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Discussões sobre o conceito de saúde, saúde como ausência de doença, conceito ampliado de saúde e
revisão histórica da VIII Conferência Nacional de Saúde a da Constituição Federal de 1988.
PROPÓSITO
Compreender a ampla definição do conceito de saúde, como as políticas nacionais e internacionais
influenciaram o acesso aos serviços de saúde, e a organização do sistema de saúde brasileiro.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Definir o conceito ampliado de saúde de acordo com a visão da Organização Mundial da Saúde (OMS)
MÓDULO 3
Reconhecer a importância da VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) e da Constituição Federal (CF)
de 1988 para o sistema de saúde brasileiro
INTRODUÇÃO
Vamos abordar e discutir o conceito ampliado de saúde e algumas de suas definições. Trataremos
brevemente dos diversos modelos que explicam o processo saúde-doença ao longo da história.
Por meio deste conteúdo, vamos também compreender como as políticas internacionais (OMS) e
nacionais (VIII CNS E CF 1988) atuaram em relação ao acesso aos serviços de saúde. Assim,
conseguiremos também entender a organização do nosso sistema de saúde, o Sistema Único de Saúde
(SUS).
MÓDULO 1
CONCEITO DE SAÚDE
O conceito de saúde representa o contexto social, político, econômico e cultural. Traduzindo, a saúde
não se apresenta nem é igual para todos. Esse conceito sofre influência da época, do status social e do
lugar onde um indivíduo se encontra e depende ainda dos valores pessoais, das concepções religiosas,
filosóficas e científicas também (SCLIAR, 2007).
Vamos fazer um breve panorama histórico para entender melhor as proximidades e diferenças das
concepções de saúde e cuidado até os dias de hoje.
Real ou fictícia, a doença acompanha o ser humano desde os primórdios, como mostram pesquisas
paleontológicas. Desde muito cedo, a humanidade dedica-se a lutar contra essa ameaça, de diversas
maneiras, pautada em variados conceitos do que vem a ser doença e a saúde (SCLIAR, 2007).
MODELO MÁGICO-RELIGIOSO
O modelo mágico-religioso enxerga a doença como um resultado de forças alheias ao organismo, que
ocupam o indivíduo devido ao pecado ou a uma maldição.
SAIBA MAIS
Para os antepassados hebraicos, a doença não era causada, obrigatoriamente, por demônios ou maus
espíritos, mas se mostrava como um sinal da ira divina frente aos pecados terrenos. A doença era um
indicativo da desobediência ao divino, e a enfermidade anunciava o pecado, para que todos pudessem ver o
pecador e o que a falta de desobediência poderia causar.
Em outras culturas, é função do xamã ou feiticeiro tribal expulsar, por meio de rituais, os maus espíritos
que possuíram uma pessoa, causando, então, determinada doença. O intuito é fazer com que a pessoa
volte ao universo total a qual pertence (SCLIAR, 2007).
Logo, dentro do conceito mágico-religioso, os povos da época compreendiam os agentes causadores de
doenças como oriundas tanto de elementos naturais quanto de espíritos sobrenaturais.
O processo de adoecimento era visto como resposta a transgressões de origem individual e coletiva.
Para o reestabelecimento da saúde, era necessário reatar a união com o divino por meio de sacerdotes,
feiticeiros ou xamãs.
ATENÇÃO
A ligação com o mundo natural se baseava em um universo que englobava deuses e espíritos bons e maus,
e a religião era o ponto inicial para compreender o mundo e como estruturar o cuidado (HERZLICH, 2004).
MODELO HOLÍSTICO
O modelo holístico diz respeito às Medicinas hindu e chinesa, que, desde a Antiguidade, trazem uma
nova visão de entender a doença. A definição de equilíbrio deu origem à Medicina holística. A noção de
equilíbrio vincula o conceito de “proporção justa ou adequada” com a doença e a saúde.
SAIBA MAIS
A saúde era vista e entendida como um equilíbrio entre os fluidos e os elementos que compõem o ser
humano. O desequilíbrio de um desses elementos causaria a doença. A causa do desequilíbrio era
relacionada diretamente ao ambiente físico, como clima, insetos, astro etc. (HERZLICH, 2004).
Com base nesse modelo, o cuidado deveria alcançar o ajuste que é preciso para se ter um equilíbrio
entre corpo e ambiente, e este corpo é considerado como um todo, é visto holisticamente.
O cuidado significa a busca pela saúde, que está diretamente relacionada à busca pelo equilíbrio
corporal entre os elementos intrínsecos e extrínsecos.
MODELO EMPÍRICO-RACIONAL
O modelo empírico-racional (hipocrático) começa a esboçar uma explicação desde o Egito, com os
filósofos que procuraram respostas não sobrenaturais para as origens da vida e do universo, como
também para saúde e doença.
Um desses filósofos foi Hipócrates, que determinou uma relação entre homem e meio com o desenrolar
de sua Teoria dos Humores. Essa teoria reconhecia os elementos terra, fogo, água e ar como
responsáveis por desencadearem algum processo patológico ou manter a saúde (HERZLICH, 2004).
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Saúde, para a teoria hipocrática, é o equilíbrio dos humores (fluidos corporais), e a doença, portanto, o
desequilíbrio deles. O cuidado fica dependente de um entendimento desses desequilíbrios e uma
tentativa de restaurá-los.
No Oriente, o conceito de saúde e doença seguia, e ainda segue, um caminho diferente, mas, de
alguma maneira, semelhante ao conceito hipocrático. Fala-se de forças essenciais existentes no corpo
humano:
Caso contrário, surge a doença.
SAIBA MAIS
As ações terapêuticas (acupuntura, ioga) têm como objetivo reestabelecer o fluxo normal de energia no corpo
(SCLIAR, 2007).
MODELO BIOMÉDICO
O modelo biomédico ou modelo de Medicina científica ocidental, que predomina na atualidade, tem
como base o contexto do Renascimento e toda a Revolução Artístico-Cultural, que tiveram início a partir
do século XVI.
O Método de Descartes (séculos XVI e XVII) delimitou as regras que compõem os fundamentos de sua
visão sobre o conhecimento (HERZLICH, 2004):
Não se deve aceitar como verdade nada que não possa ser identificado como tal.
É necessário desassociar cada dificuldade que surgir para que cada parte possa ser examinada
detalhadamente a fim de se resolver o problema.
É preciso conduzir o pensamento em uma linha de raciocínio sequencial, partindo sempre do mais
simples para o mais complicado.
O conceito biomédico define saúde como um erro nos mecanismos de adaptação do organismo ou falta
de ação aos estímulos. Esse processo conduz uma alteração estrutural ou funcional de um órgão, de
todo o organismo ou de suas funções vitais (JENICEK; CLÉROUX, 1982 apud HERZLICH, 2004).
O modelo biomédico concentrou-se, cada vez mais, no esclarecimento da doença e passou a olhar e
tratar o corpo em fragmentos cada vez menores, reduzindo a saúde a um desempenho mecânico
(BARROS, 2002).
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A intervenção de cuidado é pautada em uma perspectiva reducionista e mecanicista, em que a figura do
médico especialista é vista como um mecânico que consertará a parte da máquina do corpo que
apresenta algum defeito ou do ambiente para domínio das possíveis causas de epidemias.
MODELO SISTÊMICO
O modelo sistêmico surgiu no final da década de 1970 com uma compreensão mais ampla do processo
saúde-doença, sendo visto como um processo sistêmico que tem origem no conceito de sistema.
O sistema é explicado como a soma de elementos relacionados de alguma maneira. Uma alteração em
qualquer elemento provoca mudança no estado dos outros.
Em outras palavras, essa noção de sistema agrega a ideia de todo, de colaboração de elementos
diversos pertencentes ao ecossistema no processo saúde-doença, indo de encontro ao que é pregado
pelo modelo biomédico:
Um atendimento fragmentado com uma visão unidimensional (ROBERTS, 1978 apud ALMEIDA FILHO;
ROUQUAYROL, 2002).
Segundo esse modelo, a organização geral de um problema de saúde é compreendida como uma
responsabilidade sistêmica, onde um sistema epidemiológico se estabelece por meio de um equilíbrio
dinâmico. Ou seja, toda vez que um de seus componentes passa por alguma modificação, este reflete e
atinge as outras partes, em um processo em que o sistema almeja um novo equilíbrio.
Os principais pesquisadores desse modelo foram Leavell e Clark. Em 1976, ambos interpretaram a
história natural da doença como uma soma de processos interativos que geram um estímulo patológico
no meio ambiente ou em qualquer lugar, passando da resposta do homem ao estímulo, até as
modificações que levam a um defeito, a invalidez, à recuperação ou à morte (LEAVELL; CLARK, 1979
apud ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 2002).
&
Essa maneira de exemplificar facilita o entendimento dos diferentes métodos de prevenção e controle
das doenças existentes.
Canguilhem (2000) questiona a objetividade desses conceitos ao afirmar que a doença, antes de ser
diagnosticada pelo médico, percorre a subjetividade da pessoa e sofre influência dela.
RESUMINDO
A doença não seria apenas uma ausência de norma, não seria a falta de qualquer tipo de regra, porque a
doença ainda rege a vida. Esse regimento não permite nenhum tipo de desvio, já que não consegue se
modificar ou se transformar em outro regimento/norma.
A saúde não seria apenas um estado de normalidade, mas, sim, a habilidade de reconhecer e admitir
uma alteração para novas normas. E a cura seria um meio de regresso a essa estabilidade
fisiológica (CANGUILHEM, 2000).
ATENÇÃO
Mesmo entendendo que o que é normal e doente depende da vivência e da subjetividade das pessoas, é
preciso reconhecer que todas as sociedades elaboram conceitos e parâmetros para definir o que é normal.
Quando ampliamos nossa visão para além da normalidade, do ponto de vista biológico, e nos voltamos
para a questão de normalidade em relação ao comportamento, identificamos que esse parâmetro normal
x doente não se enquadra mais, e sim, o parâmetro de comportamento normal x desviante (ou
inadaptado).
Ser inadaptado não é algo ruim na maioria das vezes. Ser desviante indica que o indivíduo consegue
dar outros significados à vivência que pessoas consideradas normais ou ajustadas não conseguem
captar (VELHO, 1981).
No século XVIII, as cobranças não se limitaram ao contexto capitalista, mas também houve
repercussões sobre o corpo, que passou a ser visto como uma máquina. Logo, se o corpo é uma
máquina, precisa ser disciplinado e moldado, submisso e dócil, além de especializado. Dessa forma, não
haveria resistência, e o processo de dominação ocorreria facilmente (FOUCAULT, 2002).
Ter controle das atividades (horários).
Consequentemente, aumentar a eficiência do trabalho desenvolvido.
COMENTÁRIO
Essa dinâmica também ocorre dentro dos hospitais, onde os pacientes precisam adaptar suas necessidades
fisiológicas aos horários e às normas estabelecidas.
Essa intensa subordinação do corpo e o domínio de suas atividades, aliados à lógica capitalista de
produção, contribuem para o arranjo das ideias de:
SAÚDE
DOENÇA
Como vimos até aqui, esse conceito de saúde como ausência de doença se mostrou um processo
complexo, dinâmico e multidimensional, pois envolve aspectos biológicos, socioculturais, econômicos,
psicológicos, políticos, ambientais etc. Podemos identificar uma complexa inter-relação entre saúde e
doença em uma sociedade: cada organização social definirá o que é saúde e o que é doença.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
B) O modelo sistêmico parte de uma perspectiva biologicista para ratificar a visão unidimensional e
fragmentária do modelo biomédico.
C) O modelo biomédico é predominante atualmente, tendo como foco a explicação da doença e partindo
de uma visão fragmentária e mecanicista do corpo.
E) O modelo holístico se relaciona à Teoria dos Humores, na qual os elementos água, terra, fogo e ar
estão subjacentes à explicação sobre a saúde e a doença.
B) Modelo sistêmico
C) Modelo holístico
GABARITO
2. Qual modelo explicativo do processo saúde-doença tem como objetivo acompanhar esse
processo em sua regularidade, entendendo as inter-relações do agente causador da doença, do
hospedeiro da doença e do meio ambiente e o processo de desenvolvimento de uma doença?
MÓDULO 2
Temas como nível de renda econômica, questões sanitárias, desigualdades sociais e relação de poder
começaram a ser identificados como agentes ativos de influência no processo saúde-doença.
No final do século XIX, a revolução pasteuriana conseguiu comprovar os fatores etiológicos causadores
de algumas doenças, fazendo com que fosse possível elaborar uma “contabilidade da doença”. Seus
padrões, então, poderiam ser estudados e pesquisados por análises estatísticas sobre a organização
saúde-doença (SCLIAR, 2007).
Até esse momento histórico, ainda não existia um conceito universalmente aceito sobre o que é saúde.
Para isso, seria preciso um acordo entre as nações em nível de um organismo internacional.
A primeira experiência para tentar resolver esse problema foi a criação da Liga das Nações – instituição
internacional que surgiu após a Primeira Guerra Mundial, mas não teve sucesso. Foi necessário ocorrer
uma Segunda Guerra Mundial e, consequentemente, a criação da Organização das Nações Unidas
(ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), para que esse consenso sobre o que é saúde
surgisse.
Em 1978, a OMS tornou pública em sua constituição a definição de saúde: “estado completo de bem-
estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doença ou enfermidade”. Esse documento
também reconhece a saúde como um direito de todo cidadão, sem restrição de etnia, religião, política e
condições socioeconômicas, e afirma que é dever do Estado promover e proteger a saúde (WHO, 2006).
COMENTÁRIO
A visão de saúde desse conceito é mais ampla, e não apenas focada em ausência de enfermidade.
Considerando o contexto histórico mencionado (pós-guerra), esse conceito refletia um desejo oriundo dos
movimentos sociais, como o fim do colonialismo e a ascensão do socialismo. Saúde deveria ser um direito a
uma vida ampla, sem privações.
CAMPO DA SAÚDE
Em 1974, Marc Lalonde, Ministro da Saúde e do Bem-estar do Canadá, ampliou o entendimento da
saúde e dos estudos em saúde pública ao renovar o conceito de campo da saúde.
COMENTÁRIO
Lalonde tem noção que pode ser difícil alcançar um estado de completo bem-estar físico. Mesmo assim,
muitas coisas ainda podem ser realizadas para que se aumente a liberdade de doenças e que sejam
fornecidas condições suficientes para a prática de atividades físicas, sociais e mentais.
Com base no sistema de saúde canadense, o então ministro reconhece a necessidade de organizar
uma estrutura de diagnóstico e avaliação do campo da saúde. Pautado nessa descoberta, ele estipula
que o campo da saúde deveria ser estudado a partir de quatro elementos principais (SCLIAR, 2007).
São eles:
BIOLOGIA HUMANA
Inclui os aspectos de saúde física e mental, compreendendo a herança genética e os processos
biológicos característicos da vida, inclusive o processo de envelhecimento.
MEIO AMBIENTE
Inclui solo, ar, água, moradia, alimentação, local de trabalho, saneamento básico etc. São situações
externas ao corpo humano que podem afetar diretamente a saúde.
ESTILO DE VIDA
Decisões ou escolhas de vida que afetam a saúde, como hábitos alimentares, tabagismo, sedentarismo
etc.
Miwa (2015) aponta cinco contribuições desse estudo para o campo da saúde:
Identificar que as divisões biologia humana, meio ambiente e estilo de vida possuem a mesma
importância que a categoria de organização da assistência à saúde.
Reconhecer que esse campo é globalizante ao levar em consideração vários componentes da saúde.
Propiciar um sistema de análise, pois qualquer questão poderá ser avaliada sob os quatro elementos.
Conferir uma perspectiva diferente à saúde, estudando e explorando campos até então esquecidos.
Algumas dessas críticas eram de origem técnica, já que a saúde seria algo difícil de alcançar, e a
explicação não pode ser utilizada como objetivo pelos serviços de saúde.
&
Outras, de cunho político, já que essa definição permitiria que abusos pudessem ser realizados pelo
Estado com a população sob a justificativa de promover a saúde.
Ainda em relação às críticas, o conceito ampliado de saúde da OMS foi considerado uma utopia, já que
uma “situação de perfeito bem-estar físico, mental e social” não pode ser avaliada sob a mesma lupa,
uma vez que existem diferenças entre elas. Afinal, é difícil distinguir uma necessidade física da mental e
da social. Por isso, essa ideia de saúde perfeita não pode existir, além de ser irreal (SEGRE; FERRAZ,
1997).
Como fruto da primeira contestação, surge o conceito de Boorse que diz que saúde é ausência de
doença. A categorização das pessoas como saudáveis ou doentes seria um aspecto objetivo,
diretamente relacionado ao grau de bom funcionamento dos órgãos, sem que houvesse a necessidade
de juízo de valor (SCLIAR, 2007).
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Como resposta a esse debate, a declaração final da Conferência Internacional de Assistência Primária à
Saúde, realizada pela OMS em 1978, na cidade de Alma-Ata (atual Cazaquistão), enfatizou o conceito
ampliado de saúde, ressaltando a interferência que as questões sociais exercem sobre a manutenção e
o acesso à saúde, destacando a responsabilidade dos governos pela saúde de sua população e
defendendo o cuidado primário à saúde como fundamental.
SAIBA MAIS
A Conferência destacou as desigualdades sociais discrepantes entre os países desenvolvidos e
subdesenvolvidos. Além disso, enfatizou a responsabilidade governamental no provimento da saúde e a
importância da participação popular no planejamento e na ação dos cuidados à saúde.
Os serviços de saúde devem ser fornecidos a toda população e em locais de fácil acesso
A comunidade deve ser a protagonista ao implementar o sistema de saúde e atuar nele
O custo financeiro dos serviços deve ir ao encontro da situação econômica local
Divididos assim, os serviços que fornecem os primeiros cuidados à saúde se apresentam como a porta
de entrada ao sistema de saúde, consolidando-se como a base de todo um sistema organizacional
voltado para a saúde.
Nutrição adequada
Educação em saúde
Planejamento familiar
Cuidado materno-infantil
Saneamento básico
Imunização
Fornecimento de medicação
Deveria ocorrer uma intersetorialização, uma integração do setor de saúde com os demais setores que
compõem uma comunidade.
Já a OMS utiliza uma definição mais enxuta, afirmando que os DSS são condições sociais em que os
indivíduos vivem e trabalham.
Apesar de o foco inicial da saúde pública ser o biomédico dentro do campo científico, e não levar em
conta as questões socioambientais e políticas, podemos observar, ao longo do século XX, um conflito
permanente entre essas abordagens. Na própria história da OMS, abordada anteriormente, vimos que
esse órgão recebeu críticas.
Conforme o tempo foi passando, ocorreram alternâncias entre (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007):
OU
A Conferência de Alma-Ata e as ações inspiradas no tema “Saúde para todos no ano 2000” dão
destaque outra vez ao tema dos DSS. Na década de 1980, o predomínio da saúde como um bem
privado direcionou de novo o debate para uma concepção centrada no cuidado médico individual, a
qual, na década seguinte, com o debate sobre as Metas do Milênio, deu lugar novamente aos DSS,
culminando na criação da CNDSS da OMS, em 2005.
Essa comissão foi elaborada com o objetivo de prestar suporte aos países e chamar a atenção dos
governantes e das sociedades para esses determinantes, buscando melhores condições sociais de
saúde, principalmente para os grupos mais vulneráveis. Contudo, essa Comissão teve seu fim em 2008,
logo após entregar um documento com recomendações que visavam à redução das desigualdades em
saúde.
Em 2011, a OMS publicou outro documento sobre DSS que continha as seguintes intenções:
Promover a participação popular e de líderes comunitários nas decisões e ações de políticas públicas de
saúde.
Elaborar estudos para avaliar a efetividade dessas ações e divulgar seus resultados.
Lutar contra a distribuição desigual de poder, recursos e dinheiro.
Identificar a extensão do problema e compreendê-lo.
Avaliar o impacto das alterações.
O conceito de cuidados primários apresenta uma proposta racionalizadora e política, que, ao invés de
oferecer todo um aparato tecnológico para cuidar, sugere o uso de tecnologias mais simples. Trocam-se
os grandes centros hospitalares por atendimentos ambulatoriais; profissionais especialistas por
generalistas etc. Diante desse cenário, fica um questionamento:
Como elaborar uma política de saúde pública sem levar em consideração os critérios sociais e sem fazer
qualquer tipo de juízo de valor?
Devido a esse questionamento, a Constituição Federal de 1988 evita debater o conceito de saúde, mas
afirma que:
VERIFICANDO O APRENDIZADO
E) Fatores ambientais, como poluição do ar, da terra e dos alimentos, não fazem parte dos DSS.
GABARITO
1. A concepção de saúde, formalizada em 1978 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), define
esse termo como:
Para conceituar melhor o estado de saúde, a OMS percebe a necessidade de analisar o corpo, a mente
e até mesmo o contexto social no qual o indivíduo está inserido.
De acordo com a CNDSS, DSS são fatores econômicos, culturais, sociais, étnicos, comportamentais e
psicológicos que interferem diretamente nos problemas de saúde e seus fatores de risco para a
população. Já a OMS afirma que os DSS são condições sociais em que os indivíduos vivem e
trabalham.
MÓDULO 3
CONTEXTO HISTÓRICO
Para iniciarmos este módulo, vamos revisar a história do Brasil e entender os movimentos das ações e
políticas em saúde que resultaram no contexto brasileiro de saúde atual.
Da descoberta do Brasil (1500) até o fim do Brasil Império (1889), existia uma importante escassez de
médicos formados, e os medicamentos eram importados de Portugal com alto custo.
VOCÊ SABIA
Não existia modelo de atenção à saúde consolidado, mas havia a prática dos boticários (antigos
“farmacêuticos”), curandeiros, juntas de higiene pública (centralizada) para cuidar de ações sanitárias
emergentes, como o combate a doenças pestilenciais (de fácil transmissão por falta de saneamento,
conglomerados, falta de conhecimentos sobre o curso das doenças etc.).
Com o fim da escravidão (após 1988) e o aumento da chegada de imigrantes europeus no país para
atender à falta de mão de obra nas lavouras de café, houve um aumento populacional nas áreas
urbanas.
No período de 1897 a 1930, as questões de saúde eram resolvidas pelo Ministério da Justiça e
Negócios Interiores, mais especificamente, pela Diretoria Geral de Saúde Pública, com ações
direcionadas ao saneamento básico e ao controle de endemias.
ENDEMIAS
Umas das intervenções mais famosas desse período foi a Revolta da Vacina. O Departamento Nacional
de Saneamento e Saúde (vinculado ao Ministério da Justiça) ganhou um dirigente: o médico Oswaldo
Cruz (1872-1917), nomeado pelo então Presidente da República Rodrigues Alves (1848-1919).
Nesta época, a capital da República era o Rio de Janeiro, que passava por grande precariedade quanto
ao saneamento, o que causou uma incidência preocupante de doenças, como febre amarela, varíola,
tuberculose e peste bubônica. Ações de saneamento passaram a ser tratadas com grande prioridade no
governo, e a necessidade do combate às doenças impulsionou vacinação obrigatória, instituída pela Lei
Federal nº 1.261, em outubro de 1904.
VOCÊ SABIA
A brigada sanitária, que, na época, fazia parte de uma comissão de empregados treinados da área de saúde,
realizava a vacinação. Os profissionais entravam nas casas e vacinavam à força todos que lá residiam,
causando indignação na população.
Imigrações e migrações
Condições de saneamento precário
Aglomerados urbanos
Essa foi uma época de grande precarização no trabalho, com umidade, baixa luminosidade, sem limite
de carga horária, trabalhos insalubres etc. Diante disso, houve movimentos grevistas muito importantes
em 1917 e 1919, cujo resultado culminou na aprovação da Lei Eloy Chaves – um marco da Previdência
Social no Brasil.
Nesse momento inicial que o Estado promoveu, ainda que timidamente, ações específicas para os
trabalhadores por meio da instituição das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPS).
COMENTÁRIO
Esse pode ser considerado o início da intervenção estatal em prol da saúde, ainda que não financeiramente.
Além disso, o interesse da permissão das CAPS era econômico, para que os trabalhadores
adoentados/acometidos de doença fatal não interrompessem o processo produtivo.
Em 1920, foi criada a primeira instituição de organização de ações em saúde pública: o Departamento
de Saúde Pública. O médico sanitarista Carlos Chagas (1879-1934), vinculado ao Ministério da Justiça,
foi convocado para amenizar as ações mais autoritárias de Oswaldo Cruz, apesar de ter recebido
grande credibilidade pelas erradicações.
Na década de 1930, no final da República Velha, com Getúlio Vargas (1882-1954) ainda no poder, as
CAPs foram suspensas e substituídas por Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs): autarquias de
nível nacional centralizadas no governo federal. Assim, a filiação passava a ocorrer por classes
profissionais, diferente do modelo das CAPs, que se organizava por empresas.
Nos anos 1940, os gastos públicos começaram a beneficiar a assistência médica individual,
desfavorecendo a saúde pública.
Em 1960, as ações institucionais não conseguiam mais combater a miséria e as ruins condições de
saúde da população brasileira (MERHY; QUEIROZ, 1993).
Já durante o governo militar de Castelo Branco (1897-1967), o Decreto-Lei nº 72/1966 unificou os seis
IAPs que existiam na época, criando o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que passou a
concentrar todas as contribuições previdenciárias, incluindo a dos trabalhadores do comércio, da
indústria e dos serviços.
Nesse mesmo ano de 1966, foi acertado que o Ministério da Saúde seria o responsável pela
coordenação da Política Nacional de Saúde, que deveria legislar sobre:
O INPS agrupou a área assistencial, com marcada opção de compra de serviços assistenciais do setor
privado, concretizando o modelo assistencial em um modelo hospitalocêntrico, curativista e centrado na
figura do médico, que teria uma forte presença no futuro SUS.
Já, em 1977, houve outro grande marco: a elaboração, pelo regime militar, do Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) pelo desmembramento do INPS, que, hoje, é o
Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O objetivo era prestar atendimento médico apenas aos
que contribuíam com a Previdência Social, ou seja, aos empregados de carteira assinada.
ATENÇÃO
O INAMPS foi o grande prestador da assistência médica e funcionava à custa de compra de serviços
médicos hospitalares do setor privado, ou seja, houve um grande crescimento do sistema privado e
enfraquecimento do sistema público.
Com o fim da ditadura militar, era cada vez mais claro o esgotamento desse modelo sanitário, tornando-
se visível a necessidade da elaboração de um modelo alternativo de atenção à saúde.
A VIII CNS foi a primeira conferência a permitir a participação popular e teve apoio do governo, já que o
momento histórico era de resgate de dívidas sociais. Seus debates ocorreram baseados nos seguintes
temas (BRASIL, 2009):
Financiamento do setor
O relatório final lançou os fundamentos da proposta do SUS, que eram (BRASIL, 1986):
• A necessidade de alterações no setor da saúde, não se limitando a reformas administrativas ou
financeiras, mas reconsiderando o conceito de saúde, assim como a própria legislação em relação à
promoção, proteção e recuperação da saúde.
• Um sistema novo de saúde nacional, reconhecendo a importância do fortalecimento e da ampliação do
setor público.
• A separação da Previdência da Saúde.
• Os debates mais profundos sobre o financiamento do setor de saúde.
Finalmente, em 1988, foi promulgada a Constituição Federal, também conhecida como Constituição
Cidadã. Esse foi um importante marco, pois o SUS foi criado pela CF/1988, no Título VIII: Da Ordem
Social, no Capítulo II: Da Seguridade Social, e na Seção II: Da Saúde (artigos 196 a 200).
(BRASIL, 1990)
Os objetivos e as atribuições
Os princípios e as diretrizes
Os recursos humanos
O planejamento e o orçamento
O SUS ainda enfrenta desafios bem parecidos com os de sua criação. O Conselho Nacional de
Secretariados da Saúde (CONASS) publicou um documento que trouxe a público os pontos que o SUS
precisa superar.
Obstáculo da universalização
Obstáculo do financiamento
Obstáculo do modelo institucional
Mesmo valorizando e ressaltando todas as conquistas do SUS até hoje, o sistema ainda apresenta três
grandes desafios (MENDES, 2013):
A formação microeconômica do modelo de atenção à saúde vigente
O repasse financeiro
VERIFICANDO O APRENDIZADO
B) Movimento Diretas Já
D) Fiscalização das ações de saúde pelos estados e municípios, com a aplicação de multas quando
encontradas irregularidades na execução dos orçamentos contratados.
E) O Ministério da Saúde foi criado juntamente com o SUS. Antes disso, as ações de saúde pública
eram executadas pelo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS).
GABARITO
A VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) ocorreu em 1986 e seu lema foi: Democracia é Saúde.
Essa conferência foi a primeira a permitir a participação popular e teve apoio do governo, já que o
momento histórico era de resgate de dívidas sociais.
Todas as ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde antes da criação do SUS tinham caráter
universal, sem nenhum tipo de discriminação com relação à população beneficiária.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste conteúdo, compreendemos o conceito de saúde não apenas como ausência de doença, mas
também como um processo complexo, dinâmico e multidimensional, interagindo com os aspectos
biológicos, socioculturais, econômicos, psicológicos, políticas, ambientais.
Também conseguimos identificar uma complexa e interessante inter-relação entre saúde e doença.
Aprendemos ainda que cada sociedade e a cultura de cada organização social definirão o que é saúde e
doença.
Além disso, apresentamos discussões que envolvem o conceito de saúde e revisitamos algumas de
suas definições. Entendemos, ainda, a partir do contexto histórico, como as políticas nacionais e
internacionais influenciaram o acesso aos serviços de saúde. Por fim, compreendemos a organização do
sistema de saúde brasileiro.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
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ed. Rio de Janeiro: Medsici Ed., 2002.
BRASIL. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. In: Planalto. Consultado em meio eletrônico em: 10
mar. 2021.
BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes sociais. Physis: Rev. Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, 2007.
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HERZLICH, C. Saúde e doença no início do século XXI: entre a experiência privada e a esfera
pública. Physis: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, 2004.
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Para consolidar o seu aprendizado deste conteúdo:
CONTEUDISTA
Andressa Fernandes David da Silva Gomes
CURRÍCULO LATTES