado no grande latifúndio,
de uma maneira geral, monocultor, e que a industrialização do País ocorreu de maneira tardia.

49
Unidade I

O setor representado pelos industriais (de uma indústria ainda nascente e insípida, é verdade) pretendia
que fossem criados mecanismos que permitissem ao País se industrializar e produzir, internamente, o que
sempre havia importado: esse desejo construiu o que chamamos de interpretação nacional‑burguesa e,
desde os seus primórdios, esse modelo desenvolvimentista buscou uma combinação do liberalismo com
as heranças do keynesiasmo e definiu uma forma de interpretar a realidade brasileira com o objetivo de
consolidar o capitalismo.

Lembrete

Como vimos, essa ideia de desenvolvimento se apoiou no PSI


(Processo de Substituição de Importações) e partia do princípio de que a
industrialização só viria a partir de medidas protecionistas, que impediriam
ou limitariam as importações de bens importados que não pudessem ser
produzidos internamente.

No período que estudamos, nenhum desses modelos era hegemônico. Aliás, os conflitos surgirão
justamente para conseguir essa hegemonia. Segundo Bresser‑Pereira (1997, p. 2), essas diferentes
“interpretações correspondem aos pactos políticos ou às alianças de classe referidas, e, eventualmente,
aos momentos de transição. Algumas interpretações expressam a ideologia do grupo dominante, outras
da oposição. Algumas apontavam o caminho do novo, outras a resistência do velho”.

Vejamos, então, as características básicas desses dois modelos de interpretação.

Por um lado, temos o modelo da chamada vocação agrária, que corresponde à concepção do
Brasil como um paraíso natural, repleto de riquezas que devem ser exploradas. Essa é a visão do País
como provedor de matéria‑prima e cuja economia se apoiaria no latifúndio do café ou do açúcar.
Embora dominado pela oligarquia, os defensores dessa interpretação veem o País como um sistema
presidencialista similar ao norte‑americano. Nosso futuro, segundo esse ponto de vista, estaria na
exploração da terra.

Segundo Bresser Pereira, essa visão constrói um cenário em que:

O Brasil é o país essencialmente agrícola, é o país cheio de riquezas naturais


e de cordialidade. [...] É o Brasil macunaímico de Mário de Andrade e da
pré‑revolução burguesa representada pela Semana de Arte Moderna. É
o Brasil moderno porque cafeeiro e paulista, autoritário e corrupto, mas
recuperável através de uma democracia das elites [...]. É o Brasil maravilhoso
da casa grande e da senzala, do sobrado e do mocambo de Gilberto Freire. É
o país cordial de Buarque de Holanda. É o Brasil essencialmente agrícola de
Murtinho e de Eugênio Gudin (BRESSER PEREIRA, 1997, p. 3).

O outro modelo, o nacional‑burguês, se opõe ao da vocação agrária. A interpretação nacional‑burguesa


compreende que a oligarquia agrário‑mercantil é aliada ao imperialismo, e por esse motivo não deseja
50
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

a industrialização. A vocação agrária quer, de fato, manter a situação semifeudal e exportadora. A


burguesia industrial, ao contrário, quer a modernidade, o apoio ao setor industrial nacional: é ela, aliada
às classes médias e aos trabalhadores urbanos, que ensejará uma outra maneira de entender o Brasil e a
inserção do País no ambiente capitalista mundial.

No entanto, nada é tão simples, é notável que vários dos primeiros industriais estabelecidos
na cidade de São Paulo não eram imigrantes, ou antigos comerciantes, mas sim cafeicultores que
em determinado momento perceberam que o café é um produto muito frágil, devido ao fato de
se tratar de um bem supérfluo, que rapidamente pode ser abandonado em um momento de crise
(FURTADO, 1984).

Assim, alguns cafeicultores, entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX, se
tornaram industriais, substituindo sua atividade econômica ou mesmo mantendo as duas atividades
conjuntamente. A maior parte dos empresários, no entanto, era composta por pessoas de origem
estrangeira, a maioria italianos, portugueses e alemães, mas a gama de imigrantes que compôs o
primeiro parque industrial do País era muito mais diversificada, incluindo libaneses, judeus, espanhóis,
franceses, norte‑americanos, ingleses, entre outras tantas nacionalidades (BRESSER PEREIRA, 1997).

Veremos alguns dados sobre as origens étnicas dos empresários paulistas em 1962 a partir de
três gerações.

Tabela 12 – Diversificação de industriais estrangeiros

Ano País Quantidade Porcentagem


1962 Brasil 32 15,75
1962 Itália 71 34,8
1962 Portugal 24 11,7
1962 Alemanha 21 10,1
1962 Áustria 5 2,4
1962 Líbano 13 6,2
1962 Síria 5 2,4
1962 Armênia 2 0,9
1962 Rússia 6 2,8
1962 Polônia 2 0,9
1962 Tchecoslováquia 1 0,4
1962 Suíça 5 2,4
1962 Hungria 3 1,4
1962 Espanha 3 1,4
1962 Dinamarca 2 0,9
1962 França 2 0,9
1962 Estados Unidos 2 0,9
1962 Grã‑Bretanha 2 0,9
1962 Uruguai 2 0,9

51
Unidade I

1962 Grécia 1 0,4


1962 Romênia 1 0,4

Adaptada de: Bresser Pereira ([s.d.]).

Embora apenas 3,9% dos industriais paulistas tivessem sua origem nas famílias de aristocratas
cafeicultores, havia a presença clara dos pertencentes à chamada classe alta inferior (ou seja, não
aristocrática): 21,6% dos empresários. Da classe média superior faziam parte 7,8% e da classe média
propriamente dita, 16,7%.

Resumo

Como vimos, o Brasil atravessou um período muito conturbado,


passando pela crise de 1930, que levou ao fim da República do Café com
Leite e ao início da era Vargas.

Esse período foi marcado pelo processo de modernização do País


pela industrialização, que foi baseada no processo de substituição de
importações, denominado PSI.

O País se envolveu na Segunda Guerra ao lado dos Aliados, o que


contribuiu com a modernização do parque industrial, principalmente em
função da fundação de nossa primeira siderúrgica, a CSN, com capital e
tecnologia norte‑americanos. Isso passou a dar certa autonomia ao Brasil
em sua industrialização.

De 1937 a 1945, o governo de Getúlio Vargas tornou‑se uma ditadura


que se consolidou por meio do Estado Novo. Com o final do conflito
mundial, novas eleições foram feitas e tivemos um período de democracia
com a eleição do presidente Dutra.

Os problemas foram muitos durante o período, desde o controle do


câmbio, que era sempre incerto, a inflação crescente, a dívida externa, até
as constantes crises políticas.

Estudamos também o período compreendido entre a Revolução de 1930


e o final do último governo de Getúlio Vargas, que terminou em 1954, com
o suicídio do presidente. Esse período teve como principal acontecimento
econômico o início da industrialização do Brasil.

A Política econômica brasileira em 1930 consistia em tirar o Brasil de


uma grave situação econômica e seus principais pontos eram:

52
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

• Desvalorização da moeda nacional.

• Compra do excedente café com emissão monetária.

• Queima do excedente de café.

• Manutenção da renda por meio do emprego na economia cafeeira.

• Renegociação do funding loan, prejudicando as relações do Brasil


com os Estados Unidos.

• Início da industrialização do Brasil.

A industrialização do Brasil de 1930 e seguindo pelas décadas seguintes


foi baseada no PSI, com todas as suas virtudes e contradições.

O modelo PSI foi fundamental para a industrialização do Brasil e era


baseado nos seguintes princípios básicos:

• O Estado assume posturas protecionistas tanto em relação à política


cambial como em relação à política aduaneira.

• O princípio básico do PSI é procurar produzir o máximo de bens


industrializados internamente, evitando ao máximo as importações.

• O PSI, por manter uma política de desvalorização da moeda nacional,


acabou favorecendo as exportações.

Getúlio Vargas ficou no poder continuamente de 1930 a 1945,


superando a Revolução de 1932, que ocorreu em São Paulo e que exigia
a promulgação de uma nova Constituição, além de eleições presidenciais.

Em 1934, Vargas se elegeu de modo democrático. Economicamente,


esse período foi marcado por um desempenho medíocre da agricultura,
porém a indústria, que vinha se utilizando da capacidade ociosa, cresceu a
passos largos.

Na política, Vargas perseguiu inimigos políticos e aproximou‑se


ideologicamente da Alemanha nazista. Apesar de uma ideologia não
democrática, paradoxalmente o governo promulgou uma Constituição que
promovia um grande avanço na democracia brasileira.

Em 1937, Getúlio Vargas deu um golpe de Estado e iniciou o Estado


Novo, que foi marcado por uma dicotomia: por um lado, o processo de
53
Unidade I

industrialização e modernização do País era uma realidade incontestável,


as leis do trabalho haviam avançado muito com a criação da CLT, mas,
por outro, foi uma ditadura, que perseguiu, torturou e censurou meios de
comunicação, com uma Constituição de bases fascistas e autoritárias.

Durante o Estado Novo, havia uma forte presença do Estado na


economia brasileira. O modelo de PSI permanecia.

Na economia, o governo adotou o regime de controle cambial e


expandiu as exportações através basicamente de bens estratégicos, e o
PIB apresentou crescimento. A política monetária pode ser considerada
expansionista no período.

É nessa época que o Estado inaugurou a CSN, nossa primeira siderúrgica,


tornando a indústria brasileira um pouco mais autônoma.

O governo do General Dutra iniciou‑se após o Estado Novo. A política


econômica do governo Dutra foi marcada por posições liberais marcadas
principalmente pelos fundamentos de Bretton Woods.

Nesse período, há um rápido esgotamento das reservas cambiais


acumuladas durante a Segunda Guerra. Foi nessa época também que o
governo lançou o Plano Salte, que não obteve sucesso.

Vargas voltou democraticamente ao poder em 1954 e foi um período inserido


no clima de Guerra Fria. Seu governo foi marcado por um profundo nacionalismo,
que pode ser verificado, por exemplo, na campanha “O Petróleo é Nosso”.

Em 1952, foi criado o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico).


Em 1953, foi criada a Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito).

Economicamente falando, as medidas para controlar a inflação foram


insuficientes. O comércio externo não havia se recuperado e o governo não
tinha o apoio da burguesia.

Exercícios

Questão 1. (Enade 2008, adaptada) “Diante do empreendimento de tamanha magnitude, como o


que estamos aqui realizando, não posso ocultar o meu entusiasmo patriótico e a minha confiança na
capacidade dos brasileiros. O que representam as instalações da usina siderúrgica de Volta Redonda,
aos nossos olhos deslumbrados pelas grandiosas perspectivas de um futuro próximo, é bem o marco
definitivo da emancipação econômica do país. Aqui ele está plantado, em cimento e ferro, desafiando
ceticismos e desalentos [...].” (VARGAS, 1938‑1947, p. 54).
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FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO

A Companhia Siderúrgica Nacional (1941) é um dos resultados da forma como o Governo de Vargas,
entre 1930 e 1945, enfrentou o problema da infraestrutura no Brasil, que envolvia principalmente três
questões: o petróleo, a siderurgia e a energia elétrica.

PORQUE

Questões relativas a petróleo, siderurgia e energia elétrica eram entendidas pelo governo como
fundamentais para a promoção do desenvolvimento industrial brasileiro que viria após a crise
internacional, marcada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque e pela Segunda Guerra Mundial.
Analisando as afirmações anteriores, conclui‑se que:

A) As duas afirmações são verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira.

B) As duas afirmações são verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira.

C) A primeira afirmação é verdadeira, e a segunda é falsa.

D) A primeira afirmação é falsa, e a segunda é verdadeira.

E) As duas afirmações são falsas.

Resposta correta: alternativa A.

Análise da questão

Ambas as afirmações são verdadeiras e referem‑se ao modelo desenvolvimentista aplicado no Brasil


pioneiramente no Estado de Compromisso adotado no regime varguista. O Estado surge, nesse caso,
como investidor dessa indústria de base devido à ausência de uma burguesia nacional forte.

Questão 2. (Enade 2012, adaptada)

Tabela 13 – Brasil – Indicadores da produção industrial 1927–1939 (1928 = base 100)

Ano Indicadores da produção industrial


(série elaborada pela FGV)
1928 100
1929 95,7
1930 93,3
1931 90,6
1932 91,5
1933 99,7
1934 107,2
1935 115,6

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Unidade I

1936 132,9
1937 137,8
1938 144,4
1939 152,4

“Embora a origem da indústria brasileira remonte às últimas décadas do século XIX,


tendo continuidade durante a República Velha, foi na década de 1930 que o crescimento
industrial ganhou impulso e passou por certa diversificação, iniciando efetivamente o
processo de substituição de importações (PSI)” (FONSECA, 2003, p. 249.).

Com o auxílio dessas informações, avalie as asserções a seguir.

I – A expansão industrial dos anos 1930, impulsionada pelo PSI, ocorreu de forma setorialmente
homogênea, com predominância de produção de bens de consumo duráveis.

II – O PSI resultou em diminuição do volume das importações no período entre 1928 e 1939,
traduzindo‑se em alívio estrutural para a balança comercial do País.

III – Um dos fatores que explicam o surto industrial, conforme demonstra a tabela, foi a depreciação
da moeda nacional frente à libra esterlina após 1934, o que tornou o produto importado relativamente
mais caro do que o nacional e estimulou, assim, a produção interna.

IV – Depois de 1930, com o PSI, alterou‑se a dinâmica da economia brasileira, pois a produção, o
emprego e o ritmo de crescimento passaram a depender da produção para o mercado interno.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I e II.

B) I e IV.

C) III e IV.

D) I, II e III.

E) II, III e IV.

Resolução desta questão na plataforma.

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