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Brasil Contemporâneo
Autor: Profa. Deborah Hornblas Travassos
Colaboradores: Prof. Maurício Felippe Manzalli
Prof. Gabriel Lohner Gróf
Professora conteudista: Deborah Hornblas Travassos
Economista pela Fundação Armando Alvares Penteado – Faap, especialista em História Econômica do Brasil pela
Universidade de São Paulo – USP, mestre e doutora em Antropologia da Religião também pela USP. Atualmente
é professora da UNIP no curso de Ciências Econômicas, coordenadora de pós‑graduação em Economia e Relações
Internacionais pela Faap e professora de Economia na Fatec São Paulo.
CDU 33(81)
A-XVIII
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Giovanna Oliveira
Lucas Ricardi
Sumário
Formação Econômica do Brasil Contemporâneo
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9
Unidade I
1 DA CRISE DA DÉCADA DE 1930 AO ESTADO NOVO 1930‑1954................................................... 11
1.1 A crise de 1929 e as suas consequências para a economia brasileira............................. 11
1.2 A Revolução de 1930 – o fim da Velha República e o início da era
Getúlio Vargas................................................................................................................................................ 13
1.2.1 A Revolução de 1930............................................................................................................................. 13
1.3 A política econômica de salvação do café da Nova República.......................................... 14
1.4 As teorias que explicam a industrialização do Brasil.............................................................. 17
1.4.1 Teoria dos Choques Adversos.............................................................................................................. 17
1.4.2 Ótica da Industrialização Liderada pelas Exportações.............................................................. 19
1.4.3 Capitalismo Tardio................................................................................................................................... 20
1.4.4 Ótica da Industrialização Promovida Intencionalmente por Políticas
do Governo............................................................................................................................................................ 20
1.5 Avaliação do desempenho do setor industrial em períodos controvertidos................ 21
1.6 A industrialização da cidade de São Paulo................................................................................. 21
1.7 A história de Delmiro Gouveia......................................................................................................... 22
1.8 Algumas histórias de famosos grupos industriais brasileiros de São Paulo.................. 23
1.8.1 A indústria Matarazzo............................................................................................................................ 23
1.8.2 O grupo Votorantim................................................................................................................................ 24
1.9 O modelo de substituição de importações................................................................................. 25
1.10 A Revolução de 1932........................................................................................................................ 27
2 OS ANOS DE 1934 A 1937............................................................................................................................ 28
2.1 A democracia de Getúlio Vargas..................................................................................................... 28
2.2 O Estado Novo (1937‑45).................................................................................................................. 30
2.3 A censura no Estado Novo................................................................................................................ 31
3 A SEGUNDA GUERRA E O ESTADO NOVO – 1939‑1945.................................................................. 32
3.1 O Brasil e a Segunda Guerra Mundial........................................................................................... 34
3.2 A economia brasileira durante o período da Segunda Guerra........................................... 34
3.3 O Brasil e a criação da CSN............................................................................................................... 37
3.4 O fim do Estado Novo......................................................................................................................... 38
4 O GOVERNO DUTRA (1946‑51)................................................................................................................... 39
4.1 Política Econômica do Governo Dutra......................................................................................... 40
4.2 O Plano Salte........................................................................................................................................... 43
4.3 O último governo de Getúlio Vargas (1951‑54)....................................................................... 43
4.3.1 Carta‑testamento.................................................................................................................................... 44
4.4 A economia do Governo Vargas de (1951‑54).......................................................................... 46
4.5 A interpretação da vocação agrária versus a interpretação
desenvolvimentista...................................................................................................................................... 49
Unidade II
5 DO GOVERNO DE CAFÉ FILHO (1954‑55) AO GOVERNO DE JÂNIO
QUADROS (1961).................................................................................................................................................. 57
5.1 O governo de Café Filho..................................................................................................................... 57
5.1.1 A gestão de Gudin................................................................................................................................... 57
5.1.2 A gestão Whitaker................................................................................................................................... 58
5.2 O governo de Juscelino Kubitschek (1956‑60)......................................................................... 59
5.2.1 A eleição de JK.......................................................................................................................................... 60
5.2.2 O programa de obras públicas e a construção de Brasília...................................................... 63
5.2.3 O Plano de Metas..................................................................................................................................... 64
5.2.4 Análise do resultado do Plano de Metas........................................................................................ 69
5.2.5 Os pontos positivos do Plano de Metas......................................................................................... 70
5.2.6 Os pontos negativos do Plano de Metas........................................................................................ 71
5.2.7 Outros indicadores econômicos do período................................................................................. 72
5.2.8 O final do governo de JK...................................................................................................................... 75
5.3 O governo de Jânio Quadros (janeiro de 1961 a agosto de 1961).................................... 77
5.3.1 A economia do governo Jânio Quadros......................................................................................... 79
5.3.2 A crise política do governo de Jânio Quadros............................................................................. 80
5.4 Do governo João Goulart (1961‑63) ao golpe de 1964........................................................ 82
5.4.1 O governo de João Goulart (1961‑63)............................................................................................ 82
5.4.2 A economia do período Jango (1961 a março de 1964)......................................................... 83
5.5 A Cepal e suas principais diretrizes................................................................................................ 84
6 A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO NA AMÉRICA LATINA................................................................. 85
6.1 A tese de Raul Prebisch....................................................................................................................... 85
6.2 Estratégias de desenvolvimento para a América Latina........................................................ 87
6.3 A tese de Hans Singer.......................................................................................................................... 90
6.4 Limites da industrialização para a Cepal..................................................................................... 91
6.5 O Plano Trienal....................................................................................................................................... 91
6.5.1 Metas do Plano Trienal.......................................................................................................................... 92
6.5.2 As reformas de base................................................................................................................................ 93
6.5.3 A receptividade ao Plano...................................................................................................................... 94
6.5.4 O fracasso do Plano Trienal................................................................................................................. 95
6.6 A iminência do Golpe de 1964........................................................................................................ 96
6.6.1 A cronologia do Golpe........................................................................................................................... 97
Unidade III
7 OS GOVERNOS MILITARES DE CASTELO BRANCO (1964‑67) E EMÍLIO
GARRASTAZU MÉDICI (1969‑73).................................................................................................................105
7.1 O governo de Castelo Branco (1964‑67)...................................................................................105
7.2 A sociedade brasileira durante a Ditadura Militar.................................................................107
7.3 O Paeg......................................................................................................................................................108
7.3.1 Medidas de combate à inflação.......................................................................................................108
7.3.2 A reforma tributária..............................................................................................................................109
7.3.3 Reforma monetária............................................................................................................................... 110
7.3.4 Política salarial.........................................................................................................................................111
7.3.5 Política externa.......................................................................................................................................112
7.4 O governo de Costa e Silva (1967‑69)........................................................................................113
7.4.1 A economia durante o governo de Costa e Silva..................................................................... 114
7.4.2 Aumento da intervenção governamental...................................................................................116
7.4.3 Aumento das exportações.................................................................................................................116
7.4.4 Financiamento externo.......................................................................................................................117
7.4.5 Inflação......................................................................................................................................................117
7.4.6 Investimento estrangeiro...................................................................................................................117
7.4.7 Política salarial e distribuição de renda........................................................................................ 118
7.4.8 O fim do governo de Costa e Silva.................................................................................................118
7.5 O governo de Emílio Garrastazu Médici (1969‑73)..............................................................118
7.5.1 A economia do governo Médici.......................................................................................................121
7.5.2 O fim do governo Médici....................................................................................................................121
7.6 O primeiro Choque do Petróleo e sua influência na economia brasileira....................121
8 O GOVERNO DE ERNESTO GEISEL (1974‑79)......................................................................................123
8.1 A economia durante o governo Geisel.......................................................................................125
8.1.1 O II PND.................................................................................................................................................... 126
8.1.2 O Programa do Proálcool................................................................................................................... 126
8.1.3 Obras do II PND..................................................................................................................................... 127
8.1.4 Resultados do II PND........................................................................................................................... 127
8.1.5 Estatização............................................................................................................................................... 128
8.1.6 Inflação..................................................................................................................................................... 129
8.1.7 Política e sociedade.............................................................................................................................. 130
8.2 O segundo Choque do Petróleo.....................................................................................................131
8.3 O governo de João Baptista Figueiredo (1979‑85)...............................................................132
8.3.1 O caso Riocentro................................................................................................................................... 134
8.3.2 A economia do governo Figueiredo.............................................................................................. 134
8.3.3 O III PND................................................................................................................................................... 135
8.3.4 As negociações com o FMI................................................................................................................ 136
8.3.5 A retomada do crescimento em 1984.......................................................................................... 137
8.3.6 Vamos rever algumas causas possíveis da inflação................................................................ 138
8.4 O movimento Diretas Já e a transição democrática.............................................................139
8.5 O fim do governo Figueiredo e da Ditadura Militar no Brasil...........................................141
APRESENTAÇÃO
O livro‑texto que ora apresentamos destina‑se aos estudos da formação econômica do Brasil
contemporâneo no período que vai de 1930 a 1980. O objetivo é levá‑lo à compreensão das mudanças
das políticas econômicas no período e ao entendimento de como elas influenciarão a economia brasileira
em tempos atuais. Essas informações serão muito importantes nas tomadas de decisões na sua vida
profissional, pois só podemos entender o presente se tivermos compreensão do passado.
Percorreremos o período proposto abordando com ênfase a política econômica, mas sem esquecer
aspectos políticos e sociais de relevância para o período, pois sem uma contextualização política,
histórica e social, ficaria muito difícil entendermos a economia.
• Exercícios comentados.
• Tópicos para refletir, nos quais convidamos você a pensar sobre assuntos da atualidade.
• A seção Saiba Mais, na qual indicamos filmes e livros que, de alguma forma, complementam os
temas investigados. Não deixe de explorar essas sugestões; garantimos que você irá ampliar seu
conhecimento sobre os temas apresentados e que isso será extremamente útil, não apenas na
questão específica da disciplina, mas na sua vida profissional.
INTRODUÇÃO
Abordaremos o período que vai da Revolução de 1930 até o fim da Segunda Guerra Mundial
(1939‑45), o processo de industrialização do País e as teorias que explicam esse processo, as políticas
econômicas do governo Getúlio Vargas e a nova inserção do Brasil no mundo através do Modelo de
Substituição de Importações até o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954.
Na sequência estudaremos o período que vai do governo interino de Café Filho até o período em que
Juscelino Kubitschek foi presidente e implantou o Plano de Metas, importante plano de modernização
do Brasil. Estudaremos o período que vai de 1961 a 1964, que abrange o governo de Jânio Quadros até
sua renúncia e o governo de João Goulart, seu Plano Trienal e sua abordagem baseada nos princípios
da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe). Preocuparemo‑nos com o modelo de
substituição de importações adotado nesse período e suas contradições macroeconômicas.
9
Por fim, trataremos do período militar, desde o Golpe até as crises econômicas da década de
1970 (primeiro e segundo Choques do Petróleo). Estudaremos os planos econômicos da época desde
o Paeg, passando pelo Milagre Econômico e pelo segundo PND. Preocuparemo‑nos, então, com os
desequilíbrios macroeconômicos que marcaram profundamente o período, como a escalada da inflação,
o endividamento externo e o processo de modernização do País.
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FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Unidade I
O FIM DA VELHA REPÚBLICA, A INDUSTRIALIZAÇÃO E O ESTADO NOVO DE
GETÚLIO VARGAS (1937‑1945)
A seguir estudaremos a tumultuada década de 1930 no Brasil. Esse período foi profundamente marcado
por mudanças estruturais, desde o fim de sua inserção como país prioritariamente primário‑exportador
e o início da industrialização até grandes mudanças na política, com o fim da Velha República e a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder.
Todas essas mudanças iniciam‑se com a maior crise que o capitalismo já vivenciou e que ocorreu nos
Estados Unidos em 1929. Falamos da quebra da bolsa de Nova York, que disseminaria a crise por todo o
mundo – uma calamidade econômica que, logicamente, atingiria profundamente o Brasil.
Então vamos recordar o que foi a crise de 1929 e como ela afetou o Brasil: após a Primeira Grande
Guerra (1914‑18), os Estados Unidos apresentaram um profundo enriquecimento graças à venda de
armas e bens de consumo duráveis aos seus aliados na Europa (Tríplice Aliança). Não podemos esquecer
que os norte‑americanos só se envolveram diretamente na Guerra em 1917 (faltava apenas um ano
para o fim do conflito). Assim, podemos afirmar que a guerra em nenhum momento ocorreu em solo
americano e os EUA não perderam civis, fábricas ou plantações, bem diferente do que havia ocorrido nos
quatro longos anos de batalhas na Europa, que teve seu território devastado, suas fábricas bombardeadas,
sua agricultura destruída e parte de sua população dizimada.
Podemos inferir, desse triste panorama, que a Europa, tanto os países que perderam quanto os que
venceram, teriam tido imensas dificuldades em seu processo de reconstrução.
Já na década de 1920, os EUA, por sua vez, se tornaram uma nação enriquecida e com uma economia
muito aquecida. Esse aquecimento refletia‑se na produção de bens industrializados e agrícolas, sob
um regime de padrão‑ouro, e taxas de juros baixas. Além disso, a partir desse período, o governo
estadunidense passou a adotar uma política de empréstimos externos que visava tanto aos países
destruídos pela guerra como aos países pouco desenvolvidos, como era o caso do Brasil, nessa longínqua
década de 1920.
Esse clima de euforia econômica refletiu‑se na bolsa de valores. O sistema monetário baseado no
ouro impedia que houvesse inflação, mesmo com taxas de juros baixas, a demanda mundial estava
aquecida, era um ambiente muito propício à especulação, como vemos na fala do economista Galbraith:
11
Unidade I
2
Craque da Bolsa
1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942
Figura 1
Observação
O colapso da economia foi inevitável, eram inúmeras as empresas fantasmas, a especulação estava
incontrolável, os estoques se avolumavam. A venda generalizada de ações por pânico em virtude da
perda de confiança alastrou‑se sem controle.
A quebra da bolsa de valores de Nova York de 1929 tornou‑se uma verdadeira tragédia; fortunas se
desfizeram do dia para a noite, empresas faliram, houve desemprego em massa, enfim, os anos que se
seguiram ao episódio não seriam nada fáceis. Estava iniciada a Grande Depressão.
Saiba mais
12
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
E o que o Brasil tinha a ver com isso? Muito. Lembre‑se: o maior comprador do café produzido pelo
País eram os Estados Unidos, além disso, o governo brasileiro, junto com os cafeicultores, financiava a
lavoura de café com empréstimos externos desde 1906, durante os acordos firmados no Convênio de
Taubaté (FURTADO, 1984).
Como havia ocorrido nos países mais ricos, o padrão‑ouro não havia resistido à Primeira Guerra, mas
foi retomado mais tarde, com a Caixa de Estabilização, experiência que só durou até 1929.
Observação
Com a quebra da bolsa, os EUA imediatamente pararam de comprar o café brasileiro (o café é um
bem supérfluo) e pararam de emprestar dólares para que o governo brasileiro comprasse o excedente
de café. A crise foi exportada para o nosso país e parecia que tínhamos entrado em um beco sem saída.
A Revolução de 1930 ocorreu em 24 de outubro e foi um movimento armado que impediu que o
novo presidente da República, Júlio Prestes, assumisse o poder. A sucessão à presidência proposta pelo
último presidente do Brasil, Washington Luís, estava atrelada à crise no setor cafeeiro, e esse último
presidente era paulista e cafeicultor.
Pela lógica da “Política do Café com Leite”, que existia na Velha República, o indicado para a sucessão
deveria ser um mineiro. Porém, devido à profunda crise de 1929, Washington Luís achou por bem indicar
outro cafeicultor, Júlio Prestes, rompendo com a política anterior.
Nas eleições de 1930, São Paulo e Minas Gerais romperam os acordos de alternância à presidência
desde o início da república. Isso ocorreu frente à indicação de Júlio Prestes em detrimento do mineiro
Antônio Carlos de Andrada, que era então presidente do estado de Minas Gerais.
Formou‑se no período a Aliança Liberal liderada pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande
do Sul, insatisfeitos com os rumos políticos do País. O clima político tornou‑se muito tenso frente à
acusação de fraude eleitoral contra o governo de São Paulo, pois a vitória de Júlio Prestes à presidência
foi acusada de fraudulenta.
O clima chegou a seu ápice com o assassinato do paraibano João Pessoa, indicado a vice‑presidente
de Getúlio Vargas. Houve uma revolta armada que como consequência derrubou Washington Luís, e
assim iniciou‑se a Nova República e teve fim a hegemonia do poder da oligarquia cafeeira paulistana.
13
Unidade I
Getúlio Vargas, que anteriormente havia sido ministro da Fazenda de Washington Luís e era presidente
do estado do Rio Grande do Sul, assumiu a chefia do “Governo Provisório” em 3 de novembro de 1930.
Figura 2
Saiba mais
Veja o documentário:
Com a crise mundial deflagrada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, a situação da
economia cafeeira ficou em situação muito grave. Tornara‑se impossível conseguir crédito no exterior
para financiar a compra de novos estoques.
A liquidação das resevas metálicas somada à ausência de compradores de café levou a uma grande
queda de preço do produto, a baixa foi de 22,5 centavos de dólares por libra para 8 centavos (FURTADO,
1984, p. 187).
Observação
14
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Além disso, a desvalorização da moeda, ao estimular a venda de café, induzia o cafeicultor a continuar
colhendo café. Isso levava à maior baixa de preços e à nova depreciação da moeda nacional.
A pergunta que o novo governo implantado por Getúlio Vargas passa a enfrentar é: como lidar
com os estoques sem acesso a recursos externos? Era evidente que o execedente de produção não seria
escoado em um tempo hábil, a resposta seria destruir o execedente das colheitas, queimado‑os.
Essa atitude do governo da Nova República foi de extrema importância para condução da economia
brasileira em periodo de crise tão profunda. Ao queimar o execedente de café e, com isso, regular
o preço do produto, estava‑se na realidade mantendo‑se o nível de emprego que afetava não só o
mercado externo, mas também o mercado interno, reduzindo‑se, assim, os efeitos multiplicadores de
desemprego sobre os demais setores da economia (FURTADO, 1984).
O choque externo sobre a economia brasileira afetou a moeda e o balanço de pagamentos, vejamos
a seguir alguns indicadores:
15
Unidade I
Com a desvalorização da moeda nacional, somada à manutenção do emprego por meio da proteção
do setor exportador, podemos afirmar que os interesses ligados à indústria nacional ficaram protegidos,
pois os produtos importados ficaram muito caros e os industriais tinham acesso a insumos relativamente
baratos, além da manutenção do poder de compra, que era formado basicamente por aqueles que direta
ou indiretamente estavam ligados ao setor cafeeiro.
Outra questão fundamental sobre o período refere‑se ao pagamento da dívida externa que o Brasil
tinha com os bancos internacionais. Em função da crise, é lógico que o País passou a ter enormes
dificuldades para honrar o seus comprimissos com os bancos internacionais.
Um funding loan parcial foi negociado em 1931, e a negociação foi unilateral da parte do Brasil:
Observação
Conforme nos conta Abreu (1990), o primeiro funding loan foi uma
medida econômica tomada por Campos Sales durante a República Velha,
em 1989, durante a crise do encilhamento. Essa medida estabelecia a
concessão de emprétimos de 10 milhões de libras esterlinas, a ser utilizado
para o pagamento dos juros da dívida externa brasileira, nos três anos
seguintes – houve concessão de mais 10 anos para o pagamento da dívida.
Em resumo, funding loan significava dar um prazo maior para o pagamento
da dívida por meio de um novo empréstimo.
Como vemos na citação de Abreu (1990), o acordo não era bom para os Estados Unidos, que tinham
grande participação nas dívidas estaduais e municipais. Assim, havia uma tensão entre as relaçãoes
entre EUA e o Brasil.
16
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Analisando sob a ótica de Celso Furtado (1984) a Política e Salvação do Café adotada por Vargas,
podemos afirmar que foi um período no qual o Brasil caminhou por uma contramão histórica, ou
seja, enquanto o mundo enfrentava uma crise sem preedentes, no Brasil iniciava‑se o processo de
modernização por meio da industrialização.
Isso significa que a demanda agregada que foi sustentada pela manutenção da compra do
excedente cafeeiro, a desvalorização da moeda nacional que protegia o mercado interno e, portanto,
a indústria nascente levaram ao abandono paulatino por parte do País de um modelo unicamente
primário‑exportador para um modelo de desenvolvimento baseado na indústria.
Nesse item estudaremos quatro teorias que procuram entender como se deu o processo de
industrialização do Brasil. São teses estudadas por importantes economistas brasileiros e um brasilianista.
Uma das teorias mais aceitas é a dos Choques Adversos, defendida por Celso Furtado e pelos teóricos
da Cepal.
Essa teoria parte do princípio de que a industrialização brasileira ocorreu como resultado de estímulos
à produção industrial provenientes de dificuldades no comércio internacional e de implementação de
políticas internas expansionistas.
É o caso que acabamos de estudar. A crise dos anos 1930 representou não um retrocesso, mas um
importante avanço da modernização do País, por meio da industrialização como reação à derrocada da
economia cafeeira (FURTADO, 1984).
É lógico que como todas as teorias, a dos Choques Adversos também é passível de críticas;
um dos mais importantes dados que questionam a validade dessa teoria para todo o período
que abrange a industrialização do Brasil refere‑se à não identificação de um crescimento
industrial induzido pelas exportações no período que antecede a década de 1930, como
podemos observar na tabela a seguir, em momentos de crise como em 1914 (início da Primeira
Guerra). Nesse período, de fato, a indústria decresce em relação ao ano anterior, indo contra os
princípios dos choques adversos. A tabela também aponta para a existência de uma indústria,
mesmo que incipiente.
17
Unidade I
Observe a tabela seguinte, que contabiliza empresas de máquinas, oficinas mecânicas e fundições
no estado de São Paulo no ano de 1917, ou seja, bem antes de 1930, mostrando a diversidade e a
quantidade, já bastante considerável, de fábricas no Brasil:
18
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Ótica defendida pelo brasilianista Warren Dean, parte do princípio de que a origem do crescimento
inicial da indústria brasileira relaciona‑se linearmente com as exportações. O crescimento do setor
exportador implicaria, pois, uma expansão do mercado interno e das importações de maquinaria, e
se traduziria em um aumento dos investimentos industriais. Uma retração no setor exportador, ao
contrário, provocaria uma redução nesses investimentos.
Apesar do que vimos nas tabelas anteriores, de fato, havia indústria antes de 1930. Essa expansão é
bem menor e menos importante do que a observada após 1930, assim essa teoria consegue explicar a
indústria pré‑1930, mas não o aumento da produção industrial que ocorreu após a crise de 1929 (DEAN,
1976). Podemos observar isso na tabela a seguir:
19
Unidade I
A emergência e a evolução de uma indústria manufatureira em São Paulo são analisadas por essa teoria
como uma etapa do desenvolvimento de uma economia agrícola exportadora capitalista e determinada,
portanto, em primeiro lugar, por fatores internos. A libertação da escravatura tem importante papel no
processo de inserção do País no modo capitalista de produção, pois só haverá capitalismo se houver mão
de obra assalariada e, por sua vez, só haverá mão de obra assalariada em escala importante se houver
indústria (MELLO, 1982).
Como nas outras teorias analisadas até aqui, a crítica que podemos fazer sobre essa análise é que ela,
assim como a teoria dos Choques Adversos de Celso Furtado, subestima a diversidade industrial ocorrida
no período antes de 1930.
Essa ótica dá ênfase à proteção concedida à indústria como um fator que teria propiciado a
emergência e o desenvolvimento de um setor manufatureiro num país agrícola exportador, identificando
ainda ciclos alternados de investimento e de produção, determinados por alterações na taxa de câmbio
(VERSIANI, 1975).
Como critica a essa teoria podemos dizer que partir sempre do pressuposto de que o governo
esteve disposto a proteger a indústria seria uma precipitação. Não há nenhuma comprovação de
que o Estado brasileiro teria promovido uma política explicitamente protecionista no período que
antecede a Primeira Guerra.
20
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Podemos fazer breves análises sobre a industrialização do País a partir das teorias brevemente descritas:
a despeito de uma expansão industrial relevante na década de 1930, a gênese da industrialização é
anterior a esse período, há não uma só indústria nascente no período, ela apresenta alguma diversificação.
Como vimos na teoria de Maria Teresa Versiani, que defende a ideia que a indústria teria sido promovida
por políticas públicas que teriam o intuito de proteção à produção industrial brasileira, se isso não se
confirma, mesmo que “meio sem querer”, também acabou por estimular a modernização do país.
Enfim, podemos dizer que as quatro teorias se adequam a períodos específicos que vão da proclamação
da República do Brasil até a Segunda Grande Guerra (1939‑45).
Saiba mais
Assista ao filme:
A cidade de São Paulo foi palco de um crescimento extraordinário, de uma pequena vila com pouco
mais de 31.000 moradores em 1870, a cidade já contava com uma população de em torno de 70 mil
habitantes no período entre 1870 e 1890 (SÃO PAULO, [s.d.]).
Os números da entrada de imigrantes pela cidade de São Paulo são surpreendentes. Vejamos alguns
registros da entrada de pessoas vindas principalmente da Itália, mas também de outros países europeus
como Portugal, Espanha e Alemanha:
21
Unidade I
Tabela 5
Ano Imigrantes
1886 9.536
1887 32.112
1888 92.086
1889 27.893
1890 28.291
1891 108.736
A industrialização de São Paulo não teria ocorrido se não fosse o capital cafeeiro. As primeiras
tentativas de industrialização do Brasil não aconteceram no sudeste cafeeiro, mas sim no Nordeste,
contudo essas experiências acabaram não tendo resultados positivos, fundamentalmente pela ausência
de um mercado interno, já que se tratava de uma região muito pobre e na qual faltava uma infraestrutura
que desse apoio a essa indústria, como transporte e energia.
Vejamos uma história sobre essa tentativa de industrialização do Nordeste no século XIX.
Delmiro Gouveia, nascido no Ceará em meados do século XIX, foi o primeiro empresário a empregar,
em 1913, a energia hidráulica da queda de Angiquinho na cachoeira de Paulo Afonso a fim de colocar
em funcionamento as máquinas de sua indústria, que se chamava Companhia Agro Fabril Mercantil,
instalada na cidade de Recife, em Pernambuco.
Em 1914, Gouveia inaugurou uma fábrica de linhas que passou a dominar o mercado brasileiro, mas
também atingiu mercados na América do Sul, como Argentina, Chile, Bolívia e Peru. Ainda nesse ano, o
empresário iniciou a construção de estradas para a circulação de seus produtos em Alagoas, onde residia
na época, fundando 520 km de vias carroçáveis, introduzindo, assim, pela primeira vez os automóveis
no sertão nordestino.
Gouveia viajou diversas vezes para os Estados Unidos e Europa, locais de onde trouxe a ideia do uso
da energia elétrica. Instalou‑se no distrito de Pedra, em Alagoas (atualmente o distrito chama‑se Delmiro
22
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Gouveia), próximo a Paulo Afonso, em 1909, e o distrito passou a contar com uma população de 5 mil pessoas
que tinham acesso a essa grande novidade que era a luz artificialmente produzida, além de água encanada,
esgoto, telefone, telégrafo, tipografia, capela, cinema, lavanderia, fábrica de gelo, armazéns e escolas.
A fábrica trouxe muitos empregos, fundando a primeira vila operária no sertão. Os moradores da vila
não pagavam pela água e pela energia elétrica, mas não podiam jogar lixo nas ruas, beber nada alcoólico
ou portar armas.
Três anos após a inauguração da fábrica, Delmiro Gouveia foi assassinado a tiros aos 54 anos
em circunstâncias que nunca foram esclarecidas. Pressupõe‑se que toda essa modernidade deva ter
incomodado os coronéis dos grandes latifúndios nordestinos, que pretendiam manter a população na
pobreza e, consequentemente, na ignorância, e assim assegurar seu curral eleitoral, além de garantir uma
mão de obra barata e abundante. Termina assim muito rapidamente a mais bem‑sucedida experiência
de industrialização do Nordeste brasileiro (A HISTÓRIA..., [s.d.]).
Saiba mais
Leia o seguinte livro, para iniciação aos assuntos ligados à vida e obra
do empreendedor nordestino:
Ao contrário do que muitos pensam, Francisco Matarazzo, quando chegou ao Brasil, em 1881, não
era pobre e uma pessoa de pouca instrução. Ele tinha educação superior e experiência no comércio
trazida da Itália. O conde Matarazzo se estabeleceu inicialmente na cidade paulista de Sorocaba, no
comércio de banha de porcos, e anos depois mudou‑se para a capital São Paulo, onde fundou uma
empresa que importava farinha de trigo e toucinho.
23
Unidade I
Em 1900, com crédito obtido no British Bank of South America, construiu o primeiro moinho a vapor
em São Paulo e em 1904 fundou uma fábrica têxtil. Além disso, foi proprietário de uma fábrica de azeite,
fósforos, massas, velas, conservas, caixas de madeira, tipografia, cerâmica etc.
Em 1930, o nome da família Matarazzo era sinônimo de riqueza e êxito empresarial (REGO, 2014).
Em 1892, o português Antônio Pereira Ignácio deu início à sua carreira industrial como retalheiro e
fundou uma empresa de beneficiamento de algodão.
O empresário esteve nos Estados Unidos, onde se aperfeiçoou e, com os lucros obtidos na sua fábrica,
adquiriu uma fábrica de cimento.
Em 1917, adquiriu a empresa têxtil Votorantim, segunda maior empresa do ramo em São Paulo,
e acabou por obter o controle de 17% das algodoarias do estado de São Paulo. Em 1925, o genro de
Pereira Ignácio, J. Ermírio de Moraes, tornou‑se diretor‑gerente da companhia Votorantim e, depois, seu
único proprietário (REGO, 2014).
Esse grupo que surgiu em São Paulo, do lado das indústrias Matarazzo, Crespi, Klabim, Jafet etc., se
tornou um símbolo da industrialização e do desenvolvimento de São Paulo.
Figura 3
Saiba mais
Leia o texto:
24
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Após a crise de 1930, a indústria brasileira passou à forma que comumente chamamos de PSI, ou
seja, Processo de Substituição de Importações.
Como escreveu Celso Furtado, a maneira como o Brasil enfrentou a crise de 1930 fez com que se
deslocasse o centro dinâmico da economia brasileira. Ou seja, o elemento essencial deixou de ser a
demanda externa (típica de economias primário‑exportadoras) e passou a ser a atividade industrial, que
é obviamente nesse período voltada para o mercado interno.
Apesar do nível de renda ser mantido, com a Política de Salvação do Café, persistiam os constantes
desequilíbrios no balanço de pagamentos brasileiros causados fundamentalmente pela queda na
exportação do café. A renegociação da dívida externa brasileira e a desvalorização da moeda nacional
aliviaram a pressão sobre o balanço.
Porém, a desvalorização da moeda nacional causou forte elevação nos preços dos bens importados;
isso teve o poder de tornar os produtos nacionais mais atraentes, estimulando o seu consumo pelo
mercado interno. Essa rentabilidade tornou o setor mais dinâmico e passou a atrair investimentos tanto
do próprio setor cafeeiro como de outros setores também. Esse é o deslocamento do centro dinâmico
citado por Furtado (GREMAUD, 2002).
Podemos afirmar, portanto, que a industrialização do Brasil na década de 1930 se deu pelo processo
de substituição de importações.
Observação
São:
• A industrialização, nesse caso, é fechada, ou seja, voltada para dentro. Visa fundamentalmente
atender o mercado interno.
• Desvalorização do câmbio: desvalorizando o câmbio, o produto importado fica muito caro, o que
por si só acaba se constituindo como protetor da indústria nacional. A vantagem da desvalorização
do câmbio é que indiretamente acaba também favorecendo o setor exportador, gerando mais
25
Unidade I
recursos para estimular a indústria nacional. Contudo, a desvantagem é que o país fica dependente
de tecnologia e de bens de capital dos quais ele não tem autonomia e cujos preços geralmente
ficam extremamente altos, pois são importados.
• Elevação das tarifas de importação: as tarifas de importação são elevadas, obtendo‑se, dessa
forma, um efeito protecionista sobre alguns produtos pré‑definidos pelo governo. Esses produtos
são aqueles que podem ser produzidos internamente e aos quais aplicam‑se tarifas mais baixas
para bens que o país não tenha possibilidade de produzir (GREMAUD, 2002).
Por exemplo: se desenvolvemos a indústria de bens alimentícios por meio de medidas protecionistas,
por outro lado são necessárias mais máquinas para mecanizar o setor e tornar a produção mais eficiente.
Se não possuímos a tecnologia para construir essas máquinas, obrigatoriamente teremos de adquiri‑las
fora do país, daqueles que possuem essa tecnologia. Isso cria um paradoxo: apesar de o governo
eventualmente poder nos beneficiar com isenção de tarifas aduaneiras, a moeda nacional continua
desvalorizada, assim, pagaremos caro por esses equipamentos e esses preços terão de ser repassados ao
consumidor final, limitando o avanço da demanda.
O Estado precisa também criar infraestrutura, como fornecimento de energia, água, saneamento
e meios de escoamento da produção, como estradas, portos etc. O governo brasileiro também se viu
obrigado a fornecer insumos básicos à produção com a fundação da CSN (Companhia Siderúrgica
Nacional) e a Companhia Vale do Rio Doce, além da própria Petrobras (GREMAUD, 2002).
Podemos inferir que, devido ao excesso de protecionismo, as indústrias criadas por meio desse modelo
tendem a ser mais ineficientes, pois além da proteção, não contam com uma concorrência expressiva.
Esse modelo não permite a inserção de grupos ou pessoas pouco capitalizadas, dando oportunidade
apenas àqueles que contam com quantias maiores de dinheiro ou financiamento (GREMAUD, 2002).
26
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Lembrete
São Paulo deixou de apoiar governo de Getúlio Vargas, constituindo um partido denominado Frente
Única, que exigia o fim da ditadura do governo provisório de Vargas. A revolta contra o governo era
uma reação contra a derrubada de Júlio Prestes, que havia tido em 1930 o voto de 90% dos paulistanos.
O estopim da revolta se deu quando, em 23 de maio, quatro dos cinco jovens que formavam o
chamado MMDC (Martins, Miraguaia, Dráuzio, Camargo e Alvarenga) foram assassinados por partidários
de Getúlio Vargas. Ao movimento liderado pelo MMDC se uniram o PRP (Partido Republicano Paulista)
e o Partido Democrático.
Apesar de Getúlio Vargas já ter estabelecido que haveria eleições para uma nova Assembleia
Nacional Constituinte e nomeado um interventor paulista, os paulistas continuavam insatisfeitos com
as constantes interferências do governo federal e não evitaram o conflito.
Na figura a seguir, podemos observar um cartaz confeccionado na época e espalhado pela cidade
de São Paulo, que convocava os paulistas a lutarem na Revolução de 1932 contra o governo federal,
pegando em armas e citando o grupo MMDC:
Figura 4
27
Unidade I
Em setembro de 1932, as condições de São Paulo eram muito precárias, assim, as tropas gaúchas
acabaram por ocupar a cidade de São Paulo. Terminado o conflito, muitos revolucionários se exilaram e
o saldo de mortos foi bastante significativo – oficialmente foram 634 mortos.
O saldo, porém, não foi totalmente negativo: a Revolução marcou o início do processo de
democratização, pois em 3 de maio de 1933 foram realizadas eleições para a Assembleia Nacional
Constituinte e isso levou à promulgação da Constituição brasileira de 1934 (REVOLUÇÃO..., [s.d.]).
Uma nova Constituição foi promulgada em 16 de julho de 1934, promovendo vários avanços na
democracia brasileira, como a proteção aos trabalhadores, o voto feminino e a obrigatoriedade do
ensino primário (que atualmente denominamos fundamental).
Também foi criada através da nova Constituição uma Justiça do Trabalho que se adequava aos novos
ritmos de tempo de trabalho urbano assalariado do País, como a criação da jornada de oito horas diárias
de trabalho, repouso semanal e férias remuneradas. Getúlio Vargas se reelegeu nesse mesmo ano por
meio do voto democrático, se legitimando no poder após o golpe de 1930.
28
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Esse período pode ser considerado um interregno democrático que antecedeu o golpe do Estado
Novo de 1937, porém, apesar desses avanços, foi uma época politicamente muito conturbada. Dentre
as crises políticas que nela houve podemos citar a Intentona Comunista de 1935 promovida pela ALN
(Aliança Nacional Libertadora), que tinha como base ideológica o socialismo, cujos líderes eram Luiz
Carlos Prestes e sua esposa Olga Benário Prestes.
Saiba mais
Assista ao filme:
OLGA. Dir. Jayme Monjardim. Brasil: Europa Filmes; Globo Filmes, 2004.
141 minutos.
Economicamente, esse período foi marcado pelo alívio do balanço de pagamentos, porém havia
uma pressão dos empresários norte‑americanos para que houvesse um regime de câmbio preferencial
no Brasil:
No início de 1935, em função da gravidade da crise cambial, foi proposta pelo presidente do Banco
do Brasil a suspensão do pagamento do serviço da dívida externa. Para minimizar essa crise com os EUA,
o então ministro da Fazenda, Sousa Costa, comprometeu‑se a liberalizar o regime de câmbio e manter
o serviço da dívida. Com essa política mais liberal, as exportações se expandiram em 20% entre 1935 e
1936, enquanto as importações mantiveram‑se constantes.
As dificuldades eram muitas, mas a economia do Brasil crescia em torno de 6,5% ao ano entre 1934
e 1937. O encarecimento das importações permitiu o uso da capacidade ociosa na indústria.
Nesse período, embora se iniciasse uma lenta recuperação da economia mundial, a política de
compra e queima do café ainda permanecia, o que assegurava o preço da saca.
29
Unidade I
Em relação aos resultados comparados entre crescimento industrial e agrícola, nota‑se que a
agricultura teve no período um desempenho medíocre, crescendo pouco mais de 2% ao ano, enquanto
a indústria cresceu em média 11% ao ano (ABREU, 1990).
Em termos de política internacional, o governo apresentava uma aproximação cada vez maior com
a Alemanha e um distanciamento dos Estados Unidos. Getúlio Vargas aparentemente se sentia mais
confortável com os princípios ideológicos de uma direita não democrática que encontrava terreno fértil
na Alemanha após o fim da República de Weimer e a ascensão do governo nazista do Terceiro Reich, que
pregava uma gestão com princípios nacionalistas, intervencionistas e concentracionistas – princípios
esses que influenciariam o Estado Novo entre 1937 e 1945.
Logicamente, o maior comércio com a Alemanha não estava assentado somente em bases ideológicas,
mas também sobre a tensão com os Estados Unidos, desde a renegociação da dívida externa com os
norte‑americanos.
O mundo entrava em efervescência ideológica a partir da década de 1930 com a ascenção de diversas
ditaduras, principalmente na Alemanha, com a ideologia nazista conquistando cada vez mais adeptos,
e na Itália, com as ideias fascistas comandadas por Mussolini. As ideologias nazistas e fascistas eram
marcadas por forte sentimento nacionalista e pela centralização estatal.
No Brasil não era diferente, de um lado as greves se tornavam cada vez mais constantes com apoio
da ANL (Aliança Nacional Libertadora) e, de outro, havia grupos que defendiam doutrinas cada vez mais
próximas do nazi‑fascismo europeu, por meio da Ação Integralista Brasileira (AIB), organização fascista
liderada por Plínio Salgado.
Tornava‑se cada vez mais evidente a aproximação ideológica de Getúlio Vargas com a AIB e o
afastamento cada vez maior da ALN, que havia apoiado em 1930 a subida de Vargas ao poder.
O golpe do Estado Novo foi dado em 10 de novembro de 1937, inaugurando um período de profundo
autoritarismo no Brasil. O governo justificou o golpe alegando que havia uma ameaça comunista que
deveria ser debelada, dizendo que havia descoberto um documento denominado Plano Cohen, que
expunha a intenção de entregar o País aos comunistas soviéticos.
O Plano Cohen, de 1935, era um pressuposto plano que tinha por objetivo derrubar o presidente
Getúlio Vargas e propiciar aos comunistas a tomada do poder. No dia 30 de setembro de 1937, o general
Góes Monteiro, chefe do Estado‑Maior do Exército brasileiro, noticiou, no programa de rádio Hora do
Brasil, a descoberta de um plano arquitetado pelo Partido Comunista do Brasil que tinha como objetivo
derrubar o presidente. No dia seguinte, Getúlio Vargas anunciou que o Brasil estava em estado de
guerra, justificando, assim, o golpe de Estado.
Anos mais tarde, comprovou‑se que o plano nunca existiu, era uma farsa, que foi elaborada pelo
próprio governo com o objetivo de declarar o Estado Novo e, assim, manter Vargas no poder sem que
houvesse as eleições previstas na Constituição de 1934. Quem revelou a farsa foi o próprio general Góes
Monteiro.
O presidente foi assumindo uma postura ditatorial diante da aproximação com a Alemanha Nazista.
Na elaboração do falso Plano Cohen, Vargas mostrou uma proximidade com o grupo denominado
“Integralistas”, liderado por Filinto Muller, que pregava um extremo nacionalismo e a perseguição aos
comunistas.
O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) foi criado durante o período do Estado Novo.
O nome inocente não revelava as verdadeiras intenções desse órgão, que foi responsável não só pela
promoção do regime junto à população, mas também pela violenta censura aos órgãos de imprensa
e aos veículos de comunicação; a música, o cinema e as artes em geral foram vítimas de constante
perseguição por parte do DIP.
O governo do período foi marcado por um extremo populismo e pela fomentação de sentimentos
nacionalistas e, com isso, apesar de ser uma ditadura, conseguiu o apoio da população brasileira. Foi
instituído um sindicato oficial, vinculado ao Ministério do Trabalho, e proibida a organização sindical
não governamental. Assim, as relações entre trabalhadores e patrões ficavam sob o controle do Estado.
Por outro lado, em 1943, o governo consolidou as leis trabalhistas por intermédio da criação da CLT
(Consolidação das Leis Trabalhistas), que garantiu importantes direitos ao trabalhador, como o direito
ao descanso semanal remunerado, a férias, à jornada de trabalho de oito horas, ao salário mínimo, e
à regulamentação do trabalho feminino e dos menores de idade; assim, Vargas passou a ser chamado
nessa época de “Pai dos Pobres”.
esse foi o período da criação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), então símbolo maior de
desenvolvimento do País.
A Constituição de 1934 de caráter democrático foi derrubada e o governo outorgou outra Constituição,
baseada na Carta Polonesa – tanto que ficou conhecida como “A Polaca”. Era um conjunto de leis muito
mais autoritário, baseado nos princípios fascistas que tanto pareciam agradar ao presidente. Tratava‑se
de mais um profundo golpe na jovem democracia que havia sido uma promessa em 1934.
Por essa trajetória, pode‑se perceber que Getúlio Vargas era um camaleão da política: deu um golpe
em 1930, desrespeitando a Constituinte da época, pouco tempo depois, promulgou uma Constituição
democrática em 1934, ano em que assumiu o poder por vias legais e, finalmente, em 1937, deu outro
golpe de Estado, dessa vez instalando uma ditadura feroz que perseguiu e torturou seus inimigos
políticos, abandonando a Constituição democrática e substituindo‑a por outra de caráter fascista.
Como veremos mais adiante, Getúlio Vargas voltou ao poder em 1951, eleito democraticamente
e assumindo claramente uma postura de defesa das camadas menos favorecidas da população e se
afastando da burguesia industrial, o que o levou ao isolamento e finalmente a um trágico fim que
culminou com seu suicídio.
Não iremos, neste momento, entrar em detalhes de um conflito tão amplo e de enorme complexidade,
mas é interessante fazer um pequeno resumo dessa guerra para podermos entender a participação do
Brasil e como sua economia foi influenciada pelo maior conflito ocorrido no século XX.
Entretanto, voltando ao conflito na Europa, podemos afirmar que não foi uma guerra que começou
do dia para noite. Aliás, desde a assinatura do Tratado de Versalhes, em 1921, que, em função de suas
exigências muitas vezes inexequíveis, colocou a Alemanha em uma situação muito difícil, já se iniciava
uma situação de conflito na Europa.
Observação
32
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Na década de 1930, foi recorrente o surgimento de governos totalitários que eram nacionalistas e
militaristas. Na Alemanha, surgiu o nazismo, liderado por Adolf Hitler e, na Itália, o fascismo, liderado por
Benito Mussolini. Ambos os países enfrentavam graves crises econômicas desde o final da Primeira Guerra,
em 1918. Esses países, junto com o Japão, que tinha desejos expansionistas na Ásia, formaram o Eixo.
O início do conflito ocorreu em 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Os Aliados, formados
pela França, Inglaterra, URSS e EUA, declararam guerra à Alemanha.
O Eixo obteve importantes vitórias, conquistando Polônia, Ucrânia, Iugoslávia, Sudetos, França,
Noruega e parte do norte da África. O Japão também obteve êxito, invadindo o norte da China. Em 1941,
o Japão atacou a base naval de Pearl Harbor, nos Estados Unidos (Havaí), obrigando os norte‑americanos
a entrarem no conflito ao lado dos Aliados.
O Eixo começou a perder forças a partir de 1941 e as derrotas, a partir de então, se acumulariam. A
derrota na frente russa foi muito grave para o exército alemão, até o final da guerra com a vitória dos
Aliados, em 1945.
A Segunda Guerra Mundial foi marcada por eventos terríveis, como o genocídio praticado contra
judeus (seis milhões de mortos nos campos de concentração nazistas), o genocídio de ciganos (três
milhões de mortos nos campos de concentração nazistas) e o ataque atômico às cidades japonesas de
Hiroshima de Nagasaki em agosto de 1945, evento esse que encerrou definitivamente a Segunda Guerra.
Saiba mais
Assista ao filme:
33
Unidade I
Getúlio Vargas, como vimos anteriormente, havia assumido uma posição ideológica mais próxima
do Eixo do que dos aliados, porém essa posição se modificaria em 1942, quando algumas embarcações
brasileiras foram atingidas por submarinos alemães no Oceano Atlântico. Em função desse ataque, o
Brasil se aliou aos Estados Unidos. Ao nosso país interessava essa união, pois os EUA prometiam ajuda na
construção e instalação da nossa primeira siderúrgica, fundamental para o processo de industrialização
do País. Por outro lado, a aliança com o Brasil interessava aos Aliados em função da posição geográfica
do país, fundamentalmente por causa do nosso imenso litoral.
O Brasil participaria diretamente do conflito ao enviar tropas para a Itália. Foi, assim, enviada a
Monte Castelo, na Itália, a 61,3 km de Bolonha, perto dos Apeninos, uma força expedicionária conhecida
como FEB (Força Expedicionária Brasileira). A batalha durou três meses, de 24 de novembro de 1944 a 21
de fevereiro de 1945. Enfim, o monte foi tomado pelos brasileiros, contendo o avanço alemão.
O Brasil cedeu bases militares aos Aliados, a principal foi a da cidade de Natal, no Rio Grande do
Norte, que servia de local de abastecimento para a força aérea norte‑americana.
Quando a Guerra acabou, em 1945, Getúlio Vargas foi deposto pelos militares, sob o comando de
Góes Monteiro. O poder ficou temporariamente sob a responsabilidade de José Linhares, presidente do
Supremo Tribunal Federal.
Quem assumiu a presidência, pelo voto popular, em 2 de dezembro de 1945, foi o general Eurico
Gaspar Dutra, dando, desse modo, fim ao Estado Novo.
O Estado Novo fortaleceu o poder central, foram criadas agências governamentais que tinham como
objetivo regular a área econômica. A legislação social deu forças à classe trabalhadora e em 1940 a
construção da primeira siderúrgica brasileira marcou a mudança na forma de ação do Estado.
Em 1937, foram adotados regimes de controle cambial e de importações que pretendiam uma taxa
de câmbio favorável. Esse período foi marcado também por escassez de divisas, em função da elevação
das importações, que cresceram cerca de 40% em valor de 1936 a 1937, o que forçou o governo a
exercer um forte controle sobre o câmbio. De 1937 a 1939, os preços do café caíram 25% enquanto a
quantidade exportada cresceu 40% (ABREU, 1990).
Quanto à política externa, lentamente o Brasil começou a se reaproximar dos Estados Unidos, como
podemos perceber na citação a seguir:
A Missão Aranha marcou o início de um período de reaproximação do Brasil com os Estados Unidos,
em função das dificuldades que o Brasil enfrentava em seu relacionamento comercial com a Alemanha.
A missão se comprometia a adotar uma política cambial liberal, a criar obstáculos aos alemães e a
retomar o serviço da dívida pública externa.
O início da guerra, em 1939, resultou na perda dos mercados na Europa, o que teve como consequência
uma grande diminuição do saldo da balança comercial num momento em que o Brasil precisava de
divisas para honrar os compromissos firmados durante a Missão Aranha com os EUA. Essa situação só
se regularizou após 1941, quando a expansão das exportações foi assegurada como o fornecimento de
suprimentos estratégicos aos norte‑americanos e do aumento da demanda por produtos brasileiros em
mercados antes supridos pelo Reino Unido, como carne e algodão.
Essa situação criava um paradoxo na economia brasileira, que ao mesmo tempo em que
conseguia manter saldos conversíveis na sua balança comercial, não conseguia estimular a
indústria pela falta de insumos importados, o que reforçava o modelo de PSI. Assim, podemos
afirmar que as dificuldades de acesso às importações não reduziram substancialmente a taxa de
crescimento industrial.
O PIB desse período, no entanto, não apresentou um desempenho muito favorável, pois houve
uma queda da produção agrícola na década de 1930, o produto agrícola de 1940‑1942 praticamente
se estagnou em relação ao período anterior (1936‑39) e a recuperação pós‑1942 foi modesta, sendo
apenas 8% superior. O PIB, que havia crescido 3,5% a.a. em 1937‑39, atingiu 0,4% a.a. entre 1939‑42 e
se recuperou ao crescer 6,4% entre 1942 e 1945 (ABREU, 1990).
35
Unidade I
Pela tabela anterior podemos perceber tanto a evolução do PIB brasileiro no período como a da
participação dos Estados Unidos na atividade econômica brasileira. Podemos notar que, a partir de 1936,
cresceu substancialmente essa participação, que voltou a cair no final da Segunda Guerra.
Quanto ao crescimento do PIB, a partir da tabela, podemos fazer a seguinte análise: apesar de, em
alguns anos, o PIB ter apresentado um desempenho sofrível, em outros, como em 1943, durante o auge
da Guerra, o Brasil teve um desempenho muito favorável.
36
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Ano Exportações (US$ 1.000³) Importações (US$ 1.000³) Balança comercial (US$ 1.000³)
1937 346,8 279,2 67,6
1938 294,3 246,5 47,8
1939 299,9 218,0 81,9
1940 252,1 200,7 51,4
1941 367,7 222,5 145,2
1942 409,8 177,4 232,4
1943 472,6 226,9 245,7
1944 580,3 310,4 269,9
1945 655,1 322,5 332,6
A Companhia Siderúrgica Nacional foi fundada em 1941, durante o Estado Novo, após um acordo
diplomático, denominado “Acordo de Washington”, feito entre o Brasil e o EUA. O Brasil só possuia, nessa
época, siderúrgicas a carvão vegetal. O projeto contou com a consultoria da empresa norte‑americana
Mc Kee, contando com 50 técnicos norte‑americanos. Os fundos norte‑americanos vieram por
intermédio do Eximbank – Export Import Bank.
A indústria foi construída em Volta Redonda, na época distrito da cidade de Barra Mansa (RJ). Em
1940, aumentara a produção de ferro gusa e lingotes de aço, mas laminados ainda não eram produzidos.
A empresa só começou a operar no ano de 1946, no governo de Eurico Gaspar Dutra, que não convidou
Getúlio Vargas para a inauguração (ALBERTI, 1999).
Saiba mais
37
Unidade I
Figura 7
A partir de 1942, o governo já pensava em lentamente fazer uma transição democrática e os meios
de comunicação iniciaram uma campanha a favor da imagem de Vargas.
Já em 1943, a oposição começou a se manifestar. Foram feitas passeatas estudantis promovidas pela
UNE (União Nacional dos Estudantes); em outubro, lideranças de Minas Gerais lançaram um documento
contestando o regime ditatorial. Esse documento ficou conhecido como Manifesto dos Mineiros e o
governo reagiu prendendo vários de seus signatários.
A tensão continuou em 1944. Oswaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores, renunciou.
Em outubro, o brigadeiro Eduardo Gomes lançou sua candidatura.
Com a aproximação do final da Segunda Guerra, no Brasil iniciou‑se uma movimentação a favor
do retorno da democracia. Tanto trabalhadores como estudantes vinham se manifestando contra a
ditadura, apesar da forte repressão do governo Vargas.
Na recepção da volta dos pracinhas brasileiros vitoriosos da Itália, faixas foram vistas pedindo a volta
à democracia.
Em função dessas constantes pressões, Getúlio Vargas concedeu anistia aos presos políticos e deu
liberdade à organização de partidos políticos. Além disso, convocou eleições para dezembro de 1945. Havia
também o movimento contrário, o chamado “Queremismo”, que pedia a permanência de Vargas no poder.
Um dos candidatos à presidência da república foi Eurico Gaspar Dutra que, junto com os militares,
forçou Getúlio Vargas a deixar a presidência. Em outubro de 1945, quem assumiu o governo foi o
presidente do Supremo Tribunal, José Linhares, ficando no cargo até dezembro daquele ano (FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS, [s.d.]b).
38
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Ao terminar a Segunda Guerra, encerra‑se também o período da ditadura civil brasileira representada
pelo Estado Novo. Nos anos de 1946 a 1951, a presidência da república seria ocupada por um general,
mas foi um período democrático que trataremos de entender mais adiante.
Figura 8
Eurico Gaspar Dutra, eleito o novo presidente do Brasil em 1946, era militar. Dutra aproximou‑se
de Getúlio Vargas a partir da Revolução Constitucionalista de 1932. Em 1936, foi nomeado ministro
da Guerra e ajudou na instalação do Estado Novo, divulgando, junto com Vargas, uma pressuposta
ameaça comunista, junto com Góes Monteiro. O futuro presidente defendia a aproximação com o Eixo,
enquanto Oswaldo Aranha procurava uma aproximação com os Aliados. A aproximação com os Estados
Unidos foi aceita com relutância pelo general Dutra.
Em 1945, Dutra foi procurado por setores oposicionistas que lhe propuseram um golpe de estado
contra Vargas. Empossado em 1946, aproximou‑se dos setores mais conservadores e afastou‑se de
Vargas e do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). O governo continuou a política de perseguição aos
partidos de esquerda, rompeu relações com a União Soviética e fechou o Partido Comunista Brasileiro;
além disso, fechou sindicatos que faziam qualquer tipo de oposição ao governo.
A política econômica do governo Dutra foi marcada por posições liberais e pelo rápido esgotamento
das reservas cambiais acumuladas durante o período da Segunda Guerra. Foi criado o chamado Plano
Salte (saúde, alimentação, transporte e energia), mas esse plano não alcançou as metas.
Nesse período, foi construída a importante rodovia (que posteriormente foi batizada com o
nome do presidente, a Via Dutra) que passou a ligar as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Foi
criado também o Estatuto do Petróleo, voltado para a criação de refinarias e aquisição de navios
petroleiros.
39
Unidade I
Outra medida do governo que se tornou polêmica foi a proibição de jogos de azar em todo o território
nacional. Os cassinos, que fizeram muito sucesso durante a era Vargas, foram todos fechados.
Em 1946, a Constituição denominada “Polaca”, do Estado Novo, foi substituída por uma nova
Carta de caráter democrático que, dentre as novas prerrogativas, reestabeleceu as eleições diretas para
presidente, governadores e prefeitos, passou a permitir a liberdade e a manifestação de ideias, também
a liberdade de crença e cultos e a garantia ampla de defesa jurídica a pessoas acusadas de algum crime.
A política econômica do governo Dutra possui períodos distintos. O primeiro foi a mudança na
política de comércio exterior, com o fim do mercado de livre câmbio e a adoção de contingenciamento
às importações, de 1947 até o início de 1948. O segundo foi o afastamento do ministro da Fazenda,
indicando a mudança de uma política econômica rígida para uma mais flexível.
O governo Dutra iniciou‑se sob a égide liberal de Bretton Woods. É interessante recordarmos alguns
pontos importantes desse encontro.
Em primeiro de julho de 1944, mais de 700 delegados de 44 países chegaram ao Mount Washington
em Bretton Woods, New Hampshire, para tomar parte nas mais amplas negociações econômicas
internacionais da história. As nações aliadas, perseguidas por três décadas de depressão e guerras,
reuniram‑se para fazer o esboço de um plano, criando uma nova ordem econômica pós‑guerra.
O principal representante britânico era Keynes, o interlocutor era Harry Dexter White. Os pensadores
forneceram o capital intelectual para a criação do FMI e do Banco Mundial, que foram planejados para
serem instituições centrais em um mundo sem guerras e sem nacionalismos. A agenda de Bretton
Woods foi dominada por duas ideias básicas: a primeira era a de que os EUA haviam assumido o papel de
potência hegemônica depois da Segunda Guerra e a segunda era a de alçar a moeda norte‑americana
como moeda chave mundial.
40
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
O principal objetivo de Bretton Woods era proporcionar um clima monetário estável a fim de facilitar
uma retomada do comércio internacional. Nos anos 1930, frequentemente os países se refugiavam
no protecionismo e na depreciação de suas moedas para ganharem vantagens sobre seus parceiros
comerciais. Em Bretton Woods, o FMI ficou incumbido de policiar o comércio e as práticas monetárias
dos países membros. Mais tarde, em 1947, o FMI foi auxiliado nessa função, principalmente na área
comercial, pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt).
No século XIX e início do século XX, a maioria das nações atrelavam suas moedas ao ouro. Sob o
padrão‑ouro, o volume de moeda em circulação era limitado pelo estoque nacional do metal. Keynes já
há muito argumentava que o padrão‑ouro contribuía para a depressão e o desemprego. Governos que
adotavam o padrão‑ouro ficavam impossibilitados de expandir suas ofertas monetárias para amparar
as quedas nos negócios e atingir objetivos sociais. Roosevelt afastou os EUA do padrão‑ouro em 1933.
White dividia com Keynes as críticas ao padrão‑ouro, mas os banqueiros americanos eram favoráveis
ao padrão. A solução era fazer o dólar equivalente ao ouro. Como estoques de valor ouro e dólar eram
equivalentes (somente para o comércio internacional, dólares no exterior poderiam ser trocados por
ouro no EUA), Bretton Woods estabeleceu taxas de câmbio fixas entre as moedas. Os países teriam que
obter a aprovação do FMI para mudar o valor de suas moedas.
Em 1946, o Banco Mundial e o FMI iniciaram suas atividades. O Banco Mundial foi planejado para
facilitar a reconstrução da Europa. Como garantia de bom procedimento dos devedores, os países, antes
de conseguirem empréstimos do Banco Mundial, eram obrigados a fazer parte do FMI.
Depois da Guerra, o dólar americano era a única moeda mundialmente aceita pelo comércio
internacional. Em 1947, havia escassez de dólares. Os EUA tinham uma parcela desproporcional da
capacidade produtiva mundial e sua dependência de importações era mais modesta do que a maioria
de seus parceiros comerciais. Esse problema se intensificou após a Segunda Guerra. Com a Europa
incapacitada para comprar produtos americanos, os EUA tiveram que diminuir sua produção e mergulhar
numa recessão. O que salvou a insegura recuperação do pós‑guerra não foram os acordos de Bretton
Woods, mas a Guerra Fria, que resultou no Plano Marshall, apresentado por Truman como essencial para
evitar a dominação comunista na Europa.
Assim que o Plano Marshall foi acionado, o sistema monetário de Bretton Woods começou a operar.
O grande feito desse sistema foi colocar o dólar como moeda‑chave no mundo. O sistema ouro‑dólar era
superior ao padrão‑ouro, pois ao contrário do ouro, dólares podiam ser criados para expandir o comércio
mundial. Dólares saiam dos EUA para financiar programas de ajuda, investimentos e empréstimos, o
dólar era considerado tão bom quanto ouro.
Observação
41
Unidade I
Até a década de 1950, o sistema monetário de Bretton Woods funcionou razoavelmente bem.
Contudo, o professor de Yale, Triffin, previa problemas. Para ele, os crônicos déficits no Balanço de
Pagamentos traziam as sementes de destruição do sistema. Os déficits não poderiam servir eternamente
como fonte de moeda internacional. Enquanto os EUA mantivessem ligação dólar‑ouro, se a hemorragia
de dólares estancasse, a antiga escassez de dólares retornaria e estrangularia o comercio internacional.
Por outro lado, um fluxo constante de dólares dos EUA para o exterior criaria um excesso de dólares no
exterior, estimulando governos a demandarem ouro com esses dólares. O estoque de ouro do Tesouro
diminuiria, solapando a confiança na capacidade dos EUA de honrar o lastro de dólar em ouro, levando
a uma crise monetária internacional – esse problema ficou conhecido como Dilema de Triffin.
Observação
Saiba mais
Leia o livro:
Havia por parte do governo brasileiro a percepção de que a economia mundial iria se reorganizar
rapidamente e de que, com isso, o preço do café se elevaria.
O governo identificava como maior problema econômico do período a inflação, que era causada
fundamentalmente por déficits constantes no orçamento da União. O ministro da Economia, Pedro Luís
Correia e Castro, adotou até 1949 uma política monetária contracionista para combater a inflação.
A taxa de câmbio foi mantida fixa, mas o câmbio estava sobrevalorizado, com o intuito de atender à
demanda por matérias‑primas e bens de capital com o objetivo de reequipar a indústria nacional, forçar
a queda dos preços nacionais que enfrentariam a competição dos produtos estrangeiros e estimular o
ingresso de capitais, mas, por outro lado, o Brasil perdia competitividade no mercado externo.
Esse clima de otimismo não se mostrou real porque em primeiro lugar era falsa a ideia de que a
situação das reservas internacionais era favorável. O problema fundamental do setor externo era o
saldo de pagamentos em moedas conversíveis, especialmente dólares. As reservas acumuladas durante
a guerra eram insuficientes para financiar déficits da magnitude daqueles observados no período.
42
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
O Brasil obtinha superávits comerciais com uma moeda inconversível, enquanto acumulava déficits
crescentes com os EUA e outros países de moedas fortes.
Com o término da Segunda Guerra, a pauta de exportações brasileiras foi profundamente afetada
com a recuperação dos tradicionais fornecedores, que passaram a reintegrar o mercado internacional.
Veja alguns dados: a exportação de manufaturas em 1945 era de 20%; em 1946, caiu para 7,5%; e, em
1952, passou apenas para 1% (ABREU, 1990).
Esse controle era feito da seguinte forma: mantinha‑se o câmbio sobrevalorizado e progressivamente
eram impostas medidas discriminatórias à importação de bens de consumo não essenciais e com similar
nacional. Com isso, os bens de consumo, principalmente os duráveis, obtiveram um grande estímulo de
produção em território nacional.
Esse plano foi uma iniciativa de intervenção planejada do Estado para o desenvolvimento econômico
e visava aos setores de saúde, alimentação, transporte e energia, prevendo investimentos para os anos de
1949 e 1953. Contudo, o plano enfrentava dificuldades, como a inexistência de formas de financiamento
definidas.
O plano só foi aprovado pelo Congresso em 1950 e, como estava muito fragmentado, acabou sendo
abandonado em 1951.
No final do governo de Eurico Gaspar Dutra houve uma retomada do crescimento industrial, mas
havia uma inflação crescente e desequilíbrios financeiros tanto no setor público como no setor externo.
Em 1950, com a aproximação de novas eleições presidenciais, Dutra apoiou o candidato do PSD à
sua sucessão, o mineiro Cristiano Machado. Contudo, o eleito foi um velho conhecido dos brasileiros:
Getúlio Vargas, que assumiu a cadeira em janeiro de 1951.
A pergunta é: como um político que havia instituído uma dura ditadura durante o Estado Novo
havia sido eleito pelo povo brasileiro para retornar ao poder?
43
Unidade I
Podemos apontar algumas soluções para esse questionamento: a primeira é uma propaganda ativa
que criava uma imagem de salvador da pátria, com a alegação de ter sido o político que mais fez para
os trabalhadores. Como vimos anteriormente, Vargas era chamado de “Pai dos Pobres”. A segunda é que
suas posições claramente nacionalistas, principalmente durante a campanha “O Petróleo é Nosso”, eram
extremamente apelativas aos eleitores – e, consequentemente, angariavam muitos votos.
O ambiente em que o mundo vivia nesse início da década de 1950 era o da Guerra Fria, que polarizava
o mundo entre os defensores do liberalismo e os defensores do nacionalismo. Vargas era um nacionalista,
e dentro dessa perspectiva, era favorável a um Estado interventor e à rejeição ao capital estrangeiro.
Durante seu governo, foram criadas a Petrobras, que se tornou responsável pela prospecção, refino e
distribuição de petróleo, e a Eletrobrás, responsável pela geração e distribuição de energia elétrica.
Dentre aqueles que passaram a atacar o posicionamento de Getúlio Vargas, estava Carlos Lacerda,
que acusava constantemente o presidente de promover uma guinada à esquerda do País. Esses
desentendimentos eram constantemente vistos pela população brasileira nos jornais, principalmente no
que pertencia a Lacerda, A Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro, que acusava o presidente de corrupto.
Em 24 de agosto de 1954, Carlos Lacerda sofreu um atentado na Rua Toneleros, uma importante
rua no bairro carioca de Copacabana. O guarda‑costas do jornalista, Gregório Fortunato, faleceu, mas
Lacerda apenas se feriu. De fato, esse crime nunca ficou completamente esclarecido, mas Carlos Lacerda
acusou Getúlio Vargas de ser o mandante do crime.
Após esse episódio, os grupos que se opunham a Vargas passaram a exigir seu afastamento. Setores
das Forças Armadas e da sociedade civil se uniram aos grupos de oposição e em 24 de agosto de 1954
foi entregue ao presidente um ultimato, assinado pelo ministro da Guerra, exigindo sua renúncia.
Vargas estava no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, quando redigiu uma Carta Testamento e em
seguida se suicidou com um tiro no peito. O povo que apoiava o presidente saiu às ruas em grandes
manifestações populares. Os comícios culpavam a imprensa, a UDN e o governo dos Estados Unidos;
greves de trabalhadores ocorreram como forma de protesto.
4.3.1 Carta‑testamento
onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que
o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
[...]
Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue
de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha
vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. [...] E aos que pensam que me derrotaram,
respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas
esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para
sempre em sua alma e meu sangue será o preço de seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de
peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha
vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no
caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.
Notem que a Carta Testamento de Getúlio Vargas culpa a burguesia pelo seu suicídio ao mesmo
tempo em que se coloca ao lado dos menos favorecidos. Alguns autores consideram que essa carta foi
a última “cartada política” de Vargas, que não queria ser retirado do governo de maneira vergonhosa e
pretendia entrar para história brasileira como herói.
Nunca ficou provado quem foi de fato o mandante do crime da Rua Toneleiros, as investigações não
chegaram a nenhuma conclusão que pudesse apontar definitivamente para culpa do presidente Getúlio Vargas.
Saiba mais
Assista ao filme:
GETÚLIO. Dir. João Jardim. Brasil: Globo Filmes, 2014. 101 minutos.
Figura 9
45
Unidade I
O período do último mandato de Vargas foi marcado pelo clima de Guerra Fria que colocava em
confronto os Estados Unidos e a União Soviética. Países como o Brasil não estavam no alto da pauta de
interesses dos norte‑americanos e, assim, o País dependia estritamente do mercado e dos movimentos
privados de capitais internacionais para o financiamento de seus déficits em transações correntes e seus
projetos desenvolvimentistas.
Em 1952, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), que era subsidiado
por intermédio de um adicional sobre o Imposto de Renda e foi fundamental para o financiamento de
projetos de infraestrutura de transporte e energia.
A Sumoc tinha o poder de requerer a emissão de papel‑moeda ao Tesouro Nacional, receber com
exclusividade os depósitos dos bancos comerciais e as operações desses bancos, ser responsável pela
política cambial, promover a compra e venda de títulos do governo e autorizar o redesconto de títulos
e empréstimos a bancos.
Esse órgão passou a desempenhar funções de um banco central, inclusive controlando a emissão
de papel‑moeda e as atividades bancárias. Inclusive, foi a Sumoc que criou o Orçamento Monetário
(BANCO CENTRAL DO BRASIL, [s.d.].).
46
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
A política de comércio exterior nos dois primeiros anos do governo Vargas manteve a taxa de
câmbio fixa e sobrevalorizada e o regime de concessão de licenças para importar, mas essa medida foi
flexibilizada nos primeiros anos do novo governo.
A inflação era um das principais preocupações dos governos, mas as medidas para minimizar a
inflação não surtiram os efeitos desejados, como podemos perceber no texto a seguir:
Quanto ao desempenho da economia, o PIB real cresceu 4,9% e 7,3% em 1951 e 1952, respectivamente.
O setor de serviços foi o que apresentou maiores taxas de crescimento. A produção industrial, afetada
pela liberalização das importações, apresentou baixas taxas de crescimento.
No período, foram apresentadas elevadas taxas de investimento, ajudadas também pela liberalização
das importações com taxas de câmbio sobrevalorizadas e fomentadas pela expansão do crédito no
período. As participações nos investimentos totais do País, tanto dos setores privados quanto públicos,
também foram alteradas.
No início de 1953, houve um colapso cambial no país, com atrasos cambiais acumulados e sem êxito
no combate à inflação. Apesar da grande redução das importações e da evolução pouco favorável das
exportações, os atrasados comerciais continuaram a aumentar.
47
Unidade I
Tabela 9
Tabela 10
Um ponto de inflexão dizia respeito aos salários. A proposta do ministro do trabalho, João Goulart,
era de um reajuste de 100%. Contra essa proposta se colocaram a UDN e a Fiesp. Vargas, pressionado
pelo desgaste de seu governo, anunciou, em 1º de maio de 1954, o aumento de 100% do salário mínimo.
Essa atitude alimentou ainda mais a inflação.
Os problemas do governo aumentaram ainda mais quando somaram‑se ao não cumprimento das
expectativas de melhoras da exportação de café. O governo decretou, em junho de 1954, o aumento
do preço mínimo do café com o objetivo de maximizar as receitas cambiais, mas isso não melhorou a
situação do Brasil, pois o consumo externo de café continuava a cair.
O ano de 1954 foi caracterizado por uma profunda crise no governo. Pode‑se dizer que a política de
Vargas, que tinha como proposição agradar toda a sociedade, desagradou principalmente os industriais,
48
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
os militares e a burguesia. Embora tivesse ao seu lado os trabalhadores, o governo não realizou
transformações estruturais e colocou em risco sua política econômica.
Ano Exportações (US$ 1.000³) Importações (US$ 1.000³) Balança Comercial (US$ 1.000³)
1950 1.359,0 934,0 425,0
1951 1.771,0 1.703,0 68,0
1952 1.416,0 1.702,0 ‑286,0
1953 1.540,0 1.116,0 424,0
1954 1.558,0 1.410,0 148
1955 1.419,0 1.099,0 320
1956 1.483,0 1.046,0 437
1957 1.392,0 1.285,0 107,0
1958 1.244,0 1.179,0 65,0
A partir de Getúlio Vargas, ficam evidentes os conflitos entre as elites econômicas do País. Alguns
grupos queriam que o Brasil continuasse funcionando como celeiro de produtos primários, agrícolas; a
justificativa era que nesse campo sempre havia sido o melhor e que o Brasil, por possuir extensas terras,
teria essa vocação agrícola. Desse modo, existia a crença de que nossa nação seria rica se seguisse a
sua habilidade e condições naturais de uma espécie de provedor natural de produtos agropecuários
para o restante do mundo. Já o outro grupo pretendia que o Brasil se desenvolvesse, especialmente
por meio da industrialização, partindo da premissa de que o desenvolvimento só ocorreria por meio do
desenvolvimento do capitalismo industrial.
Não podemos nos esquecer de que o Brasil tem um passado agrário, baseado no grande latifúndio,
de uma maneira geral, monocultor, e que a industrialização do País ocorreu de maneira tardia.
49
Unidade I
O setor representado pelos industriais (de uma indústria ainda nascente e insípida, é verdade) pretendia
que fossem criados mecanismos que permitissem ao País se industrializar e produzir, internamente, o que
sempre havia importado: esse desejo construiu o que chamamos de interpretação nacional‑burguesa e,
desde os seus primórdios, esse modelo desenvolvimentista buscou uma combinação do liberalismo com
as heranças do keynesiasmo e definiu uma forma de interpretar a realidade brasileira com o objetivo de
consolidar o capitalismo.
Lembrete
No período que estudamos, nenhum desses modelos era hegemônico. Aliás, os conflitos surgirão
justamente para conseguir essa hegemonia. Segundo Bresser‑Pereira (1997, p. 2), essas diferentes
“interpretações correspondem aos pactos políticos ou às alianças de classe referidas, e, eventualmente,
aos momentos de transição. Algumas interpretações expressam a ideologia do grupo dominante, outras
da oposição. Algumas apontavam o caminho do novo, outras a resistência do velho”.
Por um lado, temos o modelo da chamada vocação agrária, que corresponde à concepção do
Brasil como um paraíso natural, repleto de riquezas que devem ser exploradas. Essa é a visão do País
como provedor de matéria‑prima e cuja economia se apoiaria no latifúndio do café ou do açúcar.
Embora dominado pela oligarquia, os defensores dessa interpretação veem o País como um sistema
presidencialista similar ao norte‑americano. Nosso futuro, segundo esse ponto de vista, estaria na
exploração da terra.
No entanto, nada é tão simples, é notável que vários dos primeiros industriais estabelecidos
na cidade de São Paulo não eram imigrantes, ou antigos comerciantes, mas sim cafeicultores que
em determinado momento perceberam que o café é um produto muito frágil, devido ao fato de
se tratar de um bem supérfluo, que rapidamente pode ser abandonado em um momento de crise
(FURTADO, 1984).
Assim, alguns cafeicultores, entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX, se
tornaram industriais, substituindo sua atividade econômica ou mesmo mantendo as duas atividades
conjuntamente. A maior parte dos empresários, no entanto, era composta por pessoas de origem
estrangeira, a maioria italianos, portugueses e alemães, mas a gama de imigrantes que compôs o
primeiro parque industrial do País era muito mais diversificada, incluindo libaneses, judeus, espanhóis,
franceses, norte‑americanos, ingleses, entre outras tantas nacionalidades (BRESSER PEREIRA, 1997).
Veremos alguns dados sobre as origens étnicas dos empresários paulistas em 1962 a partir de
três gerações.
51
Unidade I
Embora apenas 3,9% dos industriais paulistas tivessem sua origem nas famílias de aristocratas
cafeicultores, havia a presença clara dos pertencentes à chamada classe alta inferior (ou seja, não
aristocrática): 21,6% dos empresários. Da classe média superior faziam parte 7,8% e da classe média
propriamente dita, 16,7%.
Resumo
52
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Exercícios
A Companhia Siderúrgica Nacional (1941) é um dos resultados da forma como o Governo de Vargas,
entre 1930 e 1945, enfrentou o problema da infraestrutura no Brasil, que envolvia principalmente três
questões: o petróleo, a siderurgia e a energia elétrica.
PORQUE
Questões relativas a petróleo, siderurgia e energia elétrica eram entendidas pelo governo como
fundamentais para a promoção do desenvolvimento industrial brasileiro que viria após a crise
internacional, marcada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque e pela Segunda Guerra Mundial.
Analisando as afirmações anteriores, conclui‑se que:
B) As duas afirmações são verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira.
Análise da questão
55
Unidade I
1936 132,9
1937 137,8
1938 144,4
1939 152,4
I – A expansão industrial dos anos 1930, impulsionada pelo PSI, ocorreu de forma setorialmente
homogênea, com predominância de produção de bens de consumo duráveis.
II – O PSI resultou em diminuição do volume das importações no período entre 1928 e 1939,
traduzindo‑se em alívio estrutural para a balança comercial do País.
III – Um dos fatores que explicam o surto industrial, conforme demonstra a tabela, foi a depreciação
da moeda nacional frente à libra esterlina após 1934, o que tornou o produto importado relativamente
mais caro do que o nacional e estimulou, assim, a produção interna.
IV – Depois de 1930, com o PSI, alterou‑se a dinâmica da economia brasileira, pois a produção, o
emprego e o ritmo de crescimento passaram a depender da produção para o mercado interno.
A) I e II.
B) I e IV.
C) III e IV.
D) I, II e III.
56