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EDUCAÇÃO “BANCÁRIA” E EDUCAÇÃO LIBERTADORA

FREIRE

A concepção dominante de educação aponta para um ensino pautado em uma narrativa dos conteúdos, em que se pressupõe uma
direção unidirecional e antidialógica. O ensino que parte dessa relação na qual o educador expõe e o educando exclusivamente escuta, não
traz a realidade para a sala de aula e consequentemente não proporciona ao educando um novo tipo de contato com a mesma. Freire
considera que nesses tipos de discursos, a palavra do professor é desconexa do real, transformando-se em “verbosidade alienada e alienante”,
justamente por não proporcionar reflexões críticas aos educandos. A potencialidade transformadora da educação dá espaço à memorização
mecânica, destituída de sentido. O educante, nessa perspectiva, é visto como um ser passivo e vazio de conhecimento que, no decorrer do
percurso acadêmico, arquiva o saber que o educador deposita nele. Dessa forma, retira-se a possibilidade humana de saber, já que este só
existe na (re)invenção “que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros”.
A visão bancária da educação, na medida em que subjuga o educando e o concebe como ignorante, instrumentaliza a ideologia da
opressão, na qual o educador ocupa a posição fixa daquele que sabe. Nesse sentido, os educandos se alienam e não compreendem a
existência de uma via inversa, onde o educador também se encontra em estado de aprendizagem. A escola, uma vez que se utiliza de
mecanismos impositivos, não constrói democracia, mas sim obediência. Na medida em que a escola, como instituição oficial do ensino,
tende a ser um arbitrário cultural das classes dominantes, reflete-se uma “cultura do silêncio” posta na sociedade de classes, estimulando a
sua conservação tal qual se apresenta na contemporaneidade. É retirada do educando a possibilidade de refletir e posicionar, restando a ele
apenas a acomodação passiva e dócil, na posição de objeto ao qual são transmitidos e armazenados saberes. A educação não representa, dessa
forma, uma decisão consciente dos educandos com responsabilidade social e política, mas sim aliená-los ao mundo já construído. O interesse
da classe dominante é “transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime”.
A manutenção do status quo se apresenta mesmo que em forma de políticas assistencialistas, com cunho humanitarista e não
humanista, nas quais a ordem se mantém a partir de migalhas na forma de direitos de integração daqueles que são denominados
marginalizados. Para tal perspectiva, o homem coisificado, aquele que se assiste, é o problema focal. Extingue-se, assim, quaisquer
influências sociopolíticas para a situação de calamidade que o outro vivencia. Consequentemente, na sobrevivência desse sistema, ao excluir
a possibilidade humana de pensar o mundo elimina-se também a insurgência de uma ordem subversiva. Para Freire, os marginalizados não
estão fora de, mas dentro de uma estrutura excludente que os tornam “seres para o outro”. Portanto, não é com a incorporação destes à
sociedade que oprime que se alcança uma igualdade entre pares, mas com a possibilidade de transformação destes como “seres para si”,
reflexivos quanto a própria realidade, “Ser Mais”. Aqui reside a proposição básica de uma pedagogia da libertação, o assujeitamento que
ocorre na educação que proporciona uma consciência crítica perante os fatos, em que o educando seja dono das próprias palavras e não mero
reprodutor, preso nas circunstâncias delimitadas pelo opressor. O educador libertário não pretende um ensino impositivo, mas dialogado. O
saber não reside expressamente nele, mas na relação de companheirismo entre educador e educando, onde cada qual pode trazer sua
contribuição para que se possibilite um pensar autêntico acerca da realidade. É no diálogo que se fundamenta qualquer viabilidade de ser.
Na perspectiva freiriana, mesmo que a passividade seja expressada pelo oprimido, existe ainda a possibilidade de que a realidade a
devir, que em si carrega contradições e está em constante movimento, leve-o a confrontar sua “domesticação”. Podem, portanto, a partir de
sua experiência existencial e vocação ontológica de humanizar-se, perceberem a realidade a si próprios como possibilidades de ser, e não
algo estático como se pretende afirmar. A visão bancária pressupõe uma dicotomia homem e mundo, na qual a consciência humana seria
apenas um refratário que aos poucos incorpora a realidade, mas de fato não participa ativamente dela. Assim, ao educador restaria apenas a
possibilidade de ensinar ao educando a realidade da qual se incorpora e pode representar, mas jamais transformar. Adaptar ao mundo tal qual
se apresenta (imbuída de uma perspectiva de que este assim permanecerá) é o objetivo da educação bancária, mantendo dessa forma as
relações de opressão.
Contraposta a tal objetivo, a educação para a liberdade tem como objetivo o pensamento autêntico que tanto educador, quanto
educando pode adquirir em uma intercomunicação, que parte de uma realidade concreta. A imposição de saber seria, portanto, controladora
do pensamento e da ação do homem sobre o mundo, fazendo com que se aliene e aceite a subordinação. Ainda que o homem perceba tal
opressão agindo sobre si, no auge de rebeldia, não são capazes de se libertarem dela. A opressão pode surgir de forma mais explícita, já que a
classe dominante tem poder também sobre os agentes do Estado e reprime em nome de uma “paz social que, no fundo, não é outra senão a
paz privada dos dominadores”. Assim, qualquer prática que se proponha libertária informa ao homem sua possibilidade de transformar a
realidade através de uma práxis, em que há tanto ação quanto reflexão contínua do homem sobre o mundo. Compreende-se que a consciência
humana tem intencionalidade até acerca de si e a educação não deve excluir tal ponto para que se tenha uma relação entre mundo e homem
verdadeira. O papel da historicidade também se faz extremamente necessária, pois é onde o homem pode perceber o mundo a sua volta e a si
próprio como um estado, um processo que por sua vez pode ser transformado. Na relação educador-educando de uma prática revolucionária
concebe-se, portanto, os educandos enquanto projetos, “seres que caminham para frente… como seres a quem o imobilismo ameaça de
morte”.

PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E LDB:


NOVOS DESAFIOS PARA VELHAS QUESTÕES?
DEL PRETTE

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define os objetivos, prioridades, condições ou meios que rege a política
educacional do país. A nova LDB, promulgada dia 20/12/96, representa os conflitos de interesses que se apresentaram durante sua
elaboração, sob forma de omissões e contradições. Tal contradição prosseguiu na forma como cada setor educacional a recebeu. Questionou-
se a sua potencialidade como bases para transformações do sistema educacional brasileiro, bem como se ponderou acerca da possibilidade de
transformação, dependendo de esforços nessa direção. Saviani destaca como pontos negativos da nova LDB:
✔ A orientação liberal e tecnocrática – com a abertura à iniciativa privada e à ONG’s, reduzindo as responsabilidades do Estado a
partir de argumentações referentes à redução de gastos, custos e encargos da esfera pública e a consequente supressão do conceito
de Sistema Nacional de Educação (SNE);
✔ As lacunas quanto à forma de gerenciamento e condução das diretrizes, principalmente no que concerne à liberdade de ensino pela
iniciativa privada, ao regime jurídico único para os professores e à responsabilidade da União pela manutenção das universidades.
Essas lacunas permitem um enquadramento da política educacional à política econômica do país.
Com relação à interface Psicologia-Educação, destaca-se o artigo 71, referente às “despesas educacionais” e mais precisamente, no inciso IV,
exclui a psicologia do sistema educacional bem como as demais “formas de assistência social”. Percebe-se a categorização da psicologia
como clínica e não como um investimento para o bom funcionamento da instituição. Assim, formaliza-se a exclusão do psicólogo no quadro
funcional da escola, diminuindo um pouco mais as possibilidades profissionais dentro da área educacional. Não obstante, na prática essa
exclusão já era evidente, uma vez que, em âmbito geral, compreende-se a atuação do psicólogo escolar prioritariamente como clínica. Às
vezes a própria atuação do psicólogo que se insere nesse campo abre margem para essa compreensão.
Além da transposição da clínica ao contexto educacional, é recorrente uma dissociação entre a teoria e prática. A organização da
área educacional se dá com docentes pesquisadores que produzem o conhecimento, enquanto profissionais liberais, graduados em psicologia,
não possuem essa preocupação em refletir sobre a intervenção que praticam, nem tampouco possuem intenção de divulgação desse
conhecimento. A nova LDB restringindo a profissionalização do psicólogo na área educacional, recoloca em pauta perspectivas de alteração
desse quadro e possibilidades de reconstrução da identidade e atuação nessa área.

Os objetivos educacionais e o projeto pedagógico da escola


A nova LDB mantém a filosofia de educação pautada no desenvolvimento de cidadania, de potencialidades e a preparação para o
trabalho. Na educação básica a ênfase é dada à formação ética, à capacidade de “aprender a aprender” e ao pensamento crítico. Entretanto,
ainda que nesse ponto a lei possa ser positivamente avaliada, ela preserva a legitimidade da variação dos objetivos da educação frente as
metas socialmente relevantes. Dadas as situações concretas, esses objetivos podem não encontrar respaldos no contexto educacional que
implícitamente promove um currículo específico. O psicólogo, com ferramentas como programação e avaliação de ensino, pode analisar e
intervir sobre esse processo e produto associados às condições pedagógicas da escola.
Com a flexibilização do currículo, supõe-se maior autonomia, reflexão e articulação do conjunto dos agentes educacionais de cada
escola implicados na construção de um projeto pedagógico. Coloca-se em voga os princípios, valores e o alcance político que a escola detém,
possibilitando a modulação dos objetivos da educação frente as pretensões daquela unidade escolar. Por exemplo, pode-se conceber a
cidadania dentro de uma perspectiva de reconhecimento da função social que a escola possui, bem como dentro de uma perspectiva
neoliberal, em que se concebe a cidadania como um conjunto de atitudes e valores competentes ao indivíduo. Na construção do projeto
pedagógico, um profissional habilitado em questões educacionais, análise organizacional e em promoção das relações humanas, o psicólogo
escolar, poderia mediar e catalisar um processo mais efetivo.
Além disso, a nova LDB propõe a educação como um processo formativo que se dá em vários âmbitos, tanto macro, quanto
microssociais. Foi reconhecido o papel particular desempenhado pela família, considerada corresponsável por esse processo. A relação
tensionada entre a escola e as demais instâncias educativas da sociedade pode ser encarada como possíveis demandas para o psicólogo. Outra
atuação possível do serviço psicoeducacional corresponde a inserção de crianças de 0 a 6 anos em creches e pré-escolas, evidenciando a
necessidade de conhecimentos acerca do desenvolvimento e da aprendizagem.

O processo de ensino
A nova LDB preconiza a divisão do ensino fundamental em ciclos, abrindo espaço para uma avaliação mais ampla, cumulativa e
diversificada em vez de uma burocratização desse processo. No entanto, essa avaliação ainda se pauta em termos quantitativos de rendimento
escolar. Para efetivamente corresponder à filosofia proposta, a avaliação deveria ser psicoeducacional, ou seja, incluir também indicadores de
atitudes, valores, habilidades da criança, bem como as condições sociais imediatas e mediatas que influenciaram nesse desenvolvimento.
Com essa mudança na “cultura de avaliação” escolar, o serviço psicológico dentro da escola poderia se expandir ainda mais.
O estabelecimento da proposta de equilíbrio entre o número de alunos e o professor também é um ponto importante da nova LDB.
Abre-se a possibilidade de inovações metodológicas e atividades diversificadas para uma atenção mais específica às dificuldades de
aprendizado dos alunos. A qualidade desse processo requer, entre outros aspectos, a tradução das teorias psicológicas em métodos
pedagógicos, sendo pertinente a pesquisa psicológica nesse contexto. A pesquisa psicológica deve se ater, também, a um outro campo que a
LDB preconiza, os programas de educação à distância em todos os níveis e modalidades de ensino. Del Prette pondera que antes de aceitar
acriticamente ou recusar a priori, as possibilidades e limites dessa modalidade de ensino ainda estão por ser estabelecidas através de
pesquisas aplicadas para as quais o psicólogo está ou deveria estar preparado.

A educação especial
O capítulo V da nova LDB inclui a Educação Especial como modalidade da educação escolar. A complexidade de relações
biopsicossociais envolvidas no desenvolvimento de processos como o retardo mental, as deficiências psicomotoras e as altas habilidades é
também propulsora de uma consolidação da psicologia no contexto escolar. Questões como a integração de crianças com necessidades
educativas especiais no ensino regular, desenvolvimento de programas especiais de ensino, treinamento e orientação de pais, professores,
estimulação precoce, entre outras são competências atribuídas ao psicólogo. O texto da nova LDB, mesmo contrariando a premissa de
exclusão de despesas relacionadas à psicologia, estabelece que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola
regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial” (artigo 58 §1).

A formação de professores
O capítulo VI da nova LDB trata da formação de profissionais da educação. Destaca-se a implementação de institutos superiores de
educação como instâncias formadoras de professores da educação básica, concebendo o professor como técnico mais do que como um
educador em sentido amplo. Tal visão tecnocrática da docência, que exclui a Universidade da formação inicial, pode representar uma
arbitrariedade frente aos desafios da divisão de trabalho na escola. A formação continuada de professores, pautada na possibilidade de
assunção de posturas pertinentes destes frente a problemática escolar, constitui uma das alternativas de atuação do psicólogo no sistema
escolar. O conhecimento relacionado aos fundamentos da educação e processos de ensino, às relações humanas e alternativas construtivas na
promoção de recursos profissionais, aliado ao conhecimento de questões pedagógicas, culturais e políticas conferem ao psicólogo uma
habilitação para a atuação efetiva nessa área.

Outros aspectos
A nova LDB, em seu artigo 87, instituiu a Década da Educação, cujas diretrizes e metas devem ser regidas pelo Plano Nacional de
Educação (PNE). Frente as lacunas da LDB acerca do seu papel na elaboração do PNE, houve uma produção do projeto de lei tanto de
investida governamental, quanto de iniciativa popular. O plano do governo tem um caráter tecnocrático, com metas quantitativas inferiores
àquelas definidas pelo projeto das oposições que se pautava nos princípios éticos voltados para a igualdade e a justiça social. Entre tais
diretrizes e metas da oposição, destaca-se:
a) a redefinição de conceitos como democracia, autonomia, avaliação, SNE e suas formas de gestão democrática em todos os níveis e
modalidades;
b) o restabelecimento do Conselho Nacional de Educação em suas funções e composição;
c) a ampliação do percentual do PIB destinado à Educação Pública;
d) a erradicação do analfabetismo e universalização da educação básica, incluindo pré-escola e ampliação da educação nas creches;
e) o estabelecimento de políticas de formação e definição de carreira e da remuneração do professor;
f) a ampliação gradativa dos requisitos de formação exigida em todos os níveis.
Para a efetivação dessas demandas, faz-se necessária a pressão popular através de movimentos de mobilização e fiscalização, onde
também deve se inserir o psicólogo. E, no caso específico da LDB, o profissional deve se atentar não apenas ao conteúdo, mas também às
suas possíveis distorções conjunturais. A inserção e regularização dessas demandas em lei legitimaria sua cobrança de novas e mais exigentes
expectativas educacionais no país.

Alguns encaminhamentos
Para a inserção do psicólogo no âmbito escolar, este deve dominar o conhecimento sobre processos psicológicos básicos (motivação,
percepção, emoção, aprendizagem, desenvolvimento, grupos) associados à Psicologia do Desenvolvimento, da Aprendizagem, Social
Organizacional, Clínica, Comunitária etc, bem como conhecimentos em Sociologia, Filosofia e História da Educação, Sociolinguística,
Psicolinguística, Políticas Educacionais e demais áreas das Ciências da Educação. A autora propõe que independentemente da inserção no
quadro funcional da escola, o psicólogo comprometido com questões educacionais deve reconhecer as opções de atuação que podem ser
viabilizadas através de projetos de consultoria, articulando objetivos de intervenção aos de produção de conhecimento. A municipalização do
ensino fundamental, por exemplo, atribui a tal instância a “remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais de
Educação”, criando possibilidades mais acessíveis de encaminhamento de propostas do profissional de psicologia.
Algumas alternativas relevantes de atuação do psicólogo na escola são:
* Assessoria na elaboração, implementação e avaliação permanente do projeto pedagógico, orientado por objetivos definidos por todos os
seguimentos da unidade escolar;
* Assessoria na elaboração de instrumentos e procedimentos para avaliação dos alunos em conformidade com o projeto pedagógico da
unidade escolar;
* Assessoria na elaboração de programas especiais de ensino para as atividades regulares de sala de aula, inclusive articulados às propostas
de atendimento e integração dos portadores de necessidades especiais;
* Assessoria na elaboração de programas e atividades complementares, em áreas pertinentes à consecução do projeto educativo, como
desenvolvimento emocional, orientação vocacional, prevenção de uso de substâncias psicoativas;
* Análise e proposição de alternativas de reestruturação das relações funcionais entre os segmentos da escola, no sentido de maior
participação de todos nas tomadas de decisão e na avaliação e monitoramento das ações e resultados;
* Análise e intervenção sobre a natureza e qualidade das interações de sala de aula;

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