Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
Nesta conjuntura, o pensamento de Paulo Freire abre-nos caminho para o
comprometimento com as camadas populares, para busca de emancipação da estrutura
educativa dada. Rejeitamos qualquer percepção fatalista do social ou concepções pedagógicas
conservadoras. Entendemos a atualidade das teses de Freire e as enxergamos como uma
alternativa, pois a prática pedagógica freireana volta-se para a cultura popular, rejeitada pelo
academicismo, e neste contexto, podemos ousar dizer que Paulo Freire também é, em parte,
rejeitado.
A contribuição de Paulo Freire no campo educacional - bem como nos movimentos
sociais - é reconhecida pelos intelectuais, mas muitos teóricos ignoram sua importância na
atualidade, como práxis educativa. Assim, alguns estudiosos vislumbram que o lugar de Freire
é em um altar, por merecimento, porém, comodamente, afastam-no do alcance das pessoas ou
entendem-no inoportuno para os círculos universitários. Esses teóricos recusam Paulo Freire
por mantê-lo longe das salas de aula, dos cursos de formação, e, conseqüentemente, da
educação básica. Quiçá seja mesmo a academia um território muito estreito para que caiba a
grandeza do pensamento de Freire. De certa maneira, é até melhor assim, posto que, muitas
vezes, quando há um espaço para Freire, este se limita a um discurso retórico do pensamento
freireano. Mesmo neste contexto há os que ignoram as críticas – de que Freire estaria
ultrapassado para o meio acadêmico - reconhecem a riqueza das obras de Freire, mas,
sobretudo, praticam-no, adaptam-no, superam-no. No Brasil observamos que o pensamento de
Freire não tem o espaço que deveria ter nos círculos universitários, na formação de professores
e, consequentemente, nas escolas. Talvez, se o referido autor fizesse parte dos currículos
poderíamos ter uma redução significativa no número de acadêmicos acríticos, preconceituosos,
racistas, desprovidos de consciência histórica e política, ou seja, mais comprometidos com as
questões sociais.
Assim, Freire é (re)conhecido, porém, faz-se pertinente retomá-lo, relê-lo, revisitá-lo,
não como teórico disfarçado ou aquele que o diviniza, mas que na sua práxis nega-o.
Entendemos ser necessário repensá-lo em todos os territórios, enquanto educador,
demasiadamente humano, comprometido com a alteridade, com a dignidade humana e com
uma educação emancipadora para os sujeitos. Destarte, faz-se mister retomar suas teses, mas
em novos contextos, com um novo olhar crítico, pois a criticidade tem também a sua
historicidade. A sociedade contemporânea exige novas posturas frente ao neoliberalismo, à
globalização, ao capitalismo e a chamada pós-modernidade, diferentes, muitas vezes, e/ou
ainda mais complexas, do que as trazidas por Freire. É necessário revisitar Freire, porém, não
perdendo de vista as novas configurações sociais e os processos históricos.
2
Neste sentido, por entendermos a importância e a atualidade das contribuições
freirianas buscaremos, neste texto, empreender uma análise reflexiva acerca da educação na
contemporaneidade, vislumbrando a Educação Popular ou a Pedagogia do Oprimido, como um
caminho não só para superar as pedagogias tradicionais em que a dimensão dialógica e a
politicidade são ignoradas, como as concepções teóricas que ganharam espaço nas escolas: as
chamadas neopragmaticas, ou das competências, do “aprender a aprender”. Qual é o perigo
desses discursos nos processos pedagógicos?
4
Saviani aborda a emergência histórica da separação entre trabalho e educação, localizando a gênese da escola. “E
é aí que se localiza a origem da escola. A educação dos membros da classe que dispõe do ócio, de lazer, de tempo
livre passa a organizar-se na forma escolar, contrapondo-se à educação da maioria, que continua a coincidir com o
processo de trabalho”. Ver: SAVIANI, D.(2002).
5
Ibidem, p. 922.
3
sociedade, que é o capitalista.
Partindo dessa leitura podemos dizer que há não só no Brasil, algo que une a educação,
que influi na concepção de educação tanto socialmente, enquanto prática humana, quanto, na
escola. Esta concepção Freire chamou de Educação Bancária, que domestica, não educa, faz
dos educandos bancos, uma vez que depositam informações na mente dos estudante.
Compreendendo o ser humano como adaptável e ajustável, a educação bancária exclui, visto
que não dá acesso equitativo, nem as mesmas condições de permanência na escola, pois ignora
a classe social do estudante. À educação, notadamente à escolar, não se apresenta mais como
possibilidade, mas como fatalidade, pois ela tem servido para obtenção de força de trabalho
flexível6.
Neste contexto desenvolvem-se teorias educacionais baseadas num projeto de
integração social, numa concepção fundamentada na idéia de adaptação dos indivíduos ao
sistema já dado. Mais especificamente, estes preceitos podem ser percebidos nas teorias do
7
“aprender a aprender” e da chamada “pedagogia das competências”, esta última bastante
presente na base teórica da Legislação Educacional Brasileira. Reside aí o problema
circunstancial entre a educação para a “autonomia criativa”, que enxerga essas concepções
teóricas como redentoras, e a educação tradicional, como se não existisse uma terceira via. É
um falso dilema que precisa ser denunciado, porque faz uma defesa incondicional de uma
teorização pretensamente libertadora, mas que tem seu fulcro no princípio de adequação
sistemática do sujeito às condições estruturais capitalistas em que vive. E, para esse fim, usa o
discurso da diversidade para deslegitimar as tensões sociais geradas pela desigualdade
intrínseca ao capitalismo.
A teoria proposta por Philippe Perrenoud, e que foi uma das principais referências para
as modificações na Legislação Educacional Brasileira de 1996 8, e é exemplo dessa “nova”
pedagogia. Temos uma teoria pedagógica que tem seu objetivo central na capacitação para a
resolução de problemas de forma criativa, e que se restringe ao espaço escolar. Nesse caso, as
relações da educação com a política e a sociedade parecem dissolver-se na idéia de que a
formação para a “autonomia” deve, a partir das competências, formar sujeitos éticos e
responsáveis para com a real situação do capitalismo global. Isso pode até mesmo levar a crer
que essa é, de fato, uma pedagogia que possa libertar; todavia, se nos ativermos a sua dimensão
ontológica, iremos perceber que seu objetivo, embora não explícito nos argumentos, é inserir o
sujeito no sistema, adequá-lo às novas exigências da economia capitalista global, adaptá-lo ao
6
Ver nota 4.
7
Ver: DUARTE, Newton (2001).
8
BRASIL, Lei Nº. 9.394 – Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 20 de Dezembro de 1996.
4
novo modelo da ética para o capital. Não é à toa que esta teoria pedagógica é a última palavra
dentro dos quadros de formação empresarial de mais destaque na atualidade. Temos, assim, um
problema que vai além dos procedimentos metodológicos e dos pressupostos educacionais
isolados. É um problema que reside na dimensão ontológica dessas teorias.
Neste sentido, nossa opinião não é a de uma defesa incondicional do padrão chamado
tradicional de pedagogia, que até então, também se apresentou como edificador de noções
conservadoras, excludentes e elitistas de educação. O cerne da questão é ponderar esse projeto
pretensamente novo, que se apresenta como solução ao tradicional, apesar de trazer em seu
bojo a importante questão da formação autônoma dos sujeitos, acaba anulando-a quando se
centra num pragmatismo onde exclui tudo aquilo que não diz respeito aos problemas práticos
do cotidiano do sujeito. Propõe-se uma nova pedagogia para um momento de transformações,
mas que deixa de lado questões humanistas, análises histórico-filosóficos, consciências
histórico-filosóficas e reflexões teóricas.
Assim, não entendemos que um sujeito possa ser efetivamente autônomo e/ou livre se
apenas consegue desenvolver suas habilidades e uma capacidade meramente utilitária, sem se
compreender histórica e filosoficamente no mundo, sem a capacidade para responder questões
da gênese das desigualdades, do imperialismo, da dominação, enfim, da sua própria condição
como ser que pode abstrair e refletir de forma ética sobre as relações que vivencia, ligando-as a
processos mais amplos.
Essas pedagogias acima criticadas, sem dúvida, tendem a ofuscar as reais condições do
que poderia ser uma cidadania. Ideologicamente, invertem o sentido do termo libertação: este
passa a ser uma libertação no sentido meramente financeiro-profissional, aonde o bem-
sucedido é aquele que consegue desenvolver suas aptidões e inserir-se no mercado de trabalho
de forma “competente”. Acreditamos que a plenitude de desenvolvimento humano precisa se
estender a todos os seres humanos – e não somente a uma parcela que obtém “sucesso” – por
isso, defendemos a necessidade de se pensar uma educação que ultrapasse os muros impostos
pelos interesses do capital e o mercado econômico.
É necessário propor uma educação que procure mostrar filosoficamente a historicidade
concreta construída na compreensão da formação de nossa situação mundial atual, como nos
fala Freire, propondo um rompimento que, em última instância, poderia trazer uma efetiva
consolidação e desenvolvimento destes inúmeros agentes sociais, como sujeitos aptos a
desenvolverem sua própria história. Inserida a educação nesta conjuntura, sendo influenciada
por concepções neopragmáticas, pela lógica da competência, pelo capitalista, pode ser ainda a
educação um caminho para a transformação dos indivíduos e da sociedade?
5
2. A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE: UMA ALTERNATIVA AO DISCURSO FATALISTA
6
Freire rejeita a idéia da educação como redentora do social, mas se recusa a resignar-se
ao pessimismo e a conformação de que a educação não tem um papel importante na
transformação social, vislumbrando a história como fatalidade, e não como uma possibilidade.
A educação, de um modo geral, vem servindo aos interesses ideológicos dominantes,
mas a escola pode e deve ser um espaço de (re)configuração da realidade social - evidenciando
a politicidade inerente ao processo educativo, de comprometimento com a alteridade e a
liberdade dos sujeitos - não limitando o educando ao jugo dos interesses do capital e do
mercado de trabalho. Se para adaptar o educando ao mundo do trabalho, a ordem, a resignação,
é necessário ocultar verdades (como a luta de classes), é trabalho do educador, explicitar essas
verdades, porém “[...] a desocultação não é tarefa para os educadores a serviço do sistema.
Evidentemente, em uma sociedade de classes, é muito mais difícil trabalhar em favor da
desocultação, que é nadar contra a correnteza” (FREIRE, 2011).
É imprescindível, pois, na leitura de Freire, reconhecer a luta de classes no processo
educativo, no entanto, Freire entende também que tem de se considerar vários fatores, a saber:
o sexo, a raça, as condições de vida e outros. Reconhecer a luta de classe é necessário para se
pensar em outros mundos possíveis.
Uma educação popular abre caminhos para conscientizar, para o diálogo, a democracia,
a cidadania, a liberdade, a alteridade, opondo-se a lógica da educação bancária. Entretanto, a
“libertação é um processo permanente de busca de liberdade que não é ponto de chegada, mas
sempre de partida. Se hoje, faminto e negado, preciso de pão e repouso, amanhã, alimentado e
dormido, descubro que preciso de som, de imagem e da palavra escrita” (FREIRE, 2004, p.60).
Educação popular tem sua gênese nos movimentos sociais, na luta dos trabalhadores, e
através de muitos educadores tem adentrado na prática formal, nas escolas, visando educar para
a emancipação, para a alteridade e o comprometimento com as questões sociais, formando
sujeitos capazes de, a partir da realidade, refletir de forma ética acerca dela, e voltar a ela
transformando-a dialeticamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
7
(re)construção e criação de conhecimentos, para o desenvolvimento do exercício de ações e
pensamentos éticos, contemplando assim, todos os níveis da sociedade, aonde os indivíduos se
constituam e sejam capazes de realmente compreender e agir, através de uma reflexão ética, a
dominação e o que está posto, por traz dos discursos sobre a “verdade e/ou as verdades”, e
assim, transformar o processo histórico, para que possamos vislumbrar possibilidades para a
emancipação e a alteridade humana.
Embora muitas vezes negado, Freire continuará “incomodando”, pois enquanto houver
carência de práticas humanistas, opressão e sensibilidade humana Freire estará atual e suas
pedagogia renovada. A educação popular pode ter um papel importante, como horizonte de
transformação da educação brasileira, aonde deve ser dialogada, ampliada, desenvolvida nos
mais diversos espaços, especialmente, na escola pública.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL, Lei Nº. 9.394 – Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 20 de Dezembro
de 1996.
DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e
pós-modernas da teoria vigotskiana. 2. Ed. São Paulo: Autores Associados, 2001.
FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, A. Que fazer? Teoria e prática da educação. São Paulo: Vozes,
2002.
FREIRE, Ana Maria (org). Paulo. Pedagogia da Tolerância. São Paulo: UNESP, 2004, p.
160.
MORAES, Maria C. de Marcondes. O Renovado Conservadorismo da Agenda Pós-moderna.
In: Cadernos de Pesquisa – Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de
Santa Catarina, v. 34, n. 122, maio/ago. 2004, p. 352-353.
PERRENOUD, P. Dez Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.