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Farmacêutica graduada em 1985 pela Faculdade Oswaldo Cruz, especialista em homeopatia pela Universidade
de São Paulo. Atua como farmacêutica no mercado da manipulação em farmácias homeopáticas, no gerenciamento
das boas práticas e controle de qualidade e no atendimento ao público através da atenção farmacêutica nas Práticas
Integrativas e Complementares, além de ser docente na Universidade Paulista (UNIP) desde 1998.
CDU 615.015.32
U515.92 – 22
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permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Unip Interativa
Material Didático
Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Angélica L. Carlini
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. Deise Alcantara Carreiro
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Andressa Picosque
Vera Saad
Sumário
Farmácia Homeopática
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9
Unidade I
1 A HOMEOPATIA................................................................................................................................................. 11
1.1 A farmácia na homeopatia................................................................................................................ 11
1.1.1 Responsabilidade técnica do farmacêutico...................................................................................11
1.2 Áreas de atuação do farmacêutico homeopata....................................................................... 12
2 HISTÓRIA DA MEDICINA HOMEOPÁTICA E SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS..................... 15
2.1 Homeopatia: história e tipos de terapêutica............................................................................. 15
2.1.1 Homeopatia no Brasil............................................................................................................................. 18
2.1.2 Tipos de terapêutica............................................................................................................................... 21
2.2 Princípios ou fundamentos da homeopatia............................................................................... 22
2.2.1 Lei dos Semelhantes (Similia similibus curentur)....................................................................... 22
2.2.2 Experimentação no homem são........................................................................................................ 23
2.2.3 Doses mínimas.......................................................................................................................................... 24
2.2.4 Remédio único.......................................................................................................................................... 25
2.3 Ação do medicamento homeopático............................................................................................ 26
2.3.1 Ação primária e efeito secundário no Organon.......................................................................... 27
2.3.2 Lei biológica de Arndt‑Schultz........................................................................................................... 28
2.3.3 Leis de Hering............................................................................................................................................ 29
2.4 Força vital................................................................................................................................................. 30
2.4.1 Níveis dinâmicos: suscetibilidade constitucional....................................................................... 32
2.5 Escolas homeopáticas.......................................................................................................................... 34
2.5.1 Unicismo...................................................................................................................................................... 34
2.5.2 Pluralismo ou alternismo...................................................................................................................... 36
2.5.3 Escola complexista.................................................................................................................................. 38
2.5.4 Outras prescrições: organicismo........................................................................................................ 39
3 CLASSIFICAÇÃO DAS DOENÇAS.................................................................................................................. 39
3.1 Doenças agudas..................................................................................................................................... 39
3.1.1 Enfermidades agudas individuais e coletivas............................................................................... 40
3.1.2 Gênio epidêmico...................................................................................................................................... 40
3.1.3 Critérios para a escolha do medicamento no quadro agudo................................................ 41
3.2 Doenças crônicas................................................................................................................................... 42
3.3 Classificação dos miasmas crônicos.............................................................................................. 42
3.3.1 Psora.............................................................................................................................................................. 44
3.3.2 Sicose............................................................................................................................................................ 44
3.3.3 Sífilis.............................................................................................................................................................. 44
4 A CONSULTA HOMEOPÁTICA....................................................................................................................... 46
4.1 Anamnese................................................................................................................................................. 46
4.2 Matéria médica homeopática.......................................................................................................... 47
4.2.1 Exemplo de patogenesia....................................................................................................................... 48
4.2.2 Repertório médico homeopático...................................................................................................... 48
4.3 Características dos medicamentos................................................................................................. 49
4.3.1 Medicamentos policrestos................................................................................................................... 49
4.3.2 Medicamentos incompatíveis e complementares...................................................................... 50
4.3.3 Medicamentos antimiasmáticos........................................................................................................ 50
4.3.4 Medicamento de fundo ou de terreno........................................................................................... 50
4.3.5 Medicamentos constitucionais.......................................................................................................... 50
4.3.6 Medicamentos homeopáticos oficinais.......................................................................................... 51
4.4 Críticas à homeopatia, mitos e dúvidas frequentes................................................................ 52
Unidade II
5 O MEDICAMENTO HOMEOPÁTICO............................................................................................................. 61
5.1 Insumos inertes e excipientes.......................................................................................................... 61
5.1.1 Água purificada........................................................................................................................................ 62
5.1.2 Álcool etílico ou etanol......................................................................................................................... 63
5.1.3 Glicerina bidestilada............................................................................................................................... 65
5.1.4 Lactose......................................................................................................................................................... 66
5.1.5 Sacarose....................................................................................................................................................... 66
5.1.6 Glóbulos inertes........................................................................................................................................ 66
5.1.7 Microglóbulos inertes............................................................................................................................ 67
5.1.8 Comprimidos inertes.............................................................................................................................. 67
5.1.9 Tabletes inertes......................................................................................................................................... 68
5.2 Material de acondicionamento e embalagens.......................................................................... 68
5.2.1 Lavagem e esterilização dos recipientes e acessórios............................................................... 69
5.3 Medicamentos homeopáticos: regras de nomenclatura....................................................... 70
5.3.1 Siglas dos métodos e escalas de dinamização............................................................................. 70
5.3.2 Regras de nomenclatura....................................................................................................................... 71
5.3.3 Sinonímias.................................................................................................................................................. 71
5.3.4 Abreviaturas............................................................................................................................................... 72
5.3.5 Rotulagem.................................................................................................................................................. 74
5.4 Insumo ativo: origem do medicamento homeopático.......................................................... 75
5.4.1 Drogas do reino vegetal........................................................................................................................ 76
5.4.2 Drogas do reino animal......................................................................................................................... 76
5.4.3 Drogas do reino mineral....................................................................................................................... 77
5.4.4 Outras substâncias.................................................................................................................................. 77
5.5 Medicamento homeopático: definição........................................................................................ 78
6 FARMACOTÉCNICA HOMEOPÁTICA: PREPARAÇÕES BÁSICAS E PREPARAÇÕES
DINAMIZADAS OU DERIVADAS...................................................................................................................... 78
6.1 Tinturas homeopáticas ou preparações básicas....................................................................... 78
6.1.1 Preparação de tintura‑mãe de origem vegetal........................................................................... 79
6.1.2 Preparação de tintura‑mãe de origem animal............................................................................ 82
6.1.3 Prazo de validade..................................................................................................................................... 82
6.2 Preparações homeopáticas derivadas........................................................................................... 83
6.2.1 Método de dinamização hahnemanniano ou de frascos múltiplos................................... 85
6.2.2 Método de dinamização de fluxo contínuo.................................................................................. 92
6.2.3 Método de dinamização korsakoviano........................................................................................... 95
6.3 Escalas de dinamização...................................................................................................................... 96
6.4 Formas farmacêuticas de dispensação: uso interno............................................................... 99
6.4.1 Formas farmacêuticas de uso interno líquidas..........................................................................100
6.4.2 Preparações especiais...........................................................................................................................106
6.4.3 Formas farmacêuticas de uso interno sólidas............................................................................107
6.5 Formas farmacêuticas de dispensação: uso externo............................................................113
Unidade III
7 BIOTERÁPICOS.................................................................................................................................................126
7.1 Prescrição dos nosódios ou bioterápicos...................................................................................128
7.2 Definição.................................................................................................................................................129
7.3 Classificação..........................................................................................................................................129
7.3.1 Bioterápicos de estoque..................................................................................................................... 129
7.3.2 Isoterápicos..............................................................................................................................................131
8 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA.........................................................................................................................134
8.1 Boas Práticas de Manipulação em Farmácias..........................................................................135
8.1.1 Estrutura física....................................................................................................................................... 136
8.1.2 Documentos............................................................................................................................................ 137
8.1.3 Profissionais............................................................................................................................................ 137
8.1.4 Mobiliário e equipamentos............................................................................................................... 138
8.2 Controle de qualidade.......................................................................................................................139
8.2.1 Teste de gotejamento para medicamentos homeopáticos...................................................141
8.3 Monografias encontradas na FHB 3............................................................................................142
8.4 Atualizações..........................................................................................................................................143
8.4.1 Pesquisa clínica...................................................................................................................................... 145
APRESENTAÇÃO
Como futuro profissional, o aluno será capaz de atuar na área farmacêutica com a devida
responsabilidade que esta especialização exige, podendo ainda complementar seu aprendizado com
as aulas práticas disponibilizadas ao longo da disciplina e buscar aperfeiçoamento em um estágio num
ambiente homeopático, viabilizando sua habilitação perante os órgãos competentes.
Esta disciplina traz como objetivo principal a apresentação de conceitos importantes à abordagem
clínica da homeopatia. Visa ainda preparar o aluno para a avaliação dos procedimentos necessários à
promoção e recuperação da saúde e para o atendimento e a adequada orientação ao usuário desta
terapêutica e suas particularidades, possibilitando a descoberta de caminhos que suscitem a abordagem
da atenção farmacêutica.
Além disso, a disciplina propõe-se a capacitar o aluno, através de conhecimentos técnicos e científicos,
para executar atividades relacionadas ao preparo de medicamentos homeopáticos e suas atualizações,
familiarizando-o com esta farmacotécnica singular e possibilitando-lhe avaliar a prescrição, dispensação,
gerenciamento e qualidade dos medicamentos.
Ao longo destas páginas, o aluno poderá descobrir um universo diferenciado com temas
significativos. Este livro-texto busca trazer à tona aspectos relevantes à tentativa de desmistificar
conceitos de que a homeopatia não teria embasamento científico e que estes mais de 200 anos em que
ela se destaca seriam apenas uma ilusão da sua eficácia em relação à recuperação da saúde.
Bons estudos!
INTRODUÇÃO
9
Para você poder compreender como surgiram os fundamentos da homeopatia, são trazidos conceitos
importantes sobre a história da medicina e os tipos de terapêutica adotados, mostrando diferenças nas
práticas para uma melhor compreensão dos princípios homeopáticos, como também da ação de seus
medicamentos. Ainda nessa unidade são descritas as diversas escolas homeopáticas, destacando diferenças
nas prescrições, suas vantagens e dificuldades no tratamento.
Destacam-se ainda a importância da força vital, que nos mantém vivos, e a classificação das
doenças na visão de Hahnemann, fundador da homeopatia, que revolucionou a abordagem clínica dos
enfermos e, através de suas observações, conseguiu deixar um legado que se mostra eficaz no cuidado
de indivíduos que procuram um tratamento diferenciado. Tão relevante é sua terapêutica que hoje a
homeopatia está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) através da Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares (PNPIC).
Enfim, esperamos que você possa deixar de lado algum preconceito que porventura tiver e aproveitar
o passeio que este livro-texto proporciona.
Bom estudo!
10
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Unidade I
1 A HOMEOPATIA
Por volta das décadas de 1970 e 1980, a farmácia homeopática voltou a ser reconhecida no
mercado devido ao grande número de profissionais prescritores da época, junto com o surgimento
de instituições e associações da área. É neste contexto, com esta retomada, que a homeopatia passa
a ser reconhecida como especialidade médica e surge a Associação Brasileira de Farmacêuticos
Homeopatas (ABFH), que desenvolve um trabalho de intensificação de pesquisas para garantir uma
padronização e melhoria na qualidade dos produtos homeopáticos, sempre mantendo um diálogo com
a categoria de classe e também com as associações médicas para garantir um elo entre farmacêutico,
medicamento e médico.
São diversos os campos de atuação para o profissional farmacêutico na homeopatia. Entre eles,
temos a indústria, a farmácia de manipulação, o ensino, a pesquisa, o serviço público, a assistência e
atenção farmacêutica e a prescrição.
Atualmente, está em vigor a Resolução CFF n. 576/2013, que “dá nova redação ao artigo 1º da
Resolução CFF n. 440/2005, que dispõe sobre as prerrogativas para o exercício da responsabilidade
técnica em homeopatia” (CFF, 2013a). Com essa atualização, a Resolução CFF n. 440/2005 (CFF, 2005)
passa a determinar que, para assumir a RT na área, o profissional deverá se enquadrar em três
possibilidades:
• ter cursado a disciplina de homeopatia com carga horária mínima de 60 horas‑aula no curso de
graduação em Farmácia, além de ter realizado estágio obrigatório em homeopatia de 120 horas;
11
Unidade I
• ter concluído curso de pós‑graduação ou curso livre reconhecidos pelo Ministério da Educação
e/ou CFF ou possuir título de especialista reconhecido pelo CFF;
São diversas as áreas em que este profissional pode atuar. Entre elas temos a farmácia de
manipulação, a indústria, a farmácia clínica, o ensino e pesquisa, além do serviço público e da
assistência e atenção farmacêutica.
Grande número de farmácias tem hoje, graças à regulamentação das Boas Práticas de Manipulação
em Farmácias (BPMF), laboratório também de manipulação homeopática, possibilitando assim a
elaboração desse tipo de medicamento, o que abre um mercado promissor. Segundo a legislação,
o profissional que se dedica a essa atividade deverá ter pleno conhecimento da farmacotécnica
homeopática, definida pela edição em vigor da Farmacopeia homeopática brasileira (FHB), assim
como das publicações reconhecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Este profissional poderá atuar em diversas áreas, como no laboratório de manipulação, na garantia
de qualidade, na prescrição, na dispensação e na atenção farmacêutica, podendo auxiliar diversos
clientes em consulta.
A lei respalda a atuação clínica desse profissional na provisão de diferentes serviços e procedimentos.
Assim, cabe ao farmacêutico homeopata fundamentar e implantar todas estas ações (BRASIL, 2014).
12
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Saiba mais
Outra área de atuação deste profissional é na indústria homeopática, onde são fabricados
insumos farmacêuticos dinamizados, conhecidos como matrizes homeopáticas, e as tinturas‑mãe (TM),
que são matérias‑primas essenciais para as farmácias de manipulação, além de produtos oficinais
e medicamentos homeopáticos industrializados para comercialização em farmácias e drogarias.
A cartilha Homeopatia, publicada pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF‑SP),
esclarece que,
13
Unidade I
Saiba mais
Já na farmácia clínica, de acordo com a Resolução CFF n. 585/2013 (CFF, 2013b), as atribuições
clínicas do farmacêutico, incluindo o homeopata, abrangem o cuidado ao paciente de forma a
promover o uso racional de medicamentos e otimizar a farmacoterapia, com o propósito de alcançar
resultados que melhorem a qualidade de vida do doente.
Muitas vezes, no dia a dia da farmácia, somos procurados para o atendimento farmacêutico com
a solicitação de um medicamento, geralmente para casos como febre, dor de garganta, alergia, tosse etc.
Este atendimento é legítimo, pois, como farmacêuticos homeopatas, temos o conhecimento adequado
para intervir num quadro agudo, auxiliando na cura de doenças leves e prevenindo o desenvolvimento
de enfermidades graves, levando sempre em conta a Lei dos Semelhantes e considerando os sintomas
apresentados para procurar e indicar o medicamento mais apropriado para cada caso.
Observação
14
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
O profissional deve ainda ser capaz de orientar o usuário a utilizar corretamente os medicamentos,
pois estes apresentam particularidades que devem ser respeitadas para permitir sua melhor ação e
eficácia no tratamento. Como os medicamentos homeopáticos são muito sensíveis, essa orientação
abrange alguns cuidados como: mantê‑los longe de aparelhos eletrodomésticos que emitam radiações
(TVs, computadores, fornos de micro‑ondas, celulares); distantes de odores fortes, como perfumes,
produtos de limpeza e medicamentos canforados; afastados de calor e umidade; não utilizar cânfora
ou mentol; administrar a dose sempre longe das refeições etc. Em viagens de avião, por exemplo, é
preciso protegê‑los dos raios X. Para isso hoje temos embalagens apropriadas que conseguem impedir a
passagem das radiações (figura 1).
15
Unidade I
O conceito de unidade vital afirmava que o homem doente não deveria ser separado de seu meio,
tampouco a doença corresponderia apenas a sinais e sintomas de um único órgão doente que deveriam
ser curados isoladamente, mas devia ser interpretada considerando o quadro particular de cada indivíduo.
O processo especial de preparação que permite curar a pessoa doente com a mesma substância
capaz de provocar determinadas alterações (sintomas) em uma pessoa sadia é a manipulação
homeopática, que você poderá estudar mais detalhadamente na Unidade II.
Saiba mais
O FÍSICO. Direção: Philipp Stölzl. Alemanha: UFA Fiction, 2013. 155 min.
Lembrete
Após a morte de Hipócrates (377 a.C.), Aristóteles (384‑322 a.C.), também médico, estabeleceu uma
doutrina geral fixa e fechada, em que cada ramo do saber tem seu lugar. Galeno (129‑201 d.C.) limitou
similarmente a medicina ao sistema aristotélico, mas espalhou os ensinamentos hipocráticos pelo mundo
médico. Estes conceitos perduraram até a Renascença, quando surgiu Paracelso (1493‑1541), precursor da
16
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
homeopatia, que preferiu retornar aos princípios hipocráticos e introduziu a análise química e física na
prática médica.
Dois séculos depois nasceu Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755‑1843). Filho de artesãos,
Hahnemann observava seu pai, pintor e mercador de porcelana, no preparo das tintas, o que lhe
proporcionou um contato com a química, e, como o acompanhava, foi desenvolvendo o conhecimento
de vários idiomas. Como plebeu, não podia frequentar a biblioteca da escola, no entanto, pelo seu
desempenho, recebeu ajuda dos professores, intensificando seus estudos em diversas áreas. Em 1775,
foi para Leipzig estudar medicina, dedicando‑se, para seu sustento, a aulas particulares de línguas
estrangeiras e traduções de obras científicas para o alemão. Sempre se destacando no meio acadêmico,
recebeu o grau de doutor em Medicina na Universidade de Erlangen, Alemanha, e seu tratado Matéria
médica, que versava sobre as propriedades medicinais das drogas, tornou‑se o manual oficial da época,
além de ter sistematizado a farmacopeia alemã (FONTES et al., 2018).
Hahnemann, já como médico ortodoxo, insatisfeito com as práticas existentes, teceu várias críticas à
medicina da época – que se apoiava, basicamente, em sangrias, fórmulas e medicamentos tóxicos para
o tratamento das doenças – e, desiludido, abandonou a profissão. Para sobreviver, voltou a trabalhar
como tradutor científico e traduziu, em 1790, a Matéria médica de Cullen, observando o estudo que este
fazia da casca da Cinchona officinalis, a quinina, já utilizada na época para o tratamento da malária.
Intrigado, resolveu experimentar sua ação nele mesmo. Tomou várias doses fortes de quinina e logo
sentiu os sintomas de um estado febril semelhante às febres intermitentes que são curadas pelo uso
desta substância. Portanto, Hahnemann redescobriu a antiga Lei da Semelhança de Hipócrates.
Saiba mais
Hahnemann passou então a experimentar várias drogas em homens sadios, mas surgia um problema:
como testar as drogas tóxicas? Para isso, ele contava com relatos de casos acidentais e estudos da
farmacologia tradicional. Visando poder dar sequência aos seus experimentos, passou a aplicar o
processo de diluições seriadas, que permitiriam testar drogas tóxicas e venenos, e em 1796 criou a
homeopatia, tendo como fundamentos a Lei da Semelhança, a experimentação no homem são e doses
mínimas, também conhecidas como infinitesimais.
Por volta de 1805, sua vida começou a melhorar e conseguiu se dedicar aos seus escritos. O mais
importante deles foi o ensaio A medicina da experiência, precursor de seu trabalho teórico Organon
da arte de curar, livro que traz toda a filosofia e farmacotécnica homeopática, sendo o material de cabeceira
17
Unidade I
ou a bíblia homeopática de quem se dedica a esta arte terapêutica. Outros escritos importantes foram
a Matéria médica pura e As doenças crônicas, em que lista uma série de medicamentos completamente
novos para curar tais enfermidades.
Hahnemann obteve muito sucesso nesta sua abordagem, angariando seguidores e discípulos e
espalhando a homeopatia por todos os continentes. No entanto, uma nova terapêutica sempre traz
também muitos inimigos, principalmente devido aos ataques de Hahnemann à escola médica
tradicional e também aos boticários, pois ele fazia seus próprios medicamentos e aconselhava também
todos os seus discípulos a fazê-lo.
Sua vida na Alemanha foi sempre muito difícil. Em 1834, já viúvo, Hahnemann conheceu Marie
Melanie d’Hervilly, jovem francesa que o procurou para tratar da saúde. Acabaram se casando e se
mudando para Paris, onde a homeopatia já estava estabelecida e o médico foi recebido de braços abertos.
Foi então que conquistou todo o reconhecimento e sucesso de sua carreira, e nesta época escreveu a
sexta e última edição do Organon.
Saiba mais
A homeopatia foi introduzida oficialmente no Brasil em 1840 pelo médico francês Benoît Jules Mure,
que trouxe da Europa o conhecimento, as substâncias e tinturas utilizadas nessa prática e começou
a divulgar sua doutrina através de cursos. Por volta de 1851, separou‑se a prática médica da prática
farmacêutica, mas somente com o Decreto n. 9.554/1886 (BRASIL, 1886) surgiu o direito de apenas
os farmacêuticos manipularem medicamentos homeopáticos.
A Lei n. 5.991/1973 (BRASIL, 1973), que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas,
medicamentos, correlatos e insumos farmacêuticos, incluiu a farmácia homeopática na legislação,
enquanto a Lei n. 6.360/1976 (BRASIL, 1976) incluiu os medicamentos homeopáticos no sistema de
Vigilância Sanitária.
18
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Surge em 1976 a primeira edição da FHB, com destaque para Helena Minin, farmacêutica e médica
homeopata.
Em 1980, a homeopatia foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina como especialidade
médica, e nessa mesma década a Resolução CFF n. 176/1986 (CFF, 1986) ratificou a farmácia homeopática
como privativa da profissão farmacêutica.
Nesse período, as farmácias podiam usar como referência as farmacopeias alemã, francesa, brasileira
e outras literaturas oficiais, o que levava a uma não padronização da técnica utilizada. Foi então aprovada
no Congresso Brasileiro de Homeopatia, realizado em Gramado/RS em 1988, uma moção que culminou
com a publicação pela ABFH do Manual de normas técnicas para farmácia homeopática em 1992.
Hoje estamos já com a quinta edição deste manual, trabalho árduo e fruto da união de farmacêuticos
homeopatas de todo o Brasil que realizam pesquisas e buscam sempre melhorar a padronização e
atualizar as técnicas utilizadas.
Farmacopeia Homeopática
Brasileira
3a edição
A) B) 2011
Em 1997 surgiu a segunda edição da FHB (BRASIL, 1997), muito criticada, pois normatizava técnicas
divergentes daquilo que o Manual da ABFH (1995) desenvolveu. Apenas em 2011 surgiu a terceira
edição da Farmacopeia homeopática brasileira (FHB 3), aprovada pela Anvisa e finalmente aceita pelas
farmácias como dentro da padronização.
Dois anos depois foi publicada a Resolução CFF n. 585/2013, que regulamenta as atribuições clínicas
do farmacêutico, e a Resolução CFF n. 586/2013 (CFF, 2013c), que regula a prescrição farmacêutica.
19
Unidade I
Figura 3 – PNPIC
Observação
Saiba mais
Para entendermos a ação dos medicamentos alopáticos, devemos entender a medicina convencional,
conhecida como medicina alopática, que tem como princípio a cura pelo contrário, ou seja, o medicamento
indicado para tratamento funciona com um efeito oposto aos sintomas sentidos pelo paciente.
O termo alopatia vem do grego allos (contrário, diferente) e pathos (sofrimento, doença), e essa
terapêutica se baseia no princípio Contraria contrarius curantur Antibióticos ou antiparasitários são
exemplos dela.
Dentro deste conceito temos ainda o termo enantiopatia, que também trata a doença pelo
contrário: enantios significa contrário, oposto, e alguns de seus exemplos são antitérmicos, antiácidos
e analgésicos.
Muitas vezes, essa terapêutica acaba sendo paliativa, pois não trata o desequilíbrio, somente alivia o
sintoma, que pode voltar a aparecer quando passa o efeito do medicamento.
Exemplo de aplicação
No caso de um paciente com febre acima de 38 °C, a alopatia usaria um antitérmico para diminuir
a temperatura corporal, ou seja, agiria de forma contrária ao sintoma. Um paciente com acidez
estomacal poderia fazer uso de um antiácido para minimizar este problema. Em nenhum desses casos
se investigou o que estava levando à febre ou provocando a acidez. Reflita sobre isso, sobretudo levando
em consideração que, em muitas ocasiões, ao passar o efeito do medicamento, o problema pode voltar.
21
Unidade I
Por sua vez, a homeopatia trabalha de maneira diferente. Emprega‑se a Lei da Semelhança ou
similitude, segundo a qual, como já vimos, para tratar a enfermidade, deve‑se procurar a substância que
no homem sadio causa sintomas semelhantes aos sintomas do enfermo.
Lembrete
Exemplo clássico deste conceito é o uso do café. Quem gosta desta bebida sabe como nos auxilia
a acordar diariamente, pois atua como estimulante, e na homeopatia, pela similitude, poderá ser
administrado, entre outras coisas, para o tratamento da insônia. Veremos na seção 2.3 a ação dos
medicamentos homeopáticos, relacionando a ação primária e reação secundária das substâncias.
Outro tipo de terapêutica é a isopatia, cujo método trata a doença com o mesmo princípio contagioso
que a produziu. Iso significa igual, mesmo.
Um exemplo para elucidar esta terapêutica é o uso de alérgenos, cuja aplicação irá dessensibilizar
o indivíduo.
No caso, a missão do clínico homeopata é prescrever substâncias que, quando utilizadas em pessoas
sadias, produzam sintomas análogos aos da doença a ser combatida. Essas substâncias são transformadas
em medicamentos homeopáticos através de um processo denominado dinamização, que permite diminuir
os efeitos tóxicos da substância original e aumentar seu poder curativo.
Exemplo de aplicação
Temos um medicamento homeopático feito de uma abelha, o Apis mellifica. Se um indivíduo apresenta
um processo alérgico por picada desse inseto, com dor, coceira, rubor, inchaço etc., poderá utilizar este
medicamento dinamizado para combater esta reação. Desta maneira, ele é utilizado segundo a isopatia.
No entanto, Apis mellifica é um medicamento com muitas outras ações. Portanto, se um paciente
apresentar dores intensas, similares a ferroadas, com inchaço etc., mas nem mesmo chegou perto de
uma abelha, este medicamento será prescrito segundo a Lei da Semelhança.
Isso nos leva ao segundo princípio da homeopatia, que é a experimentação no homem são, também
conhecida como experimentação patogenética.
Saiba mais
23
Unidade I
Esses sintomas são chamados patogenéticos Para que o organismo os produza, é necessário que
a dosagem seja suficiente para promover seu desequilíbrio. As drogas são testadas nas doses tóxicas,
hipotóxicas e dinamizadas para poder revelar todos os seus sintomas. Sendo a substância experimentada
um estímulo transitório, os seus efeitos se extinguem sem deixar sequelas.
Observação
Segundo Kossak‑Romanach (1984), Hahnemann adotou a aplicação clínica das drogas em doses
reduzidas, subtóxicas, embora em nível ponderável, sobrevindo curas sempre que a correlação de
semelhança era obedecida. Como a princípio os indivíduos frequentemente apresentavam agravamento
inicial, atribuído à soma da doença já existente com aquela artificial induzida pelo simillimum – somatório
dos efeitos do medicamento com a doença (figura 4) –, foi através da experimentação que se chegou
à dose mínima, pois, para testar substâncias tóxicas e venenos, Hahnemann utilizou medicamentos
diluídos no intuito de contornar os inconvenientes.
Doença natural
+
Doença artificial semelhante
_______________________________
Piora inicial
24
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Inicialmente, Hahnemann acreditava que esta técnica de diluição pudesse diminuir o efeito terapêutico
da droga. No entanto, surpreendeu‑se ao constatar que as diluições não apenas conservavam, mas
também adquiriam maior potencial curativo.
Hahnemann criou então um método de diluições que pudesse ser copiado e usado por outras
pessoas, elaborando a escala de diluição centesimal (1:99), sendo que a cada diluição sucussionava o
frasco para melhor homogeneizar o conteúdo.
Observação
Os termos diluição, potência e dinamização passaram a ser empregados sob o ponto de vista prático.
Na homeopatia, não se admite uma diluição que não esteja complementada pelas sucussões. A descoberta
do poder farmacodinâmico das doses mínimas tornou as doses ponderáveis desnecessárias, obsoletas e
contraindicadas, sendo que, segundo Kossak‑Romanach (1984), dose mínima passou a representar um
dos fundamentos do novo método, o mais polêmico até a atualidade.
Na experimentação patogenética, testa‑se apenas uma droga por vez. Portanto, são administrados os
medicamentos isoladamente, evitando interações ou mesmo antídotos entre as diferentes substâncias.
O simillimum capaz de curar o portador de determinada doença será qualquer uma das substâncias
homeopáticas, desde que os sintomas coincidam, estando esta droga na dependência exclusiva das
características pessoais do doente.
25
Unidade I
Lei da Experimentação no
Semelhança homem são
Doses mínimas
(remédio único)
Observação
O medicamento homeopático é como uma chave, um conversor. Se o indivíduo está doente, utilizar o
medicamento semelhante à sua enfermidade leva à cura; se ele está com saúde, tomar o medicamento
leva à enfermidade – patogenesia ou enfermidade artificial (figura 6).
Medicamento
Existem várias teorias sobre o mecanismo de ação dos medicamentos homeopáticos, mas até hoje
nada foi totalmente comprovado. Segundo Kossak‑Romanach (2003), o modo como a droga age está
descrito na introdução da primeira edição do Organon em português, onde Licínio Cardoso faz uma
representação esquemática explicativa da ação do medicamento homeopático. No início, o organismo
recebe a influência da ação morbífica e reage, mas sem muita eficiência, desencadeando a doença.
Com a introdução do medicamento semelhante ao quadro do enfermo, que agirá paralelamente à
moléstia, o organismo reagirá mais fortemente à doença e ao medicamento. Como as reações contrárias
26
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
à droga são semelhantes às reações contrárias à moléstia, quando o medicamento for eliminado, a soma
das duas reações do organismo atuará sobre a ação morbífica (figura 7).
Saúde
Se
Segundo Hahnemann (1996), todo medicamento capaz de atuar sobre a vida desarmoniza mais
ou menos a força vital, produzindo alterações que se devem principalmente ao agente causal e que
representam a ação primária. A esta atuação, a força vital, na condição de atividade automática
responsável pela conservação do equilíbrio orgânico, desenvolve e opõe resistência – reação ou efeito
secundário –, clinicamente traduzida por sintomas.
Durante a ação primária, o organismo e sua força vital se comportam de modo passivo ou
receptivo, para depois desenvolverem estado oposto à atuação nociva através da reação secundária.
Eventualmente, o organismo extingue as alterações imprimidas pelo agente externo e volta ao estado
normal primitivo, sem chegar a evidenciar sintomas (HAHNEMANN, 1996).
27
Unidade I
Efeito primário é a modificação de maior ou menor duração provocada por toda substância na
saúde do indivíduo. Efeito secundário ou reação secundária é a resposta do próprio organismo ao
estímulo que o altera. Fontes et al. (2018, p. 35) complementam:
Segundo Kossak‑Romanach (1984), um exemplo clássico para esclarecer estas ações é observado
facilmente no hábito de ingestão de café, já mencionado na seção 2.1.2. A dose usual desta bebida
é estimulante pela presença maciça da cafeína. Quando a sua eliminação atinge determinado limiar,
são acionados mecanismos orgânicos responsáveis pela sintomatologia contrária à fase de estímulo,
principalmente sonolência e desânimo, induzindo a nova ingestão de cafeína para readquirir o
bem‑estar anterior dependente da ação bioquímica dominante das concentrações humorais elevadas e
que caracterizam a fase primária.
Kossak‑Romanach (1984) destaca que Hahnemann, com base nas suas experimentações científicas,
afirmou que os efeitos primário e secundário dos medicamentos dependem da dose em que são
administrados. Para confirmar esta constatação, em 1920 Hugo Schultz, professor de Farmacologia
da Universidade de Greifswald, estudou leveduras e observou que seu crescimento dependia da
concentração de substâncias tóxicas que recebiam, ou seja, enquanto doses pequenas estimulavam o
crescimento das leveduras, doses grandes o inibiam. Surgiu então a Lei da Farmacoterapia, que dispõe
que “toda excitação provoca sobre a célula um aumento ou diminuição de sua função fisiológica, na
dependência da intensidade fraca ou forte da excitação” (KOSSAK‑ROMANACH, 1984, p. 52). Rudolf
Arndt, fisiologista da mesma universidade, baseando‑se na Lei de Schultz, após várias pesquisas enunciou
a Lei Biológica Fundamental, que pode ser resumida da seguinte forma:
Este enunciado explica a ação inversa dos medicamentos segundo a dose, auxiliando a compreender
o mecanismo de ação das doses mínimas dentro da Lei da Semelhança.
28
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Lembrete
Diarreias, febres e vômitos são sintomas que refletem a expressão dos mecanismos de defesa do
organismo na luta contra a doença. Suprimir estas manifestações é, muitas vezes, dificultar o trabalho
orgânico em direção à cura.
Geralmente, o sintoma é uma reação benéfica do organismo contra algo que o perturba. Contudo,
existem situações em que a doença é mais profunda e o sintoma não é suficiente para debelá‑la e,
nestes casos, pode ser uma influência nociva ao organismo, afetando a condição clínica do paciente e
consequentemente criando obstáculos ao seu restabelecimento.
Saiba mais
Observar a evolução do paciente na constatação desses postulados ajuda o médico a conduzir seu
tratamento homeopático.
A escola hipocrática entende que o organismo agredido automaticamente busca reagir para voltar
ao seu equilíbrio, de forma natural. A essa força curativa atribui‑se o epíteto vis medicatrix naturae, que,
traduzindo do latim, significa a via de cura natural.
Para exemplificar essa força, temos a febre. Ela nada mais é que uma reação do organismo para
tentar atacar o agente nocivo que está se instalando. Muitos médicos homeopatas são contra o uso de
antitérmicos, pois o indivíduo estaria perdendo essa reação de defesa.
O indivíduo, portanto, é visto como um ser dotado de uma força curativa, responsável por mantê‑lo
saudável, que Hahnemann acabou chamando de força vital. Quando essa força não é suficiente, a
pessoa fica enferma. O importante é não analisar somente a doença, mas sim o doente, com suas
manifestações deste desequilíbrio, sua constituição, o meio onde vive, seus hábitos alimentares etc.,
pois todos esses aspectos trazem informações muito importantes para sua individualização. E isto
traz a concepção do binômio saúde‑doença da filosofia hipocrática.
Vírus, bactérias, mudanças no tempo, não importa qual é o agente nocivo, pois todos estão presentes
e em contato com todos os indivíduos. Alguns adoecem e outros, não. Isto se deve ao distúrbio que a
força vital sente e a enfraquece, possibilitando o surgimento da enfermidade. Isto é também um reflexo
da suscetibilidade constitucional. O verdadeiro médico deve analisar cada caso individualmente, com
seu diagnóstico clínico ou diagnóstico de terreno ou suscetibilidade.
30
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
O agente nocivo de qualquer natureza, também conhecido como noxa, é capaz de perturbar o
estado de saúde do organismo, despertando os sintomas.
Observação
Observação
Observação
Quando a força vital é perturbada, os mecanismos de defesa do organismo são acionados (sistemas
imunológico e endócrino). A força vital pode ser influenciada negativamente por fatores exógenos,
como ritmos de vida insalubres, alimentação inadequada, drogas etc., e por fatores endógenos, como
tristeza, irritabilidade e ódio.
31
Unidade I
Mediante os sintomas, a doença reflete o esforço da força vital de tentar restabelecer o equilíbrio.
A homeopatia é uma terapêutica, ou seja, estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou
curar os doentes, sendo que a missão do médico é curar, e esta cura deve ser rápida, suave e permanente.
A doença é um sentir + agir + conservar‑se mal. É um desvio, uma desarmonia da força vital. Sem a
força vital, o corpo é incapaz de sentir + agir + conservar‑se. Está morto.
Observação
A doença teria origem num desequilíbrio da força vital, e seria “um meio para restabelecimento da
saúde, não devendo ser extirpada e sim ajudada” (HAHNEMANN, 1996, § 72).
O ser humano é um ser integrado, com três níveis dinâmicos que agem o tempo todo e desenvolvem
uma hierarquia identificável: o físico, o emocional e o mental. A força vital é o que os mantém equilibrados.
Como dito, a mudança no tempo, as bactérias, os vírus, tudo está em contato com todos os
indivíduos. Mas por que somente algumas pessoas sentem as agressões disseminadas no nosso
meio? É justamente pela suscetibilidade constitucional. Um mesmo fator nocivo pode ser sentido em
diferentes níveis, de acordo com a suscetibilidade pessoal.
Então, cada indivíduo responde a uma simples mudança no tempo de acordo com a sua sensibilidade.
Uns manterão seu equilíbrio; outros podem ter uma gripe; outros, uma artrite; e outros até desenvolver
uma angústia. O agente nocivo, ou noxa, foi o mesmo, mas a maneira como a pessoa sentiu seu efeito
é o que a diferencia na sua individualidade. Quando a angústia é transformada numa depressão em
alguém com pouca vitalidade, o problema foi deslocado do nível emocional para o mental, uma vez que
a força vital não estava fortalecida o suficiente para transferi‑lo para o nível físico.
Nosso organismo seria como uma cebola, com todas as suas camadas. Temos na parte mais externa
o aparecimento dos sintomas físicos; na intermediária, sintomas emocionais; e na parte mais central,
os sintomas mentais (figura 8). Esta profundidade também determina a potência dos medicamentos a
serem prescritos. Para o físico, geralmente é possível restabelecer o equilíbrio com potências baixas, do
tipo 6 CH (esta sigla indica que o medicamento foi produzido na sexta potência na escala centesimal
pelo método hahnemanniano). Quanto mais interiorizados os sintomas, mais intensos precisam ser
os estímulos, dados através de potências mais altas. O medicamento deverá fortalecer a vitalidade do
doente para restabelecer o equilíbrio entre os três níveis.
32
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Nosso organismo seria como uma cebola, com todas as suas camadas. Temos na parte mais
externa o aparecimento dos sintomas físicos; na intermediária, sintomas emocionais; e na parte
mais central, os sintomas mentais (figura 8). Esta profundidade também determina a potência dos
medicamentos a serem prescritos. Para o físico, geralmente é possível restabelecer o equilíbrio com
potências baixas, do tipo 6 CH (esta sigla indica que o medicamento foi produzido na sexta potência
na escala centesimal pelo método hahnemanniano). Quanto mais interiorizados os sintomas, mais
intensos precisam ser os estímulos, dados através de potências mais altas. O medicamento deverá
fortalecer a vitalidade do doente para restabelecer o equilíbrio entre os três níveis.
Físico
Mental
Emocional
Figura 8 – Níveis hierárquicos do ser humano
Portanto, quando pensarmos no enfermo, devemos observar se sua enfermidade estará caminhando
para a parte externa do organismo ou se está cada vez mais se interiorizando. Isto é para o médico um
sinal de alerta, pois esse agravamento contínuo, ou melhor, essa interiorização, significa que o paciente
não está sendo beneficiado pelo tratamento. Este é um dos alertas para avaliar a melhora ou piora da
condição do doente, conforme já retratado nas Leis de Cura de Hering (tópico 2.3.3).
33
Unidade I
2.5.1 Unicismo
Caso nos estados miasmáticos seja necessário continuar a terapêutica, o paciente receberá o
simillimum adaptado aos quadros sucessivos, mas sempre de forma isolada. Por definição, unicismo
consiste no emprego de um único medicamento de cada vez até que se consiga a máxima realização
terapêutica possível. Se, por acaso, não se obtiver a cura com esse primeiro medicamento, ele será,
então, substituído – mas só nessas circunstâncias – por outro, cuja escolha será orientada pelo novo
estado do paciente.
Os seguidores de James Tyler Kent (1849‑1916) criaram uma escola variante do unicismo conhecida
como kentismo, que emprega o método de fluxo contínuo (FC) para produzir medicamentos com alta
potência. Além de um único medicamento, essa escola também exige que a droga seja administrada em
dose única e potência superior a 1.000 FC.
Para Hahnemann (1996), a mais forte argumentação sobre a prescrição do remédio único está
no fato de a totalidade sintomática representar a expressão da doença e garantir a identificação do
simillimum. Então, a característica da escola unicista é a prescrição de um único medicamento com
base na totalidade dos sintomas da doença (simillimum), não importando se será administrado em dose
única ou em doses repetidas.
34
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Tomar 3 gotas pela manhã em jejum e longe da escovação dos dentes, mantendo-se em
jejum por pelo menos 30 min, por 30 dias. Agitar o frasco 10 vezes antes de tomar.
¥¥ (assinatura)
Data XX/XX/XXXX
Chupar os glóbulos pela manhã em jejum, mantendo-se em jejum por pelo menos 30 min,
e longe da escovação dos dentes.
€££ (assinatura)
Data XX/XX/XXXX
No caso desta escola, o médico tem que ter conhecimento profundo da matéria médica homeopática
e um bom repertório médico para conseguir desvendar o simillimum do paciente.
O emprego de um único medicamento oferece muitas vantagens, tanto para o paciente quanto
para o médico:
35
Unidade I
Na prática, muitas vezes podem surgir alguns entraves para o bom resultado do médico na sua
conduta clínica. Por exemplo:
Enfim, é uma prática que exige muita experiência por parte do prescritor, mas que traz muitos
benefícios para o restabelecimento do paciente.
É uma boa prática no caso de doenças agudas e que com frequência pode adotar um medicamento
similar em vez do simillimum verdadeiro. Geralmente, em casos agudos, são prescritos medicamentos
em baixas potências e atuando com as adaptações necessárias de acordo com o quadro.
Exemplo de aplicação
Paciente está com febre, amígdalas bem inchadas e dificuldade de deglutição. Foram prescritos dois
medicamentos para serem administrados em horas distintas:
No caso desta prescrição, foram indicados dois medicamentos por similaridade ao quadro; não se
levou em conta o simillimum do paciente. Outra opção seria usar o simillimum e também um miasmático,
prescrevendo, por exemplo, um pela manhã e outro antes de dormir. Então, nesta prescrição temos o uso
de diversos medicamentos, mas nunca administrados ao mesmo tempo.
36
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
• em urgências e convênios médicos, onde se atende grande número de pacientes por dia, sem
poder se atentar à procura do simillimum;
• quando existe ambiguidade na escolha e dois medicamentos podem ser utilizados (neste caso
serão indicados ambos em baixa potência);
• em epidemias, em que se ganha tempo prescrevendo de acordo com o gênio epidêmico (o conceito
de gênio epidêmico será abordado no item 3.1.2).
3) Phosphorus 30 CH – 1 frasco
Tomar 3 glóbulos à noite antes de dormir.
€X X (assinatura)
Data XX/XX/XXXX
37
Unidade I
Neste sistema são receitados dois ou mais medicamentos (fórmula prescrita pelo médico ou
complexos industrializados) para serem administrados simultaneamente.
Pac. XXXXXXXXXXXXX
Arnica montana 6 CH
Rhus toxicodendron 3 CH
Ruta graveolens 6 CH
Magnesia phosphorica 6 DH ãã glóbulos
Apis mell. 6 CH
Ledum palustre 5 CH
€X X (assinatura)
Data XX/XX/XXXX
Esta conduta inicialmente pode trazer vantagens, mas também complicações, pois não se distingue o
medicamento que verdadeiramente atuou, nem o que pode ser prejudicial. E também há a possibilidade
de receitar combinações inadequadas, podendo uma substância anular o efeito da outra.
Água de piscina 6 CH
Poeira e germes v.a.s. 6 CH
Ácaro 6 CH
Pelo de cão 6 CH
Pelo de gato 6 CH
Perfume 6 CH
Tinta 6 CH ãã líquidos
Dermatofagoidinum 30 CH
Tuberculinum de Koch 30 CH
Pertussinum 30 CH
Pneumococcinum 30 CH
Streptococcinum 30 CH
€X X (assinatura)
Data XX/XX/XXXX
38
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Além das fórmulas prescritas de acordo com o paciente, ainda temos os complexos industrializados
e comercializados nas farmácias e drogarias. Nestas formulações, temos associações medicamentosas
dotadas de afinidades sindrômicas. Esses complexos homeopáticos industrializados trazem resultados de
curta duração, pois geralmente são produzidos em potências muito baixas, e tratam muitas vezes de forma
paliativa. Contudo, não podemos deixar de considerar a facilidade de ter estes produtos em mãos, pois
podem ser comercializados em qualquer drogaria.
Abrange medicamentos que podem ser prescritos para determinados casos, como Cantharis 6 CH para
infecção urinária, Apis mell. 6 CH para alergia por picada de inseto, além de diversas outras indicações.
Para os homeopatas, muitos quadros agudos são consequência de quadros crônicos ocultos. O médico
deverá verificar o terreno do paciente e suas predisposições mórbidas. Portanto, é muito importante na
anamnese desvendar aspectos físicos, emocionais e mentais, pois muitas vezes as manifestações agudas
surgem quando o paciente passa por estresses que acabam agudizando os sintomas.
39
Unidade I
Num determinado surto epidêmico, tem‑se pressa em descobrir um medicamento que possa ser
prescrito para todos os afetados por conta da urgência, não tendo tempo disponível para encontrar
o simillimum de cada indivíduo. Portanto, nestes casos deve‑se pesquisar o gênio epidêmico, ou
seja, qual droga tem similitude aos sintomas da enfermidade. Como definição, representa o conjunto
sintomático mais frequente constatado no decurso de uma epidemia, homólogo a determinado
quadro patogenético.
Observação
40
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Saiba mais
Segundo Kossak‑Romanach (1984), ao lado dos sintomas individuais ocorrem nas doenças
coletivas febris epidêmicas sintomas comuns à maioria dos enfermos, característicos de
determinada epidemia.
Exemplo de aplicação
Indivíduo com coriza aquosa, irritante, olhos vermelhos, lacrimejamento intenso, dor de cabeça,
espirros intensos, tosse espasmódica. Agravação à tarde e ao quente; melhora ao ar livre e fresco. Estado
gripal intenso.
O medicamento que se destaca para tratar este estado gripal é o Allium cepa, uma preparação
homeopática cujo insumo ativo é obtido da cebola. Caso este estado gripal não fosse analisado
adequadamente, poderia ser receitado o vidro todo de um medicamento mal escolhido, que não teria
efeito. No entanto, doses de Allium cepa 6 CH, dadas segundo o método plus – administrando uma
dose de 15 em 15 minutos e aumentando‑as conforme forem melhorando os sintomas –, rapidamente
obterá uma melhora, pois o medicamento foi escolhido de acordo com a similaridade do momento do
quadro agudo.
Geralmente, as potências utilizadas para quadros agudos são de baixas a médias – de 6 CH a 12 CH.
41
Unidade I
• Enfermidades crônicas naturais: são aquelas que, abandonadas a si mesmas e não tratadas,
vão progredindo até o fim de sua existência. São produzidas por agentes infecciosos crônicos
(miasmas); não são erradicadas nem por uma constituição física robusta, regime de vida ordenado
ou força vital mais energética; são transmitidas a outras pessoas por contágio ou hereditariedade;
permanecem latentes durante anos, especialmente até a puberdade, dando a impressão de bom
estado de saúde; e reaparecem por acontecimentos ou circunstâncias desfavoráveis, fatores
emocionais, tratamento médico inadequado e envelhecimento.
Segundo Fontes et al. (2018), para os homeopatas existem quadros agudos que na maioria das
vezes são consequências de estados crônicos ocultos. Hahnemann desenvolveu a teoria dos miasmas ou
diáteses crônicas para explicar a existência das doenças crônicas.
Miasmas, ou diáteses crônicas, não são propriamente doenças, mas estados diatésicos que condicionam
o organismo a apresentar certas enfermidades. Um paciente poderá ter um miasma ou uma combinação
deles.
Lembrete
42
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Observação
Se figurativamente pensarmos em nosso organismo como uma panela de pressão, ao ser aquecida,
quando em equilíbrio, suas válvulas liberam os vapores e o organismo se mantém estável. Quando as
válvulas param de funcionar, começam a aparecer lesões superficiais, alergias e manifestações cutâneas,
serosas e mucosas (psora); depois, alteram‑se a quantidade e qualidade das eliminações, originando
inchaços e neoformações, surgindo excrecências verrucosas (sicose); até o sistema não suportar e estourar
(sífilis). Não confunda essa sífilis com a doença de mesmo nome. Aqui, ela se instala quando o organismo
tenta se livrar das toxinas, sacrificando os próprios tecidos; surgem as úlceras, furúnculos etc.
43
Unidade I
Estamos dividindo esses estados didaticamente, mas no organismo tudo pode ocorrer ao mesmo
tempo, e, dependendo do nível de agressão sentido, podemos ter o aparecimento do terceiro estágio do
miasma crônico, a sífilis.
3.3.1 Psora
Instala‑se quando o organismo esgota suas possibilidades defensivas, procurando alívio por meio
de fenômenos episódicos e alternantes de descarga de toxinas. O estado reacional da psora refere‑se a
alergias e manifestações cutâneas, serosas e mucosas.
Situações que podem levar ao estado psórico são: sedentarismo; alimentação inadequada e excessiva;
ambiente com poluição química, orgânica ou psicossensorial; fatores psíquicos pessoais.
Na fase inicial, surgem erupções vesiculosas e prurido. Os mecanismos das manifestações da psora
costumam representar exteriorização aguda de toxinas, direcionadas para a pele, pulmões, amígdalas
ou qualquer outro órgão, correspondendo à compensação eliminatória no nível da pele ou mucosas
(eczemas e diarreias) e à neutralização de toxinas no nível dos tecidos (obesidade), das articulações
(gota) ou dos órgãos (litíase renal ou biliar).
3.3.2 Sicose
Segundo Kossak‑Romanach (1984), duas principais causas instalam o estado sicótico: agressão
persistente sobre células do sistema reticuloendotelial e a interferência no metabolismo hidroiônico.
Agressões psíquicas, alimentação excessiva e quimicamente contaminada, poluição atmosférica,
ambiente úmido, iatrogenismo, desequilíbrio hormonal etc. são fatores desencadeantes do estado
sicótico. Algumas alterações das funções cutâneas apresentadas na sicose são: infiltração hídrica com
propensão à obesidade; circulação capilar retardada; varicosidades superficiais; hipossudorese localizada
em pregas cutâneas; neoformações em couve‑flor; herpes labial e genital.
3.3.3 Sífilis
Instala‑se quando o organismo tenta livrar‑se das toxinas ou adaptar‑se ao estresse persistente,
sacrificando os próprios tecidos. O estado reacional da sífilis está relacionado com a tendência à
destruição dos tecidos (úlceras, fístulas, furúnculos etc.).
Processos de destruição das fibras elásticas estão na base das lesões cutâneas do luetismo, levando
à evolução de ulcerações da pele ou das mucosas, características da instalação do cancro.
44
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Nenhuma destas manifestações deve ser tratada com produtos tópicos, pois sua supressão agravará
a condição intrínseca que as produziu. O tratamento deverá ser sempre interno, atuando sobre as
predisposições do terreno, com base na totalidade sintomática.
A diferenciação dos estados miasmáticos tem valor incontestável, permitindo situar cada doente
num degrau patológico evolutivo.
Saiba mais
45
Unidade I
4 A CONSULTA HOMEOPÁTICA
4.1 Anamnese
Em uma consulta homeopática, o clínico escuta, interroga, examina e observa o paciente desde sua
entrada no consultório para obter a mais perfeita totalidade dos sinais e sintomas capazes de espelhar
a imagem do seu estado enfermo particular. Sempre terá importância a relação médico‑paciente,
pois a empatia é necessária para o melhor diálogo e relato do enfermo. A própria consulta já é uma
psicoterapia, pois o fato de o paciente relatar seus aspectos físicos, emocionais e mentais muitas
vezes já exerce um efeito benéfico sobre o sujeito.
Segundo Fontes et al. (2018), a semiologia para levantamento dos sintomas não deverá ser uma
coleta fria, mas devem ser observados todos os detalhes que tornam os sinais característicos a cada
indivíduo. Desse modo, a sensação de dor, por exemplo, deve ser qualificada quanto à sua natureza
(pulsátil, ardente, lancinante etc.), quanto à sua intensidade, quanto à época e à hora do seu surgimento.
O clínico deve conhecer profundamente a matéria médica homeopática e ser perspicaz para obter
um relato espontâneo sem a interferência influenciadora do profissional sugestionando o paciente.
Deve‑se evitar perguntas que permitam respostas do tipo “sim” ou “não”, mas fazer com que o paciente
descreva uma determinada situação. Por exemplo, é inadequado perguntar “Você tem dores de cabeça
na região frontal?” ou “Aparecem depois de comer comida gordurosa?”, sendo melhor perguntar “Suas
dores de cabeça aparecem em qual região?” e “Que situação faz com que elas apareçam?”.
Quanto mais ricas as informações prestadas pelo paciente, melhor para o clínico conseguir chegar à
totalidade sintomática. Exames laboratoriais podem ser solicitados para auxiliar essa análise. A anamnese
homeopática prima pelo detalhe na totalidade sintomática da doença, permitindo individualizar o
doente e fazendo com que o clínico se preocupe sempre com a complementação de cada informação
ou sinal, modalizando‑os e caracterizando‑os a fim de completar a imagem patogenética, inclusive
quanto ao psiquismo e ao comportamento geral do enfermo, desde a sua postura, ansiedade, inquietude
e modo de comunicação.
46
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Observação
Saiba mais
Os tratados de matéria médica são relatos das patogenesias que visam o fiel registro da
farmacodinâmica das drogas. Trata‑se de uma literatura específica que apresenta as ações terapêuticas
das diferentes drogas medicinais homeopáticas, descrevendo as patogenesias, trazendo o estudo
relativo à ação dos agentes medicamentosos sobre o organismo sadio, particularmente sobre o homem,
e compilando os sintomas desenvolvidos pelas drogas através das patogenesias, da farmacologia
tradicional, da terapêutica, da toxicologia e das toxicomanias.
Entre as várias matérias médicas existentes, citamos as de Hahnemann, Allen, Lathoud, Vijnovsky etc.
A Matéria médica pura de Hahnemann (2007) apresenta os sintomas com base exclusiva na ação das
drogas sobre o organismo, sem esquematização prévia, com identificação correta de cada substância e
descrição da sua influência sobre a mente.
De acordo com Kossak‑Romanach (1984, p. 283), “sintomas são tudo o que distingue o homem
doente de si mesmo quando não está doente. É a manifestação na maneira de sentir e de agir por parte
do organismo, acessível aos sentidos do observador e do médico”. Há diversos tipos de sintomas, como
os locais, mentais, gerais, comuns, patognomônicos etc.
47
Unidade I
Os sintomas locais indicam apenas a localização de determinado sintoma. Por exemplo, se o paciente
diz que a dor é no joelho direito, você tem a localização da dor, inclusive a lateralidade – lado direito –, mas
não sabe a intensidade ou se é uma dor que irradia ou somente localizada.
Mais importantes do que os sintomas locais serão os sintomas mentais, que apontam características
de comportamento, caráter, instintos, medos, ansiedades, manias etc. Acabam contribuindo muito na
questão da descoberta do simillimum do paciente.
Os sintomas gerais, por sua vez, trazem informações sobre as reações sensoriais, as características
das fezes e urinas, desejos e aversões alimentares, características das dores etc.
Durante a consulta, o médico anotará todo o relato do paciente para depois questionar características
importantes de seus sintomas com o intuito de completar o quadro e ajudar na diferenciação do
medicamento.
O indivíduo com características de Calcarea carbonica poderá relatar, entre outras coisas, que
apresenta como sintomas transpirações intensas, mas com a superfície do corpo e extremidades frias;
como modalidade, lateralidade direita. Sintomas melhoram com o tempo seco e, quando constipado,
deitando‑se sobre o lado doloroso. Como sintomas mentais, apresenta franqueza e incapacidade para
qualquer esforço intelectual; sente‑se sem energia, melancólico, triste, deprimido, com vontade de
chorar e medo de ficar louco; preocupa‑se com detalhes sem importância. No aparelho digestivo, tem
sensação de queimadura na boca que piora pela mastigação; deseja comer ovos; gosta de pães e detesta
carne; apresenta digestão lenta, vômitos ácidos, abdome sensível, flatulento e com burburinhos.
Estas informações a respeito da patogenesia da Calcarea são apenas um pequeno exemplo da riqueza
das patogenesias.
À proporção que foram feitas mais experimentações no homem sadio, as matérias médicas foram
se avolumando e tornando impossível sua memorização para auxiliar os atendimentos médicos.
Essa dificuldade obrigou a catalogação dos sintomas à maneira de um índice.
48
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Na homeopatia, repertório é a obra que reúne os sinais e sintomas, seguidos pelas drogas e pelos
medicamentos em cuja experimentação no homem sadio eles se manifestaram. O repertório expõe a
matéria médica de forma invertida, em que um sintoma ou uma frase apontam medicamentos que lhes
correspondem. São organizados em ordem alfabética, para agilizar a consulta médica.
Saiba mais
Para facilitar a compreensão de sua aplicação clínica, os medicamentos homeopáticos são divididos
em categorias.
O termo policresto provém do grego polys (muitos) e kréstos (benéfico), ou seja, que tem muitos
benefícios ou aplicações. Os homeopatas referem‑se a esta categoria para designar os medicamentos
mais utilizados na clínica diária.
Hahnemann estabeleceu inicialmente uma lista de 24 policrestos: Aconitum napellus, Arnica montana,
Arsenicum album, Belladonna, Bryonia alba, Calcarea ostrearum, Carbo vegetabilis, Chamomilla, China
officinallis, Dulcamara, Hepar sulphur, Hyoscyamus, Ipecacuanha, Lachesis, Lycopodium clavatum,
Mercurius solubilis, Nux vomica, Phosphorus, Pulsatilla nigricans, Rhus toxicodendron, Sepia succus,
Silicea terra, Sulphur e Veratrum album. Esta lista foi sendo acrescida ao longo do tempo.
Para começar a manipulação, a farmácia deverá ter, no mínimo, os policrestos e semipolicrestos. São
alguns exemplos de semipolicrestos: Acidum nitricum, Acidum phosphoricum, Apis mellifica, Argentum
nitricum, Calcarea fluorica, Calcarea phosphorica, Graphites, Ignatia amara, Magnesium carbonicum,
Natrum muriaticum, entre outros.
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Unidade I
Quando dois ou mais medicamentos apresentam sintomas patogenéticos contrários, são considerados
incompatíveis ou antídotos, e não se justifica sua indicação numa mesma prescrição.
Algumas matérias médicas mencionam nas descrições das patogenesias os medicamentos complementares
e incompatíveis.
Lembrete
Nas doenças crônicas temos os miasmas crônicos, como psora, sicose e sífilis, relatados no tópico
3.3. Para tratar esses quadros miasmáticos, existem alguns medicamentos importantes: para o miasma
sifilítico, Mercurius solubilis; para o miasma sicótico, Thuya occidentalis e Acidum nitricum; e para
miasma psórico, Sulphur.
Já o indivíduo de constituição carbônica é mais robusto, rígido, tem retenção hídrica. Seus gestos
são lentos e precisos. Não volta atrás em suas decisões, é obstinado, racional e gosta de tudo muito
bem explicado.
A pessoa sulfúrica, por sua vez, tem estatura mediana, é magra, esportiva e tem bom desenvolvimento
muscular. Há também o tipo sulfúrico esclerótico, em que predomina a suprarrenal com tendência a
reter líquidos e catabólitos. Esse indivíduo é ativo, sanguíneo e tem extremidades quentes. Com vida
intensa, se desgasta física e intelectualmente, abusa do álcool e da comida. Tende à hipertensão arterial.
Desenvolve abdome volumoso e fadiga, o que limita sua atividade. Já o sulfúrico magro mantém o
equilíbrio enquanto a eliminação das toxinas for mantida. Obstáculos a essa eliminação fazem com que
as toxinas tomem um caminho inverso, provocando uma impregnação lenta e progressiva, alterando as
funções orgânicas e diminuindo as defesas.
O tipo de constituição fosfórica apresenta esqueleto e tórax alongados, com grande capacidade
respiratória. São sujeitos muito sociáveis, hiperemotivos, têm reações rápidas e se esgotam facilmente
(tanto em aspectos físicos quanto psíquicos).
Como já mencionado, o prescritor não deve levar em conta apenas estas questões constitucionais,
mas com certeza pode ser auxiliado pela sua observação para fechar o quadro clínico do paciente.
51
Unidade I
Saiba mais
Muitas questões, dúvidas e críticas surgem quando falamos em homeopatia. Uma delas é a questão
da inespecificidade farmacológica. Muitos leigos e médicos convencionais criticam a terapêutica
homeopática pela simples questão de que os medicamentos não têm uma ação farmacológica
traduzida em bulas, conforme estão acostumados.
Um policresto, por exemplo, pode ser dado para diversas enfermidades: se um paciente toma um
medicamento para gastrite, outro poderá usar o mesmo ativo para uma rinite, artrite ou até mesmo
quadros emocionais, como depressão, melancolia etc. Mas como isso é possível?
Primeiro, temos que avaliar quais foram os resultados dessa substância na experimentação do
homem são, pois somente através deste estudo patogenético é que o prescritor terá condições de
avaliar qual é o melhor simillimum a ser indicado para seu paciente.
Outro ponto importante a ser avaliado na prescrição será a potência ou dinamização mais adequada
para atuar na totalidade sintomática do paciente na busca de seu restabelecimento à saúde.
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FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Na dinamização 12 CH, temos uma diluição 10‑24, ou seja, já ultrapassamos o número de Avogadro
e, portanto, é estatisticamente improvável que haja uma única molécula do insumo ativo no
medicamento final.
Observação
Vamos então falar de alguns destes mitos que desconsideram a eficácia da terapêutica homeopática.
Quanto ao fato de ser tão diluído e não ter nada na solução: hoje, a física quântica já consegue
elucidar esta questão. Mesmo procedendo a diluições seriadas, de acordo com as escalas de dinamizações,
o veículo inerte usado nas diluições irá, através do processo de sucussão, desenvolver a “assinatura” da
substância original. Não temos ainda equipamentos que analisem quimicamente este registro, mas os
resultados de pesquisas garantem e comprovam a ação esperada das substâncias.
Como exemplo, podem ser mencionados estudos importantes que avaliam tratamentos contra
envenenamento por chumbo. Ao comparar a administração de uma droga alopática capaz de remover
chumbo do corpo a somente água e ao medicamento Plumbum metallicum 200 CH em cobaias, a análise
da urina dos animais comprovou que o medicamento homeopático foi capaz de eliminar o chumbo de
seus tecidos, verificando a quantidade de chumbo eliminado em comparação à droga alopática e à água
(VITHOULKAS, 1980).
53
Unidade I
Saiba mais
Outra frase que escutamos com frequência é que precisamos ter fé para que o medicamento
homeopático atue. Para contra‑atacar este mito, podemos correlacionar o fato de tratamentos
homeopáticos na pediatria, na veterinária e na agricultura terem resultados excelentes, sem que o ser
vivo atendido saiba que está tomando medicamentos. Hoje, a agropecuária utiliza a homeopatia para
poder exportar seus produtos, pois resíduos alopáticos muitas vezes impedem essa exportação.
Mais um mito que precisamos derrubar diariamente é o fato de acharem que o tratamento
homeopático é muito lento. No caso da administração do medicamento correto, eliminamos
rapidamente enfermidades agudas, recuperando o indivíduo. Além disso, muitos não lembram que a
alopatia também pode levar o indivíduo a uma dependência de medicamentos para o resto da vida, e
frequentemente com todos os efeitos colaterais já esperados.
É preciso ainda observar que fitoterapia não é homeopatia, pois não passou pela experimentação
no homem são. Para ter seu efeito desejado, são esperadas doses ponderáveis, diferentemente da
homeopatia, que utilizará doses infinitesimais. Florais também não são homeopatia. São preparados
nas farmácias de manipulação, mas seu mecanismo de ação, o modo de preparo das soluções estoques
e as doses administradas são completamente diferentes. Antroposofia não é homeopatia. Apesar
de também utilizar seus produtos dinamizados, sua farmacotécnica é completamente diferente.
Homotoxicoterápicos também não são homeopatia. Tanto a antroposofia como a homotoxicoterapia
foram desenvolvidas na Alemanha e exportadas para o mundo, mas cada uma tem suas particularidades,
apesar de utilizarem medicamentos dinamizados.
A homeopatia tem comprovação científica? Esse método terapêutico faz parte de uma medicina
integrativa e humanizada que trata o paciente como um todo, não olhando apenas para as doenças.
A Associação Médica Brasileira reconhece a homeopatia como especialidade médica, sendo, assim,
amparada pela ciência. No Brasil, essa terapêutica tem ainda como aliada a Associação Médica
Homeopática Brasileira.
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FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
Saiba mais
REVISTA DE HOMEOPATIA. São Paulo: APH, v. 80, n. 1/2, 2017. Dossiê especial
“Evidências Científicas em Homeopatia”. Disponível em: https://bit.ly/3mUQr6v.
Acesso em: 17 jun. 2022.
Enfim, muitas outras questões podem surgir. Antes de criticá‑las, o importante é buscar
conhecimento. Isso se aplica principalmente a nós, que estamos envolvidos diretamente na relação
paciente‑farmacêutico‑medicamento, para que possamos praticar a arte terapêutica e, sobretudo, a
atenção farmacêutica.
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Unidade I
Resumo
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FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
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Unidade I
Exercícios
Questão 1. A Resolução n. 635/2016 do Conselho Federal de Farmácia (CFF) dispõe sobre as atribuições
do farmacêutico no âmbito da homeopatia e dá outras providências. Com base nesse documento, avalie
as afirmativas a seguir:
III – Devido à alta diluição dos princípios ativos nos medicamentos homeopáticos, seu uso não está
relacionado com o desenvolvimento de reações adversas. Por esse motivo, não é necessário incluir esses
medicamentos no Sistema Nacional de Farmacovigilância.
A) I.
B) I e II.
C) II e III.
D) I e III.
E) III.
I – Afirmativa correta.
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FARMÁCIA HOMEOPÁTICA
II – Afirmativa incorreta.
Justificativa: de acordo com o artigo 8º da Resolução CFF n. 635/2016, uma das atribuições do
farmacêutico homeopata no âmbito da manipulação de medicamentos homeopáticos é “fornecer ao
usuário informações sobre a correta utilização dos medicamentos e produtos empregados na terapêutica
homeopática”. Além disso, de acordo com o artigo 14, o farmacêutico deve “promover ações educativas
que desenvolvam a autonomia do paciente, da família e da comunidade relacionada à homeopatia,
tendo como premissa a promoção da saúde e prevenção de doenças”.
Justificativa: o artigo 4º da Resolução CFF n. 635/2016 afirma que cabe ao farmacêutico homeopata
“participar do desenvolvimento de sistemas de informação, farmacovigilância, estudos de utilização e
elaboração de bancos de dados de medicamentos homeopáticos, insumos, órgãos e tecidos animais,
matérias‑primas, plantas medicinais e outros produtos, utilizados na terapêutica homeopática”.
A) Os medicamentos que contiverem tintura‑mãe em diluição menor do que 1 parte para 10 mil
partes de veículo no produto acabado são isentos de registro.
B) É necessário registrar os medicamentos que contiverem insumos ativos novos ou que contiverem
insumos ativos dinamizados em escalas diferentes da decimal ou da centesimal.
C) Caso os medicamentos contenham insumos ativos em potência fora da faixa descrita na Instrução
Normativa n. 26/2018, eles não podem ser fabricados ou comercializados.
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Unidade I
A e C – Alternativas incorretas.
B – Alternativa correta.
Justificativa: as alíneas “b” e “c” do artigo 3º, transcritas anteriormente, afirmam que os medicamentos
que contiverem insumos ativos novos ou dinamizados em escalas diferentes da decimal ou da centesimal
devem ser registrados.
D e E – Alternativas incorretas.
Justificativa: ainda de acordo com o artigo 3º da referida Resolução, “§ 5º Não serão registradas como
medicamentos dinamizados as associações de insumos ativos dinamizados ou de tinturas‑mãe com insumos
ativos de qualquer outra categoria, em uma mesma formulação ou em duas ou mais apresentações em
uma mesma embalagem, para uso concomitante ou sequencial. § 6º Não são passíveis de registro ou
notificação medicamentos dinamizados contendo insumos ativos em concentração que possa provocar
reação tóxica aguda ou crônica”.
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