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Bioquímica Clínica

Autores: Prof. Enny Fernandes Silva


Prof. Alexandre Torchio Dias
Prof. Flávio Buratti Gonçalves
Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro
Prof. Luiz Henrique Cruz de Mello
Professores conteudistas: Enny Fernandes Silva / Alexandre Torchio Dias /
Flávio Buratti Gonçalves

Enny Fernandes Silva

Graduada em Ciências Biológicas, modalidade médica, pela Universidade Santo Amaro – Unisa (1981), possui
especialização em clonagem em Bacillus subtilis pelo Public Health Department of the City of New York (1982),
mestrado em Bioquímica, na área de Biologia Celular e Molecular (1989) e doutorado em Bioquímica, na área de
Biologia Celular e Molecular (2003), ambos pela Universidade de São Paulo (USP). Tem pós-doutorado na Faculdade
de Medicina da USP com Dr. Roger Chammas, na área de adesão celular, e foi chefe de Departamento da Engenharia
Química da Fundação Armando Alvares Penteado – Faap (1994-2000). Foi professora do Instituto de Pesquisa e
Ensino em Saúde de São Paulo (Ipessp) na área de Bioquímica Básica e Clínica. Atualmente é docente titular da
Universidade Paulista.

Alexandre Torchio Dias

Graduado em Ciências Biológicas, modalidade médica (bacharel em Biomedicina), pela Universidade de Mogi das
Cruzes – UMC (2002), é especialista em Genética Médica e Citogenética pelo Instituto de Assistência Médica ao Servidor
Público Estadual de São Paulo – Iamspe (2004), especialista em Administração Hospitalar pelo Ipessp/Unicid (2011) e
doutor em Ciências, na área de Citogenômica, pelo Programa de Patologia pela Faculdade de Mecidina da USP – FMUSP
(2015). Atualmente é docente titular da Universidade Paulista.

Flávio Buratti Gonçalves

Biomédico graduado pela UMC (1996), especialista em Diagnóstico Laboratorial de Doenças Tropicais pela
FMUSP, mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP (2000) e doutor em Patologia Ambiental
e Experimental pela UNIP (2017). Possui habilitação nas áreas de Análises Clínicas, Microbiologia, Imunologia,
Parasitologia e Saúde Pública. Atualmente é docente titular da Universidade Paulista, além de membro do Banco de
Avaliadores (BASis) do Inep.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S586b Silva, Enny Fernandes.

Bioquímica Clínica / Enny Fernandes Silva, Alexandre Torchio


Dias, Flávio Buratti Gonçalves. – São Paulo: Editora Sol, 2022.

184 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Coleta. 2. Avaliação. 3. Marcadores. I. Silva, Enny Fernandes. II.


Dias, Alexandre Torchio. III. Gonçalves Flávio Buratti. IV. Título.

CDU 616-074

U515.45 – 22

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Unip Interativa

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático

Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Angélica L. Carlini
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. Deise Alcantara Carreiro

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Vitor Andrade
Ingrid Lourenço
Sumário
Bioquímica Clínica

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 FUNDAMENTOS BÁSICOS EM BIOQUÍMICA CLÍNICA E A COLETA DE
MATERIAL BIOLÓGICO PARA OS ENSAIOS BIOQUÍMICOS................................................................... 11
1.1 Tipos de amostras e contextualização pré-analítica no laboratório
de bioquímica................................................................................................................................................. 11
1.2 Coleta de sangue venoso a vácuo.................................................................................................. 15
1.3 Como separar e armazenar o soro................................................................................................. 18
1.4 Recomendações do CLSI (Clinical & Laboratory Standards Institute)
para a sequência de tubos na coleta de sangue venoso a vácuo............................................. 19
2 PRINCIPAIS MÉTODOS ANALÍTICOS UTILIZADOS EM BIOQUÍMICA CLÍNICA............................ 23
2.1 Reações colorimétricas e cinéticas (com ou sem coenzimas) em
equipamentos semiautomatizados, automatizados e manuais................................................ 23
2.2 Fotometria................................................................................................................................................ 27
2.3 Quimioluminescência e eletroquimioluminescência.............................................................. 27
2.4 Ensaios imunoenzimáticos: marcadores tumorais, drogas
terapêuticas e de abuso............................................................................................................................. 29
2.4.1 Marcadores tumorais............................................................................................................................. 30
2.4.2 Drogas terapêuticas ou de abuso...................................................................................................... 30
3 CONTROLE DE QUALIDADE EM BIOQUÍMICA CLÍNICA...................................................................... 44
3.1 Controles internos e externos no laboratório de bioquímica e boas
práticas laboratoriais................................................................................................................................... 45
3.1.1 Controle interno da qualidade........................................................................................................... 47
3.1.2 Controle externo da qualidade.......................................................................................................... 47
3.2 Métodos estatísticos de controle.................................................................................................... 47
4 PERFIL BIOQUÍMICO RENAL E DOS FLUIDOS CORPORAIS............................................................... 55
4.1 Estrutura microscópica dos rins e filtração renal..................................................................... 56
4.2 Biomarcadores hidroeletrolíticos – sódio e potássio.............................................................. 58
4.3 Biomarcadores de função e lesão renal....................................................................................... 58
4.3.1 Creatinina.................................................................................................................................................... 59
4.3.2 Ureia.............................................................................................................................................................. 60
4.3.3 Ácido úrico................................................................................................................................................. 62
4.3.4 Microalbuminúria.................................................................................................................................... 62
4.4 Avaliação da função renal em termos laboratoriais............................................................... 63
4.4.1 Secreção tubular e filtração glomerular......................................................................................... 63
4.4.2 Equação de Cockcroft-Gault............................................................................................................... 64
4.4.3 Equação MDRD (modification of diet in renal disease)........................................................... 65
4.4.4 A equação CKD-EPI (chronic kidney disease epidemiology collaboration)...................... 66
4.4.5 Equação de Schwartz (específica para crianças)........................................................................ 66
4.4.6 Clearance de inulina............................................................................................................................... 67
4.5 Marcadores séricos para monitoramento de doenças renais.............................................. 67
4.6 O exame de urina tipo 1: aspectos fisico-químicos................................................................ 69
4.6.1 Exame de características físicas......................................................................................................... 69
4.6.2 Exame de características químicas................................................................................................... 71
4.7 Líquidos cavitários................................................................................................................................ 76
4.7.1 Análise bioquímica dos principais líquidos cavitários.............................................................. 77

Unidade II
5 PERFIS BIOQUÍMICOS HEPÁTICO E PANCREÁTICO............................................................................. 87
5.1 Perfil hepático......................................................................................................................................... 87
5.2 Sistema hepatobiliar: as bilirrubinas e as doenças correlatas............................................ 91
5.3 Marcadores de função hepática...................................................................................................... 93
5.4 Avaliação do funcionamento do pâncreas endócrino e exócrino..................................... 98
5.5 Importância clínico-laboratorial das determinações enzimáticas da
amilase e lipase; fibrose cística, pancreatite, hipo e hiperglicemias........................................ 99
5.6 Metabolismo glicídico: diabetes mellitus, diabetes gestacional, intolerância
à glicose e hipoglicemias. Determinações laboratoriais de testes de
tolerância e sobrecarga, frutosamina, hemoglobina glicosilada e glicemia.......................106
5.7 Medicamentos que influenciam no funcionamento pancreático...................................116
6 PERFIL BIOQUÍMICO LIPÍDICO, CARDÍACO E DE TRANSTORNOS MUSCULARES...................117
6.1 O infarto agudo do miocárdio (IAM)...........................................................................................117
6.2 Vantagens e desvantagens dos testes bioquímicos..............................................................124
6.3 Dislipidemias, aterosclerose e o IAM...........................................................................................125
6.4 Gasometria.............................................................................................................................................132
6.4.1 Distúrbios do equilíbrio ácido-básico........................................................................................... 134
7 PERFIL BIOQUÍMICO DAS ENFERMIDADES ÓSSEAS.........................................................................137
7.1 Metabolismo dos íons (cálcio, fósforo e magnésio)..............................................................137
7.1.1 Metabolismo do cálcio....................................................................................................................... 137
7.1.2 Metabolismo do fósforo..................................................................................................................... 140
7.1.3 Metabolismo do magnésio............................................................................................................... 142
7.2 Patologias mais comuns ligadas ao metabolismo de cálcio,
fósforo e magnésio....................................................................................................................................144
7.2.1 Osteoporose............................................................................................................................................ 144
7.2.2 Osteomalácia.......................................................................................................................................... 145
7.2.3 Raquitismo.............................................................................................................................................. 146
7.3 Marcadores bioquímicos de metabolismo ósseo atualmente em uso...........................147
7.3.1 Marcadores de reabsorção óssea.................................................................................................... 147
7.4 Perfil funcional tireodiano: triiodotironina total e livre, tetraiodotironina,
TSH e calcitonina........................................................................................................................................148
7.4.1 Patologias relacionadas com o funcionamento da tireoide................................................ 149
7.4.2 Perfil funcional das paratireoides e situações patológicas: hipoparatireodismo e
hiperparatireodismo....................................................................................................................................... 153
7.4.3 Medicamentos e alimentos que afetam o funcionamento da tireoide.......................... 155
8 MARCADORES TUMORAIS E A AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA DE TUMORES.................................156
8.1 Vias de sinalização..............................................................................................................................158
8.2 Diagnóstico............................................................................................................................................159
8.2.1 Marcadores tumorais (MT)................................................................................................................ 159
APRESENTAÇÃO

O assunto da presente disciplina corresponde a uma das principais áreas de atuação do profissional.
Com o maior quantitativo e menu de testes laboratoriais, essa ciência permite uma visão integrada do
paciente, evidenciando doenças e confirmando suspeitas clínicas do médico assistente.

Dado tal cenário, este livro-texto aborda as bases fundamentais da área, desde a coleta de um
material biológico até os critérios de qualidade laboratorial. Aprofunda, ainda, os conhecimentos
do metabolismo humano aplicado à clínica médica, avaliando-se os perfis hepáticos, pancreáticos,
cardíacos, lipídicos, tireoidiano e ósseo, além do metabolismo do ferro e os marcadores tumorais
no contexto das doenças humanas (como diabetes, dislipidemias, coronariopatias, doenças
autoimunes e câncer).

Por meio deste livro-texto, o aluno poderá compreender melhor o funcionamento de diferentes
órgãos e a fisiopatologia das doenças, realizando a adequada interpretação clínica dos resultados dos
exames laboratoriais bioquímicos e contribuindo, dessa forma, para o diagnóstico, o prognóstico e
mesmo a terapêutica dos nossos pacientes.

INTRODUÇÃO

Pode-se dizer que a bioquímica estuda a química da vida. Em cada célula existente há várias
reações químicas de síntese (anabolismo), de degradação (catabolismo), ou intermediárias entre esses
dois processos (metabolismo). Dessa forma, o estudo do metabolismo pode explicar como está a saúde
de uma célula.

A forma mais simples de entender o funcionamento celular é analisar as reações químicas por
intermédio da quantificação de biomoléculas como enzimas que catalisam as reações metabólicas, dos
substratos e dos produtos. Entre os materiais biológicos que podem ser analisados, podemos citar o
sangue, a urina e o liquor; já entre os analitos temos a glicose, o colesterol e a ureia, além de enzimas,
como transaminases, no sangue.

Como sabemos o valor de referência de cada enzima, podemos analisar sua hiperfunção ou
hipofunção (também chamada de biomarcador), quantidade de substrato e de produto e, por
conseguinte, da reação. Avaliando-se as reações particulares de cada órgão, saberemos o que está
ocorrendo com sua função principal, chamando-as de perfil renal, perfil cardíaco, perfil hepático etc.

Exames de imagem, como a tomografia, ajudam o médico a interpretar o funcionamento do


corpo sem a necessidade imediata de uma cirurgia; no entanto, os exames de bioquímica mostram-se
fundamentais para se chegar a um diagnóstico.

Além disso, sabe-se que algumas doenças são silenciosas, e, por vezes, os exames periódicos ou de
checkup são os únicos que podem prevenir ou diagnosticar o início de um desenvolvimento danoso a
fim de que o tratamento seja mais eficaz.

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No laboratório de análises clínicas, temos testes de rotina e outros mais complexos, como os que
usam DNA, RNA e hormônios, colaborando com outros exames realizados em setores como hematologia,
microbiologia, imunologia, endocrinologia, parasitologia e uroanálise.

Antigamente todos os procedimentos eram manuais, mas hoje a maioria é automatizada. Entretanto,
caso ocorra algum problema de manutenção no aparelho, será imprescindível a participação do
profissional do laboratório clínico. Vale acrescentar ainda que aparelhos sofisticados, sensíveis e técnicas
avançadas ajudam a garantir a minimização de erros analíticos e a confiança nos resultados obtidos.

O livro foi organizado em duas unidades, de forma que a unidade I apresenta um apanhado geral
acerca da coleta de material biológico, para as análises bioquímicas, uma introdução dos principais
métodos laboratoriais utilizados em diagnóstico bioquímico, noções sobre controle de qualidade nos
ensaios. Também foi introduzido o conceito de perfis através do estudo das patologias, associadas ao perfil
renal – urinário, compreende de forma plena os marcadores de adoecimento, métodos de diagnóstico.
Na unidade II, damos sequência ao estudo dos perfis, através da compreensão das principais patologias
e dos métodos de diagnóstico de fígado, pâncreas, sistema cardíaco, lipídico, alterações musculares,
enfermidades ósseas e de tumores.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA

Unidade I
1 FUNDAMENTOS BÁSICOS EM BIOQUÍMICA CLÍNICA E A COLETA DE MATERIAL
BIOLÓGICO PARA OS ENSAIOS BIOQUÍMICOS

1.1 Tipos de amostras e contextualização pré-analítica no laboratório de bioquímica

No contexto das análises clínicas, a bioquímica clínica é um dos setores com uma das maiores
demandas de exames a serem realizados rotineiramente. No que tange aos materiais biológicos que
podem ser utilizados para tais avaliações, podemos destacar:

• sangue total;

• plasma;

• soro;

• liquor;

• líquidos especiais (sinovial, pleural, ascítico);

• saliva;

• urina;

• sêmen.

Vejamos agora as características das principais amostras biológicas citadas e os principais cuidados
na obtenção/coleta desse tipo de material (mas não se esqueça de rever o conteúdo da disciplina sobre
fluidos corporais, ele será de grande valia para a bioquímica clínica!).

O soro é obtido após a centrifugação do sangue coletado em tubo seco (tubo de tampa vermelha
com ativador de coágulo). Devido à formação do coágulo, o soro não contém os fatores da coagulação
ou o fibrinogênio.

O plasma é obtido após a centrifugação do sangue coletado em tubo com anticoagulante, seja ele
EDTA, citrato de sódio ou heparina. A presença do anticoagulante inibe a formação do coágulo. No
plasma estão presentes os fatores da coagulação e o fibrinogênio.

11
Unidade I

Logo depois da coleta, os tubos precisam ser homogeneizados delicadamente por inversão para
que o anticoagulante se misture corretamente na amostra. Idealmente, as amostras sanguíneas
normais precisam ser processadas em até 4 horas após a coleta, e as anormais em até 1 hora.
O desafio do laboratório é saber se a amostra é adequada ou não: ele deve indicar um protocolo que
defina o tempo em que as amostras foram processadas, o qual deve ser o mais rápido possível.

Habitualmente, o processo de coagulação se completa em um intervalo de 30 a 60 minutos,


dependendo de fatores como o tipo de tubo utilizado e a temperatura ambiente (de 22 °C a 25 °C).
Atualmente, a incorporação de ativadores ou aceleradores da coagulação nos tubos permite um
processo mais rápido, ou seja, em menor tempo e igualmente eficiente.

A estabilidade da amostra e o intervalo de tempo entre a coleta e a centrifugação dos tubos


coletados são os fatores que determinarão se o material deverá ser rapidamente centrifugado na
própria unidade central do laboratório. A definição do tempo ideal, desde o momento da coleta até a
separação do soro ou plasma, ainda é uma questão que divide opiniões na literatura; no entanto, de
modo geral, esse intervalo está entre 1 e 2 horas. Vale lembrar que se deve evitar uma centrifugação
prematura, por exemplo, para a obtenção de soro, pois há a chance de haver a formação contínua de
fibrina, que pode obstruir o dispositivo de pipetagem (probe) do equipamento.

O liquor, também conhecido como líquido cefalorraquidiano, está localizado no cérebro e na


medula e preenche os ventrículos cerebrais, o espaço subaracnóideo craniano e raquidiano, além
do canal da medula. Tem ainda a função de proteger o encéfalo e a medula espinal de impactos,
amortecer e distribuir substâncias nutritivas do encéfalo e da medula espinal.

O exame e a análise do liquor fornecem informações importantes em relação ao diagnóstico


etiológico (meningites, encefalite e hemorragias) e ao acompanhamento dos processos inflamatórios,
infecciosos e neoplásicos dos órgãos envolvidos por ele. Esse exame compreende a análise dos aspectos
físicos, bioquímicos e citológicos, e, em geral, todas essas análises são realizadas em laboratórios
especializados, normalmente hospitalares.

O líquido sinovial é encontrado nas cavidades articulares (ombro, cotovelo e joelho) e tem como
função lubrificar, proteger, transportar nutrientes e remover impurezas do espaço articular. Há
uma pequena quantidade de líquido nas articulações, sintetizado pelas células sinoviais, que estão
localizadas na membrana sinovial. É formado a partir do ultrafiltrado do plasma acrescido de uma
substância chamada de ácido hialurônico, proteína de alto peso molecular, como fibrinogênio e
globulinas responsáveis pela viscosidade, glicose e ácido úrico.

A análise do líquido sinovial possibilita avaliar o estado da membrana sinovial, determinar o


grau de atividade inflamatória articular, investigar a etiologia da doença (como a artrite séptica e
sinovite induzida por cristais), além de verificar a presença de hemartrose e obter orientação para
o tratamento. A análise compreende as etapas de exame macroscópico, no qual são analisados cor,
aspecto e viscosidade; já o exame microscópico engloba a contagem total de hemácias e leucócitos,
a contagem diferencial de leucócitos e a pesquisa de cristais, além da análise bioquímica, na qual são
dosadas as concentrações de glicose, proteína, ácido úrico e LDH.
12
BIOQUÍMICA CLÍNICA

O líquido pleural está localizado entre a pleura parietal e a pleura visceral dos pulmões e tem um
volume normal de, aproximadamente, 30 mL. Assim como todos os outros líquidos, a formação do
derrame pleural indica que houve alterações nas forças coloidosmótica e hidrostática, modificando o
equilíbrio e acarretando o acúmulo do líquido entre as membranas. Várias causas estão relacionadas
à formação do derrame pleural, entre elas infecções bacterianas, hemotórax, tuberculose e neoplasias.
Vale destacar ainda que a diferenciação entre transudato e exsudato permite identificar se o processo
patológico é local ou não.

A análise laboratorial é dividida em características gerais (volume, aspecto, cor, coágulo e


densidade); a análise química inclui as dosagens de proteínas, glicose, LDH e pH; a análise microscópica
inclui a contagem de leucócitos e a contagem diferencial e de hemácias; a análise citológica, por fim,
avalia a presença de células malignas.

O líquido peritoneal, ou líquido ascítico, é o líquido acumulado dentro da cavidade peritoneal.


Assim como todos os líquidos cavitários, a causa para a sua formação costuma estar ligada ao
desequilíbrio das forças entre vasos, capilares e tecidos, mas também pode estar relacionada a alguns
distúrbios hepáticos, como cirrose, peritonite, perfuração do apêndice e neoplasias.

A urina, líquido orgânico que contém substâncias metabólicas a serem eliminadas, tem sua
formação nos rins, sendo posteriormente coletada na bexiga e, por fim, expelida pela uretra. Dentro
da rotina clínica e laboratorial, o exame de urina é um dos mais pedidos hoje, independentemente da
especialidade médica ou da condição do paciente, fazendo dele um importante exame de triagem ou
para uma condição já estabelecida.

Podemos encontrar vários sinônimos para o exame de urina de rotina, como: urina tipo I, exame
de urina, sumário da urina, urina simples, análise físico-química da urina e do sedimento, elementos
anormais e sedimentoscopia (EAS), exame químico da urina (EQU) e pesquisa de elementos anormais
e sedimento (PEAS). O mais utilizado na prática clínica parece ser o exame de urina de rotina.

A análise do líquido seminal, ou espermograma, é um exame que avalia a capacidade reprodutiva


dos homens, o funcionamento dos testículos e a saúde da próstata e da vesícula seminal, auxiliando
na investigação de uma possível infertilidade. A conclusão sobre as informações da avaliação da
saúde reprodutiva do homem só deve ser feita após a análise de, no mínimo, dois espermogramas,
pois existem alterações biológicas, como febre, e fatores externos, como medicamentos e drogas, que
podem gerar discrepância nas análises.

Para Motta, Corrêa, Motta (2001) e Lopes (2003), a influência dos fatores de erros não analíticos
está relacionada às condições que alteram o resultado dos testes, mas que não estão ligadas ao
problema pelo qual o exame foi solicitado. As variações pré-analíticas não fisiológicas podem estar
relacionadas à coleta, ao transporte e ao armazenamento das amostras. Para evitar tais erros, que
acabam por levar a problemas na interpretação dos resultados, os laboratórios clínicos devem
definir claramente quais são as variáveis a serem avaliadas a fim de melhor atender a demanda de
seus pacientes.

13
Unidade I

A fase pré-analítica necessita de realizações e cuidados na detecção, na classificação e na adoção


de medidas para a redução das falhas. Diversos processos pré-analíticos devem ser cumpridos antes
da análise das amostras. Esses processos podem ser aprimorados pela disponibilização de instruções
escritas ou verbais, em linguagem simples, e orientações quanto ao preparo e à coleta da amostra,
com o objetivo de facilitar o entendimento de tudo pelo paciente.

De forma simples, listamos a seguir alguns importantes aspectos a serem observados objetivando
a implementação de um sistema que garanta uma adequada obtenção de amostras/coleta de material
biológico para a realização de quaisquer exames laboratoriais e, em especial, para a realização dos
exames de bioquímica clínica:

• Preparação do paciente: transmitir de forma clara e objetiva as instruções necessárias à


preparação correta do paciente antes da coleta, quando exigido. Exemplo: coleta de urina de
24 horas, jejum obrigatório de x horas, restrição alimentar.

• Coleta de material: especificar o material a ser colhido (sangue venoso, arterial, capilar, plasma,
soro, sangue total, urina rotina, urina de 24 horas etc.).

• Horário da coleta: se aplicável, informar o horário da coleta.

• Identificação efetiva do paciente.

• Identificação correta da amostra colhida.

• Cuidados especiais na manipulação e no armazenamento da amostra biológica.

• Registro da identidade do colhedor ou receptor da amostra.

• Descarte seguro do material empregado na coleta.

• Preenchimento correto do cadastro do paciente.

Após a chegada das amostras ao laboratório, ocorre a fase de processamento e preocupação com
a sua qualidade, que tem o propósito de identificar prováveis distorções nos métodos analíticos a
serem empregados e minimizar o risco de obtenção de resultados ilegítimos.

Algumas amostras serão rejeitadas por exibir interferentes, como hemólise ou lipemia, exigindo o
pedido de nova coleta. Outras serão aceitas, ainda que haja alguma condição inadequada, que deverá
ser registrada no laudo para avaliação do resultado pelo clínico.

Amostras inapropriadamente identificadas não devem ser aceitas ou processadas, exceto quando
forem de complexa aquisição, instáveis ou críticas, como biópsias, líquidos de derrame, líquido
cefalorraquidiano, material coletado por punção de sítios profundos, medula óssea, entre outras.
Nesses casos, para garantir a rastreabilidade, o laboratório deve ter um processo para receber as
14
BIOQUÍMICA CLÍNICA

amostras, com o reconhecimento do encarregado pela coleta (seja ela efetuada no laboratório ou
por terceiros), e oferecer os resultados para, quando necessário, corrigir a identificação com o uso de
dados que autorizem rastrear esse processo.

Os parâmetros de aceitação e rejeição de amostras, tal como a produção de análises em amostras


com limitações, são estabelecidos em procedimentos documentados. Deve existir o registro adequado
das amostras não conformes com os critérios de aceitação predefinidos. O laboratório deve garantir
que os testes realizados com amostras fora dos critérios ideais ou coletadas sem o devido preparo
tenham essa condição apontada no laudo, de maneira a aumentar as precauções para a explicação do
resultado, quando isso for apropriado. Deve haver, portanto, registros que reconheçam o responsável
pela permissão dos diagnósticos realizados em amostras com restrições (ANDRIOLO et al., 2010).

Como já citado, entre as inúmeras amostras biológicas que podem ser utilizadas para dosagens
bioquímicas, a amostra de sangue obtida por coleta venosa e o posterior fracionamento da amostra
de sangue total em plasma ou em soro são indubitavelmente as mais utilizadas, motivo pelo qual
decidimos apresentar a seguir uma breve revisão dos procedimentos que envolvem a coleta de sangue
venoso, sobretudo pelo método a vácuo, o mais utilizado no momento por suas vantagens técnicas e
eficiência na obtenção de amostras com menor índice de hemólise.

Também apresentaremos a seguir um recordatório dos principais tubos utilizados na coleta de


sangue venoso com os principais anticoagulantes e os mecanismos de ação e seus constituintes.

1.2 Coleta de sangue venoso a vácuo

A punção sanguínea pode ser executada pelo sistema a vácuo e por seringa e agulha. Na primeira
situação, mais comum atualmente, antes da técnica de coleta, compete ao flebotomista checar o
nome completo do paciente com o nome impresso nos tubos e fazer a higienização das mãos. A
coleta tem início com a preparação do material. Logo após garrotear o braço a 4 cm acima do local
escolhido para a coleta, deve-se pedir ao paciente que feche a mão. A técnica segue com a escolha
da veia, que deve ser apalpada com o dedo indicador.

Após realizar a assepsia, espere secar e rosqueie a agulha no adaptador do sistema a vácuo. Em
seguida, insira a agulha em uma angulação oblíqua de 30°, com o bisel da agulha revertido para cima.
Coletam-se todos os tubos no mesmo instante, solta-se o garrote e, só depois, retira-se a agulha. A
fim de prevenir hematomas, deve-se fazer a compressão com o algodão. Para concluir, é importante
trocar o algodão por uma bandagem séptica.

A coleta de sangue com seringa e agulha é a técnica mais antiga para obter sangue venoso, sendo
também usada para aplicar medicamentos. Essa técnica oferece risco para o profissional de saúde, que,
além de manipular o sangue, deve também descartá-lo. Por isso, por motivos de segurança, a punção
venosa feita com seringa e agulha deve ser dispensada. Essas são as normas do manual CLSI (2008) do
Clinical & Laboratory Standards Institute (CLSI), antigo National Committee for Clinical Laboratory
Standards (NCCLS), um roteiro de padronização que teve os direitos autorais em português adquiridos

15
Unidade I

pela Anvisa. No entanto, na prática, ainda ocorrem casos de coleta de sangue com seringa e agulha,
basicamente em pacientes pediátricos e geriátricos.

Quando a punção é processada com seringa e agulha, o sangue deve correr para o interior da
seringa sem que seja necessário realizar qualquer esforço para puxar o êmbolo da seringa. Quando
isso não ocorre, o turbilhamento provocado pelo esforço causa modificações celulares. Terminada a
punção, a agulha deve ser removida da seringa e o sangue passado aos tubos, cumprindo a proporção
de sangue e anticoagulante.

A seguir, veja o passo a passo para a coleta de sangue a vácuo.

• Verifique se a cabine da coleta está limpa e abastecida para iniciar as coletas.

• Solicite ao paciente que diga seu nome completo para a confirmação do pedido médico e
das etiquetas.

• Confira e ordene todo o material a ser usado no paciente de acordo com o pedido médico
(tubos, gaze, torniquete etc.).

• Realize a identificação dos tubos em frente ao paciente.

• Informe ao paciente a técnica a ser utilizada.

• Abra o lacre da agulha de coleta múltipla de sangue a vácuo em frente ao paciente.

• Rosqueie a agulha no adaptador do sistema a vácuo.

• Higienize as mãos.

• Coloque as luvas.

• Posicione o braço do paciente inclinado para baixo, na altura do ombro.

• Insira o primeiro tubo a vácuo. Quando o sangue começar a fluir para dentro do tubo, desgarroteie
o braço do paciente e peça a ele que abra a mão.

• Realize a troca dos tubos sucessivamente.

• Procure homogeneizar o tubo imediatamente após a retirada de cada um, invertendo-o


suavemente de 5 a 10 vezes, conforme recomendado pelo fabricante dos tubos.

• Após a retirada do último tubo, retire a agulha e faça a compressão no local da punção com
algodão ou gaze seca.

16
BIOQUÍMICA CLÍNICA

• Exerça pressão no local (em geral, de 1 a 2 minutos), evitando a formação de hematomas e


sangramentos. Se o paciente estiver em condições de fazê-lo, oriente-o adequadamente para
que faça pressão até que o orifício da punção pare de sangrar.
• Descarte a agulha imediatamente após a remoção do braço do paciente em recipiente para
materiais perfurocortantes.
• Faça um curativo oclusivo no local da punção.
• Oriente o paciente para que não dobre o braço, não carregue peso ou bolsa a tiracolo no mesmo
lado da punção por, no mínimo, 1 hora, e não mantenha a manga da roupa dobrada, o que
poderia funcionar como um torniquete.
• Verifique se há alguma pendência, fornecendo orientações adicionais ao paciente, se necessário.
• Certifique-se das condições gerais do paciente, perguntando se está em condições de
locomover-se sozinho.
• Entregue o comprovante de coleta com a data provável do resultado e libere o paciente.
• Coloque as amostras em local adequado ou as encaminhe imediatamente para o processamento
em casos indicados (como materiais que necessitam ser mantidos em gelo), de acordo com o
procedimento operacional do laboratório.
Um dos problemas que podem prejudicar a coleta, tanto de tubo a vácuo quanto de seringa, é o
colabamento da veia devido à inserção incorreta da agulha ou à posição incorreta do bisel (na ponta
da agulha há uma abertura oblíqua em aresta ou quina, um chanfro ou chanfradura).
O bisel pode aderir à parede superior ou inferior da veia, impedindo que o sangue flua e gerando o
colabamento. A agulha pode ser inserida além da veia ou pode ser parcialmente inserida, provocando
o extravasamento de sangue no tecido, ou o deslizamento da veia, quando a agulha escorrega para o
lado e não penetra na veia.
No caso de colabamento da veia puncionada, aconselha-se virar lenta e cautelosamente a
agulha para que o bisel fique desobstruído. Em caso de colabamento venoso, remova ou afrouxe o
torniquete para liberar o restabelecimento da circulação. Em seguida, retroceda um pouco a agulha
para que o fluxo sanguíneo seja desobstruído. Não são aconselháveis os movimentos de busca aleatória
da veia, pois podem ser dolorosos e gerar perfurações arteriais, acarretando em hematoma, pressão do
nervo ou lesão direta do nervo. Se o tubo usado falhar por qualquer defeito (por exemplo, por falta de
vácuo), procure coletar o material com outro tubo. Não é aconselhável que o mesmo flebotomista tente
mais de uma vez uma venopunção. Se possível, outra pessoa deve ser solicitada para completar a coleta
no paciente ou o médico deve ser informado (ANDRIOLO et al., 2010).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008), os hematomas são o derramamento
de sangue abaixo da pele e têm incidência de 2% a 3% em uma coleta de sangue, sendo as causas
mais comuns de ocorrência: venopuntura imperfeita ou gorada, punção da pele em ângulo muito
grande e saindo da veia, dupla punção da veia com agulha durante a doação e pressão insuficiente
após a doação.
17
Unidade I

Observação

Se você sofrer uma picada com agulha ou outro ferimento a partir de


material cortante, ou, ainda, se seus olhos, nariz, boca ou pele lesionados
forem expostos, lave imediatamente a área com água, limpe a pele com
sabão antisséptico e água, relate o acidente imediatamente ao supervisor,
funcionário de controle de risco ou outra pessoa indicada e procure
orientação médica. Qualquer lesão cutânea deve ser imediatamente lavada.

Os tipos de amostras sanguíneas colhidas para análise são o soro, que é a parte líquida do sangue
obtido quando coletado em tubo sem aditivo após a centrifugação; e o plasma, que é a parte líquida
do sangue adquirido quando coletado em tubo com anticoagulante e após a centrifugação. Na
amostra de sangue total, o sangue mantém suas propriedades próximas à normalidade, alcançado
quando coletado em tubo com anticoagulante, e não sofre o processo de centrifugação.

Conforme a análise, o exame poderá ser feito no sangue total (exemplo: hemograma); no plasma
(exemplo: glicose e provas de coagulação); e no soro (exemplo: bioquímicos e sorológicos). Quando
a análise for efetuada no soro, este será obtido por meio da coleta em tubo sem anticoagulante
(seco), para que aconteça o processo de coagulação. Quando se planeja fazer a análise no plasma, a
amostra deverá ser obtida em tubo de ensaio, incluindo um anticoagulante específico. Dessa forma,
não ocorre a coagulação, pois o anticoagulante atrapalha um dos fatores da coagulação (geralmente,
o cálcio), dificultando a formação do coágulo.

As amostras devem ser identificadas com o nome completo do paciente, seu local de origem, o
exame a ser realizado e a data da coleta.

Deve ser enviada uma amostra para cada exame a ser realizado, com volume adequado, de forma
a possibilitar o manuseio da amostra dentro do laboratório, e as amostras devem estar associadas de
acordo com cada setor de processamento: biologia molecular, sorologia, microbiologia, bioquímica etc.

1.3 Como separar e armazenar o soro

Após a retração do coágulo, o soro pode ser separado de duas maneiras: espontânea ou
mecanicamente.

Para realizar a separação espontânea, siga os seguintes passos:

• aspire e transfira cuidadosamente o soro para um tubo limpo, previamente identificado;

• use uma pipeta Pasteur ou automática (cuidado para não tocar no coágulo a fim de que as
células não se misturem com o soro);

18
BIOQUÍMICA CLÍNICA

• guarde em geladeira por, no máximo, 72 horas, ou em congelador a – 20 °C, até o envio ao laboratório.

Para realizar a separação mecânica, os passos necessários são:

• centrifugue o sangue por 10 minutos a 1.500 rpm;

• retire o tubo após a completa parada da centrífuga;

• aspire, transfira cuidadosamente e guarde o soro até o envio ao laboratório, conforme descrito
na separação espontânea.

1.4 Recomendações do CLSI (Clinical & Laboratory Standards Institute) para a


sequência de tubos na coleta de sangue venoso a vácuo

Por muito tempo, os tubos de vidro foram o padrão para retirar amostras de sangue nos
laboratórios clínicos. Porém, devido ao aumento do interesse pela segurança dos profissionais
dos laboratórios, além da necessidade de simplificar a eliminação de resíduos biológicos, novos
tubos de plástico foram desenvolvidos.

Os tubos de plástico possuem algumas vantagens em relação aos de vidro, como maior resistência
a altas velocidades de centrifugação, menor criação de resíduos sólidos após a incineração e maior
flexibilidade para uso em laboratórios automatizados e com manipulação de amostras por meio de
sistemas robotizados.

A sugestão para a sequência dos tubos durante a coleta é respaldada no CLSI H3‑A6 (2008) e deve
ser reconhecida para que não ocorra a contaminação cruzada dos anticoagulantes quando há coleta de
vários analitos no mesmo indivíduo. Vale acrescentar que a mudança na sequência de tubos pode causar
a contaminação por aditivos no tubo seguinte e produzir resultados alterados nos analitos, significativos
nesse tipo de interferência. A ordem de coleta do CLSI foi, a princípio, alterada, considerando a coleta
em tubos plásticos, pois os tubos plásticos para soro (tampa vermelha ou amarela com gel separador)
incluem o ativador de coágulo, podendo causar variação nos resultados dos testes de coagulação. Em
relação a esse elemento, esses tubos devem ser colhidos após o tubo para coagulação (tampa azul).

Observe a sequência de coleta para tubos plásticos pelo CLSI H3-A6 (2008):

1 – Frascos para hemocultura.

2 – Tubos com citrato de sódio (tampa azul).

3 – Tubos para soro com ativador de coágulo, com ou sem gel separador, para a obtenção de soro
(tampa amarela e/ou vermelha).

4 – Tubos com heparina (tampa verde).

19
Unidade I

5 – Tubos com ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) (tampa roxa).

6 – Tubos com fluoreto/EDTA (tampa cinza).


Tubos de vidro Tubos de plástico

Tubo seco Tubo citrato

Tubo citrato Tubo VHS

Tubo VHS Tubo seco

Tubo gel

Tubo heparina sódica

Tubo EDTA K2/K3

Tubo fluoreto com EDTA K2/K3

Figura 1 – Ordem de coleta

Os anticoagulantes apresentam como principal característica serem desproteinizantes e, ao


mesmo tempo, estabilizantes da amostra. Podemos distinguir os seguintes tipos de anticoagulantes:

• EDTA: anticoagulante que age em conjunto com o cálcio. Indicado para exames ligados à área
de hematologia e tipagem sanguínea. Sua função é exercer a preservação de plaquetas. Frasco
com tampa roxa.

• Citratos: anticoagulantes que agem em conjunto com o cálcio, mas de forma diferente do EDTA.
São utilizados nos exames de coagulação. Frasco com tampa azul.

• Fluoretos: anticoagulantes que atuam em conjunto com o íon cálcio, sua utilização se destina ao
exame de glicemia por ser um inibidor enzimático, mantendo a glicose. Frasco com tampa cinza.

• Heparina: anticoagulante produzido pelo fígado, que age diretamente na proteína trombina,
impedindo a formulação da fibrina. Utilizado em exames de gasometria, hematologia e
imunologia. Não é indicado para teste de coagulação, fosfatos e esfregaços para hemograma.
Frasco com tampa verde.

20
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Segundo o CLSI (2008), todos os tubos precisam ser homogeneizados por inversão, e o número
de inversões pode mudar de acordo com o fabricante. Não se deve homogeneizar tubos de citrato
fortemente devido ao risco de ativação plaquetária e distorção nos testes de coagulação.

Lembrete

Os profissionais precisam saber não só o que acontece se as medidas


corretas não forem seguidas, mas também quais erros podem ocorrer, que
efeito pode haver sobre a amostra e, principalmente, sobre o paciente.

Observação

A temperatura ambiente em laboratórios clínicos deve estar entre


20 °C e 26 °C para manter a estabilidade das reações sorológicas e a
confiabilidade dos resultados.

Importante reforçar que, além de todos os cuidados já apontados para uma coleta eficiente, a qual
representará a certeza de um exame bem realizado com laudo adequado, devemos estar atentos também
para questões que envolvem a possibilidade de lipemia e de hemólise das amostras, situações que podem,
indubitavelmente, trazer complicações para a realização dos exames e para a interpretação dos laudos.

No contexto da bioquímica clínica, hemólise significa o rompimento da membrana da hemácia,


ocasionando a liberação da hemoglobina e de outros elementos internos no líquido circundante. Ela
pode ser criada in vivo e/ou in vitro. Enquanto a hemólise in vivo lembra uma situação clínico‑patológica,
a in vitro confirma erros na técnica de coleta, processamento, transporte ou armazenamento da
amostra (como o uso prolongado do torniquete, o uso do sistema de coleta a vácuo e o transporte do
sangue da seringa para o tubo sem remover a agulha).

Embora as tecnologias de automação auxiliem na resolução de problemas relacionados à amostra,


como sensores de coágulo e leitura de lipemia ou hemólise, a existência do coágulo prejudica o
equipamento, causando obstrução no sistema. Por sua vez, a hemólise intensa também pode elevar
a dosagem de hemoglobina e reduzir o número de hemácias com concentração de hemoglobina
corpuscular média (CHCM) aumentado.

O termo lipemia, por sua vez, está ligado a uma série de ocorrências metabólicas referentes ao
acúmulo de lipoproteínas (LP) ricas em triglicérides (TG), quilomícrons (Qm) e seus remanescentes,
lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL) e seus resíduos, verificada após a ingestão de gorduras.
Depois de uma refeição gordurosa, o pico de quilomícrons é atingido, normalmente, entre 3 e 6 horas,
e, após o período de 12 horas, esses elementos não são mais detectáveis em pessoas normais.
A existência de lipemia no sangue interfere na dosagem de hemoglobina, fornecendo resultados de
CHCM falsamente aumentados, por exemplo.

21
Unidade I

Saiba mais

Para aprofundar o estudo sobre hemólise e lipemia, acesse os textos


indicados a seguir:

BRASIL. Ministério da Saúde. Gestão da fase pré-analítica: minimizando


erros. Laboratório de Hemostasia. Brasília, 2015.

Disponível em: https://bit.ly/3cOIECE. Acesso em: 18 jun. 2021.

ANDRIOLO, A. et al. Gestão da fase pré-analítica: recomendações da


Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial para Coleta
de Sangue Venoso. Barueri: Manole, 2010.

Outro aspecto importante para a realização dos exames bioquímicos é o jejum. A maior parte
das coletas para exames de sangue pode ser realizada com 3 horas sem consumir alimentos e, em
alguns casos, até mesmo sem a obrigação de jejum. O clássico período de 12 horas foi estabelecido
com origem no tempo máximo que uma pessoa em situações normais gasta para metabolizar todo o
alimento absorvido na última refeição, todos os valores de referência dos exames foram determinados
com base em um grupo de pessoas nessa circunstância de jejum. Porém, devido ao metabolismo
diferente de cada pessoa, nos dias de hoje, a maioria dos exames pede até 3 horas de jejum.

Em alguns casos especiais, o médico pode pedir exames com um intervalo de 2 horas desde a
última refeição: são os exames identificados como em estado pós-prandial. Nessa situação, o médico
faz a solicitação por escrito. Para a porção de glicose para diagnóstico de diabetes, o menor tempo
ainda é de 8 horas, e para colesterol ainda são necessárias 12 horas. O jejum fixado para o perfil
lipídico é de 12 a 14 horas, em razão da dosagem de triglicérides. Ainda assim, para todos os exames
mantém-se a regra de não ultrapassar 14 horas de jejum.

A Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) entende que, apesar


de exames com e sem jejum apresentarem diferenças, é possível interpretar e avaliar o risco de
evolução de doenças ateroscleróticas, como infarto e AVC, a partir de resultados obtidos sem o jejum.
Mas isso com a condição de que os laudos de exames contenham o tempo de jejum do paciente e que
os valores de referência sejam readequados (ANDRIOLO et al., 2010).

Estudos recentes mostram que é possível fazer a avaliação do perfil lipídico sem o jejum, com
a vantagem de refletir as condições fisiológicas do dia a dia e de evitar o desconforto e possíveis
complicações do jejum prolongado. Além disso, há um consenso europeu que afirma que as pequenas
variações observadas entre dosagens com e sem jejum para definição de valores de risco cardíaco
poderiam ser corrigidas se fossem estabelecidos novos valores referenciais. A dosagem com jejum
prolongado seria necessária somente quando o nível de triglicérides, fora do estado de jejum, estivesse
acima de 440 mg/dL.
22
BIOQUÍMICA CLÍNICA

No quadro a seguir são dadas as recomendações para a coleta do perfil lipídico com e sem jejum.

Quadro 1 – Recomendações para realização de perfil lipídico com e sem jejum

Na maioria dos pacientes, incluindo:


Avaliação inicial do perfil lipídico
Avaliação de risco cardíaco
Paciente com internação por síndrome coronária aguda
Sem jejum Crianças
Se solicitado pelo paciente
Pacientes diabéticos
Idosos
Pacientes em terapêutica estável
Indicada em:
Triglicérides sem jejum > 440 mg/dL
Avaliação de especialista em paciente com hipertrigliceridemia conhecida
Com jejum
Pacientes com pancreatite por hipertrigliceridemia
Início de uso de medicações que cursam com hipertrigliceridemia severa
Quando acompanhado de outros exames que necessitem de jejum

Adaptado de: Nordestgaard et al. (2016).

Observação

A coleta de amostras de sangue para testes sorológicos deve ser


realizada preferencialmente com o paciente em jejum. Nos testes
sorológicos para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e Aids, o fato
de o paciente não estar em jejum não impede a coleta, a menos que ele
tenha ingerido alimentos gordurosos nas últimas 3 horas.

2 PRINCIPAIS MÉTODOS ANALÍTICOS UTILIZADOS EM BIOQUÍMICA CLÍNICA

No laboratório clínico, o conhecimento das diferentes metodologias faz-se necessário para


compreender as diversas situações no dia a dia do laboratório clínico, bem como a tomada de decisões
em casos de eventuais problemas.

2.1 Reações colorimétricas e cinéticas (com ou sem coenzimas) em


equipamentos semiautomatizados, automatizados e manuais

Nas reações colorimétricas, o produto formado tem uma cor, e a intensidade dessa cor pode ser
medida através de leitura de uma faixa específica do espectro. Esse tipo de reação colorimétrica é

23
Unidade I

amplamente utilizado com as metodologias cinéticas, ou seja, aquelas que envolvem a velocidade da
formação de um produto em um dado intervalo de tempo.

Uma molécula orgânica que se liga a uma enzima para ativar a reação química é chamada de
coenzima. As coenzimas podem ou não ser utilizadas como substratos nas reações químicas utilizadas
nas técnicas laboratoriais. Elas podem ser adicionadas aos testes para favorecer o aumento da
velocidade, por exemplo, em uma reação do tipo cinética, com a consequente diminuição do tempo.

Os equipamentos laboratoriais vêm, ao longo do tempo, evoluindo e diminuindo a necessidade de


uma prévia manipulação das amostras; contudo, além das formas automatizadas para a realização
dos exames, existem as formas semiautomatizadas e as manuais.

Sabe-se que a luz consiste em uma onda eletromagnética que possui um comprimento incluído
em um determinado intervalo que vai da luz ultravioleta (UV) até a luz infravermelha (IV). No entanto,
o olho humano é capaz de visualizar um intervalo menor da luz, sendo suas faixas extremas não
identificáveis pelos olhos humanos.

Vale ressaltar que a luz branca é formada pela união de todas as cores contidas nessa faixa
UV‑IV, cores que podem ser vistas quando um feixe de luz branca incide sobre um prisma (elemento
poliédrico capaz de refratar a luz), conforme visto a seguir.

Figura 2 – Prisma óptico refratando a luz branca e expandindo o


espectro de luz que abrange do infravermelho até o ultravioleta

Disponível em: https://bit.ly/3vQbxVL. Acesso em: 18 jun. 2021.

As análises colorimétricas consistem em uma metodologia química analítica que mensura a


intensidade de luz emitida por determinado reagente indicando a concentração de determinada
molécula ou partícula; ou seja, o reagente somado à molécula torna-se colorido, e essa intensidade
de cor é capturada pelo equipamento, o espectrofotômetro.

24
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Monocromador

Fonte de entrada Prisma Fenda de saída

Leitor

Fonte de luz Cubeta contendo amostra Leitor

Figura 3 – Princípio de funcionamento do espectrofotômetro

O mecanismo de funcionamento desse equipamento baseia-se na absorção (absorbância – I0) e


transmissão (transmitância – I) da luz emitida em determinada solução. Dependendo da concentração
de moléculas (soluto) na solução, a luz será mais ou menos absorvida, tendo seu comprimento de
onda modificado em nanômetros (nm).
100% transmitância 0% transmitância

0% absorbância 100% absorbância

Figura 4 – Relação de valores entre absorbância e transmitância

Para que a leitura seja possível, é necessária a presença de um reagente específico para interagir
com a molécula que se está avaliando. Por exemplo, se o objetivo da análise for avaliar a concentração
de glicose no soro de uma pessoa, será necessário o uso de um reagente que possa interagir somente
com a glicose, uma vez que a leitura se baseia na cor que a glicose terá após interagir com o reagente,
de forma que, na presença de outros componentes do soro, pode haver algum tipo de interferência
na leitura. Se houver aplicação da técnica de acordo com os protocolos descritos para cada leitura, o
resultado será altamente específico e fidedigno.

Existe outro método de análise que se baseia na absorção da energia radiante na faixa do
ultravioleta (340 nm e 365 nm), conhecido como reações de ultravioleta. Tal método é usado na
avaliação de enzimas hepáticas e ureia, por exemplo.

As análises colorimétricas são consideradas metodologias estáticas porque, uma vez adicionado
o reagente à amostra, a reação acontece imediatamente e não muda mais, porém existem reações
que levam determinado tempo para acontecer, tempo que acaba se tornando um método de avalição
para algumas substâncias; nesse caso, estamos diante de uma reação cinética. Levando em conta
que toda reação química gera um produto, a análise por reação cinética avalia o tempo de formação
desse produto, que pode levar segundos, minutos ou até mesmo horas (mas mesmo aqui o produto
25
Unidade I

é analisado por colorimetria). Nesse tipo de análise são utilizadas enzimas e coenzimas, que são
catalisadores (aceleradores) de reações químicas orgânicas.

Na reação cinética contínua, há análises contínuas da formação do produto.


0,800

c
0,600
Absorbância

0,400

b
0,200
a

0,000
0 5 10 15 20
Tempo de reação (min)

Figura 5 – Exemplo de um resultado de análise de reação cinética

Fonte: Basques (2010, p. 10).

Na reação cinética em tempo fixo com medição em ponto final, a análise requer muita atenção
em relação ao tempo de incubação e à temperatura, baseando-se em conhecimentos prévios sobre a
reação que será realizada, bem como sobre seus tempos. Uma vez que se conhece o padrão da reação,
pode-se comparar com a reação decorrente da amostra.
0,500

0,400
Absorbância

T1 T2
0,300

0,200

0,100
0 5 10 15 20
Tempo de reação (min)

Figura 6 – Exemplo de um resultado de análise de reação


cinética em tempo fixo com medição em ponto final

Fonte: Basques (2010, p. 10).

26
BIOQUÍMICA CLÍNICA

2.2 Fotometria

A fotometria é uma área da óptica que mede a luz de acordo com o brilho emitido e que é
captado pelo olho humano. Conceitualmente, o termo cromóforo se refere à quantidade de luz que
é absorvida por determinada substância ou objeto. Ou seja, quanto mais cromóforo for um objeto,
maior a quantidade de luz absorvida e mais escuro ele será.

No início das aplicações analíticas pelo método de fotometria, fazia-se apenas a observação visual
para definir a concentração de determinada substância, afirmando-se que quanto mais escura uma
substância, mais concentrada ela era.

Com o passar do tempo, notou-se que as mesmas substâncias vistas, por indivíduos diferentes,
resultavam em análises diferentes, já que o olho humano não obedece a um padrão na visualização
de cores, podendo variar entre cada um. Assim, com o intuito de eliminar essa variável, criaram‑se
soluções padrão por meio das quais se comparavam as substâncias submetidas à análise por
fotometria, porém ainda assim as análises não eram tão precisas quanto necessário. Posteriormente,
foram criados equipamentos capazes de quantificar com precisão a emissão de fótons (partícula
elementar da força eletromagnética) por determinada substância.

A luz consiste em uma onda eletromagnética, sendo, assim, composta de dois tipos distintos de
ondas: a elétrica e a magnética, que interagem entre si. E é a interação entre as ondas que compõem a
luz, juntamente com a interação da luz com a matéria, que é usada como princípio básico das análises
por fotometria.

O espectro de luz varia de acordo com a substância em um determinado solvente, e essa variação
faz com que esse tipo de análise se baseie em comparação, a qual se dá através do confronto
entre o espectro de uma substância e um espectro conhecido. As análises qualitativas fornecem
resultados pouco específicos, porém de extrema importância para avaliar a presença ou a ausência de
determinada substância. Já os resultados quantitativos oferecidos pela fotometria são precisos e vão
além da presença ou não, indicando também a quantidade/concentração de determinada partícula
em uma quantidade conhecida de solvente.

Em linhas gerais, a diferença entre espectrofotometria e fotometria é que na espectrofotometria


mede-se a absorção de uma faixa de cor dentro do espectro UV-IV, enquanto na fotometria mede-se a
intensidade do brilho e a absorção de luz emitida pela substância. Trata-se, portanto, de metodologias
distintas, utilizadas para substâncias diferentes e com equipamentos diferentes.

2.3 Quimioluminescência e eletroquimioluminescência

A quimioluminescência baseia-se na emissão de luz sem calor após uma reação química. Isso porque,
quando um átomo recebe alguma forma de energia, os elétrons mais próximos ao núcleo passam para
as camadas mais externas e retornam para as proximidades nucleares, num movimento (excitação
eletrônica) que gera energia em forma de luz. Um exemplo comum de reação de quimioluminescência
é o luminol, muito utilizado em medicina forense, o qual consiste em uma substância formada
por C8H7N3O2 + H2O2 que, ao interagir com moléculas orgânicas como o sangue, utiliza o ferro da
hemoglobina como catalisador da reação, gerando uma luz azul brilhante.
27
Unidade I

Já a eletroquimioluminescência consiste na análise quimioluminescente com uma aplicação de


corrente elétrica (eletrodos com polos positivos e negativos). Constitui-se em uma metodologia
extremamente delicada e precisa que une as vantagens da quimioluminescência com o controle
absoluto da voltagem aplicada para se obter a reação esperada.

As análises realizadas por quimioluminescência e eletroquimioluminescência utilizam anticorpos


ligados a marcadores luminescentes (cromógenos) como compostos quimicamente semelhantes ao
luminol, derivados de acridina (C13H9N), um corante usado em marcação de ciclo celular e o sistema
avidina-biotina.

Anticorpos são moléculas proteicas produzidas por células de defesa (linfócitos B ou plasmócitos)
com a seguinte estrutura:

Fração FaB (região de ligação com o antígeno)

Fração Fc (fração de ligação com células e


sistema complemento)

Figura 7 – Esquema clássico de um anticorpo indicando suas regiões específicas

Adaptada de: Janeway et al. (2007, p. 17).

A principal característica dessa molécula é sua altíssima especificidade para se ligar e neutralizar
partículas exógenas (antígenos), e a aplicação dessas moléculas nas análises por quimio e
eletroluminescência lança mão exatamente de tal especificidade. Para tanto, anticorpos são construídos
artificialmente, contendo em sua porção FaB uma molécula conhecida como fluorocromo, que emite luz
ao interagir com a substância em análise.

Enzima
Fluorocromo
Anticorpo primário

Antigênio
A B

Figura 8 – Esquema de reação utilizando anticorpos marcados por fluorocromo. Na detecção direta, o anticorpo marcado
liga-se diretamente à partícula pesquisada; na detecção indireta, um anticorpo primário liga-se à partícula e, só então,
é adicionado um anticorpo secundário marcado específico para se ligar ao anticorpo primário

28
BIOQUÍMICA CLÍNICA

2.4 Ensaios imunoenzimáticos: marcadores tumorais, drogas terapêuticas e


de abuso

Elisa (Enzyme-linked Immunosorbent Assay) é o nome dado a uma metodologia amplamente


usada para a confirmação de infecções virais, porém também com muitas aplicações bioquímicas. Vale
alertar que, nas análises por Elisa, há a necessidade de preparar antígenos e anticorpos conhecidos
para padronizar a técnica. Ao contrário das metodologias vistas anteriormente, entre as quais, por
exemplo, há o uso de um fluorocromo, no Elisa utiliza-se uma enzima que serve como marcador do
anticorpo, porém o produto final também é analisado por colorimetria.

Adicionar anticorpo Anti-A


conjugado à enzima

Amostra 1 Amostra 2
(antígeno A) (antígeno B)

Lavar o anticorpo não ligado

A enzima torna corado o


substrato incolor

Medir a absorção de luz


produzida pelo produto corado

Figura 9 – Protocolo padrão da metodologia Elisa

Adaptada de: Janeway et al. (2007, p. 690).

As metodologias citadas fazem parte de uma grande diversidade de técnicas diagnósticas


disponíveis atualmente e têm inúmeras aplicações nas análises laboratoriais. Estudaremos alguns
exemplos a seguir.

29
Unidade I

2.4.1 Marcadores tumorais

São as substâncias químicas presentes no sangue ou na urina somente em casos de tumores,


uma vez que são produzidas por eles. O mais popularmente conhecido é o antígeno prostático
específico (PSA), presente em altas quantidades em homens com câncer de próstata.

Geralmente esses marcadores são encontrados em níveis baixos em pacientes que não apresentam
nenhum tipo de tumor. Dessa forma, devem ser sempre considerados a história clínica e os valores de
referência para o diagnóstico (retomaremos esse tema, com mais detalhes, adiante).

2.4.2 Drogas terapêuticas ou de abuso

O princípio da reação é o mesmo de outras análises que se utilizam desse tipo de técnica, uma
vez que se faz uso de anticorpos altamente específicos, construídos artificialmente para se ligarem a
moléculas de drogas terapêuticas. Por exemplo, em pessoas que fazem uso contínuo de medicamentos,
essa técnica se mostra útil para avaliar se há algum tipo de acúmulo do princípio ativo do fármaco
que poderia levar, a médio e longo prazo, a algum tipo de dano, reversível ou não. Em relação à
detecção de drogas de abuso, como maconha, cocaína, heroína, utiliza-se o mesmo princípio, ou seja,
a alta especificidade do anticorpo marcado por substâncias luminescentes.

A coleta de sangue deve ser realizada em momentos em que a concentração é mínima (geralmente,
imediatamente antes da dose seguinte), para alguns medicamentos, ou concentração máxima, dependendo
do medicamento prescrito, podendo até ser solicitada uma coleta aleatória. A interpretação correta dos
resultados obtidos depende do momento em que a amostra foi colhida e, juntamente com esses testes,
deve-se fazer um perfil renal e um perfil hepático, entre outros exames que possam se mostrar necessários.

No caso do lítio, por exemplo, usa-se soro, no plasma ou nas hemácias, pois há correlações entre a
concentração eritrocitária e efeitos adversos neurológicos. Já a determinação de metotrexato (MTX) no
plasma é realizada por cromatografia líquida de alta eficiência por arranjo de fotodiodos (CLAE-PDA).

Há também os imunoensaios que, pelos métodos automatizados, apresentam rapidez e simplicidade


de execução, embora possam apresentar falsos positivos caso haja reatividade cruzada com alguns
interferentes endógenos, como no caso da digoxina (digoxin-like immunoreactive substances ou DLIS),
ou reatividade cruzada dos anticorpos ou interferentes como bilirrubina alta, hemólise, lipidemia alta.

Entretanto, a cromatografia líquida de alta pressão (HPLC) e a cromatografia gasosa (GC)


são referências na validação de ensaios de TDM. A cromatografia líquida pode ser acoplada à
espectrometria de massa (LC-MS, LCMS-MS), então considerada “gold standard” (ou seja, “método
padrão” ou “método ouro” da TDM pela elevada sensibilidade e especificidade).

Há programas de computador em farmacocinética clínica que usam regressão linear, regressão


não linear ou a estimativa bayesiana (“gold standard” na análise de dados). Tal metodologia estima
a probabilidade de se obter um parâmetro farmacocinético a partir da concentração plasmática do
fármaco e da farmacocinética populacional, isto é, considera-se a distribuição desse parâmetro na
população a que pertence o doente.
30
BIOQUÍMICA CLÍNICA

2.4.2.1 Técnicas analíticas das drogas de abuso

Vários são os testes usados em laboratórios de pesquisa e em laboratórios clínicos, mas podemos
destacar os principais.

Espectrofotometria

Um dos métodos analíticos mais utilizados é o colorimétrico associado ao espectrofotômetro. Um


exemplo de uso é a determinação do medicamento captopril no sangue, utilizando-se o reagente
Folin‑Ciocalteau, o qual entra em reação com a substância farmacologicamente ativa e forma um
cromógeno na cor azul dosado no espectrofotômetro a 670 nm.

Teste de Scott

Esse teste é usado para detectar a presença de cocaína. O cloridrato de cocaína é um sal solúvel
em água, obtido na forma de pó, podendo ser usado dessa forma (aspiração do pó) ou via intravenosa.
O crack é um subproduto da pasta da cocaína, apresentando-se como pedra e pouco solúvel em água,
no entanto, facilmente volatilizado quando aquecido.

O teste de Scott é um teste colorimétrico que utiliza o tiocianato de cobalto a 2% de glicerina em


meio ácido, reagindo com a cocaína e gerando uma coloração azul-turquesa (resultado positivo). Se
usarmos um espectrofotômetro, a presença de cocaína será detectada com máximo de absorção na
região de 320 nm a 330 nm.

Observação

Esse teste rápido é usado em portos e aeroportos para detecção de


cocaína em bagagens. Caso haja um resultado positivo, ocorrerá a prisão
dos traficantes.

Teste de Duquenois-Levine

Trata-se de um teste colorimétrico com técnica qualitativa para detectar maconha. A reação
é feita com uma solução que contém acetaldeído e vanilina em etanol 95% mais o reagente de
Duquenois-Levine e ácido clorídrico. Em caso positivo, observa-se a formação de um anel com
coloração violeta na amostra, resultado da reação de protonação da vanilina e da reação com o THC,
formando um complexo.

Teste de Mayer

O teste de turbidez de Mayer corresponde a um teste de precipitação para determinar presença


de alcaloides (caso da cocaína, por exemplo) na amostra. Porém, não apresenta uma especificidade
alta. Para a identificação, utilizam-se ácido clorídrico e reagente de Mayer (tetraiodo mercurato II
31
Unidade I

potássio) que, ao reagirem com a amostra, formam um precipitado branco leitoso com aspecto de
coágulo, com turvação da amostra.

Cromatografia em camada delgada (CCD)

É uma técnica física que separa substâncias com base nas interações com as fases da cromatografia:
fase móvel e fase estacionária, sendo que a fase estacionária, ou seja, fixa, é sólida, podendo até ser
papel de filtro. A fase móvel pode ser gasosa, líquida ou se mostrar um fluido supercrítico (substância
que foi submetida à temperatura acima de seu ponto crítico, apresentando propriedades intermediárias
entre líquido e gás), movendo-se sobre a fase estacionária (e junto a ela movem-se os componentes
da mistura a ser estudada).

Saiba mais

Tswett, botânico, em 1910, publicou em seu livro Clorofilas no mundo


vegetal e animal sua invenção para a separação de substâncias coloridas
presentes em vegetais, a cromatografia, nome que não foi dado à toa, vindo
do grego chroma (cor) e graph (grafia), ou seja, cromatografia nada mais é do
que a grafia das cores.

Tswett empregou inulina dentro de uma coluna como fase fixa, usando
vários solventes para separar os anéis de cor verde e amarelo. Você pode
conhecer mais detalhes dessa história por meio do artigo indicado a seguir.

TSWETT, M. S. About a new category of adsorption phenomena and their


application for biochemical analysist. Tr. Warshaw Obshch. Estestvoisp. Otd.
Biol., v. 14, p. 20-39, 1903.

Como feito por Tswett, pode-se usar a fase estacionária dentro de colunas de vidro ou de outro
material (aço inoxidável) ou aderidas em placas ou até papel de filtro; a fase móvel será um solvente
puro ou misturado com outros solventes. Então, com o auxílio de um revelador, identificam-se
manchas de acordo com a polaridade entre as fases.

No caso da maconha, usa-se como fase móvel uma solução hexano/éter etílico e como revelador
uma solução etanólica de Fast Blue RE Salt e vapor de hidróxido de amônio. Após a revelação,
observa‑se a coloração da mancha e determina-se o seu RF, comparando com a amostra padrão de
referência. Para a cocaína, opta-se por clorofórmio/acetona/hidróxido de amônio como fase móvel,
cabendo à solução de Dragendorff (solução de iodeto de bismuto de potássio) a função de revelar,
para, assim, obtermos o RF.

O RF, também conhecido como razão de frente ou fator de retenção, é calculado por meio da
divisão do caminho da amostra pelo caminho do solvente.

32
BIOQUÍMICA CLÍNICA

A B C Fim da corrida

RFA = 8/10 = 0,8


RFB = 4/10 = 0,4
10 cm 8 cm
RFC = 5/10 = 0,5

4 cm 5 cm

Ponto de origem
Solvente

Figura 10 – Esquema de uma cromatografia em papel ou em sílica gel – cromatografia em camada


delgada (CCD). Supondo que a amostra A seja cocaína, podemos sugerir que a amostra C terá
cocaína, uma vez que possui o mesmo RF

Cromatografia líquida de alta eficiência (Clae) ou High performance liquid


chromatography (HPLC)

Esse método identifica e quantifica componentes de uma mistura usando a fase estacionária que
fica dentro de uma coluna com algum material adsorvente e um líquido (fase móvel) que empurra os
componentes por essa coluna (geralmente de aço inoxidável). É o método de escolha para identificação
de drogas utilizadas em suspeita de casos de doping. A Clae é a técnica mais utilizada até mesmo para
a quantificação dos níveis plasmáticos da droga, bem como os seus metabólitos presentes no sangue.

Como cada componente interage de forma diferente com o material da coluna (pode ser sílica,
por exemplo), saem da coluna com velocidades diferentes e passam por outro aparelho (detector que
pode ser um espectrofotômetro) caracterizando a absorção em determinados comprimentos de onda
e registrando em cromatogramas.

O HPLC pode separar compostos não voláteis e termicamente instáveis, já a CG corresponde a um


equipamento simples e de baixo custo (se comparada com o HPLC), além de ser rápida e muito precisa.

Cromatografia gasosa acoplada ao espectrofotômetro de massa (Lc-Em)

É uma das técnicas mais empregadas na área forense, permitindo a detecção de várias substâncias
e seus interferentes, apresentando alta sensibilidade e seletividade e fornecendo resultados precisos
e exatos. É muito utilizada pela criminalística em todo o Brasil e indicada como referência nos guias
de análise do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC – United Nations Office on
Drugs and Crimes).

Sabemos que não há dois compostos com um mesmo espectro de massas (EM). Nessa técnica,
criam‑se íons dos compostos (para isso, a substância deve estar no estado gasoso), que são separados

33
Unidade I

em um campo elétrico de acordo com a sua taxa de massa/carga (m/z), sendo, então, detectados
qualitativa e quantitativamente de acordo com sua taxa m/z e abundância.

A amostra é injetada no cromatógrafo, volatilizada no injetor do equipamento e vai para a coluna


com a fase estacionária e um gás de arraste (hélio ou hidrogênio), que separa os íons. Por fim, o
resultado é comparado com o banco de dados do espectro de massas de várias substâncias químicas.
Vale ressaltar que a técnica com EM pode ser realizada usando, em vez da CG, o HPLC.

Espectroscopia de Raman

Chandrasekhar Raman, um físico indiano, demonstrou, em meados de 1930, que, quando os


fótons interagem com uma molécula, ela evolui para um estado de maior energia e depois, quando
ocorre um relaxamento, o nível de energia vibracional fica diferente do seu estado inicial, produzindo
um fóton de energia diferente. A diferença entre a energia do fóton incidente e a energia do fóton
propagado é chamada de deslocamento Raman.

Quando a mudança na energia do fóton propagado é menor que a energia do fóton incidente, a
difusão é chamada de difusão Stokes. Caso o relaxamento na etapa final for menor que a do estado
de excitação inicial, temos uma difusão anti-Stokes.

Há uma variedade de mercados que se utilizam dessa técnica, como a indústria farmacêutica
(medicamentos e pureza da matéria-prima), áreas que trabalham com carbono e diamante, com gemologia
(análise de pedras preciosas), geologia e mineralogia, ciência forense (drogas de abuso e falsificação de
objetos), nanotecnologia, arte e patrimônio (veracidade da obra), pesquisas biológicas e biomédicas.

Espectroscopia de absorção e emissão atômica

A espectroscopia de absorção atômica baseia-se na identificação de átomos e na quantificação da


energia eletromagnética que é absorvida em um determinado comprimento de onda. A espectroscopia
de emissão atômica apresenta o mesmo conceito descrito anteriormente, a diferença entre elas é que
uma absorve e a outra emite energia eletromagnética (no caso em particular, esta emite em um
determinado comprimento de onda). Vale destacar ainda que nos dois casos a amostra deverá ser
atomizada, isto é, decomposta em átomos ou íons por meio de uma chama, forno ou um plasma.

A espectroscopia de absorção atômica apresenta amplas vantagens, como alta sensibilidade,


capacidade de distinguir elementos mais complexos, identificação de substâncias com concentrações
em partes por milhão (ppm) ou partes por bilhão (ppb). Essa técnica é muito utilizada para drogas
terapêuticas e drogas ilícitas, contudo, trata-se de um método ainda muito caro.

Eletroforese: princípios e equipamentos

O princípio básico da eletroforese é o deslocamento de moléculas eletricamente ativas através de


um gel após a aplicação de uma corrente elétrica. Foi inventada em 1948 pelo químico Arnie Tiselius,
ganhador do prêmio Nobel.
34
BIOQUÍMICA CLÍNICA

A eletroforese consiste em separar moléculas de acordo com seu peso molecular: moléculas muito
grandes não conseguirão migrar ao longo do gel, o que não acontece com as moléculas menores.
Atualmente, se mostra uma técnica amplamente utilizada na detecção de ácidos nucleicos (DNA
e RNA) eproteínas como hemoglobina, lipoproteínas e albumina. Os géis mais utilizados são o de
agarose para ácidos nucleicos e o de poliacrilamida para proteínas (a diferença entre eles é o tamanho
da rede que oferecem).

• Eletroforese em gel de agarose

Agarose é um pó (polissacarídeo) que, adicionado a uma solução tampão (TBE) previamente


preparada, polimeriza-se formando um gel firme no qual serão aplicadas as amostras.

Figura 11 – Representação de gel de agarose preparado em cuba específica

Disponível em: https://bit.ly/3xvCyio. Acesso em: 18 jun. 2021.

A concentração da agarose determina o tamanho da rede que será formada e isso é baseado na
amostra a ser analisada. Após a “corrida” das amostras, o gel é retirado e colocado em solução de
brometo de etídio que fará com que a amostra que se deslocou no gel “brilhe” após a colocação em
câmara de luz UV.

Figura 12 – Resultado obtido de uma corrida em gel de agarose

Disponível em: https://bit.ly/3wCPfrt. Acesso em: 18 jun. 2021.

35
Unidade I

• Eletroforese em gel de poliacrilamida

A poliacrilamida é uma substância formada por dois tipos de polímeros, acrilamida (com
conformação linear) e bisacrilamida (com conformação em forma de “T”), e são as diferenças entre
as moléculas que levam à formação de uma rede diferenciada e mais “fechada”, útil na detecção
de proteínas que são consideradas moléculas pequenas quando comparadas aos ácidos nucleicos,
por exemplo.

Ao contrário da eletroforese em gel de agarose que acontece na posição horizontal, a eletroforese


em gel de poliacrilamida deve ser realizada na posição vertical e em equipamento diferenciado.

A técnica utilizada para detecção e separação de proteínas em gel de poliacrilamida é chamada de


Western Blot e envolve uma série de etapas que devem ser seguidas com rigor para o sucesso da análise.

Isopropanol Solução
Solução de gel de gel de
separador empilhamento

Pente

Aparato para gel


Gel de acrilamida

Figura 13 – Representação das etapas da técnica de Western Blot

Disponível em: https://bit.ly/3vvpI21. Acesso em: 18 jun. 2021.

Polimerase Chain Reaction (PCR): reação da cadeia de polimerase

Trata-se de uma técnica de separação de moléculas que envolve a migração de partículas em


determinado gel durante a aplicação de uma diferença de potencial. As moléculas são separadas de
acordo com o seu tamanho, pois as de menor massa migrarão mais rapidamente que as de maior
massa. O produto da PCR que tem carga negativa migra para o polo oposto, positivo, ocorrendo a
separação molecular da amostra e permitindo a visualização de bandas.

A agarose é um polissacarídio que forma uma espécie de rede, prendendo as moléculas durante
a migração. O gel de agarose é corado com brometo de etídeo, um intercalante de DNA que se
torna visível quando exposto à luz ultravioleta. Já a poliacrilamida é uma mistura de dois polímeros,
acrilamida (molécula linear) e bisacrilamida (em forma de T). Misturando essas duas moléculas, tem‑se
a formação de uma rede. Diferentes relações entre as concentrações dessas moléculas permitem a

36
BIOQUÍMICA CLÍNICA

criação de distintos gradientes de separação. O gel de poliacrilamida é corado com nitrato de prata e
não precisa ser exposto à luz ultravioleta.

E. multilocularis E. granulosus
M 1 2 3 4 5 6 7 8 C 9 10 11 12

700 bp-
500 bp-
300 bp-

Figura 14 – Demonstração das etapas e equipamentos utilizados na PCR convencional

Disponível em: A) https://bit.ly/3gBKvgp. B) https://bit.ly/2Uab2Zf. Acesso em: 21 jun. 2021.

Possibilita a síntese de fragmentos de DNA a partir de sequências-alvo de DNA definidas, capazes de


gerar uma quantidade essencialmente ilimitada de uma sequência de interesse, e pode ser executada
inteiramente in vitro sem o uso de células.

Para permitir a amplificação seletiva, é necessário desenhar dois oligonucleotídios iniciadores


(primers ou amplificadores), os quais são específicos para a sequência-alvo e apresentam de
15 a 25 nucleotídeos de extensão. Após os primers terem sido adicionados ao DNA molde
desnaturado, eles se ligam especificamente às sequências de DNA complementares ao seu
local‑alvo. Esses iniciadores são projetados de modo que um é complementar ao filamento de
uma molécula de DNA em um lado da sequência-alvo, e o outro é complementar ao outro
filamento da molécula de DNA no lado oposto da sequência-alvo.

Na presença de uma enzima DNA polimerase termoestável apropriada e de precursores de


DNA (dATP, dCTP, dGTP, dTTP), é iniciada a síntese de novas fitas de DNA. Os filamentos de DNA

37
Unidade I

recém‑sintetizados, mesmo complementares, formam uma segunda cópia da sequência-alvo original,


gerando, assim, uma amplificação exponencial (2, 4, 8, 16, 32… cópias) da sequência do DNA-alvo.

A PCR é uma reação em cadeia porque as fitas de DNA, recentemente sintetizadas, atuarão como
molde para mais uma síntese de DNA nos ciclos subsequentes. Após cerca de 25 ciclos de síntese
de DNA, os produtos da PCR incluem, além do DNA que iniciou a reação, cerca de 105 cópias da
sequência-alvo específica. Na PCR convencional, os resultados são qualitativos.

Real Time Polimerase Chain Reaction (RT-PCR)

A RT-PCR é uma reação da transcriptase reversa, seguida de PCR, que, nesse caso, será quantitativa.
A técnica não utiliza o DNA de cadeia dupla como molde, mas sim o RNA de cadeia simples. A partir do
RNA, a enzima transcriptase reversa sintetiza uma cadeia de DNA complementar (chamado de cDNA).
Ao cDNA, aplica-se a técnica de PCR. A RT-PCR é amplamente utilizada para verificar a expressão
gênica, uma vez que analisa o RNA responsável pela síntese de proteínas.

Amostra de Primers Nucleotídeos


DNA

Taq Tampão de PCR Tubo


polimerase amostra

Termociclador Ciclo de PCR

Figura 15 – Constituintes de uma reação em cadeia pela polimerase

Fonte: Lipay e Bianco (2015, p. 53).

A PCR envolve ciclos sequenciais compostos por três etapas:

• Desnaturação (93 °C a 96 °C): separação da dupla hélice do DNA-alvo em duas fitas simples.

• Anelamento (50 °C a 70 °C): pareamento dos primers por meio de ligações de hidrogênio ao
DNA‑alvo de fita simples (a temperatura de pareamento depende da quantidade de citosina e
guanina da sequência a ser amplificada, cerca de 5 °C abaixo da temperatura média calculada).

38
BIOQUÍMICA CLÍNICA

• Extensão (70 °C a 75 °C): síntese da cadeia complementar de cada cadeia molde catalisada pela
DNA polimerase, enzima responsável por adicionar os dNTP à nova fita.
Reação da cadeia de polimerase - PCR

DNA original a
ser replicado
5' 3' 5' 3'
5' 3'
3' 5'
5' 3' 1 1
1 1 1 2 2
3' 5' 3 3

3' 5'
DNA primário 3' 5' 3' 5'
Nucleotídeo

1 Desnaturação a 94-96 ºC
2 Anelamento a ~68 ºC
3 Extensão a 72 ºC

Figura 16 – Etapas da RT-PCR em termociclador

Disponível em: https://bit.ly/3wCPx1t. Acesso em: 18 jun. 2021.

A PCR em tempo real baseia-se na detecção e na quantificação do sinal fluorescente dos vários
amplicons gerados por ela, ou seja, do produto da amplificação do DNA. Essa detecção ocorre por meio
de um termociclador com sistema óptico para a captação da fluorescência e de um computador com
um software para aquisição de dados e análise da reação. Há vários fabricantes e esses equipamentos
diferem entre si quanto à capacidade da amostra e ao método de captação da fluorescência na
sensibilidade e nos softwares para a análise dos dados. Durante a PCR, as emissões de fluoróforos são
medidas de ciclo em ciclo, diretamente proporcionais aos amplicons que estão sendo gerados.

A principal característica da PCR em tempo real é que ela consegue monitorar o progresso da
PCR enquanto ocorre a reação, e os dados são coletados ao longo dos ciclos. Utiliza a primeira
amplificação de uma sequência-alvo e, a partir daí, quanto mais alto o número de cópias iniciais da
sequência de DNA-alvo, mais rápido será observado um aumento significativo da fluorescência.

39
Unidade I

100,0

10-0,5

10-1,0
Fluorescência normal

10-1,5

10-2,0
Limiar

10-2,5

10-3,0
5 10 15 20 25 30 35 40 45
Ciclo

Figura 17 – Gráfico que demonstra a amplificação em tempo real da análise de RT-PCR

Disponível em: https://bit.ly/3iNz9qS. Acesso em: 21 jun. 2021.

A quantificação por PCR em tempo real envolve a determinação de um ciclo threshold Ct ou um


ponto de cruzada Cp, que é o momento da reação em que a fluorescência de determinada amostra é
detectada pelo sistema – nessa hora, a reação atinge o limiar da fase exponencial. Esse ponto permite
a quantificação exata e reprodutível baseada na fluorescência. O nível de fluorescência computado
para cada amostra é aquele suficiente para atingir um limiar de detecção igual para cada conjunto de
primers/amostras testados. A fluorescência emitida antes do nível do Ct para cada curva é considerada
ruído de fundo (background) e deve ser desconsiderada na análise.

Quanto mais DNA houver no início da reação, mais rapidamente terá início a fase exponencial
– quando o dobro de produto se acumula a cada ciclo (100% de eficiência). Como consequência, o
número de ciclos necessários para detectar o produto da PCR será menor e a concentração inicial de
DNA será maior. A detecção da amplificação ciclo por ciclo e o uso do começo da fase exponencial
fazem da PCR em tempo real uma técnica muito mais sensível quanto à quantificação de DNA do que
os métodos semiquantitativos.

40
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Aplicação à determinação de diferentes constituintes, eletroforese de proteínas, hemoglobina


e lipoproteínas

A separação de diferentes proteínas pela eletroforese passou a ser realizada no início do século XX.
A utilização da técnica de detecção de proteínas mostrava-se limitada pelo fato de as proteínas
separadas em gel (matriz) se mostrarem com um acesso muito difícil para provas moleculares. Somente
após o desenvolvimento da técnica de transferência das proteínas para uma membrana adsorvente
foi possível detectar as proteínas com mais precisão (KURIEN; SCOFIELD, 2006).

Western blotting (WB), também conhecido como protein blotting ou immunoblotting, é um


poderoso e importante método em biologia molecular utilizado para imunodetecção de proteínas após
sua separação por eletroforese em gel e transferência para membrana adsorvente (KURIEN; SCOFIELD,
2006). Essa técnica permite detectar, caracterizar e quantificar múltiplas proteínas, principalmente
aquelas que estão em baixas quantidades na amostra.

A escolha do material da matriz depende da resistência necessária para a separação efetiva dos
fragmentos proteicos. O gel de agarose possui poros com diâmetro que permitem a separação de
fragmentos que variam de 200 pares de bases (pb) a 50 kilobases (kb). A poliacrilamida é o material
ideal para processos de sequenciamento, pois permite a separação de fragmentos muito pequenos, de
até 1.000 pb. A eletroforese em gel de poliacrilamida (Page) é um método simples e rápido que separa
pequenas proteínas de tamanhos diferentes usando enzimas de restrição. Quando submetidas a um
campo elétrico em pH neutro, as moléculas de proteína são atraídas para o polo positivo e repelidas
pelo polo negativo. Quando a matriz apresenta resistência à migração das moléculas, os fragmentos
menores podem se mover com maior facilidade do que os maiores, havendo, então, uma migração
diferenciada dos fragmentos.

Eletrodo Eletrodo Fragmento Fragmento


negativo Fonte de positivo maior de menor de
corrente proteínas proteínas

Tempo
Mistura de permitido
fragmentos de
proteínas Gel

Figura 18 – Esquema da eletroforese em gel de poliacrilamida (Page). A amostra é colocada em uma


canaleta confeccionada no gel. Sob corrente elétrica, as proteínas migram do lado de carga negativa
para o lado positivo. No gel, as proteínas se posicionam de acordo com seu tamanho e peso

Fonte: Miguel, Menezes e Araújo (2012, p. 6).

A fim de tornar as proteínas acessíveis à detecção por anticorpos, realiza-se a sua transferência
de um gel para uma membrana adsorvente. A membrana de transferência é colocada face a face com
o gel de separação, aplicando-se, então, uma corrente elétrica. Durante a transferência, o gel está na
face do eletrodo negativo e a membrana em sua face positiva. Então, as proteínas contendo carga

41
Unidade I

elétrica se movem do gel para a membrana mantendo a mesma disposição do gel. Como resultado
desse processo de transferência e ligação à membrana, as proteínas são expostas a uma fina camada
para detecção. A ligação das proteínas à membrana é baseada tanto em interações hidrofóbicas
quanto em interações de cargas entre a membrana e as proteínas.

Cátodo

Dois filtros de papel


úmidos
Direção da
Gel de poliacrilamida transferência

Membrana
Dois filtros de papel
úmidos

Ânodo

Figura 19 – Transferência de proteínas de gel para membrana com


o método de transferência horizontal semisseca

Fonte: Miguel, Menezes e Araújo (2012, p. 8).

Bloqueio de ligações inespecíficas

Uma grande quantidade de proteínas indesejáveis liga-se fortemente à nitrocelulose em diferentes


condições experimentais. No entanto, leite seco desnatado, soro albumina bovina (BSA), Triton X-100,
Nonidet P-40 e Tween 20 são eficazes na remoção de ligações proteicas. Leite seco desnatado e BSA
são rotineiramente utilizados em procedimentos de imunodetecção de proteínas para evitar ligações
inespecíficas (KURIEN; SCOFIELD, 2006).

Adição do anticorpo

Normalmente, os anticorpos (monoclonais ou policlonais) são utilizados para detectar uma


proteína (antígeno ou epítopo) específica, ligando-se diretamente a ela, sendo o anticorpo primário
da técnica de immunoblotting. Anticorpos monoclonais são melhores imunodetectores, entretanto,
anticorpos secundários antipeptídicos específicos devem ser usados (PAGANO, 1999). Posteriormente,
essa reação entre antígeno e anticorpo primário será́ exposta a um anticorpo secundário direcionado
a porções espécie-específicas do anticorpo primário (PAGANO, 1999). Em geral, o anticorpo secundário
está ligado à uma enzima reveladora, como a biotina, que gera uma mudança de coloração ou um
sinal fotométrico (PAGANO, 1999).

42
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Proteínas
transferidas
Bloco de
membrana

Adicionar
anticorpo
Papel absorvente monoclonal

Adicionar conjugado
Eletroforese (anticorpo marcado
desnaturante em gel com enzima)
de poliacrilamida
(SDS-Page)
Adicionar substrato
incolor

Membrana

Papel absorvente Revelador


Marcadores de
peso molecular

Figura 20 – Técnica de Western blotting evidenciando a adição de anticorpos

Fonte: Miguel, Menezes e Araújo (2012, p. 1713).

Detecção de antígenos

As proteínas no immublotting têm sido detectadas diretamente por uso de corantes orgânicos,
marcadores fluorescentes e vários métodos com coloração de prata e partículas coloidais como
ouro, prata, cobre, ferro ou indian ink (tinta-da-índia). O tipo de coloração a ser utilizado deve ser
compatível com a membrana usada para a transferência de proteínas. Após a adição do anticorpo
primário e do anticorpo secundário, dois métodos de detecção de antígenos são comumente usados:
radioativo e imunoenzimáticas.

O método radioativo promove a ionização e subsequente autorradiografia para visualização da


interação antígeno-anticorpo; esse método de detecção está em franco desuso por apresentar um alto
custo e riscos à saúde. A quimioluminescência preconiza a incubação de um substrato fluorescente que,
ao ser exposto a uma enzima reveladora associada ao anticorpo secundário, gera uma coloração. Essa
florescência é detectada por um filme fotográfico ou câmeras especiais que capturam uma imagem
digitalizada do WB. A imagem é analisada por densitometria, que avalia a quantidade de proteína
colorida e quantifica os resultados em termos de intensidade ótica. Atualmente, a quimioluminescência
é o método imunoenzimáticos de eleição em WB. Normalmente, horseadish peroxidase ou fosfatase
alcalina ligados a anticorpos são usados com inúmeros substratos solúveis que produzem produtos
coloridos insolúveis. Esses métodos são de simples execução e não requerem equipamentos sofisticados,
além de conferirem resultados rápidos. A principal desvantagem do método está na dificuldade de
obtenção de fotografias com qualidade, diferentemente do método radioativo, pois a coloração da
reação apresenta baixo contraste, e no fato de não produzir resultados quantitativos.

43
Unidade I

A eletroforese de hemoglobina é um exame realizado para medir e identificar os diferentes tipos de


hemoglobina que podem ser encontrados no sangue. Como sabemos, a hemoglobina é uma proteína
dos glóbulos vermelhos responsável por transportar oxigênio para todo o corpo. O exame é realizado
com o intuito de mensurar e detectar os diferentes tipos de hemoglobina que são encontrados
no sangue. Ele ajuda a diagnosticar talassemias e hemoglobinopatias, além de um diferenciado
diagnóstico de hemólise e anemias. Geralmente, a eletroforese de hemoglobina é solicitada para
analisar alterações estruturais e funcionais referentes à síntese de hemoglobina.

Dessa forma, o médico pode indicá-lo com o intuito de detectar a anemia falciforme, a doença de
hemoglobina C. Inclusive, pode ser requerida com a finalidade de aconselhar geneticamente casais
que desejam ter filhos. Isso se deve ao fato de que, por meio dele, é possível informar se há chance de
o bebê ter algum tipo de distúrbio no sangue referente à síntese de hemoglobina.

A eletroforese de proteínas é um exame laboratorial utilizado para separação das proteínas


encontradas no soro (sangue) ou na urina e serve para auxiliar no diagnóstico de doenças que afetam
a absorção, produção e perda de proteínas, além da desnutrição.

A lipoproteína é uma proteína do sangue cuja função principal é transportar colesterol,


triglicerídeos e outras gorduras do corpo. Os padrões de eletroforese de lipoproteínas são importantes
na caracterização das dislipidemias secundárias e primárias (alterações relacionadas ao colesterol e
trigiclerídeos que aumentam as chances de entupimento das artérias).

A eletroforese de proteínas pode ser solicitada quando o médico suspeita de doenças que afetam
as concentrações sanguíneas das proteínas e/ou causem perda proteica na urina, como o mieloma
múltiplo, caracterizado pelos sintomas de dor óssea, anemia, fadiga, fraturas inexplicáveis e infecções
recorrentes. Também pode ser solicitada como parte de outros exames laboratoriais que apresentam
alteração, como níveis anormais de proteínas totais e/ou de albumina, níveis elevados de proteínas
na urina, níveis aumentados de cálcio e contagens baixas de glóbulos vermelhos ou brancos. Uma
vez que uma doença ou quadro clínico tenha sido diagnosticado, a eletroforese pode ser pedida a
intervalos regulares para monitorar o curso da doença e a efetividade do tratamento.

3 CONTROLE DE QUALIDADE EM BIOQUÍMICA CLÍNICA

Ao longo da última década alguns questionamentos vêm sendo levantados em relação aos
cuidados com o gerenciamento de qualidade dos serviços de saúde. Tais questões são originadas
na comparação entre as evoluções tecnológicas e o conhecimento adquirido com a evolução na
qualidade dos serviços prestados aos clientes, bem como a diminuição da intervenção humana nas
análises devido à automatização da maioria das técnicas. Diante disso, inúmeras iniciativas vêm
sendo implantadas no intuito de melhorar os processos aplicando iniciativas já existentes em outras
áreas como gestão de qualidade total (GQT); pensamento enxuto, Seis Sigma, redesenho de processos,
normas ISO e prêmios de qualidade, além, é claro, das certificações e acreditações.

Entretanto, para que as inovações e melhorias deem certo, torna-se imprescindível o controle
desses processos, que deve ser capaz de identificar possíveis falhas que possam vir a acontecer ou
44
BIOQUÍMICA CLÍNICA

que já́ aconteceram. Além disso, o laboratório deverá estar preparado para agir prontamente a fim
de evitar ou minimizar as consequências e a recorrência dessas falhas. Isso tudo acaba por se traduzir
em um processo chamado garantia da qualidade.

O laboratório clínico deve assegurar que os resultados produzidos reflitam, de forma fidedigna
e consistente, a situação clínica apresentada pelos pacientes, assegurando que não representem o
resultado de alguma interferência no processo. A informação produzida deve satisfazer as necessidades
de seus clientes e possibilitar a determinação e a realização correta de diagnóstico, tratamento e
prognóstico das doenças. No entanto, para que todas as inovações e melhorias sejam assertivas,
é indispensável que haja um controle rígido de todos os processos, o qual ainda deve ser capaz de
pontuar possíveis falhas (as instaladas, as que podem vir a acontecer e as que já ocorreram, além
de, nesse último caso, tratar da forma como foram sanadas). A essa série de regras utilizadas, em
diferentes escalas, dá-se o nome de garantia de qualidade.

Nesse conceito, em um laboratório de análises clínicas os processos de garantia de qualidade


são absolutos e devem compreender todas as etapas, desde as pré-analíticas até as pós-analíticas. A
equipe de gestão de qualidade, no entanto, cuida das ações utilizadas para produzir, dirigir e controlar
tal qualidade utilizando indicadores e metas específicas.

Para criar um padrão e poder aplicá-lo em todos os setores e processos laboratoriais, foram criados
programas de acreditação brasileiros, como o Programa de Acreditação de Laboratórios Clínicos (Palc),
da SBPC/ML, e o Departamento de Inspeção e Credenciamento de Qualidade (DICQ), da Sociedade
Brasileira de Análises Clínicas (SBAC).

Independentemente de qual seja a iniciativa de melhoria da qualidade a ser implantada em uma


organização de saúde ou em qual metodologia esta tenha base, o essencial é que o objetivo primordial
não seja esquecido ou colocado em segundo plano. O objetivo principal de qualquer melhoria de
processos na área da saúde é ampliar a segurança dos serviços prestados ao paciente. Oferecer níveis
elevados de segurança aos pacientes significa melhorar continuamente os processos que impactam
esses clientes, garantindo estabilidade e previsibilidade aos processos e antecipando-se a eventuais
falhas, sempre que possível. Isso exige extremo conhecimento e controle de todos os processos críticos
de uma organização de saúde; exige conhecer, principalmente, a complexidade dos processos e os
fatores de riscos envolvidos.

3.1 Controles internos e externos no laboratório de bioquímica e boas


práticas laboratoriais

Para a implantação das normas vigentes de controle de qualidade deve-se, além de integrar toda
a equipe, contar com a boa vontade e os cuidados da alta administração do local. Outros pontos
também devem ser considerados:

• indicação de um responsável técnico que conheça todos os processos de controle de qualidade


(será o gestor de qualidade);

45
Unidade I

• procedimentos internos checados diariamente;

• programas de treinamento e educação continuada;

• avaliação de desempenho;

• registro de relatórios.

As boas práticas laboratoriais (BPLs) são normas fundamentais para se estabelecerem padrões
de qualidade e confiabilidade em todo o processo técnico científico. Tais normas condicionam o
funcionamento, a organização e as condições em que as análises laboratoriais deverão ser planejadas,
armazenadas e liberadas. Também consideram a preservação e o descarte das amostras e de que
forma os dados serão arquivados.

Todos estes quesitos fazem parte das fases pré-analíticas, analíticas e pós-analíticas. A etapa
pré‑analítica é considerada uma das mais complexas para se padronizar e controlar, pois envolve
uma série de fatores (inclusive os que não são inerentes ao próprio laboratório). Muitos desses fatores
podem, eventualmente, causar variações nos resultados difíceis de rastrear, como a identificação e
o preparo do paciente antes da coleta da amostra. As BPLs devem incluir também os cuidados com
manutenção e calibração dos equipamentos e insumos utilizados, limpeza, inspeção e padronização.
Também são necessários protocolos abordando a estabilidade e a pureza das substâncias de teste
ou referência, sempre se observando os registros de compra, informações sobre rotulagem e
armazenamento de todas as substâncias e reagentes utilizados.

Quadro 2 – Sumário descritivo das etapas pré-analíticas,


analíticas e pós-analíticas na realização de exames laboratoriais

O paciente, os exames e as amostras devem ser devidamente identificados, apresentando


informações que incluem o nome do paciente, data e hora da coleta e o tipo de material coletado
(urina, sangue total, plasma, soro).
Fase pré-analítica
Transmitir ao paciente, ou responsável, todas as orientações necessárias à preparação correta
do paciente, como necessidade de jejum, uso de álcool e fumo, estresse, estado nutricional,
exercícios físicos, postura e interferência in vitro e in vivo dos medicamentos.
Compreende todas as operações empregadas na realização de um exame. As diversas variáveis
analíticas devem ser bem controladas a fim de garantir que os resultados sejam precisos e exatos.
Os parâmetros a ser analisados são: confiabilidade (exatidão, precisão, sensibilidade,
Fase analítica especificidade e linearidade); praticidade (tipo de amostra, volume, complexidade metodológica,
duração do ensaio, estabilidade de reagentes analítica, robustez, interação com amostras,
equipamentos, custo e segurança pessoal); calibração dos dispositivos de medição e ensaio
(equipamentos, vidrarias e pipetas); limpeza da vidraria; qualidade da água.
Envolve as etapas executadas após a realização do exame e incluem os cálculos dos resultados,
Fase pós-analítica análise de consistência dos resultados, liberação dos laudos, armazenamento de amostra ou
material de paciente, transmissão, arquivamento de resultados e consultoria técnica.

46
BIOQUÍMICA CLÍNICA

3.1.1 Controle interno da qualidade


Define-se, portanto, como controle interno de qualidade (CIQ) os procedimentos conduzidos em
associação com o exame de amostras de pacientes para avaliar se o sistema analítico está operando
dentro dos limites de tolerância predefinidos.
O laboratório clínico deve realizar o controle interno da qualidade contemplando:
• monitoramento do processo analítico pela análise das amostras de controle, com registro dos
resultados obtidos e na análise dos dados;
• definição dos critérios de aceitação dos resultados por tipo de analito e de acordo com a
metodologia utilizada;
• liberação ou rejeição das análises após avaliação dos resultados das amostras de controle.
Para o CIQ, o laboratório clínico deve utilizar amostras de controle comerciais, regularizadas segundo
a Anvisa (Ministério da Saúde) e de acordo com a legislação vigente. Formas alternativas descritas na
literatura podem ser utilizadas desde que permitam a avaliação da precisão do sistema analítico. O
laboratório clínico deve registrar as ações adotadas decorrentes de rejeições de resultados de amostras
de controle. As amostras de controle devem ser analisadas da mesma forma que amostras dos pacientes.

3.1.2 Controle externo da qualidade

Entende-se por controle externo da qualidade (também chamado avaliação externa da qualidade)
a atividade de avaliação do desempenho de sistemas analíticos através de ensaios de proficiência,
análise de padrões certificados e comparações interlaboratoriais.

O laboratório clínico deve participar de ensaios de proficiência para todos os exames realizados na
sua rotina. Para os exames não contemplados por programas de ensaios de proficiência, o laboratório
clínico deve adotar formas alternativas de controle externo da qualidade descritas em literatura
científica. Vale acrescentar que a participação em ensaios de proficiência deve ser individual para
cada unidade do laboratório clínico que realiza as análises.

A normalização sobre o funcionamento dos provedores de ensaios de proficiência deverá seguir


os critérios da Anvisa e o laboratório clínico deve registrar os resultados do controle externo da
qualidade, inadequações, investigação de causas e ações tomadas para os resultados rejeitados ou
nos quais a proficiência não foi obtida.

3.2 Métodos estatísticos de controle

Fornecem medidas que podem caracterizar o comportamento dos elementos de uma série,
possibilitando determinar se um valor está entre o maior e menor valor da série ou se está localizado no
centro do conjunto de dados, por exemplo. As medidas de tendência central informam o valor em torno
do qual os dados se distribuem. Tem por objetivo representar os dados de uma forma mais condensada
que uma tabela, localizando a maior concentração de valores em torno de uma distribuição.
47
Unidade I

Medidas de
tendência central

Média Médiana Moda

Figura 21 – Organograma dos componentes de medida de tendência central

Dispersão estatística

As medidas de posição (média, mediana, moda) descrevem características dos valores numéricos
de um conjunto de observações em torno de um “ponto de equilíbrio” dos dados. Nenhuma delas
informa sobre o grau de variação ou dispersão dos valores observados em relação à média. Em um
grupo de dados, os valores numéricos não são necessariamente semelhantes e apresentam desvios
em relação à tendência central, usualmente, a média aritmética. As medidas de dispersão quantificam
a variação dos dados em relação à média e indicam qual o seu grau de representatividade.

1
75 cm

2
75 cm

Figura 22 – As peças produzidas pela linha 1 de produção são melhores que as da linha 2,
pois a dispersão das medidas em torno da média é menor

Amplitude

Coeficiente de Desvio médio


variação
Medidas de
dispersão

Desvio padrão Variância

Figura 23 – Todas as informações necessárias para o estabelecimento das medidas de dispersão

48
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Com base nos dados estatísticos obtidos através de análises simples, é possível aplicar um conjunto
de regras e padrões que fornecerão os dados fidedignos voltados para o controle geral de qualidade.

Modelo probabilístico normal: curva de Gauss

Algumas variáveis contínuas exibem um comportamento muito particular quando visualizamos


a distribuição de frequências de seus valores. Concentração de valores em torno de um valor central;
simetria em torno do valor central; frequência pequena de valores muito extremos. O matemático
alemão Carl Gauss popularizou um modelo proposto para a distribuição de probabilidades de variáveis
do tipo descrito anteriormente. A curva descrita por este modelo é conhecida como curva de Gauss
(ou também como curva normal).

A curva gaussiana é definida pela média µ e pelo desvio padrão σ.

ϕ(Z)

φ(z)

Z
z

Figura 24 – Gráfico gaussiano clássico

A utilização da técnica de distribuição de dados utilizados por Gauss mostra informações valiosas
quando aplicadas às técnicas de controle de qualidade, pois representa a extensão das variáveis a fim
de serem minimizadas. A distribuição normal é um modelo bastante útil na estatística, e não seria
uma surpresa, pois a soma de efeitos independentes (ou efeitos não muito correlacionados) deveria,
se houvesse muitos desses, se distribuir normalmente (sempre sujeito a certos pressupostos).

Regras de Westgard

O controle de qualidade (CQ) de regras múltiplas utiliza uma combinação de critérios de decisão,
ou regras de controle, para decidir quando uma corrida analítica está “sob controle” ou “fora de
controle”. O procedimento de CQ de regras múltiplas de Westgard, como é mais conhecido, utiliza cinco
regras de controle diferentes para julgar a aceitabilidade de uma corrida analítica. Por comparação,
um procedimento de regra única de controle utiliza um único critério ou um único par de limites
de controle, assim como um gráfico de Levey-Jennings, com limites de controle calculados como
x ± 2 DP (média mais ou menos dois desvios padrão) ou x ± 3 DP (média mais ou menos três desvios
padrão). As regras de Westgard proporcionam maior sensibilidade do sistema na detecção de perdas
de estabilidade. Elas traduzem probabilidade estatística e, quando violadas, é necessário analisar os
variados fatores envolvidos para encontrar a causa do problema e promover ações corretivas.

49
Unidade I

As regras de Westgard são geralmente utilizadas com duas ou quatro medições de controle por
corrida, o que significa que elas são apropriadas quando dois materiais de um controle diferentes são
medidos uma ou duas vezes por material, que é o caso em muitas aplicações bioquímicas. Algumas
regras de controle alternativas são mais apropriadas quando três materiais de controle são analisados,
o que é comum para aplicações em hematologia, coagulação e imunoensaios.

Esses procedimentos são claramente mais complicados do que procedimentos de regras únicas,
o que é uma desvantagem. Entretanto, frequentemente oferecem melhores desempenhos do que os
procedimentos de regras únicas 12s e 13s. Há um problema de “falso alarme” com a regra 12s, assim
como o gráfico de Levey-Jennings com limites de controle 2 DP.

Dados de
controle

Não
12s Sob controle, aprovar corrida analítica

Sim Não

Não Não Não Não


13s 22s R4s 41s 10x

Sim Sim Sim Sim Sim


Fora de controle, rejeitar corrida analítica

Figura 25 – Diferentes materiais de controle devem ser interpretados como diferentes níveis de controle

As vantagens dos procedimentos de regras múltiplas são principalmente duas: o número de falsas
rejeições pode ser mantido baixo e, ao mesmo tempo, mantém-se uma alta identificação de erros.
Isso é feito selecionando-se regras individuais que tenham níveis de falsas rejeições muito baixos,
regras as quais, quando utilizadas em conjunto, aumentam a capacidade de identificação de erros; é
como realizar dois testes funcionais do fígado e diagnosticar um problema se um deles der positivo.
Um procedimento de regra múltipla utiliza dois ou mais testes estatísticos (regras de controle) para
avaliar os resultados do controle de qualidade e, então, rejeitar uma corrida se qualquer um deles
for positivo.

A regra 1:3s refere-se a uma regra de controle que é comumente utilizada com um gráfico de
Levey‑Jennings quando os limites de controle calculados são x ± 3DP. A corrida é rejeitada quando
uma única medição de controle excede um dos limites.

50
BIOQUÍMICA CLÍNICA

+3DP

+2DP

+1DP

Média

-1DP

-2DP
Regra 13s violada
-3DP

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Figura 26 – Regra de Westgard 1:3s

A regra 1:2s refere-se a uma regra de controle que é comumente utilizada com um gráfico de
Levey‑Jennings quando os limites de controle calculados são x ± 2DP. No procedimento original
de regras múltiplas de Westgard, essa regra é utilizada como um alerta para acionar uma inspeção
cuidadosa dos dados de controle por meio das seguintes regras de rejeição:

+3DP
Regra 12s violada
+2DP

+1DP

Média

-1DP

-2DP

-3DP

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Figura 27 – Regra de Westgard 1:2s

51
Unidade I

• Regra 2:2s: rejeita-se quando duas medições de controle consecutivas excederem o mesmo
limite de controle x + 2DP ou x - 2DP.

+3DP
Regra 22s violada
+2DP

+1DP

Média

-1DP

-2DP

-3DP

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Figura 28 – Regra de Westgard 2:2s

• Regra 4s: rejeita-se quando uma medição de controle exceder o limite de controle x + 2DP e a
outra x - 2DP, em uma mesma corrida.

+3DP

+2DP

+1DP
Regra R4s violada
Média

-1DP

-2DP

-3DP

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Figura 29 – Regra de Westgard 4s

52
BIOQUÍMICA CLÍNICA

• Regra 4:1s: rejeita-se quando quatro medições de controle consecutivas excederem o mesmo
limite x ± 1DP.

+3DP

+2DP

+1DP
Regra 41s violada
Média

-1DP

-2DP

-3DP

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Figura 30 – Regra de Westgard 4:1

• Regra 10x: rejeita-se quando dez medições de controle consecutivas estiverem no mesmo lado
em relação à média.

+3DP

+2DP

+1DP

Média

-1DP
Regra 10x violada
-2DP

-3DP

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Figura 31 – Regra de Westgard 10x

53
Unidade I

• Regra 8x: rejeita-se quando oito medições de controle consecutivas estiverem no mesmo lado
em relação à média.

+3DP

+2DP

+1DP

Média

-1DP
Regra 8x violada
-2DP

-3DP

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Figura 32 – Regra de Westgard 8x

• Regra 12x: rejeita-se quando 12 medições de controle consecutivas estiverem no mesmo lado
em relação à média.

+3DP

+2DP

+1DP

Média

-1DP
Regra 12x violada
-2DP

-3DP

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Figura 33 – Regra de Westgard 12x

Gráfico de Levey-Jennings e aplicação das regras de Westgard

O gráfico de Levey-Jennings é um gráfico de controle em que os resultados da corrida analítica são


plotados em função do tempo ou do número de corridas. Ele é um importante aliado do profissional
54
BIOQUÍMICA CLÍNICA

de laboratório no controle interno da qualidade ao evidenciar o estado do sistema analítico e ajudar


a garantir a confiabilidade dos resultados entregues.
203,0
202,5
202,0
201,5
201,0 Resultado do teste
+2* SD
200,5 +1* SD
Média
200,0 -1* SD
199,5 -2* SD
199,0
198,5
198,0
0 10 20 30 40 50

Figura 34 – Gráfico padrão de Levey-Jennings

Disponível em: https://bit.ly/35Aww4b. Acesso em: 21 jun. 2021.

Por exemplo, quando N = 2, espera-se que 9% de corridas com bons resultados sejam rejeitadas;
com N = 3, esse valor é ainda maior, aproximadamente 14%; com N = 4 esperam-se quase 18% de
falsas rejeições. Isso significa que, aproximadamente, de 10% a 20% das corridas com bons resultados
serão descartadas, o que causa desperdício de tempo e esforço do laboratório. Enquanto o gráfico
de Levey-Jennings com limites de controle 3DP tem uma taxa de falsa rejeição muito baixa, apenas
± 1% com um N entre 2 e 4, sua capacidade de identificação de erros (alarmes verdadeiros) também
será menor, assim o problema com a regra de controle 13s será que erros clinicamente importantes
não serão identificados.

4 PERFIL BIOQUÍMICO RENAL E DOS FLUIDOS CORPORAIS

Os rins apresentam uma série de funções de extrema importância para a manutenção da


homeostase, entre as quais podemos destacar:

• excreção de produtos nitrogenados do metabolismo, como a ureia e a creatinina, bem como


outros produtos do catabolismo de proteínas, como o ácido úrico;

• regulação da osmolalidade plasmática;

• regulação da concentração de íons como sódio (Na+), potássio (K+), cálcio (Ca2+), magnésio (Mg2+),
cloreto (Cl-), bicarbonato (HCO3-), hidrogênio (H+) e fosfatos (HPO2-4 e H2PO- 4);

• regulação do volume plasmático e da pressão arterial;

55
Unidade I

• produção de eritropoetina pelas células intersticiais peritubulares, responsáveis pela diferenciação


da linhagem eritroide presentes na medula óssea;

• produção de vitamina D ativa pela enzima 1-α-hidroxilase presente no túbulo proximal,


também conhecida como calcitriol, que age sobre os receptores de diferentes órgãos-alvo;

• ação das prostaglandinas como vasodilatadoras na arteríola aferente aumentando a perfusão


renal, ação nos receptores tubulares, inibindo o transporte de sódio e cloreto na alça de Henle,
promovendo a natriurese (em contrapartida sua ação antagônica promove a diurese);

• gliconeogênese (jejum prolongado).

Em relação à estrutura macroscópica do sistema urinário podemos destacar os rins, os ureteres, a


bexiga e a uretra:

Veia cava inferior Artéria aorta

Veia renal Artéria renal

Ureter Rim

Bexiga

Uretra

Figura 35 – Sistema urinário: rins e vias urinárias

4.1 Estrutura microscópica dos rins e filtração renal

Os rins estão localizados dentro da parede dorsal da cavidade abdominal, na região médio‑posterior.
Cada rim filtra o sangue e o transforma em um ultrafiltrado, a urina, que por sua vez é direcionada
para o ureter.

O ureter de cada rim conduz a urina para a bexiga urinária, onde é armazenada até ser excretada
pela uretra. A uretra é formada por uma estrutura tubular curta que se conecta ao meio externo por

56
BIOQUÍMICA CLÍNICA

meio do pênis ou na porção anterior da vagina. Dois esfíncteres musculares circundam a base da
uretra de modo a controlar a micção.

Nos bebês a micção é controlada pelo sistema nervoso autônomo, assim, quando a bexiga está
cheia, um reflexo espinal relaxa o esfíncter.

Cada rim contém mais de um milhão de néfrons, os quais, por sua vez, são formados por pequenos
túbulos e vasos conhecidos como glomérulo, que emerge de uma arteríola aferente. Os capilares
glomerulares são revestidos pela cápsula de Bowman, apresentando as seguintes estruturas: túbulo
contorcido proximal, alça de Henle, com um ramo descendente fino e um ramo ascendente grosso,
túbulo contorcido distal, túbulos coletores e ductos coletores.

Cápsula de Túbulo contorcido


Glomérulo Bowman proximal

Túbulo
contorcido distal
Arteríola
eferente

Arteríola
aferente
Ramo ascendente
da alça de Henle

Ramo
descendente
da alça de Ducto coletor
Henle

Alça de Henle
Até o ureter

Capilares
peritubulares

Figura 36 – Túbulos renais e vasos sanguíneos

O néfron é a unidade funcional responsável pela formação da urina. A urina é um ultrafiltrado


modificado do plasma que se forma a partir dos capilares glomerulares para a cápsula de Bowman,
sendo produzido por três barreiras de filtração, descritas a seguir:

• membrana basal que controla a passagem de moléculas de acordo com o peso molecular e a carga;

• podócitos, que são células especializadas da Cápsula de Bowman cuja função é a manutenção
da membrana basal e a filtração de moléculas carregadas negativamente;

• capilares fenestrados que promovem uma barreira de filtração dos tipos celulares presentes
no sangue.
57
Unidade I

Em condições normais, a reabsorção tubular é de 178,5 L ao dia, ao passo que a excreção de urina
é de 1,5 L ao dia.
Mas como o sangue é filtrado? O sangue chega através dos rins pela artéria renal que se ramifica
nas artérias interlobulares, artérias arqueadas e nas artérias radiais corticais. Essas, por sua vez,
subdividem-se em arteríolas. As arteríolas aferentes levam o sangue para a primeira rede de capilares
glomerulares, onde ocorre a ultrafiltração. O sangue, então, sai dos capilares glomerulares através das
arteríolas eferentes, que o conduzem para os capilares peritubulares que circundam o néfron. Dos
capilares peritubulares, o sangue flui para pequenas veias que o drenam para a veia renal.
O volume médio de sangue filtrado gira em torno de 180 L, o que corresponde a uma filtração
glomerular de 125 ml por minuto, ou seja:
(125 ml X 60 minutos X 24 horas) = 180.000 mL
Além disso, para que ocorra o processo de filtração e a formação de ultrafiltrado (no caso, a
urina), é necessária uma força hidrodinâmica. Biofisicamente falando, a filtração glomerular sofre três
pressões: pressão hidrostática sanguínea, pressão hidrostática urinária e pressão osmótica do sangue.

4.2 Biomarcadores hidroeletrolíticos – sódio e potássio

Os eletrólitos são importantes componentes bioquímicos que controlam e mantêm o equilíbrio


de nosso organismo. Como principais agentes, temos o sódio e o potássio, os quais são componentes
catiônicos presentes no líquido extracelular e intracelular, respectivamente.

Regulados por diversos mecanismos de controle, o sistema renina-angiotensina-aldosterona é um


dos mais importantes meios de feedback para o controle a hipertensão arterial sódio-dependente.

O sódio e o potássio são quantificados no soro humano por muitos métodos, inicialmente, pelo
fotômetro de chama e por métodos enzimáticos. Todavia, atualmente destacam-se os equipamentos
automatizados que dispõem do módulo ISE (eletrodos de íon seletivo). Com a tecnologia da
potenciometria, os eletrodos específicos para cada marcador são dispostos no sistema e, conforme a
amostra (soro do paciente) circula nas tubulações e passa pelos eletrodos, por diferença de potencial,
as concentrações de sódio e potássio são verificadas.

Seus valores de referência variam de 135 mEq/L a 145 mEq/L e 3,7 6 mEq/L a 5,6 mEq/L,
respectivamente.

4.3 Biomarcadores de função e lesão renal

Consideramos biomarcador toda substância ou molécula capaz de ser mensurada por meio de um
exame clínico decorrente de uma doença ou outro estado fisiológico determinado em um indivíduo
para fins de diagnóstico clínico e laboratorial. Devemos considerar que os biomarcadores podem
sofrer influência de fatores endógenos ou exógenos, os quais, muitas vezes, podem levar à repetição
do resultado laboratorial.

58
BIOQUÍMICA CLÍNICA

De acordo com Taal e Brenner (2006), os principais fatores que comprometem a função renal são:
diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, idade avançada, tabagismo, anemia, dislipidemias,
obesidade e disfunção endotelial. Vejamos agora alguns biomarcadores renais e suas aplicações no
diagnóstico clínico.

4.3.1 Creatinina

Para estimar a taxa de filtração glomerular, determinados compostos do catabolismo são de suma
importância, como a creatinina. Mas, para entender melhor a importância desse metabólito, vamos
entender como ele é formado.

Primeiramente, tomemos creatina, um antecessor no processo de formação da creatinina, iniciada


nos rins e finalizada no fígado. A síntese de creatina começa nos rins, com a combinação de dois
aminoácidos, a glicina e a arginina, formando a guanidinoacetato. Esse composto, então, vai para o
fígado, onde é metilado pela S-adenosilmetionina para formar a creatina.

Essa creatina formada no fígado se dirige para a corrente sanguínea e outros tecidos (em particular,
para coração, músculos e cérebro), reage com o ATP para formar fosfocreatina ou fosfato e creatina.
Essa reação é catalisada pela creatina-fosfoquinase (conhecida como CK ou CPK, do inglês creatine
phosphokinase), que, por sua vez, sofre ciclização espontânea, ou seja, uma reação não enzimática
gerando, então, a creatinina, que é filtrada livremente no glomérulo (de 7% a 10% posteriormente é
excretada na urina proveniente da secreção tubular). Assim, esse pequeno percentual é suficiente para
estimar a taxa de filtração glomerular.

COO- ADP ATP COO-


Fosfocreatina CH3 CH3 Creatina
O
N N
H2C NH P O- H2C NH3
H2N H3N
S-adesilmetionina O -

Glicina + arginina
H
Creatinina N
Guanidinoacetato P1 + H2O HN O H2O

N
H3C
Creatinina

Corrente
sanguínea

Coração Músculo Cérebro

Figura 37 – Formação da creatinina

59
Unidade I

4.3.2 Ureia
A ureia é, certamente, um dos principais metabólitos excretados na urina. Mas, antes de nos
atentarmos a ela, retomemos o conceito de proteínas. Primeiramente vamos lembrar o conceito de
proteínas, o que são?
As proteínas são biomoléculas formadas por uma sequência de aminoácidos, os quais, por sua
vez, são ligados covalentemente por ligação peptídica. Essa ligação é formada por uma reação de
condensação entre o grupo carboxílico de um aminoácido e um grupo amina de outro aminoácido.
H CH3 H O CH3
H O H O H O
N C C + N C C N C C N C C +H2O
H OH H OH H OH
H H2O H H H H
Ligação peptídica
Glicina + Alanina Dipeptídeo

Figura 38 – Ligação peptídica

A digestão de proteínas começa no estômago, estimulando a mucosa gástrica a secretar gastrina,


responsável por estimular a produção de ácido clorídrico (HCl) pelas células parietais e a produção
de pepsinogênio pelas células principais. O ácido clorídrico atua como um agente desnaturante,
facilitando a ação das hidrolases. Já o pepsinogênio (forma inativa) é convertido em pepsina (forma
ativa), promovendo a remoção da extremidade aminoterminal da cadeia polipeptídica. No estômago,
essa pepsina hidrolisa removendo o resíduo aminoterminal dos aminoácidos aromáticos como a
tirosina, fenilalanina e triptofano, de forma que as ligações são rompidas em pequenos peptídeos.
Na sequência, ocorre a produção de um hormônio, a secretina, que, então, estimula o pâncreas
a secretar bicarbonato, o qual se deslocará para o intestino delgado, por meio do ducto pancreático,
promovendo o aumento do pH. Ainda na porção superior do intestino delgado (duodeno), ocorre
aliberação da colecistoquinina, hormônio responsável pela estimulação da secreção de várias enzimas
pancreáticas, como o tripsinogênio, o quimotripsinogênio e procarboxipeptidades (forma inativa),
as quais são convertidas, respectivamente, em tripsina, quimiotripsina e carboxipeptidades (forma
ativa), promovendo, cada uma, ações proteolíticas específicas. Além disso, há a produção de uma
proteína, chamada de inibidor pancreático de tripsina, que previne a destruição das células exócrinas
do pâncreas por meio da ação proteolítica.
Dando continuidade ao processo, a carboxipeptidase remove o resíduo carboxiterminal enquanto
as aminopeptidades removem os resíduos aminoterminais, gerando aminoácidos livres que entram
nos capilares sanguíneos das vilosidades intestinais e são transportados para o fígado. Quando esses
aminoácidos chegam ao fígado, sofrem ação enzimática pelas aminotransferases ou transaminases
que apresentam um grupo prostético, o piridoxal fosfato, o qual remove o grupo α-amino para os
átomos de carbono do α-cetoglutarato produzindo α-cetoácido.
O α-cetoglutarato forma o L-glutamato. O glutamato presente nos hepatócitos sai do citosol
para o interior da mitocôndria, onde sofrerá a desaminação oxidativa pelo glutamato desidrogenase,

60
BIOQUÍMICA CLÍNICA

podendo, então, a amônia estar incorporada ao glutamato ou promover a sua liberação. Esse processo
fornece amônia para entrar no ciclo da ureia, sendo esse composto eliminado pela urina e evitando
sua toxicidade (em particular para o cérebro). Uma pequena parte da amônia (NH3) 30 µM a 60 µM é
encontrada no sangue, principalmente pelos aminoácidos alanina e glutamina.
Basicamente, o ciclo da ureia consiste em cinco etapas, com várias reações enzimáticas, tudo isso
descrito resumidamente a seguir:
• síntese do carbamoil-fosfato (amônia, bicabonato e ATP reagem para formar carbamoil-fosfato
catalisada pela enzima carbamoil-fosfato-sintetase I);
• carbamoil-fosfato reage com a ornitina para formar a citrulina;
• citrulina reage com aspartato formando arginino succinato, catalisada pela
argininosuccinato sintetase;
• clivagem da arginosuccinato pela enzima argininosuccinato liase formando fumarato e arginina;
• clivagem da arginina pela arginase produzindo ureia e regeneração da ornitina.

Ciclo da ureia

Argininosuccinato sintetase

Argininosuccinato liase

Figura 39 – Ciclo da ureia

Adaptada de: Smith et al. (2007, p. 292).

61
Unidade I

4.3.3 Ácido úrico

O ácido úrico é um ácido fraco proveniente do catabolismo das purinas (adenina e guanina), que é
metabolizado principalmente no fígado, a partir da xantina, e excretado pelos rins, sendo empregado
como marcador para várias anormalidades metabólicas e hemodinâmicas. Dessa forma, a degradação
das purinas produz a hipoxantina e esta forma a xantina, a qual sofre ação da xantina-oxidase
formando o ácido úrico (no plasma ele é encontrado como urato monossódico, sua forma ionizada).
Purinas
NH2 O

C N C N Xantina oxidase
N C HN C
CH CH Ácido úrico
HC C C C Hipoxantina Xantina
N N H2N N N
H H
Adenina Guanina

Figura 40 – Formação do ácido úrico

Tais biomarcadores, suas dosagens séricas (como a creatinina e a ureia), são utilizados na
avaliação indireta da função renal, sendo considerados indicadores clássicos de problemas renais.
Vale acrescentar que também podem ser analisados os níveis de ácido úrico, os quais, em níveis
elevados no sangue, formam cristais de urato, gerando precipitação nas articulações e provocando a
artrite gotosa.

4.3.4 Microalbuminúria

Corresponde à excreção de albumina acima dos valores normais de referência detectados na urina
isolada ou na urina de 24 horas; esse parâmetro pode indicar insuficiência renal crônica.

A microalbuminúria está associada com uma elevada mortalidade por doença cardiovascular em
pacientes diabéticos e não diabéticos. A associação entre a sensibilidade à insulina e microalbuminúria
tem sido demonstrada como a mesma em indivíduos normotensos e hipertensos. Alguns estudos
sugerem uma relação entre resistência à insulina e microalbuminúria em indivíduos não diabéticos,
que é parcialmente dependente de pressão arterial, glicemia e obesidade.

A microalbuminúria é um importante fator de risco associado à nefropatia, à retinopatia e à


doença cardiovascular, sendo um precioso marcador de dano vascular. É importante atentar, ainda,
para o fato de que a incidência de microalbuminúria é muita alta no diabetes tipo 2, ocorrendo já no
momento do diagnóstico do diabetes em um grande número de indivíduos.

O diabetes tem sido demonstrado como a principal causa de doença renal no mundo, sendo,
portanto, de grande relevância a identificação precoce dos pacientes com elevado risco de desenvolver

62
BIOQUÍMICA CLÍNICA

nefropatia diabética. Isso é possível pela triagem sistemática através da avaliação da microalbuminúria.
Em relação às crianças diabéticas, cerca de 20% delas podem desenvolver microalbuminúria como um
sinal precoce de nefropatia incipiente. Por fim, é importante acrescentar que a retinopatia diabética
está, também, comprovadamente associada com a microalbuminúria e com a hemoglobina glico. A
retinopatia diabética está, também, comprovadamente associada com a microalbuminúria e com a
hemoglobina glicosilada.

4.4 Avaliação da função renal em termos laboratoriais

Do ponto de vista clínico, a avaliação da função renal pode ser baseada em dois princípios básicos,
a função glomerular e avaliação da função tubular, pois apresentam funções bem diferentes. Sendo
assim, descreveremos resumidamente suas funções para entendermos, do ponto de vista laboratorial,
como são feitas as análises e suas correlações com os possíveis diagnósticos.

No túbulo contorcido proximal ocorre o transporte ativo para a reabsorção de glicose e sódio, além
do transporte passivo para água e íons cloreto, de modo a manter o equilíbrio osmótico; aqui também
se dá a absorção de aminoácidos e proteínas por transporte ativo. Nesse segmento há a participação
da bomba Na+/K+/ATPase (sódio-potássio ATPase) e temos, ainda, a reabsorção do bicarbonato filtrado,
com sua posterior absorção para o sangue.

Já no túbulo contorcido distal temos a reabsorção de sódio controlada pela aldosterona, processo
que libera íons K+ ou H+. A eliminação dos íons H+, quando combinados com os íons fosfato ou com
amônio, promove a formação de bicarbonato.

No ducto coletor há a alteração da permeabilidade da água por meio das aquaporinas estimuladas
pelo hormônio anidiurético (ADH), ocorrendo uma elevação da absorção de água.

4.4.1 Secreção tubular e filtração glomerular

A secreção tubular é a passagem de substâncias ou moléculas provenientes do sangue dos capilares


peritubulares para o filtrado tubular. Dessa forma, há a regulação do equilíbrio ácido-base em face
dos íons hidrogênio, medicamentos que estão ligados a proteínas plasmáticas que por sua vez não
foram filtrados pelo glomérulo. Assim, após a dissociação de suas proteínas transportadoras, essas
são, então, direcionadas para o túbulo contorcido proximal.

O primeiro ponto de partida é avaliar a taxa de filtração glomerular (TFG), isso porque, através
de equações matemáticas, podemos mensurar os níveis de creatinina. A TFG é definida como a
capacidade renal de depurar uma substância a partir do sangue expressa de acordo com o volume de
plasma determinado pela depuração em unidade de tempo, dessa forma, uma fração dos compostos
que fazem parte, principalmente, do metabolismo proteico, é excretada e outra fração de outros
compostos que não obrigatoriamente fazem parte desse metabolismo são reabsorvidos. Do ponto de
vista clínico, a TFG é de suma importância, pois, a partir dela, podemos ter uma ideia das alterações
fisiológicas e metabólicas, bem como da hemodinâmica, o que permite determinar o prognóstico de
muitas patologias bem como definir a melhor estratégia terapêutica.
63
Unidade I

Para a determinação da TFG, foram propostos vários modelos matemáticos (mais de 46 fórmulas
matemáticas). Isso se deve, em parte, ao fato de a execução do exame depender da coleta de toda a
urina no período de 24 horas (o paciente não conseguir fazer a coleta adequada ou na própria execução
do exame muitas vezes pode tornar nulo o resultado, levando a erros e, dessa forma, invalidando o
resultado laboratorial). Vale lembrar que há uma associação com os níveis de creatinina sérica; tais
níveis, quando dentro dos parâmetros da normalidade, não descartam um comprometimento renal.

Vejamos agora as equações matemáticas mais utilizadas na determinação da TFG. De acordo com
a literatura da área, como dito, há mais de 46 fórmulas matemáticas, mas a mais aceita e utilizada
na clínica baseia-se em dados específicos como níveis séricos de creatinina, faixa etária, sexo, etnia
e superfície corporal. Contudo, devemos lembrar que os valores obtidos por essas equações são
uma estimativa, ou seja, os valores e/ou resultados obtidos apenas estão próximos da realidade dos
resultados laboratoriais do paciente.

4.4.2 Equação de Cockcroft-Gault

Essa equação foi descrita em 1973 a partir de um estudo feito com homens caucasianos na faixa
etária aproximada de 57 anos. No entanto, dada a diferença da superfície corporal, trabalhou-se
com um fator de correção para as mulheres de 0,85 mL/min. Além disso, outra dificuldade gerada é a
exclusão de secreção tubular da creatina, obesidade e sobrecarga de fluidos.

Alguns autores, como Madero e Sarnak (2011), apontam que a obesidade reduz a massa muscular
e, por isso, haveria uma redução na excreção diária de creatinina urinária, principalmente quando
comparado a um indivíduo com peso normal e condizente com a faixa etária. Como essa equação
baseia-se na relação da redução da excreção da creatinina urinária com a faixa etária, alguns autores
enfatizam sua baixa acurácia para a determinação da TFG, ainda que ela seja utilizada nos laboratórios
de análises clínicas por ser um método barato, principalmente quando utilizada em conjunto com
equipamentos analíticos que aferem a creatinina sérica.

Mas, então, qual é a fórmula para se calcular a clearance de creatinina? A fórmula descrita a
seguir tem se mostrado a mais utilizada nos laboratórios de análises.

Depuração de creatinina (ou clearance de creatinina) = [creatinina urinária (mg/dL) x volume


urinário (ml/min)] / [creatinina sérica (mg/dL)]

Na equação de Cockcroft-Gault atualizada, a idade deve ser incluída em anos, o peso corpóreo em
quilogramas (kg) e a creatinina sérica em mg/dL.

Depuração de creatinina = [(140 – idade) × peso] / creatinina sérica × 72


(× 0,85 para mulheres)

É importante ressaltar que o resultado obtido deve ser corrigido para a superfície corporal de 1,73 m2.

64
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Saiba mais

A cimetidina (inibidor da secreção de íons H+ no estômago, usado


para tratamento de úlcera gástrica) e a trimetoprima (um antibacteriano
utilizado em associação com antibiótico para evitar a resistência bacteriana
no combate a infecções) usam aumento da creatinina sérica independente
da TFG e inibem a secreção tubular da creatinina. Você pode entender
melhor o que acontece por meio do artigo indicado a seguir.

DALTON, R. N. Creatinina sérica e taxa de filtração glomerular: percepção


e realidade. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, v. 47,
n. 1, p. 8-11, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3vOTMWL. Acesso em:
22 jun. 2021.

4.4.3 Equação MDRD (modification of diet in renal disease)

Essa equação foi desenvolvida em 1999, com base em dados de pacientes com doença renal
crônica (excluindo os pacientes saudáveis) por meio de um contraste radiológico, o iotalamato-I 125.
Esse contraste iônico é aplicado por meio de infusão endovenosa, e são realizadas várias coletas de
amostras de sangue seguidas de coletas das diureses extremamente cronometradas. Além disso, esse
contraste não é reabsorvido, sendo facilmente filtrado pelo glomérulo.

Contudo, como apresenta alta especificidade, seu custo é elevado. Essa equação estima precisamente
a TFG usando variáveis como creatinina sérica, idade, etnia e gênero a fim de observar as diferenças
causadas pela massa muscular. No entanto, quando essa equação é aplicada em diferentes grupos
étnicos, podem ocorrer redução da acurácia e da precisão.

Na sequência, temos a equação do estudo MDRD completa:

TFG (mL/min/1,73 m2) = 170 x creatinina plasmática (mg/dL)-0,999 x idade (anos)-0,176 x 0,762
(se mulher) x 1,18 (se negro) x ureia plasmática (mg/dL)-0,17 x albumina plasmática (g/dL) + 0,318

E, a seguir, sua versão simplificada:

TFG (mL/min/1,73 m2) = 186 x creatinina plasmática (mg/dL)-1,154 x idade (anos)-0,203 x 0,742
(se mulher) x 1,212 (se negro)

Já com a modificação para utilização com a creatinina calibrada, a equação fica assim:

TFG (mL/min/1,73 m2) = 175 x creatinina plasmática (mg/dL)-1,154 x idade (anos)-0,203 x 0,742
(se mulher) x 1,212 (se negro)

65
Unidade I

4.4.4 A equação CKD-EPI (chronic kidney disease epidemiology collaboration)

Essa equação foi desenvolvida em 2009 a partir da variação da fórmula MDRD, a qual abrangeu
indivíduos com ou sem doença renal, por apresentar uma maior acurácia e menos viés. Atualmente,
é bastante utilizada na área da nefrologia e exames laboratoriais.

A equação CKD-EPI é expressa da seguinte forma:

TFG = 141 x min (CRs/κ, 1) α x máx. (CRs/κ, 1) -1,209 x 0,993 idade x 1,018 [se mulher] x
1,159 [se negro]

Onde:

CRs: creatinina sérica (mg/dL)

κ: 0,7 (para mulheres) ou 0,9 (para homens)

α: -0,329 (para mulheres) ou -0,411 (para homens)

mín.: mínimo de CRs/κ ou 1

máx.: máximo de CRs/κ ou 1

Contudo, alguns autores (FLORKOWSKI; CHEW-HARRIS, 2011) acreditam que essa equação, na
prática clínica, pode não ser eficiente pelo fato de os pacientes poderem apresentar história clínica
e fatores de risco diferentes em relação à doença renal crônica, por isso são necessários uma boa
avaliação clínica e resultados laboratoriais fidedignos a fim de determinar corretamente o diagnóstico
do paciente. Assim, essa fórmula teria uma melhor aplicação para pacientes com doença renal crônica
confirmada, a fim de monitorar a doença.

4.4.5 Equação de Schwartz (específica para crianças)

Nessa equação, a altura deve ser incluída em centímetros (cm) e a creatinina sérica em mcmol/L.

TFG (mL/min) = 0,55 × altura/creatinina sérica

Onde:

K = 38 (idade superior a um ano)

K = 48 (adolescentes)

66
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Lembrete

A quantidade de creatinina excretada por dia depende da quantidade


da massa muscular corporal. Sendo assim, podemos encontrar níveis
inferiores de creatinina em crianças e idosos devido à pouca massa
muscular. Além disso, é necessário enfatizar que a determinação da
creatinina em algumas etnias é diferente, em razão de apresentar maior
massa muscular. Por isso, é necessária a utilização da correta equação,
conforme os parâmetros adotados por cada uma delas (BASTOS;
BASTOS; PAULA, 2007).

Observação

É possível calcular a clearance de creatinina sem a urina de 24 horas?


Sim, por isso vimos as várias fórmulas que poderão ser aplicadas na
análise do material biológico dos diferentes perfis de pacientes.

4.4.6 Clearance de inulina

A inulina é um marcador padrão ouro para estimar a TFG, pois é considerada, do ponto de vista
fisiológico, uma substância inerte, a qual é livremente filtrada. Além disso, trata-se de um polímero
com peso molecular de 5.200 daltons. Contudo, há uma limitação quanto a seu uso em razão do alto
custo nas análises clínicas laboratoriais e da padronização do método, pois é uma técnica altamente
complexa e trabalhosa.

Quando a concentração de inulina na urina é medida e a formação da urina é determinada, a


velocidade de excreção da inulina pode ser calculada facilmente conforme a fórmula a seguir:

Quantidade excretada/min = V x U

Onde:

V = taxa de formação da urina

U = concentração de inulina na urina

4.5 Marcadores séricos para monitoramento de doenças renais

Vejamos agora os principais marcadores séricos para monitoramento de doenças renais e suas
principais características.

67
Unidade I

Cistatina C

Descrita pela primeira vez em 1961, pertence à superfamília das cistatinas, tendo um peso
molecular de 13.359 daltons e composta de 120 aminoácidos formando uma cadeia polipeptídica
simples. Corresponde a uma proteína catiônica com ponto isoelétrico de 9,3, sendo, dessa forma,
filtrada livremente pelos glomérulos. Assim, a Cistatina C é considerada um marcador precoce de
lesão renal. Por ser um marcador endógeno, possibilita estimar a TFG sem a necessidade de coleta
de urina. Como desvantagem, apresenta um custo elevado, o que faz com que a dosagem sérica de
creatinina seja a favorita para a análise laboratorial. Por fim, cabe destacar que o método utilizado
para a dosagem é a imunoturbidimetria.

Lipocalina associada à gelatinase dos neutrófilos (NGAL)

Identificada inicialmente pela técnica de Microarray, diz respeito a proteínas que pertencem
às superfamílias de lipocalinas encontradas em neutrófilos humanos ligadas covalentemente à
gelatinase. Possui uma sequência de 178 aminoácidos com formas monoméricas, diméricas e
triméricas, podendo, assim, ser secretados pelos túbulos renais lesionados (em particular a dimérica,
secretada pelos neutrófilos) (DEVARAJAN, 2006).

É expressa em vários tecidos como rins, pulmões, estômago e cólon em níveis muito baixos, porém,
quando tais tecidos estão lesionados ou há uma infecção bacteriana, há uma aumento significativo
da sua expressão. Tem se mostrado um bom indicador de lesão renal na medicina translacional.

N-acetil-b-D-glucosaminidase (NAG)

Consiste em uma enzima lisossomal com aproximadamente 140 kDa presente em várias células
e que catalisa a hidrólise de glicoproteínas. É considerada um bom indicador de lesão renal por
mostrar-se sensível a lesões tubulares, contudo, pacientes com diabetes, artrite-reumatoide e
hipotireoidismo devem passar por uma análise criteriosa, pois podem apresentar resultado falso
positivo na determinação dessa enzima.

Kim-1 (kidney injury molecule-1)

Glicoproteína transmembrana apenas expressa em lesão renal como insuficiência renal aguda
isquêmica e tóxica, é considerada um bom marcador uma vez que não está expressa em rins normais
e no processo de recuperação após lesão epitelial.

Interleucina-18

Citocina pró-inflamatória de 24 kDa utilizada como indicador de necrose tubular aguda, é clivada
pela caspase-1, que induz a síntese de interferon e outras citocinas inflamatórias, além do fator de
necrose tumoral. Seu aumento é muito significativo, pois eleva-se antes mesmo da creatinina sérica
em pacientes com insuficiência renal aguda e com insuficiência respiratória aguda submetidos à
ventilação mecânica. Pode ser determinada no plasma ou na urina de 6 a 24 horas após lesão renal.
68
BIOQUÍMICA CLÍNICA

4.6 O exame de urina tipo 1: aspectos fisico-químicos

O exame de urina de rotina inclui a análise das características físicas e químicas, além da análise
do sedimento. Em cada etapa é analisado um parâmetro específico.

4.6.1 Exame de características físicas

As características analisadas na fase física incluem volume, cor, aspecto e densidade, como
veremos a seguir.

Volume

Para a realização do exame de rotina de urina, são necessários aproximadamente 15 ml de amostra.


Em algumas situações, como no caso de paciente pediátrico, a análise pode ser realizada com volumes
menores. Sabemos que o volume de urina depende da quantidade de água excretada pelos rins, e esse
parâmetro pode sofrer influência de diversos fatores, como ingestão de líquidos, perda de líquidos por
fontes não renais, variações na secreção do hormônio ADH etc. Levando em consideração tais fatores,
o volume diário médio fica em torno de 1.200 a 1.500 ml. Vale ressaltar que a medição do volume
total da urina em 24 horas só é de interesse em função da dosagem de algumas proteínas ou para
a verificação da função renal. No exame de rotina, o volume de interesse é de 15 ml (no mínimo).
Alguns laboratórios não descrevem o volume urinário no laudo, ficando apenas como critério de
aceitabilidade da amostra. O volume pode ser medido em um instrumento laboratorial, chamado
de proveta, ou no próprio tubo de ensaio coletor.

Cor

A cor da urina pode variar de incolor até preto. Essa gama de variações pode decorrer de funções
metabólicas normais, pela atividade física, por substâncias ingeridas (como medicamentos) ou por
condições patológicas. Normalmente, a coloração de uma urina normal é amarelada, resultante da
excreção de três pigmentos presentes no nosso organismo: urocromo (amarelado), uroeritrina (rosa
ou avermelhado) e urobilina (laranja), produtos normais do metabolismo do organismo.

Aspecto

O aspecto é um termo utilizado para descrever a transparência da urina. A urina normalmente


tem aspecto límpido, o que pode ser observado mantendo-se o frasco (de urina) diante de um fundo
branco e com uma boa fonte luminosa. Esse parâmetro pode ser alterado para o aspecto turvo na
presença de células urinárias, cristais e leucócitos. A terminologia utilizada para definir o aspecto da
amostra inclui límpido, opalescente, ligeiramente turvo, turvo e leitoso.

Deve-se tomar cuidado ao analisar esse parâmetro, pois podem existir causas não patológicas
para a alteração do padrão normal da urina, como células escamosas de descamação do trato genital
feminino, muco, contaminação fecal, cremes vaginais e contraste radiológico, tornando essa urina turva.

69
Unidade I

refrigeração e a má conservação da amostra também podem levar a uma turvação não patológica. Já as
causas patológicas estão relacionadas à presença de hemácias, leucócitos, leveduras e cristais.

Figura 41 – Variação da coloração da urina

Fonte: Bidoia e Klimesch (2020, p. 24).

Densidade

A densidade da urina está diretamente ligada à capacidade de reabsorção renal, podendo


também ser avaliada uma possível desidratação e até mesmo anormalidades do hormônio ADH.
Ela é medida com base na concentração das substâncias sólidas diluídas na urina (na sua maioria,
os sais minerais presentes no fluido urinário) em comparação com a densidade da água pura,
que é igual a 1.000 g/cm3 – quanto mais próximo desse valor, mais diluída a urina estará, da
mesma forma que, quanto mais afastada, mais concentrada ela estará. É interessante assinalar
que os valores normais variam de 1.005 g/cm3 a 1.035 g/cm3.

Atualmente, existem duas maneiras de medir a densidade: uma pelo refratômetro e outra pela fita
reagente (que, em alguns casos, fica na parte do exame químico da urina). O refratômetro vai avaliar a
densidade, determinando a concentração de partículas dissolvidas em uma amostra, o que é chamado
de índice de refração ou índice refratométrico, o qual se baseia na comparação da velocidade da luz
no ar com a velocidade da luz em uma solução.

A concentração de partículas dissolvidas presentes na solução determina a velocidade do ângulo


pelo qual a luz passa através de uma solução. Para usar o refratômetro, primeiro é necessária a
calibração do aparelho, feita com uma gota de água destilada e, com o auxílio de ferramentas que
vêm com o aparelho, ajustada para o número 1.000. Após esse ajuste, coloca-se uma gota de urina
sobre o prisma azul, obtendo-se, então, a leitura da densidade da urina.

70
BIOQUÍMICA CLÍNICA

4.6.2 Exame de características químicas

Nessa etapa os parâmetros analisados são: pH, proteínas, hemoglobina, glicose, bilirrubinas,
urobilinogênio, corpos cetônicos, nitrito, densidade e esterase leucocitária (leucócitos). Para isso,
podemos utilizar as fitas reagentes (análise manual ou semiautomática do exame) ou os aparelhos
automatizados que existem atualmente nos laboratórios de análises clínicas.

A utilização das tiras reagentes permite, de uma maneira rápida e fácil, a realização das análises
químicas da urina. Existem no mercado diversas marcas de fita, fazendo com que tenhamos uma
certa variedade em relação ao número de parâmetros analisados, às variações na sensibilidade e na
especificidade e aos tipos de substâncias interferentes, ficando a critério de cada laboratório escolher
a mais adequada.

Já as análises realizadas em aparelhos automatizados requerem a utilização de fitas próprias, de


acordo com o fabricante. As tiras reagentes fundamentam-se em almofadas absorventes impregnadas
com reagentes químicos que ficam fixadas a uma tira de plástico.

Figura 42 – Modelo de fita reagente para análise de urina

Fonte: Bidoia e Klimesch (2020, p. 29).

Ocorre a reação química quando a urina entra em contato com a fita. Os resultados podem ser
interpretados comparando-se a cor formada após a reação com uma tabela de cor padrão fornecida
pelo fabricante. Diversas cores ou intensidades de cores podem ser formadas para cada substância a
ser testada na fita.

71
Unidade I

Os resultados podem ser interpretados, então, após a comparação cuidadosa dessas cores, e um
valor sem quantitativo de traços, + 1, + 2, + 3 ou + 4, poderá ser relatado. Para alguns parâmetros,
uma estimativa em miligramas por decilitros poderá ser descrita.

pH

Como vimos, uma das funções do rim é ajudar o corpo a manter o equilíbrio ácido-base. Para
que o nosso organismo consiga manter o pH constante no sangue (cerca de 7,40), o rim deve variar
o pH a fim de compensar a influência dos alimentos da dieta e dos produtos do metabolismo. Essa
compensação ocorre pela secreção de hidrogênio (H+) e de ácidos orgânicos fracos, além da reabsorção
de bicarbonato do ultrafiltrado pelos túbulos contornados.

Se o organismo apresentar uma acidose (excesso de ácido), uma maior quantidade de H+ será
secretada, fazendo com que a urina se torne ácida. Já se houver uma alcalose (excesso de base), uma
menor quantidade de H+ será secretada, fazendo com que a urina se torne alcalina. O pH normal da
urina pode variar entre 4,6 e 8,0.

A dosagem de pH na fita reagente é baseada em uma reação química na qual um sistema de


indicador duplo de vermelho de metila e azul de bromotimol irá reagir com a amostra e indicar,
através da variação de cor, o pH da urina. Essa variação de cor ocorre quando o vermelho de metila
muda para a cor amarela na faixa de pH entre 4 e 6, e o azul de bromotimol vira de amarelo para azul
na faixa entre 6 e 9.
Vermelho de metila + H+ → azul de bromotimol – H
(vermelho – alaranjado – amarelo) → (verde – azul)

pH
60 segundos 5.0 6.0 6.5 7.0 7.5 8.0 8.5

Figura 43 – Variações de resultados da fita reagente para o parâmetro pH

Adaptada de: Mundt e Shanahan (2012, p. 37).

Devemos tomar certo cuidado para não umedecer demais a fita reagente, para que o tampão
ácido da proteína não escorra na placa do pH, tornando-a laranja. É importante esclarecer ainda
que o crescimento bacteriano pode tornar o pH alcalino, devido ao fato de a ureia ser convertida em
amônio. Urinas ácidas, por sua vez, são encontradas em condições de dieta rica em proteína, acidose
metabólica ou respiratória e uso de certos medicamentos.

Proteína

A alta concentração de proteínas na urina ou a excreção de determinados medicamentos pode


indicar comprometimento renal. As alterações podem ser detectadas por fitas reagentes (análise
qualitativa) ou por espectrofotômetros (análise quantitativa). Essas dosagens podem indicar o

72
BIOQUÍMICA CLÍNICA

prognóstico do paciente portador de glomerulopatias, doenças autoimunes, mieloma e outros


tumores, como o uroepitelial.

Glicose

A causa mais comum é o diabetes mellitus, no entanto algumas gestantes podem apresentar tal
quadro em um determinado período da gestação. Mas, caso o quadro persista, a paciente deverá
fazer um acompanhamento mais meticuloso com um endocrinologista. Outras patologias, como a
síndrome de Fanconi, também dificultam a reabsorção da glicose, levando à grande liberação desse
substrato por meio da urina.

Cetonas ou corpos cetônicos

A presença de corpos cetônicos na urina (acetona 2%, ácido acetoacético 20% e ácido
beta‑hidroxibutírico 78%) indica que os ácidos graxos estão sendo utilizados como fonte de energia, e
não os carboidratos (caso de dietas, jejum prolongado, desidratação, vômitos, diarreias e em pacientes
com diabetes mellitus descompensada) (MUNDT; SHANAHAN, 2012).

A verificação de cetonas na urina ocorre por uma reação química em que é utilizado, como
reagente, o nitroprussiato de sódio, que irá reagir com o ácido beta-hidroxibutírico, produzindo uma
mudança de cor conforme a reação indicada a seguir:
pH alcalino
Ácido acetoacético + nitroprussiato de Na + glicina cor violeta púrpura

Sangue

O sangue pode ser identificado na urina pela presença de hemácia íntegra (hematúria) e de hemácia
lizada, e a reação é positivada pela presença de hemoglobina (hemoglobinúria). Normalmente, não é
observada a presença de sangue na urina. Quando a fita reagente está positiva, deve-se investigar a
causa e a origem dessa alteração anormal.

A hematúria indica um sangramento em qualquer parte do trato urinário, desde o glomérulo até
a uretra, podendo ter como causa infecções, tumor, trauma, cálculo renal, glomerulonefrites, nefrites
ou o uso de anticoagulantes. Já a hemoglobinúria indica uma hemólise intravascular.

Sangue Moderado
Negativo Traços não
60 segundos não
hemolisados hemolisado

Baixo Moderado Alto


Hemolisado Traços 2+ 3+
1+

Figura 44 – Variações de resultados da fita reagente para o parâmetro sangue

Adaptada de: Mundt e Shanahan (2012, p. 43).

73
Unidade I

Bilirrubina

A bilirrubina é um pigmento derivado da degradação da hemoglobina. Essa degradação ocorre


no sistema reticuloendotelial, principalmente do baço e do fígado. A degradação libera componentes
como ferro e proteínas, que serão absorvidas pelo organismo, e protoporfirina, que será convertida
em bilirrubina. A bilirrubina formada, então, liga-se à albumina na corrente sanguínea, passando a
ser chamada de bilirrubina indireta ou insolúvel, deslocando-se em direção ao fígado. Nessa etapa,
a bilirrubina não é reabsorvida pelo rim, pois, além de estar ligada à albumina, é insolúvel em água.

No fígado, a bilirrubina é conjugada ao ácido glicurônico pela enzima glucoronil transferase,


transformando-se em bilirrubina direta ou conjugada, que passa a ser solúvel em água, sendo possível
ser excretada no fígado através do ducto biliar para o duodeno. No intestino, as bactérias intestinais
reduzem a bilirrubina em urobilinogênio e estercobilinogênio, que são oxidados e excretados nas
fezes sob forma de urobilina.

Em pacientes normais, não é observada a presença de bilirrubina na urina. Quando isso ocorre, é
indicativo de obstrução do ducto biliar ou alteração hepática, pois acontece o refluxo de bilirrubina
conjugada para a circulação.

Na fita reagente, a reação que ocorre é a reação de diazo, na qual há uma mudança de cor de
marrom-claro para violeta.

Urobilinogênio

Conforme visto no processo de sua formação, assim que a bilirrubina chega ao intestino, bactérias
(intestinais) reduzem-na a urobilinogênio e estercobilinogênio. Uma parte do urobilinogênio é
reabsorvida do intestino, voltando para o fígado, e excretada de volta para o intestino. Nessa fase,
quando o urobilinogênio faz a recirculação no fígado, ele passa obrigatoriamente pelos rins, sendo
filtrado pelo glomérulo. Portanto, uma pequena quantidade de urobilinogênio aparece na urina em
pacientes saudáveis. Já o estercobilinogênio que não pode ser reabsorvido fica no intestino e sofre
oxidação, transformando-se em urobilina e, então, sendo excretado nas fezes.

Nitritos

A pesquisa de nitrito na urina, em um primeiro momento, pode significar a presença de bactérias,


portanto, uma infecção do trato urinário (ITU). Esse teste indica a presença de bactérias que reduzem
o nitrato (que está presente na composição da urina) a nitrito. Como exemplo, temos as bactérias
gram-negativas Escherichia coli, Proteus, Klebsiella, Citrobacter e Aerobacter, além de algumas cepas
de Pseudomonas e raras de Staphylococcus e Enterococcus.

Cabe ressaltar que nem todas as bactérias causadoras de infecção urinária reduzem o nitrato a
nitrito, como o Staphylococcus saprophyticus, o Enterococcus faecalis e as leveduras. Por isso, deve-se
ter cuidado ao analisar o teste de nitrito, uma vez que o paciente pode apresentar uma infecção e o

74
BIOQUÍMICA CLÍNICA

parâmetro se mostrar negativo. A verificação de nitritos nas tiras reagentes está baseada na reação de
Griess, em que qualquer intensidade da coloração rosa é positiva.
Ácido
Ácido para – arsanílico + NO2 sal diazônio
Ácido
Sal diazônio + tetra-hidrobenzoquinolina azodye róseo

Leucócitos ou esterase leucocitária

A pesquisa de leucócitos na urina é útil para detectar processos infecciosos ou inflamatórios do


trato urinário (pielonefrite ou cistites). Os leucócitos possuem em seu interior enzimas chamadas de
esterase, que podem ser detectadas pelas fitas reagentes através das reações descritas a seguir:

Reação A:
Esterase
Indoxil ou pirrol éster de ácido carbônico Indoxil ou pirrol
Granulocítica

Reação B:

Indoxil ou pirrol + sal de diazônio = púrpura

Observação

O resultado do exame de urina tipo I é dependente de uma coleta da


amostra realizada de maneira adequada. Recomenda-se que o paciente
esteja com retenção da diurese por aproximadamente 2-4 horas para
exames de urgência e emergência. Esse teste é vital, principalmente, para
diagnosticar os pacientes que adentram os serviços hospitalares de pronto
atendimento com sintomas relacionados à infecção do trato urinário.

A avaliação da função renal é importante para fins de prognóstico emonitoramento de doenças


renais. A seguir são descritas algumas doenças associadas aos parâmetros laboratoriais.

A insuficiência renal é a diminuição da taxa de filtração glomerular ou do volume urinário. Pode


ser classificada como aguda ou crônica. As causas da insuficiência renal aguda (IRA) são classificadas
em três grupos: pré-renal, intrínseca e pós-renal. Cerca de 60% são pré-renais, que são caracterizadas
por cirrose, insuficiência cardíaca e sepse. É possível determinar a insuficiência renal aguda da crônica?
Sim. Pode-se estimar pela TFG por meio da equação MDRD.

A hiperuricemia corresponde ao aumento dos níveis de ácido úrico. A mais conhecida é a gota (ou
artrite gotosa). Existem outras patologias associadas ao aumento do ácido úrico (como as leucemias,
policitemia, mieloma múltiplo) e ao uso de alguns anti-inflamatórios.

75
Unidade I

Já a hipercreatinemia ocorre pela diminuição da excreção urinária e, portanto, aumento dos níveis
séricos. Os níveis de creatinina são observados em pacientes com diabetes melito não controlado,
com insuficiência cardíaca congestiva, hipertireoidismo, lesão glomerular e hipertrofia prostática,
entre outros.

4.7 Líquidos cavitários

Os líquidos cavitários, também conhecidos como líquidos serosos, estão situados nas cavidades
fechadas do organismo: a cavidade peritoneal, a cavidade pleural e a cavidade pericárdica. Todas
essas cavidades são revestidas por membranas, chamadas de membranas serosas, que recobrem cada
órgão e a parede corporal.

A membrana que recobre a parede da cavidade é chamada de membrana parietal, e a que recobre
os órgãos é denominada membrana visceral. Entre essas membranas, encontra-se o líquido seroso,
que tem a função de lubrificar o espaço entre as membranas, permitindo a movimentação desses
órgãos e diminuindo, assim, o atrito entre eles. Um exemplo dessa movimentação é a expansão e
a contração dos pulmões. O líquido seroso tem origem na ultrafiltração do plasma, que mantém
suas características sem que nenhuma outra substância seja adicionada pelas células mesoteliais
do revestimento das membranas nesse ultrafiltrado. Portanto, a composição do líquido é similar
à do plasma sanguíneo. Como dito, o equilíbrio entre as pressões coloidosmótica e hidrostática faz
com que o fluido fique localizado entre as membranas, e a manutenção do volume desse líquido em
situações fisiológicas depende do aumento da pressão coloidosmótica nos capilares, que favorece
a reabsorção do líquido de volta para os capilares, mantendo o volume normal do líquido entre as
membranas. Caso ocorra qualquer desbalanço entre essas pressões, o líquido aumentará e haverá a
formação do derrame.

Para que ocorra a formação do derrame cavitário, é preciso que haja: aumento da pressão
hidrostática (insuficiência cardíaca congestiva); diminuição da pressão oncótica da microcirculação
(hipoproteinemia); aumento da permeabilidade capilar (inflamação e infecção) e obstrução linfática
(tumores). A análise laboratorial do líquido cavitário inclui coleta, análise física, análise bioquímica,
análise citológica e análise microbiológica. A origem e a classificação desse líquido em transudato e
exsudato são os primeiros passos para um diagnóstico inicial, pois, dependendo dessa classificação,
será necessário realizar exames laboratoriais mais específicos, que variam entre os líquidos (ANGELERI
et al., 2016).

O transudato tem suas causas no desequilíbrio da filtração e da reabsorção do líquido, como


as mudanças na pressão hidrostática criadas na insuficiência cardíaca congestiva e a diminuição
da pressão oncótica plasmática na insuficiência hepática e na síndrome nefrótica causada por
hipoproteinemia. Já os exsudatos são produzidos por condições inflamatórias que envolvem danos
às paredes dos vasos, danos nas membranas das cavidades e diminuição da reabsorção pelo sistema
linfático, como nas infecções e nas neoplasias. Quando o líquido é classificado como exsudato, outras
análises serão necessárias para descobrir a doença, de base geralmente bacterioscópica e cultura
citomorfológica diferencial, além de pesquisa de células tumorais.

76
BIOQUÍMICA CLÍNICA

A classificação mais utilizada hoje para diferenciar laboratorialmente um transudato de um


exsudato é o critério de Light (sensibilidade de 98%; especificidade de 83%), que se baseia na relação
da concentração de alguns analitos no líquido e no soro. São dosadas proteína e desidrogenase
láctica (LDH) e, de acordo com os resultados, a classificação é feita conforme mostra a tabela a seguir.

Tabela 1 – Critérios de Light para a diferenciação laboratorial


de transudatos e exsudatos em líquidos cavitários

Diferenciação laboratorial de transudatos e exsudatos


Transudato Exsudato
Aspecto
Límpido Turvo
Relação de proteína fluido: soro < 0,5 0>5
Relação de LDH fluido: soro < 0,6 > 0,6
Contagem de glóbulos brancos < 350/µL < 350/µL
Gradiente de albumina soro: ascite (GASA) < 0,6 > 0,6

4.7.1 Análise bioquímica dos principais líquidos cavitários

Análise bioquímica do líquido peritoneal (ou ascítico)

A coleta do líquido peritoneal é chamada de paracentese e é realizada pelo médico através de uma
punção aspirativa estéril no quadrante inferior esquerdo (no ponto central, em uma linha imaginária
que passa na crista ilíaca superior à cicatriz umbilical e longe dos vasos hipogástricos).

O líquido é transferido para tubos específicos para cada análise e enviado imediatamente após a
coleta para o laboratório. Um tubo contendo o anticoagulante etilenodiaminotetracético (EDTA) será
utilizado para a contagem das células e o diferencial; um tubo sem anticoagulante será utilizado
para as dosagens bioquímicas, imunológicas e de cultura microbiológica; e uma seringa heparinizada
será utilizada para dosar o pH. As amostras devem ser analisadas logo após a coleta. Caso isso não
seja possível, deverão ser armazenadas e conservadas sob refrigeração entre 2 ºC e 8 ºC por, no
máximo, 48 horas.

As dosagens bioquímicas mais comuns utilizadas para avaliação do líquido peritoneal são as de
glicose, LDH e proteínas. O valor da dosagem da albumina no líquido é representado da seguinte forma:

Albumina sérica – albumina líquido ascítico = GASA (g/dL)

Os valores normais para a glicose são semelhantes aos valores séricos do paciente; se estão abaixo,
indicam peritonite bacteriana e tuberculosa nas neoplasias. A dosagem de LDH possui correlação
clínica para a diferenciação entre transudato e exsudado quando a relação entre a concentração do
soro e a do líquido é realizada através dos critérios de Light modificados.

77
Unidade I

Vejamos os critérios para diferenciação das ascites.

• Proteína do líquido/proteína sérica ≥ 0,5

• LDH líquido/LDH soro ≥ 0,6

• Dosagem da LDH líquido ≥ 400 U/L

Se apenas dois ou três desses critérios forem preenchidos, considera-se exsudato. Outros analitos
podem ser dosados em situações especiais. A dosagem de fosfatase alcalina sofre elevação quando
há perfuração do intestino delgado. A amilase também pode ser dosada e, quando elevada, indica
perfuração esofágica e adenocarcinoma, na pancreatite e na necrose intestinal. A análise citológica
é um importante parâmetro na avaliação dos exsudatos, pois detecta células neoplásicas de origem
primária ou metástase. A análise citológica é realizada em um esfregaço corado, e nela são feitas
a identificação e a contagem das células; quando aumentadas, é realizada a contagem diferencial
para verificar qual tipo celular é predominante e, com isso, identificar as possíveis causas. As células
neoplásicas também são identificadas, sendo um importante parâmetro para descobrir a origem
da neoplasia, que geralmente é gastrointestinal, da próstata e do ovário. As células mais comuns
observadas são: leucócitos, hemácias, células mesoteliais e macrófagos.

Análise bioquímica do líquido pleural

A coleta do líquido pleural é chamada de toracocentese e é realizada pelo médico através de uma
punção aspirativa estéril na região subescapular, sempre na borda superior do arco costal, para evitar
o feixe vásculo-nervoso. O líquido é transferido para tubos especiais, específicos para cada análise, e
enviado imediatamente após a coleta para a análise no laboratório. Um tubo contendo o EDTA será
utilizado para a contagem das células e o diferencial; um tubo sem anticoagulante será utilizado
para as dosagens bioquímicas, imunológicas e de cultura microbiológica; uma seringa heparinizada
será utilizada para dosar o pH. As amostras devem ser analisadas logo após a coleta. Caso isso não
seja possível, deverão ser armazenadas e conservadas sob refrigeração entre 2 ºC e 8 ºC por, no
máximo, 48 horas.

As dosagens bioquímicas devem ser realizadas para avaliação de pH, glicose, proteínas, adenosina
deaminase (ADA), amilase e LDH. A dosagem de triglicérides também pode ser utilizada para confirmar
a presença de um derrame quiloso. Os critérios de Light são muito utilizados para diferenciar um
transudato de um exsudato no líquido pleural.

A seguir, estão os parâmetros para a diferenciação entre transudato e exsudato, baseada


noscritérios de Light (líquido pleural).

• Relação proteína líquido pleural/proteína sérica > 0,5.

• Proteína líquido pleural > 3,0 g/dL.

78
BIOQUÍMICA CLÍNICA

• Relação LDH no líquido pleural > 2/3 do limite superior da normalidade da LDH sérica.

• Relação de LDH fluido: soro < 0,6 (transudato) > 0,6 (exsudato).

• Glicose: valor normal acima de 60 mg/dL.

O valor de pH normal varia de 6,8 a 7,6. Abaixo disso, pode indicar a necessidade de drenagem ou
o uso de antibióticos, nos casos de pneumonia. Nos casos de acidose, o pH do líquido pleural deve
ser comparado com o pH sanguíneo; caso apresente uma variação de 0,3 abaixo do pH sanguíneo,
teremos um achado significativo.

O valor normal para a glicose varia de 70 mg/dL a 99 mg/dL. Abaixo disso, indica tuberculose,
inflamação reumatoide e infecções purulentas. Os valores normais para proteína vão até 2,9 mg/dL;
acima de 3,0 mg/dL, já é sugestivo de exsudato.

A ADA, enzima relacionada com o metabolismo e a proliferação dos linfócitos, é de alta sensibilidade
e especificidade. Está aumentada em 95% dos derrames pleurais por tuberculose; encontra-se também
aumentada no empiema e muito elevada nos linfomas. Em caso de ADA > 60 U/l, é praticamente
confirmado o diagnóstico de tuberculose, já ADA < 40 U/I exclui tal possibilidade.

Níveis elevados de amilase estão associados a pancreatite e a amilase, na maioria das vezes,
elevando-se primeiro no líquido pleural. Esse aumento pode também indicar uma ruptura esofágica
em neoplasias. Os níveis de LDH no líquido pleural com concentrações maiores que o nível de LDH
no plasma são indicativos de exsudatos, sugerindo a presença de doença inflamatória ou neoplásica.

Análise bioquímica do líquido sinovial

Na análise bioquímica, são dosadas as concentrações de glicose, proteína, ácido úrico e LDH. As
concentrações de glicose no líquido sinovial são semelhantes às plasmáticas. Por isso, a interpretação
adequada dos valores de glicose do líquido sinovial requer uma comparação com os níveis séricos da
glicose em jejum. Em condições normais e na maioria das circunstâncias não inflamatórias, a diferença
é menor que 10 mg/dL. Diferenças significativas são encontradas nos processos inflamatórios e
infecciosos (maior que 40 mg/dL). Os valores da glicose podem ser mascarados pela glicólise, quando
da presença de um grande número de leucócitos.

A concentração normal de proteínas varia de 1,2 g/dL a 2,5 g/dL. Valores aumentados são
encontrados em processos inflamatórios e sépticos. Durante a fase inflamatória, proteínas maiores,
como o fibrinogênio, entram no líquido sinovial.

O ácido úrico no líquido sinovial varia de 6 mg/dL a 8 mg/dL, e a presença de valores aumentados
faz o diagnóstico de gota. Geralmente, esse aumento do ácido úrico está relacionado com a presença
de cristais.

79
Unidade I

A dosagem da LDH se mostra elevada na existência de artrites reumatoides, artrite infecciosa e


gota. Nesses casos, os níveis plasmáticos podem estar normais. A presença de muitos leucócitos nos
processos inflamatórios infecciosos contribui para aumentar a concentração da LDH. O valor normal
para a LDH é menor que o da sérica (< 240 U/L – 480 U/L).

Análise bioquímica do liquor (líquido cefalorraquidiano)

Na análise bioquímica, as concentrações de glicose, proteína, lactato e LDH são dosadas


rotineiramente no exame do liquor e fornecem informações fidedignas para uma correta interpretação
clínica.

A glicose entra no liquor através de transporte facilitado pelas células endoteliais, além de
atravessar um gradiente por difusão simples. A concentração normal de glicose no liquor corresponde
a 2/3 da glicemia ou > 60 mg/dL.

Os níveis de glicose são utilizados para diferenciar meningites bacterianas de virais. A diminuição
da concentração de glicose (hiperglicorraquia) é resultado de processos infecciosos (pois tanto
leucócitos quanto microrganismos consomem a glicose como fonte de energia), hipoglicemia e
carcinoma metastático.

As proteínas presentes no liquor são derivadas das proteínas plasmáticas, que são transportadas
pelas células endoteliais das meninges e pela síntese intratecal, constituídas, em grande parte, de
albumina e, em muito menor quantidade, de globulina. A dosagem de proteína é útil para detectar
doenças do sistema nervoso central que estão associadas com o aumento da permeabilidade da
barreira hematoencefálica ou a intratecal de imunoglobulinas.

Os valores normais para proteínas variam de 10 mg/dL a 45 mg/dL em adultos e 15 mg/dL a 60 mg/dL
em recém-nascidos. A hiperproteinorraquia é a mais comum de acontecer e está presente em infecções,
hemorragias intracranianas, esclerose múltipla, neoplasias e condições inflamatórias.

Níveis reduzidos de proteína podem aparecer em perda de volume do liquor, ruptura dural e
hipertireoidismo. A eletroforese de proteína pode ser realizada no liquor e indicará quais frações estão
presentes, assim como a concentração de cada uma delas.

O lactato encontrado no liquor é predominantemente produzido pela glicólise anaeróbica do


sistema nervoso central e é independente do lactato sanguíneo. A dosagem de lactato no liquor foi
proposta como um teste para diferenciar a meningite bacteriana da viral. A concentração normal de
lactato varia de 11 mg/dL a 22 mg/dL. O aumento de lactato no liquor indica situações em que há
hipóxia do sistema nervoso central, como no infarto cerebral, no trauma encefálico, na isquemia, na
hemorragia e em meningites.

80
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Para a diferenciação das meningites, encontramos o lactato com uma concentração de até
30 mg/dL nas meningites virais e acima de 35 mg/dL nas meningites bacterianas, fúngicas e
tuberculosas. Os níveis de lactado se tornam mais importantes quando temos coloração gram‑negativa
com predomínio de polimorfonucleares e dosagem de glicose baixa.

A LDH é uma enzima citoplasmática que está presente na maioria dos tecidos do corpo humano,
sendo útil para diferenciar uma punção traumática de uma hemorragia preexistente, já que na punção
traumática com hemácias íntegras não ocorre a liberação e o aumento da LDH. Alguns estudos têm
demonstrado que pacientes que possuem patologias de origem neoplásica e infecções bacterianas
apresentam níveis elevados de LDH no liquor, quando comparados aos valores de pacientes normais.

Análise bioquímica do líquido seminal

O sêmen é composto de células e do plasma seminal. Nesse plasma, encontramos várias substâncias
que fornecem suporte nutricional para os espermatozoides e substâncias que são produzidas nas
glândulas acessórias, como vesícula seminal e próstata.

Embora existam testes para a determinação desses marcadores, não se sabe ainda ao certo o papel
de cada um deles. A exceção a essa regra é a determinação da frutose, um açúcar presente no plasma
seminal que consiste na fonte de energia dos espermatozoides. A frutose pode estar ausente ou
diminuída em várias condições que causam infertilidade masculina. A ausência de frutose pode indicar
ausência congênita bilateral dos canais deferentes ou obstrução bilateral dos ductos ejaculadores.

O pH do sêmen reflete o equilíbrio entre as secreções da vesícula seminal (alcalina), da próstata


(ácida) e das glândulas bulbouretrais. O pH é medido com a fita de pH, após 30 minutos da coleta, pois
pode ser influenciado pela perda de CO2. O pH de um sêmen normal deve ser maior que 7,2. Pacientes
com prostatites apresentam pH maior, acima de 7,5. Já em pacientes com alteração na vesícula
seminal e nos ductos ejaculatórios, os valores ficam abaixo de 7,0.

81
Unidade I

Resumo

Atualmente, as técnicas em bioquímica clínica nos laboratórios


de rotina diagnóstica são, praticamente, 100% automatizadas. Com
equipamentos modernos e baseados principalmente em métodos
colorimétricos, na nefelometria e na turbidimetria os interferentes
pré‑analíticos são desafiantes para o diagnóstico correto.

A utilização de técnicas adequadas no processo de coleta e manuseio


da amostra é essencial para evitar danos ao material. Dentro da área
técnica, na fase analítica, os equipamentos e diferentes analitos devem
ser submetidos a controles internos de qualidade, respeitando-se os
critérios estabelecidos na curva de Gauss, gráficos de Levey-Jennings e
regras de Westgard. Aplicando todo esse conhecimento nos diferentes
perfis bioquímicos, o biomédico tem condições e segurança para liberar
resultados de exames de forma assertiva.

Discutimos também sobre perfil renal, testes e exames aplicados na


avaliação de função/lesão renal. Vimos ainda que a análise dos líquidos
biológicos permite diagnosticar várias condições patológicas, desde
que realizada de maneira correta. A coleta é um passo importantíssimo
para que as interferências não prejudiquem a análise física, química e
celular, permitindo, assim, a liberação de um laudo exato. Essas condições
pré‑analíticas são imprescindíveis, pois 70% das decisões clínicas são
feitas com base nos resultados dos exames e dos fluidos corporais,
evidenciando a importância dos testes bioquímicos no diagnóstico
diferencial de meningites, em alterações de função renal e metabólicas,
ressaltando e trazendo à luz os principais marcadores bioquímicos
aplicados ao diagnóstico de doenças renais e infecciosas.

82
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Exercícios
Questão 1. Leia o texto a seguir.
Para o seu rastreamento, o exame citológico proposto por Papanicolaou (1941) baseia-se em uma
metodologia de diagnóstico presuntivo e preventivo para a detecção do câncer do colo de útero e
suas lesões precursoras. Como é um procedimento totalmente manual, desde a coleta do material até
a liberação do resultado pelo laboratório, sua vulnerabilidade a erros é considerável e pode interferir
na acurácia do diagnóstico. Desse modo, as etapas que compreendem a coleta, a fixação, a coloração
do esfregaço, a montagem da lâmina e a subjetividade na interpretação dos resultados são fatores
que podem comprometer drasticamente a sensibilidade do exame.
No Brasil, o Ministério da Saúde, na tentativa de aumentar a eficácia do rastreamento e diagnóstico
do câncer do colo útero, tem implantado sistemas de controle de qualidade interno e externo nos
laboratórios que realizam exames para o Sistema Único de Saúde (SUS), os quais visam garantir a
organização e a integridade de qualidade do serviço prestado. Na fase pré-analítica, são avaliados
os procedimentos técnicos relacionados à qualidade de confecção de esfregaço, fixação, coloração e
montagem. Essas etapas de execução podem influenciar significativamente a qualidade do laudo e a
produtividade entre os observadores.
SILVA, G. P. F. et al. O impacto da fase pré-analítica na qualidade dos esfregaços cervicovaginais.
Revista Brasileira de Análises Clínicas, v. 49, n. 2, p. 135-140, 2017 (com adaptações).

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas.


I – A fase pré-analítica consiste em um conjunto de ações que visam garantir a representatividade
e a adequabilidade da amostra.
II – Devem ser adotados critérios padronizados de controle interno da qualidade que contemplem
o registro do material recebido, a fixação, a coloração e a montagem das lâminas.
III – A conscientização dos profissionais envolvidos e o conhecimento de cada etapa da fase
pré‑analítica são de grande relevância para garantir melhor confiabilidade dos resultados citológicos.
É correto o que se afirma em:
A) I, apenas.
B) II, apenas.
C) III, apenas.
D) I e II, apenas.
E) I, II e III.
Resposta correta: alternativa E.

83
Unidade I

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: de fato, a fase pré-analítica demanda ações e cuidados na detecção, na classificação


e na adoção de medidas para a redução das falhas, garantindo a representatividade e a adequabilidade
da amostra. Esses processos podem ser aprimorados pela disponibilização de instruções (escritas ou
verbais) em linguagem simples e pelas orientações quanto ao preparo e à coleta da amostra.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: a fase pré-analítica envolve determinados procedimentos e a adoção de critérios


internos que visam aprimorar o preparo e a coleta da amostra por meio de instruções (escritas ou
verbais) feitas em linguagem simples e de cuidados na manipulação dos materiais. Assim, haverá
padronização do controle interno da qualidade desde o registro do material recebido, passando pela
fixação, pela coloração e pela montagem das lâminas.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: segundo o texto, como “é um procedimento totalmente manual, desde a coleta do


material até a liberação do resultado pelo laboratório, sua vulnerabilidade a erros é considerável e pode
interferir na acurácia do diagnóstico”. Logo, os profissionais envolvidos devem estar bem treinados
quanto às técnicas e às etapas a serem desenvolvidas, estando conscientes de suas responsabilidades
para garantir a confiabilidade necessária aos resultados citológicos.

Questão 2. Leia o texto a seguir.

De acordo com Xie et al. (2020), os pacientes com provável infecção por SARS-CoV-2 podem
apresentar resultados iniciais negativos na RT-PCR, por diversas razões, mas principalmente pela
extração inadequada de ácido nucleico e a insuficiência de material celular para a detecção do vírus.
Ressalta-se que ainda não se sabe o intervalo dos níveis virais na covid-19 e o tempo ideal para
realizar a coleta do material.

Nesse contexto, cabe frisar que é indicada a realização da RT-PCR na fase aguda da doença entre
o primeiro ao oitavo dia do surgimento dos sintomas para o diagnóstico da covid-19, visto que após
esse período ocorrem o aumento da produção de anticorpos (inicialmente IgM) e a diminuição da
carga viral. Dessa forma, o resultado pode ser falso-negativo.

OLIVEIRA, E. S.; MATOS, M. F.; DE MORAIS, A. C. L. N. Perspectiva de resultados falso-negativos no teste de RT-PCR
quando realizado tardiamente para o diagnóstico de covid-19. InterAmerican Journal of Medicine and Health,
v. 3, e202003016, p. 1-7, 2020 (com adaptações).

84
BIOQUÍMICA CLÍNICA

O texto faz referência a um teste empregado na detecção de muitas enfermidades e que ganhou
papel de destaque no diagnóstico da covid-19, embora falhas possam ocorrer. Sobre esse exame e as
suas características técnicas, avalie as afirmativas a seguir.

I – A RT-PCR é uma reação que utiliza a enzima transcriptase reversa, seguida de PCR, atuando
sobre uma molécula de RNA (cadeia simples) para sintetizar uma cadeia de DNA complementar (cDNA).

II – Após a definição do RNA a ser usado na reação e a síntese do cDNA, está na hora de permitir
que as proteínas fiquem acessíveis à detecção pelos anticorpos pela transferência delas de um gel
para uma membrana adsorvente.

III – Por meio da RT-PCR, é possível monitorar o progresso da PCR enquanto ocorre a reação, e os
dados são coletados em tempo real ao longo dos ciclos.

É correto o que se afirma em:

A) I, apenas.

B) II, apenas.

C) III, apenas.

D) I e III, apenas.

E) I, II e III.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: de fato, a Real Time Polimerase Chain Reaction (RT-PCR) destaca-se da técnica
original por não usar o DNA (cadeia dupla) no início da reação, mas, sim, o RNA (cadeia simples) em
associação com a transcriptase reversa.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o procedimento descrito ocorre em um teste de eletroforese, e não de RT-PCR.


O correto seria afirmar que, após a síntese dos cDNA, deveria ser aplicado o PCR, ou seja, usar essas
fitas de DNA como molde para mais uma síntese de DNA nos ciclos subsequentes e, depois de
25 ciclos de síntese de DNA, os produtos são, além do DNA que começou o processo, milhares de cópias
da sequência-alvo específica.

85
Unidade I

III – Afirmativa correta.

Justificativa: essa condição da técnica é verdadeira e corresponde a uma vantagem grande em


relação a outros procedimentos. O segredo está na utilização da primeira amplificação de uma
sequência-alvo e, a partir daí, quanto mais alto for o número de cópias iniciais dessa sequência, mais
rápido será o aumento da fluorescência.

86
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Unidade II
5 PERFIS BIOQUÍMICOS HEPÁTICO E PANCREÁTICO

5.1 Perfil hepático

O fígado é um dos principais órgãos que compõe o corpo humano. Localizado na cavidade
abdominal, o fígado é uma espécie de máquina do metabolismo, participando de processos críticos
de biotransformação de diferentes substâncias e na produção de proteínas plasmáticas fundamentais
para o controle do fluxo de energia e de nutrientes e para a desintoxicação e excreção de produtos
residuais do metabolismo.

Constituído pelos hepatócitos, o fígado é estudado desde 3000 a.C. devido à sua importância
clínica. A busca por alterações hepáticas relacionadas às doenças humanas é realizada de diferentes
maneiras, desde o exame físico dos indivíduos até exames de imagem e de laboratório clínico,
especificamente os exames bioquímicos. Aproximadamente 80% do diagnóstico de lesões hepáticas
podem ser realizados pelo exame clinico, entretanto, com o auxílio do laboratório bioquímico, o
índice de assertividade diagnóstica pode chegar a 95%.

Entre as provas bioquímicas mais utilizadas para a avaliação das funções hepatobiliares e as lesões
hepáticas, destacam-se a dosagem da aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT),
desidrogenase lática (LDH), fosfatase alcalina (FAL), gama glutamil transferase (GGT), albumina, tempo
de protrombina (TP) e as bilirrubinas totais e frações.

A utilização de testes para a avaliação do perfil hepático é importante para o diagnóstico de doenças,
monitoramento de tratamentos medicamentosos, para determinar a gravidade de enfermidades e
para, muitas vezes, avaliar o prognóstico do paciente.

Alanina aminotransferase (ALT) e aspartato aminotransferase (AST)

As transaminases hepáticas (ALT e AST), também conhecidas como transaminase glutâmico‑pirúvica (TGP)
e transaminase glutâmico-oxalacética (TGO), respectivamente, são enzimas hepáticas agregadas ao
citosol dos hepatócitos.

Normalmente detectadas no soro humano (valores inferiores a 30 UI/L), as transaminases são


excelentes marcadores bioquímicos para a investigação de doenças hepáticas e metabólicas, já que
qualquer processo que leve à perda da integridade da membrana dos hepatócitos ou necrose hepática
acarretará a elevação dos níveis de ALT e AST no sangue.

87
Unidade II

A elevação das transaminases é frequentemente detectada em exames de rotina, entretanto,


menos de 5% dos pacientes com transaminases elevadas terão doenças hepáticas graves. Devemos
destacar que muitos fatores fisiológicos e de risco podem contribuir para a alteração nos níveis
séricos dessas enzimas, incluindo idade, sexo, índice de massa corporal, atividade física extenuante,
níveis elevados de triglicerídeos, perfil de resistência à insulina e hiperglicemia.

A ALT é uma proteína produzida mais especificamente no fígado, podendo ser encontrada na
musculatura esquelética, nos rins, no cérebro, no pâncreas, no baço, no pulmão e nos eritrócitos. A
elevação nos níveis de ALT sérica é uma medida sensível, mas não 100% específica, para detecção de
lesão hepatocelular. Entre as causas mais comuns de sua elevação, destacam-se as lesões hepáticas
induzida por álcool, doença hepática gordurosa não alcoólica, hepatites virais, hepatite autoimune
e doenças hepáticas medicamentosas. Outras causas incluem hemocromatose, doenças vasculares e
doenças genéticas que acometem o fígado.

A enzima ALT catalisa a transferência de grupos amino da L-alanina para o alfa-cetoglutarato, e


os produtos de conversão são L-glutamato e piruvato. O processo é crítico no fígado no ciclo do ácido
tricarboxílico (TCA). O piruvato pode ser usado no ciclo do ácido cítrico para produzir energia celular.

A AST é uma enzima produzida também nos hepatócitos, entretanto, também é encontrada em
outros tecidos. De importante valor preditivo em doenças cardíacas (infarto agudo do miocárdio), a
AST é uma enzima que catalisa a reação entre o aspartato e o alfa-cetoglutarato na formação de
oxaloacetato e glutamato.

Assim, a elevação de ALT é considerada mais específica em pacientes com lesão hepática do que a
elevação pura da AST. Atualmente, considera-se que, nas doenças hepáticas, a razão AST/ALT é menor
que 1. Já em pacientes com doença hepática causada por etilismo (alcoolismo), essa razão tende a
valores maiores que 2, pois há deficiência de piridoxal-5’-fosfato em indivíduos etilistas crônicos.

Os níveis de ALT também podem aumentar devido ao consumo de medicamentos hepatotóxicos,


destacando-se os antibióticos amoxicilina e o clavulanato. O Tacrine, um medicamento indicado
para a doença de Alzheimer, foi retirado do mercado devido a sua associação à lesão hepática
significativa. Esse medicamento causou elevações dos níveis de ALT até 20 vezes maiores que o nível
de referência (normal).

As estatinas, muito utilizadas para o tratamento de hiperlipidemias, podem alterar os níveis


séricos de ALT. A literatura evidenciou que cerca de 5% dos pacientes que tomavam essa classe
de medicamentos apresentaram elevações nas dosagens de ALT. Ainda, ceftriaxona, fenitoína,
carbamazepina, cotrimoxazol e alopurinol são medicamentos que podem causar lesão hepática, e
os antidepressivos tricíclicos, imipramina e amitriptilina podem causar elevações transitórias na ALT.
Já a elevação concomitante de ALT e AST é relatada em pacientes que utilizam medicamentos como
isoniazida, pirazinamida, rifampicina, ibuprofeno e dapsona. Por fim, a intoxicação por paracetamol
altera os níveis séricos de ALT, respondendo por quase metade das lesões hepáticas medicamentosas.

88
BIOQUÍMICA CLÍNICA

No caso das suspeitas de hepatites, o histórico do paciente é fundamental para uma correta
relação clínico-laboratorial. Ainda, sorologias devem ser realizadas para a constatação ou afastamento
da hipótese diagnóstica de hepatites virais. Além dos painéis sorológicos, o médico assistente do
paciente deve solicitar exames complementares, como hemograma, proteína C reativa e, em casos
específicos, testes de biologia molecular para identificação e quantificação da carga viral.

Por fim, quando um médico solicita testes para avaliação do perfil hepático, alguns fatores
pré‑analíticos são de suma importância para a correta relação clínico-laboratorial, como a verificação do
índice de hemólise do sangue. Uma amostra hemolisada é considerada imprópria para a realização
do teste. Essa constatação pode ser realizada com auxílio de espectrofotometria ou pela inspeção visual.

Um painel de testes laboratoriais para avaliar as funções hepáticas, também conhecido como
teste de função hepática, é comumente utilizado na prática clínica. O teste de função hepática
compreende as dosagens de bilirrubinas totais e frações, ALT, AST, LDH, FAL, GGT, TP e albumina sérica.
Na tabela a seguir estão os valores de referência básicos para as enzimas e proteínas de avaliação de
função hepática:

Tabela 2 – Valores de referência para as enzimas


e proteínas de avaliação de função hepática

Marcador hepático Valores de referência


ALT 7 a 56 U/L
AST 0 a 35 U/L
FAL 41 a 133 U/L
GGT 9 a 85 U/L
BT 0 a 1,2 mg/dL
Albumina 40 a 60 g/L

É muito importante ressaltar que esses valores de referência são uma base (modelo), uma vez que
essas informações podem se alterar diante de diferentes metodologias.

Considerando-se que qualquer lesão hepática pode alterar a função do fígado, os níveis séricos
das enzimas funcionais podem se encontrar alterados. Assim, rotineiramente observam-se aumentos
nos níveis séricos de AST e ALT de forma concomitante. Os níveis de ALT maiores que 1.000 U/L devem
considerar lesão isquêmica hepática aguda, lesão hepática grave induzida por drogas ou hepatite
viral aguda. Outras causas incluem cálculos do ducto biliar comum e infecção por hepatite E.

As hepatites virais são consideradas processos inflamatórios e infecciosos que acometem o


fígado. Atualmente, temos como diagnosticar as hepatites A, B, C, D e E. A hepatite A aguda, em
comparação com as hepatites C e B, está associada aos maiores aumentos nos níveis séricos de
ALT e AST, chegando aos níveis de 3.000 a 4.000 U/L. Clinicamente, as hepatites são diagnosticadas
com icterícia, anorexia, fadiga, vômito, febre, náusea e hepatomegalia. Como via de contaminação,
para a hepatite A apresentamos a via oral-fecal. Para as demais hepatites, o contágio se dá por via
sanguínea e por fluidos.
89
Unidade II

A isquemia hepática ocorre quando há uma redução aguda na perfusão sanguínea para o fígado,
levando esse órgão à necrose das células centrolobulares hepáticas. A ocorrência de dano hepático é
maior no choque séptico, quando a diminuição da perfusão do sangue para o fígado acontece devido
a processos infecciosos, com evolução para choque séptico. Nesses casos, a dosagem de ALT apresenta
maior sensibilidade diagnóstica, devendo ser acompanhada pelos marcadores lactato, proteína C
reativa, hemograma, dímero D e hemocultura.

No cenário das enfermidades hepáticas, a doença hepática gordurosa não alcoólica (esteatose
hepática) é uma das principais causas de alteração das enzimas do fígado. Com potencial de progredir
para fibrose hepática e cirrose, essa doença está geralmente associada a níveis mais elevados de
ALT e GGT. Como fatores de risco, destacam-se a obesidade mórbida, diabetes melito, hipertrigliceridemia,
hipertensão e resistência à insulina.

Para a avaliação das hepatites alcoólicas, virais e fibrose/cirrose hepática, a razão entre AST e ALT
é utilizada como marcador prognóstico, conforme apresentado na tabela a seguir.

Tabela 3 – Razão entre AST e ALT nas hepatites alcoólicas

Razão AST/ALT Indicação diagnóstica/prognóstica


Maior que 2 Hepatite alcoólica
1,5 – 2,0 Hepatite viral
Maior que 1,0 Fibrose/cirrose

A utilização dessa proporção é muito questionável por laboratórios de rotina. Entre os principais
motivos, destaca-se que a dosagem da AST é hemólise-comprometida; a proporção pode alterar-se
conforme o número de dias após a exposição e pela gravidade da doença, além disso, há a meia-vida
relativamente curta de AST (18 horas) em comparação com ALT (47 horas).

O LDH e as doenças hepáticas

O LDH é uma enzima presente de maneira disseminada no organismo humano. Com função
de catalisar a oxidação reversível do lactato a piruvato, essa enzima se encontra de maneira mais
abundante no miocárdio, no fígado, no músculo esquelético, no rim e nos eritrócitos.

A desidrogenase lática é habitualmente solicitada pelo corpo clínico devido à sua elevação
em lesões isquêmicas hepáticas e para a detecção de tumores hepáticos de elevado grau de
comprometimento morfofuncional.

A Gama-glutamil-transferase (GGT)

A GGT é uma enzima primordialmente, mas não exclusivamente, hepática. Com função no
transporte de aminoácidos e peptídios através das membranas celulares, na síntese proteica e na regulação
dos níveis de glutationa tecidual, trata-se de uma enzima particularmente importante na avaliação do

90
BIOQUÍMICA CLÍNICA

envolvimento hepatobiliar em adolescentes, pois a atividade da fosfatase alcalina está elevada


durante o crescimento ósseo.

O principal marcador bioquímico empregado rotineiramente para a avaliação diagnóstica e


evolução clínica do alcoolismo é a enzima gama-glutamil-transferase. A GGT pode estar aumentada
em um único evento nas hepatites alcoólicas devido à degradação do etanol. Ainda, a GGT é
suscetível ao consumo de drogas. Sua dosagem também é utilizada para o acompanhamento
de pacientes em tratamento e abstinência de álcool, com retorno aos níveis de normalidade (da
GGT) em aproximadamente três semanas. Assim, a GGT é um bom marcador para o diagnóstico e
acompanhamento do paciente etilista crônico.

A fosfatase alcalina (FAL)

A FAL é uma enzima associada ao transporte lipídico no intestino e aos com processos de
calcificação óssea. Sua forma predominante origina-se nos ossos, entretanto, também tem atividade nos
canalículos biliares. Dessa forma, a FAL é uma enzima hepática que apresenta boa sensibilidade para
o diagnóstico de doenças do trato biliar.

A elevação dos níveis de FAL está intimamente relacionada com:

• obstruções das vias biliares (cálculos, tumores);

• hepatites e cirrose;

• carcinoma hepatocelular primário e metástases tumorais;

• mononucleose infecciosa;

• colangite;

• calculose biliar;

• câncer de cabeça de pâncreas;

• tumores ósseos osteoclásticos primários ou secundários;

• fraturas ósseas.

5.2 Sistema hepatobiliar: as bilirrubinas e as doenças correlatas

As bilirrubinas totais são compostas de suas frações direta e indireta. De origem primária da
degradação e metabolização da porção heme da molécula de hemoglobina no baço, a bilirrubina
indireta (BI) é produzida e se liga a sua proteína transportadora, a albumina (ALB).

91
Unidade II

O complexo BI + ALB chegam aos hepatócitos, os quais conjugam essa BI em bilirrubina direta (BD)
com o ácido glicurônico no retículo endoplasmático liso. A bilirrubina direta, no intestino, é degradada
pelo microbioma intestinal em estercobilinogênio e urobilinogênio. O estercobilinogênio é excretado
pelas fezes e parte do urobilinogênio retorna ao sistema hepático para a sua excreção na urina.

As bilirrubinas são encontradas na circulação sanguínea de maneira diminuta ou, até mesmo,
ausente. Em situações de doença, o acúmulo de frações da bilirrubina, indireta ou direta, causa um
sinal no paciente denominado icterícia. A icterícia é evidenciada pela coloração amarelada que esse
pigmento, em excesso, manifesta na pele, na esclera dos olhos e na urina, entre outros.

As bilirrubinas são dosadas por métodos colorimétricos. Nos laboratórios de bioquímica, dosa-se
habitualmente a bilirrubina total (BT) e a bilirrubina direta (BD). Pela diferença entre a BT e a BD,
calculamos a BI. O teste é realizado com o ácido sufanílico diazotizado, que forma um conjugado
de composto azo com anéis porfirínicos da bilirrubina. Essa bilirrubina é, então, mensurada em
espectrofotometria, com a detecção da sua absorbância, sob comprimento de onda de 540 nm.

O aumento das frações da bilirrubina indireta e direta e, consequentemente, a presença de icterícia


está relacionado com o local e o momento da sua origem. As icterícias podem ser classificadas em
três principais grupos:

• icterícias pré-hepáticas;

• icterícias de causa hepática;

• icterícias pós-hepáticas.

A seguir, discutiremos cada uma das icterícias em detalhes.

Icterícia pré-hepática

A icterícia pré-hepática é causada pelo aumento da bilirrubina indireta, por diferentes razões:
desde a sua característica fisiológica em recém-nascidos (devido à imaturidade hepática no processo
de conjugação) até casos de hemólise intravascular, em pacientes com quadro de anemia hemolítica.

Em adultos, o aumento da BI pode acontecer também devido à deficiência de glicuroniltransferase nas


hemorragias internas, ou seja, nas elevadas ofertas de degradação da molécula heme da hemoglobina.

Devemos destacar que o excesso de BI em recém-nascidos também pode significar doença. Um


dos exemplos clássicos é a eritroblastose fetal, quando, em razão de uma incompatibilidade sanguínea
entre mãe Rh negativo-sensibilizada e recém-nascido Rh positivo, as hemácias são “atacadas” e sofrem
hemólise disseminada. A elevação da BI, a níveis muito altos, pode se acumular no sistema nervos
central do recém-nascido, causando o depósito de cristais de bilirrubina no cérebro e comprometendo
o desenvolvimento neurológico do bebê. A esse fato, denominamos kernicterus.

92
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Além da elevação da BI, as icterícias pré-hepáticas são acompanhadas pelo aumento dos níveis de
LDH e, consequentemente, dos níveis de BT.

Icterícia hepática

As icterícias hepáticas são caracterizadas pelo aumento da bilirrubina direta. Como etiologia,
destacam-se os processos que levam à lesão dos hepatócitos, como nos processos infecciosos/
medicamentosos (caso das hepatites), por processos inflamatórios e tóxicos e por alterações no
parênquima hepático (por exemplo, cirrose).

As icterícias hepáticas são geralmente acompanhadas da elevação das enzimas hepáticas AST e
ALT e, também devido à disfunção hepática, dos níveis de BI.

Nas icterícias hepáticas, a dosagem de urobilinogênio na urina encontra-se elevada. Dessa forma,
na urina de pacientes com icterícia hepática poderemos encontrar aumento de BD e de urobilinogênio.

Icterícia pós-hepática

As icterícias pós-hepáticas são caracterizadas também pelo aumento da bilirrubina direta. De


etiologia obstrutiva na árvore biliar, colestases, coledocolitíase e alguns tipos de carcinomas costumam
ser os principais responsáveis por esse tipo de icterícia.

As icterícias pós-hepáticas são geralmente acompanhadas da elevação de enzimas de atividade


nos canalículos biliares (FAL) e pela elevação da GGT.

No grupo das icterícias pós-hepáticas, devido à instalação de um processo obstrutivo, os níveis de


urobilinogênio encontram-se normais na urina, e os níveis de BD são elevados.

5.3 Marcadores de função hepática

Proteínas totais (PT)

As proteínas plasmáticas são sintetizadas, em sua maioria, no fígado. Com absorção no intestino
delgado, as proteínas totais (PT) são dosadas como marcador para avaliação da função hepática. Entre
as proteínas mais importantes do organismo humano, destacamos a albumina e as globulinas, que
serão apresentada a seguir.

Albumina (ALB) e outras proteínas hepáticas

A albumina (ALB) corresponde a aproximadamente 60% das proteínas totais do sangue. Sintetizada
no parênquima hepático, apresenta meia-vida de aproximadamente 17 dias.

Com função na regulação osmótica celular e tecidual, a ALB atua como proteína transportadora
de substâncias. Um exemplo, já citado anteriormente, é o transporte da BI pela ALB até o parênquima
93
Unidade II

hepático. Além disso, a ALB atua também no armazenamento e na ligação de compostos pouco
solúveis em água, de fármacos e ácidos graxos livres, entre outros. Outra função da ALB é fornecer
aminoácidos para a formação de outras proteínas.

As alterações nos níveis de albumina sérica podem ser devido à sua elevação (hiperalbumineia)
ou sua diminuição (mais frequente, hipoalbuminemia). A hipoalbuminemia é, geralmente, causada
pela insuficiência do hepatócito no processo de síntese proteica. As principais causas de ambas são
apresentadas no quadro a seguir.

Quadro 3 – Globulinas, fatores de coagulação e proteína C reativa

Hiperalbuminemia Hipoalbuminemia
Meningites bacterianas Perda excessiva de proteínas
Desidratação aguda Cirrose
Carcinomatose metastática Síndrome nefrótica
Diarreia Queimaduras
Mieloma múltiplo Desnutrição grave
Politraumas Perda gastrointestinal
Vômitos Hepatites virais

As globulinas, junto com a albumina, são as proteínas de interesse clínico na maioria das disfunções
hepáticas e outras doenças. As globulinas são classificadas em Alfa1, Alfa2, Beta e Gamaglobulinas
(responsável pela produção dos anticorpos humanos).

As proteínas fibrinogênio e protrombina são fatores muito importantes para os processos


coagulativos, e a proteína C reativa é um marcador bioquímico muito importante para a investigação de
processos infecciosos e para o acompanhamento, diagnóstico e prognóstico de lesões cardiovasculares
(como no infarto agudo do miocárdio).

Colinesterase

A dosagem da colinesterase é de suma importância em pacientes com suspeita ou confirmação


de exposição a inseticidas organofosforados e carbamatos. Com duas unidades de ligação, quando
as vias da colinesterase são inibidas, a via de degradação da acetilcolina é prejudicada e, com isso, os
pacientes apresentam manifestações clínicas como convulsões, alterações musculares etc.

A atividade da colinesterase é avaliada por duas principais enzimas: a colinesterase eritrocitária


(acetilcolinesterase) – de exposição crônica aos inseticidas e a colinesterase plasmática (butiril-
colinesterase) – de ação aguda em casos de exposição inicial. A diminuição da colinesterase plasmática
permanece por aproximadamente trinta dias, enquanto a diminuição da colinesterase eritrocitária
prevalece por aproximadamente noventa dias.

94
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Assim, a dosagem da enzima colinesterase sérica é um importante biomarcador para avaliação


da intoxicação do paciente e de alterações hepáticas, de maneira inversamente proporcional: quanto
menor o nível da atividade da colinesterase, maior o grau de intoxicação. A determinação dos níveis
enzimáticos da colinesterase é realizada por métodos enzimáticos colorimétricos.

Leucina aminopeptidase

As aminopeptidases são enzimas degradadoras de peptídeos e proteínas. Com papel fundamental


na maturação de proteínas, as aminopeptidases são especialmente relevantes no controle das funções
hepáticas, cardiovasculares e renais, participando ativamente da regulação do sistema renina-
angiotensina-aldosterona, de outras vias regulatórias metabólicas e de processos angiogênicos.

Na família das aminopeptidases, destaca-se a enzima leucina aminopeptidase, altamente expressa


no sistema nervoso central, intestino, fígado, pâncreas e rins. A leucina aminopeptidase tem papel
importante na avaliação de doenças hepáticas e obstrutivas e na avaliação de tumores malignos
metastásicos em fígado.

Para doenças hepáticas, os níveis séricos de leucina aminopeptidase encontram-se elevados. Já para
distúrbios regulatórios de controle de pressão arterial (hipertensão) via sistema renina-angiotensina-
aldosterona, há a diminuição da sua atividade.

A dosagem no soro da leucina aminopeptidase pode ser realizada por espectrofotometria cinética.

O pâncreas é uma glândula que possui função mista: endócrina e exócrina. O pâncreas é um órgão
impossível de ser apalpado por se localizar atrás do estômago, entre o intestino e o baço (ou seja, na parte
posterior do abdômen superior). Dividido em três partes (cabeça, corpo e cauda), tem aproximadamente
15 cm de comprimento, de 3 cm a 5 cm de largura e de 2 cm a 3 cm de espessura. Divide-se assim: a
cabeça (larga); o istmo ou colo (uma região estreita do órgão, com apenas 2 cm de comprimento); o
corpo (afilado, que é a maior parte); e a cauda (estreita e pontiaguda, que termina próximo ao baço).

Figura 45 – Desenho de pâncreas e duodeno seccionados: d = duodeno; dpa = duto pancreático acessório;
dpp = duto pancreático principal; cp = cabeça do pâncreas; cop = corpo do pâncreas; cap = cauda do pâncreas

Disponível em: https://bit.ly/3769RNL. Acesso em: 28 jul. 2021.

95
Unidade II

Como dito anteriormente, o pâncreas é uma glândula que possui função mista: endócrina e
exócrina. As células endócrinas são grupos de células ricamente circundadas por capilares sanguíneos
e, como essas glândulas são endócrinas, ou seja, não têm ductos, os hormônios respectivos são
liberados diretamente no sangue. As células endócrinas são divididas em quatro tipos: as ilhotas de
Langerhans alfa, beta, gama e células PP ricamente vascularizadas por capilares (no pâncreas
temos cerca de 1 a 2 milhões de ilhotas de Langerhans, sendo 60% dessas ilhotas beta). As ilhotas
alfa fabricam e liberam o hormônio glucagon (estimulam o aumento da glicemia, portanto,
hormônio hiperglicêmico) na corrente circulatória, as beta fabricam e liberam o hormônio
insulina (hormônio hipoglicêmico) no sangue, as delta fabricam e liberam somatostatina
(regula a secreção dos dois hormônios anteriores) e as células PP fabricam e liberam peptídeos
pancreáticos (tendo função contrária a da colecistoquinina, pois inibem a secreção pancreática
e estimulam a secreção gástrica).

Figura 46 – Esquema de pâncreas mostrando células exócrinas e endócrinas

Disponível em: https://bit.ly/3xMcGPe. Acesso em: 23 jun. 2021.

Em 1896 o cientista alemão chamado Paul Langerhans descobriu, usando o microscópio ótico,
certos grupamentos de células de pâncreas que eram diferentes do restante das outras células
deste órgão: as ilhotas de Langerhans. Essas células se coram menos intensamente pelos corantes
hematoxilina-eosina se comparadas com as outras células, ou seja, ficam mais claras, e o restante das
células fica mais escuro quando elas são analisadas em microscopia ótica. Por sua semelhança a ilhas
no mar, o cientista deu o nome de ilhotas de Langerhans.

Com tamanho de 100 µm a 200 µm de diâmetro, podem ser células poligonais ou arredondadas,
se dispondo em cordões, circundadas por capilares sanguíneos, com cerca de 1 e 2 milhões de ilhotas
de Langerhans, com uma pequena tendência para serem mais abundantes na região da cauda do
pâncreas, sendo que 60% destas são de ilhotas beta.

96
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Saiba mais

Aprofunde seus conhecimentos em:

JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica. 10. ed. Rio de Janeiro:


Guanabara Koogan, 2004.

Como o alimento não “entra”, ou seja, não penetra no pâncreas, as enzimas produzidas para
digestão dos alimentos ingeridos são liberadas no intestino através de um ducto. A maioria das células
do pâncreas, as células exócrinas, têm a função de produção e liberação das enzimas envolvidas na
digestão (“quebra”) de vários alimentos (carboidratos, proteínas, lipídios e ácidos nucleicos) através
de ductos que se reúnem em um só, e este ducto chega até o intestino. Essas enzimas facilitam a
absorção desses alimentos, pois quebram ou clivam, deixando-os com menor tamanho, facilitando
sua passagem pelas células do intestino até o sangue (absorção dos alimentos).

Entre as enzimas produzidas no pâncreas exócrino liberadas no intestino podemos citar:


endopeptidases (elastase, colagenase, tripsina, quimotripsina, calicreína); exopeptidases
(carboxipepetidase A e B, aminopeptidases); nucleases (ribonuclease, desoxirribonuclease); amilase;
lipase e fosfolipase A e B, que de forma geral são produzidas na forma de zimogênios (ou seja inativas)
sendo ativadas antes de alcançarem o intestino.

O suco pancreático, com pH entre 8 e 8,3, neutraliza o quimo (bolo alimentar que vem do estômago
e tem pH ácido) com um de seus componentes: o íon bicarbonato, para propiciar um pH conveniente
para ação das enzimas.

A liberação do suco pancreático no intestino é estimulada pelo sistema nervoso. Quando uma
pessoa se alimenta, o cheiro ou a visão pode provocar impulsos nervosos que estimulam a liberação
do suco pancreático. Isso se dá em conjunto com os hormônios secretina (estimula a secreção de
bicarbonato de sódio) e colecistocinina (também chamado de hormônio da saciedade, pois diminui
motilidade estomacal e aumenta a secreção de enteropeptidase ou enteroquinase, que converte o
tripsinogênio em tripsina).

O suco pancreático se transfere do pâncreas ao duodeno pelo ducto pancreático, que se liga
ao ducto colédoco (que transporta a bile da vesícula biliar para o intestino) tornando-se um só a
desembocar no intestino pelo esfíncter muscular (chamado de esfíncter de Oddi).

97
Unidade II

Glândulas
salivares

Esôfago

Fígado

Estômago

Vesícula biliar Pâncreas

Duodeno
Cólon
transverso
Cólon ascendente
Jejuno

Cólon descendente
Íleo
Ceco
Sigmoide
Apêndice
Reto

Ânus

Figura 47 – Esquema do aparelho digestório humano. Repare que o ducto que vem do pâncreas se
comunica com o que vem da vesícula, desembocando ambos no intestino

Disponível em: https://bit.ly/3zQuZ80. Acesso em: 23 jun. 2021.

5.4 Avaliação do funcionamento do pâncreas endócrino e exócrino

Quando nos alimentamos a glicemia aumenta, e o sangue passa pelo pâncreas estimulando as
células das ilhotas beta de Langerhans a produzirem e liberarem no sangue o hormônio hipoglicemiante
insulina, ao mesmo tempo também ocorre a inibição da liberação de glucagon.

A insulina liga-se aos receptores de membrana das células alvo (aquelas células que têm receptor
para insulina), e, mediante esta ligação, várias vias de sinalização são ativadas, sendo que um dos
resultados é a passagem da proteína GLUT que está no citoplasma para a membrana plasmática
(translocação do aparelho de Golgi para a membrana plasmática). Essa proteína se liga à glicose
(molécula polar, insolúvel na membrana plasmática) facilitando seu transporte para o interior da
célula pelo processo de difusão facilitada.
98
BIOQUÍMICA CLÍNICA

As proteínas transportadoras de glicose GLUT presentes na membrana plasmática formam uma


família de proteínas que vão de GLUT1 até GLUT7. Cada GLUT está em um tipo celular:

• GLUT1: células sanguíneas de adultos e rim. Transporta glicose na maioria das células.

• GLUT2: hepatócitos, células beta pancreática, intestino delgado, hipotálamo.

• GLUT3: transportadora de glicose nos neurônios, também presente em placentas e testículos.

• GLUT4: músculo esquelético e cardíaco

• GLUT5: transporta frutose, principalmente, no intestino delgado e nos testículos.

• GLUT6: este gene na verdade não se expressa funcionalmente, sendo considerado um pseudogene.

• GLUT7: células hepáticas. Relacionada com a liberação de glicose do reticulo endoplasmático


dos hepatócitos.

No néfron e no duodeno ainda podemos verificar o cotransporte de glicose acoplado ao transporte


de íon Na+ (SGLT1 e 2).

Quando o nível da glicose baixa no sangue, as ilhotas alfa de Langerhans são estimuladas a liberar
glucagon (hormônio hiperglicemiante), que, por ser antagônico em relação à insulina, irá aumentar
a glicemia, principalmente pela “quebra” do glicogênio hepático, e, com isso, a produção de glicose
nas células do fígado.

Portanto, se quisermos saber sobre o funcionamento do pâncreas endócrino, devemos procurar a


insulinemia e a determinação de glucagon no sangue (ou reações que levem aos seus funcionamentos).
Já para sabermos como está a função exócrina, é necessário dosar as enzimas pancreáticas no soro;
quando, por exemplo, a concentração da lipase ou amilase é superior ao valor de referência, pode
haver uma inflamação ou doença no pâncreas, quando a concentração é baixa, pode-se estar diante
de uma insuficiência pancreática ou outra doença grave no fígado.

5.5 Importância clínico-laboratorial das determinações enzimáticas da


amilase e lipase; fibrose cística, pancreatite, hipo e hiperglicemias

Amilase

Há dois tipos de amilase no corpo humano: alfa-amilase salivar (amilase S) e amilase pancreática
(amilase P). A amilase é uma enzima que cliva o amido e o glicogênio, podendo estar acima do
valor de referência no sangue (estado chamado de hiperamilasemia) por causas pancreáticas (como
pancreatite aguda, carcinoma de pâncreas, trauma cirúrgico, obstrução dos ductos pancreáticos) e
não pancreáticas (insuficiência renal, neoplasia de pulmão, de ovário, de mama, de cólon, lesões das
glândulas salivares por infecção, irradiação, obstrução, cirurgia maxilofacial e tumores).
99
Unidade II

Como exemplo de patologia relacionada às glândulas salivares, podemos citar a caxumba


(ou parotidite), que nada mais é do que o resultado do aumento das glândulas parótidas (responsáveis
por sintetizar e liberar a alfa amilase na boca). Febre e dor no momento da mastigação e ingestão
de líquidos estão relacionadas geralmente com vírus da família Paramyxoviridae, Parainfluenza do
tipo 1 e 3, Epstein-Barr, influenza e até HIV, entre outros. Vale destacar que já forma constatadas
parotidites com causas não infecciosas (como drogas, tumores, doenças imunológicas e obstrução
do ducto salivar). O período de incubação varia de 12 a 25 dias após a exposição, com média de
16 a 18 dias.

Há também o quadro de macroamilasemia resultado da combinação da molécula de amilase


(geralmente do tipo S) com imunoglobulinas (IgA e IgG) ou também outras proteínas plasmáticas
normais ou anormais para formar um complexo muito grande para ser filtrado pelo glomérulo,
permanecendo, assim, no sangue. É importante no diagnóstico diferencial das causas de dor abdominal
e abdome agudo, especialmente na pancreatite aguda, bem como nas afecções da glândula salivar.

Parótida

Sublingual

Submaxilar

Figura 48 – Desenho da localização das glândulas salivares.


As glândulas parótidas inflamadas constituem em parotidite ou caxumba

Disponível em: https://bit.ly/2SlV7ql. Acesso em: 23 jun. 2021.

Lipase

Encontrada em tecidos de vários animais e plantas, a lipase, como a protease, a celulase e a amilase,
são classificadas como hidrolases. Podem ser produzidas por fermentação em indústrias farmacêuticas
por alguns microrganismos, tais como fungos, leveduras e bactérias; depois de purificadas, podem ser
comercializadas em farmácias.

No corpo humano ocorre lipase lingual produzida pelas glândulas serosas da língua, sendo liberada
com a saliva. Como a permanência do alimento na boca é muito curta, a digestão de lipídios não é
produtiva. Também ocorre lipase gástrica nesse processo. Todavia, por conta do pH ácido, que dificulta
a ação da enzima, praticamente não há ação dessa enzima, e o local onde realmente ocorre a digestão
dos lipídios é no intestino delgado, pois lá haverá condições necessárias para a catálise enzimática.

A lipase é uma enzima cuja suplementação pode ser benéfica nos casos de indigestão, doença
celíaca, fibrose cística e doença de Crohn. Na doença celíaca ocorre uma disfunção no sistema imune,
levando a um ataque autoimune causado pela intolerância ao glúten (proteína encontrada no trigo,
na aveia, na cevada, no centeio e seus derivados), que é diferente da intolerância ao glúten per se,
100
BIOQUÍMICA CLÍNICA

pois nesta última não ocorre dano no intestino delgado e também não há relação com o sistema
imunológico. Com a atrofia da mucosa do intestino, haverá má absorção dos nutrientes, sais minerais
e água, refletindo em sintomas como dor abdominal, diarreia e flatulência (gases), anemia e perda de
peso. A doença de Crohn tem causa desconhecida, mas pode ter relação com o sistema imunológico e
é um fator de risco para o câncer de intestino. É caracterizada por grandes pontos de inflamação no
intestino com o aparecimento de pequenas vesículas, as quais podem se abrir e serem pontos maiores
de infecção e inflamação, o que pode causar a necrose dessa porção. Os sintomas mais frequentes são
dores abdominais e diarreia, febre e perda de peso.

A incapacidade do pâncreas exócrino de secretar a quantidade suficiente de enzimas digestivas


para digerir os alimentos dentro do intestino é caracterizado como insuficiência pancreática. Ocorre
principalmente em crianças com fibrose cística e em adultos na pancreatite aguda ou crônica, diabetes
do tipo 1 e câncer de pâncreas.

A fim de prevenir-se das complicações das doenças que acabamos de ver, deve-se realizar exames de
checkup periodicamente, obtendo-se o diagnóstico correto antes mesmo do aparecimento de sintomas.
Infelizmente, não há um teste ideal, mas costuma-se iniciar a pesquisa pelo perfil pancreático básico,
nada mais do que a determinação sanguínea de amilase, lipase (pode-se optar também pela dosagem
de tripsina).

A determinação de amilase no sangue e na urina tem como objetivo distinguir a pancreatite


aguda de outras causas de dor abdominal que requeiram cirurgia imediata, além de possibilitar a
avaliação do possível comprometimento pancreático causado por trauma ou cirurgia abdominal.

A amilasemia e a lipemia aumentam na pancreatite aguda e na crônica os níveis séricos de lipase


e/ou amilase reduzidos; isoladamente, a sensibilidade desses testes é baixa para se estabelecer o
diagnóstico definitivo.

A amilase aumenta no soro de 6 a 12 horas após o início do quadro, mas existem casos de
pancreatite em que não se vê um aumento da amilase sérica, em decorrência do fibrosamento
de tecido. A especificidade do teste é baixa, mas possui alta sensibilidade. Vale lembrar que pode
ocorrer amilasúria (amilase na urina) durante quatro dias após o episódio agudo.

Na pancreatite aguda, o sangue contém pelo menos três vezes a quantidade normal de amilase
e lipase, enzimas digestivas produzidas no pâncreas. Outras alterações também podem ocorrer no
estudo bioquímico (como glicose, cálcio, magnésio, sódio, potássio e bicarbonato). Nesse casos,
podem ser necessários os exames de ultrassom abdominal e tomografia computadorizada.

Lembrete

A enzima amilase possui duas isoenzimas: pancreática e salivar.


A separação pode ser feita por eletroforese em bandas P e S, respectivamente.

101
Unidade II

As lipases são produzidas exclusivamente pelo pâncreas e seu aumento no sangue ocorre após
24 ou 48 horas em relação ao episódio agudo, com um pico máximo em quatro dias, mas, como o
aumento é lento, torna-se desvantajoso.

Em pacientes com pancreatite é frequente a hipocalcemia, provavelmente pela ação do glucagon


sobre as glândulas paratireoides, levando a um aumento da incorporação do cálcio no tecido ósseo.
Deve-se notar que há também um depósito de cálcio na lesão pancreática.

Os testes indiretos a seguir, são simples, não invasivos, mais rápidos e menos dispendiosos do que os
testes diretos e ajudam muito no diagnóstico, apesar de terem sensibilidade e especificidade limitadas.

A avaliação da função digestiva pode ser realizada pelo exame coprológico funcional (importante
para pancreatite crônica), por meio do qual se pesquisa a gordura fecal; nesse caso, a análise da
excreção fecal deve se dar 24 horas após o indivíduo receber uma dieta com 100 g de gordura diárias
durante 3 dias. O resultado será positivo se houver perda de gordura superior a 7 g/dia (na clínica, a
ocorrência de esteatorreia é compatível com PC).

A enzima elastase fecal pode ser colocada como um padrão ouro, pois se trata de uma enzima
proteolítica exclusivamente produzida pelo pâncreas que permanece estável após passagem pelo
trato digestivo, sem sofrer interferência durante a digestão, apresentando alta sensibilidade e
especificidade em casos de PC.

Fibrose cística

A fibrose cística (FC), também conhecida como doença do beijo salgado ou mucoviscidose, é uma
doença genética crônica. É uma doença genética ligada a mutações no gene CFTR e com padrão de
herança autossômico recessivo (para qualquer casal com uma criança afetada, o risco de que uma
segunda criança venha a apresentar FC é de 25%). É caracterizada pelo fluxo anormal de cloro nas
células epiteliais, causando diversas manifestações clínicas que incluem insuficiência pancreática e
doença pulmonar, além de níveis aumentados de cloro no suor. Muitos dos genes podem atuar como
modificadores da FC, influenciando na gravidade da doença pulmonar, no controle de infecção, na
imunidade e na inflamação.

Entre os genes possivelmente envolvidos, podemos citar o gene responsável pela alfa-1-antitripsina
(A1AT), enzima sintetizada pelos hepatócitos e macrófagos alveolares cuja proteína pertence a uma
família de inibidores de proteases de serina que protege os tecidos do ataque proteolítico pelas
proteases leucocitárias (tal como a elastase, catepsina e tripsina), durante as reações inflamatórias.
Caso ocorra mutação no gene A1AT, a proteína defeituosa permite que o corpo produza muco de
30 a 60 vezes mais espesso que o usual, obstruindo os ductos pancreáticos; consequentemente, o suco
pancreático não chega ao intestino, não se dando a digestão correta dos nutrientes tampouco sua
absorção, o que gera sintomas como diarreia (geralmente volumosas, com odor fétido), perda de peso e
de estatura. Para esses casos, o tratamento também prevê medicamentos que ajudam na digestão e em
uma nutrição balanceada.

102
BIOQUÍMICA CLÍNICA

O tratamento baseia-se, então, em ingestão de enzimas digestivas para a alimentação, dieta


específica, medicamentos broncodiladores, antibióticos, anti‑inflamatórios, fisioterapia respiratória e
atividade física, visto que se trata de uma doença genética e podemos nos ocupar das consequências,
já que curar a causa ainda não é possível. O transplante pulmonar pode solucionar o problema.

Observação

A triagem do recém-nascido é feita pelo teste do pezinho e confirmado


pelo exame padrão ouro chamado de teste do suor, pois na FC o suor
é mais salgado que o normal (quando o nível de cloro é superior a
60 milimoles por litro em duas dosagens) (SERVIDONI et al., 2017).

Pancreatite

A pancreatite é uma inflamação do pâncreas. Quando o pâncreas está inflamado, enzimas


digestivas secretadas por ele, normalmente não ativas até atingirem o intestino delgado, acabam por
serem ativadas, podendo danificar o tecidual pancreático de forma permanente, levando à necrose.

As causas mais comuns da pancreatite são ingestão excessiva de álcool e trauma abdominal, mas
pessoas que fazem uso do coquetel de HIV ou outras medicações também podem desenvolver esse
quadro. Os sintomas mais comuns são enjoo, dor abdominal, abdome distendido e sensível, perda de
peso (uma vez que os alimentos não são corretamente digeridos) e diarreia com fezes claras e mau
cheiro (devido à gordura não digerida).

Em termos bioquímicos, há o aumento de amilase e de lipase sanguíneas. Quando a destruição


atinge a parte endócrina, é necessário controlar a produção insulina. Vale ressaltar ainda que a
pancreatite pode ser aguda ou crônica.

A pancreatite aguda é a inflamação do pâncreas que ocorre de maneira súbita e geralmente


se resolve em poucos dias com o tratamento, costumeiramente sendo decorrente de litíase biliar
(cálculos biliares que entopem o ducto comum ao pâncreas e ao fígado). Pode levar à desidratação e
à pressão baixa, afetando bruscamente coração, pulmões ou rins. Caso aconteça uma hemorragia no
pâncreas, a perda de sangue pode ser tão grande (choque) que pode levar à morte. Para tratar
a pancreatite aguda, o paciente deve ser internado no hospital para administração de soros
intravenosos (IV), antibióticos e medicamentos para aliviar a dor, ficando sem comer ou beber a fim
de possibilitar que o pâncreas se restabeleça. Depois da melhora do quadro inicial, pode ser realizada
uma cirurgia de retirada dos cálculos (colecistectomia).

As enzimas pancreáticas como protease, lipase e amilase, basicamente extraídas de fonte suína,
serão administradas ao paciente.

103
Unidade II

A pancreatite crônica (PC) é uma inflamação do pâncreas que não apresenta cura e é característica
de pessoas que ingerem muito álcool, levando à formação de cicatrizes teciduais que destroem
lentamente o órgão, eliminando as células produtoras de insulina, Ilhotas beta de Langerhans, o que
pode levar a diabetes. Pode também ser provocada por fibrose cística, hiperlipidemia, medicamentos
e certas condições autoimunes, sendo os sintomas os mesmos da pancreatite aguda.

A pancreatite pode ser de causa autoimune. A pancreatite tipo 1 causa a síndrome fibroinflamatória,
com o paciente apresentando icterícia obstrutiva, simulando câncer de pâncreas. Por sua vez,
a pancreatite tipo 2 pode ser diferenciada histologicamente, pois caracteriza-se por infiltração
neutrofílica no epitélio pancreático, que pode levar à obliteração ductal.

Hipoglicemia

Constata-se hipoglicemia quando a quantidade de glicose no sangue está abaixo do valor de


referência (69 mg/dL a 99 mg/dL). “Hipo” significa falta, escassez, carência; glicemia representa a
quantidade de glicose no sangue. Entre as várias causas da hipoglicemia podemos citar: ingestão
de álcool em excesso, jejum ou pouca alimentação, esforço físico, insuficiência hepática, cardíaca
ou renal, tumores pancreáticos, produção excessiva de insulina pelo pâncreas, consumo de alguns
medicamentos (como insulina, antidiabéticos orais e anti-inflamatórios não esteroidais (AINES). Há
ainda as condições de hipoglicemia de jejum e a pós-prandial (após a alimentação).

Como principais sintomas estão tremores, nervosismo, palidez, taquicardia, sudorese, náusea,
vômito e como sinais de comprometimento cerebral pode-se listar alteração no humor, depressão,
choro, medo de morrer, irritabilidade, sono, tontura, delírio, visão dupla, confusão mental, alterações
do nível de consciência, perturbações visuais e de comportamento que podem ser confundidas com
embriaguez, cansaço, fraqueza, sensação de desmaio e convulsões, estupor, coma e respiração difícil.

Por que certas pessoas ingerem álcool e desmaiam por hipoglicemia? Após a ingestão do álcool,
ele faz o caminho normal: boca, esôfago, estômago e intestino, é absorvido e, chegando ao sangue,
passa rapidamente para o fígado. Por fazer a detoxificação de drogas em nosso corpo, o fígado terá
a função de transformar essa droga – álcool – para sua saída pelos rins. O fígado metaboliza um
drinque a cada 2 horas em média, isto é, transforma o álcool em acetaldeído e depois em acetato. Se
o consumo for maior do que o fígado pode metabolizar, o excesso de álcool permanece no sangue
e chega ao cérebro, causando: tontura, desinibição, diminuição da capacidade de raciocínio, euforia,
aumento do ritmo dos batimentos cardíacos e da frequência da respiração, provoca problemas de
equilíbrio e movimento, podendo levar à perda de consciência e parada respiratória, inclusive levar à
morte. Como o fígado tem reservas de glicose e tem a função de liberar ou guardar glicose quando o
corpo precisa, não regulariza a quantidade de açúcar no sangue de forma correta. O resultado é que
as taxas de açúcar no sangue podem cair, causando hipoglicemia.

104
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Assim, uma orientação importante é que não se deve beber de estômago vazio ou se as taxas de
glicose no sangue estiverem baixas. Indica-se beber lentamente, se possível, junto com água, para
manter sua hidratação.

A hipoglicemia pós-prandial ou reativa acontece de 3 a 5 horas após a pessoa ter feito uma
refeição, geralmente se manifestando em pessoas submetidas a cirurgia do estômago e em indivíduos
em fase inicial da resistência à insulina. Nesses casos, o paciente costuma sentir dor de cabeça,
tremores e tonturas.

O diagnóstico, além dos sintomas, deve incluir concentração de glicose no sangue, medida em
laboratório de análises clínicas, inferior a 50 mg/dL em jejum e melhora dos sintomas após consumo
de carboidratos no laboratório.

Observação

Quando um paciente perceber que entrará em uma crise hipoglicêmica,


deve consumir de 15 g a 20 g de carboidratos simples, o que equivale a
uma colher de sopa de mel (exceto em casos de crianças menores de
1 ano); um copo de 200 mL de suco de laranja ou de refrigerante não
dietético; uma colher de sopa de açúcar dissolvido em meio copo de
água. O efeito será mais rápido se esses alimentos forem ingeridos junto
com carboidratos de longa duração, como pães, pipocas, biscoitos etc.

Hiperglicemia

A hiperglicemia é uma condição na qual o paciente apresenta um nível de glicose no sangue acima
do valor de referência (69 mg/dL a 99 mg/dL). A principal causa deve-se ao diabetes (pré-diabetes,
diabetes gestacional, diabetes tipo 1 e tipo 2 – DM1 e DM2, respectivamente), mas também pode ser
induzida por estresse elevado, síndrome dos ovários policísticos (SOP), hipercortisolismo (síndrome de
Cushing), pancreatite, trauma severo (como queimadura ou lesão), infecções (como pneumonia ou
infecção do trato urinário), uso incorreto de medicamentos (como os esteroides e diuréticos) ou uso
de drogas ilegais (como cocaína e ecstasy).

Observação

Após 8 horas de jejum, os valores de glicemia são classificados da seguinte


forma: diabetes quando o resultado for maior ou igual a 126 mg/dL,
pré‑diabetes quando entre 100 mg/dL e 125 mg/dL e sem diabetes quando
o valor obtido for menor ou igual a 99 mg/dL.

105
Unidade II

5.6 Metabolismo glicídico: diabetes mellitus, diabetes gestacional,


intolerância à glicose e hipoglicemias. Determinações laboratoriais de testes
de tolerância e sobrecarga, frutosamina, hemoglobina glicosilada e glicemia

Diabetes

A diabetes – diabetes gestacional, diabetes tipo 1 (DM1) e tipo 2 (DM2) – é uma condição em que
a glicose está acima do valor de referência no sangue, devendo ser controlada com medicamentos,
alimentação e exercícios. São consideradas doenças poligênicas, isto é, as alterações que predispõem a
essas doenças estão em vários genes. Há predisposição genética associada a fatores ambientais (como
obesidade, no caso do DM2), mas existem duas formas de diabetes que são resultado da mutação em
um único gene, por isso denominadas monogênicas (testes genéticos podem identificar a maioria
das formas de diabetes monogênico): o diabetes neonatal e o tipo MODY (do inglês Maturity-Onset
Diabetes of the Young).

Como sintomas, podemos citar os principais: polidipsia (muita sede), poliúria (excesso de urina),
polifagia (fome excessiva, acompanhada de emagrecimento em DM2), cansaço e sonolência, pele
seca, dor de cabeça, podendo evoluir para náuseas e vômitos, além de hálito cetônico (devido à
formação de corpos cetônicos pelo organismo).

O excesso de glicose no organismo é prejudicial. Quando seus níveis ultrapassam os limites


normais, excede-se a capacidade de reabsorção dos túbulos renais (chamado de limiar renal) de
160 mg/dL a 180 mg/dL (alguns autores falam em 180 mg/dL a 200 mg/dL), então, o organismo tenta
se proteger criando uma forma de excretá-la, mandando-a para os rins, de onde é eliminada por meio
da urina. Como a glicose é um soluto e qualquer soluto arrasta seu solvente, ou seja, ela traz consigo
mais água, gerando tanto o excesso de urina quanto outro sintoma da hiperglicemia o excesso de
sede (polidipsia).

Um fato interessante é que, mesmo havendo no sangue taxas tão elevadas de glicose, como não
há insulina no cérebro, a glicose não o penetra, de forma que o cérebro, percebendo erroneamente
uma queda desse carboidrato em seu interior, toma como uma falta alimento no organismo, causando
muita fome no paciente (polifagia).

O fato de não ter glicose em seu interior para síntese de energia (ATP) faz com que as células
utilizem lipídios, e depois as proteínas, para cumprir tal função. O uso de lipídios leva ao aparecimento
de corpos cetônicos (acetona, ácido ace e ácido β hidroxibutirato), que baixam o pH sanguíneo,
levando à acidose metabólica.

Então, além de sintomas como urinar muitas vezes (durante o dia e a noite) e em grande
quantidade, sede exagerada, obesidade e perda de peso, fome, há outros sintomas diretamente
ligados a hiperglicemia, que são: dores, dormência e formigamento nas pernas, cansaço, piora da
visão, furúnculos frequentes, cicatrização difícil e infecções de pele, podendo chegar à impotência
sexual, glaucoma, amputações de membros, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral,
insuficiência renal e abortamentos (em caso de gestação).
106
BIOQUÍMICA CLÍNICA

No diabetes insulino-dependente ou diabetes tipo 1, a pessoa não produz insulina, havendo a


necessidade de se ministrar insulina injetável. Vale destacar que tal diagnóstico é mais frequente
entre crianças e jovens e a crise de hiperglicemia, no DM I, pode levar ao coma e à cetoacidose. Já no
diabetes do tipo 2, os sintomas de hiperglicemia podem demorar a aparecer, atrasando o diagnóstico
e causando complicações que poderiam ser evitadas, como retinopatia (problema ocular), neuropatia
(problema nos nervos) e angiopatia (problema nos vasos sanguíneos).

Observação

Algumas pessoas acharam curioso o fato de, após micção, ou após


jogarem a frauda com urina no lixo, formigas se aproximarem do vaso
sanitário ou do lixo. Isso ocorre porque o nível de glicose está muito alto
e é eliminado pela urina. Após comentarem com o médico, essas pessoas
foram diagnosticadas com diabetes.

Complicações do diabetes mellitus (DM)

Como vimos anteriormente, a longo prazo, ocorrem alterações irreversíveis nos grandes e pequenos
vasos sanguíneos (microangiopatia e macroangiopatia), além de redução na capacidade do corpo para
resistir a infecções, podendo levar à amputação de membros (superiores e inferiores), envelhecimento
precoce e redução da esperança de vida.

A síndrome hiperglicêmica hiperosmolar é uma complicação que geralmente ocorre em idosos


com diabetes tipo 2, havendo uma séria desidratação do organismo, pois o paciente não ingere água.
Se eliminar muita urina, o indivíduo pode ficar desidratado a ponto de entrar em estado de confusão
mental, coma ou mesmo óbito. Alguns fatores podem desencadear a síndrome, como AVC, infarto do
miocárdio, infecções, uso de glicocorticoides, diuréticos e cirurgias.

A diabetes insípida (DI) não tem relação com o diabetes mellitus. A DI é um tipo de diabetes em
que a urina não apresenta glicose, ou seja, não é “melada” como no diabetes mellitus. É causada
pela ausência do hormônio vasopressina (hormônio antidiurético), o que causa produção excessiva
de urina muito diluída (poliúria) e sede. A vasopressina é o hormônio antidiurético produzido no
hipotálamo que tem por função ajudar na regulação da quantidade de água no corpo, induzindo os
rins à diminuírem a quantidade de urina produzida.

As causas podem ser tumor cerebral, lesão cerebral, cirurgia cerebral, tuberculose e algumas outras
doenças. Para o diagnóstico, toma-se como base o resultado dos exames de urina, sangue e do teste
de privação hídrica.

107
Unidade II

Observação

No teste de privação hídrica, o paciente fica por cerca de 12 horas sem


ingerir nenhum tipo de bebida. Durante tal período, ocorrerá diminuição
na pressão arterial, um aumento na frequência cardíaca ou uma perda
superior a 5% no peso do corpo. Ocorrendo dessa forma, o médico injeta
vasopressina e os sintomas melhoram.

O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é caracterizado pela destruição autoimune das células-beta
pancreáticas, responsáveis pela produção da insulina. Para sobreviverem a essa doença crônica, os
pacientes devem fazer uso da insulina exógena. Para não terem complicações como cegueira, acidente
vascular cerebral, problemas renais e cardiovasculares, devem fazer uso da insulinoterapia. Para não
entrar nessa terapia, há duas opções: fazer o transplante de pâncreas (cirurgia que demanda UTI pois
tem muitos riscos) ou transplante de ilhotas pancreáticas (técnica não cirúrgica, mais simples).

Dirigida por ultrassonografia, o médico infunde as ilhotas acondicionadas em uma bolsa estéril
pelo fígado por um cateter na veia porta sem precisar de cirurgia. Em poucos dias o paciente já
começa a produzir insulina e esse progresso é acompanhado pela dosagem do peptídeo C, indetectável
antes do implante (peptídeo C é a parte da insulina que é retirada para que fique ativa no sangue).
Aproximadamente três anos após o transplante, 50% dos pacientes permanecem livres de insulina, e
após cinco anos apenas 13% não necessitam de insulina para controlar a sua glicemia. Deverá ocorrer
terapia imunossupressora por toda a vida, o que leva a outros efeitos colaterais, como: alterações de
provas hepáticas e trombose.

Saiba mais

Para saber mais sobre o assunto, leia:

ELIASCHEWITZ, F. G. et al. Transplante de ilhotas na prática clínica:


estado atual e perspectivas. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia &
Metabologia, v. 53, n. 1, 2009.

No diabetes gestacional, a placenta – fonte de hormônios que reduzem a ação da insulina – acaba
por estimular o pâncreas a aumentar a produção desse hormônio numa reação compensatória.

Se a mulher consegue ultrapassar essas mudanças no equilíbrio hormonal, ótimo, caso contrário,
o pâncreas é levado ao estresse metabólico, elevando-se o nível de glicose no sangue. O bebê,
quando é exposto a grandes quantidades de glicose ainda no ambiente intrauterino, apresenta risco
de crescimento excessivo e, logicamente, partos traumáticos, além de hipoglicemia neonatal e até
mesmo obesidade e diabetes na vida adulta.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA

Idade materna mais avançada, ganho de peso excessivo durante a gestação, hipertensão arterial
na gestação, histórico familiar de diabetes em parentes de 1º grau (pais e irmãos) são fatores de risco
que devem ser analisados. Caso necessário, deve-se seguir uma orientação nutricional adequada e
adotar a prática de atividade física para redução dos níveis glicêmicos. Em casos graves, associa-se o
uso de insulinoterapia. É frequente o desenvolvimento de DM2 após o parto. Nessa situação, ele pode
ser prevenido com alimentação balanceada e prática de atividades físicas.

Diabetes mellitus tipo LADA

Pacientes que começam com sintomas de diabetes na idade adulta podem ser erroneamente
caracterizados como DM2 ou diabetes MODY. Contudo, é um diabetes mellitus tipo 1 tardio,
principalmente se houver fatores de risco como histórico familiar ou obesidade. Hiperglicemia
com insulina insuficiente, em vez de resistência à insulina, a detecção de um peptídeo C baixo e de
anticorpos contra as ilhotas de Langerhans são importantes para o diagnóstico. Seu tratamento é
realizado com os antidiabéticos orais, podendo ser usada insulina.

Se comparar com o DM1 juvenil, pode-se dizer que os sintomas de LADA se desenvolvem muito
mais lentamente durante um período de pelo menos seis meses e se inicia com um episódio brusco
de cetoacidose diabética. Enquanto os pacientes com DM2 costumam ter sobrepeso, a maioria dos
tipo LADA têm IMC normal ou abaixo do normal. É comum perder muitos quilos um ano antes do
diagnóstico, pela redução na produção de insulina, essencial para a captação de açúcar.

Saiba mais

Para mais explicações, leia as referências indicadas a seguir:

GALLAGHER, E. J.; LEROITH, D. Insulin, insulin resistance, obesity, and


cancer. Current Diabetes Reports, v. 10, n. 2, p. 93-100, 2010.

STENSTROM, G. et al. Latent autoimmune diabetes in adults: definition,


prevalence, beta-cell function, and treatment. Diabetes, v. 54, suppl. 2,
p. 68-72, 2005.

Intolerância à glicose em jejum

Em razão das modificações de estilo de vida (que estimulam a obesidade, o sedentarismo e o


consumo de alimentos ricos em calorias e gorduras) e do meio ambiente decorrentes da industrialização,
verificou-se um aumento na incidência de diabetes no mundo.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a intolerância à glicose de jejum (IGJ)
é caracterizada na faixa entre o limite superior de normalidade (> 100 mg/dL) e o limite inferior
de glicemia para o diagnóstico do diabetes (< 126 mg/dL). Para essas pessoas com tal quadro, o

109
Unidade II

diagnóstico pode evitar que o diabetes tipo 2 se estabeleça, apesar de já estar havendo lesões no
sistema circulatório. Essa situação, chamada de pré-diabetes, tem sua importância exacerbada ao
permitir que o indivíduo tome medidas preventivas a fim de evitar a evolução da doença (como dieta
adequada, exercícios físicos e medicamentos).

Resistência à insulina

A resistência à insulina seria a base para a pré diabetes e diabetes tipo 2. A resistência à insulina é
uma situação em que ocorre diminuição da resposta das células especialmente musculares e adiposas
à insulina. Como necessitam de glicose para várias reações inclusive síntese de energia, o organismo
faz com que o pâncreas compense este problema e produzindo bem mais hormônio, resultando em
excesso de insulina no sangue que por sua vez, estimula as células, provocando desequilíbrio no
pâncreas que entra em estresse metabólico.

A hiperinsulinemia e a resistência à insulina podem provocar aumento nos níveis de triglicerídeos


e de colesterol LDL, além da diminuição dos níveis de colesterol HDL, aumentando também o risco
de trombose, alterações inflamatórias, retenção de sódio e hipertensão arterial. A resistência à
insulina leva à síndrome metabólica, que tem como algumas características obesidade, sedentarismo
e alterações dos níveis de lipídios sanguíneos, levando a aterosclerose, doenças cardiovasculares e
acidentes vasculares cerebrais, além de dificuldade no uso da glicose pelas células. Quando uma
pessoa apresenta essa condição, torna-se imprescindível uma alteração de estilo de vida, pois, do
contrário, há a possibilidade de ter afetado seu tempo de vida em razão de doenças futuras.

Entre os exames laboratoriais ligados à hiperglicemia/hipoglicemia na investigação clínica desses


quadros, podemos citar: glicemia de jejum; hemoglobina glicada (HbA1c); perfil lipídico e nível de
insulina em jejum.

Observação

Alimentos ricos em carboidratos simples são considerados os alimentos


mais doces (açúcar refinado, pão francês, mel, geleia de frutas, melancia,
arroz branco, macarrão, pipoca e refrigerante). Sua denominação está
relacionada ao fato de não demandarem muito tempo para serem
digeridos pelo organismo, sendo rapidamente absorvidos. Por isso, pelo
fato de o açúcar cair rapidamente na circulação sanguínea, apresentam
alto ou moderado índice glicêmico, devendo ser evitados por diabéticos
e deseja emagrecer.

Na imagem a seguir, pode-se observar a curva A, de um alimento simples, e a curva B, de um


alimento complexo.

110
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Alimento A

Glicemia
Alimento B

1 2
Horas após a ingestão do alimento

Figura 49 – Curvas de glicemia dos alimentos A e B após 2 horas da ingestão

Disponivel em: https://bit.ly/3wVvueX. Acesso em: 28 jul. 2021.

Os exames laboratoriais descritos anteriormente são os mais importantes para a verificação do


mau funcionamento do pâncreas endócrino, mas não podemos deixar de comentar a relevância de
outros, como insulinemia e peptídeo C.

• Glicemia de jejum no plasma

A glicemia basal (ou de jejum), quando medida no sangue capilar, poderá ser de 5% a 20% a mais
do que no soro ou plasma, portanto, servirá apenas de alerta/controle grosso, podendo não ser real.
Antigamente o método clássico de dosagem da glicemia era o que usava ortotoluidina como reativo,
mas, pela sua toxicidade, tal teste foi retirado de circulação, usando-se atualmente o método da
glicose-oxidase e peroxidade (GOD/POD), de extrema precisão e praticidade, com base em reagentes
pouco tóxicos e cujo padrão de referência encontra-se entre os valores de 70 mg/dL a 99 mg/dL.

Na dosagem de glicose para diagnóstico de diabetes, seria interessante um jejum mínimo de 8 horas,
mas, caso haja empecilhos, pode-se fazer o exame com menos tempo de jejum. Como alguns
laboratórios pedem 12 horas para o perfil lipídico, podemos deixar todos os exames para 8 horas.
Destaca-se que não é uma situação normal, pois as células já começarão a ser privadas de glicose.

Pode-se analisar o estado do paciente podem-se fazer três testes que refletem seu real estado, uma
vez que algumas pessoas, dias antes dos exames, modificam seu comportamento e sua dieta. São eles:

- glicemia de jejum: avaliação imediata;

- frutosamina: controle a médio prazo;

- hemoglobina glicada (glicosilada): controle a longo prazo.


111
Unidade II

Para fazer qualquer exame de laboratório, nunca deixe de se alimentar por mais de 14 horas.
Isso porque, num jejum superior a tal intervalo de tempo, as células irão acionar outras vias a fim de
suprir as necessidades energéticas. Além disso, recentemente provou-se que, em jejum ou em estado
alimentado, não há, por exemplo, tanta interferência na avaliação do risco cardiovascular (medidas
do LDL-C e triglicerídeos). Adicionemos a isso o fato de que, se analisarmos friamente, passamos a
maior parte do tempo no estado alimentado, portanto esse estado reflete melhor as condições reais
do organismo.

• Glicemia pós-prandial de 2h

Glicemias entre 100 mg/dL e 126 mg/dL já classificam o paciente com glicemia de jejum alterada,
isto é, pré-diabetes. Para analisar melhor a situação, pode-se pedir o exame de glicose pós-prandial
de 2 horas, pois, como cada pessoa ingere quantidades diferentes de alimento, o exame pode dar
resultado falho; para sanar esse problema, o paciente tem seu sangue colhido a fim de avaliar a
glicemia de jejum, ingerindo-se uma quantidade fixa de glicose (75 g) no laboratório. Ao final de
2 horas, outra amostra de sangue é coletada para determinação da glicemia, avaliando-se também
a secreção de insulina após uma carga de glicose. A glicemia pós-prandial normal é aquela que, após
2 horas, se encontra abaixo dos 140 mg/dL.

Já os valores entre 140 mg/dL e 199 mg/dL indicam intolerância à glicose ou resistência à ação da
insulina, mostrando que o organismo não está se adaptando à elevação da glicose após as refeições.
É também considerado um estágio de pré-diabetes, mesmo que a glicemia em jejum esteja abaixo
de 100 mg/dL.

Observação

Após os 40 anos, há um aumento de cerca de 10 mg/dL a cada


dez anos vividos.

Para detectar a diabetes gestacional (entre as 24 e 37 semanas de gestação), faz-se o teste


O’Sullivan, em que a gestante, no laboratório, ingere 50 mg de glicose, analisando-se, após 1 hora,
uma amostra de sangue. Caso a dosagem seja igual ou maior que 140 mg/mL, é necessário fazer o
teste de tolerância oral à glicose (teste TTG).

• Resposta da glicose pós-prandial 2 horas e 4 horas

Com as coletas de 2 horas e 4 horas em mãos, compõe-se uma curva, avaliando sua área inferior,
chamada de incremento positivo na área sob a curva (iAUC 0 –2 h e iAUC 0 –4 h), no basal e depois de
seis e 12 semanas de suplementação – iAUC (incremental area under curve) analisado por estatística
ANOVA (analysis of variance).

112
BIOQUÍMICA CLÍNICA

• HbA1c (hemoglobina glicada)

As hemácias possuem uma estrutura simples: não apresentam núcleo e não são capazes de
se dividir. A hemoglobina possui átomos de ferro que têm como função transportar oxigênio dos
pulmões para os tecidos e gás carbônico das células para os pulmões. O tempo de vida das hemácias é
de 90 a 120 dias e sua quantidade normal, por mm3 de sangue, é de 4.500.000 a 5.500.000 no homem
e de 3.500.000 a 5.000.000 na mulher.

As células precursoras da hemácia contêm quatro genes alfa (α), dois genes beta (β), dois genes
delta (δ), quatro genes gama (γ), dois genes zeta (ς) e dois genes epsilon (ε). Já podemos encontrar
hemoglobina Hb A1 (α2 β2) em fetos de nove semanas de gestação. A Hb A2 (α2 δ2) aparece por
volta da 30ª semana de gestação e mantém-se até a vida adulta, já a hemoglobina fetal Hb F (α2 γ2)
compõe 90 a 95% do total das hemoglobinas do feto entre a 34ª e 36ª semana de gestação. No
adulto, essas concentrações são de 95% a 98% de Hb A1, de 2% a 4% de Hb A2 e de 0 a 2% de Hb F.

Quando o nível de glicose está muito alto no sangue, ela é adicionada, por meio de uma reação
lenta, estável e enzimática, ao aminoácido valina N-terminal da cadeia beta da hemoglobina A (A1c).
Como a hemácia tem um ciclo de vida que de cerca de 120 dias, a glicose permanece de tal forma
por todo esse tempo.

Ao fazer a análise da subfração HbA1c pode-se compreender como estava a glicemia do paciente
nas 8 a 10 semanas anteriores ao dia do teste, enquanto a glicose sanguínea (glicemia) reflete apenas
as 24 horas prévias. É importante destacar que pode ocorrer também a glicação em outros pontos da
cadeia beta e/ou na cadeia alfa, chamada de Hb A0 glicada.

Para termos o resultados desse exame, é necessário fazer o seguinte cálculo:

% A1c = A1c (g/dL)/ Hb(g/dL) x 100

A quantidade de HbA1c deve ser analisada conforme apontado a seguir:

Tabela 4 – HbA1c e variação da glicemia média

5% – 97 (76-120)
6% – 126 (100-152)
7% – 154 (123-185)
HbA1c – Glicemia 8% – 183 (147-217)
média (variação) 9% – 212 (170-249)
10% – 240 (193-282)
11% – 269 (217-314)
12% – 298 (240-347)

Fonte: Minuto Saudável (2021).

113
Unidade II

Os valores de referência são de 5% a 8% da HbA total em pacientes normais, variando entre


8% e 30% no caso de pacientes com diabetes (dependendo do grau de controle de glicemia). Por isso,
os diabéticos devem manter esses níveis abaixo de 7%.

Observação

Deve-se ter cuidado com a análise dessa prova laboratorial, pois, se


o paciente for portador de hemoglobinopatia ou anemia, os resultados
podem ser normais, ainda que haja problemas a serem tratados.

A análise da hemoglobina glicada (antigamente chamada de glicosilada) também pode ser


realizada por eletroforese, colorimetria ou cromatografia em coluna ou cromatografia líquida de alta
pressão (HPLC).

• Teste de tolerância oral da glicose (TTGO)

Nesse teste, o paciente tem seu sangue colhido em jejum (mínimo de 8 horas) no laboratório,
posteriormente recebe uma dose de 75 g de glicose via oral, tendo seu sangue colhido, para glicemia
e insulinemia, nos tempos 0, 30, 45, 60, 90, 120 e 180 minutos (os valores considerados normais são
cerca de 180 mg/dL para uma hora, 155 mg/dL para 2 horas e 140 mg/dL para 3 horas). Caso seja
constatado um pico com valores de 2 horas superiores a 200 mg/dL, deve-se desconfiar de diabetes.
Deve-se esclarecer que esse exame não é indicado quando existirem distúrbios da absorção intestinal
ou em pacientes gastrectomizados e que fatores como tempo de jejum, idade, peso e estresse devem
ser analisados.

200
Níveis de glicose no

180
sangue (mg %)

160
140 Diabetes
120
100 Normal
80
60 Hiperinsulinismo
40
Horas
0 1 2 3 4 5

Figura 50 – Curva de glicemia após a ingestão de glicose. No indivíduo normal, o nível de glicose
no sangue sofre um aumento e depois volta ao normal; no diabético, no qual não ocorre aumento
da secreção de insulina após ingestão de glicose, a glicemia baixa muito vagarosamente
(após 3 ou 4 horas da ingestão de glicose)

Disponível em: https://bit.ly/3xPFJBo. Acesso em: 23 jun. 2021.

114
BIOQUÍMICA CLÍNICA

• Glicosúria

A eliminação de glicose na urina ocorre quando a glicemia está superior a 160 mg/dL-180 mg/dL
(alguns autores falam em 180 mg/dL-200 mg/dL), pois, nesse contexto, os rins não conseguem reabsorver
a glicose que passou pelo túbulo contorcido proximal, sendo, então, liberada.

Devemos prestar atenção quanto à dosagem de glicose na urina, pois a ingestão de fluidos afeta
suas concentrações na urina; assim, o resultado não reflete a glicose sanguínea no exato momento do
teste, mas durante o tempo em que a urina foi acumulada na bexiga. E, quando os rins não conseguem
mais desempenhar sua função, pode-se desenvolver microalbuminúria, que está relacionada com um
dano renal leve.

• Frutosaminas

Nome genérico dado a todas as proteínas sanguíneas glicadas, entre as quais a albumina, a que
está presente em maior quantidade no sangue. O mecanismo de formação da ligação da glicose
com a proteína, que gera a frutosamina, é semelhante ao da hemoglobina glicada e sua importância
diagnóstica consiste em revelar como estava a glicemia cerca de uma a três semanas antes do exame.

• Insulina plasmática de jejum

Método simples realizado no soro através de métodos radioimunológicos ou imunoenzimáticas.


Apesar de ser criticado por não refletir a ação da insulina em tecidos insulino-dependentes, como
o músculo, mostra a sensibilidade hepática à insulina e, em diabéticos, se reduzida, pode indicar
falência na função da célula beta pancreática. Por tudo isso, é um método considerado padrão ouro
para avaliação da resistência à insulina (RI).

Fazendo uma análise Homa (homeostasis model assessment), consegue-se predizer a sensibilidade
à insulina. Isso com base na medida da glicemia e da insulina de jejum, de acordo com a equação
descrita a seguir:

Homa-IR = glicemia (mMol) × insulina (μU/mL) ÷ 22,5

O Homa propõe-se a estimar a sensibilidade à insulina para o corpo total, assumindo que a RI seria
a mesma no fígado e nos tecidos periféricos.

• Dosagem de peptídeo C

A dosagem radioimunológica (ou Elisa), com o auxílio de antissoro, não gera reação cruzada com
a insulina, podendo-se dosá-la no soro sanguíneo e na urina. Essa dosagem reflete a quantidade de
insulina que o pâncreas produz, pois faz parte da molécula produzida pelos ribossomos das ilhotas.
Quando a molécula é clivada, libera o peptídeo C no sangue (então, teremos uma molécula de
insulina para uma molécula de peptídeo C, ou seja, equimolar, espelhando a insulina que o próprio
pâncreas produz).
115
Unidade II

Tal determinação é útil para a diferenciação do diabetes, pois na diabetes tipo 1 a reserva de
insulina vai acabando, da mesma forma no diabetes tipo LADA (com menor velocidade), enquanto no
diabetes tipo 2 a reserva insulínica dura mais tempo e os níveis de peptídeo C estão mais elevados
que no diabetes tipo 1.

A dosagem de peptídeo C é preconizada para avaliar a reserva insulínica de três a cinco anos após
o diagnóstico. Vale acrescentar que pode ser dosado no basal (sem estímulo).

No caso de hipoglicemia, esse exame também é muito útil, pois ocorre alta secreção de insulina e
peptídeo C, mostrando-se desproporcional em relação à glicemia, além de se poder observar também a
hipoglicemia reativa (quando as dosagens de insulina e de peptídeo C estão elevadas no pós-refeição).

Observação

Síndrome metabólica é um conjunto de fatores que ocorrem em pacientes


com resistência à ação da insulina. Caso apresente três ou mais sintomas,
tem-se confirmada a síndrome: gordura abdominal (no caso de homens,
cintura com mais de 102 cm, no de mulheres, maior que 88 cm), baixo nível
de HDL (menor que 40 mg/dL para homens e menor que 50 mg/dL para
mulheres), taxa de triglicerídeos elevada (com um valor igual ou superior a
150 mg/dL), pressão sanguínea alta (valor igual ou superior a 135/85 mmHg
ou se estiver tomando medicamento para reduzir a pressão), glicose elevada
(110 mg/dL ou superior). Por fim, se somarmos ausência de atividade física,
aumentamos as chances de desenvolver doenças cardíacas, acidente vascular
cerebral e diabetes.

5.7 Medicamentos que influenciam no funcionamento pancreático

Manutenção do peso ideal, diminuição do tabagismo, consumo de açúcar e carboidratos com


moderação são passos importantes para a proteção do pâncreas.

Medicamentos e alguns alimentos podem influenciar negativamente o pâncreas e devem ser


evitados, por exemplo: alimentos gordurosos como manteiga, carnes gordurosas, leite integral,
alimentos com farinha branca. Obviamente, a ingestão de bebida alcoólica em excesso deve
ser evitada.

116
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Saiba mais

Toxinas, como as encontradas em veneno de escorpião, inseticidas


à base de organofosfatos e fármacos como azatioprina, didanosina,
sulfonamidas, ácido valproico, diuréticos tiazídicos, aminossalicilatos, além
de infecções virais (caxumba, rubéola, vírus Coxsackie B, citomegalovírus,
HIV), por bactérias (Klebsiella, Escherichia coli), por fungos (Candida) e por
parasitas (Ascaris) podem levar a problemas no pâncreas também. Para
saber mais, acesse:

CHAUHAN, S.; FORSMARK, C. E. Doenças do pâncreas. MedicinaNET, 2009.

6 PERFIL BIOQUÍMICO LIPÍDICO, CARDÍACO E DE TRANSTORNOS MUSCULARES

As doenças cardíacas e coronarianas afetam cerca de 26 milhões de pessoas no mundo inteiro.


Considerado um problema de saúde pública pela sua elevada morbidade e mortalidade, o diagnóstico
inequívoco das doenças do coração é de suma importância para o planejamento de condutas
terapêuticas, preventivas e preditivas na saúde coletiva. No laboratório de análises bioquímicas, a
avaliação de marcadores de injúria cardíaca é rotineiramente realizada, principalmente em unidades
de pronto atendimento de urgência e em serviços referenciados de atendimento cardiológico.

Entre os marcadores examinados em um serviço de laboratório clínico, destacam-se as


creatinofosfoquinases (CPK) total e a sua fração cardíaca (MB), as troponinas (I e T), a AST, a
desidrogenase lática (LDH), o BNP e o N-proBNP. A investigação das alterações dos níveis desses
marcadores cardíacos possibilita a confirmação ou exclusão diagnóstica de doenças como o infarto
agudo do miocárdio, as anginas e as coronariopatias.

A seguir, apresentaremos os aspectos clínicos dessas enfermidades, os marcadores bioquímicos


correlatos e os aspectos técnicos diagnósticos relacionados ao laboratório de análises clínicas.

6.1 O infarto agudo do miocárdio (IAM)

É uma das principais causas de mortalidade e morbidade em todo o mundo. Cerca de 10% dos
pacientes admitidos em serviços de urgência no mundo todo, com os sinais e sintomas característicos
do IAM, são diagnosticados com infarto.

O IAM é uma condição que ocorre, primordialmente, por um quadro obstrutivo isquêmico no
coração ou por doença vaso-oclusiva das artérias coronárias. De etiologia aterosclerótica ou
trombótica, a obstrução vascular acaba por restringir a irrigação sanguínea no coração.

117
Unidade II

Considerado uma síndrome coronariana aguda (SCA), o IAM é rotineiramente diagnosticado


com o exame clínico, métodos gráficos (como o eletrocardiograma – ECG), exames de imagem e
de laboratório clínico, com as dosagens das enzimas cardíacas. Clinicamente, o paciente com IAM
apresenta rotineiramente dor torácica pré-cordial, com irradiação para o membro superior esquerdo,
rigidez de mandíbula, náusea e vômitos. Devido à sobreposição de fenótipos, testes complementares
são solicitados para a conclusão diagnóstica.

Um dos primeiros testes realizados é o ECG. Em razão de sua baixa sensibilidade, as Sociedade
Europeia de Cardiologia e o American College of Cardiology definiram as seguintes condições,
apresentadas na figura a seguir, como critérios diagnósticos.

Aumento
ou diminuição
característica dos
marcadores cardíacos
CK-MB e, de preferência,
Troponinas (cTnl
ou cTnT)

IAM

ECG com ondas que


indicam um
diagnóstico de IAM

Figura 51 – Algoritmo de diagnóstico básico para o diagnóstico do IAM

O processo isquêmico provoca a deterioração da função ventricular e a necrose miocárdica.


Nesse cenário, outros marcadores laboratoriais bioquímicos (como as enzimas ALT, AST, LDH, CKs e
troponinas) são utilizados como indicadores por anos no diagnóstico de IAM.

A busca por biomarcadores mais sensíveis, específicos, precoces, diagnósticos, prognósticos e de


mensuração de gravidade para as injúrias cardíacas é uma constante pelas sociedades científicas.
Antigamente, o IAM era diagnosticado por meio das dosagens de AST e LDH, no entanto, essas
enzimas não têm as características de marcadores cardíacos ideais, portanto, hoje são utilizadas
como coadjuvantes diagnósticos, fornecendo parâmetros para o IAM quando somadas ao quadro
clínico do paciente. Já as dosagens das cretinofosfoquinases (total e fração MB) são valiosos
marcadores para o IAM.

118
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Aspartato aminotransferase (AST)

Foi o primeiro biomarcador utilizado para o diagnóstico do IAM, fato ocorrido em 1954 por
John Ladue e seus colaboradores. Essa enzima é liberada para a circulação sanguínea quando os
cardiomiócitos sofrem necrose. Entretanto, devido à sua inespecificidade, a AST é atualmente
mensurada em conjunto com outras enzimas cardíacas.

Desidrogenase lática (LDH)

Trata-se de uma enzima inespecífica, expressa e produzida em muitos órgãos, incluindo músculo
esquelético, rim, fígado, coração, pulmão e eritrócitos. Apresenta cinco isoenzimas, destacando-se
a presença da LDH1 (também inespecífica) no coração. A LDH1 se eleva entre seis e 12 horas após
o início dos sintomas clínicos do paciente com IAM, com pico elevatório entre um e três dias, com
retorno aos valores normais dentro de oito a14 dias.

Uma proporção de LDH1: LDH2 > 1, relatada como índice específico para IAM, atualmente não é
mais usada na rotina diagnóstica. Hoje o único uso de LDH é para distinguir as fases aguda de IAM da
fase subaguda em pacientes que chegam ao hospital no estágio avançado da doença, com dosagem
de troponinas positivas e valores de CK e CK-MB normais.

Creatinofosfoquinase (CK) e fração MB (CK-MB)

A CK é uma enzima que catalisa a transformação reversível de creatina e ATP em fosfato de


creatina e ADP. A atividade de CK foi considerada o melhor preditor de lesão do músculo cardíaco
por vinte anos.

A CK é produzida nas mitocôndrias e no citoplasma celular. A enzima dimérica, que consiste em


duas subunidades, M e B, constituirá três isoenzimas: CK-BB, CK-MB e CK-MM. A fração CK-MM é
a sua forma prevalente, estando presente em todos os tecidos, a CK-BB está presente no cérebro,
nos rins e no trato gastrointestinal, já a fração MB pode ser encontrada no coração, no músculo
esquelético, no intestino delgado, no diafragma, no útero, na língua e na próstata. Vale ressaltar que
cerca de 20% da CK, no miocárdio, está na forma MB, o que fornece a sensibilidade e especificidade
no diagnóstico de IAM.

Em pacientes infartados, a CK-MB atinge o pico elevatório em 24 horas, começando a aumentar


de 4 a 9 horas após a lesão miocárdica e posteriormente diminuindo para a faixa normal entre
48 e 72 horas depois. Os níveis totais de CK e CK-MB estão relacionados com a extensão da lesão
e são importantes preditores do prognóstico. A dosagem da CK-MB tem 91% de sensibilidade e
especificidade no diagnóstico de IAM durante as primeiras 6 horas do infarto e o valor preditivo
negativo durante as primeiras 6 horas é de 97%.

Para auxiliar no diagnóstico mais preciso do IAM, a relação entre CK-MB e CK total também pode
ser avaliado. A determinação deste índice ((CK-MB/CK) x 100), com resultado igual ou superior a
2,5%, sugere-se que a elevação da CK-MB tenha origem miocárdica.
119
Unidade II

Para obter um diagnóstico mais preciso do IAM, a relação entre CK-MB e CK total também pode
ser avaliada. Se a determinação desse índice, ou seja (CK-MB/CK) x 100, resultar em um valor igual
ou superior a 2,5%, sugere-se que a elevação da CK-MB tenha origem miocárdica. Outras condições
a serem levadas em consideração ao usar CK-MB para o diagnóstico de IAM são as relações entre CK
e CK-MB, a presença de macromoléculas CK e alterações decorrentes de hipotireoidismo. Assim, a
relação clínico-laboratorial é ditatória para a conclusão diagnóstica.

Somada às enzimas cardíacas, atualmente utilizamos principalmente as proteínas denominadas


troponinas (TnC, TnI e TnT) no diagnóstico de IAM. Existem muitas proteínas liberadas na circulação pelo
sistema cardíaco durante o IAM, como a mioglobina, o BNP, a TnC (ligação a cálcio), TnI (bloqueando
a interação actina-miosina) e TnT (ligado à tropomiosina), no entanto, a maioria é inadequada para
o diagnóstico de IAM.

Mioglobina

A mioglobina é uma proteína ligadora de ferro e oxigênio abundantemente presente no coração e


no músculo esquelético. Consistindo em uma proteína exclusivamente muscular, pode ser encontrada
em valores elevados em qualquer injúria na musculatura.

Com extrema sensibilidade, a mioglobina é um dos primeiros marcadores a se elevar no IAM


(em cerca de 30 minutos a uma hora do IAM). A mioglobina é rapidamente liberada pelo miocárdio
durante a lesão e a necrose, sendo também rapidamente metabolizada e excretada pelos rins (em
cerca de 24 horas). Assim, a mioglobina é considerada um excelente biomarcador para a detecção
precoce do IAM.

Troponinas

As troponinas são proteínas do sistema esquelético cardíaco subdivididas em três unidades:


a troponina I, a troponina T e a troponina C. Com função na atividade muscular relacionada à
concentração de cálcio intracelular (processo de contração e relaxamento muscular cardíaco), as
troponinas são frequentemente quantificadas na medicina diagnóstica para a investigação de infarto
agudo do miocárdio e de necrose celular (cardiomiócitos), principalmente as isoformas I e T.

Atualmente, as quantificações e a dosagem das troponinas I e T são consideradas padrão ouro para
o diagnóstico do IAM em razão de sua elevada especificidade e sensibilidade. Essas proteínas cardíacas
são sintetizadas e liberadas do músculo cardíaco quando lesionado ou necrosado, interagindo com a
tropomiosina para formar a estrutura principal do estriado músculo cardíaco.

As troponinas cardíacas atuam no miocárdio, na contração via regulação cálcio-dependente de


actina e miosina. A TnC não tem especificidade cardíaca, porque é o mesmo que a isoforma da
troponina encontrada no músculo liso. Já a TnT e a TnI são completamente diferentes das troponinas
do músculo esquelético, sendo inclusive codificadas por genes diferentes.

120
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Uma pessoa saudável tem baixos níveis de TnC no soro. Quando um indivíduo sofre uma injúria
cardíaca, seus níveis se elevam em um período muito curto de tempo (cerca de 2 a 4 horas após o
dano miocárdico), atingindo-se o pico elevatório em 24 horas. Os níveis das troponinas cardíacas
permanecem elevados por aproximadamente duas a três semanas.

Com o desenvolvimento metodológico, hoje dispomos de equipamentos automatizados e


modernos que quantificam níveis muito baixos de troponina, destacando-se o Singulex Clarity
(hs-TnI: 0,08 ng/L), o Architec da Abbott (hs-TnI: 2 ng/L) e o Elecsys da Roche (hs-TnT: 5 ng/L). Esses
valores indicam a alta sensibilidade desses equipamentos, sobretudo o primeiro, para a detecção dos
menores valores dessa proteína na circulação sanguínea.

BNP e NT-proBNP

O BNP (brain natriuretic peptide) e o NT-proBNP (N-terminal proBNP) são marcadores bioquímicos
com importância diagnóstica para IAM e disfunções cardíacas. A família de marcadores NP inclui o
ANP (atrial natriuretic peptide), mais sintetizado e secretado nos miócitos dos átrios, o BNP e o CNO
(C-type natriuretic peptide). O marcador BNP, curiosamente, foi denominado nos primeiros estudos
como uma proteína do sistema nervoso central, isso porque, em 1988, esse marcador foi detectado
em cérebro de porcos. Com o avanço científico, a literatura mostrou que o BNP tem sua produção e
secreção centralizadas principalmente em cardiomiócitos do ventrículo esquerdo, como uma resposta
a lesões nas fibras cardíacas e ao aumento da pressão e do volume no ventrículo.

O BNP humano é fabricado a partir do gene BNP, localizado no cromossomo 1. Composta de


32 aminoácidos, essa proteína está localizada no tecido miocárdico normal. Em resposta a condições
de doença, o gene BNP sintetiza um RNA mensageiro instável que produz um precursor BNP
denominado pré-proBNP, o qual é biotransformado em outro marcador, o proBNP, que, em seguida,
é dividido pelas convertases proNP (corina ou furina) em um NT-proBNP de 76 aminoácidos inativo e
um BNP de 32 aminoácidos ativo. Tanto o BNP biologicamente ativo quanto o NT-proBNP podem ser
encontrados no plasma.

O BNP é uma proteína com atividade antagonista ao sistema renina-angiotensina-aldosterona


e ao sistema nervoso simpático, melhorando a taxa de filtração glomerular, com efeitos diuréticos,
natriuréticos e vasodilatadores. Esse marcador é muito utilizado para o diagnóstico e prognóstico das
insuficiências cardíacas (ICs).

As ICs acometem cerca de 1,5% da população adulta mundial. A testagem dos marcadores BNP e
NT-proBNP é recomendada por diversas sociedades de cardiologia internacionais. Vale pontuar que,
em pacientes com IC aguda, os níveis séricos de BNP e NT-proBNP se mostrarão acima de 100 pg/mL
e 300 pg/mL, respectivamente.

Clinicamente relevantes, esses marcadores acabam ditando a conduta e a terapêutica. Os níveis


de BNP auxiliam o corpo clínico a distinguir a causa de dispneia em razão de IC ou por outras causas.
Se o nível de BNP for inferior a 100 pg/mL, as ICs são relativamente descartadas. Entretanto, se o BNP
estiver superior a 500 pg/mL, as ICs ou disfunções cardíacas são fortemente consideradas.
121
Unidade II

Com base no International Collaborative of NT-proBNP (ICON), o diagnóstico das ICs baseado
na dosagem de NT-proBNP segue um escalonamento de cut-offs dependente da idade do paciente.
Dividido em três faixas etárias, os valores superiores ao cut-off são fortes indicativos de ICs. A seguir
temos uma tabela com os valores de NT-proBNP para o diagnóstico das ICs.

Tabela 5 – Relação entre a dosagem dos marcadores


NT-proBNP e a faixa etária do paciente

Valores da dosagem de NT-proBNP


Faixa etária em insuficiências cardíacas
< 50 anos > 450 pg/mL
50 - 75 anos > 900 pg/mL
> 75 anos > 1800 pg/mL

Assim, a doença cardíaca isquêmica aguda está associada a uma elevação dos níveis de BNP, o que
pode refletir a gravidade da disfunção do ventrículo esquerdo. Em pacientes com doença cardíaca
coronária estável, tanto o BNP quanto o NT-proBNP são fortes preditores de eventos cardiovasculares
adversos. BNP e NT-proBNP devem ser avaliados juntamente com marcadores de lesão miocárdica,
troponina T, mioglobina e creatinofosfoquinase-fração MB (CK-MB) em pacientes com infarto agudo
do miocárdio.

O NT-proBNP pode permanecer elevado por cerca de 12 semanas, sendo um bom marcador
diagnóstico e indicador da extensão do IAM. Além disso, esses dois marcadores também são
relacionados com as arritmias e cardiomiopatias.

Lembrete

O diagnóstico do IAM é realizado com base em exame físico do paciente,


anamnese, exames de imagem, métodos gráficos e testes laboratoriais. As
dosagens bioquímicas são essenciais para, muitas vezes, elucidar algumas
hipóteses diagnósticas elaboradas pelo clínico, servindo como base para
diferenciar a angina instável do infarto agudo do miocárdio.

hFABP

Uma das proteínas biomarcadoras que surge após o dano ao tecido cardíaco é a hFABP. O hFABP
é lançado das células danificadas para o sangue muito rapidamente, e sua meia-vida é de 20 minutos
após a liberação dos rins para a circulação. A hFABP tem como uma de suas funções atuar no
metabolismo de ácidos graxos de cadeia longa e, assim, proteger os cardiomiócitos contra a ação
desses lípidios. Os ácidos graxos de cadeia longa são encontrados em altas concentrações no sangue,
especialmente durante processos isquêmicos.

122
BIOQUÍMICA CLÍNICA

O aumento do hFABP tem início após 3 horas de a dor pré-cordial ter se apresentado, retornando
aos níveis de normalidade de 12 a 24 horas. Portanto, um aumento nos níveis de hFABP no sangue
deve ser avaliado em conjunto com outros marcadores clínicos, bioquímicos e de imagem.

Isoenzima BB da glicogênio fosforilase (GPBB)

A GPBB é uma enzima relacionada ao metabolismo de carboidratos (α-1,4-d-glucano: ortofosfato


d-glucosiltransferase). Presente em altas concentrações no coração e no cérebro humanos, tem como
principal função fornecer energia em situações de crise (hipóxia e hipoglicemia).

No IAM, a GPBB é liberada no período inicial do dano cardíaco, com elevação nas primeiras 4 horas,
alcançando seu pico em até 10 horas e retornando aos níveis basais em até dois dias.

Irisina

Em estudos recentes, a molécula de irisina mostrou desempenhar um papel precoce no diagnóstico


do IAM, no entanto, a molécula de irisina é sintetizada em muitos outros tecidos do sistema, incluindo
coração e tecido muscular esquelético. Por isso, não se pode dizer que a irisina é um marcador
cardíaco padrão ouro para o diagnóstico do IAM.

Interessantemente, em pacientes que sofreram o IAM a irisina apresenta valores baixos, ao


contrário de outros marcadores apresentados anteriormente. Em um futuro, talvez possamos pensar
neste algoritmo para o diagnóstico do IAM:

ECG + CK e CK-MB + TnI + irisina

PAPP-A

A PAPP-A é um marcador muito promissor para o diagnóstico do IAM. A partir de 2 horas do início
da dor pré-cordial, seus níveis já se encontram elevados.

Aldolase

É uma enzima que está envolvida no metabolismo e na glicólise, relacionando-se à produção


de energia. Principalmente localizada nos músculos e no tecido hepático, a aldolase possui três
isoformas: ALDOA, ALDOB e ALDOC.

As aldolases são expressas diferencialmente em tecidos humanos, e variações em seus níveis


séricos estão relacionadas com muitas doenças e quadros clínicos. Por esse motivo, é uma enzima
inespecífica para injúrias cardíacas, sendo necessária a relação clínico-laboratorial.

Os níveis séricos de aldolase são avaliados por métodos enzimáticos, com elevação nas fases
iniciais de distúrbios musculares (sobretudo nas dermatopolimiosites e distrofias musculares), infarto
agudo do miocárdio, cânceres de pâncreas, fígado e próstata, infecções virais e os distúrbios hepáticos.
Já nas fases crônicas das miopatias, os níveis de aldolase podem se encontrar diminuídos.
123
Unidade II

6.2 Vantagens e desvantagens dos testes bioquímicos

Os marcadores bioquímicos são ferramentas de extrema utilidade no diagnóstico do IAM. A AST,


que antigamente era utilizada como enzima diagnóstica, hoje tem aplicabilidade para diagnóstico
diferencial entre a angina pectoris e o IAM, uma vez que pacientes com angina não apresentam
elevação da AST, enquanto no IAM a AST encontra-se elevada.

A CK-MB, quando utilizada no diagnóstico de IAM, deve ser monitorada em intervalos de 4 horas.
A CK-MB deve se apresentar aumentada em 50% do seu limite de referência. Para sua dosagem única,
os níveis de CK-MB devem estar duas vezes acima do nível normal. Quando avaliado após 72 horas, é
importante que CK-MB esteja com valores superiores aos níveis de troponina e LDH.

Em se tratando de diagnóstico precoce, as dosagens de mioglobina, FABP e GPBB são as principais


ferramentas diagnósticas, já as TnT e TnI são marcadores tardios do IAM e o CK-MB é um biomarcador
de IAM nas primeiras 10-12 horas.

A análise das troponinas é muito utilizada para diagnosticar IAM. A TnI é a enzima mais específica
na família das troponinas cardíacas. Eleva-se no sangue até o intervalo de sete a 14 dias após o evento,
com pico aproximadamente entre nove e 12 horas. Essa enzima apresenta 100% de sensibilidade.
Já a TnT não é específica para o coração, elevando-se 24 horas após o início dos sintomas, com
segundo pico no quarto dia. Ressaltamos que em pacientes com insuficiência renal crônica a TnT
pode estar elevada, sem nenhum dano ao miocárdio. Assim, enfatiza-se ainda mais que a TnI é o
melhor biomarcador no diagnóstico do IAM.

A figura a seguir ilustra um gráfico de elevação e o retorno aos índices basais dos principais
marcadores cardíacos relacionados ao IAM.

10
9
8
7 Globina
Grau de elevação

Troponina I
6
5
4
3 CK-MB Troponina T
2
1

0 4 8 12 16 20 24 28 32 36 40 44 48
Tempo após o início do IAM (horas)

Figura 52 – Gráfico com perfil da elevação e diminuição dos níveis das


principais enzimas cardíacas utilizadas no diagnóstico do IAM

Fonte: Harahap e Margata (2018, p. 15).

124
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Concluindo, a utilização de múltiplos biomarcadores cardíacos é recomendada para o diagnóstico


do IAM, pois aumenta a especificidade e sensibilidade no seu diagnóstico.

6.3 Dislipidemias, aterosclerose e o IAM

As dislipidemias são atualmente um problema de saúde pública mundial. Caracterizadas pela


elevação nos níveis de colesterol total, suas frações e os níveis de triglicerídeos, as dislipidemias são
fatores de risco para a aterosclerose e, consequentemente, para as doenças cardiovasculares, IAM
e acidentes vasculares cerebrais isquêmicos. Por isso, de acordo com a literatura médica atual, as
doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em adultos até os 50 anos de idade.

As dislipidemias estão intimamente relacionadas com o estilo de vida das pessoas. Uma dieta
equilibrada e saudável é uma das principais ferramentas para o controle das taxas de colesterol e
triglicerídeos, o que, sem dúvida, auxilia na prevenção das doenças cardiovasculares, entretanto, nem
sempre alterações na rotina de alimentação e atividade física são suficientes para o controle das
dislipidemias. Atualmente, são conhecidos marcadores genéticos (single nucleotide polymorphisms – SNP),
que são responsáveis pela elevação de níveis lipídicos séricos e das lipoproteínas.

O colesterol é o esterol componente das membranas celulares. Importante para a síntese de


hormônios esteroides, ácidos biliares e da vitamina D, ele é produzido pelo fígado e pelo intestino. O
colesterol pode ser obtido via exógena (alimentar) ou endógena (metabolismo). A elevação nos níveis
de colesterol são clinicamente relevantes no acompanhamento das doenças coronarianas.

Dividido em três subunidades de interesse clínico, o colesterol total (CT) é composto pela somatória
das frações de HDL-colesterol (high density lipoproteins ou lipoproteínas de alta densidade),
LDL‑colesterol (low density lipoproteins ou lipoproteínas de baixa densidade) e VLDL-colesterol (very
low density lipoproteins ou lipoproteínas de baixa densidade). A IDL-c (lipoportepina de densidade
intermediária) não é utilizada de rotina nas investigações de dislipidemias em laboratórios bioquímicos.

As frações do colesterol são constituídos por fosfolípides e apolipoproteínas (apo). Atualmente,


reconhecem-se cinco tipos de apolipoproteínas, entretanto, apenas duas possuem interesse clínico: a
apo-A1, principal constituinte da fração HDL-colesterol e a apo-B, que é a formadora das frações de
LDL-colesterol e VLDL-colesterol.

O HDL colesterol é formado, na sua maior parte, pela Apo-A1, entretanto, na sua estrutura
bioquímica ele contém fosfolípides, colesterol e triglicerídeos. Com função de remover da circulação
sanguínea as frações de colesterol não esterificado, o HDL-colesterol desempenha função protetora
contra doenças cardiovasculares.

O LDL-colesterol é basicamente formado por colesterol, proteínas (Apo-B), fosfolípides e


triglicerídeos. Devido à elevada proporção de colesterol na sua constituição (~50%), o LDL-colesterol
é a fração dos colesteróis com maior importância clínica para riscos cardiovasculares.

125
Unidade II

Os processos de peroxidação lipídica, envolvendo o LDL-colesterol, é um dos principais fatores de risco


para aterosclerose. A LDL oxidada é fagocitada pelos macrófagos, os quais formam as foam cells. Essas foam
cells têm capacidade aterogênica, formando as placas de ateroma que, com seu aumento de tamanho e
consequente diminuição do fluxo sanguíneo, acabam por obstruir a passagem de sangue pelo vaso.

A VLDL-colesterol é a fração do colesterol com maior teor de triglicerídeos. No seu processo


funcional, a VLDL acaba por contribuir para a deposição da sua fração triglicerídica como gordura da
composição corporal.

Os triglicerídeos são ésteres de glicerol e ácidos graxos, que constituem cerca de 95% dos lipídios
do tecido adiposo. Considerado a principal reserva energética do organismo, sua síntese é realizada
pelo fígado e pelo intestino e são essenciais para a formação dos quilomícrons e da VLDL. Também
apresenta importância clínica nas coronariopatias.

Por fim, o conjunto da avaliação dos níveis de HDL, LDL e VLDL-colesterol + triglicerídeos
constituem o que denominamos perfil lipídico. O perfil lipídico é dosado por métodos colorimétricos,
com avaliação dos níveis de absorbância e cálculo de concentração baseados em padrões e curvas de
calibração dos equipamentos automatizados.

Entre as moléculas dosadas nos laboratórios bioquímicos, destacamos o CT, HDL-c e TG. A partir
delas, os valores de LDL-c e VLDL-c são calculados de acordo com a equação de Friedewald.
Entretanto, a equação de Friedewald apresenta algumas limitações operacionais, destacando-se a
perda da linearidade para cálculo de VLDL-c em pacientes com dosagem de TG superior a 400 mg/dL,
da mesma forma que valores acima de 100 mg/dL para TG podem subestimar a concentração de LDL-c
na amostra. A seguir, temos a equação de Fredewald:

LDL-c = CT – HDL-c – VLDL-colesterol sendo: VLDL-c = TG / 5

Devido às limitações da equação de Friedewald, a Sociedade Brasileira de Cardiologia publicou as


diretrizes brasileiras de dislipidemias em 2007 (SPOSITO et al., 2007). Nessa edição, foi divulgado um
novo conceito e um novo formato para se estimarem os valores de LDL-c em rotinas laboratoriais.
Esse novo formato leva em consideração os valores de triglicerídeos dosados e os valores de colesterol
não HDL (não HDL-c) na amostra para o cálculo da fração de VLDL-c. Assim, o índice para o cálculo
da fração de VLDL-c nos exames de rotina do perfil lipídico não será sempre 5.

126
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Tabela 6 – Cálculo do fator de divisão para obtenção dos níveis de VLDL-c

Não HDL-c (mg/dL)


Triglicérides
< 100 100-129 130-159 160-189 190-219 > 220
(mg/d)
7-49 3,5 3,4 3,3 3,3 3,2 3,1
50-56 4,0 3,9 3,7 3,6 3,6 3,4
57-61 4,3 4,1 4,0 3,9 3,8 3,6
62-66 4,5 4,3 4,1 4,0 3,9 3,9
67-71 4,7 4,4 4,3 4,2 4,1 3,9
72-75 4,8 4,6 4,4 4,2 4,2 4,1
76-79 4,9 4,6 4,5 4,3 4,3 4,2
80-83 5,0 4,8 4,6 4,4 4,3 4,2
84-87 5,1 4,8 4,6 4,5 4,3 4,3
88-92 5,2 4,9 4,7 4,6 4,4 4,3
93-96 5,3 5,0 4,8 4,7 4,5 4,4
97-100 5,4 5,1 4,8 4,7 4,5 4,3
101-105 5,5 5,2 5,0 4,7 4,6 4,5
106-110 5,6 5,3 5,0 4,8 4,6 4,5
111-115 5,7 5,4 5,1 4,9 4,7 4,5
116-120 5,8 5,5 5,2 5,0 4,8 4,6
121-126 6,0 5,5 5,3 5,0 4,8 4,6
127-132 6,1 5,7 5,3 5,1 4,9 4,7
133-138 6,2 5,8 5,4 5,2 5,0 4,7
139-146 6,3 5,9 5,6 5,3 5,0 4,8
147-154 6,5 6,0 5,7 5,4 5,1 4,8
155-163 6,7 6,2 5,8 5,4 5,2 4,9
164-173 6,8 6,3 5,9 5,5 5,3 5,0
174-185 7,0 6,5 6,0 5,7 5,4 5,1
186-201 7,3 6,7 6,2 5,8 5,5 5,2
202-220 7,6 6,9 6,4 6,0 5,6 5,3
221-24 8,0 7,2 6,6 6,2 5,9 5,4
248-292 8,5 7,6 7,0 6,5 6,1 5,6
293-399 9,5 8,3 7,5 7,0 6,5 5,9
400-13.975 11,9 10,0 8,8 8,1 7,5 6,7
HDL-c: colesterol da lipoproteína de alta densidade

Fonte: Faludi et al. (2017, p. 6).

127
Unidade II

Exemplo de aplicação

Um paciente apresenta os seguintes índices: nível de TG = 98 g/dL, nível de CT = 200 e nível de


HDL-c = 60 mg/dL. Qual o valor do VLDL-c e do LDL-c?

Para obter a resposta, devemos primeiramente calcular o valor do não HDL-c. O não HDL-c é
obtido pela subtração entre o valor de CT e o nível de HDL-c dosado, ou seja:
não HDL-c = 200 – 60

não HDL-c = 140 mg/dL

Acompanhando a tabela anterior, a região de conjunção entre o valor de TG (98 mg/dL) e o de não
HDL-c (140 mg/dL) revela um índice de divisão para o cálculo do VLDL-c de 4,8. Dessa forma:

VLDL-c = TG/4,8

VLDL-c = 98/4,8

VLDL-c = 20,41 mg/dL

Assim, retomando o cálculo do LDL-c:

LDL-c = CT – HDL-c – VLDL-c

LDL-c = 200 – 60 – 20,41

LDL-c = 119,59 mg/dL

Uma vez obtidos os valores das frações do colesterol e dos triglicerídeos, a comparação com
índices de normalidade é essencial. A tabela a seguir traz os valores de referência para adultos jovens,
com mais de 20 anos de idade.

128
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Tabela 7 – Valores de referência para níveis plasmáticos de colesteróis


e triglicerídeos para adultos jovens, com mais de 20 anos de idade

Lípídios Com jejum (mg/dL) Sem jejum (mg/dL) Categoria referencial


Colesterol total ↑ < 190 < 190 Desejável
HDL-c > 40 > 40 Desejável
Triglicérides <150 Desejável


< 175
Categoria de risco
< 130 < 130 Baixo
< 100 < 100 Intermediário
LDL-c
< 70 < 70 Alto
< 50 < 50 Muito alto
< 160 < 160 Baixo
< 130 <130 Intermediário
Não HDL-c
< 100 <100 Alto
< 80 < 80 Muito alto
* Conforme avaliação de risco cardiovascular estimado pelo médico solicitante; ↑ colesterol total > 310 mg/mL há

probabilidade de hipercolesterolemia familiar; quando os níveis de triglicérides estiverem acima de 440 mg/dL
(sem jejum), o médico solicitante faz outra prescrição para a avaliação de triglicérides com jejum de 12 horas e
deve ser considerado um novo exame de triglicérides pelo laboratório clínico.

Fonte: Faludi et al. (2017, p. 8).

Estratégias terapêuticas e de monitoramento de doenças cardiovasculares foram desenvolvidas


ao longo dos anos. Entre essas, destacam-se os índices de Castelli I e II (IC-I e IC-II). O IC é um escore
calculado a partir da razão entre o CT e o HDL-c (IC-I) e a razão entre LDL-c e HDL-c (IC-II). Tais índices
são preditivos para um risco aumentado de problemas coronarianos e vasculares.

A proteína C reativa ultrassensível e o risco cardiovascular

A busca por marcadores bioquímicos para predição do risco cardiovascular revelou muitas
ferramentas diagnósticas confiáveis e de impacto na terapêutica clínica. Entre muitos, destaca-se
a proteína C reativa ultrassensível (PCR-US). Mensurada por imunoquímica, a presença da PCR-US
em níveis superiores a 2 mg/dL em pacientes cardiológicos indica ao clínico (endocrinologista ou
cardiologista) que esse paciente necessita de atenção para o tratamento das dislipidemias.

Como valores de referência, excluindo-se a hipótese diagnóstica de doenças infecciosas,


inflamatórias e imunológicas, diz-se que os pacientes com PCR-US menor que 1 mg/L apresentam
baixo risco, já pacientes com índices de 1 mg/L a 2 mg/L teriam um risco médio, pacientes com
determinações acima de 2 mg/L estariam em risco alto e, por fim, apresentariam um risco altíssimo
aqueles cujo valor de PCR-US fosse maior ou igual a 10 mg/L.

129
Unidade II

Conforme citado anteriormente, não apenas o estilo de vida está relacionado às dislipidemias:
temos também as hipercolesterolemias familiares. Vejamos, então, essas questões de cunho genético
e, por muitas vezes, hereditário.

Homocisteína e homocisteína após sobrecarga de metionina

A homocisteína é um aminoácido sulfurado sintetizado a partir do metabolismo da metionina,


participando em diversas vias metabólicas. Níveis elevados de homocisteína no sangue, denominado
hiper-homocisteinemia, podem ter etiologia genética (relacionada com variantes em genes
importantes nas suas vias de metabolização) ou ambiental (de caráter nutricional – destacando-se as
deficiências de vitaminas B12, B6 e, principalmente, folato, que são cofatores no metabolismo
da homocisteína).

As deficiências nutricionais são altamente prevalentes na população, sendo que os níveis plasmáticos
de homocisteína são inversamente proporcionais aos níveis séricos de folato e vitaminas B6 e B12.

Atualmente, sabemos que o aumento sérico da homocisteína é um fator de risco para o


desenvolvimento de placas de ateroma nos vasos sanguíneos (aterosclerose), resultando em doença
vascular coronariana com enfoque no IAM, acidente vascular cerebral e para trombose venosa.

Os níveis séricos de homocisteína são avaliados por determinação cromatografia líquida de alta
performance (HPLC), sendo possível realizar a sua avaliação após sobrecarga de metionina.

A dosagem da homocisteína após estímulo com sobrecarga de metionina é realizado em dois


momentos: basal – antes da administração da metionina e após 6 horas de sua administração (em
geral, 100 mg/Kg peso). O teste tem a finalidade de verificar casos de homocistinúria, avaliar aspectos
nutricionais relacionados às vitaminas B6, B12, riboflavina e folato e, consequentemente, definir
riscos cardiovasculares.

Hipercolesterolemia familiar (HF)

É uma doença autossômica dominante (DAD) caracterizada pela elevação do CT e do LDL-c.


O defeito mais frequente na HF é uma mutação no gene específico do receptor para LDL plasmático
(LDLR), a qual impacta diretamente em sua estrutura e funcionalidade. Nesse contexto, pacientes
com variantes patogênicas no gene LDLR apresentam elevação nos níveis plasmáticos de LDL-c
devido à diminuição de receptores de membrana para tal lipoproteína. Assim, a internalização da
LDL-c torna‑se prejudicada.

Apesar de grande parte dos pacientes com HF apresentarem mutações no gene LDLR, outras
regiões codificadoras do genoma humano também podem conter variantes de impacto para a HF,
como os genes ApoB e PCSK9. Por se tratar de uma DAD, o paciente com HF necessita apenas de
um alelo alterado para desenvolver a doença. De acordo com a literatura, pacientes heterozigotos
apresentam uma elevação de cerca de duas vezes os valores de referência, mesmo em idade jovem. Já
para os homozigotos mutantes, esses níveis chegam a atingir a casa dos 1.000 mg/dL.
130
BIOQUÍMICA CLÍNICA

As alterações de funcionalidade do receptor da LDL-c são subdivididas em cinco categorias,


conforme mostra o quadro a seguir.

Quadro 4 – Classificação das hipercolesterolemias familiares

Classificação da HF Impacto
Classe I Ausência de receptor ou falha no funcionamento do receptor de LDL-c
Classe II Menor expressão do receptor na membrana celular
Classe III Defeito no sítio de ligação do receptor da LDL-c
Classe IV Falha na internalização celular da LDL-c
Classe V Falha no retorno do receptor da LDL-c para a superfície celular

Os defeitos na ApoB e outras hipercolesterolemias hereditárias

A ApoB, conforme citado anteriormente, é uma proteína importante na produção da LDL-c


e da VLDL-c. Formada pelo gene ApoB, as variantes de impacto nesse gene desencadeiam a
hipercolesterolemia familiar. De maneira menos frequente, as variantes no gene ApoB são mais raras
na população global, com maior predominância no norte da Europa.

A hipercolesterolemia pode se apresentar também de outras formas: disbetalipoproteinemia,


hiperlipidemia familiar combinada, hipercolesterolemia por polimorfismos no gene APOE,
hipercolesterolemia poligênica e outras ainda não identificadas.

Hipercolesterolemia
isolada
*Aumento de LDL-c maior ou
igual a 160 mg/dL

Hipertrigliceridemia Diminuição nos índices de


isolada HDL *Homens: menor que
*TG maior ou igual Dislipidemia 40 mg/dL; mulheres: menor
a 150 mg/dL que 50 mg/dL

Hiperlipidemia mista
*Aumento de LDL-c maior ou
igual a 160 mg/dL; TG maior
ou igual a 150 mg/dL

Figura 53 – Classificação das hiperlipidemias quanto ao produto elevado na circulação sanguínea

131
Unidade II

Classificação das dislipidemias

As dislipidemias podem ser classificadas em dois grandes grupos: as hiperlipidemias e as


hipolipidemias. Vale ressaltar que compreender a categoria de cada uma delas é crucial para a
terapêutica adequada dos pacientes, ou seja, se esta variação dislipidêmica tem fundamentação
genética (primária) ou está relacionada ao estilo de vida (secundária).

Nesse contexto, as dislipidemias/hiperlipidemias foram extratificadas em classes, de acordo com


o marcador que se encontra elevado na amostra do paciente. Assim, temos a sua categorização
conforme ilustrado na próxima tabela (coletas em jejum).

Classificação das dislipidemias de Fredrickson

Atualmente, a classificação de Fredrickson está em desuso devido a sua baixa aplicabilidade clínica
e terapêutica. Entretanto, é interessante conhecê-la, pois tem como pilar de sustentação os níveis
sanguíneos de colesterol e/ou TG, sem pautar sua fundamentação nos níveis de HDL-c.

Baseada na separação eletroforética das frações lipoproteicas, a classificação de Fredrickson é


apresentada na tabela a seguir.

Tabela 8 – Classificação das dislipidemias de acordo


com a categorização de Fredrickson

Aparência do soro após Lipoproteína


Fenótipo Colesterol Triglicérides Aterogenicidade
24 horas em geladeira elevada
Tipo I Camada superior cremosa Quilomícron Normal a ↑ ↑↑↑↑ Não
Tipo IIA Transparente LDL ↑↑ Normal +++
Tipo IIB Turvo LDL e VLDL ↑↑ ↑↑ +++
Tipo III Turvo IDL ↑↑ ↑↑↑ +++
Tipo IV Turvo VLDL Normal a ↑ ↑↑ +
Camada superior cremosa VLDL e ↑↑↑↑
Tipo V Normal a ↑ +
e inferior turva quilomícron
VLDL: lipoproteínas de densidade muito baixa; IDL: lipoproteínas de densidade intermediária.

Fonte: Faludi et al. (2017, p. 15).

Saiba mais
Leia mais sobre a hipercolesterolemia familiar de causas genética
acessando o artigo indicado a seguir
FALUDI, A. A. et al. Atualização da diretriz brasileira de dislipidemias e
prevenção da aterosclerose. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 109, n. 2,
p. 1-76, 2017.

132
BIOQUÍMICA CLÍNICA

6.4 Gasometria

A gasometria é o exame bioquímico utilizado para avaliar principalmente o pH sanguíneo,


verificando a quantidade de fatores ácidos e básicos na sua constituição e consequente equilíbrio do
organismo humano. O pH é a unidade de medida para a determinação da concentração de íons H+ nos
líquidos do organismo, determinando, assim o seu nível de acidificação e alcalinidade.

Os agentes ácidos e básicos do nosso organismo têm origem no metabolismo celular, com a
dissociação de ácidos orgânicos, do metabolismo da glicose, lípideos e proteínas. Já a sua eliminação
acontece principalmente por duas vias: as vias renais e pulmonares. Os ácidos são eliminados tanto
pela via pulmonar (ácido carbônico H2CO3) como pela via renal (ácido lático, cetoácidos, ácidos
alimentares). Por outro lado, as bases têm sua eliminação exclusivamente por via renal, com a liberação
de bicarbonato pela urina.

O controle do pH sanguíneo e dos demais líquidos corporais é fundamental para que o paciente
não evolua com quadros de acidificação (acidose) ou alcalinização (alcalose) desses meios. Como o
controle do equilíbrio ácido-básico do organismo é realizado pelos sistemas pulmonares e renais,
com o distúrbio desse equilíbrio, os pacientes podem evoluir com acidoses ou alcaloses de origem
respiratória e/ou renal.

O termo acidose é utilizado quando o nosso paciente apresenta concentração de H+ elevada,


com consequente redução do pH sanguíneo. Os pacientes com acidose respiratória apresentam esse
quadro devido a distúrbios ventilatórios (pulmonares), que diminuem a eliminação do CO2 pelos
pulmões e, consequentemente, elevam a concentração do ácido carbônico (H2CO3). Já os casos de
acidose metabólica apresentam esse quadro devido a distúrbios metabólicos (renais), que aumentam
a concentração de ácidos fixos, elevando a concentração dos íons H+.

Em contrapartida, a alcalose é definida pela redução da concentração de íons H+, que,


consequentemente, eleva o pH do sangue. Nos casos de alcalose respiratória, os distúrbios pulmonares
promovem a diminuição da concentração de CO2 e, consequentemente, a diminuição da concentração
do H2CO3, alcalinizando o meio em que se encontra. Por fim, a alcalose metabólica ocorre devido ao
aumento da quantidade de bases circulantes pela diminuição da eliminação renal.

O exame de gasometria avalia primordialmente o pH sanguíneo, mas fornece parâmetros gasosos


e metabólicos importantes para a conduta clínica (tabela a seguir). O teste pode ser realizado tanto
em sangue arterial como venoso, e o anticoagulante de escolha para a coleta é a heparina lítica.

Para essas análises, utilizamos seringas de plástico, com heparina liofilizada (minimiza a diluição
e quelação de íons), com proporcionalidade entre o volume de sangue/anticoagulante, para evitar
a formação de microcoágulos. De acordo com o International Federation of Clinical Chemistry and
Laboratory Medicine (IFCC), essa proporção deve ser de 50 UI de heparina lítica balanceada com cálcio
por mL de sangue total colhido. A amostra coletada deve estar isenta de ar, e na seringa não pode ter
espaço entre o êmbolo e a amostra sanguínea. A figura a seguir mostra uma não conformidade na
coleta de amostra de sangue para gasometria, a qual evidencia a presença de espaço com no espaço
ocupado pela amostra (ANDRIOLO et al., 2010).
133
Unidade II

O transporte da amostra de sangue para o teste de gasometria deve ser realizado em temperatura
ambiente.

Figura 54 – Não conformidade na coleta de amostra de sangue para gasometria,


a qual evidencia a presença de espaço no interior do tubo

Tabela 9 – Componentes avaliados no sangue no exame de


gasometria, sua finalidade e os valores de referências em amostras
colhidas de acesso arterial e acesso venoso

Componente do exame Valor de referência Valor de referência


Descrição
de gasometria (sangue arterial)* (sangue venoso)*
Unidade de medida que define o padrão
pH 7.35 a 7.45 7.32 a 7.43
de acidose/alcalose sanguíneo
Marcador respiratório importante que
define o estado de acidose/alcalose
pCO2 respiratória. Apresenta a pressão de CO2 35 a 45 mmHg 38 a 50 mmHg
presente no sangue
Marcador respiratório que contribui para
pO2 verificar a pressão de O2 presente no 83 a 108 mmHg 35 a 40 mmHg
sangue
Marcador respiratório que contribui para
SatO2 avaliar a porcentagem de saturação de 95 a 99% 60 a 75%
oxigênio no sangue
Marcador metabólico vital para definir o
HCO3 estado de acidose/alcalose metabólica 21 a 28 mmol/L 22 a 29 mEq/L

Marcador metabólico que contribui para


BE determinar os níveis de componentes +3 a -3 mmol/L +2 a -2 mmol/L
básicos no sangue
Os valores de referência podem variar, minimamente, dependendo do equipamento e das metodologias utilizadas para
sua determinação.

A regulação ácido-básica no sangue dos indivíduos é fundamental para a manutenção da vida.


Com isso, é necessário a composição de um sistema de tamponamento do pH sanguíneo, composto
primordialmente de um ácido fraco (H2CO3) e sua base conjugada.

134
BIOQUÍMICA CLÍNICA

6.4.1 Distúrbios do equilíbrio ácido-básico

Acidose respiratória

A acidose respiratória é caracterizada pela diminuição do pH sanguíneo devido à elevação da


concentração de CO2 e, consequentemente, devido ao aumento da produção de ácido carbônico. Essa
elevação do CO2 é verificada na gasometria pela pCO2, marcador respiratório importante para constatação
da etiologia da acidificação do sangue.

Como principal causa, a acidose respiratória se instala devido a traumas relacionados ao sistema
nervoso central (SNC), por intoxicações exógenas, lesão medular, obstruções das vias aéreas altas,
pneumonias, derrame pleural, pneumotórax, afogamento, trauma torácico etc.

Sempre que há um distúrbio do equilíbrio ácido-básico do sangue, o organismo tenta de alguma


maneira compensar esse prejuízo, que pode ser fatal. Assim, nas acidoses respiratórias, a via pulmonar
está comprometida e, portanto, a compensação via sistema renal é acionada, com aumento na
retenção de HCO3-.

As manifestações clínicas da acidose respiratória são: cefaleia, alterações visuais, taquicardia e,


em casos mais graves, coma.

O tratamento utilizado para os pacientes com acidose respiratória é a promoção da ventilação


pulmonar adequada.

Acidose metabólica

É caracterizada pela diminuição do pH sanguíneo devido ao aumento da produção de ácidos


não voláteis, ingestão de substâncias ácidas, perdas excessivas de bases do organismo, dificuldade
de eliminação de ácidos fixos pelos rins (diabético), entre outras. Nesse contexto, há diminuição dos
níveis de HCO3- e, consequentemente, elevação de íons H+.

Essa diminuição do tampão bicarbonato é verificada na gasometria pelo HCO3-, marcador


metabólico importante para constatação da etiologia da acidificação do sangue.

Como principal causa, a acidose metabólica se instala devido a choque e hipotensão arterial,
cetoacidose diabética (com elevação de corpos cetônicos – inclusive visualizável no exame de urina
tipo I), intoxicação por ácido acetilssalicílico, na insuficiência renal (com perda de HCO3-), em casos
graves de diarreia, entre outros.

Sempre que há um distúrbio do equilíbrio ácido-básico do sangue, o organismo tenta de alguma


maneira compensar esse prejuízo, que pode ser fatal. Assim, nas acidoses metabólicas, quando a via
renal está comprometida, a compensação via sistema pulmonar é acionada, com eliminação de CO2.
Ainda, temos mecanismos de neutralização dos ácidos pelas bases do sistema tampão e pela via renal,
com retenção de HCO3-.
135
Unidade II

As manifestações clínicas da acidose metabólica são: confusão mental, arritmias, depressão


respiratória e coma.

O tratamento utilizado para os pacientes com acidose metabólica é a administração de bicarbonato


de sódio.

Alcalose respiratória

É caracterizada pelo aumento do pH sanguíneo devido ao aumento da eliminação de CO2 pelos


pulmões e, consequentemente, devido à diminuição da produção de ácido carbônico. Essa diminuição
do CO2 é verificada na gasometria pela pCO2, marcador respiratório importante para constatação da
etiologia da alcalinização do sangue.

Como principal etiologia, a alcalose respiratória se instala devido à hiperventilação pulmonar.


Como agente, destacam-se a hiperventilação mecânica em pacientes submetidos à entubação,
disfunções do sistema nervoso central, as meningoencefalites, quadros de sepse, asma etc.

Sempre que há um distúrbio do equilíbrio ácido-básico do sangue, o organismo tenta de alguma


maneira compensar esse prejuízo, que pode ser fatal. Assim, nas alcaloses respiratórias, a via pulmonar
está comprometida e, portanto, a compensação via sistema renal é acionada, com aumento na
eliminação de HCO3-.

As manifestações clínicas da alcalose respiratória são: excitabilidade, tremores, arritmias, coma,


entre outros.

O tratamento utilizado para os pacientes com alcalose respiratória é a promoção da ventilação


pulmonar adequada.

Alcalose metabólica

É caracterizada pelo aumento do pH sanguíneo devido à diminuição da produção de ácidos, ganho


excessivo de bases (inclusive via renal) e perda de ácidos ou íons H+. Nesse contexto, há aumento dos
níveis de HCO3- e, consequentemente, diminuição de íons H+.

Esse aumento do tampão bicarbonato é verificado na gasometria pelo HCO3-, marcador metabólico
importante para constatação da etiologia da alcalinização do sangue.

Como principal causa, a alcalose metabólica se instala devido a episódios prolongados de vômito,
devido ao uso incontrolado de diuréticos e em casos de pacientes com sonda nasogástrica aberta.
Assim, há perda de agentes acidificantes, o que é essencial para o quadro de alcalose.

Sempre que há um distúrbio do equilíbrio ácido-básico do sangue, o organismo tenta de alguma


maneira compensar esse prejuízo, que pode ser fatal. Assim, nas alcaloses metabólicas, quando a via
renal está comprometida, a compensação via sistema pulmonar é acionada, com retenção de CO2.
136
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Ainda, temos mecanismos de neutralização das bases pelos ácidos do sistema tampão e pela via renal,
com eliminação de HCO3-.

As manifestações clínicas da alcalose metabólica são: confusão mental, náuseas, respiração


superficial e coma.

O tratamento utilizado para os pacientes com alcalose metabólica é a reposição hídrica, moderação
do uso de diuréticos e administração de compostos acidificados.

Observação

Pacientes com alteração do equilíbrio ácido-básico, quando


monitorados diariamente como exame de gasometria, o farmacêutico
consegue verificar a evolução do quadro do paciente, verificar se as
condutas farmacológicas de correção do distúrbio tomadas foram efetivas
e, assim, traçar o perfil de compensação do equilíbrio ácido-básico.

7 PERFIL BIOQUÍMICO DAS ENFERMIDADES ÓSSEAS

7.1 Metabolismo dos íons (cálcio, fósforo e magnésio)

O cálcio e o fósforo são os principais minerais responsáveis pela saúde óssea. A matriz óssea é
formada de uma parte flexível e orgânica, com cerca de 35% da composição do osso apresentando
colágeno tipo 1, e uma parte rígida e inorgânica, cerca de 65%, impregnada por cristais de hidroxiapatita
– Ca10(PO4)6(OH)2 – e substância fundamental amorfa (SFA), nada mais que um gel incolor, hidratado,
composto de proteoglicanas, glicosaminoglicanas (condroitin e queratan sulfato), proteínas envolvidas
na mineralização (osteocalcina), proteínas ligantes de cálcio (osteoconectina, sialoproteína), proteínas
de adesão celular (osteopontina, fibronectina), citocinas, fatores de crescimento, enzimas e água.

Observação

O colágeno contém muitos aminoácidos prolina e lisina que serão


hidroxilados (ou seja, sofrerão a adição de hidroxila) pela ação da vitamina C.
Esses íons -OH irão colaborar para o aumento do número de pontes de
hidrogênio entre as três cadeias polipeptídicas do colágeno.

As células chamadas osteoblastos promovem a síntese das fibras de colágeno e a concentração do


cálcio e do fósforo provenientes do sangue (precipitando-se na forma de cristais de hidroxiapatita).
Os osteoblastos transformam-se em osteócitos que não produzem mais a matriz óssea, mas atuam
na sua manutenção, havendo, após a morte dessas células, a reabsorção da matriz. As células
responsáveis por tal reabsorção, retirando a hidroxiapatita, degradando o colágeno e liberando esses

137
Unidade II

produtos no sangue, são os osteoclastos. Logo após esse processo de absorção, ocorre a remodelação
do tecido ósseo.

Os cristais de hidroxiapatita são compostos de cálcio e fósforo, os chamados minerais principais


ou elementos essenciais (pois, caso haja uma ingestão insuficiente de qualquer um deles, por meio
da dieta, doenças carenciais poderão se desenvolver). Outros exemplos de elementos principais ou
essenciais são magnésio, sódio, potássio, ferro, enxofre e cloro.

Já os elementos traço são aqueles que o corpo humano necessita em quantidades muito pequenas
(por isso, às vezes são chamados de oligoelementos), como é o caso de iodo, cobre, zinco, manganês,
cobalto, molibdênio, cromo, flúor, níquel, vanádio, silício, boro e alumínio.

7.1.1 Metabolismo do cálcio

Podemos dizer que o elemento cálcio é o mineral mais importante para o funcionamento do corpo
humano. Cerca de 1% a 2% do peso corpóreo de um adulto está relacionado a esse íon, presente,
majoritariamente, na forma de ossos e dentes. Mas o cálcio não participa apenas da rigidez dos ossos e
dentes, desempenhando também outras funções como excitabilidade neuromuscular, permeabilidade
da membrana, coagulação sanguínea, sinalizador celular e cofator enzimático.

As necessidades diárias de ingestão de cálcio variam conforme a faixa etária, sendo maior na
infância e adolescência (por causa do crescimento ósseo), na gravidez e na lactação (situações em que
há uma deficiência de cálcio), e na atividade física (quando há absorção de cálcio). A recomendação
para adultos (homens e mulheres) é de 1.000 mg/dia de cálcio, enquanto os adolescentes devem
consumir 1.300 mg/dia. Alguns estudos sugerem que tanto o excesso quanto a falta não fazem bem
à saúde, havendo risco de fraturas com uma ingestão diária abaixo de 800 mg e risco de problemas
digestivos, cálculos renais, arritmias cardíacas e infarto do miocárdio, por deposição de cálcio na
parede das artérias, quando tal ingestão excede os limites adequados.

Leite e derivados são importantes fontes de cálcio, mas a cada dia vemos mais pessoas com
intolerância à lactose, dificultando a ingestão de cálcio por essa via. Nesse caso, outras fontes
possíveis são folhas escuras (como espinafre e acelga), soja, feijão-branco, gergelim, grão-de-bico,
brócolis, linhaça e aveia, entre outros.

A absorção do cálcio se dá no intestino delgado, sendo realizada de forma ativa pela mediação da
vitamina D (chamada de 1,25-dihidroxivitamina D ou 1,25(OH)2D) e a ligação a uma proteína ligadora
de Ca (Ca-Bp), e de forma passiva pela difusão simples ou facilitada com a ajuda do paratormônio
(PTH) e do hormônio do crescimento (GH). Hormônios como glicocorticoides, excesso de hormônios
tireoidianos e possivelmente calcitonina diminuem a absorção desse íon. A sua biodisponibilidade
(que é a digestibilidade ou solubilidade para sua absorção) pode ser influenciada negativamente caso
ocorra formação de sais insolúveis do cálcio com ácido fítico ou oxálico (que podem ser encontrados
em fibras, importantes para o funcionamento do intestino) e formação de sabões (sabão de cálcio)
pelo excesso de gordura, além de presença de cafeína e ferro.
138
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Saiba mais

Nem todo cálcio ingerido é absorvido pelo corpo. Com o aumento


da idade, podem ocorrer deficiência dietética de cálcio e diminuição na
produção de vitamina D (provavelmente pela menor exposição aos raios
solares). Completando o quadro, comumente há uma piora da função
renal (e consequentemente da produção renal de vitamina D). No caso
das mulheres, deve-se contar ainda com um agravante: em razão da
menopausa, há uma diminuição do estrógeno, hormônio relacionado
à retenção do cálcio no osso, processo esse que acaba estimulando a
osteoporose. Você pode conhecer mais detalhes sobre o assunto por meio
do artigo indicado a seguir.

BUZINARO, E. F.; ALMEIDA, R. N. A.; MAZETO, G. M. F. S. Biodisponibilidade


do cálcio dietético. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia,
v. 50, n. 5, out. 2006. Disponível em: https://bit.ly/3gDUvWi. Acesso em:
18 jun. 2021.

O cálcio do sangue encontra-se na forma ionizada (Ca2+) e ligado à albumina. Ele vai para o
líquido extracelular (LEC) e entra nas células. (LIC ou líquido intracelular). Esse mineral pode:

• ir para os dentes e ossos com a ajuda da vitamina D;

• pode ir para o fígado (bile) e daí para o intestino, sendo liberado nas fezes;

• pode ser filtrado nos rins e reabsorvido graças ao PTH e à vitamina D.

Osso
Dente
Tireoide Calcitonina

LEC LIC

Rins
Urina Sangue Fígado

PTH Vit D Bile


Paratireoide

Boca Intestino Ânus


Cálcio Ca2+

Figura 55 – Esquema do metabolismo do cálcio com a entrada e saída do osso


(LEC=líquido extracelular, LIC = líquido intracelular, PTH = paratormônio)

139
Unidade II

Quando baixa a calcemia, a glândula paratireoide libera o PTH e as células produtoras de calcitonina
da tireoide são inibidas. Quando a calcemia está elevada, ocorre o contrário: a calcitonina é secretada
e a paratireoide é inibida. O hormônio PTH aumenta o nível de cálcio no sangue atuando no osso, no
rim (visa à reabsorção) e no intestino (PTH e vitamina D aumentam a absorção intestinal), enquanto
a calcitonina diminui o cálcio no sangue (hormônio hipocalcemiante).

Observação
Sustentação de peso e estiramento muscular, repouso, falta de
gravidade e imobilização causam rarefação do osso, enfraquecendo-o.

Hipercalcemia

A reabsorção óssea é a principal característica no hiperparatiroidismo primário. O excesso de


cálcio no sangue pode ocorrer nas seguintes situações:

• saída pela urina seja deficiente;


• insuficiência renal crônica;
• maior entrada de cálcio no sangue e sua deposição no osso, excesso de vitamina D, principalmente,
por doenças como sarcoidose, tuberculose, coccidioidomicose ou pelo seu consumo em excesso;
• efeito colateral ao uso de certos medicamentos como lítio, por exemplo;
• tumor nos ossos, rins ou intestino em fase avançada;
• tumor em ilhotas pancreáticas;
• mieloma múltiplo.

Normalmente, a reabsorção óssea ligada ao câncer é o maior fator de hipercalcemia, mas essa
condição também pode estar relacionada ao hiperparatireoidismo, à imobilização prolongada ou
mesmo à ingestão exagerada de cálcio (na forma de antiácidos).

Os sintomas iniciais incluem fadiga, náuseas, vômitos, poliúria, polidipsia, desidratação, cefaleia,
perda de memória, torpor, problemas cardíacos e coma. Para diagnóstico laboratorial, pode-se pedir
dosagem de cálcio total e ionizado no soro, além de se analisarem a filtração glomerular (depuração
de creatinina), a dosagem do PTH e a dosagem de vitamina D. Os achados de ultrassom de pescoço
com cintilografia, ultrassonografia de rins e vias urinárias podem ajudar na avaliação do quadro
clínico. A hipercalcemia pode ser tratada com hidratação e diuréticos de alça, como a furosemida,
para aumentar a excreção urinária desse mineral.

Hipocalcemia

Trata-se de um quadro clínico que ocorre associado à alteração do fósforo (hipocalcemia com
elevação ou com redução do fósforo no sangue).
140
BIOQUÍMICA CLÍNICA

O quadro de hipocalcemia e hiperfosfatemia pode estar associado a hipoparatireoidismo,


situações de pós-operatório e pós-radioterapia etc. Já o quadro de hipocalcemia e hipofosfatemia
está associado com carência de vitamina D (ou pouca exposição aos raios solares), problemas de má
absorção intestinal e doenças hepáticas.

Os sintomas vão de fraqueza muscular até a perda de memória, confusão mental, alucinação,
tremores, convulsões e depressão. No laboratório clínico, pode-se pedir dosagem de cálcio total e
iônico, albumina sérica, fósforo e PTH, além da dosagem de magnésio, creatinina e vitamina D. Nos
achados radiológicos, podemos citar calcificações intracranianas e alterações no eletrocardiograma.
Por fim, o tratamento é realizado com a infusão de sais de cálcio no sangue ou vitamina D.

7.1.2 Metabolismo do fósforo

O fósforo não está em sua forma livre no sangue, mas, sim, na forma de fosfato, mais precisamente
em compostos relacionados à energia do corpo (como ATP e fosfocreatina), à ativação de substâncias
(como aminoácidos, glicose, nucleotídeos e fosfolipídios), além de fazer parte da constituição de
ossos e dentes.

Os alimentos que apresentam cálcio são os mesmos que apresentam fósforo: cereais, nozes,
amendoim, amêndoas, leite e seus derivados (incluindo sorvetes e iogurtes), vísceras (miolos, fígado,
coração, língua, rins etc.), ervilha, feijão, chocolate, farinha de trigo integral, refrigerantes à base
de cola, cerveja e alguns legumes, todos eles apresentam níveis elevados de fósforo. Atualmente,
também é usado como aditivo alimentar por retardar a rancidez e remover os íons ferro e cobre, que
são responsáveis pela auto-oxidação de lipídios na carne (como em presuntos e frangos congelados
pré-embalados).

Os sintomas da deficiência de fósforo são diminuição de apetite, anemia, fraqueza muscular, dor
nos ossos e maior suscetibilidade a infecções. Quanto ao seu metabolismo, trata-se de um processo
relacionado diretamente ao PTH, como representado na figura a seguir.

Osso
Dente
LEC LIC

Rins
Urina Sangue Fígado

PTH Vit D Bile


Paratireoide

Intestino Ânus
Boca Fosfato PO42-

Figura 56 – Visão geral do metabolismo do fósforo. A deficiência de vitamina D provoca


uma diminuição na eficiência da absorção intestinal de cálcio e fósforo, resultando em um
aumento nos níveis de PTH

141
Unidade II

Hiperfosfatemia

O aumento de fosfato no sangue pode ser decorrente dos seguintes fatores:

• não ser excretado na quantidade correta, tendo sua concentração no sangue aumentada (caso
da doença renal crônica, do hipoparatireoidismo, da hemólise, da rabdomiólise, da hipertermia
maligna, da leucemia e do linfoma);

• haver aumento na ingesta;

• haver tratamento com vitamina D;

• haver redistribuição do fósforo intracelular (acidose respiratória).

A hiperfosfatemia grave pode induzir a hipocalcemia (lembre-se da função do PTH no metabolismo


desses dois íons), causando tetania e calcificações ectópicas (articulações e tecidos moles, assim como
pulmão, rim e conjuntiva), com a possibilidade de calcificações pseudotumorais.

No laboratório clínico, podemos diagnosticar esse quadro pelas dosagens de fósforo, cálcio total
e iônico, albumina, magnésio e PTH analisadas em conjunto com achados radiográficos evidenciando
calcificações de tecidos moles, articulações e depósitos pseudotumorais. Quanto ao tratamento,
agentes quelantes de fósforo orais, como sais de alumínio, sais de cálcio e sais de magnésio, são
comumente usados.

Hipofosfatemia

O decréscimo de fosfato no sangue pode ser decorrente dos seguintes fatores:

• ingestão de fósforo insuficiente;

• deficiência de vitamina D;

• aumento da excreção renal (por hiperparatireoidismo ou insuficiência renal aguda), redução da


absorção intestinal, diabetes mellitus, sepse, leucemias, problemas hepáticos e casos de alcoolismo.

Os sintomas da hipofosfatemia podem chegar a encefalopatia metabólica, hemólise,


trombocitopenia e alterações da contratilidade muscular (podendo influenciar na contratilidade
do miocárdio).

Para diagnóstico laboratorial, podemos citar dosagens de fósforo, cálcio total e iônico, albumina,
magnésio, PTH, baixo número de glóbulos vermelhos e de plaquetas, além de achados radiográficos.
A reposição oral de sais de fósforo é o método mais usado para tratamento.

142
BIOQUÍMICA CLÍNICA

7.1.3 Metabolismo do magnésio

Participante de várias reações metabólicas, o magnésio está relacionado com a síntese de ATP,
metabolismo da glicose, proteínas e ácidos nucleicos. Age na estabilidade da membrana neuromuscular
e cardiovascular, na manutenção do tônus vasomotor e como regulador fisiológico da função
hormonal e imunológica.

Entre as fontes alimentares de magnésio, podemos citar: cereais integrais, vegetais folhosos
verdes, espinafre, nozes, frutas, legumes e tubérculos, como a batata. Grande parte desse íon é absorvida
no intestino. Destaca-se que fibras alimentares, oxalatos, fosfatos, entre outros, atrapalham sua absorção.
Armazenado nos ossos (67%) e nas próprias células (31%), o magnésio inibe o afluxo de cálcio
através da membrana celular e compete por seus sítios de ligação, reduzindo a liberação do cálcio no
retículo sarcoplasmático.

A hipomagnesemia tem como causas comuns a estadia de pacientes em UTI e cirurgias ósseas
extensas. Os sintomas são similares aos da hipocalcemia (convulsões e distúrbios de ritmo cardíaco),
além de piorar a função do PTH, alterando diretamente a quantidade de íons cálcio, fósforo e
indiretamente a função renal. Para corrigir o problema, deve-se ministrar sulfato de magnésio.

A hipermagnesemia tem como causas falência renal, uso abusivo de antiácidos e laxantes. Os
sintomas são náuseas e vômitos, fraqueza muscular, paralisia, ataxia, sonolência e confusão mental.
Como tratamento, podemos citar uso de diuréticos como furosemida, hidratação adequada e
gluconato de cálcio.

Osteocalcina, piridinolina e fosfatase alcalina

Quando observamos os ossos, percebemos que há uma proteína mais abundante: osteocalcina.
Esta é responsável por estimular a atividade dos osteoblastos, promovendo a mineralização óssea, ou
seja, é capaz de fixar o cálcio ao osso na hidroxiapatita na matriz extracelular. A vitamina K auxilia
na ocorrência de reações de carboxilação nela, permitindo a sua função de mineralização da matriz.
Essa proteína não pode ser usada como marcador bioquímico de reabsorção óssea, pois sua vida
plasmática é bastante curta.

A osteocalcina pode agir como se fosse um hormônio nas ilhotas beta de Langerhans (quando
está descarboxilada), ativando e estimulando a secreção e sensibilidade à insulina no tecido
adiposo e muscular. Por outro lado, a insulina e a leptina podem atuar no tecido ósseo modulando
a secreção da osteocalcina, e sua liberação e reabsorção são maiores durante a noite (ligada ao
ciclo circadiano). Valores acima do valor de referência são encontrados na doença de Paget e no
hiperparatireoidismo primário.

143
Unidade II

Piridinolina e deoxipiridinolina (PYR e DPYR)

Ambas são verificadas nas ligações cruzadas da estrutura da hélice do colágeno tipo I. Como são
liberadas quando há destruição óssea, sua dosagem na urina de 24 horas está ligada com a reabsorção
óssea (atividade osteoclástica), sendo que são excretadas na razão 3:1 (deoxpiridinolina/piridinolina).
A deoxpiridinolina é mais sensível que a piridinolina, não sendo influenciada pela dieta. Níveis
elevados são encontrados em osteoporose, doença de Paget, metástases ósseas, hiperparatireoidismo
e hipertireoidismo. O hipotireoidismo pode diminuir níveis excretados.

Fosfatase alcalina

É uma enzima encontrada em diversos tecidos do corpo, incluindo fígado, ossos, rins, intestino e
placenta. As maiores concentrações de fosfatase alcalina estão no fígado e nos ossos. Em cada local
tem um papel biológico e tem pequenas diferenças entre elas, sendo chamadas de isoenzimas: nos
ossos, é produzida pelos osteoblastos (células que formam o tecido ósseo); no fígado, é encontrada
nas bordas das células que se unem para formar canais biliares, que drenam a bile do fígado para
o intestino.

Observação

Quando se pede análise sanguínea de fosfatase alcalina com outros


exames que avaliam a função hepática, como enzimas, principalmente
aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT),
gama glutamil transferase (GGT) e bilirrubinas, o objetivo é verificar
a obstrução do fluxo biliar, que tem sintomas de doenças hepáticas:
aumento do abdômen, dor no quadrante superior direito do abdome,
icterícia, urina escura e fezes claras. Quando se pede análise sanguínea
de fosfatase alcalina com outros exames que avaliam distúrbios ósseos é
porque há sintomas como dor óssea difusa, deformações ósseas, fraturas
com traumatismos pequenos. A fosfatase alcalina se eleva quando
aumenta a formação de tecido ósseo novo, como a doença de Paget e
alguns tipos de câncer ósseo. Aumentos pequenos ocorrem durante a
cicatrização de fraturas.

7.2 Patologias mais comuns ligadas ao metabolismo de cálcio, fósforo


e magnésio

7.2.1 Osteoporose

Situação em que há redução da densidade dos ossos, enfraquecendo-os e possibilitando fraturas.


Vale destacar que os sintomas não se apresentam até ocorrer a fratura e que, embora a maior parte
das fraturas seja dolorosa, algumas não causam dor, mas podem gerar deformidades.

144
BIOQUÍMICA CLÍNICA

O envelhecimento, a deficiência de estrogênio, o baixo nível de vitamina D ou de ingestão de cálcio,


além de alguns distúrbios, podem diminuir os valores dos componentes que mantêm a densidade
óssea e a força. A osteoporose pode, geralmente, ser prevenida e tratada gerenciando-se os fatores
de risco e garantindo a adequada ingestão de cálcio e de vitamina D, bem como através da prática de
exercícios de suporte de peso e da ingestão de bifosfonatos ou outros medicamentos.

Sabe-se que na infância e na juventude, a formação de ossos sobrepõe-se ao seu processo de


degradação, aumentando em densidade progressivamente até cerca de 30 anos (período que estão
mais fortes). No entanto, depois desse período, a degradação excede a formação, de forma que os
ossos passam a ter sua densidade diminuída. Se o corpo for incapaz de manter uma quantidade
adequada de formação óssea, os ossos continuam perdendo densidade e podem se tornar cada vez
mais frágeis, levando à osteoporose. Na juventude, os ossos crescem (em largura e comprimento) à
medida que o corpo cresce, já em idosos os ossos podem, algumas vezes, aumentar em largura, mas
não em termos de comprimento.

Observação

Você já reparou que seus dentes se “movem”, podendo ficar


“encavalados”? A explicação para isso é a remodelação óssea. Para que
os ossos possam se ajustar às novas exigências, eles são degradados e
remodelados, continuamente. Nesse processo, pequenas áreas do tecido
ósseo são removidas continuamente e um novo tecido ósseo é depositado,
afetando não apenas a forma como também a densidade dos ossos.

Antes de prosseguirmos, é preciso assinalar que há dois tipos de osteoporose: a primária


(espontânea) e a secundária (causada por outra doença ou medicamento)

Baixos níveis de estrogênio estão associados à osteoporose em mulheres e homens, no entanto,


no caso dos homens, se tal fato somar-se à baixa de hormônios sexuais masculinos, o quadro será
pior. Como dito anteriormente, o risco de desenvolver osteoporose está relacionado com o uso de
alguns medicamentos, mas também com o uso de tabaco, o consumo excessivo de álcool, o histórico
familiar de osteoporose, alguns tipos de doença (como doença renal crônica e distúrbios hormonais
– especialmente doença de Cushing, hiperparatireoidismo, hipertireoidismo, hipogonadismo, níveis
elevados de prolactina e diabetes mellitus) e certos tipos de câncer (como mieloma múltiplo).

Nos ossos longos, como os dos braços e das pernas, a fratura ocorre normalmente nas
extremidades dos ossos, não em sua região central, e nas vértebras, ocorrem geralmente no
meio ou na parte inferior das costas. Se várias vértebras quebrarem, uma curvatura anormal da
coluna vertebral pode se desenvolver (corcunda de viúva), causando tensão muscular e dor, bem
como deformidade.

145
Unidade II

Quanto aos exames, podem ser feitas dosagens sanguíneas de cálcio, vitamina D e hormônios,
além de perfil hepático e renal (no caso de osteoporose secundária). Cabe ressaltar que todas as
mulheres com 65 anos ou mais devem fazer o exame de densidade óssea (teste indolor, com pouca
radiação), exame de grande importância por poder diagnosticar a osteopenia (quando a densidade
óssea está diminuída, mas não como na osteoporose).

7.2.2 Osteomalácia

Osteo significa osso e malácia, amolecimento. Tal quadro pode ser descrito como o enfraquecimento
e a desmineralização dos ossos no adulto, circunstância que os deixa fracos e sujeitos a fraturas. Na
prática, pode se apresentar como uma osteopenia e o paciente pode ter dor óssea.

As principais causas da osteomalácia são deficiência de vitamina D, falta de exposição ao sol (a


vitamina D é ativada pelos raios ultravioletas) ou falta de cálcio na dieta. Entre outras possíveis causas
temos hepatopatias crônicas, insuficiência renal, câncer, acidose, uso prolongado de anticonvulsivantes
etc. Como o osso contém fósforo, a deficiência desse mineral na dieta está relacionada com a saúde
óssea também

Sensação de dormência ao redor dos lábios, nos braços ou nas pernas e espasmos musculares
nas mãos, pés e garganta, além de dores ósseas e fraqueza muscular são os principais sintomas
da osteomalácia. Para fazer o diagnóstico, além da análise dos sintomas, os índices plasmáticos de
cálcio, fósforo e da fosfatase alcalina, considerados em conjunto com os exames de imagem, fecham
o quadro clínico. O tratamento dessa patologia geralmente está ligado ao aumento de fosfatos e de
vitamina D na dieta, por meio de alimentos como manteiga, ovos, óleo de fígado de peixe, derivados
de leite, sucos de frutas e peixes como atum e salmão. Por fim, a prevenção da osteomalácia baseia-se
em dietas com cálcio, fósforo e vitamina D, além de exercícios ao sol.

7.2.3 Raquitismo

O raquitismo consiste em uma patologia relacionada a defeitos na mineralização óssea, defeitos


esses iniciados na infância. Como causas, podemos citar deficiências nutricionais (de vitamina D, cálcio
e fósforo), doenças gastrointestinais crônicas (particularmente a cirrose biliar primária), nutrição
parenteral prolongada, lesões tubulares renais e insuficiência renal crônica. O raquitismo em adultos
é conhecido como osteomalácia ou ossos moles.

Os sintomas mais comuns são deformidades ósseas, como maior espessura, maior extensão e
menor grau de mineralização. O diagnóstico físico é feito com base em fraqueza muscular, dor óssea
generalizada, deformidades de ossos longos e fraturas patológicas, levando a déficit de crescimento e
anormalidades cranianas. Nesse quadro, os achados radiológicos mostram alterações mais frequentes
em ossos longos.

No laboratório clínico verificamos valores baixos ou normais de cálcio e fósforo e níveis elevados
da fosfatase alcalina no sangue, refletindo o aumento da remodelação óssea, além de PTH elevado no
146
BIOQUÍMICA CLÍNICA

sangue e níveis baixos de vitamina D. O exame de densitometria óssea não irá apresentar osteopenia
nem osteomalácia no caso do raquitismo hipofosfatêmico, embora as manifestações clínicas e
radiológicas sejam parecidas com o raquitismo por falta de cálcio, mas, como a calcemia é normal,
não há estímulo na paratireoide (hiperparatiroidismo secundário), não havendo reabsorção óssea.

Vários tipos de câncer podem levar ao raquitismo hipofosfatêmico oncogênico, pois essas células
transformadas produzem proteínas (fatores) que agem nos túbulos renais, inibindo a reabsorção
proximal de fósforo.

A vitamina D pode ser obtida por duas vias: síntese a partir do acetil Co-A e ativada pela exposição
solar (durante 20 minutos, sem protetor solar) ou através da alimentação (sendo necessária sua
ativação também). Como a síntese pode ser realizada também nos rins, pacientes com insuficiência
renal crônica não são capazes de produzir vitamina D ativa suficiente. A vitamina D inibe a produção
do PTH e mantém as concentrações de cálcio e fósforo normais no osso.

Saiba mais

A vitamina D é muito mais que uma vitamina; certos pesquisadores


veem-na, inclusive, como se fosse um hormônio. Sua carência está
relacionada não só com a saúde óssea, mas também com o risco de
desenvolvimento de alguns tipos de câncer, com o aparecimento de
diabetes, hipertensão e abortos no início da gestação, pode ainda estar
relacionada com doenças neurodegenerativas e autoimunes, como
esclerose múltipla, Alzheimer e Parkinson. Você pode obter mais detalhes
sobre esse assunto por meio do artigo indicado a seguir:

COIMBRA, C. G. Vitamina D e Alzheimer – Vitamin D may reduce the risk


of dominantly inherited Alzheimer’s disease. The New England Journal of
Medicine, Boston, 2012. Disponível em: https://bit.ly/3xw0Hp4. Acesso em:
18 jun. 2021.

7.3 Marcadores bioquímicos de metabolismo ósseo atualmente em uso

Os principais marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo atualmente em uso são divididos


entre os que refletem formação e os que refletem reabsorção do osso.

A remodelação óssea apresenta um ritmo circadiano, com maiores níveis durante a noite, motivo
pelo qual a primeira urina da manhã (ou a amostra de soro coletada nesse horário) reflete o pico
de reabsorção óssea, apresentando valores seguramente mais altos que uma amostra colhida em
outro horário.

147
Unidade II

Os melhores marcadores séricos de formação (fosfatase alcalina óssea e osteocalcina) devem ser
considerados mediante a interpretação dos valores de meia-vida biológica, pois a fosfatase alcalina
óssea tem em torno de 1,6 dia, e a osteocalcina menos de uma hora de existência. Dessa forma, crises
agudas estão relacionadas com os níveis de osteocalcina.

Deve-se ressaltar que o ciclo menstrual pode influenciar nos níveis de marcadores bioquímicos,
estando esses mais elevados durante a fase lútea (em comparação com a fase folicular).

7.3.1 Marcadores de reabsorção óssea

A seguir temos os principais marcadores de reabsorção óssea. Vejamos cada um deles.

• Fosfatase alcalina óssea: apresenta sequência igual à da isoenzima hepática (fosfatase


alcalina hepática), estando em quantidades equivalentes no soro, mas podendo ser separadas
por meio das diferenças na glicosilação após sua síntese.

• Osteocalcina: é uma proteína de matriz óssea marcadora da atividade do osteoblasto, ou seja,


está envolvida na formação do osso, não sendo um marcador de reabsorção óssea. É destruída
quando há reabsorção pelos osteoclastos.

• Hidroxiprolina urinária: com o desenvolvimento dos métodos mais específicos para avaliação
da reabsorção óssea, essa técnica tem sido abandonada.

• Interligadores do colágeno (cross-links): estruturas interligadoras composta de três radicais


hidroxilisina (chamada de piridinolina) ou uma lisina e duas hidroxilisinas (deoxipiridinolina).
As piridinolinas atuam como interligadores nos colágenos tipo I, II e III, sendo encontrada
na maioria dos tecidos. Quando acontece a reabsorção óssea, os osteoclastos secretam uma
mistura de proteases ácidas e neutras que degradam as fibrilas colágenas em fragmentos de
diferentes tamanhos, os quais são lançados no sangue, chegam ao fígado e são metabolizados;
então, os metabólitos produzidos vão para o sangue e para os rins, onde serão excretados.

Os exames de checkup com marcadores bioquímicos e uso de imagem têm a função de diagnóstico
e seguimento/tratamento da osteoporose.

7.4 Perfil funcional tireodiano: triiodotironina total e livre, tetraiodotironina,


TSH e calcitonina

A glândula tireoide localiza-se sobre a traqueia e apresenta dois lobos (um de cada lado da laringe)
pesando aproximadamente 20 gramas, com formato de borboleta.

148
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Epiglote

Faringe

Vaso sanguíneo

Tireoide Paratireoide

Traqueia

Figura 57 – Glândula tireoide

Os hormônios da tireoide (T3 e T4) atuam em várias reações químicas do organismo: regulando o
metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas; influenciando desde o crescimento e desenvolvimento
do organismo até questões como ciclo menstrual, fertilidade, perda de cabelos, emagrecimento etc.

Podem ocorrer sintomas psicológicos tanto no hipotireoidismo como no hipertireoidismo, entre


os quais dificuldade de raciocínio, insônia, ansiedade até depressão grave.

A tireoide é formada por células chamadas de parafoliculares (que produzem calcitonina) e células
foliculares, que contêm substância amorfa de nome coloide, composto de glicoproteína chamada
tireoglobulina (Tg) na qual o íon iodeto, que veio do plasma, se liga em suas tirosinas na forma de
iodo por intermédio da enzima peroxidase que oxida iodeto em iodo. Essa enzima é estimulada pelo
hormônio da hipófise TSH - hormônio estimulante da tireoide, que por sua vez é estimulada por fator
de liberação de tireotropina (TRF) produzido no hipotálamo.

A Tg é uma forma de armazenamento de precursores de T3 e T4, pois dispõe de monoiodotirosina (MIT)


e diiodotirosina (DIT), que se combinam da seguinte forma:

MIT + DIT = T3 e DIT + DIT = T4

Lembrete

O T3 (hormônio triiodotironina) possui três átomos de iodo em sua


molécula, enquanto o T4 (tetraiodotironina ou tiroxina) possui quatro iodos.

Quando os níveis de T3 e T4 no sangue aumentam, o hipotálamo para de secretar TRF, que não
estimula mais o TSH.

O T4 é metabolizado no fígado em sua forma mais ativa: o T3. Apesar de a maior parte do T3 ser
derivada do T4, a tireoide também produz esse hormônio, ainda que em menores quantidades.
149
Unidade II

7.4.1 Patologias relacionadas com o funcionamento da tireoide

Hipotireoidismo

Os sintomas variam conforme a idade em que se inicia a insuficiência da glândula tiroide.

O hipotireoidismo congênito (ou cretinismo) afeta o crescimento (levando à pequena estatura do


indivíduo, uma vez que o esqueleto apresenta um crescimento deficiente), causando ainda debilidade
mental, cabeça com um tamanho maior que o comum, assim como pernas curtas e falhas na dentição.
No hipotireoidismo adulto os efeitos fisiológicos são outros, como queda da frequência cardíaca,
apatia, aumento de peso e tumefação da pele (mixedema).

Observação

O teste do pezinho é um exame laboratorial simples, mas com um


importante objetivo: detectar doenças congênitas, doenças relacionadas
a distúrbios do metabolismo e infecções. Tal exame se dá pela análise de
gotas de sangue do recém-nascido.

Hipertireoidismo

Os sintomas mais frequentes são: intolerância ao calor, metabolismo basal alto, aumento da
frequência cardíaca, perda de peso, tremor nas mãos, nervosismo e outras perturbações psíquicas.
Também podem estar presentes protusão dos globos oculares (exoftalmia) e bócio (papo).

Observação

O bócio pode ser endêmico, como resultado da falta de iodo em


determinadas áreas geográficas. A falta de iodo no organismo impede
a transformação da tiroglobulina em tiroxina, e o baixo teor de tiroxina
no sangue, por sua vez, provoca a liberação constante de tirotrofina pela
hipófise (feedback). Essa estimulação prolongada da glândula tireóidea,
por fim, leva à hiperplasia (bócio). O bócio é o aumento de volume na
tireoide por causa do hipotireoidismo ou hipertireoidismo. Os pacientes
costumam sentir dificuldade para engolir alimentos e respirar, tosse e
rouquidão, entre outros sintomas (figura a seguir).

150
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Figura 58 – Bócio indicando hipofunção

Fonte: Kumar, Abbas e Aster (2016, p. 758).

Doença de Graves

É a principal causa de hipertireoidismo. É uma doença autoimune de etiologia não esclarecida,


com predisposição genética e influenciada por muitos fatores, podendo, inclusive, afetar a visão do
indivíduo (nesse caso, temos a chamada oftalmopatia de Graves, que é alteração na órbita do olho).

Para fazer o diagnóstico de doença de Graves, deve-se analisar sintomas e fazer o levantamento
de hormônios da tireoide no sangue (como TSH, T4 e anticorpos contra a tireoide).

Como a tireoidite de Hashimoto, outro exemplo de doença autoimune que atinge a tireoide, a doença
de Graves é uma condição autoimune na qual o sistema imunológico estimula excessivamente a tireoide,
fazendo com que ela produza grandes quantidades de hormônio tireoidianos, consequentemente
aumentando o volume da tireoide.

Para diagnóstico de doença de Graves, costuma-se medir dois anticorpos:

• anticorpo antirreceptor de TSH (denominado de TRAB) no soro, indicando doença autoimune


em atividade; esse anticorpo ataca os receptores de TSH na tireoide e pode estimulá-los ou
bloqueá-los (quando estimula os receptores causa hipertireoidismo e quando os bloqueia causa
hipotireoidismo);

• anticorpos antitireoglobulina (TgAb), que se mostram elevados em outra patologia autoimune


que afeta a tireoide, a tireoidite de Hashimoto.

151
Unidade II

O resultado de TSH reduzido com nível elevado de tiroxina livre (T4 livre) confirma o diagnóstico
clínico de hipertireoidismo. No início da doença, a triiodotironina (T3 livre) eleva-se e o nível de
T4 livre fica normal. No doente com hipertireoidismo e bócio difuso, os sinais de oftalmopatia e
dermopatia são suficientes para confirmar o diagnóstico. Concentrações elevadas de anticorpos
anti‑TPO e cintilografia detectam bócio difuso (mostrando captação de iodo difusa).

Tireodite de Hashimoto

A tireoidite de Hashimoto (ou tireoidite linfocítica crônica) consiste na inflamação da tireoide


causada por um erro do sistema imunológico (doença autoimune), com o organismo fabricando
anticorpos contra a tireoide. Essa doença está relacionada com áreas onde há deficiência de iodo,
levando as pessoas a apresentarem bócio e hipotireoidismo.

Essa doença está relacionada com áreas onde há falta de iodo, levando as pessoas a apresentarem
bócio e hipotireoidismo adquirido, principalmente, no Brasil.

Observação

Em 1953 foi promulgada no Brasil uma lei que obriga a iodação do


sal; logo após, vários países resolveram adotar o mesmo procedimento.
O sal de cozinha brasileiro apresenta uma quantidade de iodo que varia
entre 15 mg/kg e 45 mg/kg. Com essa medida, os casos de bócio por
falta de iodo diminuíram, no entanto, os casos de bócio persistem, ainda
que por outras causas (como hipertireoidismo, tireoidite de Hashimoto,
tumores, infecções e o uso de alguns medicamentos).

A dieta com pouco iodo pode levar a natimortos, no caso de gestantes, além do nascimento de
crianças com baixo peso, aumento da probabilidade de abortos e também de mortalidade materna.

Entre os distúrbios por deficiência de iodo (DDI), podemos citar também: cretinismo em crianças
(retardo mental grave e irreversível), surdez neurossensorial e anomalias congênitas, bem como a
manifestação clínica mais visível, o bócio (crescimento da glândula tireoide).

A antiperoxidase tireoidiana (anti-TPO) é um anticorpo que ataca a glândula tireoide e, se estiver


alto em relação ao nível de referência, indica lesão autoimune da glândula, que pode se dar, como
visto anteriormente, em decorrência da tireoidite de Hashimoto ou da doença de Graves.

Cansaço e intolerância ao frio são sintomas iniciais e os pacientes deverão tomar hormônio
tireoidiano pelo resto da vida. Níveis sanguíneos dos hormônios tireoidianos tiroxina (T4) e
triiodotironina (T3) e do hormônio estimulante da tireoide (TSH), além dos anticorpos antitireoidianos,
conduzem ao diagnóstico final.

152
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Algumas pessoas apresentam uma função normal da tireoide, mas, em razão do desenvolvimento
de doenças preexistentes como diabetes ou outras doenças autoimunes (caso de anemia perniciosa,
artrite reumatoide, síndrome de Sjögren ou lúpus eritematoso sistêmico) a glândula se torna hipoativa.
A esse rol podemos adicionar ainda casos de anomalias cromossômicas como síndrome de Down,
síndrome de Turner e síndrome de Klinefelter.

De forma geral, os exames de laboratório que refletem o perfil da tireoide são TSH, T3 Total,
T3 Livre, T4 Total e T4 Livre, além da determinação de anticorpos contra a tireoide. Para saber a causa da
disfunção, deve-se pedir exames complementares (hemograma, exames imunológicos e de imagem).

É importante ressaltar que o TSH é o teste mais confiável para detectar hipo e hipertireoidismo.
Quando uma pessoa apresenta sintomas ligados ao hipertireoidismo, como nervosismo, perda de peso,
irritabilidade e náuseas, pede-se TSH ou T4, e T3, que pode estar aumentado, diminuído ou normal
(não esqueça que o T4 se transforma em T3 quando necessário). Vejamos algumas possibilidades.

• T3 total: T3 livre (hormônio que está ativo) + T3 ligado a proteínas.

• T3L ou simplesmente T3 alto: confirma o diagnóstico de hipertireoidismo (doença de Graves).

• T3L ou simplesmente T3 baixo: pode indicar tireoidite de Hashimoto, hipotireoidismo neonatal


ou hipotireoidismo secundário.

• T3 reverso: é a forma inativa do hormônio derivada da conversão do T4; nos pacientes com
hipotireoidismo tem índices baixos e nos pacientes com hipertireoidismo está elevado.

• T4 total (T4 livre + T4 ligado a proteínas): o T4 é transportado pelo sangue até os órgãos ligado
a proteínas, mas está inativo, tornando-se ativo ao chegar nos tecidos, sendo, então, liberado.

• T4 livre: hormônio ativo (menos de 1% do T4 total).

• Anticorpo antiperoxidase (anti-TPO): detecta tireoidite de Hashimoto.

• Anticorpo antitireoglobulina (anti-Tg): qualquer alteração da tireoide, possivelmente tireoidite


de Hashimoto.

• Anticorpo antirreceptor de TSH (anti-TRAB): relacionado com casos de hipertireoidismo


(doença de Graves).

Ultrassonografia da tireoide (para avaliar o tamanho da glândula e a presença de alterações


como cistos, tumores, bócio ou nódulos), bem como cintilografia da tireoide (investigação de nódulos
suspeitos de câncer) e punção da tireoide (identificação citológica do nódulo ou cisto confirmando se
é benigno ou maligno) ajudam a fechar o diagnóstico.

153
Unidade II

Medicamentos como a levotiroxina (Puran T4, Eutirox, Tetroid ou Synthroid) substituem o hormônio
que é normalmente fabricado pela glândula da tireoide, permitindo a sua reposição.

Da mesma forma que se faz o autoexame das mamas, pode-se fazer o autoexame da tireoide a fim
de verificar a existência de cistos ou nódulos na glândula (principalmente, por mulheres com mais de
35 anos ou com histórico familiar de problemas na tireoide).

Os passo a passo desse exame está descrito a seguir:

• localizar a tireoide (na frente do espelho, colocar a mão no pescoço, perto do pomo-de-adão
(homens), conhecido como “gogó”);

• colocar o pescoço para trás;

• beber um gole de água e observar a movimentação da tireoide;

• colocar a mão em cima e verificar se há assimetria ou nódulos.

7.4.2 Perfil funcional das paratireoides e situações patológicas: hipoparatireodismo e


hiperparatireodismo

As paratireoides são quatro pequenas glândulas localizadas sobre a tireoide e pesam cerca de
140 mg. Apesar de compartilharem o mesmo sítio anatômico, têm funções diferentes. O único
hormônio produzido, o paratormônio (PTH), está relacionado com o metabolismo do cálcio e do
fósforo, aumentando a eliminação de cálcio e fósforo pela urina e retirando o cálcio dos ossos, além
de favorecer a absorção de cálcio pelo intestino, junto com a vitamina D ativada.
Cálcio
6,4
Injeção de hormônio

6,0
paratireoideo

5,6
Cálcio

5,2

4,8 1,4
1,2
4,4 1,0
Fosfato 0,8

0 4 8 12 16 20 24
Tempo

Figura 59 – Gráfico mostrando o efeito da administração de paratormônio


sobre as concentrações de cálcio e fosfato no plasma sanguíneo

Disponível em: https://bit.ly/3gRFfUM. Acesso em: 21 jun. 2021.

154
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Como o PTH age nos rins, se a pessoa tiver problemas renais, esse hormônio não induzirá a
produção de vitamina D nem a excreção de fósforo sérico na urina. Sendo assim, a única função
desse hormônio será tirar o cálcio dos ossos, deixando o fósforo ainda alto no sangue. Dessa forma, a
paratireoide fica sempre estimulada a produzir mais e mais hormônio na tentativa de retirar o fósforo
do sangue, desencadeando o hiperparatireoidismo.

Lembrete
O paciente com insuficiência renal não produz vitamina D em
quantidade suficiente para manter seus ossos saudáveis. Pelo contrário,
ele produz um excesso de PTH, que leva à desmineralização dos ossos.
Hipoparatireoidismo
O trauma cirúrgico em cirurgias de tireoide/paratireoide e neoplasias de cabeça e pescoço são as
causas mais frequentes de hipoparatireoidismo, já as doenças autoimunes das paratireoides são a
segunda causa mais frequente.
Quando há deficiência de paratormônio, ocorre a redução do cálcio sanguíneo, aumentando o
nível do fósforo sérico e diminuindo a excreção renal do cálcio e do fósforo. Tal quadro, por sua vez,
leva à tetania muscular por hiperexcitabilidade dos tecidos nervoso e muscular, causada, basicamente,
pela insuficiência dos íons de cálcio no sangue.
Níveis baixos de PTH, a dosagem de albumina (para cálculos de correção do cálcio), fósforo,
magnésio, vitamina D e dosagem de cálcio em urina de 24 horas são importantes fatores para o
diagnóstico de hipoparatireodismo. Os sintomas mais frequentes são espasmos musculares, tetania e
convulsões, além de alterações no eletrocardiograma.

Hiperparatireoidismo

Quando as glândulas paratireoides funcionam em excesso, produzindo muito PTH, a pessoa se


sente fraca, sem apetite, apresentando emagrecimento, coceira, náuseas, vômitos, aumento do volume
urinário, sonolência, confusão mental, depressão, delírios e dores ósseas, podendo chegar a insuficiência
renal, atrofia muscular, alterações visuais, hipertensão arterial e alterações do eletrocardiograma.

Observação

No hiperparatireoidismo ocorre a liberação aumentada de hormônio


PTH, que se divide em três fases: primário (geralmente causado por
um adenoma ou hiperplasia dessas glândulas); secundário (ligado
principalmente à insuficiência renal, que causa a redução dos níveis
de cálcio e fósforo na circulação); e terciário (após período de
hiperparatireoidismo secundário, quando as paratireoides começam a
secretar mais PTH).
155
Unidade II

No hiperparatiroidismo primário, há o aumento de cálcio no sangue (hipercalcemia) e na urina


(hipercalciúria), perda óssea de cálcio e pedras nos rins (cálculo renal). Esse quadro clínico pode ser
provocado por tumores benignos (adenomas). Geralmente é assintomático e são encontradas pedras
nos rins constantemente, além de problemas ósseos que podem vir acompanhados de depressão e
confusão mental, evoluindo para doenças cardiovasculares e alterações ósseas. No hiperparatiroidismo
secundário, relacionado à perda da função renal, pode ocorrer hipocalcemia e hiperfosfatemia.

Ultrassonografia, cintilografia, tomografia e ressonância magnética podem mostrar alterações na


região do pescoço.

7.4.3 Medicamentos e alimentos que afetam o funcionamento da tireoide

Aumento de peso, queda de cabelo, mais depressão e bolsas inchadas abaixo dos olhos podem ser
sintomas de que algo possa estar acontecendo com a tireoide.

Medicamentos podem prejudicar o funcionamento da tireoide, como os antidepressivos,


ansiolíticos e alguns antiarrítmicos.

Os alimentos goitrogênicos podem prejudicar o funcionamento da tireoide e a redução no


metabolismo, aumentando o risco para o desenvolvimento de doenças crônicas: soja (interfere na
absorção da tiroxina); açúcar e farináceos (diminuem a ingestão de vitaminas e minerais, que são
necessários para o funcionamento adequado da glândula tireoide); óleos vegetais comuns e gordura
trans (os hormônios T3 e T4 tireoidianos são importantes para síntese de colesterol); alguns hormônios
esteroidais, como progesterona, pregnenolona e o DHEA (hormônio antienvelhecimento); alimentos
industrializados (excesso no consumo de corantes e conservantes presentes em alimentos processados
como bolachas e salgadinhos substituem os alimentos corretos); e hortaliças como repolhos, brócolis,
couves em geral (couve-flor, couve-manteiga, couve-chinesa, couve-de-bruxelas), nabos, rabanetes e
mostardas, quando ingeridos em grandes quantidades diariamente.

8 MARCADORES TUMORAIS E A AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA DE TUMORES

As células lábeis e estáveis podem se dividir por mitose, com a função de se renovar, já as células
permanentes não possuem tal habilidade, pois seus núcleos não são providos dos meios necessários
para dar início a essa divisão, caso dos neurônios e das fibras musculares estriadas. Quando ocorre a
divisão descontrolada de um grupo celular falamos que essa proliferação leva a um tumor, que pode
ser benigno ou maligno.

156
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Figura 60 – Esquema do ciclo celular com as fases

Disponível em: https://bit.ly/3vMi6IP. Acesso em: 21 jun. 2021.

No caso de um tumor benigno (neoplasia benigna), as células dividem-se normalmente, havendo


o crescimento de um grupo de células semelhantes àquelas das quais se originaram. Nesse quadro,
temos um prognóstico bom, e as células em excesso podem ser retiradas por meio de cirurgia, como
no caso de lipomas (que ocorrem no tecido gorduroso), miomas (no tecido muscular liso) e adenomas
(nas glândulas).

No caso de um tumor maligno (câncer ou neoplasia maligna), a velocidade de proliferação do


grupo celular é muito alta e incontrolável, com as células novas apresentando características próprias
(ou seja, diferentes da célula que as originou); com a proliferação dessas células, enzimas e outras
proteínas são produzidas de modo a influenciar vias metabólicas. Devemos salientar ainda a influência
de fatores que propiciam essas mudanças, como hábitos pessoais não saudáveis, estresse e doenças
crônicas, fatores os quais estimulam o crescimento do tumor.

Pelo fato de estarem fracamente ligadas à matriz celular, tais células podem se desprender e
invadir órgãos vizinhos ou até chegar ao sangue e invadir órgãos mais distantes (metástase).

O tumor primário, quando tem aproximadamente 2 milímetros, já fabrica proteínas e enzimas


anormais influenciando vias de sinalização que geram mais tumores. Ao atingir 4 milímetros, já é
possível detectar essas substâncias por meio de análises laboratoriais e de imagens. A grande questão
é que o tempo para o tumor passar de 2 para 4 milímetros pode ser de meses a anos.
157
Unidade II

O câncer (ou tumor maligno) pode ser não invasivo (ou in situ), caso em que essas células estão
circunscritas a um único local, ou seja, não se espalharam, o que torna mais simples sua retirada por
meio de um procedimento cirúrgico. Já o câncer invasivo pode iniciar metástase ou disseminação
(como explicado anteriormente).

Observação

Existem várias teorias para o início da carcinogênese, entre as quais as


modificações, por diferentes causas, em genes: modificações que inibem
a proliferação celular (supressores de tumor), modificações que ativam a
proliferação celular (chamados de proto-oncogenes e, quando ativados,
oncogenes) e modificações de reparo do DNA.

As causas de câncer são classificadas em externas e internas. No caso das externas, temos riscos
ambientais como radiação, substâncias químicas, tabaco e até contaminação por alguns vírus. É
necessário lembrar, ainda, que o próprio envelhecimento afeta o processo de divisão celular, aumentando
as chances de erros nessas divisões e causando, consequentemente, genes mutados que irão progredir
para um câncer. Quanto às causas internas, temos mutações genéticas (pois erros não serão corrigidos)
e fatores hereditários. Alguns dos sintomas mais comuns que podem levar ao médico são: dor, fadiga,
falta de apetite, constipação intestinal, vesículas na mucosa oral, diarreia e sangramento.

Carcinomas são tipos de cânceres que estão em tecidos epiteliais (como pele ou mucosas), já os
sarcomas estão nos tecidos conjuntivos (por exemplo, osso, músculo ou cartilagem). Ainda temos outros
tipos de câncer, como leucemias (na medula óssea), linfomas e mielomas (no sistema imunológico).

Quando se trata de um tumor benigno, usa-se o sufixo oma com a designação referente ao tipo
de tecido acometido. Por exemplo, tecido cartilaginoso (condroma), tecido gorduroso (lipoma), tecido
glandular (adenoma) – podendo-se, ainda, explicitar o local do câncer, como em “adenocarcinoma de
pulmão”. No caso de tumores malignos, se o local acometido forem epitélios de revestimento, teremos
carcinomas; no caso de epitélio glandular, teremos adenocarcinomas e, por fim, caso se trate de tecido
conjuntivo, será adicionado o sufixo sarcoma (por exemplo, osteossarcoma – tecido ósseo). E, da mesma
forma que em tumores benignos, pode-se explicitar o local do câncer, como osteossarcoma de fêmur.

Para que o tratamento seja mais eficaz, o câncer deve ser detectado o quanto antes. Daí a importância
da regularidade dos exames de checkup, uma vez que possibilitam o diagnóstico precoce. Recentemente,
tornou-se mais comum o chamado rastreamento (ou screening), que examina proteínas ou genes alterados
que, já se sabe, estão ligados ao câncer e, assim, analisar a chance de a doença se desenvolver.

Para se confirmar que o tratamento, seja radioterapia ou quimioterapia, é adequado e está surtindo
efeito (ou seja, para ter certeza de que a doença está controlada), os exames devem ser realizados de
forma rotineira.

158
BIOQUÍMICA CLÍNICA

8.1 Vias de sinalização

Todas as reações no organismo são desencadeadas por um estímulo. Havendo um fator de


crescimento em quantidades e locais não usuais de um hormônio ou se agentes carcinogênicos
ligarem‑se a um receptor (como a tirosina quinase), proteínas serão estimuladas (fosforiladas ou nitradas),
ativando outras e mais outras, até que um dos produtos chegue ao núcleo, ativando (ou inibindo)
alguns genes relacionados com o ciclo celular. Esse processo, chamado de via de sinalização, caso
desequilibrado, pode levar a célula a se transformar em câncer.

Sinal

Receptor

SOS
GRB2
RAS
RAF
MEK
ERK

DNA
RNA

Oncoproteínas

Figura 61 – Esquema simplificado de uma via de sinalização que pode levar à formação de câncer

8.2 Diagnóstico

Temos vários exames que podem identificar o câncer, como diagnóstico de imagem (ressonância,
radiografia e tomografia), exame histopatológico e exames bioquímicos.

Observação

A União Internacional Contra o Câncer (UICC) preconizou um sistema


de estadiamento chamado de Sistema TNM de Classificação dos Tumores
Malignos. Para fazer a análise, deve-se examinar a sua extensão (T), a
contaminação dos linfonodos perto de onde ele está (N) e a presença
ou ausência de metástase a distância (M). Mediante o agravamento, há
graduações: T0 a T4, N0 a N3 e de M0 a M1, respectivamente.

159
Unidade II

8.2.1 Marcadores tumorais (MT)

As células normais ou neoplásicas produzem certas proteínas continuamente, sendo que, quando
são produzidas em grande quantidade aumentada no sangue (periférico e medula) ou em outros
fluidos corporais (como urina, liquor, líquido ascítico), passam a se relacionar com a malignidade
(como enzimas, hormônios, por exemplo), e podem ser dosadas por vários métodos (bioquímicos,
imunológicos, citológicos ou moleculares). A detecção por marcadores tumorais é muito mais
precoce, pois, com poucas células, já se pode ter a confirmação (por imagem, a verificação só pode
ser realizada quando o tumor já está com muitas células, ou seja, num estágio mais adiantado).
A detecção precoce e o seu monitoramento após a cirurgia e o tratamento medicamentoso são
fundamentais para eliminar o tumor, e os marcadores tumorais (MT) sensíveis e específicos podem
ajudar nesse processo, junto com os exames de imagem.

Em sua grande maioria, são detectados por quimiluminescência, mas também podem ser analisados
por radioimunoensaio. Um bom marcador tumoral deve ter sensibilidade e especificidade superiores
a 90%, ou seja, boa sensibilidade (capacidade em detectar precocemente a existência de um tumor)
e boa especificidade (capacidade de mostrar-se negativo na ausência do tumor). Esses marcadores
auxiliam no diagnóstico, não estando relacionados a um exame de prevenção de câncer.

Vários marcadores tumorais podem estar aumentados em um único tipo de câncer, por conta das
várias alterações moleculares que produzem várias proteínas. Nesse caso, aquelas liberadas em maior
intensidade devem ser o melhor marcador para aquele tipo específico de tumor maligno. De maneira
geral, podem ser separados mediante alguns pontos como os indicados a seguir.

• Pelo produto das células tumorais (enzimas, hormônios, antígenos oncofetais, marcadores de
superfície celular e produtos de oncogenes).
Transcrição Tradução
DNA RNA Proteína

Transcrição
Replicação reversa

DNA

Figura 62 – Esquema dos processos que envolvem os genes (DNA). Imaginando-se que ocorra uma
mutação no DNA, tal mutação irá se propagar para o RNAm, modificando a proteína

Adaptada de: https://bit.ly/3vELvEI. Acesso em: 21 jun. 2021.

• Pela resposta da célula quando ela se transforma. Marcador tumoral celular: antígenos
localizados na membrana celular, como o que ocorre na leucemia, como hormônios e receptores
de fatores de crescimento; marcadores humorais: substâncias que são sintetizadas pelo tecido
tumoral ou substâncias formadas pelo organismo em reação ao tumor; marcadores genéticos:
que são superexpressos e codificam para proteínas do desenvolvimento tumoral.
160
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Observação

A evidência de que uma substância poderia estar relacionada com


o aparecimento de câncer ocorre desde 1847, quando Bence Jones
verificou que pacientes com mieloma múltiplo sempre apresentavam
uma determinada proteína na urina, detecção de sangue oculto nas fezes
e hipercalcemia. Mais recentemente, em 1979, isso é detectado pelo
aumento de antígeno prostático específico (PSA) no sangue de pacientes
com câncer na próstata.

Atualmente há estratégias relacionadas com as técnicas de genômica, proteômica e metabolômica


para diagnóstico do câncer. Na genômica, estudam-se alterações em genes modificados em diversos
tumores, por exemplo, BRCA1/2, HER-2, HE-4, BCR/ABL, BRAF V600 (restritos a um tipo/localização
de tumor) e p53, MYC, RAS (associados para mais de um tipo de tumor). Na proteômica, estudam-se
quais proteínas estariam afetadas antes de o tumor se desenvolver e quando ele está ativo, fato que
levaria a um checkup de prevenção e ao acompanhamento da evolução do tumor. Na metabolômica, é
estudado o metabolismo da célula do câncer, enfatizando a análise de vias de sinalização (genômica)
e produção de proteína ou enzimas (proteômica).

Marcadores tumorais: enzimas

Vejamos a seguir algumas das principais enzimas que são marcadores tumorais.

• LDH (ou lactato desidrogenase): é uma enzima do metabolismo dos carboidratos (fermentação
lática), liberada quando ocorre lesão ou destruição celular. Sua concentração no sangue é alta
em quase todos tipos de câncer (como também em muitas outras doenças), portanto não pode
ser usada para diagnosticar um tipo particular de câncer. Níveis séricos elevados: vários tipos de
câncer (como leucemias, linfomas não Hodgkin, câncer de fígado, testículo, mama, estômago,
cólon, pulmão e neuroblastoma). Algumas situações podem interferir em uma análise correta
como hepatite, infarto agudo do miocárdio, anemias hemolíticas, lesões musculares, drogas ou
medicamentos como aspirina, narcóticos, álcool e anestésicos.

• Catepsina D-enzima: é produzida por certas células de câncer de mama que indicam prognóstico
ruim, pois sugere-se que a catepsina D degrada os proteoglicanos da matriz da membrana
basal estimulando a angiogênese e a metástase, consequentemente, o espalhamento do câncer.
Níveis séricos aumentados: câncer de mama.

• Enolase neuroespecífica (NSE): enzima glicolítica encontrada em tecido neuronal e nas


células do sistema neuroendócrino. Sua determinação pode ajudar no diagnóstico e na
avaliação da resposta ao tratamento. Níveis séricos elevados: neuroblastoma, câncer de pulmão
de pequenas células, câncer medular de tireoide, tumores carcinoides, tumores endócrinos
pancreáticos e melanoma.

161
Unidade II

• Fosfatase ácida postática (PAP): inicialmente descoberta na próstata, mas pode ser
encontrada em eritrócitos, plaquetas, leucócitos, medula óssea, osso, fígado, baço, rim e
intestino. Níveis séricos elevados: câncer de próstata, osteossarcoma, hiperparatireoidismo,
mieloma múltiplo e metástases ósseas de outros tumores, mas também pode estar elevada
em hipertrofia prostática benigna (HPB), osteoporose (espalhado pelo osso), por essa razão, foi
substituída por PSA.

• Fosfatase alcalina placentária (PLAP): produzida a partir da 12ª semana de gestação pela
placenta, mas indivíduos fumantes também podem apresentar elevação no sangue. Níveis
séricos elevados: seminomas (surgem dentro das gônadas, testículos ou ovários), câncer de
ovário, testículo, pulmão e trato gastrointestinal.

• Fosfatase alcalina (ALP): encontrada em fígado, ossos, rins, intestino e placenta, mas as
maiores concentrações de fosfatase alcalina estão no fígado e nos ossos. Níveis séricos elevados:
câncer hepático primário ou metastático, câncer ósseo, leucemias, sarcomas e linfomas com
infiltração hepática.

• Creatina quinase (CK-BB) ou creatina fosfoquinase (CPK): possui três isoenzimas (CK-MM,
CK-MB e CK-BB, relacionadas com músculo esquelético, cardíaco e cerebral, respectivamente).
A CK-BB pode ser encontrada principalmente no cérebro, mas também nos pulmões. Níveis
séricos elevados: câncer de cérebro, de pulmão de pequenas células, de seio, de ovário e de rim.

Marcadores tumorais: hormônios

Vejamos a seguir alguns dos principais hormônios que são marcadores tumorais.

• Calcitonina: produzida pela glândula tireoide quando a calcemia está elevada, inibindo a
liberação de cálcio pelo osso e diminuindo o nível do cálcio sérico. Níveis séricos elevados:
câncer de mama, carcinoide, hepatoma, hipernefroma, câncer de pulmão, gastrinoma, tumores
gastrointestinais e o carcinoma medular da tireoide, mas pode se apresentar elevada em
outras situações, como doença não malígna do pulmão, pancreatite, doença de Paget óssea,
hiperparatireoidismo e mesmo durante a gravidez.

• Tireoglobulina: glicoproteína produzida pelas células foliculares da tireoide. Níveis séricos


aumentados: pode ser doença maligna ou benigna na tireoide. Geralmente é feita também a
varredura com iodo marcado (I131) para confirmar alguma suspeita.

• Catecolaminas: sintetizadas na medula da suprarrenal ou no cérebro, a epinefrina (adrenalina),


norepinefrina (noradrenalina) e a dopamina. Podem ter efeitos excitatórios ou inibitórios do
sistema nervoso periférico e do sistema nervoso central. Dosam-se os metabólitos desses
compostos como ácido vanilmandélico-VMA e ácido homovanílico-HVA. Geralmente excretados
na urina. Níveis séricos aumentados: pacientes com neuroblastoma.

162
BIOQUÍMICA CLÍNICA

• ACTH (adrenocorticotrófico): hormônio produzido pela hipófise que estimula a produção de


cortisol. Níveis séricos aumentados: câncer de pâncreas, mama, estômago, cólon carcinoma de
pequenas células do pulmão, mas pode estar aumentado em condições benignas como DPOC,
depressão mental, obesidade, hipertensão, diabetes mellitus e estresse.

• Serotonina (5-HIAA): a partir do aminoácido triptofano é produzida a serotonina,


neurotransmissor que regula vários processos bioquímicos como sono e humor. Níveis
séricos aumentados: síndrome carcinoide (conjunto de sintomas provenientes de tumores
neuroendócrinos, especialmente aqueles do intestino delgado). O aumento de 5-HIAA, excretado
pelo rim, pode ocorrer por pessoas que ingeriram alimentos ricos em serotonina como banana,
quiuí, abacate e nozes.

Marcadores tumorais: glicoproteínas

Vejamos a seguir algumas das principais glicoproteínas que são marcadores tumorais.

• Antígeno carcinoembrionário (CEA ou ACE): encontrado na superfície da membrana celular,


mas pode ser encontrada também no sangue de pessoas saudáveis. Níveis séricos aumentados:
câncer de cólon, pâncreas (pancreatite), estômago (úlcera péptica), pulmão (bronquite), mama,
mas também em fumantes, pessoas com colite ulcerativa, diverticulite, doença inflamatória
intestinal e doenças do fígado (alcoolismo, hepatite crônica ativa, doença biliar primária e
infecção do pulmão).

• Alfafetoproteína (AFP): proteína fetal com pico na 14ª semana de gestação, diminuindo perto
do nascimento e com meia-vida sérica de aproximadamente cinco dias; fica baixa em crianças e
adultos saudáveis. Níveis séricos aumentados: adultos com carcinoma hepatocelular ou câncer
de célula germe de ovário ou testículo (câncer que começa nas células que dão crescimento aos
óvulos e aos espermas), mas apresenta-se alto também em gestação, hepatite e cirrose. Pode
avaliar também o estágio, o prognóstico e a resposta à terapêutica.

• Gonadotrofina coriônica (ß-hCG): hormônio normalmente produzido pela placenta, com


meia vida de 12 a 20 horas. Níveis séricos aumentados: tumores de pulmão, mama, trato
gastrointestinal, ovário, testículo, pâncreas, melanoma e doenças linfoproliferativas, mas pode
estar elevado em doenças benignas como doença inflamatória do intestino, úlceras duodenais
e cirrose, além de ser usado para confirmar gestação. Pode ser usado para avaliar o estágio, o
prognóstico e a resposta à terapêutica.

• Antígeno prostático específico (PSA): glicoproteína produzida pela próstata com alterações
benignas ou malignas com meia-vida sérica entre dois e três dias. Níveis séricos aumentados:
câncer de próstata, inclusive usado para monitorar o tratamento câncer de próstata, mas
também em hipertrofia prostática benigna, prostatite, trauma, manipulação da próstata
e ejaculação.

163
Unidade II

• Antígeno do carcinoma de células escamosas (SCC-A ou SCC-Ag): glicoproteína


encontrada na superfície celular. Níveis séricos aumentados: câncer de cabeça e pescoço
(células escamosas), carcinomas de células escamosas do colo uterino, pulmão, cabeça e
pescoço, apesar de ter baixa especificidade e sensibilidade em estágios precoces.

Marcadores tumorais: mucinas

São antígenos com alto peso molecular e conteúdo em carboidratos que varia de 60 a 80%.
Células presentes na superfície epitelial expressam essas glicoproteínas.

• Antígeno carboidrato (CA 15-3): encontrado na superfície celular. Níveis séricos


aumentados: câncer de mama (mais sensível e específico, sendo superior ao CEA (antígeno
carcinoembrionário), pâncreas, pulmão, fígado, ovário e colo uterino ou em doenças benignas
de mama, hepatopatias e pulmão.

• Antígeno mucoide (MCA): encontrado também na superfície celular. Níveis séricos aumentados:
carcinoma mamário, câncer de ovário, colo uterino, endométrio e próstata. Contudo, pode
aumentar durante a gravidez e em doenças benignas de mama. Ocorre a correlação entre esse
marcador e níveis de CA 15-3.

• Antígeno carboidrato 19-9 (CA 19-9): encontrado na superfície celular do trato


gastrointestinal. Níveis séricos aumentados: câncer gastrointestinal, pulmão, pâncreas,
ovários, colorretal, vesícula e duto biliar, mama, pulmão e cabeça e pescoço, mas também
em endometriose, cirrose hepática, pancreatite, doença inflamatória intestinal e doenças
autoimunes. Pode ser usado no prognóstico e monitoração da terapia.

• Antígeno associado ao tumor da bexiga (bladder tumor antigen – BTA): usando urina,
dosa-se essa proteína superficial da mucosa de células cancerosas da bexiga, mas não por
normais. Níveis séricos aumentados: tumores de bexiga, mas pode ter valor elevado em litíase
urinária, irritação da bexiga e sonda vesical por período longo.

• Dupan-2: antígeno glicoproteico que, em combinação com CA 19-9, pode constatar o câncer
de pâncreas. Níveis séricos aumentados: câncer de pâncreas e do trato gastrointestinal, mas
também em situações benignas do sistema hepatobiliar.

• CA-125: antígeno glicoproteico de alto peso molecular presente na superfície celular


do carcinoma ovariano e que tem meia-vida sérica de cerca de quatro dias. Níveis séricos
aumentados: principalmente para câncer de ovário, mas pode ser útil em câncer de endométrio,
pâncreas, estômago, fígado, cólon, reto, mama e pulmão. Pode também dar positivo em
situações de ovulação, gravidez, endometriose, cistos de ovário, cirrose hepática. É usado tanto
em análise do prognóstico, terapêutica, como em avaliação do sucesso cirúrgico.

• Antígeno carcinoembriogênico (CEA): quando elevado no sangue denota câncer colorretal


e vários tipos de câncer, mas outras situação não patológicas podem elevar essa proteína no
sangue, como tabagismo, doença de Crohn, hepatopatias e insuficiência renal. Usado para
avaliar o tratamento e no monitoramento do tumor.
164
BIOQUÍMICA CLÍNICA

• CA-50: glicoproteína expressa na maioria dos carcinomas epiteliais como câncer gastrointestinal
e de pâncreas. Sua sensibilidade e especificidade são muito semelhantes à do CA 19-9 no
que se refere ao câncer de pâncreas e gastrointestinal. Níveis séricos aumentados: tumores
gastrointestinais, câncer de mama, ovário, mas pode estar elevado em outras doenças como
pancreatite e doenças hepáticas.

• CA 72-4 (ou TAG 72): antígeno relacionado com o aparecimento de câncer de cólon, estômago,
pâncreas e trato digestivo e câncer de ovário. A pesquisa dessa proteína auxilia na percepção de
recidiva do câncer, mas outras situações também podem alterar seus níveis, como hepatopatias,
pancreatite e inflamações gastrointestinais.

Marcadores tumorais: moléculas do sistema imunológico

Vejamos a seguir algumas das principais moléculas do sistema imunológico que são marcadores
tumorais.

• B2 microglobulina (B2-MG): proteína que se relaciona com prognóstico ruim de pacientes com
linfoma. Níveis séricos aumentados: mieloma múltiplo, linfoma e tumores sólidos, bem como
doenças não malignas. Níveis séricos elevados: mieloma múltiplo, leucemia linfocítica crônica
e alguns linfomas. Essa determinação leva ao prognóstico e contribui para o monitoramento
do tratamento.

• Imunoglobulinas: em determinados tumores pode ocorrer o aparecimento de imunoglobulinas


anormais (gamopatias). Níveis séricos aumentados: mieloma múltiplo. Pode auxiliar no
diagnóstico e na avaliação da terapia.

Entre os marcadores mais recentes usados na prática do laboratório de análises clínicas, podemos citar:

• Anaplastic lymphoma kinase (ALK): oncogene encontrado direto no tumor onde é


pesquisada a alteração tipo rearranjo (mais comum: inversão e translocação do braço curto do
cromossomo 2) e hiperexpressão do gene ALK. Essa alteração ocorre em linfoma anaplástico de
células grandes, câncer de pulmão de células não pequenas. Com esse resultado, o médico pode
determinar o tipo de tratamento e o prognóstico.

• Human epidermal growth fator receptor 2 (HER-2): oncogene analisado direto do tumor
onde é pesquisada a hiperexpressão (ou amplificação) do gene HER-2. Essa alteração ocorre
em câncer de mama e gástrico. Com esse resultado, o médico pode determinar o tratamento
específico e o prognóstico.

• Epidermal growth factor receptor (EGFR): oncogene pesquisado direto no tumor onde se
pesquisa hiperexpressão (ou amplificação) do gene EGFR. Essa alteração ocorre em câncer de
pulmão de células não pequenas, principalmente. Com esse resultado, o médico pode determinar
o tratamento específico e o prognóstico.

165
Unidade II

• B protein of rapidly accelerated fibrosarcoma valine (BRAF V600): oncogene pesquisado


direto no tumor que foi ativado por uma mutação (do tipo substituição) do aminoácido valina
por ácido glutâmico na posição 600 da proteína Raf. Essa alteração ocorre em câncer do tipo
melanoma cutâneo e câncer colorretal. Com esse resultado, o médico pode determinar o
tratamento específico e o prognóstico.

• K-Ras: oncogene pesquisado direto no tumor que, quando é ativado, leva à hiperexpressão
de várias vias de sinalização. Essa alteração ocorre em câncer do tipo colorretal e câncer de
pulmão de células não pequenas. Com esse resultado, o médico pode determinar o tratamento
específico e o prognóstico.

• Breast cancer do tipo 1/tipo 2 (BRCA1/BRAC2): proteínas supressoras de tumor, mas, caso
ocorra alteração no gene do tipo hipoexpressão, não há proteção contra o desenvolvimento
de alguns tumores (ou seja, não ocorre reparo do DNA defeituoso e a célula não vai para
apoptose). Quando essa alteração no sangue é constatada, trata-se de um sinal de que há
câncer de ovário. Com esse resultado o médico pode determinar o tratamento específico e o
prognóstico.

• p53: proteína supressora de tumor que leva a célula à apoptose caso ocorra alguma modificação
no ciclo celular que leve ao aparecimento de uma célula cancerosa. Se ocorrer mutações nesse
gene, a proteína não consegue mais salvaguardar o conteúdo do genoma. Caso ocorra aumento
de p53 no sangue, sugerem-se câncer esofágico, colorretal, pâncreas, mama e carcinoma
hepatocelular, principalmente. Tal exame não só pode confirmar diagnóstico, mas monitorar
esses tipos de câncer.

• Fusão de gene BCR e ABL (BCR/ABL): quando não há separação correta das cromátides
(ocorre translocação) e os dois genes ficam unidos, surge o cromossomo anormal (Ph). Sua
pesquisa é realizada no sangue e/ou medula óssea e detecta leucemia mieloide crônica, leucemia
linfoblástica aguda e leucemia mieloide aguda. Com esse resultado o médico pode determinar
o diagnóstico, tratamento específico e o prognóstico.

• Cromossomos 3, 7, 17 e 9p21: aberrações cromossômicas do tipo aneuploidia nesses


cromossomos podem significar presença de câncer de bexiga. A pesquisa pode ser feita usando
urina e com a ajuda da citogenética usando a técnica de Fish (hibridização in situ). Com esse
resultado o médico pode determinar o diagnóstico, o tratamento específico e o prognóstico.

• Telomerase: enzima que coloca sequências específicas e repetitivas de DNA no telômero


(extremidade 3’ dos cromossomos), aumentando a concentração de ribonucleina. Usando-se
biologia molecular (PCR em tempo real) em urina ou sangue, pesquisa-se transcriptase reversa
de telômero humano (hTERT mRNA), que é marcadora da atividade de telomerase. Esse exame
não só pode confirmar diagnóstico, mas monitorar o câncer de bexiga e colorretal.

• Proteínas solúveis 100 (S100): proteínas sanguíneas que se ligam ao cálcio e são classificadas
em S100A1, S100A4 até S100A12. Alteração pesquisada: concentração de S100. Sua elevação

166
BIOQUÍMICA CLÍNICA

pode ser verificada em melanoma cutâneo, câncer colorretal, sarcomas, astrocitomas, e câncer
gastrointestinal. Esse exame não só pode confirmar diagnóstico, mas também está associado
com a verificação de metástases nos linfonodos.

• Cytokeratin fragments 19 (Cyfra 21.1): proteínas presentes no citoesqueleto do tecido


epitelial. Proteínas dosadas no sangue do paciente cujo aumento está relacionado com câncer
de pulmão e de mama, principalmente, mas pode se elevar em patologias não malignas do
pulmão e da mama. Tal exame está relacionado com a monitoração desses tipos de câncer.

• Proteína da matriz nuclear 22 (NMP22): fibras que formam um envelope nuclear. Caso
ocorra aumento na concentração de NMP22 na urina, principalmente, sugere-se câncer de
bexiga. Com esse resultado, o médico pode determinar o tratamento específico e o prognóstico.

• M2-piruvato quinase (M2-PK): enzima da glicólise que catalisa a formação de piruvato,


mas a fosforilação de M2-PK a transloca para o núcleo e influencia a expressão gênica. Na
pesquisa de fezes, se positivado, é sinal de câncer colorretal. Com esse resultado, o médico pode
monitorar o tumor.

• Cromogranina A: proteína analisada no sangue que se relaciona a tumores neuroendócrinos


que auxilia no diagnóstico e no tratamento. Níveis elevados: feocromocitoma, síndrome
carcinoide, carcinoma medular da tireoide, adenoma hipofisário, carcinoma das ilhotas do
pâncreas e neoplasias endócrinas múltiplas e tumores neuroendócrinos.

• Terminal deoxynucleotidyl transferase (TdT): enzima cuja expressão elevada pode ser dosada
no sangue e caracteriza leucemias e linfomas.

• Fibrina/Fibrinogênio (FDP): produtos de degradação de fibrina e fibrinogênio. O nível elevado


na urina é diagnóstico de câncer de bexiga. O monitoramento leva à análise da resposta ao
tratamento e progressão do tumor.

• Proteína histônica de número 67 (KI 67): proteína nuclear relacionada com câncer de mama
e próstata diretamente ligada ao grau de proliferação celular.

• Programed death ligand 1 (PD-L1): proteína do sistema imunológico que ocorre nos
linfócitos T que induzem as células à morte quando ativada. Certas linhagens tumorais
produzem proteínas estimuladoras de PD-L1 que causam a morte de linfócitos citotóxicos,
tornando os tumores mais agressivos devido à diminuição da imunidade celular do paciente.
Níveis séricos elevados: câncer de pulmão de células não pequenas, melanoma, câncer de
rim e câncer de bexiga, entre outros. Com esse resultado o médico pode analisar se a terapia
está correta.

167
Unidade II

Resumo

Nesta unidade, vimos que o pâncreas é uma glândula com funções


endócrina e exócrina. A parte exócrina está relacionada com as enzimas
do suco gástrico, e a endócrina, principalmente, com insulina e glucagon.
Entendemos também que a insulina é um hormônio hipoglicêmico e o
glucagon, hiperglicêmico.

Compreendemos que quando o pâncreas não funciona corretamente,


doenças são desencadeadas, como hiperglicemias (diabetes mellitus 1 e 2 e
diabetes gestacional), intolerância à glicose, resistência à insulina, hipoglicemia
e pancreatite. Para diagnosticar a patologia e seguir com o tratamento,
devem‑se fazer exames do pâncreas exócrino, como determinações
enzimáticas da amilase.

Nesta unidade também pudemos estudar a importância do


fígado e compreender de forma clara os principais testes e exames
laboratoriais empregados na avaliação das patologias hepáticas e do
sistema hepatobiliar.

Discutiu-se o metabolismo dos principais compostos nitrogenados


não proteicos e o metabolismo das bilirrubinas e a associação
com as icterícias

Compreendemos a importância dos lipídios, foram abordadas as


principais alterações do metabolismo lipídico, a inter-relação metabólica
das lipoproteínas plasmáticas e os mecanismos bioquímicos de relevância
da aterogênese e nas dislipidemias. Foram estudados os fatores associados
com o surgimento e o agravamento das doenças cardíacas. Compreendemos
os princípios gerais e reconhecemos as principais enzimas relevantes no
diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, tais como creatina quinase,
troponina, mioglobina, entre outras; bem como os parâmetros para uma
melhor avaliação de transtornos musculares.

Os íons cálcio e fósforo são muito importantes, pois não estão


apenas relacionados com a saúde dos dentes e dos ossos, mas tem
outras funções. Devem ser ingeridos com os alimentos e, caso a ingestão
seja insuficiente, deve-se complementar com complexos vitamínicos e
de sais minerais.

A vitamina D é a mais importante neste capítulo, sendo sintetizada na


pele e ativada por raios solares UVB, produzindo vitamina D3 e em menores

168
BIOQUÍMICA CLÍNICA

quantidades pela dieta (vitamina D2). O fígado e os rins processam esta


vitamina, colocando o radical hidroxila na posição 1 e 25 (chamada de 1,25
dihidroxivitamina D) ficando ativa. Entre os hormônios mais importantes
neste capítulo podemos citar calcitonina (hormônio hipocalcemiante) e
paratormônio (hormônio hipocalcemiante e hipofosfatemiante).

Ligadas ao metabolismo do cálcio e fosforo estão as glândulas


tireoide e paratireoide, que quando estão em hiperfuncionamento ou
hipofuncionamento causam várias doenças.

O ferro é um elemento químico extremamente importante para o


metabolismo celular. Uma das principais causas da deficiência de ferro
se dá através da carência nutricional. No entanto, níveis ainda abaixo
do valor de referência podem levar a estados graves da anemia; e
em contrapartida, alterações genéticas podem levar à sobrecarga de
ferro, como a hemocromatose. Em termos clínicos do ponto de vista
fisiopatológico, há parâmetros importantes que podem ser determinados
para fins de prognóstico e, dessa forma, esses resultados laboratoriais
podem contribuir para o sucesso do tratamento. Entre estes parâmetros
podemos citar a dosagem de ferro sérico, transferrina, ferritina, TIBC e
saturação de transferrina, cujas respectivas correlações são determinantes
para o diagnóstico diferencial.

Este capítulo apresenta informações sobre marcadores tumorais


e cada vez que uma nova pesquisa ocorre, mais marcadores e mais
entendimento sobre essa complexa doença ocorre.

A especificidade e sensibilidade de alguns MT levaram os médicos a


desconfiar da reprodutibilidade de alguns resultados, principalmente com
o advento de exames de imagem cada vez mais evoluídos, mas devemos
lembrar que quando se percebe em imagem este tumor já está grande
demais e, dessa forma, o tratamento pode ser mais demorado ou ineficiente.

Quanto mais se pesquisa o câncer, mais proteínas e vias de sinalização


são alvo de futuros marcadores tumorais.

169
Unidade II

Exercícios

Questão 1. Leia o infográfico e o texto a seguir.

Figura 63

Diabetes mellitus (DM) é uma doença metabólica crônica não transmissível, de origem
multifatorial, caracterizada pela elevação permanente dos níveis glicêmicos decorrente da ausência
e/ou incapacidade da insulina de exercer sua função fisiológica, gerando uma série de complicações e
disfunções de órgãos essenciais. É considerada como uma epidemia mundial e um problema de saúde
pública, com crescente prevalência e considerada em todo o mundo. As estimativas da Organização
Mundial da Saúde (OMS) sobre DM sugerem que a doença foi responsável por 1,4 milhão de óbitos
em 2011. Apontam ainda que, entre 2010 e 2030, haverá um aumento de 69% no número de adultos
com DM nos países em desenvolvimento e de 20% nos países desenvolvidos. Até 2025, a expectativa
é de 350 milhões de pessoas acometidas pela doença em 2025 e no Brasil serão 18,5 milhões.

Em idosos, o DM tem sido encontrado em incidências que variam de 18,6% a 23,5% em pesquisas
realizadas no Brasil. O aumento da expectativa de vida em idosos, quando associados a hábitos de vida
inadequados, consequentemente reflete uma maior incidência de doenças crônicas nessa população,
especialmente, o DM.

LIMA, L. R. D. et al. Qualidade de vida e o tempo do diagnóstico do diabetes mellitus em idosos.


Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 21, n. 2, p. 176-185, 2018.

170
BIOQUÍMICA CLÍNICA

As informações dadas fazem referência ao avanço do diabetes em nossa sociedade e desperta


nossa atenção para a seriedade com a qual essa doença deve ser tratada. Avalie as afirmativas a
seguir elaboradas sobre esse tema.

I – Quando o nível da glicose abaixa no sangue é porque as ilhotas alfa de Langerhans bloqueiam
a produção de glucagon, hormônio que é antagônico à insulina; isso causa diminuição da glicemia,
quebra do glicogênio hepático e acúmulo de glicose pelas células do fígado.

II – Para sabermos sobre o funcionamento do pâncreas exócrino, devemos entender os hormônios


produzidos, a insulinemia e a determinação de glucagon no sangue ou as reações que levem aos seus
funcionamentos.

III – Para sabermos como está a função endócrina do pâncreas, devemos dosar as enzimas
pancreáticas no soro, como a lipase e a amilase.

Sobre as afirmativas apresentadas, assinale a alternativa correta.

A) Apenas a I é correta.

B) Apenas a II é correta.

C) Apenas a I e a II são corretas.

D) Todas são corretas.

E) Todas são incorretas.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: algumas etapas mencionadas na afirmativa estão erradas. Se o nível de glicose


abaixa no sangue é porque as ilhotas alfa de Langerhans são estimuladas a liberar (e não a bloquear
a produção) glucagon, hormônio que é antagônico à insulina; isso causa aumento da glicemia pela
quebra do glicogênio hepático e pela liberação de glicose pelas células do fígado.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: para sabermos como está a função exócrina do pâncreas, devemos dosar as enzimas
pancreáticas no soro, como a lipase e a amilase.

171
Unidade II

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: para sabermos sobre o funcionamento do pâncreas endócrino, devemos entender


os hormônios produzidos, a insulinemia e a determinação de glucagon no sangue ou as reações que
levem aos seus funcionamentos.

Questão 2. Leia o texto a seguir.

Um dos grandes desafios a ser considerado no país é o envelhecimento de sua população. A


osteoporose e as fraturas por fragilidade destacam-se pelos altos custos à saúde pública, impactando
negativamente na qualidade de vida dos idosos. Nos estudos nacionais, a prevalência relatada de
osteoporose entre mulheres pós-menopáusicas varia de 15,0% a 33,0%. Em geral, essas pesquisas
também mostram elevada prevalência de todos os tipos de fratura por fragilidade óssea, variando de
11,0% a 23,8%; e moderada incidência de fratura de quadril em indivíduos acima de 50 anos de idade.

Objetivando evitar essas complicações, diversos estudos europeus, norte-americanos e asiáticos


têm mostrado a relevância clínica de ferramentas de avaliação que possam ser usadas para discriminar
indivíduos com maior risco de desenvolver osteoporose. Algumas dessas ferramentas, por exemplo, a
estimativa calculada simples de osteoporose (Score) e o índice belga de risco de osteoporose (Osiris),
indicam que a identificação precoce dos fatores de risco seria a principal meta na introdução de
estratégias efetivas de prevenção da osteoporose, os quais foram considerados na elaboração desse
aplicativo denominado OSTEOGUIA.

BERNARDI, H. L. F.; MOTTA, L. B. D. Desenvolvimento de aplicativo como ferramenta de apoio à investigação e prevenção de
osteoporose. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 21, n. 4, p. 408-418. 2018 (com adaptações).

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as asserções e a relação entre elas.

A osteoporose não apresenta manifestações clínicas específicas. Assim, o histórico clínico e o


exame físico detalhados são fundamentais para que sejam identificados os fatores que contribuem
para a perda de massa óssea e para que sejam excluídas as causas secundárias de osteoporose. Alguns
fatores de risco são passíveis de reversão.

porque

A osteoporose pode, geralmente, ser prevenida e tratada gerenciando os fatores de risco, garantindo
a adequada ingestão de cálcio e de vitamina D e realizando a prática de exercícios de suporte de peso
e a ingestão de bifosfonatos ou outros medicamentos.

172
BIOQUÍMICA CLÍNICA

Assinale a alternativa correta.

A) A primeira asserção é falsa, e a segunda asserção é verdadeira.

B) A primeira asserção é verdadeira, e a segunda asserção é falsa.

C) As duas asserções são verdadeiras, e a segunda asserção justifica a primeira.

D) As duas asserções são verdadeiras, e a segunda asserção não justifica a primeira.

E) As duas asserções são falsas.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das asserções

I – Asserção verdadeira.

Justificativa: de fato, a osteoporose corresponde a uma condição do ser humano em que ocorre
redução da densidade dos ossos, enfraquecendo-os a tal ponto que se torna uma pré-condição
importante para fraturas. Essa alteração nos ossos não causa sintomas e avança silenciosamente até
que ocorre o infortúnio de uma fratura decorrente de traumas como quedas e batidas. Os fatores de
risco mais importantes relacionados à osteoporose e às fraturas na pós-menopausa são: idade, sexo
feminino, etnia (branca ou oriental), história prévia pessoal e familiar de fratura, baixa densitometria
óssea (DMO) do colo de fêmur, baixo índice de massa corporal, uso de glicocorticoide oral, fatores
ambientais (inclusive o tabagismo), ingestão abusiva de bebidas alcoólicas, inatividade física e baixa
ingestão dietética de cálcio. Todos os pacientes com diagnóstico de osteoporose devem ser avaliados
para fatores de risco (já mencionados) antes do início do tratamento para a osteoporose e para as
fraturas, por meio de histórico, de exames físicos minuciosos e de exames laboratoriais mínimos. Em
casos de suspeita clínica, testes laboratoriais específicos devem ser solicitados para o diagnóstico de
causas de osteoporose secundária. Para tal diagnóstico, é preciso que, a partir de determinada idade,
as pessoas busquem orientação médica com a intenção de avaliar seu histórico clínico e realizar exame
físico detalhado. Recomenda-se, para todos os pacientes, antes do início de qualquer tratamento, uma
avaliação laboratorial mínima, que inclua hemograma completo, cálcio, fósforo, fosfatase alcalina,
função tireoidiana e dosagem de 25(OH), vitamina D sérica e calciúria de 24 horas, além de radiografia
simples lateral da coluna torácica e lombar e medidas da DMO na coluna lombar e no fêmur proximal.

II – Asserção verdadeira.

Justificativa: avaliando-se os fatores de risco mencionados na justificativa anterior, percebe-se


que é possível intervirmos neles e modificá-los com o estímulo da prática de atividade física, o
abandono do tabagismo e a restrição de medicações sedativas e hipnóticas e de outros motivos que
possam reduzir a massa óssea. Além disso, pode-se atuar no sentido de corrigir déficits visuais e de
implantar medidas para minimizar o risco de quedas.
173
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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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