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UNIDADE 1: ASPECTOS HISTÓRICOS, TEÓRICOS, METODOLÓGICOS E ÉTICOS DA PSICOLOGIA DA SAÚDE

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DA SAÚDE

Saúde e Psicologia da Saúde


Vários fatores interagem para determinar a saúde. A psicologia da saúde, um subcampo da psicologia, aplica princípios e pesquisas psicológicas
para melhoria, tratamento e prevenção de doenças. Inclui-se nesse processo condições sociais, fatores biológicos e psicológicos. Atualmente, mesmo que a
literatura biológica tenha evoluído, percebe-se cada vez mais o papel de determinantes de outras ordens para a manutenção da saúde e bem-estar global.
Algumas perguntas feitas por psicólogos da saúde são:
✔ De que maneira sua capacidade de relacionar bem com outras pessoas, suas atitudes, crenças, autoconfiança e personalidade geral afetam a sua
saúde?
✔ Será que técnicas alternativas como a acupuntura realmente funcionam?
✔ Até que ponto o ambiente influencia na saúde?
✔ A doença pode decorrer de hábitos pessoais?
✔ Quais as barreiras à adoção de um estilo de vida saudável?
✔ Por que certos problemas de saúde tem ocorrência mais provável entre pessoas de determinada idade, gênero ou grupo étnico?
✔ Por que a pobreza é uma ameaça potencialmente séria para a saúde?

O que é saúde?
A expressão saúde surge da ideia de um estado de “integridade do corpo”. Na sociedade atual, tende-se a categorizá-la como falta de doenças.
Ainda assim, há de se considerar que se trata de uma definição fragmentária, já que a saúde abrange muito mais do que o bem-estar físico.

Os três domínios da saúde


Dentro desse contexto, a ONU criou a OMS, que por sua vez definiu a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não
simplesmente como a ausência de doenças ou enfermidades”. Assim sendo, a saúde encarada como um estado positivo e multidimensional, envolve três
domínios: a saúde física, que corresponde a um bom funcionamento biológico e hábitos para a manutenção desse estado; a saúde psicológica, que
corresponde a uma boa autoestima, estabilidade emocional e senso geral de bem-estar; e a saúde social, que envolve boas habilidades interpessoais, apoio
social e fatores socioculturais em saúde, como o status socioeconômico. Esses três pontos são interligados, na medida em que não correspondem a, mas
interferem e compõem.

Saúde e Doença: Lições do Passado

Visões Antigas

Medicina pré-histórica
Encarava o adoecimento como fruto de uma fraqueza a uma força mais forte, feitiçaria ou possessão por um espírito do mal. O tratamento consistia
rituais de feitiçaria, exorcismo e uma forma primitiva de cirurgia chamada trepanação (perfuração de partes do corpo para que os demônios que causavam a
doença deixassem o paciente). Posteriormente, notaram o papel da higiene para o estabelecimento da saúde, buscando melhorar a higiene pública, como no
caso dos egípcios. Na Mesopotâmia, fabricava-se sabão, instalações sanitárias rudimentares e sistemas para o tratamento de esgotos públicos.

Medicina grega e romana


Na Roma Antiga surgiu um sistema esgoto similar ao moderno, instalaram-se banheiros públicos, além de garantir a conservação dos alimentos. Na
Grécia, Hipócrates foi o primeiro a conceber a doença como um fenômeno natural e que suas causas poderiam ser efetivamente conhecidas. Criou a teoria
humoral, que implicava em uma saúde resultante da harmonia entre quatro fluidos corporais denominados humores; sangue, bile amarela, bile negra e
fleuma. A quantidade de cada um desses fluidos seria determinante na saúde, tanto física quanto psíquica. Assim, o tratamento poderia variar de acordo com
o item em excesso, podendo ser flebotomia (abertura de uma veia para remover o sangue), banhos frios, enemas, diuréticos, sangrias, eméticos (drogas que
induzem o vômito) entre outros. Ele foi, portanto, muito importante na história da medicina, chamando atenção aos aspectos psicológicos do processo saúde
doença e por romper com a concepção dominante até então de que as doenças advinham do sobrenatural. Galeno, por sua vez, aprofundou estudos
anatômicos, de higiene e dieta, aprofundando os estudos hipocráticos ao propor uma farmacologia rudimentar para o tratamento humoral. Além disso,
apresentou um método racional e descritivo em seus estudos.

Medicina não-ocidental
Em outras culturas também foram desenvolvidos outros sistemas de cura. A medicina chinesa tradicional fundamentava-se na harmonia interna, ou
seja, na energia vital ou força de vida que oscila com as mudanças do bem-estar mental, físico e emocional de cada pessoa. A acupuntura, terapia com ervas,
a meditação eram alternativas para o desenvolvimento dessa harmonia. Na Índia, desenvolvia-se a ideia do ayurveda, baseada na crença de que o corpo
humano representa o universo inteiro em um microcosmo e que a chave para a saúde é manter um equilíbrio entre o corpo micro e o mundo macro.

A Idade Média e a Renascença


Com o predomínio da Igreja em todos os campos nesse período, a doença voltou a ser tratada como de cunho sobrenatural. A doença não era sujeita
as leis da natureza, uma vez que o homem possuía alma, e estaria sujeita apenas às leis de Deus. Como forma de tratamento, utilizava-se da feitiçaria,
demonologia e outras formas místicas. Com o eclodir da Renascença, houve a revitalização da anatomia e da ciência médica racional. Um dos pensadores
desse período, Descartes, desenvolveu a ideia do dualismo mente-corpo, considerando estes como processos separados e autônomos que pouco interagem e
se submetem a diferentes leis de causalidade: enquanto a mente deveria ser domínio da filosofia, o corpo era reservado à medicina.

O racionalismo da pós-Renascença
A teoria hipocrática deu lugar à teoria anatômica da doença, ou seja, que afirmava a origem das doenças nos órgãos internos, musculatura e sistema
esquelético humano. O uso clínico da termometria (a mensuração da temperatura), a partir de avanços químicos, se disseminou. Foi também inventado o
microscópio, podendo-se observar células sanguíneas e a estrutura básica dos músculos. Observou-se também que as plantas também possuíam células,
tornando-se fundamento da teoria do século XIX de que a célula era a unidade básica de todos os organismos vivos.

Descobertas do século XIX


Virchow estabeleceu a teoria celular da doença, ou seja, a ideia de que esta era resultado de anormalidades nas células do corpo. Pasteur
revolucionou a medicina, refutando a teoria da geração espontânea, fazendo experimentos apontando que a matéria viva só poderia surgir da matéria viva,
provando também o papel dos microrganismos no desenvolvimento patológico e criando vacinas eficazes. Ajudou, assim, a moldar a teoria dos germes, em
que o mau funcionamento do corpo seria reflexo de uma atuação de bactérias, vírus e outros microrganismos que invadem esse sistema.
O século XX e o início de uma nova era
O avanço da medicina afirmava até então um preterimento dos pensamentos e emoções pelo biológico no desenvolvimento do processo saúde-
doença, o denominado modelo biomédico de saúde. Este, por sua vez, que considera a saúde como a ausência de doenças, possui três características
marcantes:
1) encara a doença como fruto de um patógeno (vírus, bactéria, etc);
2) é reducionista, considerando que fenômenos complexos são derivados de um único fator primário - o biológico;
3) é dualista ao dissociar a mente do corpo.

Medicina psicossomática
A medicina construída até então não era capaz de tratar efetivamente toda patologia que se apresentava na realidade. Freud, ao estudar a histeria,
começou a conceber uma nova categoria de doença. Alexander ajudou a estabelecer a medicina psicossomática, que diz respeito ao diagnóstico e ao
tratamento de doenças físicas originadas naquilo que é psíquico. Esta recebeu algumas críticas, como a metodologia pautada apenas em estudos de caso, a
arbitrariedade de categorização, além de não pensar na interação existente entre o psíquico e o somático, e ao privilegiar apenas o primeiro, seria também
reducionista. Entretanto, a medicina psicossomática é quem dá início a tendência contemporânea de ver a doença e saúde como algo multifatorial.

Medicina Comportamental
Em resposta direta ao Behaviorismo, a medicina começou a explorar o papel do condicionamento clássico e operante na saúde e na doença.

O surgimento da psicologia da saúde-doença


Em 1973, a APA criou a divisão da psicologia da saúde. Seriam quatro os objetivos desse novo campo:

✔ Estudar de forma científica as causas e origens de determinadas doenças, ou seja, sua etiologia. Comprometidos com as origens psicológicas,
comportamentais e sociais da doença para entender comportamentos que comprometem a saúde;
✔ Promover a saúde, para que as pessoas se comportem com tal intuito;
✔ Prevenir e tratar doenças através de programas;
✔ Promover políticas de saúde pública e o aprimoramento do sistema de saúde pública.

Tendências que moldaram a psicologia da saúde

Aumento na expectativa de vida


Com a melhoria dos serviços de saúde, fez com que aumentasse a expectativa média de vida. Não obstante, as desigualdades dessa expectativa
persistem nos países e se associa com a classe socioeconômica. Assim, espera-se uma maior consciência pública das questões relacionadas com a saúde, que
agora enfatiza a vitalidade física, psicológica e social, estabelecendo um papel claro para a psicologia nesse contexto.

O surgimento de transtornos relacionados com o estilo de vida


Melhorias em higiene pessoal, nutrição, saúde pública, como o sistema de esgotos, e a descoberta da penicilina levaram a um declínio do número
de mortes por doenças infecciosas. Ainda assim, o social é de papel fundamental na manutenção dessa saúde e em países em desenvolvimento essa melhoria
não é tão grande. Hoje as doenças correlacionadas a estilos e vida, como a doença cardíaca e o câncer são mais evidentes do que aquelas resultadas por
infecções virais e bacterianas e que não poderiam, portanto, ser facilmente evitadas. Outra mudança no padrão da doença é que na contemporaneidade as
doenças não são mais transtornos agudos, que seguiam de morte rápida, e sim doenças crônicas que se estendem ao longo da vida.

Repensando o modelo biomédico


Tornou-se necessário pensar a saúde para além do modelo biomédico, já que fatores psicológicos e sociais interferem no biológico, bem como o
processo inverso. O desencadeamento de uma doença, o uso de medicamentos, por exemplo, pode ter influências de outros âmbitos. Identifica-se, por
exemplo, o efeito placebo, em que a crença de uma pessoa na eficácia de um tratamento pode influenciar sua intervenção.

Aumento dos custos do atendimento em saúde


O aumento em custos de serviços ajudaram a focar a atenção na eficácia para promoção e manutenção da saúde. A ênfase da psicologia em
modificação de comportamentos de riso das pessoas, antes que eles causem doenças, tem o potencial de reduzir custos com a saúde de forma expressiva.

Perspectivas em psicologia da saúde

Perspectiva do curso de vida


Essa perspectiva estuda importantes aspectos da saúde e da doença relacionados com a idade. Além disso, estuda também as principais causas de
morte que acometem certos grupos etários. Outra preocupação dessa perspectiva é a forma como as experiências de uma determinada coorte de nascimento
(pessoas que nasceram em épocas próximas e compartilham de condições históricas semelhantes) influencia na saúde.

Perspectiva sociocultural
O foco da perspectiva sociocultural é a maneira como fatores sociais e culturais (valores, comportamentos e costumes transmitidos) contribuem
para a saúde/doença. Dentro de uma cultura, podem existir um ou mais grupos étnicos, ou seja, grandes grupos de pessoas que, por compartilharem certas
características, tendem a ter valores e experiências semelhantes. Em culturas multiétnicas existem indicativos mais desiguais quanto a saúde. Isso pode
decorrer da variação econômica que afeta de maneiras diferentes grupos específicos, das diferentes crenças e comportamentos relacionados à saúde
compartilhadas por pequenos grupos sociais.

Perspectiva de gênero
A partir dessa perspectiva concebe-se que homens e mulheres possuem problemas de saúde específicos de seu gênero. Foi observada uma
tendência, por exemplo, de que mulheres tendem a responder de forma mais ativa do que os homens a sintomas de doenças e a buscar tratamento precoce. A
medicina tem histórico de tratar homens e mulheres de maneira diferente, como diagnósticos, procedimentos e medicações influenciados pelo gênero do
paciente. Problemas como esse, somados à sub-representação em pesquisas, levaram à críticas contra o preconceito de gênero no conhecimento científico.

Perspectiva biopsicossocial (mente-corpo)


Atualmente, as perspectivas apresentadas se sobrepõem, e se vê o processo saúde doença como um produto da interação entre esses fatores. De
certo modo, agrupam-se na perspectiva biopsicossocial. Esta diz respeito a um conceito de saúde que é determinado pela interação entre mecanismos
biológicos, psicológicos e sociais:
✔ O contexto biológico:
Todos os comportamentos ocorrem no contexto biológico, ou seja, é possibilitado pela estrutura anatômica e pela função biológica característica do
corpo de uma pessoa. Pode-se falar em predisposição genética relacionada à saúde/doença, para comportamentos normais/anormais. A
determinante biológica, associada a condições psicológicas e sociais pode elevar a probabilidade de emissão de um comportamento. Considera-se
no âmbito biológico a primazia do processo adaptativo no qual o homem está submetido, que faz com que algumas características sejam
selecionadas pelo ambiente e persista na espécie, influenciando dessa forma a ontogênese. A biologia e o comportamento, em certa medida, se
cruzam, e o papel da psicologia da saúde é explicar como e por que essa influência mútua ocorre.
✔ O contexto psicológico
O processo saúde-doença também é influenciado pelo psicológico da pessoa. Por exemplo, um fator fundamental para determinar o quanto uma
pessoa consegue lidar com uma experiência de vida estressante é a forma como o evento é avaliado e interpretado. Eventos avaliados como
avassaladores, invasivos e fora do nosso controle nos custam mais do ponto de vista físico e psicológico do que os que são avaliados como
desafios menores, temporários e superáveis. Além disso, algumas evidências sugerem que, independentemente de um evento ser realmente
experimentado ou imaginado, a resposta do corpo ao estresse é, de modo aproximado, a mesma. As intervenções psicológicas podem auxiliar no
tratamento de condições crônicas, bem como na administração de estresse da vida cotidiana que parece exercer efeito cumulativo sobre o sistema
imunológico.
✔ O contexto social
Coloca-se em voga como o ser humano influencia e se relaciona consigo mesmo e com o ambiente. O grupo pode determinar papéis, identidades,
representações sociais que o sujeito ocupa, influenciando suas crenças e comportamentos, inclusive aquelas que se relacionam à saúde. O fato de
sentir-se amparado por outras pessoas, por exemplo, pode ser significado como proteção, que diminui hormônios do estresse e mantém as defesas
do corpo fortes durante situações traumáticas.

“Sistemas” biopsicossociais
O modelo biopsicossocial enfatiza as influências mútuas entre os contextos biológicos, psicológicos e sociais da saúde. Também se fundamenta na
teoria sistêmica do comportamento, ou seja, compreende cada um de nós como um sistema, um in – um corpo formado por sistemas biológicos que se
subdividem e interagem ao mesmo tempo, r também somos parte de muitos sistemas maiores como a família, a sociedade. Conceituar a saúde e a doença
conforme a abordagem sistêmica permite que compreendamos o indivíduo de forma integral.

Aplicando o modelo biopsicossocial


Pode-se tomar como exemplo o transtorno depressivo sob a perspectiva biopsicossocial. Este poderá ser melhor compreendido se considerada a
ocorrência nos contextos: biológico (predisposições genéticas e desequilíbrios de neurotransmissores), psicológico (pensamentos negativos e crenças
autodestrutivas) e social (eventos estressantes, desamparo condicionado e cultura individualista que encoraja a autoculpa por fracassos pessoais.

Questões frequentes sobre a psicologia da saúde

O que fazem os psicólogos da saúde?


Podem ser professores, cientistas pesquisadores e/ou clínicos. As intervenções podem ser individuais ou em grupos, diretas ou indiretas.
Intervenções indiretas envolvem, por exemplo, projetar e implementar um programa de treinamento para relaxamento, a fim de ajudar um paciente a lidar
com uma dor crônica. Uma intervenção indireta implica conversar com o médico de um paciente para determinar os traços psicológicos que estão
influenciando o tratamento médico.

PSICOLOGIA DA SAÚDE: CRÍTICA NO CONTEXTO HOSPITALAR

CARVALHO

Acerca da inserção da psi no contexto hospitalar no Brasil a principal corrente é a formação profissional, além de construções de modelos e
estratégias de práticas psicológicas. Estudos afirmam que a psi hospitalar se configura como uma área de atuação ainda que os recursos teórico-
metodológicos não se difiram de outros contextos, decorrente da formação generalista da psicologia. Alguns argumentam que o hospital é um local e não
uma área de atuação e que a identificação por local de atuação tende a fragmentar ainda mais o reconhecimento de classe para esse profissional. Considera-se
que a psicologia hospitalar deve ser inserida na área ampla de psicologia da saúde, se utilizando de conhecimentos das ciências biomédicas, da psi clínica e
comunitária. Atualmente, existem, pelo menos, duas perspectivas no campo da saúde: uma psicologia da saúde tradicional e uma psicologia da saúde crítica.
A primeira se refere a um modelo biopsicossocial da saúde a partir de metodologias quantitativas de investigação para constatar um valor preditivo para
definir os determinantes do processo saúde-doença. Já o segundo trabalha com um modelo de produção social da saúde, com uma metodologia qualitativa
considerando o processo saúde doença a partir do estudo de suas significações sociais.

Da Psicologia da saúde tradicional à Psicologia da saúde crítica


A constituição da Psi da saúde ocorre no contexto anglo-saxônico, no final da década de 70. Matarazzo apresentou aquela que é considerada a
primeira definição de psicologia da saúde: “Psicologia da saúde é um agregado das específicas contribuições educacionais, científicas e profissionais da
disciplina da Psicologia à promoção e manutenção da saúde, à prevenção e ao tratamento das doenças e à identificação dos correlatos etiológicos e
diagnósticos da saúde, da doença e das disfunções relacionadas”. Posteriormente, Matarazzo acrescentou a esses propósitos a análise e o melhoramento do
sistema de saúde e formação de políticas de saúde.
Surge dentro de uma perspectiva individualista, influenciada pelo comportamentalismo hegemônico até então no âmbito da psicologia geral e num
contexto de expansão do neoliberalismo. Matarazzo assumiu esse posicionamento ideológico e definia saúde comportamental como um campo para
promoção da filosofia da saúde que enfatizaria a responsabilidade individual na aplicação de técnicas das ciências biomédicas e comportamentais na
manutenção da saúde e prevenção de doenças e disfunções através de atividades propostas ou de iniciativa do indivíduo. Desconsidera, dessa forma, a base
social de toda ação humana e se faz necessária uma discussão acerca dos princípios morais e éticos que nos justificaria buscar persuadir as pessoas a
mudarem de comportamento. Matarazzo apresenta também uma visão economicista para a criação da psi da saúde ao argumentar que seria ‘mais barato’
modificar o comportamento de risco do que tratar as consequências deste.
A origem do imperativo experimental quantitativo, marcante da psicologia da saúde tradicional, pode ser encontrado nos trabalhos de Fechner que
buscava a mensuração de eventos mentais privados. A posteriori, para estudos em larga escala, a mensuração psicológica passou a ser uma medida de
capacidade individual, e não mais de experiência individual. Thorndike tem força de propulsão nesse movimento, na medida em que investigava a
aprendizagem escolar enquanto um universal humano e que, portanto, poderia ser investigado de forma quantitativa. Isso se reflete na psiquiatria moderna
que se pauta em Manuais de Transtornos que se fundamentam na estatística para diagnóstico.
O desenvolvimento biopsicossocial da medicina, com a crítica ao modelo biomédico, e o papel da psiquiatria, que passou a integrar perspectivas
organicistas e psicodinâmicas, estratégias quantitativas e qualitativas, influenciam no desenvolvimento da psicologia da saúde. Nas ciências sociais se
fortalece a corrente qualitativa, representada inicialmente pela análise de discurso e dos contextos de Giorgi. A partir de uma inserção das abordagens
românticas nesse campo (psi fenomenológica, humanista, análise discursiva etc), passou a se questionar a psicologia da saúde tradicional e sua prioridade
quantitativa desconsiderando a singularidade do sujeito e do mundo no qual ele pensa e vive. Nesse sentido, a linguagem passou a ser considerada um meio
de acesso privilegiado à experiência humana. Ainda assim, postulou-se a necessidade de uma reflexão crítica acerca do objeto acessado, para que a análise
não seja pobre e não diga nada do que se pretende investigar. Surge então a Psicologia da Saúde Crítica, marcada pela heterogeneidade de suas propostas.
Seriam quatro os elementos constituintes da Psi crítica para Parker:
1. O exame sistemático dos discursos dominantes na Psicologia e sua operação ideológica a serviço do poder;
2. A consideração de aspectos histórico-culturais na construção do saber psicológico que afirma ou refuta o modelo dominante;
3. A influência que a cultura psicológica possui na vida cotidiana, para além da academia e prática profissional;
4. A investigação constante das práticas e teorias psicológicas em sua relação com a vida concreta.
Para Fox, Sloan e Austin, haveriam três tendências:
1. Concepção de novos métodos de pesquisa empírica em psicologia, articulados com o papel de transformação social implícito;
2. Análise e demonstração dos efeitos de fundamentos ideológicos positivistas e individualistas na vida cotidiana, bem como promover a aproximação de
uma teoria e práticas mais emancipatórias;
3. Entendimento do poder institucional sobre os indivíduos fragilizados, com o qual a psicologia tradicional promove um processo de normalização da
sociedade.
Santiago-Delfosse e Chamberlain descrevem dois grupos de psicólogos críticos. O primeiro que questiona os pressupostos epistemológicos,
teóricos e metodológicos da psi dominante e o segundo que reivindica uma psi engajada na sociedade, a fim de que as teorias, os métodos e as intervenções
possam contribuir para a melhoria das condições de vida. A psicologia crítica teria como proposição:
a) questionamento da pertinência do modelo biopsicossocial1 na compreensão da complexidade e da temporalidade da doença na experiência humana;
b) refutação da ideologia a-contextualizada e individualista da concepção dominante;
c) compreensão do papel e das práticas do psicólogo e questionamento destes.

Psicologia da saúde crítica e as abordagens ao campo da saúde-doença


A psicologia da saúde teria quatro abordagens com diferentes sistemas de valores:

1) Psicologia da saúde clínica


Representada pela maioria dos manuais, periódicos e programas acadêmicos. Expressão de um modelo biopsicossocial de saúde, aplicada em
clínicas, hospitais e centros de saúde.

2) Psicologia da saúde pública


Lida com a promoção da saúde e prevenção e não propriamente com o tratamento da doença. É uma atividade que envolve uma variedade de
processos de negociação e construção comunitária. Marks apresenta como desafios dessa abordagem a compreensão e alteração de comportamentos ligados
à saúde e informações que dela circulam, bem como a contribuição para uma melhor relação médico-paciente e ainda a compreensão das diferenças sociais
implicadas no desenvolvimento da saúde. A psi da saúde deve se vincular obrigatoriamente a uma psicologia da saúde comunitária.

3) Psicologia da saúde comunitária


Baseia-se na pesquisa e intervenção em comunidades, contemplando comunidades vulneráveis contribuindo para o empoderamento desses
indivíduos visando ajudá-los na superação das causas de sua vulnerabilidade. Compreende a saúde individual como o produto de determinantes políticos,
econômicos e sociais e conceitua saúde como Bem-Estar, incluídas saúde física e mental e resiliência. Uma perspectiva psicossocial saudável seria,
necessariamente, uma perspectiva ecológica. Comunicação, cooperativismo e participação da sociedade civil também são temas pertinentes a essa
abordagem.

4) Psicologia da saúde crítica


Analisa a influência do poder e da dominação socioeconômica na estruturação da saúde e da sociedade como um todo. Preocupa-se com a natureza
política de toda existência humana e defende a liberdade de pensamento e a noção de interdependência dos seres humanos como agentes sociais. Estuda a
sociedade como um todo, as políticas públicas e as relações de mercado. Questiona conceitos como construção social da saúde, bem-estar e qualidade de
vida. Se utiliza do instrumento analítico crítico e de evidências obtidas pelas outras três abordagens.

Marks propõe a integração entre as quatro abordagens de forma que se estruture da seguinte forma: Na primeira esfera, estariam fatores biológicos
de saúde, pautado no sistema biomédico. Neste, apareceriam fatores individuais relacionados ao estilo de vida. Na segunda, haveria o predomínio de
influência social e comunitária. Na terceira instância, estariam as condições de vida e trabalho. Por último estariam condições ambientais, econômicas,
sociais, culturais e políticas. A ética e a comunicação seriam fundamentais ao todos subsistemas.
Alguns autores discordam da colocação da psicologia da saúde crítica como abordagem, uma vez que pode ser aplicada em qualquer uma das
outras. Saforcada oferece uma alternativa a esse impasse no desenvolvimento daquilo que considera Psicologia Sanitária. Organiza a psicologia da saúde a
partir de perspectivas de saúde tradicional e crítica e de abordagens: Psicologia da saúde clínica, psicologia da saúde pública, psicologia da saúde
comunitária e psicologia sanitária.

Psicologia da saúde crítica e prática profissional


Propõe a promoção do bem-estar individual, relacional e coletivo, na compreensão do que é a boa vida, a boa sociedade, o conhecimento, a ética, o
papel do profissional da saúde e do usuário dos serviços de saúde considerando a interdepência entre eles. No hospital essa relação é dificultada, uma vez
que a hierarquização entre médico e paciente, subjuga o mesmo através do poder institucional, impedindo a emancipação e crescimento do doente. Nas
comunidades, faz-se necessária a promoção de envolvimento dos membros com as políticas de saúde, em que o próprio psicólogo se envolve, sem qualquer
papel de superioridade. Para Belar, o psicólogo deve abandonar a perspectiva positivista e adotar uma prática reflexiva, envolvida no contexto sócio-
histórico.

METODOLOGIAS DE TRABALHO COM GRUPOS E SUA UTILIZAÇÃO NA ÁREA DA SAÚDE


AFONSO E COUTINHO

A organização grupal diz da forma como grupo atua frente aos objetivos. Esse texto apresenta as estruturas que os grupos podem assumir e que
possuem diferentes potencialidades a serem utilizadas na área da saúde. Existem grupos com nomes diferenciados, como “grupo de apoio”, “grupo de
reflexão”, etc. Esses nomes se referem à função e não à estrutura do grupo. Esse texto apresenta as estruturas que os grupos podem apresentar: “focal”,
“socioeducativos”, “psicoeducativos”, “operativos” e de “terapia”. Não se pretende delimitar categorias rígidas acerca dessas estruturas, mas sim orientar o
pesquisador em saúde:

Grupos que têm por objetivo apenas conhecer (e/ou pesquisar) crenças, ideias e sentimentos de seus participantes.
O grupo é criado por uma demanda externa a ele, por objetivo de coletar informações e não efetivamente para mudar ideias, crenças e sentimentos
ou ainda para se trabalhar as relações entre os participantes. O grupo é exposto a um tema e a um roteiro de perguntas para orientar a discussão. Podem ser
usadas técnicas de dinamização (como o brainstorm, frases inacabadas que os participantes completam, quadros de ideias convergentes e divergentes a
respeito do tema) a fim de levantar as percepções do grupo acerca daquele tema. Esse tipo de grupo pode ser denominado grupo focal e utilizado
principalmente em problemáticas correlacionadas com o contexto sociocultural. Geralmente possui entre 5 e 12 pessoas e dura entre 5 e 12 sessões. O grupo
possui pouca ou nenhuma autonomia frente ao curso do encontro, que é definido pelo pesquisador ou coordenador.

1 O modelo biopsicossocial faz referência a um produto de uma combinação de diferentes fatores. Para Marks, este não constitui de fato um modelo, mas sim a descrição de
um conjunto de crenças sobre a saúde e doença presentes na cultura e na ciência que não atinge exatamente como processos psicossociais influenciam o processo saúde-
doença.
Grupos que tem por objetivo conhecer crenças, ideias e sentimentos de seus participantes visando à reflexão, adaptação e/ou mudança, e
estimulando novas aprendizagens, para o enfrentamento de dada problemática
O objetivo desse tipo de grupo se relaciona à necessidade de esclarecer e trabalhar aspectos de uma questão de saúde/doença em âmbito
psicossocial e cultural. Espera-se uma reorganização da prática cotidiana dos sujeitos atendidos nesse grupo para que, consequentemente, seja
qualitativamente transformada a relação com saúde dessa população. Assim sendo, pressupõe aspectos educativos e reflexivos do grupo, melhorando a
comunicação e aprendizagem nele. Esse tipo de grupo poder ser tanto socioeducativo, ou seja, relacionado aos aspectos socioculturais/psíquicos que
envolvem a temática ali abordada, quanto pode ser psicoeducativo, que envolve a reflexão do sujeito acerca da própria experiência com o problema em
questão. Apesar de haver essa diferenciação, não existe uma fronteira rígida de classificação, uma vez que depende da implicação pessoal do sujeito no
grupo. O tema é previamente definido. Geralmente possui até 20 pessoas, podendo funcionar com um número pequeno ou grande de sessões dependentes da
demanda específica que se procura atender, sendo possível também que permaneçam abertos e com certa rotatividade dos participantes, mesmo mantendo o
foco da reflexão. Esse grupo deve ser capaz de elucidar dúvidas, mitos, preconceitos acerca da problemática nos participantes, bem como promover uma
mudança na representação que estes possuem do tema, estimulando novas práticas. O coordenador assume papel semelhante ao de um educador, utilizando-
se de recursos como materiais acessíveis aos participantes, jogos educativos, etc para aumentar a compreensão e motivação dos sujeitos nesse grupo. Esse
tipo de organização é preferível quando o tempo é curto e as condições de realização é limitada É possível tecer críticas acerca dessa intervenção na medida
em que o coordenador centralizaria o conhecimento em si, levando os participantes a ocuparem um papel passivo, como receptores de informação, tornando
a autonomia do grupo relativa. Assim sendo, pode resultar em um impasse maior na conquista de novos hábitos, que pressupõem um papel ativo no
autocuidado dos participantes.

Grupos que tem por objetivo conhecer crenças, ideias e sentimentos de seus membros visando à reflexão e mudança, estimulando novas
aprendizagens em sua realidade, como realidade compartilhada no contexto sociocultural, bem como estimulando a operatividade, autonomia e
mobilização dos participantes
O grupo operativo incentiva a maior comunicação entre os pares, a criatividade e autonomia do grupo e dos participantes, implicando em um
maior comprometimento pessoal e interpessoal no enfrentamento da problemática. Compartilha de um “foco”, mas a definição da temática e eixos
secundários a serem trabalhados é uma construção conjunta entre os participantes e o coordenador. Visa não apenas compreender condições da saúde/doença,
mas também dar respostas criativas a suas necessidades, em seu cotidiano e contexto. A aprendizagem, nesse nível, estaria correlata à (re)elaboração de
significados, sentimentos e relações, que estaria necessariamente vinculada a uma nova experiência. A “estrutura” do grupo operativo busca equilibrar o
envolvimento do grupo com a tarefa combinada e sua criatividade na realização da tarefa e reflexão a partir desta. Constitui-se com até 12 participantes, sem
alta rotatividade de membros, o que diminuiria a operatividade e independência do grupo. Ainda assim, a flexibilidade e heterogeneidade são características
desejáveis para esse tipo de grupo já que pode trabalhar com as diferenças e com a criatividade a partir delas. A duração pode ser variável, sendo que quanto
maior o tempo, mais profundas as exigências e questionamentos. Um grupo operativo pode, por exemplo, se tornar, um grupo terapêutico com o passar do
tempo. No contexto do serviço de saúde é sugerida uma duração de 7 a 15 encontros.

Grupos que trabalham sobre os conflitos psíquicos de seus membros, considerando ideias, crenças e sentimentos, conscientes e inconscientes,
visando à reflexão e mudança, estimulando a elaboração de problemas psíquicos, emocionais e relacionais, buscando promover a mudança da
problemática psíquica e/ou da própria estrutura psíquica de seus membros e ajudá-los a construir formas de lidar com angústias e conflitos
psíquicos e relacionais
Esse grupo corresponde a uma terapia, dando maior ênfase aos aspectos psíquicos e relacionais do que aos educativos. Caso possua um “foco”, ou
seja, um problema específico a ser tratado, pode ser chamado de terapia breve. Entretanto, em geral a estrutura de cada sessão fica em aberto, ou seja, o
material a ser trabalhado emerge do grupo. Nesse sentido, sua “estrutura” garante autonomia para os participantes, enquanto o coordenador é mais terapeuta
do que educador. Possui geralmente em torno de 5 e 6 participantes, baixa rotatividade de membros, podendo abarcar alta heterogeneidade entre eles e tem
duração variável.

A oficina
Considera-se que a oficina em saúde não se situa como “grupo focal” e nem “grupo de terapia”. Sua melhor definição é de “grupo operativo”. Usa
informação e reflexão, mas se distingue de um projeto apenas pedagógico, porque trabalha também com os significados afetivos e as vivências relacionadas
com o tema discutido. E ainda que busque a elaboração da experiência se diferencia da terapia uma vez que se limita a um foco e não pretende a análise
psíquica profunda de seus participantes. Define-se a oficina como uma prática de intervenção psicossocial, seja em contexto pedagógico, clínico,
comunitário ou de política social.

OFICINAS BASEADAS EM METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS


POLEJACK E SEIDL

Refletindo acerca dos processos de ensino-aprendizagem as metodologias pedagógicas participativas valorizam a participação ativa do educando
no processo de aprendizagem, possibilitando maior desenvolvimento de habilidades.

Promoção de saúde e prevenção de doenças


O conceito de promoção da saúde se refere ao processo que cria condições para que as pessoas aumentem sua capacidade de controlar os fatores
determinantes de saúde, a fim de melhorá-la, podendo abarcar níveis individuais e coletivos. Esses fatores se dividem em três eixos, que são
complementares: educação para a saúde, prevenção de doenças e proteção da saúde. Para a promoção da saúde, são envolvidas tanto a responsabilidade
governamental, quanto coletiva e individual, desdobrando-se em cinco campos de ação:
✔ elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis;
✔ criação de ambientes favoráveis à saúde;
✔ reforço da ação comunitária;
✔ desenvolvimento de habilidades pessoais;
✔ reorientação do Sistema de Saúde.
O termo prevenir se refere a ações que reduzem ou eliminam fatores, situações ou contextos de risco específicos que ameacem a saúde.

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