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Patologia

Autor: Prof: Alexandre C. Queiroz


Colaboradoras: Profa. Roberta Ronca
Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano
Professor conteudista: Alexandre C. Queiroz

Graduado em Odontologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1996. Especialista em Endodontia
pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Mestre em Ciências Biológicas (Área de Microbiologia) pela Universidade de
São Paulo, em 2001. Doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela Universidade Paulista (UNIP), em 2017.

Desde 2005, atua junto à comunidade, compondo o cargo de gestor do Instituto Karis, em que muitas crianças da
região da zona leste da cidade de São Paulo recebem atendimento de promoção da saúde de forma gratuita. Também,
atualmente, é professor titular da Universidade Paulista (UNIP).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Q3p Queiroz, Alexandre C.

Patologia / Alexandre C. Queiroz – São Paulo: Editora Sol, 2019.

140 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-218/19, ISSN 1517-9230.

1. Alterações celulares. 2. Distúrbios circulatórios. 3. Processo


inflamatório. I. Título.

CDU 616

U503.40 – 19

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Jaci Albuquerque de Paula
Vitor Andrade
Sumário
Patologia

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 INTRODUÇÃO À PATOLOGIA........................................................................................................................ 11
1.1 Conceito de patologia......................................................................................................................... 11
1.2 Divisões da patologia........................................................................................................................... 11
1.3 Patologia geral e especial.................................................................................................................. 12
1.4 Elementos da doença.......................................................................................................................... 12
1.4.1 Etiologia ..................................................................................................................................................... 12
1.5 Fisiopatologia.......................................................................................................................................... 13
1.5.1 História da patologia.............................................................................................................................. 13
1.6 Agentes causadores de doenças..................................................................................................... 14
1.6.1 Agentes físicos.......................................................................................................................................... 14
1.6.2 Agentes biológicos.................................................................................................................................. 18
1.6.3 Agentes químicos ................................................................................................................................... 19
1.6.4 Lesões por desequilíbrios nutricionais............................................................................................ 20
2 DISTÚRBIOS DO CRESCIMENTO, PROLIFERAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO CELULAR...................... 20
2.1 Alterações do volume celular........................................................................................................... 20
2.2 Agenesia.................................................................................................................................................... 21
2.3 Distrofia..................................................................................................................................................... 21
2.4 Atrofia........................................................................................................................................................ 22
2.5 Hipotrofia................................................................................................................................................. 23
2.6 Hipertrofia................................................................................................................................................ 24
2.7 Hiperplasia............................................................................................................................................... 25
2.8 Hipoplasia................................................................................................................................................. 26
2.9 Metaplasia ............................................................................................................................................... 26
2.10 Displasia ................................................................................................................................................. 28
3 ALTERAÇÕES CELULARES.............................................................................................................................. 29
3.1 Alterações celulares reversíveis....................................................................................................... 29
3.1.1 Lesão celular ............................................................................................................................................. 29
3.1.2 Lesão por radicais livres........................................................................................................................ 32
3.1.3 Lesão da célula hipóxica....................................................................................................................... 33
3.1.4 Prejuízo na homeostasia do cálcio................................................................................................... 34
3.1.5 Degenerações............................................................................................................................................ 34
3.1.6 Esteatose..................................................................................................................................................... 37
3.1.7 Etiologia e patogênese.......................................................................................................................... 37
3.1.8 Aspectos morfológicos.......................................................................................................................... 40
3.2 Alterações celulares irreversíveis..................................................................................................... 41
3.2.1 Morte celular............................................................................................................................................. 41
3.2.2 Necrose........................................................................................................................................................ 42
3.2.3 Apoptose (morte celular programada)............................................................................................ 46
4 DISTÚRBIOS CIRCULATÓRIOS...................................................................................................................... 49
4.1 Edema........................................................................................................................................................ 49
4.1.1 Mecanismos de edema tecidual........................................................................................................ 50
4.1.2 Etiopatogênese......................................................................................................................................... 51
4.1.3 Edema localizado..................................................................................................................................... 52
4.2 Hiperemia e congestão....................................................................................................................... 54
4.3 Trombose................................................................................................................................................... 56
4.3.1 Lesão endotelial........................................................................................................................................ 57
4.3.2 Alterações do fluxo sanguíneo........................................................................................................... 57
4.3.3 Hipercoagulabilidade.............................................................................................................................. 59
4.3.4 Aspectos morfológicos.......................................................................................................................... 59
4.3.5 Trombose venosa (flebotrombose).................................................................................................... 60
4.3.6 Coagulação intravascular disseminada.......................................................................................... 61
4.3.7 Evolução (consequências) ................................................................................................................... 61
4.4 Embolia ..................................................................................................................................................... 62
4.4.1 Tromboembolia pulmonar ................................................................................................................... 63
4.4.2 Tromboembolia arterial......................................................................................................................... 63
4.4.3 Embolia pulmonar .................................................................................................................................. 64
4.4.4 Embolia gasosa ........................................................................................................................................ 65
4.4.5 Embolia por líquidos ............................................................................................................................. 66
4.5 Hemorragia.............................................................................................................................................. 66
4.5.1 Hemorragia por rexe............................................................................................................................... 67
4.5.2 Hemorragia por diapedese................................................................................................................... 67
4.5.3 Evolução...................................................................................................................................................... 67
4.6 Infarto........................................................................................................................................................ 68
4.6.1 Infarto branco .......................................................................................................................................... 68
4.6.2 Infarto vermelho...................................................................................................................................... 68
4.6.3 Aspectos morfológicos.......................................................................................................................... 69
4.7 Choque circulatório.............................................................................................................................. 69
4.7.1 Classificação dos choques circulatórios......................................................................................... 70
4.7.2 Fisiopatologia do choque circulatório............................................................................................. 74
4.7.3 Mecanismos compensatórios............................................................................................................. 75

Unidade II
5 REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE.......................................................................................................... 79
5.1 Transtornos de hipersensibilidade imediata, tipo I.................................................................. 79
5.1.1 Reações anafiláticas (sistêmicas)...................................................................................................... 81
5.2 Transtornos mediados por anticorpos, tipo II............................................................................ 83
5.2.1 Destruição celular mediada por complemento e anticorpos................................................ 83
5.2.2 Inflamação mediada por complemento e anticorpos.............................................................. 85
5.2.3 Disfunção celular mediada por anticorpos................................................................................... 85
5.3 Transtornos mediados por imunocomplexos, tipo III............................................................. 85
5.3.1 Transtornos por imunocomplexos sistêmicos.............................................................................. 86
5.3.2 Reações localizadas de imunocomplexos...................................................................................... 87
5.4 Transtornos de hipersensibilidade celular, tipo IV.................................................................... 87
5.4.1 Citotoxicidade celular direta............................................................................................................... 87
5.5 Transtornos de hipersensibilidade do tipo tardio..................................................................... 88
6 PROCESSO INFLAMATÓRIO E REPARAÇÃO TECIDUAL....................................................................... 89
6.1 Inflamação............................................................................................................................................... 89
6.1.1 Inflamação aguda.................................................................................................................................... 91
6.1.2 Processo inflamatório (células da inflamação)............................................................................ 97
6.1.3 Inflamação crônica...............................................................................................................................100
6.1.4 Inflamação crônica inespecífica......................................................................................................100
6.1.5 Inflamação granulomatosa ..............................................................................................................100
6.2 Mecanismo de reparação tecidual...............................................................................................101
6.2.1 Regeneração dos tecidos ...................................................................................................................101
6.2.2 Fases da cicatrização............................................................................................................................103
6.2.3 Fatores que afetam a cura de feridas ...........................................................................................107
6.2.4 Manipulações e procedimentos para facilitar a cicatrização..............................................109
7 PIGMENTAÇÃO PATOLÓGICA.....................................................................................................................109
7.1 Pigmentações endógenas................................................................................................................109
7.1.1 Pigmentos de hemoglobina...............................................................................................................109
7.1.2 Hemossiderina biliar............................................................................................................................. 110
7.2 Melanina.................................................................................................................................................110
7.2.1 Hiperpigmentação e hipopigmentação melânicas...................................................................111
7.3 Pigmentos exógenos e endógenos...............................................................................................111
8 NEOPLASIA........................................................................................................................................................112
8.1 Proliferação celular ...........................................................................................................................112
8.2 Diferenciação celular ........................................................................................................................113
8.3 Nomenclatura.......................................................................................................................................115
8.3.1 Neoplasias benignas ............................................................................................................................116
8.3.2 Neoplasias malignas ............................................................................................................................118
8.4 Invasão e metástase ..........................................................................................................................120
8.4.1 Vias de disseminação ......................................................................................................................... 120
8.5 Genética molecular do câncer.......................................................................................................122
8.5.1 Oncogenes, proto‑oncogenes e câncer ...................................................................................... 123
8.6 Genes supressores de tumor .........................................................................................................123
8.7 Graduação e estadiamento de cânceres ...................................................................................123
8.7.1 Graduação .............................................................................................................................................. 123
8.7.2 Estadiamento ........................................................................................................................................ 124
APRESENTAÇÃO

Neste livro nosso objetivo é o estudo da patologia geral, que trata das reações de células e tecidos
aos eventos nocivos, que, na maioria das vezes, não são específicos para um determinado tecido.

Enfatizamos neste estudo os aspectos comuns a diferentes doenças, no que se refere às suas causas,
mecanismos patogênicos, lesões estruturais (microscópicas e macroscópicas) e alterações da função.

Iniciamos abordando a introdução à patologia, distúrbios do crescimento, proliferação e


diferenciação celular. Estudaremos também as alterações celulares reversíveis e irreversíveis, além dos
distúrbios hemodinâmicos.

Em seguida serão expostas as reações de hipersensibilidade, o processo inflamatório, o mecanismo


de reparação tecidual; além das pigmentações patológicas e das neoplasias.

INTRODUÇÃO

Este livro destina‑se a servir como instrumento da aprendizagem para os estudantes de fisioterapia
no estudo da patologia geral, de forma atrativa e didática.

O material exposto tem por objetivo apresentar de forma clara e concisa os conceitos mais relevantes
da patologia geral. Com este aprendizado, o estudante deverá estar apto a reconhecer os desvios do
estado de saúde, reconhecer e interpretar a evolução das doenças e elaborar um plano preventivo, além
de um procedimento terapêutico.

9
PATOLOGIA

Unidade I
1 INTRODUÇÃO À PATOLOGIA

1.1 Conceito de patologia

Patologia significa estudo das doenças (do grego pathos = doença, sofrimento; e logos = estudo).
Essa ciência estuda as causas das doenças, os mecanismos que as produzem, os locais onde ocorrem
e as alterações moleculares, morfológicas e funcionais que apresentam. Também fornece bases para
compreender fatores essenciais das doenças, como manifestações clínicas, diagnóstico, prevenção,
tratamento, evolução e prognóstico.

A patologia não compreende todos os aspectos das doenças. A medicina aborda os elementos das
doenças e sua relação com os doentes. O seu objetivo é estudar o diagnóstico clínico, a prevenção e a
terapêutica da doença.

O Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, no documento Healthy People 2020
(CENTERS FOR DISEASE…, 2019), descreve as condições de saúde como:

• Alcançar uma vida livre de doença, incapacidade, lesões e morte prematura passíveis de prevenção.

• Alcançar a equidade em saúde e eliminar as disparidades.

• Promover a boa saúde para todos.

• Promover comportamentos saudáveis por toda a vida.

1.2 Divisões da patologia

As doenças têm causas que atuam por mecanismos variados, os quais produzem alterações moleculares
e/ou morfológicas nos tecidos, resultando em alterações funcionais no organismo ou em parte dele e
produzindo manifestações subjetivas (sintomas) ou objetivas (sinais). A patologia cuida dos aspectos
de etiologia (estudo das causas), patogênese (estudo dos mecanismos), anatomia patológica (estudo
das alterações morfológicas dos tecidos que, em conjunto, recebem o nome de lesões) e fisiopatologia
(estudo das alterações funcionais de órgãos e sistemas afetados). O estudo dos sinais e sintomas das
doenças é objeto da semiologia, cuja finalidade é, junto a exames complementares, fazer o diagnóstico
(propedêutica), a partir do qual se estabelecem o prognóstico, o tratamento e a prevenção.

11
Unidade I

1.3 Patologia geral e especial

A patologia pode ser dividida em dois grupos: geral e especial. A primeira estuda os aspectos comuns
às várias doenças em relação às suas causas, patogênese, lesões estruturais e alterações funcionais.
A segunda, também conhecida como sistêmica, estuda as doenças de determinado órgão ou sistema
(por exemplo, sistema respiratório, cavidade oral), ou estuda as doenças agrupadas por suas causas
(doenças infecciosas, doenças causadas por radiações etc.).

1.4 Elementos da doença

1.4.1 Etiologia

Estuda as causas de uma doença. Os agentes responsáveis são conhecidos como fatores ou agentes
etiológicos. Entre eles estão os biológicos (por exemplo, bactérias e vírus), as forças físicas (por exemplo,
traumatismo, queimaduras, radiação), os agentes químicos (por exemplo, pesticidas e nicotina), herança
genética e excessos ou déficits nutricionais.

A maioria dos agentes etiológicos são inespecíficos, e muitos agentes diferentes podem causar
uma doença em um mesmo órgão. Por outro lado, um único agente ou trauma pode desenvolver uma
doença em diferentes órgãos ou sistemas. Por exemplo, na fibrose cística, um único aminoácido produz
uma doença generalizada. Embora um agente patológico possa afetar mais de um órgão isoladamente
e diferentes agentes patológicos possam afetar o mesmo órgão, a maioria das doenças não tem uma
única causa. Muitas têm origem multifatorial, ou seja, várias causas. Podemos citar o câncer e as doenças
cardíacas. Os diversos fatores que predispõem a uma doença são chamados de fatores de risco.

Uma das formas de classificar os fatores que causam a doença é agrupá‑los em categorias, conforme
ocorram no momento do nascimento ou sejam adquiridos no decorrer da vida.

Observação

Em 1948, o preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde


(OMS) definiu saúde como um estado de completo bem‑estar físico, mental
e social, e não exclusivamente como a ausência de doenças e enfermidades.

1.4.1.1 Patogênese

Patogênese é a sequência de eventos que ocorrem nas células e tecidos a partir do contato inicial com um
agente etiológico até a última expressão de uma doença. Estuda o mecanismo do desenvolvimento das doenças.

1.4.1.2 Anatomia patológica

A morfologia está relacionada com a estrutura ou forma fundamental de células e tecidos.


Alterações morfológicas são modificações anatômicas macroscópicas ou microscópicas características
de determinada doença. O conjunto de alterações recebem o nome de lesão.

12
PATOLOGIA

1.5 Fisiopatologia

Estuda os distúrbios funcionais e significado clínico. A natureza das alterações morfológicas e sua
distribuição nos diferentes tecidos influenciam o funcionamento normal e determinam as características
clínicas, o curso e também o prognóstico da doença.

O estudo dos sinais e sintomas das doenças é objeto da propedêutica, ou semiologia, que tem por
finalidade fazer seu diagnóstico, a partir do qual se estabelecem o prognóstico, a terapêutica e a profilaxia.

Observação

Doença é uma enfermidade aguda ou crônica que a pessoa adquire ou


nasce com ela e que provoca disfunção fisiológica em um ou mais sistemas
orgânicos. Cada doença apresenta sinais e sintomas que caracterizam sua
patogênese e etiologia identificável. O processo patológico inclui etiologia,
patogênese, alterações morfológicas, manifestações clínicas, diagnóstico e
curso clínico.

1.5.1 História da patologia

Dentre tantos pesquisadores que contribuíram para o crescimento da patologia destaca‑se o


alemão Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821‑1902). As suas contribuições científicas serviram de
base para a integração dos métodos experimentais mais avançados da sua época. Virchow colocou
a patologia no centro da prática da medicina, o que lhe valeu o reconhecimento como fundador da
patologia científica moderna. Em 1858, publicou a sua obra principal, A Patologia Celular, baseada
em histologia, fisiologia e patologia. Nela apresentou a teoria celular, em clara oposição às teorias
anteriores à sua, que defendiam que o nível básico de manifestação das doenças era o dos tecidos.

Segundo Virchow, as doenças são causadas pela alteração das células do corpo, que constituem
as unidades vitais das funções biológicas e da morfologia. No seu conceito de patologia, integrou
descobertas e métodos da histologia e da fisiologia, para isso o uso do microscópio foi primordial.

A partir dos seus achados, a atividade dos patologistas adquiriu grande relevância no campo
da medicina, colocando em destaque o valor dos resultados das análises histológicas e citológicas
para o diagnóstico das doenças e o desenvolvimento da atividade clínica.

Virchow ainda contribuiu na identificação das células cancerosas da leucemia e no estudo


sobre circulação e coagulação sanguínea; cunhou o termo trombose e descreveu o fenômeno
da embolia.

Rudolf Virchow é considerado o pai da patologia moderna e da medicina social. Em 1856, assumiu
a cadeira de anatomia patológica na Universidade de Berlim. Durante a Guerra Franco‑Prussiana,
liderou o primeiro hospital móvel para atender os soldados no front. Preocupado com os aspetos
13
Unidade I

sociais da medicina e da higiene, participou na fundação de vários hospitais e defendeu a


necessidade de sistemas de esgotos para a eliminação das águas residuais das grandes cidades.

Em 1847, com seu colega Benno Reinhardt, criou sua própria revista médica, hoje conhecida
como Virchow’s Archiv. A revista aceitava apenas trabalhos originais, era diferente da maioria das
outras revistas científicas, focadas num público especializado. Sua revista era para todos, incluindo
leigos, pois acreditava que “’não adianta mostrar os avanços científicos apenas na forma de teses.
É preciso tornar o conhecimento acessível. A ciência avança a passos rápidos, e a imprensa precisa
se adequar a isso’. Nada mais atual, ouso afirmar” (GUARISCHI, 2019).

Tendo em vista uma vida dedicada à ciência, sem nunca negligenciar as causas sociais, podemos
afirmar que Virchow foi um homem comprometido com o seu tempo.

1.6 Agentes causadores de doenças

1.6.1 Agentes físicos

Dependendo da intensidade e duração de sua ação, qualquer agente físico pode causar lesão.
Entre os agentes físicos, estão a força mecânica, as variações da pressão atmosférica, as variações de
temperatura, a eletricidade, a radiação e as ondas sonoras (ruídos).

1.6.1.1 Força mecânica

A ação da força mecânica sobre o organismo produz vários tipos de lesões, denominadas lesões
traumáticas (ou impropriamente chamadas de trauma mecânico, já que esse é o agente causal, e não a
consequência). Estas são as feridas, cujas características seguem:

• Arrancamento de células da epiderme.

• Laceração, separação de tecidos, por excessiva força de estiramento (laceração de tendões ou vísceras).

• Contusão, na qual o impacto é transmitido através da pele aos tecidos subjacentes, levando à
ruptura de pequenos vasos, com hemorragia e edema.

• Incisão ou corte, lesão produzida por ação de instrumentos cortantes.

• Perfuração, produzida por instrumentos pontiagudos sobre os tecidos, sendo ferida mais profunda
do que extensa.

• Fratura, caracterizada por ruptura ou solução de continuidade de tecidos duros, como


ósseo e cartilaginoso.

14
PATOLOGIA

1.6.1.2 Variações de pressão atmosférica

O organismo humano suporta melhor o aumento da pressão atmosférica que a sua diminuição. Veja
a seguir.

Síndrome de descompressão

A doença por descompressão ou barotrauma é causada por uma diminuição rápida da pressão do
meio circundante, ocorrendo algumas vezes em mergulhadores. Essa condição desenvolve‑se devido à
formação de bolhas de nitrogênio na corrente sanguínea e nos tecidos do corpo, normalmente quando
o mergulhador se desloca de águas profundas para a superfície num curto espaço de tempo.

Os sintomas da descompressão variam de acordo com a localização de formação das bolhas no corpo,
sendo frequentes dores de cabeça ou vertigens, cansaço ou fadiga, erupções cutâneas, dor nas articulações,
fraqueza muscular ou paralisia. Cerca de 50% dos mergulhadores com problemas de descompressão
desenvolvem sintomas na primeira hora após o mergulho ou dentro das primeiras 24 horas. Em casos mais
graves, podem desenvolver dificuldades respiratórias, choque ou perda de consciência.

Efeitos de grandes altitudes

A doença da altitude ocorre em indivíduos não adaptados que se deslocam para grandes altitudes.
Até uma altura de 2.500 m, geralmente, não ocorrem manifestações; entre 3.000 m e 4.000 m, as alterações
são frequentes, mas pouco importantes; e acima de 4.000 m, podem aparecer alterações graves.

À medida que a altitude aumenta, a pressão atmosférica diminui e menos moléculas de oxigênio
encontram‑se disponíveis no ar rarefeito. A diminuição do oxigênio disponível afeta o corpo de várias
maneiras: a frequência e a profundidade da respiração aumentam, alterando o equilíbrio de gases nos
pulmões e no sangue, aumentando a alcalinidade do sangue e alterando a distribuição de sais, como o
sódio e o potássio nas células. Como consequência, a água é distribuída de modo diferente entre o sangue
e os tecidos. Nas altitudes elevadas, o sangue contém menos oxigênio, produzindo coloração azulada
em pele, lábios e unhas. Ao longo de alguns dias, o organismo produz mais hemácias, transportando
então mais oxigênio aos tecidos.

Muitas pessoas que vivem ao nível do mar, quando ascendem a uma altitude moderada (2.400 m),
em um ou dois dias apresentam falta de ar, aumento da frequência cardíaca e cansaço fácil. A maioria
melhora em poucos dias.

1.6.1.3 Variações de temperatura

O organismo submetido a baixas temperaturas tenta se adaptar produzindo maior quantidade de


calor. A adaptação é temporária, e, se não há proteção adequada, a temperatura corporal começa a
abaixar, instalando‑se a hipotermia (considera‑se hipotermia a temperatura corporal abaixo de 35 °C).
Quando a temperatura cai, ocorre vasoconstrição periférica, palidez acentuada e redução progressiva
da atividade metabólica de todos os órgãos, especialmente do encéfalo e medula espinhal. A causa de
15
Unidade I

morte no resfriamento é, geralmente, falência cardiorrespiratória por inibição dos centros bulbares de
controle da respiração e da circulação.

A ação local do calor produz as queimaduras. O calor causa lesão por:

• liberação de histamina pelos mastócitos, que produz vasodilatação e edema;

• liberação de substância P das terminações nervosas aferentes;

• ativação das calicreínas plasmática e tecidual, com liberação de bradicinina, que aumenta a
vasodilatação e o edema; e

• lesão direta da parede vascular, que pode aumentar o edema, produzir hemorragia e levar à
trombose de pequenos vasos, resultando em isquemia e necrose.

Se o indivíduo é submetido a temperaturas elevadas (excesso de sol, proximidade de caldeiras), pode


haver elevação progressiva da temperatura corporal, a hipertermia. Quando a temperatura corporal
atinge ou ultrapassa 40 °C, ocorre vasodilatação periférica, abertura dos capilares e sequestro de grande
quantidade de sangue na periferia, iniciando quadro de insuficiência circulatória periférica (choque
térmico clássico).

1.6.1.4 Radiações ionizantes

As lesões causadas por radiações ionizantes em humanos decorrem de inalação ou ingestão de


poeira ou alimentos que contenham partículas radioativas, o que ocorre em:

• trabalhadores de minas onde são abundantes os minerais radioativos, como o rádio;

• exposição a radiações com fins terapêuticos ou diagnósticos;

• contato acidental com radiações emanadas de artefatos nucleares, como reatores, aparelhos de
radioterapia ou de radiodiagnóstico; e

• bombas nucleares.

A radiação ionizante de uma forma dose‑dependente pode causar mutação nas células e matá‑las,
por múltiplas vias, incluindo morte celular por apoptose, necrose ou redistribuição de células para outros
compartimentos. A radiação ionizante interage com alvos intracelulares produzindo radicais livres e
causando uma ruptura no DNA.

O dano tecidual é dependente da radiossensibilidade dos diferentes tecidos, com o efeito


particularmente alto em espermatócitos nos testículos, linfócitos circulantes, células hematopoiéticas
na medula óssea e células da cripta nos intestinos. O dano nas células é em grande parte dependente
das doses de radiação.
16
PATOLOGIA

A ruptura do DNA geralmente é reparada por uma variedade de mecanismos. Esse reparo pode levar
a pequenas mutações, enquanto falhas de cadeia dupla podem levar a translocações cromossômicas,
inversões e fusões de telômeros. Embora as translocações cromossômicas, inversões e mutações pontuais
sejam tipicamente lesões não letais, tais aberrações cromossômicas induzidas por radiação podem ser as
lesões iniciais que podem ter efeito atrasado de carcinogênese.

1.6.1.5 Efeitos da luz solar

A luz solar contém amplo espectro de radiações. A radiação infravermelha produz calor, sendo
responsável em parte por queimaduras solares. As radiações ultravioletas são potencialmente mais lesivas.

Os raios UVC são absorvidos na camada de ozônio e não chegam à superfície da Terra (a proteção
da camada de ozônio tem, pois, grande importância para as pessoas). Os raios UVA e UVB são os
responsáveis pelas lesões provocadas pela luz solar, que podem ser agudas ou crônicas. Insolação e
queimaduras são lesões agudas, caracterizadas por eritema, edema e formação de bolhas; em seguida,
surgem descamação e hiperpigmentação. Os efeitos crônicos são mais relevantes. Os raios UVB têm ação
melanogênica, induzem pigmentação, são responsáveis principais por fenômenos de fotossensibilização,
aceleram o envelhecimento e provocam lesões proliferativas, incluindo neoplasias.

Reações de fotossensibilização são induzidas por substâncias que se depositam na pele e, por
absorverem raios UV, podem ser ativadas, originar radicais livres e ter efeitos tóxicos sobre células
epidérmicas; podem surgir erupções, com coceira, área de vermelhidão e inflamação nas manchas de
pele expostas ao sol. A luz pode provocar reações do sistema imunológico; determinadas doenças, como
lúpus eritematoso sistêmico, podem provocar reações cutâneas mais sérias se houver exposição à luz solar.

Os raios UVA causam degenerações dos ceratinócitos e alterações no seu DNA, o que pode provocar
lesões proliferativas benignas ou malignas (carcinoma basocelular e melanomas).

Saiba mais

Você pode saber mais sobre câncer de pele no site do Inca.

INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER (INCA). Tipos de câncer. Câncer de pele


não melanoma. Brasília: Ministério da Saúde, 2018. Disponível em: <https://
www.inca.gov.br/tipos‑de‑cancer/cancer‑de‑pele‑nao‑melanoma>.
Acesso em: 5 jul. 2019.

1.6.1.6 Som (ruído)

Observações epidemiológicas indicam que uma pessoa submetida a ruídos intensos (no ambiente
de trabalho, em casa, nas ruas) apresenta distúrbios de audição caracterizados por perda progressiva da
capacidade de distinguir sons de frequência mais alta. Admite‑se que ruídos muito altos induzam lesões
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Unidade I

nas células ciliadas do órgão de Corti, as quais são responsáveis pela acuidade auditiva. É notório que
indivíduos idosos da zona rural tenham audição mais conservada do que os de grandes centros urbanos,
onde o nível de ruídos é maior.

O ultrassom, gerado pela transformação de energia elétrica em ondas sonoras com frequência
acima de 20.000 Hz, é muito utilizado no diagnóstico por imagens (ultrassonografia). Até o momento
não há relatos de efeitos deletérios decorrentes da ultrassonografia, inclusive na vida embrionária.
A ultrassonografia é utilizada também no tratamento fisioterápico de dores musculares e como método
acelerador de cicatrização.

1.6.2 Agentes biológicos

Agentes biológicos incluem vírus, bactérias, fungos, protozoários e helmintos. Todos eles podem
invadir o organismo e produzir doenças, conhecidas em conjunto como doenças infecciosas.
Também existem artrópodes que podem invadir a superfície do corpo e provocar lesões. Nessa seção,
serão discutidos apenas os aspectos gerais de como um agente biológico produz lesão tecidual,
abordando‑se os elementos comuns de agressão para cada grande grupo de agentes infecciosos.

Um agente biológico pode produzir lesão por meio dos seguintes mecanismos:

• Ação direta, por invasão de células, nas quais se multiplicam e pode causar morte. É o efeito
citopático, que pode ocorrer por infecção com muitos microrganismos, especialmente vírus e
alguns tipos de riquétsias, bactérias e protozoários.

• Substâncias tóxicas (toxinas) liberadas pelo agente infeccioso: são as exotoxinas de bactérias, de
micoplasmas e de alguns protozoários.

• Componentes estruturais ou substâncias armazenadas no interior do agente biológico e liberados


após sua morte e desintegração: são as toxinas endógenas, ou endotoxinas.

• Ativação de componentes do sistema proteolítico de contato (por exemplo, sistema do


complemento), iniciando uma reação inflamatória no local da invasão – inflamação é a lesão
mais frequente em doenças infecciosas.

• Indução de resposta imunitária aos diferentes antígenos do agente infeccioso (antígenos de


superfície, de estrutura ou de excreção) – a resposta imunitária humoral ou celular, indiscutivelmente
importante na defesa contra invasores, é um dos mecanismos básicos na patogênese de lesões
produzidas por agentes infecciosos.

• Antígenos do invasor, que podem aderir à superfície celular ou de outras estruturas teciduais,
tornando‑se alvo da ação de anticorpos e da imunidade celular dirigida aos epítopos desses antígenos.

• Antígenos do microrganismo, que podem ter epítopos semelhantes a moléculas dos tecidos; a
resposta imunitária contra esses epítopos faz‑se também contra componentes similares existentes
nos tecidos (autoagressão).
18
PATOLOGIA

• Integração ao genoma celular (por exemplo, vírus) e alterações na síntese proteica, o que pode
levar a neoplasias. Todos esses mecanismos agem com maior ou menor intensidade de acordo
com a constituição genética do organismo. Importante também são as condições do organismo
no momento da invasão pelo microrganismo (estado nutricional, lesões preexistentes etc.).

1.6.2.1 Lesões por agentes biológicos

Os agentes biológicos diferem dos outros agentes prejudiciais porque são capazes de se replicar e
podem continuar a produzir seus efeitos prejudiciais. Variam dos vírus submicroscópicos aos parasitas
maiores e danificam as células por diversos mecanismos. Os vírus entram nas células e incorporam‑se
ao seu DNA. Algumas bactérias elaboram exotoxinas, que interferem na produção celular de ATP.
Outras bactérias, tais como os bacilos gram‑negativos, liberam endotoxinas, que causam dano celular e
aumentam a permeabilidade capilar.

1.6.3 Agentes químicos

Quer sejam substâncias tóxicas, quer sejam medicamentos, podem provocar lesões por dois mecanismos:

• Ação direta sobre células ou interstício, mediante transformações moleculares que resultam em
degeneração ou morte celular, alterações do interstício ou modificações no genoma, induzindo
transformação maligna (efeito carcinogênico). Quando atuam na vida intrauterina, podem induzir
a erros do desenvolvimento (efeito teratogênico).

• Ação indireta, atuando como antígeno (o que é muito raro), induzindo resposta imunitária
humoral ou celular responsável pelo aparecimento de lesões. Quer seja um medicamento, quer
seja uma substância tóxica, o efeito do agente químico depende de vários fatores: dose, vias
de penetração e absorção, transporte, armazenamento, metabolização e excreção; depende
também de particularidades do indivíduo: idade, gênero, estado de saúde, momento fisiológico e
constituição genética.

As substâncias químicas capazes de danificar as células estão no ar em toda parte no ambiente.


A poluição do ar e da água contém substâncias capazes de lesar os tecidos, como o tabaco e alguns
alimentos. Algumas das substâncias mais prejudiciais existem em nosso ambiente, como gases tais como
o monóxido de carbono, inseticidas e metais pesados como o chumbo.

Muitas drogas, como o álcool, medicamentos e seus excessos e drogas ilícitas são capazes de
danificar os tecidos, direta ou indiretamente. O álcool etílico danifica a mucosa gástrica, o fígado, o
feto em desenvolvimento e outros órgãos. As drogas antineoplásicas (anticâncer) e imunossupressoras
podem danificar diretamente as células. Outras drogas produzem produtos finais metabólicos tóxicos
às células. O acetaminofeno, droga analgésica bastante usada, é detoxificado no fígado, onde
pequenas quantidades da droga são convertidas em metabólitos altamente tóxicos. Esse metabólito é
detoxificado por uma via metabólica que usa uma substância (por exemplo, glutationa) normalmente
presente no fígado. Quando grandes quantidades da droga são ingeridas, essa via é superada e os
metabólitos tóxicos acumulam‑se, causando intensa necrose hepática.
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Unidade I

1.6.4 Lesões por desequilíbrios nutricionais

Os excessos e as deficiências nutricionais predispõem as células a lesões. Considera‑se que a


obesidade e as dietas ricas em gorduras saturadas predispõem as pessoas a aterosclerose. O corpo
precisa de mais de sessenta substâncias orgânicas e inorgânicas em quantidades que variam de
microgramas a gramas. Esses nutrientes consistem em minerais, vitaminas, alguns ácidos graxos e
aminoácidos específicos. As deficiências dietéticas podem ocorrer sob a forma de inanição, na qual
há deficiência de todos os nutrientes e vitaminas, ou por deficiência seletiva de um único nutriente
ou vitamina. A anemia por deficiência de ferro, o escorbuto, o beribéri e a pelagra são exemplos de
lesões causadas pela falta de vitaminas específicas ou minerais.

2 DISTÚRBIOS DO CRESCIMENTO, PROLIFERAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO CELULAR

Crescimento e diferenciação celulares são processos essenciais para os seres vivos. O crescimento
celular, ou seja, a multiplicação celular, é responsável pela formação de todas as células que compõem
os indivíduos. Ele é importante durante o desenvolvimento normal dos organismos e necessário para
renovação das células que morrem após seu período de vida ou por processos patológicos. A diferenciação
refere‑se à especialização morfológica e funcional das células que permite o desenvolvimento
do organismo como um todo. Como esses dois processos – crescimento e diferenciação – recebem
influência de grande número de agentes internos e externos às células, é comum ocorrerem alterações
nos mecanismos que os controlam.

2.1 Alterações do volume celular

Quando uma célula sofre estímulo acima do normal, aumentando a síntese de seus constituintes
básicos e seu volume, tem‑se a hipertrofia (do grego hyper = excesso, além; e trophos = nutrição,
metabolismo). O aumento do volume é acompanhado do aumento das funções celulares. Ao contrário,
se sofre agressão que resulta em diminuição da nutrição, do metabolismo e da síntese necessária para
a renovação de suas estruturas, a célula fica com volume menor, fenômeno que recebe o nome de
hipotrofia (hypo = pouco, sob, do grego).

Alterações da taxa de divisão celular

Aumento da taxa de divisão celular acompanhado de diferenciação normal recebe o nome de


hiperplasia (plasis = formação, do grego). Ao contrário, a diminuição da taxa de proliferação celular é
chamada hipoplasia.

Alterações da diferenciação celular

Quando as células de um tecido modificam seu estado de diferenciação normal, tem‑se a metaplasia
(meta = variação, mudança, do grego).

Alterações de crescimento e diferenciação celulares

Se há proliferação celular e redução ou perda de diferenciação, fala‑se em displasia (dys = imperfeito,
irregular, do grego). A proliferação celular autônoma, em geral acompanhada de perda ou redução da
diferenciação, é chamada neoplasia (neo = novo, do grego).
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PATOLOGIA

2.2 Agenesia

A palavra agenesia (genesis = formação, do grego) significa uma anomalia congênita na qual um órgão
ou uma parte dele não se forma (por exemplo, agenesia renal, agenesia do septo interatrial do coração).

Observação

A agenesia renal pode ser bilateral, sendo incompatível com a vida, ou


unilateral, em que o rim oposto é geralmente aumentado como resultado
de uma hipertrofia compensatória.

2.3 Distrofia

O termo distrofia é usado para nomear várias doenças degenerativas sistêmicas, genéticas ou não,
como as distrofias musculares.

Observação

A distrofia muscular de Duchenne é um distúrbio recessivo ligado ao


cromossomo X. Apresenta incidência de cerca de 1 por 5.200 meninos
nascidos vivos. A doença está presente ao nascimento, mas em geral
se manifesta entre três e cinco anos de idade. Os meninos caem com
frequência e apresentam dificuldade nos atos de correr, saltar e pular.
Aos cinco anos de idade, a fraqueza muscular é óbvia em exames musculares.
Ao levantar‑se do chão, o paciente utiliza as mãos para escalar a si próprio,
a chamada manobra de Gowers.

Normal

Hipotrofia
Hipertrofia

Figura 1 – Representação esquemática de hipo e hipertrofia

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Unidade I

Normal

Hipoplasia Hiperplasia

Figura 2 – Representação esquemática de hipo e hiperplasia

2.4 Atrofia

Diante de uma diminuição na demanda de trabalho ou de condições ambientais adversas, a maioria


das células é capaz de reverter a um tamanho menor e a um nível mais baixo e mais eficiente de
funcionamento compatível com a sobrevida. Essa diminuição do tamanho celular é chamada de atrofia.
As células atrofiadas reduzem seu consumo de oxigênio e outras funções celulares, diminuindo o número
e o tamanho das suas organelas e outras estruturas. Existem menos mitocôndrias, miofilamentos e
estruturas do retículo endoplasmático. Quando está envolvido um número suficiente de células, todo o
tecido ou músculo atrofia. O tamanho da célula, particularmente no tecido muscular, está relacionado à
carga de trabalho. Conforme esta é reduzida, diminuem o consumo de oxigênio e a síntese de proteína.
A atrofia por desenervação é um tipo de atrofia por desuso nos músculos de membros paralisados.

O envelhecimento pode estar associado à perda de massa muscular, à atrofia “senil” do cérebro e às
doenças neurodegenerativas.

A) B)

Figura 3 – Atrofia por denervação do músculo esquelético: (A) a denervação do músculo esquelético
leva a uma forma característica de atrofia. As fibras musculares perdem massa, e o sistema contrátil
é desorganizado até sobrar pouco além de núcleos residuais. As fibras atróficas formam ângulos no
corte transversal. Por fim, ocorre a necrose celular, e as fibras musculares são substituídas por tecido
conectivo. (B) Fibras musculares esqueléticas normais

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PATOLOGIA

2.5 Hipotrofia

Consiste na redução quantitativa dos componentes estruturais e das funções celulares, resultando
em diminuição do volume das células e dos órgãos atingidos; muitas vezes, há também diminuição do
número de células. A redução do volume se dá por diminuição do anabolismo e das estruturas celulares
(mitocôndrias, retículo endoplasmático etc.); a redução do número ocorre por apoptose. Provavelmente
o aumento da degradação das proteínas celulares é o principal mecanismo de hipotrofia. A hipotrofia
pode ser fisiológica ou patológica. A primeira ocorre na senilidade, quando todos os órgãos e sistemas
do organismo reduzem suas atividades metabólicas e o ritmo de proliferação celular diminui. Como
afeta todo o indivíduo, não há prejuízo funcional porque fica mantido um novo estado de equilíbrio.
A hipotrofia patológica resulta de vários fatores:

• Inanição. Deficiência nutricional, por qualquer causa.

• Desuso. Ocorre em órgãos ou tecidos que ficam sem uso por algum tempo. Músculos esqueléticos
quando imobilizados por aparelhos ortopédicos; é um processo reversível, após reinício do
exercício, a musculatura volta à sua conformação.

• Compressão. Decorre da pressão exercida por uma lesão expansiva, como, por exemplo, no caso
de tumores.

• Obstrução vascular. Diminuição da oferta de O2 e nutrientes causa hipotrofia do órgão correspondente.


Muitas doenças obstrutivas das artérias renais, por exemplo, causam hipotrofia do rim.

• Substâncias tóxicas. Bloqueiam sistemas enzimáticos e a produção de energia pelas células.


Um exemplo é a hipotrofia dos músculos do antebraço na intoxicação pelo chumbo.

• Hormônios. A redução de alguns hormônios leva à hipotrofia de células e órgãos‑alvo. Deficiência


dos hormônios somatotróficos ou tireoidianos causa hipotrofia generalizada.

• Inervação. Perda da estimulação nervosa causa hipotrofia muscular. O exemplo mais conhecido é
o da hipotrofia dos músculos dos membros inferiores na poliomielite.

A) B)

Figura 4 – Atrofia cerebral em doença neurodegenerativa: Alzheimer (DA) avançada

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Unidade I

2.6 Hipertrofia

É o aumento dos constituintes estruturais e das funções celulares, que resulta no aumento do volume
das células e dos órgãos afetados. Para que ocorra hipertrofia, o fornecimento de O2 e de nutrientes deve
ser suficiente para suprir o aumento de demanda das células. Além disso, as células necessitam de suas
organelas e sistemas enzimáticos íntegros.

Órgãos ou tecidos cuja atividade depende de estimulação nervosa só podem hipertrofiar se a inervação
estiver intacta. A hipertrofia pode ser fisiológica ou patológica. A primeira ocorre na musculatura uterina
durante a gestação. A segunda aparece em consequência de estímulos variados. As mais frequentes são:

• Hipertrofia do miocárdio. Quando ocorre sobrecarga cardíaca por dificuldade do fluxo sanguíneo
(resistência vascular periférica aumentada).

• Hipertrofia da musculatura esquelética. Como exemplo, a hipertrofia em halterofilistas.

• Hipertrofia da musculatura lisa da parede de órgãos ocos, na região montante de um obstáculo.


É o que acontece com a musculatura da bexiga quando há obstrução urinária (por exemplo,
hiperplasia da próstata).

• Hipertrofia de neurônios motores. No hemisfério cerebral não lesado em caso de hemiplegia.

• Hipertrofia de hepatócitos. Após estimulação por barbitúricos, há hipertrofia dos hepatócitos por
aumento do retículo endoplasmático liso. Com isso, a arquitetura básica do órgão se mantém
inalterada, mas aumenta o fluxo de sangue e de linfa. No órgão hipertrofiado, o aumento de volume
é devido ao aumento das células, no entanto, pode haver também o aumento do número delas.

Figura 5 – Hipertrofia miocárdica; corte transversal do coração com hipertrofia ventricular esquerda

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PATOLOGIA

A) B)

Figura 6 – (A) Miócitos cardíacos normais e (B) miócitos cardíacos hipertróficos: embora não se dividam, eles compensam
a carga de trabalho adicional aumentando de tamanho; as células sofrem endomitose (com aumento em ploidia,
sem divisão), resultando, muitas vezes, em grandes núcleos retangulares (núcleos “boxcar”)

2.7 Hiperplasia

Hiperplasia é o aumento no número de células de um órgão ou tecido. Ocorre em tecidos formados


por células capazes de realizar divisão mitótica, como na epiderme, no epitélio intestinal e no tecido
glandular. Algumas células, como os neurônios, raramente se dividem e, por conseguinte, têm pouca
capacidade, se houver, para crescimento hiperplásico. Há evidências de que a hiperplasia envolve a
ativação de genes que controlam a proliferação celular e a existência de mensageiros intracelulares
que monitoram a replicação celular e o crescimento. Como uma resposta celular adaptativa normal, a
hiperplasia é um processo controlado que vem como resposta a um estímulo adequado e cessa após
a retirada do estímulo.

Os estímulos que induzem à hiperplasia podem ser fisiológicos ou patológicos. Existem dois tipos
de hiperplasia fisiológica: hormonais e compensatórias. O aumento das mamas e do útero durante
a gestação são exemplos de hiperplasia fisiológica, resultante da estimulação pelo estrogênio.
A regeneração do fígado que ocorre após hepatectomia parcial (remoção parcial do fígado) é um
exemplo de hiperplasia compensatória.

Hiperplasia também é uma resposta importante do tecido conjuntivo no processo de cicatrização


de feridas, durante o qual a proliferação de fibroblastos e vasos sanguíneos contribui com o reparo.
Embora a hipertrofia e a hiperplasia sejam dois processos distintos, podem acontecer em conjunto
e frequentemente são provocadas pelo mesmo mecanismo. O útero na gestação sofre hipertrofia e
hiperplasia como resultado da estimulação pelo estrogênio.

A maioria dos tipos de hiperplasia patológica ocorrem pela estimulação hormonal excessiva ou
pelo efeito de fatores de crescimento no tecido‑alvo. A hiperplasia benigna da próstata (HBP) é um
distúrbio frequente em homens com mais de cinquenta anos de idade, relacionada com a ação de
androgênios. É uma condição benigna que provoca sintomas no trato urinário inferior. Algumas vezes,
a HBP pode evoluir para câncer de próstata. Diversas hiperplasias, como a da próstata, ainda não tem
etiopatogênese totalmente esclarecida.

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Unidade I

2.8 Hipoplasia

Hipoplasia é a diminuição da população celular de um tecido, de um órgão ou de parte do corpo.


A região afetada é menor e mais leve que o normal, mas conserva o padrão de arquitetura básico. Várias são
as formas de hipoplasia. Durante a embriogênese, pode ocorrer defeito na formação de um órgão ou de parte
dele (hipoplasia pulmonar, hipoplasia renal etc.). Após o nascimento, hipoplasia aparece como resultado da
diminuição do ritmo de renovação celular, aumento da taxa de destruição das células ou ambos os fenômenos.

Hipoplasia pode ser fisiológica ou patológica. As hipoplasias fisiológicas mais comuns são involução
do timo a partir da puberdade e de gônadas no climatério. Na senilidade, ao lado da hipotrofia, também
existe a hipoplasia de órgãos, por aumento de apoptose.

2.9 Metaplasia

Representa uma alteração reversível na qual um tipo de célula adulta (epitelial ou mesenquimal) é
substituída por outro tipo de célula adulta. Geneticamente, a metaplasia envolve a reprogramação de
células‑tronco indiferenciadas encontradas no tecido que sofre as alterações metaplásicas. A metaplasia
é um processo adaptativo que surge em respostas a várias agressões e, regra geral, o tecido metaplásico é
mais resistente às agressões. No entanto, a conversão de um tipo de célula nunca ultrapassa os limites
do tipo de tecido primário, por exemplo, um tipo de célula epitelial pode ser convertido em outro tipo de
célula epitelial, mas não em uma célula de tecido conjuntivo.

Um exemplo de metaplasia é a substituição adaptativa de células epiteliais escamosas estratificadas


por células epiteliais cilíndricas ciliadas que ocorrem na traqueia e nas vias respiratórias de um
tabagista. Esôfago de Barrett é uma condição pré‑maligna que se manifesta no esôfago de pessoas
com casos crônicos de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Caracterizada pela transformação
do epitélio escamoso normal do esôfago inferior em epitélio cilíndrico, é o principal fator de risco
para o desenvolvimento de adenocarcinoma esofágico. O esôfago de Barrett caracteriza‑se por um
processo reparativo, no qual a mucosa escamosa que normalmente recobre o esôfago é substituída
gradativamente por epitélio colunar anormal semelhante ao do estômago ou do intestino.

Figura 7 – A existência de “línguas” acastanhadas de epitélio formando interdigitações


no epitélio escamoso mais proximal é típica do esôfago de Barrett

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PATOLOGIA

Os tipos mais frequentes de metaplasia são:

• Transformação de epitélio estratificado pavimentoso não ceratinizado em epitélio ceratinizado.


Ocorre no epitélio da boca ou do esôfago em consequência de irritação prolongada.

• Epitélio pseudoestratificado ciliado em epitélio estratificado pavimentoso, ceratinizado ou não.


O exemplo típico é o da metaplasia brônquica secundária à agressão persistente pelo tabagismo.

• Epitélio mucossecretor em epitélio estratificado pavimentoso, com ou sem ceratinização.


Aparece no epitélio endocervical (mucíparo), que se transforma em epitélio escamoso do
tipo ectocervical.

• Epitélio glandular seroso em epitélio mucíparo, como acontece na metaplasia intestinal da


mucosa gástrica.

• Tecido conjuntivo em tecido cartilaginoso ou ósseo.

• Tecido cartilaginoso em tecido ósseo.

A metaplasia é também um processo adaptativo que surge em resposta a várias agressões.


Em princípio, a metaplasia é o resultado de irritações persistentes que acabam levando ao surgimento
de um tecido mais resistente. No entanto, o tecido metaplásico pode resultar em menor proteção ao
indivíduo: na metaplasia escamosa da árvore brônquica no tabagismo, por exemplo, há redução na
síntese de muco e desaparecimento dos cílios, ambos importantes mecanismos de defesa do organismo.
Os exemplos de metaplasia mais comuns são:

• Agressões mecânicas repetidas, como as provocadas por próteses dentárias mal‑ajustadas no


epitélio da gengiva ou da bochecha.

• Irritação por calor prolongado, como a causada no epitélio oral e no esôfago por alimentos
quentes, ou a provocada no lábio pela haste de cachimbo.

• Irritação química persistente, cujo exemplo clássico é a ação do fumo sobre a mucosa respiratória.

• Inflamações crônicas, como no colo uterino ou nas mucosas brônquica e gástrica.

Um tipo específico de metaplasia é a leucoplasia (do grego leukos = branco), que é um termo de
significado predominantemente clínico e usado para indicar lesões que se apresentam como placas
ou manchas brancacentas localizadas em mucosas (oral, esofágica, do colo uterino etc.). A leucoplasia
corresponde à metaplasia de um epitélio escamoso não ceratinizado em ceratinizado contendo várias
camadas de ceratina.

27
Unidade I

Observação

A associação entre a metaplasia e o desenvolvimento de adenocarcinoma


no esôfago de Barrett tem estimulado o estudo das alterações moleculares
que ocorrem no processo tardio da doença. Há um aumento do risco de
adenocarcinoma de trinta a 125 vezes em pacientes diagnosticados com
metaplasia de Barrett. Isso representa um risco de um em vinte durante
a vida. A metaplasia de Barrett irá progredir para o câncer a uma taxa de
0,5% a 1% ao ano.

2.10 Displasia

A displasia denomina condições patológicas muito diferentes, sendo assim um termo complexo.
A displasia pode ser definida como uma condição adquirida caracterizada por alterações do
crescimento e da diferenciação celulares acompanhadas de redução ou perda da diferenciação
das células afetadas. Os exemplos mais comuns são as displasias epiteliais, nas quais ocorrem,
em graus variados, aumento da proliferação celular e redução na maturação das células, que podem
apresentar algumas atipias celulares e arquiteturais. Muitas vezes, as displasias estão associadas
a tecidos metaplásicos ou se originam neles. As mais importantes na prática são as displasias de
mucosas, como a do colo uterino, a dos brônquios e a gástrica, pois muitas vezes antecedem os
cânceres que se formam nesses locais.

Observação

A displasia é implicada como precursora do câncer. Nos cânceres


das vias respiratórias e cérvice uterina, as mudanças displásicas são
observadas adjacentes aos focos de transformação cancerosa. Pelo uso
do exame de papanicolaou (Pap), documentou‑se que o câncer da cérvice
uterina se desenvolve em uma série de mudanças de incremento epitelial
que variam de grave displasia a câncer invasivo. Entretanto, a displasia é
um processo adaptativo e não leva necessariamente ao câncer.

Nem sempre uma displasia progride para o câncer, muitas vezes a condição estaciona ou até regride.
A atipia mais importante nas displasias é a cariomegalia, resultante de alterações do conteúdo de DNA.
Nas displasias ocorrem alterações na expressão dos genes que regulam a proliferação e a diferenciação
das células de modo muito mais acentuado do que nas metaplasias, razão pela qual muitas delas
são consideradas lesões pré‑cancerosas. O termo displasia é empregado também para indicar outros
processos patológicos cuja patogênese é variada e pouco conhecida. Como exemplo, temos a displasia
renal e a displasia óssea.

28
PATOLOGIA

Lembrete

A displasia é caracterizada pelo crescimento celular desordenado de


um tecido específico ao resultar em células que variam de tamanho, forma
e organização. Graus menores de displasia estão associados a irritação
ou inflamação crônica. O padrão é mais frequente em áreas do epitélio
escamoso metaplásico do sistema respiratório e do colo do útero.
A) B) C)

Figura 8 – (A) displasia do colo uterino de baixo grau (discreta): hipercelularidade, perda da estratificação e pleomorfismo
celular no terço basal do epitélio metaplásico (logo abaixo há glândulas endocervicais); comparar com o epitélio cervical
normal (B), no qual são evidentes as camadas basal, intermediária e superficial; (C) displasia em pólipo do intestino
grosso: as glândulas são revestidas por mais de uma camada de células, que mostram pleomorfismo e atipias

Observação

Fatores de risco que aumentam a exposição a infecções por HPV (no


útero) também aumentam a probabilidade de a paciente desenvolver
displasia cervical e câncer. Entre esses fatores, idade precoce da primeira
relação sexual; múltiplos parceiros; infecção persistente por subtipos de
HPV de alto risco e alta paridade.

3 ALTERAÇÕES CELULARES

3.1 Alterações celulares reversíveis

3.1.1 Lesão celular

3.1.1.1 Agressão

Qualquer estímulo da natureza dependendo da sua intensidade, do tempo de atuação e da capacidade


de reação do organismo pode representar uma agressão. O organismo responde às agressões de formas
29
Unidade I

variadas, procurando defender‑se ou adaptar‑se. Muitas vezes, o indivíduo adapta‑se a essa situação,
com pouco ou nenhum dano. Contudo, em alguns casos surgem lesões variadas, agudas ou crônicas,
que causam as doenças.

As agressões são originadas no ambiente externo ou a partir do próprio organismo. De forma


resumida, as agressões podem ser provocadas por agentes físicos, químicos e biológicos, ou ainda por
alterações genéticas ou modificações nutricionais, ou dos próprios mecanismos defensivos do organismo.
As principais causas de lesões foram discutidas em detalhes anteriormente.

3.1.1.2 Defesa

Os mecanismos de defesa contra agentes externos são numerosos. Além de barreiras mecânicas e
químicas existentes no revestimento externo e interno (pele e mucosas), o organismo dispõe de diversos
mecanismos defensivos:

• contra agentes infecciosos (denominados patógenos), atuam na fagocitose, o sistema complemento


e, sobretudo, a resposta inflamatória;

• contra agentes genotóxicos (que agridem o genoma), existem no sistema de reparo do DNA; e

• contra compostos químicos tóxicos, incluindo os radicais livres: as células dispõem de sistemas
enzimáticos de detoxificação e antioxidantes. A desregulação da reação imunitária também está
na base de muitas doenças.

3.1.1.3 Adaptação

A adaptação refere‑se à capacidade das células, dos tecidos ou do próprio indivíduo de, frente a
um estímulo, alterar suas funções dentro de certos limites (faixa da normalidade) para ajustar‑se às
modificações induzidas pelo estímulo. A adaptação pode envolver apenas células (ou suas organelas) ou
o indivíduo como um todo. As células podem sofrer um pré‑condicionamento à hipóxia, permitindo sua
sobrevivência em condições de baixa disponibilidade de O2. A resposta adaptativa geral, inespecífica e
sistêmica que o organismo prepara frente a diferentes agressões é conhecida como estresse.

3.1.1.4 Lesão

Lesão ou processo patológico é o conjunto de alterações morfológicas, moleculares e/ou funcionais


que surgem em células e tecidos após agressões. As alterações morfológicas que caracterizam as lesões
podem ser observadas a olho nu (alterações macroscópicas) ou ao microscópio de luz ou eletrônico
(alterações microscópicas e submicroscópicas). As alterações moleculares, que muitas vezes se traduzem
rapidamente em modificações morfológicas, podem ser detectadas por métodos bioquímicos e de
biologia molecular. Os distúrbios funcionais manifestam‑se por alterações da função de células, tecidos,
órgãos ou sistemas e representam os fenômenos fisiopatológicos.

Apesar da enorme diversidade de agentes lesivos existentes na natureza, a variedade de lesões


observadas nas doenças não é muito grande. Isso se deve ao fato de os mecanismos de agressão às

30
PATOLOGIA

moléculas serem comuns aos diferentes agentes agressores; além disso, com frequência as defesas do
organismo são inespecíficas, ou seja, são semelhantes diante de agressões distintas.

Classificação das lesões

As lesões celulares podem ser separadas em dois grupos: letais (irreversíveis) e não letais (reversíveis), que
são aquelas em que as células continuam vivas, podendo ocorrer retorno ao estado de normalidade depois
de cessada a agressão; a letalidade ou não letalidade está ligada à qualidade, à intensidade e à duração da
agressão, bem como ao estado funcional ou ao tipo de célula atingida. Dependendo desses fatores, uma
mesma agressão pode provocar lesão não letal em uma célula e causar morte em outro tipo celular, os
exemplos são muitos. De um lado, as agressões podem modificar o metabolismo das células, induzindo
o acúmulo de substâncias intracelulares (degenerações), ou podem alterar os mecanismos que regulam
a proliferação e a diferenciação celular (originando hipotrofias, hipertrofias, hiperplasias, hipoplasias,
metaplasias, displasias e neoplasias). Outras vezes, acumulam‑se nas células pigmentos endógenos ou
exógenos, constituindo as pigmentações (estudaremos posteriormente).

As lesões letais são representadas pela necrose (morte celular seguida de autólise) e pela apoptose
(morte celular não seguida de autólise).
Etiologia

Lesão celular não Lesão celular letal


letal (irreversível) (irreversível)

Necrose Apoptose
Patogênese

Resposta celular Resposta tecidual

Por exemplo: Por exemplo:


Armazenamento Inflamação aguda
anormal Trombose
Hipertrofia Inflamação crônica
Hiperplasia Fibrose
Displasia
Neoplasia

Figura 9 – Uma visão simplificada, porém útil

Mecanismos de lesão celular

Os mecanismos que causam lesão celular e morte são complexos. Alguns agentes, como o calor,
produzem lesão celular direta; outros fatores, como distúrbios genéticos, produzem seus efeitos
indiretamente por alterações metabólicas e respostas imunes alteradas. Parece haver pelo menos três
mecanismos principais pelos quais a maioria dos agentes prejudiciais exerce seus efeitos: formação de
radicais livres, hipoxia e depleção de ATP, além de perturbação intracelular da homeostasia de cálcio.

31
Unidade I

Agente prejudicial

Hipoxia/isquemia
O2-, H2O2.OH• Ca++
Formação de radical livre ↑ Ca intracelular

Ativação inapropriada de enzimas


Oxidação das estruturas que danificam organelas celulares,
celulares e DNA nuclear citoesqueleto e membranas
Mitocôndria celulares aceleram a depleção de
e mitocondrial
ATP e fragmentam a cromatina

Depleção de ATP

↑ Atividade da bomba ↑ Metabolismo anaeróbico Outros efeitos


Na+/k+ ATPase

↓ Estoques de glicogênio e Descolamento de


↓ Influxo de Na+ e H2O pH intracelular ribossomos, síntese de
proteínas diminuída e
deposição lipídica
Acúmulo de líquidos intracelulares,
dilatação do retículo
endoplasmático, permeabilidade
aumentada da membrana, função
mitocondrial diminuída

Figura 10 – Mecanismos de dano celular

3.1.2 Lesão por radicais livres

Vários agentes causam efeitos danosos através de espécies químicas reativas conhecidas como
radicais livres, que são espécies químicas altamente reativas com um elétron não pareado na órbita
externa (camada de valência) da molécula.

Na literatura, o elétron não pareado é assinalado por um ponto, por exemplo, NO (óxido nítrico).
Ele faz que os radicais livres sejam altamente instáveis e reativos, de modo que reajam de forma não
específica com as moléculas vizinhas. Além disso, os radicais livres podem estabelecer reações em cadeia
que consistem em vários eventos que geram novos radicais livres. Nas células e nos tecidos, eles reagem
com proteínas, lipídios e carboidratos, danificando, assim, as membranas da célula; inativam enzimas e
danificam ácidos nucleicos que compõem o DNA. As ações dos radicais livres podem causar ruptura
e dano a células e tecidos.

As espécies reativas de oxigênio (ERO) são moléculas contendo oxigênio, que incluem radicais livres
como o superóxido (O2–) e o radical de hidroxila (OH), e os não radicais como o peróxido de hidrogênio
(H2O2). Essas moléculas são produzidas de forma endógena por processos metabólicos normais ou por
32
PATOLOGIA

atividades celulares, como a explosão metabólica que acompanha a fagocitose. Entretanto, as causas
exógenas, incluindo raios X e radiação UV, podem causar a produção de ERO no corpo.

O estresse oxidativo é uma condição que ocorre quando a geração de ERO excede a capacidade
do corpo de neutralizar e eliminar ERO. Também pode conduzir à oxidação de componentes celulares.
A modificação e o dano do DNA ainda podem ocorrer em consequência do estresse oxidativo.

3.1.3 Lesão da célula hipóxica

A diminuição na oferta de oxigênio interrompe o metabolismo oxidativo e a produção de ATP.


O tempo necessário para produzir dano celular irreversível depende do grau de privação de oxigênio e
das necessidades metabólicas da célula. Células bem diferenciadas, tais como as de coração e cérebro,
exigem grandes quantidades de oxigênio para fornecer energia para as suas funções especiais.
As células do cérebro, por exemplo, começam a sofrer dano permanente após quatro a seis minutos
de privação de oxigênio.

A hipoxia pode resultar de uma quantidade inadequada de oxigênio no ar, de doença respiratória,
de isquemia (fluxo sanguíneo diminuído devido a vasoconstrição ou obstrução vascular), de anemia, de
edema ou de incapacidade das células em usar o oxigênio.

A isquemia caracteriza‑se pelo aporte insuficiente de oxigênio e pela remoção inadequada de


produtos finais metabólicos, como o ácido lático. Ao contrário da hipoxia pura, que depende do índice
de oxigênio do sangue e afeta todas as células do corpo, a isquemia geralmente afeta o fluxo sanguíneo
através de um número limitado de vasos sanguíneos e produz lesão tissular local. Em alguns casos de
edema, a distância para a difusão do oxigênio pode se transformar em um fator limitante no aporte de
oxigênio. Em condições hipermetabólicas, as células podem precisar de mais oxigênio do que pode ser
fornecido pela função respiratória normal e pelo transporte de oxigênio.

A hipoxia serve como causa final da morte celular em outras lesões. Por exemplo, um agente físico,
como a baixa temperatura (frio), pode causar grave vasoconstrição e prejudicar o fluxo sanguíneo.
Ela também causa falha energética na célula, com efeitos generalizados sobre seu funcionamento e seus
componentes estruturais. À medida que a tensão de oxigênio na célula cai para o metabolismo oxidativo,
a célula reverte para um metabolismo anaeróbico, usando seus estoques limitados de glicogênio, em
uma tentativa de manter as funções celulares vitais. O pH celular cai à proporção que o ácido lático se
acumula na célula. Essa redução pode ter efeitos nas estruturas intracelulares. O baixo pH pode alterar
as membranas celulares e causar acúmulo de cromatina e diminuição celular.

Um importante efeito da redução de ATP é uma tumefação celular aguda causada por insuficiência
da bomba de sódio/potássio (Na+/K+ ATPase) da membrana dependente de potássio, que elimina o sódio
e retorna o potássio para a célula. Com o funcionamento dessa bomba prejudicado, o nível intracelular
de potássio diminui e o sódio e a água se acumulam na célula. O movimento de líquido e íons para a
célula está associado a dilatação do retículo endoplasmático, aumento de permeabilidade da membrana
e funcionamento diminuído das mitocôndrias. Até esse ponto, as mudanças celulares devidas à isquemia
serão reversíveis se a oxigenação for restaurada.
33
Unidade I

Se o suprimento de oxigênio não for restaurado, ocorrerá perda contínua de enzimas essenciais,
proteínas e ácido ribonucleico através de enzimas essenciais, proteínas e ácido ribonucleico através da
membrana hipermeável da célula. A lesão às membranas lisossômicas resulta em vazamento das enzimas
lisossômicas destrutivas no citoplasma e digestão enzimática dos componentes celulares. O vazamento
das enzimas intracelulares por uma membrana plasmática permeável para o líquido extracelular é usado
como indicador clínico importante de lesão celular e morte. Essas enzimas entram no sangue e podem
ser dosadas por testes laboratoriais.

3.1.4 Prejuízo na homeostasia do cálcio

O cálcio funciona como um importante mensageiro secundário e sinal citossólico para muitas respostas
celulares. Várias proteínas de ligação ao cálcio, como troponina e calmodulina, atuam como transdutores do
sinal de cálcio citossólico. Quinases cálcio/calmodulina dependentes medeiam indiretamente os efeitos
do cálcio nas respostas, como a contração do músculo liso e a degradação de glicogênio. Normalmente,
os níveis intracelulares de cálcio são mantidos extremamente baixos em comparação com os níveis
extracelulares. Esses baixos níveis intracelulares são mantidos por sistemas de troca de cálcio/magnésio
(Ca2+/Mg2+ ATPase) dependentes de energia e sequestro de íons cálcio dentro das organelas como na
mitocôndria e no retículo endoplasmático liso. A isquemia e algumas toxinas levam a um aumento do
cálcio citoplasmático devido a um influxo aumentado através da membrana celular e à liberação de cálcio
estocado na mitocôndria e no retículo endoplasmático. O nível de cálcio aumentado ativa várias enzimas
com efeitos potencialmente danificantes.

As enzimas consistem nas fosfolipases responsáveis por danificar a membrana celular, proteases que
danificam o citoesqueleto e proteínas da membrana, ATPases que degradam ATP e ativam sua depleção,
bem como endonucleases que fragmentam a cromatina. Embora se saiba que as células danificadas
acumulam cálcio, não se sabe se essa é a causa final da lesão celular irreversível.

Observação

Homeostasia é a condição de relativa estabilidade da qual o organismo


necessita para realizar suas funções adequadamente e manter equilíbrio
do corpo.

3.1.5 Degenerações

Define‑se degeneração como a lesão reversível secundária a alterações bioquímicas que resultam
em acúmulo de substâncias no interior de células. Morfologicamente, uma degeneração aparece
como um acúmulo de substâncias em células. Quando a substância acumulada é um pigmento, a
lesão é estudada à parte, entre as pigmentações.

Tomando‑se por base a composição química das células, as degenerações são agrupadas conforme
a substância acumulada. Por esse critério, as degenerações são classificadas em:

34
PATOLOGIA

• degenerações por acúmulo de água e eletrólito, como exemplo a degeneração hidrópica;

• degenerações por acúmulo de proteínas, como as degenerações hialinas;

• degenerações por acúmulo de lipídeos, as mais importantes são a esteatose e as lipidoses; e

• degenerações por acúmulo de carboidratos.

A seguir, estudaremos a degeneração hidrópica, hialina e a esteatose.

3.1.5.1 Degeneração hidrópica

É a lesão celular reversível caracterizada por acúmulo de água e eletrólitos no interior de células,
tornando‑as tumefeitas, aumentadas de volume. Trata‑se da lesão não letal mais comum diante dos mais
variados tipos de agressão, independentemente da natureza (física, química ou biológica) do agente agressor.

A degeneração hidrópica é provocada por distúrbios no equilíbrio hidroeletrolítico que resultam em


retenção de eletrólitos e água nas células. O trânsito de eletrólitos através de membranas (citoplasmática
e de organelas) depende de mecanismos de transporte feito por canais iônicos; são as chamadas bombas
eletrolíticas, que são capazes de transportar eletrólitos contra um gradiente de concentração e de manter
constantes as suas concentrações no interior dos compartimentos celulares.

Para seu funcionamento adequado, algumas bombas eletrolíticas dependem de energia na forma
de ATP; outras, que não gastam ATP, dependem da estrutura da membrana e da integridade das
proteínas que formam o complexo enzimático da bomba. Dessa forma, uma agressão pode diminuir o
funcionamento da bomba eletrolítica quando:

• altera a produção ou o consumo de ATP;

• interfere com a integridade de membranas; e

• modifica a atividade de uma ou mais moléculas que formam a bomba.

Degeneração hidrópica, portanto, pode ser provocada por grande variedade de agentes lesivos:

• Hipóxia, desacopladores da fosforilação mitocondrial (por exemplo, tiroxina), inibidores da cadeia


respiratória e agentes tóxicos que lesam a membrana mitocondrial, pois reduzem a produção de ATP.

• Hipertermia exógena ou endógena (febre), por causa do aumento no consumo de ATP.

• Toxinas com atividade de fosfolipase e agressões geradoras de radicais livres, que as levam
diretamente às membranas.

• Substâncias inibidoras da ATPase Na+/K+ dependente, é o caso da ouabaína, utilizada no tratamento


da insuficiência cardíaca.
35
Unidade I

Em todas essas situações, diferentes causas conduzem a um fenômeno comum: retenção de


sódio, redução de potássio e aumento da pressão osmótica intracelular, levando à entrada de água no
citoplasma e à expansão da célula.

Como toda degeneração, a hidrópica é um processo reversível; eliminada a causa, as células voltam
ao aspecto normal. Quase sempre, ela não traz consequências funcionais sérias, a não ser quando é
muito intensa. Em hepatócitos, por exemplo, a degeneração hidrópica intensa do tipo baloniforme
pode produzir alterações funcionais no órgão, embora insuficiência hepática por lesão exclusivamente
degenerativa seja muito rara.

Figura 11 – Edema celular (alteração hidrópica). Células tubulares renais apresentam acentuado edema celular
(área no quadrado). Muitos núcleos apresentam sinais de dano, incluindo diversos graus de cariólise (seta)

3.1.5.2 Degeneração hialina

A degeneração hialina consiste no acúmulo de material proteico e acidófilo no interior de células


(do grego hyálinos = vidro; as primeiras observações feitas em cortes sem coloração mostravam acúmulo de
material transparente dentro das células). Em alguns casos, a degeneração resulta da condensação de
filamentos intermediários e proteínas associadas que formam corpúsculos no interior das células; em
outros, representa acúmulo de material de origem viral; outras vezes, o material hialino depositado é
constituído por proteínas endocitadas.

O depósito intracelular de proteínas deve‑se ao excesso de síntese, absorção ou defeitos no transporte


celular. Acúmulos morfologicamente visíveis apresentam‑se como gotículas, vacúolos ou agregados
arredondados eosinófilos no citoplasma.

O corpúsculo hialino de Mallory, encontrado tipicamente em hepatócitos de alcoólatras crônicos, é


formado por filamentos intermediários (ceratina) associados a outras proteínas do citoesqueleto, razão
pela qual o microscópio eletrônico (ME) apresenta aspecto filamentoso em algumas áreas e amorfo em
outras. Além do alcoolismo, é visto na esteato‑hepatite não alcoólica, na cirrose juvenil da Índia e no
carcinoma hepatocelular.

36
PATOLOGIA

Os corpúsculos de Mallory são formados por ação de radicais livres sobre proteínas do
citoesqueleto, os quais induzem peroxidação e facilitam a formação de ligações transversais entre
as cadeias polipeptídicas, resultando em aglomerados que se precipitam. Os corpúsculos hialinos de
Councilman‑Rocha Lima (hepatócitos em apoptose) são encontrados em hepatócitos em hepatites
virais, especialmente na febre amarela.

A degeneração hialina de fibras musculares esqueléticas e cardíacas resulta de endotoxinas


bacterianas e de agressão por linfócitos T e macrófagos (por exemplo, miocardite e miosite chagásicas).
Admite‑se que o aspecto homogêneo e hialino (acidófilo) seja por desintegração de microfilamentos,
o que parece estar relacionado com a ação de IL‑1 e TNF‑α em células musculares, as quais induzem
grande atividade catabólica (ativação de proteassomos do citosol e outras proteases intracelulares).
A degeneração hialina segmentar de miocélulas é compatível com reabsorção e reestruturação dos
sarcômeros, mas, se muito extensa, leva a célula à morte (necrose hialina). Ao microscópio de luz (ML),
muitas vezes é difícil distinguir necrose hialina de degeneração hialina acentuada. Os miócitos em
apoptose podem também ter aspecto hialino.

Em pacientes com proteinúria, observa‑se degeneração hialina no epitélio tubular renal por
endocitose excessiva de proteínas. O acúmulo excessivo de imunoglobulinas em plasmócitos forma
estruturas intracitoplasmáticas conhecidas como corpúsculos de Russell, os quais são frequentes em
algumas inflamações agudas (por exemplo, salmoneloses) ou crônicas (especialmente leishmaniose
tegumentar e osteomielites).

3.1.6 Esteatose

É o acúmulo de gorduras neutras (mono, di ou triglicerídeos) no citoplasma de células que,


normalmente, não as armazenam. A lesão é comum no fígado, no epitélio tubular renal e no miocárdio,
mas pode ser observada também em músculos esqueléticos e no pâncreas.

A esteatose hepática é marcada, no início, por pequenas gotículas lipídicas (microvesiculares) que se
acumulam nos hepatócitos, mesmo com ingestão moderada de álcool. Com ingestão crônica, o lipídio
acumula‑se em grandes glóbulos (macrovesiculares) que deslocam o núcleo.

3.1.7 Etiologia e patogênese

A esteatose pode ser provocada por agressões diversas. A lesão aparece todas as vezes que um
agente interfere no metabolismo de ácidos graxos da célula, aumentando sua captação ou síntese, ou
dificultando sua utilização, seu transporte ou sua excreção. A esteatose é causada por agentes tóxicos,
hipóxia, alterações na dieta e distúrbios metabólicos. A lesão é mais bem descrita no fígado, no qual sua
patogênese será discutida em detalhes adiante.

Em condições normais, os hepatócitos retiram da circulação ácidos graxos e triglicerídeos


provenientes da absorção intestinal e da lipólise no tecido adiposo. Nas células hepáticas, ácidos
graxos são utilizados para:

37
Unidade I

• produção de colesterol e seus ésteres;

• síntese de lipídeos complexos (fosfolipídeos e esfingolipídeos) ou de glicerídeos (mono, di ou


triglicerídeos); e

• geração de energia por meio da β‑oxidação até acetil‑CoA, e formação de corpos cetônicos.

Os agentes lesivos causam esteatose hepática por interferirem em diferentes passos do metabolismo
lipídico, como:

• maior aporte de ácidos graxos por ingestão excessiva ou lipólise aumentada;

• síntese de ácidos graxos a partir do excesso de acetil‑CoA, que não encontra condições de rápida
oxidação no ciclo de Krebs;

• redução na utilização de triglicerídeos ou de ácidos graxos para a síntese de lipídeos complexos,


por carência de fatores nitrogenados e de ATP;

• menor formação de lipoproteínas por deficiência na síntese de apoproteínas; e

• distúrbios no deslocamento de vesículas de lipoproteínas por alterações funcionais no citoesqueleto.

O etanol é a causa mais conhecida e estudada de esteatose hepática. No fígado, o álcool


é metabolizado por algumas vias, nas quais o produto final é o acetaldeído, que, por ação da
aldeído‑desidrogenase (ALDH) em mitocôndrias, é convertido a ácido acético. A sua ingestão abusiva
e distúrbios do metabolismo lipídico associados à obesidade são as causas mais comuns de esteatose
hepática; desnutrição proteico‑energética e substâncias hepatotóxicas também podem produzi‑la.

No etilismo, a esteatose resulta de vários fatores:

• Menor disponibilidade de adenina nicotinamida dinucleotídeo (NAD), utilizado na reação de álcool


deidrogenase (ADH): como o NAD é necessário para a oxidação de lipídeos, sua redução contribui
para o acúmulo de gorduras nos hepatócitos.

• Maior disponibilidade de ácido acético e de acetil‑CoA: excesso de acetil‑CoA induz síntese


de ácidos graxos, que, somados aos provenientes da circulação, originam triglicerídeos que se
acumulam nas células.

• Acúmulo de triglicerídeos é favorecido também porque o transporte das vesículas de lipoproteínas


está comprometido devido à ação do acetaldeído e de radicais livres gerados do metabolismo do
etanol no retículo endoplasmático liso sobre microtúbulos e microfilamentos.

• A esteatose induzida pelo etanol pode ser agravada por desnutrição (redução na disponibilidade
de proteínas para a síntese de lipoproteínas), que, frequentemente, acompanha o alcoolismo
38
PATOLOGIA

crônico, embora a lesão possa surgir independentemente de fatores nutricionais. A figura mais a
seguir resume os principais mecanismos envolvidos na esteatose causada pelo etanol.

Observação

A estateose hepática alcóolica é identificada frequentemente em


pacientes que consomem grandes quantidades de etanol (mais de seis
drinques/dia). Ela ocorre não apenas pela má nutrição associada ao
alcoolismo, mas também pela hepatotoxicidade direta do álcool.

Nos estados de hipóxia (anemia, insuficiência cardíaca ou respiratória etc.), há menor disponibilidade
de O2 no ciclo de Krebs e, portanto, redução na síntese de ATP. Nesses casos, a esteatose resulta, em boa
parte, do aumento na síntese de ácidos graxos a partir do excesso de acetil‑CoA, que se acumula nas
células porque sua oxidação no ciclo de Krebs está diminuída. Ao lado disso, os ácidos graxos encontram
grande quantidade de α‑glicerofosfato (originado de glicólise acelerada por redução na síntese de ATP)
e formam triglicerídeos que se acumulam no citoplasma. A redução de ATP também dificulta a síntese
de lipídeos complexos e diminui a utilização de ácidos graxos e triglicerídeos, favorecendo o acúmulo
desses últimos.

Na desnutrição proteico‑energética, dois fatores são importantes: (1) a carência de proteínas leva à
deficiência de fatores lipotrópicos indispensáveis à produção de fosfolipídeos e à diminuição na síntese
das apoproteínas, reduzindo a formação de lipoproteínas e a excreção de triglicerídeos; e (2) a ingestão
calórica deficiente causa mobilização de lipídeos do tecido adiposo, aumentando o aporte de ácidos
graxos para o fígado. Em crianças com desnutrição proteica grave, pode haver esteatose em outras
vísceras, especialmente coração, rins, músculos esqueléticos e pâncreas.

Agentes tóxicos (por exemplo, CCl4) lesam o retículo endoplasmático granular e reduzem a síntese
de proteínas, podendo levar à esteatose por afetar a síntese de lipoproteínas. Embora a síntese proteica
deficiente possa resultar em esteatose, isso não é regra geral. Em adultos a desnutrição proteica não
induz esteatose semelhante à que se observa na infância, além de inibidores da síntese proteica nem
sempre induzirem esteatose hepática.

A esteatose é muito comum na obesidade, que representa atualmente um dos mais importantes
problemas de saúde pública no mundo. Várias populações mostram aumento progressivo no número
de pessoas com peso acima do aceito como normal para a idade, com frequência associado a aumento do
risco para doenças cardiovasculares e diabetes melito do tipo 2. Essa verdadeira epidemia de obesidade
deve‑se, sobretudo, à associação de ingestão excessiva de energia (carboidratos e lipídeos) e sedentarismo.
Frente à ingestão excessiva de energia, o organismo adapta‑se mediante aumento do gasto energético
e armazenamento de gordura no tecido adiposo, além de diminuição do apetite. Entretanto, essa
adaptação é limitada e depende do padrão genético do indivíduo, razão pela qual uma dieta rica em
calorias leva à obesidade em frequência e graus variáveis em diferentes pessoas.

39
Unidade I

Observação

O excesso de peso é atualmente uma das principais causas da esteatose


hepática não alcoólica, sendo responsável por 60% dos casos de gordura
no fígado.

A obesidade associa‑se usualmente a alterações metabólicas que caracterizam uma nova entidade
clínica, conhecida como síndrome metabólica, cujos componentes principais são:

• obesidade central (aumento da circunferência abdominal ou da relação cintura‑quadril);

• dislipidemia (aumento de triglicerídeos e redução de HDL);

• intolerância à glicose, geralmente acompanhada de resistência à insulina;

• hipertensão arterial sistêmica;

• esteatose visceral; e

• aumento do risco para doença cardiovascular aterosclerótica e diabetes do tipo 2.

Na síndrome metabólica, ocorre esteatose visceral no fígado, nas ilhotas de Langerhans, nos músculos
esqueléticos e no miocárdio.

Saiba mais

Para saber mais sobre esteatose hepática consulte o site do Ministério


da Saúde:

BRASIL. Ministério da Saúde. Esteatose hepática (gordura no fígado):


causas, sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção. Brasília: Ministério
da Saúde, 2019. Disponível em: <https://www.saude.gov.br/saude‑de‑a‑z/
esteatose‑hepatica>. Acesso em: 8 jul. 2019.

3.1.8 Aspectos morfológicos

Os órgãos com esteatose apresentam aspecto morfológico variável. O fígado aumenta de volume
e peso (pode atingir 3 kg) e apresenta consistência diminuída, bordas arredondadas e coloração
amarelada. No coração, a esteatose pode ser difusa (na miocardite diftérica), ficando o órgão pálido
e com consistência diminuída; em outros casos (hipóxia prolongada), a esteatose aparece em faixas

40
PATOLOGIA

amareladas visíveis através do endocárdio, criando um aspecto conhecido como coração tigroide.
Nos rins, há aumento de volume e peso, tornando o órgão com uma coloração amarelada.

Ao ML, a esteatose é muito característica. Os triglicerídeos acumulam‑se em pequenas vesículas ou


glóbulos revestidos por membrana (lipossomos). Na fase inicial, são encontrados vacúolos de tamanhos
variados com tendência a fundir e a formar glóbulos cada vez maiores. Na sua forma clássica, os hepatócitos
apresentam um grande vacúolo de gordura no citoplasma, o qual desloca o núcleo para a periferia da célula
e lhe confere aspecto de adipócito (esteatose macrovesicular). Em certas condições, a esteatose hepática
tem aspecto microvesicular: a gordura acumula‑se em pequenas gotículas que se distribuem, geralmente,
na periferia da célula, permanecendo o núcleo em posição central. É o que ocorre na esteatose aguda da
gravidez, na intoxicação pela tetraciclina.

Figura 12 – Esteatose hepática. Fotografia de microscopia eletrônica mostrando


que os citoplasmas de quase todos os hepatócitos estavam distendidos por
gordura, que deslocava os núcleos para a periferia (setas)

Lembrete

A esteatose hepática é marcada no início por pequenas gotículas


lipídicas (microvesiculares) que se acumulam nos hepatócitos, mesmo com
ingestão moderada de álcool. Com ingestão crônica, o lipídio acumula‑se
em grandes glóbulos (macrovesiculares) que deslocam o núcleo.

3.2 Alterações celulares irreversíveis

3.2.1 Morte celular

Ao atuarem sobre as células, os agentes lesivos causam lesões reversíveis ou morte celular. Produzir
lesões reversíveis ou não depende da natureza do agente agressor, da intensidade e da duração
da agressão e da capacidade do organismo de reagir. A morte celular é um processo e, como tal,
41
Unidade I

uma sucessão de eventos, sendo às vezes muito difícil estabelecer qual é o fator que determina a
irreversibilidade da lesão, ou seja, o ponto de não retorno. Esse não pode ser sempre determinado
por critérios apenas morfológicos, embora se saiba que certas alterações, como grande tumefação
mitocondrial, perda de cristas, depósitos floculares da matriz, bolhas e solução de continuidade na
membrana sejam indicativas de lesão irreversível. Por outro lado, também nem sempre a morte celular é
precedida de lesões degenerativas, pois o agente agressor pode causar morte rapidamente, não havendo
lesões degenerativas que a precedam.

Se a morte celular ocorre no organismo vivo e é seguida de autólise, o processo recebe o nome de
necrose. Autólise significa degradação enzimática dos componentes celulares por enzimas da própria
célula liberadas de lisossomos após a morte celular, independentemente de ter havido morte do
indivíduo. Outro tipo desse tipo de ação biológica ocorre por um processo ativo no qual a célula sofre
contração e condensação de suas estruturas, fragmenta‑se e é fagocitada por células vizinhas ou por
macrófagos residentes, não ocorrendo nela o fenômeno de autólise, isso é denominado apoptose. Morte
celular, portanto, não pode ser usada sempre como sinônimo de necrose, já que esta é a morte seguida
de autólise. Também não se pode utilizar a palavra necrose para indicar a morte celular que acompanha
a do indivíduo (morte somática).

3.2.2 Necrose

Utiliza‑se o termo necrose para indicar a morte celular ocorrida em organismo vivo e seguida de
fenômenos de autólise. Quando a agressão é suficiente para interromper as funções vitais (cessam a
produção de energia e as sínteses celulares), os lisossomos perdem a capacidade de conter as hidrolases
no seu interior, e estas saem para o citosol, são ativadas pela alta concentração de Ca++ no citoplasma
e iniciam o processo de autólise. Os lisossomos contêm hidrolases (proteases, lipases, β‑glicosidases,
ribonucleases e desoxirribonucleases) capazes de digerir todos os substratos celulares. É a partir da ação
dessas enzimas que dependem as alterações morfológicas observadas após a morte celular.

Após a necrose são liberadas alarminas (HMGB1, uratos, fosfatos), que são reconhecidas em receptores
celulares e desencadeiam uma reação inflamatória.

3.2.2.1 Causas e tipos

Qualquer agente lesivo pode produzir necrose. O aspecto da lesão varia de acordo com a causa,
embora necroses produzidas por diferentes agentes possam ter aspecto semelhante. Os agentes
agressores produzem necrose por:

• redução de energia, por obstrução vascular (isquemia, anoxia) ou por inibição dos processos
respiratórios da célula;

• geração de radicais livres;

• ação direta sobre enzimas, inibindo processos vitais da célula (por exemplo, agentes químicos e
toxinas); e
42
PATOLOGIA

• agressão direta à membrana citoplasmática, criando canais hidrofílicos pelos quais a célula perde
eletrólitos e morre (como ocorre na ativação do complemento).

A seguir, será feita a descrição dos principais tipos morfológicos de necrose, já que o processo pode
ter caraterísticas peculiares de acordo com a causa e o órgão atingido. Em alguns casos, a denominação
refere‑se ao aspecto macro ou microscópico da lesão; outras vezes, leva em consideração a sua causa.

Necrose por coagulação

Como sua causa mais frequente é a isquemia, é denominada também como necrose isquêmica.
Macroscopicamente, a área atingida é esbranquiçada e salienta‑se na superfície do órgão; quase
sempre, a região necrótica é circundada por um halo avermelhado (hiperemia que tenta compensar
a isquemia ocorrida). Microscopicamente, além de alterações nucleares, especialmente cariólise,
as células necrosadas apresentam citoplasma com aspecto de substância coagulada (o citoplasma
torna‑se acidófilo e granuloso, gelificado). Nas fases iniciais do processo, os contornos celulares são
nítidos, sendo possível identificar a arquitetura do tecido necrosado; mais tarde, toda a arquitetura
tecidual fica perdida.

Necrose por liquefação

Também chamada necrose por coliquação ou necrose coliquativa, é aquela em que a região
necrosada adquire consistência mole, semifluida ou mesmo liquefeita. Essa necrose é comum após
anoxia no tecido nervoso, na suprarrenal ou na mucosa gástrica. A liquefação é causada pela
liberação de grande quantidade de enzimas lisossômicas. Em inflamações purulentas, também há
necrose por liquefação do tecido inflamado, produzida pela ação de enzimas lisossômicas liberadas
por leucócitos exsudados.

Figura 13 – Necrose de liquefação: abscesso pulmonar: um “lago” de


células inflamatórias com destruição do parênquima pulmonar

43
Unidade I

Figura 14 – Necrose caseosa: o centro dessa imagem de um granuloma tuberculoso


(tubérculo) apresenta necrose caseosa típica (estrela); uma célula gigante (seta maior)
e uma orla de células epitelioides (seta pequena) também estão presentes

Necrose lítica

É a denominação que se dá à necrose de hepatócitos em hepatites virais, os quais sofrem lise ou
esfacelo (necrose por esfacelo).

Necrose caseosa

É assim denominada pelo fato de a área necrosada adquirir aspecto macroscópico de massa
de queijo (do latim caseum). Microscopicamente, a principal característica é a transformação das
células necróticas em uma massa homogênea, acidófila, contendo alguns núcleos picnóticos e,
principalmente na periferia, núcleos fragmentados (cariorrexe); as células perdem totalmente os seus
contornos e os detalhes estruturais (figura anterior). Esse tipo de necrose é comum na tuberculose,
mas pode ser encontrado, também, em outras doenças, como a paracoccidioidomicose. A lesão parece
resultar de mecanismos imunitários de agressão envolvendo macrófagos e linfócitos T sensibilizados,
apesar de não ser possível afastar hipóxia na sua gênese, uma vez que o granuloma da tuberculose
é hipovascular. Essa necrose parece depender da ação de linfotoxinas (por exemplo, TNF‑α) e de
produtos citotóxicos de macrófagos.

Em granulomas da tuberculose, ocorre, também, apoptose maciça de células inflamatórias. Antes do


surgimento de necrose, ocorrem aumento da síntese de proteínas pró‑apoptóticas e redução de proteínas
antiapoptóticas, da parte central para a periferia dos granulomas. De fato, há cariorrexe evidente na
periferia da zona de necrose caseosa, achado muito frequente na apoptose. Na parte mais central da
região caseificada, encontra‑se cariólise extensa. Admite‑se que, na tuberculose, muitas células iniciam
a apoptose e a concluem, enquanto outras iniciam o processo de apoptose, mas evoluem para necrose,
evidenciada especialmente por cariólise.

44
PATOLOGIA

Necrose gomosa

Trata‑se de uma variedade de necrose por coagulação na qual o tecido necrosado assume aspecto
compacto e elástico como borracha (goma), ou fluido e viscoso como goma‑arábica; é encontrada na
sífilis tardia (goma sifilítica).

Esteatonecrose

Também denominada necrose enzimática do tecido adiposo, é uma forma de necrose que compromete
adipócitos. Trata‑se daquela encontrada tipicamente na pancreatite aguda necro‑hemorrágica, que
resulta de extravasamento de enzimas de ácinos pancreáticos destruídos.

Por ação de lipases sobre os triglicerídeos, os ácidos graxos liberados sofrem processo de
saponificação na presença de sais alcalinos, originando depósitos esbranquiçados ou manchas com
aspecto macroscópico de pingo de vela.

3.2.2.2 Evolução

As células mortas e autolisadas comportam‑se como um corpo estranho e desencadeiam uma


resposta do organismo, para promover sua reabsorção e permitir reparo posterior. Dependendo do
tipo de tecido, do órgão acometido e da extensão da área atingida, uma área de necrose pode seguir
vários caminhos.

Regeneração

Quando o tecido que sofreu necrose tem capacidade regenerativa, os restos celulares são
reabsorvidos por meio da resposta inflamatória que se instala. Fatores de crescimento liberados por
células vizinhas e por leucócitos exsudados induzem multiplicação das células parenquimatosas.
Se o estroma for pouco alterado, há regeneração completa do tecido. É o que ocorre no fígado, por
exemplo, se as áreas de necrose são pequenas, conservando a malha de fibras reticulares. Se a necrose
for extensa, a trama reticular sofre colapso, e, embora regenerados, os hepatócitos não conseguem
organizar‑se no lóbulo hepático e tendem a formar nódulos que distorcem a arquitetura do órgão.

Gangrena

A gangrena é uma forma de evolução de necrose que resulta da ação de agentes externos sobre
o tecido necrosado. A desidratação da região atingida, especialmente quando em contato com o ar,
origina a gangrena seca, tomando a área lesada aspecto de pergaminho, semelhante ao observado
em tecidos de múmias (o processo é também conhecido pelo nome de mumificação). A gangrena seca
ocorre, preferencialmente, nas extremidades de dedos, em artelhos e na ponta do nariz, na maioria
das vezes em consequência de lesões vasculares como as que ocorrem no diabetes mellitus. A zona de
gangrena seca tem cor escura, azulada ou negra, devido à impregnação por pigmentos derivados da
hemoglobina, sendo comum a existência de uma linha nítida (reação inflamatória) no limite entre o
tecido morto e o não lesado.
45
Unidade I

Gangrena úmida ou pútrida decorre de invasão da região necrosada por microrganismos anaeróbios
produtores de enzimas que tendem a liquefazer os tecidos mortos e a produzir gases de odor fétido, que
se acumulam em bolhas juntamente ao material liquefeito. Esse tipo de gangrena é comum em necroses
do tubo digestivo, dos pulmões e da pele, nos quais as condições de umidade a favorecem.

A absorção de produtos tóxicos da gangrena pode provocar reações sistêmicas fatais, induzindo
choque do tipo séptico. A gangrena gasosa é secundária à contaminação do tecido necrosado com
germes do gênero Clostridium, que produzem enzimas proteolíticas e lipolíticas e grande quantidade de
gás, sendo evidente a formação de bolhas gasosas.

Figura 15 – Gangrena nos artelhos

3.2.3 Apoptose (morte celular programada)

Na maioria das células normais não tumorais, o controle do número de células é regulado por um
balanço entre a proliferação celular e a morte celular. Esta ocorre por necrose ou uma forma programada
de morte celular chamada apoptose.

Apoptose (do grego apo = separar; e ptose = cair) significa “desagregar‑se”. Foi descoberta em 1972 e
continua a ser um dos processos mais estudados nas pesquisas biológicas e biopatológicas. A apoptose
é um processo altamente seletivo que descarta as células danificadas e envelhecidas, controlando,
dessa forma, a regeneração do tecido. As células que se submetem à apoptose apresentam aspecto
morfológico característico, bem como alterações bioquímicas. Ocorrem diminuição e condensação
do núcleo e do citoplasma. A cromatina se agrega no envelope nuclear e ocorre a fragmentação do
DNA. Então a célula é fragmentada em múltiplos corpos apoptóticos, de forma que a integridade
da membrana plasmática seja mantida e não se deflagre a inflamação. As alterações na membrana
plasmática induzem à fagocitose dos corpos apoptóticos por macrófagos e outras células, finalizando,
desse modo, o processo de degradação.

A apoptose é responsável por vários processos fisiológicos normais, como destruição programada
das células durante o desenvolvimento embrionário, involução dos tecidos dependentes de hormônio,
morte das células imunes, morte celular por células T citotóxicas e morte celular em populações de
células em proliferação. Durante a embriogênese, no desenvolvimento de vários órgãos, tais como o
46
PATOLOGIA

coração, que começa como um único tubo pulsante e é gradativamente modificado para se tornar
uma bomba de quatro compartimentos, a morte celular apoptótica permite o estágio seguinte do
desenvolvimento do órgão.

Dedos e
artelhos colados

A) B)

C) D)

Figura 16 – Exemplos de apoptose: (A) separação dos dedos e artelhos colados no embrião; (B) desenvolvimento
das conexões neurais: neurônios que não estabelecem conexões sinápticas e recebem fatores de sobrevivência
podem ser induzidos a apoptose; (C) remoção das células das vilosidades intestinais: novas células epiteliais
se formam continuamente na cripta, migram para a extremidade das vilosidades conforme envelhecem e
sofrem apoptose no final do seu tempo de vida; e (D) remoção das células sanguíneas senescentes

A apoptose também separa os dedos e artelhos ligados do embrião em desenvolvimento. A morte


celular apoptótica ocorre na involução hormônio‑dependente das células endometriais durante o ciclo
menstrual e na regressão do tecido mamário após o desmame. O controle do número de células imunes
e a destruição das células T autorreativas no timo são creditados à apoptose. Acredita‑se que as células T
citotóxicas e as células natural killer (NK) são tidas como destruidoras das células‑alvo pela indução de
morte celular apoptótica.

A apoptose está associada a várias patologias. Por exemplo, a sua interferência é sabidamente um
mecanismo que contribui para a carcinogênese. Sabe‑se também que ela está envolvida na morte
celular associada a algumas infecções virais, tais como as hepatites B e C. Além disso, pode estar
envolvida em distúrbios neurodegenerativos, tais como a doença de Alzheimer, a doença de Parkinson e
a esclerose lateral amiotrófica (ELA). Entretanto, os mecanismos exatos envolvidos nessas doenças ainda
permanecem desconhecidos.

47
Unidade I

Figura 17 – Corpos apoptóticos: hepatócitos de um fígado em um caso de febre amarela; muitas das células
apresentam‑se em vários estágios de apoptose, por exemplo, as (setas) apresentam núcleos condensados
fragmentados; o epônimo “corpúsculo de Councilman” refere‑se a um remanescente eosinofílico
anucleado de um hepatócito que sofreu apoptose (corpo apoptótico) (seta branca)

3.2.3.1 Necrose × apoptose

A morte celular fisiológica envolve a ativação de um programa interno de suicídio, que resulta
na morte celular por meio de um processo denominado apoptose. Esse processo é importante no
desenvolvimento, e com frequência é ativado para a detecção e remoção de células lesadas ou infectadas.
Por outro lado, a necrose, ou morte celular patológica, não é regulada, é invariavelmente lesiva ao
organismo e é provocada por estresse exógeno.

Quadro 1 – Características da necrose versus apoptose

Necrose Apoptose
Sem envolvimento de ativação de Envolve cascatas de sinalização da célula
gene ou sinalização de proteína
Em geral envolve área grande de Em geral envolve células individualmente ou
tecido ou órgão pequenos grupos de células
Tumefação celular e de organelas Fragmentação nuclear e picnose
Em geral desencadeia resposta A resposta inflamatória não é frequente
inflamatória
Invariavelmente lesiva para o Importante no desenvolvimento do
organismo organismo
A morte celular é crucial para a regulação
A morte celular resulta em patologia do número de células
O DNA é clivado, formando fragmentos
O DNA é fragmentado de modo regulares de nucleossomos (degraus de
irregular escada [laddering])

Fonte: Hansel e Dintzis (2007, p. 12).

48
PATOLOGIA

4 DISTÚRBIOS CIRCULATÓRIOS

4.1 Edema

É o acúmulo de líquido no interstício ou em cavidades pré‑formadas do organismo. O líquido


intersticial (na matriz extracelular, ou MEC), que se origina da filtração do sangue na parte arterial
dos capilares, circula entre as células e retorna à circulação sanguínea por reabsorção no lado
venoso dos capilares ou pelos vasos linfáticos. A produção, a circulação e a reabsorção do líquido
intersticial dependem de forças geradas na microcirculação e na MEC, conhecidas como forças de
Starling, resumidas na figura a seguir, são elas:

• Pressão hidrostática do sangue (PHs), que força a filtração.

• Pressão oncótica do plasma (POp), gerada por macromoléculas circulantes, tem sentido oposto à PHs.

• Pressão hidrostática e pressão oncótica da MEC (PHm e POm), ambas bem menores em condições
normais, mas que podem aumentar se a quantidade de líquido intersticial aumenta.

Considerando esses componentes, a formação e a reabsorção do líquido intersticial dependem de


forças definidas pela equação: força de filtração ou força de reabsorção = (PHs‑PHm) – (POp‑POm).
No lado arterial dos capilares, a PHs é maior do que a POp, e as pressões da MEC são muito menores
do que as do sangue; a equação mostra uma força positiva, a força de filtração do plasma para a MEC.

No lado venoso dos capilares, a PHs é menor do que a POp, resultando em uma força de reabsorção
que força o líquido de volta para a circulação sanguínea. A pressão hidrostática no lado arterial da
microcirculação é próxima da do lado venoso (mas sempre maior do que a POp), e é influenciada pela
intermitência da abertura dos esfíncteres pré‑capilares: quando estes se fecham, nos capilares a jusante
da PHs se reduz muito, facilitando a reabsorção, enquanto nos capilares cujos esfíncteres estão abertos
predomina a filtração.

A força de filtração gera um filtrado que contém água, eletrólitos e pequenas moléculas orgânicas
(carboidratos simples, aminoácidos, ácidos graxos e outras moléculas orgânicas de baixo peso molecular)
que passam junto com a água nos espaços endoteliais; macromoléculas passam em pequena quantidade
através de poros endoteliais e transcitose, variáveis em diferentes tecidos.

As macromoléculas do filtrado, juntamente com outras originadas na MEC, são reabsorvidas pelos
vasos linfáticos, que possuem parede fenestrada e poros endoteliais; a pressão negativa nos canais
linfáticos e a presença de válvulas nesses vasos permitem a drenagem do líquido em excesso e o
carreamento de macromoléculas livres no líquido intersticial. O trânsito de macromoléculas da MEC
para os vasos sanguíneos depende de mecanismos ativos ou facilitados de transporte através da parede
capilar ou de poros endoteliais.

O líquido acumulado na MEC ou em cavidades pré‑formadas do organismo pode ser de dois tipos:
transudato e exsudato. Transudato é o líquido constituído por água e eletrólitos e pobre em células e
49
Unidade I

proteínas (sua densidade é < 1.020 g/mL); é encontrado em edemas formados por desequilíbrio nas
forças de Starling, com maior filtração do que a capacidade de reabsorção dos capilares sanguíneos e
linfáticos. Exsudato é o líquido rico em proteínas e/ou células inflamatórias (densidade > 1.020 g/mL);
é formado quando a permeabilidade vascular está aumentada, como acontece em inflamações,
traumatismos na microcirculação e em vasos malformados no interior de neoplasias.

Linfático

Filtração Reabsorção

PHs > POp POp > PHs

PHm POm

Figura 18 – Esquema da microcirculação, indicando a origem e o destino do líquido intersticial e as forças de


Starling: PHs = pressão hidrostática do sangue; POp = pressão oncótica do plasma; PHm = pressão
hidrostática da matriz extracelular; POm = pressão oncótica da matriz extracelular

4.1.1 Mecanismos de edema tecidual

A pressão hidrostática do sangue força a saída de líquidos dos vasos para os tecidos. Os capilares
intactos apresentam uma barreira à passagem de proteínas plasmáticas (tais como a albumina) para
os tecidos.

50
PATOLOGIA

Pressão Pressão osmótica


hidrostática coloidal

A. Normal Proteínas plasmáticas

Pressão hidrostática aumentada Extravasamento de líquido Pressão oncótica coloidal


(obstrução ao fluxo venoso, diminuída (síntese proteica
p. ex., insuficiência cardíaca diminuída, p. ex., doença
congestiva) hepática; perda aumentada de
B. Transudato proteínas, p. ex., doença renal)

Extravasamento de líquidos e proteínas

C. Exsudato Vasodilatação e estase

Inflamação
Espaços interendoteliais
aumentados

Figura 19 – Mecanismos de transudação e exsudação

O edema pode ser localizado ou generalizado, chamado anasarca. Nomes especiais são utilizados
para identificar edemas em cavidades naturais. De modo geral, utiliza‑se o prefixo “hidro” seguido
da palavra que indica a cavidade. Assim: hidroperitônio (ou ascite), hidropericárdio, hidrotórax,
hidrocele (cavidade escrotal) etc.

4.1.2 Etiopatogênese

A patogênese do edema está relacionada com as forças que regulam o transporte de líquidos entre
os vasos e o interstício. Em princípio, o edema resulta de quatro mecanismos:

• aumento da pressão hidrostática vascular;

• redução da pressão oncótica do plasma;

• aumento da permeabilidade vascular; e

• bloqueio da circulação linfática.

Para facilitar a compreensão desses fatores nas diversas situações em que se forma edema, serão
comentados, separadamente, os edemas localizados e os generalizados.

51
Unidade I

4.1.3 Edema localizado

Resulta de causas locais que alteram as forças de Starling ou que interferem com a drenagem
linfática. Os principais exemplos estão comentados adiante.

Edema por aumento da permeabilidade vascular

O melhor exemplo desse tipo de edema é o que ocorre em inflamações agudas; nesses casos,
forma‑se um exsudato rico em proteínas e células. O aumento da permeabilidade vascular ocorre
predominantemente nas vênulas, nas quais se abrem espaços entre as células endoteliais por ação de vários
mediadores inflamatórios. Com o aumento da permeabildade, ocorre passagem de macromoléculas para
o interstício, as quais aumentam a pressão oncótica na MEC, aumentando a filtração para o interstício
(PO aumentada na MEC gera uma força que puxa água do plasma).

Edema inflamatório causado por agressões que induzem liberação rápida de mediadores de
vasodilatação, como ocorre em queimaduras, traumatismos físicos, reações alérgicas ou picadas
de inseto, desenvolve‑se rapidamente e forma exsudatos pobres em células, razão pela qual são mais
moles e mais compressíveis do que aqueles provocados por agressões que induzem grande exsudação
celular e de fibrina. A fibrina depositada na MEC é responsável por aumento da consistência nos edemas.

Edema por aumento da pressão hidrostática sanguínea

Provocado por aumento da pressão intravascular em veias e vênulas, pode ser localizado ou
generalizado. No primeiro caso, o aumento é causado por obstrução de veias por trombos ou compressão
extrínseca, por insuficiência de válvulas venosas (como em varizes); no segundo, por aumento da
pressão venosa sistêmica por insuficiência cardíaca direita. Com obstrução venosa, o território drenado
apresenta hiperemia passiva e edema.

Na insuficiência valvular venosa e na insuficiência cardíaca direita, surge edema nos membros
inferiores por mecanismos semelhantes. O aumento da pressão venosa reflete‑se na microcirculação,
sobrepondo‑se à força de reabsorção da pressão oncótica do plasma; se o aumento do líquido intersticial
não é drenado pela circulação linfática, surge edema. Nesses casos, trata‑se de transudato típico, que é
pobre em proteínas e compressível, com sinal do cacifo bem evidente.

O edema de membros inferiores é influenciado pela gravidade: aparece (ou piora) no fim do dia
(edema vespertino) porque o paciente permanece por longo período em pé, e melhora depois que o
indivíduo coloca os membros inferiores em posição horizontal, ao se deitar; ao acordar, o paciente
percebe que o edema se reduziu ou desapareceu. A posição horizontal do corpo favorece o retorno
venoso, diminuindo a pressão venosa periférica.

52
PATOLOGIA

A) B)

Figura 20 – Sinal do cacifo para identificar edema: (A) compressão rápida com o
polegar que provoca deslocamento do líquido intersticial; (B) após a retirada do
dedo, permanece uma depressão (sinal do cacifo)

Edema pulmonar

Tem início geralmente súbito, por elevação da pressão nas veias pulmonares e/ou por aumento na
permeabilidade capilar. Aumento súbito de pressão nas veias pulmonares ocorre em casos de falência cardíaca
aguda, causada principalmente por infarto do miocárdio, lesões valvares e miocardites extensas. Nesses casos,
ocorre aumento súbito da pressão nas veias pulmonares, levando à transudação rápida de líquido para os
alvéolos. Os pacientes apresentam insuficiência respiratória, com dispneia intensa e eliminação de fluido
espumoso e róseo (porque contém sangue) pela boca. Insuficiência respiratória aguda pode levar à morte.
Edema pulmonar crônico acompanha insuficiência cardíaca esquerda e todas as condições que aumentam a
pressão nas veias pulmonares (por exemplo, estenose ou insuficiência da valva mitral).

Edema generalizado

Em algumas situações (por exemplo, insuficiência cardíaca, hipoproteinemia etc.), o edema tende
a ser generalizado desde o seu início. Em outras, um edema inicialmente localizado pode acionar
mecanismos de compensação que acabam por generalizar o processo, provocando redistribuição
dos líquidos do corpo e aumento do líquido intersticial na maioria dos órgãos. Esses são os edemas
generalizados, que serão discutidos em separado, embora os mecanismos envolvidos na generalização
tenham componentes comuns.

Edema na insuficiência cardíaca

Insuficiência cardíaca direita acompanha‑se de edema, que é localizado inicialmente nos membros
inferiores, mas que normalmente torna‑se generalizado e acompanhado de hidropericárdio, hidrotórax e
ascite, culminando em anasarca. Além do aumento generalizado da pressão hidrostática sanguínea pela
53
Unidade I

dificuldade do retorno venoso sistêmico, a generalização do edema deve‑se à ativação de mecanismos


reguladores que tentam restaurar a volemia, diminuída pela saída de líquido para o interstício nos locais
onde o edema se iníciou. A queda do débito cardíaco estimula o sistema adrenérgico com vasoconstrição
e queda da filtração renal, causando retenção de sódio e água pela ativação do sistema renina‑angiote
nsina‑aldosterona.

Edema na hipoproteinemia

Redução acentuada na quantidade de proteínas plasmáticas, em geral por diminuição da albumina,


acompanha‑se de edema generalizado. Hipoalbuminemia reduz a pressão oncótica do plasma, diminuindo
a reabsorção do fluido intersticial, que se acumula de modo sistêmico, com maior intensidade em tecidos
frouxos. Como comentado no edema da insuficiência cardíaca, a retenção de líquido nos tecidos diminui
a volemia, o que ativa o sistema renina‑angiotensina‑aldosterona, contribuindo para a generalização
do edema. São causas comuns de edema por hipoproteinemia: desnutrição proteico‑energética grave,
hepatopatias que reduzem a síntese de albumina (por exemplo, cirrose) e perda excessiva de albumina na
urina em algumas doenças renais, como síndrome nefrótica, em que ocorre aumento da permeabilidade
glomerular a macromoléculas.

Observação

Na pele edemaciada, o acúmulo de líquido na MEC da derme e do


subcutâneo pode ser identificado por compressão digital, que resulta em
uma depressão que demora a voltar ao normal: é o clássico sinal do cacifo,
utilizado pelos profissionais de saúde para identificar edema na pele.

4.2 Hiperemia e congestão

É o aumento da quantidade de sangue no interior dos vasos de um órgão ou território orgânico.


A hiperemia pode ser ativa ou passiva, aguda ou crônica.

A hiperemia ativa consiste em dilatação arteriolar com aumento do fluxo sanguíneo local.
A vasodilatação tem origem simpática ou humoral e leva à abertura de capilares “inativos”, o que resulta
na coloração rósea intensa ou vermelha do local atingido e em aumento da temperatura. Ao microscópio,
os capilares encontram‑se repletos de hemácias. Hiperemia ativa pode ser:

• Fisiológica, quando há necessidade de maior irrigação, como ocorre nos músculos esqueléticos
durante o exercício, na mucosa gastrintestinal durante a digestão, na pele em ambientes quentes
(para aumentar a perda de calor) ou na face diante de emoções.

• Patológica, a qual acompanha inúmeros processos patológicos, principalmente as inflamações agudas.

A hiperemia passiva, também conhecida como congestão, decorre da redução da drenagem venosa,
que provoca distensão das veias distais, vênulas e capilares; por isso mesmo, a região comprometida
54
PATOLOGIA

adquire coloração vermelho‑escura devido à alta concentração de hemoglobina desoxigenada. Pode ser
localizada (obstrução de uma veia) ou sistêmica (insuficiência cardíaca).

Congestão pode ser causada por obstrução extrínseca ou intrínseca de uma veia (compressão
do vaso, trombose etc.) ou por redução do retorno venoso, como acontece na insuficiência cardíaca.
Na insuficiência cardíaca esquerda ou nos casos de estenose ou insuficiência da valva mitral, surge
congestão pulmonar; na insuficiência cardíaca direita, há congestão sistêmica. Na congestão aguda,
os vasos estão distendidos e o órgão é mais pesado; na crônica, o órgão pode sofrer hipotrofia e
apresentar micro‑hemorragias antigas. Como na hiperemia passiva há aumento da pressão hidrostática
intravascular, congestão e edema encontram‑se muitas vezes associados. As hiperemias passivas mais
importantes são as dos pulmões, do fígado e do baço.

Na congestão pulmonar, os capilares alveolares encontram‑se dilatados e os septos tornam‑se


alargados por edema intersticial; a longo prazo, os septos sofrem fibrose e ficam espessados. Por causa
de microrrupturas de capilares, há passagem de hemácias para os alvéolos e sua fagocitose pelos
macrófagos alveolares, os quais passam a constituir as chamadas “células da insuficiência cardíaca”.
Congestão é causa frequente e importante de edema pulmonar.

Congestão hepática, aguda ou crônica é provocada na maioria das vezes por insuficiência cardíaca
congestiva e, menos frequentemente, por obstrução das veias hepáticas ou da veia cava inferior.
Na congestão aguda, o fígado apresenta‑se discretamente aumentado de peso e volume e tem cor
azul‑vinhosa; ao corte, flui sangue das veias centrolobulares dilatadas. Na congestão crônica, o órgão tem
cor vermelho‑azulada, as regiões centrolobulares são deprimidas e ficam circundadas por parênquima
hepático às vezes amarelado, conferindo o aspecto de noz‑moscada. Ao microscópio, os sinusoides são
alargados e os hepatócitos centrolobulares estão hipotróficos pela hipóxia. Em fase avançada, pode haver
necrose e hemorragia centrolobulares e fibrose das veias centrolobulares e dos sinusoides (fibrose cardíaca).

Congestão do baço aguda é causada sobretudo por insuficiência cardíaca; o órgão encontra‑se pouco
aumentado de volume, cianótico e repleto de sangue. Congestão crônica é encontrada principalmente
nos casos de hipertensão porta (cirrose hepática, esquistossomose etc.). O baço é aumentado de
volume (às vezes de forma acentuada, podendo pesar até 700 g), endurecido por fibrose e com focos
de hemorragia. A esplenomegalia congestiva pode se acompanhar de hiperesplenismo, que se caracteriza
por anemia, leucopenia e plaquetopenia, isoladas ou associadas.

A hiperemia passiva crônica nos membros inferiores resulta de insuficiência venosa por incapacidade
do mecanismo valvular das veias e da bomba venosa das pernas para manter o retorno venoso adequado.
A estase sanguínea provoca inicialmente edema, que tipicamente se acumula durante o dia, enquanto
o indivíduo permanece em pé, e é aliviado quando mantém o membro artificialmente elevado, ou está
deitado. Ao longo de meses ou anos, forma‑se hemorragia por diapedese, que resulta em pigmentação
hemossiderótica da pele e provoca seu escurecimento, especialmente na metade inferior da perna e do pé.

As veias superficiais dilatam‑se progressivamente por deficiência das válvulas das veias perfurantes.
A dilatação venosa e a lentidão do fluxo acabam favorecendo o desenvolvimento de trombos nas veias
profundas, que é a fonte mais frequente e importante de tromboembolia pulmonar. Em alguns pacientes,
55
Unidade I

formam‑se úlceras cutâneas progressivas e de difícil tratamento. A origem dessas úlceras é complexa e
envolve alterações no fluxo sanguíneo, no trofismo tecidual e na microbiota residente na pele afetada,
a qual poderia estimular autoagressão pela resposta imunitária inata, responsável pela instalação e pela
progressão da lesão.

A hiperreatividade do sistema imunitário parece justificar o processo inflamatório ulcerativo crônico


que se associa comumente à insuficiência venosa nos membros inferiores.

Figura 21 – Insuficiência venosa de longa duração no membro inferior: pigmentação castanho‑escura


da pele e dilatações varicosas das veias no dorso do pé e no tornozelo; detalhe: corte histológico
da pele mostra macrófagos carregados de hemossiderina na derme profunda

A síndrome de hiperviscosidade é entendida como um distúrbio da microcirculação caracterizado por


aumento da viscosidade sanguínea que resulta em redução do fluxo capilar (hipoperfusão) e isquemia
de órgãos; suas causas são muito variadas.

4.3 Trombose

É o processo patológico caracterizado pela solidificação do sangue dentro dos vasos ou do coração,
no indivíduo vivo. Trombo é a massa sólida formada pela coagulação do sangue. Coágulo, por outro lado,
significa massa não estruturada de sangue fora dos vasos ou do coração (por exemplo, sangramento
dentro da cavidade peritoneal), ou formada por coagulação após a morte (com a parada da circulação,
o sangue tende a se coagular no interior do coração e dos vasos).

Os trombos podem ser venosos ou arteriais. Os venosos são formados primariamente por hemácias
presas em uma rede de fibrina, além de algumas plaquetas, e se formam em áreas de estase após ativação
do sistema de coagulação. Os trombos arteriais contêm principalmente plaquetas, possuem relativamente
pouca fibrina e se formam em locais com lesão endotelial e fluxo sanguíneo de alta velocidade.

56
PATOLOGIA

Etiopatogênese

Trombose resulta da ativação patológica do processo normal da coagulação sanguínea, que pode
ocorrer quando existe:

• lesão endotelial;

• alteração do fluxo sanguíneo (estase ou turbulência);

• hipercoagulabilidade do sangue.

Essas alterações são chamadas tríade de Virchow.

4.3.1 Lesão endotelial

Como já comentado, a integridade do revestimento vascular pelas células endoteliais é essencial
para a manutenção da fluidez do sangue, razão pela qual lesões estruturais ou funcionais do endotélio
se associam muitas vezes à formação de trombos. Lesão ou perda endotelial ocorre em inúmeras
circunstâncias, especialmente sobre placas ateromatosas, por agressão direta de bactérias ou fungos,
pela presença de leucócitos ativados em inflamações agudas (vasculite), por traumatismos e por
invasão vascular por neoplasias malignas. A perda do revestimento endotelial permite contato direto do
sangue com o conjuntivo subendotelial (ativação da via intrínseca), adesão e agregação plaquetárias e
redução dos fatores anticoagulantes. Deve ser ressaltado que o endotélio não precisa estar lesionado
para contribuir para o desenvolvimento da trombose, qualquer desequilíbrio das atividades pró e
antitrombótica do endotélio pode influenciar os eventos de coagulação local.

4.3.2 Alterações do fluxo sanguíneo

Duas situações favorecem à trombose:

• Retardamento do fluxo. Redução da velocidade do sangue é fator importante na gênese de


trombos venosos. Insuficiência cardíaca, dilatação vascular, aumento do hematócrito, aumento da
viscosidade do sangue ou redução da contração (bomba) muscular (especialmente em pacientes
acamados) diminuem a velocidade sanguínea, favorecem à agregação de hemácias e plaquetas e
são causa frequente de trombose venosa. Na síndrome de hiperviscosidade, existem aumento da
resistência do fluxo e estase sanguínea nos pequenos vasos; o baixo fluxo sanguíneo causa hipóxia
endotelial, agravando o quadro. Além disso, retardamento do sangue aumenta a permanência
dos fatores de coagulação ativados no local. Por tudo isso, a mobilização precoce de pacientes
acamados é muito importante na prevenção da trombose venosa profunda após cirurgias.
Redução da velocidade do sangue no interior do coração (insuficiência cardíaca, fibrilação atrial
etc.) também favorece à formação de trombos intracardíacos.

• Aceleração do fluxo e turbulência. Aumento da velocidade do sangue modifica o fluxo laminar,


permitindo o contato das plaquetas com a superfície interna dos vasos. Turbulência do fluxo lesa
57
Unidade I

o endotélio, permite o contato das plaquetas com a parede vascular e diminui a velocidade do
sangue. É encontrada em aneurismas, mas ocorre também em bifurcações ou na emergência de
ramos arteriais, locais em que a direção do fluxo se modifica e a força de cisalhamento pode
descolar células endoteliais. Defeitos cardíacos congênitos em que há comunicações anômalas
entre átrios ou entre ventrículos se associam a fluxo em jato ou turbulento, o que causa lesão
endocárdica e trombose parietal.

Figura 22 – À esquerda, fluxo laminar com elementos celulares (inclusive plaquetas) no eixo
central do vaso, na região marginal flui predominantemente o plasma; turbulência de fluxo
lesa o endotélio e aumenta o contato das plaquetas com a parede

A)

B)

Figura 23 – Turbulência em locais de dilatação vascular, como em aneurismas (A),


em ramificações dos vasos ou em locais de mudança de direção do fluxo (B)

58
PATOLOGIA

4.3.3 Hipercoagulabilidade

Pode ser provocada por:

• Aumento do número (trombocitose) ou modificações funcionais das plaquetas, como variações


dos receptores da superfície plaquetária.

• Alterações dos fatores pró ou anticoagulantes, que podem ser congênitas ou adquiridas.
A importância de um componente genético na patogênese da trombose tem sido cada vez mais
reconhecida nos últimos anos. No entanto, fatores genéticos têm papel diferente na trombose
venosa e na arterial. Entre as alterações congênitas, a mais importante é uma mutação pontual
na molécula do fator V (denominada fator V de Leiden, nome da cidade na Holanda, onde foi
detectada pela primeira vez). O fator V de Leiden é resistente à inativação pela proteína C.
Nos indivíduos com essa mutação, o risco de desenvolver trombose venosa é muito alto.

Em muitas condições adquiridas pode haver aumento da coagulabilidade do sangue. Liberação de


tromboplastina no plasma, que ativa a via extrínseca da coagulação, acontece frequentemente em
politraumatismos, queimaduras, cirurgias extensas, circulação extracorpórea, neoplasias malignas,
descolamento prematuro da placenta e feto morto retido.

A associação de trombose e câncer é frequente e importante: a síndrome de Trousseau consiste


na existência de trombos venosos múltiplos, em diferentes locais e tempos, em pacientes cancerosos,
especialmente aqueles com tumores do sistema digestivo. Durante a reação de fase aguda, pode haver
aumento da fibrinólise e hipercoagulabilidade.

Outro exemplo é o uso de anticoncepcionais orais contendo estrógenos, que se associa a aumento
de protrombina e fibrinogênio e apresenta maior tendência à formação de trombos. Por motivo
semelhante, o risco de trombose aumenta no final da gestação. O tabagismo potencializa o risco de
trombose coronariana ou venosa em mulheres em uso de anticoncepcionais orais.

4.3.4 Aspectos morfológicos

Trombos podem se formar em qualquer local do sistema cardiovascular. Nas cavidades cardíacas e
na aorta, em geral, são não oclusivos (trombos murais), por causa do grande calibre e do fluxo rápido;
em artérias menores e nas veias, podem obstruir completamente a luz (trombos oclusivos). No coração e
nas artérias, os trombos formam massas cinza‑avermelhadas, compostas por áreas pálidas de fibrina
e plaquetas alternadas com regiões escuras contendo hemácias (linhas de Zahn). Esse aspecto se deve à
deposição rítmica dos componentes celulares seguindo a pulsação do sangue, semelhante à formação
das ondulações de areia em uma praia.

Como os trombos venosos se formam geralmente por estase (que ativa os fatores da coagulação,
mas sendo a ativação plaquetária menos importante), quase sempre eles são vermelho‑azulados, por
serem formados predominantemente por hemácias e fibrina, muito semelhantes ao sangue coagulado
em um tubo de ensaio. Nas artérias, os trombos são formados principalmente por plaquetas e fibrina e,
59
Unidade I

por isso, são brancos. Trombos mistos, contendo componentes brancos e vermelhos, são os mais comuns.
Trombos hialinos, constituídos essencialmente por fibrina, são encontrados sobretudo em arteríolas e
vênulas. Os trombos são sempre aderidos à parede onde se formam e possuem cabeça, corpo e cauda.
Além disso, são secos, opacos e friáveis (fragmentam‑se com certa facilidade); já os coágulos são
brilhantes, úmidos, elásticos e não aderidos à parede.

4.3.5 Trombose venosa (flebotrombose)

A maioria dos trombos venosos ocorre nas veias superficiais e profundas da perna. Os trombos
venosos superficiais ocorrem normalmente nas veias safenas, no contexto de varicosidades.
Esses trombos podem causar congestão local, tumefação, dor e sensibilidade, mas raramente embolizam.
No entanto, o edema e a drenagem deficiente predispõem a pele a infecções após pequenos traumas e a
formação de úlceras varicosas. A trombose venosa profunda (TVP) nas grandes veias da perna – ao nível
ou acima do joelho (por exemplo veias poplíteas, femurais e ilíacas) – é mais grave, pois esses trombos
embolizam com frequência para os pulmões e causam infarto pulmonar.

Trombose venosa profunda é complicação comum em pacientes acamados, principalmente após


cirurgias. Além da liberação de tromboplastina por traumatismos prévios e pelo próprio ato cirúrgico,
redução do fluxo venoso pela imobilização favorece trombose nas veias profundas dos membros inferiores
e pélvicas, acometendo 10%‑15% dos pacientes submetidos a cirurgias de maior porte, 30% dos internados
em unidades de terapia intensiva e 40%‑60% dos indivíduos após cirurgia por fraturas da pelve.
A) B) C) D)

Figura 24 – Formação de um trombo em veia profunda dos membros inferiores: como tais veias possuem valvas, no recesso delas,
o fluxo sanguíneo laminar torna‑se turbilhonado, em condições normais, o turbilhonamento é pequeno, e as plaquetas mantêm‑se
longe do endotélio (A); quando existe redução do fluxo (por exemplo, insuficiência cardíaca ou imobilização), as veias dilatam‑se,
a velocidade do sangue diminui e o turbilhonamento do sangue aumenta no recesso valvar, aumentando o choque de plaquetas
contra o endotélio nesse local (B); ao se chocarem com o endotélio, as plaquetas são ativadas, agregam‑se e iniciam a formação
de um trombo, por ativação da coagulação sanguínea (C); o crescimento do trombo é rápido devido à velocidade reduzida do fluxo
sanguíneo, o trombo cresce na direção do fluxo e também de modo retrógrado, devido à progressiva redução da velocidade do
sangue a montante do local onde o trombo começou a ser formado (D)

60
PATOLOGIA

4.3.6 Coagulação intravascular disseminada

A coagulação intravascular disseminada (CID) resulta de ativação sistêmica da coagulação sanguínea,


caracteriza‑se pela formação de trombos múltiplos especialmente na microcirculação. Os microtrombos
são comuns em rins, pulmões, encéfalo, coração e glândulas endócrinas. Em consequência da formação
generalizada de trombos de fibrina, ocorre ativação sistêmica do sistema fibrinolítico, o que leva a
consumo de fibrinogênio e de outros fatores da coagulação. Com isso, surge hemorragia sistêmica,
caracterizando a chamada coagulopatia de consumo. A CID tem, portanto, uma fase trombótica e uma
fase hemorrágica, que podem acontecer simultaneamente.

As principais causas de CID são:

• condições obstétricas: (a) embolia amniótica; (b) descolamento prematuro da placenta; (c) feto
morto retido;

• traumatismo com destruição tecidual;

• infecções sistêmicas de qualquer natureza, especialmente bacterianas;

• neoplasias malignas;

• pancreatite aguda necro‑hemorrágica;

• agressões acompanhadas de resposta inflamatória sistêmica e choque séptico.

4.3.7 Evolução (consequências)

O crescimento progressivo de um trombo pode obstruir total ou parcialmente a luz dos vasos ou
câmaras cardíacas (trombos oclusivos e semioclusivos), com prejuízo no fluxo sanguíneo. Uma vez
iniciado, o trombo pode crescer e, após tempo variável, sofrer dissolução ou organização. Trombos
recentes muitas vezes sofrem dissolução (trombólise) espontânea pelo sistema fibrinolítico. A organização
faz‑se por meio de reação inflamatória, em que os fagócitos englobam as células do coágulo e digerem
a fibrina, ao mesmo tempo em que liberam fatores de crescimento e quimiocinas, que atraem e ativam
células que originam o tecido de granulação, que acaba incorporando o trombo à parede dos vasos ou
do coração (conjuntivização do trombo).

Nos trombos oclusivos, no processo de conjuntivização, pode haver proliferação endotelial que origina
canais que permitem o fluxo de sangue, restabelecendo parcialmente a circulação. É o que se denomina
recanalização do trombo, a qual pode restabelecer em parte a circulação no território comprometido.

Os trombos podem também sofrer colonização bacteriana ou fúngica e causar nos vasos e no coração
diversas lesões, como endocardite valvar ou mural, e tromboflebite, a última favorecida pelo uso de
cateteres intravasculares de demora). Quando se fragmentam, tais trombos originam êmbolos sépticos.
A consequência principal dos trombos é a obstrução do vaso no local de sua formação ou a distância,
61
Unidade I

esta quando o trombo se desprende ou se fragmenta e forma êmbolos (ver adiante). Obstrução arterial
leva à isquemia (ver adiante); obstrução venosa reduz a drenagem sanguínea, provocando hiperemia
passiva (congestão) e edema.
A)

B)

C)

Figura 25 – Evolução de um trombo arterial: uma vez formado (A), o trombo pode fragmentar‑se (B)
e originar êmbolos (tromboembolismo); o trombo pode também sofrer dissolução (trombólise)
parcial, que permite o restabelecimento de parte do fluxo sanguíneo (C)

Lembrete

Fatores que predispõem à tromboembolia: imobilização; traumatismo,


idade avançada, neoplasias, gravidez, contraceptivos orais, obesidade e
infarto do miocárdio.

4.4 Embolia

Embolia consiste na presença de um corpo sólido, líquido ou gasoso (êmbolo) transportado pelo
sangue e capaz de obstruir um vaso; a obstrução ocorre geralmente após uma ramificação, quando o
diâmetro vascular fica menor do que o do êmbolo. Em mais de 90% dos casos, os êmbolos se originam
de trombos (tromboembolia); menos comumente, são formados por fragmentos de placas ateromatosas,
vesículas lipídicas ou bolhas de gases. Êmbolos originados de trombos venosos (exceto no sistema porta)
são levados aos pulmões; trombos arteriais (coração ou grandes artérias) originam êmbolos que se
dirigem à grande circulação e se alojam frequentemente no cérebro, nos intestinos, nos rins, no baço e
em membros inferiores.

62
PATOLOGIA

4.4.1 Tromboembolia pulmonar

Na maioria dos casos, origina‑se de trombos formados nas veias iliofemorais profundas ou veias profundas
da panturrilha), especialmente em indivíduos acamados após cirurgias ou fraturas; menos frequentemente,
os trombos se originam nas veias dos plexos pélvicos ou no átrio ou ventrículo direitos. As consequências da
embolia pulmonar dependem principalmente do tamanho e do número dos êmbolos.

4.4.1.1 Êmbolos grandes

Êmbolos volumosos (5% dos casos de embolia pulmonar) que obstruem o tronco da artéria pulmonar
causam bloqueio mecânico do leito arterial, agravado por vasoconstrição reflexa (provocada pelo menos
em parte pelo TXA2 liberado pelos tromboêmbolos), o que cria redução anatômica e funcional do leito
vascular pulmonar. Com isso, a pressão pulmonar aumenta rapidamente, causando sobrecarga aguda no
ventrículo direito (cor pulmonale agudo). Também por causa do bloqueio arterial, há redução acentuada
do sangue que chega ao átrio esquerdo, podendo resultar em choque. Clinicamente, o paciente apresenta
dispneia, tosse, dor torácica e hipotensão arterial. Quando mais de 60% do leito arterial pulmonar é ocluído,
o tromboembolismo é letal, e a maioria dos pacientes falece nos primeiros 30 minutos após tromboembolia
maciça. Esse quadro ocorre tipicamente no pós‑operatório: quando o paciente sai do leito pela primeira
vez, os trombos são desalojados das veias dos membros inferiores e conduzidos aos pulmões.

4.4.1.2 Êmbolos de médio volume

Em indivíduos previamente saudáveis, êmbolos que se alojam nos ramos pulmonares de médio
calibre podem ser assintomáticos, pois a irrigação pelas artérias brônquicas é capaz de evitar a necrose
no território que sofreu obstrução da artéria pulmonar. Em pacientes com insuficiência cardíaca, ao
contrário, a pressão nas artérias brônquicas não é suficiente para superar o aumento da pressão nas veias
pulmonares e, assim, o fluxo sanguíneo se torna lento e incapaz de manter o parênquima vivo. A necrose
que se instala é hemorrágica porque ainda existe um fluxo mínimo de sangue. A região de necrose tem
forma triangular, com base voltada para a pleura. O paciente apresenta fraqueza temporária, dispneia,
arritmias, dor pleural e hemoptise; aos raios X, aparecem sinais de derrame pleural.

4.4.1.3 Êmbolos de pequeno volume

Êmbolos pequenos, mas múltiplos, repetidos e disseminados podem ocluir a circulação pulmonar.
Oclusão de mais de 30% do leito pulmonar causa hipertensão pulmonar e cor pulmonale. Tromboembolia
pulmonar é uma complicação comum de vários processos patológicos e é a doença pulmonar letal mais
frequente em indivíduos internados em um hospital geral. Em cerca de 15% dos indivíduos autopsiados,
encontram‑se êmbolos pulmonares, muitos deles responsáveis pelo óbito. Clinicamente, seu diagnóstico
é complexo, e sua frequência real é subestimada.

4.4.2 Tromboembolia arterial

Na maioria dos casos, os êmbolos se originam de trombos formados no coração (infarto do miocárdio,
fibrilação atrial, doença de Chagas, dilatação do VE por insuficiência cardíaca, aneurismas do ventrículo
63
Unidade I

esquerdo, lesão de valvas cardíacas) ou na aorta, em aneurismas ou sobre placas ateromatosas.


Os principais locais de obstrução vascular na embolia arterial são:

• Encéfalo, gerando acidente vascular cerebral isquêmico.

• Artérias mesentéricas, podendo provocar infarto intestinal, muitas vezes fatal.

• Baço ou rins, resultando em infartos geralmente desprovidos de sérias complicações para


o paciente.

• Membros inferiores, provocando isquemia e dor; se a obstrução não é desfeita, surge necrose nas
extremidades, podendo comprometer grande parte do membro afetado.

4.4.3 Embolia pulmonar

Êmbolos nos pulmões originam‑se na maioria dos casos de trombos nas veias profundas dos membros
inferiores. Êmbolos grandes podem obstruir o tronco da artéria pulmonar ou se alojar na bifurcação do
tronco principal (embolia pulmonar maciça com êmbolo “a cavaleiro” na bifurcação da artéria pulmonar),
causando morte súbita (parada do fluxo sanguíneo pulmonar e de trocas gasosas nos pulmões).

Embolização de ramos lombares, segmentares ou subsegmentares das artérias pulmonares,


dependendo da extensão do comprometimento pulmonar, pode causar maior ou menor desconforto
respiratório e dor, por redução da hematose, sobrecarga pressórica do ventrículo direito (cor pulmonale)
e/ou broncoconstrição por difusão de serotonina do interior das plaquetas alojadas no interior dos
êmbolos. Na embolia pulmonar, a dor torácica pode ser pleurítica ou de origem vascular, mas os
mecanismos não são bem conhecidos.

A circulação sanguínea pulmonar é feita pela artéria pulmonar e pelas artérias brônquicas.
Em indivíduos sem alteração circulatória prévia, as artérias brônquicas são capazes de suprir
adequadamente o território eventualmente privado de sangue por obstrução da artéria pulmonar por
embolia. Por isso mesmo, quando os êmbolos são pequenos e pouco numerosos e chegam aos pulmões
sem alterações circulatórias, a embolia pulmonar é geralmente discreta e desprovida de repercussão
clínica. Na maioria desses casos, ocorre dissolução espontânea por pulverização do êmbolo ao se chocar
com as dicotomizações vasculares, pela força de cisalhamento da circulação e por ação da plasmina
sérica (trombólise). Uma vez retidos na circulação e se não são dissolvidos completamente, os êmbolos
podem organizar‑se (conjuntivizar), sendo vistos no interior de artérias pulmonares como bandas
fibrosas atravessando ou ocluindo a luz vascular. A repetição desses fenômenos (embolização recorrente)
repercute progressivamente sobre a pressão arterial pulmonar (hipertensão pulmonar por aumento da
resistência ao fluxo sanguíneo).

O processo de conjuntivização ou organização dos êmbolos é idêntico ao descrito para a organização


de trombos. Quando eles, mesmo pequenos, obstruem ramos menores da artéria pulmonar em pulmões
com hiperemia passiva, a consequência é um infarto vermelho (ver adiante). Quando existe insuficiência
cardíaca (que causa hiperemia passiva pulmonar), a pressão no ramo da artéria brônquica é insuficiente
64
PATOLOGIA

para movimentar o sangue no território capilar, produzindo redução drástica na velocidade circulatória
(estase sanguínea) e anoxia, que provoca necrose do parênquima e hemorragia. Infarto pulmonar é
favorecido também quando existe qualquer condição que leva à hipóxia no território da artéria obstruída.
A) B) C)

Figura 26 – Tromboembolia pulmonar: (A) embolia maciça causando obstrução do fluxo sanguíneo
pulmonar e sobrecarga ventricular direita (cor pulmonale agudo); (B) tromboembolia em ramo de
médio calibre em paciente com insuficiência cardíaca causando infarto pulmonar; (C) múltiplos
pequenos êmbolos provocando hipertensão pulmonar

4.4.4 Embolia gasosa

A embolia gasosa que classicamente ilustrava os textos de patologia (em mergulhadores de grandes
profundidades e escafandristas) é hoje muito rara em razão do conhecimento que se tem sobre sua
patogênese e, portanto, das medidas de proteção disponíveis. Diversas causas de embolia gasosa
iatrogênica surgiram pela utilização de procedimentos invasivos, propedêuticos ou terapêuticos, por
meio da inserção de agulhas e cateteres em vasos ou em cavidades serosas. Aliás, hoje, as principais
causas de embolia gasosa são acidentes iatrogênicos ou traumáticos, sendo o mecanismo semelhante
em todas elas.

Instrumentos de infusão de líquidos por via parenteral podem ter nas vias de acesso arterial ou venoso
conexão com dispositivos de bombeamento com ar comprimido, podendo esse ar ser acidentalmente
injetado na circulação. Desconexão acidental de cateteres para via de acesso em veia profunda ou
durante punção para colocação de cateteres e passagem de sondas podem também produzir passagem
acidental de ar para a circulação. Ventilação mecânica com pressão positiva e em condições de resistência
pulmonar aumentada causa, às vezes, pneumotórax e enfisema intersticial; tal procedimento pode
também forçar o ar do interstício para ramos da veia pulmonar, podendo gerar embolia gasosa.

Pequenas bolhas de ar em pequenos vasos podem agredir o endotélio e causar microtrombos, que
agravam mais ainda o efeito obstrutivo dos êmbolos. As manifestações clínicas principais da embolia
gasosa são relacionadas com o sistema nervoso central; paralisias, paresias e quadros diversos de
isquemia cerebral são as mais importantes da síndrome de descompressão.

65
Unidade I

A chamada síndrome de descompressão resulta da formação de bolhas de ar, especialmente


nitrogênio, quando o indivíduo submerso em grande profundidade retorna à superfície. Em profundidade,
a pressão atmosférica elevada aumenta a solubilização do nitrogênio do ar inspirado no sangue; quando
o indivíduo retorna à superfície rapidamente, a pressão atmosférica cai e o nitrogênio dissolvido volta
ao estado gasoso e forma bolhas que obstruem vasos na microcirculação.

4.4.5 Embolia por líquidos

Os tipos mais comuns dessa forma de embolia são a de líquido amniótico e a gordurosa. A primeira
resulta das contrações uterinas que forçam a passagem do líquido para o interior das veias uterinas
expostas durante o trabalho de parto. Complicação rara da gestação (ocorre em cerca de 1 em cada
50 mil partos), embolia de líquido amniótico é grave e tem alta taxa de mortalidade, pois tem atividade
pró‑coagulante, o que desencadeia a formação de microtrombos disseminados (coagulação intravascular
disseminada) que, juntamente com as lesões pulmonares (dano alveolar difuso), é responsável pela
maioria dos óbitos.

A embolia gordurosa pode ser provocada por:

• infusão inadequada de substâncias oleosas na circulação sanguínea (injeções oleosas intramusculares);

• esmagamento do tecido adiposo ou da medula óssea amarela em indivíduos politraumatizados;

• lise de hepatócitos com esteatose acentuada, o que causa migração de gorduras para as veias hepáticas.

O uso cada vez mais frequente de injeção intratecidual de silicone líquido com fim cosmético tem
aumentado a frequência de embolia por esse polímero. O risco de embolia relaciona‑se à quantidade de
silicone e a vascularização do local de injeção; quanto maiores a quantidade de silicone injetado e o número
de vasos no local, maior a probabilidade de ele ganhar a circulação sanguínea. Os êmbolos localizam‑se nos
pulmões e causam manifestações proporcionais à intensidade e à extensão da obstrução vascular.

4.5 Hemorragia

Hemorragia ou sangramento é a saída do sangue do espaço vascular (vasos ou coração) para o


compartimento extravascular (cavidades ou interstício) ou para fora do organismo. A hemorragia pode
ser interna ou externa e recebe nomes específicos segundo sua localização. Sangramento pode ocorrer
com ou sem solução de continuidade do vaso. Os tipos de hemorragia incluem:

• Hematoma: a hemorragia para o interior do tecido mole pode ser de pouca importância (como
em uma contusão muscular) ou fatal (se localizada no cérebro).

• Hemotórax: hemorragia para o interior da cavidade pleural.

• Hemopericárdio: hemorragia para o interior do espaço pericárdico.

66
PATOLOGIA

• Hemoperitônio: hemorragia para o interior da cavidade peritoneal.

• Hemartrose: sangramento para o interior de um espaço articular.

• Púrpura: hemorragia superficial difusa na pele, até 1 cm de diâmetro.

• Equimose: hemorragia superficial maior (> 1‑2 cm) na pele; pode gerar uma marca “preto‑azulada”,
refletindo alteração da cor da pele pelos produtos da degradação da heme, decorrente da liberação
de hemoglobina das hemácias.

• Petéquias: hemorragias puntiformes, em geral na pele ou na conjuntiva; representam o


rompimento de capilares ou arteríolas e podem ocorrer associadas a coagulopatias ou vasculite.

4.5.1 Hemorragia por rexe

É o sangramento que ocorre por ruptura da parede vascular ou do coração, com saída do sangue em
jato. As principais causas são:

• traumatismos;

• enfraquecimento da parede vascular, que pode ocorrer por lesão do próprio vaso (vasculites,
hipertensão arterial crônica com lesão de pequenas artérias cerebrais) ou nas suas adjacências,
como na tuberculose que atinge a parede de vasos, na destruição de vasos no fundo de úlcera
péptica ou na invasão da parede vascular por neoplasias malignas; e

• aumento da pressão sanguínea, nas crises hipertensivas.

4.5.2 Hemorragia por diapedese

É a que se manifesta sem aparente solução de continuidade da parede do vaso e na qual as hemácias
saem de capilares ou vênulas individualmente entre as células endoteliais, com afrouxamento da
membrana basal. Por isso mesmo, quase sempre não se encontram lesões vasculares à microscopia de
luz. Ao exame ultraestrutural, observam‑se alterações nas células endoteliais e/ou na membrana basal.
As causas desse tipo de sangramento são múltiplas.

4.5.3 Evolução

As hemácias extravasadas podem sofrer lise ou serem fagocitadas por macrófagos. A hemoglobina
liberada transforma‑se em biliverdina e depois em bilirrubina; o ferro da hemoglobina gera
hemossiderina e pode ser encontrado no interior de macrófagos. Tais transformações se acompanham
de alterações na cor da lesão hemorrágica. No primeiro dia, hematomas na derme ou subcutâneo são
vermelhos, mudando para o tom azul‑violáceo nos dias seguintes; por volta de uma semana,
são esverdeados, adquirindo cor amarelada em torno de dez dias, depois desaparecem. Histologicamente,
nas fases iniciais, encontram‑se hemácias íntegras ou não no interstício; no período tardio, uma
hemorragia pode ser constatada pela presença do pigmento hemossiderina.
67
Unidade I

Algumas vezes, o sangramento adquire características peculiares. Hemorragia digestiva pode


exteriorizar‑se pela boca ou pelo ânus. Nos casos de hemorragia digestiva baixa, o sangue é eliminado
junto com as fezes sem sofrer transformação e, por isso, tem cor vermelho-vivo. Nas hemorragias
digestivas altas, após contato com o suco gástrico, a hemoglobina se transforma em hematina, que tem
cor negra. O sangue que sai junto com as fezes é escuro (semelhante à borra de café), e o sangramento
é chamado melena. Quando o sangue permanece por pouco tempo no estômago (por exemplo, ruptura
de varizes do esôfago com sangramento volumoso que provoca vômito), o sangue não é “digerido” e
tem cor vermelha; esse quadro constitui a hematêmese.

Lembrete

Hemorragia por diapedese ou diátese hemorrágica não apresenta


lesão evidente nos vasos, geralmente ao nível capilar e frequentemente do
tipo petequial ou púrpura. As hemácias fluem através da parede vascular
intacta. Visto comumente nas coagulopatias (diáteses hemorrágicas) e nas
congestões prolongadas em vênulas e capilares.

4.6 Infarto

Infarto é uma área localizada de necrose isquêmica, por interrupção do fluxo sanguíneo arterial ou
venoso. De acordo com o aspecto morfológico, o infarto pode ser branco ou vermelho (hemorrágico).

4.6.1 Infarto branco

É aquele em que a região afetada fica mais clara (branca ou amarelada) do que a cor normal do
órgão. E causado tipicamente por obstrução arterial em territórios sem ou com pouca circulação
colateral. Em órgãos ou territórios supridos por ramos colaterais, estes podem evitar lesões isquêmicas,
principalmente se formados por tecidos que, naturalmente, resistem mais à hipóxia ou à anoxia.

Em órgãos com circulação terminal ou com poucos ramos colaterais, obstrução arterial, especialmente
em situações de aumento da demanda de oxigênio, queda abrupta da pressão arterial, choque ou anemia,
resulta em infarto branco. É o que acontece tipicamente no coração, no encéfalo, nos rins e no baço.

4.6.2 Infarto vermelho

E chamado assim porque a região comprometida adquire coloração vermelha em razão da hemorragia
que se forma na área infartada. Infarto vermelho, que pode ser causado por obstrução tanto arterial
como venosa, ocorre caracteristicamente em órgãos com estroma frouxo (por exemplo, pulmões) e/ou
com circulação dupla ou com rica rede de vasos colaterais.

Obstrução de uma artéria em órgão cujos ramos colaterais podem manter o suprimento sanguíneo
não causa necrose isquêmica. É o que acontece nos pulmões; em pessoas sem problemas prévios, a
circulação pelas artérias brônquicas é suficiente para manter a viabilidade do parênquima pulmonar
quando há obstrução da artéria pulmonar (quase sempre por tromboembolia). No entanto, se o indivíduo
68
PATOLOGIA

tem insuficiência cardíaca, com hiperemia passiva e aumento da pressão venosa, o fluxo sanguíneo
pelas artérias brônquicas não é mais suficiente para garantir a irrigação normal; nesse caso, surge
necrose isquêmica. Como o pulmão é órgão muito frouxo e o sangue continua chegando pelas artérias
brônquicas, a área de infarto torna‑se hemorrágica (o sangramento ocorre também por diapedese e por
ruptura de vasos na microcirculação por causa da estase sanguínea). Clinicamente, os pacientes com
infarto pulmonar apresentam dificuldade respiratória (dispneia), dor torácica e tosse com expectoração
sanguinolenta (escassos hemoptoicos) por causa da necrose hemorrágica no parênquima pulmonar.

Nos intestinos, o infarto também é hemorrágico, tanto por obstrução arterial como venosa. Obstrução
de um ramo da artéria mesentérica (por ateroma, trombose ou embolia) leva à isquemia e necrose no
território correspondente, o qual continua recebendo sangue por outro ramo das arcadas mesentéricas.

4.6.3 Aspectos morfológicos

Macroscopicamente, o infarto branco apresenta‑se como uma área em forma de cunha com ápice
no ponto de obstrução vascular e base voltada para a superfície do órgão. No início, a região afetada é
pálida (pela falta de sangue) e suas margens são pouco definidas. Nos dias seguintes, adquire coloração
branco‑amarelada e se torna bem delimitada; nas suas margens pode haver halo hiperêmico‑hemorrágico.
Após algumas semanas ou meses (dependendo do seu tamanho), o infarto é transformado em uma
cicatriz conjuntiva, que forma uma depressão no local acometido. Nos casos de embolia séptica ou
quando há colonização da área necrosada por microrganismos, o infarto transforma‑se em um abscesso.

O infarto vermelho tem a mesma configuração do branco, só que sua cor é vermelho‑escura.
Microscopicamente, o infarto é caracterizado por necrose de coagulação, exceto no cérebro, onde é do tipo
liquefativo. A partir de seis a oito horas de sua instalação, começa a demarcação leucocitária. No segundo
dia, torna‑se bem evidente a reação inflamatória com exsudato de neutrófilos e macrófagos, os quais
fagocitam os restos celulares. Em seguida, formam‑se tecido de granulação e, finalmente, cicatriz fibrosa.

Lembrete

O infarto vermelho tem a mesma forma do branco, mas a área infartada


é vermelho‑escura, tem consistência dura e faz saliência na superfície.

Um fato importante é que o infarto só pode ser identificado macro ou microscopicamente após
algumas horas de instalação. Se o indivíduo tem um infarto e morre logo depois, não é possível identificar
morfologicamente a lesão.

4.7 Choque circulatório

O choque circulatório pode ser descrito como uma falha aguda do sistema circulatório para
abastecer os tecidos periféricos e os órgãos com um suprimento sanguíneo adequado, o que resulta
em hipoxia celular. Na maioria das vezes, há hipotensão e hipoperfusão, mas o choque pode ocorrer
com sinais vitais normais. Choque não é uma patologia específica, mas uma síndrome que pode
ocorrer no decurso de muitas condições traumáticas ou de estados patológicos potencialmente fatais.
69
Unidade I

Observação

Choque é um estado de hipoperfusão de órgãos, com resultante


disfunção celular e morte. Os mecanismos envolvidos são volume
circulante diminuído, débito cardíaco diminuído e vasodilatação, às vezes
com derivação do sangue para não passar pelos leitos capilares de troca.

Etiologia e classificação

Existem vários mecanismos de hipoperfusão de órgãos e choque; este pode ser decorrente de baixo
volume circulante (choque hipovolêmico), vasodilatação (choque distributivo), diminuição primária do
débito cardíaco (choques cardiogênico e obstrutivo) ou uma combinação desses (ver a seguir).

4.7.1 Classificação dos choques circulatórios

• Cardiogênico

—― Dano ao miocárdio (infarto, contusão do miocárdio).

—― Arritmias sustentadas.

—― Danos valvares agudos, defeito septal interventricular.

—― Cirurgia cardíaca.

• Hipovolêmico

—― Perda de sangue total.

—― Perda de plasma.

—― Perda de líquido extracelular.

• Obstrutivo

—― Incapacidade do coração de encher adequadamente (tamponamento cardíaco).

—― Obstrução ao fluxo de saída do coração (embolia pulmonar, mixoma cardíaco, pneumotórax ou


aneurisma dissecante).

• Distributivo

—― Perda do tônus vasomotor simpático (choque neurogênico).

—― Existência de substâncias vasodilatadoras no sangue (choque anafilático).

—― Existência de mediadores inflamatórios (choque séptico).


70
PATOLOGIA

4.7.1.1 Choque hipovolêmico

É causado por uma diminuição significativa do volume intravascular. O retorno venoso diminuído
resulta em diminuição do preenchimento ventricular e redução do volume de ejeção. Se não for
compensado por aumento da frequência cardíaca, o débito cardíaco diminui. Uma causa comum é
sangramento (choque hemorrágico), tipicamente decorrente de trauma, intervenções cirúrgicas, úlcera
péptica, varizes esofágicas ou aneurisma aórtico rompido.

Ele também ocorre após perdas aumentadas de líquidos corporais diferentes do sangue, como perda
de plasma (queimaduras extensas) ou desidratação (diarreia profusa e calor excessivo).

O choque hipovolêmico pode ser devido à ingestão inadequada de líquidos (com ou sem aumento
da perda de líquidos); pode haver indisponibilidade de água ou incapacitação neurológica que afete o
mecanismo da sede.

Perda de líquidos

↓ Volume circulante
Mecanismo de adaptação
↓ Retorno venoso Receptores
de volume
Recuperação do
↓ Pré-carga volume circulante
Centros
↑ HAD autonômicos
↓ Volume sistólico ↑ Na+

Renina Resposta
↓ Débito cardíaco Angiotensina simpática
Aldosterona
↓ Pressão arterial
Vasodilatação ↑ Frequência Vasoconstrição
Abertura de cardíaca periférica
capilares ↓ Perfusão tecidual

Recuperação da
Choque perfusão tecidual

↑ ADP
↑ Adenosina Hipoxia/anoxia
↑ Ácido lático

Falência de
múltiplos órgãos

Figura 27 – Choque hipovolêmico: havendo perda considerável de líquido, caem a pressão arterial e a perfusão tecidual,
levando ao choque; com a hipóxia tecidual, aumentam ADP, adenosina e ácido lático, que induzem à liberação de
mediadores que abrem a circulação terminal (arteríolas e capilares), reduzindo o retorno venoso e a perfusão
tecidual, criando um círculo vicioso que agrava o choque; no lado direito da figura, estão representados os
mecanismos de adaptação que são acionados na tentativa de compensar a perda de líquidos

71
Unidade I

Lembrete

Choque hipovolêmico caracteriza‑se pela diminuição do volume de


sangue de tal modo que torne insuficiente o enchimento do compartimento
vascular. Isso ocorre quando existe uma perda aguda de 15% a 20% do
volume de sangue em circulação.

4.7.1.2 Choque distributivo

O choque distributivo resulta de uma inadequação do volume intravascular causada por vasodilatação
arterial ou venosa; o volume de sangue circulante é normal. Em alguns casos, o débito cardíaco é alto,
mas o fluxo sanguíneo aumentado nas anastomoses arteriovenosas se desvia dos leitos capilares; esse
desvio, associado ao transporte de O2 celular dissociado, causa hipoperfusão celular (demonstrada por
menor consumo de O2). Em outras situações, o sangue se acumula em leitos venosos de capacitância e
o débito cardíaco diminui.

O choque distributivo pode ser causado por anafilaxia (choque anafilático), síndrome clínica
que representa a reação alérgica sistêmica mais grave. O choque anafilático é o resultado de uma
reação imunológica, em que substâncias vasodilatadoras como a histamina são liberadas no sangue.
Essas substâncias causam dilatação das arteríolas e vênulas, além de um aumento acentuado na
permeabilidade capilar.

A resposta vascular na anafilaxia muitas vezes é acompanhada por condições potencialmente


fatais, como edema de laringe e broncoespasmo, colapso circulatório, contração da musculatura
lisa gastrintestinal e uterina, assim como urticária ou angioedema. Entre as causas mais frequentes,
destacam‑se reações a medicamentos, como a penicilina; alimentos como frutos do mar; e toxinas no
veneno de insetos. A alergia ao látex provoca uma anafilaxia potencialmente fatal em um segmento
crescente da população. Profissionais de saúde e trabalhadores de outras áreas, quando expostos,
desenvolvem sensibilidade ao látex, que varia desde urticária leve, dermatite de contato e desconforto
respiratório leve, até o choque anafilático. O aparecimento e a gravidade dos sintomas de anafilaxia
dependem da sensibilidade da pessoa e da taxa e da quantidade de exposição ao antígeno.

72
PATOLOGIA

Antígeno
IgE

Histamina

Abertura de
capilares

Vasodilatação periférica
↓ Retorno
venoso
↓ Pressão arterial

↑ ADP
↑ Adenosina ↓ Débito
Hipoperfusão cardíaco
↑ Ácido lático tecidual

Hipoxia Choque
tecidual

Figura 28 – Choque anafilático: o mecanismo básico é a vasodilatação periférica, que se instala rapidamente,
por causa da liberação de histamina quando mastócitos são estimulados por antígenos que se ligam a IgE na
superfície deles; histamina provoca vasodilatação e queda brusca da pressão arterial, se não há intervenção
rápida, o choque pode levar rapidamente à morte por hipoperfusão persistente do sistema nervoso central

O choque séptico é outra forma de choque distributivo. Representa o tipo mais comum de choque
vasodilatador e está associado a processo infeccioso grave e resposta sistêmica a uma infecção.
Atualmente, septicemia é definida como a suspeita ou confirmação de infecção, além de uma síndrome
da resposta inflamatória sistêmica (por exemplo, febre, taquicardia, taquipneia, contagem elevada de
leucócitos, alteração do estado mental e hiperglicemia sem diabetes). A septicemia grave é definida como
um tipo com disfunção de órgãos (por exemplo, hipotensão, hipoxemia, oligúria, acidose metabólica,
trombocitopenia). O choque séptico é um tipo de septicemia grave com hipotensão, independentemente
da reposição volêmica.

O choque neurogênico é causado pela redução do controle simpático sobre o tônus dos vasos
sanguíneos devido a um defeito no centro vasomotor localizado no tronco encefálico ou no fluxo
simpático para os vasos sanguíneos. O termo choque medular descreve o choque neurogênico que
ocorre em pessoas com lesão na medula espinal. O fluxo do centro vasomotor pode ser interrompido
por uma lesão cerebral, ação depressora de substâncias, anestesia geral, hipoxia ou falta de glicose (por
exemplo, reação à insulina).

73
Unidade I

4.7.1.3 Choques cardiogênico e obstrutivo

O choque cardiogênico se instala quando o coração não consegue bombear sangue suficiente para
atender às demandas orgânicas. Clinicamente, é definido como uma diminuição do débito cardíaco,
hipotensão, hipoperfusão e indicações de hipoxia tissular, apesar do volume intravascular adequado.
Pode ocorrer de repente, por diversas causas, incluindo infarto do miocárdio, contusão miocárdica,
arritmias sustentadas e cirurgia cardíaca. Também pode surgir como uma condição de estágio final de
doença arterial coronariana ou miocardiopatia.

O choque obstrutivo descreve o choque circulatório, que resulta da obstrução mecânica do fluxo
sanguíneo através da circulação central (grandes veias, coração ou pulmões). Pode ser causado por uma
série de condições, incluindo aneurisma dissecante da aorta, tamponamento, pneumotórax, mixoma
atrial e evisceração do conteúdo abdominal para o interior da cavidade torácica devido ao rompimento
da cúpula diafragmática. A causa mais frequente de choque obstrutivo é a embolia pulmonar.

4.7.2 Fisiopatologia do choque circulatório

A insuficiência circulatória resulta em hipoperfusão de órgãos e tecidos, que por sua vez resulta em
oferta insuficiente de oxigênio e nutrientes para o funcionamento celular. Existem respostas fisiológicas
compensatórias, que eventualmente se tornam descompensadas em diferentes estados de choque se
a condição não for tratada adequadamente em tempo hábil. Os mecanismos compensatórios mais
imediatos são o sistema nervoso simpático e o sistema renina, que são responsáveis pela manutenção
do débito cardíaco e da pressão arterial.

Existem dois tipos de receptores adrenérgicos do sistema nervoso simpático: α e β. Os receptores β


são subdivididos em receptores β1 e β2. A estimulação dos receptores α provoca vasoconstrição; a
estimulação dos receptores β1, um aumento na frequência cardíaca e na força de contração do miocárdio;
e nos receptores β2 causa vasodilatação dos leitos da musculatura esquelética e o relaxamento dos
bronquíolos. No organismo em estado de choque, ocorre uma ampliação no fluxo simpático, que
resulta em maior liberação de epinefrina e de norepinefrina e ativação dos receptores α e β. Assim,
desenvolvem‑se aumento na frequência cardíaca e vasoconstrição na maioria dos tipos de choque.
Além disso, ocorre aumento da liberação de renina, que conduz a elevação nos níveis de angiotensina II,
que leva à vasoconstrição e intensifica a retenção de sódio e de água pelos rins, mediada pela ação da
aldosterona. Também ocorre liberação local de vasoconstritores, incluindo norepinefrina, angiotensina II,
vasopressina e endotelial, o que contribui para a vasoconstrição arterial e venosa.

Lembrete

As manifestações de choque refletem o comprometimento da perfusão


tissular e as tentativas do organismo para manter a perfusão tissular por
meio da conservação de água pelos rins, translocação de líquido extracelular
para o compartimento intravascular e ativação de mecanismos do sistema
nervoso simpático, que aumentam a frequência cardíaca e desviam o
sangue de tecidos menos essenciais para os mais importantes.
74
PATOLOGIA

4.7.3 Mecanismos compensatórios

Os mecanismos compensatórios que o organismo recruta não são efetivos a longo prazo e se tornam
prejudiciais quando o estado de choque é prolongado. A vasoconstrição intensa provoca uma diminuição
da perfusão tissular e oferta insuficiente de oxigênio. O metabolismo celular é prejudicado, são liberados
mediadores inflamatórios vasoativos, como a histamina, aumenta a produção de radicais livres de oxigênio
e o excesso de íons hidrogênio e de ácido láctico resulta em acidez intracelular. Cada um desses fatores
promove disfunção ou morte celular. Se a função circulatória pode ser restabelecida, se o choque é
irreversível ou se o paciente vai sobreviver é determinado, em grande parte, no nível celular.

Observação

A causa mais comum de choque cardiogênico é o infarto do miocárdio.


A maioria das pessoas que entra em óbito por esse motivo apresenta
grandes danos ao músculo em contração do ventrículo esquerdo, devido a
um infarto recente ou a uma combinação de infartos recentes e anteriores.

Resumo

Observamos a patologia tanto como uma especialidade clínica quanto


como uma área de pesquisa biomédica. Embora baseada na correlação
entre as alterações anatômicas e histológicas com a doença clinicamente
aparente, a patologia moderna estuda as causas das doenças (etiologia)
e sua evolução (patogênese). Como é evidente para o clínico, porque os
primeiros sinais e sintomas de uma doença frequentemente são aqueles
da resposta do corpo à lesão, o patologista tem interesse em caracterizar
essa resposta, visto que, na maioria das vezes, ela fornece subsídios para
identificar o agente etiológico e a evolução da patogênese.

Constatamos que a patologia é uma especialidade tanto diagnóstica


quanto prognóstica, a qual, pela definição e pelas classificações dos
processos da doença, pode auxiliar nas abordagens terapêuticas para
os profissionais da saúde. No entanto, em um sentido mais amplo, a
patologia visa compreender a base dos processos de doença.

Também observamos que a função da célula normalmente requer um


equilíbrio entre as exigências fisiológicas e as limitações da estrutura e da
capacidade metabólica; a consequência é um resultado estável chamado
homeostasia. As células podem modificar seu estado funcional em resposta
a um estresse moderado e manter seu estado estável. Estresses fisiológicos
mais excessivos ou estímulos patológicos adversos (lesão) resultam em
adaptações, lesão reversível ou irreversível e morte celular. Essas respostas
75
Unidade I

comprometem a estrutura e a função da célula. Adaptações ocorrem quando


estresses fisiológicos ou patológicos induzem um novo estado que altera
a célula, porém preserva sua viabilidade em resposta a estímulos externos.
Essas alterações são: hiperplasia (aumento do número de células), hipertrofia
(aumento do tamanho de cada célula), atrofia (redução do tamanho da
célula) e metaplasia (mudança de um tipo de célula madura para outro).

A lesão celular reversível denota alterações celulares patológicas


que podem ser restauradas à normalidade se o estímulo for retirado ou
se a causa da lesão não foi grave. A lesão irreversível ocorre quando o
estímulo excede à capacidade de a célula se adaptar e denota alterações
patológicas permanentes que causam a morte celular. Existem dois padrões
morfológicos e mecânicos de morte celular, necrose e apoptose. Enquanto
a primeira é sempre um processo patológico, a segunda ocorre em várias
funções normais e não está necessariamente associada à lesão celular.

Por fim, podemos reconhecer que a homeostase normal do líquido


corporal abrange a manutenção da integridade da parede do vaso, bem
como a pressão intravascular e a osmolaridade dentro de certas variações
fisiológicas; quando isso não acontece, resulta no acúmulo de água nos
espaços intersticiais (edema). A homeostase normal do líquido também
significa manutenção do sangue como um líquido determinado até o
momento, quando uma lesão necessita da formação de um coágulo.

A coagulação em locais inapropriados (trombose) ou a migração de


coágulos (embolia) obstrui o fluxo sanguíneo dos tecidos e leva à morte celular
(infarto). Reciprocamente, a inabilidade em coagular após a lesão vascular
resulta em hemorragia; o sangramento local pode comprometer a perfusão
do tecido regional, enquanto a hemorragia mais extensa pode resultar em
hipotensão (choque) e morte. Em geral, as alterações hemodinâmicas são as
principais causas de morbidade e mortalidade humanas.

Exercícios

Questão 1. (Fumarc 2013, adaptada) A morte celular pode ser estudada a partir da compreensão de
dois mecanismos: a necrose e a apoptose. Leia as afirmativas.

I – Várias agressões físicas podem causar necrose: traumatismos, frio, calor, eletricidade, radiações
que podem atuar direta ou indiretamente sobre as células.

II – Agentes químicos como o clorofórmio e o tetracloreto de carbono atuam na necrose,


desorganizando os constituintes lipídicos das membranas celulares e lesando o retículo endoplasmático
sem inibir as enzimas.
76
PATOLOGIA

III – Agentes biológicos como vírus, ricketsias, bactérias, protozoários e metazoários podem produzir
necrose pelas enzimas proteolíticas liberadas.

IV – A morte celular por mecanismos imunitários pode ser devida à lise, causada por anticorpos após
fixação do complemento ou ao efeito citopático efetuado por linfócitos T através das linfocitoxinas.

V – A necrose caseosa é mais frequentemente produzida pelo bacilo de Koch, enquanto a necrose
gomosa é, em geral, causada por Treponema pallidum.

São afirmações verdadeiras:

A) I, II, III, IV e V.

B) I, III e V, apenas.

C) II, III e IV, apenas.

D) I, II, III e IV, apenas.

E) I e V, apenas.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: a causa da necrose pode ter diferentes etiologias, dentre elas:

• Agentes físicos: temperatura, efeitos magnéticos, radiação.

• Agentes químicos: substâncias tóxicas e não tóxicas (álcool, drogas, detergentes, entre outros).

• Agentes biológicos: em casos de infecções virais, bacterianas ou micóticas, parasitas, entre outros.

• Insuficiência circulatória (necroses isquêmicas): são compreendidas no grupo as necroses dos


infartos, das úlceras de decúbito e das vasoconstrições.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: qualquer agente físico, químico ou biológico que altere as funções vitais da célula pode
causar necrose. O clorofórmio e o tetracloreto de carbono desorganizam os constituintes lipídicos das
membranas, sendo mais tóxicos para o fígado.

77
Unidade I

III – Afirmativa correta.

Justificativa: os agentes biológicos, virais, micóticos ou bacterianos causam necrose.

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: de fato, a morte celular por mecanismos imunitários pode ser devida à lise.

V – Afirmativa correta.

Justificativa: a necrose caseosa é um tipo especial que ocorre na tuberculose, quando as células são
transformadas em uma massa amorfa constituída de proteínas e lipídeos. A gomosa ocorre na sífilis
terciária e tem consistência firme e elástica e aspecto homogêneo, como na caseosa.

Questão 2. (EBSERH 2016) Paciente do sexo masculino, 58 anos, deu entrada no serviço de saúde com
diagnóstico de trombose venosa profunda (TVP). Uma das principais complicações dessa patologia é:

A) Embolia pulmonar.

B) Anemia profunda.

C) Asma brônquica.

D) Doença pulmonar obstrutiva.

E) Síndrome da angústia respiratória.

Resolução desta questão na plataforma.

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