Você está na página 1de 60

Farmácia Homeopática

Autora: Profa. Luciana Matos Loureiro


Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro
Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão
Professora conteudista: Luciana Matos Loureiro

Farmacêutica graduada em 1985 pela Faculdade Oswaldo Cruz, especialista em homeopatia pela Universidade
de São Paulo. Atua como farmacêutica no mercado da manipulação em farmácias homeopáticas, no gerenciamento
das boas práticas e controle de qualidade e no atendimento ao público através da atenção farmacêutica nas Práticas
Integrativas e Complementares, além de ser docente na Universidade Paulista (UNIP) desde 1998.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L892f Loureiro, Luciana Matos.

Farmácia Homeopática / Luciana Matos Loureiro. – São Paulo:


Editora Sol, 2022.

172 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Homeopatia. 2. Medicamento. 3. Método. I. Título.

CDU 615.015.32

U515.92 – 22

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

Profa. Sandra Miessa


Reitora em Exercício

Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo


Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini


Vice-Reitora de Administração

Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia


Vice-Reitor de Extensão

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento e Finanças

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora de Unidades do Interior

Unip Interativa

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático

Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Angélica L. Carlini
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. Deise Alcantara Carreiro

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Andressa Picosque
Vera Saad
Sumário
Farmácia Homeopática

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 A HOMEOPATIA................................................................................................................................................. 11
1.1 A farmácia na homeopatia................................................................................................................ 11
1.1.1 Responsabilidade técnica do farmacêutico...................................................................................11
1.2 Áreas de atuação do farmacêutico homeopata....................................................................... 12
2 HISTÓRIA DA MEDICINA HOMEOPÁTICA E SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS..................... 15
2.1 Homeopatia: história e tipos de terapêutica............................................................................. 15
2.1.1 Homeopatia no Brasil............................................................................................................................. 18
2.1.2 Tipos de terapêutica............................................................................................................................... 21
2.2 Princípios ou fundamentos da homeopatia............................................................................... 22
2.2.1 Lei dos Semelhantes (Similia similibus curentur)....................................................................... 22
2.2.2 Experimentação no homem são........................................................................................................ 23
2.2.3 Doses mínimas.......................................................................................................................................... 24
2.2.4 Remédio único.......................................................................................................................................... 25
2.3 Ação do medicamento homeopático............................................................................................ 26
2.3.1 Ação primária e efeito secundário no Organon.......................................................................... 27
2.3.2 Lei biológica de Arndt‑Schultz........................................................................................................... 28
2.3.3 Leis de Hering............................................................................................................................................ 29
2.4 Força vital................................................................................................................................................. 30
2.4.1 Níveis dinâmicos: suscetibilidade constitucional....................................................................... 32
2.5 Escolas homeopáticas.......................................................................................................................... 34
2.5.1 Unicismo...................................................................................................................................................... 34
2.5.2 Pluralismo ou alternismo...................................................................................................................... 36
2.5.3 Escola complexista.................................................................................................................................. 38
2.5.4 Outras prescrições: organicismo........................................................................................................ 39
3 CLASSIFICAÇÃO DAS DOENÇAS.................................................................................................................. 39
3.1 Doenças agudas..................................................................................................................................... 39
3.1.1 Enfermidades agudas individuais e coletivas............................................................................... 40
3.1.2 Gênio epidêmico...................................................................................................................................... 40
3.1.3 Critérios para a escolha do medicamento no quadro agudo................................................ 41
3.2 Doenças crônicas................................................................................................................................... 42
3.3 Classificação dos miasmas crônicos.............................................................................................. 42
3.3.1 Psora.............................................................................................................................................................. 44
3.3.2 Sicose............................................................................................................................................................ 44
3.3.3 Sífilis.............................................................................................................................................................. 44
4 A CONSULTA HOMEOPÁTICA....................................................................................................................... 46
4.1 Anamnese................................................................................................................................................. 46
4.2 Matéria médica homeopática.......................................................................................................... 47
4.2.1 Exemplo de patogenesia....................................................................................................................... 48
4.2.2 Repertório médico homeopático...................................................................................................... 48
4.3 Características dos medicamentos................................................................................................. 49
4.3.1 Medicamentos policrestos................................................................................................................... 49
4.3.2 Medicamentos incompatíveis e complementares...................................................................... 50
4.3.3 Medicamentos antimiasmáticos........................................................................................................ 50
4.3.4 Medicamento de fundo ou de terreno........................................................................................... 50
4.3.5 Medicamentos constitucionais.......................................................................................................... 50
4.3.6 Medicamentos homeopáticos oficinais.......................................................................................... 51
4.4 Críticas à homeopatia, mitos e dúvidas frequentes................................................................ 52

Unidade II
5 O MEDICAMENTO HOMEOPÁTICO............................................................................................................. 61
5.1 Insumos inertes e excipientes.......................................................................................................... 61
5.1.1 Água purificada........................................................................................................................................ 62
5.1.2 Álcool etílico ou etanol......................................................................................................................... 63
5.1.3 Glicerina bidestilada............................................................................................................................... 65
5.1.4 Lactose......................................................................................................................................................... 66
5.1.5 Sacarose....................................................................................................................................................... 66
5.1.6 Glóbulos inertes........................................................................................................................................ 66
5.1.7 Microglóbulos inertes............................................................................................................................ 67
5.1.8 Comprimidos inertes.............................................................................................................................. 67
5.1.9 Tabletes inertes......................................................................................................................................... 68
5.2 Material de acondicionamento e embalagens.......................................................................... 68
5.2.1 Lavagem e esterilização dos recipientes e acessórios............................................................... 69
5.3 Medicamentos homeopáticos: regras de nomenclatura....................................................... 70
5.3.1 Siglas dos métodos e escalas de dinamização............................................................................. 70
5.3.2 Regras de nomenclatura....................................................................................................................... 71
5.3.3 Sinonímias.................................................................................................................................................. 71
5.3.4 Abreviaturas............................................................................................................................................... 72
5.3.5 Rotulagem.................................................................................................................................................. 74
5.4 Insumo ativo: origem do medicamento homeopático.......................................................... 75
5.4.1 Drogas do reino vegetal........................................................................................................................ 76
5.4.2 Drogas do reino animal......................................................................................................................... 76
5.4.3 Drogas do reino mineral....................................................................................................................... 77
5.4.4 Outras substâncias.................................................................................................................................. 77
5.5 Medicamento homeopático: definição........................................................................................ 78
6 FARMACOTÉCNICA HOMEOPÁTICA: PREPARAÇÕES BÁSICAS E PREPARAÇÕES
DINAMIZADAS OU DERIVADAS...................................................................................................................... 78
6.1 Tinturas homeopáticas ou preparações básicas....................................................................... 78
6.1.1 Preparação de tintura‑mãe de origem vegetal........................................................................... 79
6.1.2 Preparação de tintura‑mãe de origem animal............................................................................ 82
6.1.3 Prazo de validade..................................................................................................................................... 82
6.2 Preparações homeopáticas derivadas........................................................................................... 83
6.2.1 Método de dinamização hahnemanniano ou de frascos múltiplos................................... 85
6.2.2 Método de dinamização de fluxo contínuo.................................................................................. 92
6.2.3 Método de dinamização korsakoviano........................................................................................... 95
6.3 Escalas de dinamização...................................................................................................................... 96
6.4 Formas farmacêuticas de dispensação: uso interno............................................................... 99
6.4.1 Formas farmacêuticas de uso interno líquidas..........................................................................100
6.4.2 Preparações especiais...........................................................................................................................106
6.4.3 Formas farmacêuticas de uso interno sólidas............................................................................107
6.5 Formas farmacêuticas de dispensação: uso externo............................................................113

Unidade III
7 BIOTERÁPICOS.................................................................................................................................................126
7.1 Prescrição dos nosódios ou bioterápicos...................................................................................128
7.2 Definição.................................................................................................................................................129
7.3 Classificação..........................................................................................................................................129
7.3.1 Bioterápicos de estoque..................................................................................................................... 129
7.3.2 Isoterápicos..............................................................................................................................................131
8 FARMÁCIA HOMEOPÁTICA.........................................................................................................................134
8.1 Boas Práticas de Manipulação em Farmácias..........................................................................135
8.1.1 Estrutura física....................................................................................................................................... 136
8.1.2 Documentos............................................................................................................................................ 137
8.1.3 Profissionais............................................................................................................................................ 137
8.1.4 Mobiliário e equipamentos............................................................................................................... 138
8.2 Controle de qualidade.......................................................................................................................139
8.2.1 Teste de gotejamento para medicamentos homeopáticos...................................................141
8.3 Monografias encontradas na FHB 3............................................................................................142
8.4 Atualizações..........................................................................................................................................143
8.4.1 Pesquisa clínica...................................................................................................................................... 145
APRESENTAÇÃO

O presente livro-texto oferece informações atualizadas aos acadêmicos de farmácia envolvidos


nesta disciplina, aproximando-os ao tema e apresentando alguns conceitos e discussões que lhes
possibilitarão construir seus conhecimentos na área, visando suscitar reflexões sobre a atuação do
profissional de saúde na prática homeopática.

Como futuro profissional, o aluno será capaz de atuar na área farmacêutica com a devida
responsabilidade que esta especialização exige, podendo ainda complementar seu aprendizado com
as aulas práticas disponibilizadas ao longo da disciplina e buscar aperfeiçoamento em um estágio num
ambiente homeopático, viabilizando sua habilitação perante os órgãos competentes.

Esta disciplina traz como objetivo principal a apresentação de conceitos importantes à abordagem
clínica da homeopatia. Visa ainda preparar o aluno para a avaliação dos procedimentos necessários à
promoção e recuperação da saúde e para o atendimento e a adequada orientação ao usuário desta
terapêutica e suas particularidades, possibilitando a descoberta de caminhos que suscitem a abordagem
da atenção farmacêutica.

Além disso, a disciplina propõe-se a capacitar o aluno, através de conhecimentos técnicos e científicos,
para executar atividades relacionadas ao preparo de medicamentos homeopáticos e suas atualizações,
familiarizando-o com esta farmacotécnica singular e possibilitando-lhe avaliar a prescrição, dispensação,
gerenciamento e qualidade dos medicamentos.

Ao longo destas páginas, o aluno poderá descobrir um universo diferenciado com temas
significativos. Este livro-texto busca trazer à tona aspectos relevantes à tentativa de desmistificar
conceitos de que a homeopatia não teria embasamento científico e que estes mais de 200 anos em que
ela se destaca seriam apenas uma ilusão da sua eficácia em relação à recuperação da saúde.

Bons estudos!

INTRODUÇÃO

Esta disciplina aborda os conceitos e os princípios básicos da homeopatia em um exercício de prática


reflexiva, auxiliando o processo de ensino-aprendizagem e apresentando ao aluno elementos que podem
ajudá-lo a diferenciar as diversas abordagens do profissional clínico.

Este livro-texto dá condições ao futuro profissional de entender amplamente a arte farmacêutica


e suas diversas abordagens clínicas, permitindo um diálogo sempre que necessário com o prescritor e
garantindo a manipulação correta da sua prescrição.

Na Unidade I destacam-se as exigências legais para a assunção da responsabilidade técnica no


setor homeopático e as diversas áreas de atuação do profissional, com a construção de conceitos
dessa terapêutica.

9
Para você poder compreender como surgiram os fundamentos da homeopatia, são trazidos conceitos
importantes sobre a história da medicina e os tipos de terapêutica adotados, mostrando diferenças nas
práticas para uma melhor compreensão dos princípios homeopáticos, como também da ação de seus
medicamentos. Ainda nessa unidade são descritas as diversas escolas homeopáticas, destacando diferenças
nas prescrições, suas vantagens e dificuldades no tratamento.

Destacam-se ainda a importância da força vital, que nos mantém vivos, e a classificação das
doenças na visão de Hahnemann, fundador da homeopatia, que revolucionou a abordagem clínica dos
enfermos e, através de suas observações, conseguiu deixar um legado que se mostra eficaz no cuidado
de indivíduos que procuram um tratamento diferenciado. Tão relevante é sua terapêutica que hoje a
homeopatia está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) através da Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares (PNPIC).

Na Unidade II busca-se exemplificar aos estudantes o cotidiano do profissional na farmácia


homeopática, apresentando a farmacotécnica desde a origem dos princípios ativos, assim como os
insumos inertes e excipientes utilizados na manipulação dos medicamentos homeopáticos. Por ser
uma técnica diferenciada, destacam-se conceitos importantes dos métodos e escalas de dinamização,
mostrando detalhadamente como desenvolver toda a produção das matrizes nas escalas decimal,
centesimal e cinquenta milesimal. Nessa unidade se demonstra a rotina do laboratório homeopático,
com a descrição das dispensações de seus medicamentos de uso interno e também externo.

A Unidade III continua a desenvolver conceitos da manipulação dos bioterápicos, isoterápicos e


autoisoterápicos. Além disso, são abordadas as boas práticas da manipulação homeopática, com
destaque ao controle de qualidade.

No final deste livro-texto é apresentado ainda um levantamento dos medicamentos oficinais


baseado no Formulário homeopático, o qual garante seu uso racional e pode favorecer a prescrição
farmacêutica, assim como a disponibilidade destes produtos no SUS através das Práticas
Integrativas e Complementares, que disponibilizam este atendimento aos seus usuários (Apêndice
1). São indicados ainda sites interessantes, inclusive para a pesquisa clínica, o que possibilita
complementar temas relevantes (Apêndice 2), e são relacionadas as legislações que envolvem esta
prática terapêutica (Apêndice 3). Por fim, para facilitar a compreensão do conteúdo, é disponibilizado
ainda um glossário (Apêndice 4) no qual se buscou definir algumas palavras e alguns termos técnicos
específicos da homeopatia.

Enfim, esperamos que você possa deixar de lado algum preconceito que porventura tiver e aproveitar
o passeio que este livro-texto proporciona.

Bom estudo!

10
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Unidade I
1 A HOMEOPATIA

1.1 A farmácia na homeopatia

Diferentemente de outros países, que apenas dispensam medicamentos homeopáticos industrializados,


a farmácia homeopática no Brasil é um estabelecimento que dispensa e principalmente manipula esse tipo
de fármaco, podendo ainda manipular e comercializar artigos de outras especialidades, bastando para isso
ter as áreas adequadas que possibilitem a atuação farmacêutica em sua amplitude.

Por volta das décadas de 1970 e 1980, a farmácia homeopática voltou a ser reconhecida no
mercado devido ao grande número de profissionais prescritores da época, junto com o surgimento
de instituições e associações da área. É neste contexto, com esta retomada, que a homeopatia passa
a ser reconhecida como especialidade médica e surge a Associação Brasileira de Farmacêuticos
Homeopatas (ABFH), que desenvolve um trabalho de intensificação de pesquisas para garantir uma
padronização e melhoria na qualidade dos produtos homeopáticos, sempre mantendo um diálogo com
a categoria de classe e também com as associações médicas para garantir um elo entre farmacêutico,
medicamento e médico.

1.1.1 Responsabilidade técnica do farmacêutico

São diversos os campos de atuação para o profissional farmacêutico na homeopatia. Entre eles,
temos a indústria, a farmácia de manipulação, o ensino, a pesquisa, o serviço público, a assistência e
atenção farmacêutica e a prescrição.

Segundo a legislação, para o farmacêutico assumir a Responsabilidade Técnica (RT) é necessário


comprovar seu conhecimento na área – com exceção dos profissionais que já exerciam esta atividade
antes da publicação da Resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) n. 319/1997 (CFF, 1997).

Atualmente, está em vigor a Resolução CFF n. 576/2013, que “dá nova redação ao artigo 1º da
Resolução CFF n. 440/2005, que dispõe sobre as prerrogativas para o exercício da responsabilidade
técnica em homeopatia” (CFF, 2013a). Com essa atualização, a Resolução CFF n. 440/2005 (CFF, 2005)
passa a determinar que, para assumir a RT na área, o profissional deverá se enquadrar em três
possibilidades:

• ter cursado a disciplina de homeopatia com carga horária mínima de 60 horas‑aula no curso de
graduação em Farmácia, além de ter realizado estágio obrigatório em homeopatia de 120 horas;

11
Unidade I

• ter concluído curso de pós‑graduação ou curso livre reconhecidos pelo Ministério da Educação
e/ou CFF ou possuir título de especialista reconhecido pelo CFF;

• comprovar o efetivo exercício da RT antes da publicação da Resolução CFF n. 319/1997, por


direito adquirido.

No momento de entregar os documentos para registro no Conselho Regional de Farmácia (CRF) ou


seu houver interesse na área durante sua graduação, verifique os critérios exigidos de acordo com a data
de ingresso na graduação nos sites dos CRFs.

1.2 Áreas de atuação do farmacêutico homeopata

São diversas as áreas em que este profissional pode atuar. Entre elas temos a farmácia de
manipulação, a indústria, a farmácia clínica, o ensino e pesquisa, além do serviço público e da
assistência e atenção farmacêutica.

Grande número de farmácias tem hoje, graças à regulamentação das Boas Práticas de Manipulação
em Farmácias (BPMF), laboratório também de manipulação homeopática, possibilitando assim a
elaboração desse tipo de medicamento, o que abre um mercado promissor. Segundo a legislação,
o profissional que se dedica a essa atividade deverá ter pleno conhecimento da farmacotécnica
homeopática, definida pela edição em vigor da Farmacopeia homeopática brasileira (FHB), assim
como das publicações reconhecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Além disto, as atribuições e deveres do farmacêutico na homeopatia estão dispostos na Resolução


CFF n. 635/2016 (CFF, 2016). O profissional deve seguir ainda a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC)
da Anvisa n. 67/2007 (ANVISA, 2007c) e a RDC n. 87/2008 (ANVISA, 2008), que ditam as BPMF, e a RDC
n. 44/2009 (ANVISA, 2009), que dispõe sobre as Boas Práticas Farmacêuticas.

Este profissional poderá atuar em diversas áreas, como no laboratório de manipulação, na garantia
de qualidade, na prescrição, na dispensação e na atenção farmacêutica, podendo auxiliar diversos
clientes em consulta.

O artigo 3º da Lei n. 13.021/2014 estabelece que a

farmácia é uma unidade de prestação de serviços destinada a prestar assistência


farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva,
na qual se processe a manipulação e/ou dispensação de medicamentos
magistrais, oficinais, farmacopeicos ou industrializados, cosméticos, insumos
farmacêuticos, produtos farmacêuticos e correlatos (BRASIL, 2014).

A lei respalda a atuação clínica desse profissional na provisão de diferentes serviços e procedimentos.
Assim, cabe ao farmacêutico homeopata fundamentar e implantar todas estas ações (BRASIL, 2014).

12
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Saiba mais

Para saber mais sobre as atribuições e deveres desse profissional, acesse:

CFF. Resolução n. 635, de 14 de dezembro de 2016. Brasília, 2016.


Disponível em: https://bit.ly/3xAx1sB. Acesso em: 16 jun. 2022.

Outra área de atuação deste profissional é na indústria homeopática, onde são fabricados
insumos farmacêuticos dinamizados, conhecidos como matrizes homeopáticas, e as tinturas‑mãe (TM),
que são matérias‑primas essenciais para as farmácias de manipulação, além de produtos oficinais
e medicamentos homeopáticos industrializados para comercialização em farmácias e drogarias.

Assim como na manipulação, o funcionamento da indústria depende do Responsável Técnico


habilitado em homeopatia de acordo com a legislação em vigor. Além disso, o farmacêutico
homeopata pode atuar na gestão da produção, na garantia e controle de qualidade e na elaboração
de relatórios técnicos na indústria homeopática tanto para uso humano quanto veterinário.

A cartilha Homeopatia, publicada pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF‑SP),
esclarece que,

de acordo com a RDC Anvisa n. 238/2018, existem os medicamentos


homeopáticos de componente único, passíveis de notificação ou de registro,
e os medicamentos dinamizados compostos, que são medicamentos
passíveis de registro. Somente os medicamentos dinamizados de um único
insumo ativo isentos de prescrição […] são passíveis de notificação. Todo
medicamento homeopático industrializado deve ser preparado a partir de
insumos ativos, em quaisquer potências, com base nos fundamentos da
homeopatia, cujos métodos de preparação e controle estejam descritos
na edição em vigor da Farmacopeia Homeopática Brasileira, outras
farmacopeias homeopáticas ou compêndios oficiais reconhecidos pela
Anvisa, com comprovada ação terapêutica descrita nas matérias médicas
homeopáticas ou nos compêndios homeopáticos oficiais reconhecidos pela
Anvisa, estudos clínicos ou revistas científicas (CRF‑SP, 2019, p. 32).

13
Unidade I

Saiba mais

Para saber mais sobre o registro e a notificação de medicamentos


dinamizados industrializados, leia:

ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada n. 238, de 25 de julho de


2018. Brasília, 2018d. Disponível em: https://bit.ly/3xzg55F. Acesso em:
16 jun. 2022.

Já na farmácia clínica, de acordo com a Resolução CFF n. 585/2013 (CFF, 2013b), as atribuições
clínicas do farmacêutico, incluindo o homeopata, abrangem o cuidado ao paciente de forma a
promover o uso racional de medicamentos e otimizar a farmacoterapia, com o propósito de alcançar
resultados que melhorem a qualidade de vida do doente.

Muitas vezes, no dia a dia da farmácia, somos procurados para o atendimento farmacêutico com
a solicitação de um medicamento, geralmente para casos como febre, dor de garganta, alergia, tosse etc.
Este atendimento é legítimo, pois, como farmacêuticos homeopatas, temos o conhecimento adequado
para intervir num quadro agudo, auxiliando na cura de doenças leves e prevenindo o desenvolvimento
de enfermidades graves, levando sempre em conta a Lei dos Semelhantes e considerando os sintomas
apresentados para procurar e indicar o medicamento mais apropriado para cada caso.

Observação

Não temos um medicamento único para determinado quadro gripal,


mas devemos considerar todos os sintomas que o indivíduo apresenta para
escolhermos a solução mais adequada, dentro da concepção do tratamento
pelo semelhante.

Como a maior parte das faculdades de Farmácia disponibiliza a disciplina de Farmácia ou


Farmacotécnica Homeopática, o ensino é mais uma possibilidade para o futuro profissional,
considerando as diversas peculiaridades tanto na terapêutica quanto na farmacotécnica. Também
diversas pesquisas são realizadas nas instituições homeopáticas e nas universidades, muitas vezes
tendo o farmacêutico inserido nas equipes multiprofissionais necessárias para este desenvolvimento.

Com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), a homeopatia passou a


fazer parte dos serviços públicos disponibilizados no Sistema Único de Saúde (SUS), portanto exigindo
também a presença do farmacêutico homeopata para garantir a manipulação dos medicamentos ofertados
e sua adequada aquisição e dispensação.

14
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Na assistência e atenção farmacêutica, esse profissional é um elo entre a farmácia, o prescritor


e o cliente. É ele que, em caso de dúvidas na prescrição, deverá contatar o prescritor para resolvê‑las.

Em diversas situações, o cliente acaba questionando o farmacêutico sobre a finalidade dos


medicamentos prescritos, pois ele fica intimidado de perguntar ao seu prescritor. Portanto, esse
profissional deve também conhecer a filosofia homeopática, suas escolas e as diversas patogenesias dos
medicamentos inseridas nas matérias médicas homeopáticas.

O profissional deve ainda ser capaz de orientar o usuário a utilizar corretamente os medicamentos,
pois estes apresentam particularidades que devem ser respeitadas para permitir sua melhor ação e
eficácia no tratamento. Como os medicamentos homeopáticos são muito sensíveis, essa orientação
abrange alguns cuidados como: mantê‑los longe de aparelhos eletrodomésticos que emitam radiações
(TVs, computadores, fornos de micro‑ondas, celulares); distantes de odores fortes, como perfumes,
produtos de limpeza e medicamentos canforados; afastados de calor e umidade; não utilizar cânfora
ou mentol; administrar a dose sempre longe das refeições etc. Em viagens de avião, por exemplo, é
preciso protegê‑los dos raios X. Para isso hoje temos embalagens apropriadas que conseguem impedir a
passagem das radiações (figura 1).

Figura 1 – Invólucros e estojos para proteger medicamentos homeopáticos, florais, antroposóficos,


fisioquânticos e fitoterápicos contra radiações não ionizantes

Disponível em: https://bit.ly/3b51LtW. Acesso em: 10 fev. 2022.

2 HISTÓRIA DA MEDICINA HOMEOPÁTICA E SEUS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

2.1 Homeopatia: história e tipos de terapêutica

Hipócrates, representante do pensamento médico e considerado o pai da medicina, redescobriu na


Grécia Antiga os princípios da analogia e da semelhança já existentes desde a civilização babilônica.
A medicina deixou de ser uma religião ou magia e o estudo do homem tornou‑se verdadeiramente seu
objetivo, sendo a atividade médica apoiada no conhecimento experimental. A tradição hipocrática tinha
como base o poder curativo da natureza – vis medicatrix naturae –, sendo que a unidade do homem é uma
unidade vital, clínica e terapêutica. Ele entendia a doença como perturbação do equilíbrio que mantinha o
ser humano em perfeita harmonia consigo e com a natureza.

15
Unidade I

O conceito de unidade vital afirmava que o homem doente não deveria ser separado de seu meio,
tampouco a doença corresponderia apenas a sinais e sintomas de um único órgão doente que deveriam
ser curados isoladamente, mas devia ser interpretada considerando o quadro particular de cada indivíduo.

Para Hipócrates, os sintomas são reações do organismo à enfermidade, e a homeopatia se alicerça


na questão difundida de que “a doença é produzida pelos semelhantes e através dos semelhantes o
paciente retorna à saúde” (FONTES et al., 2018, p. 1). Esse conceito se concretiza num dos fundamentos
da homeopatia, a Lei dos Semelhantes – similia similibus curentur, ou seja, o semelhante será curado
pelo semelhante –, que indica que “toda substância capaz de provocar determinados sintomas em um
indivíduo sadio é capaz de curar, desde que em doses adequadas, um doente que apresente sintomas
semelhantes” (FONTES et al., 2018, p. 9).

O processo especial de preparação que permite curar a pessoa doente com a mesma substância
capaz de provocar determinadas alterações (sintomas) em uma pessoa sadia é a manipulação
homeopática, que você poderá estudar mais detalhadamente na Unidade II.

Saiba mais

O filme O físico, baseado no livro de Noah Gordon (1998), retrata


a medicina do século XI, descrevendo o empirismo da medicina, o
envolvimento da religião e o desconhecimento do corpo humano:

O FÍSICO. Direção: Philipp Stölzl. Alemanha: UFA Fiction, 2013. 155 min.

Lembrete

O Ministério da Saúde define bem os fundamentos da homeopatia, entre


eles a Lei dos Semelhantes, nas Práticas Integrativas e Complementares:

“A Lei dos Semelhantes (similia similibus curentur) diz: que as


substâncias existentes na natureza (de origem vegetal, mineral e animal)
têm a potencialidade de curar os mesmos sintomas que são capazes de
produzir, ou seja, se uma pessoa ingerir doses tóxicas de uma determinada
substância, irá apresentar alguns sintomas. Se, por outro lado, dermos
esta mesma substância, preparada homeopaticamente, obteremos como
resultado a melhora destes sintomas” (BRASIL, [s.d.]).

Após a morte de Hipócrates (377 a.C.), Aristóteles (384‑322 a.C.), também médico, estabeleceu uma
doutrina geral fixa e fechada, em que cada ramo do saber tem seu lugar. Galeno (129‑201 d.C.) limitou
similarmente a medicina ao sistema aristotélico, mas espalhou os ensinamentos hipocráticos pelo mundo
médico. Estes conceitos perduraram até a Renascença, quando surgiu Paracelso (1493‑1541), precursor da

16
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

homeopatia, que preferiu retornar aos princípios hipocráticos e introduziu a análise química e física na
prática médica.

Dois séculos depois nasceu Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755‑1843). Filho de artesãos,
Hahnemann observava seu pai, pintor e mercador de porcelana, no preparo das tintas, o que lhe
proporcionou um contato com a química, e, como o acompanhava, foi desenvolvendo o conhecimento
de vários idiomas. Como plebeu, não podia frequentar a biblioteca da escola, no entanto, pelo seu
desempenho, recebeu ajuda dos professores, intensificando seus estudos em diversas áreas. Em 1775,
foi para Leipzig estudar medicina, dedicando‑se, para seu sustento, a aulas particulares de línguas
estrangeiras e traduções de obras científicas para o alemão. Sempre se destacando no meio acadêmico,
recebeu o grau de doutor em Medicina na Universidade de Erlangen, Alemanha, e seu tratado Matéria
médica, que versava sobre as propriedades medicinais das drogas, tornou‑se o manual oficial da época,
além de ter sistematizado a farmacopeia alemã (FONTES et al., 2018).

Hahnemann, já como médico ortodoxo, insatisfeito com as práticas existentes, teceu várias críticas à
medicina da época – que se apoiava, basicamente, em sangrias, fórmulas e medicamentos tóxicos para
o tratamento das doenças – e, desiludido, abandonou a profissão. Para sobreviver, voltou a trabalhar
como tradutor científico e traduziu, em 1790, a Matéria médica de Cullen, observando o estudo que este
fazia da casca da Cinchona officinalis, a quinina, já utilizada na época para o tratamento da malária.
Intrigado, resolveu experimentar sua ação nele mesmo. Tomou várias doses fortes de quinina e logo
sentiu os sintomas de um estado febril semelhante às febres intermitentes que são curadas pelo uso
desta substância. Portanto, Hahnemann redescobriu a antiga Lei da Semelhança de Hipócrates.

Saiba mais

O vídeo a seguir apresenta um breve resumo da vida de Hahnemann e


seu método terapêutico:

HAHNEMANN e a história da homeopatia. 7 fev. 2012. 1 vídeo (9 min).


Publicado pelo canal fbhomeopatia. Disponível em: https://bit.ly/3HtMIpL.
Acesso em: 16 jun. 2022.

Hahnemann passou então a experimentar várias drogas em homens sadios, mas surgia um problema:
como testar as drogas tóxicas? Para isso, ele contava com relatos de casos acidentais e estudos da
farmacologia tradicional. Visando poder dar sequência aos seus experimentos, passou a aplicar o
processo de diluições seriadas, que permitiriam testar drogas tóxicas e venenos, e em 1796 criou a
homeopatia, tendo como fundamentos a Lei da Semelhança, a experimentação no homem são e doses
mínimas, também conhecidas como infinitesimais.

Por volta de 1805, sua vida começou a melhorar e conseguiu se dedicar aos seus escritos. O mais
importante deles foi o ensaio A medicina da experiência, precursor de seu trabalho teórico Organon
da arte de curar, livro que traz toda a filosofia e farmacotécnica homeopática, sendo o material de cabeceira

17
Unidade I

ou a bíblia homeopática de quem se dedica a esta arte terapêutica. Outros escritos importantes foram
a Matéria médica pura e As doenças crônicas, em que lista uma série de medicamentos completamente
novos para curar tais enfermidades.

Hahnemann obteve muito sucesso nesta sua abordagem, angariando seguidores e discípulos e
espalhando a homeopatia por todos os continentes. No entanto, uma nova terapêutica sempre traz
também muitos inimigos, principalmente devido aos ataques de Hahnemann à escola médica
tradicional e também aos boticários, pois ele fazia seus próprios medicamentos e aconselhava também
todos os seus discípulos a fazê-lo.

Sua vida na Alemanha foi sempre muito difícil. Em 1834, já viúvo, Hahnemann conheceu Marie
Melanie d’Hervilly, jovem francesa que o procurou para tratar da saúde. Acabaram se casando e se
mudando para Paris, onde a homeopatia já estava estabelecida e o médico foi recebido de braços abertos.
Foi então que conquistou todo o reconhecimento e sucesso de sua carreira, e nesta época escreveu a
sexta e última edição do Organon.

Saiba mais

Se você deseja praticar ou tem curiosidade por esta arte terapêutica,


leia Organon da arte de curar, obra mais importante de Hahnemann que
traz toda a sua filosofia, a farmacotécnica homeopática, e como olhar para
o indivíduo:

HAHNEMANN, S. Organon da arte de curar. 6. ed. São Paulo: Robe, 1996.

2.1.1 Homeopatia no Brasil

A homeopatia foi introduzida oficialmente no Brasil em 1840 pelo médico francês Benoît Jules Mure,
que trouxe da Europa o conhecimento, as substâncias e tinturas utilizadas nessa prática e começou
a divulgar sua doutrina através de cursos. Por volta de 1851, separou‑se a prática médica da prática
farmacêutica, mas somente com o Decreto n. 9.554/1886 (BRASIL, 1886) surgiu o direito de apenas
os farmacêuticos manipularem medicamentos homeopáticos.

A partir da década de 1930, a homeopatia gradativamente perdeu força e importância no Brasil,


sem, no entanto, desaparecer. O Decreto n. 57.477/1965 (BRASIL, 1965) regulamentou a manipulação,
o receituário, a industrialização e venda de produtos utilizados em homeopatia, a qual ressurgiu para
começar a se destacar no meio médico na década de 1970.

A Lei n. 5.991/1973 (BRASIL, 1973), que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas,
medicamentos, correlatos e insumos farmacêuticos, incluiu a farmácia homeopática na legislação,
enquanto a Lei n. 6.360/1976 (BRASIL, 1976) incluiu os medicamentos homeopáticos no sistema de
Vigilância Sanitária.

18
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Surge em 1976 a primeira edição da FHB, com destaque para Helena Minin, farmacêutica e médica
homeopata.

Em 1980, a homeopatia foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina como especialidade
médica, e nessa mesma década a Resolução CFF n. 176/1986 (CFF, 1986) ratificou a farmácia homeopática
como privativa da profissão farmacêutica.

Nesse período, as farmácias podiam usar como referência as farmacopeias alemã, francesa, brasileira
e outras literaturas oficiais, o que levava a uma não padronização da técnica utilizada. Foi então aprovada
no Congresso Brasileiro de Homeopatia, realizado em Gramado/RS em 1988, uma moção que culminou
com a publicação pela ABFH do Manual de normas técnicas para farmácia homeopática em 1992.
Hoje estamos já com a quinta edição deste manual, trabalho árduo e fruto da união de farmacêuticos
homeopatas de todo o Brasil que realizam pesquisas e buscam sempre melhorar a padronização e
atualizar as técnicas utilizadas.

Farmacopeia Homeopática
Brasileira

3a edição

A) B) 2011

Figura 2 – Imagens ilustrativas do A) Manual de normas técnicas para farmácia homeopática


e B) Farmacopeia homeopática brasileira

Fonte: A) ABFH (2019); B) Brasil (2011).

Em 1992 o CFF regulamentou a RT em farmácia homeopática pela primeira vez.

Em 1997 surgiu a segunda edição da FHB (BRASIL, 1997), muito criticada, pois normatizava técnicas
divergentes daquilo que o Manual da ABFH (1995) desenvolveu. Apenas em 2011 surgiu a terceira
edição da Farmacopeia homeopática brasileira (FHB 3), aprovada pela Anvisa e finalmente aceita pelas
farmácias como dentro da padronização.

Dois anos depois foi publicada a Resolução CFF n. 585/2013, que regulamenta as atribuições clínicas
do farmacêutico, e a Resolução CFF n. 586/2013 (CFF, 2013c), que regula a prescrição farmacêutica.

19
Unidade I

De terapia “alternativa”, a homeopatia se desenvolveu científica e politicamente neste início do


século XXI para a posição de Prática Complementar, avalizada pelas políticas de saúde do governo
brasileiro quando o Ministério da Saúde publicou a PNPIC (figura 3) no SUS, em 2006. Segundo essa
política, as Práticas Integrativas e Complementares (PICs) compreendem um universo de abordagens
de medicina tradicional e complementar/alternativa estabelecido pela Organização Mundial da Saúde.

Atualmente, o SUS oferece, de forma integral e gratuita, 29 procedimentos de PICs à população.


Os atendimentos começam na atenção básica, principal acesso ao SUS.

Figura 3 – PNPIC

Fonte: Brasil (2015).

A homeopatia faz parte das chamadas PICs, sendo

uma abordagem terapêutica de caráter holístico e vitalista que vê a


pessoa como um todo, não em partes, e cujo método terapêutico envolve
três princípios fundamentais: a Lei dos Semelhantes; a experimentação
no homem sadio; e o uso da ultradiluição de medicamentos. Envolve
tratamentos com base em sintomas específicos de cada indivíduo e utiliza
substâncias altamente diluídas que buscam desencadear o sistema de cura
natural do corpo (PICs, 2020).
20
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Observação

Os medicamentos homeopáticos da FHB estão incluídos na Relação


Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename).

Saiba mais

Para conhecer as PICs, acesse o portal do Ministério da Saúde:

PRÁTICAS Integrativas e Complementares (PICs). Ministério da Saúde,


Brasília, 20 nov. 2020. Disponível em: https://bit.ly/39B9ob7. Acesso em:
16 jun. 2022.

2.1.2 Tipos de terapêutica

Para entendermos a ação dos medicamentos alopáticos, devemos entender a medicina convencional,
conhecida como medicina alopática, que tem como princípio a cura pelo contrário, ou seja, o medicamento
indicado para tratamento funciona com um efeito oposto aos sintomas sentidos pelo paciente.

O termo alopatia vem do grego allos (contrário, diferente) e pathos (sofrimento, doença), e essa
terapêutica se baseia no princípio Contraria contrarius curantur Antibióticos ou antiparasitários são
exemplos dela.

Dentro deste conceito temos ainda o termo enantiopatia, que também trata a doença pelo
contrário: enantios significa contrário, oposto, e alguns de seus exemplos são antitérmicos, antiácidos
e analgésicos.

Muitas vezes, essa terapêutica acaba sendo paliativa, pois não trata o desequilíbrio, somente alivia o
sintoma, que pode voltar a aparecer quando passa o efeito do medicamento.

Exemplo de aplicação

No caso de um paciente com febre acima de 38 °C, a alopatia usaria um antitérmico para diminuir
a temperatura corporal, ou seja, agiria de forma contrária ao sintoma. Um paciente com acidez
estomacal poderia fazer uso de um antiácido para minimizar este problema. Em nenhum desses casos
se investigou o que estava levando à febre ou provocando a acidez. Reflita sobre isso, sobretudo levando
em consideração que, em muitas ocasiões, ao passar o efeito do medicamento, o problema pode voltar.

21
Unidade I

Por sua vez, a homeopatia trabalha de maneira diferente. Emprega‑se a Lei da Semelhança ou
similitude, segundo a qual, como já vimos, para tratar a enfermidade, deve‑se procurar a substância que
no homem sadio causa sintomas semelhantes aos sintomas do enfermo.

Lembrete

Homeopatia vem do grego homoios (semelhante) e se baseia no


princípio similia similibus curentur.

Exemplo clássico deste conceito é o uso do café. Quem gosta desta bebida sabe como nos auxilia
a acordar diariamente, pois atua como estimulante, e na homeopatia, pela similitude, poderá ser
administrado, entre outras coisas, para o tratamento da insônia. Veremos na seção 2.3 a ação dos
medicamentos homeopáticos, relacionando a ação primária e reação secundária das substâncias.

Outro tipo de terapêutica é a isopatia, cujo método trata a doença com o mesmo princípio contagioso
que a produziu. Iso significa igual, mesmo.

Um exemplo para elucidar esta terapêutica é o uso de alérgenos, cuja aplicação irá dessensibilizar
o indivíduo.

No caso, a missão do clínico homeopata é prescrever substâncias que, quando utilizadas em pessoas
sadias, produzam sintomas análogos aos da doença a ser combatida. Essas substâncias são transformadas
em medicamentos homeopáticos através de um processo denominado dinamização, que permite diminuir
os efeitos tóxicos da substância original e aumentar seu poder curativo.

Exemplo de aplicação

Temos um medicamento homeopático feito de uma abelha, o Apis mellifica. Se um indivíduo apresenta
um processo alérgico por picada desse inseto, com dor, coceira, rubor, inchaço etc., poderá utilizar este
medicamento dinamizado para combater esta reação. Desta maneira, ele é utilizado segundo a isopatia.

No entanto, Apis mellifica é um medicamento com muitas outras ações. Portanto, se um paciente
apresentar dores intensas, similares a ferroadas, com inchaço etc., mas nem mesmo chegou perto de
uma abelha, este medicamento será prescrito segundo a Lei da Semelhança.

2.2 Princípios ou fundamentos da homeopatia

2.2.1 Lei dos Semelhantes (Similia similibus curentur)

Fontes et al. afirmam que:

Qualquer substância capaz de provocar em um homem sadio, porém


sensível, determinados sintomas é capaz de curar, desde que em doses
adequadas, um homem que apresente um quadro mórbido semelhante,
com exceção das lesões irreversíveis (2018, p. 9).
22
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Segundo Kossak‑Romanach (1984, p. 28), Hipócrates escreve que “a doença é produzida


pelos semelhantes e, através dos semelhantes, o paciente retorna à saúde”. No entanto, coube a
Hahnemann não somente fundamentar a Lei dos Semelhantes como método de tratamento sob
o nome de homeopatia, mas também estabelecer a prioridade do método experimental, realizar o
estudo clínico do efeito secundário das drogas, descobrir o poder dinâmico das doses infinitesimais,
entre outros insights.

Fontes et al. (2018, p. 9) apresentam um exemplo prático do primeiro fundamento da homeopatia:

sintomas de um indivíduo com úlcera gástrica: hemorragia frequente,


eventuais diarreias explosivas, gosto amargo na boca, sensação de
sufocamento com falta de ar à noite, grande inquietude de espírito, ansiedade
e muito medo da morte, diminuição de memória, além de queimação no
estômago que acalma com o calor e piora com o frio. Esses sintomas são
semelhantes aos da ingestão de arsênico e, com isso, sugerem ao médico
doses mínimas de Arsenicum album. Portanto, é necessário saber o que cada
substância provoca em indivíduos sadios, para poder indicá‑las no momento
adequado de acordo com a Lei da Semelhança.

Isso nos leva ao segundo princípio da homeopatia, que é a experimentação no homem são, também
conhecida como experimentação patogenética.

Saiba mais

Para entender melhor o modelo homeopático, Marcus Zulian Teixeira


busca no livro a seguir fundamentar o princípio da similitude:

TEIXEIRA, M. Z. Semelhante cura semelhante: o princípio de cura


homeopático fundamentado pela racionalidade médica e científica. São
Paulo: Petrus, 1998.

2.2.2 Experimentação no homem são

De 1790 a 1796, Hahnemann experimenta numerosas substâncias, sempre em indivíduos


sadios e dentro de normas protocolares preestabelecida. Kossak‑Romanach (1984, p. 31) conta que
Hahnemann escreveu um artigo para o Jornal de Medicina Prática em 1796 intitulado “Um novo
princípio sobre as propriedades curativas de substâncias medicamentosas, com algumas considerações
sobre os métodos precedentes”, no qual expõe seus resultados e afirma que uma doença pode ser curada
por medicamentos que provocam sintomas semelhantes. Hahnemann experimenta em si próprio cerca
de cinquenta substâncias, catalogando o poder farmacodinâmico (e curativo) de cada uma.

23
Unidade I

A experimentação no homem são é o procedimento de testar substâncias medicinais em indivíduos


sadios para elucidar os sintomas e perturbações causados pelos medicamentos e que irão refletir sua
ação. Essa experimentação torna possível o correto conhecimento do poder farmacodinâmico de
cada droga como único artifício para evidenciar o menor desvio da força vital ou do mecanismo da
homeostase diante de um estímulo perturbador.

Esses sintomas são chamados patogenéticos Para que o organismo os produza, é necessário que
a dosagem seja suficiente para promover seu desequilíbrio. As drogas são testadas nas doses tóxicas,
hipotóxicas e dinamizadas para poder revelar todos os seus sintomas. Sendo a substância experimentada
um estímulo transitório, os seus efeitos se extinguem sem deixar sequelas.

Surge o conceito de patogenesia, que é o conjunto de manifestações de sintomas objetivos (físicos)


e subjetivos (emocionais e mentais) que um organismo sadio apresenta ao experimentar determinada
substância medicinal. Os sintomas patogenéticos ou patogenesias obtidos pela experimentação no homem
sadio são reunidos em compêndios conhecidos como matéria médica homeopática.

Observação

Experimento no homem são = sinais e sintomas = patogenesia



Várias patogenesias = matéria médica homeopática

2.2.3 Doses mínimas

Segundo Kossak‑Romanach (1984), Hahnemann adotou a aplicação clínica das drogas em doses
reduzidas, subtóxicas, embora em nível ponderável, sobrevindo curas sempre que a correlação de
semelhança era obedecida. Como a princípio os indivíduos frequentemente apresentavam agravamento
inicial, atribuído à soma da doença já existente com aquela artificial induzida pelo simillimum – somatório
dos efeitos do medicamento com a doença (figura 4) –, foi através da experimentação que se chegou
à dose mínima, pois, para testar substâncias tóxicas e venenos, Hahnemann utilizou medicamentos
diluídos no intuito de contornar os inconvenientes.

Doença natural
+
Doença artificial semelhante
_______________________________

Piora inicial

Figura 4 – Agravação dos sintomas

24
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Inicialmente, Hahnemann acreditava que esta técnica de diluição pudesse diminuir o efeito terapêutico
da droga. No entanto, surpreendeu‑se ao constatar que as diluições não apenas conservavam, mas
também adquiriam maior potencial curativo.

Hahnemann criou então um método de diluições que pudesse ser copiado e usado por outras
pessoas, elaborando a escala de diluição centesimal (1:99), sendo que a cada diluição sucussionava o
frasco para melhor homogeneizar o conteúdo.

Observação

A dinamização é a soma da diluição e energização, sendo utilizada a


escala de diluição centesimal (1:100, que contém 1 parte do insumo ativo
+ 99 partes do insumo inerte) e a energização correspondendo a agitações
violentas ou sucussões.

A diluição somada às sucussões promove uma diminuição da concentração química e um aumento


da ação dinâmica, que estimula a reação do organismo na direção da cura.

Os termos diluição, potência e dinamização passaram a ser empregados sob o ponto de vista prático.
Na homeopatia, não se admite uma diluição que não esteja complementada pelas sucussões. A descoberta
do poder farmacodinâmico das doses mínimas tornou as doses ponderáveis desnecessárias, obsoletas e
contraindicadas, sendo que, segundo Kossak‑Romanach (1984), dose mínima passou a representar um
dos fundamentos do novo método, o mais polêmico até a atualidade.

2.2.4 Remédio único

Na experimentação patogenética, testa‑se apenas uma droga por vez. Portanto, são administrados os
medicamentos isoladamente, evitando interações ou mesmo antídotos entre as diferentes substâncias.

O médico homeopata procura individualizar os sintomas do paciente para encontrar o seu


simillimum, cobrindo a totalidade dos sintomas de um homem doente, ou seja, aquele medicamento
cuja patogenesia melhor coincidir com os sintomas do doente. Trata‑se da escola unicista. Assim,
cada indivíduo terá seu medicamento próprio de fundo ou constitucional, que servirá para tratar suas
queixas, ou melhor, o desequilíbrio de sua energia vital.

O simillimum capaz de curar o portador de determinada doença será qualquer uma das substâncias
homeopáticas, desde que os sintomas coincidam, estando esta droga na dependência exclusiva das
características pessoais do doente.

25
Unidade I

Lei da Experimentação no
Semelhança homem são

Doses mínimas
(remédio único)

Figura 5 – Fundamentos da homeopatia

Observação

O Arsenicum album, no indivíduo são, causa queimação, diarreia, ansiedade


noturna, gripe com irritação próxima ao nariz por conta da secreção mais ácida.

O indivíduo enfermo com estes sintomas pode tomar esta substância


para tratá‑los.

2.3 Ação do medicamento homeopático

O medicamento homeopático é como uma chave, um conversor. Se o indivíduo está doente, utilizar o
medicamento semelhante à sua enfermidade leva à cura; se ele está com saúde, tomar o medicamento
leva à enfermidade – patogenesia ou enfermidade artificial (figura 6).

Indivíduo são Indivíduo enfermo

Doença artificial Saúde

Medicamento

Figura 6 – Ação do medicamento homeopático: binômio saúde‑doença

Existem várias teorias sobre o mecanismo de ação dos medicamentos homeopáticos, mas até hoje
nada foi totalmente comprovado. Segundo Kossak‑Romanach (2003), o modo como a droga age está
descrito na introdução da primeira edição do Organon em português, onde Licínio Cardoso faz uma
representação esquemática explicativa da ação do medicamento homeopático. No início, o organismo
recebe a influência da ação morbífica e reage, mas sem muita eficiência, desencadeando a doença.
Com a introdução do medicamento semelhante ao quadro do enfermo, que agirá paralelamente à
moléstia, o organismo reagirá mais fortemente à doença e ao medicamento. Como as reações contrárias

26
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

à droga são semelhantes às reações contrárias à moléstia, quando o medicamento for eliminado, a soma
das duas reações do organismo atuará sobre a ação morbífica (figura 7).

Ação morbífica Organismo reage, mas sem eficiência

Ação morbífica + medicamento Reação maior do organismo

Saúde

Indivíduo são + medicamento =


(causa morbífica artificial) Enfermidade artificial

Indivíduo são + causa morbífica natural = Indivíduo enfermo

Se

sintomas da enfermidade = sintomas do medicamento


então
Enfermo + remédio = cura

Figura 7 – Gráfico do mecanismo do simillimum

Adaptada de: Kossak‑Romanach (2003).

Hahnemann (1996 apud KOSSAK‑ROMANACH, 2003, p. 58) esclarece:

Portanto, o que ocorre é que o medicamento estimula o organismo a reagir


contra ele mesmo e ao estado morbífico. Com sua eliminação, a resposta de
ataque ao estado morbífico torna‑se muito maior, conseguindo devolver ao
indivíduo sua saúde. A espécie de ação do medicamento é dinâmica, e não
física ou química. O medicamento age por dinamismo, e não por sua massa.

2.3.1 Ação primária e efeito secundário no Organon

Segundo Hahnemann (1996), todo medicamento capaz de atuar sobre a vida desarmoniza mais
ou menos a força vital, produzindo alterações que se devem principalmente ao agente causal e que
representam a ação primária. A esta atuação, a força vital, na condição de atividade automática
responsável pela conservação do equilíbrio orgânico, desenvolve e opõe resistência – reação ou efeito
secundário –, clinicamente traduzida por sintomas.

Durante a ação primária, o organismo e sua força vital se comportam de modo passivo ou
receptivo, para depois desenvolverem estado oposto à atuação nociva através da reação secundária.
Eventualmente, o organismo extingue as alterações imprimidas pelo agente externo e volta ao estado
normal primitivo, sem chegar a evidenciar sintomas (HAHNEMANN, 1996).

27
Unidade I

Efeito primário é a modificação de maior ou menor duração provocada por toda substância na
saúde do indivíduo. Efeito secundário ou reação secundária é a resposta do próprio organismo ao
estímulo que o altera. Fontes et al. (2018, p. 35) complementam:

A partir da absorção da droga, o efeito primário é imediatamente sentido.


Este representa a propriedade da substância em alterar o meio interno; é a
consequência direta (química) da droga no organismo, capaz de causar os
chamados sintomas primários (patogenéticos). Na tentativa de restabelecer
o equilíbrio híbrido perdido, o organismo lança mão do efeito secundário; é a
consequência da reação homeostática do organismo, capaz de proporcionar
efeitos secundários (reacionais), opostos aos sintomas primários, com finalidade
de neutralizá‑los.

Segundo Kossak‑Romanach (1984), um exemplo clássico para esclarecer estas ações é observado
facilmente no hábito de ingestão de café, já mencionado na seção 2.1.2. A dose usual desta bebida
é estimulante pela presença maciça da cafeína. Quando a sua eliminação atinge determinado limiar,
são acionados mecanismos orgânicos responsáveis pela sintomatologia contrária à fase de estímulo,
principalmente sonolência e desânimo, induzindo a nova ingestão de cafeína para readquirir o
bem‑estar anterior dependente da ação bioquímica dominante das concentrações humorais elevadas e
que caracterizam a fase primária.

2.3.2 Lei biológica de Arndt‑Schultz

Kossak‑Romanach (1984) destaca que Hahnemann, com base nas suas experimentações científicas,
afirmou que os efeitos primário e secundário dos medicamentos dependem da dose em que são
administrados. Para confirmar esta constatação, em 1920 Hugo Schultz, professor de Farmacologia
da Universidade de Greifswald, estudou leveduras e observou que seu crescimento dependia da
concentração de substâncias tóxicas que recebiam, ou seja, enquanto doses pequenas estimulavam o
crescimento das leveduras, doses grandes o inibiam. Surgiu então a Lei da Farmacoterapia, que dispõe
que “toda excitação provoca sobre a célula um aumento ou diminuição de sua função fisiológica, na
dependência da intensidade fraca ou forte da excitação” (KOSSAK‑ROMANACH, 1984, p. 52). Rudolf
Arndt, fisiologista da mesma universidade, baseando‑se na Lei de Schultz, após várias pesquisas enunciou
a Lei Biológica Fundamental, que pode ser resumida da seguinte forma:

• excitações fracas ou pequenas despertam a atividade vital;

• excitações médias aumentam a atividade vital;

• excitações fortes deprimem em parte a atividade vital;

• excitações exageradas anulam totalmente a atividade vital.

Este enunciado explica a ação inversa dos medicamentos segundo a dose, auxiliando a compreender
o mecanismo de ação das doses mínimas dentro da Lei da Semelhança.

28
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Quanto à administração das concentrações medicamentosas:

• pequenas doses têm efeito estimulante;

• doses moderadas têm fase estimulante pouco duradoura – depressão;

• doses grandes têm fase estimulante breve – depressão.

Lembrete

Lei Biológica Fundamental: ação dupla e inversa das drogas de acordo


com as doses. Por exemplo, em doses fortes, a atropina dilata a pupila; em
doses fracas, a diminui. Digitalina, em doses elevadas, acelera o batimento
cardíaco; em doses fracas, o retrai.

2.3.3 Leis de Hering

Diarreias, febres e vômitos são sintomas que refletem a expressão dos mecanismos de defesa do
organismo na luta contra a doença. Suprimir estas manifestações é, muitas vezes, dificultar o trabalho
orgânico em direção à cura.

Geralmente, o sintoma é uma reação benéfica do organismo contra algo que o perturba. Contudo,
existem situações em que a doença é mais profunda e o sintoma não é suficiente para debelá‑la e,
nestes casos, pode ser uma influência nociva ao organismo, afetando a condição clínica do paciente e
consequentemente criando obstáculos ao seu restabelecimento.

Na homeopatia, um medicamento semelhante aos sintomas do enfermo poderá reforçar os


mecanismos naturais de defesa ao agir na mesma direção da força vital. A primeira constatação de
que o tratamento está sendo benéfico é um aumento transitório das manifestações orgânicas, que
chamamos na homeopatia de “agravação dos sintomas”, pelo estímulo dado com a administração do
medicamento homeopático semelhante aos sintomas do enfermo. Esta agravação desaparece logo a
seguir, com a cura do paciente.

Constantine Hering (1800‑1880), discípulo de Hahnemann, elaborou diversos experimentos


e afirmou que, à medida que a doença se torna crônica, existe uma progressão dos sintomas, cujo
desaparecimento, na ordem inversa do seu aparecimento, indica que a doença está evoluindo para a
cura. Surgem então as Leis de Cura de Hering, que representam parâmetros que auxiliam os prescritores
a acompanhar a evolução de seus pacientes em relação à doença ou cura de seus sintomas. A seguir
estão relacionados os cinco postulados das Leis de Cura de Hering:

• os sintomas devem desaparecer na ordem inversa do seu aparecimento;

• a cura progride do alto do corpo para baixo;


29
Unidade I

• a cura progride dos órgãos mais nobres para os menos nobres;

• o corpo exterioriza os sintomas (eczemas, urticárias, diarreias, vômitos etc.);

• os antigos sintomas podem reaparecer.

Saiba mais

Este artigo debate uma série de argumentos a favor e contra as


Leis de Hering:

RÎNDASU, I. Leis de Hering: prós e contras. Revista de Homeopatia, São


Paulo, v. 74, n. 3/4, p. 61‑65, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3xWy5rT.
Acesso em: 16 jun. 2022.

Observar a evolução do paciente na constatação desses postulados ajuda o médico a conduzir seu
tratamento homeopático.

2.4 Força vital

A escola hipocrática entende que o organismo agredido automaticamente busca reagir para voltar
ao seu equilíbrio, de forma natural. A essa força curativa atribui‑se o epíteto vis medicatrix naturae, que,
traduzindo do latim, significa a via de cura natural.

Para exemplificar essa força, temos a febre. Ela nada mais é que uma reação do organismo para
tentar atacar o agente nocivo que está se instalando. Muitos médicos homeopatas são contra o uso de
antitérmicos, pois o indivíduo estaria perdendo essa reação de defesa.

O indivíduo, portanto, é visto como um ser dotado de uma força curativa, responsável por mantê‑lo
saudável, que Hahnemann acabou chamando de força vital. Quando essa força não é suficiente, a
pessoa fica enferma. O importante é não analisar somente a doença, mas sim o doente, com suas
manifestações deste desequilíbrio, sua constituição, o meio onde vive, seus hábitos alimentares etc.,
pois todos esses aspectos trazem informações muito importantes para sua individualização. E isto
traz a concepção do binômio saúde‑doença da filosofia hipocrática.

Vírus, bactérias, mudanças no tempo, não importa qual é o agente nocivo, pois todos estão presentes
e em contato com todos os indivíduos. Alguns adoecem e outros, não. Isto se deve ao distúrbio que a
força vital sente e a enfraquece, possibilitando o surgimento da enfermidade. Isto é também um reflexo
da suscetibilidade constitucional. O verdadeiro médico deve analisar cada caso individualmente, com
seu diagnóstico clínico ou diagnóstico de terreno ou suscetibilidade.

30
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Segundo Hahnemann (1996, § 9),

No estado de saúde, a força vital que anima dinamicamente o corpo


material (organismo), governa com poder ilimitado e conserva todas as
partes do organismo em admirável e harmoniosa operação vital, tanto com
respeito às sensações quanto às funções, de modo que o espírito dotado de
razão que reside em nós pode empregar livremente este instrumento vivo e
sadio para os mais altos fins de nossa existência.

O agente nocivo de qualquer natureza, também conhecido como noxa, é capaz de perturbar o
estado de saúde do organismo, despertando os sintomas.

Observação

Sintomas correspondem à expressão da doença .

O modelo conceitual no qual a terapêutica homeopática se apoia é de origem vitalista.

Observação

Vitalismo é uma doutrina filosófica segundo a qual os seres vivos


possuem uma força particular que os mantém atuantes – o princípio ou a
força vital –, distinta das propriedades físico‑químicas do corpo.

Hahnemann interpreta a força vital como a mantenedora do equilíbrio orgânico. As doenças


não são mais que manifestações deletérias da força vital modificada, e os microrganismos são apenas
fatores necessários, mas não suficientes, para produzir doenças. É a força vital que mantém o organismo
em harmonia. Sem ela, o organismo não age, não sente e se desintegra, sendo a força vital responsável
pela integração dos diversos níveis dinâmicos da realidade humana: “Quando uma pessoa cai enferma é
somente a força vital imaterial ativa por si mesma e presente em todas as partes do organismo que sofre
o desvio determinado pela influência dinâmica do agente mórbido” (FONTES et al., 2018, p. 22). A saúde
é o estado de equilíbrio nos seus aspectos físico, emocional e mental.

Observação

Saúde corresponde à harmonia das: sensações + funções + conservação.

Quando a força vital é perturbada, os mecanismos de defesa do organismo são acionados (sistemas
imunológico e endócrino). A força vital pode ser influenciada negativamente por fatores exógenos,
como ritmos de vida insalubres, alimentação inadequada, drogas etc., e por fatores endógenos, como
tristeza, irritabilidade e ódio.
31
Unidade I

Mediante os sintomas, a doença reflete o esforço da força vital de tentar restabelecer o equilíbrio.

A homeopatia é uma terapêutica, ou seja, estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou
curar os doentes, sendo que a missão do médico é curar, e esta cura deve ser rápida, suave e permanente.

A doença é um sentir + agir + conservar‑se mal. É um desvio, uma desarmonia da força vital. Sem a
força vital, o corpo é incapaz de sentir + agir + conservar‑se. Está morto.

Observação

Enfermidade significa a pessoa colocada fora do seu estado de saúde,


fora de seu equilíbrio. Doenças são aberrações dinâmicas experimentadas
por nossa vida espiritual.

A doença teria origem num desequilíbrio da força vital, e seria “um meio para restabelecimento da
saúde, não devendo ser extirpada e sim ajudada” (HAHNEMANN, 1996, § 72).

2.4.1 Níveis dinâmicos: suscetibilidade constitucional

O ser humano é um ser integrado, com três níveis dinâmicos que agem o tempo todo e desenvolvem
uma hierarquia identificável: o físico, o emocional e o mental. A força vital é o que os mantém equilibrados.

Como dito, a mudança no tempo, as bactérias, os vírus, tudo está em contato com todos os
indivíduos. Mas por que somente algumas pessoas sentem as agressões disseminadas no nosso
meio? É justamente pela suscetibilidade constitucional. Um mesmo fator nocivo pode ser sentido em
diferentes níveis, de acordo com a suscetibilidade pessoal.

Então, cada indivíduo responde a uma simples mudança no tempo de acordo com a sua sensibilidade.
Uns manterão seu equilíbrio; outros podem ter uma gripe; outros, uma artrite; e outros até desenvolver
uma angústia. O agente nocivo, ou noxa, foi o mesmo, mas a maneira como a pessoa sentiu seu efeito
é o que a diferencia na sua individualidade. Quando a angústia é transformada numa depressão em
alguém com pouca vitalidade, o problema foi deslocado do nível emocional para o mental, uma vez que
a força vital não estava fortalecida o suficiente para transferi‑lo para o nível físico.

Nosso organismo seria como uma cebola, com todas as suas camadas. Temos na parte mais externa
o aparecimento dos sintomas físicos; na intermediária, sintomas emocionais; e na parte mais central,
os sintomas mentais (figura 8). Esta profundidade também determina a potência dos medicamentos a
serem prescritos. Para o físico, geralmente é possível restabelecer o equilíbrio com potências baixas, do
tipo 6 CH (esta sigla indica que o medicamento foi produzido na sexta potência na escala centesimal
pelo método hahnemanniano). Quanto mais interiorizados os sintomas, mais intensos precisam ser
os estímulos, dados através de potências mais altas. O medicamento deverá fortalecer a vitalidade do
doente para restabelecer o equilíbrio entre os três níveis.

32
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Nosso organismo seria como uma cebola, com todas as suas camadas. Temos na parte mais
externa o aparecimento dos sintomas físicos; na intermediária, sintomas emocionais; e na parte
mais central, os sintomas mentais (figura 8). Esta profundidade também determina a potência dos
medicamentos a serem prescritos. Para o físico, geralmente é possível restabelecer o equilíbrio com
potências baixas, do tipo 6 CH (esta sigla indica que o medicamento foi produzido na sexta potência
na escala centesimal pelo método hahnemanniano). Quanto mais interiorizados os sintomas, mais
intensos precisam ser os estímulos, dados através de potências mais altas. O medicamento deverá
fortalecer a vitalidade do doente para restabelecer o equilíbrio entre os três níveis.

Físico

Mental

Emocional
Figura 8 – Níveis hierárquicos do ser humano

Adaptada de: Vithoulkas (1980).

Portanto, quando pensarmos no enfermo, devemos observar se sua enfermidade estará caminhando
para a parte externa do organismo ou se está cada vez mais se interiorizando. Isto é para o médico um
sinal de alerta, pois esse agravamento contínuo, ou melhor, essa interiorização, significa que o paciente
não está sendo beneficiado pelo tratamento. Este é um dos alertas para avaliar a melhora ou piora da
condição do doente, conforme já retratado nas Leis de Cura de Hering (tópico 2.3.3).

É preciso ainda observar a ocorrência de:

• Obstáculos à cura: usar medicamento tópico de forma paliativa. Ao remover a totalidade


dos sintomas antes da cura do problema original, além de não curar, impede a identificação
do simillimum.

• Metástases mórbidas: perturbações causadas pela supressão, que, ao eliminar os sintomas,


reverte a ação mórbida a níveis mais profundos. Por exemplo, se uma diarreia é tratada com
antidiarreicos sem considerar a totalidade sintomática, provavelmente causará uma supressão
que poderá gerar uma úlcera gástrica ou outro problema mais grave que a diarreia.

33
Unidade I

2.5 Escolas homeopáticas

Existem várias escolas homeopáticas. Entre as principais, temos o unicismo, o pluralismo


– representado pelo alternismo – e o complexismo, conforme a quantidade de insumos ativos nos
medicamentos e o modo de administrá‑los.

2.5.1 Unicismo

Hahnemann, de acordo com os conceitos fundamentais da homeopatia, deixa seu legado na


escola unicista, conforme muito bem o registra, descrevendo esta aplicação tanto para o quadro agudo
como para o crônico:

Em nenhum caso é necessário empregar mais de um medicamento de


cada vez. Como o verdadeiro médico acha nos medicamentos simples
tudo o que pode desejar, isto é, os poderes morbíficos artificiais que, pela
sua faculdade homeopática, curam por completo as doenças naturais, e
como é um sábio preceito não procurar realizar com muitas forças aquilo
que se pode conseguir com uma só, jamais lhe ocorrerá dar mais de um
medicamento de cada vez. Pois sabe que, embora tenhamos estudado no
homem sadio os efeitos específicos e puros de todos os medicamentos
simples, nem por isso estaremos em condições de prever e calcular o modo
pelo qual duas substâncias medicinais associadas poderão antagonizar‑se
e modificar‑se reciprocamente no que tange aos respectivos efeitos
(HAHNEMANN, 1996, § 273).

Caso nos estados miasmáticos seja necessário continuar a terapêutica, o paciente receberá o
simillimum adaptado aos quadros sucessivos, mas sempre de forma isolada. Por definição, unicismo
consiste no emprego de um único medicamento de cada vez até que se consiga a máxima realização
terapêutica possível. Se, por acaso, não se obtiver a cura com esse primeiro medicamento, ele será,
então, substituído – mas só nessas circunstâncias – por outro, cuja escolha será orientada pelo novo
estado do paciente.

Os seguidores de James Tyler Kent (1849‑1916) criaram uma escola variante do unicismo conhecida
como kentismo, que emprega o método de fluxo contínuo (FC) para produzir medicamentos com alta
potência. Além de um único medicamento, essa escola também exige que a droga seja administrada em
dose única e potência superior a 1.000 FC.

Para Hahnemann (1996), a mais forte argumentação sobre a prescrição do remédio único está
no fato de a totalidade sintomática representar a expressão da doença e garantir a identificação do
simillimum. Então, a característica da escola unicista é a prescrição de um único medicamento com
base na totalidade dos sintomas da doença (simillimum), não importando se será administrado em dose
única ou em doses repetidas.

34
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

DR. SAMUEL HAHNEMANN


CRM XXXXX

Pac. Fulano de Tal


End. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Lycopodium clav. 30 CH líquido – 1 frasco

Tomar 3 gotas pela manhã em jejum e longe da escovação dos dentes, mantendo-se em
jejum por pelo menos 30 min, por 30 dias. Agitar o frasco 10 vezes antes de tomar.

¥¥ (assinatura)
Data XX/XX/XXXX

End. XXXXXXXXXXXXXX Cidade: XXXXXXX

Figura 9 – Exemplo de receita da escola unicista (doses repetidas)

DR. J. TYLER KENT


CRM XXXXX

Pac. Fulano de Tal


End. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Phosphorus 10.000 FC dose única – 5 glóbulos

Chupar os glóbulos pela manhã em jejum, mantendo-se em jejum por pelo menos 30 min,
e longe da escovação dos dentes.

€££ (assinatura)
Data XX/XX/XXXX

End. XXXXXXXXXXXXXX Cidade: XXXXXXX

Figura 10 – Exemplo de receita da escola unicista (dose única)

No caso desta escola, o médico tem que ter conhecimento profundo da matéria médica homeopática
e um bom repertório médico para conseguir desvendar o simillimum do paciente.

O emprego de um único medicamento oferece muitas vantagens, tanto para o paciente quanto
para o médico:

• no caso de resolução do quadro, cura da enfermidade com base na totalidade sintomática;

• seguimento detalhado, com melhor documentação obtida nas anamneses;

• registro de transformações inerentes ao simillimum;

• interrupção de medicamento mal escolhido;

• identificação de medicamento complementar quando necessário;

• custo baixo do medicamento.

35
Unidade I

Na prática, muitas vezes podem surgir alguns entraves para o bom resultado do médico na sua
conduta clínica. Por exemplo:

• é preciso que a substância prescrita esteja disponível na farmácia de manipulação, na potência


adequada e no momento oportuno;

• o paciente deve conseguir relatar pontos importantes na sua anamnese;

• o paciente pode fazer uso de medicamentos alopáticos imprescindíveis;

• os sintomas podem ser relatados por terceiros, como na pediatria ou na geriatria.

Enfim, é uma prática que exige muita experiência por parte do prescritor, mas que traz muitos
benefícios para o restabelecimento do paciente.

2.5.2 Pluralismo ou alternismo

A prática do pluralismo consiste na prescrição de dois ou mais medicamentos dotados de


correspondência patogenética parcial ao estado mórbido presente, a serem administrados em horas
intercaladas num esquema sucessivo no qual se usam intervalos regulares para que o efeito dos
medicamentos não seja perturbado pela dose subsequente do outro. Assim, um completa a ação do
outro, totalizando os sintomas do paciente.

É uma boa prática no caso de doenças agudas e que com frequência pode adotar um medicamento
similar em vez do simillimum verdadeiro. Geralmente, em casos agudos, são prescritos medicamentos
em baixas potências e atuando com as adaptações necessárias de acordo com o quadro.

Exemplo de aplicação

Paciente está com febre, amígdalas bem inchadas e dificuldade de deglutição. Foram prescritos dois
medicamentos para serem administrados em horas distintas:

Belladona 6 CH glóbulos (para febre)

Tomar 3 glóbulos nas horas pares.

Mercurius solubilis 6 CH glóbulos (para amígdalas)

Tomar 3 glóbulos nas horas ímpares.

No caso desta prescrição, foram indicados dois medicamentos por similaridade ao quadro; não se
levou em conta o simillimum do paciente. Outra opção seria usar o simillimum e também um miasmático,
prescrevendo, por exemplo, um pela manhã e outro antes de dormir. Então, nesta prescrição temos o uso
de diversos medicamentos, mas nunca administrados ao mesmo tempo.

36
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Este método pode ser aplicado:

• em urgências e convênios médicos, onde se atende grande número de pacientes por dia, sem
poder se atentar à procura do simillimum;

• na pediatria ou geriatria, em que o relato é feito por terceiros;

• quando existe ambiguidade na escolha e dois medicamentos podem ser utilizados (neste caso
serão indicados ambos em baixa potência);

• no acompanhamento do estado geral associado a lesão ou crise, utilizando um medicamento


principal e o outro intercorrente;

• em epidemias, em que se ganha tempo prescrevendo de acordo com o gênio epidêmico (o conceito
de gênio epidêmico será abordado no item 3.1.2).

Esta escola traz como desvantagens:

• tendência à polifarmácia, impedindo uma avaliação correta do quadro do paciente;

• emprego simultâneo de estímulos opostos;

• maior custo para o paciente;

• dificuldade no seguimento da documentação obtida nas consultas.

DR. FULANO CRICRI


CRM XXXXX

Pac. Fulano de Tal

1) Hydrastis 6 CH glóbulos – 1 frasco


Tomar 3 glóbulos pela manhã

2) Sambucus 6 CH glóbulos – 1 frasco


Tomar 3 glóbulos à tarde

3) Phosphorus 30 CH – 1 frasco
Tomar 3 glóbulos à noite antes de dormir.

€X X (assinatura)
Data XX/XX/XXXX

Figura 11 – Exemplo de receita da escola alternista

37
Unidade I

2.5.3 Escola complexista

Neste sistema são receitados dois ou mais medicamentos (fórmula prescrita pelo médico ou
complexos industrializados) para serem administrados simultaneamente.

DR. ALMEIDA PRADO


CRM XXXXX

Pac. XXXXXXXXXXXXX

Arnica montana 6 CH
Rhus toxicodendron 3 CH
Ruta graveolens 6 CH
Magnesia phosphorica 6 DH ãã glóbulos
Apis mell. 6 CH
Ledum palustre 5 CH

Chupar 5 glóbulos 6 vezes por dia.

€X X (assinatura)
Data XX/XX/XXXX

Figura 12 – Exemplo de receita da escola complexista

Esta conduta inicialmente pode trazer vantagens, mas também complicações, pois não se distingue o
medicamento que verdadeiramente atuou, nem o que pode ser prejudicial. E também há a possibilidade
de receitar combinações inadequadas, podendo uma substância anular o efeito da outra.

DR. ALERGISTA DE MORAIS


CRM XXXXX

Pac. Respira Felix

Água de piscina 6 CH
Poeira e germes v.a.s. 6 CH
Ácaro 6 CH
Pelo de cão 6 CH
Pelo de gato 6 CH
Perfume 6 CH
Tinta 6 CH ãã líquidos
Dermatofagoidinum 30 CH
Tuberculinum de Koch 30 CH
Pertussinum 30 CH
Pneumococcinum 30 CH
Streptococcinum 30 CH

Tomar 5 gotas 3×/dia, por 60 dias.

€X X (assinatura)
Data XX/XX/XXXX

Figura 13 – Exemplo de complexo homeopático para alergia respiratória

38
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Além das fórmulas prescritas de acordo com o paciente, ainda temos os complexos industrializados
e comercializados nas farmácias e drogarias. Nestas formulações, temos associações medicamentosas
dotadas de afinidades sindrômicas. Esses complexos homeopáticos industrializados trazem resultados de
curta duração, pois geralmente são produzidos em potências muito baixas, e tratam muitas vezes de forma
paliativa. Contudo, não podemos deixar de considerar a facilidade de ter estes produtos em mãos, pois
podem ser comercializados em qualquer drogaria.

Figura 14 – Complexo homeopático Almeida Prado

Disponível em: https://tinyurl.com/bde5dcb9. Acesso em: 15 jun. 2022.

2.5.4 Outras prescrições: organicismo

A homeopatia organicista prescreve o medicamento visando o órgão doente e considerando


as queixas mais imediatas do paciente. Sua conduta é próxima à da medicina alopática, que acaba
fragmentando o indivíduo em órgãos e sistemas, não levando em conta a totalidade sintomática.

Abrange medicamentos que podem ser prescritos para determinados casos, como Cantharis 6 CH para
infecção urinária, Apis mell. 6 CH para alergia por picada de inseto, além de diversas outras indicações.

Também ocorrem muitas prescrições com os diversos órgãos dinamizados, os organoterápicos,


conhecidos também como bioterápicos, que serão abordados na Unidade III. Esses órgãos dinamizados
podem ser usados para melhorar ou inibir a função de determinados órgãos, dependendo da potência
sugerida. Exemplos destes bioterápicos são o Thyreoidinum, Ovarinum, Pancreatinum etc.

3 CLASSIFICAÇÃO DAS DOENÇAS

3.1 Doenças agudas

São manifestações ou processos mórbidos súbitos, rápidos, intensos de alterações do equilíbrio


vital, podendo ter cura espontânea ou levar à morte.

Para os homeopatas, muitos quadros agudos são consequência de quadros crônicos ocultos. O médico
deverá verificar o terreno do paciente e suas predisposições mórbidas. Portanto, é muito importante na
anamnese desvendar aspectos físicos, emocionais e mentais, pois muitas vezes as manifestações agudas
surgem quando o paciente passa por estresses que acabam agudizando os sintomas.

39
Unidade I

Podem surgir no indivíduo devido a condições desfavoráveis, como a suscetibilidade do terreno,


doenças epidêmicas, infecções, indisposições causadas por desvios alimentares ou higiênicos, doenças
traumáticas ou de natureza cirúrgica. Não dependem dos estados miasmáticos para eclodirem, mas das
condições da força vital.

3.1.1 Enfermidades agudas individuais e coletivas

As doenças agudas podem representar simples indisposições oriundas de desvios alimentares ou


higiênicos, podem ser traumáticas ou de natureza cirúrgica, ou se classificar como doenças propriamente
ditas, conforme representadas no quadro 1.

Quadro 1 – Enfermidades agudas

Enfermidades agudas individuais


Tipo Causas
Traumatismos Efeitos mecânicos – feridas, contusões, luxações, fraturas
Indisposições Causas atmosféricas, alimentícias, emocionais, ambientais, tóxicas
(fisiopatológicas)
Exacerbações de Agravamento das doenças crônicas devido à exposição de uma psora
doenças crônicas latente que retorna ao seu estado de inatividade
Enfermidades agudas coletivas
Tipo Causas
Mudanças climáticas, alimentares e ecológicas nocivas – dependem da
Esporádicas predisposição individual
Favorecidas por situações caóticas, são febris, muito parecidas em suas
Agudas epidêmicas manifestações, contagiosas em grandes concentrações humanas
Dependem de agentes infecciosos especiais que sempre reaparecem com
Agudas propriamente mesmo quadro sintomático e dão imunidade ou podem atacar várias vezes
ditas (varíola, sarampo, febre amarela, cólera etc.)

Adaptado de: Kossak‑Romanach (1984).


3.1.2 Gênio epidêmico

Num determinado surto epidêmico, tem‑se pressa em descobrir um medicamento que possa ser
prescrito para todos os afetados por conta da urgência, não tendo tempo disponível para encontrar
o simillimum de cada indivíduo. Portanto, nestes casos deve‑se pesquisar o gênio epidêmico, ou
seja, qual droga tem similitude aos sintomas da enfermidade. Como definição, representa o conjunto
sintomático mais frequente constatado no decurso de uma epidemia, homólogo a determinado
quadro patogenético.

Observação

A droga correspondente ao quadro patogenético será o medicamento


do gênio epidêmico de uma epidemia.

40
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Saiba mais

Você pode entender melhor sobre a determinação do gênio epidêmico


acessando o material de Marcus Zulian Teixeira, disponibilizado na Rede
Humaniza SUS:

TEIXEIRA, M. Z. O uso da homeopatia nas doenças epidêmicas: premissas


científicas e propostas de aplicação. Rede Humaniza SUS, 10 jul. 2020.
Disponível em: https://bit.ly/3HuCTrM. Acesso em: 16 mar. 2022.

Pode também acessar esta matéria que aborda a pesquisa do gênio


epidêmico na pandemia de covid‑19:

PROTOCOLOS clínicos para guiar a homeopatia. Evidências, Recife, n. 4,


p. 7, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3zHyzUm. Acesso em: 16 jun. 2022.

Segundo Kossak‑Romanach (1984), ao lado dos sintomas individuais ocorrem nas doenças
coletivas febris epidêmicas sintomas comuns à maioria dos enfermos, característicos de
determinada epidemia.

3.1.3 Critérios para a escolha do medicamento no quadro agudo

Na prescrição em quadro agudo é necessário distinguir sintomas antigos que se modificam e


sintomas novos que surgem com o agudo atual, procurando o simillimum do momento.

Exemplo de aplicação

Indivíduo com coriza aquosa, irritante, olhos vermelhos, lacrimejamento intenso, dor de cabeça,
espirros intensos, tosse espasmódica. Agravação à tarde e ao quente; melhora ao ar livre e fresco. Estado
gripal intenso.

O medicamento que se destaca para tratar este estado gripal é o Allium cepa, uma preparação
homeopática cujo insumo ativo é obtido da cebola. Caso este estado gripal não fosse analisado
adequadamente, poderia ser receitado o vidro todo de um medicamento mal escolhido, que não teria
efeito. No entanto, doses de Allium cepa 6 CH, dadas segundo o método plus – administrando uma
dose de 15 em 15 minutos e aumentando‑as conforme forem melhorando os sintomas –, rapidamente
obterá uma melhora, pois o medicamento foi escolhido de acordo com a similaridade do momento do
quadro agudo.

Geralmente, as potências utilizadas para quadros agudos são de baixas a médias – de 6 CH a 12 CH.

41
Unidade I

3.2 Doenças crônicas

O terreno engloba o conjunto de fatores dependentes da hereditariedade, entre eles a constituição, a


predisposição, a refratariedade e o metabolismo. A homeopatia propicia recursos específicos adaptados às
diferentes predisposições do terreno, abrangendo sua constituição, temperamento e os miasmas.

No estudo das predisposições condicionadas pela hereditariedade, a homeopatia é a única terapêutica


que busca recursos medicamentosos específicos ao indivíduo.

As doenças crônicas dividem‑se em:

• Enfermidades crônicas artificiais (iatrogênicas): produzidas artificialmente por tratamentos


alopáticos mediante intoxicações medicamentosas. Muitas vezes chegam ao consultório pacientes
que tomam cinco remédios, um para cada sintoma, causando não a cura da doença, mas a
supressão dos sinais, sendo que a doença permanece intacta ou é até agravada. Temos ainda
enfermidades de origem cirúrgica, produzidas inclusive pelo uso da anestesia; de origem física,
produzidas pelas radiografias, radioterapia etc.; e aquelas causadas por soros e vacinas.

• Enfermidades crônicas naturais: são aquelas que, abandonadas a si mesmas e não tratadas,
vão progredindo até o fim de sua existência. São produzidas por agentes infecciosos crônicos
(miasmas); não são erradicadas nem por uma constituição física robusta, regime de vida ordenado
ou força vital mais energética; são transmitidas a outras pessoas por contágio ou hereditariedade;
permanecem latentes durante anos, especialmente até a puberdade, dando a impressão de bom
estado de saúde; e reaparecem por acontecimentos ou circunstâncias desfavoráveis, fatores
emocionais, tratamento médico inadequado e envelhecimento.

3.3 Classificação dos miasmas crônicos

Segundo Fontes et al. (2018), para os homeopatas existem quadros agudos que na maioria das
vezes são consequências de estados crônicos ocultos. Hahnemann desenvolveu a teoria dos miasmas ou
diáteses crônicas para explicar a existência das doenças crônicas.

Miasmas, ou diáteses crônicas, não são propriamente doenças, mas estados diatésicos que condicionam
o organismo a apresentar certas enfermidades. Um paciente poderá ter um miasma ou uma combinação
deles.

Lembrete

A agudização ou exacerbação que aparece de vez em quando tira a


enfermidade crônica do seu estado de latência devido à ação de noxa
desencadeante.

42
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Hahnemann associou miasmas – no sentido de reaparecimento da doença aparentemente curada –


aos pântanos, porque estes permanecem “calmos” por um determinado tempo até que a produção
de gases decorrentes da fermentação natural “quebra” essa calma aparente. O termo atual utilizado é
“diátese crônica”.

Observação

De acordo com Fontes et al., “miasma representa a predisposição,


congênita ou adquirida, que os tecidos têm de reagir de modo especial
a certos estímulos, como expressão da suscetibilidade individual, ou
seja, miasma é o estado crônico patológico que evolui dentro de dados
padrões reativos, caracterizado por elevada predisposição a determinadas
doenças” (2018, p. 32).

Segundo Kossak‑Romanach (1984), em 1826 Hahnemann identificou três miasmas responsáveis


pela eclosão das doenças crônicas: psora, sicose e sífilis. Um século depois, Nebel e Vannier agregaram
ao capítulo dos miasmas a noção de tuberculinismo e cancerinismo:

Em interpretação de J. L. Egito, miasmas constituem etapas fisiopatológicas


de um de um mesmo desequilíbrio inicial que progride por persistência do
ambiente hostil, por sobrecargas internas e por agressões diversas. Saturado
em sua capacidade de tolerância e esgotado nas possibilidades defensivas,
o organismo procura alívio para a tensão interna através de fenômenos
episódicos e alternantes de descarga de toxinas, à maneira de válvulas de
escape, servindo‑se para este fim dos emunctórios naturais. Este conjunto
de circunstâncias e fenômenos, causas e efeitos, constitui a psora. Na
insuficiência de liberação dos fatores nocivos por meio da hiperfunção
dos órgãos e das vias excretoras, o organismo se mobiliza em nível celular,
alterando a quantidade e qualidade das eliminações ou ainda, em grau mais
avançado, bloqueia as toxinas em órgãos ou regiões circunscritas, dando
origem a neoformações; por estes mecanismos instala‑se o estado de sicose.
Se esta frente de defesa for novamente ultrapassada, tenta o organismo se
liberar das toxinas ou se adaptar ao estresse persistente, com o sacrifício dos
próprios tecidos, instalando‑se o estado miasmático do luetismo ou sifilismo
(KOSSAK‑ROMANACH, 1984, p. 206).

Se figurativamente pensarmos em nosso organismo como uma panela de pressão, ao ser aquecida,
quando em equilíbrio, suas válvulas liberam os vapores e o organismo se mantém estável. Quando as
válvulas param de funcionar, começam a aparecer lesões superficiais, alergias e manifestações cutâneas,
serosas e mucosas (psora); depois, alteram‑se a quantidade e qualidade das eliminações, originando
inchaços e neoformações, surgindo excrecências verrucosas (sicose); até o sistema não suportar e estourar
(sífilis). Não confunda essa sífilis com a doença de mesmo nome. Aqui, ela se instala quando o organismo
tenta se livrar das toxinas, sacrificando os próprios tecidos; surgem as úlceras, furúnculos etc.
43
Unidade I

Estamos dividindo esses estados didaticamente, mas no organismo tudo pode ocorrer ao mesmo
tempo, e, dependendo do nível de agressão sentido, podemos ter o aparecimento do terceiro estágio do
miasma crônico, a sífilis.

3.3.1 Psora

Instala‑se quando o organismo esgota suas possibilidades defensivas, procurando alívio por meio
de fenômenos episódicos e alternantes de descarga de toxinas. O estado reacional da psora refere‑se a
alergias e manifestações cutâneas, serosas e mucosas.

Situações que podem levar ao estado psórico são: sedentarismo; alimentação inadequada e excessiva;
ambiente com poluição química, orgânica ou psicossensorial; fatores psíquicos pessoais.

Na fase inicial, surgem erupções vesiculosas e prurido. Os mecanismos das manifestações da psora
costumam representar exteriorização aguda de toxinas, direcionadas para a pele, pulmões, amígdalas
ou qualquer outro órgão, correspondendo à compensação eliminatória no nível da pele ou mucosas
(eczemas e diarreias) e à neutralização de toxinas no nível dos tecidos (obesidade), das articulações
(gota) ou dos órgãos (litíase renal ou biliar).

3.3.2 Sicose

Instala‑se quando o organismo altera a quantidade ou qualidade das eliminações, ou quando


bloqueia as toxinas em órgãos ou regiões circunscritas; é proliferativa, originando neoformações.
O estado reacional da sicose se relaciona com as excrescências verrucosas (verrugas, condilomas etc.).

Segundo Kossak‑Romanach (1984), duas principais causas instalam o estado sicótico: agressão
persistente sobre células do sistema reticuloendotelial e a interferência no metabolismo hidroiônico.
Agressões psíquicas, alimentação excessiva e quimicamente contaminada, poluição atmosférica,
ambiente úmido, iatrogenismo, desequilíbrio hormonal etc. são fatores desencadeantes do estado
sicótico. Algumas alterações das funções cutâneas apresentadas na sicose são: infiltração hídrica com
propensão à obesidade; circulação capilar retardada; varicosidades superficiais; hipossudorese localizada
em pregas cutâneas; neoformações em couve‑flor; herpes labial e genital.

3.3.3 Sífilis

Instala‑se quando o organismo tenta livrar‑se das toxinas ou adaptar‑se ao estresse persistente,
sacrificando os próprios tecidos. O estado reacional da sífilis está relacionado com a tendência à
destruição dos tecidos (úlceras, fístulas, furúnculos etc.).

Processos de destruição das fibras elásticas estão na base das lesões cutâneas do luetismo, levando
à evolução de ulcerações da pele ou das mucosas, características da instalação do cancro.

44
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Quadro 2 – Comparações dos miasmas crônicos

Psora Sicose Sífilis


Distúrbios do
Alterações do ego, Reações afetivas pervertidas, intelecto, reações
Estado metal com ansiedade, medo reações depressivas com agressivo‑destrutivas
e angústia. Afeta a melancolia. Afeta a memória e contra si mesmo e
emotividade alimenta ideias fixas contra os outros. Afeta a
inteligência
Hiperfunção, Hipofunção,
Fisiopatologia Perversão dos tecidos e
hipersensibilidade e hipossensibilidade e
hiperplasia
transtornos reversíveis transtornos irreversíveis
Do ocaso do sol até
Desde a meia‑noite até o
Modalidades de agravação Ao meio‑dia e antes amanhecer e pela supressão de meia‑noite, pela
da menstruação transpiração e por
verrugas úlceras suprimidas
Erupções vesiculosas
Alterações cutâneas e sempre pruriginosas, Condilomas Cancro duro
escabióticas ou não
Medicamentos com
patogenesias semelhantes Sulphur Thuya occidentalis Mercurius solubilis

Nosódios miasmáticos Psorinum Medorrhinum Syphillinum


Excreções patológicas
Excreções patológicas e
Alívio dos sintomas Pelas eliminações e pelo aparecimento de
aparecimento de formações
fisiológicas ulcerações cutâneas e
verrucosas mucosas.

Adaptado de: Kossak‑Romanach (1984).

Nenhuma destas manifestações deve ser tratada com produtos tópicos, pois sua supressão agravará
a condição intrínseca que as produziu. O tratamento deverá ser sempre interno, atuando sobre as
predisposições do terreno, com base na totalidade sintomática.

A diferenciação dos estados miasmáticos tem valor incontestável, permitindo situar cada doente
num degrau patológico evolutivo.

Saiba mais

Acesse esta introdução para conhecer melhor a concepção das dinâmicas


miasmáticas:

FREIRE, G. Bases para uma nova compreensão da enfermidade. Gilson


Freire, Nova Lima, [s. d.]. Disponível em: https://bit.ly/3MXjCAm. Acesso em:
16 jun. 2022.

45
Unidade I

4 A CONSULTA HOMEOPÁTICA

4.1 Anamnese

Em uma consulta homeopática, o clínico escuta, interroga, examina e observa o paciente desde sua
entrada no consultório para obter a mais perfeita totalidade dos sinais e sintomas capazes de espelhar
a imagem do seu estado enfermo particular. Sempre terá importância a relação médico‑paciente,
pois a empatia é necessária para o melhor diálogo e relato do enfermo. A própria consulta já é uma
psicoterapia, pois o fato de o paciente relatar seus aspectos físicos, emocionais e mentais muitas
vezes já exerce um efeito benéfico sobre o sujeito.

A finalidade da consulta homeopática é estabelecer um diagnóstico terapêutico medicamentoso


e individual, determinar como o quadro atual da enfermidade pode se desenvolver no paciente e que
enfermidades crônicas podem surgir a partir dele. Além do diagnóstico da patologia, o clínico fará um
diagnóstico individualizado, buscando minúcias em todos os detalhes que diferenciem essa doença
neste doente.

Segundo Fontes et al. (2018), a semiologia para levantamento dos sintomas não deverá ser uma
coleta fria, mas devem ser observados todos os detalhes que tornam os sinais característicos a cada
indivíduo. Desse modo, a sensação de dor, por exemplo, deve ser qualificada quanto à sua natureza
(pulsátil, ardente, lancinante etc.), quanto à sua intensidade, quanto à época e à hora do seu surgimento.

O clínico deve conhecer profundamente a matéria médica homeopática e ser perspicaz para obter
um relato espontâneo sem a interferência influenciadora do profissional sugestionando o paciente.
Deve‑se evitar perguntas que permitam respostas do tipo “sim” ou “não”, mas fazer com que o paciente
descreva uma determinada situação. Por exemplo, é inadequado perguntar “Você tem dores de cabeça
na região frontal?” ou “Aparecem depois de comer comida gordurosa?”, sendo melhor perguntar “Suas
dores de cabeça aparecem em qual região?” e “Que situação faz com que elas apareçam?”.

Quanto mais ricas as informações prestadas pelo paciente, melhor para o clínico conseguir chegar à
totalidade sintomática. Exames laboratoriais podem ser solicitados para auxiliar essa análise. A anamnese
homeopática prima pelo detalhe na totalidade sintomática da doença, permitindo individualizar o
doente e fazendo com que o clínico se preocupe sempre com a complementação de cada informação
ou sinal, modalizando‑os e caracterizando‑os a fim de completar a imagem patogenética, inclusive
quanto ao psiquismo e ao comportamento geral do enfermo, desde a sua postura, ansiedade, inquietude
e modo de comunicação.

A busca da relação entre a dinâmica do enfermo e a farmacodinâmica da droga, ou seja, a busca do


simillimum na anamnese, constitui a individualização, ambiguamente designada como sendo do doente
ou do medicamento. Em diferentes portadores do mesmo diagnóstico, o procedimento da individualização
identificará drogas distintas. Na prática, costuma‑se designar o doente pelo medicamento que lhe
corresponde, ou seja, falamos que somos o medicamento, então dizemos que um indivíduo é Lycopodium
se para ele foi prescrito Lycopodium.

46
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Observação

Muitas vezes o paciente insiste nas queixas patológicas, ocultando


sintomas que julga alheios à doença, considerando desnecessários
justamente aqueles mais indicativos da enfermidade. Portanto, conta a
experiência do clínico para desvendar o medicamento mais adequado.

Saiba mais

Quanto ao preconceito em relação à homeopatia, veja o que fala Marcus


Zulian Teixeira:

HOMEOPATIA Pronto Atendimento 4/5/2012. 7 maio 2012. 1 vídeo


(29 min). Publicado pelo canal TV Cultura. Disponível em: https://bit.ly/3tClury.
Acesso em: 16 jun. 2022.

4.2 Matéria médica homeopática

Os tratados de matéria médica são relatos das patogenesias que visam o fiel registro da
farmacodinâmica das drogas. Trata‑se de uma literatura específica que apresenta as ações terapêuticas
das diferentes drogas medicinais homeopáticas, descrevendo as patogenesias, trazendo o estudo
relativo à ação dos agentes medicamentosos sobre o organismo sadio, particularmente sobre o homem,
e compilando os sintomas desenvolvidos pelas drogas através das patogenesias, da farmacologia
tradicional, da terapêutica, da toxicologia e das toxicomanias.

Entre as várias matérias médicas existentes, citamos as de Hahnemann, Allen, Lathoud, Vijnovsky etc.
A Matéria médica pura de Hahnemann (2007) apresenta os sintomas com base exclusiva na ação das
drogas sobre o organismo, sem esquematização prévia, com identificação correta de cada substância e
descrição da sua influência sobre a mente.

A Matéria médica de Kent (2002) é descritiva e procura concatenar as manifestações de cada


patogenesia, projetando imagem viva do doente no seu dinamismo. Sua estrutura geralmente traz
sinonímias, a elaboração das preparações básicas e derivadas, e a descrição dos sintomas obtidos na
experimentação no homem são, descrevendo a análise geral, sintomas mentais, gerais e locais, além de
modalidades e causalidades.

De acordo com Kossak‑Romanach (1984, p. 283), “sintomas são tudo o que distingue o homem
doente de si mesmo quando não está doente. É a manifestação na maneira de sentir e de agir por parte
do organismo, acessível aos sentidos do observador e do médico”. Há diversos tipos de sintomas, como
os locais, mentais, gerais, comuns, patognomônicos etc.

47
Unidade I

Os sintomas locais indicam apenas a localização de determinado sintoma. Por exemplo, se o paciente
diz que a dor é no joelho direito, você tem a localização da dor, inclusive a lateralidade – lado direito –, mas
não sabe a intensidade ou se é uma dor que irradia ou somente localizada.

Mais importantes do que os sintomas locais serão os sintomas mentais, que apontam características
de comportamento, caráter, instintos, medos, ansiedades, manias etc. Acabam contribuindo muito na
questão da descoberta do simillimum do paciente.

Os sintomas gerais, por sua vez, trazem informações sobre as reações sensoriais, as características
das fezes e urinas, desejos e aversões alimentares, características das dores etc.

Já o reconhecimento dos sintomas patognomônicos na doença aguda é indispensável para a


prescrição homeopática. Sintomas patognomônicos são aqueles característicos de cada doença, como
as erupções cutâneas do sarampo e da catapora, os sintomas da asma etc.

Durante a consulta, o médico anotará todo o relato do paciente para depois questionar características
importantes de seus sintomas com o intuito de completar o quadro e ajudar na diferenciação do
medicamento.

Finalmente, “modalidade é a condição de agravação ou melhora de um determinado sintoma”


(KOSSAK‑ROMANACH, 1984, p. 291), e pode se dar através de condições psicológicas, influências
climáticas, alimentares etc., enquanto causalidade é a condição ou fato responsável pelo aparecimento
de um sintoma que antes dela não existia. Esta última serve algumas vezes como fator revelador das
condições do terreno, contribuindo para a individualização ou o diagnóstico do miasma dominante e,
quando representada por sintoma ou condição psíquica, sempre assume prioridade.

4.2.1 Exemplo de patogenesia

O indivíduo com características de Calcarea carbonica poderá relatar, entre outras coisas, que
apresenta como sintomas transpirações intensas, mas com a superfície do corpo e extremidades frias;
como modalidade, lateralidade direita. Sintomas melhoram com o tempo seco e, quando constipado,
deitando‑se sobre o lado doloroso. Como sintomas mentais, apresenta franqueza e incapacidade para
qualquer esforço intelectual; sente‑se sem energia, melancólico, triste, deprimido, com vontade de
chorar e medo de ficar louco; preocupa‑se com detalhes sem importância. No aparelho digestivo, tem
sensação de queimadura na boca que piora pela mastigação; deseja comer ovos; gosta de pães e detesta
carne; apresenta digestão lenta, vômitos ácidos, abdome sensível, flatulento e com burburinhos.

Estas informações a respeito da patogenesia da Calcarea são apenas um pequeno exemplo da riqueza
das patogenesias.

4.2.2 Repertório médico homeopático

À proporção que foram feitas mais experimentações no homem sadio, as matérias médicas foram
se avolumando e tornando impossível sua memorização para auxiliar os atendimentos médicos.
Essa dificuldade obrigou a catalogação dos sintomas à maneira de um índice.

48
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Na homeopatia, repertório é a obra que reúne os sinais e sintomas, seguidos pelas drogas e pelos
medicamentos em cuja experimentação no homem sadio eles se manifestaram. O repertório expõe a
matéria médica de forma invertida, em que um sintoma ou uma frase apontam medicamentos que lhes
correspondem. São organizados em ordem alfabética, para agilizar a consulta médica.

Matéria médica Medicamentos Sintomas

Repertório Sintomas Medicamentos

Figura 15 – Esquema matéria médica e repertório

Fonte: Fontes et al. (2018, p. 31).

Saiba mais

Nesta obra de referência clínica e terapêutica, o profissional encontrará


as divisões anatômico‑funcionais do sistema orgânico e psíquico do ser
humano e os sintomas característicos do seu paciente:

RIBEIRO FILHO, A. Repertório de homeopatia. São Paulo: Organon, 2005.

4.3 Características dos medicamentos

Para facilitar a compreensão de sua aplicação clínica, os medicamentos homeopáticos são divididos
em categorias.

4.3.1 Medicamentos policrestos

O termo policresto provém do grego polys (muitos) e kréstos (benéfico), ou seja, que tem muitos
benefícios ou aplicações. Os homeopatas referem‑se a esta categoria para designar os medicamentos
mais utilizados na clínica diária.

Hahnemann estabeleceu inicialmente uma lista de 24 policrestos: Aconitum napellus, Arnica montana,
Arsenicum album, Belladonna, Bryonia alba, Calcarea ostrearum, Carbo vegetabilis, Chamomilla, China
officinallis, Dulcamara, Hepar sulphur, Hyoscyamus, Ipecacuanha, Lachesis, Lycopodium clavatum,
Mercurius solubilis, Nux vomica, Phosphorus, Pulsatilla nigricans, Rhus toxicodendron, Sepia succus,
Silicea terra, Sulphur e Veratrum album. Esta lista foi sendo acrescida ao longo do tempo.

Para começar a manipulação, a farmácia deverá ter, no mínimo, os policrestos e semipolicrestos. São
alguns exemplos de semipolicrestos: Acidum nitricum, Acidum phosphoricum, Apis mellifica, Argentum
nitricum, Calcarea fluorica, Calcarea phosphorica, Graphites, Ignatia amara, Magnesium carbonicum,
Natrum muriaticum, entre outros.

49
Unidade I

4.3.2 Medicamentos incompatíveis e complementares

Na escola pluralista, como no caso do alternismo ou complexismo, os médicos prescrevem dois ou


mais medicamentos para cobrir a totalidade sintomática.

Quando dois ou mais medicamentos apresentam sintomas patogenéticos contrários, são considerados
incompatíveis ou antídotos, e não se justifica sua indicação numa mesma prescrição.

Já no caso dos medicamentos complementares, um supre as deficiências patogenéticas do outro.


São frequentemente indicados nas prescrições em casos agudos.

Algumas matérias médicas mencionam nas descrições das patogenesias os medicamentos complementares
e incompatíveis.

Lembrete

Sintoma patogenético é qualquer manifestação observada pelo experimento


no homem sadio.

4.3.3 Medicamentos antimiasmáticos

Nas doenças crônicas temos os miasmas crônicos, como psora, sicose e sífilis, relatados no tópico
3.3. Para tratar esses quadros miasmáticos, existem alguns medicamentos importantes: para o miasma
sifilítico, Mercurius solubilis; para o miasma sicótico, Thuya occidentalis e Acidum nitricum; e para
miasma psórico, Sulphur.

4.3.4 Medicamento de fundo ou de terreno

São medicamentos que tratam estados prolongados de desequilíbrio e adaptam as condições


crônicas dependendo da constituição, do temperamento e dos miasmas. São também conhecidos como
o simillimum do paciente. Esses medicamentos podem ser usados em casos agudos nas dinamizações
baixas, tratando de aspectos físicos; as potências mais altas são indicadas nos quadros crônicos, já
num nível mais emocional e mental. O simillimum pode auxiliar o paciente em todas as situações
de emergência.

4.3.5 Medicamentos constitucionais

A constituição está relacionada com a hereditariedade, onde se constrói o indivíduo. Existem


diversas constituições: fluórica, carbônica, sulfúrica, fosfórica etc. Dentro destas constituições temos
os grupamentos, como Calcarea carbonica, Calcarea phosphorica, Calcarea sulphurica, Calcarea fluorica
etc. Outros grupamentos importantes são Natrum, Kalium, Barium etc. A correspondência constitucional
não é obrigatória e não tem poder de exclusão ou inclusão na escolha do medicamento a ser usado, mas
acaba sendo um sinal de alerta para o prescritor poder analisar o entorno.
50
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Bem resumidamente, pessoas de constituição fluórica apresentam má postura, deformações do


esqueleto, dentes amarelados. Seus gestos são desajeitados e excessivos. Apresentam irritabilidade e são
incapazes de ficar imóveis.

Já o indivíduo de constituição carbônica é mais robusto, rígido, tem retenção hídrica. Seus gestos
são lentos e precisos. Não volta atrás em suas decisões, é obstinado, racional e gosta de tudo muito
bem explicado.

A pessoa sulfúrica, por sua vez, tem estatura mediana, é magra, esportiva e tem bom desenvolvimento
muscular. Há também o tipo sulfúrico esclerótico, em que predomina a suprarrenal com tendência a
reter líquidos e catabólitos. Esse indivíduo é ativo, sanguíneo e tem extremidades quentes. Com vida
intensa, se desgasta física e intelectualmente, abusa do álcool e da comida. Tende à hipertensão arterial.
Desenvolve abdome volumoso e fadiga, o que limita sua atividade. Já o sulfúrico magro mantém o
equilíbrio enquanto a eliminação das toxinas for mantida. Obstáculos a essa eliminação fazem com que
as toxinas tomem um caminho inverso, provocando uma impregnação lenta e progressiva, alterando as
funções orgânicas e diminuindo as defesas.

O tipo de constituição fosfórica apresenta esqueleto e tórax alongados, com grande capacidade
respiratória. São sujeitos muito sociáveis, hiperemotivos, têm reações rápidas e se esgotam facilmente
(tanto em aspectos físicos quanto psíquicos).

Como já mencionado, o prescritor não deve levar em conta apenas estas questões constitucionais,
mas com certeza pode ser auxiliado pela sua observação para fechar o quadro clínico do paciente.

4.3.6 Medicamentos homeopáticos oficinais

Em 2019 foi publicada a segunda edição do Formulário homeopático da farmacopeia brasileira


(ANVISA, 2019b), que define uma lista de 92 medicamentos homeopáticos oficinais de uso interno
em gotas, glóbulos, comprimidos e tabletes. Um de seus objetivos “é apoiar a ampliação do uso
da homeopatia no SUS” , através das PICs, apresentando “uma relação nacional de medicamentos
oficinais homeopáticos” (ANVISA, 2019b, p. 8).

O Formulário homeopático não substitui a FHB, as matérias médicas homeopáticas, os


repertórios homeopáticos ou outros compêndios reconhecidos que orientam a produção e uso do
medicamento homeopático, e a prescrição clínica não deve fugir ao aprofundamento na anamnese
para chegar ao medicamento simillimum. No entanto, essa publicação auxilia o profissional quando
há uma demanda muito grande de pacientes, como em ambulatórios, e também é bastante útil na
análise de quadros agudos para auxiliar o alívio dos sintomas.

O Apêndice 1 deste livro-texto relaciona os medicamentos oficinais elencados no Formulário


homeopático e suas indicações e manifestações clínicas.

51
Unidade I

Saiba mais

Os vídeos indicados a seguir tratam dos benefícios da homeopatia como


alternativa à medicina convencional:

HOMEOPATIA, um outro caminho. 12 jan. 2021. 1 vídeo (78 min).


Publicado pelo canal Homéopathie une Autre Voie le Film. Disponível em:
https://bit.ly/3MRCQY8. Acesso em: 16 jun. 2022.

BENEFICIOS de la homeopatía. 24 set. 2019. 1 vídeo (12 min). Publicado


pelo canal El Heraldo de México. Disponível em: https://bit.ly/3MZuSfE.
Acesso em: 16 jun. 2022.

4.4 Críticas à homeopatia, mitos e dúvidas frequentes

Muitas questões, dúvidas e críticas surgem quando falamos em homeopatia. Uma delas é a questão
da inespecificidade farmacológica. Muitos leigos e médicos convencionais criticam a terapêutica
homeopática pela simples questão de que os medicamentos não têm uma ação farmacológica
traduzida em bulas, conforme estão acostumados.

Um policresto, por exemplo, pode ser dado para diversas enfermidades: se um paciente toma um
medicamento para gastrite, outro poderá usar o mesmo ativo para uma rinite, artrite ou até mesmo
quadros emocionais, como depressão, melancolia etc. Mas como isso é possível?

Primeiro, temos que avaliar quais foram os resultados dessa substância na experimentação do
homem são, pois somente através deste estudo patogenético é que o prescritor terá condições de
avaliar qual é o melhor simillimum a ser indicado para seu paciente.

Outro ponto importante a ser avaliado na prescrição será a potência ou dinamização mais adequada
para atuar na totalidade sintomática do paciente na busca de seu restabelecimento à saúde.

Outra grande crítica é a falta de concentração do medicamento, pois médicos ortodoxos


estão acostumados a prescrições com doses ponderais, e no caso da homeopatia os medicamentos
passam por uma desconcentração do princípio ativo. Quanto mais diluído o medicamento, mais
energética é sua ação:

1 parte da TM + 99 partes do insumo inerte ↑↓ CH (10-2)

1 parte da 1 CH + 99 partes do insumo inerte ↑↓ 2 CH (10-4)

1 parte da 2 CH + 99 partes do insumo inerte ↑↓ 3 CH (10-6) …

1 parte da 11 CH + 99 partes do insumo inerte ↑↓ 12 CH (10-24)

e assim continuamente por diluições sucessivas.

52
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Na dinamização 12 CH, temos uma diluição 10‑24, ou seja, já ultrapassamos o número de Avogadro
e, portanto, é estatisticamente improvável que haja uma única molécula do insumo ativo no
medicamento final.

Observação

Número de Avogadro (N) equivale a 6,023 × 1023. Representa as moléculas


contidas em uma molécula‑grama da substância pesquisada.

Segundo Kossak‑Romanach (2003), o número de Avogadro é de grande importância na conceituação


das diluições homeopáticas e tem servido de argumento contra as altas dinamizações, visto que as diluições
de medicamentos situadas entre 12 CH e 13 CH, ou seja, acima de 10‑24, são, teoricamente, desprovidas de
moléculas da droga ativa inicial.

Como medicamentos em altíssimas dinamizações são prescritos e continuam tendo ações


terapêuticas? Se só temos água, como funcionam? Este é o pensamento de muitos que desconhecem
toda esta arte terapêutica. Muitos falam do efeito placebo, ou que é preciso ter fé para o tratamento
funcionar; outros ainda se sugestionam, acreditando que, devido às características do tipo de abordagem
médica, o paciente já consegue sair aliviado da própria consulta. Então, por que o médico ortodoxo
também não desenvolve esta lógica durante o atendimento? Ele talvez não precisasse também dos
medicamentos alopáticos…

Vamos então falar de alguns destes mitos que desconsideram a eficácia da terapêutica homeopática.

Quanto ao fato de ser tão diluído e não ter nada na solução: hoje, a física quântica já consegue
elucidar esta questão. Mesmo procedendo a diluições seriadas, de acordo com as escalas de dinamizações,
o veículo inerte usado nas diluições irá, através do processo de sucussão, desenvolver a “assinatura” da
substância original. Não temos ainda equipamentos que analisem quimicamente este registro, mas os
resultados de pesquisas garantem e comprovam a ação esperada das substâncias.

Como exemplo, podem ser mencionados estudos importantes que avaliam tratamentos contra
envenenamento por chumbo. Ao comparar a administração de uma droga alopática capaz de remover
chumbo do corpo a somente água e ao medicamento Plumbum metallicum 200 CH em cobaias, a análise
da urina dos animais comprovou que o medicamento homeopático foi capaz de eliminar o chumbo de
seus tecidos, verificando a quantidade de chumbo eliminado em comparação à droga alopática e à água
(VITHOULKAS, 1980).

53
Unidade I

Saiba mais

Moreira et al. (2003) também analisam o uso de Plumbum metallicum


em casos de intoxicação por chumbo:

MOREIRA, H. M. et al. Emprego de Plumbum metallicum 15 CH no


saturnismo ocupacional. Homeopatia Brasileira, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1,
p. 33‑36, 2003. Disponível em: https://bit.ly/3OlTeRA. Acesso em: 20 mar. 2022.

Outra frase que escutamos com frequência é que precisamos ter fé para que o medicamento
homeopático atue. Para contra‑atacar este mito, podemos correlacionar o fato de tratamentos
homeopáticos na pediatria, na veterinária e na agricultura terem resultados excelentes, sem que o ser
vivo atendido saiba que está tomando medicamentos. Hoje, a agropecuária utiliza a homeopatia para
poder exportar seus produtos, pois resíduos alopáticos muitas vezes impedem essa exportação.

Mais um mito que precisamos derrubar diariamente é o fato de acharem que o tratamento
homeopático é muito lento. No caso da administração do medicamento correto, eliminamos
rapidamente enfermidades agudas, recuperando o indivíduo. Além disso, muitos não lembram que a
alopatia também pode levar o indivíduo a uma dependência de medicamentos para o resto da vida, e
frequentemente com todos os efeitos colaterais já esperados.

É preciso ainda observar que fitoterapia não é homeopatia, pois não passou pela experimentação
no homem são. Para ter seu efeito desejado, são esperadas doses ponderáveis, diferentemente da
homeopatia, que utilizará doses infinitesimais. Florais também não são homeopatia. São preparados
nas farmácias de manipulação, mas seu mecanismo de ação, o modo de preparo das soluções estoques
e as doses administradas são completamente diferentes. Antroposofia não é homeopatia. Apesar
de também utilizar seus produtos dinamizados, sua farmacotécnica é completamente diferente.
Homotoxicoterápicos também não são homeopatia. Tanto a antroposofia como a homotoxicoterapia
foram desenvolvidas na Alemanha e exportadas para o mundo, mas cada uma tem suas particularidades,
apesar de utilizarem medicamentos dinamizados.

A homeopatia tem comprovação científica? Esse método terapêutico faz parte de uma medicina
integrativa e humanizada que trata o paciente como um todo, não olhando apenas para as doenças.
A Associação Médica Brasileira reconhece a homeopatia como especialidade médica, sendo, assim,
amparada pela ciência. No Brasil, essa terapêutica tem ainda como aliada a Associação Médica
Homeopática Brasileira.

54
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

Saiba mais

Em 2017, a Câmara Técnica de Homeopatia do Conselho Regional de


Medicina do Estado de São Paulo elaborou e publicou o Dossiê especial
“Evidências científicas em homeopatia”. Profissionais da saúde e também a
população em geral têm acesso livre a esse conteúdo, disponível na Revista
de Homeopatia:

REVISTA DE HOMEOPATIA. São Paulo: APH, v. 80, n. 1/2, 2017. Dossiê especial
“Evidências Científicas em Homeopatia”. Disponível em: https://bit.ly/3mUQr6v.
Acesso em: 17 jun. 2022.

Enfim, muitas outras questões podem surgir. Antes de criticá‑las, o importante é buscar
conhecimento. Isso se aplica principalmente a nós, que estamos envolvidos diretamente na relação
paciente‑farmacêutico‑medicamento, para que possamos praticar a arte terapêutica e, sobretudo, a
atenção farmacêutica.

55
Unidade I

Resumo

Nesta unidade foi abordada a filosofia homeopática, seus princípios


fundamentais, as características da terapêutica, como se desencadeia a
enfermidade e (o principal) como a homeopatia pode auxiliar no caminho
para o restabelecimento da saúde.

Esta terapêutica, criada por Samuel Hahnemann no final do século XVIII,


baseia‑se em quatro princípios fundamentais: a Lei dos Semelhantes, a
experimentação no homem sadio, as dinamizações e a administração de
um único remédio.

De acordo com a Lei dos Semelhantes, o semelhante cura o semelhante,


ou seja, diferentemente da alopatia, a substância que causa os mesmos
sintomas em indivíduos sadios seria capaz de tratar quem sofre uma doença
que se manifesta de modo similar.

O segundo fundamento (a experimentação no homem são) é complementar


a essa lei: ao tomar determinada substância, o experimentador desenvolve
uma doença artificial experimental, que permite identificar a patogenesia.

Alinhando estes dois pilares, Hahnemann desenvolveu a farmacotécnica


homeopática, que através de diluições infinitesimais (o terceiro fundamento da
homeopatia) consegue atingir com mais eficácia e suavidade e menos efeitos
colaterais o poder medicinal. É neste processo de diluições, desconcentrando
cada vez mais os insumos ativos, que surgiu a possibilidade de estudar
substâncias tóxicas e venenos sem comprometer a saúde do experimentador.

E o quarto fundamento é justamente a questão de administrar um único


remédio, visto que Hahnemann buscava sempre tratar o indivíduo de maneira
suave, de modo a permitir que o próprio organismo tente restabelecer
seu equilíbrio, não sendo o medicamento que cura, mas sim o organismo
reagindo ao medicamento que neutraliza a manifestação mórbida. Nosso
organismo tem condições de se restabelecer pela vis medicatrix naturae; o
problema é que são tantos os estímulos e a sobrecarga que recebemos que
muitas vezes esquecemos este retorno à saúde. Portanto, o medicamento
faz com que retornemos a esta essência, reequilibrando nossa força vital.

Nesta unidade ainda é destacada outra parte importante do legado


deixado por Hahnemann: a descrição das doenças agudas e o tratado dos
miasmas crônicos, salientando a psora, a sicose e a sífilis. Segundo seu
criador, todo indivíduo carrega em si uma energia adormecida, e basta a

56
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

sobrecarga, estimulando negativamente nosso organismo, para acordá‑la


e desencadear o desequilíbrio energético nos diversos níveis – físico,
emocional e mental –, surgindo então os miasmas. Neste tópico surge uma
classe especial de medicamentos miasmáticos, os nosódios, hoje conhecidos
como bioterápicos, que utilizam como princípios ativos substâncias do
próprio quadro mórbido, como o raspado das pústulas da escabiose, no
caso da preparação do Psorinum.

Como o prescritor pode avaliar a dose adequada a ser administrada


e se o medicamento escolhido está sendo benéfico para o paciente?
A Lei de Arndt‑Schultz e as Leis de Cura de Hering, também discutidas
nesta unidade, são ferramentas importantes num segundo momento
da anamnese, buscando detalhes muito significativos na abordagem do
paciente para conseguir a melhor indicação no momento adequado.

Vimos ainda que o tipo de prescrição está relacionado com as diversas


escolas homeopáticas, como o unicismo, o alternismo, o complexismo e
o organicismo, e que, na escolha do simillimum, podemos muitas vezes
prescrever os policrestos, que são medicamentos de atuação ampla.

Apesar de o Formulário homeopático (ANVISA, 2019b) indicar quase


100 medicamentos, estes são mais voltados aos quadros agudos. Contudo,
essa publicação facilita a indicação no SUS, especialmente por tratar de
medicamentos isentos de prescrição.

A figura do profissional é muito importante para a atenção farmacêutica,


visto que, mesmo em caso de uma simples gripe, desconforto gástrico
ou qualquer outra manifestação aguda, é essencial que a situação seja
bem analisada, visando buscar medicamentos característicos do quadro
específico, pois, caso contrário, a terapêutica poderá não ter sucesso.

Nesta unidade esperamos ter conseguido tirar diversos preconceitos e


mitos que existem sobre esta terapêutica, de modo a abrir mais um leque
de opções na carreira dos futuros profissionais.

57
Unidade I

Exercícios

Questão 1. A Resolução n. 635/2016 do Conselho Federal de Farmácia (CFF) dispõe sobre as atribuições
do farmacêutico no âmbito da homeopatia e dá outras providências. Com base nesse documento, avalie
as afirmativas a seguir:

I – O farmacêutico homeopata deve, obrigatoriamente, assegurar a qualidade físico‑química e


microbiológica dos medicamentos que dispensa.

II – É vedado ao farmacêutico fornecer informações ao usuário sobre a correta utilização dos


medicamentos homeopáticos, pois tal orientação considera aspectos particulares do paciente e deve ser
conduzida pelo médico homeopata.

III – Devido à alta diluição dos princípios ativos nos medicamentos homeopáticos, seu uso não está
relacionado com o desenvolvimento de reações adversas. Por esse motivo, não é necessário incluir esses
medicamentos no Sistema Nacional de Farmacovigilância.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I.

B) I e II.

C) II e III.

D) I e III.

E) III.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: de acordo com o artigo 5º da Resolução CFF n. 635/2016, “o farmacêutico homeopata


é responsável pela qualidade dos medicamentos homeopáticos magistrais, oficinais, especialidades
farmacêuticas e de outros produtos de interesse da saúde que produz, manipula, conserva, dispensa
e transporta”.

Disponível em: https://bit.ly/3bNlSNI. Acesso em: 5 jun. 2022.

58
FARMÁCIA HOMEOPÁTICA

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: de acordo com o artigo 8º da Resolução CFF n. 635/2016, uma das atribuições do
farmacêutico homeopata no âmbito da manipulação de medicamentos homeopáticos é “fornecer ao
usuário informações sobre a correta utilização dos medicamentos e produtos empregados na terapêutica
homeopática”. Além disso, de acordo com o artigo 14, o farmacêutico deve “promover ações educativas
que desenvolvam a autonomia do paciente, da família e da comunidade relacionada à homeopatia,
tendo como premissa a promoção da saúde e prevenção de doenças”.

Disponível em: https://bit.ly/3bNlSNI. Acesso em: 5 jun. 2022.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o artigo 4º da Resolução CFF n. 635/2016 afirma que cabe ao farmacêutico homeopata
“participar do desenvolvimento de sistemas de informação, farmacovigilância, estudos de utilização e
elaboração de bancos de dados de medicamentos homeopáticos, insumos, órgãos e tecidos animais,
matérias‑primas, plantas medicinais e outros produtos, utilizados na terapêutica homeopática”.

Disponível em: https://bit.ly/3bNlSNI. Acesso em: 5 jun. 2022.

Questão 2. A Resolução n. 238/2018 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dispõe


sobre o registro, a renovação de registro, as mudanças pós‑registro e a notificação de medicamentos
dinamizados industrializados. A respeito dessa resolução, assinale a alternativa correta.

A) Os medicamentos que contiverem tintura‑mãe em diluição menor do que 1 parte para 10 mil
partes de veículo no produto acabado são isentos de registro.

B) É necessário registrar os medicamentos que contiverem insumos ativos novos ou que contiverem
insumos ativos dinamizados em escalas diferentes da decimal ou da centesimal.

C) Caso os medicamentos contenham insumos ativos em potência fora da faixa descrita na Instrução
Normativa n. 26/2018, eles não podem ser fabricados ou comercializados.

D) Consideramos como medicamentos dinamizados as associações de insumos ativos


dinamizados ou de tinturas‑mãe com insumos ativos de qualquer outra categoria em uma
mesma formulação ou em duas ou mais apresentações em uma mesma embalagem, para uso
concomitante ou sequencial.

E) Medicamentos dinamizados contendo insumos ativos em concentração que possam provocar


reação tóxica aguda ou crônica são passíveis de notificação, mas não de registro.

Resposta correta: alternativa B.

59
Unidade I

Análise das alternativas

A e C – Alternativas incorretas.

Justificativa: de acordo com o artigo 3º da Resolução n. 238/2018, devem ser registrados os


medicamentos dinamizados industrializados se eles “a. contiverem tintura‑mãe, em diluição menor que
1 (uma) parte para 10.000 (dez mil) partes de veículo no produto acabado; b. contiverem insumos ativos
novos; c. contiverem insumos ativos dinamizados em escala diferente da decimal ou da centesimal;
d. contiverem insumos ativos em potência fora da faixa descrita na tabela de potências para registro
e notificação de medicamentos dinamizados, publicada por meio da Instrução Normativa n. 26, de
25 de julho de 2018, ou suas atualizações; e. estiverem sujeitos à prescrição médica, nos termos
desta Resolução”.

Disponível em: https://bit.ly/3yi92yC. Acesso em: 7 jun. 2022.

B – Alternativa correta.

Justificativa: as alíneas “b” e “c” do artigo 3º, transcritas anteriormente, afirmam que os medicamentos
que contiverem insumos ativos novos ou dinamizados em escalas diferentes da decimal ou da centesimal
devem ser registrados.

D e E – Alternativas incorretas.

Justificativa: ainda de acordo com o artigo 3º da referida Resolução, “§ 5º Não serão registradas como
medicamentos dinamizados as associações de insumos ativos dinamizados ou de tinturas‑mãe com insumos
ativos de qualquer outra categoria, em uma mesma formulação ou em duas ou mais apresentações em
uma mesma embalagem, para uso concomitante ou sequencial. § 6º Não são passíveis de registro ou
notificação medicamentos dinamizados contendo insumos ativos em concentração que possa provocar
reação tóxica aguda ou crônica”.

Disponível em: https://bit.ly/3yi92yC. Acesso em: 7 jun. 2022.

60

Você também pode gostar