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Economia

Autor: Prof. Maurício Felippe Manzalli


Colaboradoras: Profa. Elizabeth Calvacante Nantes
Profa. Ivy Judensnaider
Professor conteudista: Maurício Felippe Manzalli

Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Paulista – UNIP e mestre em Economia Política pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração
e também é coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma Universidade, tanto na modalidade presencial
quanto a distância. Tem experiência em administração e finanças, notadamente naquelas ligadas ao setor de transporte
de passageiros, atuando há 29 anos no ramo.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M296e Manzalli, Maurício Felippe

Economia. / Maurício Felippe Manzalli. – São Paulo: Editora Sol,


2021.

228 p. il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

CDU 33

U511.76 – 21

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora de Unidades Universitárias

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcello Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Giovanna Oliveira
Juliana Mendes
Sumário
Economia
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 ORIGENS, CONCEITOS FUNDAMENTAIS, PROBLEMAS E TEMAS RELEVANTES
DA ECONOMIA.........................................................................................................................................................9
1.1 Conceitos e definições...........................................................................................................................9
1.2 Necessidades e escolhas..................................................................................................................... 12
1.3 A lei da escassez..................................................................................................................................... 15
1.4 O problema econômico fundamental........................................................................................... 17
1.5 E quanto aos bens?............................................................................................................................... 20
1.6 Curva de possibilidade de produção.............................................................................................. 21
2 FLUXO CIRCULAR DA RENDA...................................................................................................................... 26
2.1 Organização da atividade econômica e fundamentos legais do mercado.................... 29
3 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO.......................................................................................... 34
3.1 Evolução da teoria econômica a partir da história do pensamento econômico........ 37
4 DIVISÃO DO ESTUDO DA CIÊNCIA ECONÔMICA.................................................................................. 48
4.1 Métodos de investigação da Ciência Econômica..................................................................... 49

Unidade II
5 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA TEORIA MICROECONÔMICA E AO FUNCIONAMENTO
DOS MERCADOS................................................................................................................................................... 57
5.1 Questionamentos centrais da Teoria Microeconômica.......................................................... 57
5.2 Teoria do Consumidor......................................................................................................................... 58
5.2.1 Utilidade e escolha.................................................................................................................................. 58
5.2.2 Teoria da Demanda................................................................................................................................. 61
5.3 Teoria da Oferta..................................................................................................................................... 75
5.4 Funcionamento do mercado............................................................................................................. 87
5.4.1 Equilíbrio de mercado............................................................................................................................ 88
5.5 Elasticidades............................................................................................................................................ 95
5.5.1 Elasticidade‑preço da demanda........................................................................................................ 95
5.5.2 Elasticidade‑preço da oferta.............................................................................................................101
5.5.3 Elasticidade‑renda da demanda......................................................................................................103
5.5.4 Elasticidade‑preço cruzada da demanda.....................................................................................105
5.6 TEORIA DA FIRMA................................................................................................................................ 107
5.6.1 Teoria da Produção...............................................................................................................................107
5.6.2 Teoria dos custos de produção........................................................................................................ 123
6 ESTRUTURAS DE MERCADO.......................................................................................................................128
6.1 Concorrência perfeita........................................................................................................................128
6.2 Monopólio..............................................................................................................................................131
6.3 Oligopólio...............................................................................................................................................135
6.4 Concorrência monopolista..............................................................................................................138

Unidade III
7 ATIVIDADE ECONÔMICA NACIONAL: INTRODUÇÃO À TEORIA MACROECONÔMICA.........145
7.1 Questionamentos centrais da Teoria Macroeconômica......................................................145
7.2 Evolução da Teoria Macroeconômica a partir da história..................................................148
7.3 Medidas de atividade econômica e distribuição da renda nacional..............................151
7.3.1 Identidade entre renda e produto..................................................................................................151
7.3.2 Valor bruto da produção e valor agregado................................................................................ 154
7.3.3 Demais medidas agregadas.............................................................................................................. 157
7.4 Considerações acerca da teoria monetária...............................................................................159
7.4.1 Funções e histórico da moeda......................................................................................................... 159
7.4.2 Da moeda aos meios de pagamento............................................................................................ 164
7.5 O setor público na economia e a política econômica..........................................................164
7.5.1 Política monetária................................................................................................................................ 167
7.5.2 Política fiscal............................................................................................................................................170
7.5.3 Política cambial..................................................................................................................................... 173
7.5.4 Política de rendas.................................................................................................................................. 174
7.6 Inflação....................................................................................................................................................174
8 O DESENVOLVIMENTO E O CRESCIMENTO ECONÔMICO...............................................................178
8.1 Características de uma economia subdesenvolvida.............................................................178
8.1.1 Fundamentos teóricos da economia subdesenvolvida.......................................................... 180
8.2 Características do desenvolvimento............................................................................................185
8.2.1 Características do desenvolvimentismo enquanto prática e política............................. 187
8.2.2 Desenvolvimentismo no pensamento econômico brasileiro.............................................. 190
8.3 Economia internacional....................................................................................................................192
8.4 O mercantilismo...................................................................................................................................193
8.5 Visão de David Hume .......................................................................................................................194
8.6 Produtividade do trabalho e vantagens comerciais..............................................................196
8.6.1 Adam Smith e suas vantagens absolutas................................................................................... 196
8.6.2 David Ricardo e suas vantagens comparativas........................................................................ 198
8.6.3 Recursos e comércio: o modelo Heckscher-Ohlin.....................................................................200
8.7 Balanço de pagamentos...................................................................................................................202
8.8 O papel das instituições multilaterais.........................................................................................204
8.9 A Conferência de Bretton Woods e suas instituições..........................................................204
8.10 A globalização como fenômeno multidimensional............................................................207
8.11 Diferentes conceitos de globalização.......................................................................................208
8.11.1 A perspectiva histórica......................................................................................................................210
8.11.2 A perspectiva da compressão do espaço e do tempo........................................................... 211
8.11.3 A perspectiva da ideologia...............................................................................................................212
8.11.4 A perspectiva econômica..................................................................................................................212
APRESENTAÇÃO

Caro aluno,

O livro-texto que ora apresentamos destina‑se aos alunos do curso de Direito e que estão iniciando
seus estudos sobre a Ciência Econômica. Procurando distanciar‑se dos jargões muito específicos da área,
mas não incorrendo na questão da simplicidade, apresentamos os principais conceitos, abordagens e
desdobramentos desta ciência social para que se possa entender o mundo em que vivemos. Trata‑se
também de material de apoio à disciplina Economia.

Como o objetivo é introduzir o conhecimento com as questões econômicas, nossa preocupação não
é a de aprofundar demasiadamente cada assunto relacionado, mas apresentá‑los de forma mais geral,
ficando ao leitor a incumbência do aprofundamento, quando necessário.

Em cada unidade deste livro‑texto você encontrará:

• textos explicativos que elucidam a matéria;

• resumos do conteúdo estudado;

• exercícios comentados;

• tópicos para refletir, em que convidamos você a pensar sobre assuntos da atualidade;

• saiba mais – seção em que indicamos filmes e livros que, de alguma forma, complementam os
temas investigados. Não deixe de explorar essas sugestões. Garantimos que você irá ampliar seu
conhecimento sobre os temas apresentados e que isso será extremamente útil, não apenas na
questão específica da disciplina, mas também em sua vida profissional;

• os lembretes (anotações pontuais que remetem a alguma informação já conhecida) e as observações


(apontamentos que chamam sua atenção para algum ponto destacado sobre o assunto em
desenvolvimento) são recursos que reforçam algumas questões que quisemos salientar;

• exemplos de aplicação, em que você será convidado a refletir sobre um tema proposto.

INTRODUÇÃO

Este livro texto foi concebido com a intenção de apresentar a você qual a importância do estudo da
economia no âmbito do Direito. Claro está que não se buscará neste espaço tecer relações estritas entre
as duas áreas, ou seja, economia e direito pois são áreas demasiado amplas. O que se buscará é contribuir
com o seu conhecimento na área de economia para que você mesmo possa tecer relações entre as duas
áreas quanto à percepção da importância da economia no ramo do direito.

Portanto, temos como objetivo proporcionar ao aluno do Curso de Direito noções básicas de
economia procurando usar os conceitos transmitidos para a interpretação de questões atuais e destacar
7
as interfaces desta ciência com o Direito. Ainda, proporcionar aos alunos o domínio do conteúdo de
conceitos básicos da economia que permitam a compreensão do funcionamento cotidiano do mercado
bem como a importância da relação economia x direito estimulando, ao mesmo tempo, uma reflexão
crítica sobre a estrutura social do País.

O conteúdo deste livro-texto contribuirá com o desenvolvimento de habilidades requeridas pelo


bacharel de Direito, especificamente,

• compreensão das noções básicas de economia procurando usar os conceitos transmitidos para a
interpretação de questões atuais e destacar as interfaces desta ciência com o Direito;

• aplicação de conceitos básicos da economia que permitam a compreensão do funcionamento


cotidiano do mercado bem como a importância da relação economia x direito estimulando, ao
mesmo tempo, uma reflexão crítica sobre a estrutura social do país;

• entendimento do funcionamento do mercado, assim como os fundamentos jurídicos do mercado;

• assimilação das estruturas de mercado a exemplo de concorrência perfeita, oligopólio e monopólio;

• entendimento da relação entre o setor público na economia;

• compreensão da importância da economia Internacional e a globalização como fenômeno


multidimensional.

Inicialmente, abordaremos o problema econômico fundamental, o método de investigação da


Ciência Econômica e a organização da atividade econômica. Trataremos, ainda, da evolução da Teoria
Econômica, notadamente as abordagens da economia política e da marxista.

Em seguida, estudaremos a Teoria Microeconômica, abordando a teoria do consumidor e os princípios


da utilidade e da escolha. O conhecimento do assunto elasticidade também estará presente. A Teoria da
Firma – produção e custos – e as diferentes estruturas de mercado, bem como seu funcionamento, é a
abordagem posterior.

Por fim, trataremos da Teoria Macroeconômica com a introdução do papel do governo na economia,
bem como as medidas da atividade econômica, a exemplo do PIB (Produto Interno Bruto). Segue com
a apresentação de um esboço da Teoria Monetária pela abordagem da moeda – funções, histórico,
intermediários bancários e política monetária. Finalizaremos com o estudo da inflação (seus conceitos,
suas causas e as políticas de combate).

8
ECONOMIA

Unidade I
1 ORIGENS, CONCEITOS FUNDAMENTAIS, PROBLEMAS E TEMAS RELEVANTES
DA ECONOMIA

As necessidades da vida cotidiana tornam obrigatório o conhecimento sobre economia,


independentemente da área profissional ou da formação acadêmica. Assim, qualquer indivíduo tem
noções de microeconomia e de macroeconomia, mesmo que não saiba exatamente do que tratam esses
saberes. Em outras palavras, todos nós nos deparamos com aspectos relacionados à formação de preços,
às estruturas de mercado, às questões de escassez de bens e serviços, à inflação, ao desempenho de
determinados setores da economia e aos níveis de desenvolvimento e crescimento das nações.

A Ciência Econômica é a ciência que estuda a atividade produtiva. Economia, palavra derivada do
grego oikosnomos (oikos = casa; nomos = lei), representa a administração de uma casa, entendida como
um patrimônio particular, uma empresa ou um Estado.

De acordo com Sandroni (1996, p. 129), a Ciência Econômica “focaliza estritamente os problemas
referentes ao uso mais eficiente de recursos materiais escassos para a produção de bens”.

De outra forma, é a ciência que trata dos fenômenos relativos à produção, à distribuição, à acumulação
e ao consumo de bens. É disto então, que passaremos a tratar.

1.1 Conceitos e definições

A Ciência Econômica estuda as relações entre famílias, empresas e governo para compreender os
fenômenos que norteiam o funcionamento do mundo em que vivemos. A preocupação central desta
ciência social é a análise da produção de bens e distribuição da renda, diante do problema da escassez
de recursos e das necessidades ilimitadas dos indivíduos.

Um curso de Economia pretende apresentar ao estudante os primeiros pensamentos diante de


alguns problemas econômicos básicos de nosso cotidiano, como a forma como distribuímos nossa
renda, proveniente de nosso salário, diante da grande quantidade de mercadorias e de serviços dos
quais necessitamos para manutenção da vida.

Apresentado desta forma parece bastante simples, pois sabemos o quanto ganhamos, ou
seja, qual o nosso salário, e o que necessitamos durante uma semana, um mês, um ano e assim
por diante. Mas, se pensarmos com um pouco mais de calma, para que tenhamos algum salário,
torna‑se necessária nossa participação em alguma atividade produtiva, seja trabalhando em alguma
indústria, em uma loja de comércio ou prestando algum serviço, seja ele financeiro, por meio de
bancos, seja ele por uma rede de lavanderias, por exemplo.
9
Unidade I

Como ilustração, listamos a seguir alguns problemas econômicos de que a Ciência Econômica está
preocupada em explicar:

• Como a taxa de câmbio interfere na vida das empresas e na vida do cidadão comum?

• O que ocorre com a renda da população diante de anúncio do governo por elevação nas taxas
de juros?

• Por que o preço da gasolina sobe quando um determinado país não tem capacidade suficiente
para produzi‑la?

• Por que a renda da região norte‑nordeste do Brasil tende a ser menos concentrada do que a renda
da região sul‑sudeste?

• Por que o Produto Interno Bruto (PIB) de um país cresce conforme a sociedade consome maior
quantidade de mercadorias?

• Quais são os fatores explicativos da subida dos preços dos chocolates nas proximidades da Páscoa?

• Por que um governo que gasta mais do que arrecada tem dificuldades de financiar seus déficits?

• Qual a importância para a vida de cada um dos brasileiros quando um país vende uma empresa
estatal ao capital internacional?

• O que significa inflação?

• O que é desemprego?

• Qual a necessidade de regulação econômica quando da fusão ou aquisição de empresas?

• De que forma a legislação efetua regulação quanto à concorrência entre empresas?

• Quais as funções econômicas e jurídicas do Estado?

Aparentemente, cada uma dessas questões em nada impacta nossa vida individual, mas vejamos
o seguinte exemplo: em um determinado período, em alguma manchete de jornal impresso ou pelos
telejornais, é anunciada a informação de que o balanço de pagamentos brasileiro do ano de 2020
apresentou déficit de um valor X, e este déficit é proveniente de saldos negativos da balança comercial,
demonstrando que as exportações da economia brasileira foram menores do que suas importações,
mesmo que a balança de serviços tenha sido positiva. Espere um pouco: o que é déficit? O que é balanço
de pagamentos? Balança comercial? Exportações? Importações? Balança de serviços?

Vamos mais adiante. No exemplo anteriormente proposto, as exportações foram menores do que
as importações. Mas, por quê? Assim, de bate‑pronto, não conseguiremos chegar a uma resposta
exata, mas analisando dados da realidade concreta poderíamos responder à pergunta utilizando os
seguintes argumentos:

10
ECONOMIA

1 – as exportações brasileiras foram menores em 2020, pois neste ano as empresas nacionais
produziram uma quantidade menor de mercadorias do que no ano anterior;

2 – as exportações brasileiras foram menores em 2020, pois neste ano o consumo por parte dos
brasileiros foi maior, então, uma forma de não permitir a escassez de mercadorias no mercado
interno foi não exportar;

3 – as exportações brasileiras foram menores em 2020, pois neste ano o governo brasileiro adotou
medidas em favorecimento às importações, valorizando a taxa de câmbio, por exemplo.

Observamos que, para apenas uma pergunta, elaboramos três possíveis respostas que somente
poderão ser efetivamente consideradas como certas e verdadeiras ao observarmos os números da
realidade concreta.

É disto que se ocupa a Ciência Econômica. Por meio de suas teorias, conjuga‑se uma série de ideias
e definições do objeto a ser investigado, verificam‑se as condições em que cada uma das teorias se
sustenta para, a partir de argumentos, dar respostas sobre o comportamento dos objetos de investigação,
ou seja, construir hipóteses sobre o funcionamento da realidade concreta.

Poderíamos, por uma primeira aproximação, ilustrar o campo de observação desta ciência:

• estuda atividades econômicas que envolvem o emprego de moeda e troca entre indivíduos,
empresas e governo;

• observa o comportamento das empresas, que produzem de modo eficiente, reduzindo custos para
obter lucros;

• observa o comportamento do consumidor, tendo em vista os preços, a renda de que dispõem e a


oferta de bens e serviços.

Utilizando‑se da contribuição de um renomado economista, Samuelson (1979, v. I, p. 3), chegamos


ao seguinte conceito:

Economia é o estudo de como os homens e a sociedade decidem, com ou


sem a utilização do dinheiro, empregar recursos produtivos escassos, que
poderiam ter aplicações alternativas, para produzir diversas mercadorias
ao longo do tempo e distribuí‑las para consumo, agora e no futuro, entre
diversas pessoas e grupos da sociedade. Ela analisa os custos e os benefícios
da melhoria das configurações de alocação de recursos.

Pois bem: eis aqui uma boa definição do que seria a economia, mas vamos traduzi‑la para uma
linguagem mais cotidiana.

Como ciência, a economia estuda o emprego de recursos escassos entre usos alternativos, a fim de
obter os melhores resultados. Vamos entender o significado de emprego de recursos escassos e

11
Unidade I

de usos alternativos, mas, para isso, voltemos a uma das primeiras noções do que a economia estuda
e que deve ser absorvida por você, aluno. Para tanto, utilizaremos você mesmo como exemplo:
veja que interessante.

1.2 Necessidades e escolhas

Pense, primeiro, em sua renda. Se você trabalha, ou seja, se participa de alguma atividade produtiva,
recebe um salário, que chamaremos de renda. Este seu salário, seja ele qual for, será distribuído entre
todas as suas necessidades de consumo. Salário é a sua renda e suas categorias de consumo dizem
respeito às suas despesas, portanto estamos descrevendo seu orçamento particular.

Vamos supor que sua renda esteja destinada para pagamento de contas de luz, água e telefone,
alimentação, moradia, transporte, lazer, vestuário etc. Após alocar sua renda entre todas essas categorias
de despesas, ainda sobrou uma parcela da qual você poupará para consumo futuro. Bacana!

Mas, você está agora cursando uma Universidade e as mensalidades serão incorporadas à sua cesta
de consumo, ou seja, o valor das mensalidades concorrerá por uma parcela de sua renda, assim como
concorre o quanto você gasta com alimentos, moradia, transporte, lazer etc. Neste caso, você introduziu
mais uma categoria de gasto para uma mesma renda. Sem pensar muito, para que você consiga dar
conta de efetuar todos os seus pagamentos, você deverá distribuir cada parcela de sua renda para cada
um de seus gastos.

Observação

Esse simples exemplo ilustra uma parte do conceito oferecido por


Samuelson (1979), ou seja, a economia estuda o emprego de recursos
escassos entre usos alternativos, com o fim de obter os melhores resultados.

Nesse exemplo bastante simples, que vale também para grande quantidade de brasileiros, o
emprego de recursos escassos é ilustrado por nossa renda e os usos alternativos são ilustrados pela
nossa cesta de consumo ou por tudo aquilo em que gastamos nossa renda.

Pensemos agora não mais no ponto de vista individual, mas, sim, nos limites de uma família formada
por pai, mãe e filhos, ou seja, uma unidade familiar. Essa família precisa ser mantida. Precisa vestir‑se,
alimentar‑se, morar e se locomover. Essa família tem, conjuntamente, uma cesta de consumo que
deve ser atendida por meio de uma renda, a renda familiar, já que em nosso exemplo cada um dos
membros desta família participa de alguma atividade produtiva. Portanto, a renda familiar deve dar
conta de responder a toda e qualquer categoria de gastos desta família. Para cada entrada de dinheiro,
recursos então, chamaremos de renda e para cada saída de dinheiro, despesas, os pagamentos que serão
efetuados por esta família. Eis então o orçamento familiar.

Pensemos agora não mais individualmente, tampouco em termos de famílias, mas, sim, nas
dimensões de uma empresa. Uma empresa pode produzir mercadorias e vendê‑las diretamente aos
12
ECONOMIA

seus consumidores. Pode apenas ser uma empresa comercial, comprando mercadorias produzidas
por outras empresas e vendendo diretamente aos consumidores ou ainda pode ser prestadora de
algum serviço.

Quando uma empresa produz alguma mercadoria, mesas, por exemplo, ela necessita de meios de
produção, bens necessários à execução de sua atividade produtiva. Para produzir determinada mercadoria,
necessita então adquirir meios de produção e pagará por esta aquisição. No nosso exemplo simples
da produção de mesas, essa empresa hipotética necessita adquirir fórmica, madeira, ferro, parafusos,
colante, além de dispor de grande quantidade de máquinas e ferramentas, como furadeiras, lixadeiras,
serra de corte, assim por diante.

Lembrete

Além disso, a empresa precisa contratar pessoas para trabalhar, pois


esses meios de produção não trabalham sozinhos!

Quando a empresa adquire meios de produção, incorre em custos com a produção. Esse custo
será conhecido pela multiplicação de duas variáveis: preço de cada um dos fatores adquiridos e
quantidades das mercadorias adquiridas. Portanto, ela tem um custo de produção, ou seja, uma
despesa com sua produção.

Imaginando que as empresas não produzem mercadorias para satisfazer suas próprias
necessidades de consumo, cada empresa empreenderá todos os seus esforços para vender sua
produção. Quando as empresas vendem sua produção, recebem uma quantidade de dinheiro
proveniente da venda. A esta quantidade de dinheiro denominaremos receita de vendas, que
nada mais será do que a multiplicação de duas variáveis: preço da mercadoria e quantidade das
mercadorias vendidas.

Observação

Quando mencionamos as receitas e as despesas empresariais, estamos


falando do orçamento empresarial.

É lugar comum afirmar que, em regimes capitalistas de produção, as empresas existem não para
satisfazer as necessidades de consumo da sociedade, mas, sim, para valorizar o capital investido
pelo empresário. Portanto, existem para gerar lucros. Desta forma, seu empenho será pelo aumento
das quantidades vendidas de suas mercadorias, o que requer duas coisas: aumento da produção
e uso de menor quantidade de recursos. Desta forma, procurará gastar cada vez menos com a
quantidade de meios de produção que adquire para, muitas vezes, aumentar a quantidade de lucros
que obtém. Portanto, as empresas também sofrem com a limitação de recursos à sua disposição
diante de suas categorias de despesas.

13
Unidade I

Saiba mais

Até o momento, tratamos das empresas inseridas no sistema capitalista


de produção. Queremos, então, indicar dois livros que são extremamente
interessantes sobre o assunto:

CATANI, A. M. O que é capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2011. Coleção


Primeiros Passos.

RICHERS, R. O que é empresa. São Paulo: Brasiliense, 1986. Coleção


Primeiros Passos.

Já ilustramos o cidadão individual, as famílias, e as empresas. Agora pense no governo. O governo de


um país, de uma forma muito simplificada, tem algumas obrigações e também alguns direitos.

Por obrigações, deve prover bens públicos, como energia, transporte e saneamento básico;
construir escolas, estradas e hospitais; pagar aposentadorias e pensões; e mais uma série de
obrigações sobre as quais não nos estenderemos neste momento. Por seus direitos, legisla questões
trabalhistas e contratuais e também arrecada recursos da população na forma de impostos.
Portanto, o governo, por meio de sua arrecadação, aufere uma receita. Mas para prover bens
públicos à sociedade, também tem custos com essa provisão, ou seja, gasta, tem despesa com sua
atividade. Falamos então do orçamento do governo, orçamento do setor público, representado por
suas receitas e suas despesas.

Figura 1 – Infraestrutura portuária: uma das fontes de gasto do governo

14
ECONOMIA

Observação

Com o governo não será diferente do que ocorre com os indivíduos, as


famílias e as empresas. Ele procurará alocar eficientemente seus recursos
diante dos itens de gasto que têm à frente.

Salvo algumas exceções, não podemos afirmar que nossa família tradicional adquire tudo aquilo que
tem vontade. Por que não podemos afirmar isto? Pelo simples fato da escassez. Qual escassez? Escassez
de recursos necessários para aquisição de todas as mercadorias disponíveis ao consumo. É dela que
passaremos a tratar.

1.3 A lei da escassez

Pois bem: deixando de lado os exemplos, a Ciência Econômica existe para dar conta de responder
a um grande problema: a escassez de recursos frente à grande quantidade de mercadorias e diante da
ilimitada necessidade de consumo dos indivíduos. Portanto:

RECURSOS NECESSIDADES

LIMITADOS
X ILIMITADAS

Figura 2 – Estudo da Ciência Econômica

De quais recursos estamos nos referindo? Dos recursos produtivos ou também denominados fatores de
produção, elementos indispensáveis ao processo produtivo de bens materiais, que conceituaremos como:

• terra;

• trabalho;

• capital;

• tecnologia;

• capacidade empresarial.

Pelo recurso econômico terra, entende‑se as terras destinadas à agricultura e pecuária, ou seja,
terras cultiváveis, florestas, minas disponíveis àquelas produções de mercadorias provenientes da
utilização do solo.

Pelo fator de produção trabalho, entende‑se a mão de obra empregada na produção de mercadorias
ou na prestação de serviços. Portanto, o homem.

15
Unidade I

Pelo fator de produção capital, entenderemos inicialmente o capital financeiro, ou seja, o dinheiro
necessário para dar impulso a qualquer empreendimento industrial, comercial ou qualquer outro que
seja. Mais do que exemplificar o dinheiro enquanto recurso produtivo, há também o capital representado
pelas máquinas, pelos equipamentos, pelas instalações e pela matéria‑prima.

Já o fator de produção tecnologia compreende as técnicas de produção utilizadas pelas empresas,


que também podemos chamar de know how ou knowlege, voltados à técnica de produção e ao
conhecimento científico, respectivamente.

Por fim, ao fator de produção capacidade empresarial dá‑se importância aos empresários ou simplesmente
àquelas pessoas disponíveis a empreender um novo investimento ou aptas a abrir uma empresa.

Saiba mais

Sobre a importância do empreendedorismo no Brasil, vale a leitura


do relatório da pesquisa realizada pela Endeavor Brasil, Empreendedores
Brasileiros: Perfis e Percepções 2013. Desbravado, empolgado, provedor,
apaixonado, antenado, independente, arrojado, pragmático e lutador são
alguns dos perfis traçados na pesquisa.

ENDEAVOR Brasil. Empreendedores brasileiros: perfis e percepções 2013.


Disponível em: http://www.endeavor.org.br/pesquisas/empreendedores
_brasileiros_perfis_percepcoes_relatorio_completo.pdf. Acesso em:
13 fev. 2014.

Cada fator de produção tem uma remuneração diferente em termos de denominação. Conforme Nogami
e Passos (2003), a remuneração do fator de produção terra terá o nome de aluguel. Ao fator de produção
trabalho, daremos a denominação de salário enquanto remuneração. Quanto ao capital, este recebe sua
remuneração na forma de juros. A tecnologia utilizada na produção de mercadorias recebe a remuneração
em forma de direito à propriedade e, por fim, mas não menos importante, a capacidade empresarial recebe
lucros na forma de remuneração. O quadro a seguir ordena fatores e respectivas remunerações:

Quadro 1 – Fatores de produção e remuneração

Fatores de produção Remuneração dos fatores de produção


Terra Aluguel
Trabalho Salário
Capital Juros
Tecnologia Direito à propriedade
Capacidade empresarial Lucros

16
ECONOMIA

Lembrete

Lembre‑se que os fatores de produção utilizados na economia são


remunerados e a esta remuneração daremos o nome mais amplo de renda.

1.4 O problema econômico fundamental

Pois bem. Já temos condições para afirmar que a renda de uma sociedade é limitada diante da
quantidade de categorias de consumo que esta sociedade enfrenta. Ademais, as empresas procuram
criar mercadorias novas que chamam a atenção de novos consumidores, criando novos hábitos de
consumo, ou pelo simples fato de produzir de forma diferente antigas mercadorias.

Exemplo de aplicação

Veja que indagação interessante há aqui: as empresas produzem bens para dar atendimento às
necessidades de consumo da sociedade e, desta forma, também podem gerar novas necessidades até
então não existentes ou é a sociedade que dá sinais para as empresas do que elas devem produzir? Já
parou para pensar desta forma? Está aqui aberto um excelente debate.

Assim, estamos diante de um dilema, que será ilustrado por meio de um problema: o problema
econômico fundamental. Ele consiste em dar respostas às seguintes questões:

• O que e quanto produzir?

• Como produzir?

• Para quem produzir?

Estas três perguntas básicas, que à primeira vista são bastante simples, nos remetem às noções de
recursos escassos e necessidades ilimitadas.

Observação

Podemos dizer que o problema econômico fundamental origina‑se da


escassez de recursos, que é o objeto de investigação da Ciência Econômica.

De acordo com Heilbroner (1987, p. 19), “o problema econômico é, simplesmente, o processo de


prover o bem‑estar material da sociedade. Em seus termos mais simples, a economia é o estudo de como
o homem ganha o pão de cada dia”.

17
Unidade I

Para Heilbroner (1987), a questão que se coloca é que a maioria dos problemas econômicos das
sociedades – e que estão acima do nível de subsistência – são derivados do próprio homem e não da
natureza. Pelas suas palavras,

As tarefas da sociedade econômica são (1) organizar um sistema que assegure


a produção de bens e serviços suficientes para sua própria sobrevivência; e
(2) ordenar a distribuição dos frutos de sua produção, de modo que mais
produção possa ter lugar. Estas duas tarefas envolvem (i) mobilização de
esforços, (ii) alocação de esforços, (iii) distribuição do produto. (HEILBRONER,
1987, p. 23)

Vejamos. Se as empresas precisam produzir mercadorias como uma forma de remunerar o capital
que é investido, e isto passa pela venda das mercadorias que são produzidas, e se os consumidores, dada
sua renda escassa ou limitada, precisam alocar de forma eficiente as suas categorias de despesas, então
resta às empresas produzirem mercadorias que são procuradas.

Estão postas então as três questões anteriormente apresentadas, representando o problema


econômico fundamental: o que e quanto produzir? Como produzir? Para quem produzir?

A primeira questão, o que e quanto produzir, diz respeito a quais os tipos de mercadorias que devem
ser produzidas pelas empresas de um país e em quais quantidades. Responder a este questionamento
implica conhecer o tipo de mercadoria que é procurada por uma coletividade, bem como conhecer as
quantidades desta mercadoria que são consumidas. Para Heilbroner (1987, p. 24, adição nossa),

[...] o que produzir diz respeito à mobilização de esforços, pois, como a natureza
é restrita, parece que o problema da produção deve ser essencialmente o
de aplicar proficiência técnica e engenharia aos recursos existentes, evitar
desperdícios e utilizar o esforço social, de modo tão eficaz quanto possível.
[A produção], tarefa importante para qualquer sociedade, dedicada ao ato
de economizar. Entretanto, antes de a sociedade poder sequer preocupar‑se
a respeito de usar suas energias “economicamente”, ela deve reunir energias
para realizar o próprio processo produtivo. Ou seja, o problema básico da
produção consiste em criar instituições sociais que mobilizem a energia
humana para fins produtivos. Fazer com que os homens encontrem trabalho.

Para Passos e Nogami (2003), a questão referente ao o que e quanto produzir diz respeito a quais
mercadorias devem ser produzidas pelas empresas de um país e em quais quantidades. Responder a
esse questionamento significa conhecer o tipo de mercadoria que é procurada por uma coletividade e
conhecer as quantidades dessa mercadoria que são (ou serão) consumidas. É mais importante produzir
alimentos ou é mais importante investir em produção energética?

A segunda questão, como produzir, diz respeito a qual técnica de produção utilizar na produção
de determinadas mercadorias. Responder a este questionamento implica conhecer as tecnologias
disponíveis às empresas para utilização na produção das mais diversas mercadorias.
18
ECONOMIA

Cada mercadoria possui uma técnica de produção diferenciada das demais. Umas necessitam de
maior quantidade de matéria‑prima, outras, de uma maior quantidade de máquinas e equipamentos,
ou seja, são capital‑intensivas, e outras ainda demandam grande quantidade de mão de obra em seu
processo de produção.

Imaginemos, por exemplo, a diferença entre os processos de produção de automóveis e o processo


de produção daquele pão francês que compramos na padaria mais próxima de nossa casa. Devem ser
diferentes. São diferentes! Uma utiliza grande quantidade de robô, tecnologia, enquanto a outra é mais
intensiva na utilização de mão de obra. O como produzir diz respeito à alocação de esforços. Sobre isto,
Heilbroner (1987, p. 25) diz que

[...] não basta que homens e mulheres sejam postos a trabalhar; devem
trabalhar nos lugares certos a fim de produzirem os bens e serviços de
que a sociedade necessite. Assim, além de assegurarem uma quantidade
suficientemente grande de esforço social, as instituições econômicas da
sociedade devem garantir uma alocação viável desse esforço social.

Afinal, quanto usar de cada recurso disponível, de forma a obter o máximo, evitar desperdícios e ter
garantida a sustentabilidade da produção? Deve‑se preferir usar mão de obra intensiva ou é preferível
utilizar máquinas para aumentar a produtividade? (BESANKO; BRAEUTIGAM, 2004).

A última questão, referente ao para quem produzir, diz respeito às opções políticas que,
necessariamente, devem ser feitas. A quem priorizar? A qual segmento da sociedade devemos atender?
De todas as demandas feitas por uma sociedade, qual deve ser prioritária e qual deve ser postergada?
Quem precisa de mais serviços de saúde: a população dos centros urbanos ou da periferia? Devemos
construir escolas de primeiro ou de segundo grau? Quais são, afinal, as necessidades mais prioritárias e a
quem devemos atender primeiro? Dessa forma, a pergunta referente ao para quem produzir diz respeito
à distribuição do produto (PASSOS; NOGAMI, 2003).

Nem sempre as sociedades obtêm êxito na alocação adequada de seus esforços. Ela pode produzir
carros a mais ou a menos; ela pode dedicar suas necessidades/energias à produção de artigos de luxo,
enquanto uma grande quantidade de pessoas necessita de alimentos. Esses fracassos podem afetar o
problema da produção de modo tão sério quanto o fracasso em mobilizar uma quantidade adequada de
esforços, pois uma sociedade viável deve produzir não apenas bens, mas os bens certos. Não apenas deve
produzir, mas produzir da maneira correta. Não apenas atender às necessidades, mas atender àquelas
mais urgentes e socialmente prioritárias. O ato de produzir, em si e por si mesmo, não responde aos
requisitos para a sobrevivência. Além disso, a sociedade deve distribuir esses bens para que o processo de
produção possa ter continuidade. Em outras palavras, se uma sociedade quiser assegurar seu constante
reaproveitamento material, deverá distribuir sua produção de modo a manter não só a capacidade, mas
também a disposição de se continuar trabalhando.

A questão para quem produzir diz respeito a que tipo de público deve ser atendido com determinada
produção. Implica conhecer o público‑alvo para determinada mercadoria, e, portanto, implica conhecer
que tipo de consumidor tem a renda correspondente ao consumo de determinada mercadoria.
19
Unidade I

Assim, reencontramos o foco da investigação econômica dirigido ao estudo das instituições humanas
dedicadas à produção e à distribuição de riqueza. É disso que se ocupa a Ciência Econômica: do estudo
da produção e da distribuição de bens.

1.5 E quanto aos bens?

Quando mencionamos produção, lembramos‑nos de produto. Por definição, trocaremos a palavra


produto pela palavra bem. Mas, também por definição, quando utilizamos a palavra bem, estamos
querendo nos referir a serviços. Portanto, da produção nasce um produto chamado bem, que será
por nós identificado como bem ou serviço. Enquanto os bens representarão algo material, os serviços
representarão o intangível. Precisaremos agora efetuar algumas distinções.

Os bens serão divididos entre livres e econômicos. Os bens livres são aqueles que, ao serem consumidos,
não ensejam qualquer contraprestação como pagamento por sua utilização. Vamos exemplificar: o ar
que respiramos, o sol que nos aquece, a chuva que irriga nossas plantações, o vento que movimenta as
nuvens e assim por diante. Há uma infinidade de bens que são livres e que, de alguma forma, auxiliam na
produção de determinadas mercadorias, bem como na manutenção da vida das pessoas. Com estes bens,
a Ciência Econômica não se preocupa, justamente pelo motivo de não ensejarem a contraprestação por
seu pagamento.

Já os bens econômicos terão atenção especial por nossa ciência, pois requerem contraprestação
de pagamento por sua utilização. Vamos definir as diversas categorias de bens econômicos. Eles
podem ser de consumo, intermediários e também podem ser classificados como de capital (PASSOS;
NOGAMI, 2003).

Os bens de consumo podem ser classificados como duráveis e não duráveis. Um aparelho televisor, por
exemplo, é categorizado como bem de consumo durável, assim como um automóvel ou um computador.

Figura 3 – Bem de consumo durável: televisão

20
ECONOMIA

Serão considerados bens de consumo não duráveis aqueles bens que se destroem enquanto são
utilizados, ou seja, o seu consumo os leva à destruição. É o caso dos alimentos. Na medida em
que são consumidos, são destruídos. Podemos exemplificar também com roupas, calçados, canetas,
entre outros. Desta forma, os bens de consumo duráveis ou não duráveis atendem diretamente às
necessidades de consumo da sociedade, pois já estão prontos ao consumo.

Figura 4 – Bem de consumo não durável: alimento

Outra categoria de bens são os intermediários. Estes serão transformados em bens de consumo
por meio do processo de produção. São exemplo as matérias‑primas utilizadas nas mais diferentes
produções de mercadorias. Pense no processo de produção de um pão francês, aquele mesmo que
demos de exemplo anteriormente. Trata‑se de um bem de consumo não durável, pois na medida em
que é consumido, é destruído. Mas, para produzir este pão francês é necessária a utilização de meios de
produção, de matérias‑primas, de bens intermediários. A farinha, juntamente com outros ingredientes,
outros bens intermediários, será transformada em pão. Desta forma, os bens intermediários são utilizados
para satisfazer indiretamente às necessidades de consumo da sociedade, pois passarão por um processo
de transformação até chegarem à categoria de bens de consumo, durável ou não.

Há ainda outra categoria de bens, os de capital. São máquinas e equipamentos utilizados para
produzir outros bens, e, desta forma, também atendem indiretamente as necessidades da sociedade.

Neste momento você deve estar se perguntando de que forma estão relacionados os bens e serviços
com as necessidades de consumo da sociedade, bem como com o problema econômico fundamental.
Vamos avançar, então.

1.6 Curva de possibilidade de produção

Efetuadas as distinções entre bens de consumo, intermediários e de capital, é momento de


retornarmos nossa investigação quanto ao problema econômico fundamental, ou seja, retomarmos
aquelas três questões básicas elencadas anteriormente: o que e quanto produzir? Como produzir? Para
quem produzir?

21
Unidade I

Para podermos avançar em nossa análise, é necessário também retornar ao objeto de estudo da
ciência econômica, ou seja, a diferença entre os recursos limitados e as necessidades ilimitadas.

Portanto, tendo que as necessidades dos indivíduos são renovadas a cada momento, são ilimitadas,
mas os recursos pertencentes a um sistema econômico são escassos, ou seja, limitados. A partir desse
contraponto surge o problema de escolha em atenção à resposta àquelas três perguntas básicas: o que
e quanto produzir? Como produzir? Para quem produzir?

Diante disso, temos que a Ciência Econômica é uma ciência ligada a problemas de escolha, por conta
da questão da escassez. De acordo com Wessels (2002), escassez significa que não podemos satisfazer
todos os nossos desejos. Ela nos obriga a escolher quais necessidades iremos satisfazer e quais não.
Mas como fazemos esta escolha? Para responder a este questionamento, utilizaremos um instrumental
analítico, representado pela curva de possibilidade de produção (CPP).
Y

Figura 5 – Curva de possibilidade de produção

Vamos examinar este instrumental a partir de um simples exemplo. Suponhamos que num sistema
econômico exista somente a produção de duas mercadorias: aviões e sapatos. Vamos assumir que os
aviões sejam representados pelo eixo Y e os sapatos, pelo eixo X. Portanto:

Y = unidades de aviões.

X = pares de sapatos.

Esta curva de possibilidade de produção, também chamada de curva de transformação, mostra as


quantidades máximas que podem ser produzidas das duas mercadorias em um sistema econômico,
dadas as combinações ótimas entre todos os seus fatores de produção disponíveis.

Dito de outra forma, ao simplificarmos demasiadamente a realidade, estamos supondo que para a
produção de sapatos e de aviões seja necessária a utilização de quantidades de fatores de produção, e que,
neste caso, todos os recursos disponíveis a esta economia estão sendo utilizados na produção destas duas
mercadorias. Estamos afirmando que todas as quantidades disponíveis de terra, de trabalho, de capital, de
tecnologia e de capacidade empresarial foram destinadas à produção das máximas quantidades de cada
uma dessas mercadorias em atendimento às necessidades de consumo de sua população.
22
ECONOMIA

Vejamos outra forma de apresentar a CPP para derivarmos novos conceitos.


Y
a
f
b

c
e x

Figura 6 – Curva de possibilidade de produção

O que representa cada um destes pontos?

• Os pontos a, b e c representam as quantidades máximas das duas mercadorias que essa economia
pode produzir.

• O ponto a mostra que todos os recursos disponíveis nessa economia foram destinados à total
produção da mercadoria Y e nenhuma produção da mercadoria X.

• O ponto b mostra que há produção das duas mercadorias, tanto de aviões quanto de sapatos.

• O ponto c mostra que há produção das duas mercadorias, tanto de aviões quanto de sapatos, e
mostra também que uma maior quantidade de X é produzida em detrimento às quantidades de Y.

• Quanto ao ponto e, como ele está posicionado na origem dos dois eixos, representando também
o número zero, mostra que não há qualquer produção, nem de aviões e muito menos de sapatos.
Desta forma, ele representa o total desemprego de recursos.

• O ponto d representa o conceito de capacidade ociosa ou desemprego de recursos produtivos, pois


seria como se por ele passasse uma CPP imaginária, ou seja, um ponto para dentro daquela CPP que
representa as quantidades máximas que esta economia pode produzir diante da disponibilidade
total de fatores de produção.

• Por fim, temos o ponto f, posicionado à direita da curva de possibilidade de produção. Este
ponto seria alcançado em uma situação de longo prazo, quando fossem aumentadas as
quantidades de fatores de produção disponíveis na economia. O ponto f demonstra que
houve um deslocamento das possibilidades de produção da economia em um sentido para
um aumento nas quantidades produzidas das duas mercadorias, tanto em Y quanto em X,
conforme representação adiante.

23
Unidade I

Figura 7 – Deslocamento da curva de possibilidade de produção

Exemplificando com números o exemplo aplicado anteriormente, consideremos a seguinte tabela:

Tabela 1 – Possibilidades alternativas de produção

Aviões Sapatos
Pontos
(Unidades) (Pares)
A 0 14

B 1 12

C 2 10

D 3 7

E 4 0

A tabela mostra que podemos produzir tanto aviões quanto sapatos. Mudando alguns pontos de
lugar, pois eles são meramente ilustrativos do que representam em termos de conceito, teremos que
no ponto A, enquanto esta economia hipotética produz 14 unidades de pares de sapatos, nenhuma
produção de aviões é possível, pois todos os fatores de produção (terra, trabalho, capital, tecnologia e
capacidade empresarial) foram empregados para a produção de sapatos.

No ponto B, temos uma diminuição na quantidade produzida de pares de sapatos para ocorrer um
aumento na quantidade produzida de aviões. Neste caso, a produção de pares de sapatos foi diminuída
em duas unidades para que fosse aumentada uma unidade da produção de aviões.

Na passagem do ponto B para o ponto C, uma nova situação é verificada. Em B temos um avião
sendo produzido e 12 pares de sapatos. Em C, temos a produção de 2 aviões e 10 pares de sapatos.
Ao passarmos a economia para o ponto D, temos uma nova combinação da produção dessas duas
mercadorias. Agora são três aviões para a produção de sete pares de sapatos. Finalmente, em E, teremos
quatro aviões para nenhum sapato, situação contrária à do ponto A, ou seja, em E, todos os fatores de
produção foram destinados à produção de aviões e nenhum para a produção de sapatos.

24
ECONOMIA

Observação

Ao olharmos novamente para a tabela anterior percebemos que, à medida


que aumentamos a produção de uma das mercadorias, necessariamente
diminuímos a produção de outra.

Conforme aumentamos a produção de aviões, deixamos de utilizar fatores de produção na produção de


sapatos e, portanto, uma menor quantidade de sapatos deve ser produzida. Dito de outra forma, quando
aumentamos a produção de aviões, mostramos que uma maior quantidade de fatores de produção foi
empregada na produção de aviões e que, desta forma, restam poucos fatores disponíveis à produção de
sapatos. Logo, a produção de sapatos diminui.

Com relação à tabela, ao passarmos do ponto A para o ponto B, aumentamos em uma unidade
a produção de aviões, porém diminuímos em duas unidades a produção de pares de sapatos. Algo
parecido acontece quando a economia passa do ponto B para o ponto C. Agora, para produzir dois
aviões, torna‑se necessário diminuir em mais duas unidades a produção de pares de sapatos, passando
então de uma produção de 12 para 10.

Continuando a observar os dados da tabela, percebemos que a passagem do ponto C para o ponto D
requer sacrificar ainda mais a produção de pares de sapatos para que a produção de aviões aumente.
A relação agora é que, para poder produzir 3 unidades de aviões, é necessário diminuir em três unidades
a produção de pares de sapatos. Em E então, anula‑se a produção de sapatos e todos os fatores de
produção disponíveis na economia foram destinados à produção de aviões.

Da curva de possibilidade de produção e da tabela anteriormente apresentada, chegamos a mais um


conceito importante para a Ciência Econômica, o conceito de custo de oportunidade.

De acordo com Wessels (2002, p. 11),

[...] o custo de qualquer recurso (incluindo dinheiro, tempo, energia e


bens) é o que os economistas chamam de custo de oportunidade: o valor
mais alto daquilo que os mesmos recursos poderiam ter se produzidos
em outro lugar.

Distanciando‑se um pouco do economês, o conceito de custo de oportunidade diz respeito às


quantidades de uma mercadoria que são deixadas de serem produzidas para que sejam produzidas
maiores quantidades de outra mercadoria. O custo de oportunidade pode ser entendido também como
uma taxa de sacrifício, que pode ser explicada da seguinte forma: para satisfazer às necessidades de
consumo da sociedade por uma maior quantidade de uma mercadoria, devemos sacrificar esta mesma
sociedade com a menor produção de alguma outra mercadoria.

25
Unidade I

Retirado do exemplo anterior, podemos dizer que quando aumentamos em uma unidade a produção
de aviões, ou seja, quando passamos do ponto A para o ponto B, sacrificamos a sociedade em duas
unidades de pares de sapatos. Há, portanto, um custo de oportunidade de dois pares de sapatos para a
produção de uma unidade de avião.

Quando essa economia passa do ponto C para o ponto D, o custo de oportunidade de se produzir
aviões aumenta. Passa agora a ser de três unidades de pares de sapatos, ou seja, foram aumentadas as
taxas de sacrifício ao se trocar a produção de pares de sapatos pela de aviões.

Ainda para Wessels (2002, p. 11),

[...] devido à escassez, não podemos fazer tudo o que queremos nem
podemos resolver todos os nossos problemas. Em outras palavras, estamos
diante de compensações ou, no jargão econômico, de trade‑offs. Podemos
fazer alguma coisa, mas não outras. O custo de oportunidade é uma medida
daquilo que poderia ter sido feito de outra maneira. Ele nos orienta na
realização das compensações corretas.

Lembrete

Para efeito de nosso estudo, o custo de oportunidade é tratado como o


que deixamos de produzir de uma mercadoria para que seja aumentada a
quantidade produzida de alguma outra.

2 FLUXO CIRCULAR DA RENDA

Conforme afirmamos em algum dos parágrafos anteriores, a Ciência Econômica, por se preocupar
com a escassez de recursos diante do fato de as necessidades serem ilimitadas, também é uma
ciência voltada a problemas de escolha, ou seja, procura explicar que tipos de mercadorias devem ser
produzidas, e, portanto, escolhidas, em atendimento às necessidades da sociedade. Não é por outro
motivo que foi enunciado o problema econômico fundamental: o que e quanto produzir? Como
produzir? Para quem produzir?

Agora, como decidir qual a quantidade de aviões deve ser produzida ou qual a quantidade de sapatos
deve ser produzida? Só de aviões e sapatos vive uma sociedade? Sabemos que não. Então, como isso é
resolvido? A resolução deste problema passa pela organização da atividade econômica.

Lembrete

Antes de explicarmos como a atividade econômica é organizada, é


importante lembrar as relações entre a produção de mercadorias e o
seu consumo.
26
ECONOMIA

Afirmamos, em passagens anteriores, que as empresas produzem bens para comercialização e, a partir
da venda destes, tirar algum proveito de lucro. Para que as empresas consigam vender sua produção,
é necessária a existência de consumidores com capacidade de aquisição. Isso somente é possível se
tiverem recursos. A estes recursos, já denominamos de renda. Portanto, vejamos o fluxo circular da renda
que representa o funcionamento de uma economia de mercado.

C
A

Empresas Famílias
B D

Figura 8 – Fluxo circular da renda

O fluxo circular da renda apresentado na figura representa, de forma muito simplificada, o


funcionamento de uma economia de mercado.

O movimento representado pela seta A mostra que as empresas destinam bens e serviços às
famílias. Desta forma, as empresas são representadas por todos os produtores ou vendedores de bens
e as famílias representam os consumidores de tais bens.

Como as famílias consomem os bens e serviços que são destinados pelas empresas, elas
também destinam algo às empresas. Neste caso, gerando as receitas das empresas. As receitas
representam o pagamento dos bens e serviços, que é efetuado pelas famílias e está representado
pela seta B.

Para que as empresas produzam bens e serviços que serão destinados às famílias, necessitam
empregar fatores de produção. Portanto, precisam adquirir terra, trabalho, capital, tecnologia e
capacidade empresarial que são destinadas pelas famílias. Desta forma, a seta representada pela
letra C mostra as famílias destinando fatores de produção às empresas e, como as empresas precisam
remunerar a utilização desses fatores de produção, também há a contrapartida. A seta D representa
então as empresas remunerando os fatores de produção que foram destinados às famílias. Ao total desta
remuneração, já denominamos de renda.

O quadro a seguir ordena tais movimentações.

27
Unidade I

Quadro 2 – Relacionamento do fluxo circular da renda

Sentido Movimento
A Empresas destinam bens e serviços para consumo das famílias.
B Famílias geram receitas provenientes do consumo de bens e serviços às empresas.
C Famílias destinam fatores de produção às empresas.
D Empresas geram receitas provenientes da utilização de fatores de produção às famílias.

É possível observar que, na parte de cima do fluxo circular da renda, há o destino de bens e serviços das
empresas às famílias (A), ao mesmo tempo em que há também o destino de fatores de produção das famílias
às empresas (C). A estes movimentos chamaremos de fluxo real. Na parte de baixo do fluxo da renda há a
geração de receitas, por parte das famílias, às empresas (B), ao mesmo tempo em que há a geração de rendas,
por parte das empresas, às famílias (D). A estes movimentos chamaremos de fluxo monetário.

Observação

Observe que como se trata de um fluxo, tanto faz o fluxo real estar
desenhado na parte de cima como na parte de baixo. O mesmo vale para o
fluxo monetário.

Percebemos então que o fluxo monetário complementa o fluxo real e vice‑versa. Neste fluxo circular
da renda, apresentamos o relacionamento monetário e real entre empresas e famílias, encarando as
empresas como produtoras e/ou vendedoras e as famílias como consumidoras. Mas temos que pensar
também de outra forma.

As empresas, para produzirem suas mercadorias, necessitam, muitas vezes, adquirir bens
intermediários ou de capital de outras empresas. Portanto, as empresas, além de serem vendedoras,
também são compradoras, empreendendo então um relacionamento entre os fluxos monetários e reais
entre as próprias empresas. Às famílias, também vale outro raciocínio, pois elas destinam fatores de
produção a outras famílias, empreendendo relação tanto monetária quanto real entre elas.

Portanto, no fluxo circular da renda temos relacionamento empresa‑família, empresa‑empresa,


família‑empresa e família‑família. No relacionamento empresa‑família, as empresas utilizam os fatores
de produção das famílias e as remuneram por isto. No relacionamento família‑empresa, as famílias
utilizam‑se dos bens e serviços que são produzidos pelas empresas e as remuneram por isto. No
relacionamento empresa‑empresa, as empresas adquirem bens e serviços de outras empresas, gerando
receitas umas às outras. Por fim, no relacionamento família‑família, as famílias adquirem e destinam seus
fatores de produção a outras, ensejando então fluxos real e monetário entre esses agentes econômicos.

O fluxo circular da renda, apresentado pela figura 8, representa o funcionamento de uma economia
de mercado, mas essa representação está bastante simplificada, ainda. Para Hubbard e O’Brien (2010,
p. 106), nosso modelo deixa de fora alguns elementos:

28
ECONOMIA

[...] a figura deixa de fora o importante papel do governo na compra de bens


das empresas e na realização de pagamentos, como os de seguridade social ou
seguro‑desemprego para as famílias. A figura também deixa de fora os papéis
exercidos pelos bancos, pelos mercados de ações e de títulos de dívida, e por outras
partes do sistema financeiro, de ajudar o fluxo de fundos dos credores para os
mutuários. Ainda a figura não mostra que alguns bens e serviços comprados são
produzidos em países estrangeiros e que alguns bens e serviços produzidos por
empresas domésticas são vendidos para famílias estrangeiras.

Outra questão de vital importância: nosso modelo pressupõe uma economia a dois setores, ou seja,
considerando somente o relacionamento de empresas e famílias. Essa é uma simplificação que deve ser
levada em consideração já que, conforme afirma Schwarz (2009, p. 41), a economia deve ser vista como
um sistema aberto:

[...] embutido na sociedade e no ambiente natural, que depende para


o seu funcionamento e evolução da existência não só de um quadro
organizacional, como de fluxos permanentes de materiais, de energia e de
informação: matérias‑primas, combustíveis fósseis, água, ar etc., são por ela
capturados, depois transformados em bens e serviços aptos a satisfazerem as
necessidades humanas e, por fim, devolvidos à origem na forma de resíduos
sólidos, líquidos e gasosos.

Passemos então a analisar as formas de organização da sociedade econômica ou então de que forma
as sociedades se organizam para poder cumprir o fluxo circular da renda.

2.1 Organização da atividade econômica e fundamentos legais do mercado

Estabeleceremos aqui que há duas formas de organização da atividade econômica: uma forma
descentralizada, predominante nas economias ocidentais, e uma forma centralizada, predominante no
caso cubano.

Observação

Vamos explorar com maior preocupação a forma descentralizada que é


a predominante nas economias modernas.

A forma descentralizada, também chamada de economia de mercado, reúne três elementos


principais: livre iniciativa, presença do Estado e elementos de uma economia capitalista. Vamos examinar
detidamente cada um destes elementos.

No caso da livre iniciativa, nenhum agente econômico – seja empresas, como produtoras ou
vendedoras de mercadorias, ou famílias, como fornecedoras de fatores de produção e consumidores de
mercadorias – se preocupa em desempenhar o papel de gerenciar o bom funcionamento do sistema
29
Unidade I

de preços. Preocupa‑se em resolver isoladamente seus próprios negócios. Procura sobreviver apenas na
concorrência imposta pelos mercados, tanto na venda e compra de produtos finais como na dos fatores de
produção. Trata‑se de um jogo econômico, baseado em sinais dados por preços formados nos diversos mercados.

Trata‑se de um agir egoísta que, no conjunto, resolve inconscientemente os problemas básicos


da coletividade. Há uma espécie de mão invisível agindo sobre os mercados, e ela opera como algo
coordenador das atividades econômicas e sociais.

A ação conjunta dos indivíduos e empresas permite que centenas de milhares de mercadorias sejam
produzidas como um fluxo constante, mais ou menos voluntariamente, sem uma direção central. A livre
iniciativa ajuda a responder ao problema econômico fundamental, ou seja, resolve as questões principais
– o que e quanto produzir? Como produzir? Para quem produzir? – da seguinte forma:

O que e quanto produzir é resolvido pela procura dos consumidores no mercado, ou seja, são eles
que dão sinais de mercado às empresas do que elas precisam produzir. Portanto, o agente principal neste
processo é o consumidor, pois sua atuação determinará quais produtos serão produzidos.

A questão sobre como produzir é determinada pela concorrência entre os produtores, pelo emprego
do método de fabricação mais eficiente ou mais barato. No caso, aquele produtor mais eficiente derrotará
o produtor mais ineficiente. Por fim, a questão sobre para quem produzir será respondida pela oferta e
demanda no mercado de fatores de produção, ou seja, pelo montante de renda individual.

Esquematizando, voltamos ao fluxo circular da renda.

Modelo de fluxo circular da renda e do produto


Gastos ($) (=PIB) Receitas ($) (=PIB)
Mercado de produtos

Bens e serviços Bens e serviços


comprados vendidos

Fluxo de bens e serviços


Famílias Empresas

Fluxo de dinheiro

Terra, capital, trabalho Insumos para


e empreendedorismo a produção

Mercado de fatores de
produção
Renda ($) (PIB) Salários, aluguéis, juros e
lucros ($) (PIB)

Figura 9 – Fluxo circular da renda

30
ECONOMIA

A livre iniciativa opera conforme demonstrado pelo fluxo circular da renda, ou seja, as famílias
dão sinais de mercado às empresas do que elas necessitam consumir, sinalizando a elas o que devem
produzir. Para tanto, as empresas também dão sinais de mercado de que é necessário empregar fatores
de produção (terra, trabalho, capital, tecnologia e capacidade empresarial) e em quais quantidades.

Desses sinais de mercado, do que produzir e quanto empregar de fatores de produção, temos
a determinação dos preços das mercadorias e a determinação dos preços dos fatores de produção.
Portanto, a livre iniciativa também pode ser chamada de sistema de preços, ou seja, o fluxo circular da
renda ou o sistema de preços coordena as decisões de milhões de unidades econômicas.

Então, além do fluxo circular da renda demonstrar os fluxos monetário e real, ele também demonstra
a existência de um mercado de bens e de um mercado de fatores. Quando as empresas destinam bens
e serviços às famílias, estamos trabalhando com um mercado de bens no qual serão estabelecidos os
preços das mercadorias transacionadas, bem como suas quantidades.

Quando as famílias destinam fatores de produção às empresas, estamos trabalhando com um mercado
de fatores de produção e, neste mercado, são estabelecidos tanto os preços quanto as quantidades
desses fatores.

O sistema de preços determina preços e quantidade de equilíbrio, pois os consumidores estabelecem


os preços máximos que desejam pagar pelo consumo das mercadorias e os produtores estabelecem os
preços mínimos que desejam remunerar pela utilização dos fatores de produção.

No que diz respeito à presença do Estado, dadas as imperfeições apresentadas pelo sistema de
preços da livre iniciativa, ele surge para regulamentar essas atividades.

Lembrete

A introdução do governo nesse modelo simplificado não o modifica,


pois o governo exerce funções normativas e regulatórias ao participar dos
fluxos econômicos fundamentais.

Como o governo também se apresenta como agente econômico, desempenha algumas funções
na economia: de um lado, pela arrecadação de impostos, retira do fluxo circular parcela da renda da
sociedade que, desta forma, financia o gasto público. De outro lado, o governo utiliza a renda que foi
retirada da sociedade e a devolve na forma de gastos públicos, oferecendo para a sociedade aquilo que
a iniciativa privada não teria condições de produzir (ou que a iniciativa privada produziria a um custo
social muito elevado). Tem ainda a função de adquirir produtos das empresas.

Quanto aos elementos de uma economia capitalista, este sistema caracteriza‑se por uma organização
econômica com base na propriedade privada dos meios de produção, isto é, os bens de produção ou de
capital. Os elementos são:

31
Unidade I

• capital;

• propriedade privada dos meios de produção, dada a existência do capitalista;

• divisão do trabalho por meio da especialização do trabalho e da mecanização da produção;

• moeda.

Saiba mais

Leitura de extrema importância para que se possa entender os elementos


de um sistema de capital é o seguinte livro:

DOWBOR, L. O que é capital. São Paulo: Brasiliense, 1982. Coleção


Primeiros Passos.

Acreditamos que a leitura muito lhe agradará.

Revisando o que foi apresentado anteriormente, vivemos em uma sociedade baseada nas
trocas, que ocorrem através do mercado. Nessa sociedade, por meio das trocas, o agente busca
individualmente solucionar o seu problema econômico. Para isso, ele, de forma racional, dá à
sociedade, no mercado, o que detém, recebendo em troca, também no mercado, o que necessita e
não detém. Ou seja, nessa sociedade,

[...] não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que


esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio
interesse. Dirigimo‑nos não à sua humanidade, mas à sua autoestima, e
nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens
que advirão para eles (SMITH, 1983, p. 50).

Portanto, nessa sociedade, de forma anárquica – afinal, cada agente cuida de si –, emergiria o
bem‑estar coletivo. Portanto, uma vez que cada um cuida de si, vemos que a competição é um fator
inerente e determinante numa economia de mercado: todos os agentes se movimentam pelo interesse
próprio, fazendo escolhas racionais no intuito de obter mais poder de mercado que os demais agentes
e, com isso, minimizando as suas restrições na busca da maximização do seu benefício individual. Assim
sendo, na economia de mercado, vemos que a relação de troca das mercadorias é peça‑chave na solução
do problema econômico individual e coletivo.

Nas economias modernas, por uma questão de eficiência e necessidade, as trocas são intermediadas pela
moeda. Por exemplo, no mercado, não trocamos trabalho por uma geladeira. De fato, primeiro vendemos
trabalho no mercado e, com o dinheiro apurado nessa venda, compramos no mercado a geladeira que
desejávamos. Portanto, na economia de mercado em que vivemos, as trocas, de fato, ocorrem, não mercadoria
por mercadoria, mas sim mercadoria por dinheiro (vendas) e dinheiro por mercadoria (compras).
32
ECONOMIA

De forma nítida, estamos tratando de trocas: empresas produzindo mercadorias para consumo
da sociedade em troca de recursos, no caso, monetário, para ser aplicado novamente na produção de
mais mercadorias e assim em diante. Pessoas trabalhando para empresas que, em troca de sua força
de trabalho, recebem salário na forma de dinheiro para destinar ao consumo de mais mercadorias.

Para Jorge e Moreira (1990, p. 27),

[...] qualquer que seja a forma de organização da atividade econômica de


uma comunidade, [...] os seus objetivos são muito semelhantes: busca‑se
otimizar a satisfação do indivíduo, de um lado e, de outro, maximizar a
eficiência produtiva.

Ademais, em um sistema de livre iniciativa empresarial,

[...] impera a propriedade privada dos bens de produção ao lado das decisões
sobre o que e quanto produzir fundamentadas no mercado e nos preços. As
atividades econômicas são, portanto, dirigidas e controladas unicamente
por empresas privadas, que competem entre si. Daí a alcunha de ‘economia
de mercado’, porque o mercado é o habitat natural das empresas (JORGE;
MOREIRA, 1990, p. 29).

Quanto à segunda forma de organização da atividade econômica, ou seja, a forma centralizada,


quem responde ao problema econômico fundamental é um órgão planejador central (JUDENSNAIDER;
MANZALLI, 2010). Apenas para dar um exemplo: desde a revolução que destituiu Batista e levou Fidel
Castro ao poder cubano, é o governo quem decide o que cada um deve produzir e o que cada agente
deve consumir. O princípio que norteia essas decisões é o socialista, que prevê que cada um deve
contribuir/consumir de acordo com sua capacidade e com seu trabalho. Do ponto de vista prático,
as vendas são realizadas por meio de libretas, criadas em 1962, e que representam o conjunto de
mercadorias que podem ser consumidas por cada pessoa.

A quantidade e tipos de produtos foram os seguintes: Em todo o território


nacional, 2 libras de gordura comestível, óleo ou banha de porco ao mês;
6 libras de arroz por pessoa ao mês; 13 libras e meia de feijões de qualquer
tipo, grão‑de‑bico, ervilhas ou lentilhas por pessoa nos nove meses
seguintes. Na cidade de Havana, (...) uma barra de sabão por pessoa ao
mês; um pacote médio de detergente por pessoa ao mês; um sabonete por
pessoa ao mês; um tubo grande de creme dental para cada duas pessoas
ao mês. Na cidade de Havana, três quartos de libra de carne de gado por
pessoa por semana; 2 libras de frango por pessoa ao mês; meia libra de
peixe de escama, limpo e em posta, por pessoa ao mês; cinco ovos por
pessoa ao mês; um litro de leite diário para cada criança de menos de sete
anos e um litro diário para cada 5 pessoas maiores de 7 anos (PIÑEDA apud
CARCANHOLO; NAKATANI, 2002, p. 142)

33
Unidade I

Judensnaider e Manzalli (2010) levantam o seguinte questionamento: a pergunta a ser respondida,


agora, é: qual o tipo de sistema da maior parte das economias nos dias de hoje? Dizemos que elas
são economias mistas e que combinam características das economias de mercado e das economias
centralizadas. Para Hubbard e O’Brien (2010, p. 66),

[...] uma economia mista ainda é primordialmente uma economia de mercado


com a maioria das decisões econômicas sendo resultantes da interação entre
compradores e vendedores em mercados, mas em uma economia mista, o
governo desepenha um papel significativo na alocação dos recursos.

3 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO

Vejamos, inicialmente, do que trata a Economia. Os economistas, em geral, admitem que a discussão
sobre Economia surge no mesmo período em que ocorre a Revolução Industrial e com o desenvolvimento
dos mecanismos de mercado de formação de preço e alocação dos recursos de produção. Assim, a
Economia é percebida como uma ciência já no século XIX e, desde então, seus especialistas debatem
incansavelmente sobre seu campo de atuação e seus limites.

Do ponto de vista antropológico, o ser humano vem estabelecendo relações de troca com seu
grupo e com a natureza desde sempre, assim o fazendo, em parte, para garantir as condições materiais
necessárias para a sua sobrevivência. Em período anterior ao século XVIII, havia atividade econômica, e
sobre ela foram escritas obras e realizados estudos.

Saiba mais

Sugerimos que você assista a esta belíssima obra:

A GUERRA do Fogo. Dir. Jean‑Jacques Annaud. França; Canadá; EUA:


International Cinema Corporation/Ciné Trail/Belstar Productions/Stéphan
Films/Gruskoff Film Organization/Royal Bank of Canada/Famous Players,
1981. 100 minutos.

O filme mostra os diferentes estágios do desenvolvimento social da


espécie humana. Embora ele tenha tomado a liberdade de colocar todos os
estágios como se tivessem ocorrido simultaneamente, você poderá perceber
o valor e a importância de cada transformação e o quanto nossa sociedade e
nosso modo de viver foram historicamente construídos ao longo do tempo.

No entanto, consideramos a gênese da Ciência Econômica como aquela relacionada à investigação


de uma determinada forma de organização econômica, qual seja, aquela que resulta das relações
existentes no mercado. Uma explicação possível é que, apenas a partir do nascimento da economia

34
ECONOMIA

de mercado tornou‑se possível falar em atos econômicos com interesses e objetivos essencialmente
econômicos; que apenas a partir do advento da economia de mercado as relações sociais passaram a ser
explicadas em função de um sistema econômico organizado.

Como está organizada a produção de bens e serviços antes da economia de mercado? Naquele
tempo, o chefe de família provê sua prole porque isso é o que a sociedade espera dele. As trocas se
realizam não para o lucro, mas para a sobrevivência material. Produz‑se comida não para vendê‑la
e, a partir da venda, obter lucro; produz‑se para consumir. Quando passa a existir governo, ele distribui a
riqueza para os cidadãos, porque esse é o seu papel. É apenas com o advento do capitalismo que
os fatores de produção (mão de obra, terra, conhecimento técnico, capacidade empresarial e dinheiro,
entre outros) não apenas se dirigem ao mercado, mas fazem mesmo parte dele. Compra‑se e vende‑se
mão de obra. Compra‑se e vende‑se conhecimento. O dinheiro passa a ter um custo, mensurado por
meio dos juros que os bancos cobram para fornecê‑lo sob a forma de crédito. Trabalha‑se não para
produzir os bens necessários, mas para obter recursos capazes de serem trocados pelos bens necessários.
Essa é uma diferença fundamental e que marca um momento de transição nas formas de organização
da sociedade.

Normalmente, os atos econômicos anteriores às sociedades capitalistas, ou que nelas não estejam
inseridos, são objeto de estudo dos antropólogos econômicos. Considerando nossos objetivos, basta
não confundirmos a Economia (ciência) com o próprio sistema de mercado. Entende‑se por Ciência
Econômica a que investiga como fatores escassos de produção são alocados para a produção de
bens e serviços que se destinam a saciar necessidades ilimitadas. Em contrapartida, economia
de mercado representa a forma pela qual, nas sociedades capitalistas, a reprodução material das
sociedades passou a acontecer por meio de instituições orientadas para objetivos econômicos, como
os mercados (CERQUEIRA, 2001, p. 399). Assim, nos mercados, as trocas produzem preços, sendo
essas “trocas realizadas como resultado de barganha, de uma negociação, em que cada parte é livre
para buscar sua vantagem e não tem que se submeter, por exemplo, a preços preestabelecidos por
algum agente regulador externo” (CERQUEIRA, 2001, p. 400). Portanto, compreenderemos que, na
economia de mercado,

[...] toda a organização da produção é confiada aos mercados, que compõem


um sistema autorregulado: indivíduos perseguindo apenas seu interesse
pessoal ofertam e demandam mercadorias, fazendo com que estes bens
alcancem um preço determinado. As decisões sobre o que e quanto produzir
serão tomadas como base apenas nos preços informados pelos mercados,
que sinalizam as expectativas de ganho em cada processo produtivo. Da
mesma maneira, a distribuição do produto depende apenas de preços, já
que eles formam os rendimentos de cada indivíduo: aluguel e salários são
os preços do uso da terra e da força de trabalho; o lucro é a diferença entre
o preço do produto e os preços dos insumos necessários para sua produção.
Em resumo, a reprodução material da sociedade depende de que tudo
alcance um preço, ou seja, se comporte como uma mercadoria, inclusive a
terra e o trabalho (CERQUEIRA, 2001, p. 402).

35
Unidade I

Seria possível haver Economia sem economia de mercado? Os economistas não respondem de forma
consensual e unânime à questão. Para Judensnaider e Manzalli (2011), o surgimento da Economia ocorre
não apenas porque a estrutura econômica passa a ser a de mercado (finalmente havendo o que se
investigar), mas porque as condições do pensamento científico daquele momento permitem que ela,
enquanto saber, se organize de forma sistemática e autônoma. Também é importante ressaltar que
somente àquele momento (e, de forma hegemônica, até os dias de hoje), o que se há para investigar são
justamente as relações que se estabelecem no mercado. Considerar como seu objeto de análise única
e simplesmente a economia de mercado significa represá‑la de forma tautológica à imutabilidade das
estruturas e relações materiais tais como desenvolvidas no Ocidente a partir do século XVIII: a Economia,
sob essa ótica, seria tão somente o estudo das maneiras como o Ocidente se organizou em termos de
determinada estrutura econômica.

Saiba mais

É interessante, nos tempos atuais, a produção de uma enorme


quantidade de estudos relacionados às outras culturas, particularmente em
relação às respostas dadas por elas aos problemas de produção de bens e
serviços capazes de satisfazer as necessidades da comunidade.

Nesse sentido, recomenda‑se a visita ao site da Associação Brasileira


de Antropologia:

http://www.abant.org.br/

Embora isso acrescente dificuldade à investigação econômica, há que se considerar, portanto,


que o sistema de mercado foi historicamente construído, não sendo “uma entidade acima do
tempo e do espaço” (SILVEIRA, [s.d.], p. 8). Da mesma forma, os pressupostos comportamentais
de racionalidade econômica (autointeresse e propensão para o lucro) não são “naturais”, mas
socialmente construídos.

Há economia sem mercado? Apesar de a antropologia ter demonstrado a existência de outras


racionalidades socioeconômicas, “é intrínseca à racionalidade econômica moderna, como uma espécie de
monopólio epistemológico e moral, a desvalorização dos outros modos de vida diferentes do conduzido
pela lei do valor” (SILVEIRA, [s.d.], p. 7).

Conforme Judensnaider e Manzalli (2011), os economistas ainda estão a debater possíveis respostas
a essa pergunta e, embora esse debate seja extremamente interessante, ele extrapola os limites da nossa
disciplina. Assim, assumiremos que, segundo os parâmetros científicos da modernidade, a Economia
nascerá à época de Adam Smith, no século XVIII, sendo Riqueza das Nações um texto fundador, obra
que marca:

36
ECONOMIA

[...] uma mudança na natureza da reflexão sobre os temas econômicos,


não tanto pela criação de novos conceitos, mas pelo estabelecimento de
um novo arranjo dos conceitos, de um novo ponto de vista. Não se trata
apenas do fato de que a reflexão sobre assuntos econômicos tenha deixado
de ser tópica, fragmentada e guiada por interesses essencialmente práticos,
como nos escritos mercantilistas. Importa, sobretudo, que ela tenha ganho a
forma de uma disciplina autônoma, desligada da ética e da filosofia política,
no interior das quais a escolástica e as doutrinas do direito natural ainda a
enquadravam (CERQUEIRA, 2001, p. 397).

É evidente que a compreensão do contexto histórico que irá ensejar o nascimento das Ciências
Econômicas traz à tona uma questão de fundamental importância: afinal, se a economia surge
por meio do esforço de se distinguir da História, da Sociologia, da Ética, da Filosofia Moral e da
Política, poderíamos ser levados a crer na existência de uma distância entre ela e essas outras áreas,
especialmente do ponto de vista da delimitação do seu objeto de estudo ou da determinação de sua
metodologia de investigação. Esse é um problema que economistas da atualidade vêm buscando
lidar e equacionar e aqui, nesta disciplina, debateremos não apenas as condições necessárias para o
surgimento da economia de mercado, mas, também, os desafios que esse sistema, e sua investigação,
têm de enfrentar no tempo presente.

Nesse período de asfixiante domínio conservador, forte desarticulação


das forças de esquerda e virtual ausência de um projeto alternativo de
sociedade, trabalha‑se sempre dentro de condições preestabelecidas
(sociedade capitalista globalizada), raramente questionando‑se sua origem
e seu caráter histórico, o tipo de hierarquia e a desigualdade que produz e o
tipo de ilusão (comumente veiculada pela teoria econômica) que necessita
para sobreviver (BONENTE; CORREIA, 2009, p. 36‑37).

3.1 Evolução da teoria econômica a partir da história do pensamento econômico

O pensamento econômico, entendido como a maneira pela qual o homem tenta compreender as
relações de produção dentro dos processos de geração, distribuição e circulação de riqueza, é tão
antigo quanto a origem da humanidade. São reconhecidas na literatura especializada as contribuições
de gregos e romanos, na Antiguidade, e de pensadores cristãos, muçulmanos, hindus e chineses, na
Idade Média.

A Economia Política, por sua vez, é uma disciplina do século XVIII. Formada a partir das reflexões dos
filósofos europeus do ambiente da Ilustração, esta ganha status de ciência com as obras de Cantillon,
Ensaio sobre a Natureza do Comércio, de 1763, de Adam Smith, com A Riqueza das Nações, de 1776.

Os primeiros modelos econômicos dignos de tal nome apareceram na França a partir de 1758, por
meio dos fisiocratas e do Quadro Econômico, de Quesnay, considerado como o primeiro modelo de fluxo
de renda da história do pensamento econômico. Para Souza ([s.d.], p.11),

37
Unidade I

[...] movimento intelectual daquela época foi a Fisiocracia, que constituiu


a primeira escola econômica de caráter científico. A Fisiocracia foi liderada
pelo médico francês François Quesnay (1694‑1774), autor da obra O Quadro
Econômico, em que analisa as variações do rendimento de uma nação. Para
“os economistas”, como passaram a ser conhecidos a partir de então, os
fenômenos econômicos precisam circular livremente no espaço e entre
setores, seguindo leis naturais, como o sangue no organismo humano. Essa
ideia de ausência de obstáculos para uma melhor circulação dos bens e
serviços, assim como do fluxo de rendas, constituiu o embrião das teorias
econômicas modernas.

Mas o primeiro grande filósofo a sistematizar o que viria a ser conhecida como Ciência Econômica foi o
escocês Adam Smith (1723–1790). Reunindo o pensamento esparso dos “Aritméticos Políticos” e a metodologia
modelar da Fisiocracia, Smith transformou A Riqueza das Nações no primeiro manual de Economia Política
que reunia desde a teoria do valor (uma teoria para explicar como se forma, como se origina o valor das
mercadorias) até os mais sofisticados conceitos de política comercial externa à época. Ainda que valorizado
pela capacidade de sintetizar conceitos de outros autores, não falta originalidade a Smith em suas formulações
a respeito da divisão do trabalho e o das vantagens absolutas do comércio exterior.

Adam Smith é o precursor dos autores clássicos, desenvolvendo um padrão de análise a ser reproduzido
por seus sucessores (o sumário de A Riqueza das Nações, sua principal obra, é quase o mesmo daqueles dos
escritos de Malthus e Ricardo). Para Smith (1996), a riqueza de uma nação é medida pela produção total anual
de um país que será consumida por um determinado número de pessoas. Assim, a riqueza é dada pela relação
entre a produção anual e a população. A divisão do trabalho gera a riqueza e esse processo (o de consecutivas
divisões e especializações) só encontra limites no tamanho do mercado: a divisão do trabalho ocorrerá até o
limite das possibilidades do tamanho do mercado. Para Smith (1996), o sistema econômico tende ao equilíbrio
natural, tal como observado na natureza física, e é resultado do comportamento egoísta que, direcionado ao
bem‑estar individual, gera o bem‑estar social. Como isso ocorre?

Para Smith (1996), ao buscar o melhor para si, cada agente busca seu próprio interesse, tendo,
porém, que considerar o interesse do outro: um bom exemplo é o de um comerciante que diminui o
preço de sua mercadoria se os clientes optam por outro comerciante que venda mais barato. Será essa
busca pelo progresso individual, motivada pelo autointeresse, que resulta no crescimento das cidades,
no aumento da eficiência econômica e no acúmulo da riqueza material.

Saiba mais
Sobre a questão do autointeresse, sugerimos a leitura do texto:
FONSECA, E. G. da. A fábula das abelhas. Braudel Papers, São Paulo,
n. 5, p. 3‑14, 1994. Disponível em: http://pt.braudel.org.br/publicacoes/
braudel‑papers/downloads/portugues/bp05_pt.pdf. Acesso em: 17 de
fev. 2014.
38
ECONOMIA

Smith tentaria, dessa forma, compreender o sistema econômico como um todo, em especial no que
diz respeito à alocação de recursos para os fatores de produção, aos mecanismos de autorregulação do
mercado e ao modelo de crescimento. Segundo Heilbroner e Milberg (2008, p. 75),

Smith mostrou que o sistema de mercado é um processo autorregulador.


A bela consequência de um mercado competitivo é que ele é seu
próprio guardião. Se preços ou lucros saírem de seus níveis “naturais”,
determinados pelos custos, haverá forças que os reconduzirão à linha.
Surge, então, um paradoxo curioso. O mercado competitivo, que tem em
seu ápice a liberdade econômica individual, é ao mesmo tempo o mais
rígido supervisor econômico.

O exemplo utilizado por Adam Smith em A Riqueza das Nações é o da fábrica de alfinetes. Por
meio das atividades observadas nessa fábrica, ele explicará como a divisão de trabalho acaba por gerar
riqueza a partir do aumento da produtividade:

Um operário desenrola o arame, outro o endireita, um terceiro o corta,


um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação
da cabeça do alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem‑se
três ou quatro operações diferentes; montar a cabeça já é uma atividade
diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes
também constitui uma atividade independente. Assim, a importante
atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproximadamente
18 operações distintas, as quais, em algumas manufaturas, são executadas
por pessoas diferentes, ao passo que, em outras, o mesmo operário às
vezes executa duas ou três delas. [...] Se, porém, tivessem trabalhado
independentemente um do outro, e sem que nenhum deles tivesse sido
treinado para esse ramo de atividade, certamente cada um deles não
teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia, e talvez nem mesmo 1
(SMITH, 1996, p. 66).

Smith daria início à chamada Escola Clássica. Não é gratuito o recurso de David Ricardo, maior
expoente dessa escola, à obra de Smith, logo nas primeiras linhas de seus Princípios de Economia
Política e Tributação, de 1817. Assim, não tardaram a aparecer comentários à Riqueza das Nações.
As preocupações desses primeiros glosadores podem, de acordo com os historiadores do pensamento
econômico, resumir‑se a três categorias: produção, distribuição e circulação de riqueza. Consolidou‑se
também a partir da Escola Clássica, a concepção de uma riqueza nacional, como decorrência evidente
da própria consolidação do Estado burguês na Europa oitocentista. O debate sobre a origem e a natureza
do valor, por outro lado, fechou questão na tese ricardiana do valor‑trabalho incorporado. Os principais
pensadores dessa escola foram, além do já citado Ricardo, Jean‑Baptiste Say e Thomas Malthus.

Thomas Malthus (1766‑1834) está preocupado com outra coisa: o que o atormenta é a fome e a
imensa miséria dos trabalhadores. Para ele, é visível que, como consequência dos desenvolvimentos
da Revolução Industrial, a acumulação do capital e da renda da terra se fazem a partir do arrocho
39
Unidade I

do salário dos trabalhadores; Malthus escreve sob efeito dos conflitos de seu tempo, conflitos esses
marcados pelo confronto dentro da elite econômica entre os interesses do capital agrário e do
capital industrial, ainda nascente. Os proprietários de terra desejam impostos altos de importação
para os cereais para que possam elevar os preços internos. Os industriais querem os cereais vendidos
a preços menores para que não tenham que aumentar os salários. Os pobres e miseráveis perdem,
aos poucos, a parca ajuda financeira das paróquias.

Malthus está extremamente preocupado com o destino da espécie humana. Para ele,

[...] tem sido dito que a grande questão está hoje em debate: se doravante o
homem se lançará para a frente, com velocidade acelerada, em direção a um
aperfeiçoamento ilimitado e até agora inimaginável, ou se será condenado
a uma permanente oscilação entre a prosperidade e a miséria e, depois
de todo esforço, ainda permanecerá a uma incomensurável distância do
objetivo desejado (MALTHUS, 1996, p. 243).

Malthus (1996) analisa o crescimento populacional e o aumento da produção de alimentos,


explicando que a população cresce a taxas geométricas, enquanto a produção de alimentos cresce
a uma taxa aritmética. Conclui: em pouco tempo haveria milhões de esfomeados, a não ser que se
pudesse contar com o providencial auxílio das guerras, das pragas e das pestes. O modelo malthusiano
pode ser representado como a seguir.

Teoria de Malthus

Crescimento populacional
Produção de alimentos
Fome, doenças, crises sociais, políticas, mortes
Capacidade de produção de alimentos

Figura 10 – O modelo malthusiano

Para Malthus, essa era a tendência natural da humanidade: “independentemente do êxito conseguido
pelos reformadores, em suas tentativas de modificar o capitalismo, a atual estrutura de proprietários
ricos e trabalhadores pobres reapareceria inevitavelmente” (HUNT, 2005, p. 69). Essa divisão de classes
era uma consequência inevitável da lei natural: “parecia que, pelas leis inevitáveis da natureza, alguns
seres humanos teriam de passar necessidade. Essas eram as pessoas infelizes que, na grande loteria da
vida, tinham tirado um bilhete em branco” (JUDENSNAIDER; MANZALLI, 2011, p. 27).
40
ECONOMIA

Malthus, apesar da rigorosa formação religiosa, é contra qualquer tipo de ajuda aos pobres. Em sua
opinião, se a ajuda aos menos privilegiados surtisse qualquer efeito, eles já teriam desaparecido da face
da terra. Segundo ele, “o fato de que aproximadamente 3 milhões são coletados anualmente para os
pobres e, entretanto, sua miséria ainda não tenha sido eliminada, é um objeto de permanente assombro”
(MALTHUS, 1996, p. 268). Sua opinião apoia‑se na seguinte justificativa:

As leis dos pobres da Inglaterra tendem a rebaixar a condição geral do pobre


dos dois modos seguintes. Sua primeira tendência óbvia é de aumentar a
população sem um aumento de alimento para sustentá‑la. Um pobre pode
casar com pouca ou nenhuma perspectiva de ser capaz de sustentar uma
família com independência. Pode‑se dizer que, de certo modo, as leis criam
o pobre que mantêm; e como as provisões do país, em consequência do
aumento populacional, devem ser distribuídas a cada pessoa em pequenas
quantidades, é evidente que o trabalho daqueles que não são sustentados
pela assistência da paróquia comprará menor quantidade de provisões
do que anteriormente e, consequentemente, a maioria deles será forçada
a reclamar por sustento. Em segundo lugar, a quantidade de provisões
consumida em albergues por uma parcela da sociedade que não pode, em
geral, ser considerada a mais importante diminui as cotas que, de outro
modo, caberiam aos elementos mais operosos e mais dignos; e, então,
dessa maneira, obriga muitos a se tornarem dependentes. Se os pobres dos
albergues fossem viver melhor do que vivem hoje, essa nova distribuição de
dinheiro da sociedade tenderia mais evidentemente a rebaixar a condição
daqueles que não estão nos albergues, por ocasionar uma elevação do preço
das provisões (MALTHUS, 1996, p. 270‑271).

Saiba mais

Ideias não nascem sós: evidência disso é a série de estudos que vem
sendo feita para investigar a relação entre as ideias de Thomas Malthus
e as de Charles Darwin. Ambos partiram de uma mesma realidade e suas
obras apresentam aproximações interessantes. Afinal, os dois buscaram
compreender os processos de seleção natural e de sobrevivência da
espécie humana.

Se você quiser ler mais sobre o assunto, sugerimos:

REGNER, A. C. K. P. O conceito de natureza em A origem das espécies.


Hist. cienc. saude‑Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, dez. 2001. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104‑59702
001000400010&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 17 fev. 2014.

41
Unidade I

David Ricardo (1772‑1823) tinha ideias em comum com Malthus. Discordava, porém, em uma série de
coisas: apesar da enorme amizade pessoal entre os dois, eram inimigos intelectuais. Ricardo concordava
com a ideia de o crescimento populacional ser responsável pela “corrosão” salarial do trabalhador, sempre
levando esse salário ao nível de subsistência. No entanto, Ricardo discordava de Malthus em relação à
renda da terra. Para Ricardo, “o preço dos cereais, em relação ao preço das mercadorias industrializadas,
era regulado pela tendência do trabalho e do capital, quando empregados em terras cada vez menos
férteis, a produzir cada vez menos cereais” (HUNT, 2005, p. 87). Quer dizer, eram as terras menos férteis
que determinavam a renda das terras mais férteis.

As ideias desses fundadores das Ciências Econômicas são ainda debatidas e analisadas à exaustão:
do tempo em que a economia política buscava por um estatuto de ciência que a diferenciasse da
filosofia moral, as obras desses autores ainda trazem as marcas – indeléveis – de um período em que
juízo moral e ciência podiam – e deviam – estar próximos.

Entre a perspectiva otimista de Smith e o olhar pessimista de Malthus e Ricardo, temos a


obra de John Stuart Mill: nascido em Londres, em 1806, filho do filósofo James Mill, iniciou sua
educação ainda muito criança. Talvez seu maior desafio tenha sido sobreviver à rotina massacrante
de estudos imposta pelo pai: o estudo de grego teria começado aos três anos de idade e aos sete os
primeiros seis diálogos de Platão já eram conhecidos. Fiel defensor dos direitos das mulheres e do
sufrágio universal, Mill acreditava na necessidade de dar voz às minorias como forma de legitimar a
decisão majoritária. Em suas obras, Mill indaga: como conciliar uma visão histórica do homem e da
sociedade com os critérios metodológicos consagrados como verdadeiramente científicos? Forjado
na herança intelectual de seu pai e de Bentham, erudito em Lógica, estudioso refinado da Economia
Política, socialista utópico para uns e defensor do sistema de mercado para outros (JUDENSNAIDER;
MANZALLI, 2011), John Stuart Mill vai procurar realizar o estudo da Economia Política a partir da
herança deixada por outros pensadores do passado (Adam Smith, Malthus e Ricardo, entre eles),
inspirado pelo pensamento científico do século XIX, impulsionado pelos conflitos éticos e sociais do
momento histórico em que vivia.

De fato, entre o pessimismo e o otimismo, uma grave crise estava sendo alimentada: essa crise
resultaria da expansão da produção associado à redução da lucratividade dos negócios: dificuldades
para abertura de novas oportunidades, rapidez na acumulação de capital, limites para a exploração
da mão de obra, tudo contribuiu para o desenvolvimento da crise que romperia ao final do século XIX,
aparentemente tão promissor nos seus primórdios.

Em meados do século XIX, essa aparente coesão no núcleo central de ideias da Escola Clássica
seria abalada por dois movimentos: (a) uma crítica às teses da Economia Política elaborada por
Karl Marx e Friedrich Engels e (b) a formação de um grupo de economistas defensores da teoria do
valor‑utilidade.

Marx e Engels empreenderam forte ataque contra as teses clássicas, desmascarando a exploração da
classe burguesa sobre os trabalhadores, dando início a uma corrente de pensamento que extrapolou a
própria economia e ainda hoje se revela muito influente.

42
ECONOMIA

Fundando então o chamado marxismo, Marx em sua clássica obra O Capital, de 1867, ao desenvolver
conceitos como mais‑valia, capital variável, capital constante, exército industrial de reserva e composição
orgânica do capital, entre outras contribuições, modifica a análise do valor, principalmente a teoria
do valor do trabalho. Para este filósofo, o valor da força de trabalho é determinado, como no caso
de qualquer outra mercadoria, pelo tempo e trabalho necessário à produção, e consequentemente, à
reprodução de tal mercadoria. Neste aspecto, analisa a acumulação de capital, a distribuição da renda,
as crises econômicas e, por fim, as contradições do capitalismo enquanto sistema de produção de
mercadorias (JUDENSNAIDER; MANZALLI, 2011).

Mas, apesar da influência tanto da fisiocracia quanto da Escola Clássica, bem como da abordagem
marxista para a consolidação dos fundamentos científicos da economia, seus princípios teóricos
fundamentais serão consolidados durante o período que vai de 1870 a 1929, creditados a grandes
transformações. Entre elas, podemos destacar a emergência de grandes corporações econômicas com
tendência monopolística, fazendo desaparecer o capitalismo concorrencial. Neste aspecto, há também
a expansividade do poder estatal interferindo na vida econômica da sociedade.

Inspirados pela visão dos sucessos levantes operários e envolvidos no trabalho de entender e resolver
os problemas oriundos da acumulação capitalista, Marx e Engels buscarão a análise do capitalismo,
defendendo sua inexorabilidade rumo à destruição.

A concepção materialista da História, escreveu Engels, [...] origina‑se do princípio


que a produção, e com a produção a troca de seus produtos, é a base de toda
ordem social; que em cada sociedade que apareceu na História a distribuição dos
produtos, e com ela a divisão da sociedade em classes ou estados, é determinada
pelo que é produzido, como é produzido e como o produto é trocado. De acordo
com esta concepção, as causas finais das mudanças sociais e das revoluções
políticas devem ser vistas, não na mente dos homens nem em seu crescente
impulso em direção da eterna verdade e da justiça, mas sim nas mudanças das
maneiras de produção e de troca; devem ser vistas não por meio da filosofia,
mas sim da economia da época concernente (HEILBRONER, 1996, p. 138).

Marx, acrescentando, fará uma previsão: o capitalismo se destruirá por si mesmo. A produção não
planejada, a desorganização do sistema, as constantes oscilações de preços, tudo estaria conspirando
para a inexorável crise.

O sistema, simplesmente, era complexo demais; desencaixava‑se de maneira


constante, perdia o ritmo, produzia determinada mercadoria em excesso e
outra de menos. A segunda, o capitalismo deveria produzir seu sucessor
sem o saber. Dentro de suas grandes fábricas ele precisaria não apenas criar
a base técnica para o socialismo — produção racionalmente planejada —,
mas teria, além disso, que criar uma classe bem treinada e disciplinada
que viria a ser o agente do socialismo, o amargurado proletariado. Por sua
própria essência dinâmica, o capitalismo iria produzir a própria queda e, no
processo, alimentaria o inimigo (HEILBRONER, 1996, p. 141).
43
Unidade I

Algumas das principais ideias de Marx podem ser assim resumidas: para ele, o capital era quem
gerava lucros para uma específica e especial classe social; a relação econômica básica era a da troca e,
nesse sentido, as mercadorias tinham um valor de uso (criado pelo trabalho útil) e um valor de troca
(criado pelo valor abstrato); o valor de troca era expresso em termos de preço monetário; ainda, “o valor
de uso não poderia ser a base do valor de troca” (HUNT, 2005, p. 198). Tendo “estabelecido a ligação
entre o valor de troca de uma mercadoria e ‘a quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário
para sua produção’, Marx [...] mostrou as condições sócio‑históricas específicas necessárias para os
produtos do trabalho humano se transformarem em mercadorias” (ibidem, p. 200).

Dentre tantos de seus insights, destaca que no capitalismo ocorre a generalização da mercadoria,
isto é, do ponto de vista econômico, tudo tende a adquirir características equivalentes a uma
mercadoria e, portanto, tudo fica sujeito aos princípios gerais que explicam o valor das mercadorias.
Assim, para este filósofo, o valor da força de trabalho, a mão de obra, é determinado, como no caso
de qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho necessário à produção e à reprodução de
tal mercadoria.

Enquanto numa sociedade não capitalista o fluxo de troca poderia ser descrito por mercadoria
– dinheiro – mercadoria (o processo, neste caso, envolvendo a troca com o objetivo de adquirir outras
mercadorias para uso), numa sociedade capitalista o fluxo caracterizava‑se por dinheiro – mercadoria –
dinheiro (ou seja, o dinheiro era gerado pela produção e troca de mercadorias produzidas a partir
do capital disponível); a diferença entre dinheiro recebido pela troca das mercadorias produzidas e
dinheiro gasto com salários era denominada mais‑valia, gerada no processo de produção e que tinha
como origem o fato de os capitalistas comprarem um conjunto de mercadorias (fatores de produção,
incluindo o trabalho que o operário vendia como mercadoria) por um valor abaixo daquele representado
pelo conjunto de mercadorias vendidas (resultantes do processo produtivo).

Para Marx (2005), essa análise permitia concluir que a única maneira de o capitalista sobreviver era
por meio da acumulação cada vez maior de capital, e essa luta pela sobrevivência acabaria por gerar
concentração econômica e queda da taxa de lucro (em suma, crises setoriais, alienação e miséria da
classe operária).

Saiba mais

Sobre o assunto, vale a pena assistir ao filme:

GERMINAL. Dir. Claude Berri. França; Bélgica; Itália. Renn Productions/France


2 Cinéma/DD Productions, 1993. 160 minutos.

O filme é baseado na obra homônima de Emile Zola e retrata a situação


dos mineiros franceses ao final do XIX, especialmente as condições
insalubres de trabalho associadas aos baixos salários.

44
ECONOMIA

Esse seria o contexto a partir do qual se desenvolveria a depressão da década de 1870 e, em


consequência, a articulação de um discurso analítico feito sob medida para compreendê‑lo em toda a
sua extensão.

O que se tornou conhecido como Grande Depressão, iniciada em 1873,


interrompida por surtos de recuperação em 1880 e 1888, e continuada em
meados da década de 1890, passou a ser encarado como um divisor de águas
entre dois estágios do capitalismo: aquele inicial e vigoroso, próspero e cheio
de otimismo aventureiro, e o posterior, mais embaraçado, hesitante e, diriam
alguns, mostrando já as marcas de senilidade e decadência (DOBB, 1987, p. 300).

Em resposta às transformações observadas de 1870 ao período que se segue, surge a necessidade da


análise econômica moderna, com uma alteração na definição dos problemas econômicos. Já não é mais
importante explicar de onde surge a riqueza das nações, como se preocupava Smith, mas a importância
estaria agora voltada à distribuição dos recursos econômicos escassos. Outro salto bastante importante
verificado nesse período é que a economia, tornando‑se agora disciplina acadêmica, adquire um caráter
internacional, transcendendo as fronteiras dos estudos da França e da Inglaterra (JUDENSNAIDER;
MANZALLI, 2011).

Com o marxismo sofrendo censura e perseguição da cultura burguesa, os teóricos do


valor‑utilidade, fundadores da nova teoria, herdaram da escola clássica muitos de seus valores
e referências, não tardando para que fossem chamados de neoclássicos – novos na forma de
pensar, idênticos aos clássicos em suas avaliações sobre o capitalismo e o Estado. À mesma época,
formava‑se, nos Estados Unidos, uma escola de pensamento baseada em um método de interpretação
histórico‑sociológica bastante próxima do marxismo, a qual terminou por estabelecer‑se como o
institucionalismo. Seu principal expoente foi Thorstein B. Veblen. Entre tantos por ele inspirados,
encontra‑se Galbraith, importante economista canadense falecido em 2006. Na passagem dos
séculos XIX‑XX, coube aos neoclássicos, fundando o marginalismo, a revisão teórica que modificou
profundamente alguns dos princípios teóricos fundamentais da ciência econômica, desde a
passagem dos séculos XVIII‑XIX.

A análise marginalista, ao mudar de modo significativo a orientação dos estudos econômicos,


criou instrumentos para uma nova interpretação do funcionamento da sociedade capitalista, com
base em suposições sobre o comportamento do ser humano, agora tido como um avaliador racional e
detalhista dos custos (sacrifícios) e benefícios (vantagens) de cada um de seus atos. Por meio de novos
pressupostos, novos conceitos e novo método de análise, a teoria marginalista (ou teoria microeconômica
neoclássico‑marginalista) varreu do debate público ortodoxo as discussões sobre diversos temas que,
desde Smith e Ricardo, eram tidos como fundamentais. Eliminou também discussões sobre diversos
temas politicamente incômodos, colocados por Marx.

Dentre os pilares da teoria neoclássico‑marginalista estão Karl Menger, Stanley Jevons e León
Walras. Os principais pensadores da nova teoria viveram em Viena (Áustria), Cambridge (Inglaterra),
e Lausanne (França), respectivamente, mas logo tiveram adeptos em boa parte do mundo ocidental
desenvolvido da época.
45
Unidade I

Os marginalistas (ou “neoclássicos”, como preferiam ser chamados) tiveram a sua síntese teórica calcada
nos Princípios de Economia do professor de Cambridge Alfred Marshall, que liderara um movimento intelectual
dado no sentido de tornar a Economia – ciência das relações humanas e sociais – em uma disciplina mais
“exata”. Colaborou para isso o uso intenso do cálculo newtoniano, substituindo relações observáveis no âmbito
social. A economia, agora despida de seu adjetivo “política”, seria uma ciência de “curvas de maximização” e
“pontos de equilíbrio”, a partir dos neoclássicos. Essa concepção, é claro, rivalizava com o avanço do marxismo,
que ganhava corpo e espaço no início do século XX, com a Revolução Russa de 1917.

As guerras mundiais de 1914 e 1939, entremeadas pela crise de 1929 e a Grande Depressão, obrigaram
o ambiente institucional da academia a repensar a teoria econômica. A partir das catástrofes causadas
pela Grande Depressão, há uma ruptura com a ciência clássica, pois os chamados economistas clássicos,
como Jean Baptiste Say, anteriormente citado, acreditavam que as economias de mercado tinham a
capacidade de, sem a interferência do governo, utilizar de maneira eficiente os recursos disponíveis, ou
seja, produzir esses recursos com pleno emprego. A partir do momento em que as economias atingissem
o ponto de pleno emprego, o produto da economia e o emprego já estariam determinados, representando
então a efetiva disponibilidade de recursos.

De maneira muito menos evidente por sua forma sofisticada de análise, as conclusões da teoria
marginalista sustentavam a mesma tese. Porém, diante da enorme redução da produção, do emprego
e dos salários e lucros no começo dos anos 1930, após a crise da Bolsa dos Estados Unidos em 1929,
abriu‑se espaço para uma argumentação distinta, feita por Keynes.

Em 1936 surge A Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro em que John Maynard Keynes
mostrava que, contrariamente aos resultados apontados pela teoria clássica, as economias capitalistas
não tinham a capacidade de promover automaticamente o pleno emprego. Diante de tal constatação,
surge a opção para que todos os recursos disponíveis na economia fossem empregados por meio do
Estado. De que forma: com o uso da política econômica.

A partir de sua teoria, busca‑se então criar os mecanismos pelos quais o governo pode evitar
determinados problemas do sistema econômico capitalista, isto é, reforça‑se a discussão dos chamados
instrumentos de política econômica. Nesse sentido, justificando políticas de estímulo ao emprego e à
renda dos trabalhadores, economistas como Keynes ganharam espaço e voz no debate econômico.

A aceitação da ideia de que o sistema econômico capitalista está sujeito a flutuações em seu
desempenho, conforme apontado pelo austríaco Joseph Alois Schumpeter (1996) em sua Teoria do
Desenvolvimento Econômico, originalmente publicada em 1912, e a inversão da lei clássica da demanda
comandada pela oferta, como elaborado pela Teoria Geral de Keynes, causaram não apenas um recuo
tático das forças capitalistas contrárias à intervenção do Estado no funcionamento do sistema econômico,
mas também uma interessante fragmentação epistemológica na ciência econômica, fundamentada, em
última análise, pela opção política de seus atores e interlocutores.

A partir dos anos 1970‑80 uma nova onda teórica contra o Estado surgiria novamente. Teóricos
de diversas escolas de pensamento, com destaque para os novo‑clássicos e os monetaristas (como
Lucas e Friedman, ganhadores do Prêmio Nobel de Economia) investiram fortemente contra as ideias
46
ECONOMIA

originais ou derivadas do pensamento de Keynes. Politicamente, a nova onda foi aberta nos anos
1980 por Ronald Reagan, com dois mandatos como presidente dos EUA, e Margareth Thatcher,
como primeira‑ministra na Inglaterra. Ao final daquela década surgiu o Consenso de Washington,
um conjunto de orientações que sintetizavam as diretrizes que foram então consideradas as mais
adequadas para as políticas econômicas dos países capitalistas, e que foi fortemente absorvida pelos
governos da América Latina.

Rapidamente, vale ainda mencionar alguns detalhes sobre outros aspectos da evolução do pensamento
econômico. As ideias originais de Marx foram ampliadas e reforçadas por Hilferding e muitos outros
teóricos, desde Lênin e Kautsky, partícipes da Revolução Russa, até de planejadores socialistas como o
polonês Oskar Lange, sempre com viés crítico do capitalismo.

Quanto ao socialismo real (socialismo de Estado implantado pela União Soviética desde 1917),
os desafios de comandar uma economia sem bases capitalistas demandaram enormes esforços de
reflexão. Contudo, com raras exceções, tiveram pouco impacto na evolução do pensamento centrado no
funcionamento das economias capitalistas.

Por outro lado, a partir das ideias de Keynes e da tentativa de desenvolvimento de instrumentos
para a ação do Estado na economia, bem como do avanço dos meios informatizados de cálculo, houve
grande busca de métodos estatístico‑inferenciais de análise empírica, dando à ciência econômica
um caráter mais “aplicado”. Salvo exceções, o uso crescente de métodos quantitativos na análise
econômica é hoje incorporado de maneira mais ou menos uniforme pela maioria das escolas de
pensamento econômico.

Ainda por outro lado, diversas questões importantes surgidas a partir do final do século XX –
como a questão ambiental, a integração de blocos econômicos internacionais, as mudanças sociais e
econômicas na ordem mundial etc. – ainda estão insuficientemente incorporadas às principais áreas
da Teoria Econômica atual. Da mesma forma, a fragmentação de posições ideológicas e metodológicas
na Ciência Econômica continua bastante intensa. De fato, neoclássicos, keynesianos, institucionalistas,
marxistas e tantas outras escolas ou correntes de pensamento econômico reconhecem, ainda que
contrafeitos, que muitas de suas premissas de análise se baseiam em opções de difícil justificativa,
algo que ainda coloca a Ciência Econômica distante do padrão de “ciência pura” no sentido de
Karl Popper, filósofo da ciência do século XX. Enfim, vale destacar que o pensamento econômico
gerado por pensadores de países menos desenvolvidos, simpáticos ou não ao capitalismo, é também
comparativamente muito pobre até hoje.

Talvez, no futuro, outros pensadores consigam perceber semelhanças e convergências entre as diversas
escolas de pensamento econômico, adiante do que hoje parece ser excessiva diversidade de conceitos
e princípios, que geram conclusões teóricas e recomendações de política econômica conflitantes.
De qualquer modo, cabe lamentar que a diversidade de hoje não se reflita no ensino de graduação
em Economia, que desde a retomada da onda neoliberal dos anos 1980 vem sendo crescentemente
dominado pela visão da Teoria Microeconômica, em função até do controle prolongado de aparelhos
institucionais do meio acadêmico por aquela escola.

47
Unidade I

Contudo, nunca é demais lembrar que um campo como o da História do Pensamento Econômico
é sempre buscado pelos estudiosos de Economia, notadamente nos momentos em que a realidade se
mostra mais distante dos paradigmas contidos nas teorias já construídas. Isso se observou nas rupturas
históricas que levaram ao surgimento da escola liberal clássica, ao pensamento de Marx, à própria teoria
neoclássico‑marginalista e ao keynesianismo.

4 DIVISÃO DO ESTUDO DA CIÊNCIA ECONÔMICA

A Teoria Econômica está dividida em dois grandes blocos, se assim podemos proceder. Um bloco
contém a análise de equilíbrio parcial e o outro, a análise de equilíbrio geral.

No primeiro bloco, da análise de equilíbrio parcial, encontramos as preocupações da Teoria


Microeconômica Marginalista. Compreende análises de determinados mercados sem que sejam
considerados os efeitos que esse mercado pode ocasionar sobre os demais, admitindo‑se que os
demais mercados afetam o mercado analisado. Trata‑se de uma preocupação particular, isolada do
todo e muito específica, como a preocupação do que ocorre com o mercado de maçãs. Pela análise de
equilíbrio parcial, neste exemplo, a preocupação estaria envolvida com questões como determinação
de preços das maçãs, bem como com a determinação das quantidades de maçãs que são produzidas
e consumidas.

No segundo bloco, da análise de equilíbrio geral, encontramos as preocupações da Teoria


Macroeconômica. Compreende a análise de todos os mercados, envolvendo todos os preços e quantidades
de todas as mercadorias, admitindo que modificações em algum mercado específico ou modificações
em qualquer de suas variáveis afetam o comportamento de outros mercados. O interesse aqui seria
saber se o nível de preços das mercadorias tem crescido ou diminuído, tendo, ao longo do tempo, a
mesma preocupação com o nível de atividade econômica.

A diferença básica entre essas duas teorias é que a Teoria Microeconômica aborda questões mais
pontuais e mais detalhadas do que a Teoria Macroeconômica. De acordo com Wessels (2002), se
pudéssemos exemplificar, a microeconomia teria uma preocupação muito próxima a um mapa detalhado
de uma cidade, enquanto a macroeconomia teria uma preocupação com um mapa de um país.

A microeconomia traça em detalhes o mapa de como os indivíduos tomam decisões e como elas
afetam os preços e a produção de vários bens e serviços, enquanto a macroeconomia mapeia a economia
mais de longe, objetivando não os indivíduos, mas agregados de pessoas e firmas.

Enquanto a microeconomia estuda o gasto dos consumidores com microcomputadores, a


macroeconomia estuda o gasto total dos consumidores com todos os bens e serviços em seu conjunto.
Quando a Teoria Microeconômica examina como uma firma decide quantos trabalhadores deve
contratar ou quais as quantidades de fatores de produção empregar na produção de qualquer bem ou
serviço, e desta forma determina o preço dos fatores de produção e os preços das mercadorias; a Teoria
Macroeconomia se interessa pelo que influi no nível de preços agregados, tal como o índice de preços
ao consumidor.

48
ECONOMIA

Outra diferença característica entre a Teoria Microeconômica e a Teoria Macroeconômica é que, na


primeira, a atenção seria voltada para a verificação do que determina o preço dos pneus, por exemplo,
ou estuda como a tecnologia e os mercados afetam a renda dos indivíduos. A segunda estudaria o que
faz com que o produto agregado, tal como o PIB, cresce em períodos de expansão econômica e decresce
em períodos de depressão.

Por fim, a Teoria Microeconômica é o estudo de como os indivíduos e as firmas tomam decisões
e como estas decisões afetam os preços e a produção de bens e serviços, a Teoria Macroeconômica
moderna baseia‑se no estudo da Teoria Microeconômica, pois é o estudo dos agregados de indivíduos,
preços e produção.

4.1 Métodos de investigação da Ciência Econômica

Vimos até agora que a preocupação da economia está estreitamente ligada ao comportamento
humano, pois estuda as relações entre as pessoas em uma sociedade enquanto trabalham com um
propósito definido, que é a produção de bens e serviços. Por essa razão, a economia se alinha entre as
Ciências Sociais. Esse ponto é muito importante, pois implica que os fatos econômicos estão sujeitos ao
estudo e ao julgamento do cientista. Em outras palavras, conforme Silva e Luiz (2010, p. 16), “o indivíduo
que está estudando a economia de uma sociedade pode, depois de certo tempo, saber com razoável grau
de precisão como se dá a produção, a distribuição e o consumo do produto do trabalho daquela sociedade”.

Para que se possa entender o método de investigação do cientista econômico, imagine a seguinte
situação: numa praia qualquer, há aproximadamente cem pessoas. A temperatura está em 30°C e por
mais ou menos uma hora não aparece nenhum sorveteiro. Eis que chega um. Você acredita que alguém
comprará sorvetes para se refrescar? Se sim, quantas pessoas? Todas as que estão ali presentes? São
respostas, até certo tempo, de difícil acerto. Porém, com o auxílio de um modelo, as possibilidades de
responder são maiores.

Sabemos que diante da situação apresentada, alguém comprará sorvete. Por que sabemos disto?
Pelo simples fato de que algumas pessoas tomam tal comportamento diante de tal situação. Porém, não
se pode afirmar que as cem pessoas se comportarão desta forma e também não se sabe, de bate‑pronto,
acertadamente, um percentual.

Ao se afirmar que algumas pessoas comprarão sorvetes, estamos nos utilizando de um


conhecimento do senso comum, impregnado de juízo de valor. Estamos nos utilizando daquilo que
se chama de análise da economia normativa. Parte‑se da constatação de como a realidade é, ou
seja, do entendimento dos mecanismos econômicos, para em seguida propor um estado de coisas
considerado melhor pelo observador. A análise da economia normativa estuda a atividade econômica
como ela deveria ser. (SILVA; LUIZ, 2010).

Por outro lado, se ficássemos junto das pessoas que estão na praia, observando, de fato, o
comportamento de cada uma, responderíamos com certeza sobre a quantidade de pessoas que
efetivaram a compra do sorvete. Por abstração, digamos que, da observação das pessoas ali
presentes, cinquenta e três delas dirigiram‑se até o sorveteiro e não efetuaram a compra, ao passo
49
Unidade I

que o restante, quarenta e sete pessoas, efetuaram a compra. Portanto, temos agora números reais:
53% dos presentes não compraram sorvetes; 47% efetuaram a compra de sorvetes. Ao afirmar desta
forma, a partir da observação real de comportamento deste extrato da sociedade numa situação de
consumo, utilizamos do outro método de investigação da Ciência Econômica, a economia positiva.
Tal método de investigação se preocupa com a realidade como ela é, procurando depois determinar
os mecanismos que levam os indivíduos a cumprirem seu propósito, no caso apresentado, da compra
do sorvete para satisfazer uma necessidade.

Podemos ir além. O que levou os 53% dos presentes a não efetuarem a compra dos sorvetes?
Podemos tentar algumas respostas:

• parte dos presentes não tinha dinheiro suficiente para pagar pelo sorvete;

• parte dos presentes portava somente cartão para crédito ou débito e o vendedor de sorvetes
somente aceitava pagamentos em dinheiro;

• parte dos presentes não sentia necessidade de consumir sorvetes naquele momento;

• parte dos presentes não gostou dos sabores dos sorvetes oferecidos;

• parte dos presentes não gostou da marca dos sorvetes.

Cada uma dessas respostas são conjecturas, hipóteses, achismos, e fazem parte da economia
normativa, diga‑se de passagem, menos interessante ao cientista econômico. Agora, se nossas
respostas fossem:

• doze não portavam dinheiro suficiente para pagar pelo sorvete;

• nove portavam somente cartão para crédito ou débito e o vendedor de sorvetes somente aceitava
pagamentos em dinheiro;

• onze não sentiram necessidade de consumir sorvetes naquele momento;

• quinze não gostaram dos sabores dos sorvetes oferecidos;

• seis não consideraram confiável a marca dos sorvetes.

O que mudou na forma de responder? No primeiro caso, subjetividade. No segundo, objetividade,


positivismo, análise econômica positiva. É deste tipo de análise que os economistas se utilizam. Vejamos
o que expõe Walter Wessels (2003, p. 2):

Considere um modelo econômico simples. Estamos em um supermercado


que tem vários caixas abertos. É um dia com muito movimento e há pessoas
em todas as filas dos caixas. Queremos um modelo que faça previsões
50
ECONOMIA

sobre quantas pessoas estarão em cada fila. Um economista provavelmente


assumiria que as pessoas sabem quão rápido cada uma se move e que
procuram gastar o mínimo de tempo possível na fila. Isso vai continuar até
que o tempo esperado de permanência em cada fila seja igual. Essa é a
principal previsão do modelo. O modelo também prevê que os caixas mais
lentos terão filas menores. A previsão do tempo de espera igual em todos os
caixas é uma proposição positiva. Uma proposição positiva é uma afirmação
sobre o que realmente é. Uma proposição positiva pode ser testada.
Poderíamos medir o tempo de espera em um supermercado. Provavelmente,
encontraríamos apenas um tempo médio de espera. Entretanto, os resultados
poderiam ser falsos porque as hipóteses são falsas (as pessoas podem não
ter informação suficiente ou podem importar‑se com outras coisas além do
tempo de espera). Portanto, uma proposição positiva é uma proposição que
pode ser demonstrada verdadeira ou falsa. Outro tipo de proposição é uma
proposição normativa. Uma proposição normativa faz um julgamento moral
sobre como as coisas deveriam ser. Por exemplo, alguns clientes poderiam
dizer: alguns são obrigados a esperar mais que outros, o que não é justo. Sem
fazer um julgamento moral, não existe maneira de dizer que tal proposição
é correta.

Resumo

Nesta unidade você pode entrar em contato com as primeiras leis da


economia, ou a principal delas, a questão da escassez. Para tanto, dividimos
a unidade em dois grandes tópicos: o primeiro dedicado à introdução ao
estudo da Ciência Econômica, e o segundo abordando, além do método de
investigação da Ciência Econômica, a evolução do estudo de tal ciência a
partir da história do pensamento econômico. Aborda ainda a divisão do
estudo em microeconomia e macroeconomia.

Quanto ao primeiro tópico de discussão, o texto trouxe à baila


os primeiros conceitos acerca do estudo da Ciência Econômica,
partindo do entendimento de que a palavra economia derivou da
expressão em grego oikosnomos. Nesse sentido, foi possível perceber
que esta ciência estuda a relação da sociedade em seus interesses
de administração eficiente de recursos no sentido de se obter os
melhores resultados possíveis, admitida a presença da escassez. Assim,
consideramos o surgimento do problema econômico fundamental,
fortemente relacionado às necessidades de consumo da sociedade, que
se apresentam ilimitadas no tempo.

A lei da escassez permitiu compreender a importância dos fatores de


produção que estão presente nas sociedades, bem como sua administração
na solução do problema econômico fundamental. Sobre o assunto, três
51
Unidade I

questões básicas foram consideradas: o que e quanto produzir? Como


produzir? Para quem produzir?

Com a caracterização de bens e a apresentação de suas ramificações


em livres e econômicas, foi possível perceber pela introdução ao estudo
da Ciência Econômica que qualquer sociedade não consegue a qualquer
tempo produzir tudo o que necessita. Tal fato deve‑se à limitação de
fatores de produção e, diante disto, há necessidade de escolher a cada
período quais necessidades da sociedade serão atendidas. Desta forma,
você aprendeu pela curva de possibilidade de produção que a escolha
de qual necessidade atender levará esta mesma sociedade a incorrer no
custo de oportunidade.

A primeira parte da unidade apresentou ainda um modelo simplificado


que representa o funcionamento da sociedade econômica. Tal modelo,
denominado de fluxo circular da renda, apresenta as relações econômicas
existentes entre os agentes econômicos de cada economia: inicialmente
empresas e famílias, para depois passar a considerar o governo, bem
como as economias externas. Pela análise do fluxo circular da renda,
aprendemos que um sistema econômico tem seu funcionamento baseado
na relação entre o mercado real e o mercado monetário e que cada tipo
de sociedade – capitalista e socialista – organiza a atividade econômica
conforme seus interesses.

A segunda parte da unidade tratou de apresentar a evolução da


teoria econômica, bem como a divisão de seu estudo. Partindo do estudo
de economia de mercado, o contato com a história do pensamento
econômico permite conhecer as principais teorias que deram suporte
ao desenvolvimento da análise econômica a partir do surgimento do
capitalismo e da ocorrência da primeira Revolução Industrial. Neste
sentido, a unidade apresentou brevemente a contribuição dos economistas
clássicos, marxistas, neoclássicos e keynesianos. Você pode aprender que o
estudo da economia está dividido basicamente entre assuntos pertinentes
à análise microeconômica, enquanto outros à análise macroeconômica.
Para que se possa efetivamente verificar a ocorrência de fatos econômicos,
o positivismo como método de investigação se faz presente. A próxima
unidade tratará de assuntos relacionados à microeconomia.

52
ECONOMIA

Exercícios

Questão 1. Veja as duas charges abaixo e analise as afirmativas a seguir:

Charge 1. Disponível em: http://4.bp.blogspot.com/-Rhu33xdVaY/UE6lLlYUklI/AAAAAAAAIY8/9JPfTkom5vo/s1600/


qual+%C3%A9+a+sua+opini%C3%A3o.jpg. Acesso em: 27 set. 2014.

Charge 2. Disponível em: http://www.ciencias.seed.pr.gov.br/modules/galeria/uploads/1/normal_34charge_agua.jpg.


Acesso em: 27 set. 2014

53
Unidade I

I − A charge 1, de forma contrária à charge 2, afirma que a escassez é fruto da incompetência dos
seres humanos no uso dos recursos naturais.

II − A charge 1, corretamente, afirma que a escassez resulta de escolhas políticas equivocadas.

III − A charge 2, de forma contrária à charge 1, considera que a escassez também pode ser resultado
de circunstâncias específicas da natureza.

Assinale a alternativa correta:

A) Apenas I está correta.

B) Apenas III está correta.

C) Todas estão incorretas.

D) Apenas II está correta.

E) Todas estão corretas.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a charge 1 nada afirma sobre a incompetência dos seres humanos no uso de
recursos naturais.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a charge 1 nada afirma sobre escolhas políticas equivocadas. Ela apenas indica que
uma questão pode ser analisada sob vários pontos de vistas, dependendo do quanto os interlocutores
estão dispostos a considerar as múltiplas facetas de uma situação.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: a charge 2 levanta a possibilidade de a escassez ser fruto de circunstâncias específicas;


no caso, a ausência de chuva pode explicar a escassez de água.

54
ECONOMIA

Questão 2. Segundo Malthus, “[...] o fato de que aproximadamente 3 milhões são coletados
anualmente para os pobres e, entretanto, sua miséria ainda não tenha sido eliminada, é um objeto de
permanente assombro” (MALTHUS, 1996, p. 268). Veja a charge a seguir:

Disponível em: http://2.bp.blogspot.com/_CKXr2m51ezo/TTY3eFpWSsI/AAAAAAAABp0/JdRFsn1V0tc/


s1600/com%25C3%25A9rcio+do+Jahu+12-01-11.jpg. Acesso em: 24 jun. 2011.

A análise dos dois textos nos permite concluir que:

A) Sempre existirão pobres, independentemente do que se faça.

B) O problema da pobreza acompanha a história da humanidade, não sendo exclusividade do tempo


em que vivemos.

C) Os pobres não sabem aproveitar os benefícios que o setor público oferece.

D) A natureza e os seus acidentes são responsáveis pela existência da pobreza.

E) Não há interesse, na sociedade, em se acabar com o problema da pobreza.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das afirmativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: embora possa ser verdadeira, essa alternativa não está comprovada pelo texto, nem
tampouco pela charge.

55
Unidade I

B) Alternativa correta.

Justificativa: se considerarmos a distância no tempo que separa os dois discursos (o do texto de


Malthus e o da charge), podemos afirmar que a pobreza sempre existiu. Não é exclusividade, portanto,
dos séculos XVIII, XIX, XX ou XXI.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: não há nada nos enunciados que comprove essa afirmativa.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: apenas a charge faz menção ao problema dos desastres naturais, não ocorrendo o
mesmo no texto de Malthus.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: não há nada nos enunciados que comprove essa afirmativa.

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