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Fundamentos de Ações

Preventivas em Saúde
Autor: Prof. Alexandre Cavalcante de Queiroz
Colaboradoras: Profa. Roberta Pasqualucci Ronca
Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano
Professor conteudista: Alexandre Cavalcante de Queiroz

Graduado em Odontologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1996. Especialista em Endodontia
pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Mestre em Ciências Biológicas (Microbiologia) pela Universidade de São
Paulo (USP), em 2001. Doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela Universidade Paulista (UNIP), em 2017.
Desde 2005, é gestor do Instituto Karis, órgão que atua na promoção da saúde de forma gratuita, atendendo muitas
crianças da região da zona leste da cidade de São Paulo. Atualmente, é professor titular da UNIP.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Q3f Queiroz, Alexandre Cavalcante.

Fundamentos de Ações Preventivas em Saúde / Alexandre


Cavalcante Queiroz – São Paulo: Editora Sol, 2020.
108 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Doenças transmissíveis. 2. Processo epidêmico. 3. Indicadores


de saúde. I. Título.

CDU 614

U505.60 – 20

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Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Vitor Andrade
Ingrid Lourenço
Sumário
Fundamentos de Ações Preventivas em Saúde

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 HISTÓRIA NATURAL DAS DOENÇAS.......................................................................................................... 11
1.1 O conceito de saúde e doença......................................................................................................... 11
1.2 O processo saúde-doença.................................................................................................................. 11
1.2.1 Teoria mística............................................................................................................................................ 12
1.2.2 Teoria dos miasmas................................................................................................................................. 12
1.2.3 Teoria unicausal........................................................................................................................................ 13
1.2.4 Teoria multicausal................................................................................................................................... 13
1.2.5 Teoria da determinação social do processo saúde-doença.................................................... 14
2 SURGIMENTO DO MODELO DE HISTÓRIA NATURAL DAS DOENÇAS (HND)............................. 15
2.1 O modelo de história natural da doença..................................................................................... 16
2.2 Período pré-patogênico...................................................................................................................... 17
2.2.1 Agente.......................................................................................................................................................... 18
2.2.2 Hospedeiro.................................................................................................................................................. 18
2.2.3 Meio.............................................................................................................................................................. 18
2.3 Período patogênico.............................................................................................................................. 19
2.3.1 Período patogênico pré-clínico.......................................................................................................... 19
2.3.2 Período patogênico clínico.................................................................................................................. 20
2.4 Desfecho................................................................................................................................................... 20
3 NÍVEIS DE PREVENÇÃO.................................................................................................................................. 20
3.1 Prevenção primária............................................................................................................................... 21
3.1.1 Promoção da saúde................................................................................................................................ 21
3.1.2 Proteção específica................................................................................................................................. 22
3.2 Prevenção secundária.......................................................................................................................... 22
3.2.1 Diagnóstico precoce e tratamento imediato................................................................................ 22
3.2.2 Limitação de incapacidade.................................................................................................................. 23
3.3 Prevenção terciária............................................................................................................................... 23
3.4 Ações de prevenção e prática médica.......................................................................................... 24
3.5 Uma nova promoção da saúde........................................................................................................ 25
3.6 Origens da nova promoção da saúde (NPS)............................................................................... 25
3.7 Princípios da nova promoção da saúde....................................................................................... 26
4 EPIDEMIOLOGIA GERAL DAS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS.............................................................. 27
4.1 Patologia, infecção e doença............................................................................................................ 27
4.2 Etiologia das doenças infecciosas.................................................................................................. 27
4.3 Fatores predisponentes....................................................................................................................... 28
4.4 Desenvolvimento da doença............................................................................................................ 28
4.4.1 Período de incubação............................................................................................................................. 28
4.4.2 Período prodrômico................................................................................................................................ 29
4.4.3 Período de doença................................................................................................................................... 29
4.4.4 Período de declínio.................................................................................................................................. 29
4.4.5 Período de convalescência................................................................................................................... 29
4.5 Disseminação da infecção................................................................................................................. 29
4.5.1 Reservatórios de infecção.................................................................................................................... 29
4.6 Transmissão de doenças..................................................................................................................... 31
4.6.1 Transmissão por contato....................................................................................................................... 31
4.6.2 Transmissão por veículo........................................................................................................................ 31
4.7 Vetores....................................................................................................................................................... 32
4.8 Como os microrganismos infectam o hospedeiro................................................................... 33
4.9 Portas de entrada.................................................................................................................................. 33
4.9.1 Membranas mucosas.............................................................................................................................. 33
4.9.2 Pele................................................................................................................................................................ 34
4.9.3 Via parenteral............................................................................................................................................ 34
4.9.4 As portas de entrada preferenciais................................................................................................... 34
4.10 Portas de saída..................................................................................................................................... 35
4.11 Tipos de imunidade............................................................................................................................ 36
4.12 Conceito de imunidade.................................................................................................................... 36
4.13 Primeira linha de defesa: pele e membranas mucosas....................................................... 37
4.13.1 Fatores físicos......................................................................................................................................... 37
4.13.2 Fatores químicos.................................................................................................................................... 39
4.14 Segunda linha de defesa................................................................................................................. 40
4.14.1 Elementos constituintes do sangue.............................................................................................. 40
4.14.2 O sistema linfático................................................................................................................................ 42
4.14.3 Fagócitos................................................................................................................................................... 43
4.14.4 Inflamação............................................................................................................................................... 43
4.14.5 Febre........................................................................................................................................................... 44
4.15 Imunidade adaptativa....................................................................................................................... 45
4.15.1 Natureza dupla do sistema imune adaptativo.......................................................................... 46
4.16 Antígenos............................................................................................................................................... 48
4.17 Anticorpos............................................................................................................................................. 48
4.18 Tipos de imunidade adaptativa..................................................................................................... 48

Unidade II
5 PROCESSO EPIDÊMICO E PREVENÇÃO DAS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS................................. 55
5.1 Processo epidêmico.............................................................................................................................. 55
5.2 Variações temporais dos fenômenos epidemiológicos.......................................................... 55
5.3 Variações temporais que ocorrem em intervalos curtos de tempo.................................. 55
5.3.1 Endemias e epidemias............................................................................................................................ 56
5.4 Detecção de epidemias....................................................................................................................... 58
5.5 Prevenção das doenças transmissíveis......................................................................................... 59
5.5.1 Medidas de proteção individual........................................................................................................ 60
5.5.2 Imunização ativa (vacinação)............................................................................................................. 60
5.5.3 Imunização passiva................................................................................................................................. 60
5.5.4 Quimioprofilaxia....................................................................................................................................... 60
5.5.5 Medidas de barreira química ou física............................................................................................ 61
5.5.6 Diagnóstico precoce e tratamento................................................................................................... 61
5.5.7 Medidas de intervenção no ambiente............................................................................................. 61
5.5.8 Vigilância..................................................................................................................................................... 61
6 FONTES DE DADOS DEMOGRÁFICOS E DE MORBIDADE: INDICADORES DE SAÚDE............ 63
6.1 Dados de registro contínuo............................................................................................................... 63
6.2 Censo populacional e sua evolução no Brasil........................................................................... 64
6.3 Sistemas de informação em saúde................................................................................................ 65
6.3.1 Dados............................................................................................................................................................ 65
6.4 Definição de indicador........................................................................................................................ 66
6.5 Morbidade: importância no diagnóstico de saúde da coletividade................................. 66
6.6 Obtenção de dados de morbidade................................................................................................. 67
6.6.1 Análise dos indicadores de morbidade: fontes de dados........................................................ 68
6.7 Acesso e qualidade das estatísticas de saúde............................................................................ 70
6.8 Indicadores de morbidade................................................................................................................. 70
6.8.1 Incidência.................................................................................................................................................... 70
6.8.2 Prevalência................................................................................................................................................. 71
6.8.3 Expectativa de vida................................................................................................................................. 72
6.8.4 Taxa de fecundidade............................................................................................................................... 73
6.9 Indicadores de mortalidade.............................................................................................................. 74
6.9.1 Mortalidade geral.................................................................................................................................... 75
6.9.2 Mortalidade por causas......................................................................................................................... 75
6.9.3 Mortalidade infantil................................................................................................................................ 76
6.9.4 Mortalidade materna............................................................................................................................. 76
7 REGISTRO DE EVENTOS VITAIS E CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL
DE DOENÇAS.......................................................................................................................................................... 77
7.1 Nascimentos............................................................................................................................................ 77
7.2 Óbitos......................................................................................................................................................... 79
7.3 Classificação Internacional das Doenças: importância nas taxas
de mortalidade............................................................................................................................................... 81
7.3.1 Mortalidade específica por causa..................................................................................................... 81
7.3.2 Coeficiente de mortalidade geral...................................................................................................... 81
8 PRINCIPAIS ÍNDICES, PROPORÇÕES E COEFICIENTES RELACIONADOS
AO NÍVEL DE SAÚDE DA POPULAÇÃO (GLOBAIS E ESPECÍFICOS)..................................................... 82
8.1 Situação de saúde no mundo.......................................................................................................... 82
8.2 Indicadores de desenvolvimento social....................................................................................... 83
8.2.1 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)................................................................................... 83
8.2.2 Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH)........................................................................... 84
8.2.3 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) no Brasil...................................... 84
8.3 Esperança de vida.................................................................................................................................. 87
8.4 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)................................................................... 88
8.5 Violência no campo da saúde.......................................................................................................... 92
8.5.1 Mortalidade: o impacto fatal da violência.................................................................................... 93
APRESENTAÇÃO

O propósito deste livro-texto é destacar os fundamentos de ações preventivas em saúde.

O termo prevenir significa antecipar-se a um evento ou mesmo evitá-lo. A prevenção em saúde


pública é a ação antecipada, tendo como objetivo interceptar ou anular a evolução de uma doença.

O fisioterapeuta não deve ser o profissional que atua exclusivamente no momento em que a doença ou
a disfunção já se estabeleceram. É indiscutível que o fisioterapeuta possui um importante papel no campo
da reabilitação física, principalmente quando atua em conjunto com outras profissões do campo da saúde,
agindo de forma interdisciplinar. Com a solidificação do conhecimento científico e a expansão do perfil
profissional, o fisioterapeuta continua a ampliar seu mercado de trabalho, estando presente tanto nos
cenários já tradicionais (hospitais e clínicas) como em outros cenários (centros hípicos, indústrias, escolas,
entidades filantrópicas, centros universitários, centros de pesquisa, empresas comerciais).

INTRODUÇÃO

Este livro destina-se a servir como instrumento de aprendizagem para os estudantes a respeito das
ações preventivas em saúde de modo atrativo e didático. O material exposto tem por objetivo apresentar
de forma clara e concisa os conceitos mais relevantes da saúde. Assim, o estudante deverá estar apto a
reconhecer os mecanismos de fiscalização e controle da qualidade relacionados à saúde e os desvios do
estado de saúde, reconhecer e interpretar a evolução das doenças e elaborar um plano preventivo, além
de ter um procedimento terapêutico.

Inicialmente, serão estudados a história natural da doença (período pré-patogênico e patogênico)


e os níveis de prevenção (primária, secundária e terciária). Também serão acentuados itens como
epidemiologia geral das doenças transmissíveis; características dos agentes infecciosos e suas relações
com o hospedeiro; fontes de infecção/infestação; portas de entrada e vias de eliminação; ainda serão
estudados os conceitos e os tipos de imunidade.

Depois, o foco será o processo epidêmico: endemia, epidemia e pandemia. Serão ilustrados os seguintes
elementos: aspectos diferenciais dos níveis de intervenção; prevenção das doenças transmissíveis;
medidas referentes à fonte de infecção, às vias de transmissão e ao hospedeiro; levantamentos, fontes de
dados demográficos e de morbidade; importância no diagnóstico de saúde da coletividade; indicadores
de saúde; registros dos eventos vitais (nascimentos e óbitos): documentos e fluxos; classificação
internacional de doenças. Por fim, serão vistos os principais índices, as proporções e os coeficientes
relacionados ao nível de saúde da população (globais e específicos).

9
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

Unidade I
1 HISTÓRIA NATURAL DAS DOENÇAS

1.1 O conceito de saúde e doença

A conceituação de saúde e doença é complexa. Muitas foram as tentativas para defini-las, por
isso em cada período histórico é possível encontrar as mais diferentes interpretações. A saúde já foi
considerada uma espécie de silêncio orgânico, ou seja, do ponto de vista fisiológico existe um estado
de harmonia e equilíbrio funcional em que os diversos sistemas e aparelhos não apresentam sinal de
irregularidade. Essa é uma forma de conceber a questão de um ponto de vista apenas individual e
clínico, que deixa de lado as dimensões mental e social. Além disso, é óbvio que não é possível considerar
saudável uma pessoa que esteja com uma infecção ou com qualquer doença em estágio subclínico. O
conceito de saúde no dicionário é “o estado do indivíduo cujas funções orgânicas, físicas e mentais se
acham em situação normal”. Contudo, vêm à tona as seguintes questões: o que é uma situação normal?
Qual é a linha divisória entre a normalidade e a anormalidade, entre a sanidade e a insanidade?

Outra maneira de conceituar saúde foi apresentada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em
1948: “Saúde é um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de
doenças” (SEGRE; FERRAZ, 1997, p. 539). Esse conceito tem o mérito de incluir as dimensões mental e
social, mas do ponto de vista prático é pouco operacional. O que é um completo estado de bem-estar?
Como avaliar esse estado?

É muito difícil definir o que é saúde e estabelecer os limites, definindo onde começa a enfermidade.
Saúde e enfermidade são dois estados entre os quais o indivíduo flutua por toda a sua vida, são duas
condições estreitamente ligadas por conexões recíprocas.

1.2 O processo saúde-doença

A visão de mundo é um sistema de pontos de vista sobre a realidade que leva o homem a elaborar
uma atitude diante dessa realidade. As diferentes visões de mundo nada mais são do que diferentes
compreensões e, consequentemente, ações do homem.

As teorias que interpretam o processo saúde-doença são meramente as diferentes formas de pensar
do ser humano em relação aos fatos sociais, sejam eles determinados pelo desenvolvimento das forças
produtivas, das relações de produção, das relações de poder, ou seja, tudo aquilo relacionado ao trabalho
e à organização da sociedade.

11
Unidade I

1.2.1 Teoria mística

Na sociedade primitiva, o pensamento do homem estava sob domínio das representações


religiosas/mitológicas, que relacionava a organização da sociedade, a ordem da vida social e o destino
dos indivíduos a forças sobrenaturais. A interpretação do processo saúde-doença era igualmente
associada à ação das forças sobrenaturais, assim, as medidas assistenciais vigentes vinculavam-se a
práticas de caráter mágico/religioso.

Essa forma de interpretação dos fatos sociais se manteve até que surgiu a necessidade de outro tipo
de conhecimento para ajudar nas transformações sociais. Desenvolveu-se então a ciência positivista, que
trouxe a interpretação racional dos fenômenos, cujo avanço cooperou com o desenvolvimento das ciências
naturais e da tecnologia. As concepções acerca do mundo e da saúde-doença foram modificadas e as
explicações passaram a utilizar a interpretação dos fenômenos do ponto de vista químico/físico/mecânico.

Observação

A principal característica da ciência positivista é que qualquer


manifestação ou fenômeno só pode ser considerado verdadeiro se passível
de comprovação.

1.2.2 Teoria dos miasmas

Durante a Idade Média, prevaleceu a teoria dos miasmas, que considerava que a doença era
causada por certos odores venenosos, gases ou resíduos nocivos, que se originavam na atmosfera
ou a partir do solo. Essas substâncias seriam posteriormente arrastadas pelo vento até um indivíduo,
que acabaria por adoecer.

No início do século XIX, no Rio de Janeiro, alguns médicos acreditavam que as epidemias eram
provocadas pelos navios estrangeiros, que traziam doenças como cólera, febre amarela e varíola.
Concluíram que as enfermidades eram causadas por miasmas, pelo ar corrompido, que, vindo do mar,
dos respectivos navios, pairava sobre a cidade.

O termo “malária” tem origem em mala aria (maus ares): acreditava-se que essa doença era causada
pela presença de “mau ar”, pois as populações que mais adoeciam de malária moravam nas zonas
pantanosas, que produziam gases.

O conceito miasmático foi responsável por medidas de saúde pública que são aplicadas atualmente,
tais como o enterro dos mortos, o aterro de excrementos humanos e a coleta de lixo. Obviamente, hoje
estudos demonstram que essas medidas sanitárias são necessárias para combater inúmeras doenças
e manter a qualidade da vida da população, ao evitar a contaminação do solo e da água, assim como
manter a limpeza das cidades com o recolhimento do lixo, que, se acumulado, pode servir de alimento
e moradia para roedores e outros animais e insetos.

12
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

1.2.3 Teoria unicausal

A necessidade do desenvolvimento das forças de trabalho para maior produção determinou a


busca de novas explicações para a causalidade das doenças. A descoberta dos microrganismos, ou seja,
dos agentes causadores das doenças, principalmente que causam as doenças transmissíveis, passou a
explicar o surgimento delas. Foi chamada de “bacteriológica” devido à descoberta de bactérias, vírus,
fungos, entre outros microrganismos, o que levou a comunidade científica a estabelecer esses agentes
como causa única do adoecimento. A partir dessa teoria, fundamentada no idealismo, o homem é
considerado apenas como ser biológico, que possui um funcionamento mecânico de seus órgãos, cujos
processos químicos/físicos/biológicos podem se desequilibrar.

No fim do século XIX, o advento da bacteriologia foi crítico para a epidemiologia e para as discussões
no aspecto social. As pesquisas voltaram-se para essa teoria, diminuindo muito o interesse pelos
problemas sociais.

A concepção unicausal demonstrou de imediato suas limitações, pois manter a qualidade de vida, e,
portanto, as pessoas saudáveis, era imprescindível para que os trabalhadores tivessem condições
plenas de desempenhar seu papel no trabalho.

Os diagnósticos e os tratamentos se tornaram mais sofisticados, o modelo centrado no atendimento


médico passou a ser sinônimo de acesso à saúde, mas nunca foi acessível a todos, e seu custo sempre
foi elevado. Além disso, os movimentos organizados da sociedade apontavam para outras causas das
doenças, e não apenas para o agente etiológico. Esses fatores levaram à elaboração da teoria multicausal.

1.2.4 Teoria multicausal

A teoria da multicausalidade ou multicausal se consolidou na década de 1960 e tentou substituir


o olhar unicausal, considerado inconsistente. Essa nova teoria relaciona as doenças a diversas causas,
a diversos fatores, que, se controlados por meio de medidas simples e acessíveis a toda a população,
podem diminuir a propagação das doenças.

Esse novo olhar atribui não só aos fatores biológicos a responsabilidade pelas doenças, mas também
à organização social, ressaltando que as doenças ocorrem por uma somatória de causas, e não apenas
pela ação de um agente etiológico.

O modelo de intervenção implementado a partir dessa teoria busca respostas práticas aos problemas,
mas ainda não às verdadeiras causas, pois não pretende fazer modificações estruturais e profundas que
interfiram no sistema, na organização da sociedade; de fato, apenas executa ações de intervenção para
as diferentes causas, sem alterar as desigualdades sociais da população.

Tanto a teoria unicausal quanto a multicausal se demonstraram insuficientes para explicar o


comportamento das doenças nas sociedades estratificadas em diferentes classes ou outros grupos
sociais. Essa divisão de classes sociais leva a diferentes condições de vida e condena os indivíduos de
alguns grupos a condições de vida cada vez mais precárias.
13
Unidade I

Buscando uma explicação profunda e relacionada às diferentes condições de vida das diferentes
populações, surgiu a teoria da determinação social do processo saúde-doença.

1.2.5 Teoria da determinação social do processo saúde-doença

A denominação dessa teoria já diz que a saúde-doença se determina socialmente. Baseada no
realismo, essa teoria interpreta o fenômeno saúde-doença com duplo caráter: biológico e social, tendo
em vista que a natureza humana, além de seu componente biológico, é determinada pela forma de viver
nas sociedades.

As formas de produção (de trabalho) e as formas de reprodução social (de viver) são essenciais
para definir a qualidade de vida das populações, nos diferentes grupos sociais, segundo as
diferentes condições econômicas de cada um. Cada grupo social (representado por categorias
como classe social, gênero, raça/etnia ou geração) apresenta condições consideradas negativas
(riscos de adoecer ou morrer) ou consideradas positivas (possibilidades de sobrevivência). Essas
condições são consequências das formas que, no decorrer da história, foram sendo adotadas pela
sociedade para conduzir a sua vida social.

Essa teoria permite compreender como cada sociedade cria um determinado padrão de desgaste
ou potencialidades conforme o consumo e o gasto de energia dos indivíduos no processo de
reprodução social. O desgaste relacionado ao trabalho corresponde ao número de horas de trabalho,
ao estresse que este gera, entre outros; quanto ao desgaste advindo da forma de viver, estão todas
as ações necessárias para ser incluído socialmente, para fazer parte de um determinado grupo. As
potencialidades estão relacionadas a todos os fatores que favorecem o desenvolvimento dessas
atividades, como morar perto do trabalho, gostar do que faz e ter um grupo para socialização.

O processo saúde-doença manifesta-se por meio de diferentes fenômenos cuja frequência e


intensidade variam no tempo e no espaço e elas podem ser expressas nos níveis: individual; grupo
social; e estrutura social.

O nível individual do processo saúde-doença pode variar segundo a frequência e a intensidade


com que ocorre entre pessoas e pequenos grupos, que se diferenciam entre si por características
individuais, tais como: sexo, idade, religião, escolaridade, renda etc. No nível dos grupos sociais (classes
sociais, gêneros, raças/etnias ou gerações) que compartilham das condições de vida e de trabalho, as
manifestações se apresentam segundo perfis de morbimortalidade, ou seja, perfis de adoecimento e
mortalidade peculiares de cada grupo. Cada grupo expressa diferentes motivos e formas de adoecer e
de morrer, que são consequência dos desgastes a que são submetidos para desenvolver o trabalho e para
viver em sociedade.

No nível referente à estrutura social, o processo saúde-doença manifesta-se através de perfis de


morbimortalidade, peculiares de uma dada sociedade ou formação social em relação às demais. Os
grupos sociais menos favorecidos economicamente apresentam diferentes formas de adoecer e morrer
em relação aos mais abastados.

14
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

Assim, o perfil epidemiológico passa a ser analisado não apenas por números de mortes e doentes,
e sim por um conjunto de formas de viver e trabalhar que levam as pessoas a diferentes condições de
qualidade de vida, portanto, de saúde.

Observação

A saúde pública e a epidemiologia são indissociáveis; esta orienta


a atuação em saúde pública, que intervém para evitar doenças,
prolongar a vida e desenvolver a saúde física e mental. A epidemiologia
busca a observação exata, a interpretação correta, a explicação racional e a
sistematização científica dos eventos de saúde-doença no âmbito coletivo.

2 SURGIMENTO DO MODELO DE HISTÓRIA NATURAL DAS DOENÇAS (HND)

John E. Gordon, professor de medicina preventiva e epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública


de Harvard, introduziu o conceito de tríade ecológica, ressaltando as mútuas e dinâmicas interações
entre os aspectos causais das doenças. Depois, ele classificou analiticamente esses aspectos em fatores
relativos a hospedeiro, agente e meio.

De um lado, as investigações sobre as constituições epidêmicas demonstravam que os agentes


infecciosos, privilegiados na explicação de fenômenos epidêmicos desde o advento da bacteriologia,
nos anos 1870, eram elementos necessários, mas não suficientes para explicar o comportamento
epidemiológico das doenças. De outro lado, indicavam a importância de integrar diversas áreas de
saber para produzir um conhecimento mais efetivo sobre as características de incidência, prevalência,
distribuição e morbidade e mortalidade.

Edwin Gurney Clark, professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de


Columbia, e Hugh Rodney Leavell, seu parceiro intelectual, da Faculdade de Saúde Pública de Harvard,
propuseram, em 1953, o modelo de HND que se tornaria a referência definitiva no assunto.

Leavell e Clark defendiam, em primeiro lugar, a superação dos limites disciplinares entre clínica médica
e saúde pública e entre medidas curativas e preventivas. A perspectiva da prevenção, segundo esses
autores, devia estar presente em todos os momentos em que fosse possível algum tipo de intervenção
que evitasse o adoecimento ou suas consequências, compondo diferentes níveis de prevenção (NP), desde
transformações de condições ambientais e sociais que predispusessem ao surgimento das doenças até
a redução de seus piores efeitos sobre aqueles que já tivessem adoecido. Para sustentar essas posições,
adotaram a tese da multicausalidade das doenças. Segundo essa tese, o conhecimento e a intervenção
sobre os determinantes das doenças exigem uma construção interdisciplinar, com contribuições das
ciências biomédicas e das ciências humanas, sob a mediação do método epidemiológico e das técnicas
de análise estatística. No Brasil, o conceito de Leavell e Clark sobre HND/NP chegou nos anos 1970, por
meio de seminários organizados pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e pela Organização
Mundial da Saúde (OMS).

15
Unidade I

Um passo decisivo para sua difusão foi a publicação do livro-texto de Leavell e Clark em português,
em tradução de Cecília Donnangelo, Moisés Goldbaum e Uraci Ramos, professores do Departamento
de Medicina Preventiva da FMUSP. Nessa época, o Brasil, como a América Latina de modo geral, vivia
a saúde pública marcada por forte politização, com a resistência às ditaduras militares, o combate às
desigualdades sociais e de saúde e sob a forte influência das ideias da medicina social.

Nesse contexto, o modelo de HND/NP foi objeto de severas críticas. O conceito passou a ser
questionado quanto às limitações no modo como a multicausalidade e os determinantes sociais
e políticos eram (mal) incorporados ao modelo, a começar pela expressão HND. É possível falar de
história “natural” dos processos saúde-doença? O próprio modelo não quer justamente apontar o fato
de que as doenças não são fenômenos naturais? O modo como os grupamentos humanos organizam
socialmente sua vida não altera o que seria um curso natural, já que as diferentes formas de organização
social estão implicadas na determinação de quem, como, quando e quanto adoece? De outro lado, a
ocorrência e a evolução desses processos não dependem também das formas como essas sociedades
interferem tecnicamente sobre o adoecimento, ao desenvolverem e utilizarem saberes e instrumentos
para preveni‑los e tratá‑los? Ainda em relação à multicausalidade, é possível tratar aspectos como
virulência de um agente infeccioso e nível socioeconômico dos hospedeiros, por exemplo, como fatores
com mesmo peso no modelo causal? É possível definir um modelo de HND válido para qualquer tempo
e lugar? Apesar de seus limites, o modelo de HND/NP, com adaptações e aperfeiçoamentos, acabou
por ser definitivamente incorporado à medicina e à saúde pública no mundo e no Brasil, e tem sido
amplamente utilizado para a sistematização de conhecimentos, para a organização de ações preventivas
em programas e serviços de saúde e para o ensino das relações entre epidemiologia, prevenção e
promoção da saúde na formação de profissionais em diferentes áreas do campo da saúde.

2.1 O modelo de história natural da doença

Compreendido o sentido geral do conceito de HND/NP, é importante entender como o seu modelo
teórico está estruturado e como fundamenta ações como as exemplificadas no início deste capítulo.
Para isso, um primeiro aspecto a ser considerado é que se trata de um esquema conceitual, isto é, uma
sistematização simplificada de um conjunto de elementos e suas relações em interações dinâmicas.
Como todo esquema, o modelo HND/NP é uma representação superficial da complexidade real dos
fenômenos, mas que tem a vantagem de orientar uma propedêutica especificamente voltada para
identificar oportunidades e ações de prevenção, seja no plano individual, seja no de coletividades. Deve
ficar claro que, na sistematização do modelo a ser apresentado, o foco não será apenas a reprodução
do modo como o formularam seus primeiros propositores. Para simplificar o andamento da discussão,
os aperfeiçoamentos, as complementações e os meios que foram sendo incorporados ao modelo, sem
modificá-lo substancialmente, serão incluídos nessa sistematização.

É possível observar que no desenvolvimento do conceito de HND/NP há um conjunto fundamental


de concepções que conformaram o modelo (quadro a seguir) e o sustentam até hoje. Tomando essas
concepções como pressupostos, o esquema HND/NP permite distinguir analiticamente dois períodos
envolvidos na gênese e no desenvolvimento dos adoecimentos: o período pré-patogênico, referente
aos determinantes que potencializam o surgimento da doença, e o período patogênico, que diz respeito
às evoluções possíveis da doença em curso. No período pré-patogênico, distinguem-se três grupos de
16
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

fatores determinantes: fatores relativos ao agente, ao hospedeiro e ao meio. No período patogênico,


distinguem-se quatro fases de evolução:

• A patogenia inicial ou período de alterações pré-clínicas.

• A patologia precoce, após a doença transpor o horizonte clínico, isto é, após o aparecimento de
sintomas e/ou sinais perceptíveis à observação comum.

• A doença avançada, quando a síndrome e as alterações morfofuncionais mais características da


doença já estão totalmente instaladas.

• O desfecho, isto é, o modo como o processo de adoecimento se resolve ou estabiliza.

Quadro 1 – Fundamentos do modelo de história


natural da doença e níveis de prevenção

1) O adoecimento é um processo, isto é, as doenças constituem um conjunto dinâmico de fenômenos e interações


que estão sempre se modificando no tempo e no espaço
2) Os processos de adoecimento são determinados por um conjunto amplo de aspectos que envolvem fenômenos
de natureza diversa – biológica, ambiental, cultural, econômica, política, psicológica, emocional etc.
3) A interação entre diferentes disciplinas é indispensável para o conhecimento e a intervenção sobre o
comportamento epidemiológico e a evolução clínica das doenças
4) A qualquer momento dos processos de adoecimento, desde antes de acontecerem – mas já diante das
condições que os determinam – até em fases adiantadas da patogenia, é possível e desejável algum tipo de
intervenção preventiva

Fonte: Ayres (2016, p. 40).

2.2 Período pré-patogênico

Ao estudar a HND de uma doença, a primeira tarefa é buscar identificar os vários aspectos que podem
estar relacionados à sua ocorrência, isto é, à sua determinação – agente(s) etiológico(s), condições
predisponentes, facilitadoras, protetoras etc. Esse componente do modelo refere-se ao momento em
que ainda não há doença instalada em indivíduos e populações, mas há condições para que ela venha
a ocorrer e que, portanto, devem ser controladas. Para identifcar essas condições, algumas disciplinas
podem contribuir. Entre a diversidade de conhecimento, o papel essencial é atribuído à epidemiologia,
já que as técnicas de investigação epidemiológica permitem identificar a associação entre os inúmeros
eventos de interesse para a saúde, examinando a possibilidade de essas associações terem um sentido
causal. Assim, dada uma doença cuja HND se busca conhecer, é a epidemiologia, fundamentalmente,
que vai identificar, entre os aspectos estudados pelas diversas disciplinas, aqueles que, por critérios
probabilísticos, lógicos e segundo a plausibilidade frente ao conjunto dos conhecimentos disponíveis,
podem ser considerados efetivamente relacionados à determinação e à evolução da doença.

Como dito anteriormente, os vários aspectos causalmente relacionados à doença no modelo de


HND/NP estão organizados, para fins propedêuticos, em três grupos: agente, hospedeiro e meio. Na

17
Unidade I

prática, esses fatores se confundem e estão mutuamente relacionados. Algumas vezes, um dado agente
só se torna agressor por causa do modo como o hospedeiro reage a ele – vale lembrar, por exemplo, dos
portadores assintomáticos; outras vezes, um fator atribuído ao hospedeiro pode ser, na verdade, mais
bem explicado se for analisado o meio em que ele vive, por exemplo, um comportamento alimentar
que produz distúrbios nutricionais pode ser interpretado como um estilo pessoal que, na verdade, pode
obedecer a fortes coerções culturais ou limitações econômicas do meio social em que o indivíduo vive;
ou ainda a situação em que o hospedeiro age sobre seu meio, gerando o agente que será seu agressor –
como no caso da transformação do ambiente nas grandes cidades com a emissão de poluentes aéreos
que aumentam a morbidade e a mortalidade por doenças respiratórias e cardiovasculares.

2.2.1 Agente

Esse grupo de fatores refere-se aos elementos externos ao organismo humano que, ao interagirem
com ele, podem provocar algum dano ou alteração. O termo, que nas primeiras formulações de história
natural referia-se basicamente a agentes infecciosos, passou progressivamente a indicar um espectro
mais amplo de fatores – substâncias químicas, toxinas, radiação, temperaturas extremas, alterações na
qualidade do ar, acidentes, violência etc.

2.2.2 Hospedeiro

Esse segundo grupo refere-se a aspectos relacionados à suscetibilidade dos indivíduos humanos
aos agentes agressores. Refere-se a aspectos como herança genética, traços congênitos, sexo, idade,
estado nutricional, condicionamento físico, atividade de trabalho, atividades de lazer, vida sexual,
características pessoais de sociabilidade, padrão alimentar, uso de tabaco, álcool ou outras substâncias
químicas (psicoativas, farmacológicas), práticas de autocuidado, grau de instrução, características
cognitivo-intelectuais, características psicoemocionais, história patológica pregressa, estado de saúde
atual etc. Esse amplo conjunto de aspectos, na totalidade que conformam em cada indivíduo e no
grau e modo como se distribuem em termos familiares, comunitários e populacionais, são vitais para o
conhecimento de quanto, como e quando determinados fatores identificados como agentes agressores
podem provocar dano ou perturbação da saúde.

2.2.3 Meio

Esse grupo diz respeito ao ambiente que põe em contato os agentes agressores e seus potenciais
hospedeiros. Nas primeiras formulações da HND, mais próximas à noção de constituição epidêmica,
esse grupo de fatores se referia fundamentalmente a aspectos ambientais em um sentido mais restrito,
seja como um conjunto bem definido de condições climáticas, topográficas e socioestruturais (tipo de
ocupação do espaço urbano e domiciliar, composição e dinâmica demográfica e familiar, condições
médico-sanitárias da população), seja como veículo de transmissão de um agente infeccioso (água,
ar, alimentos, vetores). A partir das contribuições da medicina social, passou-se a admitir um sentido
mais abrangente de meio, incorporando-se às análises aspectos como desenvolvimento econômico,
padrões culturais (valores e normas sociais), modo de vida (urbano, rural), condições de trabalho,
alimentação etc.

18
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

O conhecimento dos aspectos relativos a agente, hospedeiro e meio é, como pode ser visto,
fundamental para a prevenção. Quanto mais bem conhecidos, maior a chance de intervirem
positivamente, evitando a ocorrência de agravos e favorecendo modos de vida mais saudáveis.
Contudo, as oportunidades de prevenção não se encerram aí, portanto, a necessidade de saberes
interdisciplinares também não se esgota no período pré-patogênico. Mesmo nas populações e nos
indivíduos já afetados por algum dano ou alteração à saúde, um conhecimento acurado sobre os
processos patológicos e suas possibilidades de evolução e desfecho podem favorecer uma intervenção
que restabeleça da melhor forma possível a saúde ou reduza seus danos individuais e coletivos. Por
isso, o modelo de HND define um segundo componente de sistematização do período patogênico.

2.3 Período patogênico

Como o nome indica, esse componente do esquema produz e relaciona conhecimentos sobre um
processo patogênico em toda sua extensão e dimensões, desde as primeiras alterações funcionais
e morfológicas até seus possíveis desfechos. Nessa perspectiva, o modelo de HND distingue dois
subcomponentes. No primeiro, já existe algum tipo de alteração patológica em curso, mas ainda sem
expressão clínica (período patogênico precoce). No segundo, a doença já é perceptível pelo indivíduo
afetado, com sinais e sintomas que caracterizam um quadro clínico (patologia precoce). Divide esses
dois períodos o chamado “horizonte clínico”, que, uma vez ultrapassado, muda substantivamente o
modo como o processo patológico é experimentado pelas pessoas e trabalhado nas práticas de saúde.

2.3.1 Período patogênico pré-clínico

Esse subcomponente relaciona-se às alterações celulares, teciduais e funcionais que ocorrem nos indivíduos
afetados por uma doença antes de se produzirem sinais ou sintomas observáveis. Antes de ultrapassar o
horizonte clínico, um processo patogênico instalado já conduz a uma nova condição as relações entre um
organismo individual e suas interações com o meio, com outros indivíduos, com agentes de outras doenças.
Do ponto de vista da evolução clínica do caso individual, ele é de suma importância, pois os eventos ocorridos
nesse momento podem determinar diferentes condições de reação, reversão, adaptação e recuperação no
processo de adoecimento, com repercussões sobre o grau de comprometimento morfofuncional do organismo,
sobre o sofrimento físico e mental do doente e seus circundantes, sobre custos de diferentes ordens com o
tratamento e/ou reabilitação, isto é, sobre o prognóstico. Do ponto de vista epidemiológico, o conhecimento
dessa etapa da HND é fundamental. Processos patogênicos precoces são períodos nos quais pode ocorrer a
transmissão de agentes infecciosos sem que se saiba, retardando a interrupção da cadeia de transmissão.

Em algumas doenças conhecidas, parte dos indivíduos acometidos evolui dessa fase de patogenia
precoce para uma resolução do problema sem ultrapassar o horizonte clínico, isto é, progride
espontaneamente para a remissão ou o controle total da doença. Entre os inúmeros exemplos, tem-se a
grande maioria dos que entram em contato com o bacilo da tuberculose e desenvolvem apenas alterações
patogênicas locais, contendo o agente com uma reação tecidual que impede a progressão da doença. É
possível também que haja uma série de reações patogênicas a agentes até desconhecidos, pelo fato de não
produzirem sinais e sintomas. Grande parte das doenças que se conhece, contudo, levam certo contingente
de pessoas acometidas a apresentarem alterações patológicas que ultrapassam o horizonte clínico, com
cursos mais ou menos típicos, representados no segundo componente do período patogênico.
19
Unidade I

2.3.2 Período patogênico clínico

Abrangendo as fases que Leavell e Clark chamavam de “lesões precoces” e “doença avançada”, esse
momento do esquema busca identificar a síndrome característica de uma doença, com os sinais e os
sintomas mais frequentes e seus possíveis desdobramentos clínicos. Os conhecimentos epidemiológicos,
clínicos, fisiopatológicos e imunológicos continuam concorrendo aqui para formar um quadro que
permita reconhecer melhor e intervir mais rapidamente sobre as diversas doenças, suas variantes, suas
respostas às diferentes formas de intervenção terapêutica. Como visto no início deste capítulo, a simples
presença de determinado conjunto de sinais e sintomas pode levar à hipótese diagnóstica de uma
doença que tenha sua história natural bem conhecida. Em algumas situações de prática, nas quais não
se disponha de exames complementares, a síndrome característica de uma doença pode ser a única
ferramenta em mãos para o diagnóstico.

2.4 Desfecho

Toda as doenças caminham para algum desfecho. Como visto, ela pode evoluir das primeiras reações
orgânicas diretamente para remissão ou controle. Uma segunda situação possível é que, mesmo havendo
a evolução para um quadro sintomático, um processo patogênico caminhe para a remissão completa.
Vale lembrar, por exemplo, da quantidade de vezes que um indivíduo fica resfriado ao longo da vida,
com completa recuperação. Outras possibilidades de desfecho podem ocorrer no curso de uma doença.
Evoluir para remissão, deixando sequelas; evoluir para a cronificação; nesse caso, não há remissão ou
controle total da doença, mas ela segue como uma condição disfuncional que pode exigir cuidados para
o resto da vida. Por fim, há o desfecho indesejado: o óbito. Conhecer a letalidade de uma doença, as
condições de sua ocorrência e a frequência e características de sua distribuição populacional é também
tarefa de relevância prática no conhecimento da HND.

Observação

Cura é o estado de eliminação do agente infeccioso do hospedeiro


por uma resposta imune bem-sucedida ou pela terapia antimicrobiana.
Geralmente, a cura implica eliminação tanto de infecção como de doença,
porém, em algumas situações, um hospedeiro pode se curar da doença, mas
ter infecção persistente.

3 NÍVEIS DE PREVENÇÃO

Leavell e Clark articularam ao modelo de HND a sistematização das diferentes formas de prevenção
que se abrem a cada momento da evolução de uma doença.

Tais pesquisadores agruparam as ações de prevenção segundo três fases, correspondentes a cada um
dos períodos de evolução da doença definidos no modelo de HND, conforme representado na figura a
seguir. Essas três fases da prevenção – primária, secundária e terciária – admitem ainda subdivisões,
a partir das quais definem-se cinco níveis de prevenção.
20
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

Período Período Desfecho


pré‑patogênico patogênico

Doença
avançada Morte
Agente
Cronificação

Sequela
Horizonte
Meio clínico
Cura

Hospedeiro
Patogenia precoce

Prevenção Prevenção Prevenção


primária secundária terciária

Figura 1 – Esquema gráfico do modelo teórico de história natural da doença e níveis de prevenção

3.1 Prevenção primária

A prevenção primária refere-se a ações relacionadas aos determinantes de adoecimentos ou agravos


que incidem sobre indivíduos e comunidades de modo a impedir os processos patogênicos antes que
eles ocorram. Refere-se, portanto, ao período pré-patogênico do modelo da HND, e diz respeito a ações
voltadas à intervenção sobre os agentes patógenos e seus vetores, sobre os hospedeiros, ou indivíduos e
comunidades, e sobre o meio que os expõe a esses patógenos.

A prevenção primária subdivide-se, por sua vez, em dois níveis: a promoção da saúde e a proteção
específica. Os limites entre esses dois níveis, como aliás entre os diversos componentes do modelo de
HND/NP, são relativamente arbitrários.

3.1.1 Promoção da saúde

Esse primeiro nível de prevenção refere-se a ações que incidem sobre melhorias gerais nas condições
de vida de indivíduos, famílias e comunidades, beneficiando a saúde e a qualidade de vida de modo geral,
dificultando um grande número de processos patogênicos. Saneamento básico, com distribuição de água
potável e esgoto sanitário, disposição e coleta de lixo adequadas, boas condições de moradia, nutrição,
trabalho e transporte, acesso a serviços, informações e insumos em educação, saúde, lazer e cultura,
controle da qualidade do ar e de outras fontes de poluição ambiental, regulação dos espaços públicos
em relação à segurança quanto a acidentes e violências, promoção e proteção dos direitos humanos
são exemplos de ações de promoção da saúde que, ao longo do tempo, foram sendo incorporadas às
práticas de prevenção.

21
Unidade I

3.1.2 Proteção específica

Esse nível de prevenção se refere a ações que incidem no período pré-patogênico, isto é, ações
que querem se antecipar à instalação dos processos patogênicos. A diferença é que, aqui, as ações são
dirigidas a grupos específicos de processos saúde-doença. As ações de proteção específica também
podem ser dirigidas ao agente, ao hospedeiro ou ao meio.

O exemplo clássico de ação preventiva para proteção específica é a vacinação, que imuniza os
suscetíveis contra um agente infeccioso, reduzindo as chances de os indivíduos serem infectados,
adoecerem ou desenvolverem formas graves da doença ao entrarem em contato com esse agente.
Algumas vacinas são recomendadas rotineiramente e outras podem ser necessárias apenas para grupos
específicos, como a vacina de febre amarela, indicada para quem vive em área endêmica ou viajará para
essa região, ou situações específicas, como campanhas de vacinação para conter surtos ou epidemias
de doença meningocócica.

Outra ação de proteção específica voltada para agentes infecciosos é a quimioprofilaxia, como a
prescrição de isoniazida a alguns contactantes de pacientes com tuberculose pulmonar, ou rifampicina para
os contactantes de doença meningocócica, ou de AZT para recém-nascidos de mães infectadas pelo HIV etc.

Outras medidas relevantes de proteção específica são: combate aos criadouros domiciliares do Aedes
aegypti para o controle da dengue; controle biológico das larvas dos anopheles (mosquitos-pregos) para a
prevenção da malária; fluoração da água para o combate à cárie dentária; adição de iodo ao sal para
combate do bócio endêmico; distribuição de preservativos para a prevenção das doenças sexualmente
transmissíveis; fornecimento de material de injeção descartável a usuários de drogas para reduzir a
transmissão de aids e hepatites; controle de bancos de sangue para prevenir doenças transmitidas por
sangue e hemoderivados; medidas ergonômicas no ambiente de trabalho para reduzir a ocorrência de
acidentes; obrigatoriedade do uso do cinto de segurança para redução de morbidade e mortalidade
em acidentes de trânsito; adoção de legislação punitiva específica para coibir a violência doméstica etc.

3.2 Prevenção secundária

A prevenção secundária atua já no período patogênico, isto é, nas situações em que o processo
saúde-doença já está instaurado. Ela visa, fundamentalmente, a dois objetivos. Um deles é propiciar a
melhor evolução clínica para os indivíduos afetados, conduzindo ao máximo o processo para os melhores
desfechos, de preferência evitando a transposição do horizonte clínico ou, pelo menos, minimizando a
sintomatologia. O outro é interromper ou reduzir a disseminação do problema a outros indivíduos. Para
alcancar esses objetivos, são definidos também dois níveis de prevenção de fase secundária.

3.2.1 Diagnóstico precoce e tratamento imediato

As medidas de diagnóstico precoce e tratamento imediato, como o próprio nome indica, devem
detectar o mais rapidamente possível processos patogênicos já instalados. Assim, mesmo antes de um
agravo em curso cruzar o horizonte clínico, já é possível, em muitos casos, diagnosticá-lo e adotar
medidas protetoras para os indivíduos afetados e para terceiros.
22
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

Exemplos de ações de diagnóstico precoce são os rastreamentos ou screenings. Nesse sentido, vale
lembrar a busca ativa e a realização de exame bacterioscópico de escarro nos chamados sintomáticos
respiratórios – indivíduos que tossem há mais de três semanas sem outra razão conhecida – visando
diagnosticar precocemente a tuberculose pulmonar. Essa medida favorece não apenas a evolução clínica
do indivíduo infectado precocemente diagnosticado e tratado como também sua comunidade, seja
pela redução do número de pacientes bacilíferos no ambiente, seja pela possibilidade de localização
e avaliação dos contactantes domiciliares dos doentes, entre os quais há significativa probabilidade
de encontrar outros infectados em fase inicial e indivíduos altamente suscetíveis à infecção. Por isso,
deve-se lembrar que a busca ativa de outros casos ou suscetíveis a partir de um diagnóstico de doença
infecciosa é também uma relevante medida de prevenção secundária.

Há ainda diversos rastreamentos além daqueles vinculados à vigilância epidemiológica de doenças
infecciosas, que, com maior ou menor grau de evidência, demonstram beneficiar a prevenção de agravos
entre indivíduos e comunidades, como o exame de papanicolaou entre mulheres sexualmente ativas, a
mamografia e o exame físico das mamas em mulheres acima de 50 anos ou de alto risco (história prévia
ou familiar próxima), dosagem de glicemia e colesterol em indivíduos obesos ou com história de risco
aumentado para doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2, aferição da pressão arterial em adultos etc.

É preciso lembrar que esse nível de prevenção é extremamente importante para a saúde pública. Embora,
em termos ideais, o período pré-patogênico constitua o melhor momento para a prevenção, o fato é que ações
de prevenção primária são, muitas vezes, de uma amplitude e natureza tais que implicam investimentos caros
e retornos de longo prazo. Nessas situações, a prevenção secundária pode assumir um caráter estratégico,
permitindo focalizar locais e pessoas mais suscetíveis, o que favorece a efetividade das ações de saúde
enquanto não se logra realizar os controles mais radicais, relacionados à prevenção primária.

3.2.2 Limitação de incapacidade

Esse nível de prevenção refere-se às medidas aplicadas aos casos que já ultrapassaram o horizonte
clínico, encontrando-se o processo de adoecimento plenamente instalado. O impacto das ações de
prevenção nesse nível tende a ser menor, mas nem por isso menos relevante. Aqui o objetivo é cuidar
dos casos com os mais eficazes e adequados recursos para que o curso clínico possa tender, o máximo
possível, para a cura total ou com poucas sequelas, ou reduzir e retardar ao máximo as complicações
clínicas, nos casos de condições crônicas (como hipertensão, diabetes mellitus, entre outros) ou
cronificadas com recurso a suportes terapêuticos (como a aids ou algumas doenças autoimunes).

Dessa forma, um cuidado integral, acessível, de alta qualidade técnica, sensível às necessidades e
condições físicas, emocionais e sociais dos indivíduos, famílias e comunidades torna-se um instrumento
de relevância incontestável, demonstrando a estreita relação entre assistência à saúde e prevenção.

3.3 Prevenção terciária

Esse quinto nível de prevenção refere-se, finalmente, ao momento em que o processo saúde-doença
alcançou um fim ou uma forma estável de longo prazo, a cura com sequelas ou a cronificação, as
quais também necessitam de cuidados preventivos específicos. Nesse plano, o objetivo é conseguir que
23
Unidade I

as limitações impostas pela condição provocada pelo adoecimento ou agravo prejudiquem o mínimo
possível o cotidiano e a qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidades afetadas.

O alcance desse objetivo requer esforços que podem passar por medidas de reabilitação física, como
no caso de restrições funcionais, sequelas neuromotoras ou necessidade de uso de próteses; apoios de
caráter psicoemocional, como em mutilações físicas, alterações psicomotoras ou dificuldades emocionais
que interfiram na autoimagem, na identidade, no equilíbrio mental ou na sociabilidade dos afetados;
até apoio de alcance social, como readaptação no trabalho, apoio previdenciário, ajustes no ambiente
doméstico, suporte jurídico contra ações discriminatórias etc.

Em relação às condições crônicas, destaca-se em particular a questão da difícil manutenção da


adesão às ações de cuidado de longo prazo, assim como o desafio da acessibilidade e integração dos
diferentes recursos necessários ao cuidado continuado e integral.

Como se vê, qualidade de vida é a expressão-chave, e interdisciplinaridade e intersetorialidade são


os meios indispensáveis para que se alcance esse ideal.

3.4 Ações de prevenção e prática médica

Como já foram acentuados exemplos de ações preventivas com o modelo de HND/NP, agora será
feita uma referência às diferentes situações de práticas em que ações dessa natureza podem ser
desenvolvidas.

Se for considerado o caráter das ações de prevenção, será quase intuitivo compreender que as
unidades básicas de saúde devem constituir o espaço privilegiado para seu desenvolvimento. Esse
privilégio se deve a uma série de características da atenção básica:

• O fato de a unidade básica constituir-se na instância de serviços de saúde mais próxima do


contexto em que vivem os indivíduos em suas famílias e comunidades.

• Configurar-se como instância responsável pelo acompanhamento do nascimento e


desenvolvimento das pessoas, desde a atenção pré-natal, os cuidados de higiene infantil, as ações
de cuidado à saúde da mulher, do adolescente, do idoso etc.

• Basear-se no contato direto e continuado dos profissionais de saúde com as famílias e a comunidade.

• Permitir maior integração cotidiana entre ações de cuidado e prevenção articuladas de modo
interdisciplinar e intersetorial, como saúde, educação, bem-estar social, cultura, justiça etc.

A chamada atenção primária à saúde constitui-se em uma área na qual a prevenção de agravos é
um dos principais objetivos e um espaço de ricas oportunidades, o que, como visto a partir da discussão
do modelo de HND/NP, não prescinde de cuidadosa assistência médica, muito ao contrário, guarda na
integração com esta uma sinergia fundamental.

24
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

3.5 Uma nova promoção da saúde

O movimento histórico de desenvolvimento dos conceitos e práticas da medicina preventiva e


da saúde pública foi apontando, ao longo do tempo, novas necessidades de conceitos e práticas. A
reconstrução, em pleno curso, do antigo conceito de promoção da saúde é um dos mais expressivos
exemplos desse processo.

Como visto, por promoção da saúde entende-se, segundo o modelo de Leavell e Clark, o primeiro
nível de prevenção, o mais abrangente e não específico da fase primária. A partir da década de 1970,
contudo, promoção da saúde passou a ser também a expressão utilizada como o norte de um importante
movimento de ideias e ações com vistas à renovação das práticas de saúde. Em sua nova acepção, a
promoção da saúde guardou estreita relação com os aspectos relacionados ao nível de prevenção do
modelo HND/NP, mas introduziu mudanças significativas. Primeiro porque expandiu o alcance das ações
originariamente associadas a esse nível e depois porque buscou modificar os próprios fundamentos e
métodos dessas ações. É o que será examinado a seguir.

3.6 Origens da nova promoção da saúde (NPS)

O marco formal do início do movimento de construção da nova promoção da saúde é o documento


chamado Informe Lalonde, de 1974. Esse relatório consistia em um profundo questionamento do
modelo de atenção à saúde vigente do Canadá, país extremamente dispendioso e pouco eficaz na
melhoria das condições de saúde do povo. As principais conclusões do informe eram que as ações
de saúde estavam excessivamente centradas na prática hospitalar e nos determinantes biológicos do
adoecimento e que maior atenção deveria ser dada ao meio ambiente e aos estilos de vida, priorizando
práticas de intervenção voltadas para esses aspectos.

Pouco tempo depois, em 1978, a OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)
organizaram a 1a Conferência sobre Cuidados Primários em Saúde, na cidade de Alma-Ata. Na Declaração
de Alma-Ata, essa orientação na direção do fortalecimento das práticas de prevenção e atenção primária,
especialmente no que se refere ao nível da promoção da saúde, foi reforçada pelas recomendações feitas
para as políticas de saúde dos países signatários. Essas recomendações priorizavam oito itens:

• Educação dirigida aos problemas de saúde prevalentes e métodos para sua prevenção e controle.

• Promoção do suprimento de alimentos e nutrição adequada.

• Abastecimento de água e saneamento básico apropriados.

• Atenção materno-infantil, incluindo o planejamento familiar.

• Imunização contra as principais doenças infecciosas.

• Prevenção e controle de doenças endêmicas.

25
Unidade I

• Tratamento apropriado de doenças comuns e acidentes.

• Distribuição de medicamentos básicos.

O impulso decisivo para a consolidação das propostas da NPS veio das Conferências Internacionais
sobre Promoção da Saúde – Ottawa, 1986; Adelaide, 1988; Sundsvall, 1991; Jacarta, 1997; México, 2000;
Bangkok, 2006. Ao longo dessas conferências, que reuniram técnicos, gestores, políticos e ativistas,
foram sendo consolidados os conceitos e as estratégias para uma efetiva mudança de paradigma na
orientação das práticas de saúde e melhoria das condições de saúde das populações em todo o mundo,
especialmente entre as nações mais pobres. Em cada uma dessas conferências, o debate de ideias e
experiências dos diversos países participantes, seus sucessos e seus fracassos, seus avanços e suas
dificuldades foram, pouco a pouco, constituindo uma série de princípios e métodos que têm conferido
novo sentido às práticas de saúde, sobretudo no campo da prevenção.

3.7 Princípios da nova promoção da saúde

Sistematiza-se no quadro a seguir o resultado obtido até os dias de hoje em sete princípios para
essa prática.

Quadro 2

Concepção holística A saúde é entendida como bem-estar físico, mental, social e espiritual, dizendo respeito não
de saúde a grupos de riscos, mas à população como um todo, e não apenas a questões médicas, mas a
necessidades relacionadas ao dia a dia dessas populações
Para responder às necessidades de saúde em sua concepção holística, é necessária a
articulação de diferentes setores de atividade social, envolvendo ações de legislação,
tributação e controle fiscal, educação, habitação, serviço social, cuidados primários em
Intersetorialidade saúde, trabalho, alimentação, lazer, agricultura, transporte, planejamento urbano etc. Isso
leva as propostas da NPS a identificar no compromisso e envolvimento governamental um
papel central. Há aqui já algum contraste com o sentido predominantemente centrado no
setor saúde da promoção da saúde no modelo clássico de HND
Neologismo que busca traduzir o termo inglês empowerment; trata-se da ideia de que
Empoderamento é preciso que os indivíduos tenham efetivo poder para transformar as diversas situações
sociais que restringem ou ameaçam sua saúde, o que remete a questões como direitos de
cidadania, apoio jurídico, autoestima, suporte social etc.
De modo articulado ao empoderamento dos diversos sujeitos sociais, espera-se que a
definição de prioridades para a promoção da saúde e dos meios mais adequados para
alcançá-las sejam frutos de discussões e ações coletivamente construídas. Isso requer
Participação social a produção e a circulação democrática das informações e o desenvolvimento de canais
acessíveis e efetivos de participação política. Essa forte politização é, talvez, o ponto de
maior distância em relação ao modelo de HND/NP, no qual predomina uma leitura mais
técnica e individual dos problemas e de sua solução, não obstante haver já referência à
necessidade de ação por meio da organização social e estatal nos trabalhos de Leavell e Clark
Desde a Carta de Ottawa, esse é um princípio fundamental da NPS. Refere-se à ideia de
que a efetividade de um acesso universal à saúde depende de estratégias que contemplem
as especificidades dos diferentes grupos sociais, as condições desiguais das quais são
Equidade constituídas suas necessidades de saúde e suas possibilidades de cuidado. Também nesse
aspecto observam-se mudanças substantivas em relação à promoção da saúde tradicional.
De fato, foi só a partir da década de 1990 que se fortaleceu a noção de que objetivos e
métodos para a boa saúde não são universais, mas implicam, inclusive, políticas assentadas
em desigualdades para que se possa alcançar a equidade em termos de distribuição da saúde

26
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

Esse ponto está bem próximo das propostas de interdisciplinaridade e intersetorialidade


que também orientam o modelo de Leavell e Clark, isto é, assumir a necessidade de que
diferentes conhecimentos e ações de várias naturezas sejam chamados a contribuir para as
Ações melhores formas de interferir nos processos de saúde-doença. A diferença reside no aspecto
multiestratégicas estratégico, isto é, o elenco das disciplinas a serem envolvidas e o papel de cada uma delas
nessa tarefa não estão dados a priori, mas dependem dos processos políticos concretos em
que se busca construir equitativamente respostas para as necessidades de saúde social e
historicamente configuradas em cada contexto de prática
Diz respeito, de um lado, à necessidade de que as políticas de promoção de saúde estejam
sinergicamente articuladas com o princípio de desenvolvimento econômico sustentado, isto
é, um desenvolvimento produtivo que não consuma de modo predatório os recursos naturais
Sustentabilidade e socioculturais das populações. De outro lado, aponta para a garantia de continuidade
e efetividade dessas políticas, requerendo esforços para captação duradoura de recursos
materiais e construção de legitimidade e governabilidade dessas propostas. Esses são
aspectos bastante contemporâneos na promoção da saúde

4 EPIDEMIOLOGIA GERAL DAS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS

4.1 Patologia, infecção e doença

Patologia é o estudo científico das doenças, e a palavra deriva do grego pathos (sofrimento) e logos
(ciência). A patologia interessa-se primeiro pela causa, ou etiologia, de uma doença. Em segundo lugar,
ela lida com a patogênese, a maneira pela qual uma doença se desenvolve. Por fim, a patologia analisa
as mudanças estruturais e funcionais decorrentes de uma doença e seus efeitos no organismo.

Embora os termos infecção e doença sejam muitas vezes utilizados como sinônimos, eles
apresentam diferenças em seus significados. Infecção consiste na invasão ou colonização do corpo
por microrganismos patogênicos; a doença ocorre quando uma infecção leva à alteração no estado de
saúde. A doença é um estado anormal, no qual parte ou todo o organismo encontra-se incapaz
de realizar as suas funções normais. Uma infecção pode existir na ausência de doença detectável. Por
exemplo, o corpo pode estar infectado pelo vírus que causa a aids sem que haja a manifestação de
qualquer sintoma da doença.

A presença de um tipo particular de microrganismo em uma parte do corpo onde ele normalmente
não é encontrado também é chamada de infecção e pode acarretar o surgimento de doença. Por
exemplo, embora grandes quantidades de E. coli normalmente estejam presentes no intestino saudável,
sua infecção do trato urinário, geralmente, leva à doença.

4.2 Etiologia das doenças infecciosas

Algumas doenças, como a pólio e a tuberculose, têm uma etiologia claramente definida. Contudo,
outras doenças têm uma etiologia não totalmente compreendida, como a relação entre determinados
vírus e câncer. A doença de Alzheimer, por exemplo, tem sua etiologia desconhecida. Obviamente, nem
todas as doenças são causadas por microrganismos. A hemofilia é uma doença hereditária (genética), e a
osteoartrite é degenerativa. Existem ainda várias outras categorias de doenças, mas discutiremos apenas
as doenças infecciosas, ou seja, aquelas causadas por microrganismos.

27
Unidade I

4.3 Fatores predisponentes

Alguns fatores predisponentes também afetam a ocorrência de uma doença. Um fator predisponente
é aquele que torna o corpo mais suscetível a uma doença e pode alterar seu curso. O sexo algumas vezes é
um fator predisponente. As mulheres, por exemplo, apresentam maior incidência de infecções urinárias
e depressão do que os homens. Por outro lado, os homens denotam maiores taxas de ocorrência de
pneumonia e meningite. Outros aspectos de origem genética podem desempenhar um papel semelhante.
A anemia falciforme, por exemplo, é uma forma grave e muitas vezes fatal de anemia que ocorre quando
os genes responsáveis pela doença são herdados de ambos os pais. Indivíduos que carreiam apenas um
gene da anemia falciforme apresentam uma condição denominada traço falciforme e são considerados
normais, a não ser que sejam realizados testes especiais para afirmar o contrário. No entanto, esses
indivíduos são resistentes à forma mais grave da malária. Nesses casos, a possibilidade de que indivíduos
possam herdar uma doença potencialmente letal em uma população é contrabalanceada pela proteção
contra malária entre os portadores do gene para o traço falciforme. É claro que, em países onde a
malária não está presente, o traço falciforme é uma condição inteiramente negativa.

As condições climáticas parecem ter algum efeito na incidência de doenças infecciosas. Em regiões
temperadas, a incidência de doenças respiratórias aumenta durante o inverno. Esse aumento pode estar
relacionado ao fato de que, quando as pessoas permanecem em ambientes fechados, o contato íntimo
entre elas facilita a disseminação dos patógenos respiratórios.

Outros fatores predisponentes incluem nutrição inadequada, fadiga, idade, meio ambiente, hábitos,
estilo de vida, ocupação, doenças preexistentes e quimioterapia. Normalmente, é difícil saber a
importância relativa exata dos vários fatores predisponentes.

Observação

Depressão, lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide são


doenças com maior incidência nas mulheres, já infarto do miocárdio,
enfisema pulmonar e câncer de pulmão são mais incidentes em homens.

4.4 Desenvolvimento da doença

Uma vez que o microrganismo supera as defesas do hospedeiro, o desenvolvimento da doença tem
uma sequência, que tende a ser similar, independentemente de a doença ser aguda ou crônica.

4.4.1 Período de incubação

O período de incubação consiste no intervalo entre a infecção inicial e o surgimento dos primeiros
sinais ou sintomas. Em algumas doenças, o período de incubação é sempre o mesmo; em outras, ele
pode variar consideravelmente. O tempo de incubação depende do microrganismo específico que está
envolvido, de sua virulência (grau de patogenicidade), do número de microrganismos infectantes e da
resistência do hospedeiro.
28
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

4.4.2 Período prodrômico

O período prodrômico consiste em um período de tempo relativamente curto que se segue ao


período de incubação de algumas doenças. Ele é caracterizado pelo surgimento de sintomas precoces e
leves de doença, como dores generalizadas e indisposição geral.

4.4.3 Período de doença

Durante o período de doença, o quadro da doença é mais grave. O paciente exibe sinais e sintomas
claros, como febre, calafrios, dores musculares (mialgia), sensibilidade à luz (fotofobia), dor de garganta
(faringite), edema dos linfonodos (linfadenopatia) e distúrbios gastrintestinais. Nessa fase, o número de
leucócitos pode aumentar ou diminuir. Em geral, as respostas imunes e outros mecanismos de defesa
do paciente destroem o patógeno, o que demarca o fim do período de doença. Quando a doença não é
controlada (ou tratada) com sucesso, o paciente vai a óbito.

4.4.4 Período de declínio

Durante o período de declínio, os sinais e os sintomas diminuem de intensidade. A febre diminui,


assim como a sensação de indisposição. Nessa fase, que pode durar de menos de 24 horas a vários dias,
o paciente encontra-se vulnerável a infecções secundárias.

4.4.5 Período de convalescência

No período de convalescência, a pessoa restaura a sua força e o corpo retorna ao estado anterior à
doença. Segue a recuperação.

Durante o período de doença, as pessoas podem atuar como reservatórios do patógeno, podendo
disseminar rapidamente a infecção para outras pessoas. Entretanto, elas podem transmitir infecções
durante os períodos de incubação e convalescência. Esse fato é especialmente verdadeiro nos casos
de doenças como a cólera e a febre tifoide, em que os pacientes convalescentes podem carrear os
microrganismos patogênicos por meses ou até anos.

4.5 Disseminação da infecção

A seguir, serão examinadas as fontes de patógenos e como eles são transmitidos.

4.5.1 Reservatórios de infecção

Para que uma doença se perpetue, é necessária a existência de uma fonte contínua do organismo
causador da doença. Essa fonte pode ser um organismo vivo ou um objeto inanimado que fornece ao
patógeno condições adequadas de sobrevivência e multiplicação, assim como a oportunidade de ser
transmitido. Essa fonte é chamada de reservatório de infecção. Esses reservatórios podem ser seres
humanos, animais ou inanimados.

29
Unidade I

Reservatórios humanos

O principal reservatório vivo de doenças humanas é o próprio corpo humano. Muitas pessoas
abrigam patógenos e os transmitem direta ou indiretamente para outros indivíduos. Pessoas que
apresentam sinais e sintomas de uma doença são capazes de transmiti-la; além disso, alguns
indivíduos podem abrigar e transmitir patógenos para outros indivíduos sem apresentarem nenhum
sinal de doença. Essas pessoas, denominadas portadoras, são importantes reservatórios vivos de
infecção. Alguns portadores possuem infecções inaparentes, sem nunca exibir sinais ou sintomas
de doença. Outras, como aquelas que apresentam infecções latentes, carreiam a doença durante os
estágios livres de sintomas – durante o período de incubação (antes do aparecimento dos sintomas)
ou durante o período de convalescência (recuperação).

Observação

A inglesa Mary Mallon, conhecida como Maria Tifoide, é um exemplo


de portador. Os portadores humanos desempenham um papel importante
na disseminação de doenças como aids, difteria, febre tifoide, hepatite,
gonorreia, disenteria amebiana e infecções estreptocócicas.

Reservatórios animais

Tanto animais domésticos quanto silvestres podem ser reservatórios vivos de microrganismos que
causam doenças em seres humanos. As doenças que ocorrem principalmente em animais domésticos e
silvestres e podem ser transmissíveis aos seres humanos são chamadas de zoonoses. A raiva (encontrada
em morcegos, gambás, raposas, cães e coiotes) e a doença de Lyme (em camundongos do campo) são
exemplos de zoonoses.

Atualmente, são conhecidas cerca de 150 zoonoses. A transmissão aos seres humanos pode ocorrer
de várias formas: por contato direto com animais infectados; por contato direto com detritos de animais
domésticos (como ao limpar uma caixa de areia ou gaiola); pela contaminação de água ou alimentos;
pelo ar, através de couros, pelos ou penas contaminadas; pelo consumo de produtos derivados de
animais infectados; ou por insetos vetores (que transmitem patógenos).

Reservatórios inanimados

Os dois principais reservatórios inanimados de doenças infecciosas são a água e o solo. O solo
contém patógenos, como os fungos, que causam micoses, incluindo as tíneas e as infecções sistêmicas;
o Clostridium botulinum, a bactéria que causa o botulismo; e o Clostridium tetani, agente etiológico
do tétano. Como ambas as espécies de Clostridium fazem parte da microbiota normal do intestino de
cavalos e gado, essas bactérias são encontradas principalmente em solos onde as fezes desses animais
são usadas como fertilizante.

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FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

A água contaminada por fezes de seres humanos e de outros animais é um reservatório para diversos
patógenos, especialmente para aqueles responsáveis por doenças gastrintestinais, entre eles o Vibrio
cholerae, que causa a cólera; o Cryptosporidium, a diarreia; e a Salmonella typhi, a febre tifoide. Outros
reservatórios inanimados são os alimentos preparados ou armazenados de modo inadequado. Eles
podem ser fonte de doenças como a salmonelose.

4.6 Transmissão de doenças

Os agentes etiológicos das doenças podem ser transmitidos do reservatório de infecção para um
hospedeiro suscetível por três vias principais: contato, veículos e vetores.

4.6.1 Transmissão por contato

A transmissão por contato é a disseminação de uma doença por contato direto, indireto ou através
de gotículas. A transmissão por contato direto, também conhecida como transmissão pessoa a pessoa,
consiste na transmissão direta de um agente via contato físico entre sua fonte e um hospedeiro
suscetível, sem o envolvimento de nenhum objeto intermediário. As formas mais comuns de transmissão
por contato direto são toque, beijo e relação sexual. Entre as doenças que podem ser transmissíveis
desse modo estão as doenças virais do trato respiratório (gripes e resfriados comuns), a hepatite A, o
sarampo, a febre escarlatina e as doenças sexualmente transmissíveis (sífilis, gonorreia e herpes genital).
O contato direto também é uma forma de transmissão da aids e da mononucleose infecciosa. Para
se proteger contra a transmissão pessoa a pessoa, profissionais da saúde devem usar luvas e outras
medidas protetoras. Patógenos potenciais também podem ser transmitidos por contato direto entre
animais (ou produtos de origem animal) e seres humanos. Os patógenos causadores da raiva (contato
direto no local da mordida) e do antraz são exemplos.

A transmissão por contato indireto ocorre quando o agente da doença infecciosa é transmitido de
seu reservatório a um hospedeiro suscetível através de um objeto inanimado. O termo geral que se refere
a qualquer objeto inanimado envolvido na disseminação de uma infecção é fômite. Exemplos de fômites
incluem tecidos, lenços, toalhas, roupas de cama, copos, talheres, brinquedos, dinheiro e termômetros.
Seringas contaminadas atuam como fômites na transmissão da aids e da hepatite B. Outros fômites
podem transmitir doenças, como o tétano.

A transmissão por gotículas é o terceiro tipo de transmissão por contato, no qual os micróbios se
disseminam através de perdigotos (gotículas de muco), que percorrem apenas distâncias curtas. Essas
gotículas são eliminadas no ar por tosse, espirro, fala ou risada e percorrem menos de 1 metro do reservatório
ao novo hospedeiro. Um único espirro pode produzir até 20 mil perdigotos. Não se considera que os agentes
de doenças que percorrem distâncias curtas sejam transmissíveis pelo ar. Exemplos de doenças transmissíveis
por gotículas são a gripe, a pneumonia e a coqueluche (tosse comprida).

4.6.2 Transmissão por veículo

Consiste na transmissão de agentes de doenças através de meios como a água, os alimentos ou o ar.
Outros meios incluem o sangue e outros líquidos corporais, os fármacos e os fluidos intravenosos.
31
Unidade I

Na transmissão pela água, os patógenos, em geral, são disseminados por águas contaminadas com
esgoto não tratado ou tratado de maneira inadequada. Doenças transmissíveis dessa forma incluem
a cólera, a shigelose e a leptospirose. Na transmissão por alimentos, os patógenos, comumente, são
transmissíveis por alimentos malcozidos, mal refrigerados ou preparados em condições sanitárias
impróprias. Os patógenos transmissíveis por alimentos contaminados causam doenças, como a
intoxicação alimentar e a infestação de tênia.

Transmissão pelo ar refere-se à dispersão de agentes infecciosos por gotículas e perdigotos em


partículas de poeira que percorrem mais de 1 metro do reservatório ao novo hospedeiro. Por exemplo,
os micróbios podem ser disseminados por gotículas e perdigotos minúsculos, eliminados pela boca e
pelo nariz durante a tosse e o espirro. Essas gotículas são pequenas o suficiente para permanecerem
no ar por longos períodos. O vírus que causa o sarampo e a bactéria que causa a tuberculose podem
ser transmissíveis por via aérea. As partículas de poeira podem abrigar muitos patógenos. Estafilococos
e estreptococos podem sobreviver nessas partículas e, então, serem transmitidos pelo ar. Esporos
produzidos por certos fungos também são transmissíveis por via aérea e causam doenças, como a
histoplasmose e a blastomicose.

4.7 Vetores

Os artrópodes formam o grupo mais importante de vetores de doenças – animais que transportam
patógenos de um hospedeiro para outro. Os vetores artrópodes podem transmitir doenças por dois
mecanismos. A transmissão mecânica é o transporte passivo de patógenos nas patas ou em outras partes
do corpo do inseto. Se o inseto entrar em contato com o alimento de um hospedeiro, os patógenos
podem ser transferidos ao alimento e, posteriormente, serem ingeridos pelo hospedeiro. As moscas
domésticas, por exemplo, podem transferir os patógenos causadores da febre tifoide e da disenteria
bacilar (shigelose) de fezes contaminadas para os alimentos.

A transmissão biológica é um processo ativo e mais complexo. O artrópode pica uma pessoa ou
animal infectado e ingere sangue contaminado. Os patógenos, então, reproduzem-se no vetor, e
o aumento do número de patógenos multiplica as chances de eles serem transmitidos para outro
hospedeiro. Alguns parasitos se reproduzem no intestino do artrópode e podem ser eliminados com
as fezes. Se o artrópode defeca ou vomita enquanto pica o hospedeiro em potencial, o parasito pode
entrar no ferimento gerado pela picada. Outros parasitos reproduzem-se no intestino do vetor e
migram para as glândulas salivares, podendo ser diretamente injetados no novo hospedeiro via picada.
Alguns protozoários e helmintos parasitos utilizam o vetor como hospedeiro para o desenvolvimento
de determinados estágios de seu ciclo de vida.

Lembrete

Fômite é qualquer objeto inanimado ou substância capaz de absorver,


reter e transportar organismos contagiantes ou infecciosos de um
indivíduo a outro.

32
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

4.8 Como os microrganismos infectam o hospedeiro

Como observado anteriormente, a patogenicidade é a capacidade de um organismo em causar


doença por meio da superação das defesas do hospedeiro, ao passo que a virulência é o grau de
patogenicidade. Para causar doença, a maioria dos patógenos deve obter acesso ao hospedeiro, aderir-se
aos tecidos, penetrar ou escapar das defesas e danificar os tecidos do hospedeiro. Entretanto, alguns
micróbios não causam doença pelo dano direto aos tecidos do hospedeiro. Em vez disso, a doença
se instala em decorrência do acúmulo de excretas microbianas. Alguns micróbios, como aqueles que
causam as cáries dentárias e a acne, podem causar doenças sem penetrar no organismo. Os patógenos
podem penetrar no corpo humano ou em outros hospedeiros por meio de várias vias, chamadas de
portas de entrada.

4.9 Portas de entrada

As portas de entrada para os patógenos incluem as membranas mucosas, a pele e a deposição direta
sob a pele ou as membranas (via parenteral).

4.9.1 Membranas mucosas

Muitas bactérias e vírus têm acesso ao corpo pela penetração das membranas mucosas que revestem
os tratos respiratório, gastrintestinal, urogenital e a conjuntiva, a membrana delicada que recobre o
globo ocular e reveste as pálpebras. A maioria dos patógenos entra no hospedeiro via mucosas dos
tratos gastrintestinal e respiratório.

O trato respiratório é a porta de entrada mais fácil e frequentemente utilizada pelos microrganismos
infecciosos. Micróbios são inalados para dentro da cavidade nasal ou boca em gotículas de umidade e
partículas de pó. As doenças mais comumente adquiridas através do trato respiratório incluem resfriado
comum, pneumonia, tuberculose, gripe (influenza) e sarampo.

Os microrganismos podem ter acesso ao trato gastrintestinal através de água, alimentos ou dedos
contaminados. A maioria dos micróbios que entra no corpo por essa via é destruída pelo ácido clorídrico
(HCl) e pelas enzimas presentes no estômago ou pela bile e enzimas no intestino delgado. Aqueles que
sobrevivem podem causar doença. Os micróbios no trato gastrintestinal podem causar poliomielite,
hepatite A, febre tifoide, disenteria amebiana, giardíase, shigelose (disenteria bacilar) e cólera. Esses
patógenos são eliminados nas fezes e podem ser transmitidos a outros hospedeiros pela água e por
alimentos ou dedos contaminados.

O trato urogenital é a porta de entrada de patógenos que são sexualmente transmissíveis (DSTs).
Alguns micróbios que causam DSTs podem entrar no organismo através das membranas mucosas
íntegras. Outros precisam da presença de cortes ou abrasões de algum tipo. Exemplos de DSTs incluem
a infecção pelo HIV, verrugas genitais, clamídia, herpes, gonorreia e sífilis.

33
Unidade I

4.9.2 Pele

A pele é o maior órgão do corpo humano em termos de área de superfície e peso, constituindo
uma importante barreira defensiva contra doenças. A pele íntegra é impenetrável para a maioria dos
microrganismos. Alguns micróbios podem ter acesso ao corpo através de aberturas na pele, como
folículos pilosos e ductos sudoríparos. As larvas de ancilóstomos podem perfurar a pele intacta e alguns
fungos podem crescer na queratina da pele ou infectar a pele em si.

A conjuntiva é uma membrana mucosa delicada que resveste as pálpebras e cobre a parte branca
dos globos oculares. Embora seja uma barreira relativamente eficiente contra infecções, certas doenças
como a conjuntivite e o tracoma podem ser adquiridas pela conjuntiva.

4.9.3 Via parenteral

Alguns microrganismos podem ter acesso ao corpo quando são depositados diretamente nos
tecidos sob a pele ou nas membranas mucosas, quando essas barreiras são penetradas ou danificadas.
Essa rota é chamada de via parenteral. Perfurações, injeções, mordidas, cortes, ferimentos, cirurgias e
rompimento da pele ou das membranas mucosas por edemas ou ressecamentos podem estabelecer
vias parenterais. O HIV, os vírus que causam hepatites e as bactérias que causam tétano podem ser
transmitidos parenteralmente.

Mesmo após entrarem no corpo, os microrganismos não necessariamente causam doenças. A


ocorrência de doença depende de vários fatores, e a porta de entrada é apenas um deles.

4.9.4 As portas de entrada preferenciais

Muitos patógenos têm uma porta de entrada preferencial, a qual é um pré-requisito para serem capazes
de causar doença. Se eles entrarem no organismo por outra porta de entrada, a doença talvez não ocorra.
Por exemplo, a bactéria que causa a febre tifoide, Salmonella typhi, produz todos os sinais e sintomas da
doença quando engolida (via preferencial), mas se a mesma bactéria é esfregada na pele não ocorre reação
(talvez apenas uma leve inflamação). Os estreptococos que são inalados (via preferencial) podem causar
pneumonia. Já aqueles que são engolidos geralmente não produzem sinais ou sintomas. Alguns patógenos,
como a bactéria Yersinia pestis, o microrganismo causador da peste, e Bacillus anthracis, o agente causador
do antraz, podem iniciar um processo de doença por mais de uma porta de entrada.

Saiba mais

Para entender melhor como ocorrem as doenças infecciosas e


parasitárias, leia:

COURA, J. R. Dinâmica das doenças infecciosas e parasitárias. Rio de


Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
34
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

4.10 Portas de saída

Da mesma forma que os microrganismos penetram no corpo através de uma via preferencial, eles
também deixam o organismo através de vias específicas, chamadas de portas de saída, em secreções,
excreções, corrimentos ou tecidos que descamam. Em geral, as portas de saída estão relacionadas à
parte do corpo que foi infectada, e os micróbios tendem a usar a mesma porta para entrada e saída.
As portas de saída permitem que os patógenos se disseminem por uma população, movendo-se de um
hospedeiro suscetível para outro. Esse tipo de informação sobre a disseminação de uma doença é muito
importante para os epidemiologistas.

As portas de saída mais comuns são os tratos gastrintestinais e respiratório. Muitos patógenos
que vivem no trato respiratório deixam o organismo através de descargas nasais e bucais,
expelidas durante a tosse ou o espirro. Esses microrganismos são encontrados em gotículas
formadas por muco. Os patógenos que causam tuberculose, coqueluche, pneumonias, meningite
meningocócica, varicela, sarampo, varíola e gripe são eliminados pela via respiratória. Outros
patógenos saem pela via gastrintestinal, nas fezes ou na saliva. As fezes podem estar contaminadas
com patógenos associados a salmonelose, cólera, febre tifoide, shigelose, disenteria amebiana e
poliomielite. A saliva também pode conter patógenos, como os que causam a raiva, a caxumba
e a mononuclose infecciosa.

O trato urogenital também é uma importante via de saída. Microrganismos responsáveis por
infecções sexualmente transmissíveis são encontrados em secreções provenientes do pênis e da
vagina. A urina pode conter os patógenos responsáveis pela febre tifoide e pela brucelose, que
podem deixar o corpo pelo trato urinário. A pele ou os ferimentos podem representar outra porta
de saída. Infecções transmissíveis pela pele incluem bouba, impetigo, tíneas, herpes simples e
verrugas. Drenos em ferimentos podem disseminar infecções para outras pessoas diretamente
ou pelo contato com um fômite contaminado. O sangue infectado pode ser removido e,
então, reinjetado em outra pessoa por picadas de insetos ou agulhas e seringas contaminadas,
disseminando infecções em uma população. Exemplos de doenças transmissíveis por picada de
insetos incluem a febre amarela e a malária. A aids e a hepatite B podem ser transmitidas por
seringas e agulhas contaminadas.

Saiba mais

Os boletins epidemiológicos são instrumentos de vigilância para


promover informações sobre monitoramento de doenças com potencial
para desencadear emergências em saúde pública. Para mais informações,
consulte os boletins epidemiológicos no site do Ministério da Saúde:

http://saude.gov.br

35
Unidade I

4.11 Tipos de imunidade

Imunidade inata

Todos os dias o corpo humano trava uma batalha com pátogenos microbianos que precisam de um
lugar para viver.

Primeira linha de defesa

A primeira linha de defesa mantém os patógenos fora do corpo ou os neutraliza antes que uma
infecção se inicie. A pele, as membranas mucosas e determinadas substâncias antimicrobianas são parte
dessas defesas.

Segunda linha de defesa

A segunda linha de defesa retarda ou limita as infecções quando a primeira linha de defesa falha.
Ela inclui proteínas que produzem inflamação, a febre, além de fagócitos e células NK que atacam e
destroem as células tumorais e aquelas infectadas por vírus.

Terceira linha de defesa

A terceira linha de defesa inclui os linfócitos, que têm como alvo a destruição de patógenos específicos,
quando as defesas de segunda linha falham em controlar as infecções. Incluem um componente de
memória que permite ao corpo responder de forma mais eficiente ao mesmo patógeno no futuro.

A primeira e a segunda linha de defesas fazem parte do sistema imune inato, enquanto a terceira linha
de defesa é chamada de sistema imune adaptativo. Muitos leucócitos (glóbulos brancos) coordenam os
esforços no controle das infecções na segunda e na terceira linhas da defesa imune.

4.12 Conceito de imunidade

Quando os patógenos atacam nossos corpos, nos defendemos utilizando vários mecanismos de
imunidade. A imunidade, também chamada de resistência, é a capacidade de prevenir o surgimento de
doenças causadas por micróbios ou por seus produtos e de proteger contra agentes ambientais, como
pólen, substâncias químicas e pelos de animais. A ausência de imunidade é chamada de suscetibilidade.
Em geral, existem dois tipos de imunidade: inata e adaptativa.

A imunidade inata diz respeito às defesas que estão presentes no nascimento. Elas estão sempre
disponíveis para proporcionar respostas rápidas e nos proteger contra as doenças. A imunidade inata
não envolve o reconhecimento de um micróbio específico. Além disso, a imunidade inata não apresenta
resposta de memória, isto é, uma reação imune mais rápida e mais forte ao mesmo micróbio em outro
momento. A primeira linha de defesa da imunidade inata inclui a pele e as membranas mucosas, e a
segunda linha de defesa inclui as células natural killer, os fagócitos, a inflamação, a febre e as substâncias
antimicrobianas. As respostas imunes inatas representam o sistema de alerta precoce da imunidade e
36
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

são projetadas para impedir que os micróbios tenham acesso ao corpo e para ajudar a eliminar aqueles
que tiverem acesso.

A imunidade adaptativa tem como base uma resposta específica a um determinado microrganismo
caso ele tenha rompido as defesas da imunidade inata. Ela se ajusta para atacar um patógeno em
particular. Diferentemente da imunidade inata, a imunidade adaptativa é mais lenta na sua resposta,
contudo apresenta um componente de memória que permite ao corpo responder de maneira mais
efetiva aos mesmos patógenos no futuro. A imunidade adaptativa envolve linfócitos (um tipo de glóbulo
branco), chamados de células T (linfócitos T), e células B (linfócitos B).

As respostas do sistema inato são ativadas por proteínas receptoras presentes na membrana
plasmática das células defensivas. Entre esses ativadores estão os receptores semelhantes ao Toll (TLRs –
Toll like receptors). Esses TLRs se ligam a vários componentes geralmente encontrados nos patógenos
que são chamados de padrões moleculares associados a patógenos (Pamps – pathogen-associated
molecular patterns). Exemplos incluem o lipopolissacarídeo (LPS) da membrana externa de bactérias
gram‑negativas, a flagelina dos flagelos de bactérias móveis, o peptideoglicano da parede celular de
bactérias gram‑positivas, o DNA de bactérias, e o DNA e o RNA de vírus. Os TLRs também se ligam a
componentes de fungos e parasitos.

4.13 Primeira linha de defesa: pele e membranas mucosas

A pele e as membranas mucosas são a primeira linha de defesa do corpo contra os patógenos do
ambiente. Essa função resulta de fatores químicos e físicos.

4.13.1 Fatores físicos

Os fatores físicos incluem barreiras à entrada e os processos que removem os patógenos da


superfície do corpo. A pele intacta é o maior órgão do corpo humano em termos de área de
superfície e peso, além de ser extremamente importante na primeira linha de defesa. Ela consiste
na derme e na epiderme. A derme, a parte mais interna e espessa, é constituída de tecido conectivo.
A epiderme, a parte mais externa, está em contato direto com o ambiente externo. Ela consiste
em muitas camadas contínuas de células epiteliais firmemente unidas, com pouco ou nenhum
material entre as células. A camada superior da epiderme é formada de células mortas e contém
uma proteína protetora, chamada de queratina. A renovação constante da camada superior ajuda a
remover os microrganismos da superfície. Além disso, a secura da pele é um fator importante para
inibir o crescimento microbiano. Embora a microbiota normal e outros microrganismos estejam
presentes em toda a extensão da pele, eles são mais numerosos em áreas úmidas. Quando a pele
está mais úmida, como nos climas quentes e úmidos, as infecções cutâneas são bastante comuns,
principalmente as causadas por fungos, como o pé de atleta. Esses fungos hidrolisam a queratina
quando há água disponível.

As células firmemente unidas, a estratificação contínua, a presença de queratina, a secura e a


descamação da pele fazem com que a pele intacta constitua uma barreira eficiente para a entrada de
microrganismos. A superfície intacta da epiderme saudável raramente é invadida por microrganismos.
37
Unidade I

Entretanto, quando a superfície epitelial é rompida como resultado de uma queimadura, um corte,
perfurações ou outras condições, uma infecção subcutânea se desenvolve. As bactérias que mais
causam as infecções são os estafilococos, que normalmente habitam a epiderme, os folículos pilosos e
as glândulas sudoríparas e sebáceas da pele.

As células epiteliais, chamadas de células endoteliais, que revestem os vasos sanguíneos e linfáticos,
não são tão unidas como as encontradas na epiderme. Esse arranjo permite que as células defensivas
se movimentem do sangue para os tecidos durante a inflamação, mas também permite que os
microrganismos se movimentem para dentro e para fora do sangue e da linfa.

As membranas mucosas também consistem em uma camada epitelial e uma camada de tecido
conectivo subjacente. Elas são um componente importante da primeira linha de defesa. As membranas
mucosas revestem internamente os tratos gastrintestinal, respiratório e urogenital. A camada
epitelial de uma membrana mucosa secreta um fluido, chamado de muco, substância glicoproteica
ligeiramente viscosa (espessa) produzida pelas células caliciformes de uma membrana mucosa.
Entre outras funções, o muco impede o ressecamento dos tratos. Alguns patógenos que podem se
desenvolver nas secreções úmidas são capazes de penetrar a membrana se o microrganismo estiver
presente em quantidades suficientes. O Treponema pallidum é um desses patógenos. Essa penetração
pode ser facilitada por substâncias tóxicas produzidas pelo microrganismo, lesão prévia por infecção
viral ou irritação da mucosa.

Além da barreira física da pele e das membranas mucosas, vários outros fatores físicos ajudam a
proteger algumas superfícies epiteliais. Um mecanismo que protege os olhos é o aparelho lacrimal,
um grupo de estruturas que produz e drena as lágrimas. As glândulas lacrimais, localizadas em
direção à parte superior externa de cada órbita ocular, produzem as lágrimas e as fazem escorrer
sob a pálpebra superior. Após, as lágrimas seguem em direção ao canto do olho próximo ao nariz
e para dentro de pequenas aberturas que conduzem dos tubos (canais lacrimais) até o nariz. Ao
piscar, as lágrimas são espalhadas sobre a superfície do globo ocular. Normalmente, elas evaporam
ou passam para dentro do nariz tão rápido quanto são produzidas. Essa ação de lavagem contínua
impede que os microrganismos se estabeleçam sobre a superfície do olho. Se uma substância
irritante ou um número considerável de microrganismos entra em contato com o olho, as glândulas
lacrimais começam a secretar excessivamente, e as lágrimas se acumulam mais rapidamente do
que podem ser eliminadas. Essa produção excessiva é um mecanismo de proteção, uma vez que
o excesso de lágrimas dilui e lava a substância irritante ou os microrganismos antes que uma
infecção possa se desenvolver.

A saliva desempenha uma ação de limpeza similar àquela realizada pelas lágrimas. Produzida pelas
glândulas salivares, ajuda a diluir uma grande quantidade de microrganismos e os remove da superfície
dos dentes e da membrana mucosa da boca. Isso ajuda a impedir a colonização pelos micróbios.

Os tratos respiratório e gastrintestinal têm muitas formas físicas de defesa. O muco retém
muitos dos microrganismos que penetram nesses tratos. A membrana mucosa do nariz apresenta
pelos recobertos de muco que filtram o ar inalado e retêm microrganismos, poeira e poluentes.
As células da membrana mucosa do trato respiratório inferior são recobertas por cílios. Por meio
38
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

de movimentos sincronizados, esses cílios impulsionam a poeira inalada e os microrganismos que


ficaram retidos na porção superior em direção à garganta. Assim, os denominados elevadores ciliares
mantêm o manto de muco movendo-se em direção à garganta a um ritmo de 1 a 3 centímetros por
hora; a tosse e o espirro aceleram o elevador. Algumas substâncias presentes na fumaça do cigarro
são tóxicas para os cílios e podem prejudicar seriamente o funcionamento dos elevadores ciliares
ao inibir ou destruir os cílios. Pacientes sob ventilação mecânica são vulneráveis às infecções
do trato respiratório, pois o mecanismo do elevador ciliar é inibido. A entrada de microrganismos no
trato respiratório inferior também é prevenida por uma pequena tampa de cartilagem, chamada
de epiglote, que recobre a laringe (caixa de voz) durante a deglutição. O canal auditivo externo
contém pelos e cera (cerume), que auxiliam na prevenção da entrada de micróbios, poeira, insetos
e água no ouvido.

A limpeza da uretra pelo fluxo de urina constitui outro fator físico que previne a colonização
microbiana no trato urogenital. Quando o fluxo de urina é obstruído – por cateteres, por exemplo –,
infecções do trato urinário podem desenvolver-se. Da mesma maneira, as secreções vaginais movimentam
os microrganismos para fora do corpo feminino.

O movimento peristaltico, defecação, vômito e diarreia também expelem os microrganismos.


Peristalse é uma série de contrações coordenadas que impulsionam o alimento ao longo do trato
gastrintestinal. A peristalse da massa fecal do intestino grosso para o reto resulta em defecação. Em
resposta a toxinas microbianas, os músculos do trato gastrintestinal contraem-se vigorosamente,
resultando em vômito e/ou diarreia, que também podem livrar o corpo de micróbios.

4.13.2 Fatores químicos

Os fatores físicos isoladamente não são os únicos responsáveis pelo alto grau de resistência
apresentado pela pele e pelas membranas mucosas contra a invasão microbiana. Alguns fatores químicos
também desempenham funções importantes.

As glândulas sebáceas da pele produzem uma substância oleosa, chamada de sebo, que impede que
os pelos fiquem ressecados ou quebradiços. O sebo também forma um filme protetor sobre a superfície
da pele. Um dos componentes do sebo consiste em ácidos graxos insaturados, que inibem o crescimento
de certas bactérias e fungos patogênicos. O baixo pH da pele, entre 3 e 5, é causado, em parte, pela
secreção de ácidos graxos e ácido láctico. A acidez da pele provavelmente inibe o crescimento de muitos
outros microrganismos.

A cera de ouvido, além de atuar como barreira física, funciona como proteção química. Ela
consiste em uma mistura de secreções das glândulas produtoras de cera, bem como das glândulas
sebáceas, que produzem sebo. As secreções são ricas em ácidos graxos, conferindo ao canal auditivo
um pH baixo, entre 3 e 5, que inibe o crescimento de muitos micróbios patogênicos. A cera de ouvido
também possui muitas células mortas oriundas do revestimento do canal auditivo.

A saliva não contém apenas a enzima amilase salivar que digere o amido, ela também apresenta
várias substâncias que inibem o crescimento microbiano, entre elas a lisozima, a ureia e o ácido úrico.
39
Unidade I

O pH ligeiramente ácido da saliva (6,55-6,85) inibe alguns micróbios. Além disso, a saliva contém
um anticorpo (lgA) que impede a aderência microbiana, evitando a penetração dos micróbios nas
membranas mucosas.

O suco gástrico é produzido pelas glândulas do estômago. Ele é uma mistura de ácido hidroclorídrico,
enzimas e muco. A acidez bastante elevada do suco gástrico (pH 1,2-3,0) é suficiente para destruir as
bactérias e a maioria das toxinas bacterianas, exceto as de Clostridium botulinum e Staphylococcus
aureus. Entretanto, muitos patógenos entéricos são protegidos por partículas de alimento e podem
entrar nos intestinos via trato gastrintestinal. Em contrapartida, a bactéria Helicobacter pylori neutraliza
o ácido estomacal, permitindo, desse modo, que a bactéria cresça no estômago. Seu crescimento inicia
uma resposta imune, a qual resulta em gastrite e úlcera.

As secreções vaginais desempenham uma função na atividade antibacteriana de duas maneiras. O


glicogênio produzido pelas células epiteliais da vagina é decomposto em ácido láctico pelo Lactobacillus
acidophilus. Esse processo cria um pH ácido (3-5) que inibe os micróbios. O muco cervical também
apresenta alguma atividade antimicrobiana.

A urina, além de conter a enzima lisozima, tem pH ácido (em média, 6), que inibe os micróbios.

4.14 Segunda linha de defesa

Quando os patógenos ultrapassam a primeira linha de defesa, encontram uma segunda linha, que
inclui células defensivas, como as células fagocíticas, inflamação, febre e substâncias antimicrobianas.

Antes de estudar as células fagocíticas, é importante compreender os componentes celulares do sangue.

4.14.1 Elementos constituintes do sangue

O sangue é formado por um fluido, denominado plasma, e por elementos constituintes, isto é, células
e fragmentos celulares suspensos no plasma. Os elementos constituintes incluem as hemácias ou os
eritrócitos; os leucócitos, ou glóbulos brancos (WBCs – white blood cells); e as plaquetas. Os elementos
constituintes são produzidos na medula óssea vermelha por células-tronco em um processo chamado de
hematopoiese. Esse processo se inicia quando uma célula, denominada célula-tronco pluripotente, gera
dois tipos de células, chamadas de células-tronco mieloides e células-tronco linfoides. Todos os elementos
constituintes se desenvolvem a partir desses dois tipos de células-tronco.

Os leucócitos são divididos em duas categorias principais com base em sua aparência ao microscópio
óptico: granulócitos e agranulócitos. Os granulócitos têm esse nome devido à presença de grandes
grânulos em seu citoplasma, os quais podem ser vistos ao microscópio óptico após coloração. São
diferenciados em três tipos de células com base na coloração dos grânulos: neutrófilos, basófilos e
eosinófilos. Os neutrófilos coram-se em lilás-claro com uma mistura de corantes ácidos e básicos. Os
neutrófilos também são comumente chamados de leucócitos polimorfonucleares (PMNs) ou polimorfos.

40
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

Observação

O termo polimorfonuclear refere-se ao fato de que os núcleos dos


neutrófilos contêm de dois a cinco lóbulos.

Os neutrófilos, que são altamente fagocíticos e móveis, são ativos nos estágios iniciais de uma infecção.
Eles têm a capacidade de deixar o sangue, chegar ao tecido infectado e destruir os microrganismos e
partículas estranhas.

Os basófilos coram-se em azul-púrpura com o corante básico azul de metileno. Eles liberam
substâncias, como a histamina, que são importantes na inflamação e nas respostas alérgicas.

Os eosinófilos coram-se em vermelho ou laranja com o corante ácido eosina. Eles são de algum modo
fagocíticos e também têm a capacidade de deixar o sangue. Sua principal função é produzir proteínas
tóxicas contra certos parasitos, como os helmintos. Embora os eosinófilos sejam fisicamente muito
pequenos para ingerir e destruir os helmintos, eles podem fixar-se à superfície externa dos parasitos e
liberar íons peróxido que os destroem. Sua quantidade aumenta significativamente durante infecções
por vermes parasitários e nas reações de hipersensibilidade (alergia).

Os agranulócitos também têm grânulos em seu citoplasma, porém os grânulos não são visíveis ao
microscópio óptico após coloração. Existem três tipos de agranulócitos: monócitos, células dendríticas
e linfócitos. Os monócitos não são ativamente fagocíticos até que eles deixem o sangue circulante,
entrem nos tecidos do corpo e se diferenciem em macrófagos. Na verdade, a proliferação dos linfócitos
é um fator responsável pelo aumento dos linfonodos durante uma infecção. Quando o sangue e a
linfa que contêm microrganismos passam pelos órgãos contendo macrófagos, os microrganismos são
removidos por fagocitose. Os macrófagos também eliminam células velhas do sangue.

Acredita-se que as células dendríticas sejam derivadas das mesmas células precursoras dos monócitos.
Elas apresentam longos prolongamentos que se assemelham aos dendritos das células nervosas, daí o
seu nome. As células dendríticas são, sobretudo, abundantes na epiderme da pele, nas membranas
mucosas, no timo e nos linfonodos. As células dendríticas destroem os micróbios por fagocitose e
iniciam a resposta imune adaptativa.

Os linfócitos incluem as células NK, as células T e as células B. As células NK são encontradas no


sangue, no baço, nos linfonodos e na medula óssea vermelha. Elas têm a capacidade de destruir uma
grande variedade de células infectadas do corpo e certas células tumorais. As células NK atacam
quaisquer células do corpo que apresentem na membrana plasmática proteínas anormais ou incomuns.
A ligação das células NK a uma célula-alvo, como uma célula humana infectada, causa a liberação
de vesículas contendo substâncias tóxicas das células NK. Alguns grânulos contêm uma proteína,
chamada de perforina, que se insere na membrana plasmática da célula-alvo e cria canais (perfurações)
na membrana. Assim, o líquido extracelular flui para o interior da célula-alvo e ela se rompe, processo
chamado de citólise (cito – célula; lise – perda). Outros grânulos das células NK liberam granzimas,

41
Unidade I

enzimas que digerem proteínas, que induzem a célula-alvo a sofrer apoptose, ou autodestruição. Esse
tipo de ataque destrói as células infectadas, mas não os micróbios dentro das células; os micróbios
liberados, que podem ou não estar intactos, podem ser destruídos pelos fagócitos.

As células T e B geralmente não são fagocíticas, mas exercem uma função importante na imunidade
adaptativa. Elas estão presentes nos tecidos linfoides do sistema linfático e também circulam no sangue.

Em vários tipos de infecções, principalmente nas infecções bacterianas, o número total de leucócitos
aumenta como resposta protetora para combater os microrganismos; esse aumento é chamado de
leucocitose. Durante o estágio ativo da infecção, a contagem de leucócitos pode dobrar, triplicar ou
quadruplicar, dependendo da gravidade da infecção. As doenças que podem causar uma elevação
na contagem de leucócitos incluem meningite, mononucleose infecciosa, apendicite e pneumonia
pneumocócica. Outras doenças, como a salmonelose, e algumas infecções virais e por riquétsias podem
ocasionar diminuição na contagem de leucócitos, chamada de leucopenia.

4.14.2 O sistema linfático

O sistema linfático consiste em um fluido, denominado linfa, em vasos, chamados de vasos


linfáticos, em várias estruturas e órgãos contendo tecido linfoide e em uma medula óssea vermelha,
onde as células-tronco se diferenciam em células do sangue, incluindo os linfócitos. O tecido
linfoide contém uma grande quantidade de linfócitos, incluindo células T e B, e células fagocitárias,
que participam das respostas imunes. Os linfonodos são os locais de ativação das células T e B,
as quais destroem os micróbios pelas respostas imunes. Dentro dos linfonodos estão as fibras
reticulares, que retêm os micróbios, além dos macrófagos e das células dendríticas, que destroem
os micróbios por fagocitose.

Os vasos linfáticos iniciam-se como capilares linfáticos microscópicos localizados nos espaços entre
as células. Os capilares linfáticos permitem que o líquido intersticial derivado do plasma sanguíneo
flua para dentro deles, e não para fora. Dentro dos capilares linfáticos, o líquido é chamado de linfa.
Os capilares linfáticos convergem para formar vasos linfáticos maiores. Esses vasos, de modo similar às
veias, apresentam válvulas unidirecionais para que o fluxo da linfa seja mantido em uma única direção.
Nos intervalos ao longo dos vasos linfáticos, a linfa flui pelos linfonodos. Por fim, toda a linfa passa para
dentro do ducto torácico (linfático esquerdo) e do ducto linfático direito e, após, para dentro de suas
respectivas veias subclávias, onde o líquido agora é chamado de plasma sanguíneo. O plasma sanguíneo
percorre o sistema circulatório e, por fim, torna-se líquido intersticial entre as células teciduais, quando,
então, outro ciclo se inicia.

Os tecidos e os órgãos linfoides estão espalhados por todas as partes das membranas mucosas
que revestem os tratos gastrintestinal, respiratório, urinário e reprodutivo. Eles protegem contra
os micróbios que são ingeridos ou inalados. Vários agregados grandes de tecido linfoide estão
localizados em partes específicas do corpo. Entre eles estão as tonsilas, na garganta, e as placas de
Peyer, no intestino delgado.

42
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

O baço contém linfócitos e macrófagos que monitoram o sangue para a presença de micróbios
e produtos secretados, como as toxinas, de modo muito semelhante aos linfonodos ao monitorar a
linfa. O timo atua como um local de maturação de células T. Ele também contém células dendríticas
e macrófagos.

4.14.3 Fagócitos

A fagocitose consiste na ingestão de microrganismos ou outras substâncias por uma célula. Aqui, a
fagocitose é discutida como um meio pelo qual as células do corpo humano se opõem à infecção como
parte da segunda linha de defesa.

Ações das células fagocíticas

As células que realizam fagocitose são denominadas fagócitos. Todos os fagócitos são tipos ou
derivados de leucócitos. Quando ocorre uma infecção, os granulócitos (principalmente os neutrófilos,
mas também os eosinófilos e as células dendríticas) e os monócitos migram para a área infectada.
Durante essa migração, os monócitos aumentam de tamanho e se diferenciam em macrófagos
ativamente fagocíticos. Essas células deixam o sangue e seguem para os tecidos, onde se tornam
maiores e se desenvolvem em macrófagos. Alguns macrófagos, chamados de macrófagos fixos, ou
histiócitos, residem em determinados tecidos e órgãos do corpo. Macrófagos fixos são encontrados no
fígado (células de Kupffer), nos pulmões (macrófagos alveolares), no sistema nervoso (microgliócitos),
nos brônquios, no baço (macrófagos esplênicos), nos linfonodos, na medula óssea vermelha e na
cavidade peritoneal que circunda os órgãos abdominais (macrófagos peritoneais). Outros macrófagos
são móveis, sendo chamados de macrófagos livres (errantes), que perambulam pelos tecidos e chegam
aos locais da infecção ou inflamação. Os vários macrófagos do corpo constituem o sistema fagocítico
mononuclear (retículo endotelial).

Durante o curso de uma infecção, ocorre uma mudança no tipo de leucócito que predomina na
corrente sanguínea. Os granulócitos, sobretudo os neutrófilos, caracterizam a fase inicial de uma infecção
bacteriana, momento em que são ativamente fagocíticos; essa dominância pode ser constatada por
meio dos números elevados dessa célula em uma contagem diferencial de leucócitos. Contudo, à medida
que a infecção progride, os macrófagos predominam; eles procuram por alimento e fagocitam bactérias
vivas remanescentes, bactérias em fase de morte ou aquelas já mortas. O número de monócitos (que
se desenvolvem em macrófagos) também é demonstrado em uma contagem diferencial de leucócitos.

4.14.4 Inflamação

O dano causado aos tecidos do corpo desencadeia uma resposta defensiva local, chamada de
inflamação, outro componente da segunda linha de defesa. O dano pode ser causado por uma infecção
microbiana, por agentes físicos (eletricidade ou objetos pontiagudos) ou por agentes químicos (ácidos,
bases e gases). Em geral, a inflamação é caracterizada por quatro sinais e sintomas: rubor, dor, calor e
edema. Algumas vezes, um quinto sintoma, a perda de função, está presente; sua ocorrência depende
do local e da extensão do dano.

43
Unidade I

A inflamação tem as seguintes funções: destruir o agente causador, se possível, e removê-lo do


corpo com seus derivados; caso a destruição não seja possível, limitar os efeitos no corpo, confinando
ou isolando o agente causador e seus derivados; e reparar ou substituir o tecido afetado pelo agente
causador ou seus derivados.

Se a causa de uma inflamação for removida em um período relativamente curto, a resposta


inflamatória será intensa, a chamada inflamação aguda. Um exemplo é a resposta a um furúnculo
causado por S. aureus. Se, em vez disso, a causa de uma inflamação for difícil ou impossível de ser
removida, a resposta inflamatória será mais duradoura, porém menos intensa (embora, em geral, mais
destrutiva). Esse tipo de inflamação é chamada de inflamação crônica. Um exemplo é a resposta à
tuberculose, causada por M. tuberculosis.

Durante os estágios iniciais da inflamação, estruturas microbianas, como a flagelina, os


lipopolissacarídeos (LPS) e o DNA bacteriano estimulam os receptores semelhantes ao Toll dos
macrófagos para que eles produzam citocinas, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α, tumor
necrosis factor alpha). Em resposta ao TNF-α no sangue, o fígado sintetiza um grupo de proteínas,
chamadas de proteínas de fase aguda; outras proteínas de fase aguda estão presentes no sangue em
uma forma inativa, sendo convertidas para uma forma ativa durante a inflamação. As proteínas de fase
aguda induzem respostas locais e sistêmicas e incluem a proteína C reativa, lecitinas que se ligam à
manose e muitas outras proteínas especializadas, como o fibrinogênio (para a coagulação sanguínea) e
as cininas (para a vasodilatação).

Todas as células envolvidas na inflamação apresentam receptores para TNF-α e são ativadas
por ele para produzirem mais de seu próprio TNF-α. Isso amplifica a resposta inflamatória.
Infelizmente, a produção excessiva de TNF-α pode resultar em distúrbios, como a artrite
reumatoide e a doença de Crohn. Anticorpos monoclonais são utilizados terapeuticamente no
tratamento desses distúrbios inflamatórios.

4.14.5 Febre

Enquanto a inflamação é uma resposta local do corpo a uma lesão, existem também respostas
sistêmicas ou generalizadas. Uma das mais importantes é a febre, elevação anormal da temperatura
corporal, um terceiro componente da segunda linha de defesa. A causa mais frequente de febre é a
infecção por bactérias (ou por suas toxinas) ou vírus.

O hipotálamo do cérebro é muitas vezes chamado de termostato corporal, sendo normalmente


ajustado para 37 °C (98,6 °F). Acredita-se que algumas substâncias afetem o hipotálamo, alterando-o
para uma temperatura mais alta. Quando os fagócitos ingerem bactérias gram-negativas, os
lipopolissacarídeos (LPS) da parede celular são liberados. Como o LPS é uma endotoxina, ele induz
os fagócitos a liberarem as citocinas interleucina 1 e TNF-α. Essas citocinas induzem o hipotálamo a
liberar prostaglandinas, que reajustam o termostato hipotalâmico para uma temperatura mais alta,
resultando, assim, em febre.

44
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

Imagine que o corpo seja invadido por patógenos e que o ajuste do termostato seja aumentado
para 39 °C (102,2 °F). Para ajustar a nova programação termostática, o corpo responde constringindo
os vasos sanguíneos, aumentando a taxa de metabolismo; então, produz tremores, todos elevando a
temperatura corporal. Muito embora a temperatura corporal possa se elevar acima do normal, a pele
permanece fria. Essa condição, chamada de calafrio, é um sinal claro de que a temperatura corporal está
aumentando. Quando a temperatura alcança o ponto de ajuste do termostato, o calafrio desaparece.
O corpo continuará a manter sua temperatura em 39 °C até que as citocinas sejam eliminadas. O
termostato, então, é reajustado para 37 °C. À medida que a infecção diminui, mecanismos de perda de
calor, como a vasodilatação e o suor, entram em ação. A pele aquece-se e a pessoa começa a suar. Essa
fase da febre, chamada de crise, indica que a temperatura corporal está diminuindo.

Até certo ponto, a febre é considerada uma defesa contra a doença. A interleucina 1 ajuda a estabelecer
a produção de células T. A alta temperatura corporal intensifica o efeito dos antivirais interferons e
aumenta a produção das transferrinas, que diminuem o ferro disponível para os microrganismos. Além
disso, uma vez que a alta temperatura acelera as reações do corpo, ela também pode auxiliar para que
a reparação dos tecidos corporais seja realizada mais rapidamente.

A febre tem algumas complicações como taquicardia (aumento dos batimentos cardíacos), que pode
comprometer pessoas idosas com doenças cardiopulmonares; taxa metabólica elevada, que pode produzir
acidose; desidratação; desequilíbrio eletrolítico; convulsões em crianças; delírio e coma. Como regra geral,
a morte ocorre quando a temperatura corporal se eleva acima de 44 °C a 46 °C (112 °F a 114 °F).

4.15 Imunidade adaptativa

A imunidade adaptativa consiste em uma variedade de fases microbianas que tem como alvos patógenos
específicos. Ao contrário das defesas inatas, as defesas do sistema imune adaptativo são adquiridas por
meio de uma infecção ou vacinação e são altamente específicas. Sabe-se há muito tempo que a imunidade
a algumas doenças infecciosas pode ser adquirida durante a vida. Se um indivíduo se recupera de varíola
ou sarampo, quase sempre ele se torna imune a essa doença, em particular quando exposto novamente a
ela. De alguma forma, o corpo adquire uma memória da infecção, permitindo a sua adaptação, o que reduz
efetivamente o desenvolvimento de infecções originadas de exposições repetidas. Com a evolução da
medicina ao longo dos séculos, foram descobertos métodos para mimetizar a imunidade adaptativa contra
determinadas doenças por meio da exposição intencional das pessoas a versões inofensivas dos patógenos,
tornando-as imunes. Atualmente, chamamos essa prática de imunização ou vacinação. A aplicação da
vacina contra a varíola, a primeira doença para a qual a vacinação foi desenvolvida, ocorreu quase cem
anos antes de qualquer conhecimento sobre patógenos microscópicos.

O sistema imune adaptativo entra em ação apenas quando as defesas inatas – barreiras físicas,
como a pele e as membranas mucosas, células fagocíticas, como macrófagos no sangue, e inflamação –
falham na neutralização de um patógeno. Enquanto as respostas do sistema inato são as mesmas,
independentemente da substância estranha, o sistema adaptativo combate os patógenos microbianos,
toxinas ou outras substâncias específicas em questão. As defesas do sistema adaptativo levam vários
dias ou mais para se desenvolverem completamente, ao passo que os efeitos das respostas do sistema
inato são mais imediatos.
45
Unidade I

A primeira vez que o sistema imune adaptativo encontra e combate uma substância estranha
específica é chamada de resposta primária. Interações posteriores com a mesma célula ou substância
desencadearão uma resposta secundária, que será mais rápida e mais efetiva devido à “memória” da
primeira infecção. Esse componente de memória é importante e exclusivo ao sistema imune adaptativo.
Isso também explica por que um indivíduo que contrai e se recupera de varíola ou sarampo pode adquirir
uma imunidade de longo prazo contra essas doenças em particular.

Lembrete

O sistema imunológico é constituído por uma intrincada rede de


órgãos, células e moléculas e tem por finalidade manter a homeostase do
organismo, combatendo as agressões em geral.

4.15.1 Natureza dupla do sistema imune adaptativo

A imunidade adaptativa é considerada um sistema duplo, apresentando componentes celulares e


humorais. A seguir, resumiremos esses componentes.

Visão geral da imunidade humoral

Desde a Antiguidade até o século XIX, a comunidade médica acreditava que a saúde dependia
de quatro fluidos corporais diferentes ou humores: o sangue, a fleuma, a bile preta e a bile amarela.
A nova ciência da imunologia adotou o termo imunidade humoral ao descrever a imunidade
conferida por moléculas protetoras, chamadas de anticorpos. Os anticorpos combatem moléculas
estranhas, denominadas antígenos. A imunidade humoral envolve os linfócitos B, mais comumente
conhecidos como células B, os quais removem vírus, bactérias e toxinas dos fluidos teciduais do
corpo e do sangue pelo reconhecimento de antígenos e da produção de anticorpos contra eles.
O reconhecimento de diferentes antígenos depende dos receptores de células B, que revestem a
superfície das células B.

Visão geral da imunidade celular

Os linfócitos T, ou células T, são a base da imunidade celular. Essa forma de imunidade também
é chamada de imunidade mediada por células. As células T não se ligam diretamente aos antígenos,
no entanto, elas reconhecem peptídeos antigênicos após o seu processamento por células fagocíticas,
como os macrófagos.

As células T e B desenvolvem-se a partir de células-tronco na medula óssea, como ilustrado na figura


a seguir. Contudo, as células T foram assim denominadas porque, diferentemente das células B, elas
sofrem maturação sob a influência do timo.

46
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

As células-tronco
desenvolvem-se na medula
óssea ou no fígado fetal

Célula-tronco
Medula óssea vermelha (diverge em duas
de adultos linhagens celulares)

Timo

Diferenciam-se em células B na Diferenciam-se em


medula óssea vermelha de adultos células T no timo

Célula B Célula T
Migram para os
tecidos linfoides,
como o braço, mas
especialmente para
os linfonodos

Figura 2 – Diferenciação de células T e células B. Ambas se originam de células-tronco


presentes na medula óssea vermelha de adultos ou no fígado fetal. Algumas células
atravessam o timo e emergem como células T maduras. Outras provavelmente permanecem na medula
óssea vermelha e tornam-se células B. Ambos os tipos celulares migram, em seguida, para os
tecidos linfoides, como os linfonodos ou o baço

Tanto as células T como as células B são encontradas principalmente no sangue e nos órgãos
linfoides. As respostas da imunidade celular são direcionadas ao combate de antígenos que
se concentram no interior das células, ao passo que as respostas da imunidade humoral são
direcionadas aos antígenos extracelulares (como aqueles encontrados no sangue ou em outros
fluidos corporais). Isso significa que a imunidade celular geralmente apresenta um melhor
desempenho no combate aos vírus que infectam uma célula, bem como em algumas infecções
fúngicas e parasitárias, que normalmente envolvem patógenos muito maiores do que as bactérias
e os vírus. Uma vez que a imunidade humoral combate invasores localizados fora das células,
seus esforços tendem a ser direcionados para bactérias e suas toxinas, bem como para os vírus
antes de sua penetração nas células-alvo.

As células T (do mesmo modo que as células B) respondem aos antígenos por meio de receptores
localizados em suas superfícies – os receptores de células T (TCRs – T cell receptors). O contato de um
antígeno complementar a um TCR pode induzir certos tipos de células T a se proliferarem e secretarem
citocinas em vez de anticorpos. A seguir, serão discutidos esses mensageiros químicos que transmitem
instruções para outras células realizarem determinadas funções.

47
Unidade I

4.16 Antígenos

As substâncias que provocam a produção de anticorpos são chamadas de antígenos – de antibody


generators (geradores de anticorpos). Muitos antígenos são proteínas ou grandes polissacarídeos. Os
lipídeos e os ácidos nucleicos geralmente são antigênicos apenas quando combinados a proteínas e
a polissacarídeos. Compostos antigênicos, em geral, são componentes de micróbios invasores, como
cápsulas, parede celular, flagelos, fímbrias e toxinas de bactérias; capsídeos de vírus; ou superfícies de
certos micróbios. Antígenos não microbianos incluem pólen, clara de ovo, moléculas de superfície de
células do sangue, proteínas séricas de outros indivíduos ou espécies e moléculas de superfície de órgãos
e tecidos transplantados.

Os antígenos desempenham funções importantes na resposta do sistema imune. Os antígenos


induzem uma resposta imune altamente específica, que, na imunidade humoral, resulta na produção
de anticorpos capazes de reconhecer o antígeno que os originou. Antígenos que causam uma resposta
desse tipo são, portanto, mais conhecidos como imunógenos.

Em geral, os anticorpos reconhecem e interagem com regiões específicas dos antígenos, chamadas
de epítopos ou determinantes antigênicos. A natureza dessa interação depende do tamanho, da forma
e da estrutura química do sítio de ligação na molécula de anticorpo.

Bactérias patogênicas caracteristicamente têm uma série de antígenos reconhecíveis, denominados


padrões moleculares associados a patógenos Pamps. Os Pamps atuam como sinalizadores de um
organismo invasor e podem ser reconhecidos pelo hospedeiro por meio de seus receptores. O mais
conhecido desses receptores é a extensa família dos receptores semelhantes ao Toll (TLRs).

4.17 Anticorpos

Os anticorpos são proteínas chamadas de imunoglobulinas (Ig). As proteínas globulinas são compactas
e relativamente solúveis. Os anticorpos são produzidos em resposta a um antígeno e podem reconhecer e
se ligar a ele. Uma bactéria ou vírus pode apresentar vários epítopos, os quais desencadeiam a produção
de diferentes anticorpos.

4.18 Tipos de imunidade adaptativa

A imunidade pode ser adquirida ativa ou passivamente. A imunidade é adquirida ativamente


quando uma pessoa é exposta a microrganismos ou a substâncias estranhas e seu sistema imune
responde a isso. A imunidade é adquirida passivamente quando anticorpos são transferidos de
uma pessoa para outra. A imunidade passiva no recipiente (na pessoa que recebe) dura apenas
enquanto os anticorpos estiverem presentes – em muitos casos, poucas semanas. Tanto a
imunidade adquirida ativamente quanto a adquirida passivamente podem ser obtidas por meios
naturais ou artificiais.

48
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

Os quatro tipos de imunidade adaptativa podem ser resumidos do seguinte modo:

• A imunidade ativa adquirida naturalmente desenvolve-se quando uma pessoa é exposta a


antígenos ao longo da vida cotidiana, torna-se doente e, então, se recupera. Uma vez adquirida,
a imunidade permanece por toda a vida para algumas doenças, como o sarampo. Para outras,
principalmente as doenças intestinais, a imunidade pode durar apenas alguns anos. Infecções
subclínicas ou infecções inaparentes (aquelas que não produzem sintomas notáveis ou sinais de
enfermidade) também podem conferir imunidade.

• A imunidade passiva adquirida naturalmente envolve a transferência natural de anticorpos


de uma mãe para o seu recém-nascido. Anticorpos de uma mulher grávida cruzam a placenta
em direção ao feto – transferência transplacentária. Se a mãe é imune à rubéola ou pólio, por
exemplo, o recém-nascido estará temporariamente imune a essas doenças. Certos anticorpos
também são transferidos pelo leite da mãe para o bebê durante a amamentação, em especial
nas primeiras secreções, chamadas de colostro. No bebê, essa imunidade passiva dura apenas
enquanto os anticorpos transmitidos persistirem – geralmente algumas semanas ou meses. Esses
anticorpos maternos são fundamentais para fornecer imunidade ao bebê até que o seu próprio
sistema imune se desenvolva.

• A imunidade ativa adquirida artificialmente é o resultado da vacinação. A vacinação, também


chamada de imunização, introduz vacinas no organismo. Esses antígenos incluem microrganismos
mortos ou vivos ou toxinas bacterianas inativas.

• A imunidade passiva adquirida artificialmente envolve a introdução de anticorpos (em vez de


antígenos) por injeção no organismo. Esses anticorpos são oriundos de um animal ou de um ser
humano que já são imunes à doença em questão.

Resumo

Destacou-se que a humanidade percebe o processo saúde-doença de


forma diferente em cada época histórica, e que a visão desse processo
determina como serão os cuidados de saúde.

A saúde e a doença sempre fizeram parte da relação do homem com o


seu meio, seja ele natural (aqui nos referimos ao meio ambiente), seja ele
social, e foram vistas e compreendidas de formas diferentes. Cada época
explica a saúde e a doença a partir dos recursos disponíveis para essa
compreensão, recursos esses determinados pelas estruturas social, científica
e política específicas do momento histórico vivido. Uma das teorias estudadas
foi a bacteriológica, a qual não foi capaz de explicar a complexidade do
adoecimento, em meados do século XX, e outras teorias foram criadas, as
quais consideravam a multicausalidade do processo de adoecimento. A
mais conhecida de todas e utilizada até hoje é a história natural da doença,
49
Unidade I

proposta pelos pesquisadores americanos Leavell e Clark, em 1965. Esse


modelo explicativo do processo saúde-doença divide o adoecimento em duas
fases: a pré-patogênese, período anterior ao adoecimento, e a patogênese,
que é o momento a partir do qual a doença já está instalada no ser vivo.
A história natural considera a interação entre agentes, fatores do ambiente
e do indivíduo como partes integrantes do processo de adoecimento. Esse
conceito foi analisado e vimos como ele é utilizado para nortear as ações
preventivas em todos os níveis de atenção à saúde.

Leavell e Clark desenvolveram o modelo de história natural da doença


(HND), a fim de explicar o processo de adoecimento, demonstrando de
forma clara quais são as fases desse processo. Eles também propuseram
estratégias de prevenção voltadas para cada fase da doença.

Para eles, a doença acontece em duas fases: a pré-patogênese e


a patogênese.

Os agentes patogênicos podem ser: físicos (calor, radiação, frio etc.);


químicos (substâncias psicoativas, substâncias tóxicas); biopatógenos
(vírus, fungos, bactérias etc.); nutricionais (tipo de alimentação); e genéticos
(alterações de genes). É importante lembrar que nenhum agente sozinho é
capaz de desencadear doença.

O ambiente contribui de formas variadas e é considerado de modo


amplo, desde o meio natural até o meio cultural. Por exemplo, morar em
um local sem saneamento básico e sem educação sobre higiene torna as
pessoas mais propensas às doenças diarreicas.

Com base na lógica de desenvolvimento da doença, Leavell e Clark


propuseram a classificação das ações preventivas, que devem ser voltadas
para cada uma das fases que eles descreveram. Essa classificação é utilizada
até hoje e nos guia no planejamento das ações preventivas. São três os
níveis de prevenção:

• Primária: ações voltadas para atuar no controle dos fatores


pré-patogênicos, evitando o aparecimento do estímulo e,
consequentemente, da doença.

• Secundária: o foco é o indivíduo que já adquiriu a doença e precisa


de ações que evitem o agravo ou a morte, como diagnóstico,
tratamento precoce e limitação da invalidez.

• Terciária: consiste na prevenção ou melhora da incapacidade, sendo


a atividade de reabilitação seu principal trabalho.
50
FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

Depois, foi estudada a epidemiologia geral das doenças transmissíveis


e entendemos que essas doenças possuem vários componentes, que
estão interligados e formam uma cadeia de eventos, os quais resultam
na transmissão das doenças. Essa cadeia é chamada de cadeia de
transmissão de doenças ou cadeia epidemiológica. Os elos da cadeia
epidemiológica são: agente etiológico; reservatório; porta de entrada/
via de eliminação.

Vimos que veículos animados são chamados de vetores, que são


essencialmente os insetos e alguns mamíferos (como os mosquitos e os
roedores). Os veículos inanimados são a água, o solo, os alimentos, a poeira,
os fômites e os aerossóis.

Para um agente “viajar” de um hospedeiro a outro, é necessário um


mecanismo que garanta condições ótimas para esse percurso, considerando
suas características biológicas. Os modos de transmissão podem ser diretos
ou indiretos.

A transmissão direta ocorre de pessoa a pessoa, sendo necessária


uma proximidade, com ou sem contato físico (um beijo, por exemplo) ou
por meio de secreções oronasais. As doenças transmitidas dessa forma
são as denominadas doenças contagiosas, como doenças sexualmente
transmissíveis (DSTs), influenza e tuberculose. Toda doença contagiosa é
transmissível, mas nem toda doença transmissível é contagiosa. Acentua-se
que a transmissão vertical é uma forma de transmissão direta especial, pois
ocorre somente durante a gestação, o parto ou logo após o nascimento;
o agente passa de mãe para filho, por exemplo, nos casos de infecção por
HIV, sífilis e hepatite B.

Na transmissão indireta, existe a participação de veículos como


vetores, alimento, objetos, água e solo contaminados. São exemplos
dessas doenças as intoxicações alimentares, a poliomielite e a hepatite
A. Um caso especial de transmissão indireta é a transmissão parenteral,
em que o agente é inoculado por meio de objetos dentro do organismo,
como agulhas. Exemplos dessa forma de transmissão são algumas das
infecções relacionadas à assistência à saúde (conhecidas também
como infecções hospitalares) e infecções causadas por transfusão de
sangue e derivados.

Nesse contexto, foi ilustrado que hospedeiro suscetível é a pessoa que


pode ser contaminada/infectada; tanto para se contaminar quanto para
desenvolver efetivamente a doença, é necessário haver condições para tal,
ou seja, suscetibilidade. Extremos etários, como a primeira infância e idosos,
doenças preexistentes, condições de vida ruins, má nutrição e estresse
51
Unidade I

são situações que aumentam a suscetibilidade do indivíduo. Em algumas


cadeias, existe a figura do hospedeiro intermediário, pois alguns agentes
etiológicos passam por uma fase intermediária de desenvolvimento que só
acontece em hospedeiros específicos.

Em seguida, estudamos o conceito e os tipos de imunidade. Há dois tipos


de imunidade, a inata (defesas específicas do hospedeiro) e a adquirida.

Destacou-se que os microrganismos patogênicos são dotados de


propriedades peculiares que lhes permitem causar doenças no momento
oportuno. Se os microrganismos nunca encontrassem resistência do
hospedeiro, ficaríamos constantemente doentes e, por fim, morreríamos de
várias doenças após uma vida breve. Na maioria dos casos, entretanto, as
defesas de nosso corpo impedem que isso ocorra. Algumas dessas defesas
foram desenvolvidas para manter os microrganismos completamente fora
do corpo, outras para removê-los, caso eles entrem, e ainda outras para
combatê-los, caso eles permaneçam no corpo.

Discutimos as duas primeiras linhas de defesa contra patógenos, que


chamamos de defesas da imunidade inata. A primeira é representada pela
nossa pele e pelas membranas mucosas. A segunda linha de defesa consiste
em fagócitos, inflamação, febre e substâncias antimicrobianas produzidas
pelo corpo.

Diferentemente da imunidade inata, a imunidade adaptativa é


induzida e específica para um micróbio invasor em particular ou para
uma substância estranha. A imunidade adaptativa consiste em duas
partes: imunidade humoral e imunidade celular. Outra diferença com
a imunidade inata é que a imunidade adaptativa apresenta ainda um
componente de memória.

A imunidade humoral envolve anticorpos produzidos pelas células B,


ao passo que a imunidade celular envolve as células T. Ambas as partes
da imunidade adaptativa envolvem o reconhecimento de antígenos
específicos, seguido pela ativação e pela expansão clonal das células imunes,
o que resulta na produção de células efetoras e de memória. As células
efetoras da imunidade humoral têm como alvo antígenos localizados fora
das células, como bactérias em multiplicação nos espaços extracelulares
do hospedeiro. As células efetoras da imunidade celular, por sua vez, têm
como alvo antígenos localizados no interior das células, como uma célula
infectada por vírus.

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FUNDAMENTOS DE AÇÕES PREVENTIVAS EM SAÚDE

Exercícios

Questão 1. (Ipred/SP 2018, adaptada) Leia as afirmativas a seguir sobre o tema processo saúde-doença.

I – A dimensão do bem-estar não deve ser incluída na compreensão do processo saúde-doença.

II – Uma nova maneira de pensar a saúde e a doença deve incluir explicações para os achados
universais de que a mortalidade e a morbidade obedecem a um gradiente, que atravessa as classes
socioeconômicas, de modo que menores rendas ou status social estão associados a uma pior condição
em termos de saúde.

III – É contemporânea a crença de que a saúde é dádiva e a doença castigo dos deuses.

IV – A Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Organização Mundial da Saúde (OMS),
composta por técnicos de vários países, com o objetivo de estudar e sugerir alternativas para melhorar
a saúde mundial.

É correto apenas o que se afirma em:

A) II e IV.

B) I, II e IV.

C) III.

D) I e III.

E) II.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a dimensão de bem-estar deve ser incluída, visto que é um fator primordial.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: os grupos sociais economicamente privilegiados estão menos sujeitos à ação dos
fatores ambientais que ocasionam ou que estimulam a ocorrência de certos tipos de doenças, pois a
incidência é extremamente elevada nos grupos economicamente desprivilegiados.

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Unidade I

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: essa concepção não é contemporânea, é antiga.

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: a OMS, subordinada à ONU, atua em prol do desenvolvimento da saúde em nível mundial.

Questão 2. (IBGP 2017) Epidemiologia é o estudo da distribuição da doença nas populações


e dos fatores que influenciam ou determinam essa distribuição. São objetivos específicos da
epidemiologia, exceto:

A) Identificar a etiologia de uma doença e os fatores de risco relevantes.

B) Determinar a extensão de uma doença encontrada na comunidade.

C) Estudar a história natural e os prognósticos da doença.

D) Avaliar exclusivamente as medidas terapêuticas e os modelos de assistência à saúde novos


ou existentes.

E) Planeja e avalia ações de prevenção e controle das doenças.

Resposta correta: alternativa D.

Análise da questão

As alternativas A, B, C e E descrevem com precisão os objetivos específicos da epidemiologia. A alternativa


D está incorreta porque o objetivo não é avaliar exclusivamente as medidas terapêuticas e modelos de
assistência à saúde novos ou existentes.

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