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VYGOTSKY: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL DA EDUCAÇÃO

REGO

Introdução

Vygotsky tinha como interesse central o estudo da gênese dos processos psicológicos tipicamente humanos, articulando diferentes áreas do
conhecimento dentro de um enfoque histórico-cultural. Em seu projeto, não buscou esgotar uma linha de pesquisa em particular, mas sim apresentar diversas
direções que posteriormente puderam ser investigadas por seguidores. Nesse sentido, na medida em que o russo deixou como herança um sistema teórico
inacabado e pouco aprofundado, muitos o consideram como uma ‘obra aberta’.

A Vida Breve e Intensa de Vygotsky

1. Percurso Intelectual

O núcleo familiar de Vygotsky instigava o desenvolvimento intelectual. Nos estudos iniciais, tinha como principal interesse a literatura e artes em
geral. Teve acesso a diversas áreas do saber, além da aprendizagem de diferentes línguas que lhe possibilitava investigação em materiais de origens variadas.
Durante o período da participação russa na 1ª Guerra Mundial, graduou-se em Direito e Literatura, participando também dos cursos de Filosofia e História.
Publicou o livro Psicologia da arte, influenciado por estudos do efeito da linguagem sobre os processos do pensamento. Interessando-se por tais aspectos
psicológicos, cursou Medicina. Tanto o percurso acadêmico, quanto profissional foi marcado por tal interdisciplinaridade, envolvendo também domínios da
antropologia, cultura, ciências sociais, pedagogia e filosofia. O interesse pela psicologia, em particular, teve como estopim seu contato com crianças que
possuíam defeitos congênitos, estimulando sua busca pela compreensão dos processos mentais humanos.

2. Uma década de muito trabalho

Vygotsky, apesar de uma vida curta, apresentou um ritmo de produção intelectual de forma muito intensa. O cerne de seu trabalho correspondia ao
estudo dos processos de transformação do desenvolvimento humano em sua dimensão filogenética, histórico-social e ontogenética 1. A partir de uma análise
dialética, sua linha de pesquisa vertia para a identificação de mudanças qualitativas do comportamento humano correlacionadas ao contexto social, sendo o
processo do desenvolvimento uma relação entre esferas individuais e sociais. Para a explicação do desenvolvimento humano, recorria à infância, entendida
como o “centro da pré-história do desenvolvimento cultural devido ao surgimento do uso de instrumentos e da fala humana”. Assim, em sua perspectiva, faz-
se referência à funções psicológicas inferiores, correspondendo a mecanismos mais elementares que, a partir da mediação sociocultural, possibilitariam o
surgimento de funções psicológicas superiores. Essas últimas, enquanto mecanismos particulares da espécie humana, correspondiam ao objeto de estudo de
Vygotsky. Seriam eles o controle consciente do comportamento, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, raciocínio
dedutivo, capacidade de planejamento, entre outros.

3. A psicologia e a sociedade soviética pós-revolucionária

A carreira de Vygotsky se deu no período de ascensão da Revolução Russa, levando-o a trazer marcas em seu trabalho que correspondem a tal
contexto político. Buscava uma abordagem transformadora da psicologia e da ciência soviética, e assim como o clima intelectual russo nesse período, era
dada grande ênfase na abordagem histórica e educacional. A psicologia soviética bifurcava em duas tendências principais: uma psicologia
fisiológica/empirista/mecanicista e outra dos processos psicológicos superiores de caráter mais idealista e mentalista.

4. A proposição de uma nova psicologia

Vygotsky considerava ambas as tendências como insatisfatórias, propondo uma superação de tal dicotomia a partir de uma aplicação dos
pressupostos do materialismo dialético na compreensão dos processos intelectuais humanos. Tal abordagem englobaria a identificação dos mecanismos
cerebrais simples correspondentes a certas funções e a sua complexificação, sempre considerando o contexto sócio-histórico no qual esse desenvolvimento
se estabelece. Vygotsky contou com colaboradores renomados, como Luria e Leontiev, compondo assim o que ficou conhecido como ‘troika’. Como o
pressuposto básico dessa nova psicologia era a determinação sócio-histórica no comportamento humano, os primeiros estudos buscavam comprovar a
mediação da linguagem no pensamento adulto.

5. Principais influências

Vygotsky recebeu influência de linguistas soviéticos que relacionavam a linguagem ao pensamento, a partir de uma perspectiva histórica. Também
se interessava por estudos comparativos entre o comportamento animal e humano. Outro traço marcante em seu sistema teórico é o pensamento marxiano,
fazendo-se presentes as concepções de história, sociedade, trabalho, instrumentos e a relação dialética entre o homem e a sociedade durante toda elaboração
vygotskyana. Aproximou-se também de Piaget, ainda que de forma crítica, na medida em que mesmo com o mesmo interesse, possuíam diferentes
concepções.

6. A proibição e redescoberta de sua obra

Durante a vigência do stalinismo, na Rússia, as obras de Vygotsky passaram a ser consideradas idealistas , sendo melhor valorizado o estudo
ambientalista de Pavlov. Vygotsky considerava que na transformação do ambiente, o homem se transforma, sendo este também ativo e não somente fruto de
reações. No totalitarismo russo, após a morte do autor alguns de seus livros passaram a ser censurados, tornando o conhecimento de sua obra tardio para todo
o mundo.

LINGUAGEM, DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM


VIGOTSKII
LURIA

O contato inicial de Luria e Vigotski se deu em um congresso em que o jovem russo apresentou um tema sobre a relação entre os reflexos
condicionados e o comportamento consciente do homem. Frente ao posicionamento de uma psicologia mecanicista e exclusivamente externalista, Vigotski
propõe que a consciência deveria ser considerada. Ainda assim, não em âmbito puramente filosófico, mas de forma objetiva. Após esse encontro, os dois
autores seguiram juntos em colaboração, junto também de Leontiev. Eles, que se autodenominaram ‘troika’, buscavam a proposição de uma nova psicologia.
Esta não seria nem subjetivista, nem tampouco simplista como o modelo dos reflexos. A compreensão dos processos psicológicos humanos deveria surgir de
uma análise mais total. Vigotski criticava a psicologia tradicional, considerando que a mesma se encontrava em crise. A redução simplista da psicologia
1(WERTSCH (1988) apresenta uma quarta dimensão na obra vygotskyana: a microgenética)
fisiológica do homem que estudava sensações em laboratório, conferindo a psicologia caráter científico, não era capaz de contemplar os processos
psicológicos superiores do homem: ações conscientes, pensamento abstrato, etc. As alternativas para compreender tais processos, por sua vez, possuíam
cunho fenomenológico, como se qualquer explicação fosse impossível. Cindia-se desse modo a psicologia em duas, em estado que ambas se tornariam
insuficientes.
Assim sendo, a troika recebeu influências de variados autores dentro da psicologia produzida até então. Pavlov, Wagner 2 em suas contribuições para
o estudo de estruturas fundamentais da mente; Lewin, Werner, Kohler que buscavam a compreensão de realidades mais complexas das funções superiores.
Além destes, o contato com Piaget revelava discordância teórica, mas uma aproximação de tema e a possibilidade de utilização do método clínico. Marx era
também uma das grandes influências de Vigotski, que “concluiu que as origens das formas superiores do comportamento consciente deveriam ser achadas
nas relações sociais que o indivíduo mantém com o mundo exterior”, sendo o homem criador e criação desse meio. A cultura torna-se, então, o elo
fundamental para qualquer análise que se busca para entender o homem e seus processos.
A psicologia vigotskiana pode ser considerada ‘instrumental’, ‘cultural’ ou ‘histórica’. O elemento instrumental se refere à mediação pressuposta nas
funções psicológicas superiores. O homem modifica o estímulo que percebe e usa tais alterações como instrumento de seu comportamento. O aspecto
cultural envolve os meios socialmente estruturados que determina os tipos de tarefas e instrumentos dos quais o homem pode se utilizar. O elemento
histórico, em comunicação direta com a cultura, se refere ao processo de criação e transformação que compõe a história humana. Instrumentos culturais,
como a linguagem e a escrita, transmitem o passado ao presente e o compõem. O homem está, portanto, via os instrumentos que desenvolve, constituído
através de evoluções histórico-culturais. Caso o homem não tivesse construído historicamente a linguagem como um instrumento, possuiriam hoje uma
organização diferente dos processos cognitivos superiores.
Desde o nascimento, a criança é inserida no mundo adulto que diz respeito a uma cultura, uma reserva de significados e modos de fazer as coisas
que se acumulam historicamente. Inicialmente, ela se utiliza de processos mais simples de herança biológica, mas que se complexificam na medida em que
entram em contato com a herança cultural. Em um primeiro momento, os adultos são mediadores da criança e o mundo, até que elas internalizem os
processos e façam isso por si próprias. É nesse sentido que Vigotski compreende a natureza social das pessoas como equivalente à natureza psicológica.
Numa revisão da literatura psicológica construída até então, a troika passou a investigar processos cognitivos. Leontiev, responsável pelo estudo de
desenvolvimento da memória, demonstrou que estímulos auxiliares ajudam a relembrar outra série de estímulos. As crianças não apresentariam um grande
domínio da memória como mediadora e por sua vez recordavam de poucas coisas, o que se denomina de “recordação natural”, ou seja, aquele que advém de
um processo de impressão direta. Somente mais tarde os estímulos auxiliares, ou lembretes, ajudavam no comportamento de lembrar. Estes, por sua vez, são
elementos traduzidos pela cultura, já que a ligação entre o símbolo de uma chupeta e um bebê, por exemplo, são frutos de uma convenção social.
Além disso, Vigotski criticou a concepção construída até então acerca das escolhas complexas. As fases no desenvolvimento das relações fala-
pensamento, de acordo com Vigotski eram as seguintes. A priori, os aspectos motores e verbais do comportamento se misturam, a fala envolve elementos
referenciais, a conversação orientada pelo objeto, as expressões emocionais e outros tipos de fala social. A partir da inserção social mediada pela família, a
fala passa a ter traços demonstrativos, o que permite a criança indicar o que faz e quer. Após fazer distinções para os outros, a criança começa a fazer
distinções para si mesma, deixando a fala de ser apenas um meio para direção do comportamento dos outros, mas também de autodireção. Considerava que a
fala aparentemente egocêntrica desempenhava um papel no planejamento e execução da ação, vide estudos de Levina 3. Pode-se dizer, portanto, da linguagem
como função instrumental. Inicialmente, os estímulos auxiliares não efetuam papel no comportamento, mas na medida em que se desenvolve, estes são
utilizados para direção dos próprios movimentos. É nesse processo que os processos passam de involuntários para voluntários. Sakharov contribui para a
discussão acerca da linguagem determinando que nos primeiros estágios, as palavras designam a totalidade de referência, incluindo em mesma categoria o
objeto e sentimentos relacionados a ele e só mais tarde a objetos e seus contextos concretos para só então a categorias abstratas.
Outro objeto de estudo era a atividade “significativa” precoce, referente a maneira pela qual as crianças se engajam em atividades que dão
significado aos estímulos que são solicitados a dominar, criando suas próprias atividades mediadoras, instrumentais. Crianças mais novas não eram capazes,
por exemplo, de criar símbolos para recordarem do que era proposto a elas.
A nova psicologia vigotskiana não foi reconhecida positivamente dentro do ambiente acadêmico. Somente a partir de diversas discussões e
sofisticação de métodos e teorias os conceitos passaram a ser aceitos e tornaram-se a base da principal escola da psicologia soviética. Como característica
desse trabalho estava a posição de que a pesquisa psicológica nem se limitava em especulações e nem modelos de laboratório divorciados do mundo real. O
interesse psicológico que surgiu da defectologia, mostrava o novo olhar que Vigotski possuía. Concentrava a atenção nas habilidades que as crianças
deficientes possuíam para formar a base de desenvolvimento de capacidades integrais, rejeitando medidas puramente quantitativas e relacionadas àquilo que
as crianças não eram capazes de fazer. Na neuropsicologia, Vigotski propôs a relação entre as funções psicológicas superiores e suas organizações cerebrais
no adulto normal buscando explicar as mudanças na estrutura do funcionamento psicológico que caracterizava estados patológicos e a ontogênese precoce.
Buscando a compreensão da afasia, Vigotski apresentou um modo de estudo que se tornou modelo para as investigações ulteriores em neuropsicologia.

PENSAMENTO E LINGUAGEM
VIGOTSKI

1. O PROBLEMA E A ABORDAGEM

A compreensão do pensamento e da linguagem pressupõe a clareza das inter-relações existentes entre esses domínios. Os modos de análise
atomísticos e funcionais predominantes na psicologia até o tempo de Vigotski tratavam os processos psíquicos de forma isolada, sem pensar na organização
destes na estrutura da consciência como um todo. Ainda que fosse reconhecida uma relação entre as funções psíquicas, consideravam-na uma variável
constante e que, nesse sentido, poderia ser desconsiderada nos estudos das funções isoladas. Na proposição vigotskiana de uma nova psicologia, torna-se
imperativo a consideração dessas relações e as variações resultantes dela para o estudo de qualquer função.
Nos trabalhos acerca do pensamento e da linguagem feitos até então, Vigotski identifica a confusão das teorias que ora consideram cada processo
em particular, ora consideram uma fusão entre os dois processos. Ambos os tipos de investigação eliminam a possibilidade de relação entre os dois processos
já que ou são mecanicistas ou nem concebem a existência desses processos em particular. Para o autor, dois métodos são possíveis no estudo das estruturas
psicológicas:
1) Se funda na análise dos conjuntos psicológicos complexos em elementos, em que cada elemento não possui propriedades do todo e possui
propriedades que não existem no todo. A interação estudada entre os processos a partir desse método se torna mecânica e especulativa sobre o funcionamento
do todo. Não fornece, portanto, base adequada para o estuo do pensamento e da linguagem, produzindo apenas generalidades relativas ignorando a natureza
unitária do processo em estudo;
2) Se funda na análise da unidade, que conserva as propriedades fundamentais do todo e não pode ser subdividido sem que estas se percam. Vigotski
considera que a unidade do pensamento e do discurso, o pensamento verbal, estaria no aspecto interno da palavra, seu significado. Uma palavra não se refere
a um objeto simples, mas a um grupo ou classe de objetos, ou seja, cada palavra é uma generalização de si. A generalização é um ato verbal de pensamento e
reflete a realidade qualitativamente diferente da pura percepção. Como o significado das palavras é simultaneamente pensamento e linguagem, uma vez que
uma palavra sem significado é um som vazio, o método de análise do pensamento verbal é a análise semântica.
A linguagem teria como função primordial o intercâmbio social. A elementaridade no estudo desse processo dissocia, portanto, essa função da
função intelectual do discurso uma vez que dissocia o falar do pensar. Tal vertente desconsidera que a transmissão racional, intencional de experiências e de
pensamentos a outrem exige um sistema mediador, a linguagem humana que nasceu da necessidade de troca na divisão do trabalho. A tendência dominante

2 Especialista russo em estudos comparativos do comportamento animal.


3 Reaplicação dos estudos de Kohler com utilização de sujeitos humanos. As crianças falavam consigo mesmas para fazer estratégias e
obter os objetos fora do alcance.
da psicologia é a de que um som associava-se a um conteúdo de qualquer experiência, podendo ser transmitido tal conteúdo para outrem. Não obstante,
questiona-se a veracidade dessa afirmação, uma vez que se considera que a experiência pessoal habita exclusivamente a própria consciência do indivíduo e
não é transmissível. A comunicação real exige o significado tanto quanto os signos. Para que algo se torne comunicável deverá haver uma categoria, que por
convenção, a sociedade humana encara como uma unidade. O pensamento do homem reflete a atualidade conceitualizada, em que o conceito adequado é
necessário para a compreensão total. A linguística moderna utiliza o fonema, a menor unidade sonora do sistema fonológico de uma língua e que tem a
função de estabelecer diferença de significados entre as palavras.
Ainda na perspectiva relacional entre os processos humanos, Vigotski também se dedicou ao estudo do intelecto e o afeto. Critica-se novamente o
determinismo causal e atomista, que avaliam os processos na forma de epifenômenos sem significado. Para o autor, existe um sistema dinâmico de
significados em que o afetivo e o intelectual se unem.

4. AS RAÍZES GENÉTICAS DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM

I.

O pensamento e a linguagem se transversalizam de forma dialética. Se contradizem e se fundem ao longo do desenvolvimento filo e ontogenético.
Kohler demonstrou que chimpanzés possuem um esboço do comportamento intelectual do mesmo gênero que o homem, na medida em que apresentavam
um pensamento pré-linguístico. O que nos diferenciaria, portanto, é a utilização da linguagem como um instrumento e das imagens como material
intelectual. Ainda assim, não havia consenso na psicologia acerca dos resultados desse experimento, uma vez que os de epistemologia mais mecanicista
consideravam como um processo de “tentativa e erro” e os introspeccionistas que rebaixavam os macacos em nível intelectual. Estes desconsideram que
existe uma “comunicação linguística” entre chimpanzés, ainda que não corresponda ao vocabulário humano. Essa comunicação funcionaria
independentemente do intelecto, denotando apenas desejos e estados subjetivos e nunca um sinal de algo objetivo. Ou seja, o que nos difere é a linguagem
representacional, em que nomes equivalem a objetos o que utilizamos para nossa mediação com o mundo. Além disso, observou-se que os chimpanzés não
eram capazes de resolver o problema se os itens de resolução não se apresentassem imediatamente a eles, ou seja, possuem limitações intrínsecas da
imagética ou ‘ideação’, que são características fundamentais de seu comportamento intelectual. O chimpanzé não possui traços de memória, e mesmo que
possa usar o melhor instrumento para determinado problema, se este não estiver acompanhado do objetivo imediatamente, não conseguirá utilizá-lo. Outro
ponto concluído por Yerkes é o de que, mesmo com o aparelho vocal desenvolvido, os chimpanzés não imitam sons, apenas ações. Tendo em vista que a
linguagem também pode ser dada via gestos e interpretação dos mesmos, segundo essa teoria caso se treinasse chimpanzés para utilização de gestos, estes
adquiririam um uso funcional dos signos. Até a obra de Vigotski isso não teria sido comprovado. Ainda assim, a descoberta da linguagem exige uma
operação intelectual diferente, carente no intelecto dos chimpanzés. Conclui-se que:
1 – O pensamento e a linguagem tem raízes genéticas diferentes;
2 – As duas funções desenvolvem-se segundo trajetórias diferentes e independentes;
3 – Não há nenhuma relação nítida e constante entre elas;
4 – Os antropóides possuem um intelecto em aspectos (utilização embrionária de instrumentos) semelhante ao homem, mas que se difere em alguns aspectos
(aspecto fonético da fala, função de alívio emocional, embriões de uma função social);
5 – A estreita correspondência entre pensamento e linguagem humana está ausente nos antropóides;
6 – Na filogenia do pensamento e da linguagem distingue-se uma fase pré-intelectual no desenvolvimento da linguagem e uma fase pré-linguística no
desenvolvimento do pensamento.

II.

Aplicou-se os mesmos estudos dos chimpanzés com bebês e obteve-se uma reação igual entre elas. Compreende-se que as reações intelectuais
rudimentares e a linguagem são independentes. Antes da linguagem há o pensamento prático, com a compreensão das conexões mecânicas e a idealização de
meios mecânicos com fins mecânicos. A linguagem surge como formas de comportamento emocionais, ainda que sirva apenas a função de alívio de tensão.
Identifica-se, concomitantemente, a função social no estágio pré-intelectual do desenvolvimento da linguagem da criança. Assim, as duas funções da
linguagem identificadas no desenvolvimento filogenético já existem em crianças com menos de um ano de idade. Com o decorrer do desenvolvimento, com
o advento da linguagem representacional, pensamento e linguagem até então separados se atravessam e dão início a uma nova forma de comportamento.
Conclui-se que:
1 – No seu desenvolvimento ontogenético, o pensamento e a linguagem têm raízes diferentes;
2 – No desenvolvimento linguístico da criança, podemos estabelecer com toda a certeza uma fase pré-intelectual no desenvolvimento linguístico da criança
— e no seu desenvolvimento intelectual podemos estabelecer uma fase pré-linguística.
3 – A determinada altura estas duas trajetórias encontram-se e, em consequência disso, o pensamento torna-se verbal e a linguagem racional.

III.

Acerca do discurso interior, Vigotski critica a teoria watsoniana de que o pensamento seria uma fala inibida e silenciosa e considera que não há
possibilidade de considerar tais processos como um único, uma vez que se diferem funcionalmente (adaptação social num caso e adaptação pessoal noutro).
A hipótese de Vigotski é a de que a fala é interiorizada psicologicamente antes de ser interiorizada fisicamente. O discurso egocêntrico seria discurso interior
pelas suas funções, seria o discurso em vias de se interiorizar. O discurso se desenvolveria no seguinte modo: discurso externo – discurso egocêntrico –
discurso interior. Seguiria o mesmo curso que o desenvolvimento de todas as outras operações mentais que envolvem a utilização de signos, como a
atividade de contagem e a memorização mnemônica. Este teria quatro estágios:
1º estágio primitivo ou natural – corresponde ao discurso pré-intelectual e ao pensamento pré-verbal;
2º estágio da “psicologia ingênua” – corresponde ao primeiro exercício da inteligência prática infantil. O desenvolvimento linguístico manifesta-se pela
utilização correta das formas e estruturas gramaticais antes de a criança ter compreendido as operações lógicas que representam, domina a sintaxe da
linguagem antes de dominar a sintaxe do pensamento.
3º estágio – a criança soluciona problemas internos com o auxílio de sinais e operações externas. No desenvolvimento linguístico caracteriza-se pelo discurso
egocêntrico;
4º estágio do “crescimento interno” - as operações externas são interiorizadas e a criança é capaz de utilizar signos. Alcança-se o último estágio do discurso
interior, silencioso. Não obstante, não existe nenhuma divisão entre o comportamento interno e o comportamento externo e cada um deles influencia o outro.
Configura-se o que se denomina de pensamento verbal, que coincide pensamento e linguagem, mas não os engloba completamente.

A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE


VIGOTSKI

1. O INSTRUMENTO E O SÍMBOLO NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA


Os objetivos específicos da investigação vigotskiana nesse livro são:
(1) Compreender a relação entre os seres humanos e o seu ambiente físico e social;
(2) Pensar quais são as formas de atividade que fizeram com que o trabalho fosse o meio fundamental de relacionamento entre o homem e a natureza e quais
são as consequências psicológicas dessas formas de atividade;
(3) Analisar a natureza das relações entre o uso de instrumentos e o desenvolvimento da linguagem.
Stumpf, um psicólogo alemão, propunha o estudo da infância comparado à botânica, ou seja, associado à maturação do organismo como todo.
Vigotski pressupõe que a maturação per si é um fator secundário no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Estes se desenvolvem via
transformações qualitativas e ativas, particulares ao humano, e não puramente quantitativas e passivas. Outra forma de se encarar o desenvolvimento é a
partir de uma perspectiva zoológica, ou seja, em que todos os princípios comportamentais seja em animais, seja em humanos, seriam os mesmos. Para
Vigotski esse tipo de análise permite alcançar apenas as bases biológicas do comportamento humano, em particular os processos psicológicos elementares. A
epistemologia zoológica se encontra no estudo da inteligência prática.

A inteligência prática nos animais e nas crianças


Kohler fez experiências com macacos antropóides, comparando, em termos de inteligência prática os chimpanzés e crianças. Buhler também
buscou estabelecer similaridades entre o comportamento desses sujeitos. Estudou a apreensão manual, capacidade de usar vias alternativas para alcançar
objetivos e de utilizar instrumentos primitivos. Nessa perspectiva, a inteligência em ambos os sujeitos seria a manifestação de um mesmo fenômeno,
independente da fala. Assim, formulou um princípio importante para o estudo do desenvolvimento que correspondia à premissa de que os primeiros esboços
da fala inteligente são precedidos pelo raciocínio técnico e este constitui a fase inicial do desenvolvimento cognitivo. Para Vigotski, o que constitui uma
tendência a erro é a consideração de que esse processo permanece, e, portanto, poder-se-ia considerar a ação inteligente independente da fala.
Shapiro e Gerke afirmaram que o raciocínio prático da criança sofre influência de experiências sociais para que se torne, então, pensamento adulto.
Entretanto, essa posição é considerada por Vigotski como mecanicista, uma vez que esta mudança seria fruto de mecanismos de imitação e repetição da
criança que poderiam se cristalizar em um esquema motor e não levaria em consideração as mudanças que ocorrem na estrutura interna das operações
intelectuais da criança. A inter-relação do pensamento e da fala durante o desenvolvimento era uma premissa fundamental para Vigotski. Guillaume e
Meyerson realizando experimentos sobre o uso de instrumentos com macacos e com pessoas afásicas (privadas de fala) e concluíram que comportamento era
de certa forma coincidente. Apoiando assim, a suposição vigotskiana referente ao papel da fala no desenvolvimento intelectual.

A relação entre a fala e o uso de instrumentos


Kohler demonstrou a inutilidade da tentativa de se desenvolver em animais as formas mais elementares de operações com signos e simbólicas. O
uso de instrumentos entre macacos seria independente de atividade simbólica. Assim, dissociava-se o intelecto do verbal, considerando o desenvolvimento
de signos como um exemplo de intelecto puro, e não como o produto da história do desenvolvimento da criança. Afirmava-se que a descoberta simbólica
poderia advir de uma espontaneidade, sendo que a criança já possuiria todos os estágios do futuro desenvolvimento, em que essas estruturas apenas
esperariam o momento adequado para emergir. Tanto os estudiosos da inteligência prática como os estudiosos do desenvolvimento da fala frequentemente
não reconhecem o embricamento entre essas duas funções. Consequentemente, o comportamento adaptativo das crianças e a atividade de uso de signos são
tratados como fenômenos paralelos—uma visão que leva ao conceito de fala “egocêntrica” de Piaget. Ele não atribuía papel importante à fala na organização
da atividade infantil, como também não enfatiza suas funções de comunicação, embora seja obrigado a admitir sua importância prática. Para Vigotski,
embora a inteligência prática e o uso de signos possam operar independentemente em crianças pequenas, a unidade dialética desses sistemas no adulto
humano constitui a verdadeira essência no comportamento humano complexo.

A interação social e a transformação da atividade prática


Vigotski concluiu que o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de
inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem.
Antes de controlar o próprio comportamento, a criança começa a controlar o ambiente com a ajuda da fala. Isso produz novas relações com o ambiente, além
de uma nova organização do próprio comportamento. A criação dessas formas caracteristicamente humanas de comportamento produz, mais tarde, o
intelecto, e constitui a base do trabalho produtivo: a forma especificamente humana do uso de instrumentos. Observou-se que além da fala acompanhar a
atividade prática, tem um papel específico em sua realização. Nesse sentido, tem-se que:
1) a fala da criança é tão importante quanto a ação para atingir um objetivo. As crianças não ficam simplesmente falando o que elas estão fazendo; sua fala e
ação fazem parte de uma mesma função psicológica complexa, dirigida para a solução do problema em questão;
2) quanto mais complexa a ação exigida pela situação e menos direta a solução, maior a importância que a fala adquire na operação como um todo. As vezes
a fala adquire uma importãncia tão vital que, se não for permitido seu uso, as crianças pequenas não são capazes de resolver a situação.
A partir dessas considerações, concluiu-se que essa unidade de percepção, fala e ação, que, em última instância, provoca a internalização do campo
visual, constitui o objeto central de qualquer análise da origem das formas caracteristicamente humanas de comportamento. O que difere a criança dos
macacos na solução dos problemas práticos seria:
a) a maior liberdade das operações das crianças, não necessariamente presas à estrutura da situação visual concreta. Com a fala as possibilidades de ação se
flexibilizam e não necessariamente se compõe em uma linha direta entre o agente e o objetivo. Ao invés disso, se desenvolvem vários atos preliminares,
usando o que chamamos de métodos instrumentais ou mediados (indiretos). As palavras criam planos de ação, procurando e preparando estímulos de forma a
torná-los úteis para a solução da questão e para o planejamento de ações futuras;
b) as operações práticas de uma criança que pode falar tornam-se muito menos impulsivas e espontâneas do que as dos macacos. Diferentemente do sistema
de tentativa e erro, a criança consegue através da fala dividir sua tarefa em duas partes consecutivas: planejar a solução do problema e executar a solução
elaborada. A manipulação direta é substituída por um processo psicológico complexo através do qual a motivação interior e as intenções, postergadas no
tempo, estimulam o seu próprio desenvolvimento e realização;
c) a criança consegue, por meio da fala, ser tanto sujeito quanto objeto de seu comportamento.
Outro fato demonstrado nas pesquisas vigotskianas é que existe uma relação direta entre a fala egocêntrica, preconizada pelo método piagetiano, e
a dificuldade do problema prático. A hipótese do autor era a de que a fala egocêntrica das crianças seria uma forma de transição entre a fala exterior a
interior. Assim, funcionalmente, a fala egocêntrica seria a base para a fala interior, enquanto que na sua forma externa estaria incluída na fala comunicativa.
Diante de desafios, a linguagem da criança tende a adquirir uma função mais emocional, buscando verbalmente um novo plano de ação e sua verbalização
revela que frente a uma impossibilidade de se engajar numa fala social, as crianças, de imediato, envolvem-se em uma fala egocêntrica.
A maior mudança na capacidade das crianças para usar a linguagem como um instrumento para a solução de problemas acontece um pouco mais
tarde no seu desenvolvimento, no momento em que a fala socializada (que foi previamente utilizada para dirigir-se a um adulto) é internalizada. Em vez de
apelar para o adulto, as crianças passam a apelar a si mesmas; a linguagem passa, assim, a adquirir uma função intrapessoal além do seu uso interpessoal.
Consequentemente, conseguem impor a si mesmas uma atitude social. A mudança crucial ocorre da seguinte maneira: num primeiro estágio, a fala
acompanha as ações da criança e reflete as vicissitudes do processo de solução do problema de uma forma dispersa e caótica. Num estágio posterior, a fala
desloca-se cada vez mais em direção ao início desse processo, de modo a, com o tempo, preceder a ação.

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