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Matéria:
PROCESSO DE
TRABALHO EM SAÚDE
CAPÌTULO 1
obra hipocrática caracteriza-se pela valorização da observação empírica, como o demonstram os casos
clínicos nela registrados, reveladores de uma visão epidemiológica do problema de saúde-enfermidade.
A apoplexia, dizem esses textos, é mais comum entre as idades de 40 e 60 anos; a tísica ocorre mais
freqüentemente entre os 18 e os 35 anos. Essas observações não se limitavam ao paciente em si, mas a
seu ambiente. O texto conhecido como “Ares, águas, lugares” discute os fatores ambientais ligados à
doença, defendendo um conceito ecológico de saúde-enfermidade.
No Oriente, a concepção de saúde e de doença seguia, e segue, um rumo diferente, mas de
certa forma análogo ao da concepção hipocrática. Fala-se de forças vitais que existem no corpo: quando
funcionam de forma harmoniosa, há saúde; caso contrário, sobrevém a doença. As medidas terapêuticas
(acupuntura, ioga) têm por objetivo restaurar o normal fluxo de energia (“chi”, na China; “prana”, na Índia)
no corpo.
Na Idade Média européia, a influência da religião cristã manteve a concepção da doença como
resultado do pecado e a cura como questão de fé; o cuidado de doentes estava, em boa parte, entregue
a ordens religiosas, que administravam inclusive o hospital, instituição que o cristianismo desenvolveu
muito, não como um lugar de cura, mas de abrigo e de conforto para os doentes. Mas, ao mesmo tempo,
as idéias hipocráticas se mantinham, através da temperança no comer e no beber, na contenção sexual
e no controle das paixões. Procurava-se evitar o contra naturam vivere, viver contra a natureza. O
advento da modernidade mudará essa concepção religiosa.
Já o desenvolvimento da mecânica influenciou as idéias de René Descartes, no século XVII. Ele
postulava um dualismo mente-corpo, o corpo funcionando como uma máquina. Ao mesmo tempo, o
desenvolvimento da anatomia, também conseqüência da modernidade, afastou a concepção humoral da
doença, que passou a ser localizada nos órgãos. No famoso conceito de François Xavier Bichat (1771-
1802), saúde seria o “silêncio dos órgãos”. Mas isto não implicou grandes progressos na luta contra as
doenças, que eram aceitas com resignação: Pascal dizia que a enfermidade é um caminho para o
entendimento do que é a vida, para a aceitação da morte, principalmente de Deus. Mais tarde, os
românticos não apenas aceitariam a doença, como a desejariam: morrer cedo (de tuberculose,
sobretudo) era o destino habitual de poetas e músicos como Castro Alves e Chopin. Para o poeta
romântico alemão, a doença refinaria a arte de viver e a arte propriamente dita. Saúde, nestas
circunstâncias, era até dispensável. Mas a ciência continuava avançando e no final do século XIX
registrou-se aquilo que depois seria conhecido como a revolução pasteuriana. No laboratório de Louis
Pasteur e em outros laboratórios, o microscópio, descoberto no século XVII, mas até então não muito
valorizado, estava revelando a existência de microorganismos causadores de doença e possibilitando a
introdução de soros e vacinas. Era uma revolução porque, pela primeira vez, fatores etiológicos até
então desconhecidos estavam sendo identificados; doenças agora poderiam ser prevenidas e curadas.
Um conceito universalmente aceito do que é saúde só poderia ser estabelecido através de um
consenso entre as nações, fato este dependente de um organismo internacional. A Liga das Nações,
surgida após o término da Primeira Guerra, não conseguiu esse objetivo. Foi necessário haver uma
Segunda Guerra e a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial da
Saúde (OMS), para que isto acontecesse.
O conceito da OMS, divulgado na carta de princípios de 7 de abril de 1948 (desde então o Dia
Mundial da Saúde), implicando o reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do Estado na
promoção e proteção da saúde, diz que “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e
social e não apenas a ausência de enfermidade”. Este conceito refletia, de um lado, uma aspiração
nascida dos movimentos sociais do pós-guerra: o fim do colonialismo, a ascensão do socialismo. Saúde
deveria expressar o direito a uma vida plena, sem privações. Um conceito útil para analisar os fatores
que intervêm sobre a saúde, e sobre os quais a saúde pública deve, por sua vez, intervir, é o de campo
da saúde (health field), formulado em 1974 por Marc Lalonde, titular do Ministério da Saúde e do Bem-
estar do Canadá - país que aplicava o modelo médico inglês. De acordo com esse conceito, o campo da
saúde abrange:
- A biologia humana, que compreende a herança genética e os processos biológicos inerentes à vida,
incluindo os fatores de envelhecimento;
- O meio ambiente, que inclui o solo, a água, o ar, a moradia, o local de trabalho;
- O estilo de vida, do qual resultam decisões que afetam a saúde: fumar ou deixar de fumar, beber ou
não, praticar ou não exercícios;
- A organização da assistência à saúde. A assistência médica, os serviços ambulatoriais e hospitalares e
os medicamentos são as primeiras coisas em que muitas pessoas pensam quando se fala em saúde. No
entanto, esse é apenas um componente do campo da saúde, e não necessariamente o mais importante;
às vezes, é mais benéfico para a saúde ter água potável e alimentos saudáveis do que dispor de
medicamentos. É melhor evitar o fumo do que submeter-se a radiografias de pulmão todos os anos. É
claro que essas coisas não são excludentes, mas a escassez de recursos na área da saúde obriga,
muitas vezes, a selecionar prioridades. A amplitude do conceito da OMS (visível também no conceito
canadense) acarretou críticas, algumas de natureza técnica (a saúde seria algo ideal, inatingível; a
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definição não pode ser usada como objetivo pelos serviços de saúde), outras de natureza política,
libertária: o conceito permitiria abusos por parte do Estado, que interviria na vida dos cidadãos, sob o
pretexto de promover a saúde. Em decorrência da primeira objeção, surge o conceito de Christopher
Boorse (1977): saúde é ausência de doença. A classificação dos seres humanos como saudáveis ou
doentes seria uma questão objetiva, relacionada ao grau de eficiência das funções biológicas, sem
necessidade de juízos de valor.
Uma resposta a isto foi dada pela declaração final da Conferência Internacional de Assistência
Primária à Saúde realizada na cidade Alma-Ata (no atual Cazaquistão), em 1978, promovida pela OMS.
A abrangência do tema foi até certo ponto uma surpresa. A par de suas tarefas de caráter normativo -
classificação internacional de doenças, elaboração de regulamentos internacionais de saúde, de normas
para a qualidade da água - a OMS havia desenvolvido programas com a cooperação de países-
membros, mas esses programas tinham tido como alvo inicial duas doenças transmissíveis de grande
prevalência: malária e varíola. O combate à malária baseou-se no uso de um inseticida depois
condenado, o dicloro-difenil-tricloroetano (DDT), tendo êxito expressivo, mas não duradouro.
A seguir foi desencadeado, já nos anos 60, o Programa de Erradicação da Varíola. A varíola foi
escolhida não tanto por sua importância como causa de morbidade e mortalidade, mas pela magnitude
do problema (os casos chegavam a milhões) e pela redutibilidade: a vacina tinha alta eficácia, e como a
doença só se transmite de pessoa a pessoa, a existência de grande número de imunizados privaria o
vírus de seu hábitat. Foi o que aconteceu: o último caso registrado de varíola ocorreu em 1977. A
erradicação de uma doença foi um fato inédito na história da Humanidade.
Quando se esperava que a OMS escolhesse outra doença transmissível para alvo, a
Organização ampliou consideravelmente seus objetivos, como resultado de uma crescente demanda por
maior desenvolvimento e progresso social. Eram anos em que os países socialistas desempenhavam
papel importante na Organização - não por acaso, Alma-Ata ficava na ex-União Soviética.
A Conferência enfatizou as enormes desigualdades na situação de saúde entre países
desenvolvidos e subdesenvolvidos; destacou a responsabilidade governamental na provisão da saúde e
a importância da participação de pessoas e comunidades no planejamento e implementação dos
cuidados à saúde. Trata-se de uma estratégia que se baseia nos seguintes pontos:
1) as ações de saúde devem ser práticas, exeqüíveis e socialmente aceitáveis;
2) devem estar ao alcance de todos, pessoas e famílias - portanto, disponíveis em locais
acessíveis à comunidade;
3) a comunidade deve participar ativamente na implantação e na atuação do sistema de saúde;
4) o custo dos serviços deve ser compatível com a situação econômica da região e do país.
Estruturados dessa forma, os serviços que prestam os cuidados primários de saúde representam
a porta de entrada para o sistema de saúde, do qual são, verdadeiramente, a base. O sistema nacional
de saúde, por sua vez, deve estar inteiramente integrado no processo de desenvolvimento social e
econômico do país, processo este do qual saúde é causa e conseqüência.
Os cuidados primários de saúde, adaptados às condições econômicas, socioculturais e políticas
de uma região deveriam incluir pelo menos: educação em saúde, nutrição adequada, saneamento
básico, cuidados materno-infantis, planejamento familiar, imunizações, prevenção e controle de doenças
endêmicas e de outros freqüentes agravos à saúde, provisão de medicamentos essenciais. Deveria
haver uma integração entre o setor de saúde e os demais, como agricultura e indústria.
O conceito de cuidados primários de saúde tem conotações. É uma proposta racionalizadora,
mas é também uma proposta política; em vez da tecnologia sofisticada oferecida por grandes
corporações, propõe tecnologia simplificada, “de fundo de quintal”. No lugar de grandes hospitais,
ambulatórios; de especialistas, generalistas; de um grande arsenal terapêutico, uma lista básica de
medicamentos - enfim, em vez da “mística do consumo”, uma ideologia da utilidade social. Ou seja, uma
série de juízos de valor, que os pragmáticos da área rejeitam. A pergunta é: como criar uma política de
saúde pública sem critérios sociais, sem juízos de valor? Por causa disso, nossa Constituição Federal de
1988, artigo 196, evita discutir o conceito de saúde, mas diz que: “A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e
recuperação”. Este é o princípio que norteia o SUS, Sistema Único de Saúde. E é o princípio que está
colaborando para desenvolver a dignidade aos brasileiros, como cidadãos e como seres humanos.
verificassem saltos de um modelo para o outro. Existiu sim um modelo dominante numa dada época ou
numa determinada cultura.
O MODELO BIOMÉDICO baseia-se em grande parte numa visão cartesiana do mundo. Este
sistema de pensamento defendeu que o mundo podia ser comparado a uma máquina, mais
concretamente de um relógio, e que o conhecimento do universo passaria assim pelo “conhecimento
detalhado das peças do relógio”. O corpo humano obedecia às mesmas leis que o universo. Assim, o
que interessa à medicina são os fenómenos observáveis, ficando desta forma o Homem reduzido aos
seus aspectos biológicos com todos os outros aspectos negligenciados.
Sendo o corpo humano comparado a uma máquina, facilmente se conclui que para o modelo
biomédico, a doença é encarada como um defeito mecânico (avaria na máquina temporal ou
permanente) localizável numa máquina física e bioquímica. Este defeito pode ser reparado através de
meios físicos (cirurgia) ou químicos (farmacologia). A parte doente pode ser tratada isolada de todo o
resto do corpo. Assim, a cura equivale à reparação da máquina.
Estamos assim perante um modelo que se centra exclusivamente na dimensão biológica da
pessoa. Esta é reduzida às suas estruturas e processos biológicos e físico-químicos.
Devido a esta centração na dimensão biológica, a literatura médica inclui referências a corpos e
a doenças e, raramente ou nunca, a pessoas.
“Não é o sujeito que interessa ao médico, mas o sintoma que este lhe apresenta e que vai poder
incluir no seu reportório de doenças.” (Raymond Gueide, citado por W. Hesbeen, 2000, pg., 16)
É neste modelo que assenta a base conceptual e metodológica da medicina moderna e do seu
ensino.
De acordo com o modelo biomédico a saúde é definida como sendo a ausência de doença. As
pessoas são consideradas como vítimas passivas de agentes externos que provocam doença, sendo a
classe médica totalmente responsável pelo tratamento. Dito de outra forma, o profissional de saúde
assume um papel paternalista, uma vez que toda a autoridade e responsabilidade lhe é delegada. O
papel do doente é assim o de obedecer aos Técnicos de Saúde com vista a alcançar a sua cura.
Este modelo é eficaz em grande parte das situações agudas. Contudo, o progresso científico
levou à alteração dos padrões de morbilidade e a um aumento significativo de doenças crônicas. Ora, a
“medicina” das doenças agudas, apresenta-se como claramente inadequado para responder a estas
patologias.
Não é pois difícil de compreender que esta visão redutora e biomédica tenha sido fortemente
criticada a partir dos anos 70 do séc. XX. Os modelos que surgiram como alternativa/complemento do
biomédico defendem, essencialmente, que a saúde e doença não podem ser reduzidos aos seus
aspectos biológicos ou orgânicos.
“O ser humano é um ser complexo pelo que é inadequado defender que os processos de saúde
e doença existem à margem da pessoa imbuída do seu ambiente físico e social. (...) A capacidade de
construção de significações permite ao ser humano transcender os seus processos meramente
biológicos e criar ideias, antecipações, sentimentos, emoções e acções que colocam problemas às
ciências humanas que não se colocam quando se estudam seres vivos não humanos. A medicina
humana é diferente da biologia geral. (...) A dimensão biológica, psicológica e social não estão pois
separadas, mas integradas, sendo o ser humano uma totalidade biopsicossocial.” (J. Reis, 1998, pg. 62)
Neste contexto, surge nos anos 70 o MODELO BIOPSICOSSOCIAL. De acordo com este
modelo a doença e a saúde só podem ser explicadas considerando as dimensões: psicológica (ex.
cognições, emoções, comportamentos), social (ex. comportamentos da pessoa em relação à família,
amigos; expectativas culturais) e biológica (ex., genética, vírus, bactérias e defeitos estruturais) da
pessoa.
Ao considerar estas três dimensões, o modelo biopsicossocial afasta a noção de saúde como
ausência de doença. Para este modelo as fronteiras entre saúde e doença estão longe de serem claras
uma vez que dependem de aspectos culturais, sociais e psicológicos.
Desta forma, o objetivo deste modelo é estudar os processos de saúde e doença através da
interligação entre estas dimensões. Cada uma destas dimensões, só por si não pode ser indicativa de
bem-estar ou cura. Ou seja, o reequilibro bioquímico não devolve necessariamente a saúde ao paciente.
A dimensão biológica é necessária mas não suficiente para os critérios de saúde e doença.
De acordo com o modelo biopsicossocial, o profissional de saúde deve sempre considerar, no
seu diagnóstico, a interação dos fatores sociais, psicológicos e biológicos, de modo a avaliar o estado de
saúde da pessoa e fazer recomendações, se necessário, para o tratamento. Desta forma, é importante
recolher bastante informação e organizá-la o melhor possível, para conseguir um bom diagnóstico (o
doente não participa neste processo de recolha de informação).
Este modelo enfatiza a interdisciplinaridade e interações entre a componente física (ex. exame
complementar) e tratamento psicossocial (ex. educação / explicação detalhada do exame).
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É clara a importância nas significações que os indivíduos têm sobre saúde e doença, tendo em
mente que é possível modificar essas significações com benefício para a saúde e para a recuperação de
estádios de doença.
Assim, tendo em consideração que no modelo biomédico as significações são desprezadas, a
humanização do atendimento torna-se impossível. Trata-se, como vimos, de um modelo empirista que
não deixa lugar aos conteúdos e processos cognitivos. Indo um pouco mais longe podemos mesmo
afirmar que, ao não considerar vários aspectos inerentes ao Homem, este modelo contribui de forma
clara para a desumanização da saúde.
A ideia de reduzir o ser humano a um conjunto de órgãos é hoje inaceitável, mas, infelizmente,
este modo de trabalho em saúde ainda vigora nos nossos dias e continua a ser dominante em algumas
unidades hospitalares.
Cabe aos profissionais de saúde um atendimento e trabalho baseado cada vez mais no modelo
biopsicossocial, onde o ser humano deixa de ser considerado apenas na sua dimensão biológica e
passa a dar-se igualmente peso às dimensões psicológica e social.
saúde da comunidade.
Já os determinantes culturais estão relacionados à cultura, costume, educação, crença e hábitos
dessa comunidade. A inserção de promoção de saúde nessa comunidade não pode ser de forma
violenta ou que anule seus costumes.
Os determinantes psicossociais e socioeconômicos também devem ser analisados na promoção
de saúde. Fatores como depressão, desvios de comportamento e local onde reside podem influenciar
muito no processo de saúde.
Na reforma promovida por Oswaldo Cruz foram incorporados como elementos das ações de
saúde:
- o registro demográfico, possibilitando conhecer a composição e os fatos vitais de
importância da população;
- a introdução do laboratório como auxiliar do diagnóstico etiológico;
- a fabricação organizada de produtos profiláticos para uso em massa.
EXERCÍCIOS DE COMPREENSÃO
Realizar a leitura em sala de aula do artigo sugerido como leitura complementar ( “O fazer
em saúde: um novo olhar sobre o processo de trabalho na estratégia saúde da família”).
desejante, assim como ele próprio o é. Nesse encontro entre dois sujeitos, o fluxo das emoções flui entre
ambos, criando uma relação autêntica entre dois seres e não entre um técnico e uma patologia.
Para Merhy (1995), o modo de operar os serviços de saúde é definido como um processo de
produção do cuidado. É um serviço peculiar, fundado numa intensa relação interpessoal, dependente do
estabelecimento de vínculo entre os envolvidos para a eficácia do ato. Por ser de natureza dialógica e
dependente, constitui-se também num processo pedagógico de ensino-aprendizagem.
Muitas pessoas acreditam que o objeto, no campo da saúde, é a cura, ou a promoção e a
proteção da saúde, mas podemos dizer que é a produção do cuidado, através do qual poderá ser
atingidas a cura e a saúde, os reais objetivos que se deseja atingir, sendo os trabalhadores de saúde
sujeitos ativos nesse processo de produção.
Nesse sentido, o trabalho em saúde é um serviço que não se realiza sobre coisas ou sobre
objetos, como acontece na indústria; dá-se, ao contrário, sobre pessoas, e, mais ainda, com base numa
intercessão partilhada entre o usuário e o profissional, na qual o primeiro contribui para o processo de
trabalho, ou seja, é parte desse processo. Ele fornece valores de uso necessários ao processo de
trabalho, não apenas a informação acerca do que ocorreu consigo, qual a história de sua queixa ou
doença; é solicitada dele uma participação ativa, para que sejam corretamente aplicadas as normas e
prescrições médicas. Enquanto fornecedor de valores de uso substantivos, o usuário torna-se um co-
partícipe do processo de trabalho e, quase sempre, um co-responsável pelo êxito ou o insucesso da
ação terapêutica.
Na definição clássica sobre o processo de trabalho, destacam-se os seguintes componentes:
• matéria-prima
• instrumentos de trabalho
• homem
• produto
No caso do processo de trabalho em saúde, é possível sistematizar da seguinte forma:
• matéria-prima usuário
• instrumentos de trabalho tecnologia (leve/dura/leve-dura)
• homem trabalhador em saúde = operador do cuidado
• produto trabalho em saúde atos de saúde = produção do cuidado
Trabalhar a partir desses elementos significa refletir sobre como se opera o fazer em saúde,
como ele se organiza e como está dividido. Para Souza et al. (1993), qualquer processo de trabalho em
saúde possui uma dimensão cooperativa, que integraliza a ação e complementa o processo de
produção de serviço, orientado a este fim, e uma direcionalidade técnica, que diz respeito aos
conhecimentos científicos e ao uso de tecnologias que influenciam a produção específica do serviço de
saúde.
Quanto à relação entre práticas de saúde e o modelo assistencial, Merhy (1999) discute que o
modelo assistencial cria missões diferenciadas para estabelecimentos de saúde aparentemente
semelhantes, as quais se traduzem em diretrizes operacionais bem definidas.
É importante lembrar que a organização e a divisão do processo de trabalho define-se pelo
objetivo final que se quer atingir. Nesse sentido, a lógica da produção dos serviços centrada na
concepção médico-curativa tem como finalidade à cura, orientada pela fragmentação dos procedimentos,
pela tecnificação da assistência e pela mecanização do ato em saúde.
Assim sendo, para se pensar um novo modelo assistencial em saúde centrado no usuário, é
fundamental re-significar o processo de trabalho. Essa re-significação exige a mudança da finalidade
desse processo, que passa a ser a produção do cuidado, na perspectiva da autonomização do sujeito,
orientada pelo princípio da integralidade e requerendo, como ferramentas, a interdisciplinaridade, a
intersetorialidade, o trabalho em equipe, a humanização dos serviços e a criação de vínculos
usuário/profissional/equipe de saúde.
“Um profissional de saúde, no desempenho de uma ação, mobiliza ao mesmo tempo, seus
saberes e modos de agir. Esse modo de agir é definido primeiramente pela existência de um saber muito
específico sobre o problema que vai enfrentar, sobre o qual coloca-se em jogo um saber territorializado
no seu campo profissional de ação, mas ambos envolvidos por um território que marca a dimensão
cuidadora sobre qualquer tipo de ação profissional” (Merhy, p.7,1999).
do conteúdo estratégico, que permite um rompimento no comportamento passivo dentro das unidades
básicas de saúde, com extensão das ações para e com a comunidade, possibilitando o desenvolvimento
do trabalho em equipe, a responsabilização sobre um território, os vínculos de compromisso e de co-
responsabilidade entre serviços de saúde, profissionais e população.
Um outro aspecto que merece destaque está relacionado ao processo de reorganização da
atenção básica, que permite desencadear mudanças nos outros níveis do sistema de saúde. Daí, o seu
potencial instituinte em contribuir para um novo formato de modelo assistencial.
No eixo discursivo, a ESF conclama para a construção de uma nova maneira de operar a saúde,
humanizada e solidária, compreendendo-se humanização em sentido ampliado (resolutividade,
equidade, acesso, autonomização, solidariedade e cidadania).
Entretanto, apesar de os princípios e diretrizes estarem esboçados no campo do conhecimento,
o campo da operação ainda tem muito a ser percorrido, ou seja, necessita incorporar tais fundamentos.
Cabe ressaltar que a implantação de uma nova política pressupõe mudanças em vários níveis (político,
institucional, organizativo e pessoal), exigindo tempo, vontade política e recursos de várias ordens.
Nesse sentido, podemos pensar a estratégia como expressão de processos instituintes, ou seja,
do que pode vir a ser, fazendo-se, assim, necessário pensá-la a partir de dois enfoques: o primeiro, diz
respeito ao seu conteúdo minimalista, normatizador e focalizador, expresso: pela rigidez e a
burocratização do processo de trabalho, extirpando o trabalho vivo; pelo baixo incentivo financeiro
destinado a uma equipe mínima, pela quantidade insuficiente de trabalhadores com perfil adequado à
estratégia; a precarização do processo de trabalho, com a flexibilização dos serviços e a ausência de um
vínculo formal dos profissionais com as instituições executoras; a assunção de outros níveis de
responsabilidade por parte da equipe de Saúde da Família, sem a devida remuneração e capacitação.
O contraponto desse pensar é a possibilidade de a estratégia colocar-se enquanto reorientadora
do processo de trabalho, através do cumprimento dos seus princípios, o que remete para a necessidade
da constituição de um vínculo formal do trabalhador com os serviços de saúde por meio da análise de
desempenho instituído por um plano de carreira no serviço público; a continuidade e o aumento do
incentivo financeiro para as equipes da ESF, como forma de impulsionar a estratégia; a mudança no
ambiente formador tanto nas escolas técnicas como nas instituições de ensino superior; a formação e a
capacitação dos profissionais que estão na rede; o refazer político-institucional, dentro das organizações
e dentro de nós. Isso exige uma nova postura profissional frente aos usuários, redefinindo a finalidade do
processo de trabalho e reconhecendo o usuário como integrante do processo do cuidado, com vistas a
autonomização, remetendo necessariamente a um exercício autofágico, por parte dos profissionais.
A Estratégia Saúde da Família, em seu modo de operar os serviços de saúde, constitui-se num
processo, e, assim sendo, não está concluído, podendo caminhar para o plano da racionalização e
flexibilização do processo de trabalho ou da radicalização do processo de humanização do cuidado,
garantindo acesso, resolutividade, participação social e qualidade da assistência.
Acreditamos que construir novos modelos de processo de trabalho em saúde, em qualquer tipo
de serviço, que possibilitem combinar a produção de atos cuidadores de maneira eficaz com conquistas
de resultados, cura, proteção e promoção, é tarefa urgente a ser realizada pelo conjunto dos gestores e
trabalhadores dos estabelecimentos de saúde.
1) Por que o processo de trabalho em saúde se diferencia do processo de trabalho em outras áreas?
2) Como seria o modelo humanizado de saúde?
3) Como funciona o fazer em saúde pela Estratégia Saúde da Família (ESF)?
4) Quais as diferenças entre o cuidado em saúde pelo modelo Biomédico e o trabalho em saúde pelo
modelo da Estratégia Saúde da Família? Em que a ESF se relaciona com o modelo Biopsicossocial de
saúde?
5) Em que ponto as questões culturais e o cuidar pelo modelo Biomédico podem atrapalhar o processo
de trabalho em saúde?
PROCEDIMENTO
Reconheça e liste as questões que vão além de um tratamento pelo modelo biomédico, que
estão presentes em vários processos de doenças como, por exemplo, no diabetes, hipertensão entre
outras. Pesquise em Unidades de Saúde as principais doenças que afetam sua comunidade.
AUTOAVALIAÇÃO
Escreva em seu caderno de autoavaliação o que você aprendeu e o que apresentou dificuldades
diante desse capitulo.
Referências:
BRASIL. 8ª CONFERENCIA NACIONAL DE SAÚDE-Relatório Final, In: Minayo, M.C.S.(org.) A Saúde
em estado de Choque. Rio de janeiro: FASE, 1996. p117-128(Anexo).
CARTA DE OTAWA. In: Brasil. Ministério da Saúde. As cartas da Promoção da Saúde. Brasília: [s.n],
2002. Disponível em: hhtp://dtr2001.saúde.gov.br/bvs/publicações/cartas_promocao.pdf>Ministério da
Saúde. Oficinas de Educação em Saúde e Comunicação. ed.Brasília:Editora Funasa, 2007
GRILO, Ana Monteiro. Os Modelos de saúde – suas Implicações na humanização dos serviços de
saúde. Disponível em: http://www.fedap.es/IberPsicologia/iberpsi10/congreso_lisboa/monteiro3/
monteiro3.htm
CAPÍTULO 2
Segundo o dicionário Houaiss, promoção pode significar: ato ou efeito de promover; ascensão a
cargo, posto ou categoria superior; diligência do promotor; venda de alguns artigos com preços mais
baixos; qualquer atividade (de propaganda, marketing, divulgação, relações públicas, etc) destinada a
tornar mais conhecido e prestigiado um produto, serviço, marca, idéia, pessoa ou instituição.
Promoção da saúde é um conceito antigo, que vem sendo retomado e discutido nas últimas
décadas, principalmente a partir do Informe Lalonde, no início da década de 70, mas é importante
também lembrar que a ideia de promover saúde antecede o uso explícito do termo.
A Organização Mundial de Saúde define como promoção da saúde o processo que permite às
pessoas aumentar o controle e melhorar a sua saúde. A promoção da saúde representa um processo
social e político, não somente incluindo ações direcionadas ao fortalecimento das capacidades e
habilidades dos indivíduos, mas também ações direcionadas a mudanças das condições sociais,
ambientais e econômicas para minimizar seu impacto na saúde individual e pública. Entende-se por
promoção da saúde o processo que possibilita as pessoas aumentar seu controle sobre os
determinantes da saúde e através disto melhorar sua saúde, sendo a participação das mesmas
essencial para sustentar as ações de promoção da saúde.
A concepção moderna de promoção da saúde (e a prática conseqüente) surgiu e se
desenvolveu, de forma mais vigorosa nos últimos vinte anos, nos países desenvolvidos, particularmente
no Canadá, Estados Unidos e países da Europa Ocidental. Quatro importantes Conferências
Internacionais sobre Promoção da Saúde, realizadas nos últimos 12 anos - em Ottawa (1986), Adelaide
(1988), Sundsvall (1991) e Jacarta (1997) -, desenvolveram as bases conceituais e políticas da
promoção da saúde. Na América Latina, em 1992, realizou-se a Conferência Internacional de Promoção
da Saúde (1992), trazendo formalmente o tema para o contexto sub-regional.
As diversas conceituações disponíveis para a promoção da saúde podem ser reunidas em dois
grandes grupos. No primeiro deles, a promoção da saúde consiste nas atividades dirigidas à
transformação dos comportamentos dos indivíduos, focando nos seus estilos de vida e localizando-os no
seio das famílias e, no máximo, no ambiente das culturas da comunidade em que se encontram. Neste
caso, os programas ou atividades de promoção da saúde tendem a concentrar-se em componentes
educativos, primariamente relacionados com riscos comportamentais passíveis de mudanças, que
estariam, pelo menos em parte, sob o controle dos próprios indivíduos. Nessa abordagem, fugiriam do
âmbito da promoção da saúde todos os fatores que estivessem fora do controle dos indivíduos. Já o
segundo grupo de conceituações baseia-se no entendimento que a saúde é produto de um amplo
espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de
alimentação e nutrição, e de habitação e saneamento; boas condições de trabalho; oportunidades de
educação ao longo de toda a vida; ambiente físico limpo; apoio social para famílias e indivíduos; estilo de
vida responsável; e um espectro adequado de cuidados de saúde.
Para uma melhor visualização da cronologia do desenvolvimento no campo da Promoção da
Saúde, a Agência para a Promoção da Saúde da Irlanda do Norte (HPA), propõe o seguinte esquema:
Desenvolvimento em Promoção da Saúde no período de 1974 a 2000:
1974 – Informe Lalonde
1978 – Primeira Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde – Declaração de Alma Ata.
1981 – A Organização Mundial de Saúde unanimemente adota uma estratégia global: “Saúde para
Todos no Ano 2000”.
1986 - Carta de Otawa sobre Promoção da Saúde.
1988 – Segunda Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Adelaide, Austrália.
1991 – Terceira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Sundsval, Suécia.
1997 – Quarta Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Jacarta.
1998 – Resolução da Assembléia Mundial de Saúde (Promoção da Saúde).
SECUNDÁRIO E TERCIÁRIO)
O termo prevenção significa evitar a emergência e o estabelecimento de estilos de vida que
aumentem o risco de doença. Ao prevenir padrões de vida social, econômica ou cultural que se sabe
estar ligados a um elevado risco de doença, promove-se a saúde e o bem-estar e diminui-se a
probabilidade de ocorrência de doença no futuro. Para tal intuito, procura-se elaborar e aplicar políticas
e programas de prevenção de saúde na comunidade.
A prevenção pode ser classificada em três níveis: primária, secundária e terciária.
Na prevenção primária encontram-se as medidas ou ações especialmente destinadas ao período
que antecede a ocorrência da doença. Dentre elas, destacam-se o saneamento básico, a vacinação e o
controle de vetores, por exemplo. "Significa evitar a ocorrência de uma doença, eliminando fatores de
risco ou tratamento de lesões precursoras. É a prevenção de enfermidades ou profilaxia.”
A prevenção secundária tenta impedir a evolução de doenças já existentes e, em conseqüência,
suas complicações. Os exames periódicos e o auto-exame de mama, entre outros, são procedimentos
de reconhecida eficácia para o diagnóstico precoce, que permite o início imediato do tratamento e evita,
muitas vezes, o agravamento da enfermidade. "Prevenção secundária significa prevenção da evolução
das enfermidades através da execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos."
Prevenção terciária engloba ações voltadas a diminuir a prevalência das incapacidades crônicas
numa população, reduzindo ao mínimo as deficiências funcionais consecutivas à doença, além da
reabilitação do indivíduo após a cura ou o controle da doença, a fim de reajustá-lo a uma nova condição
de vida. É tratar as doenças sintomáticas já estabelecidas e também evitar suas complicações e a perda
funcional com seqüelas que, muitas vezes, são irreversíveis. Fazem parte dessas medidas a fisioterapia,
a terapia ocupacional e a colocação de próteses, por exemplo, além de adaptações de ambientes para
deficientes físicos e ações que visem facilitação das atividades de vida diária de pacientes.
EXERCÍCIOS DE COMPREENSÃO
AUTOAVALIAÇÃO
Em seu caderno de auto-avaliação escreva sobre o que você aprendeu e/ou o que teve mais
dificuldade diante desse capitulo.
Referências:
Neves, T. P. Reflexões sobre a promoção da saúde. Revista Espaço Acadêmico, on-line, Maringá, v.
6, n. 62, julho, 2006. Disponível em:http://www.espacoacademico.com.br/062/62neves.htm. Acesso em:
05 Jul 2008.
CAPÍTULO 3
Parágrafo Único. O Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recurso do
orçamento da seguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de
outras fontes.
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde,
segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
§2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas
com fins lucrativos.
§3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à
saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
§4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e
substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta,
processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo o tipo de comercialização.
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e
participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros
insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do
trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem
como bebidas e águas para o consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de
substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
EXERCÍCIOS DE COMPREENSÃO
1 – Qual o papel do SUS na democratização do Direito à Saúde? Qual foi o grande avanço no que diz
respeito ao atendimento propiciado com a criação do SUS?
2 – Determinar juntamente com o monitor aspectos não respeitados de nossa legislação no que tange à
saúde.
AUTOAVALIAÇÃO
Diante do que foi estudado, faça uma autoavaliação descrevendo o que mais você aprendeu e
as dificuldades que teve.
Referências:
Cohn, Amélia e Elias, Paulo E. Saúde no Brasil: política e organização de serviços. São Paulo,
Cortez/ CEDEC, 1996.
Vasconcelos, C. M., Pasche, D. F., O Sistema Único de Saúde. In: Tratado de Saúde coletiva, Rio de
Janeiro, Ed. Fiocruz,2006, pag 531 – 562.
CAPÍTULO 4
Sempre que ouvimos ou lemos a expressão Meio Ambiente nos vêm à mente imagens da
floresta amazônica ou do oceano, de espécies em risco de extinção, de fábricas poluidoras. Mas não
mudaria sua forma de pensar o mundo que o cerca se você soubesse que no momento que lê este artigo
(sentado em frente ao computador no seu quarto, no escritório, na faculdade) você está inserido em um
meio ambiente?
Esta idéia de meio ambiente como sinônimo de natureza é apenas um dos aspectos do Meio
Ambiente, hoje definido como meio ambiente natural. O chamado meio ambiente natural, ou físico,
engloba ar, água, solo, subsolo, flora e fauna. Talvez seja o primeiro do qual nos recordamos por sua
condição primordial: a ausência de preservação ou de utilização racional dos recursos ambientais de
nosso planeta pode trazer conseqüências catastróficas. Cenário antes apenas imaginado em filmes
futuristas de gosto duvidoso, com a Terra transformada em um imenso deserto e pessoas travando lutas
mortais pelas fontes de água, agora se tornaram preocupação patente para a Organização das Nações
Unidas (ONU) com a diminuição dos níveis de água potável, através da ocupação das áreas de
mananciais e da poluição dos reservatórios existentes. A consciência ambiental e o controle
governamental aliados ao apoio da população podem, todavia, adiar ou mesmo contornar este e outros
reveses sofridos por nossos rios, matas, fauna etc.
Ao lado do meio ambiente natural, temos o meio ambiente construído, ou artificial, aquele produzido pela
ação do homem ao transformar a natureza: as cidades. Há cidades que nos parecem limpas,
arborizadas, bonitas, pois tiveram seu crescimento planejado, e outras, que ao crescerem
desordenadamente, levam-nos a pensar que seus prédios se acotovelam por uma beira na calçada. A
planejada ocupação do solo urbano, determinando as limitações ao direito de construir, informa como a
cidade irá crescer e para onde, como fluirá o trânsito, onde estarão localizadas as áreas verdes para o
lazer tão necessário aos seus habitantes. Um meio ambiente construído sadio contribui para o bem estar
da população que ali vive; e, ao contrário, um meio ambiente artificial hostil gera não apenas sensação
de angústia em seus habitantes como também termina por levar ao abandono e descaso e, não raras
vezes, à agressão para com o espaço público.
O patrimônio cultural de um povo constitui-se em seu meio ambiente cultural e este conceito
engloba, segundo definição da própria Constituição da República Federativa do Brasil, o que faz
“referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira,
nos quais se incluem: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas,
artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais; e, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” A preservação e valoração da cultura de
um povo implicam, em última instância na preservação e valoração deste próprio povo.
E por último, temos o meio ambiente do trabalho. A expressão se refere ao local onde as
pessoas exercem suas atividades laborais. O meio ambiente de trabalho envolve as instalações físicas
do local (ventilação, iluminação natural ou artificial, ruídos, móveis, maquinário etc.), que devem oferecer
um ambiente saudável para a prestação do serviço, bem como deve ser minimizada a possibilidade de
contato com qualquer agente químico ou biológico que traga riscos à saúde do trabalhador. Um meio
ambiente de trabalho sadio proporciona a manutenção da saúde do trabalhador, por sua vez, um meio
ambiente de trabalho agressivo leva ao surgimento de doenças profissionais e, conseqüente, perda da
capacidade laborativa deste trabalhador.
A manutenção de um bom meio ambiente do trabalho deve se dar como colaboração de todos os
indivíduos envolvidos na realização da tarefa, portanto, a responsabilidade de sua boa realização é dada
tanto aos empregadores quanto aos empregados.
O problema está em determinar até que ponto a responsabilidade está em um, em outro ou ao mesmo
tempo nos pólos da relação.
Para solucionarmos este questionamento devemos sempre buscar a resposta em um sentimento de
justiça que garanta sempre um bom amparo para a parte mais fraca da relação.
Ao analisarmos as definições de empregado e empregador, fica claro que as atribuições de mando e
gestão da atividade desempenhada ficam a cargo do empregador, portanto, caberá a este o máximo de
zelo no desempenho desta.
Quanto maior o grau de responsabilidade tanto maior será a possibilidade de errar, e quem erra deve
tentar reverter o erro ou ao menos minorar seus efeitos maléficos.
Um exemplo corriqueiro é o dos funcionários de minas subterrâneas, estes quando no subsolo ficam a
mercê das informações que são passadas por outros funcionários especialmente contratados para zelar
pela vida dos mineiros. Pois bem, caso um destes errar em um cálculo ou informação e ocasionar
alguma lesão nos demais empregados à responsabilidade na desordem do meio ambiente do trabalho
será dada ao empregador que escolheu mal seus prepostos.
No que tange à saúde, o empregador astuto e em alguns casos obrigado pela lei, contrata o bom
trabalho de um profissional habilitado, mas a exigência legal de quantidade de profissionais está bem
longe de ser ao menos plausível.
Quanto ao empregado este tem o dever legal de colaborar com a boa manutenção do salutar ambiente
de trabalho, contudo, suas atribuições são minoradas, deve-se este fato ao princípio de que este é a
parte mais fraca, o elo fraco.
No Brasil, apesar dos brados contrários este princípio é e continuará sendo necessário por longos anos
já que contamos com uma classe de operários subnutridos, analfabetos e expostos por anos, ao mais
amplo desmando de uma minoria rica e dominadora.
Assim, o profissional da saúde irá enfrentar as necessidades de uma população de empregados todos
carentes de saúde e informações. Além disso, ele também será um trabalhador, a se deparar muitas
vezes com um ambiente de trabalho inadequado, mas com a responsabilidade e a função de intervir
sobre ele em prol de sua própria saúde e da saúde dos usuários de seus serviços.
EXERCÍCIOS DE COMPREENSÃO
1 – Defina meio ambiente.
2 – Qual o papel do profissional de saúde no equilíbrio do meio ambiente do trabalho.
AUTOAVALIAÇÃO
Faça uma autoavaliação sobre o que você aprendeu e/ou o que apresentou dificuldades com
relação ao capítulo.
Referências:
- Tesch, Nilson, Segurança no Trabalho. 1ª ed. São Paulo, SP, EDIOURO, 1979.
- Kupstas, Márcio (org), Trabalho em Debate. 2ª Ed. São Paulo, SP, MODERNA, 1997.
Cursos na Área da Saúde
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CAPÍTULO 5
2. HUMANIZAÇÃO
O desenvolvimento científico-tecnológico tem levado muitas organizações a buscar de forma
desenfreada o lucro econômico-financeiro à custa da necessária valorização real do homem,
notadamente dos indivíduos que nelas trabalham. Paradoxalmente, até mesmo organizações cujo lucro
visado não é econômico-financeiro resvalam para isso.
A cultura predominante nessas instituições caracteriza-se por considerar as pessoas meros
recursos que devem contribuir para o alcance dos objetivos organizacionais. Relegam a abordagem
sistêmica, que estuda o homem como uma totalidade e não apenas como profissional cuja vida deveria
se restringir ao ambiente de trabalho. O relacionamento interpessoal saudável, por exemplo, às vezes
não encontra guarida no âmbito organizacional, gerando os mais diversos conflitos e, portanto,
“desumanizando” as organizações. A desconsideração dos valores humanos e da ética também são
exemplos de realidades “desumanizadoras”.
ROMÃO (2002) registra: Mas, o pior de tudo isso [o autor faz referência à reengenharia, à
terceirização e à globalização como modismos, dentre outros que ele relaciona] foi o fruto gerado: a
desvalorização do ser humano, que participou desses processos, tentando ajudar sua empresa, e hoje
é descartado, como se somente números pudessem indicar lucros, e ótimos resultados fossem o
melhor diagnóstico de um negócio. Hoje temos que nos preparar para viver a era emocional, onde a
empresa tem de mostrar ao colaborador que ele é necessário como profissional, e antes de qualquer
coisa que é um ser humano com capacidades que agregadas à produção da empresa, formarão uma 4
Efetiva é a organização que, além de eficaz, agrega valores à sua atuação. Equipe coesa em que o
maior beneficiado será ele mesmo com melhoria em sua qualidade de vida, relacionamentos com os
pares e, principalmente, o cliente que sentirá isso quando adquirir o produto ou serviço da empresa
gerando a fidelização que tanto se busca. O melhor negócio de uma organização ainda se chama
gente, e ver gente integrada na organização como matéria-prima principal também é lucro, além de ser
um fator primordial na geração de resultados.
MORGAN (1996: 142) diz que “a natureza verdadeiramente humana das organizações é a
necessidade de construí-la em função das pessoas e não das técnicas”.
O PAPA JOÃO PAULO II apud MASLOW (2000: 61) assevera que: O propósito da empresa
não é simplesmente lucrar, mas ser vista em sua base como uma comunidade de pessoas que, de
várias formas, estão se esforçando para satisfazer suas necessidades básicas e que formam um grupo
particular no serviço de toda a sociedade. O lucro é um regulador da vida de um negócio, mas não é o
único regulador; outros fatores, humanos e morais, também devem ser considerados, pois, a longo
prazo, serão igualmente importantes para a vida do negócio.
A empresa humanizada, consoante VERGARA e BRANCO (2001: 20), é: [...] aquela que [...]
agrega outros valores que não somente a maximização do retorno para os acionistas. Nesse sentido,
são mencionadas empresas que, no âmbito interno, promovem a melhoria na qualidade de vida e de
trabalho, visando à construção de relações mais democráticas e justas, mitigam as desigualdades e
diferenças de raça, sexo ou credo [e não apenas em tais aspectos], além de contribuírem para o
desenvolvimento e crescimento das pessoas.
Discutir a humanização no ambiente de trabalho é impostergável, e a efetiva vivência num
ambiente organizacional cujos valores maiores incluam a humanização trará grandes benefícios para
os indivíduos, às organizações e a sociedade em geral.
3. RELACIONAMENTO INTERPESSOAL
As relações interpessoais tiveram como um de seus primeiros pesquisadores o psicólogo Kurt
Lewin. MAILHIOT (1976: 66), ao se referir a uma das pesquisas realizadas por esse psicólogo, afirma
que ele chegou à constatação de que “A produtividade de um grupo e sua eficiência estão
estreitamente relacionadas não somente com a Humanização, relacionamento interpessoal e ética
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 11, nº 1, p. 17-21, janeiro/março 2004 19
competência de seus membros, mas sobretudo com a solidariedade de suas relações interpessoais”.
Schutz, um outro psicólogo, trata de uma teoria das necessidades interpessoais: necessidade
de ser aceito pelo grupo, necessidade de responsabilizar-se pela existência e manutenção do grupo,
necessidade de ser valorizado pelo grupo. Tais necessidades formam a tríade de que fala MAILHIOT
(1976: 67), quando este faz referência aos estudos de Schutz: necessidades de inclusão, controle e
afeição, respectivamente.
4. ÉTICA
Evidencia-se a necessidade de serem observados pelas organizações os atuais anseios da
sociedade por uma atuação ética. Tal necessidade requer a conscientização de todos sobre a
importância da ética na atualidade. Assim, o tema “ética” faz-se. Citam-se: KANAANE (1995: 47),
HAMPTON (1990: 106 e 119), GLINA e ROCHA (2000: 59), CORREIA (2000: 16), BÓCCIA (1997: 204)
e COSTA (2002: 20). 6 Podem ser citados os seguintes autores: VIVAN, MIRANDA e MORO (1999: 4)
e ISHIKAWA apud VIVAN, MIRANDA & MORO (1999: 4). Citam-se: HAMPTON (1990: 111) e CAPRA
(1982: 260). imprescindível na pauta das discussões, porque, dentre as necessidades do homem
contemporâneo, a necessidade ética desponta como uma das mais prementes.
A intrincada teia de relacionamentos integra a vida do ser humano, tornando inafastável a
necessidade da discussão sobre ética, porque “A dimensão ética começa quando entra em cena o
outro. Toda lei, moral ou jurídica, regula relações interpessoais, inclusive aquelas com um Outro que a
impõe.” (ECO, 2002: 9).
Consoante ZOBOLI (2002: 8): “[...] uma vez que a empresa, enquanto uma organização social
deve dar conta de funções que a sociedade dela espera e exige assumindo suas responsabilidades
neste âmbito, ela está obrigada a tomar decisões com implicações éticas”. Daí ser possível afirmar que
“a empresa que busca somente os resultados ou as vantagens imediatas é suicida, a responsabilidade
a largo prazo é uma necessidade de sobrevivência e neste aspecto a ética constitui um fator importante
para os ganhos. Por si só, a ética não é condição para um bom negócio, mas o propicia.” (ZOBOLI,
2002: 8)
A sociedade atual exige das empresas um comportamento ético – a esse propósito cita-se a
conscientização dos consumidores sobre a necessidade de defesa de seus direitos.
CARAVANTES (2002: 71) afirma:
[...] a economia de mercado e o sistema econômico em que vivemos como que alijaram valores
fundamentais ao convívio social: o bom cedeu lugar ao útil; o correto, ao funcional; o futuro, ao
imediatismo; e o social, ao individualismo exacerbado. Nesse contexto, há uma verdadeira inversão
valorativa [...]. Antes que alguma mudança venha a ocorrer, há que se repensar valores e atitudes hoje
prevalentes, permitindo que o útil venha a se subordinar ao bom; a especulação desenfreada ao
trabalho honesto e sério; o personalismo ao social; a racionalidade funcional à substantiva.
Destaca-se a Carta de Princípios do Dirigente Cristão de Empresa CE/UNIAPAC BRASIL, da
Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa do Brasil, cujos seguintes princípios, entre outros,
merecem ser transcritos:
14 - Embora o desejo de lucro permaneça o estímulo da atividade econômica, o dirigente de
empresa não tem direito de sobrepô-lo ao dever de servir a sociedade a que pertence. [...]
33 - O homem é o centro da vida econômica; negligenciá-lo será ofender a dignidade humana e
votar a empresa ao malogro. [...]
34 - Tal como as técnicas nela utilizadas estão ordenadas aos fins da empresa, assim os fins
da empresa estão subordinados ao homem. (ASSOCIAÇÃO DE DIRIGENTES CRISTÃOS DE
EMPRESA DO BRASIL, 2002)
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da humanização, da ética e do relacionamento interpessoal permite perceber
facilmente os pontos de contato entre esses temas e a necessidade imperiosa de ser respeitada
ininterruptamente a dignidade de todas as pessoas, incluindo-se os trabalhadores, dos quais sempre é
exigido alto grau de produtividade sem que, em contrapartida, se dispense a eles um tratamento
adequado. É preciso lembrar que uma das maiores exigências sociais na atualidade, no campo dos
negócios públicos e privados, é a vivência irrestrita de valores não hedonistas, voltados para o bem
estar da coletividade e que têm o ser humano como a maior e incalculável riqueza de uma sociedade.
EXERCÍCIOS DE COMPREENSÃO
1 – Organizar grupos e realizar um debate juntamente com os monitores e colegas do grupo
sobre a leitura complementar sugerida (“Humanização, relacionamento interpessoal e ética”).
2 – Relacione a Humanização no ambiente de trabalho com o trabalho em saúde apontando atitudes
que levam à uma assistência humanizada.
AUTOAVALIAÇÃO
Referências:
Oliveira BRG, Collet N, Viera CS. A humanização na assistência à saúde. Rev Latino-am
Enfermagem 2006 março-abril; 14(2):277-84.