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Fichamento – O Normal e o Patológico Pt.

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Bianca Cortazzi – UFCSPA Psicologia

Introduzindo a primeira parte da obra, Georges Canguilhem começa apresentando de


forma abrangente e dinâmica sobre a questão da natureza patológica, e se sua essência estaria
relacionada com modificações apenas quantitativas. Na medicina grega, muito atrelada com a
filosofia, a natureza, sendo ela humana ou não, é basicamente harmonia e equilíbrio,
constituindo então, que a doença seria uma perturbação dessa regularidade. Além disso, a
doença também pode compor uma tentativa de estabelecimento de um novo equilíbrio, muitas
vezes necessária para uma certa cura. Logo, a indagação sobre essas formulações e
pensamentos relacionados a doença a transformou não mais apenas como causadora de
angústia, mas sim em um objeto de estudo. Uma das primeiras teorias, sendo esta pertencente
à Sigerist, dita que a patologia seria apenas uma variação quantitativa do estado considerado
normal, o que adentrou uma época de questionamentos e estudos acerca do assunto, sendo
estes retratados ao longo da primeira parte da obra.
O filósofo francês Auguste Comte, muito marcante na questão do positivismo,
adentrou seus estudos sobre as patologias seguindo a linha de Sigerist e também de Broussais,
um importante médico francês da época. Comte atribuiu ao médico um mérito pela concepção
de que as doenças aceitas como tal são na verdade somente sintomas, sendo então, efeitos de
mudanças de intensidade na ação dos estimulantes essenciais à conservação da saúde.
Aprofundando Broussais, o mesmo em suas obras dita que os fenômenos da saúde são
compatíveis essencialmente com os das doenças e se diferem apenas pela intensidade, o que
serviu de base para Comte concluir que toda manifestação patológica possui sempre uma
análoga com uma manifestação fisiológica, não constituindo nada de novo. Apesar disso,
Comte insiste em determinar previamente o normal e seus limites de variação antes de
explorar minuciosamente os casos patológicos. Partindo novamente de Broussais, este dizia
que a existência do homem só é possível pela excitação exercida sobre seus órgãos pelos
meios nos quais é obrigado a viver, podendo ser estas corpos estranhos e influência do
cérebro. No entanto, o excesso dessas excitações é o mais importante a ser observado, pois é
mais patológico do que a escassez de fato. Broussais, e consequentemente Comte, então
concluem que o normal e o fisiológico se diferem do anormal e patológico, portanto, por
questões quantitativas.
Seguindo na obra, é introduzido Claude Bernard, filósofo e médico francês que seguiu
de certa forma a linha de Broussais e Comte, se atentando mais a uma ciência experimental.
Bernard ditava que a medicina era a ciência das doenças e a fisiologia a ciência da vida,
paralela à ideia de que as enfermidades possuem uma função normal correspondente variando
apenas em sua expressão, seja ela exagerada ou anulada. Além disso, o médico e filósofo
também argumentava que os sintomas não são manifestações novas do organismo, pois já
preexistiam de certa forma, mas variando sua intensidade, o que diferencia, então, o estado
patológico do normal. Por conta de seu viés mais experimental, Bernard aprofundou seus
estudos na doença da diabetes e fez diversos experimentos relacionados com as quantidades
de glicose na urina, tentando comprovar se os índices em uma pessoa enferma e outra normal
possuíam alguma relação, e se a variação quantitativa era possível para provar a teoria de
diferenciação do patológico e do normal.
René Leriche, cirurgião e fisiologista francês, é outra figura importante apresentada
nesta primeira parte da obra. Leriche definia a saúde como a vida no silêncio dos órgãos,
sendo seu estado a inconsciência do indivíduo sobre o próprio corpo, enquanto a doença
perturba os homens na normalidade de suas vidas e os fazem principalmente sofrer. Além
disso, ainda permanece uma certa visão antagônica entre a enfermidade e a saúde, sendo a
segunda positiva e a primeira negativa. Leriche afirma que a doença é constituída por
alterações anatômicas e transtornos fisiológicos, sendo necessário, portanto, desumanizar a
enfermidade para que se possa entende-la e estuda-la. Outra concepção importante atribuída
ao cirurgião francês é a questão de que não pode haver doença sem um doente, em que o
exemplo de uma vítima de assassinato ou acidente de carro, em que é descoberto um câncer
do rim e não possível atribuí-lo a nenhuma pessoa, já que o indivíduo morto não pode possuir
doença, é usado. Ademais, Leriche atribui à doença uma nova ordem fisiológica, em que a
terapêutica e os cuidados médicos têm o objetivo de adaptar o homem doente a esta nova
ordem.
Logo, é possível observar que existem certas diferenças categóricas entre as três
principais figuras apresentadas acerca os questionamentos do normal e patológico, sendo
Comte de um viés mais filosófico, Bernard cientificista e Leriche tecnicista. No entanto, a
abordagem de certa forma histórica de Georges Canguilhem permite a compreensão das
indagações feitas acerca do fenômeno das patologias e das transformações fisiológicas dos
organismos, que são muitas vezes tremendas causadoras de sofrimento humano. Além disso,
as distinções feitas pelos autores abordados foram de extrema relevância para a constituição
da história das ciências biológicas, e de como concepções como o entendimento conceitual de
patologia influencia e se diferencia dependendo da sua forma de compreensão.

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