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Processos Fisiológicos

e Patológicos
Autores: Profa. Michele Christine Landemberger
Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro
Colaboradora: Profa. Laura Cristina Cruz Dominciano
Professores conteudistas: Michele Christine Landemberger /
Juliano Rodrigo Guerreiro

Michele Christine Landemberger

Graduada em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Paulista (UNIP) e doutora em oncologia pela Fundação Antonio
Prudente (FAP-SP). Atuou como pesquisadora em oncologia e neurociências por oito anos no Centro Internacional
de Pesquisa (Cipe) do A. C. Camargo Câncer Center.

Desde 2008, faz parte do quadro de professores da UNIP nos cursos da área de saúde modalidade presencial. É ainda
professora convidada em pós-graduação nas áreas de patologia, bioética, pesquisa clínica e oncologia. Foi membro de
comissões de ética humana e animal por dez anos. Tem dois capítulos de livros publicados e dezenove artigos científicos
indexados nas áreas de neurociências e oncologia.

Juliano Rodrigo Guerreiro

Graduado em Farmácia-Bioquímica pela Universidade de São Paulo (FCF/USP), concluído em 2004, e doutor em
Bioquímica pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ/USP), concluído em 2009.

Fez pós-doutorado com ênfase em Bioquímica de Plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da
Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) durante 2009-2012. Possui formação de especialista em Mariologia pela
Universidade Dehoniana (2017). Atualmente, cursa licenciatura em História pela UNIP com previsão de término em 2020.

Coordenador do curso de Farmácia desde 2008 e professor titular da UNIP desde 2009, tendo sido professor-auxiliar da
mesma universidade de 2005 a 2009. Tem experiência nas áreas de bioquímica, farmacologia, fisiologia, química, teologia
e história; além de gerenciamento de drogarias. Atua principalmente nos seguintes temas: estrutura de biomoléculas,
bioquímica estrutural, metabólica e clínica, bioquímica e fisiologia de plantas, interação ligante-receptor e venenos de
animais. É autor e coautor de dezessete artigos científicos sobre venenos de animais, fisiologia e bioquímica.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L254p Landemberger, Michele Christiane.

Processos Fisiológicos e Patológicos / Michele Christiane


Landemberger, Juliano Rodrigo Guerreiro. - São Paulo: Editora Sol, 2020.

224 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Fisiopatologia. 2. Função circulatória. 3. Sistema nervoso.


I. Guerreiro, Juliano Rodrigo. II. Título.

CDU 616-092

U505.46 – 20

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Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Aline Ricciardi
Bruno Barros
Jaci Albuquerque
Sumário
Processos Fisiológicos e Patológicos

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 INTRODUÇÃO À FISIOPATOLOGIA.............................................................................................................. 11
1.1 Definições em processos patológicos........................................................................................... 11
1.2 Homestase e saúde............................................................................................................................... 13
1.3 Agentes causadores de doença ...................................................................................................... 14
1.3.1 Agentes biológicos.................................................................................................................................. 16
1.3.2 Agentes físicos ......................................................................................................................................... 17
1.3.3 Agentes químicos ................................................................................................................................... 22
1.3.4 Herança genética..................................................................................................................................... 22
1.3.5 Lesões por desequilíbrios nutricionais............................................................................................ 23
1.4 Ciclo celular............................................................................................................................................. 24
1.4.1 Intérfase....................................................................................................................................................... 25
1.4.2 Mitose........................................................................................................................................................... 26
1.4.3 Controle do ciclo celular e pontos de checagem....................................................................... 27
1.5 Distúrbios de crescimento e diferenciação celular – adaptações celulares.................. 28
1.5.1 Alteração no volume celular............................................................................................................... 28
1.5.2 Alteração da taxa de divisão celular................................................................................................ 30
1.5.3 Alteração da diferenciação celular................................................................................................... 31
1.6 Lesões celulares...................................................................................................................................... 34
1.6.1 Lesões celulares reversíveis.................................................................................................................. 35
1.6.2 Lesões celulares irreversíveis............................................................................................................... 39
1.6.3 Tipos de necrose....................................................................................................................................... 40
1.6.4 Necrose versus apoptose...................................................................................................................... 48
1.7 Pigmentações patológicas ............................................................................................................... 49
2 PATOGÊNESE DOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS............................................................................... 54
2.1 Processos celulares da inflamação................................................................................................. 54
2.2 Inflamação aguda................................................................................................................................. 55
2.2.1 Quimiotaxia ............................................................................................................................................... 58
2.2.2 Ativação de leucócitos e fagocitose................................................................................................ 58
2.2.3 Células envolvidas no processo inflamatório............................................................................... 60
2.2.4 O processo inflamatório........................................................................................................................ 64
2.3 Inflamação crônica............................................................................................................................... 66
2.3.1 Inflamação crônica inespecífica e inflamação granulomatosa............................................ 67
2.4 Mecanismos de reparação e regeneração tecidual................................................................. 68
2.4.1 Cicatrização................................................................................................................................................ 70
2.4.2 Cicatrização por primeira ou segunda intenção......................................................................... 72
2.4.3 Cicatrização hipertrófica e queloide................................................................................................ 73
2.4.4 Fatores que afetam a cura das feridas............................................................................................ 74
3 NEOPLASIAS....................................................................................................................................................... 76
3.1 Conceitos, classificação, nomenclaturas...................................................................................... 76
3.2 Estudo das principais neoplasias.................................................................................................... 78
3.2.1 Prevalência de câncer no mundo...................................................................................................... 78
3.2.2 Câncer de mama...................................................................................................................................... 79
3.2.3 Câncer de próstata.................................................................................................................................. 79
3.2.4 Câncer de estômago............................................................................................................................... 80
3.2.5 Câncer de cólon e reto.......................................................................................................................... 80
3.3 Bases moleculares e genéticas na carcinogênese.................................................................... 81
3.4 Tipos de tratamentos em câncer..................................................................................................... 81
3.5 Marcadores tumorais e desenvolvimento de terapias-alvo................................................. 83
4 FISIOPATOLOGIA DOS SISTEMAS ............................................................................................................... 83
4.1 Sistema respiratório............................................................................................................................. 83
4.1.1 Asbestose..................................................................................................................................................... 83
4.1.2 Asma ............................................................................................................................................................ 84
4.1.3 Bronquite aguda e crônica.................................................................................................................. 86
4.1.4 Derrame pleural ....................................................................................................................................... 87
4.1.5 Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ............................................................................. 88
4.1.6 Enfisema...................................................................................................................................................... 89
4.1.7 Fibrose cística............................................................................................................................................ 90
4.1.8 Insuficiência respiratória aguda (IRA)............................................................................................. 91
4.1.9 Pleurisia e pneumotórax....................................................................................................................... 92
4.1.10 Pneumonias ............................................................................................................................................ 94
4.1.11 Câncer de pulmão................................................................................................................................. 96
4.2 Sistema e patologias do aparelho digestório............................................................................ 97
4.2.1 Distúrbios do esôfago............................................................................................................................ 98
4.2.2 Distúrbios do estômago......................................................................................................................102
4.2.3 Distúrbios do intestino........................................................................................................................105
4.3 Distúrbios do sistema renal-urinário..........................................................................................105
4.3.1 Cálculos renais .......................................................................................................................................106
4.3.2 Glomerulonefrite...................................................................................................................................107
4.3.3 Insuficiência renal aguda (IRA) e insuficiência renal crônica (IRC)...................................108
4.3.4 Pielonefrite...............................................................................................................................................109
4.3.5 Síndrome nefrótica .............................................................................................................................. 110
4.3.6 Infecção do trato urinário (ITU)........................................................................................................111
Unidade II
5 DISTÚRBIOS DA FUNÇÃO CIRCULATÓRIA............................................................................................116
5.1 Edema......................................................................................................................................................116
5.2 Hiperemia e congestão.....................................................................................................................120
5.3 Trombose.................................................................................................................................................122
5.4 Embolia ...................................................................................................................................................127
5.5 Hemorragia............................................................................................................................................131
5.6 Hipertensão ..........................................................................................................................................133
5.7 Infarto......................................................................................................................................................133
5.8 Insuficiência cardíaca .......................................................................................................................135
5.9 Endocardite, miocardite e pericardite.........................................................................................136
5.10 Choque circulatório.........................................................................................................................139
5.11 Doença arterial coronariana e doença arterial oclusiva...................................................143
6 O SISTEMA NERVOSO...................................................................................................................................143
6.1 Organização geral ..............................................................................................................................143
6.2 As células do sistema nervoso.......................................................................................................147
6.2.1 A condução de sinais elétricos nos neurônios.......................................................................... 148
6.2.2 As células gliais .....................................................................................................................................151
6.3 As informações são transportadas nos neurônios como sinais elétricos.....................153
6.3.1 O potencial de repouso neuronal................................................................................................... 154
6.3.2 O potencial graduado e o potencial de ação............................................................................ 157
6.3.3 Os períodos refratários....................................................................................................................... 159
6.3.4 Diferentes neurônios possuem diferentes velocidades de condução dos
potenciais de ação........................................................................................................................................... 160
6.4 Os neurônios se comunicam por sinapses................................................................................161
6.5 A somação dos potenciais graduados........................................................................................165
7 MEDULA ESPINAL E SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO (SNP).........................................................166
7.1 A medula espinal.................................................................................................................................166
7.1.1 Os reflexos medulares......................................................................................................................... 168
7.2 O SNC é sustentado por ossos e tecido conectivo................................................................170
7.3 As diferentes partes do encéfalo e suas funções...................................................................172
7.4 O sistema nervoso autônomo........................................................................................................175
7.5 Fisiologia aplicada aos sistemas sensoriais...............................................................................178
7.5.1 Campos de recepção............................................................................................................................ 179
7.5.2 Sensibilidade somática....................................................................................................................... 182
7.6 Funções intelectuais do cérebro....................................................................................................185
7.6.1 Áreas associativas................................................................................................................................. 187
7.6.2 As funções interpretativas................................................................................................................ 188
7.6.3 Pensamentos, consciência e memória.......................................................................................... 188
8 DOENÇAS DO SISTEMA NERVOSO...........................................................................................................195
8.1 Doenças neurodegenerativas e dobramento proteico ........................................................195
8.2 Neurodegeneração e inflamação..................................................................................................196
8.3 Estudo das principais doenças neurodegenerativas (DNEs)..............................................196
8.3.1 Doença de Alzheimer (DA)................................................................................................................ 196
8.3.2 Doença de Parkinson........................................................................................................................... 197
8.3.3 Doença de Huntington....................................................................................................................... 197
8.3.4 Esclerose múltipla (EM)...................................................................................................................... 197
8.3.5 Esclereose lateral amiotrófica (ELA) ............................................................................................. 198
8.3.6 Encefalopatias espongiformes transmissíveis (EET)................................................................ 198
8.4 Transtornos mentais...........................................................................................................................199
8.4.1 Transtornos do pensamento e do humor................................................................................... 199
8.4.2 Transtorno do humor (TH)..................................................................................................................201
8.4.3 Transtornos ansiosos, somatoformes e dissociativos .............................................................202
8.4.4 Transtornos de personalidade ........................................................................................................ 203
8.4.5 Transtornos alimentares ................................................................................................................... 205
APRESENTAÇÃO

Objetivamos com este livro-texto apresentar os principais tópicos que norteiam a patologia geral e
a específica, bem como os conceitos fundamentais da fisiopatologia. Através do estudo dos processos
patológicos básicos, será possível compreender os elementos celulares e todos os processos fisiológicos
os quais regulam as funções normais dos nossos órgãos, tecidos e sistemas a fim de manter a homeostase
no nosso organismo. Uma vez que nos apropriarmos desses conhecimentos, será possível reconhecer os
principais processos patológicos.

Enfatizamos, portanto, nesse sentido, os aspectos comuns a diferentes doenças no que se refere
às suas causas, a seus mecanismos patogênicos, às lesões estruturais (microscópicas e macroscópicas)
e às alterações da função que envolvem com base ao entendimento. Para sua melhor compreensão,
abordamos inicialmente os processos básicos com maior ênfase aos processos de adaptações celulares
e inflamação, bem como os mecanismos de reparação tecidual, além das pigmentações patológicas. Na
sequência, abordamos os principais processos patológicos envolvendo os diferentes sistemas orgânicos,
como sistema circulatório, respiratório, renal, digestório, endócrino, sistema nervoso, imunopatologia
e reações de hipersensibilidade. Por fim, e não menos importante, abordamos os principais aspectos
envolvidos na gênese das principais neoplasias e os conceitos gerais da anatomia patológica.

INTRODUÇÃO

Neste livro-texto, estudaremos os principais processos fisiológicos e seu desequilíbrio, sendo,


portanto, a fisiopatologia o objeto de estudo. A fisiopatologia é entendida como um processo
fisiológico desordenado que causa, resulta ou está associada a uma doença ou lesão. Patologia é a
disciplina médica que descreve condições normalmente observadas durante um estado de doença,
enquanto fisiologia é a disciplina biológica que descreve processos ou mecanismos que operam dentro
de um organismo. A patologia descreve a condição anormal ou indesejada, enquanto a fisiopatologia
procura explicar as alterações funcionais que estão ocorrendo dentro de um indivíduo devido a uma
doença ou estado patológico.

Em outras palavras, patologia é o estudo das causas e efeitos de doenças ou lesões. O significado de
patologia também se refere ao estudo da doença em geral, incorporando uma ampla gama de campos
de pesquisa em biociências e práticas médicas. No entanto, quando utilizado no contexto do tratamento
médico moderno, o termo é frequentemente usado de maneira mais restrita para se referir a processos
e testes que se enquadram no campo médico contemporâneo da “patologia geral”, uma área que
inclui vários tipos distintos, mas especialidades médicas inter-relacionadas que diagnosticam doenças,
principalmente através da análise de amostras de tecidos, células e fluidos corporais. Linguisticamente,
“uma patologia” também pode se referir à progressão prevista ou real de doenças específicas (como na
declaração “as muitas formas diferentes de câncer têm patologias diversas”), e o caminho do afixo às
vezes é usado para indicar um estado da doença.

Como campo de investigação e pesquisa geral, a fisiopatologia aborda quatro componentes da


doença: causa, mecanismos de desenvolvimento (patogênese), alterações estruturais das células
(alterações morfológicas) e as consequências das alterações (manifestações clínicas). Na prática
9
médica comum, a patologia geral preocupa-se principalmente com a análise de anormalidades clínicas
conhecidas que são marcadores ou precursores de doenças infecciosas e não infecciosas e é conduzida
por especialistas em uma das duas principais especialidades: patologia anatômica e patologia clínica.
Existem outras divisões na especialidade com base nos tipos de amostras envolvidas (comparando, por
exemplo, citopatologia, hematopatologia e histopatologia), órgãos (como na patologia renal) e sistemas
fisiológicos (patologia oral), bem como com base no foco do exame (como na patologia forense).

Já a psicopatologia é o estudo de doenças mentais, particularmente de distúrbios graves. Fortemente


fundamentada na psicologia e na neurologia, seu objetivo é classificar doenças mentais, elucidar suas
causas subjacentes e orientar o tratamento psiquiátrico clínico de acordo. Embora o diagnóstico e a
classificação de normas e transtornos mentais sejam amplamente da competência da psiquiatria –
cujos resultados são diretrizes como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que
tentam classificar a doença mental principalmente em evidências comportamentais. Transtornos
mentais ou sociais ou comportamentos vistos como geralmente não saudáveis ou excessivos em um
determinado indivíduo, a ponto de causar danos ou perturbações graves no estilo de vida do doente, são
frequentemente chamados de “patológicos”.

10
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Unidade I
1 INTRODUÇÃO À FISIOPATOLOGIA

1.1 Definições em processos patológicos

O termo patologia é derivado do grego pathos, que significa doença, sofrimento, e logos, que quer
dizer estudo. A patologia é uma área da medicina que se dedica ao estudo de alterações estruturais,
bioquímicas e funcionais das células. É uma ponte entre as ciências básicas e a medicina clínica, sendo
a base científica de toda medicina (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).

A patologia pode ser dividida em duas grandes áreas: patologia geral, que estuda a etiologia e a
patogenia assim como as consequências dos distúrbios patológicos; e patologia especial, que estuda
as alterações que ocorrem em cada um dos sistemas. Temos ainda a anatomia patológica, área de
especialidade médica que se concentra em estudar as alterações estruturais e morfológicas dos diferentes
tecidos do corpo; e, por fim, a fisiopatologia, que irá estudar as consequências funcionais dessas alterações
nos órgãos e sistemas afetados abrangendo assim um significado mais clínico das doenças.

Os quatro aspectos de um processo de doença que formam o cerne da patologia são sua causa
(etiologia), os mecanismos do seu desenvolvimento (patogenia), as alterações bioquímicas e estruturais
induzidas nas células e órgãos do corpo (alterações moleculares e morfológicas) e as consequências
funcionais dessas alterações (manifestações clínicas).

Etiologia ou causa

A ideia de que as doenças eram causadas é extremamente antiga, datando desde 2500 a.C. Através
de relatos históricos antigos, percebe-se que se alguém adoecesse, a culpa era do próprio paciente
(por ter pecado) ou por obra de agentes externos, como maus odores, frio, maus espíritos ou deuses.
Atualmente, surgem duas principais classes de fatores etiológicos, sendo estes os de origem genética
(por exemplo, mutações herdadas e doenças associadas com variantes genéticas, ou polimorfismo) e
adquiridos (por exemplo, por meios infecciosos, nutricionais, químicos, físicos). O conceito de que um
agente etiológico seja a causa de uma doença, desenvolvido a partir do estudo de infecções e distúrbios
monogênicos, não é aplicável à maioria das doenças. Sabe-se que muitos dos problemas hoje de maior
importância em termos de saúde pública que afeta a população é na maior parte das vezes multifatorial
e surge dos efeitos de vários estímulos a um indivíduo suscetível.

Patogenia

A patogenia refere-se à sequência de eventos na resposta de células ou tecidos ao agente etiológico,


partindo da compreensão do estímulo inicial à forma como se apresenta no final da doença. Mesmo nas
11
Unidade I

situações em que a priori a causa inicial de uma doença é conhecida como nas situações de infecção,
por exemplo, o estudo da patogenia continua a ser um dos principais domínios da patologia, inclusive
se destacando também os eventos bioquímicos e morfológicos eventualmente associados. As novas
tecnologias vêm apresentando possibilidades de novas abordagens, sobretudo em relação a aspectos
terapêuticos, e por essas razões, o estudo da patogenia nunca foi tão desafiador e estimulante aos
profissionais da área da saúde.

Alterações moleculares e morfológicas

Refere-se às alterações estruturais em células ou tecidos que são características de uma doença e
que favorecem o diagnóstico de um processo sobre aspectos etiológicos. Nesse sentido, a utilização da
patologia diagnóstica revela a identificação dos fatores causais, ou seja, da natureza do processo e de
sua progressão, para tal, a patologia diagnóstica utiliza o estudo das alterações morfológicas nos tecidos
e alterações químicas nos pacientes. Mais recentemente, as limitações da morfologia em diagnosticar
doenças tornaram-se incrivelmente evidentes, e o campo da patologia diagnóstica expandiu-se a fim de
cercar as abordagens imunológicas e moleculares para a análise do estado da doença.

Manifestações clínicas

As alterações e/ou anormalidades funcionais são o resultado final das alterações genéticas,
bioquímicas e estruturais em células e tecidos, as quais acabam por gerar as manifestações clínicas
(sinais e sintomas) da doença, bem como a sua progressão (curso clínico e consequência). De forma geral,
as doenças iniciam-se com alterações moleculares ou estruturais nas células, um conceito formulado,
primeiramente, no século XIX, por Rudolf Virchow.

Como já dito, as doenças têm causas que atuam por mecanismos variados, os quais produzem
alterações moleculares e/ou morfológicas nos tecidos, resultando em alterações funcionais no organismo
ou em parte dele, produzindo manifestações subjetivas (sintomas) ou objetivas (sinais). A patologia
cuida dos aspectos de etiologia (estudo das causas), patogênese (estudo dos mecanismos), anatomia
patológica (estudo das alterações morfológicas dos tecidos que, em conjunto, recebem o nome de
lesões), fisiopatologia (estudo das alterações funcionais de órgãos e sistemas afetados) e semiologia
(estudo dos sinais e sintomas das doenças). Todas essas áreas objetivam de forma conjunta estabelecer
o diagnóstico (propedêutica) a partir do qual se estabelecem o prognóstico, o tratamento e a prevenção
da doença.

A patologia, para ser mais bem compreendida e estudada, pode ser dividida em dois grupos ou
temáticas denominadas patologia geral e patologia especial. A patologia geral estuda os aspectos
comuns às várias doenças em relação às suas causas, à patogênese, às lesões estruturais e alterações
funcionais; já a patologia especial, também conhecida como sistêmica, estuda as doenças de determinado
órgão ou sistema (por exemplo, sistema respiratório, cavidade oral), ou estuda as doenças agrupadas por
suas causas (doenças infecciosas, doenças causadas por radiações etc.).

12
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

1.2 Homestase e saúde

Para que seja possível o entendimento dos seus processos fisiopatológicos, é de fundamental
importância que revisemos os conceitos básicos da fisiologia de forma a melhor compreender o pleno e
normal funcionamento do organismo.

A célula normal está condicionada a manter-se em uma faixa razoavelmente estreita de função
e estrutura por seu estado de metabolismo, diferenciação e especialização; por limitações das células
vizinhas; e pela disponibilidade de substratos metabólicos. Porém, vale ressaltar que ela é capaz de
sustentar as demandas fisiológicas, mantendo um estado normal chamado de homeostasia. Nesse
sentido, cada célula que constitui nosso organismo está diretamente envolvida na manutenção de um
estado dinâmico de equilíbrio, o qual denominamos homeostase.

Qualquer alteração ou lesão, por menor que seja eventualmente, pode comprometer o organismo
como um todo. A manutenção da homeostase é de certa forma uma responsabilidade integrada de três
estruturas cerebrais importantes: a medula oblonga, que corresponde à parte do tronco cerebral ligada
à manutenção das funções vitais, como respiração, circulação, entre outras; a hipófise, a qual regula a
função de outras glândulas, estando diretamente associada ao crescimento, maturação e reprodução
de um indivíduo; e o sistema reticular, o qual se configura como uma intrincada rede de núcleos e
fibras provenientes de células nervosas no tronco cerebral e na medula espinal, diretamente associado
ao controle dos reflexos vitais como, por exemplo, o que ocorre na função cardiovascular.

A homeostase é sustentada por mecanismos de autorregulação que também são retroestimulados,


conhecidos como:

• Retroestimulação positiva: responsável por ampliar a alteração sistêmica, tirando o sistema da


homeostase. Um exemplo clássico para melhor entendimento ocorre quando o coração bombeia
sangue com maior velocidade e mais força numa situação de choque. Em situações de choque,
se evoluir, a ação do coração pode demandar mais oxigênio do que o que normalmente
encontra‑se disponível, isso pode acarretar uma insuficiência cardíaca.

• Retroestimulação negativa: o processo restaura a homeostase corrigindo deficiências pelo


entendimento das alterações no organismo. Pode-se exemplificar tomando como base as
alterações provocadas pela elevação da glicose. Nesse caso, desencadeia-se o aumento na
produção de insulina pelo pâncreas, ocasionando uma redução dos níveis de glicose aos
patamares normais e restaurando o equilíbrio.

Cada mecanismo de retroestimulação, independentemente se positivo ou negativo, apresenta três


componentes básicos: um sensor responsável por detectar as mudanças na homeostase, normalmente
expressa por alterações dos impulsos nervosos ou de níveis hormonais; um centro de controle no
sistema nervoso central (SNC), o qual recebe sinais advindos do sensor e regula a resposta do organismo
frente às alterações; dando início ao mecanismo de execução, o qual é diretamente responsável por
restabelecer a homeostase.

13
Unidade I

O conceito de saúde de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) (apud DONNANGELO;
PEREIRA, 1979) é o indivíduo ter o completo bem-estar físico, social e mental e não apenas a ausência
de doenças. A definição é complexa e abrangente, leva em consideração não apenas a presença de
doenças fisiológicas que podem ser diagnosticadas, mas todas as condições psicológicas e mentais que
interferem diretamente na qualidade de vida das pessoas.

Lembrete

Em 1948, o preâmbulo da Constituição da OMS definiu saúde como um


estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não exclusivamente
como a ausência de doenças e enfermidades.

Doença é uma condição anormal específica que afeta negativamente a estrutura ou a função de
parte ou de todo o organismo, e isso não é devido a nenhuma lesão externa. As doenças geralmente
são interpretadas como condições médicas associadas a sintomas e sinais específicos. Uma doença pode
ser causada por fatores externos, como patógenos, ou por disfunções internas. Por exemplo, disfunções
internas do sistema imunológico podem produzir uma variedade de doenças diferentes, incluindo várias
formas de imunodeficiência, hipersensibilidade, alergias e distúrbios autoimunes.

Nos seres humanos, a doença é frequentemente usada de maneira mais ampla para se referir a
qualquer condição que cause dor, disfunção, angústia, problemas sociais ou morte da pessoa afetada
ou problemas semelhantes para aqueles em contato com a pessoa. Nesse sentido mais amplo, às
vezes, inclui lesões, deficiências, distúrbios, síndromes, infecções, sintomas isolados, comportamentos
desviantes e variações atípicas de estrutura e função, enquanto que em outros contextos e para outros
fins, podem ser consideradas categorias distinguíveis. As doenças podem afetar as pessoas não apenas
fisicamente, mas também mentalmente, pois a contração e a convivência com uma doença podem
alterar a perspectiva de vida da pessoa afetada.

A morte por doença é chamada morte por causas naturais. Existem quatro tipos principais de
doenças: infecciosas, por deficiência, hereditárias (incluindo doenças genéticas e doenças hereditárias
não genéticas) e fisiológicas. Também podem ser classificadas de outras maneiras, como transmissíveis
versus não transmissíveis. As doenças mais mortais nos seres humanos são as das artérias coronárias
(obstrução do fluxo sanguíneo), seguidas pelas cerebrovasculares e infecções respiratórias inferiores.

1.3 Agentes causadores de doença

Os agentes responsáveis pelo aparecimento de doença são conhecidos como fatores ou agentes
etiológicos. Entre eles, estão os biológicos (por exemplo, bactérias e vírus), os físicos (por exemplo,
traumatismo, queimaduras, radiação), os agentes químicos (por exemplo, pesticidas e nicotina), a
herança genética (por exemplo, síndromes cromossômicas) e os excessos ou déficits nutricionais
(por exemplo, obesidade e avitaminose).

14
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

A maioria dos agentes etiológicos é inespecífico, e muitos agentes diferentes podem causar uma
doença em um mesmo órgão. Por outro lado, um único agente ou trauma pode desenvolver uma doença
em diferentes órgãos ou sistemas. Por exemplo, na fibrose cística, um único aminoácido produz uma
doença generalizada. Embora um agente patológico possa afetar mais de um órgão isoladamente e
diferentes agentes patológicos possam afetar o mesmo órgão, a maioria das doenças não tem uma
única causa. Muitas têm origem multifatorial, ou seja, várias causas. Podemos citar o câncer e as
doenças cardíacas. Os diversos fatores que predispõem a uma doença são chamados de fatores
de risco.

Em geral as doenças evoluem por meio de inúmeros estágios:

• Exposição ou lesão: o tecido denominado de alvo é exposto ao agente causal ou lesado.

• Latência ou período de incubação: o indivíduo não manifesta sinais e/ou sintomas da doença.

• Período prodrômico: surgem os primeiros sinais e sintomas, no entanto, em sua maioria, são
inespecíficos e não permitem uma clara identificação do agente causal.

• Fase aguda: normalmente apresentam-se sinais e sintomas em sua forma mais expressiva,
podendo inclusive acarretar complicações. Pode ser denominada de forma aguda subclínica se o
paciente continuar a se comportar como se a doença ainda não estivesse instalada.

• Remissão: uma nova e eventual fase de latência que deverá ser seguida por outra fase aguda.
Remissões acontecem muitas vezes por falha no processo terapêutico, trazendo por vezes
situações de maior agravamento quando comparadas à fase aguda inicial.

• Convalescença: o paciente apresenta sinais compatíveis com indivíduo em processo de


recuperação. O objetivo é que, ao término desse processo, o paciente esteja completamente
recuperado e apto a restabelecer suas atividades normais.

• Recuperação: o paciente encontra-se completamente recuperado, em plena capacidade funcional,


sem a presença de sinais e/ou sequelas do processo de doença ocorrida.

Quando um fator de estresse ocorre, a exemplo das situações de mudança de vida, como término
de um relacionamento, perda de um emprego ou até mesmo algo positivo como o nascimento de um
filho, o indivíduo busca formas de se adaptar de maneira adequada a essas mudanças, a incapacidade
de adaptação pode resultar em estresse. A dificuldade de uma pessoa motivada por esse estresse pode
desencadear ou agravar uma doença ou condição. O quadro a seguir apresenta algumas condições por
vezes consideradas bastantes comuns associadas ao estresse.

15
Unidade I

Quadro 1

Alterações menstruais Erupções cutâneas


Angina Etilismo
Ansiedade e ataques de pânico Fraqueza ou espasmo muscular
Cefaleias (enxaquecas ou do tipo Hipertensão
tensional
Depressão Insônia
Desmaio Palpitações cardíacas
Disfunção sexual Síndrome do intestino irritável
Distúrbios alimentares (bulimia, Úlcera péptica
anorexia, entre outros)

Alguns estágios presentes na adaptação frente a um evento estressante são definidos como alarme,
resistência e recuperação ou exaustão. Na situação de alarme, o corpo detecta o agente ou a situação
estressante e acaba por acionar o SNC à liberação de substâncias químicas para o que conhecemos
como resposta de luta e fuga. A liberação de epinefrina ocorre através da ação da medula simpática
adrenal, e a liberação de glicocorticoides, pelo eixo hipotálamo-hipófise e adrenal, tais sistemas atuam
de forma integrada auxiliando uma resposta mais adequada do corpo ao estresse, tal evento é por
muitos denominado liberação adrenérgica do pânico ou da agressão.

No estágio de resistência, o corpo responde ao estresse e tenta se adaptar. Os mecanismos de cobertura


são acionados, e se o corpo não conseguir se adaptar, inicia-se o estado de exaustão. Os hormônios não são
mais produzidos como o que ocorria no estado de alarme, em decorrência, ocorre lesão de órgãos e tecidos,
acarretando o aparecimento dos sinais e sintomas das doenças.

1.3.1 Agentes biológicos

Agentes biológicos incluem vírus, bactérias, fungos, protozoários, helmintos e artrópodes.


Todos eles podem invadir e/ou colonizar o organismo a fim de procurar condições ideais de abrigo
e nutrição e acabam por, em inúmeros casos, produzir doenças conhecidas em conjunto como
infecciosas. Um agente biológico pode produzir lesão por meio de inúmeros mecanismos:

• Ação direta: por invasão de células que se multiplicam podendo ocasionar a morte e/ou a
sua destruição. A presença de um microrganismo no interior de uma célula pode ser definida
como efeito citopático e pode ocorrer associada à infecção celular por muitos microrganismos,
especialmente vírus e alguns tipos de riquétsias, bactérias e protozoários.

• Substâncias tóxicas (toxinas) liberadas pelo agente infeccioso: as exotoxinas de bactérias, de


micoplasmas e de alguns protozoários. Pode-se citar como exemplos as toxinas produzidas pelas
espécies de Clostridium spp. como Clostridium tetanii e Clostridium botulinum, estas por ação de
suas toxinas podem provocar respectivamente o tétano e o botulismo.

16
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

• Toxinas endógenas, ou endotoxinas: componentes estruturais ou substâncias armazenadas no


interior do agente biológico e liberados após sua morte e desintegração.

• Antígenos/componentes do agente agressor: podem aderir à superfície celular ou de outras


estruturas teciduais, tornando-se alvo da ação de anticorpos e da imunidade celular dirigida aos
epítopos desses microrganismos.

• Antígenos do microrganismo: podem ter epítopos semelhantes a moléculas dos tecidos; a resposta
imunitária contra esses epítopos faz-se também contra componentes similares existentes nos
tecidos (autoagressão), a exemplo do que pode vir a ocorrer após sucessivas infecções de repetição
por Streptococcus pyogenes e o aparecimento posterior de febre reumática, glomerulonefrite
de Bruton e endocardite estreptocócica, por similaridade antigênica entre a estreptolisina O e
proteínas do tecido cardíaco.

• Integração ao genoma celular (por exemplo, vírus) e alterações na síntese proteica, o


que pode levar a neoplasias: inúmeros vírus, por exemplo, apresentam o chamado potencial
oncogênico, como o já conhecido vírus do papiloma humano (HPV), causador de inúmeros casos
de neoplasia como de útero e ovário, e o vírus Epstein-Barr, causador de linfomas como de
Burkitt e carcinomas como o de nasofaringe. Todos esses mecanismos agem com maior ou menor
intensidade de acordo com a constituição genética do organismo. Importante também são as
condições do organismo no momento da invasão pelo microrganismo (estado nutricional, lesões
preexistentes etc.).

1.3.2 Agentes físicos

Dependendo da intensidade e duração de sua ação, qualquer agente físico pode causar lesão.
Entre os agentes físicos, estão a força mecânica, as variações da pressão atmosférica, as variações de
temperatura, a eletricidade, a radiação e as ondas sonoras (ruídos).

Força mecânica

A ação da força mecânica sobre o organismo produz vários tipos de lesões denominadas lesões
traumáticas (ou impropriamente chamadas de trauma mecânico, já que esse é o agente causal, e não a
consequência). Essas são as feridas cujas características seguem:

• desprendimento ou remoção de células da epiderme;

• laceração, separação de tecidos, por excessiva força de estiramento (laceração de tendões ou vísceras);

• contusão na qual o impacto é transmitido através da pele aos tecidos subjacentes, levando à
ruptura de pequenos vasos, com hemorragia e edema;

• incisão ou corte, lesão produzida por ação de instrumentos cortantes;

17
Unidade I

• perfuração produzida por instrumentos pontiagudos sobre os tecidos, sendo uma ferida mais
profunda do que extensa;

• Fratura, caracterizada por ruptura ou solução de continuidade de tecidos duros, como o ósseo
e cartilaginoso.

Variações de pressão atmosférica

O organismo humano suporta melhor o aumento da pressão atmosférica que a sua diminuição. Veja
a seguir.

Síndrome de descompressão

A doença por descompressão ou barotrauma é causada por uma diminuição rápida da pressão do
meio circundante, ocorrendo algumas vezes em mergulhadores. Essa condição desenvolve-se devido à
formação de bolhas de nitrogênio na corrente sanguínea e nos tecidos do corpo, normalmente, quando
o mergulhador se desloca de águas profundas para a superfície num curto espaço de tempo.

Os sintomas da descompressão variam de acordo com a localização de formação das bolhas no corpo,
sendo frequente dores de cabeça ou vertigens, cansaço ou fadiga, erupções cutâneas, dor nas articulações,
fraqueza muscular ou paralisia. Cerca de 50% dos mergulhadores com problemas de descompressão
desenvolvem sintomas na primeira hora após o mergulho ou dentro das primeiras 24 horas. Em casos
mais graves, podem desenvolver dificuldades respiratórias, choque ou perda de consciência.

Efeitos de grandes altitudes

A doença da altitude ocorre em indivíduos não adaptados que se deslocam para grandes altitudes.
Até uma altura de 2.500 m, geralmente, não acontecem manifestações; entre 3.000 m e 4.000 m,
as alterações são frequentes, mas pouco importantes; e acima de 4.000 m, podem aparecer
alterações graves.

À medida que a altitude aumenta, a pressão atmosférica diminui e menos moléculas de oxigênio
encontram-se disponíveis no ar rarefeito. A diminuição do oxigênio disponível afeta o corpo de várias
maneiras: a frequência e a profundidade da respiração aumentam, alterando o equilíbrio de gases
nos pulmões e no sangue, aumentando a alcalinidade do sangue e mudando a distribuição de sais,
como o sódio e o potássio, nas células. Como consequência, a água é distribuída de modo diferente
entre o sangue e os tecidos. Nas altitudes elevadas, o sangue contém menos oxigênio, produzindo
coloração azulada em pele, lábios e unhas. Ao longo de alguns dias, o organismo produz mais hemácias,
transportando então mais oxigênio aos tecidos.

Muitas pessoas que vivem ao nível do mar, quando ascendem a uma altitude moderada (2.400 m),
em um ou dois dias, apresentam falta de ar, aumento da frequência cardíaca e cansaço fácil. A maioria
melhora em poucos dias.

18
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Variações de temperatura

O organismo submetido a baixas temperaturas tenta se adaptar produzindo maior quantidade de


calor. A adaptação é temporária, e, se não houver proteção adequada, a temperatura corporal começa
a abaixar, instalando-se a hipotermia (considera-se hipotermia a temperatura corporal abaixo de
35 °C). Quando a temperatura cai, ocorre vasoconstrição periférica, palidez acentuada e redução
progressiva da atividade metabólica de todos os órgãos, especialmente do encéfalo e da medula
espinhal. A causa de morte no resfriamento é, geralmente, falência cardiorrespiratória por inibição
dos centros bulbares de controle da respiração e da circulação.

A ação local do calor produz as queimaduras. O calor causa lesão por:

• liberação de histamina pelos mastócitos, que produz vasodilatação e edema;

• liberação de substância P das terminações nervosas aferentes;

• ativação da calicreína plasmática e tecidual, com liberação de bradicinina, que aumenta a


vasodilatação e o edema;

• lesão direta da parede vascular, que pode aumentar o edema, produzir hemorragia e levar à
trombose de pequenos vasos, resultando em isquemia e necrose.

Se o indivíduo é submetido a temperaturas elevadas (excesso de sol, proximidade de caldeiras), pode


haver elevação progressiva da temperatura corporal, a hipertermia. Quando a temperatura corporal
atinge ou ultrapassa 40 °C, ocorre vasodilatação periférica, abertura dos capilares e sequestro de grande
quantidade de sangue na periferia, iniciando quadro de insuficiência circulatória periférica (choque
térmico clássico).

Radiações ionizantes

As lesões causadas por radiações ionizantes em humanos decorrem de inalação ou ingestão de


poeira ou alimentos que contenham partículas radioativas, o que acontece em:

• trabalhadores de minas, onde são abundantes os minerais radioativos, como o rádio;

• exposição a radiações com fins terapêuticos ou diagnósticos;

• contato acidental com radiações emanadas de artefatos nucleares, como reatores, aparelhos de
radioterapia ou de radiodiagnóstico;

• bombas nucleares.

A radiação ionizante de uma forma dose-dependente pode causar mutação nas células e matá‑las
por múltiplas vias, incluindo morte celular por apoptose, necrose ou redistribuição de células para
19
Unidade I

outros compartimentos. A radiação ionizante interage com alvos intracelulares produzindo radicais
livres e causando uma ruptura no ácido desoxirribonucléico (DNA).

O dano tecidual é dependente da radiossensibilidade dos diferentes tecidos, com o efeito


particularmente alto em espermatócitos nos testículos, linfócitos circulantes, células hematopoiéticas
na medula óssea e células da cripta nos intestinos. O dano nas células é em grande parte dependente
das doses de radiação.

A ruptura do DNA geralmente é reparada por uma variedade de mecanismos. Esse reparo
pode levar a pequenas mutações, enquanto falhas de cadeia dupla podem levar a translocações
cromossômicas, inversões e fusões de telômeros. Embora as translocações cromossômicas,
inversões e mutações pontuais sejam tipicamente lesões não letais, tais aberrações cromossômicas
induzidas por radiação podem ser lesões iniciais que apresentam a possibilidade de ter efeito
atrasado de carcinogênese.

Efeitos da luz solar

A luz solar contém amplo espectro de radiações. A radiação infravermelha produz calor, sendo
responsável em parte por queimaduras solares. As radiações ultravioletas são potencialmente
mais lesivas.

Os raios UV-C são absorvidos na camada de ozônio e não chegam à superfície da Terra (a
proteção da camada de ozônio tem, pois, grande importância para as pessoas). Os raios UV-A
e UV-B são os responsáveis pelas lesões provocadas pela luz solar, que podem ser agudas ou
crônicas. Insolação e queimaduras são lesões agudas, caracterizadas por eritema, edema e
formação de bolhas; em seguida, surgem descamação e hiperpigmentação. Os efeitos crônicos são
mais relevantes. Os raios UV-B têm ação melanogênica, induzem pigmentação, são responsáveis
principais por fenômenos de fotossensibilização, aceleram o envelhecimento e provocam lesões
proliferativas, incluindo neoplasias.

Reações de fotossensibilização são induzidas por substâncias que se depositam na pele e por
absorverem raios UV, podem ser ativadas, originar radicais livres e ter efeitos tóxicos sobre células
epidérmicas; podem surgir erupções, com coceira, área de vermelhidão e inflamação nas manchas de
pele expostas ao sol. A luz pode provocar reações do sistema imunológico, determinadas doenças,
como lúpus eritematoso sistêmico, podem provocar reações cutâneas mais sérias se houver exposição
à luz solar.

Os raios UV-A causam degenerações dos ceratinócitos e alterações no seu DNA, o que pode provocar
lesões proliferativas benignas ou malignas (carcinoma basocelular e melanomas).

20
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

UV-A
Provoca bronzeamento.
Acumulação sobre um período
de tempo pode levar a cararatas

UV-B UV-C
Causa queimaduras solares. Absorvido e bloqueado pela
Superexposição aos raios UVB camada de ozônio antes de
pode causar danos à córnea alcançar a Terra

Figura 1 – Tipos de radiações ultravioletas e seus efeitos

Saiba mais

Você pode saber mais sobre câncer de pele no site do Inca:

INCA. Câncer de pele não melanoma. Brasília, 2018. Disponível em:


https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-nao-melanoma.
Acesso em: 8 nov. 2019.

Som (ruído)

Observações epidemiológicas indicam que uma pessoa submetida a ruídos intensos (no ambiente de
trabalho, em casa, nas ruas) apresenta distúrbios de audição caracterizados por perda progressiva da capacidade
de distinguir sons de frequência mais alta. Admite-se que ruídos muito altos induzam lesões nas células ciliadas
do órgão de Corti, as quais são responsáveis pela acuidade auditiva. É notório que indivíduos idosos da zona rural
tenham audição mais conservada do que os de grandes centros urbanos, onde o nível de ruídos é maior.
Membrana tectorial
Células ciliadas
internas
Estereocílios
Células ciliadas
externas

Nervo
Membrana auditivo
basilar Célula de Célula de Túnel Célula Nervo
suporte Deiter pilar

Figura 2 – Estrutura do ouvido interno

21
Unidade I

O ultrassom, gerado pela transformação de energia elétrica em ondas sonoras com frequência acima
de 20.000 Hz, é muito utilizado no diagnóstico por imagens (ultrassonografia). Até o momento, não há
relatos de efeitos deletérios decorrentes da ultrassonografia, inclusive na vida embrionária.

1.3.3 Agentes químicos

Quer sejam substâncias tóxicas, quer sejam medicamentos, ambos podem provocar lesões a partir
de dois mecanismos distintos:

• Ação direta sobre células ou interstício: mediante transformações moleculares que resultam
em degeneração ou morte celular, alterações do interstício ou modificações no genoma, induzindo
transformação maligna (efeito carcinogênico). Quando atuam na vida intrauterina, podem induzir
a erros do desenvolvimento (efeito teratogênico).

• Ação indireta: atuando como antígeno (o que é muito raro), induzindo resposta imunitária
humoral ou celular responsável pelo aparecimento de lesões. Quer seja um medicamento, quer seja
uma substância tóxica, o efeito do agente químico depende de vários fatores como dose, vias de
penetração e absorção, transporte, armazenamento, metabolização e excreção; depende também
de particularidades do indivíduo como idade, gênero, estado de saúde, momento fisiológico e
constituição genética.

As substâncias químicas capazes de danificar as células estão no ar em toda parte no ambiente.


A poluição do ar e da água contém substâncias capazes de lesar os tecidos, como o tabaco e alguns
alimentos. Algumas das substâncias mais prejudiciais existem em nosso ambiente, como o gás monóxido
de carbono, inseticidas e metais pesados, por exemplo, o chumbo.

Muitas drogas, como álcool, medicamentos e seus excessos e drogas ilícitas, são capazes de danificar
os tecidos, direta ou indiretamente. O álcool etílico danifica a mucosa gástrica, o fígado, o feto em
desenvolvimento e outros órgãos. As drogas antineoplásicas (anticâncer) e imunossupressoras podem
danificar diretamente as células. Outras drogas produzem produtos finais metabólicos tóxicos às células.
O paracetamol, droga analgésica bastante usada, é detoxificado no fígado, onde pequenas quantidades
do medicamento são convertidas em metabólitos altamente tóxicos. Esse metabólito é detoxificado
por uma via metabólica que usa uma substância (por exemplo, glutationa) normalmente presente no
fígado. Quando grande quantidade da droga é ingerida, essa via é superada, e os metabólitos tóxicos
acumulam-se, causando intensa necrose hepática.

1.3.4 Herança genética

Herança genética é processo pelo qual um organismo ou célula adquire ou torna-se predisposto
a adquirir características semelhantes às do organismo ou célula que o gerou através de informações
codificadas (código genético) transmitidas à descendência. A combinação entre os códigos genéticos
dos progenitores (em espécies sexuadas) e erros (mutações) na transmissão desses códigos é responsável
pela variação biológica que sob a ação da seleção natural, permite a evolução das espécies. As doenças
genéticas são aquelas que envolvem alterações no material genético, ou seja, no DNA. Algumas delas
22
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

podem possuir o caráter hereditário, sendo repassadas de pais para filhos. Entretanto, nem toda doença
genética é hereditária. Um exemplo é o câncer, ele é causado por alterações no material genético, mas
não é transmitido aos descendentes.

Existem três tipos de doenças genéticas:

• Monogenéticas ou mendelianas: quando apenas um gene é modificado.

• Multifatorial ou poligênicas: quando mais de um gene é atingido e ocorre ainda interferência


dos fatores ambientais.

• Cromossômicas: quando os cromossomos sofrem modificações em sua estrutura e número.

As doenças de origem genéticas mais comuns no Brasil são a síndrome de Down, a anemia falciforme,
o diabetes, o câncer e o daltonismo.

1.3.5 Lesões por desequilíbrios nutricionais

Os excessos e as deficiências nutricionais predispõem as células a lesões. Considera-se que a


obesidade e as dietas ricas em gorduras saturadas predispõem à aterosclerose. O corpo precisa de mais
de sessenta substâncias orgânicas e inorgânicas em quantidades que variam de microgramas a gramas.
Esses nutrientes consistem em minerais, vitaminas, alguns ácidos graxos e aminoácidos específicos.
As deficiências dietéticas podem ocorrer sob a forma de inanição na qual há deficiência de todos os
nutrientes e vitaminas, ou por deficiência seletiva de um único nutriente ou vitamina. A anemia ocorre
por deficiência de ferro, o escorbuto, o beribéri e a pelagra são exemplos de lesões causadas pela falta
de vitaminas específicas ou minerais.
Desenvolvimento
Fatores Fatores e crescimento
Manutenção das Condições especiais
emocionais econômicos necessidades (exemplo: doença,
corporais febre, estresse)
Fatores físicos Fatores
(exemplo: doenças, sociais e
má-absorção) Ingestão de culturais
Necessidade
nutrientes de nutrientes

Figura 3 – Equilíbrio nutricional e ingestão de alimentos

23
Unidade I

1.4 Ciclo celular

O ciclo celular é um conjunto de eventos que leva ao processo de duplicação e divisão celular.
O seu principal objetivo é produzir duas células que deverão corresponder a cópias idênticas da
célula que a originou. É através desse processo que as células unicelulares irão se reproduzir, e as células
multicelulares se multiplicarão. A frequência de divisões celulares varia com o tipo e o estado fisiológico
e nutricional de cada célula.

As características de crescimento e diferenciação celulares são essenciais para todos os seres


vivos. O crescimento ou a multiplicação celular é o mecanismo responsável pela formação das
células que compõem um organismo, assim como o processo envolvido na reposição de células que
acabam sendo perdidas durante a vida pelo processo de envelhecimento ou por lesões celulares.
Já o processo de diferenciação é responsável pela especialização morfofuncional de todas as células de
um organismo vivo.

Levando em consideração a capacidade de replicação das células, elas podem ser classificadas em
três grupos:

• Células lábeis: precisam se renovar sempre e, portanto, se multiplicam com muita facilidade.
Encontram-se em constante divisão celular com o objetivo de repor as células que morreram,
por exemplo: epitélio do intestino delgado, células do sistema linfático, da cavidade oral, do trato
gastrointestinal, células dos folículos capilares, células da medula óssea.

• Células estáveis ou quiescentes: multiplicam-se em função de algum estímulo. Estão comumente


em fase G0 do ciclo celular e têm baixo nível de replicação, mas quando devidamente estimuladas,
possuem rápida proliferação, por exemplo: hepatócitos, células ósseas, pancreáticas, renais, do
pulmão, musculatura lisa, do endotélio e fibroblastos da pele.

• Células permanentes ou perenes: as mais especializadas do corpo humano. Atingiram o estágio


final de diferenciação e não têm mais capacidade de se dividirem. Dessa forma, essas células
estão permanentemente em G0 e não podem se renovar. São três as células permanentes: as da
musculatura esquelética e cardíaca e os neurônios.

O período que vai do início ao fim da divisão de uma célula é denominado ciclo celular. O ciclo
celular é dividido em duas fases: a intérfase e a mitose ou a meiose. Nesse ciclo, a célula deverá crescer
e se preparar para o processo de divisão celular. Quando na divisão, a célula origina células-filhas com
a metade do número de cromossomos, o processo é chamado de meiose. A meiose é composta de dois
ciclos consecutivos de divisões, chamadas de meiose I e meiose II. Já quando o objetivo da divisão celular
for originar duas células-filhas idênticas, o processo será denominado mitose. Assim, ao fim de cada
ciclo celular, o mesmo número de cromossomos e as mesmas informações genéticas da célula-mãe
serão mantidos nas células-filhas.

Algumas células, como os neurônios, que já atingiriam o seu ponto máximo de capacidade de
diferenciação, permanecem em intérfase durante toda a vida. Já as células estáveis permanecem em G0,
24
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

ou também chamado de estado de quiescência, até que ocorra um estímulo proliferativo para que ela
volte a se dividir. Nesses estágios, as células estão realizando todas as suas funções para manter o tecido
ou órgão funcionando, mas não inicia os mecanismos necessários para a divisão celular.

1.4.1 Intérfase

A intérfase é o estado natural da célula, ou seja, aqui ela não se encontra em divisão celular. Nessa
etapa, as células mantêm o equilíbrio de todas as suas funções através da absorção dos nutrientes
necessários à sua manutenção. Ela permanecerá nesse estágio até estar preparada para uma nova
divisão, em que ocorrerá o aumento do tamanho, do volume e ainda em número de organelas. A partir
de então, o ciclo se reinicia. Para as células que entrarão em divisão, a intérfase é dividida em quatro
fases: G0, G1, S e G2.

Fase G0 ou fase de repouso celular

É a fase em que a célula não tem estímulos para a divisão celular e se concentra em exercer sua
função vital. A célula só sai dessa fase quando ocorre um estímulo adequado para se dividir.

Fase G1 ou GAP1

É a fase mais longa do ciclo celular e também a mais variada de todas. Esse período é caracterizado
por síntese proteica e de RNA. Ocorre crescimento celular com aumento do citoplasma das células
recém-formadas. Após o período G1, há um ponto de checagem em que se verifica se o ambiente está
favorável para a célula se dividir. Durante essa fase do ciclo celular, a progressão de muitas células é
interrompida e impedida de se proliferar. Esse controle repressivo é chamado de ponto de restrição. Se o
fornecimento de nutrientes foi pobre ou se as células receberem algum estímulo antiproliferativo como
um sinal para finalizar a diferenciação, elas permanecem no ciclo celular em G1 ou são removidas do
ciclo. No entanto, se as células recebem estímulos positivos e forem capazes de ultrapassar o ponto de
restrição, um novo ciclo de replicação de DNA é acionado e ocorre a divisão celular.

Fase S

É a fase do ciclo celular comprometida com a duplicação do DNA e, portanto, nessa fase, ocorre o
crescimento expressivo do núcleo celular. É responsável por desencadear a divisão celular, além de garantir
que as células-filhas recebam as informações genéticas determinantes de suas características. Ocorre
a duplicação das cromátides dos cromossomos, ficando cada cromossomo com duas cromátides-irmãs
unidas pelo centrômero. Ocorre também a duplicação dos centríolos da célula, organelas responsáveis
por parte importante da duplicação celular.

Fase G2 ou GAP2

Nessa fase, ocorre síntese das proteínas do citoesqueleto celular e a duplicação dos centríolos. Em G2,
os cromossomos estão constituídos por duas moléculas de DNA cada (2 cromátides). Após a separação
dos centríolos para os polos da célula, ocorre a formação de um sistema com importante participação
durante a divisão celular – o fuso mitótico.

25
Unidade I

1.4.2 Mitose

A fase M (mitose seguida de citocinese) é o processo de divisão celular propriamente dito, é contínuo,
em que a partir de uma célula inicial, o material genético da célula é duplicado e formam-se duas
células idênticas e com o mesmo número de cromossomos. A mitose acontece na maioria das células
somáticas do nosso corpo e é essencial nos processos de regeneração tecidual e cicatrização. Ocorre em
cinco etapas sequenciais: prófase, metáfase, anáfase e telófase, além da etapa de citocinese.

Prófase

O começo da mitose é marcado pela condensação dos cromossomos. Essa condensação é mediada
pela ação condensina, que faz com que os cromossomos fiquem mais curtos e grossos. É nesse momento
que ocorrerá a duplicação do DNA e dos centríolos. As duas cromátides irmãs são mantidas juntas pelo
centrômero. Os centríolos duplicados migram para os polos da célula e formam o fuso mitótico. Com
o DNA condensado e os centríolos em movimento, inicia-se o processo da divisão mitótica. Ocorre a
quebra do envelope nuclear, os nucléolos desaparecem e a carioteca é completamente fragmentada. Em
seguida, os microtúbulos do fuso mitótico ligam-se ao centrômero. O término dessa etapa ocorre quando
os cromossomos se encontram no meio entre os dois polos celulares numa posição equatorial da célula.

Metáfase

Muitas células permanecem brevemente nessa fase, marcada pelo grau máximo de condensação dos
cromossomos. Nessa etapa, o DNA alinha-se no eixo central enquanto os centríolos iniciam sua conexão
com ele. Dois fios do cromossomo se ligam na parte central do centrômero. A transição para anáfase é
marcada pela quebra e separação das cromátides e migração de cada uma para um dos polos da célula.

Anáfase

Nessa fase, as cromátides de separam, e com o encurtamento das fibras do fuso mitótico, são puxadas
para os polos opostos da célula. Essa etapa é o ponto de checagem dos cromossomos (checkpoint), em
que se não houver anexação e separação correta, o ciclo celular não prossegue.

Telófase

Nessa etapa, os cromossomos já nos polos celulares se descondensam e têm início a formação de
novos envelopes nucleares, reconstituindo dois novos núcleos. A telófase marca o término da mitose,
antecedendo a citocinese.

Citocinese

Essa é a última fase da mitose. Nessa etapa, o anel contrátil de actina e miosina divide o citoplasma
em dois, originando duas células-filhas, cada uma com um núcleo.

26
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

1.4.3 Controle do ciclo celular e pontos de checagem

O ciclo celular é uma sequência ordenada de eventos na qual uma célula duplica seu conteúdo
e origina duas outras células idênticas. O controle do ciclo celular é um dos mecanismos mais bem
estruturados e incluem os mecanismos de controle do crescimento celular, a replicação e a integridade
dos cromossomos e sua segregação adequada durante o processo de mitose.

Os pontos de controle ou de restrição são períodos que ocorrem durante a divisão celular nas fases
G1 e G2, quando algum problema é detectado, o ciclo celular é interrompido até que seja corrigido,
ou a célula tem sua morte programada por um mecanismo conhecido como apoptose. Nele, diversas
alterações são realizadas no núcleo e no citoplasma da célula, que acaba morrendo e sendo fagocitada
por células de defesa do organismo sem perturbação das células vizinhas.

Esses pontos de verificação do ciclo celular são fundamentais para a manutenção da integridade e
estabilidade das células, a perda dessa capacidade de verificação é um dos maiores responsáveis pelo
processo de desenvolvimento do câncer. Na maior parte das células tumorais ocorre descontrole desses
pontos de controle, fazendo com que elas se proliferem indefinidamente mesmo com erros na divisão e
sem o estímulo adequado.

Além disso, os componentes que regulam o crescimento e a divisão celular também desempenham
papéis importantes na cessação da divisão celular necessária para a diferenciação celular. Um dos
mecanismos mais relevantes se relaciona com a inibição por contato, em que uma célula para de crescer
quando se encontra com outra célula, impedindo assim que haja empilhamento ou aumento de densidade
populacional desproporcional à manutenção da homeostasia celular.

Existem vários pontos de checagem, mas os três mais importantes estão a seguir:

Ponto de checagem G1

É o principal ponto de decisão para uma célula, é o primeiro momento da divisão em que o ciclo
pode ser interrompido caso haja dano no DNA ou erros de replicação. Se a célula passar por esse
controle de qualidade e ingressar na fase S, se torna irreversivelmente comprometida com a divisão.
Nesse ponto de checagem, são avaliados o tamanho das células, se há nutrientes suficientes para
o processo, a integridade do DNA e os sinais moleculares que estão sendo recebidos, como, por
exemplo, os fatores de crescimento ou de inibição celular.

Ponto de checagem G2

Antes da mitose, a célula possui ainda o segundo ponto de checagem em que será verificada a
integridade do material produzido e se houve ou não algum dano de DNA. Essa etapa é o controle de
qualidade da replicação a fim de verificar se o DNA foi completamente copiado durante a fase S. Se o
dano não for reparado, a célula sofrerá apoptose.

27
Unidade I

Ponto de checagem de M

Esse é o ponto de checagem dos fusos mitóticos em que será verificado se cromátides estão
corretamente ligadas aos microtúbulos do fuso. Como a separação das cromátides-irmãs durante
a anáfase é um passo irreversível, o ciclo não irá continuar até que todos os cromossomos estejam
firmemente ligados aos filamentos do fuso em lados opostos da célula.

1.5 Distúrbios de crescimento e diferenciação celular – adaptações celulares

1.5.1 Alteração no volume celular

Atrofia

É a redução quantitativa dos componentes estruturais e das funções celulares com diminuição
do volume das células e dos órgãos atingidos. Na maior parte dos casos, isso também acarreta numa
diminuição do número de células. As atrofias podem ser fisiológicas, como a atrofia senil, em que
ocorre uma redução volumétrica orgânica de cérebro, ossos, mucosas, sem um prejuízo funcional,
pois se mantém a homeostasia. Já nas atrofias patológicas, as causas podem ser várias: atrofia
muscular causada pela diminuição da carga de trabalho (membro engessado), perda da inervação
na poliomielite ou na neuropatia diabética. Pode ainda ser causada pela diminuição do suprimento
sanguíneo em casos de isquemia, nutrição inadequada, em que os tecidos atrofiam-se por inanição
seguindo uma ordem: tecido gorduroso, músculos, tecido linfoide, pele, glândulas, ossos, pulmões,
coração e cérebro. É o caso da caquexia que ocorre na fase terminal de um paciente com câncer. Pode
ainda ser causada por perda da estimulação endócrina por destruição da hipófise: atrofia ovariana,
de mamas, útero e genitália.

A) B)

Figura 4 – Atrofia por denervação do músculo esquelético: A) a denervação do músculo esquelético leva a uma
forma característica de atrofia: as fibras musculares perdem massa, e o sistema contrátil é desorganizado até
sobrar pouco além de núcleos residuais; as fibras atróficas formam ângulos no corte transversal; por fim,
ocorre a necrose celular, e as fibras musculares são substituídas por tecido conectivo;
B) fibras musculares esqueléticas normais

28
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

A) B)

Figura 5 – Atrofia cerebral em doença neurodegenerativa: A) normal; B) doença de Alzheimer avançada

Hipertrofia

Aumento quantitativo dos constituintes e das funções celulares com aumento volumétrico das
células e dos órgãos atingidos. Podem ser fisiológicos, como o útero na gravidez, e patológicos, como
a hipertrofia miocárdica, hipertrofia de musculatura esquelética em caso de atletas e hipertrofia de
musculatura lisa de órgãos ocos.

Figura 6 – Hipertrofia miocárdica, corte transversal do coração com hipertrofia ventricular esquerda

29
Unidade I

A) B)

Figura 7 – A) miócitos cardíacos normais; B) miócitos cardíacos hipertróficos: embora


não se dividam, eles compensam a carga de trabalho adicional aumentando de
tamanho; as células sofrem endomitose (com aumento em ploidia, sem divisão),
resultando, muitas vezes, em grandes núcleos retangulares (núcleos “boxcar”)

Observação

No início do processo atrófico, as células têm sua função diminuída,


mas não estão mortas. A atrofia ocasionada pela diminuição do
suprimento sanguíneo pode progredir até o ponto no qual as células são
lesadas de modo irreversível e morrem, frequentemente por apoptose.
A morte celular por apoptose contribui para a atrofia de órgãos endócrinos
após retirada hormonal.

1.5.2 Alteração da taxa de divisão celular

Hipoplasia

É a diminuição da população celular de um tecido, órgão ou parte do corpo. Podem ser fisiológicas,
como nos casos de involução do timo e das gônadas no climatério; e patológicas, como as hipoplasias
da medula óssea causada por agentes tóxicos ou infecções, por exemplo, pelo vírus do HIV e da febre
amarela. As consequências são reversíveis, salvo as congênitas.

Hiperplasia

É o processo adaptativo em que ocorre o aumento do número de células de um órgão ou parte


deles por aumento da taxa de replicação celular. Podem ser fisiológicos-compensadores (nefrectomia),
secundários a estímulo hormonal (útero na gravidez, mama na lactação) ou ainda patológicos
(estimulação hormonal – estrógeno com hiperplasia endometrial; TSH – hiperplasia tireoidiana).

30
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Normal

Hipoplasia Hiperplasia

Figura 8 – Ilustração de tecidos normais, com hipoplasia e com hiperplasia

1.5.3 Alteração da diferenciação celular

Metaplasia

É uma alteração reversível na qual um tipo celular diferenciado (epitelial ou mesenquimal) é


substituído por outro tipo celular de mesma linhagem (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016). A metaplasia é o
resultado da reprogramação de células precursoras que se diferenciam por um outro mecanismo em
geral mais resistente ao estímulo danoso. É sempre um processo patológico. O exemplo mais comum é a
transformação do epitélio colunar para o epitélio escamoso. Essa alteração ocorre no trato respiratório
em resposta a processos crônicos, por exemplo, metaplasia pulmonar causada pelo cigarro, metaplasia
cervical causada pelo HPV.

Membrana Epitélio Metaplasia


basal colunar escamosa
A) normal

B)
Figura 9 – Metaplasia do epitélio colunar normal para epitélio escamoso:
A) diagrama esquemático; B) metaplasia do epitélio colunar (à esquerda)
para epitélio escamoso (à direita) em um brônquio

31
Unidade I

Figura 10 – A existência de “línguas” acastanhadas de epitélio formando interdigitações


no epitélio escamoso mais proximal é típica do esôfago de Barrett

Observação

A associação entre a metaplasia e o desenvolvimento de adenocarcinoma


no esôfago de Barrett tem estimulado o estudo das alterações moleculares
que ocorrem no processo tardio da doença. Há um aumento do risco de
adenocarcinoma de 30 a 125 vezes em pacientes diagnosticados com
metaplasia de Barrett. Isso representa um risco de um em vinte durante
a vida. A metaplasia de Barrett irá progredir para o câncer a uma taxa de
0,5% a 1% ao ano.

Displasia

É uma alteração caracterizada pela diferenciação celular acompanhada de redução ou perda da


capacidade de diferenciação das células afetadas. É causada por uma alteração na expressão dos
genes que regulam a proliferação e a diferenciação celular. Está comumente associada ou surge de
tecidos metaplásicos. Pode ficar estacionada por anos ou progredir para uma neoplasia. As condições
efetivamente consideradas pré-carcinogênicas são displasia mamária, de colo uterino, displasia gástrica
etc. Todo processo de adaptação celular tem como finalidade a restauração do estado de morfostase
e homeostase do organismo. Se os agentes agressores persistirem ou o processo adaptativo não for
suficiente, poderá iniciar um processo lesivo, essas lesões podem ser reversíveis ou irreversíveis.

32
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Figura 11 – Neoplasia intraepitelial (NIC) da cérvix uterina. Note que parte do epitélio (lado
esquerdo do campo) é do tipo colunar mucossecretor, normal para esse órgão. No restante,
esse epitélio encontra-se substituído por células escamosas com atipias (núcleos grandes,
hipercorados e figuras de mitoses presentes em pelo menos 2/3 do epitélio)

A) B) C)

Figura 12 – A) Displasia do colo uterino de baixo grau (discreta): hipercelularidade, perda da


estratificação e pleomorfismo celular no terço basal do epitélio metaplásico (logo abaixo há
glândulas endocervicais); comparar com o epitélio cervical normal (B), no qual são
evidentes as camadas basal, intermediária e superficial. C) Displasia em pólipo do
intestino grosso: as glândulas são revestidas por mais de uma camada
de células, que mostram pleomorfismo e atipias

Lembrete

A displasia é caracterizada pelo crescimento celular desordenado de


um tecido específico ao resultar em células que variam de tamanho, forma
e organização. Graus menores de displasia estão associados à irritação
ou inflamação crônica. O padrão é mais frequente em áreas do epitélio
escamoso metaplásico do sistema respiratório e do colo do útero.

33
Unidade I

1.6 Lesões celulares

Lesões celulares podem ser definidas como um conjunto de alterações morfológicas, moleculares e
funcionais que acometem células e tecidos após uma agressão que excedeu a capacidade adaptativa
da célula gerando assim uma lesão. Todo tipo de agressão gera estímulos químicos e respostas celulares
adaptativas visando tornar os tecidos mais resistentes às contínuas agressões. Um dos estímulos
químicos mais bem estudados se refere às heat shock proteins ou proteínas de choque térmico (HSP),
que possuem papel importante na prevenção da agregação das proteínas que sofrem estresse. Além
disso, essas proteínas são responsáveis pelo processo de encaminhamento de proteínas danificadas para
as organelas específicas a fim de destruí-las e removê-las.

As principais causas de lesões celulares são a privação de oxigênio (hipóxia), obstrução arterial
(isquemia), mecanismos autoimunes e reações anafiláticas, alterações genéticas, deficiências
nutricionais, agentes físicos (como trauma mecânico, queimaduras, radiação solar, choque elétrico,
radiação ionizante), agentes químicos (como álcool, cigarro, poluição, agrotóxicos e outras substâncias
tóxicas) e agentes biológicos (como bactérias, vírus, fungos e protozoários).

Alguns sistemas intracelulares são particularmente vulneráveis às lesões celulares: a manutenção


da integridade das membranas celulares, a respiração aeróbica, envolvendo a fosforilação oxidativa
e a produção de adenosina trifosfato (ATP), a síntese de proteínas enzimáticas e estruturais e a
preservação da integridade do conteúdo genético da célula. As alterações morfológicas da lesão
celular tornam-se aparentes apenas após alguns sistemas bioquímicos, críticos dentro da célula,
terem sido perturbados. As lesões celulares frequentemente são acompanhadas por alterações
morfológicas das mitocôndrias. As mitocôndrias são lesionadas por diversos mecanismos descritos
a seguir.

Acúmulo de radicais livres

Durante o metabolismo celular, normalmente, há produção de radicais livres, que tem potencial
lesivo. No entanto, as células possuem mecanismos de defesa: catalase, superóxido dismutase, glutationa
peroxidase e ácido ascórbico. Porém, um desequilíbrio nesse sistema pelo aumento da formação de
radicais livres pode causar lesões celulares. Há diversos mecanismos para formação desses radicais livres:
absorção de radiação ionizante, metabolização de determinadas drogas, geração de óxido nítrico e outros.
As consequências dessa agressão por radicais livres são diversas, mas as principais são peroxidação dos
lipídios das membranas, oxidação de proteínas e lesões do DNA.

Influxo de cálcio para o citoplasma e perda da homeostase do cálcio

A homeostase do cálcio é indispensável para a homeostasia e manutenção das funções celulares.


Uma falha no controle da bomba de cálcio promove a sua entrada no citoplasma. O excesso de cálcio
intracelular promove a ativação de diversas enzimas como ATPases, proteases, lipases e endonucleases
que levam à degradação de componentes essenciais para o funcionamento da célula.

34
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Defeitos na permeabilidade das membranas

A perda da permeabilidade seletiva das membranas celulares, das mitocôndrias e dos lisossomos
causa uma série de transtornos à célula, permitindo a entrada e a saída indevida de substâncias.
Os mecanismos bioquímicos envolvidos são disfunção mitocondrial, perda de fosfolipídios das
membranas, anormalidades no citoesqueleto, acúmulo de radicais livres e de subprodutos da
fragmentação dos lipídios.

Célula normal Lesão


(homeostasia) reversível

Estímulos Leve
Estresse nocivos transitória

Lesão
Adaptação celular
Incapacidade de
se adaptar Intensa,
progressiva

Lesão
irreversível

Morte celular
Necrose Apoptose

Figura 13 – Resposta celular frente a estresse e fatores agressivos

Não existe um critério mensurável para determinar se as lesões celulares serão reversíveis ou
irreversíveis. As respostas celulares e imunológicas desencadeadas por uma lesão dependem de tipo,
intensidade e duração do estímulo lesivo. As consequências das lesões celulares que irão determinar
se ela será reversível ou irreversível dependem de diversos fatores, como tipo celular afetado, estado
nutricional da célula e capacidade adaptativa.

Observação

Homeostasia é a condição de relativa estabilidade da qual o organismo


necessita para realizar suas funções adequadamente e manter equilíbrio
do corpo.

1.6.1 Lesões celulares reversíveis

Morfologia e características das lesões reversíveis

As principais características associadas às lesões reversíveis são o aumento na taxa de glicólise


anaeróbica, diminuição da atividade da bomba de sódio, redução de síntese proteica. Morfologicamente,
as células apresentam bolhas na superfície celular, tumefação de organelas e degenerações. A tumefação
35
Unidade I

celular é caracterizada macroscopicamente por palidez, aumento do turgor e do peso do órgão, quando
afeta todas as células.

Microscopicamente ocorre o aumento do tamanho da célula, citoplasma aparentemente inchado e


turvo, núcleos deslocados para a periferia, alterações nucleares. O termo degeneração está associado às
alterações morfológicas que podem ocorrer numa célula que sofreu uma agressão e que os mecanismos
adaptativos não foram suficientes para recuperar o estado de homeostasia levando assim a um processo
degenerativo. É caracterizada pela anormalidade nas suas função e estrutura.

As alterações degenerativas afetam três mecanismos celulares básicos: alterações no balanço


hidroeletrolítico que leva ao edema celular, aumento de catabólicos e acúmulo de produtos complexos
não degradáveis causados por alterações no metabolismo, na produção e na excreção celular.
Agente prejudicial

Hipoxia/isquemia
O2- . H2O2.OH Ca++
Formação de radical livre
↑ Ca intracelular

Oxidação das estruturas Ativação inapropriada de enzimas


celulares e DNA nuclear e Mitocôndria que danificam organelas celulares,
mitocondrial citoesqueleto e membranas
celulares, aceleram a depleção de
ATP e fragmentam a cromatina
Depleção de ATP

↓ Atividade de bomba ↑ Metabolismo anaeróbico Outros efeitos


Na+/K+ ATPase

↑ Influxo de Na+ e H2O ↓ Estoques de glicogênio Descolamento de ribossomos, síntese de


e pH intracelular proteínas diminuida e deposição lipidica

Acúmulo de líquidos intracelulares,


dilatação do retículo endoplasmático,
permeabilidade aumentada da membrana,
função mitocondrial diminuída

Figura 14 – Mecanismos de dano celular

Degeneração hidrópica

É a resposta mais comum às agressões celulares, geralmente, é a primeira manifestação causada por
uma lesão de naturezas física, química ou biológica, que afete a integridade da membrana. Está diretamente
relacionada à falha da bomba de Na+/K+ levando a um distúrbio hidroeletrolítico celular e à perda do
36
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

controle osmótico causado por uma rápida entrada de água no interior celular e, consequentemente, ocorre
o aumento do volume celular. No início da degeneração, o líquido se acumula no citoplasma, causando
aumento de volume e aspecto de citoplasma diluído. Conforme o processo degenerativo progride, há a
formação de vacúolos. O órgão se apresenta pálido e com aumento de volume. Suas principais causas são
hipóxia, que reduz a produção de ATP; hipertermia, que aumenta o consumo de ATP; e liberação de toxinas
e radicais livres, que lesam diretamente a membrana celular.

Figura 15 – Edema celular (alteração hidrópica). Células tubulares renais apresentam


acentuado edema celular (área no quadrado). Muitos núcleos apresentam sinais de
dano, incluindo diversos graus de cariólise (seta)

Degeneração hialina

É a degeneração por acúmulo de proteínas. O acúmulo se dá por desequilíbrio entre produção e


degradação das proteínas celulares, causando perda de homeostasia. Uma substância endógena normal
ou anormal se acumula em consequência de defeitos adquiridos ou genéticos ou no dobramento,
empacotamento, transporte e na secreção de proteínas. Geralmente formam corpúsculos no interior
da célula. O corpúsculo de Mallory, que é formado na cirrose hepática, pode ser também causado por
uma infecção pelo citomegalovírus, em que se tem o acúmulo de proteínas. O corpúsculo de Russel é o
acúmulo de imunoglobulinas no citoplasma das células plasmáticas.

Degeneração mucoide

É a hiperprodução de muco pelas células mucíparas dos tratos digestivo e respiratório levando ao
acúmulo de mucina, podendo levar à morte celular. A síntese exagerada de mucinas em adenomas e
adenocarcinomas, às vezes extravasam para o interstício. Ocorre no estômago, no intestino grosso, na
vesícula biliar, na próstata e no pâncreas.

Lipidose

É o acúmulo intracelular de outros lipídios que não os triglicerídeos. Em geral são depósitos de
colesterol ou ésteres, sendo raros os acúmulos de lipídios complexos.

37
Unidade I

Glicogenoses

É causada por falha no processamento do glicogênio, seja na síntese, no armazenamento ou na


quebra do glicogênio muscular e hepático. Qualquer doença relacionada a erros inatos do metabolismo
(deficiências enzimáticas) que atue sobre o metabolismo de glicogênio pode desencadear o acúmulo de
glicogênio nas células do fígado, rim, músculos esqueléticos e coração. Seguem alguns exemplos:

• Doença de McArdle: autossômica recessiva, ocorre acúmulo de glicogênio em fibras musculares


esqueléticas, intolerância aos exercícios por causar fadiga rápida.

• Doença de Pompe (glicogenose tipo II): distúrbio neuromuscular hereditário raro que causa
fraqueza muscular progressiva em pessoas de todas as idades. Essa doença é causada pela
deficiência na enzima alfa-glicosidase ácida (GAA), responsável por fazer a quebra do glicogênio
dentro das células.

Degeneração gordurosa ou esteatose

É o acúmulo excessivo de triglicerídeos no citoplasma das células que normalmente não os


armazenam. Mais comum nos hepatócitos, podendo ainda acontecer no coração, músculo esquelético,
rim ou outros órgãos. Lesão causada geralmente por um agente que interfere no metabolismo de ácidos
graxos, aumentando a síntese ou dificultando a quebra, transporte ou excreção. Pode ser causada por
substâncias químicas (drogas, álcool), alterações na dieta e distúrbios metabólicos de origem genética,
destruição proteica, diabetes mellitus, obesidade e anóxia. Em etilistas crônicos, a degeneração pode
desaparecer em poucos dias após a abstinência. Embora seja um processo reversível, a esteatose
pode evoluir para a morte celular em casos mais graves. Os hepatócitos repletos de gordura podem
se romper e formar os chamados cistos gordurosos, podendo ocorrer reação inflamatória, caso haja
rompimento dos cistos, pode haver embolia gordurosa.

Figura 16 – Esteatose hepática. Fotografia de microscopia eletrônica mostrando que os


citoplasmas de quase todos os hepatócitos estavam distendidos por gordura, que
deslocava os núcleos para a periferia (setas)

38
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Observação

A esteatose hepática alcóolica é identificada frequentemente em


pacientes que consomem grandes quantidades de etanol (mais de seis
drinques/dia). Ela ocorre não apenas pela má nutrição associada ao
alcoolismo, mas também pela hepatotoxicidade direta do álcool.

Saiba mais

Para saber mais sobre esteatose hepática, consulte o site do Ministério


da Saúde:

BRASIL. Ministério da Saúde. Esteatose hepática (gordura no fígado):


causas, sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção. Brasília, 2019.
Disponível em: https://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/esteatose-hepatica.
Acesso em: 8 nov. 2019.

1.6.2 Lesões celulares irreversíveis

Mecanismos das lesões irreversíveis

As lesões irreversíveis têm características mais acentuadas que as reversíveis, levando ao final à completa
destruição das células. Ocorre uma tumefação mais intensa das mitocôndrias, formação de densidades
amorfas, grandes e floculentas na matriz mitocondrial, influxo maciço de Ca2+, perda de proteínas, enzimas,
coenzimas, ácidos ribonucleicos e de metabólitos que reconstituem o ATP. As membranas lisossômicas
são lesionadas pela ativação de RNases, DNases, proteases, fosfatases, glicosidases e catepsinas com
consequente extravazamento de enzimas celulares para o espaço extracelular. Há uma entrada maciça de
macromoléculas extracelulares para dentro da célula. A célula morta é substituída por figuras de mielina
fagocitadas ou degradadas em ácidos graxos.

As lesões da membrana se dão por disfunção mitocondrial pela presença de fosfolipases, degradação
dos fosfolipídios da membrana, anormalidades citoesqueléticas pela atividade das proteases, formação
de espécies de oxigênio reativo, perda dos aminoácidos intracelulares. Os principais mecanismos que
levam uma célula a uma lesão irreversível são a lesão por reperfusão, a lesão química, lesão por radicais
livres, por isquemia e por hipóxia.

Morte celular

Durante muito tempo, a morte celular foi considerada um processo totalmente passivo causado por
agentes lesivos ou mecanismos celulares, mas, nas últimas décadas, diversos estudos têm demostrado a

39
Unidade I

existência de um conjunto de mecanismos requintados e complexos que levam à morte celular. Hoje se
sabe que o processo de morte celular tem um papel crucial em diversos processos fisiológicos e patológicos.
Aqui faremos uma breve descrição dos diferentes tipos de morte celular: as acidentais (necrose) e as
programadas (apoptose, senescência celular, autofagia e mitose catastrófica). Cabe salientar que os
mecanismos complexos associados a cada um dos tipos de morte celular não serão aqui discutidos.

Necrose

É a morte da célula ou parte de um tecido que compõe o organismo vivo. É a manifestação final
de uma célula que sofreu uma lesão irreversível, é quando param as funções orgânicas e os processos
reversíveis do metabolismo. A necrose é a morte celular seguida de autólise, ou seja, é resultado da
degradação enzimática dos componentes celulares causados pela liberação das enzimas lisossômicas.

É um processo sempre patológico. As principais características da necrose são a perda da


permeabilidade de membrana, liberação de enzimas lisossomais para o citoplasma, alteração na síntese
de proteínas e, por fim, a completa destruição do citoesqueleto. O processo necrótico culmina sempre
com o desaparecimento total do núcleo, tal fenômeno é sempre precedido por três alterações:

• Picnose: do grego picnos, que significa espessamento, o núcleo diminui consideravelmente de


tamanho, tornando-se mais arredondado do que o normal, e cora-se mais intensamente pela
hematoxilina em virtude da maior acidez em sua massa; torna-se homogêneo, pois a cromatina
se transforma em uma massa única.

• Cariorrexe: a cromatina distribui-se irregularmente, podendo se acumular em grumos na


membrana nuclear; há perda dos limites nucleares.

• Cariólise: esse é o final do processo, ocorre a completa degradação do núcleo e da cromatina.

As principais consequências da necrose são a inflamação nos tecidos adjacentes, alterações


citoplasmáticas e alterações nucleares. O local necrosado pode sofrer total cicatrização devido à
proliferação de células dos tecidos conjuntivo-vascular. O material necrótico pode, na pele ou em órgãos
ocos, ser eliminado deixando cavidades, são as denominadas úlceras. Além da cicatrização, a necrose
pode ainda evoluir para uma calcificação distrófica ou até mesmo regenerar-se.

1.6.3 Tipos de necrose

As necroses podem ser classificadas em oito tipos, fundamentando-se na expressão morfológica


que a célula e o tecido morto adquirem. A morte da célula não significa desaparecimento imediato
do seu arcabouço. As diferentes vias de dissolução que se seguem após a morte celular dependem do
equilíbrio entre a proteólise progressiva e a coagulação das proteínas citoplasmáticas e, eventualmente,
da calcificação. São esses condicionantes que determinam os diferentes tipos morfológicos de necrose.
A importância da classificação reside no fato de que a correta identificação do tipo de necrose dá a pista
para a sua causa. Os oito tipos de necrose são por coagulação, por liquefação, a caseosa, gordurosa,
gomosa, hemorrágica, fibrinoide e gangrenosa.
40
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

A seguir, será feita a descrição dos principais tipos morfológicos de necrose, já que o processo pode
apresentar características peculiares de acordo com a causa e o órgão atingido. Em alguns casos, a
denominação refere-se ao aspecto macro ou microscópico da lesão; outras vezes, leva em consideração
a sua causa.

Necrose isquêmica ou de coagulação

Frequentemente resultado da interrupção da circulação sanguínea. Observada em órgãos com


circulação arterial final e circulação colateral limitada (coração e rim). Arquitetura geral preservada,
exceto por alterações nucleares e citoplasma com aspecto de substância coagulada (acidófilo,
granuloso ou algo gelificado). Os tecidos têm maior firmeza, são pálidos e acinzentados ou com
coloração amarelada, apresentam-se opacos, turvos e secos, com aspecto da albumina coagulada.
Há pouca retração, até o contrário, os tecidos se incham. É causada por isquemia local. Ocorre, por
exemplo, no infarto do miocárdio.

A)

B)

Figura 17 – A) Rim com áreas de necrose de coagulação isquêmica (setas). A falta de aporte de sangue arterial nessas áreas
determina a morte do tecido. B) Corte histológico mostra necrose de coagulação (área rósea pálida), marginada por
halo basofílico em decorrência do influxo de neutrófilos e um halo vermelho que correspondem à vasodilatação e
hemorragia, induzidos por mediadores liberados, na área necrótica, sobre esses vasos (inflamação)

Necrose por liquefação

A liquefação enzimática do tecido necrótico aparece em tecidos ricos em lipídios e pobres em


albuminas coaguláveis, como é o caso do SNC. Pode ser observada em abscessos e no SNC, assim como
em algumas neoplasias malignas da suprarrenal e mucosa gástrica, em que é causada pela interrupção
vascular; também ocorre em áreas de infecção bacteriana (purulentas). A zona de necrose adquire
consistência mole, semifluida ou mesma liquefeita.

41
Unidade I

Figura 18 – Necrose de liquefação: abscesso pulmonar, um “lago” de células


inflamatórias com destruição do parênquima pulmonar

Necrose caseosa

Do latim caseum, que quer dizer queijo, assim denominada porque a área necrosada assume o
aspecto macroscópico de massa de queijo, como indica a própria etimologia da palavra. As áreas de
caseificação apresentam-se macroscopicamente como massas circunscritas, amarelas, secas e friáveis.
Microscopicamente, há total ou quase total desaparecimento dos núcleos. Aparece na tuberculose
principalmente (granulomas da tuberculose), em neoplasias malignas e em alguns tipos de infarto.

Necrose gordurosa

Ocorre quando há liberação de enzimas nos tecidos. A forma mais observada é a do tipo gordurosa,
que fica especialmente no pâncreas, quando há liberação de lipases, responsáveis por desintegrar a
gordura neutra dos adipócitos desse órgão.

A)

B)

Figura 19 – A) Pâncreas normal; B) pâncreas com focos de necrose gordurosa ou esteatonecrose

42
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Necrose gomosa

Mais rara, normalmente, é classificada como um tipo de necrose de coagulação, encontrada


especialmente na sífilis terciária e nos casos de sífilis congênita, quando então é chamada de goma
sifilítica. Trata-se de uma variedade na qual o tecido necrosado assume aspecto compacto e elástico
como borracha (goma), ou fluido e viscoso como goma-arábica; é encontrada na sífilis tardia (goma
sifilítica). O que necrosa nesse caso é o tecido inflamado em resposta ao agente da sífilis, que é o
Treponema pallidum.

O tecido de granulação formado é rico em vasos, tecido conjuntivo e linfócitos e, quando


necrosado, as estruturas conjuntivas e vasculares irão se apresentar com uma consistência firme
e borrachuda.

Figura 20 – Fígado com necrose gomosa. Área branca nodular de consistência


borrachuda, que corresponde à necrose da sífilis (terciária)

Necrose hemorrágica

Nesta necrose, se nota de forma bastante evidente no local necrótico grande quantidade de sangue.
A necrose hemorrágica na realidade é mais uma denominação dada pelas evidências macroscópicas do
que pelas microscópicas. Uma forma de exemplificar a necrose hemorrágica é compreendendo o que
pode ocorrer nos pulmões. Eventualmente, um ramo da artéria pulmonar pode vir a ser obstruído, por
exemplo, em decorrência de uma tromboembolia. Ao exame histológico, a área pulmonar necrótica
preserva os contornos estruturais, denotando uma necrose do tipo de coagulação isquêmica. No entanto,
a área isquêmica é invadida por sangue extravasado dos vasos periféricos à necrose.

43
Unidade I

Figura 21 – Pulmão: necrose hemorrágica. Área enegrecida em evidência,


correspondente à hemorragia no parênquima pulmonar (infarto hemorrágico).
Os pontos pretos na pleura são de pigmento de carvão (antracose)

Necrose fibrinoide

A necrose fibrinoide pode ocorrer como evento decorrente dos processos de hipertensão arterial
maligna nas paredes dos vasos sanguíneos, também pode surgir associado aos casos de lúpus
eritematoso sistêmico e de poliarterite nodosa. A necrose é representada por alteração granular e
eosinofílica da parede vascular com a presença de fibrina evidenciada histologicamente na parede dos
vasos. Além das paredes vasculares, a necrose fibrinoide pode ocorrer no tecido conjuntivo intersticial,
nas assim chamadas doenças do tecido conjuntivo ou colagenoses. De qualquer modo, nesses casos,
há lesão celular com liberação local de substâncias mediadoras do processo inflamatório, fazendo que
aportem ao local substâncias plasmáticas, incluindo fibrina, daí o nome fibrinoide.

Necrose gangrenosa

A gangrena é uma forma de evolução de necrose que resulta da ação de agentes externos sobre
o tecido necrosado. A desidratação da região atingida, especialmente quando em contato com o ar,
origina a gangrena seca, tomando a área lesada aspecto de pergaminho, semelhante ao observado
em tecidos de múmias (o processo é também conhecido pelo nome de mumificação). A gangrena seca
ocorre, preferencialmente, nas extremidades de dedos, em artelhos e na ponta do nariz, na maioria
das vezes em consequência de lesões vasculares como as que ocorrem no diabetes mellitus. A zona de
gangrena seca tem cor escura, azulada ou negra devido à impregnação por pigmentos derivados da
hemoglobina, sendo comum a existência de uma linha nítida (reação inflamatória) no limite entre o
tecido morto e o não lesado.

44
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

A gangrena úmida ou pútrida decorre de invasão da região necrosada por microrganismos anaeróbios
produtores de enzimas que tendem a liquefazer os tecidos mortos e a produzir gases de odor fétido, que
se acumulam em bolhas juntamente ao material liquefeito. Esse tipo de gangrena é comum em necroses
do tubo digestivo, dos pulmões e da pele, nos quais as condições de umidade a favorecem.

A absorção de produtos tóxicos da gangrena pode provocar reações sistêmicas fatais, induzindo
choque do tipo séptico. A gangrena gasosa é secundária à contaminação do tecido necrosado com
germes do gênero Clostridium, que produzem enzimas proteolíticas e lipolíticas e grande quantidade de
gás, sendo evidente a formação de bolhas gasosas.

Figura 22 – Gangrena nos artelhos

Morte celular programada

A morte celular programada desempenha um papel fundamental no desenvolvimento e na


homeostasia tecidual. É um mecanismo de eliminação de células através de um programa intracelular
em respostas a condições internas ou externas da célula. Pode ser um processo tanto fisiológico quanto
patológico. A regulação anormal desse processo está associada a uma ampla variedade de doenças
humanas, incluindo distúrbios imunológicos e do desenvolvimento, neurodegeneração e câncer. A
compreensão dos mecanismos de apoptose e outras variantes da morte celular programada no nível
molecular podem ter aspectos de grande relevância à intervenção terapêutica.

Apoptose

Mecanismo de morte celular programada dependente de energia cuidadosamente regulado,


caracterizado por alterações morfológicas e bioquímicas específicas nas quais a ativação da caspase
desempenha um papel central. Embora já se conheçam as principais proteínas ativadas ou inativadas na
via de apoptose, os mecanismos moleculares de ação ou ativação dessas proteínas não são totalmente
compreendidos e têm sido foco contínuo de pesquisas em todo o mundo. A apoptose permite a morte
da célula de maneira elegante e controlada. Ocorre normalmente durante o desenvolvimento e o
envelhecimento e como um mecanismo homeostático para manter populações de células nos tecidos.
A apoptose também ocorre como mecanismo de defesa em reações imunes ou em resposta a danos

45
Unidade I

infecciosos ou agentes nocivos. Embora exista uma grande variedade de estímulos e condições, tanto
de fatores fisiológicos quanto patológicos, que podem desencadear apoptose, nem todas as células
morrem necessariamente em resposta ao mesmo estímulo.

Figura 23 – Corpos apoptóticos: hepatócitos de um fígado em um caso de febre amarela; muitas das células
apresentam-se em vários estágios de apoptose, por exemplo, as setas apresentam núcleos condensados
fragmentados; o epônimo corpúsculo de Councilman refere-se a um remanescente eosinofílico
anucleado de um hepatócito que sofreu apoptose (corpo apoptótico) (seta branca)

A irradiação ou os medicamentos utilizados para quimioterapia do câncer resultam em danos ao


DNA em algumas células que podem levar à morte apoptótica por uma via dependente de p53. Alguns
hormônios, como corticosteroides, podem levar à morte apoptótica em algumas células, embora outras
células não sejam afetadas ou nem mesmo estimuladas. A indução da apoptose requer uma rede de
sinalização complexa e amplificável dependente principalmente de caspases. A apoptse pode ser ativada
por duas vias distintas:

• Via extrínseca: ativada por estímulos externos como radiação, drogas e inflamação. Ocorre pela
ligação dos receptores de morte: Fas/CD95/Apo-1, TNFR e TRAIL que são expressos em monócitos,
macrófagos, neutrófilos, células B ativas e células T.

• Via intrínseca mitocondrial: ativada por estímulos internos, formação de radicais livres, óxido
nítrico, citocinas, deprivação de fatores de crescimento, aumento da concentração intracelular de
cálcio e ativação oncogenes.

As principais características morfológicas e celulares da apoptose são retração e diminuição do contato


célula-célula, formação de vacúolos citoplasmáticos, fragmentação do envoltório nuclear, condensação
da cromatina, despolarização da membrana mitocondrial, fragmentação do DNA, desintegração nuclear
e formação de corpos apoptóticos e fagocitose pelos macrófagos.

Proteínas que regulam a apoptose:

• proteínas de sinalização extracelular;

46
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

• proteínas Bcl-2 intracelulares regulam a via intrínseca controlando a liberação de proteínas


intermembranas mitocondriais;

• proteínas Bcl-2 proapoptótica promovem a apoptose pelo aumento da liberação de proteínas;

• proteínas Bcl-2 antiapoptótica inibem a apoptose bloqueando essa liberação;

• proteínas IAP inibem caspases ativadas e promovem degradação, mas podem ser neutralizadas
pelas anti-IAPs.

Dedos e artelhos
colados

A) B)

C) D)
Figura 24 – Exemplos de apoptose: A) separação dos dedos e artelhos colados no embrião; B) desenvolvimento
das conexões neurais: neurônios que não estabelecem conexões sinápticas e recebem fatores de sobrevivência
podem ser induzidos à apoptose; C) remoção das células das vilosidades intestinais: novas células epiteliais
se formam continuamente na cripta, migram para a extremidade das vilosidades conforme envelhecem e
sofrem apoptose no final do seu tempo de vida; D) remoção das células sanguíneas senescentes

Autofagia

Processo adaptativo evolutivamente conservado e controlado geneticamente. A morte celular


autofágica é principalmente uma definição morfológica, ou seja, morte celular associada a autofagossomos
e autolisossomos. É a degradação de organelas e do citoplasma pelos lisossomos e vacúolos, um
mecanismo de controle de qualidade e reciclagem do material intracelular através de sua degradação
no lisossomo das células. Ela ocorre em resposta a um estresse metabólico que resulta na degradação de
componentes celulares. Durante a autofagia, porções do citoplasma são encapsuladas, gerando os
autofagossomos que irão se fusionar com os lisossomos, sendo degradado pelas enzimas lisossomais.
Existem três principais tipos de autofagia: macroautofagia, microautofagia e autofagia mediada por chaperona.

47
Unidade I

Senescência celular

Processo metabólico ativo essencial para o envelhecimento. Ocorre por meio de uma programação
genética que envolve o encurtamento dos telômeros e a ativação de genes supressores tumorais.
As células somáticas normais têm um potencial limitado de replicação. Esse potencial é alcançado
com diminuição progressiva da velocidade das divisões e com manifestações que são características
de células envelhecidas. Há dois tipos de senescência celular: a primeira é a senescência induzida
por estresse que ocorre em resposta aos eventos moleculares; a segunda é replicativa, associada ao
encurtamento dos telômeros. Os telômeros são estruturas constituídas de uma sequência repetida de
DNA, localizadas nas extremidades dos cromossomos, com a função de preservar a integridade dos
genomas e evitar a fusão com outros cromossomos. Durante o processo de replicação do DNA, a cada
divisão celular, ocorre perda de uma pequena porção de DNA em cada extremidade do cromossomo,
resultando em encurtamento dos telômeros. Assim, esse encurtamento seria o “relógio molecular”
que sinalizaria a eventual senescência replicativa.

Mitose catastrófica

Mecanismo imunossupressor que impede a proliferação e/ou sobrevivência de células incapazes de


completar a mitose devido a extensos danos no DNA, problemas com a maquinaria mitótica e/ou falha
na separação dos fusos mitóticos. A mitose catastrófica envolve uma mitose aberrante, resultando em
uma segregação cromossômica errônea. É um processo de sinalização irreversível para a morte.

1.6.4 Necrose versus apoptose

A morte celular fisiológica envolve a ativação de um programa interno de suicídio, que resulta
na morte celular por meio de um processo denominado apoptose. Esse processo é importante
no desenvolvimento e, com frequência, é ativado para a detecção e remoção de células lesadas ou
infectadas. Por outro lado, a necrose, ou morte celular patológica, não é regulada, é invariavelmente
lesiva ao organismo e provocada por estresse exógeno.

Quadro 2 – Comparativo das diferenças observadas entre os


mecanismos de necrose celular e apoptose celular

Necrose Apoptose
Sem envolvimento de ativação de gene ou Envolve cascatas de sinalização da célula
sinalização de proteína
Em geral envolve células individualmente ou
Em geral envolve área grande de tecido ou órgão pequenos grupos de células
Tumefação celular e de organelas Fragmentação nuclear e picnose
Em geral desencadeia resposta inflamatória A resposta inflamatória não é frequente
Invariavelmente lesiva para o organismo Importante no desenvolvimento do organismo
A morte celular é crucial para a regulação do
A morte celular resulta em patologia número de células
O DNA é clivado, formando fragmentos regulares
O DNA é fragmentado de modo irregular de nucleossomos (degraus de escada [laddering])

48
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Célula normal Célula normal

Dano
reversível Recuperação

Condensação
da cromatina
Inchaço do retículo Bolhas de
endoplasmático e membrana
Figura de mitocôndrias
mielina

Bolhas de
membrana Fragmentação
celular
Progressão
do dano
Corpo
Figuras de
mielina Ruptura da membrana apoptótico Apoptose
plasmática, organelas e
núcleo; vazamento do
conteúdo citoplasmático

Inflamação Necrose Fagocitose de


células apoptóticas
Fagócito e fragmentos
Densidade amorfa na
mitocôndria

Figura 25 – Ilustração comparativa entre a morte celular por necrose e a morte celular por apoptose

1.7 Pigmentações patológicas

Pigmento (do latim pigmentum, quer dizer corante, cor) é a designação de uma substância que tem
cor própria, e origem, composição química e significado biológico diversos. Os pigmentos encontram‑se
distribuídos na natureza, em células vegetais e animais, nas quais desempenham importantes funções (por
exemplo, clorofila, citocromos, melanina). Denomina‑se pigmentação o processo de formação e/ou acúmulo,
normal ou patológico, de pigmentos em locais do organismo. A pigmentação patológica pode ser sinal de
alterações bioquímicas pronunciadas, sendo o acúmulo ou a redução de vários pigmentos um dos aspectos
mais evidentes em várias doenças. Seu grande número origina‑se de substâncias sintetizadas pelo próprio
organismo, são os pigmentos endógenos. Outros, denominados exógenos, são formados no exterior e por
meio das vias respiratória, digestiva ou parenteral, penetram e depositam‑se em diferentes órgãos.

Pigmentações endógenas

Resultam de hiperprodução e acúmulo de pigmentos sintetizados no próprio organismo. Podem ser


classificadas como derivadas da hemoglobina (pigmentos biliares, hematoidina, hemossiderina, pigmento
49
Unidade I

malárico, pigmento esquistossomótico); melanina; ácido homogentísico; e lipofuscina. A seguir, serão


apresentadas as características gerais e o significado clínico de pigmentos biliares, hemossiderina,
melanina e lipofucsina.

Pigmentos biliares

O principal pigmento biliar é a bilirrubina (Bb), um pigmento amarelo, produto final do catabolismo
da fração heme da hemoglobina e de outras hemoproteínas. Tradicionalmente, são duas as razões
para a atenção que os profissionais de saúde dispõem sobre esse assunto. Primeiro, porque o aumento
acentuado dos níveis sanguíneos da Bb não conjugada, particularmente em recém‑nascidos, pode
causar lesão cerebral irreversível, morte e, em casos de sobrevida, sequelas neurológicas permanentes,
condição chamada kernicterus ou icterícia nuclear (do alemão kern, que significa núcleo), porque a
impregnação do tecido nervoso pela Bb pode ser vista macroscopicamente em diversos núcleos cerebrais,
cerebelares e do tronco encefálico. Segundo, porque o conhecimento do metabolismo da Bb é essencial
para o diagnóstico de um grande número de doenças, hereditárias ou adquiridas, do fígado e do sangue.
Distúrbios associados ao aumento dessa produção ou ao defeito hepático na remoção do pigmento da
circulação resultam na elevação de seu nível no sangue (hiperbilirrubinemia) e em um sinal clínico muito
importante, a icterícia, que se caracteriza por deposição do pigmento na pele, na esclera e em mucosas.
Além disso, o aumento na excreção de Bb na bile por doenças hemolíticas crônicas favorece a formação de
cálculos pigmentares negros ou puros, constituídos, principalmente, por bilirrubinato de cálcio.

Hemossiderina biliar

É também um pigmento resultante da degradação da hemoglobina e que contém ferro. A hemossiderina


representa uma das duas principais formas de armazenamento intracelular de ferro, a outra é a ferritina.
A quantidade de ferro no corpo do homem adulto é de, aproximadamente, 4 g a 5 g. Cerca de 65% a 70%
do ferro corporal estão presentes na hemoglobina das hemácias; outros 10% estão presentes em
mioglobinas, citocromos e enzimas que contêm ferro; os 20% a 25% restantes são armazenados como
ferritina e hemossiderina nos hepatócitos (aproximadamente 40% do ferro armazenado) e macrófagos
de fígado, baço, medula óssea e linfonodos.

O ferro é vital para todos os seres vivos, pois participa de diversos processos metabólicos, como
transporte de oxigênio e de elétrons (hemoproteínas) e síntese de DNA (enzima ribonucleotídeo
redutase). Por sua participação em diversas funções celulares, é necessário um constante equilíbrio entre
absorção intestinal, transporte plasmático pela proteína transferrina, armazenamento nos hepatócitos
e macrófagos e utilização do metal (por exemplo, eritropoese). Quando há oferta excessiva de ferro, a
ferritina forma agregados conhecidos como hemossiderina. A sua deposição excessiva nos tecidos pode
ser localizada ou sistêmica. A primeira é encontrada em hemorragias.

Melanina

A melanina (do grego melas, quer dizer negro). É um pigmento cuja cor varia do castanho ao negro,
sendo amplamente encontrada em peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, bem como nas plantas.
A diversidade da cor observada na pele, nos cabelos e nos olhos dos seres humanos e na plumagem
50
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

das aves resulta, em grande parte, da distribuição de melanina nesses locais. As impressões visuais da
cor da pele são de grande importância nas interações individuais, além disso, a cor da pele tem sido
tradicionalmente utilizada para definir as diferentes etnias humanas.

As funções da pigmentação melânica cutânea são proteção contra a radiação ultravioleta B


(fotoproteção), ação antioxidante, absorção de calor, estética, comunicação social, camuflagem em
várias espécies animais (por exemplo, peixes e anfíbios) e reforço da cutícula de insetos e parede de
células vegetais. A ação fotoprotetora da melanina deve‑se à sua eficiência em absorver e dispersar
fótons, convertendo rapidamente sua energia em calor. Existem dois tipos de melanina: a eumelanina,
insolúvel, de cor castanha a negra, com ação fotoprotetora e antioxidante; e a feomelanina, solúvel
em solução alcalina, de cor amarela a vermelha, igualmente com efeito antioxidante. A cor do cabelo
depende da proporção entre a eumelanina e a feomelanina.

Na epiderme humana, cada melanócito distribui a melanina sintetizada para cerca de 36


queratinócitos adjacentes. Nos queratinócitos, os grânulos de melanina são transportados para a região
acima do núcleo onde absorvem os raios ultravioleta, impedindo que atinjam o núcleo e lesem o DNA.

Na epiderme humana, cada malanócito se diferencia e migra para as camadas mais superficiais da
epiderme, os melanossomos são digeridos por lisossomos, liberando a melanina, que é eliminada com
as células epiteliais descamadas. A transferência de melanina para os queratinócitos da epiderme e
do folículo piloso é uma etapa fundamental, pois a pigmentação da pele e do cabelo é determinada
primariamente pela quantidade de pigmento transferido aos ceratinócitos.

Em pessoas de pele branca, não expostas ao sol, os melanossomos são encontrados quase
exclusivamente na camada basal da epiderme e, em menor grau, em queratinócitos situados acima
dessa camada. Em indivíduos negros, quantidades moderadas de melanossomos são observadas em
toda a espessura da epiderme, inclusive na camada córnea. Além disso, nos negros, há maior produção
de melanossomos por melanócitos, individualmente, seus melanossomos apresentam maior grau de
melanização, seus melanossomos são maiores, há dispersão maior dos melanossomos nos queratinócitos
e o índice de degradação dessas organelas é menor.

A produção excessiva e a redução da síntese de melanina, respectivamente, hiper e hipopigmentação


melânicas, também denominadas melanodermias e leucodermias, são frequentes e originam numerosas
doenças causadas por disfunção de uma ou mais etapas da melanogênese. As lesões hiperpigmentadas
mais comuns são as efélides (sardas), os nevos e os melanomas. Por outro lado, muitas substâncias
podem causar hiperpigmentação melânica, como medicamentos (sulfonamidas, cloroquina, levodopa),
anticoncepcionais orais, metais pesados (arsênico, bismuto, ouro, prata) e agentes quimioterápicos
(ciclofosfamida, 5‑fluorouracil, doxorrubicina, bleomicina). A hipopigmentação pode ser congênita
(por exemplo, albinismo) ou adquirida (por exemplo, vitiligo). Durante o envelhecimento, ocorre perda
progressiva da pigmentação melânica dos cabelos, resultando na formação de cabelos grisalhos e brancos.

Lipofuscina

A lipofuscina é um pigmento insolúvel, também conhecido como lipocromo ou pigmento do desgaste.


É composta de polímeros de lipídios e fosfolipídios formando complexos com proteínas, sugerindo que
51
Unidade I

é derivada da peroxidação de lipídios poli-insaturados de membranas subcelulares. A lipofuscina não é


nociva à célula ou às suas funções. Sua importância reside no fato de ser o sinal de alarme de lesão
por radicais livres e peroxidação lipídica. O termo é derivado do latim (fuscus, castanho), significando
lipídio castanho. Em secções teciduais, aparece como um pigmento citoplasmático, frequentemente
perinuclear, finamente granular e castanho-amarelado. É observada em células sofrendo alterações
regressivas lentas e é particularmente proeminente no fígado e no coração de pacientes que estão
envelhecendo ou naqueles com desnutrição grave e caquexia do câncer.

A) B)

Figura 26 – Grânulos de lipofuscina em miócitos cardíacos mostrados por (A) microscopia óptica
(depósitos indicados por setas) e (B) microscopia eletrônica (note a localização intralisossômica perinuclear)

Pigmentos exógenos

São aqueles advindos do exterior e que alcançam o interior dos tecidos por via respiratória, digestiva
ou por inoculação (pele e mucosas); pigmentos diversos penetram no organismo juntamente com o ar
inspirado e com os alimentos deglutidos, ou são introduzidos por via parenteral, como ocorre com injeções
e tatuagens. As partículas depositam‑se, em geral, nos pontos do primeiro contato com as mucosas ou a
pele, aí podem ficar retidas ou ser eliminadas, ou transportadas para outros locais pela circulação linfática
ou sanguínea, ou por macrófagos. A seguir, alguns exemplos de pigmentação exógenas:

• partículas de carbono inaladas podem ser aprisionadas pelos macrófagos dos pulmões e
transportadas por eles até linfonodos próximos;

• tatuagens consistem em pigmentos metálicos e vegetais insolúveis;

• acúmulo excessivo de chumbo, particularmente, em crianças, pode causar retardo mental;

• doença de Wilson caracteriza‑se pelo depósito de cobre em excesso no fígado e no cérebro.

Antracose

Dos pigmentos exógenos, o mais frequente é o carvão. É sabido o seu papel como poluidor do ar
atmosférico, sobretudo nas grandes cidades, o carvão é aspirado sob a forma de pequenas partículas

52
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

e atinge os alvéolos pulmonares. A maior parte do carvão inalado acaba por ser retida ao longo da
árvore respiratória por ação do muco e posteriormente expelido através do esforço de tosse. As menores
partículas, ao penetrar os alvéolos, acabam por ser fagocitadas por macrófagos os quais retornam com
sua carga de carvão para o interstício pulmonar, onde o pigmento pode atingir vasos linfáticos e ser
depositado tanto ao longo deles como nos lifonodos hilares e mediastínicos. Assim sendo, quase todos os
indivíduos adultos exibem pigmentação enegrecida pulmonar que, quando vista sob a pleura, dispõe‑se
em linhas, desenhando a periferia dos lóbulos.

Siderose

Nos trabalhadores que atuam em minas de minério de ferro, pequenas partículas ferruginosas
podem ser inaladas do ar atmosférico, levando a um processo similar ao da antracose. Na siderose dos
mineiros, entretanto, observa-se coloração ferruginosa dos pulmões.

Pigmentação por uso de medicamentos

Dos pigmentos ingeridos, a maior parte pertence à classe dos medicamentos. Em doentes que
fazem uso crônico de analgésicos como a fenacetina, uma pigmentação amarelada pode ser vista nos
hepatócitos. Em indivíduos que fazem uso prolongado de antimaláricos, a pigmentação é acinzentada
devido à deposição de sais do medicamento, pode ser observada na pele e em mucosas.

Chumbo

A intoxicação por chumbo é geralmente causada pela ingestão direta de chumbo (ou seja, comê‑lo).
Isso ocorre normalmente em crianças que vivem em casas mais antigas, que contêm canos ou tinta
descascada à base dessa substância. A intoxicação pelo chumbo pode provocar a formação de uma
linha azul característica ao redor das gengivas devido à deposição da substância unida à albumina e
sua posterior reação com produtos sulfurados dos alimentos. Podem ser citadas várias outras fontes de
intoxicação por chumbo:

• Alguns esmaltes cerâmicos contêm chumbo. Cerâmica como jarros, copos e pratos, fabricada
usando esmaltes pode lixiviar chumbo, sobretudo perante o contato com substâncias acídicas
(como frutas, refrigerantes, tomates, vinho e cidra).

• Uísque falsificado contaminado com chumbo e remédios populares são fontes eventuais.

• Pode ocorrer exposição ocupacional durante a fabricação e reciclagem de baterias, bronzeamento,


formação de bronze, formação de vidro, corte de tubos, soldadura, brasagem, fundição ou trabalho
com cerâmica ou pigmentos.

• Determinados produtos cosméticos étnicos e produtos à base de ervas importados e ervas medicinais
contêm chumbo e causam surtos de intoxicação por chumbo em comunidades imigrantes.

53
Unidade I

• As tatuagens representam exemplos de pigmentação exógena em que os pigmentos são


inoculados, em geral, deliberadamente na pele. Dessa forma, os pigmentos são fagocitados por
macrófagos, uma parte é drenada para linfonodos regionais, mas a maior parte fica depositada
permanentemente no local da inoculação. A composição química dos pigmentos utilizados
na tatuagem varia amplamente, sendo o alumínio, o titânio e o carbono, os elementos mais
comumente encontrados.

2 PATOGÊNESE DOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS

2.1 Processos celulares da inflamação

Inflamação, do latim inflamare, é uma reação dos tecidos vascularizados a um agente agressor
caracterizada morfologicamente pela saída de líquidos e de células do sangue para o interstício. É uma
resposta orgânica a qualquer tipo de agressão. Um processo inflamatório só termina quando o agente
agressor é eliminado, e os mediadores inflamatórios liberados são destruídos.

Observação

Geralmente a nomenclatura utilizada para um tecido inflamado é o


uso do sufixo “ite” mais o nome do tecido, por exemplo, artrite, pericardite,
meningite, pancreatite, estomatite etc.

É caracterizada pela reação dos vasos sanguíneos, levando a um acúmulo de líquidos e leucócitos nos
tecidos extravasculares. O processo de inflamação é essencial à vida e necessário para que os mecanismos
de reparo tecidual, regeneração e cicatrização ocorram. No entanto, esse importante mecanismo de defesa
pode induzir lesões teciduais e danos ainda piores do que os gerados pela lesão inicial. Essa perda
de controle da resposta inflamatória é um processo que pode ser visto nos choques anafiláticos e nas
artrites reumatoides. O processo inflamatório pode ser induzido por diferentes fatores. Qualquer fator
ou mecanismo celular que possa de alguma forma agredir, pode ser considerado um agente etiológico
do processo inflamatório, desde agentes físicos e químicos até agentes patogênicos.

As causas endógenas da inflamação estão associadas a processos de degeneração e necroses dos tecidos
assim como todas as causas relacionadas ao sistema autoimune. Entre as causas exógenas, estão os agentes
físicos (calor e frio, radiações, traumas mecânicos), agentes químicos orgânicos (exo e endotoxinas
bacterianas, micotoxinas, venenos) e inorgânicos (cáusticos, metais pesados, ácidos e álcalis fortes) e ainda
os causados por agentes biológicos, como bactérias, vírus, fungos, protozoários, helmintos e artrópodes.

Todo processo inflamatório desencadeará processos de irritação, alterações vasculares, exsudação


plasmática, lesões necróticas, proliferação do tecido conjuntivo para realizar o reparo. Do ponto de vista
de duração, os processos inflamatórios serão divididos em duas categorias: agudas e crônicas.
As inflamações agudas são mais rápidas e podem durar no máximo alguns dias. É uma reação
imediata e transitória com comprometimento dos linfonodos regionais e resposta sistêmica com
neutrofilia e febre, caracterizando dessa forma a fase aguda da inflamação.
54
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

O processo de inflamação aguda é marcado por quatro características: dor, calor, rubor e tumefação.
A dor é um processo gerado pela compressão de terminações nervosas. O rubor e o calor são causados por
aumento no fluxo sanguíneo, aumento na permeabilidade vascular e, portanto, vasodilatação. A tumefação
está relacionada à formação dos exsudatos e, consequentemente, aumento de volume.

Agente inflamatório
Sinais
cardinais

Fenômenos
irritativos
Calor

Fenômenos
vasculares Rubor

Dor
Fenômenos alterativos

Fenômenos
exsudativos Tumor
Mediadores

Cura por reabsorção


Fenômenos do exsudato e
resolutivos regeneração

Fenômenos Cura por


reparativos cicatrização

Inflamação
crônica Inflamação

Figura 27 – Fenômenos da inflamação e sua relação com os sinais cardinais

Lembrete

O objetivo da inflamação é defender o organismo e seus tecidos de


estímulos nocivos, como, por exemplo, bactérias ou corpos estranhos, bem
como reparar o dano ou, pelo menos, limitá‑lo.

2.2 Inflamação aguda

O processo inflamatório agudo é uma resposta imediata contra um agente nocivo. A resposta, que
serve para controlar e eliminar células alteradas, microrganismos e antígenos, ocorre em duas fases:

• Fase vascular: resulta em aumento do fluxo sanguíneo e alterações nos pequenos vasos
da microcirculação.

55
Unidade I

• Fase celular: resulta na migração de leucócitos da circulação e sua ativação para eliminar o
agente nocivo.

O processo inflamatório agudo envolve duas fases principais: vascular e celular. Diversos tipos
de tecidos e células estão envolvidos nessas fases, bem como células endoteliais que revestem
vasos sanguíneos, leucócitos que circulam no sangue, células do tecido conjuntivo (mastócitos,
fibroblastos, macrófagos e linfócitos) e componentes da matriz extracelular (MEC). A matriz
extracelular é composta por proteínas fibrosas (colágeno e elastina), glicoproteínas adesivas e
proteoglicanos. No nível bioquímico, os mediadores inflamatórios, agindo em conjunto ou em
sequência, amplificam a resposta inicial e influenciam sua evolução por meio da regulação das
respostas vasculares e celulares subsequentes.

As alterações vasculares que ocorrem no processo inflamatório envolvem arteríolas, capilares


e vênulas da microcirculação. Essas alterações se iniciam logo após a lesão e se caracterizam
por vasodilatação com alterações no fluxo sanguíneo, aumento da permeabilidade vascular
e extravasamento de líquido nos tecidos extravasculares. A vasodilatação, uma das primeiras
manifestações do processo inflamatório, começa depois de uma constrição transitória das arteríolas,
que dura alguns segundos. A vasodilatação envolve primeiramente as arteríolas e, em seguida, resulta
na abertura dos leitos capilares na região afetada. Como resultado, a área se torna congestionada,
causando a vermelhidão (eritema) e o calor associados a um processo de inflamação aguda.
A vasodilatação é induzida pela ação de vários mediadores, como a histamina e o óxido nítrico.

A vasodilatação é rapidamente seguida por aumento da permeabilidade da microcirculação com o


transbordamento de um líquido rico em proteína (exsudato) para os espaços extravasculares. A perda de
líquido ocasiona aumento da concentração de constituintes do sangue (hemácias, leucócitos, plaquetas
e fatores de coagulação), estagnação do fluxo e coagulação do sangue no local da lesão. Isso ajuda
a localizar a disseminação de microrganismos infecciosos. A perda de proteínas plasmáticas reduz a
pressão osmótica intracapilar e aumenta a pressão osmótica do líquido intersticial, de modo que este se
desloque para os tecidos e produza tumefação (isto é, edema), dor e comprometimento funcional, que
são os sinais cardinais do processo inflamatório agudo.

A exsudação de líquido para os espaços teciduais também serve para diluir o agente agressor.
O aumento da permeabilidade característico de um processo inflamatório agudo resulta da
formação de lacunas endoteliais nas vênulas da microcirculação. A ligação de mediadores químicos
a receptores endoteliais provoca a contração das células endoteliais e a separação das junções
intercelulares. Esse é o mecanismo mais comum de derrame vascular e é induzido pela ação de
histamina, bradicinina, leucotrienos e muitas outras classes de mediadores químicos.

56
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Arteríola Dilatação da arteríola Exsudato

Vênula

A) Vasoconstrição B) Vasodilatação Dilaração da vênula

Figura 28 – Inflamação aguda (A) e fase vascular (B)

Fase vascular

Na fase vascular do processo inflamatório agudo, ocorrem alterações nos pequenos vasos sanguíneos
no local da lesão. Ela começa com vasoconstrição momentânea, rapidamente seguida por vasodilatação.
A vasodilatação envolve as arteríolas e vênulas, com consequente aumento do fluxo sanguíneo capilar,
causando calor e vermelhidão, dois dos sinais cardinais do processo inflamatório. Acompanha aumento
na permeabilidade vascular com a saída de um líquido rico em proteína (exsudato) para os espaços
extravasculares. A perda de proteínas reduz a pressão osmótica capilar e aumenta a pressão osmótica
intersticial. Isso, juntamente ao aumento da pressão capilar, provoca fluxo de líquido e seu acúmulo
no espaço intersticial, produzindo edema, dor e comprometimento funcional, que representam os
outros sinais cardinais do processo inflamatório agudo. À medida que o líquido se desloca para fora
dos vasos, ocorre estagnação do fluxo sanguíneo e coagulação. Isso ajuda a localizar a disseminação
de agentes infecciosos.

Fase celular (marginação, adesão e transmigração de leucócitos)

A fase celular do processo inflamatório agudo envolve a mobilização de leucócitos, principalmente


neutrófilos, para o local da inflamação, de modo que possam exercer sua função normal de defesa do
hospedeiro. O deslocamento e a ativação dos leucócitos podem ser divididos nas seguintes etapas: adesão
e marginação, transmigração e quimiotaxia. O recrutamento de leucócitos para as vênulas pré‑capilares,
que deixam a circulação, é facilitado pela lentificação do fluxo sanguíneo e pela marginação ao longo
da superfície vascular. A adesão e a transmigração de leucócitos do espaço vascular para o tecido
extravascular são facilitadas pelas moléculas de adesão complementares (por exemplo, selectinas,
integrinas) nos leucócitos e nas superfícies endoteliais. Depois do extravasamento, os leucócitos migram
através dos tecidos em direção ao local da lesão por quimiotaxia ou locomoção orientada ao longo de
um gradiente químico.

57
Unidade I

Células endoteliais

Rolamento Adesão firme Transmigração


(Selectinas) (Integrinas β1 e β2) (PCAM 1 etc.)

Capilar
Neutrófilo

Neutrófilo

2 Transmigração

1 Marginação Bactérias

3 Quimiotaxia

Figura 29 – A fagocitose envolve três etapas distintas: (1) reconhecimento


e aderência; (2) englobamento; e (3) morte intracelular

2.2.1 Quimiotaxia

A quimiotaxia é o processo dinâmico e guiado por energia de migração celular direcionada. Assim
que os leucócitos deixam os capilares, eles vagam através dos tecidos orientados por um gradiente
de quimioatratores secretados, como quimiocinas, resíduos bacterianos e celulares e fragmentos de
proteínas produzidos pela ativação do sistema complemento (por exemplo, C3a, C5a). As quimiocinas,
subgrupo importante de citocinas quimiotáticas, são pequenas proteínas que orientam o tráfego de
leucócitos durante os estágios iniciais do processo inflamatório ou lesão. Diversas células imunológicas
(por exemplo, macrófagos) e não imunológicas secretam esses quimioatratores para assegurar o
movimento dirigido de leucócitos até o local de infecção.

2.2.2 Ativação de leucócitos e fagocitose

Durante a fase final da resposta celular, os monócitos, neutrófilos e macrófagos dos tecidos são
ativados para englobar e degradar as bactérias e os fragmentos celulares em um processo denominado
fagocitose. Ela é iniciada pelo reconhecimento e pela ligação de partículas por receptores específicos na
superfície de células fagocíticas. Essa ligação é essencial para capturar o agente, o que desencadeia o
englobamento e ativa o potencial de matar de uma célula.

Os micróbios podem se ligar diretamente à membrana de células fagocíticas por diferentes tipos de
receptores de reconhecimento de padrão (por exemplo, receptores toll‑like e receptores de manose),
58
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

ou indiretamente, por intermédio de receptores que reconhecem micróbios revestidos por lectinas de
ligação com carboidratos, anticorpos ou complemento.

O revestimento de um antígeno pelo anticorpo ou complemento para melhorar a ligação é


denominado opsonização. A endocitose mediada por receptores é desencadeada por opsonização e
ligação do agente para fagocitar receptores da superfície celular. A endocitose é realizada por extensões
citoplasmáticas (pseudópodes) que cercam e encerram a partícula em uma vesícula fagocítica delimitada
por membrana ou fagossomo. No local da inflamação, os produtos do dano tecidual desencadeiam uma
série de respostas leucocitárias, incluindo fagocitose e morte celular.

1
Fagossomo 2
Receptor Fc

Fc

C3b
Receptor
C3b

Fagolisossomo

Figura 30 – A opsonização dos micróbios: (1) pelo fator de complemento C3b e anticorpo facilita o reconhecimento
pelo neutrófilo receptor de C3b e anticorpo Fc; (2) a ativação do receptor desencadeia a sinalização intracelular e a
montagem de actina no neutrófilo, levando à formação de pseudópodes que englobam o micróbio em um
fagossomo; (3) este, então, se funde com um lisossomo intracelular para formar um fagolisossomo,
no qual enzimas lisossomais e radicais de oxigênio (4) são liberados para matar e digerir o micróbio

Lembrete

Vários mecanismos participam de um processo inflamatório, é


importante salientar que o mecanismo eficiente é aquele capaz de conjugar
e reunir todos os elementos de forma adequada e regulada, quer sejam
elementos celulares, químicos e/ou da resposta imunológica.

59
Unidade I

2.2.3 Células envolvidas no processo inflamatório

Células endoteliais

Constituem o revestimento epitelial com espessura de uma única célula dos vasos sanguíneos.
Elas produzem agentes antiplaquetários e antitrombóticos que mantêm a permeabilidade do vaso,
assim como vasodilatadores e vasoconstritores que regulam o fluxo sanguíneo. As células endoteliais
também são fundamentais para a resposta inflamatória e apresentam alterações significativas em
pessoas com doenças inflamatórias. As células endoteliais funcionais fornecem uma barreira de
permeabilidade seletiva para estímulos inflamatórios exógenos (microbianos) e endógenos; regulam
o extravasamento de leucócitos pela expressão de moléculas de adesão celular e receptores;
contribuem para a regulação e a modulação da resposta imune pela síntese e liberação de mediadores
inflamatórios; e regulam a proliferação de células imunes pela secreção de fatores estimuladores de
colônias hematopoéticas (CSF, colony‑stimulating factor).

As células endoteliais também participam do processo de reparo que acompanha a inflamação por
meio da produção de fatores de crescimento que estimulam a angiogênese (formação de novos vasos
sanguíneos) e a síntese de MEC. As células endoteliais circulantes podem ser utilizadas como indicador
da tendência de disfunção vascular em pessoas com lúpus eritematoso sistêmico, mesmo que sem
doença cardiovascular diagnosticada.

Plaquetas

Plaquetas ou trombócitos são fragmentos de células circulantes no sangue envolvidos nos


mecanismos celulares de hemostasia primária. Plaquetas ativadas também liberam vários mediadores
inflamatórios potentes, aumentando, assim, a permeabilidade vascular e alterando as propriedades
quimiotáticas, adesivas e proteolíticas das células endoteliais. Quando uma plaqueta sofre ativação,
mais 300 proteínas são liberadas. Embora apenas uma proporção relativamente pequena tenha sido
identificada, parece que um número significativo são mediadores inflamatórios. A associação entre
plaquetas e doenças inflamatórias é realçada pelo número de processos patológicos inflamatórios (por
exemplo, aterosclerose, enxaqueca) comprovadamente associados à ativação plaquetária.

Figura 31 – Plaquetas em esfregaço sanguíneo

60
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Neutrófilos

São leucócitos fagocíticos existentes em grande número evidenciados no local da inflamação em


um intervalo de poucas horas. Os dois tipos de leucócitos expressam diversos receptores de superfície e
moléculas envolvidas na sua ativação. O neutrófilo é o primeiro fagócito a chegar ao local da inflamação,
geralmente em um intervalo de noventa minutos após a lesão. Esses leucócitos têm núcleos divididos
em três a cinco lobos. Portanto, são frequentemente chamados de neutrófilos polimorfonucleares (PMN)
ou neutrófilos segmentados.

Um leucócito identificado por grânulos citoplasmáticos distintivos é chamado granulócito. Os grânulos


citoplasmáticos dos granulócitos, que resistem à coloração e continuam a apresentar cor neutra, contêm
tecido morto, enzimas e material antibacteriano utilizados na destruição de micróbios que foram engolfados.
Os neutrófilos são capazes de produzir oxigênio (peróxido de hidrogênio) e produtos nitrogenados (óxido
nítrico), que auxiliam na destruição dos resíduos engolfados pela célula fagocítica.

O número de neutrófilos no sangue muitas vezes aumenta substancialmente durante um


processo inflamatório, especialmente em infecções bacterianas. Após serem liberados da medula
óssea, os neutrófilos circulantes têm vida útil de aproximadamente dez horas, portanto precisam
ser constantemente substituídos para que a contagem permaneça adequada. Isso exige aumento de
leucócitos em circulação, condição chamada leucocitose, frequentemente elevada quando há infecções
bacterianas e lesão tecidual. Com a demanda excessiva de fagócitos, formas imaturas de neutrófilos
são liberadas da medula óssea. Estas, muitas vezes, são chamadas de bastões porque têm o núcleo
em formato de ferradura. Monócitos circulantes, que têm um único núcleo em forma de rim e são os
maiores leucócitos circulantes, constituem de 3% a 8% da contagem de leucócitos do sangue.

Figura 32 – Neutrófilo em esfregaço sanguíneo

Monócitos (macrófagos)

Os monócitos são liberados da medula óssea para agir como macrófagos. As células mononucleares
chegam ao local da inflamação logo depois dos neutrófilos e desempenham suas funções fagocíticas
durante vários dias.
61
Unidade I

Monócitos e macrófagos produzem potentes mediadores vasoativos, incluindo prostaglandinas e


leucotrienos, fator de ativação plaquetária (FAP), citocinas inflamatórias e fatores de crescimento que
promovem a regeneração dos tecidos. Os macrófagos englobam partículas maiores e uma quantidade
maior de material estranho do que os neutrófilos. Esses fagócitos de vida mais longa ajudam a destruir
o agente causador, auxiliam nos processos de sinalização de imunidade, servem para eliminar o processo
inflamatório e contribuem para a iniciação dos processos de cicatrização. Também desempenham papel
importante no processo inflamatório crônico, no qual podem rodear e cercar materiais estranhos que
não podem ser digeridos.

Figura 33 – Monócito em esfregaço sanguíneo

Eosinófilos, basófilos e mastócitos

Embora esses três tipos de células apresentem características específicas, todos contêm grânulos
citoplasmáticos e produzem mediadores lipídicos e citocinas que induzem o processo inflamatório
São particularmente importantes nos casos de inflamação associada a reações de hipersensibilidade
imediata e distúrbios alérgicos.

Os eosinófilos circulam no sangue e são recrutados para os tecidos de modo semelhante aos
neutrófilos. A quantidade desses granulócitos aumenta no sangue durante reações alérgicas e infecções
parasitárias. Os grânulos de eosinófilos, que se tingem de vermelho com o corante ácido de eosina,
contêm uma proteína altamente tóxica para vermes parasitas grandes que não podem ser fagocitados.
Também desempenham papel importante nas reações alérgicas por meio do controle da liberação de
mediadores químicos específicos.

Basófilos são granulócitos sanguíneos semelhantes estrutural e funcionalmente aos mastócitos do


tecido conjuntivo. São derivados de células progenitoras da medula óssea e circulam no sangue. Os grânulos
dos basófilos, que se tingem de azul com um corante básico, contêm histamina e outros mediadores
bioativos de inflamação. Tanto basófilos quanto mastócitos se ligam a um anticorpo, a imunoglobulina
E (IgE), secretada por células do plasma por meio de receptores na sua superfície celular. A ligação com
IgE provoca a liberação de histamina e de agentes vasoativos dos grânulos dos basófilos.

62
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Os mastócitos derivam das mesmas células‑tronco hematopoéticas que os basófilos, mas não se
desenvolvem até que deixem a circulação e se alojem nos tecidos. A ativação dos mastócitos resulta na
liberação do conteúdo pré‑formado de seus grânulos (histamina, proteoglicanos, proteases e citocinas
como o fator de necrose tumoral alfa [TNF‑α] e a interleucina [IL]‑16); na síntese de mediadores lipídicos
derivados de precursores da membrana celular (metabólitos do ácido araquidônico, como prostaglandinas
e FAP); e na estimulação da síntese de citocinas e quimiocinas por outras células inflamatórias como
monócitos e macrófagos. Os mastócitos estão envolvidos nas reações acionadas por IgE e no combate
a infecções por helmintos.

Figura 34 – Eosinófilo em esfregaço sanguíneo Figura 35 – Basófilo em esfregaço sanguíneo

Figura 36 – Linfócito em esfregaço sanguíneo Figura 37 – Mastócitos em tecido

Células dendríticas (DCs)

Células dendríticas (DCs) se originam na medula óssea a partir de células-tronco hematopoiéticas


pluripotentes e são uma das principais células apresentadoras de antígeno do sistema imune. Essas
células foram descobertas como uma nova linhagem de células nos órgãos linfoides de camundongos,
distinta dos macrófagos. Por possuírem tantas projeções do citoplasma, receberam o nome de células
dendríticas (do grego dendron, que significa árvore). Embora DCs constituam apenas cerca de 1% de
leucócitos mononucleares no sangue periférico, estão localizadas em outros tecidos periféricos nos
quais podem atuar como sentinelas do sistema imunológico, patrulhando antígenos continuamente
e apresentando seus antígenos aos linfócitos T, desempenhando papel fundamental no elo entre as
respostas imunes inata e adaptativa.

63
Unidade I

Saiba mais

Você pode saber mais sobre como células-tronco podem estimular a


produção de sangue:

USP. Pesquisa do HCFMRP aponta que células-tronco podem ativar


produção de sangue. São Paulo, 9 maio 2013. Disponível em: https://www5.
usp.br/26805/estudo-do-hcfmrp-aponta-que-celulas-tronco-podem-
ativar-producao-de-sangue/. Acesso em: 8 nov. 2019.

2.2.4 O processo inflamatório

O processo inflamatório agudo envolve duas fases principais: vascular e celular. Diversos tipos de
tecidos e células estão envolvidos nessas fases, bem como células endoteliais que revestem os vasos
sanguíneos, leucócitos que circulam no sangue, células do tecido conjuntivo (mastócitos, fibroblastos,
macrófagos e linfócitos) e MEC, que é composta por proteínas fibrosas (colágeno e elastina), glicoproteínas
adesivas e proteoglicanos. No nível bioquímico, os mediadores inflamatórios, agindo em conjunto ou em
sequência, amplificam a resposta inicial e influenciam sua evolução por meio da regulação das respostas
vasculares e celulares subsequentes.

Basófilo Plaquetas Monócito


Eosinófilo Neutrófilo

Fibroblasto

Mastócito Macrófago
Elastina

Figura 38 – Células de inflamação aguda

Embora o processo inflamatório seja precipitado por infecção e lesão, seus sinais e sintomas são
produzidos por mediadores químicos. Os mediadores podem ser originados do plasma ou de células.
Os derivados do plasma, sintetizados no fígado, incluem os fatores de coagulação e as proteínas do
complemento e são encontrados no plasma em uma forma precursora, que precisa ser ativada por
uma série de processos proteolíticos para adquirir suas propriedades biológicas. Os derivados de células
normalmente são sequestrados em grânulos intracelulares que precisam ser secretados (por exemplo,
histamina a partir de mastócitos) ou são sintetizados conforme a necessidade (por exemplo, citocinas)
64
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

em resposta a um estímulo. Embora plaquetas, neutrófilos, monócitos/macrófagos e mastócitos sejam


as principais fontes desses mediadores, células endoteliais, do músculo liso, fibroblastos e a maioria das
células epiteliais pode ser induzida a produzi‑los. A produção de mediadores ativos é desencadeada por
micróbios ou por proteínas do hospedeiro, como as dos sistemas complemento, cinina ou de coagulação,
que são ativadas por micróbios ou tecidos danificados.

Os mediadores podem atuar sobre uma ou algumas células‑alvo e têm diversos alvos ou diferentes
efeitos sobre os tipos distintos de células. Uma vez ativados e liberados da célula, a maioria tem curta
duração. Eles podem ser transformados em metabólitos inativos, inativados por enzimas, ou eliminados
ou degradados de outro modo. Embora todas as reações inflamatórias agudas sejam caracterizadas
por alterações vasculares e infiltração de leucócitos, a gravidade da reação, a causa específica e o local
de envolvimento introduzem variações nas manifestações e correlações clínicas. Essas manifestações
podem variar desde edema e formação de exsudato até a formação de abscesso ou ulceração.
Caracteristicamente, a resposta inflamatória aguda envolve a produção de exsudato, que varia em
relação ao tipo de líquido, ao teor de proteína plasmática e à existência ou não de células. Eles podem
ser serosos, hemorrágicos, fibrinosos, membranosos ou purulentos. Muitas vezes, o exsudato é composto
por uma combinação desses tipos.

Exsudato seroso é um líquido com baixo teor de proteína resultante da entrada de plasma no
local inflamatório. Exsudato hemorrágico acontece quando existe lesão tecidual grave, que danifica
os vasos sanguíneos, ou quando há fugas significativas de hemácias dos capilares. Exsudato fibrinoso
contém grandes quantidades de fibrinogênio e forma uma malha grossa e pegajosa, semelhante às
fibras de um coágulo sanguíneo. Exsudatos membranosos ou pseudomembranosos se desenvolvem em
superfícies mucosas e são compostos por células necróticas enredadas em um exsudato fibropurulento.
Um exsudato purulento ou supurativo contém pus, composto por leucócitos degradados, proteínas e
fragmentos de tecido.

Alguns microrganismos, como Staphylococcus, apresentam maior propensão do que outros a


induzir processo inflamatório supurativo localizado. Abscesso é uma área localizada de inflamação
contendo um exsudato purulento, que pode ser cercado por uma camada de neutrófilos. Os fibroblastos,
por fim, podem entrar na área e cercar o abscesso. Como agentes antimicrobianos não conseguem
penetrar a parede do abscesso, podem ser necessárias incisão cirúrgica e drenagem para alcançar a
cicatrização. Ulceração se refere a um local de inflamação em que uma superfície epitelial (por exemplo,
pele ou epitélio gastrintestinal) se torna necrótica e corroída, frequentemente associada à inflamação
subepitelial. Ainda, pode decorrer de uma lesão traumática à superfície epitelial (por exemplo, úlcera
péptica) ou de um comprometimento vascular (por exemplo, úlceras do pé associadas ao diabetes).

Observação

Os abcessos se formam por infecções bacterianas ou fúngicas, por


organismos que chamamos de piogênicos e atingem as camadas mais
profundas do tecido conjuntivo. Devido à grande destruição tecidual,
incluindo danos à matriz extracelular, o resultado mais comum é o
aparecimento de cicatriz e fibrose.
65
Unidade I

Farpa
Pele avermelhada, contaminada
tumefeita, quente e dolorida por bactéria

Capilares
Neutrófilos

A) Inflamação
Dilatação capilar, exsudação de líquido,
migração de neutrófilos

Necrose tecidual

B) Supuração
Desenvolvimento de exsudato supurativo ou
purulento contendo neutrófilos degradados
e restos de tecido

Pus

Parede fibrosa

C) Formação de abscesso
Compartimentalização de exsudato
purulento (pus) para formação de abscesso

Figura 39 – Formação de abscesso: A) invasão bacteriana e desenvolvimento do processo inflamatório;


B) continuação do crescimento bacteriano, migração de neutrófilos, liquefação por necrose de tecidos
e desenvolvimento de exsudato purulento; C) compartimentalização da área inflamada e seu
exsudato purulento de modo a formar um abscesso

2.3 Inflamação crônica

Inflamação crônica é aquela na qual, devido à persistência do agente inflamatório (por exemplo, um
microrganismo), à exposição prolongada a agentes tóxicos (por exemplo, tabagismo) ou a fenômenos
autoimunes, o processo se mantém por tempo maior. Nela, os sinais típicos de eritema e edema
podem não ser aparentes. Em algumas inflamações de duração prolongada em tecidos conjuntivos,
há edema e dor com pouca exsudação celular. É o que ocorre, por exemplo, em tendinites, facites,
osteartrose e fibromialgia.

66
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

A inflamação crônica é caracterizada como uma infiltração de células mononucleares (macrófagos)


e linfócitos, enquanto o influxo de neutrófilos é visto na inflamação aguda. Ela também envolve a
proliferação de fibroblastos em vez de exsudatos. Como resultado, o risco de formação de cicatrizes
e deformidades geralmente é maior do que na inflamação aguda. É classificada em dois padrões:
inflamação crônica inespecífica e inflamação granulomatosa.

De forma diferente do que se percebe na inflamação aguda, que é manifestada por mudanças
vasculares, edema e infiltração predominantemente neutrofílica, a inflamação crônica é caracterizada
por infiltração com células mononucleares, que incluem macrófagos, linfócitos e células plasmáticas;
destruição tecidual, induzida pelo agente agressor persistente ou pelas células inflamatórias; tentativas
de cura pela substituição do tecido danificado por tecido conjuntivo realizadas pela proliferação de
pequenos vasos sanguíneos (angiogênese) e, em particular, fibrose.

Os linfócitos existem em dois tipos: linfócitos T e linfócitos B. Os linfócitos T participam efetivamente


da resposta imune conhecida como resposta imune celular; enquanto os linfócitos B participam das
respostas imunes humorais. Alem disso, linfócitos B são totalmente maturados na medula óssea, enquanto
os linfócitos T têm parte do seu processo de maturação e de seleção ocorrendo no timo. Os linfócitos de
maneira geral são mobilizados em ambas as reações imunomediadas por anticorpo e por célula.

Os linfócitos de diferentes tipos (células T e B) estimulados por antígeno (efetor e de memória) usam
vários pares de moléculas de adesão (selectinas, integrinas e seus ligantes) e quimiocinas para migrar
para os locais inflamatórios.

Os plasmócitos, conjunto de células diferenciadas e originadas a partir dos linfócitos B ativados,


têm a capacidade de produzir anticorpos direcionados ou contra-antígenos persistentes estranhos ou
próprios no local inflamatório ou contracomponentes teciduais alterados.

2.3.1 Inflamação crônica inespecífica e inflamação granulomatosa

Envolve um acúmulo difuso de macrófagos e linfócitos no local da lesão. A quimiotaxia constante faz
que macrófagos se infiltrem no local inflamado, onde se acumulam devido à sobrevivência e à imobilização
prolongada. Esses mecanismos levam à proliferação de fibroblastos, com formação de cicatrizes, que
em muitos casos substituem o tecido conjuntivo normal ou os tecidos parenquimatosos funcionais das
estruturas envolvidas. Por exemplo, o tecido cicatricial resultante da inflamação crônica do intestino
causa o estreitamento do lúmen intestinal. É uma forma distinta de inflamação crônica. Um granuloma é
tipicamente uma pequena lesão de 1 mm a 2 mm, na qual existe um conjunto de macrófagos circundados
por linfócitos. Esses macrófagos modificados se assemelham a células epiteliais, que, às vezes, são chamadas
de células epitelioides. Como outros macrófagos, as células epitelioides são derivadas originalmente de
monócitos do sangue.

A inflamação granulomatosa está́ associada a corpos estranhos, tais como farpas, suturas, sílica e
asbesto, e a microrganismos que causam tuberculose, sífilis, sarcoidose, infecções fúngicas profundas
e brucelose. Esses tipos de agentes têm uma coisa em comum: são mal digeridos e usualmente
não são facilmente controlados por outros mecanismos inflamatórios. As células epitelioides na
67
Unidade I

inflamação granulomatosa podem se agregar em uma massa ou coalescer, formando uma célula
gigante multinucleada que tenta circundar o agente estranho. Uma densa membrana de tecido
conjuntivo finalmente encapsula a lesão e a isola. Essas células são referidas como células gigantes
de corpo estranho.

Figura 40 – Células gigantes de corpo estranho, os numerosos


núcleos estão dispostos aleatoriamente no citoplasma

2.4 Mecanismos de reparação e regeneração tecidual

A reparação dos tecidos, que se sobrepõe ao processo inflamatório, é uma resposta à lesão
tecidual e representa uma tentativa de manter a estrutura e o funcionamento normais do corpo.
Pode tomar o formato de uma regeneração, na qual as células lesionadas são substituídas por outras
do mesmo tipo; ou de uma substituição por tecido conjuntivo, o que leva a uma cicatriz permanente.
Tanto a regeneração quanto a reparação por tecido conjuntivo são determinadas por intermédio de
mecanismos semelhantes que envolvem migração, proliferação e diferenciação celulares, bem como
interação com a MEC.

Os órgãos e os tecidos são compostos de dois tipos de estruturas: parênquima e estroma. Os tecidos
do parênquima contêm as células funcionais de um órgão ou parte do corpo (por exemplo, hepatócitos e
células tubulares renais). Os tecidos do estroma são compostos de tecido conjuntivo de sustentação,
vasos sanguíneos, MEC e fibras nervosas. A regeneração dos tecidos envolve a substituição do tecido
lesionado por células do mesmo tipo, deixando pouca ou nenhuma evidência da lesão anterior.

A capacidade de regeneração varia de acordo com o tipo de célula e de tecido. As células do corpo
podem ser classificadas de acordo com seu potencial de proliferação. Algumas células maduras não se
dividem, enquanto outras completam um ciclo celular a cada 16 a 24 horas.

• Células lábeis: encontradas em tecidos que se encontram sob renovação constante, como
a epiderme, o revestimento epitelial do trato gastrointestinal, urinário, respiratório e
genital, a medula óssea e os órgãos linfoides.

68
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

• Células estáveis: encontradas em tecidos que normalmente se renovam muito lentamente, mas
são capazes de renovação mais rápida após lesão; entre os exemplos estão fígado, glândulas
endócrinas, endotélio e túbulos renais proximais.

• Células permanentes: diferenciadas terminalmente e que perderam a capacidade de


regeneração, entre os exemplos estão neurônios, células da musculatura cardíaca e células do
cristalino. As células‑tronco são constituintes de tecidos lábeis. Uma célula‑filha de cada divisão
torna‑se uma nova célula‑tronco, enquanto a outra sofre diferenciação terminal. A regeneração
pode ser mediada por células‑tronco, células lábeis ou células estáveis.

A lesão grave ou persistente, com danos tanto às células do parênquima quanto à MEC, leva a
uma situação em que a reparação não pode ser obtida apenas com a regeneração dos tecidos.
Nessas condições, ocorre reparação com substituição por tecido conjuntivo, processo que envolve a
produção de tecido de granulação e a formação de tecido cicatricial. O tecido de granulação é um tecido
conjuntivo úmido de coloração vermelha brilhante que contém capilares recém‑formados, proliferação
de fibroblastos e células inflamatórias residuais. O desenvolvimento do tecido de granulação envolve
crescimento de novos capilares (angiogênese), fibrogênese e involução para a formação do tecido cicatricial.

O processo de angiogênese abrange a produção e o surgimento de novos vasos sanguíneos a partir


de vasos preexistentes. Esses novos capilares tendem a brotar da superfície da ferida como pequenos
grânulos avermelhados, dando nome ao tecido de granulação. Assim, porções do novo leito capilar se
diferenciam em arteríolas e vênulas.

A fibrogênese compreende a chegada de fibroblastos ativados. Estes secretam o MEC incluindo


fibronectina, ácido hialurônico, proteoglicanos e colágeno. A fibronectina e o ácido hialurônico são
os primeiros componentes depositados na cicatrização de feridas, e os proteoglicanos aparecem
posteriormente. Como os proteoglicanos são substâncias hidrofílicas, sua acumulação contribui para a
aparência edematosa da ferida. O começo da síntese de colágeno colabora para a formação subsequente
do tecido cicatricial.

A formação de uma cicatriz se baseia na estrutura do tecido de granulação de novos vasos e na MEC
frouxa. O processo se desenvolve em duas fases: migração e proliferação de fibroblastos para o local da
lesão e deposição de MEC por essas células. À medida que o processo de cicatrização evolui, ocorre
redução na proliferação de fibroblastos e formação de novos vasos sanguíneos e aumento da síntese
e deposição de colágeno, este é importante para o desenvolvimento de forças de tração no local da
ferida de cicatrização.

Em última análise, a base para a formação do tecido de granulação evolui para uma cicatriz composta
de fibroblastos fusiformes, em grande parte inativos, densas fibras de colágeno, fragmentos de tecido
elástico e outros componentes da MEC. À medida que a cicatriz amadurece, a degeneração vascular, por
conseguinte, transforma o tecido de granulação altamente vascular em uma cicatriz pálida, em grande
parte avascular.

69
Unidade I

2.4.1 Cicatrização

A cicatrização de feridas envolve a restauração da integridade do tecido lesionado. No caso de


cicatrização de feridas cutâneas, comumente utilizada para ilustrar os princípios gerais do processo,
divide‑se em três fases: inflamatória, proliferativa e contração da ferida e fase de remodelação. Cada
uma é mediada por citocinas e fatores de crescimento.

Fase inflamatória

A fase inflamatória começa no momento da lesão com a formação de um coágulo sanguíneo e a


migração de leucócitos fagocíticos para o local da ferida. As primeiras células a chegar, os neutrófilos,
ingerem e removem as bactérias e os restos celulares. Após 24 horas, os macrófagos se juntam aos
neutrófilos para continuar a ingestão de fragmentos celulares, estes desempenham papel essencial na
produção de fatores de crescimento para a fase proliferativa.
Coágulo
Fibrina

Epiderme

Derme

Gordura

Neutrófilo

Figura 41 – Fase inflamatória da regeneração e cicatrização

Fase proliferativa e de contração da ferida

Os processos durante essa fase são responsáveis pela construção de tecido novo para preencher o
espaço da ferida. As células mais importantes durante essa fase são os fibroblastos, células do tecido
conjuntivo que sintetizam e secretam colágeno, proteoglicanos e glicoproteínas necessários para a
cicatrização de feridas. Os fibroblastos também produzem uma família de fatores de crescimento que
induzem o processo de angiogênese (crescimento de novos vasos sanguíneos) e proliferação e migração
de células endoteliais. O evento final da fase proliferativa é a epitelização, durante a qual as células
epiteliais nas bordas da ferida proliferam para formar uma nova camada de superfície, semelhante a
que foi destruída pela lesão.
70
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Tecido de
granulação
Células
epiteliais

Fibroblasto

Vaso
sanguíneo

Macrófago

Figura 42 – Fase proliferativa da regeneração ou cicatrização

Fase de remodelação

Essa fase se inicia aproximadamente três semanas após a lesão com o desenvolvimento da cicatriz
fibrosa e pode continuar por seis meses ou mais, dependendo da extensão da ferida. Durante essa
fase, ocorre redução na vascularidade e remodelação contínua do tecido cicatricial, simultaneamente
por meio da síntese de colágeno pelos fibroblastos e da lise pela enzima colagenase. Como resultado
desses dois processos, a arquitetura da cicatriz é capaz de aumentar sua resistência à tração, e a cicatriz
encolhe, tornando‑se menos visível.
Contração
da ferida

Cicatriz
fibrosa

Vaso
sanguíneo

Figura 43 – Fase de remodelação da regeneração e cicatrização

71
Unidade I

Os tecidos lesionados são reparados por meio da regeneração de células do parênquima ou por meio
de reparação do tecido conjuntivo, na qual o tecido cicatricial é substituído por células do parênquima
do tecido lesionado. O objetivo principal desse processo é preencher o vazio criado pela destruição de
tecidos e restaurar a continuidade estrutural da parte lesionada. Quando não pode acontecer regeneração,
a cicatrização por substituição, com uma cicatriz de tecido conjuntivo, fornece os meios para manutenção
da continuidade. Embora o tecido cicatricial preencha a lacuna criada pela sua morte, ele não repara
a estrutura com células funcionais do parênquima. Como a capacidade de regeneração da maioria dos
tecidos é limitada, a cicatrização de feridas geralmente envolve certa quantidade de reparo por tecido
conjuntivo. A discussão a seguir aborda principalmente o processo de cicatrização de feridas cutâneas.

2.4.2 Cicatrização por primeira ou segunda intenção

Dependendo da extensão da perda de tecido, o fechamento e a cicatrização da ferida pode ocorrer


por primeira ou segunda intenção, isto é, cicatrização primária ou secundária. Uma incisão cirúrgica
suturada é um exemplo de cicatrização por primeira intenção. Feridas maiores (por exemplo, queimaduras
e grandes feridas superficiais), que apresentam maior perda de tecido e de contaminação, cicatrizam por
segunda intenção. Esta é mais lenta do que a primeira e resulta na formação de uma quantidade maior
de tecido cicatricial. Uma ferida capaz de ser cicatrizada por primeira intenção pode se tornar infectada
e cicatrizar por segunda intenção.

Primeira intenção, sem


perda de tecido

Segunda intenção,
perda de tecido

Figura 44 – Cicatrização por primeira e segunda intenção

Cicatrização por primeira intenção

É mais rápida e resulta em cicatrizes menores, visto que a fenda da ferida é mais estreita, e
a destruição tecidual nas suas bordas é menor. O exemplo clássico é o das feridas cirúrgicas, em
que o sangue extravasado pelo corte forma um coágulo que ocupa o espaço entre as margens da
ferida. A reação inflamatória se instala a partir da liberação de mediadores originados do coágulo
72
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

de fibrina, das células aprisionadas no coágulo, do tecido conjuntivo das bordas da ferida e das
células epiteliais da margem da lesão. São liberados por macrófagos do coágulo IL‑1 e TNF e
também pelos ceratinócitos da margem da lesão. Essas citocinas ativam as células endoteliais,
que expõem moléculas de adesão (por exemplo, selectinas), favorecendo a adesão de leucócitos.

Cicatrização por segunda intenção

Quando a ferida é extensa e tem margens afastadas, forma‑se um grande coágulo; se há infecção
associada, surge reação inflamatória importante. Nos dois casos, a exsudação de fagócitos é muito intensa
e forma‑se abundante tecido de granulação. Como as bordas da ferida são distantes, a regeneração da
epiderme é mais lenta e demora mais tempo para se completar. As células da epiderme proliferam nas
margens, em que ocorre certo grau de hiperplasia devido à grande quantidade de fatores de crescimento
liberados a partir das células exsudadas.

Nas fases iniciais, o tecido de granulação faz saliência na superfície da ferida. Com o passar do tempo,
ele sofre as mesmas transformações descritas na cicatrização por primeira intenção, sendo muito mais
intenso e evidenciável o fenômeno da retração da cicatriz pelos miofibroblastos (a transformação de
fibroblastos em miofibroblastos é muito mais frequente nesse tipo de cicatrização). A retração é tão
pronunciada que pode, em alguns meses, reduzir a superfície da cicatriz em 90% da dimensão inicial.
Como na cicatrização por primeira intenção, a resistência da cicatriz aumenta com o passar do tempo,
mas não atinge os níveis da pele íntegra. Os fatores de crescimento envolvidos são os mesmos descritos
para a cicatrização por primeira intenção.

2.4.3 Cicatrização hipertrófica e queloide

São duas condições em que há formação importante de tecido conjuntivo denso em cicatriz cutânea,
a qual pode adquirir volume considerável. A cicatriz hipertrófica tende a ser reversível, regredindo
parcialmente com o passar do tempo. O queloide forma tumorações nas áreas de cicatrização, mesmo
em feridas pequenas, podendo não regredir ou ter regressão muito lenta. Nos dois casos, o aspecto
microscópico é semelhante: as fibras colágenas são irregulares, grossas e formam feixes distribuídos
ao acaso, contendo capilares e fibroblastos em maior número do que uma cicatriz normal. Essas duas
lesões são mais frequentes na população afrodescendente, mas não se conhece o defeito que leva ao
descontrole da síntese do colágeno nos dois processos. Tratam‑se de situações em que os mecanismos
de produção estão exacerbados e/ou os mecanismos de degradação da MEC estão reduzidos.

Os queloides são cicatrizes grandes e de formas irregulares que se estendem acima e além do
limite da ferida original. Eles tendem a ser nodulares e estriados. Portanto, embora não representem
uma preocupação clínica, eles podem ter uma aparência indesejável. Os queloides são compostos
principalmente de grandes feixes desordenados de colágeno. Eles estão associados à excessiva
proliferação de fibroblastos no local da ferida.

Há uma propensão genética para a formação dos queloides, são mais comuns em pessoas
afrodescendentes. Infelizmente, a remoção cirúrgica com frequência é acompanhada da formação de
um novo queloide.
73
Unidade I

Figura 45 – Queloide: mulher negra com queloide que


se desenvolveu após a perfuração da orelha

2.4.4 Fatores que afetam a cura das feridas

Vários fatores locais e sistêmicos influenciam a cura de feridas. Embora existam muitos fatores
que a impeçam, as pesquisas têm encontrado poucas maneiras de acelerar o processo normal de
reparo. Entre as causas da cura prejudicada de uma ferida estão desnutrição, fluxo sanguíneo e aporte
de oxigênio prejudicados, respostas inflamatórias e imunológicas impedidas, infecção, separação da
ferida e corpos estranhos e efeitos da idade.

Desnutrição

A cura bem‑sucedida de uma ferida depende em parte de estoques adequados de proteínas,


carboidratos, gorduras, vitaminas e minerais. É bem reconhecido que a desnutrição lentifica o processo
de cura, fazendo que as feridas se curem inadequada ou incompletamente.

Fluxo sanguíneo e oferta de oxigênio

Para que a cura ocorra, as feridas devem ter um fluxo sanguíneo adequado para suprir os nutrientes
necessários e remover refugos resultantes, toxinas locais, bactérias e outros resíduos. Um impedimento
à cura da ferida devido a um mau fluxo sanguíneo pode ocorrer como resultado das condições da ferida
(por exemplo, edema) ou problemas de saúde preexistentes. Doenças arteriais ou patologias venosas são
causas bem documentadas de impedimento à cura. Em situações de trauma, uma diminuição no volume
sanguíneo pode causar redução no fluxo sanguíneo para tecidos lesados.

O oxigênio molecular é necessário para a síntese de colágeno. Mostrou‑se que mesmo uma ausência
temporária de oxigênio pode resultar na formação de um colágeno menos estável. As feridas em um
tecido isquêmico tornam‑se infectadas mais frequentemente do que em tecidos bem vascularizados.

74
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Macrófagos requerem oxigênio para a destruição de microrganismos que tenham invadido a área.
Embora essas células possam executar a fagocitose em um ambiente relativamente anóxico, elas não
podem digerir as bactérias.

A cura de feridas é prejudicada em pessoas com diabetes mellitus, principalmente aquelas que
têm níveis de glicose sanguínea mal controlados. Estudos mostraram cicatrização tardia de feridas,
malformação de colágeno e força tênsil ruim em animais diabéticos. Doenças em pequenos vasos
sanguíneos também são comuns em pessoas com diabetes, impedindo a liberação de células inflamatórias,
oxigênio e nutrientes para o local da ferida. A administração terapêutica de drogas corticosteroides
diminui o processo inflamatório e pode retardar o processo de cicatrização. Esses hormônios diminuem
a permeabilidade capilar durante os estágios iniciais da inflamação, prejudicam as propriedades
fagocíticas dos leucócitos e inibem a proliferação e a função dos fibroblastos.

Infecção, separação de feridas e corpos estranhos

Contaminação, separação de feridas e corpos estranhos dificultam o processo de cicatrização.


Uma infecção prejudica o processo sob vários aspectos. Ela prolonga a fase inflamatória, dificulta
a formação de tecido de granulação e inibe a proliferação de fibroblastos e a deposição de fibras
de colágeno. No momento da lesão, todas as feridas estão contaminadas. Embora as defesas do
organismo possam lidar com a invasão de microrganismos no momento do ferimento, feridas
gravemente contaminadas podem sobrecarregar as defesas do hospedeiro. Quadros de traumatismo e
comprometimento preexistente das defesas do hospedeiro também têm condições de contribuir para
o desenvolvimento de infecções. A aproximação das bordas da ferida (isto é, a sutura de um tipo de
ferida por incisão) aumenta muito as chances de cicatrização e evita o desenvolvimento de infecção.

A epitelização da lesão com bordas estreitamente aproximadas ocorre no intervalo de um a dois


dias. Feridas grandes e abertas tendem a cicatrizar mais lentamente porque muitas vezes é impossível
conseguir o fechamento nesse tipo de ferimento. A presença de corpos estranhos tende a favorecer a
contaminação bacteriana e atrasa a cicatrização: fragmentos de madeira, aço, vidro e outros compostos
podem se incrustar na ferida e serem difíceis de localizar quando ela é tratada. Suturas também devem
ser consideradas corpos estranhos e, apesar de necessárias para o fechamento de feridas cirúrgicas, são
um impedimento para a cicatrização. Por isso, devem ser removidas tão rapidamente quanto possível
após um procedimento cirúrgico.

A infecção de uma ferida é uma preocupação especial em pessoas com implantes de corpos estranhos,
como dispositivos ortopédicos (por exemplo, pinos, dispositivos de estabilização), marca‑passos e shunts.
Elas são difíceis de tratar e podem exigir a remoção do dispositivo.

Manipulações e procedimentos que facilitam a cicatrização

Os profissionais da saúde vêm tentando vários tipos de manipulação para facilitar e acelerar o
processo de cicatrização, especialmente nas feridas crônicas. Os equivalentes biológicos de pele,
formados por ceratinócitos proliferados in vitro, associados a componentes da MEC, são testados para
acelerar a reparação de feridas extensas ou de úlceras crônicas. O efeito acelerador na cicatrização está
75
Unidade I

relacionado ao fato de o enxerto possuir células vivas que produzem fatores de crescimento, favorecendo
a proliferação fibroblástica e vascular.

Os métodos físicos são testados com base em observações experimentais, mas ainda com resultados
controversos em humanos. Experimentalmente, eletroestimulação direta com corrente alternada de
baixa frequência ou de alta voltagem aumenta a exsudação de leucócitos e acelera a síntese de matriz
e o fluxo de sangue no tecido cicatricial. A utilização de oxigênio hiperbárico é considerada útil no
tratamento de feridas infectadas, especialmente por microrganismos anaeróbicos ou com necrose
óssea. O método aumenta a oxigenação do sangue e a síntese de óxido nítrico, o que parece estimular a
formação do tecido cicatricial. Apesar de bons resultados experimentais, em humanos, os benefícios são
questionáveis. Os raios laser de baixa energia e o ultrassom também têm sido considerados facilitadores
da cicatrização em modelos experimentais.

3 NEOPLASIAS

3.1 Conceitos, classificação, nomenclaturas

Câncer é um nome genérico que designa um grupo de doenças que tem em comum a divisão
celular contínua e descontrolada e a capacidade de se disseminar e invadir outros órgãos. É uma doença
multifatorial que se desenvolve em diversas etapas levando a modificações progressivas no perfil
biológico da célula como alterações na sua capacidade celular de proliferação, diferenciação, inibição
por contato, sobrevida e interação com o meio ambiente.

Carcinogênse ou oncogênese são os termos utilizados para designar o processo de desenvolvimento


de uma neoplasia. Esse processo se inicia anos antes da doença se estabelecer, com mutações no DNA
que levam à ativação ou inativação de genes que coordenam funções essenciais da célula como a
proliferação, diferenciação, apoptose e estabilidade genômica, agressão ao genoma ou ainda expressão
alterada de genes funcionais. É um processo dinâmico, que evolui em múltiplas etapas com modificações
progressivas no perfil biológico da célula levando à perda progressiva da homeostasia e ao aparecimento
do fenótipo maligno.

O desenvolvimento neoplásico resulta da confluência de múltiplos fatores, sendo a maioria das


neoplasias humanas relacionadas a fatores ambientais como agentes físicos, químicos e biológicos.
Os agentes carcinogênicos podem ser classificados em três grupos de fatores presentes em grande
quantidade em nossa vida moderna:

• Agentes químicos: conservantes, agrotóxicos, hormônios, metais, aminas aromáticas, hidrocarbonetos


policíclicos aromáticos, aflotoxinas.

• Agentes físicos: raios UV, radiação ionizante (raios X e gama).

• Agentes biológicos: HPV, vírus Epstein-Barr, Helicobacter pylori.

76
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Esses agentes são capazes de induzir agressão ao genoma, causando mutações que conferem uma
vantagem proliferativa e de escape aos mecanismos de morte celular e consequentemente levam ao
desenvolvimento neoplásico.

Observação

Neoplasia significa novo crescimento.

O termo tumor é relativo a aumento de volume, mas é usado como


sinônimo de neoplasia.

Oncologia (do grego oncos) é o estudo dos tumores ou neoplasias.

As neoplasias é uma massa anormal de tecido cujo crescimento é excessivo e não coordenado em
comparação ao tecido normal e que persiste no mesmo padrão excessivo mesmo depois de cessado o
estímulo que provocou a alteração. Hoje sabemos que o crescimento desordenado que persiste mesmo
depois de cessado o estímulo é resultado de alterações genéticas que são transmitidas para as células-
filhas e se tornam autônomas.

Observação

Os componentes do tumor são células neoplásicas e parênquima que


determinam o seu comportamento e suas consequências patológicas,
mas o crescimento e a evolução do tumor são criticamente dependentes
do estroma.

Os cânceres diferem de acordo com o tipo celular de onde foram originados, sendo chamados
de carcinoma para os tumores que se originam de tecido epitelial; sarcoma para os que se
originam de osso, músculo, tecido conjuntivo, sistema nervoso; e leucemias para as células do
sistema hematopoiético.

Observação

A história natural dos tumores malignos apresentam quatro fases:


transformação induzida por uma alteração genética e/ou uma infecção
viral, crescimento da célula transformada, invasão local e formação de
metástases a distância.

77
Unidade I

Quadro 3 – Comparação com as principais características


das neoplasias benignas e malignas

Características Neoplasias benignas Neoplasias malignas


Crescimento Expansivo, compressivo Infiltrativo, destrutivo
Limites Nítidos Imprecisos
Velocidade de crescimento Lento Rápido
Diferenciação celular Diferenciada Indiferenciada
Núcleo Pequeno e poucas mitoses Aberrante, mitoses típicas
Evolução Pode estacionar ou regredir Geralmente progressivo
Ulcerações Pouco frequentes Constantes
Metástases Ausentes Frequentes
Recidivas Quase sempre ausentes Frequentes
Anemia, caquexia Quase sempre ausentes Frequentes
Necroses, hemorragias Escassas e ausentes Frequentes

3.2 Estudo das principais neoplasias

3.2.1 Prevalência de câncer no mundo

O câncer representa a segunda causa de morte no mundo, ficando atrás apenas das doenças
cardiovasculares. São mais de cem tipos de doenças diferentes com inúmeras causas, desde fatores
herdados e adquiridos associados a fatores ambientais e intrínsecos do hospedeiro.

Se a ocorrência do câncer é algo mundial, o mesmo não se pode afirmar em relação à morte por
esse tipo de patologia. A maioria dos óbitos por câncer ocorrem em países de baixa e média renda. Falta
de rastreamento, acesso aos exames de prevenção, diagnóstico tardio e tratamentos caros, demorados
e muitas vezes inacessíveis à população de baixa renda são os principais fatores que levam ao óbito.
Apesar do caráter multifatorial e da extensa lista de fatores de risco e desencadeantes do câncer, boa
parte dos casos está relacionada ao estilo de vida e à alimentação – sedentarismo e falta de atividade
física, altos índices de massa corpórea, baixo consumo de frutas e legumes e alto consumo de produtos
industrializados além do uso de álcool e tabaco.

Depois do tabagismo, a segunda causa mais evitável do câncer são as infecções crônicas, que
também são fatores de risco para a doença e têm um maior impacto em países de baixa renda.
Aproximadamente 15% de todos os cânceres diagnosticados são atribuídos a infecções persistentes e
não tratadas, entre elas, os vírus oncogênicos têm um papel de destaque: o HPV é o agente etiológico
e causa necessária para a ocorrência do câncer de colo uterino (SILBERNAGL; LANG, 2016, p. 45).
Também estão relacionados à carcinogênese dos tumores de cabeça e pescoço, ânus, pênis e vagina.
O vírus Epstein-Barr é o mais potente indutor de transformação maligna e crescimento celular
descontrolado, sendo capaz de imortalizar linfócitos B humanos. Está relacionado principalmente
com o linfoma de Burkitt.

78
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

A infecção pelos vírus da hepatite B e da hepatite C são os fatores principais para a ocorrência de
câncer de fígado e representa um grande problema de saúde pública pelo alto número de pacientes
no mundo portadores do vírus da hepatite C. Além desses vírus, a infecção persistente pela bactéria
Helicobacter pylori, associada a baixos índices ou ausência de saneamento básico, está envolvida na
carcinogênese de aparelho digestivo, principalmente esôfago e estômago, seus números crescentes no
Brasil têm sido motivo de grande preocupação.

O câncer de pele não melanoma será o mais frequente em ambos os sexos, correspondendo a
aproximadamente 170 mil novos casos. Os outros tipos de câncer corresponderão a 420 mil casos novos,
sendo os tumores mais frequentes os de próstata, pulmão, mama feminina e cólon e reto. São esperadas
ainda altas taxas para os cânceres do colo do útero, estômago e esôfago (SILBERNAGL; LANG, 2016, p. 51).

3.2.2 Câncer de mama

O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais presente no mundo e o mais frequente entre
as mulheres. São esperados 59.700 novos casos para 2019. A região Sudeste é a mais incidental, com
69 casos a cada 100 mil mulheres. As altas incidências nas regiões Sul e Sudeste não representam
exatamente a frequência do tumor, e sim um maior acesso a saúde, exames preventivos e diagnósticos
mais precisos. Apesar do grande número de mulheres acometidas com essa neoplasia, é um tipo tumoral
de bom prognóstico diretamente associado ao estadiamento clínico (SILBERNAGL; LANG, 2016, p. 55).

A mortalidade se associa aos casos de diagnóstico tardio, cirurgias imprecisas e falta de acesso aos
quimioterápicos de última geração. A sobrevida média em cinco anos ultrapassa a marca dos 60% e, em
muitos casos, já se usa o termo cura para mulheres há dez anos sem tumor detectável (SILBERNAGL;
LANG, 2016, p. 61). Os fatores de risco estão diretamente associados à vida reprodutiva da mulher
como menarca precoce e menopausa tardia e idade da primeira gestação acima dos 30 anos. O uso de
contraceptivos orais e terapia de reposição hormonal durante a menopausa também aumentam o risco
do desenvolvimento do câncer. Existem ainda fatores hereditários como mutações nos genes BRCA1
BRCA2, além das mutações em TP53.

As estratégias de prevenção usadas são as campanhas de autoexame, exame clínico e ultrassom anual
das mamas para mulheres a partir dos 30 anos e mamografia anual para mulheres a partir dos 50 anos.
Para mulheres com história familiar de câncer de mama em parentes de primeiro grau, recomenda‑se o
exame clínico da mama e a mamografia, anualmente, a partir de 35 anos.

3.2.3 Câncer de próstata

O câncer de próstata é o sexto tipo de câncer mais frequente no mundo e o mais frequente
entre os homens. São esperados 68.220 novos casos para 2019, 66 novos casos a cada 100 mil
homens. É mais frequente a partir da sexta década de vida. A mortalidade dos pacientes com
essa neoplasia é relativamente baixa e a sobrevida em cinco anos fica em torno de 60%. O maior
problema associado a esse tumor são as altas incidências e morbidades associadas, como cistite,
incontinência urinária e disfunção erétil (SILBERNAGL; LANG, 2016, p. 77).

79
Unidade I

Embora o rastreamento desse tumor seja geralmente realizado com o teste sério de antígeno
prostático específico (PSA), esse teste não é eficiente para diminuir a mortalidade. O aumento do
PSA é inespecífico e ocorre em diversas lesões benignas e inflamatórias da próstata, levando a
cirurgias desnecessárias e causando prejuízo na qualidade de vida. No câncer, seu aumento pode
ocorrer em estágios mais avançados da doença com alta chance de mortalidade e de morbidades.
O exame mais indicado é o de toque retal anual para homens a partir dos 40 anos. Os principais
fatores de risco são obesidade associada a um fator de risco para a mortalidade por câncer de
próstata, dieta à base de gordura animal, carne vermelha e cálcio também têm sido relacionados
com a maior incidência de câncer. Dieta rica em vegetais, selênio, vitaminas D e E e ômega-3 têm
indicado proteção contra o desenvolvimento dessa neoplasia.

3.2.4 Câncer de estômago

O câncer de estômago é a quarta causa de mortalidade no mundo e a segunda em óbitos por


câncer. São esperados para 2019, 13.540 novos casos em homens e 7.750 novos casos em mulheres,
sendo 13 casos novos a cada 100 mil homens e 7 para cada 100 mil mulheres. Possui alta mortalidade,
duas a três vezes maior em países em desenvolvimento. A sobrevida em cinco anos é muito baixa e
não ultrapassa os 20% em todo o mundo, sendo ainda menor em países com fraca cobertura de saúde.
No Japão, a sobrevida atualmente chega à casa dos 60% por conta de programas de rastreamento
populacional para câncer de estômago e diagnóstico precoce (SILBERNAGL; LANG, 2016, p. 81).

Sua causa é multivariada, porém os componentes de risco conhecidos podem ser de origem
infecciosa, como a infecção gástrica pelo Helicobacter pylori e pelo vírus Epstein-Barr. Fatores
não infecciosos como idade avançada, dieta pobre em produtos de origem vegetal e rica em sal,
consumo excessivo de alimentos com conservantes, tabagismo e associação com doenças como
gastrite crônica atrófica, metaplasia intestinal da mucosa gástrica, anemia perniciosa, pólipo
adenomatoso do estômago, gastrite hipertrófica e história familiar da doença também estão
relacionados com o seu desenvolvimento.

A prevenção do câncer de estômago está associada a melhorias no saneamento básico, mudanças


no estilo de vida da população, maior ingestão de frutas, legumes e verduras, redução do uso do sal,
melhores métodos de conservação alimentar, não uso do tabaco e manutenção do peso corporal.

3.2.5 Câncer de cólon e reto

O câncer de cólon e reto é a terceira causa de câncer em todo o mundo e em ambos os sexos.
São esperados para 2019 17.380 novos casos em homens e 18.980 novos casos em mulheres, sendo
17 casos novos a cada 100 mil homens e 18 para cada 100 mil mulheres. Possui baixa mortalidade, mas
alta morbidade. A sobrevida em cinco anos fica em torno de 50%. O diagnóstico é feito por endoscopia
e pesquisa de sangue oculto nas fezes. Os principais fatores de risco são história familiar de câncer
de cólon e reto, predisposição genética ao desenvolvimento de doenças crônicas do intestino como
as poliposes e adenomatosas. Dieta com base em gorduras animais, baixa ingestão de frutas, vegetais
e cereais, consumo excessivo de álcool e o tabagismo são os fatores ambientais mais importantes
associados a esse tumor (SILBERNAGL; LANG, 2016, p. 92).
80
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

3.3 Bases moleculares e genéticas na carcinogênese

Todo câncer será genético mesmo quando não possuir componente hereditário associado ao seu
desenvolvimento. Isso porque todo tumor ocorrerá pelo acúmulo de mutações em genes cruciais que
regulam atividades normais e essenciais. Os principais genes mutados, que levarão à ocorrência do
câncer, são aqueles que darão ao tumor alguma vantagem proliferativa ou de escape do sistema imune
e das vias de morte celular. Outros genes causarão o tumor de forma indireta, como as mutações em
genes de reparo de DNA que levarão ao processo tumoral pela facilitação da ocorrência de muitas outras
mutações. São dois grupos: oncogenes e genes supressores tumorais.

Essas alterações adquiridas em oncogenes e/ou genes supressores de tumores podem resultar de
fatores como a exposição a produtos químicos cancerígenos, por exemplo, os encontrados no tabaco e
nos diversos alimentos que consumimos, mas, muitas vezes, essas alterações são desconhecidas. Muitas
mutações genéticas provavelmente são apenas eventos aleatórios que acontecem dentro de uma célula
durante a sua replicação e sem uma causa externa.

A obesidade, outro fator de risco comum a muitos tipos de câncer, é responsável por alterar a
homeostasia hormonal mudando a taxa de crescimento (normal e anormal) dos diferentes tecidos
do corpo.

3.4 Tipos de tratamentos em câncer

Os principais tipos de tratamento em câncer são a radioterapia e a quimioterapia, além das cirurgias.
A radioterapia é um processo que consiste na utilização de radiações ionizantes para destruir as células
tumorais. A radiação destrói preferencialmente as células que se dividem rapidamente, como é o caso
das células tumorais. No entanto, ela irá afetar também os tecidos normais, especialmente aqueles
cujas células também se reproduzem rapidamente, como pele, folículos capilares, revestimento dos
intestinos e medula óssea. Os principais efeitos colaterais da radioterapia são vermelhidão na área
irradiada, diarreia, boca seca, cansaço e perda de apetite. Pode ainda causar inflamação da área irradiada
causando consequências fisiológicas ao órgão afetado.

A quimioterapia é um tratamento sistêmico e o método de tratamento primário para a


maioria das neoplasias. O objetivo do tratamento quimioterápico é impedir que as células
tumorais se multipliquem, invadam outras estruturas e se metastatizem. O grupo farmacológico
dos quimioterápicos incluem vários agentes que atuam por mecanismos complexos, através de
interações destes com diversas moléculas que controlam a divisão e o desenvolvimento das células,
como o DNA, o ácido ribonucleico (RNA) e as proteínas. Esses agentes não destroem diretamente as
células tumorais, porém impedem e/ou diminuem a habilidade de replicação do DNA, não possuem
ação seletiva sobre os tecidos neoplásicos e apresentam efeitos maléficos também aos tecidos
normais. O efeito dos quimioterápicos depende da ação citotóxica, afetando indistintamente tanto
as células normais quanto as alteradas, principalmente aquelas que têm alta taxa de replicação,
como as células da medula óssea, mucosas e epitélio.

81
Unidade I

O primeiro quimioterápico foi desenvolvido a partir do gás mostarda usado nas duas guerras
mundiais como arma química. Após a exposição de soldados a esse agente, observou-se que eles
desenvolveram hipoplasia medular e linfoide, o que levou ao seu uso no tratamento dos linfomas
malignos. Mas foi apenas nas décadas de 1960 e 1970 que se iniciou a era da quimioterapia, com o
conhecimento mais robusto da cinética celular e da ação farmacológica desses compostos. Eles podem
ser classificados de forma ampla em três grupos:

• Ciclo-inespecíficos: atuam nas células que estão ou não no ciclo proliferativo, como, por
exemplo, a mostarda nitrogenada.

• Ciclo-específicos: atuam somente nas células que se encontram em proliferação, como é o caso
da ciclofosfamida.

• Fase-específicos: atuam em determinadas fases do ciclo celular.

Os quimioterápicos são ainda classificados de acordo com o seu mecanismo de ação em agentes
alquilantes, antimetabólitos, antibióticos citotóxicos, enzimas e hormônios. Temos ainda as drogas
com alvos moleculares específicos, como inibidores de vias de sinalização e anticorpos monoclonais.
A cirurgia é um tratamento local visando à remoção do tumor. Pode ser:

• Curativa: remoção do tumor primário com margem de segurança. Por exemplo: retirada do melanoma.

• Paliativa: visa reduzir o tumor, retardar a evolução da doença ou controlar sintomas e complicações,
mas quando é impossível alcançar a cura. Por exemplo: metástase.

• Reconstrutiva: reconstrução e/ou restauração de aparência ou função. Por exemplo, câncer de


mama na mastectomia.

A quimioterapia e a radioterapia podem ser feitas antes da cirurgia (neoadjuvante) para reduzir
o tamanho do tumor e assim realizar uma cirurgia mais conservadora ou com melhores margens de
segurança, ou após a remoção cirúrgica (adjuvante) para eliminar células neoplásicas do leito tumoral.
Os pacientes em tratamento devem ser avaliados para verificar a resposta à terapia.

• Cura: pode ser definida como a remissão completa, na qual desaparece toda evidência de câncer
(resposta completa).

• Sobrevida: livre da doença, compreende o intervalo entre o desaparecimento completo do câncer


e seu reaparecimento posterior.

• Sobrevida global: compreende o intervalo entre a resposta completa até o momento da morte
do paciente pelo tumor.

82
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

3.5 Marcadores tumorais e desenvolvimento de terapias-alvo

Os marcadores tumorais, também chamados de marcadores biológicos, são macromoléculas


proteicas incluindo antígenos de superfície, enzimas, proteínas citoplasmáticas e hormônios presentes
no tumor, no sangue ou em líquidos corpóreos/biológicos cujo aparecimento e/ou alterações em
sua concentração estão relacionados à gênese e ao crescimento de células neoplásicas. Podem ser
produzidos pelo tumor ou pelo hospedeiro em resposta à presença do câncer. Eles devem ser avaliados
em conjunto com outros exames uma vez que nenhum marcador é totalmente específico para um
determinado tumor.

4 FISIOPATOLOGIA DOS SISTEMAS

4.1 Sistema respiratório

Os pulmões são engenhosamente construídos para executarem sua principal função: a troca de
gases entre o ar inspirado e o sangue. De forma mais detalhada, o ar entra no organismo através
da inspiração, passa através das vias respiratórias, trocando o oxigênio por dióxido de carbono
em nível tecidual, e o expele ao ser exalado no processo conhecido por expiração. As vias aéreas
superiores, formadas pelo nariz, boca, faringe e laringe, promovem a passagem do ar para os pulmões.
É responsável pelo aquecimento, umidificação e filtragem do ar, protegendo as vias aéreas inferiores
de corpos e organismos estranhos.

As vias aéreas inferiores consistem em traqueia, brônquios, bronquíolos e funcionam apenas como
local de passagem do ar para dentro e respectivamente para fora dos pulmões. O pulmão de um indivíduo
adulto possui cerca de 300 milhões de alvéolos, cada um suprido por inúmeros capilares. A seguir,
faremos um breve relato abordando os principais aspectos de cada uma das doenças.

4.1.1 Asbestose

Considerada uma forma de pneumoconiose, a asbestose é caracterizada por um quadro de fibrose


pulmonar intersticial difusa por exposição prolongada a fibras de asbesto, que acabam por se depositar
e formar placas pleurais e tumores de pleura e peritônio. O aparecimento dos sinais e sintomas típicos
da asbestose podem surgir após 20 anos da exposição regular ao composto tóxico, portanto entende-se
que o asbesto é um potente co-carcinógeno e aumenta de forma significativa o aparecimento de câncer
de pulmão, ainda mais em pacientes tabagistas

A asbestose inicia-se quando os espaços pulmonares são preenchidos por fibras de asbesto, elas são
transportadas pelas vias aéreas penetrando os bronquíolos e os alvéolos. A tosse é um reflexo importante,
pois, nesse momento, tem a função de expelir o material estranho, a produção de muco também ocorre
a fim de melhor proteger as vias aéreas. A irritação crônica determinada pela permanência das fibras de
asbestos nos bronquíolos continua a afetá-lo, e a inflamação por fim causada pelo corpo estranho acaba
por provocar edema das vias aéreas.

83
Unidade I

Entre os principais sinais e sintomas da asbestose, podemos citar a dispneia frente aos esforços
como resultado gerado pelo estreitamento das vias aéreas e produção de muco, tosse grave e
não produtiva em indivíduos não tabagistas e produtiva em tabagistas, dor torácica e diminuição
da capacidade vital em razão das dificuldades em inspirar e expirar o ar para dentro e fora dos
pulmões respectivamente.

4.1.2 Asma

A asma ocorre devido a um estreitamento das vias aéreas, pois a hiper-reatividade a determinados
estímulos produz inflamação. O estreitamento das vias aéreas é reversível. Atualmente, a asma afeta
cerca de 10 milhões de norte-americanos e sua frequência vem aumentando também na população
brasileira. Esse distúrbio também parece estar se tornando mais grave, exigindo a hospitalização de um
maior número de indivíduos.

Em um indivíduo com asma, as vias aéreas estreitam em resposta a estímulos que não afetam as vias
aéreas de pulmões normais. O estreitamento pode ser desencadeado por muitos estímulos como, por
exemplo, pólen, ácaros da poeira, resíduos da descamação animal, fumaça, ar frio e prática de exercícios.
Em uma crise de asma, ocorre um espasmo dos músculos lisos dos brônquios, os tecidos que revestem
as vias aéreas inflamam e secretam muco para o interior dessas vias.

Essas alterações diminuem o diâmetro das vias aéreas (condição denominada broncoconstrição)
e obrigam o paciente a realizar um maior esforço para que o ar entre e saia dos pulmões. Acredita‑se
que certas células nas vias aéreas, particularmente os mastócitos, sejam responsáveis pelo início do
estreitamento. Os mastócitos, localizados ao longo dos brônquios, liberam substâncias como a
histamina, e os leucotrienos, que promovem a contração da musculatura lisa, o aumento da secreção
e propagam a migração de determinados leucócitos para a área.

Os mastócitos são estimulados a liberar essas substâncias em resposta a algo que elas reconhecem
como estranho (um alérgeno), como pólen, ácaros da poeira ou pelos de animais. No entanto, a asma
também é comum e grave em muitos indivíduos que não apresentam alergias definidas. Quando
um indivíduo asmático exercita-se ou respira um ar muito frio, ocorre uma reação semelhante.
O estresse e a ansiedade também podem estimular os mastócitos a liberarem histamina
e leucotrienos. Os eosinófilos, outro tipo de célula encontrada nas vias aéreas de indivíduos
asmáticos, liberam substâncias adicionais, incluindo os leucotrienos e outras substâncias e, dessa
forma, contribuem para o estreitamento das vias aéreas.

As crises de asma variam em frequência e gravidade. Alguns indivíduos não apresentam sintomas na
maior parte do tempo, manifestando apenas crises de dificuldade respiratória leves, de curta duração
e ocasionais. Outros indivíduos apresentam tosse e sibilos na maior parte do tempo e, além disso,
apresentam crises graves após infecções virais, exercícios ou exposição a alérgenos ou irritantes. O choro
ou o riso forte também podem desencadear os sintomas. Uma crise de asma pode ter início súbito com
o indivíduo apresentando sibilos, tosse e dificuldade respiratória.

84
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

O sibilo é particularmente perceptível durante a expiração. Em outras ocasiões, a crise de asma


pode iniciar-se lentamente, os sintomas podem evoluir de modo gradual. Em ambos os casos, os
indivíduos asmáticos geralmente apresentam primeiramente dificuldade respiratória, tosse ou
opressão no peito. A crise pode cessar em minutos ou pode durar horas ou dias. O prurido na região
torácica ou no pescoço pode ser um sintoma precoce, especialmente nas crianças. Uma tosse seca
noturna ou durante a realização de exercícios às vezes é o único sintoma.

Durante uma crise de asma, a dificuldade respiratória pode ser grave, causando ansiedade.
Instintivamente, o indivíduo senta-se e inclina-se para frente, utilizando os músculos torácicos e do
pescoço para auxiliar na respiração. No entanto, ele ainda continua a sentir falta de ar. A sudorese é uma
reação comum ao esforço e à ansiedade. Em uma crise muito grave, o indivíduo consegue pronunciar
somente algumas palavras entre os esforços para respirar. Entretanto, os sibilos podem diminuir por
causa da escassez de ar que entra e sai dos pulmões.

A confusão mental, a letargia e a pele azulada (cianose) são sinais indicativos de que o aporte de
oxigênio está gravemente comprometido e de que é necessário instituir um tratamento de emergência.
Normalmente, o paciente recupera-se completamente, mesmo de uma crise asmática grave. Raramente,
ocorre a ruptura de alguns alvéolos, permitindo o acúmulo de ar no espaço pleural (espaço entre as
membranas que revestem os pulmões) ou em torno dos órgãos torácicos. Essas complicações agravam
a dificuldade respiratória.

Durante uma crise de asma, a camada de músculo liso contrai, estreitando a via respiratória. A mucosa
inflama e aumenta a produção de muco, o que estreita ainda mais a via aérea. O médico suspeita de
asma baseando-se principalmente nos sintomas característicos descritos pelo paciente. O diagnóstico
da asma pode ser confirmado quando as provas repetidas de espirometria, realizadas ao longo de várias
horas ou dias, revelam que o estreitamento das vias aéreas diminuiu e, portanto, é reversível. Se as vias
aéreas não estiveram estreitadas durante a primeira prova, o médico pode confirmar o diagnóstico
através da realização de uma segunda prova, na qual o paciente inala broncoconstritores em aerossol,
em doses suficientemente baixas que não afetem um indivíduo normal. Se ocorrer estreitamento das
vias aéreas do paciente após a inalação, o diagnóstico da asma é confirmado.

A espirometria também é utilizada para avaliar a gravidade da obstrução das vias aéreas e para monitorizar
o tratamento. O fluxo expiratório máximo (a velocidade máxima com que o ar é expirado) pode ser medido
com o auxílio de um medidor de fluxo máximo portátil. Esse teste é utilizado para a monitorização domiciliar
da gravidade. Geralmente, as velocidades do fluxo máximo são menores entre 4 e 6 horas da manhã e
maiores às 4 horas da tarde. No entanto, considera-se que uma diferença entre as velocidades mensuradas
nesses horários, superiores a 15-20%, é uma evidência de asma, de moderada a grave. Frequentemente, a
determinação da causa desencadeante de uma crise de asma é difícil.

Um dos tratamentos mais comuns e eficazes contra a asma é a inalação de um agonista dos receptores
beta-adrenérgicos. Os indivíduos que apresentam dificuldade para utilizar um inalador podem usar aparelhos
espaçadores ou câmaras de contenção. Para qualquer tipo de inalador, é fundamental que seja utilizada uma
técnica adequada. Se o aparelho não for utilizado de forma apropriada, o medicamento não atingirá as vias
aéreas. O uso excessivo de inaladores sugere que o indivíduo apresenta uma asma potencialmente letal.
85
Unidade I

4.1.3 Bronquite aguda e crônica

A bronquite crônica é a inflamação dos brônquios causada geralmente por irritantes ou por
uma infecção. A bronquite, uma forma de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), pode ser
classificada como aguda ou crônica. Pode apresentar uma cura completa. Entretanto, pode ser grave
nos indivíduos com doenças cardíacas ou pulmonares crônicas e nos idosos. Pode ser causada
por vírus, bactérias e especialmente por microrganismos semelhantes às bactérias, como o
Mycoplasma pneumoniae e a Chlamydia. Os tabagistas e os indivíduos que apresentam doenças
crônicas pulmonares ou das vias aéreas, que interferem na eliminação de partículas inspiradas
dos brônquios, podem ter crises repetidas.

As infecções recorrentes podem advir da sinusite crônica, de alergias e, nas crianças, da inflamação
das tonsilas (amígdalas) e das adenoides. A bronquite irritativa pode ser causada por diversos tipos de
pós, vapores de ácidos fortes, amônia, alguns solventes orgânicos, cloro, sulfeto de hidrogênio, dióxido
de enxofre e brometo, poluentes aéreos como o ozônio e o dióxido de nitrogênio, a fumaça de tabaco
e outras fumaças.

A bronquite crônica ocorre após a inalação de irritantes por período de tempo considerado
prolongado, tais substâncias promovem a inflamação da árvore traqueobrônquica, levando a um
aumento significativo da produção de muco e ao estreitamento ou bloqueio da via aérea. A bronquite
crônica resulta em hipertrofia e hiperplasia das glândulas mucosas, aumento de células em taça, lesão
ciliar, metaplasia escamosa do epitélio colunar e infiltrações crônicas de leucócitos e linfócitos na
parede brônquica.

Frequentemente, a bronquite infecciosa começa com os sintomas de um resfriado comum: coriza,


cansaço, calafrios, dor nas costas e dores musculares, febre discreta e dor de garganta. Geralmente, o
início da tosse indica o começo da bronquite. Inicialmente, a tosse é seca e pode permanecer assim. No
entanto, após um ou dois dias, o indivíduo frequentemente começa a expectorar pequenas quantidades
de escarro esbranquiçado ou amarelado. Posteriormente, ele começa a expectorar uma quantidade
muito maior de escarro, com uma coloração amarelada ou esverdeada.

O indivíduo com bronquite grave pode apresentar febre alta durante três a cinco dias e, após esse
período, ele começa a apresentar melhora da maioria dos sintomas. Entretanto, a tosse pode persistir por
várias semanas. Quando há obstrução das vias aéreas, o indivíduo pode apresentar dispneia (dificuldade
respiratória). A presença de sibilos é comum, especialmente após a tosse. O paciente pode desenvolver
uma pneumonia. Em geral, o diagnóstico de bronquite é baseado nos sintomas, principalmente nas
características do escarro expectorado através da tosse. Se houver persistência dos sintomas, pode ser
necessária a realização de uma radiografia torácica para assegurar que o indivíduo não evoluiu para
uma pneumonia.

Os adultos podem utilizar aspirina ou acetaminofeno para reduzir a febre e o mal-estar provocado
pela doença, mas as crianças devem utilizar apenas o acetaminofeno. O repouso e a ingestão de
bastante líquido são úteis. Os antibióticos são prescritos para os indivíduos com sintomas que
sugerem que a sua bronquite é devida a uma infecção bacteriana (como aquelas cuja expectoração
86
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

é amarelada ou esverdeada ou que apresentam uma febre alta persistente) e para aqueles com uma
doença pulmonar preexistente.

Para os adultos, podem ser prescritos o trimetoprim-sulfametoxazol, uma tetraciclina ou uma


ampicilina. Frequentemente, quando existe a suspeita de uma infecção causada pelo Mycoplasma
pneumoniae, é administrada a eritromicina. Para as crianças, a escolha habitual é a amoxicilina.
No entanto, os antibióticos não são úteis quando a infecção é de origem viral. A cultura de escarro
pode indicar a necessidade de um outro tipo de antibiótico quando ocorrer persistência ou recidiva dos
sintomas, ou quando a bronquite for muito grave.

4.1.4 Derrame pleural

O derrame pleural é uma manifestação comum de doenças pleurais primárias e secundárias, que
podem ser inflamatórias ou não inflamatórias. Normalmente, no máximo 15 mL de um líquido seroso,
relativamente acelular e transparente, lubrificam a superfície pleural. Ocorre frequentemente associado
ao aumento da pressão hidrostática, como na insuficiência cardíaca congestiva por aumento da
permeabilidade vascular, na pneumonia pela diminuição da pressão osmótica, na síndrome nefrótica
também ocorre relacionada ao aumento da pressão negativa intrapleural, na atelectasia e pela diminuição
da drenagem linfática, na carcinomatose mediastinal.

O derrame pleural é caracterizado pelo acúmulo de líquido em excesso entre as pleuras e constitui
uma manifestação comum de comprometimento pleural tanto primário quanto secundário. Não é uma
doença, mas sim a manifestação de outras doenças. Se não tratado adequadamente, essa patologia
pode levar o paciente à dispneia (falta grave de ar) e até a morte.

Normalmente, somente uma pequena quantidade de líquido separa as duas membranas da pleura.
Pode ocorrer o acúmulo de uma quantidade excessiva de líquido por muitas razões, incluindo a
insuficiência cardíaca, a cirrose hepática e a pneumonia. Outros tipos de líquido que podem se acumular
no espaço pleural incluem sangue, pus, líquido leitoso e líquido rico em colesterol.

O sangue no espaço pleural (hemotórax) geralmente é decorrente de uma lesão torácica. Raramente,
um vaso sanguíneo rompe-se e drena para o interior do espaço pleural, ou uma dilatação de uma porção
da aorta (aneurisma da aorta) drena sangue para o interior do espaço pleural. O sangramento também
pode ser causado por um distúrbio da coagulação sanguínea. Como o sangue no espaço pleural não
coagula completamente, é relativamente fácil para o médico removê-lo com o auxílio de uma agulha
ou de um tubo torácico.

O pus no espaço pleural (empiema) pode acumular- se quando a pneumonia ou um abcesso pulmonar
alastra-se até o interior do espaço pleural. O empiema pode complicar uma pneumonia, uma infecção
de ferimentos torácicos, uma cirurgia torácica, uma ruptura esofágica ou um abcesso abdominal.
O líquido leitoso no espaço pleural (quilotórax) é resultado de uma lesão no ducto linfático principal do
tórax (ducto torácico) ou de uma obstrução nele por um tumor. O líquido rico em colesterol no espaço
pleural é decorrente de um derrame pleural de longa evolução, como o causado pela tuberculose ou
pela artrite reumatoide.

87
Unidade I

Os sintomas mais comuns, independentemente do tipo de líquido presente no espaço pleural


ou de sua causa, são a dificuldade respiratória e a dor torácica. No entanto, muitos indivíduos com
derrame pleural não apresentam qualquer sintoma. Uma radiografia torácica mostra a presença de
líquido. A tomografia computadorizada mostra mais nitidamente o pulmão e o líquido, e pode revelar
a presença de uma pneumonia, de um abcesso pulmonar ou de tumor. A ultrassonografia pode ajudar
o médico a localizar um pequeno acúmulo de líquido com o objetivo de realizar a sua drenagem.

Quase sempre é realizada a coleta de uma amostra do líquido para exame (com o auxílio de uma
agulha – toracocentese). O aspecto do líquido pode auxiliar o médico na determinação da causa.
O médico remove uma amostra da pleura parietal para enviá-la para exame. Se a amostra obtida for
pequena demais e não permitir um diagnóstico preciso, deve ser realizada uma biópsia pleural aberta
(retirada uma amostra de tecido através de uma pequena incisão na parede torácica).

Para o tratamento, inicia-se a retirada do líquido (drenagem), o que permite a remoção de até 1,5 litro
de líquido de cada vez. A tuberculose ou a coccidioidomicose exige um tratamento com antibióticos
mais prolongado. Se o pus for muito espesso ou se ele se formar no interior de compartimentos fibrosos,
a drenagem será mais difícil e pode ser necessária a remoção de parte de uma costela para a colocação
de um tubo de drenagem maior.

Nas situações de derrame pleural ocasionadas pela presença de tumores pleurais, existe uma
tendência de o líquido voltar a acumular-se rapidamente. Em alguns casos, a drenagem do líquido e a
administração de drogas antitumorais impedem a ocorrência de novos acúmulos de líquido. No entanto,
se o líquido continuar a acumular, pode ser útil vedar o espaço pleural. Todo o líquido é drenado
através de um tubo, que é então utilizado para a administração de um irritante pleural, como o talco
ou uma solução de doxiciclina. Os medicamentos que ajudam a degradar os coágulos sanguíneos,
como a estreptocinase e a estreptodornase, podem ser administrados através do tubo de drenagem.
Se o sangramento continuar ou o derrame não puder ser removido adequadamente com um tubo, pode
ser necessária a realização de uma cirurgia.

4.1.5 Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)

É uma doença crônica, progressiva e irreversível que acomete os pulmões e tem como principais
características a destruição de muitos alvéolos e o comprometimento dos restantes. Ocorre com mais
frequência em homens com idade mais avançada, pessoas que tiveram tuberculose também podem
desenvolver a doença. Os principais sintomas dos pacientes são a limitação do fluxo aéreo (entrada e
saída do ar), principalmente na fase expiratória, a dispneia (falta de ar), a hiperinsulflação dinâmica, que
leva ao encurtamento das fibras musculares do diafragma, fadiga muscular, insuficiência respiratória,
entre outros.

Os principais fatores desencadeadores da DPOC (enfisema e bronquite crônica) estão relacionados


principalmente ao tabagismo, seguido de exposição passiva ao fumo (pessoa que vive junto com o
fumante), exposição à poeira por vários anos, poluição ambiental e até fatores genéticos nos casos que
se comprova a deficiência de enzimas relacionadas à destruição do parênquima pulmonar (estruturas
dos pulmões).
88
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Na DPOC, rolhas de muco se formam provocando o estreitamento das vias aéreas, as quais
aprisionam o ar. Durante a inspiração, as vias aéreas se alargam para a entrada do ar, na expiração,
as vias aéreas sofrem estreitamento e o ar não consegue sair. Em geral, isso ocorre na asma e na
bronquite crônica. As causas mais comuns de DPOC podem incluir tabagismo, infecções reincidentes ou
crônicas do trato respiratório, poluição do ar, alergias e fatores familiares, sob ponto de vista da herança
genética, como, por exemplo, pela deficiência de alfa 1-antitripsina.

Na DPOC, os sinais e sintomas podem incluir a redução da capacidade de realizar exercícios físicos,
tosse produtiva, dispneia aos mínimos esforços, infecções frequentes do trato respiratório, hipoxemia
e testes de função pulmonar com resultados bastante alterados. As complicações das DPOC incluem
incapacidade opressivas e insuficiência respiratória grave e morte. O diagnóstico pode ser realizado por
testes de gasometria, radiografia de tórax, testes de função pulmonar e eletrocardiograma, a fim de
mostrar arritmias compatíveis com hipoxemia.

4.1.6 Enfisema

Enfisema é uma DPOC caracterizada pela dilatação excessiva dos alvéolos pulmonares, o que
causa a perda de capacidade respiratória e uma oxigenação insuficiente. Geralmente é causado pela
exposição a produtos químicos tóxicos ou exposição prolongada ao fumo de tabaco. Habitualmente o
enfisema é causado por deficiência de alfa1-antitripsina e pelo tabagismo. A alfa1-antitripsina inibe a
ativação de várias enzimas proteolíticas, a deficiência dessa enzima favorece no indivíduo acometido
desenvolver o enfisema em função da inibição da proteólise no tecido pulmonar. Caracteriza-se pela
hipertrofia e hiperplasia das paredes das mucosas. É caracterizado pela perda da elasticidade do
tecido pulmonar, destruição das estruturas que suportam os alvéolos e destruição dos capilares que
nutrem os alvéolos.

O enfisema é classificado de acordo com sua distribuição anatômica no lóbulo. O lóbulo é um


agrupamento de ácinos, as unidades respiratórias terminais. Embora o termo enfisema algumas vezes
seja aplicado irrestritamente a diversas condições, existem quatro tipos principais: (1) centroacinar,
(2) pan-acinar, (3) parasseptal e (4) irregular. Destes, apenas os dois primeiros causam uma obstrução
clinicamente significativa do fluxo aéreo.

Os principais sintomas associam-se a falta de ar, hipoventilação e peito expandido, deformidades


nas unhas, decorrentes da hipóxia. As pessoas que sofrem de enfisema podem hiperventilar para manter
os níveis sanguíneos de oxigênio adequados, e a hiperventilação explica o porquê de os pacientes com
enfisema não aparentarem cianose. O diagnóstico é intimamente relacionado ao da DPOC, entretanto,
ao que se refere o enfisema, pode-se utilizar a oximetria de pulso, a gasometria arterial e os sinais e
sintomas relacionados à hipoxemia.

89
Unidade I

Alvéolo

Ácino normal

Bronquíolo Ducto
A) respiratório alveolar

C)
Alvéolo
B) Bronquíolo
respiratório Ducto
alveolar

Enfisema pan-acinar

Enfisema centroacinar

Figura 46 – Principais padrões de enfisema: A) estrutura normal no interior do ácino; B) enfisema


centroacinar com dilatação que afeta inicialmente os bronquíolos respiratórios; C) enfisema
pan-acinar com distensão inicial do alvéolo e do ducto alveolar

Lembrete

Em pacientes com enfisema, a inflamação pulmonar reincidente lesa


e algumas vezes destrói as paredes alveolares, criando grandes espaços
aéreos. Os alvéolos lesados não podem contrair-se normalmente, por
consequência, os bronquíolos colapsam na expiração aprisionando o ar nos
pulmões e causando distenção excessiva.

4.1.7 Fibrose cística

É uma doença hereditária que faz que determinadas glândulas produzam secreções anormais, acarretando
vários sintomas, entre os quais o mais importante afeta o trato digestivo e os pulmões. O gene controla a
produção de uma proteína que regula a transferência de cloreto de sódio (sal) através das membranas celulares.
Quando os dois genes são anormais, a transferência de cloreto de sódio é interrompida, acarretando desidratação
e aumento da viscosidade das secreções. Essa doença afeta praticamente todas as glândulas exócrinas (glândulas
que secretam líquidos no interior de um conduto).

90
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

A tosse, o sintoma mais perceptível, é frequentemente acompanhada por náusea, vômito e alteração
do sono. À medida que a doença evolui, o tórax assume uma forma de barril e a falta de oxigênio pode
acarretar dedos em baqueta de tambor e cianose. Pode ocorrer a formação de pólipos nasais e uma sinusite
com secreções espessas. Frequentemente, os adolescentes apresentam um retardo do crescimento e da
puberdade e uma diminuição da resistência física. As complicações em adultos e adolescentes são o
colapso pulmonar (pneumotórax), a expectoração de sangue e a insuficiência cardíaca.

A infecção também é um problema importante. A bronquite e a pneumonia recorrentes provocam


uma destruição gradual dos pulmões. Comumente, a morte é decorrente de uma combinação da
insuficiência respiratória e da insuficiência cardíaca causadas pela doença pulmonar subjacente. Cerca
de 2% a 3% dos indivíduos com fibrose cística apresentam diabetes insulinodependente, pois o pâncreas
cicatrizado é incapaz de produzir uma quantidade suficiente de insulina. A obstrução dos ductos biliares
por secreções espessas pode acarretar a inflamação do fígado e, finalmente, a cirrose hepática.

A cirrose pode aumentar a pressão no interior das veias que suprem o fígado (hipertensão portal),
acarretando dilatação das veias na região inferior do esôfago (varizes esofágicas). Essas veias anormais
podem romper e sangrar copiosamente. Os indivíduos com fibrose cística frequentemente apresentam
comprometimento da função reprodutiva. Entre os homens adultos, 98% não produzem espermatozoides
ou apresentam uma contagem baixa deles, devido ao desenvolvimento anormal do vaso deferente.
Nas mulheres, as secreções cervicais são muito espessas e causam diminuição da fertilidade.

4.1.8 Insuficiência respiratória aguda (IRA)

Quando os pulmões não conseguem manter, de forma adequada, a oxigenação arterial ou a


eliminação do dióxido de carbono, ocorre a insuficiência respiratória aguda (IRA), a qual pode ser
responsável por levar a hipóxia tissular. A IRA configura-se como um tipo de insuficiência pulmonar
provocado por diversos distúrbios que causam acúmulo de líquido nos pulmões (edema pulmonar).
Considerada uma emergência médica que pode ocorrer mesmo em pessoas que anteriormente
apresentavam pulmões normais. A causa pode ser qualquer doença que, direta ou indiretamente,
produz lesão pulmonar. Aproximadamente um terço dos indivíduos com a síndrome a desenvolvem
devido a uma infecção disseminada e grave (sépsis).

Quando os alvéolos e os capilares pulmonares são lesados, ocorre um escape de sangue e de líquido
para os espaços interalveolares e, finalmente, para o interior dos alvéolos. A inflamação subsequente pode
acarretar a formação de tecido cicatricial e, como consequência, os pulmões não conseguem funcionar
de forma normal. Frequentemente, a IRA ocorre 24 ou 48 horas após a lesão ou doença original. Na fase
inicial, o indivíduo apresenta falta de ar, quase sempre acompanhada por uma respiração superficial
e rápida. Com o auxílio de um estetoscópio, o médico pode auscultar sons crepitantes ou sibilos nos
pulmões. Devido aos baixos níveis de oxigênio no sangue, a pele pode tornar-se azulada e a função de
outros órgãos, como o coração e o cérebro, pode ser comprometida.

A gasometria arterial revela baixos níveis de oxigênio no sangue e as radiografias torácicas revelam
a presença de líquido nos espaços que deveriam estar cheios de ar. Outros exames colaboram com
o diagnóstico como, por exemplo, oximetria, hipocalcemia, contagem anormal de hemoglobina e
91
Unidade I

diminuição do hematócrito, entre outros. O tratamento de IRA consiste em buscar elevar a PO2, com
ventilação mecânica com entubação, antibióticos para tratamento de foco infeccioso e broncodilatadores
para manter a permeabilidade das vias aéreas. Com um tratamento adequado, cerca de 50% dos
indivíduos afetados sobrevivem. Podem surgir complicações, nesses casos, o prognóstico tende a se
agravar, uma complicação bastante comum é a insuficiência renal.

4.1.9 Pleurisia e pneumotórax

A pleura é a membrana fina e transparente que reveste os pulmões e a parte interna da parede
torácica. A superfície que reveste os pulmões encontra-se em contato com a que reveste a parede torácica.
Entre as duas superfícies finas e flexíveis, existe uma pequena quantidade de líquido que as
lubrifica durante o movimento de deslizamento suave de uma sobre a outra que ocorre em cada
respiração. Pode ocorrer o acúmulo de ar, de sangue, de líquidos ou de outros materiais entre as
duas membranas, criando um espaço. Se o acúmulo de material for excessivo, um ou ambos os
pulmões podem tornar‑se incapazes de expandir normalmente em cada respiração, o que produz
um colapso pulmonar.

A pleurisia, ou também como chamamos a inflamação da pleura, acontece quando um agente


(geralmente um vírus ou uma bactéria) irrita a pleura e produz uma inflamação. Pode ocorrer o acúmulo
de líquido no espaço pleural (derrame pleural) ou não (condição denominada pleurisia seca). Após o
desaparecimento da inflamação, a pleura pode retornar ao normal ou pode ocorrer a formação de
aderências que fazem as camadas pleurais se unirem.

Os sinais e sintomas mais comuns envolvem a dor torácica, a qual pode ser sentida apenas
quando o indivíduo respira profundamente ou quando tosse, ou pode ser contínua, piorando com
a respiração profunda e a tosse. A dor a que se refere é decorrente da inflamação da pleura parietal
(membrana pleural externa) e, normalmente, é sentida na parede torácica, logo acima do local
da inflamação. No entanto, a dor também pode ser sentida, até exclusivamente, no abdômen, no
pescoço e no ombro como uma dor.

Com o auxílio de um estetoscópio, o médico pode auscultar um som semelhante a um rangido,


denominado atrito pleural. Apesar de a radiografia torácica não mostrar a pleurisia, ela pode revelar
uma fratura de costela, uma evidência de doença pulmonar ou um pequeno acúmulo de líquido no
espaço pleural. Entre as principais causas para pleurisia destacam-se:

• pneumonia;

• infarto pulmonar causado por uma embolia pulmonar;

• câncer;

• tuberculose;

• artrite reumatoide;
92
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

• lúpus eritematoso sistêmico;

• infecção por parasitos, como amebas;

• pancreatite;

• lesão, como uma fratura de costela;

• irritantes, como o asbesto, que chegam à pleura a partir das vias aéreas ou de outros locais;

• reações alérgicas causadas por drogas, como a hidralazina, a procainamida, a isoniazida, a fenitoína
e a clorpromazina.

O pneumotórax pode ocorrer sem uma razão identificável, sendo então denominado pneumotórax
espontâneo. O pneumotórax também pode ocorrer em decorrência de uma lesão ou de um procedimento
que permite a introdução de ar no espaço pleural, como no caso da toracocentese. Os ventiladores
mecânicos podem causar lesão pela pressão que eles exercem, produzindo um pneumotórax. Este é
mais frequente em indivíduos com síndrome da angústia respiratória aguda grave que necessitam de
ventilação mecânica de alta pressão para conseguirem sobreviver. Normalmente, a pressão no espaço
pleural é menor que a pressão intrapulmonar.

No entanto, quando o ar penetra no espaço pleural, a pressão local torna-se maior que a pressão
intrapulmonar, e o órgão colapsa de forma parcial ou completa. Algumas vezes, ocorre um colapso
da maior parte do pulmão ou de todo ele, acarretando uma dificuldade respiratória imediata e grave.
O pneumotórax espontâneo simples geralmente ocorre quando uma pequena área enfraquecida do
pulmão (bolha) se rompe. O distúrbio é mais comum em homens altos com menos de 40 anos de idade.

Os sintomas variam muito e dependem do volume de ar que penetrou no espaço pleural e do


tamanho da área pulmonar colapsada. Eles variam desde uma dificuldade respiratória leve ou uma dor
torácica até uma dificuldade respiratória grave, choque e parada cardíaca potencialmente letal. Mais
comumente, o indivíduo apresenta uma dor torácica intensa e abrupta e dificuldade respiratória, e
ocasionalmente uma tosse não produtiva e intermitente. A dor pode ser sentida no ombro, no pescoço
ou no abdômen.

Os sintomas tendem a ser menos graves no pneumotórax de evolução lenta que no pneumotórax
de evolução rápida. Com exceção de um pneumotórax muito grande ou de um pneumotórax de tensão,
os sintomas comumente desaparecem quando o organismo se adapta ao colapso do pulmão e este,
lentamente, começa a inflar novamente. Normalmente, o exame físico pode confirmar o diagnóstico.
Com o auxílio de um estetoscópio, o médico realiza a ausculta torácica e pode observar que uma parte
não transmite os ruídos respiratórios normais.

A traqueia, a grande via aérea que passa através da região anterior do pescoço, pode ser desviada
lateralmente por causa de um colapso pulmonar. Uma radiografia torácica revela o acúmulo de
ar e o colapso pulmonar. Um pneumotórax pequeno não exige tratamento. Normalmente, ele não
93
Unidade I

causa problemas respiratórios graves, e o ar é absorvido em poucos dias. Quando o pneumotórax


é suficientemente grande a ponto de comprometer a respiração, é necessária a instalação de um
tubo torácico.

Este é conectado a um sistema de drenagem com selo de água ou a uma válvula unidirecional,
que permite a saída do ar sem permitir que haja qualquer retorno. O tubo pode ser conectado a um
aspirador quando o ar continua a escapar através de uma conexão anormal (fístula) entre uma via aérea
e o espaço pleural. Em algumas ocasiões, é necessária a realização de cirurgia. Frequentemente, ela é
realizada com um toracoscópio introduzido através da parede torácica no interior do espaço pleural. Um
pneumotórax recorrente pode causar uma incapacidade considerável.

Nos indivíduos de alto risco (por exemplo, mergulhadores e pilotos de avião), a cirurgia deve ser
aventada após o primeiro episódio de pneumotórax. Nos indivíduos com um pneumotórax resistente ou
que apresentaram dois episódios de pneumotórax no mesmo lado, a cirurgia é realizada para eliminar
a causa do problema. Em um pneumotórax espontâneo complicado com um escape persistente de ar
para o interior do espaço pleural ou em um pneumotórax recidivante, a doença pulmonar subjacente
pode ser uma contra-indicação para a cirurgia. Comumente, o espaço pleural pode ser selado através
da administração.

4.1.10 Pneumonias

As infecções do trato respiratório são mais frequentes que as de qualquer outro órgão e representam
o maior número de dias ausentes na ocupação profissional da população geral. A maioria consiste
em infecções do trato respiratório alto causadas por vírus (resfriado comum, faringite), porém
infecções bacterianas, virais, por micoplasmas e fúngicas do pulmão (pneumonia) também são
frequentes. A pneumonia pode ser definida de um modo muito amplo como qualquer infecção do
parênquima pulmonar.

As pneumonias são classificadas pelo agente etiológico específico, que determina o tratamento, ou,
se nenhum agente patogênico puder ser isolado pelo contexto clínico no qual a infecção ocorre. Podem
ser então descritas como pneumonia aguda adquirida na comunidade, pneumonia atípica adquirida
na comunidade, pneumonia de origem hospitalar, pneumonia por aspiração, pneumonia crônica,
pneumonia necrosante e abscesso pulmonar, pneumonia no hospedeiro imuncomprometido.

Pneumonia aguda adquirida na comunidade

As pneumonias adquiridas na comunidade podem ser bacterianas ou virais. De forma geral, a infecção
bacteriana segue uma infecção viral do trato respiratório alto. A invasão bacteriana do parênquima
pulmonar promove o preenchimento dos alvéolos com um exsudato inflamatório, consequentemente,
causando consolidação (solidificação) do tecido pulmonar. Entre os agentes mais comuns, encontram‑se:
Streptococcus pneumoniae, Haemophylus influenzae, Moraxella catarrhalis, Staphylococcus aureus e
Pseudomonas aeruginosa.

94
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Pneumonia atípica adquirida na comunidade

O termo pneumonia atípica primária foi aplicado inicialmente a uma doença respiratória febril aguda
caracterizada por alterações inflamatórias irregulares nos pulmões, em grande parte confinada aos septos
alveolares e interstício pulmonar. O termo atípica denota a quantidade moderada de escarro, a ausência de
achados físicos de consolidação, uma elevação apenas moderada na contagem de leucócitos e ausência
de exsudato alveolar. A pneumonite é causada por uma variedade de organismos, sendo que o mais
comum é o Mycoplasma pneumoniae. A síndrome respiratória aguda grave (SARS) apareceu pela primeira
vez em novembro de 2002 na província de Guangdong, na China, e subsequentemente se disseminou para
Hong Kong, Taiwan, Cingapura, Vietnã e Toronto, onde também ocorreram grandes surtos.

A causa da SARS é um coronavírus previamente não descoberto. Quase um terço das infecções
respiratórias altas é causada por coronavírus, porém o vírus da SARS difere dos coronavírus previamente
conhecidos pelo fato de que infecta o trato respiratório baixo e se dissemina por todo o organismo. A
SARS pode ser diagnosticada pela detecção do vírus por proteína C-reativa (PCR) ou pela detecção de
anticorpos contra o vírus. Sua patogenia ainda não foi estabelecida.

Pneumonia de origem hospitalar

As pneumonias hospitalares são definidas como infecções pulmonares adquiridas no curso de uma
internação hospitalar. São comuns em pacientes com doença subjacente severa, imunossupressão,
antibioticoterapia prolongada ou dispositivos de acesso invasivos, como cateteres intravasculares.
Bastonetes gram-negativos sobretudo aqueles pertencentes à família Enterobacteriaceae e às espécies
de Pseudomonas spp. e de Staphylococcus aureus são os isolados mais comuns.

Pneumonia por aspiração

A pneumonia por aspiração ocorre em pacientes muito debilitados ou naqueles que aspiram
o conteúdo gástrico quando estão inconscientes (por exemplo, após um acidente vascular
cerebral – AVC) ou durante episódios repetidos de vômitos. Esses pacientes apresentam reflexos
de vômito e de deglutição anormais, que predispõem à aspiração. Naqueles que sobrevivem,
abscesso pulmonar é uma complicação comum.

Pneumonia crônica

A pneumonia crônica, na maioria das vezes, é uma lesão localizada em pacientes imunocompetentes,
com ou sem envolvimento de linfonodos regionais. Tipicamente, a reação inflamatória é granulomatosa
e causada por bactérias (por exemplo, Mycobacterium tuberculosis) ou fungos (por exemplo,
Histoplasma capsulatum).

Pneumonia necrosante e abcesso pulmonar

O termo abscesso pulmonar descreve um processo supurativo local no interior do pulmão, caracterizado
por necrose do tecido pulmonar. Procedimentos cirúrgicos orofaríngeos, infecções sinobrônquicas,
95
Unidade I

sepse dentária e bronquiectasia desempenham papéis importantes em seu desenvolvimento. Embora


em circunstâncias adequadas qualquer patógeno possa produzir um abscesso, os organismos mais
frequentemente isolados incluem estreptococos aeróbicos e anaeróbicos, Sthaplycocus aureus e
uma série de organismos gram-negativos.

Figura 47 – Abscesso pulmonar

Pneumonia no hospedeiro imunocomprometido

O aparecimento de um infiltrado pulmonar, com ou sem sinais de infecção (por exemplo, febre), é uma
das complicações mais comuns e sérias em pacientes cujas defesas imunes são suprimidas por doença,
terapias imunossupressoras para transplantes de órgãos, quimioterapia para tumores ou irradiação.

4.1.11 Câncer de pulmão

O câncer de pulmão é o tumor mais frequente no mundo todo em homens e mulheres. Foi uma
doença rara até a década de 1930 passou a ser uma das principais neoplasias exatamente 20 anos após
o início da produção de cigarro em escala industrial. Por ano, 1,6 milhão de novos casos de câncer do
pulmão são diagnosticados em todo o mundo, e sua incidência tem crescido 2% ao ano. No Brasil, são
esperados 31.270 novos casos em 2019, sendo 18.740 em homens e 12.530 em mulheres. É um tipo de
tumor associado ao tabaco, sendo sua mortalidade 22 vezes maior em pessoas fumantes. Porém outros
fatores ambientais são bastante importantes, como a poluição, infecções pulmonares de repetição
e exposição ocupacional a agentes químicos como arsênico, asbesto, berílio, radônio, níquel, cromo,
cádmio e cloreto de vinila. Possui alta mortalidade principalmente associada a diagnóstico tardio.

O diagnóstico é feito por raio X do tórax e tomografia computadorizada de tórax, são os exames
iniciais para investigar uma suspeita de câncer de pulmão. O estadiamento será feito ainda por outros
exames, como biópsia pulmonar guiada por tomografia, biópsia por broncoscopia, ressonância nuclear,
PET-CT, cintilografia óssea, mediastinoscopia e ecobroncoscopia. A busca por metástases é essencial
para um tratamento mais assertivo.

96
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Os principais tipos de câncer de pulmão são:

• Carcinoma epidermoide: representa 25% dos casos de câncer de pulmão e tem início nas células
que revestem as vias aéreas no interior dos pulmões; é, geralmente, encontrado no centro do
pulmão próximo aos brônquios.

• Carcinoma de pulmão de pequenas células: mais agressivo e que se espalha mais rapidamente
por todo o pulmão, além de gerar metástases sistêmicas para cérebro, fígado e osso. Quase todos
os casos desse subtipo estão associados à exposição prolongada ao tabagismo.

• Carcinoma de pulmão indiferenciado de células não pequenas: responsável por 15% de todos
os casos e pode ser encontrado em qualquer lugar do pulmão, o que dificulta o seu tratamento.

• Adenocarcinoma: mais frequente, sendo responsável por até 40% dos casos. É também o tipo
mais comum de câncer de pulmão entre os não fumantes. Ele tem início nas células produtoras
de muco e geralmente progride mais lentamente do que os outros tipos.

4.2 Sistema e patologias do aparelho digestório

No sistema digestório, o alimento é decomposto, e seus nutrientes absorvidos, os produtos resultantes


dos processos de degradação são coletados e eliminados, ocorre síntese de vitaminas e são produzidas
inúmeras enzimas. O trato gastrintestinal (GI) também está sendo cada vez mais reconhecido como um
órgão endócrino que produz e acrescenta hormônios, os quais contribuem para a regulação do apetite
e a ingestão de nutrientes, além de atuarem no uso e armazenamento desses nutrientes.

As principais funções fisiológicas do sistema GI consistem em digerir o alimento e absorver os


nutrientes na corrente sanguínea. O sistema GI executa essas funções através dos processos de motilidade,
secreção, digestão e absorção. No trato digestório, o alimento e outros materiais movem‑se lentamente
ao longo de sua extensão à medida que são sistematicamente degradados a íons e moléculas que
podem ser absorvidos pelo organismo. No intestino grosso, os nutrientes não absorvidos e os produtos
de degradação são coletados para eliminação posterior.

Do ponto de vista estrutural, o trato GI é um tubo longo e oco, cujo lúmen é uma extensão do meio
externo. Os nutrientes só se tornam parte do meio interno depois de terem atravessado a parede intestinal
e penetrado no sangue ou nos canais linfáticos. Objetivando um melhor entendimento, separa-se o
sistema digestório em três partes ou porções: porção superior, formada por boca, esôfago e estômago,
atua como local de ingestão, passagem e processos digestórios iniciais; porção média, formada pelo
duodeno, jejuno e íleo, é o local onde ocorre a maior parte dos processos de digestão e absorção; e na
porção inferior, situam-se o ceco, cólon e reto, os quais atuam como canais de armazenamento para
a eliminação eficiente dos produtos de excreção. Os órgãos acessórios incluem as glândulas salivares,
o fígado e o pâncreas e são responsáveis por auxiliar no processo de digestão através da produção de
inúmeras enzimas, secreções.

97
Unidade I

Vale ressaltar que as doenças do sistema GI tipicamente aparecem como queixas muitas vezes
inespecíficas e um paciente pode vir a apresentar vários problemas associados a ele de forma simultânea,
como anorexia, constipação, diarreia, disfagia (dificuldade para deglutir), icterícia, náuseas e vômitos. Para
melhor entendimento, inicialmente, discutiremos as principais patologias que afetam o GI e, na sequência,
abordaremos as características gerais e principais patologias que envolvem os órgãos acessórios.

Glândula parótida
Boca
Epiglote
Glândula sublingual
Glândula submandibular

Faringe
Esôfago

Fígado
Baço
Duodeno
Estômago
Vesícula biliar
Pâncreas

Cólon ascendente Cólon transverso

Jejuno Cólon descendente

Ceco Íleo

Apêndice vermiforme Cólon sigmoide

Reto

Figura 48 – Representação do sistema digestório e órgão associados

4.2.1 Distúrbios do esôfago

O esôfago é um tubo muscular oco, altamente distensível, que se estende da epiglote, na faringe,
até a junção gastroesofágica. As doenças do esôfago podem variar desde azias persistentes, que
podem ser crônicas e incapacitantes ou meramente um incômodo ocasional, até cânceres altamente
letais. Os distúrbios funcionais do esôfago mais importantes são causados por contração esofagiana
anormal (hipermotilidade ou hipomotilidade, coordenação desordenada) ou insuficiência dos
mecanismos protetores para enfrentar o refluxo (doença do refluxo gastroesofagiano).

98
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Obstrução esofágica e acalásia

Para que alimentos e fluidos sejam transportados de forma eficiente do esôfago até o estômago, a
deglutição deve ser acompanhada por uma onda coordenada de contrações peristálticas. A imobilidade
esofágica interfere nesse processo e pode tomar diversas formas, determinando um processo de
obstrução esofagiana. Os espasmos esofágicos difusos podem resultar em obstrução e estresse
da parede esofágica, levando à formação de pequenos divertículos (bolsas de mucosa). A passagem de
comida também pode ser impedida pela estenose esofágica ou estreitamento do lúmen. Isso geralmente
é causado pelo espessamento fibroso da submucosa e está associado à atrofia da musculatura própria,
assim como a danos epiteliais secundários. Embora ocasionalmente congênita, a estenose é, muitas
vezes, decorrente de inflamação e cicatrização, que podem ser causadas por refluxo gastroesofágico
crônico, irradiação ou injúrias cáusticas.

A acalásia primária é causada pela falha dos neurônios inibitórios esofágicos distais e é, por definição,
idiopática. Em suma, a liberação de óxido nítrico e polipeptídeos intestinais vasoativos dos neurônios
inibitórios, juntamente com a interrupção da sinalização colinérgica normal, levam a um aumento do
tônus do esfíncter esofágico inferior (EEI) como resultado do relaxamento prejudicado do músculo
liso, é uma causa importante da obstrução esofágica. A acalásia secundária pode surgir na doença de
Chagas. Nesses casos, a injeção de neurotoxina botulínica (Botox), para inibir os neurônios colinérgicos
do EEI, também pode ser efetiva.

Esofagite

Entende-se por esofagite o processo inflamatório multifatorial que atinge o esôfago de forma
direta e compromete sobretudo a deglutição e o transporte do alimento até o estômago. São inúmeros
os processos associados à esofagite, entre os quais, destacam-se as lacerações, a esofagite química e
infecciosa, a esofagite por refluxo, o esôfago de Barret e as varizes esofágicas. As dilacerações longitudinais
no esôfago próximo à junção gastroesofágica são denominadas dilacerações de Mallory‑Weiss e estão
mais frequentemente associadas a ânsias e vômitos graves secundários e à intoxicação aguda por
álcool. Essas lacerações normalmente atravessam a junção gastroesofágica e adicionalmente também
podem se localizar na mucosa gástrica proximal. Estima-se que mais de 10% dos sangramentos do trato
gastro intestinal superior resultam de lacerações esofágicas superficiais, tais como aquelas associadas à
síndrome de Mallory-Weiss.

A esofagite decorrente de injúrias químicas, como, por exemplo, as associadas a álcool, ácidos e
álcalis corrosivos, fluidos excessivamente quentes e fumo intensivo ou até mesmo por pílulas medicinais,
as quais se dissolvem no esôfago ao invés de chegarem até o estômago, geralmente, causam somente
dor autolimitante, particularmente disfagia (dor com a deglutição). Em casos mais graves, pode ocorrer
o aparecimento de hemorragias, estrangulamentos ou perfurações, denominando-se esses quadros de
esofagite química.

As esofagites infecciosas são mais comumente observadas em indivíduos imunocomprometidos,


ou debilitados por alguma doença de base, como nos casos de terapia contra o câncer, no entanto podem
eventualmente atingir e provocar doença em pacientes imunocompetentes. Nesses pacientes, é comum ocorrer
99
Unidade I

a infecção esofágica pelos vírus do herpes simples, citomegalovírus ou organismos fúngicos. A morfologia das
esofagites químicas e infecciosas varia conforme a etiologia. É característica desses quadros a presença de grande
infiltrado neutrofílico, porém em algumas situações provocadas por substâncias químicas específicas, podem
estar ausentes, o que pode acarretar em necrose total da parede esofágica.

Figura 49 – Esofagite viral. Amostra pós-morte com múltiplas úlceras herpéticas no esôfago distal

O refluxo de conteúdos gástricos no esôfago inferior é a causa mais frequente de esofagite e o


diagnóstico GI mais comum em pacientes ambulatoriais. A condição clínica associada é chamada de
doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Popularmente conhecida como azia, refere-se ao refluxo
retrógrado do conteúdo gástrico ou duodenal ou até mesmo de ambos para o esôfago através do EEI.
As causas mais comumente associadas à DRGE são a incontinência do esfíncter esofagiano inferior,
aumento da pressão abdominal resultante da gravidez ou estados e obesidade mórbida, hérnia de hiato,
etilismo e tabagismo.

Normalmente o EEI mantém pressão suficiente na porção final do esôfago a fim de impedir o retorno
do material deglutido, infelizmente, na DRGE, o esfíncter permanece aberto, normalmente, pela falta da
pressão do EEI, o que acaba levando a um aumento da pressão retrógrada do estômago empurrando seu
conteúdo em direção ao esôfago. Dependendo da idade de início dos sintomas, o refluxo gastroesofágico
(RGE) pode ter vários significados e cursos clínicos. “Podem ser duas as formas de apresentação: “da
criança” e “do adulto”. Na primeira, os sintomas aparecem nos primeiros meses de vida e melhoram até
12 ou 24 meses em 80% dos casos. A segunda pode ser prolongamento da primeira, ou aparecer mais
tardiamente; tem sintomas persistentes e, quase sempre, necessita de tratamento. Os sinais e sintomas
incluem dor, queimação na área epigástrica, sobretudo após a refeição e ao deitar-se, destacando-se de
forma especial a sensação de gosto ácido ou amargo na garganta.

O esôfago de Barrett é uma complicação da DRGE crônica, caracterizada por metaplasia intestinal
dentro da mucosa escamosa esofágica. A incidência do esôfago de Barrett está aumentando e estima‑se

100
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

que ocorra em cerca de 10% dos indivíduos com DRGE sintomática. O esôfago de Barrett pode ser
reconhecido como uma ou várias manchas vermelhas de mucosa aveludada se estendendo para cima a
partir da junção gastroesofágica.

O diagnóstico do esôfago de Barrett requer tanto evidências endoscópicas de mucosa anormal acima
da junção gastroesofágica quanto da presença de metaplasia intestinal histologicamente documentada.
Quando a displasia está presente, ela é classificada como de baixo grau ou de alto grau e carrega um
risco significativo de progressão para carcinoma. As opções de tratamento incluem ressecção cirúrgica,
ou esofagectomia, assim como novas modalidades, tais como terapia fotodinâmica, ablação por laser,
mucosectomia endoscópica.

A) B)

C)

Figura 50 – Esôfago de Barrett: A) junção gastroesofágica normal; B) esôfago de Barrett;


C) aparência histológica da junção gastroesofágica no esôfago de Barrett

Saiba mais

Você pode saber mais sobre a DRGE e suas consequências:

NORTON, R. C.; PENNA, F. J. Refluxo gastroesofágico. Jornal de Pediatria,


São Paulo, v. 76, Supl. 2, 2000, p. S218-S224. Disponível em: http://www.
jped.com.br/conteudo/00-76-s218/port.pdf. Acesso em: 8 nov. 2019.

101
Unidade I

Outra patologia bastante importante decorrente sobretudo de hipertensão portal são as varizes
esofágicas, bastante associadas a pacientes com história de dano hepático por ação de álcool,
drogas ou até mesmo processos infecciosos como aqueles causados pelo vírus da hepatite C.

A hipertensão portal resulta no aparecimento de canais colaterais nos locais onde os sistemas portal
e caval se comunicam. Apesar de essas veias colaterais permitirem que ocorra alguma drenagem, elas
acabam por favorecer o desenvolvimento de um conjunto venoso congestionado na camada subepitelial
e submucosa do esôfago distal, as quais recebem o nome de varizes e se desenvolvem em cerca de 90%
ou mais dos pacientes cirróticos.

As varizes podem ser detectadas por exames específicos e revelam-se como veias dilatadas, tortuosas
e localizadas, sobretudo na submucosa do esôfago distal e do estômago proximal. Embora as varizes
sejam frequentemente assintomáticas, elas podem se romper, causando uma hematêmese massiva. Em
qualquer caso, a hemorragia decorrente da ruptura das varizes é uma emergência médica tratada pela
escleroterapia por injeção endoscópica de agentes trombóticos, entre vários métodos.

4.2.2 Distúrbios do estômago

Os distúrbios do estômago são causa frequente de doenças clínicas, em que lesões inflamatórias
e neoplásicas são particularmente comuns. O estômago é dividido em quatro regiões anatômicas
principais: a cárdia, o fundo, o corpo e o antro. A cárdia e o antro são revestidos por células secretoras de
mucina. As glândulas antrais são similares, mas também contêm células endócrinas, que liberam
gastrina para estimular a secreção luminal de ácido pelas células parietais dentro do fundo e do
corpo gástricos que produzem e secretam enzimas digestivas, tal como a pepsina. Entre os processos
patológicos oriundos do estômago, atribui-se especial interesse às gastrites agudas e crônicas, bem
como à ulcera péptica.

Gastrite aguda e gastrite crônica

A gastrite aguda é uma inflamação da mucosa transitória, a qual pode se estabelecer de forma
assintomática ou até mesmo vir a causar graus variáveis de dor epigástrica, náusea e vômito. Em muitos
casos graves, pode haver erosão da mucosa, ulceração, hemorragia, hematêmese, melena ou, raramente,
perda sanguínea massiva. O lúmen gástrico é fortemente um ácido com um pH próximo de 1, mais do
que um milhão de vezes mais ácido do que o sangue. Esse ambiente favorece o processo digestório, no
entanto pode ser responsável também por danificar a mucosa gástrica, apesar da existência de inúmeros
fatores protetores da mucosa, entre o quais, pode-se citar:

• A mucina secretada pelas células foveolares que evita que partículas grandes de comida toquem
diretamente o epitélio.

• A camada de muco também promove a formação de uma camada “inerte” de fluido sobre o
epitélio que protege a mucosa e tem pH neutro graças à secreção de bicarbonato pelas células
epiteliais superficiais.

102
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

• O rico suprimento vascular da mucosa gástrica libera oxigênio, bicarbonato e nutrientes enquanto
remove o ácido que foi difundido de volta para a lâmina própria.

A gastrite aguda ou crônica pode ocorrer como consequência do rompimento de um desses


mecanismos protetores e são vários os fatores implicados diretamente no desenvolvimento da gastrite
aguda, entre eles:

• síntese reduzida de mucina nos idosos;

• as drogas anti-inflamatórias não esteroidais (Daines);

• lesão gástrica que ocorre nos pacientes urêmicos e naqueles infectados com Helicobacter pylori
secretora de uréase;

• ingestão de químicos agressivos;

• injúria celular direta também é implicada na gastrite em função de consumo excessivo de álcool,
além da radioterapia e quimioterapia para o tratamento de câncer.

Sob o ponto de vista histológico, a gastrite aguda, denominada de leve ou branda, pode ser de
difícil diagnóstico, visto que a lâmina própria apresenta apenas um edema moderado e uma congestão
vascular leve. A superfície epitelial fica intacta, embora neutrófilos espalhados possam estar presentes
entre as células epiteliais ou dentro das glândulas mucosas. A perda em parte do epitélio superficial
pode acarretar em processos erosivos e hemorágicos que recebem o nome de gastrite hemorrágica
erosiva aguda.

Em contraste à gastrite aguda, na gastrite crônica, os sintomas associados são de menor intensidade,
porém de maior duração e persistência. É comum aparecerem sinais de náusea, vômito condizendo com
um quadro de desconforto abdominal superior, mas a hematêmese é incomum. A causa mais comum
de gastrite crônica é a infecção com o bacilo Helicobacter pylori. Essa bactéria pode ser encontrada nas
fezes, na saliva e na placa nos dentes. A bactéria Helicobacter pylori pode ser transmitida de pessoa
para pessoa, especialmente se as pessoas infectadas pela bactéria não lavarem bem suas mãos após
evacuarem. Uma vez que elas possam transmitir as bactérias pelo beijo ou por outro tipo de contato
próximo, as infecções tendem a se concentrar em famílias e entre os que vivem em asilos e outras
instalações supervisionadas.

A bactéria Helicobacter pylori desenvolve-se na camada mucosa protetora do revestimento gástrico,


local em que se encontra menos exposta aos sucos altamente ácidos produzidos pelo estômago. Além
disso, a Helicobacter pylori produz amoníaco, que ajuda a protegê-la do ácido gástrico e lhe permite
romper e penetrar a camada mucosa.

A doença se apresenta mais frequentemente como uma gastrite predominantemente antral com
alta produção de ácido. O risco da úlcera duodenal é aumentado nesses pacientes e, na maioria, a
gastrite é limitada ao antro, com envolvimento ocasional da cárdia. Em um subgrupo de pacientes, a
103
Unidade I

gastrite progride para envolver o corpo gástrico e o fundo. A gravidade da doença também pode ser
influenciada pela variação genética entre as linhagens de Helicobacter pylori. Normalmente a gastrite
associada a essa bactéria apresenta-se no antro, com infiltrado inflamatório constituído de neutrófilos e
plasmócitos subepiteliais, podendo ser um fator importante para o aparecimento de pólipos hiperplásicos
ou inflamatórios além de úlceras pépticas e adenocarcinoma.

Úlcera péptica

As úlceras pépticas são descritas como lesões circunscritas da membrana mucosa que avançam
para abaixo do epitélio, podendo projetar-se para a porção inferior de esôfago, estômago, piloro,
duodeno e jejuno. A grande maioria das úlceras pépticas é duodenal, as quais afetam a porção
proximal do intestino delgado, ocorrendo de forma mais frequente em homens na faixa etária
de 30 a 50 anos de idade, também associada ao uso de drogas anti-inflamatórias não esteroidais
(Daines), álcool e tabagismo.

Os fatores causais mais comuns são a infecção pela bactéria Helicobacter pylori e uso de
Daines e distúrbios hipersecretórios patológicos. A presença da gastrite crônica pode ajudar a
distinguir as úlceras pépticas da gastrite erosiva aguda ou úlceras de estresse, já que a mucosa
adjacente à úlcera é geralmente normal nas duas últimas condições. As úlceras pépticas são
quatro vezes mais comuns no duodeno proximal, como já mencionado, do que no estômago.
As úlceras duodenais geralmente ocorrem a poucos centímetros da valva pilórica e envolvem a
parede duodenal anterior. As úlceras pépticas gástricas são predominantemente localizadas junto
à curvatura menor próxima à interface do corpo e do antro. As úlceras pépticas são solitárias em
mais de 80% dos pacientes.

As úlceras pépticas são classicamente lesões crônicas, recorrentes com muito mais morbidade do
que mortalidade e após um período de semanas a meses de doença ativa, a cicatrização pode ocorrer
com ou sem terapia, mas a tendência de se desenvolver úlcera péptica é recorrente. A maioria das
úlceras pépticas chama a atenção clínica por causa da queimação epigástrica ou dor forte, embora uma
fração significativa apresente complicações, como anemia por deficiência de ferro, hemorragia franca
ou perfuração. A dor tende a ocorrer de uma a três horas após as refeições durante o dia, é pior à noite
e é aliviada por álcalis ou alimentos.

Entre os diversos exames que podem ser utilizados a fim de se diagnosticar um quadro de úlcera
péptica, destaca-se a pesquisa de sangue oculto nas fezes, os exames sorológicos para revelar a
infecção, a contagem diferenciada de leucócitos, exame de ureia na respiração a fim de comprovar
a atividade de Helicobacter pylori, esofagogastroduodenoscopia, a qual permite a realização de
exames citológicos e de biópsia confirmando a existência da úlcera, além de radiografia do trato GI,
revelando alterações da mucosa.

104
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Figura 51 – Gastrite por Helicobacter pylori. Os Helicobacter pylori espiralados


estão realçados nessa coloração argêntica de Warthin-Starry

4.2.3 Distúrbios do intestino

A retocolite ulcerativa é uma doença idiopática, ou seja, que não tem uma causa estabelecida,
mas que pode estar associada a diversos fatores, como alimentação, predisposição genética e estado
nutricional e imunológico do paciente. Afeta homens e mulheres em iguais proporções e pode ocorrer
também em qualquer idade, embora o pico de incidência seja na média dos 30 anos de idade e em
pacientes mais idosos. Tem baixa prevalência no Brasil, sendo mais comum nos EUA e Reino Unido.
A doença, que se caracteriza por inflamação da mucosa do intestino grosso (cólon e reto), tem como
principal sintoma diarreia, presença de sangue nas fezes, prisão de ventre e dor abdominal. Pode ser
classificada em quatro grupos, de acordo com as regiões afetadas:

• Proctite: a inflamação está limitada ao reto causando prisão de ventre com sangramento nas
fezes e pode ser confundida com hemorroidas.

• Proctossigmoidite: quando a inflamação afeta até a porção média do sigmoide.

• Colite esquerda: com envolvimento do cólon descendente até o reto.

• Pancolite ou colite extensa: quando tem o envolvimento de outras estruturas, ultrapassando


o cólon transverso e podendo até comprometer o íleo terminal. O diagnóstico é realizado pela
anamnese, exame das fezes, exame endoscópico e achados histopatológicos. Exame diferencial e
excluir causas infecciosas também são essenciais para o tratamento adequado.

4.3 Distúrbios do sistema renal-urinário

Os componentes do sistema renal são os rins, ureteres, bexiga e uretra. Os rins controlam o volume,
a concentração de eletrólitos, o equilíbrio ácido-básico, desintoxicam o sangue e eliminam subprodutos.
Alé disso regulam a pressão arterial e favorecem a produção de hemácias. Os ureteres, como já conhecido,
105
Unidade I

são tubos que se estendem dos rins até a bexiga, cuja função é o transporte da urina até a bexiga, esta,
por sua vez, tem como função o armazenamento da urina até ser eliminada através da uretra.
Veia cava
inferior

Suprarrenal

Veia renal
Artéria renal

Rim

Aorta
Ureter

Bexiga

Uretra

Figura 52 – Sistema renal

As atividades orgânicas resultam na decomposição de proteínas, lipídios e carboidratos, acompanhada


da liberação de energia e formação de produtos que devem ser eliminados para o meio exterior. Os produtos
de degradação são eliminados do corpo através da urina, sendo submetidos a processos de filtração
glomerular, reabsorção, secreção e excreção tubular. As doenças renais mais comuns incluem cálculos renais,
glomerulonefrite, insuficiência renal aguda e crônica, pielonefrite e síndrome nefrótica, entre outras.

4.3.1 Cálculos renais

Os cálculos, ou pedras, como são popularmente conhecidas, podem se formar em qualquer parte do
trato urinário, apesar de serem percebidos de forma mais comum na pelve e nos cálices renais. Os cálculos
podem variar de tamanho e em número. Estatisticamente os cálculos renais são mais comuns em
homens do que em mulheres e raramente têm incidência registrada em crianças. A história da família de
nefrolitíase é fator preponderante no seu desenvolvimento. Muitos erros inatos do metabolismo, como a
gota, a cistinúria e a hiperoxalúria primária, fornecem exemplos de doenças hereditárias caracterizadas
pela produção e excreção excessivas de substâncias formadoras de pedras.

Os tipos principais de cálculos são: cálculos de cálcio (cerca de 70%), compostos principalmente
de oxalato de cálcio ou oxalato de cálcio misturado com fosfato de cálcio; 15% são conhecidos como
cálculos de fosfato triplo ou cálculos de estruvita, compostos de fosfato amônio magnésio; 5% a 10%
são cálculos de ácido úrico; e 1% a 2% são feitos de cistina.

106
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Os cálculos apresentam-se com estruturas unilaterais em aproximadamente 80-90% dos


pacientes. Os locais favoráveis para sua formação são dentro dos cálices renais e das pelves e na
bexiga. Apresentam um tamanho médio de dois a três mm se formados na pelve renal e tendem a
permanecer pequenos. Os cálculos são importantes quando obstruem o fluxo urinário ou produzem
ulcerações e sangramento. Podem estar presentes sem produzir nenhum sintoma ou podem causar
um dano renal significativo.

Figura 53 – Nefrolitíase: cálculo localizado na pelve renal

4.3.2 Glomerulonefrite

Glomerulonefrite é uma inflamação bilateral dos glomérulos a qual ocorre tipicamente após
processo infeccioso por Streptococcus spp. A glomerulonefrite aguda é mais comum em meninos
com idade que varia entre três e sete anos, no entanto não está limitada a essa faixa etária,
podendo causar sinais e sintomas em qualquer idade. Entre os afetados, existe uma alta taxa de
recuperação, cerca de 95% das crianças e 70% dos adultos recuperam-se, nos demais, sobretudo na
população idosa, pode evoluir para quadros de insuficiência renal crônica em meses.

As causas mais comuns de glomerulonefrite incluem a infecção estreptocócica, impetigo, doença


de Berger, também conhecida como nefropatia mediada por IgA, e lúpus eritematoso sistêmico.
A glomerulonefrite de que estamos tratando, associada à infecção por estreptocos, resulta do
aprisionamento e do acúmulo de complexos antígeno-anticorpo nas membranas dos capilares
glomerulares. A presença desses complexos antígeno-anticorpo estimulam mediadores bioquímicos da
inflamação além do sistema complemento, leucócitos e fibrina. A lesão da membrana leva à agregação
plaquetária, e a degranulação das plaquetas altyera, à permeabilidade glomerular.

Os possíveis sinais e sintomas da glomerulonefrite incluem a diminuição da micção ou aliguria em


função da diminuição do ritmo de filtração glomerular, urina enegrecida em decorrência da presença de
hematúri, dispneia e edema periorbital por hipervolemia.

107
Unidade I

As complicações que podem ser eventualmente percebidas são edema pulmonar, insuficiência
cardíaca, sépsis, insuficiência renal e hipertensão grave. Como importantes marcadores da função,
pode‑se notar nas situações de glomerulonefrite aumento das concentrações de uréia e creatinina,
diminuição dos níveis de proteínas séricas e diminuição dos níveis de hemoglobina, presença de
hemácias, leucócitos e cilindros indicando insuficiência renal.

4.3.3 Insuficiência renal aguda (IRA) e insuficiência renal crônica (IRC)

A IRA, como é conhecida a insuficiência renal aguda, é uma interrupção rápida da função renal,
a qual pode ser associada a processos obstrutivos, má circulação ou doença renal subjacente. A IRA
pode ser deflagrada associada a um processo pré-renal, intrarrenal ou pós-renais e entre as possíveis
causas, incluem-se:

• arritmias;

• choque cardiogênico;

• infarto do miocárdio;

• desidaratação;

• hemorragia;

• drogas anti-hipertensivas;

• sépsis;

• trombose arterial ou venosa;

• glomerulonefrite aguda;

• lúpus eritematoso sistêmico;

• obstruções uretrais e ureterais, entre outras.

A insuficiência pré-renal ocorre em decorrência de uma situação que promove a redução do fluxo
de sangue aos rins promovendo um quadro de hipovolemia, hipotensão, vasoconstrição. A insuficiência
intrarrenal pode ser denominada de intrínseca e resulta de lesões nas estruturas filtradoras renais,
sendo, portanto, classificadas como nefrotóxicas, inflamatórias ou isquêmicas. A insuficiência pós-renal
decorre de uma obstrução bilateral do fluxo urinário, o que acaba por levar à insuficiência. A causa pode
estar associada a bexiga, ureteres ou uretra.

A IRC decorre da destruição tecidual normalmente gradual e da perda da função renal. A IRC, como
é conhecida, também pode ser originada de doenças com evolução rápida e progressiva que acabam por
108
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

destruir néfrons causando lesões irreversíveis. Os sintomas normalmente aparecem após mais de 75%
de comprometimento da filtração glomerular, indicando um quadro por vezes bastante silencioso. Essa
sindrome é fatal se não tratada, sendo, por vezes, necessários processos de diálise e de transplante para
a manutenção da vida. A IRC pode ser decorrente de doenças glomerulares crônicas, infecções crônicas
como a tuberculose renal, hipertensão e agentes nefrotóxicos.

As consequências extrarrenais provenientes dos quadros de IRC incluem hipertensão com


possibilidade de desenvolvimento de derrame pericárdico, alterações pulmonares pela diminuição
da atividade de macrófagos e consequente suscetibilidade a infecções, a anemia dita normocítica
e normocrômica, além de distúrbios plaquetários, como tempo de sangramento prolongado,
desmineralização óssea, alterações na pigmentação da pele por depósito de urocromos, síndrome
das pernas inquietas, a qual resulta do efeito direto de toxinas não excretadas atuando diretamente
sobre o SNC.

Observação

A IRC aumenta o risco de morte por infecções, por supressão da resposta


imune mediada por células e redução numérica e funcional dos linfócitos
e fagócitos.

4.3.4 Pielonefrite

É um distúrbio renal que afeta os túbulos, o interstício e a pelve renal, é uma das doenças mais
comuns do rim. Ocorre em duas formas: pielonefrite aguda e pielonefrite crônica. A pielonefrite aguda
é causada por infecção bacteriana, é a lesão renal associada à infecção do trato urinário. A pielonefrite
crônica é um distúrbio mais complexo; a infecção bacteriana desempenha um papel dominante, mas
outros fatores (refluxo vesicoureteral, obstrução) estão envolvidos na sua patogenia. A pielonefrite
é uma complicação séria das infecções do trato urinário que afeta a bexiga (cistite), os rins e os
sistemas coletores (pielonefrite), ou ambos. A infecção bacteriana do trato urinário inferior pode ser
completamente assintomática (bacteriúria assintomática) e a maioria frequentemente permanece
localizada na bexiga sem o desenvolvimento de infecção renal. No entanto, a infecção do trato urinário
inferior sempre carrega o potencial de se espalhar para o rim.

A pielonefrite aguda é uma inflamação supurativa aguda do rim causada por infecções bacterianas
e algumas vezes virais (por exemplo, poliomavírus), seja hematógena e induzida por um espalhamento
septicêmico ou ascendente e associada ao refluxo vesicoureteral. Nos estágios iniciais, a infiltração
neutrofílica está limitada ao tecido intersticial. No entanto, a reação envolve prontamente os túbulos e
produz um abscesso característico com a destruição dos túbulos comprometidos.

109
Unidade I

Figura 54 – Pielonefrite aguda marcada por um exsudato neutrofílico


agudo dentro dos túbulos e por inflamação intersticial

Os sinais e sintomas típicos da pielonefrite apresentam-se como poliaciúria e urgência miccional,


urina de aspecto turvo e com odor de amônia acentuado, calafrios, náuseas e vômitos, além da dor nos
flancos, cansaço e anorexia. As complicações podem incluir choque séptico, pielonefrite cônica e IRC.
A pielonefrite crônica é um distúrbio no qual a inflamação túbulo-intersticial crônica e a cicatrização
renal estão associadas com o envolvimento patológico dos cálices e da pelve e pode ser dividida em duas
formas: crônica associada ao refluxo e crônica obstrutiva.

Na nefropatia de refluxo, o envolvimento renal ocorre precocemente na infância como resultado


da sobreposição da infecção urinária ou do refluxo vesicoureteral congênito e do refluxo intrarrenal. O
refluxo pode ser unilateral ou bilateral; logo, o dano renal resultante pode causar cicatrização e atrofia
de um rim ou envolver ambos, levando à IRC. Na pielonefrite obstrutiva crônica, a obstrução predispõe
à infecção renal. As infecções recorrentes sobrepostas nas lesões obstrutivas difusas ou localizadas
levam a ataques recorrentes de inflamação renal e cicatrização. Nessa condição, os efeitos da obstrução
contribuem para a atrofia do parênquima. A doença pode ser bilateral resultando em insuficiência renal,
a menos que a anomalia seja corrigida; ou unilateral, como ocorre com os cálculos e as anomalias
obstrutivas unilaterais do ureter.

As características macroscópicas da pielonefrite crônica envolvem a visualização de cicatrizes


grosseiras, nítidas e corticomedulares, sobrepondo os cálices dilatados, grosseiros e deformados, além
do achatamento das papilas, as cicatrizes, por sua vez, podem variar de uma até várias e podem afetar
um ou ambos os rins.

4.3.5 Síndrome nefrótica

A síndrome nefrótica é caracterizada pela presença de proteinúria acentuada, hipoalbuminemia,


hiperlipidemia e edema. A síndrome em questão decorre de uma alteração na permeabilidade dos
glomérulos geralmente como consequência de uma glomerulnefrite primária ou aguda.

Os possíveis sinais e sintomas revelam-se como edema periférico, hipotensão ortostática, por
desequilíbrio hídrico, ascite, dificuldades respiratórias, anorexia, urina espumante, sobretudo em
crianças, e pneumonia provocada pelo aumento na susceptibilidade a processos infecciosos. Entre

110
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

as complicações mais comuns, destacam-se a desnutrição, os distúrbios de coagulação e a anemia


hipocrômica, pela perda excessiva de transferrina.

4.3.6 Infecção do trato urinário (ITU)

Entre os processos de infecção do trato urinário (ITU), o mais comum é conhecido como cistite
(infecção da bexiga urinária), outro tipo de ITU é a pielonefrite (infecção renal), sendo esta de evolução
mais grave. Os principais sintomas da cistite são dor ou ardor ao urinar, necessidade frequente de urinar
com pouca eliminação de urina, dor na uretra, dor na pélvis, algumas vezes, pode apresentar febre baixa
e a presença de sangue na urina.

Na pielonefrite, os sintomas mais comumente apresentados costumam ser dores nas costas na altura
dos rins, febre alta, calafrios e náuseas. Ocorre comumente a colonização de bactérias no trato urinário.
Alguns fatores podem facilitar a presença de bactérias favorecendo quadros de infecção. Nos homens,
sob o ponto de vista anatômico, a uretra tem de 15 a 20 cm, enquanto nas mulheres varia de 4 a 5 cm de
comprimento, ou seja, a uretra masculina pode ser 4 a 5 vezes maior que a uretra feminina, diminuindo
a taxa de colonização e favorecendo a eliminação de possíveis patógenos de forma mais eficiente,
sendo este um dos motivos para maior incidência de ITU em pessoas do sexo feminino. As bactérias
rapidamente alcançam a bexiga, sendo comuns os casos de repetição, em que a infecção ocorre com
frequência em algumas mulheres.

A higiene peniana inadequada, principalmente em homens não circuncidados, pode resultar em


infecções, visto que em razão das práticas sexuais que expõem o canal urinário ao conteúdo fecal,
torna‑se importante após as relações sexuais urinar e realizar a higiene do órgão genital. O consumo
adequado de líquidos também é um importante fator de prevenção do quadro infeccioso. Corpos
estranhos são sonda vesical, cálculo urinário (pedra nos rins). Durante a gravidez, alterações na pelve,
hormonais e imunológicas levam mulheres grávidas a terem maior predisposição à infecção do que
uma mulher não grávida. Outros grupos também estão mais suscetíveis ao quadro, como pessoas
com problemas na bexiga, dificuldade para urinar, baixa imunidade, disfunção ou incontinência
urinária e outros fatores. Entre os agentes causadores de ITU, destacam-se as bactérias da família
enterobacteriaceae, como Escherichia coli, Proteu mirabilis, Citrobacter freundii, Serratia marcescens,
entre outras, além de fungos como aqueles do gênero Candida spp.

Observação

As ITUs podem ser recorrentes ou reincidivantes, isso se deve à


forma como os processos infecciosos são diagnósticados e tratados. Um
diagnóstico de certeza e o uso adequado do antimicrobiano prescrito são
fatores preponderantes para o sucesso do tratamento.

111
Unidade I

Resumo

O termo patologia, cujo sentido é “estudo das doenças”, deriva do


grego pathos, que significa doença; e logos, que significa estudo. Apesar do
significado, a patologia não estuda todos os aspectos das doenças, pois está
mais voltada para a análise das alterações que elas provocam em células,
tecidos e órgãos. Dessa forma, a patologia é considerada a base científica
da medicina e tem por finalidade explicar os mecanismos que levam ao
desenvolvimento de sinais e sintomas de uma enfermidade.

A patologia pode ser dividida em duas áreas: patologia geral e


patologia especial.

A patologia geral volta-se para o estudo das reações presentes em


células e tecidos em decorrência de uma doença. Nesse caso, o estudo analisa
as reações básicas, portanto, não realiza a análise das reações específicas.

A patologia especial ou patologia sistêmica é voltada para as respostas


específicas que ocorrem em órgãos e tecidos em decorrência de uma
determinada doença.

A patologia clínica, também chamada de medicina laboratorial, é uma


especialidade médica que se baseia na análise de exames de laboratório
clínico, como exames de sangue, urina, fezes e outros materiais biológicos.
Nessa análise, visa-se quantificar a presença de algumas substâncias,
moléculas ou mesmo células que se encontram de maneira anormal no
material analisado. Essa especialidade permite identificar modificações
no funcionamento do corpo, o que pode ajudar na prevenção, no
diagnóstico e até no tratamento de uma determinada doença. Entretanto,
isso só é conseguido se os exames apresentarem resultados confiáveis e a
análise de dados for feita de maneira criteriosa. O médico especialista em
medicina laboratorial é chamado de patologista clínico.

A anatomia patológica é uma especialidade médica que analisa as


alterações causadas pelas doenças em amostras de células e tecidos. Assim
como na patologia clínica, o estudo adequado das alterações permite
identificar doenças como câncer e garante um tratamento adequado.

Assim, a patologia consiste no estudo das alterações causadas no corpo


por uma doença.

112
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

Exercícios

Questão 1. (FMO, 2017) Segundo o Instituto Nacional do Câncer, 8,2 milhões de pessoas morrem
de câncer, anualmente, no mundo. Considerando os processos de divisão celular envolvidos com essa
doença, é correto afirmar que, de maneira geral:

A) o tempo de duração do ciclo celular de uma célula cancerígena é igual ao apresentado por uma
célula normal.

B) os mecanismos celulares de controle mitótico na fase G1 são importantes para impedir o câncer,
evitando que células com dano no DNA se multipliquem.

C) a quantidade de permutações de cromátides, durante o “Crossing Over”, em células cancerígenas,


aumenta suas capacidades invasivas.

D) nas células cancerígenas, durante a prófase da divisão meiótica, não ocorre o emparelhamento de
cromossomos homólogos observado em células normais.

E) os cromossomos das células cancerígenas são maiores do que os das células normais, o que torna
a divisão celular mais lenta nas primeiras.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: o tempo de duração do ciclo celular de uma célula cancerígena é diferente do apresentado
por uma célula normal, porque resulta de divisões descontroladas, as células anormais se dividem
intensamente, formando massas ou tumores, que invadem nossos tecidos.

B) Alternativa correta.

Justificativa: na intérfase, temos as fases G1, S e G2; na fase G1, há a duplicação de DNA, porém, caso se
verifique erro, ou há reparo, ou, ainda, não se permite a duplicação do DNA, colocando a célula em G0, impede que
ela se reproduza, interrompendo o câncer.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a divisão descontrolada das células cancerígenas faz com ela cresça cada vez mais e se
desprenda, aumentando suas capacidades invasivas.

113
Unidade I

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a intérfase é a fase de síntese de RNA e autoduplicação do DNA constituída pelas


etapas G1, S e G2 de verificação se está tudo certo para entrar em divisão celular.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: os cromossomos das células cancerígenas são maiores do que os das células normais, o
que torna a divisão celular mais rápida nas primeiras.

Questão 2. (Prefeitura Municipal de Cascavel 2016) A Infecção do Trato Urinário (ITU) é definida
pela presença de bactéria na urina tendo como limite mínimo definido a existência de 100.000 unidades
formadoras de colônias bacterianas por mililitro de urina (ufc/mL). Assinale a alternativa incorreta
acerca da ITU.

A) A infecção urinária pode ser sintomática ou assintomática, recebendo na ausência de sintomas a


denominação de bacteriúria assintomática.

B) Os sinais e sintomas associados à infecção urinária incluem polaciúria, urgência miccional, disúria,
alteração na coloração e no aspecto da urina.

C) É comum a ocorrência de dor abdominal mais notadamente em topografia do hipogástrio


(projeção da bexiga) e no dorso (projeção dos rins) podendo surgir febre.

D) A ITU baixa (cistite) apresenta-se habitualmente com disúria, urgência miccional, polaciúria,
nictúria e dor suprapúbica. A febre nas infecções baixas é um sintoma usual.

E) As infecções do trato urinário podem ser complicadas ou não complicadas; as primeiras têm maior
risco de falha terapêutica e são associadas a fatores que favorecem a ocorrência da infecção.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: a bacteriúria assintomática apresenta um número elevado de bactérias presente


na urina.

B) Alternativa correta.

Justificativa: os sintomas variam pelo tipo de infecção, sendo os mais comuns a ardência, urina
escura e com cheiro forte, incontinência urinária e dor pélvica e no reto.

114
PROCESSOS FISIOLÓGICOS E PATOLÓGICOS

C) Alternativa correta.

Justificativa: pode ocorrer dor abdominal e pode haver febre.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a ITU baixa (cistite) apresenta-se habitualmente com disúria, urgência miccional,
polaciúria, nictúria e dor suprapúbica. A febre nas infecções baixas não é um sintoma usual.

E) Alternativa correta.

Justificativa: a infecção urinária é complicada quando ocorre em um aparelho urinário com alterações
estruturais ou funcionais ou quando se desenvolve em ambiente hospitalar.
Fonte: RORIZ-FILHO, J. R. et al. Infecção do trato urinário.
Medicina (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, v. 43, n. 2, p. 118-25, 2010.

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