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Medicina Nuclear

e Radioterapia
Autora: Profa. Hamilta de Oliveira Santos
Colaboradores: Prof. Carlos Moussalli
Profa. Marília Coutinho da Costa Patrão
Professora conteudista: Hamilta de Oliveira Santos

Bacharel em Física com ênfase em Energia Nuclear pela PUC-SP. Mestre e doutora em Tecnologia Nuclear pelo Ipen/
CNEN-USP. Exerce a função de professora titular da UNIP na área da Saúde, mais precisamente no setor de Radiologia.
É escritora e editora científica da revista científica Encontro X. É Imortal pela Academia Independente de Letras (AIL),
pela Feblaca de Niterói e pela Academia Luso-Brasileira de Letras do Rio Grande Sul, com inúmeros artigos publicados na
área da Ciência.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S237s Santos, Hamilta de Oliveira.

Medicina Nuclear e Radioterapia / Hamilta de Oliveira Santos. –


São Paulo: Editora Sol, 2023.

212 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Medicina nuclear. 2. Legislação. 3. Radioterapia. I. Título.

CDU 615.849

U517.60 – 23

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar

Material Didático
Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. M. Deise Alcantara Carreiro
Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes

Projeto gráfico: Revisão:


Prof. Alexandre Ponzetto Jaci Albuquerque
Talita Lo Ré
Sumário
Medicina Nuclear e Radioterapia

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................... 10

Unidade I
1 HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR E PRINCÍPIOS FÍSICOS............................................................. 13
1.1 Conceito histórico................................................................................................................................. 13
1.2 Estrutura atômica................................................................................................................................. 15
1.3 A descoberta do elétron..................................................................................................................... 17
1.4 O átomo de Rutherford...................................................................................................................... 21
1.5 O átomo de Bohr................................................................................................................................... 24
1.5.1 A descoberta do nêutron...................................................................................................................... 27
1.6 Física moderna........................................................................................................................................ 29
1.7 Física de partículas................................................................................................................................ 31
1.7.1 Teoria quântica de campos.................................................................................................................. 33
1.7.2 Relatividade especial.............................................................................................................................. 33
1.7.3 Partículas elementares........................................................................................................................... 34
1.8 Tipos de radiação................................................................................................................................... 35
2 FÍSICA NUCLEAR, DESINTEGRAÇÃO, GRANDEZAS RADIOLÓGICAS E PROCESSOS
DE INTERAÇÃO...................................................................................................................................................... 37
2.1 Decaimento radioativo........................................................................................................................ 38
2.1.1 Decaimento alfa....................................................................................................................................... 39
2.1.2 Decaimento beta...................................................................................................................................... 40
2.1.3 Captura eletrônica................................................................................................................................... 41
2.1.4 Decaimento gama................................................................................................................................... 41
2.2 Lei do decaimento radioativo........................................................................................................... 42
2.3 Grandezas radiológicas e processos de interação.................................................................... 42
2.4 Atividade – atividade específica...................................................................................................... 43
2.5 Meia‑vida e vida média...................................................................................................................... 43
2.6 Constante de decaimento.................................................................................................................. 45
2.7 Equilíbrio radioativo............................................................................................................................. 45
2.8 Equilíbrio secular................................................................................................................................... 46
2.9 Efeito fotoelétrico................................................................................................................................. 46
2.10 Espalhamento Compton.................................................................................................................. 47
2.11 Produção/aniquilação de pares..................................................................................................... 49
Unidade II
3 DESCOBERTA DOS RAIOS X.......................................................................................................................... 56
3.1 Produção de raios X.............................................................................................................................. 57
3.1.1 Tubos de raios X........................................................................................................................................ 57
3.1.2 Ampola......................................................................................................................................................... 58
3.1.3 Refrigeração............................................................................................................................................... 60
3.1.4 Filtração....................................................................................................................................................... 60
3.1.5 Restritores................................................................................................................................................... 61
3.1.6 Transformadores de alta tensão........................................................................................................ 62
3.2 Efeito termiônico................................................................................................................................... 62
3.3 Radiação de fundo ou background................................................................................................ 63
3.4 Radiação característica....................................................................................................................... 63
3.5 Radiação de freamento (bremsstrahlung).................................................................................. 64
3.6 Fatores que modificam o espectro dos raios X......................................................................... 65
3.6.1 Tensão (kV).................................................................................................................................................. 65
3.6.2 Corrente (mA)............................................................................................................................................ 66
3.6.3 Tempo de exposição (s)......................................................................................................................... 67
3.6.4 Corrente × tempo (mAs)....................................................................................................................... 67
3.6.5 Dosagem da radiação............................................................................................................................. 67
4 RADIOFARMÁCIA E GERADORES DE RADIONUCLÍDEOS.................................................................. 69
4.1 Geradores de 99mTc................................................................................................................................. 71
4.2 O Gerador Ipen‑TEC pertecnetato de sódio (99mTc).................................................................. 76
4.3 Produção de radioisótopos em reatores nucleares.................................................................. 78
4.4 Produção de radioisótopos em cíclotrons................................................................................... 81
4.5 Principais radioisótopos...................................................................................................................... 84

Unidade III
5 EQUIPAMENTOS DE MEDICINA NUCLEAR E PROTOCOLOS............................................................. 95
5.1 Tomografia por emissão de fóton único (SPECT)..................................................................... 96
5.2 Tomografia por emissão de pósitrons (PET)..............................................................................141
5.2.1 Metabolismo da glicose..................................................................................................................... 143
5.2.2 Aquisição e processamento de imagem em PET...................................................................... 145
5.2.3 Utilidade da PET.................................................................................................................................... 145
5.2.4 Mecanismos cerebrais em condicionamento clássico........................................................... 146
5.2.5 Receptores de estrogênio em câncer de mama....................................................................... 147
5.2.6 Correção de atenuação de corpo inteiro na utilização de PET.......................................... 149
5.2.7 Aquisição de imagens com PET de doenças renais................................................................. 149
5.2.8 Mecanismos cerebrais para respostas de memória................................................................ 149
5.2.9 Evolução das redes metabólicas anormais no cérebro.......................................................... 149
5.3 Imagem híbrida....................................................................................................................................150
5.3.1 SPECT/CT................................................................................................................................................... 152
5.3.2 Pet/CT......................................................................................................................................................... 152
5.3.3 PET/RM...................................................................................................................................................... 155
5.4 Descarte de resíduos..........................................................................................................................158
6 RADIOTERAPIA.................................................................................................................................................161
6.1 Descoberta dos raios X e da radioatividade artificial...........................................................161
6.2 Tipos de aparelhos de teleterapia: raios X superficial, semiprofundo ou
de ortovoltagem..........................................................................................................................................164
6.2.1 Cobalto-60 (60Co).................................................................................................................................. 164
6.2.2 Aceleradores lineares........................................................................................................................... 165
6.2.3 Irradiação com emprego de dois campos................................................................................... 167
6.2.4 Radioterapia bidimensional.............................................................................................................. 168
6.2.5 Radioterapia tridimensional............................................................................................................. 169
6.2.6 Volumes de tratamento...................................................................................................................... 172
6.3 Simuladores de tratamento............................................................................................................173
6.3.1 Simulador convencional.................................................................................................................... 175
6.4 Radioterapia por intensidade modulada (IMRT).....................................................................175
6.5 Radioterapia guiada por imagem (IGRT)...................................................................................176
6.6 Radiobiologia........................................................................................................................................177
6.7 Radiocirurgia ou radioterapia estereotáxica (SRS)................................................................178
6.8 Braquiterapia.........................................................................................................................................179
6.9 Curvas de isodose................................................................................................................................182

Unidade IV
7 CONTROLE DE QUALIDADE.........................................................................................................................189
7.1 Controle de qualidade dos radiofármacos................................................................................189
7.2 Controle de qualidade em radioterapia.....................................................................................191
7.3 Legislação e controle de qualidade em medicina nuclear e radioterapia....................194
8 MEDICINA NUCLEAR, RADIOTERAPIA E SUS.......................................................................................195
8.1 Datasus....................................................................................................................................................196
8.2 A Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN)...........................................................198
APRESENTAÇÃO

Prezado aluno,

O tecnólogo em radiologia tem um papel importante em diversas áreas, seja na área da saúde ou
na área industrial. Sendo assim, é importante decidir onde trabalhar e saber como trabalhar. Um bom
profissional deve ser dedicado, mostrar conhecimento e empatia para com seus pacientes.

A área de medicina nuclear e/ou radioterapia exige do tecnólogo em radiologia, além de


conhecimento básico sobre radiação, um comprometimento com o paciente.

Normalmente, o paciente chega para o exame ou tratamento assustado e precisa ser tranquilizado
sem, contudo, receber falsas esperanças. O trabalho do tecnólogo é produzir imagens que ajudem o
médico no diagnóstico ou irradiar tumores de acordo com o planejamento dele. Juntamente ao médico
e ao físico médico, participará do planejamento do tratamento e dos cálculos da dose necessária para
o diagnóstico ou terapia.

Cada dia mais, torna‑se essencial a presença de um tecnólogo em radiologia na área de medicina
nuclear e radioterapia, principalmente devido aos novos equipamentos existentes no mercado e,
também, a sua difusão pelo país.

A introdução de novas técnicas torna essencial o aprofundamento nos estudos e o fato de manusear
fontes radioativas abertas implica um grande conhecimento de proteção radiológica e suas normas
para proteção, tanto do indivíduo ocupacionalmente exposto como da equipe técnica durante os
procedimentos e do paciente.

Os conhecimentos adquiridos durante todo o curso se aprofundam em cada equipamento para


diagnóstico e terapia utilizada, dando oportunidade ao tecnólogo em radiologia de trabalhar como
Application, demonstrando novidades na área, em grandes empresas multinacionais.

O conhecimento em radionuclídeos torna‑se essencial ao tecnólogo em radiologia, uma vez que o


entendimento sobre meia‑vida e dose absorvida ajudarão a proteger o paciente.

O uso de equipamentos de segurança (EPI) é indispensável e o aprendizado sobre os cuidados e


o bom uso desses equipamentos levam à autopreservação do próprio profissional, além de mostrar
confiança ao paciente durante os procedimentos.

O uso de dosímetro TLD e caneta dosimétrica também é essencial para dar confiança ao profissional.
Conhecer e usar um medidor Geiger‑Müller e um curiômetro fornece mais do que autoconfiança,
demonstra o grau de comprometimento do profissional com seu cliente.

É fundamental que se ame o que se faz e isso vem com conhecimento e muito trabalho.

Sejam todos bem‑vindos ao futuro.

Bons estudos!

9
INTRODUÇÃO

A física nuclear é a grande responsável pela existência da medicina nuclear e pelos avanços na área
de diagnóstico e terapia com uso de radionuclídeos. Atualmente, no mundo inteiro usa‑se a técnica da
cintilografia para produzir imagens com a ajuda de fontes radioativas abertas, que auxiliam os médicos
em diagnósticos mais precisos sem qualquer dano ao paciente.

A medicina nuclear é mais conhecida como uma técnica de diagnóstico, mas também é usada
para terapia.

A descoberta de radionuclídeos com meia‑vida mais curta foi fundamental para que o uso da técnica
fosse tão difundido. Os radionuclídeos são usados como traçadores na medicina nuclear, juntamente a
um fármaco que tenha afinidade com o órgão de interesse.

A radiação emitida pelo corpo é captada e transformada em sinal de computador, cuja imagem
produzida pode ser avaliada por um especialista. Imagens cerebrais, por exemplo, podem ser
analisadas com o paciente consciente, quando, então, observações precisas podem ser feitas para um
diagnóstico completo.

A medicina nuclear, no Brasil, teve início em 1956, com a criação do Instituto de Energia Atômica,
atualmente Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), ligado à Comissão Nacional de
Energia Nuclear (CNEN). O reator do Ipen, com mais de 60 anos de idade, produz até hoje I-131,
utilizado para diagnóstico e terapia, principalmente da tireoide.

Em 14 de setembro de 1961, foi criada a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), uma
instituição que promove e estimula o progresso da Medicina Nuclear no Brasil. Sua formação é de
médicos especialistas e outros profissionais de áreas correlatas, como tecnólogos, biólogos, físicos e
químicos, com a missão de inovar e trazer para a área da saúde aperfeiçoamento. É uma referência tanto
nacional como internacional.

A radioterapia difere da medicina nuclear no tocante a ser uma técnica de tratamento, que pode
ser externa ou interna. Na radioterapia externa ou teleterapia, um feixe de radiação é emitido com a
intenção de diminuir (chamada paliativa) ou destruir um tumor. Para tanto, é usado um equipamento
que contém uma fonte enclausurada cuja radiação é liberada com a abertura de uma janela.

A radioterapia interna ou braquiterapia consiste em utilizar fontes muito pequenas e seladas de


radionuclídeos com atividade mais elevada e que são colocadas diretamente no tumor, com o objetivo
de aumentar a dose e diminuir, num tempo menor, o volume do tumor.

A maioria dos pacientes com neoplasias malignas são tratados com radiação, o que é bastante
positivo na cura ou na diminuição da dor. Normalmente o tratamento ocorre juntamente com
a quimioterapia.

10
O número de aplicações da radioterapia dependerá das condições físicas do paciente, da extensão e
localização do tumor, além do resultado dos exames realizados pelo paciente, entre outros fatores.

Em adição aos equipamentos com fontes radioativas, atualmente o uso de aceleradores lineares é
muito utilizado em teleterapia, o que é um ganho, uma vez que a radiação emitida só existe enquanto
o equipamento está ligado.

Neste livro‑texto, inicialmente, serão expostos os seguintes assuntos: história da medicina nuclear
e princípios físicos, física nuclear, desintegração, grandezas radiológicas e processos de interação.
Na  unidade II, serão apresentados os seguintes assuntos: descoberta dos raios X, radiofarmácia e
geradores de radionuclídeos. Na unidade III, continuamos com os seguintes assuntos: equipamentos
de medicina nuclear e protocolos de radioterapia. E, por fim, explanaremos sobre controle de qualidade
e legislação, medicina nuclear e radioterapia e SUS.

Este livro‑texto é escrito em linguagem simples e direta e, quando necessário, apresentará


imagens e figuras que poderão auxiliar na compreensão do texto. Os itens chamados “observação”
e “lembrete” configuram‑se como verdadeiras oportunidades para que o estudante solucione
eventuais dúvidas.

Os itens chamados “saiba mais” fazem com que o aluno amplie seus conhecimentos. Há, ainda,
muitos exemplos de aplicação, resolvidos em detalhes, o que permite uma melhor fixação dos
assuntos abordados.

11
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Unidade I
1 HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR E PRINCÍPIOS FÍSICOS

1.1 Conceito histórico

A história da medicina nuclear confunde‑se com a descoberta dos elementos radioativos,


primeiramente os isótopos naturais em 1898 pela física e química Marie Curie (1867‑1934).

Em 1923, o físico‑químico húngaro George Charles Hevesy (1885‑1966) participou do


desenvolvimento dos traçadores radioativos, utilizando os isótopos naturais descobertos por Marie
Curie, num estudo exploratório biológico abordando os processos químicos do metabolismo de alguns
animais. Hevesy foi agraciado com o Prêmio Nobel de Química em 1943. Graças a isso, em 1934, esse
estudo foi adotado para o diagnóstico de doenças da tireoide, utilizando I‑128 e, posteriormente, o I-131.

Os traçadores são as substâncias radioativas utilizadas em medicina nuclear e são chamadas


assim porque sua passagem pelo corpo humano pode ser acompanhada externamente por meio de
equipamentos especiais. Devemos sempre lembrar que, fora o iodo, a radiação não tem afinidade com
qualquer órgão do corpo humano, espalhando‑se de maneira homogênea por todo o corpo.

Em 1938, pela primeira vez, após o bombardeio do molibdênio natural, o tecnécio‑99 metaestável
foi isolado pelo físico Emilio Gino Segrè (1905-1989), Prêmio Nobel de Física em 1959 pela descoberta
do antipróton, e pelo químico Glenn Theodore Seaborg (1912-1999).

Em 1939, foram realizadas as primeiras aplicações terapêuticas para tratamento de doenças da


tireoide, com uso do iodo. O iodo é um dos poucos radionuclídeos, ou talvez o único, que não precisa de
um fármaco para diagnosticar ou tratar a tireoide porque tem afinidade com o órgão.

Com a evolução da física e das técnicas nucleares, hoje são fabricados isótopos radioativos artificiais
em reatores nucleares e em cíclotrons.

Somente em 1946, os equipamentos para diagnóstico, com aquisição de imagens, passaram a


ser produzidos com a utilização de um cristal de iodeto de sódio, também chamado de cristal de
cintilação, o que determinou o nome de cintilografia para a técnica de obtenção de imagens em
medicina nuclear.

Em 1951, o físico nova‑iorquino Benedict Cassen (1902-1972) inventou um scanner cintilador


retilíneo, usando cristal de iodeto de sódio e conseguiu imagens da tireoide e de outros órgãos. Nesse
período, a especialidade tinha o nome de medicina atômica e, somente em 1952, passou a ser chamada
de medicina nuclear.
13
Unidade I

A câmara de cintilação, inventada em 1963 pelo engenheiro eletricista e biofísico Hal Oscar Anger
(1920-2005) é responsável por um grande avanço tecnológico na medicina nuclear, produzindo imagens
de qualidade e sendo o ponto de partida para aparelhos como a tomografia cintilográfica.

Juntamente aos equipamentos para teleterapia, a radiofarmácia passou a ser a especialidade


farmacêutica que desenvolve substâncias para o uso em medicina nuclear.

Os geradores de tecnécio surgiram em 1958, desenvolvidos nos laboratórios de Brookhaven National


Laboratory de Nova York pelo engenheiro químico que trabalhou no Projeto Manhattan Walter D. Tucker,
e pela química Margaret W. Greene, que desenvolveram o primeiro método economicamente viável de
separação do tecnécio.

O uso médico do tecnécio foi graças ao físico nuclear Powell (Jim) Richards (1917‑2010), que
publicou o primeiro estudo sobre o uso de tecnécio‑99 metaestável (99mTc) em medicina nuclear
em junho de 1960 e, desde 1948, trabalhou no desenvolvimento de radionuclídeos. Contudo, a
primeira pesquisa médica com uso de tecnécio ocorreu somente em 1962, com o médico Dr. Claire
J. Shellabarger, na investigação de problemas relacionados à tireoide.

O tecnécio‑99 metaestável, que surge do decaimento do molibdênio‑99, é atualmente o radionuclídeo


de maior uso em medicina nuclear, tendo uma meia‑vida de 6,02 horas.

A radioimunoanálise (RIA) é uma técnica de análise de fluidos orgânicos com o uso de traçadores
que tomou impulso a partir de 1956, principalmente com os trabalhos da física médica Rosalyn
Sussman Yalow (1921‑2011), Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1977, e do médico e
cientista Solomon Aaron Berson (1918‑1972).

Segundo a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), a especialidade teve início no Brasil
em 1946. Em 1956, um convênio entre a USP e o CNPq criou o Instituto de Energia Nuclear (IEA),
que em 1959 deu início aos trabalhos no campo dos radionuclídeos com a produção de I‑131 para
fins médicos.

Em 1963, havia já uma produção rotineira de radioisótopos, incluindo posteriormente os


procedimentos farmacêuticos de radiofármacos. Atualmente, o IEA passou a chamar‑se Instituto de
Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). De 1956 a 2006, a Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN) teve o monopólio da produção de radiofármacos e radioisótopos.

Observação

A medicina nuclear utiliza radiofármacos (um termo usual em MN)


tanto para diagnóstico como para terapia, e pode ser por via intravenosa,
oral ou inalação.

14
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

1.2 Estrutura atômica

Desde os primórdios da humanidade, a busca pela unidade da matéria é uma constante. Os gregos
iniciaram essa busca intuindo que toda a matéria seria composta por partículas muito pequenas,
redondas, as quais foram chamadas de átomos ("indivisíveis", na tradução). Esse conceito estabelecido
pelos físicos gregos, lembrando que a tradução de física é "natureza", persistiu até o século XVIII, a
era dos experimentos.

John Dalton (1766‑1844) foi um químico, físico e meteorologista britânico e um dos mais
destacados cientistas do mundo. A anomalia de cores na visão chama-se daltonismo em homenagem a
Dalton, seu descobridor. Dalton também se interessou pela teoria atômica, tendo em 1803 apresentado
à Literary and Philosophical Society de Manchester um trabalho com o título “Absorção de gases pela
água e outros líquidos”, onde fixou seus princípios. Admitindo que os átomos eram partículas indivisíveis,
também postulou que átomos de um mesmo elemento seriam iguais e de peso invariável e que átomos
de elementos diferentes seriam diferentes entre si, entre outras afirmações.

A teoria atômica de Dalton é um retorno a Leucipo de Mileto (460-457 a.C.) e Demócrito de Abdera
(460‑370 a.C.), que consideraram a matéria formada por pequenas partículas chamadas átomos. Apesar
de se chocar com as ideias de Aristóteles (384-322 a.C.), que afirmava ser a matéria descontínua e
formada apenas por quatro elementos (fogo, água, terra e ar), ideias estas que perduraram e foram
adotadas pela maioria dos cientistas durante quase dois mil anos.

Os postulados de Dalton deram origem a um modelo semelhante a uma bola de bilhar, esférica,
maciça e indivisível. Ele também propôs representar os elementos com uma série de círculos com linhas,
pontos ou letras no meio, diferentemente da representação dos antigos alquimistas (figura a seguir).
Representação dos “átomos simples”:

Z
Hidrogênio Carbono Alumínio Nitrogênio Sódio Enxofre Estrôncio Bário Fósforo Zinco

S G P I C
Magnésio Cálcio Potássio Mercúrio Oxigênio Prata Ouro Platina Ferro Cobre
Representação dos “átomos compostos” de água,
amônia e de outras partículas que poderiam ser
formadas, obedecendo à lei das proporções múltiplas

Água Amônia Óxido carbônico

Ácido carbônico

Figura 1 – Símbolos representando átomos, segundo Dalton

Fonte: Fogaça, [s.d].

15
Unidade I

Dmitri Ivanovic Mendeleev (1834-1907), químico e físico russo, engenhosamente organizou a


primeira tabela periódica (1869) dos elementos químicos conhecidos na época (figura a seguir) segundo
seus pesos atômicos. Ele já havia escrito, em 1861, um manual de química orgânica.

I II III IV V VI VII VIII


--- --- --- RH4 RH3 RH2 RH ---
R20 RO R2O3 RO2 R2O3 RO3 R2O7 RO4
H
1
1
Li Be B C N O F
2
7 9.4 11 12 14 16 19
Na Mg Al Si P S Cl
3
23 24 27.3 28 31 32 35.5
K Ca ? Ti V Cr Mn Fe, Co, Ni, Cu
4
39 40 44 48 51 52 55 56, 59, 59, 63
Cu Zn ? ? As Se Br
5
63 65 68 72 75 78 80
Ru, Rh. Pd, Ag
Rb Sr ? Yt Zr Nb Mo ?
6 104, 104, 106,
85 87 88 90 94 96 100 108
Ag Cd In Sn Sb Te I
7
108 112 113 118 122 125 127
Cs Ba ? Di ? Ce
8 ? ? ? ?, ?, ?, ?
133 137 138 140
9 ? ? ? ? ? ? ?
Os, Ir, Pt, Au
? Er ?? La Ta W
10 ? ? ? 195, 197, 198,
178 180 182 184 199
Au Hg TI Pb Bi
11 ? ?
199 200 204 207 208
Th U
12 ? ? ? ? ?
231 240

Figura 2 – Tabela proposta por Mendeleev (destaque) em 1869

Adaptado de: A) LIRA, [s.d.]; B) https://bityli.com/9m368.

16
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Saiba mais

Uma pergunta comum entre todos nós é: como surgiram todos


os elementos químicos? É muito interessante perceber que os
elementos químicos não são reações químicas convencionais, mas
sim processos de fusão (os átomos são fundidos ou ligados) e fissão
nuclear (os átomos são fissurados ou divididos), eventos conhecidos
como nucleossíntese. São processos naturais, mas também podem ser
realizados artificialmente por meio de reatores nucleares de fissão e
de fusão, ou ainda em equipamentos destinados especificamente à
nucleossíntese em que partículas nucleares são aceleradas e colidem
entre si. O primeiro processo natural de nucleossíntese foi o big‑bang
(evento que teria dado origem ao universo), que produziu massivamente
elementos químicos e seus isótopos (hidrogênio e hélio no começo da
tabela periódica), além de resquícios de formação de lítio, berílio e boro,
cuja quantidade mais significativa ocorreu durante a fragmentação de
elementos mais pesados pela ação de raios cósmicos durante os bilhões
de anos de existência do Universo.

A partir do carbono, os elementos são formados em processos que


ocorrem nas estrelas. E alguns são formados em estrelas não muito
maiores que o Sol. Contudo, elementos com mais prótons e nêutrons
precisam de condições mais específicas e de estrelas mais massivas.
Numa explosão de uma supernova, que possui massa 10 vezes maior
que a do Sol, diversos elementos muito pesados e que se encontram
na tabela periódica podem ser produzidos. Se quiser saber mais sobre a
organização dos elementos químicos na tabela periódica, leia o artigo:

LIMA, G. M.; BARBOSA, L. C. A.; FILGUEIRAS, C. A. L. Origens e


consequências da tabela periódica, a mais concisa enciclopédia criada pelo
ser humano. Química Nova, v. 42, n. 10, 1125‑1145, 2019. Disponível em:
https://bit.ly/3m6GWEl. Acesso em: 3 mar. 2023.

1.3 A descoberta do elétron

O elétron é uma partícula negativa que orbita o núcleo do átomo. Mas, até sua descoberta, nada
sabíamos, nem que o átomo possuía carga, nem tampouco que possuía partículas. Muito tempo passou
até sua descoberta, com vários cientistas empenhados em desvendar os mistérios em torno da estrutura
da matéria. Tanto a química como a física se favoreceram com a descoberta do elétron, que ocorreu no
final do século XIX como resultado dos experimentos de Joseph John Thomson (1856-1940) com raios
catódicos, que foram descobertos em 1838 pelo físico inglês Michael Faraday (1791-1867), estudando
descargas elétricas em gases rarefeitos.
17
Unidade I

Muito tempo depois, em 1858, o físico e matemático Julius Plücker (1801‑1868) retomou os
estudos com raios catódicos. Esse termo – raios catódicos – foi usado pela primeira vez em 1876
pelo físico alemão Gotthilf‑Eugen Goldstein (1850-1930), que estudava essas descargas elétricas
acreditando que fossem ondas do Éter, que na mitologia grega significa o céu superior, o céu sem
limites, e na física há a proposta da existência de um meio, ou uma substância que preenche todo
o espaço, como um meio de transmissão entre a propagação de forças eletromagnéticas e as forças
gravitacionais. Desde a relatividade especial, o uso do éter como teoria passou a um modelo abstrato
como várias outras, não sendo mais utilizada na física moderna.

William Crookes (1832-1919), químico e físico britânico, quis entender esse fenômeno e para tanto
construiu um tubo curvo, produziu vácuo em seu interior e aplicou alta tensão em suas extremidades.
Em algum momento, Crookes percebeu uma luminescência esverdeada (figuras 3 e 4), atribuindo
tal fenômeno a moléculas carregadas, que constituiriam o quarto estado da matéria, contudo, não
concluiu seus estudos. É muito interessante imaginar que uma discussão onda-partícula teve início
nesse período, uma vez que Crookes sugeriu que os raios catódicos eram corpúsculos carregados
e Heinrich Rudolf Hertz (1857‑1894) insistia que os raios catódicos eram eletricamente neutros e de
natureza ondulatória.

Figura 3 – Luminescência esverdeada obtida num tubo de vidro com ar rarefeito

Disponível em: https://bityli.com/F2Fjg. Acesso em: 28 fev. 2023.

18
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Figura 4 – Placas apresentando a forma do objeto, onde a margem luminosa para o espaço escuro
concentra‑se no lado côncavo, formando um centro luminoso, e alargando‑se no lado convexo
(conclusão de Crookes para um quarto estado da matéria)

Fonte: Crookes (1879, p. 32).

Apenas em 1897, Thomson utilizou um campo elétrico e um campo magnético externo à ampola de
Crookes, em cujo interior havia gases à baixa pressão e eletrodos sob alta tensão. Thomson baseou‑se
no trabalho do físico francês Jean Baptiste Perrin (1870‑1942), também sobre raios catódicos. O objetivo
principal de J. J. Thomson era testar a hipótese de que os raios catódicos seriam partículas negativamente
carregadas ou distúrbios no éter. Para produzir o campo magnético uniforme foi utilizada uma bobina
de Helmholtz para defletir o feixe catódico.

Thomson concluiu que, apesar da distorção e deflexão dos raios catódicos com o campo magnético
aplicado, a “eletrificação negativa”, como chamou, seguia o mesmo caminho dos raios catódicos e
estava intrinsecamente ligada a esses raios catódicos. Sendo assim, J. J. Thomson sabia que se tratava
de partículas negativamente carregadas e passou a buscar a natureza dessas partículas. Para distinguir
se essas partículas eram átomos, moléculas ou uma subdivisão da matéria, mediu a razão entre a massa
e a carga, obtendo o valor de 1,3 ± 0,2 × 10−8 g/C, muito próximo ao valor atual de 0,56857 x 10−8 g/C.
O valor encontrado por Thomson lhe pareceu independente tanto do gás do tubo como do metal do
cátodo, uma sugestão de que as partículas eram constituintes dos átomos de todas as substâncias.

J. J. Thomson baseou-se no trabalho do físico alemão, nascido na Hungria, Philipp Eduard Anton
von Lenard (1862-1947), Prêmio Nobel de Física em 1905, que provou em seus experimentos que
os raios catódicos são criados quando a luz atinge superfícies metálicas, fenômeno este conhecido,
atualmente, como efeito fotoelétrico. Thomson concluiu, então, que a partícula deveria ser muito
menor do que uma molécula, negativa, e também deveria fazer parte do átomo.
19
Unidade I

O modelo atômico proposto por J. J. Thomson era o de uma “sopa” contínua, positiva, encrustada
pelas pequenas partículas descobertas, os elétrons (ou corpúsculos, como costumava chamar). Seu
modelo ficou conhecido como “pudim de passas” (figura a seguir).
Matéria carregada
positivamente
- +
- +
+ + - +
- -
- + - +
+ - +
- -
+ - +
Elétron

Figura 5 – Thomson e o modelo “pudim de passas”

Disponível em: https://bityli.com/Vg9Wr. Acesso em: 28 fev. 2023.

O físico francês Antoine‑Henri Becquerel (1852‑1908), em 1899, determinou a relação carga/massa


das partículas beta, cujo valor foi muito próximo do valor medido para o elétron por J. J. Thomson.

O físico experimental estadunidense Robert Andrews Millikan (1868‑1953) foi o primeiro cientista a
determinar o valor da carga do elétron, experimentalmente, iniciada em 1907 e realizada em três etapas,
cada uma caracterizada por um método.

O método I, essencialmente, foi a repetição do experimento do físico inglês Harold Albert Wilson
(1874‑1964), ex‑aluno de Thomson, que consistia em vapores de gotículas sendo produzidos numa
câmara de expansão de vapor entre placas paralelas horizontais de um condensador carregado. A
determinação da carga média “q” de cada gotícula era obtida da observação das camadas superiores
das nuvens, que caíam lentamente e que continham as menores gotículas. O primeiro grupo caía sob
a ação da gravidade e da velocidade v1. O segundo grupo caía com maior velocidade devido à ajuda
de um campo elétrico E, aplicado entre as placas do condensador, com velocidade v2. A expressão final
para a carga do elétron, usada por Wilson e Thomson, é apresentada a seguir:

g
e  3,1x109
E
 
v x  v g v1g/2

Onde:

g = módulo da aceleração gravitacional

E = módulo do campo elétrico

vx e vg são os módulos das velocidades terminais, respectivamente, com e sem campo elétrico
20
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

A carga do elétron, com esse método, oscilou em torno de 1,3 × 10−19 C. Esses resultados foram
publicados na revista Philosophical Magazine, de 1910, sob o título: “A new modification of the cloud
method of determining the elementary electrical charge and the most probable value of that charge”.

O método II consistiu na gota d’água isolada com alto campo elétrico, quando foi obtido o valor de
1,56 × 10−19 C. Esses resultados foram publicados na revista Science, de 1910, sob o título: “The isolation
of an ion, a precision measurement of its charge, and the correction of Stoke’s law”.

O método III, conhecido como experimento da gota de óleo, teve ajuda de outro aluno de Millikan,
o físico norte‑americano Harvey Fletcher (1884‑1981). Consistia na pulverização de partículas de óleo
carregadas negativamente, no interior de uma câmara. Devido à ação da gravidade, algumas gotas
descreviam movimentos verticais descendentes. Algumas gotas de óleo ficavam em equilíbrio devido à
força eletrostática, gerada por placas metálicas carregadas negativamente. Assim, era possível visualizar
as gotas em repouso e determinar seu diâmetro, e, consequentemente, a relação entre carga elétrica
e massa. O valor obtido para a carga, nesse método, foi de 1,592 × 10−19 C. Esses resultados foram
publicados na revista Physical Review, de 1913, sob o título “On the Elementary Electric charge and the
Avogadro Constant”.

Lembremos que o valor atual da carga elétrica elementar vale e = 1,602 176 565(35) × 10−19 C, o que
é muito próximo daquele encontrado no experimento de Millikan e Fletcher, apesar de não possuírem
os recursos tecnológicos atuais.

A eletricidade positiva e o número de elétrons comparável ao peso atômico são os pontos mais
fracos do modelo atômico de Thomson.

1.4 O átomo de Rutherford

Entre os anos de 1895 e 1898 já se tinha conhecimento de duas radiações diferentes,


denominadas de alfa e beta pelo físico e químico neozelandês, naturalizado britânico, o primeiro
barão Rutherford  de Nelson, Ernest Rutherford (1871‑1937), considerado o pai da física nuclear.
Recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1908 por seus estudos sobre a desintegração dos elementos
e a química das substâncias radioativas.

Até 1907, Rutherford achava o modelo de Thomson útil para a compreensão do fenômeno
radioativo. Contudo, em 1910, devido, principalmente, ao seu interesse pelo comportamento das
partículas alfa, Rutherford volta‑se para a teoria atômica. Ainda em 1907, Rutherford substituiu o
físico britânico e espectroscopista Sir. Franz Arthur Friedrich Schuster (1851‑1934) na universidade
de Manchester, cargo a que Schuster renunciou em favor de Rutherford, em parte devido a
problemas de saúde e em parte porque queria promover a causa da ciência internacional. O físico
alemão Johannes Wilhelm Geiger (1882‑1945) era assistente de Schuster e continuou a trabalhar
sob orientação de Rutherford.

21
Unidade I

Usando métodos espectroscópicos, Rutherford, em 1908, provou que as partículas alfa eram idênticas
ao íon duplamente ionizado do elemento hélio, ou seja, o elemento hélio sem os dois elétrons. Nesse
ano recebeu o Prêmio Nobel de Química discursando sobre: “A natureza química das partículas alfa
originárias de substâncias radioativas”. Nesse discurso, pelo método de cintilação, isolou e descreveu
a contagem de partículas alfa. Um microscópio de baixa potência produzia cintilações numa tela de
sulfeto de zinco e dois observadores, olhando para a mesma tela, acionando uma chave parecida com
a de um telégrafo, contavam as cintilações, também registrando o instante de cada cintilação. Desse
modo, três tipos de sinal eram obtidos: sinal do primeiro observador, sinal do segundo observador e sinal
dos dois observadores juntos. Nesse mesmo ano de 1908, Geiger divulgou resultados de experimentos
de espalhamento de partículas alfa sobre folhas de metais.

Em 1909, o físico inglês Ernest Marsden (1889‑1970), que ainda era um aluno de graduação da
Universidade de Victoria de Wellington, na Nova Zelândia, foi trabalhar num novo experimento com
Geiger, sob a supervisão de Rutherford, que acabou conhecido como experimento de Geiger‑Marsden
ou experimento da folha de ouro, que tinha como objetivo a investigação da estrutura do átomo. Uma
das observações de Marsden foi que metais pesados funcionavam melhor como refletores do que a luz,
ou seja, espalhavam ou dispersavam em ângulos maiores que 90°. Também observou que uma folha fina
de platina refletia uma em oito mil das partículas alfa que colidiam com ela e que as outras seguiam
diretamente ou praticamente em linha reta.

Geiger e Marsden descobriram, ainda, que o ângulo de desvio mais provável para as partículas alfa,
quando estas atravessavam uma folha fina de ouro, era de 0,87°, porém, uma a cada vinte mil era
desviada para trás, significando que descreviam um ângulo maior que 90°, correspondendo a um valor
100 vezes maior que o ângulo previsto.

Esses resultados experimentais tão inesperados, quando se pensava no modelo atômico de Thomson,
provavelmente motivou Rutherford a estudar melhor o espalhamento das partículas alfa. E por fim,
comparou seus resultados com aqueles propostos por Thomson em sua teoria de espalhamento de
partículas beta.

Rutherford acreditava que a partícula alfa era uma partícula pontual, semelhante ao elétron. Sendo
um átomo de hélio que perdeu dois elétrons, a partícula alfa remetia à crença de um modelo nuclear
do átomo desse elemento. Essa conclusão de Rutherford aconteceu antes do desenvolvimento de sua
teoria de espalhamento de partículas alfa e, para ele, as partículas alfa eram semelhantes a pontos e não
constituídas por elétrons.

As partículas beta ou elétrons beta, como eram conhecidas, eram desviadas de pequenos ângulos
pelos elétrons do átomo. Experimentalmente, a teoria concordava que o número de elétrons era cerca
de três vezes o peso atômico. Segundo Thomson, a partícula alfa tinha dimensões atômicas e continha
dez elétrons.

22
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Em 7 de março de 1911, Rutherford apresentou sua teoria à Sociedade Filosófica e Literária de


Manchester, baseada nas observações de Geiger e Marsden (figura a seguir), convencido de que os
desvios de grandes ângulos eram incompatíveis com a teoria de Thomson, uma vez que, em deflexões
de mais de 90°, as partículas alfa deveriam ter um único encontro com uma massa concentrada e
altamente carregada. O artigo submetido foi intitulado “O espalhamento de partículas alfa e beta
pela matéria e a estrutura do átomo” e sugeria que o átomo fosse constituído de uma carga maciça
Ze (número atômico Z multiplicado pela carga elementar) rodeada por uma nuvem eletricamente
oposta. Os cálculos de Rutherford independiam do sinal da carga e, por isso, o núcleo poderia ser uma
concentração de elétrons embebido em um fluido positivo. Apesar de seu modelo ser considerado,
hoje, um marco na história da física, na época foi recebido com indiferença e até o próprio Rutherford
deu grande importância ao seu átomo nuclear.

Em 1913, Rutherford publicou seu livro sobre radioatividade, onde considerava o núcleo de seu
átomo como pequeno e não pontual. Em seu livro, ele considerou o átomo um corpo complexo, cuja
carga e massa total estariam concentradas no centro, numa esfera de raio não superior a 10−12 cm,
que seria mantido unido por forças nucleares, um conceito muito atual. No texto, ainda afirma que
o centro positivo do átomo tem um movimento complicado e que seria constituído do elemento
hélio com carga, ou seja, ionizado (partícula alfa) e átomos de hidrogênio. E, também, que átomos da
matéria positivamente carregados atrairiam outros em distância muito pequenas para manter unidas
os componentes do centro.

Essa teoria foi apresentada como uma teoria de espalhamento de partículas alfa, e não como uma
teoria atômica, e, se fosse apresentada dessa forma, estaria incompleta porque não propunha um
arranjo para os elétrons. Por simplicidade, Rutherford propôs uma atmosfera homogênea de eletricidade
negativa ao redor do núcleo, uma vez que, para o espalhamento de partículas alfa, os elétrons não
tinham a menor importância. Da maneira como estava, seu modelo não atendia questões químicas,
como ligação e tabela periódica, e questões físicas, como as regularidades espectrais ou dispersão.
E os elétrons, nesse período, eram responsáveis pela maior parte dos fenômenos que podiam ser
testados experimentalmente.

A questão da existência de um núcleo também já havia sido discutida em outros modelos, não
era uma novidade. Ainda em 1913, Geiger e Marsden, publicaram novos dados sobre a dispersão das
partículas alfa, confirmando ainda mais a existência de uma carga densa num centro de dimensões
pequenas em comparação com o diâmetro do átomo.

23
Unidade I

Modelo de Thompson Modelo de Rutherford

Lâmina de ouro Lâmina de ouro

Fonte de Fonte de
partículas partículas
alfa alfa

Resultado esperado se o Resultado obtido por


modelo estivesse correto Geiger e Marsden

Figura 6 – Experimento de Geiger e Marsden em comparação ao átomo de Thomson

Adaptada de: https://bityli.com/Ho9sL. Acesso em: 28 fev. 2023.

Rutherford não propôs um modelo planetário em 1911 e seu modelo falhava totalmente quando se
tratava das regularidades espectrais.

1.5 O átomo de Bohr

As primeiras reflexões de Bohr sobre o modelo de Rutherford ofereciam uma nítida distinção entre
os fenômenos químicos ordinários e os fenômenos intranucleares.

Em 1904, o físico japonês Hantaro Nagaoka (1865-1950) publicou na Phylosophical Magazine o


artigo: “Kinetics of a system of particles illustrating the line and the band spectrum and the phenomena
of radioactivity”, onde descreveu seu modelo atômico, que foi intitulado modelo saturniano. Nesse
modelo, os elétrons ocupam o exterior do átomo, análogo ao dos anéis de Saturno, de onde vem o seu
nome (figura a seguir).

24
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Modelo atômico saturniano


(modelo atômico de Nagaoka)
e- e-
e- e-
Átomo e-
Esfera grande, e-
massiva, carga +
e- e-
+
e -
e-
e-
e-
e- Rodeado por um anel
e- de centenas de cargas
Forças eletrostáticas e -
negativas (elétrons)

Figura 7 – Hantaro Nagaoka e seu modelo saturniano

Disponível em: https://bityli.com/DW1al. Acesso em: 28 fev. 2023.

Niels Henrik David Bohr (1885‑1962), físico dinamarquês, Prêmio Nobel de Física em 1922,
finalizou seu doutorado em maio de 1911, na Universidade de Copenhague. Dedicou‑se a interpretar
as propriedades físicas dos metais baseando‑se na teoria atômica de Thomson. Contudo, ao aplicar a
dinâmica clássica e a mecânica estatística ao átomo de Thomson, percebeu que, para a susceptibilidade
magnética, tanto as contribuições diamagnéticas como as paramagnéticas eram canceladas. Esse
resultado estava em desacordo com a Lei de Curie, fenômeno descoberto por Pierre Curie durante seu
doutorado. Essa lei estabelece que a suscetibilidade magnética varia com o inverso da temperatura, ou
seja, a temperatura de Curie (ou ponto de Curie), em outras palavras, o valor de temperatura em que um
material ferromagnético ou um imã perde suas propriedades magnéticas.

A Lei de Curie foi demonstrada pelo físico francês Paul Langevin (1872‑1946) em 1905, quando
defendeu a ideia da existência de momentos magnéticos atômicos ou moleculares permanentes.

Em 1858, o físico e meteorologista escocês Balfour Stewart (1828‑1887), e, em 1859, o físico alemão
Gustav Robert Kirchhoff (1824‑1887) chegaram às mesmas conclusões. Descobriram, independentemente,
que a razão entre o poder de emissão e o poder de absorção de um corpo é função do comprimento de
onda (λ) da radiação emitida ou absorvida e da temperatura absoluta (T). Em 1860, Kirchhoff introduziu
o conceito de corpo negro ou radiador integral.

Em 1900, o físico britânico John William Strutt Rayleigh (1842‑1919) ou Lord Rayleigh propôs a
distribuição da luminância espectral energética da radiação térmica de corpo negro em função do
comprimento de onda (λ) a uma dada temperatura absoluta (T), que foi corrigida anos depois pelo
físico, astrônomo e matemático britânico James Hopwood Jeans (1877‑1946), conhecida atualmente
como Lei de Rayleigh‑Jeans. Ainda em 1900, o físico alemão Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858‑1947)

25
Unidade I

demonstrou que essa lei não ajustava a curva espectral a toda a faixa de comprimento de onda porque
tanto Rayleigh como Jeans admitiram que os osciladores moleculares irradiavam qualquer quantidade
de energia. Para Planck, os osciladores só podiam emitir energia em determinadas quantidades ou
quantidades inteiras de hf, onde f é a frequência da radiação emitida e h passou a ser chamada de
constante de Planck. Essa proposta revolucionária de Planck, hoje, é conhecida como quantização da
energia, um importante avanço na física moderna.

Todas essas descobertas ajudaram Bohr a introduzir seu modelo atômico.

Bohr foi trabalhar com Rutherford, expandindo seus conhecimentos de radioatividade e modelos
atômicos. Rutherford o considerava brilhante e, além de trabalharem bem juntos, ambos ainda se
tornaram muito amigos.

A teoria atômica de Rutherford, apesar de válida, não podia ser sustentada pelas leis da física clássica.
Bohr ousou em admitir que os elétrons ao redor do núcleo se deslocavam em órbitas estáveis ou quânticas,
ou seja, a energia de um elétron em um átomo é quantizada, e hoje chamamos de níveis de energia. Em 1913,
Bohr publicou uma série de ensaios, quando então revelou seu modelo da estrutura atômica (figura a seguir).
Modelos atômicos

Energia

Energia

Energia Modelo de Modelo


Rutherford de Bohr

Figura 8 – Comparação entre os modelos de Rutherford e de Bohr

Em 1923, Bohr enunciou o princípio da correspondência e, em 1928, acrescentou o princípio da


complementaridade. E nos anos seguintes, em suas visitas aos Estados Unidos, familiarizou‑se com a
fissão nuclear. Em 1943, Bohr refugiou‑se nos Estados Unidos devido às suas origens judaicas e, sob o
pseudônimo de Nicholas Baker, passou a trabalhar no Projeto Manhattan.

Após a Segunda Guerra Mundial, Bohr passou a promover simpósios e conferências internacionais
pelo uso da energia atômica para fins pacíficos. Em 1957, recebeu o prêmio Átomos pela Paz, pela
Fundação Ford. Ele foi um dos fundadores do Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear (CERN), hoje
Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear.

Em 1911, Louis Victor Pierre Raymond (1892‑1987), 7º duque de Broglie, mais conhecido como
Louis de Broglie, teve acesso a cópias impressas dos trabalhos mais recentes de Planck e Einstein graças
a seu irmão, o também físico francês Louis César Victor Maurice (1875‑1960), 6º duque de Broglie,
que, à época, era secretário do primeiro Congresso de Solvay, mantendo contato com vários cientistas
26
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

de renome. Assim, Louis de Broglie tomou conhecimento das primeiras teorias de física quântica e
relatividade e, empolgado, largou o curso de história e licenciou‑se em ciências físicas, passando a
trabalhar com seu irmão, estudando raios X.

Em 1924, Louis de Broglie finalizou seu doutorado, e um de seus artigos, intitulado “A tentative
theory of light quanta: a commented translation”, publicado na Philosophical Magazine, propôs uma
teoria dualística da luz, unindo as teorias ondulatória e corpuscular.

1.5.1 A descoberta do nêutron

Em 1930, os físicos alemães Walther Wilhelm Georg Bothe (1891‑1957) e Herbert Becker
(1887‑1955), no Physikalisch‑Technische Reichsanstalt, em Berlim‑Charlottenburg, mostraram
que átomos de berílio (Be), boro (B), flúor (F) e lítio (Li), quando bombardeados por partículas alfa,
emitidas pelo polônio (Po), produziram uma radiação com grande poder de penetração. A princípio,
eles associaram esse resultado aos raios gama, um tipo de radiação altamente penetrante conhecida na
época. Assumiram que núcleos leves capturam partículas alfa, enquanto raios gama liberam o excesso
de energia nestas reações nucleares:

 NA X NA24 Y * NA24 Y  

Em 1931, a química francesa Irène Joliot‑Curie (1897‑1956), filha de Madame Curie, Prêmio Nobel
de Química em 1935 pela descoberta da radioatividade artificial, estudando a absorção da radiação
secundária do berílio (Be) e do lítio (Li), descobriu que essa radiação penetra através dos materiais ainda
mais facilmente do que inicialmente estimado por Bothe. Ela atravessou uma camada de chumbo (Pb)
três vezes mais espessa do que os raios gama mais penetrantes emitidos por elementos radioativos.

O marido de Irène, o físico francês Jean Frédéric Joliot‑Curie (1900‑1958), também Prêmio
Nobel de Química em 1935, juntamente com Irène, estudou a radiação emitida pelo boro (B) após
bombardeamento com partículas alfa oriundas do polônio (Po), chegando a uma conclusão análoga à
de Irène. Para explicar os resultados, tanto Irène como Frédéric assumiram que deveriam ser raios gama
com energias muito altas. Dois anos depois, ambos, ao medirem a ionização da radiação secundária
produzida pelo berílio (Be), numa câmara com uma fina janela de alumínio (Al), que você pode observar
na figura a seguir, perceberam que a ionização aumentou na câmara quando foi colocado em frente à
janela material contendo hidrogênio (H). Assumiram que o efeito poderia ter sido produzido pela ejeção
de prótons ou raios H, como eram conhecidos na época, com velocidades de até 10% da velocidade da
luz, aceitando sem discussão a hipótese de Bothe de que eram raios gama.

Estudos mais detalhados de interação com a matéria acabaram por revelar contradições quanto à
hipótese dos raios gama muito energéticos, e o casal Joliot‑Curie acabou por assumir um novo modelo
de interação da radiação com a matéria.

No Laboratório Cavendish, em Cambridge, o físico britânico James Chadwick (1891‑1974), Prêmio


Nobel de Física em 1935 pela descoberta do nêutron, que já procurava pelo nêutron há uma década

27
Unidade I

como colaborador de Rutherford, teve uma ideia de experimento para superar a contradição encontrada
por Bothe e pelo casal Joliot‑Curie.

Chadwick interpretou os resultados de seu experimento assumindo que a hipótese de raios gama
energéticos era incompatível com a conservação de energia e momento. Para explicar seus resultados,
Chadwick publicou um artigo muito curto, mas bastante claro. Um de seus argumentos era que, se o Be
emitisse raios gama, a reação observada seria:

9
Be + α → 13C + γ

Aquilo que chamou de defeito de massa, 13C, já era conhecido com precisão suficiente para mostrar
que a energia do fóton emitido nesse processo não podia ser maior do que cerca de 14 MeV (mega
elétron‑volts) e, assim, era difícil fazer com que tal quantum fosse responsável pelos efeitos observados.
Chadwick concluiu que as dificuldades desapareceriam se fosse assumido que a radiação fosse constituída
por partículas de massa 1 e carga 0, os nêutrons. De fato, se a reação for:

9
Be + α → 12C + n

Sobraria muita energia para o nêutron (n).

De imediato, os Joliot-Curie não aceitaram os resultados, mas, após alguns experimentos, concluíram
que seus experimentos davam suporte à hipótese do nêutron. Então, estudaram uma reação produzindo
nitrogênio (N):

α + 11B → 14N + n

E descobriram que a energia máxima dos nêutrons concorda com a energia medida dos prótons
ejetados quando atingidos por nêutrons. E, também, que a emissão de elétrons secundários já observada
também estava consistente com a hipótese de nêutrons.

A energia e a conservação do
momento
Po

α α α
H p H p
V V
Be γ? Be γ? Be n!

Figura 9 – À esquerda, experimento de Bothe: Be bombardeado por partículas alfa (em vermelho); Po
emite radiação com grande poder de penetração (verde), assumida como sendo raios gama por Bothe;
no centro, experimento de Joliot‑Curie: H, ao ser atingido pela radiação marcada em verde, emite
prótons de alta energia; à direita, o experimento de James Chadwick, que analisou a conservação de
energia e momento nessas reações nucleares

Fonte: Nesvizhevsky e Villain (2017).

28
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Naquela época, havia muitas incógnitas, o que dificultava a interpretação dos resultados. Contudo,
imediatamente à descoberta do nêutron, houve uma reformulação das pesquisas no campo da física
nuclear e de partículas elementares. Uma delas, para vários pesquisadores, foi considerar o nêutron
um constituinte do núcleo. Um desses pesquisadores, o físico teórico ucraniano Dmitri Dmitrievich
Ivanenko (1904‑1994) sugeriu que no núcleo haveria apenas prótons e nêutrons, e não prótons e
elétrons como sugeriu Rutherford.

Praticamente ao mesmo tempo, o físico teórico alemão Werner Karl Heisenberg (1901‑1976), que
recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1932 pela criação da mecânica quântica, e nos anos seguintes
o físico italiano Ettore Majorana (1906‑desaparecido misteriosamente em 1938), com trabalhos
promissores sobre neutrinos, e o físico húngaro Eugene Paul Wigner (1902‑1995), Prêmio Nobel de Física
em 1963 por contribuições para a teoria do núcleo atômico e partículas elementares, particularmente
pela descoberta e aplicação dos princípios fundamentais da simetria, aplicaram a mecânica quântica ao
núcleo e concluíram que Ivanenko simplificou o núcleo, colocando apenas prótons e nêutrons.

Nesses estudos, a forte interação entre prótons e nêutrons garante a estrutura e estabilidade
nuclear, remodelando a teoria nuclear. Heisenberg considerou prótons e nêutrons como diferentes
estados quânticos da mesma partícula. O físico teórico japonês Hideki Yukawa (1907‑1981), Prêmio
Nobel de Física em 1949 por formular a hipótese dos mésons, baseada em trabalhos teóricos sobre
forças nucleares, que teve início na análise da interação entre nêutrons e prótons feita por Heisenberg,
Majorana e Wigner, derivou o potencial de interação e, por fim, propôs a teoria dos mésons, que teve
grande impacto na física de partículas elementares.

1.6 Física moderna

Os avanços científicos em torno do átomo que vêm desde o final do século XVIII é que norteiam
o nascimento da física moderna. Estão incluídos nessa área os estudos da teoria da relatividade
restrita, da mecânica quântica e da física nuclear. Destaca‑se, também, a física de partículas, que
estuda o comportamento de partículas com velocidades próximas à da luz.

A teoria da relatividade restrita, proposta pelo físico teórico alemão Albert Einstein (1879‑1955),
que estuda o comportamento de corpos que se movem à velocidade da luz ou muito próximas a ela,
e, também, os fenômenos espaciais e temporais relativos a esses corpos, apresenta dois princípios
fundamentais: o primeiro diz que as leis da física valem para todos os referenciais inerciais, e o
segundo diz que a velocidade da luz no vácuo é a mesma para quaisquer observadores e independe
da velocidade do observador.

Uma das conclusões desse estudo é que o tempo e a massa se dilatam para condições em que corpos
estejam com velocidades próximas à velocidade da luz.

A explicação de Einstein para o efeito fotoelétrico descoberto pelo físico alemão Heinrich Rudolf
Hertz (1857‑1894) ajudou Planck a desenvolver sua teoria.

29
Unidade I

O físico teórico alemão Werner Karl Heisenberg (1901‑1976) recebeu o Prêmio Nobel de Física em
1932 pela criação da mecânica quântica, um ramo da física que estuda o comportamento de partículas
de dimensões atômicas ou inferiores.

A partir da descoberta da dualidade onda‑partícula, houve uma reavaliação da cinemática.


Descrever a posição e o movimento de uma partícula usando a mecânica clássica é possível utilizando
três coordenadas espaciais e três componentes de velocidade, simplesmente considerando a partícula
como ponto. Contudo, no geral, numa escala pequena o suficiente, é impraticável determinar a
posição e a velocidade de uma partícula ao mesmo tempo e, assim, muito do comportamento de uma
partícula só pode ser explicado em termos de probabilidade.

Em 1927, foi publicado o “princípio da incerteza” por Werner Heisenberg, que afirma não ser
possível determinar, com certeza, a posição exata de um elétron em um dado momento, mas, apenas,
dentro de uma certa probabilidade, calcular estatisticamente, uma descoberta fundamental para a
física quântica.

Nesse período, Bohr já havia desenvolvido o princípio da complementaridade, que incorporou


as ideias de Heisenberg e propôs que o aparente caos do mundo quântico e a ordem do universo
não eram mutuamente exclusivos, mas complementares entre si, quando baseados na física clássica.
Alguns cientistas consideraram tais conceitos como os mais revolucionários do século XX, mas
para outros não.

No nazismo, esses novos conceitos da relatividade e da incerteza foram considerados impurezas


e ligados ao judaísmo e a cientistas alemães que eram contra as novas teorias, passando‑se a exigir
uma física ariana. O físico alemão Johannes Stark (1874‑1957), Prêmio Nobel de Física em 1919 pela
descoberta do efeito Doppler em raios canais e do espalhamento das linhas espectrais em campos
elétricos, era um dos defensores de uma ciência ariana.

Na Alemanha anterior à Segunda Guerra Mundial, a física experimental era considerada superior
à física teórica, e as cátedras teóricas eram as únicas permitidas aos judeus. A partir de 1933,
com a proibição de judeus nos centros universitários, os cientistas se viram obrigados ao êxodo,
principalmente em direção aos Estados Unidos, que os receberam de braços abertos.

Heisenberg era nacionalista, apesar de não aderir ao partido nazista, e foi considerado por eles,
pelo menos inicialmente, como simpatizante dos judeus por se envolver nas teorias de Bohr e Einstein,
chamadas pelos nazistas de física judaica. Com o início da Segunda Grande Guerra, os nazistas começaram
a valorizar a física teórica.

A física austríaca Lise Meitner (1878‑1968), que estudou radioatividade e física nuclear e descobriu
a fissão nuclear, foi uma das cientistas judias que teve que fugir da Alemanha nazista. Seu trabalho
de fissão nuclear dependeu muito das cartas trocadas com o químico alemão Otto Hahn (1879‑1968),
mesmo depois de sua fuga para a Suécia. Ela e o sobrinho Otto Robert Frisch (1904‑1979) explicaram
o processo de fissão nuclear do urânio em termos de carga elétrica excessiva e estimaram a energia
liberada no processo. Foram eles que chamaram o processo de fissão. Em 1939, Bohr levou Meitner
30
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

aos Estados Unidos para uma conferência de física na Universidade George Washington, em que foi
anunciado publicamente sobre a possibilidade de dividir o átomo e liberar uma quantidade gigantesca
de energia por meio da fissão nuclear. Otto Frisch fez parte do Projeto Manhattan.

Observação

O Projeto Manhattan foi um projeto liderado pelos Estados Unidos


da América, com apoio do Canadá e do Reino Unido, de pesquisa e
desenvolvimento nuclear, que levou à produção das duas primeiras
bombas atômicas que destruíram duas cidades japonesas na Segunda
Guerra Mundial.

1.7 Física de partículas

Desde os primórdios, acredita‑se que a matéria é constituída de átomos, e a partir do século XX,
descobriu‑se que os átomos não são indestrutíveis. Segundo as teorias mais próximas da teoria clássica,
o átomo é formado por um núcleo muito pequeno e uma eletrosfera. Apesar de muito pequeno, o
núcleo do átomo possui praticamente toda a massa do átomo.

O núcleo tem carga positiva e é formado basicamente por prótons e nêutrons. A soma do número
atômico (Z) ou de prótons e o número de nêutrons é a massa atômica (A). Ao redor de um núcleo
muito pequeno orbitam elétrons em órbitas quantizadas, praticamente um vazio tão grande que não se
considera a massa.

O raio do núcleo é cerca de 10.000 vezes menor do que o raio atômico. A massa dos elétrons é cerca
de 1.836 vezes menor que a do próton. O número atômico determina as propriedades químicas do
elemento químico, mostra seu lugar na tabela periódica.

Tais informações são recentes e encontram-se nos livros didáticos a partir de 1932, mas ainda
são simples, a partir do conhecimento atual. As pesquisas e descobertas científicas a partir dos
anos 1930 levaram os cientistas a concluir que a matéria é formada por partículas fundamentais.

Para melhor entendimento, essas partículas fundamentais foram organizadas em uma tabela
(figura a seguir) que reúne um grande conhecimento teórico, chamado de modelo padrão (MP).
Esse MP é uma teoria desenvolvida entre 1970 e 1973 que tenta descrever as forças fundamentais
forte, fraca e eletromagnética, além das partículas fundamentais constituintes da matéria. Pode‑se
dizer que é uma teoria quântica de campos e que é consistente com a mecânica quântica e a
relatividade especial.

31
Unidade I

matéria antimatéria
γ

antiquarks
u c t c u
quarks
t

mediadoras
g
d s b b s d
Z

antiléptons
ve vµ vτ W vτ vµ ve
léptons

e µ τ τ µ e

higgs
H
I II III III II I

Figura 10 – Modelo padrão de partículas elementares (completo)

O bóson de Higgs é a partícula 61 (1/61):

3 × (6 quarks + 6 antiquarks) = 3 × 12 = 36 partículas

6 léptons + 6 antiléptons = 12 partículas

1 γ + [g1 + g2 + g3 + g4 + g5 + g6 + g7 + g8] + Z0 + W+ + W− = 12 partículas

1H = 1 partícula

O modelo padrão mais recente possui 17 partículas e para cada uma delas há uma partícula de
antimatéria com mesma massa, mas com carga contrária. São divididas em três categorias: bósons,
quarks e léptons. Juntas, elas dão origem à matéria e a todas as interações existentes no universo.

Saiba mais

A radioastronomia é uma ciência como a astronomia, mas que


não vê os corpos celestes, ela estuda os astros por meio de ondas
eletromagnéticas oriundas ou refletidas por corpos celestes, utilizando
radiotelescópios, que são estruturas gigantescas parecidas com uma
antena parabólica, que detectam as radiações eletromagnéticas oriundas
do espaço. A primeira detecção ocorreu em 1932 por Karl Guthe Jansky
(1905‑1950) e o primeiro radiotelescópio eficiente foi construído por
Grote Rebel (1911‑2022), em 1938. Leia mais sobre o assunto em:

OLIVEIRA, V. S.; GOUVEIA, R. C. Atividades experimentais para ensino e


divulgação sobre radioastronomia. In: CONGRESSO DE INOVAÇÃO, CIÊNCIA
E TECNOLOGIA DO IFSP, 11., 2020, São Paulo. Anais […]. São Paulo: IFSP,
2020. Disponível em: https://bityli.com/9QMSW. Acesso em: 1º mar. 2023.

32
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

1.7.1 Teoria quântica de campos

Campo é uma função definida em todos os pontos do espaço. Um único campo pode incorporar um
número infinito de graus de liberdade (número de variáveis independentes) num conjunto contínuo de
pontos. Um bom exemplo de campo é o campo eletromagnético, que varia em três dimensões (x, y, z).

Na teoria quântica de campos os objetos matemáticos são quantizados, assim como a mecânica
quântica quantiza as grandezas físicas relacionadas ao movimento de um número finito de partículas.
Para tanto, deve‑se descrever o que é observável em termos de operadores que aumentam ou diminuem
o número de certas quantidades discretas no sistema, os quantas de excitação.

Essas quantidades são identificadas com partículas elementares, cujas propriedades, como carga
elétrica, massa ou spin, sejam refletidas nas propriedades do campo. O formalismo da teoria de campos
na teoria da relatividade é essencial.

Estudar o oscilador harmônico é uma ferramenta importante, uma vez que qualquer sistema físico
que oscile em torno de um ponto de equilíbrio pode ser aproximado a um oscilador harmônico nas
vizinhanças desse ponto de equilíbrio. Isso vale tanto para um oscilador harmônico clássico como para
um oscilador harmônico quântico.

Em 1905, Einstein publicou a teoria da relatividade especial após concluir os estudos do físico
neerlandês Hendrik Antoon Lorentz (1852‑1928), Prêmio Nobel de Física em 1902 por seu trabalho
sobre radiações eletromagnéticas.

A relatividade especial de Einstein introduziu a ideia de espaço‑tempo como uma entidade geométrica
unificada, substituindo os conceitos independentes de espaço e tempo da teoria do matemático, físico,
astrônomo, teólogo e autor inglês Isaac Newton (1643‑1727), um dos cientistas mais influentes de
todos os tempos.

1.7.2 Relatividade especial

A união de duas teorias científicas, a relatividade restrita ou especial e a relatividade geral, é o que
se denomina teoria da relatividade.

O espaço‑tempo na teoria da relatividade especial contém uma variedade diferenciável de quatro


dimensões, sendo três espaciais e uma temporal, considerada a quarta dimensão, munida de uma
métrica pseudorriemanniana, que permite a utilização de noções de geometria. É nessa teoria que a
ideia de velocidade da luz invariante surge. O termo especial é usado para identificar um caso particular
da teoria da relatividade, em que os efeitos da gravidade são ignorados.

A versão mais ampla dessa teoria é a da relatividade geral, publicada dez anos depois, onde os efeitos
da gravidade foram integrados e a noção de espaço‑tempo curvo.

33
Unidade I

1.7.3 Partículas elementares

Depois da descoberta de que o átomo não era maciço e que era constituído de partículas
elementares (os prótons e nêutrons que ocupavam um núcleo muito pequeno e os elétrons que
orbitavam o núcleo em órbitas quantizadas), descobre‑se que estas não são partículas fundamentais.

Segundo o modelo padrão, as partículas elementares são os quarks, os bósons e os léptons.

Os quarks e os léptons existem na natureza como matéria e antimatéria. O MP também pode


ser dividido em dois grupos de partículas: férmions e bósons. Os férmions são partículas que
apresentam momento angular quântico (spin) de módulo semi‑inteiro, descritos pelo princípio de
exclusão de Pauli.

O físico austríaco, naturalizado suíço e depois norte‑americano, Wolfgang Ernst Pauli (1900‑1958),
Prêmio Nobel de Física em 1945, desenvolveu a teoria do spin do elétron. O princípio da exclusão de
Pauli, formulado em 1925, afirma que duas ou mais partículas com spins semi‑inteiros não podem
ocupar o mesmo estado quântico dentro de um sistema quântico simultaneamente. Em 1940, com o
teorema de estatísticas de spin, Pauli estendeu o princípio a todos os férmions.

Os léptons são os férmions mais leves, já os mais pesados, formados por estados de quarks ligados
pela interação forte, são chamados hádrons. Trios de quarks são chamados bárions e duplas de quarks
são chamadas de mésons.

O físico teórico britânico Peter Ware Higgs (1929) recebeu o Prêmio Nobel de Física em 2013,
juntamente com o físico belga François Englert (1932), pela descoberta do mecanismo de Higgs.

As ideias iniciais do bóson de Higgs vieram do físico estadunidense Philip Warren Anderson
(1923‑2020), em 1964, que recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1977 por estudos teóricos fundamentais
das estruturas eletrônicas magnéticas e de sistemas desordenados.

Na época de Anderson, não havia condições tecnológicas para confirmação da existência do bóson
de Higgs, isso só ocorreu com a construção do Grande Colisor de Hádrons (LHC), em 2008. Em 4 de julho
de 2012, foi detectada uma partícula desconhecida e com massa entre 125-127 GeV/c². Havia suspeita
que fosse a partícula, e, em 2013, foi provado que se comportava, interagia e decaía de acordo com
as várias formas previstas pelo MP. A partícula também possuía paridade positiva e spin nulo, maiores
indícios de que realmente era o bóson de Higgs.

A figura a seguir apresenta um cronograma das partículas elementares descobertas até a década
de 1960.

34
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960


...
e- P n+ μ± π K
± ± π ∧ ∑
0 0 ±
P Ve ∑ ∧
0 0 ρ V α2
e K0 ∆ Ξ- ϖ φμ η'
n Ξ0 η
K* f Ω
-
Cronologia das partículas elementares

Figura 11 – Cronograma das partículas elementares

Fonte: Dos Anjos e Natale (2005, p. 40).

1.8 Tipos de radiação

Radiação é propagação de energia sob várias formas. Desde a criação do Universo, tudo o que
existe está exposto à radiação. A Terra é banhada pela radiação cósmica desde a sua criação. A crosta
terrestre tem na sua formação elementos que existem desde o big-bang, como o urânio e o tório. Alguns
elementos radioativos são incorporados ao ser humano quando absorvidos pela flora e depois pelos
animais que comem os vegetais.

As radiações podem ser naturais e artificiais. Os raios cósmicos são a maior fonte natural
de radiação. A maioria desses raios tem origem no espaço sideral, e alguns são liberados pelo
sol durante as erupções solares. Durante a interação dessa radiação solar com a atmosfera, há
a produção de diferentes tipos de radiação e de materiais radioativos. A atmosfera da Terra e o
campo magnético reduzem a radiação cósmica, que é defletida para os polos Norte e Sul, que
recebem mais radiação que as regiões equatoriais. A figura a seguir apresenta uma estimativa
das doses anuais de radiação cósmica para algumas regiões.

Doses anuais para a radiação cósmica*

Nave especial Jato Jumbo


Monte Everest
~350 km 10 km
8,8 km
Monte Blanc Lhasa
300 20 mSv 4,8 km Tibet Cidade do
mSv México Edifício
3,7 km Empire State
3 mSv 2,3 km
18 mSv
1,8 mSv 450 m
1 mSv Nível
0,5 mSv do mar
0m
0,36
mSv

*Baseado na suposição de exposição nesses locais por um ano

Figura 12 – Estimativa de dose anual para radiação cósmica em algumas regiões da Terra

Fonte: Unep (2016, p. 28).

35
Unidade I

A radiação artificial pode ser produzida pelo bombardeamento de certos núcleos com partículas
apropriadas, como alfa, beta, próton, nêutron etc. Os raios X também são radiações artificiais,
produzidas em equipamentos eletroeletrônicos de alta e baixa tensão.

As radiações também podem ser divididas em corpusculares e eletromagnéticas. Mas, também,


podemos tratá-las apenas como ionizantes e não ionizantes.

Quando nos referimos às radiações como corpusculares, podemos dizer que são aquelas constituídas
de um feixe de partículas elementares ou por núcleos atômicos. Como exemplo, podemos citar: elétrons,
prótons, nêutrons, dêuterons, partículas alfa e partículas beta.

Radiação eletromagnética é uma forma de energia que se propaga numa combinação de campos
elétricos e magnéticos que variam no tempo e no espaço e que viajam no vácuo à velocidade da luz.
Na figura a seguir é apresentado o espectro eletromagnético, onde observam-se os diferentes tipos
de radiação eletromagnética, diferenciadas pelo seu comprimento de onda e frequência. Observa-se
também o espectro da luz, que basicamente divide as radiações ionizantes e não ionizantes.

TV
Luz visível
700 nm a
400 nm
Infravermelho

Ultravioleta

Raios X
Micro-ondas
Ondas

gama
baixas

Raios
Rádio

λ
f = c/λ
f

10 102 104 106 108 1010 1012 1014 1016 1018 1020 1022 1024 1026
KHz MHz GHz THz

Radiação não ionizante Radiação ionizante

Figura 13 – Espectro eletromagnético

Disponível em: https://bityli.com/IU4aF. Acesso em: 2 mar. 2023.

As radiações não ionizantes são radiações eletromagnéticas que não possuem energia suficiente
para arrancar elétrons ou ionizar o átomo. No espectro, vão do infravermelho até as ondas de rádio.
O principal efeito biológico das radiações não ionizantes é o térmico.

36
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

As radiações ionizantes, além da capacidade de ionizar, são muito penetrantes e podem provocar
efeitos deletérios aos seres vivos. No espectro, observam‑se a radiação ultravioleta (UVA), os raios X e os
raios gama como as radiações eletromagnéticas ionizantes.

A radiação tem origem nos processos de decaimento, processos de ajuste do núcleo ou pela interação
da própria radiação com a matéria.

2 FÍSICA NUCLEAR, DESINTEGRAÇÃO, GRANDEZAS RADIOLÓGICAS E


PROCESSOS DE INTERAÇÃO

Física nuclear é o ramo da física que estuda as interações entre prótons e nêutrons no núcleo dos
átomos que compõem a matéria. Os núcleos são estáveis devido à força nuclear, que é uma força
de atração intensa, maior que a força coulombiana, de curto alcance, que age entre os núcleons
independentemente da carga elétrica que possam ter.

Existem quatro tipos de interações fundamentais na natureza: gravitacional, eletromagnética e as


interações nucleares de natureza forte e fraca, que se tornaram conhecidas apenas quando o nêutron
foi descoberto. São as forças nucleares que dão estabilidade ao núcleo do átomo e à própria matéria.

A força nuclear de interação fraca é responsável pela transformação espontânea de prótons


em nêutrons (decaimento β+) e também de nêutrons em prótons (decaimento β−). A força nuclear
de interação forte é responsável pela maioria das propriedades dos núcleos atômicos, contudo, não
produzem efeitos diretamente observáveis em experimentos do cotidiano.

Atualmente, acredita-se que a força nuclear seja uma manifestação da força nuclear de interação
forte que mantém os quarks unidos para que formem os prótons e os nêutrons.

A energia de ligação do núcleo é resultado do equilíbrio das interações nucleares entre os núcleons
e a força de repulsão coulombiana entre os prótons. Esse balanço energético faz com que a energia de
interação atrativa dependa do número de massa (A), mas a curtas distâncias (em torno de 1 fm equivale a
10−15m). A repulsão coulombiana é muito mais fraca que a força nuclear forte e atua em distâncias maiores
(em torno de 10 fm), dependendo do número de prótons (Z). Quanto maior for a energia de ligação, mais
estável será o núcleo.

A figura a seguir apresenta um gráfico mostrando a dependência da energia de ligação em relação


ao número de massa dos átomos.

37
Unidade I

Fe

8 Fissão
nuclear
Fusão

Energia/núcleon (MeV)
6 nuclear
Maior
estabilidade
4

50 100 150 200


Número de massa (A)

Figura 14 – Gráfico da energia de ligação do núcleo do átomo em função de sua massa (A)

Observa‑se no gráfico que a energia de ligação entre os núcleons em relação à massa, inicialmente,
cresce rapidamente, o que favorece a fusão nuclear. A partir da massa igual a 56 do elemento ferro (Fe),
que é o elemento mais estável, a energia de ligação começa a cair lentamente, favorecendo o processo
de fissão em núcleos mais pesados como o urânio, que pode ser espontâneo.

Observação

Fusão nuclear é o processo no qual dois ou mais núcleos atômicos


se juntam para formar outro núcleo mais pesado, liberando uma grande
quantidade de energia. Já a fissão nuclear é um processo de quebra do
núcleo de um átomo instável em dois núcleos menores, com liberação
de grande quantidade de energia; esse processo pode ser artificial pelo
bombardeamento de nêutrons.

2.1 Decaimento radioativo

A radioatividade é o decaimento radioativo devido à instabilidade do núcleo, e o nêutron é considerado


hoje, pelo Modelo Padrão, um estado excitado do próton, o que corresponde ao estado fundamental do
hádron estável, que é um bárion com 3 quarks. Fora do núcleo, o nêutron tem um milésimo de segundo
de tempo de vida; dentro do núcleo, ele decai, transmutando‑se em outras partículas.

No decaimento radioativo, três tipos de processo de emissão podem mudar a configuração interna
do núcleo. Esses processos são: emissão de partículas alfa (íons de hélio, duplamente positivos),
emissão de partículas beta (elétrons) e emissão de radiação gama (fótons gama). A emissão dessas
radiações ou o decaimento radioativo tem o objetivo de levar o núcleo a uma configuração energética
mais estável.

38
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Lembrete

A estabilidade nuclear é dada pelo equilíbrio entre a quantidade de


prótons e de nêutrons dentro do núcleo do átomo. Quanto mais prótons,
maior será a força de repulsão entre eles, consequentemente haverá a
necessidade de mais nêutrons, até que se chegue no momento em que,
mesmo aumentando o número de nêutrons, não será mais possível manter
a estabilidade. Até o elemento bismuto (Z = 83), os átomos são estáveis.
A partir do polônio (Z = 84), todos são radioativos. Praticamente todos os
elementos da tabela periódica possuem um isótopo radioativo.

2.1.1 Decaimento alfa

No decaimento por emissão de partículas alfa, um núcleo mais pesado torna‑se mais estável com
a emissão dessas partículas espontaneamente e em alta velocidade. Núcleos com grande número
de massa são mais propensos à emissão de partículas alfa devido à repulsão coulombiana ser muito
grande entre os prótons. Um mesmo tipo de núcleo pode emitir partículas alfa de diferentes energias
porque o núcleo filho pode estar num estado excitado ou mesmo no estado fundamental. Se o núcleo
filho estiver num estado excitado, ele passará posteriormente à emissão da partícula alfa, ao estado
fundamental, liberando, para tanto, uma quantidade de radiação eletromagnética (fótons de raios
gama). Assim sendo, o decaimento alfa pode ser acompanhado de decaimento gama.

Quando o núcleo emite uma partícula alfa, seu número atômico diminui de duas unidades e o seu
número de massa diminui de quatro unidades:

A
ZX  AZ42Y  42He ou α

Quando acompanhado de decaimento gama, a energia pode ser calculada pela seguinte expressão,
que vem diretamente do princípio de conservação da energia:

Q = [M (X) - M (Y) - mα] c2

Onde:

M(X) = massa do núcleo pai

M(Y) = massa do núcleo filho

mα = massa da partícula alfa

39
Unidade I

Essa energia fica distribuída entre o núcleo filho e a partícula alfa, em proporções diferentes,
que podem ser calculadas. Um valor positivo da energia liberada pode indicar que o processo
ocorreu espontaneamente.

2.1.2 Decaimento beta

No decaimento por emissão de partículas beta, um núcleo com grande quantidade de nêutrons,
em comparação à quantidade de prótons, é instável e, na busca pela estabilidade, emite um elétron
pelo núcleo, que é originário do decaimento de um nêutron em um próton e um elétron, com o próton
continuando no núcleo do átomo. Nesse processo, há mudança da carga do núcleo, ou seja, há mudança
no número atômico, mas a massa quase não sofre alteração e obtém‑se um isóbaro. Essa transformação
é acompanhada pela emissão de antineutrino e um nêutron livre, isto é, não pertencente a qualquer
núcleo, decai segundo a mesma equação, com uma meia‑vida de aproximadamente 12 minutos:

n → p + e- + v*

O núcleo filho tem o mesmo número de massa que o núcleo pai, mas um número atômico com uma
unidade a mais:

A
ZX  ZA1Y  e  v *

Se o número de prótons é relativamente grande quando comparado ao número de nêutrons, o


núcleo pode ser instável e o número de prótons pode ser diminuído pela transmutação de um próton
em um nêutron. Essa transformação é acompanhada de uma partícula idêntica ao elétron, mas de sinal
positivo (pósitron) e de um neutrino:

p → n + e+ + v

O núcleo filho terá o mesmo número de massa que o pai, portanto, também um isóbaro, mas com
um número atômico uma unidade menor:

A
ZX  ZA1Y  e  v

Após o decaimento beta, o núcleo filho pode estar num estado excitado ou mesmo no estado
fundamental. No estado excitado, o processo será seguido por decaimento gama. Um aspecto interessante
do decaimento beta é que os elétrons e antineutrinos ou os pósitrons e neutrinos são emitidos num
espectro contínuo de energia. Isso significa que cada tipo de partícula pode ter um valor de energia que
vai de zero até um valor compatível com o princípio de conservação de energia. Assim, quanto maior
for a energia do elétron (beta) ou do pósitron (beta+) emitido, menor será a energia do antineutrino ou
do neutrino emitido. Quando a energia do elétron (beta) ou do pósitron (beta+) for máxima, não serão
emitidos neutrinos ou antineutrinos.

40
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

A descoberta do nêutron foi proposta em 1930 por Wolfgang Pauli para explicar o balanço energético
no decaimento beta, porque faltava um resquício de energia. A explicação de Pauli era a existência de
uma partícula sem carga e de massa nula. O físico italiano Enrico Fermi (1901‑1954) batizou essa nova
partícula de neutrino, contudo ela só foi detectada em 1956.

2.1.3 Captura eletrônica

É um processo no qual um núcleo pai captura um de seus elétrons orbitais das camadas mais
internas e emite um neutrino. Esse processo também é conhecido como decaimento beta inverso e
muitas vezes é incluído como um decaimento beta, uma vez que o processo nuclear básico mediado
pela interação fraca é o mesmo.

Um próton do núcleo pode capturar um elétron da camada K e o processo, então, é chamado


captura eletrônica ou captura K. Como resultado, há substituição de um próton do núcleo por um
nêutron, efeito idêntico ao produzido pela emissão β+, mais comum em núcleos mais leves:

A -
ZX e  ZA1Y  v

Em termos de partículas elementares:

p  e-  n  v

Na captura eletrônica, há emissão de radiação eletromagnética na forma de raios X pelo núcleo filho
porque, quando o elétron é capturado, deixa uma lacuna que será preenchida por elétrons da camada
superior, sucessivamente até a última camada. No deslocamento de um elétron de uma camada superior
para uma camada inferior, há liberação de energia na forma de raios X característicos e o átomo torna‑se
um íon positivo (cátion). Às vezes, os fótons de raios X podem interagir com outro elétron orbital, que
pode ser ejetado do átomo. Esse segundo elétron ejetado é chamado elétron Auger.

A captura de elétrons é o processo de decaimento primário para isótopos com diferença de energia
insuficiente (Q < 2 × 511 keV) entre o isótopo e seu nuclídeo filho em potencial para o nuclídeo decair
emitindo um pósitron (β+). Esse processo é sempre um decaimento alternativo para isótopos radioativos
que possuem energia suficiente para decair por emissão de pósitrons.

Se estiver em um estado excitado, o nuclídeo filho resultante faz a transição para o estado
fundamental, emitindo radiação gama. A desexcitação também pode ocorrer por conversão interna.

2.1.4 Decaimento gama

A radiação gama é um tipo de radiação eletromagnética que resulta de uma distribuição interna
dos núcleons no núcleo do átomo, correspondendo aos estados de energia bem definidos, da mesma
forma que os estados eletrônicos num átomo. No rearranjo interno, ou na mudança de um estado
mais energético (excitado) para um de energia mais baixa, há emissão de fótons com energia

41
Unidade I

correspondente à diferença entre os níveis de energia. Na emissão de radiação gama, não há alteração
do número atômico ou do número de massa, mas trata-se de uma radiação que vem acompanhada,
normalmente, de partículas alfa ou beta. Os fótons têm energia muito alta, em torno de MeV.

2.2 Lei do decaimento radioativo

A lei de decaimento radioativo descreve o comportamento estatístico, ou a taxa de decaimento


nuclear, de um grande número de nuclídeos, afirmando que a probabilidade de um núcleo decair, por
unidade de tempo, é uma constante que independe do tempo. Essa constante, chamada de constante
de decaimento ou desintegração (λ−1) tem um valor particular para cada nuclídeo instável.

O decaimento radioativo é um processo aleatório porque, segundo a teoria quântica, é


impossível prever quando um determinado nuclídeo irá decair. E já que o núcleo de um átomo
não envelhece e nem tem memória, a probabilidade de quebra não aumenta com o tempo, mas
permanece constante, não importando há quanto tempo o núcleo exista. Um núcleo instável
decai espontaneamente e aleatoriamente, formando um novo núcleo, pelo decaimento de
partículas ou um estado de energia diferente pela emissão de radiação gama de alta energia.

Existe apenas uma lei que governa o decaimento radioativo e os cálculos são relativamente diretos:

N (t) = N0e-λt

Onde:

N(t) = núcleos radioativos remanescentes após um intervalo de tempo (t)

N0 = núcleos radioativos iniciais

λ = constante de decaimento radioativo, característica de cada tipo de núcleo, lembrando que sua
unidade é o inverso do tempo

2.3 Grandezas radiológicas e processos de interação

Realizar medidas de radiação ou dos seus efeitos é imprescindível para trabalhar diretamente ou
indiretamente com a radiação. Desde que foi descoberto que a radiação causa danos à saúde, mas
também é essencial para alguns tratamentos e diagnósticos, sejam esses diagnósticos na área da saúde
ou da indústria, procurou‑se entender os mecanismos de interação da radiação com a matéria e criar
métodos de produção, caracterização e medição, bem como definir grandezas que expressem com
realismo a sua interação com o tecido humano.

São três as categorias de grandezas radiológicas: grandezas físicas, grandezas de proteção e


grandezas operacionais. Nesse estudo veremos algumas grandezas como parte do entendimento de
alguns mecanismos importantes para o trabalho na medicina nuclear e na radioterapia.

42
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

2.4 Atividade – atividade específica

Atividade é uma medida de radioatividade e pode ser utilizada para caracterizar a taxa de emissão de
radiação ionizante. É o número de desintegrações por segundo, não importando o tipo de decaimento, a
energia dos produtos de decaimento ou os efeitos biológicos da radiação. Tem como unidade no sistema
internacional de medidas (SI) o becquerel (Bq). A unidade antiga, que ainda é utilizada, é o curie (Ci) e
ambas se relacionam da seguinte maneira:

1 Bq = 2,7 ∙ 10−11 Ci

1 Ci = 3,7 ∙ 1010 Bq

Essas unidades de atividade também podem ser usadas para caracterizar uma quantidade total de
liberações controladas ou acidentais de átomos radioativos.

A atividade específica é definida como a quantidade de átomos de um determinado radionuclídeo,


dada em unidades de Bq/g (ou Ci/g), ou, também, como a relação entre a massa de material radioativo
e a atividade. Ela determina a concentração de átomos excitados numa substância radioativa e é uma
medida importante porque determina as dimensões física da fonte de radiação.

Para determinar a atividade específica, divide‑se a atividade do elemento radioativo pela massa
desse elemento.

2.5 Meia‑vida e vida média

Define‑se a meia‑vida (T1/2) de um elemento radioativo com base no intervalo de tempo no qual se
desintegra metade do número inicial de átomos ou após o qual a atividade inicial se reduz à metade. Isso
significa que, para cada meia‑vida que passa, a atividade vai sendo reduzida à metade da anterior, até
atingir um valor insignificante, que não permite mais distinguir suas radiações das do meio ambiente.
Dependendo do valor inicial, em muitas fontes radioativas utilizadas em laboratórios de análise e
pesquisa, após 10 meias‑vidas, atinge esse nível. Entretanto, não se pode confiar totalmente nessa
“receita”, e sim numa medida com um detector apropriado, pois, nas fontes usadas na indústria e na
medicina, mesmo após 10 meias‑vidas, a atividade da fonte é, geralmente, muito alta.

Para calcular a meia‑vida, utiliza‑se a lei do decaimento radioativo:

N (t) = N0e-λt

N0
 N0eT
2

e-λT = 2

43
Unidade I

Aplicando logaritmo neperiano dos dois lados da igualdade e levando em conta que ln2 = 0,6931,
segue‑se que:

0, 6931
T


Vida média é o valor médio dos tempos de todos os N decaimentos medidos:

1 N
t   ti
N i1

No caso de um decaimento estatístico, a desintegração de um núcleo em particular é um evento


aleatório. Temos:

dN = -λdt

Onde λ é a constante de decaimento.

Resolvendo a equação, temos:

N(t) = N0e-λt

Para calcular o valor médio a partir dessa equação, primeiro precisamos determinar a constante de
normalização C, que transforma essa função em uma função de probabilidade. Assim, temos:


C  N0e tdt  1
0

N0 
C  1, C 
 N0

Calculando o valor médio de t, temos:

  1
t  C  tN0e tdt   te tdt 
0 0 

A relação entre T1/2, λ e t, então, é:

0, 693
T1/2   0, 693 t


44
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Embora se saiba que a desintegração radioativa é um processo probabilístico, isto é, não é possível
prever‑se o instante em que um átomo vai sofrer desintegração, podemos calcular matematicamente
a duração média de um núcleo instável, ou seja, determinar a vida média dos átomos de uma espécie
nuclear. Então:

t = 1,441. T1/2

Onde:

t = vida média de um átomo de uma espécie radioativa

T1/2 = meia‑vida da amostra

2.6 Constante de decaimento

A constante de decaimento determina a taxa de decaimento, é referida como λ e tem uma grande
variação entre os diferentes tipos de núcleos, o que leva a diferentes taxas de decaimento. Ela avalia o
número de átomos em relação a uma determinada faixa temporal. Assim, quanto maior for a quantidade
de átomos na amostra radioativa, maior será a velocidade em que ocorrerá a desintegração nuclear.

2.7 Equilíbrio radioativo

O equilíbrio radioativo ocorre quando um nuclídeo radioativo está decaindo na mesma taxa em que
está sendo produzido após um período de transição. O núcleo de desintegração é chamado de núcleo pai
e o núcleo remanescente é o núcleo filho, que pode ser estável ou radioativo. Se o núcleo remanescente
for radioativo, decai novamente, continuando a série. Isso significa que cada núcleo pai pode iniciar
uma série de decaimentos, com cada produto tendo sua própria constante de decaimento característica.

A concentração dos núcleos filhos no equilíbrio radioativo depende, principalmente, das proporções
de meia‑vida dos núcleos pai e núcleos filhos. Sendo a taxa de produção e a taxa de decaimento iguais,
o número de átomos presentes permanece constante ao longo do tempo. Assim, o equilíbrio radioativo
não é estabelecido imediatamente, ocorrendo após um período de transição, que é da ordem de poucas
meias‑vidas do núcleo de maior duração na cadeia de decaimento. No caso de cadeias de decaimento, o
equilíbrio radioativo pode ser estabelecido entre cada membro da cadeia de decaimento, ou seja:

λ1N1 = λ2N2

A proporcionalidade das meias‑vidas é um parâmetro‑chave que determina o tipo de equilíbrio


radioativo:

• O equilíbrio radioativo não é estabelecido quando a meia‑vida do núcleo pai é menor que a
meia‑vida do núcleo filho. Nesse caso, a taxa de produção e a taxa de decaimento de determinado
membro da cadeia não podem ser iguais.

45
Unidade I

• O equilíbrio radioativo secular existe quando o núcleo pai tem uma meia‑vida extremamente
longa. Esse tipo de equilíbrio é particularmente importante para a natureza. Ao longo dos 4,5
bilhões de anos da história da Terra, especialmente o 238U e o 232Th, e os membros de suas cadeias
de decaimento, atingiram equilíbrios radioativos entre o núcleo pai e seus descendentes.

• O equilíbrio radioativo transitório ocorre quando a meia‑vida do núcleo pai é maior que a
meia‑vida do núcleo filho. Nesse caso, o nuclídeo pai e o nuclídeo filho decaem, essencialmente,
na mesma taxa.

2.8 Equilíbrio secular

O equilíbrio radioativo secular ocorre quando o núcleo pai tem uma meia‑vida extremamente longa.
O equilíbrio secular é típico para séries radioativas naturais, como as séries do urânio e do tório. Para a
série do 238U, com meia‑vida de 4,47 bilhões de anos, todos os elementos da cadeia estão em equilíbrio
secular e cada um dos descendentes acumulou uma quantidade de equilíbrio, com todos decaindo à
taxa definida pelo nuclídeo‑pai. A única exceção é o elemento estável, no final da cadeia, o 206Pb.

2.9 Efeito fotoelétrico

O efeito fotoelétrico é um efeito quântico no qual a luz comporta‑se como partículas, chamadas
fótons. Foi observado pela primeira vez em 1886/1887 por Hertz, quando realizou experimentos
para estudar as ondas eletromagnéticas propostas pelo matemático e cientista escocês James
Clerk Maxwell (1831‑1879), que foi o responsável pela teoria clássica da radiação eletromagnética,
descrevendo a eletricidade, o magnetismo e a luz como diferentes manifestações do mesmo
fenômeno. O fenômeno clássico previa que um corpo iluminado deveria absorver toda a energia
luminosa irradiada por ele.

No efeito fotoelétrico há ejeção de elétrons da superfície de um material exposto a uma fonte


luminosa de determinada frequência. Esse efeito foi explicado por Einstein em 1905 utilizando
argumentos matemáticos propostos por Max Planck, e hoje, entre muitas aplicações, é utilizado na
produção de energia solar. De acordo com Planck, a radiação térmica é quantizada, apresentando valores
de energia discretos.

O experimento de Hertz consistiu em gerar ondas eletromagnéticas pela produção de descargas


elétricas entre dois eletrodos metálicos e detectá‑las em um par de eletrodos idênticos.

46
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Feixe de luz incidente


Placa coletora Placa emissora

Tubo de vácuo

Elétrons que atingem a placa coletora

Amperímentro

Bateria Corrente elétrica

Figura 15 – Experimento de Hertz sobre o efeito fotoelétrico

Disponível em: https://bityli.com/q28TQ. Acesso em: 2 mar. 2023.

2.10 Espalhamento Compton

O físico estadunidense Arthur Holly Compton (1892‑1962) ganhou o Prêmio Nobel de Física em
1927, prêmio esse dividido com o físico escocês Charles Thomson Rees Wilson, pela descoberta da
diminuição de energia de um fóton de raios X ou de raios gama quando em interação com a matéria.

Considerar a luz composta de partículas, os fótons, implica dizer que a luz no formato de partículas
poderia colidir em outras partículas, como bolas numa mesa de bilhar. Compton afirmava que, se isso
fosse verdade, era possível explicar a interação entre fótons e elétrons livres como um processo em que
a luz se espalha, cedendo um pouco de energia para o elétron na forma de energia cinética. Poderíamos
imaginar o elétron parado que, quando colidisse com o fóton, cederia parte de sua energia para que o
elétron se movesse, perdendo parte de sua energia, o que diminuiria sua frequência.

Em 1923, Compton realizou um experimento que comprovou a natureza dual da radiação


eletromagnética, provando que as radiações, além de se comportarem como ondas, podiam se comportar
como partículas.

Para explicar esse fenômeno, Compton montou um experimento em que raios X que têm
comprimentos de onda curtos eram direcionados a colidirem com elementos de baixo peso atômico,
sofrendo espalhamento ao interagirem com a estrutura cristalina desses elementos. Compton verificou
que alguns dos raios X espalhados pelo elemento eram de maior comprimento de onda do que antes
do espalhamento.

A física clássica não tinha como explicar o fenômeno, um aumento do comprimento de onda
após uma dispersão, mas a física quântica se encaixava perfeitamente com os dados experimentais.

47
Unidade I

De acordo com Compton, um fóton de raios X, ao colidir com um elétron de um átomo de carbono,
como no experimento, transfere parte de sua energia para esse elétron e continua sua trajetória com
menor energia, mas com um comprimento de onda maior do que antes. Os raios X transportam um
momento, que é parcialmente transferido para o elétron, que, devido ao choque, é recuado.

Compton mediu o comprimento de onda (λ0) dos raios X espalhados e concluiu que este depende
apenas do ângulo θ de espalhamento. O deslocamento Compton é definido pela diferença:

λ - λ0 dado por
h
  0 
(mc)(1  cos )

A figura a seguir apresenta um esquema do experimento de Compton e a figura posterior mostra o


modelo quântico do espalhamento de raios X:

Raios X
espalhados λ'

λ θ

Alvo de grafite
Raios X
Fóton incidente

Figura 16 – Esquema do experimento de Compton


Adaptado de: https://bityli.com/T14db. Acesso em: 3 mar. 2023.

Fóton
espalhado
f, λ

φ
f0, λ0

Elétron
recuando

Figura 17 – Modelo quântico do espalhamento de raios X

Adaptado de: https://bityli.com/T14db. Acesso em: 3 mar. 2023.

48
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

2.11 Produção/aniquilação de pares

A produção de pares consiste num processo de criação de uma partícula subatômica e de sua
antipartícula a partir de um bóson neutro. Como exemplos, temos: um elétron e um pósitron, um múon
e um antimúon, um próton e um antipróton.

Geralmente, na produção de pares, temos um fóton criando um par elétron‑pósitron próximo


ao núcleo. Entendendo que a energia deve ser conservada para que o processo de produção de
pares ocorra, a energia do fóton incidente dever estar acima, pelo menos, do limiar da energia total
da massa de repouso das duas partículas criadas. Sendo o elétron a partícula elementar mais leve,
de menor massa e energia, ele requer fótons menos energéticos de qualquer outro processo de
produção de pares.

As principais restrições do processo são a conservação de energia e de momento. Todos os outros


números quânticos das partículas devem somar zero, ou seja, a soma do momento angular, carga elétrica
e número de léptons deve ser zero, portanto, as partículas criadas devem ter valores opostos entre si.

Exemplo: se uma partícula tem carga elétrica +1, a outra deverá apresentar carga elétrica ‑1; se uma
partícula apresenta estranheza +1, a outra deverá apresentar estranheza ‑1.

A produção de pares em interações fóton‑matéria aumenta com a energia do fóton e, também,


com o quadrado do número atômico. É o processo dominante de interação de fótons com a matéria
para fótons muito energéticos, em torno de MeV. Se um fóton estiver próximo ao núcleo atômico, sua
energia pode ser convertida em um par elétron‑pósitron.

O físico britânico Patrick Maynard Stuart Blackett (1897‑1974) fez experimentos de transmutação
dos elementos químicos e foi o primeiro a observar o fenômeno de produção de pares utilizando uma
câmara de nuvens que desenvolveu. Recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1948 por contribuições no
estudo de radiação cósmica.

A conversão da energia do fóton em massa de partícula ocorre de acordo com a equação de Einstein:

E = m.c2

Onde:

E = energia

m = massa

c2 = velocidade da luz ao quadrado

49
Unidade I

O fóton incidente deve ter energia maior que a soma das energias de massa de repouso de um
elétron e de um pósitron, ou seja:

2 × 511 keV = 1,022 MeV

Isso resulta de um comprimento de onda do fóton incidente de 1,2132 picômetros (pm) para que
a produção possa ocorrer. Por essa razão, a produção de pares não ocorre em imagens radiológicas
convencionais usadas na medicina, que têm energia em torno de 150 keV. O fóton precisa estar próximo
ao núcleo para satisfazer a conservação de momento, assim como um par elétron-pósitron produzido
no espaço livre não satisfaz a conservação nem de energia e nem de momento. Assim sendo, durante o
processo de produção de pares, o núcleo atômico sofre um recuo.

O inverso do processo de produção de pares é chamado de processo de aniquilação


elétron‑pósitron. A figura a seguir apresenta um diagrama mostrando o processo de produção do
par elétron‑pósitron.
e+
γ

Z Z e-

Figura 18 – Diagrama mostrando o processo de produção do par elétron‑pósitron

Disponível: https://bityli.com/pf5HL. Acesso em: 3 mar. 2023.

Lembrete

Processos de diagnóstico convencional usam energias em keV, ou seja,


para produzir raios X é necessário apenas keV. Essa energia não é capaz de
provocar a ruptura do núcleo. Não há decaimento radioativo, portanto os
átomos do alvo não sofrem ruptura, e no processo de produção de raios X
não há mutação de elementos.

50
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Resumo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a medicina nuclear


como a especialidade que se ocupa de diagnóstico, tratamento e
investigação médica mediante o uso de radioisótopos como fontes
radioativas abertas. A Sociedade Brasileira de Biologia, Medicina Nuclear
e Imagem Molecular define a medicina nuclear como a especialidade
médica que emprega fontes abertas de radionuclídeos com finalidade
de diagnóstico e terapia.

A medicina nuclear é uma especialidade médica que utiliza de energia


nuclear e raios X de alta energia para diagnóstico e terapia e fontes abertas
que são inseridas no paciente por via oral, injeção ou inalação. Como recurso
diagnóstico é um meio seguro e eficiente, normalmente indolor e não
invasivo. Sua alta sensibilidade para encontrar anormalidades na estrutura
e função de órgãos em estudo faz com que essa técnica se sobressaia sobre
outras no tocante ao diagnóstico por imagem.

Além do diagnóstico, a medicina nuclear permite avaliar recidivas,


remissão ou progressão de alguns cânceres. As várias modalidades de
técnicas permitem o acompanhamento de doenças cardíacas, pulmonares,
renais, hepáticas e cerebrais.

Na terapia, a medicina nuclear é um meio seguro, eficiente e de baixo


custo, tratando tumores benignos ou malignos, muitas vezes um meio
alternativo quando o paciente não pode ser submetido a uma cirurgia.
Normalmente, os radiofármacos utilizados são de meia‑vida curta e
baixa taxa de dose.

A descoberta da radioatividade e consequentemente dos radioisótopos


artificiais impulsionou a medicina nuclear, e o rádio foi o primeiro elemento
utilizado no tratamento de enfermidades.

A desintegração radioativa ou decaimento radioativo é o fenômeno


da transmutação de um átomo em outro por meio da emissão de
radiação eletromagnética e particulada. Muitos átomos são naturalmente
radioativos, ou seja, devido à instabilidade do núcleo atômico, esse átomo
libera energia na tentativa de se tornar estável.

Após a descoberta da radioatividade, cientistas no mundo inteiro


passaram a estudar o fenômeno e muitos elementos artificiais e radioativos
foram criados. Muitos elementos de meia‑vida curta são utilizados na

51
Unidade I

medicina nuclear, como é o caso do 131I. Alguns elementos são produzidos


em reatores nucleares, outros em cíclotrons e o mais usado, o 99mTc, é
produzido num gerador.

Uma questão importante para o uso das radiações ionizantes é de


como medir essa radiação. Existem dificuldades para medi‑la, uma vez que
a radiação não é visível, não tem cheiro e não tem gosto. Elas, também,
ao interagir com instrumentos, podem modificar suas características.
As grandezas radiológicas estão associadas ao campo de radiação.
Atualmente estão divididas em: grandezas dosimétricas, grandezas
operacionais e grandezas limitantes. Órgãos internacionais e nacionais
estudam os efeitos deletérios da radiação ionizante, com a intenção de
intensificar o uso de forma consciente e proteger as pessoas e o ambiente
do uso equivocado.

52
MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Exercícios

Questão 1. Na medicina nuclear, são usados radiofármacos que emitem partículas alfa, partículas
ou radiação gama. A respeito desse assunto, avalie as afirmativas.

I – A radiação gama é uma onda eletromagnética e, portanto, apresenta grande penetrabilidade


nos tecidos.

II – As radiações particuladas dos tipos alfa e beta apresentam baixo poder de penetração, mas são
altamente energéticas.

III – Quando a finalidade é diagnosticar patologias como, por exemplo, o infarto do miocárdio,
utilizam‑se radionuclídeos emissores de radiação particulada, pois ela apresenta baixo poder de ionização.

IV – Quando a finalidade é terapêutica, o efeito deletério da radiação é utilizado para destruir as


células tumorais. Nesse caso, os radiofármacos emitem radiação gama, pois ela apresenta alto poder
de ionização.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I e II.

B) II e III.

C) III e IV.

D) I e III.

E) II e IV.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: a radiação gama é um tipo de radiação eletromagnética produzida a partir do


decaimento radioativo de núcleos atômicos instáveis. Trata‑se de um tipo de radiação que, embora não
seja muito energética, é extremamente penetrante, sendo detida somente por uma parede grossa de
concreto ou por algum tipo de metal.

53
Unidade I

II – Afirmativa correta.

Justificativa: a radiação alfa apresenta carga positiva (é constituída por dois prótons e dois nêutrons)
e é barrada por uma folha de papel alumínio. A radiação alfa possui massa e carga elétrica relativamente
maiores do que as demais radiações, além de ser muito energética.

A radiação beta apresenta carga negativa e é mais penetrante e menos energética do que as partículas
alfa. No entanto, é menos penetrante e mais energética do que a radiação gama. Esse tipo de radiação
consegue atravessar o papel alumínio, mas é facilmente barrado por pedaços de madeira.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: quando a finalidade é diagnosticar patologias, são usados radionuclídeos emissores de


radiação gama, pois esse tipo de radiação apresenta baixo poder de ionização. Alguns exemplos são o
tecnécio‑99m, o iodo‑123, o índio‑111, o gálio‑67 e o tálio‑201.

IV – Afirmativa incorreta.

Justificativa: quando a finalidade é terapêutica, o efeito deletério da radiação é utilizado para


destruir células tumorais. Nesse caso, os radiofármacos são compostos de radionuclídeos emissores de
radiação particulada (alfa ou beta). Esse tipo de radiação é altamente energético, ionizando o meio que
atravessa e causando uma série de efeitos que resultam na morte das células tumorais. Alguns exemplos
são o iodo‑131, o ítrio‑90, o lutécio‑177, o rênio‑188, o estrôncio‑90 e o samário‑153.

Questão 2. (Enade 2006, adaptada) O tecnécio‑99m (Tc‑99m) é um radioisótopo utilizado na


detecção de tumores. De acordo com as normas de biossegurança vigentes, os rejeitos do Tc‑99m
podem ser descartados quando apresentam atividade total máxima de 4 × 106 becqueréis (Bq).
Suponha que uma amostra residual de Tc‑99m possua atividade total inicial de 1,28 × 108 Bq.
O tempo mínimo que esse resíduo deve ser armazenado antes de ser descartado em segurança é de:

A) 30 minutos.

B) 3 horas.

C) 30 horas.

D) 3 dias.

E) 30 dias.

Resposta correta: alternativa C.

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MEDICINA NUCLEAR E RADIOTERAPIA

Análise da questão

Meia‑vida ou período de semidesintegração de um radioisótopo é o tempo necessário para que


metade do número de átomos do isótopo radioativo presentes em uma amostra desintegrem‑se.

O tecnécio‑99m apresenta meia‑vida de 6 horas. Portanto, a cada 6 horas, sua atividade cai
pela metade.

Assim, partindo de uma amostra residual com atividade inicial de 1,28 × 108 Bq, temos o que segue.

• Após 6 horas, a atividade será de 0,64 × 108 Bq.

• Após 12 horas, a atividade será de 0,32 × 108 Bq.

• Após 18 horas, a atividade será de 0,16 × 108 Bq.

• Após 24 horas, a atividade será de 0,08 × 108 Bq.

• Após 30 horas, a atividade será de 0,04 × 108 Bq.

Do enunciado, temos que, para o descarte seguro, a atividade do tecnécio‑99 deve ser igual
a 4 × 106 Bq.

Note que 0,04 × 108 é igual a 4 × 106. Portanto, o tempo necessário para o decaimento a níveis
seguros de radiação é de 30 horas.

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