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FUNDAMENTOS SÓCIO-

ANTROPOLÓGICOS E DA SAÚDE

A SAÚDE COMO FENÔMENO


MULTIDETERMINADO:
PROBLEMATIZANDO UM CONCEITO

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Olá!
Ao final desta aula, o aluno será capaz de:

1 - Problematizar o conceito de saúde;

2 - Reconhecer a saúde como fenômeno multideterminado;

3 - Identificar os principais determinantes da saúde;

4 - Compreender a saúde como diferente de ausência de enfermidade.

1 Conceito
“Saúde e doença não são estados ou condições estáveis, mas sim conceitos vitais, sujeitos a constante avaliação e

mudança” (ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2012, p. 1). O que significa esta afirmação?

Se saúde e doença são conceitos “sujeitos a constante avaliação e mudança”, significa que não são absolutos, isto

é, que são passíveis de alterações.

E o que possibilita tais alterações?

São as transformações nas condições sócio-históricas, tecnológicas, políticas, econômicas etc. que permitirão

lançar novos olhares sobre questões que envolvem os processos de saúde e doença:

“... A presença ou ausência de doença é um problema pessoal e social. É pessoal, porque a capacidade individual

para trabalhar, ser produtivo, amar e divertir-se está relacionada com a saúde física e mental da pessoa. É social,

pois a doença de uma pessoa pode afetar outras pessoas significativas (ex.: família, amigos e colegas)”

(ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002, p. 1).

Cada proposição (historicamente localizada) do que é saúde e doença permite a formulação de modelos

explicativos e estratégias de intervenção.

Falamos, então, de processos de significação da natureza, de funções e de estrutura do corpo e da relação homem

consigo mesmo e com o ambiente.

2 Concepções sobre doença


Para Albuquerque e Oliveira (2002), existem duas concepções fundamentais sobre a doença e,

consequentemente, a saúde: a concepção fisiológica e a ontológica.

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2.1 Concepção fisiológica

Iniciada por Hipócrates, a concepção fisiológica sustenta que as doenças têm origem em um desequilíbrio entre

as forças da natureza. Estas forças estão dentro e fora do indivíduo. Temos aqui uma perspectiva centrada no

paciente.

Considera-se o sujeito como um todo, bem como seu ambiente. A doença é algo que fala de uma totalidade e não

de particularidades, como órgãos corporais específicos.

2.2 Concepção ontológica

Diferente da concepção fisiológica, a concepção ontológica “defende que as doenças são ‘entidades’ exteriores ao

organismo, que o invadem para se localizar em várias das suas partes (MYERS; BENSON, 1992 apud

ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002, p. 2)” .

Os significados destas “entidades” não são sempre os mesmos: poderão ser consideradas processos mágico-

religiosos ou castigos divinos (Egito Antigo), ou ainda vírus (na atualidade).

A concepção ontológica busca um diagnóstico preciso, relacionando órgãos corporais e agentes perturbadores.

Para nossa discussão, é importante notar que tal concepção, embora frequentemente utilizada, é reducionista.

Isto porque não considera outras dimensões presentes no processo, tais como personalidade, modo de vida,

constituição física etc. Seu objetivo é identificar os órgãos perturbados.

3 A evolução dos conceitos de saúde e doença


Ribeiro (1993 apud ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002) identifica quatro períodos que permitem entender a

evolução dos conceitos de saúde e doença.

Período pré-cartesiano;

Período científico ou biomédico;

Primeira revolução da saúde;

Segunda revolução da saúde.

Agora veremos de forma mais aprofundada cada período.

3.1 Período pré-cartesiano

Marcado pela insistência no distanciamento das práticas médicas de concepções mágico-religiosas típicas da

Mesopotâmia e do Egito.

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A Grécia Antiga é o berço da ciência médica ocidental. Com Hipócrates (460 – 377 a.C., é considerado o “pai da

medicina”), as lógicas do racionalismo e do naturalismo, características dos filósofos da época, são postas a

serviço da compreensão dos processos de saúde e doença. Para ele, os procedimentos terapêuticos têm como

objetivo os efeitos nocivos das forças naturais.

Para compreender os estados de saúde (bem-estar ou mal-estar), deve-se considerar as influências do ar, da

água, do ambiente e da alimentação.

Saiba mais
A saúde era a expressão de um equilíbrio harmonioso entre os humores corporais, que eram
representados pelo sangue, pelas bílis negra e amarela e pela linfa ou fleuma”
(ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002, p. 2).
A comida é a responsável pela renovação destes fluidos primários. A doença é resultante do
desequilíbrio destes quatro humores, influenciados por forças exteriores, como as estações do
ano.

Lembra-se da famosa frase “mente sã em corpo são”?

Pois é, na verdade, não está associada a exercícios físicos ou “malhação”, mas à ideia do equilíbrio necessário

entre o estilo de vida e as leis naturais. A medicina hipocrática apoia-se na concepção de que a natureza é

formativa, construtiva e curativa: “O corpo humano tende a curar a si próprio” (ALBUQUERQUE; OLIVEIRA,

2002, p. 3).

Assim, não fazer mal (primum non nocere) é o princípio fundamental no tratamento das doenças. Este é um dos

quatro princípios fundamentais (o da não maleficência) da mais conhecida teoria bioética, chamada

principialismo.

Fique ligado
A importância da relação médico-doente já estava presente no pensamento hipocrático: esta
relação pode ter consequências sobre o bem-estar do doente. “Alguns pacientes, embora
conscientes de que o seu estado de saúde é precário, recuperam devido simplesmente ao seu
contentamento para com a humanidade do médico” (NULAND,1988, p. 59 apud
ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002, p. 3).

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3.2 Período científico ou biomédico

Inspirado em filósofos como Galileu, Descartes, Newton, Bacon, dentre outros, apresenta uma concepção do

mundo, inclusive o mundo humano, como uma máquina, funcionando mecanicamente, a partir de leis próprias

da física.

Características do modelo biomédico

Os seres vivos são constituídos e funcionam de forma semelhante às máquinas, das quais o relógio é o grande

modelo: formados por peças que se encaixam e podem ser decompostas, cada uma delas com uma função

própria e observável.

Para Descartes, sendo o corpo humano uma máquina, o homem doente seria um relógio avariado, assim como

um homem saudável seria um relógio funcionando perfeitamente. Assim, o funcionamento dos homens é regido

por uma natureza que lhe é externa. O modelo cartesiano ou mecanicista concebe o mundo (incluindo aí o

homem) como uma grande máquina ou um grande relógio.

O modelo biomédico concebe a doença, a exemplo da lógica cartesiana, como uma avaria, temporária ou

permanente, de um dos componentes da “máquina”. Curar significaria consertar ou reparar esta máquina.

Outra característica importante do modelo biomédico é a admissão de agentes específicos (organismo

patogênico) interferindo em partes específicas.

Abre-se caminho, via teoria do germe, para o combate às epidemias.

Para Ribeiro (1993 apud ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002), o modelo biomédico permitiu grande progresso na

teoria e na prática médica, apresentando três características principais:

• 1 – PROBLEMA / DIVISÃO DO PROBLEMA EM PARTES MENORES

“Tendência a reduzir os sistemas a pequenas partes, podendo cada uma delas ser considerada

separadamente” (p. 4). Esta perspectiva se opõe ao caráter totalizante do modelo pré-cartesiano;

• 2 – OFTALMOLOGIA, CARDIOLOGIA, GASTROENTEROLOGIA, ORTOPEDIA

“O indivíduo, com as suas características particulares e idiossincráticas (peculiar e pessoa), deixou de ser

o centro da atenção médica, sendo substituído pelas características universais de cada doença” (p. 4);

• 3 – GASTRITE

“Um forte materialismo substitui a tendência anterior de considerar significativos os fatores não

ambientais (morais, sociais, comportamentais)” (p. 4). Trabalha-se com uma perspectiva objetiva na

busca de “consertar” a “máquina defeituosa”.

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4 Primeira revolução da saúde
É um desdobramento do modelo biomédico marcado pelo início da atenção à saúde pública.

Desde a Revolução Industrial, no século XVIII, que o mundo moderno passou por inúmeras transformações no

âmbito da saúde, precipitadas por desequilíbrios ecológicos e sociais: epidemias, insalubridade, alterações no

sistema de produção, êxodo do campo para as cidades.

Para Ribeiro, o modelo biomédico aplicado à saúde pública, que se estende até a década de 1970, é marcado pelo

reconhecimento de que:

1 - ...as doenças infecciosas eram difíceis, senão impossíveis de curar e, uma vez instaladas no adulto, o seu

tratamento e a sua cura eram dispendiosos;

2 - ...os indivíduos contraíam doenças infecciosas em contato com o meio ambiente físico e social que continha o

agente patogênico;

3 - ...as doenças infecciosas não se contraíam, a não ser que o organismo hospedeiro fornecesse um meio

favorável ao desenvolvimento do agente infeccioso”.

A evolução da compreensão dos processos saúde-doença, neste momento, permite o desenvolvimento de

estratégias capazes de barrar o avanço e disseminação de agentes patogênicos.

Por exemplo, através de medidas sanitárias como esgotamento e distribuição de água potável, bem como, já em

pleno século XX, na utilização de vacinas ou a utilização de antibióticos.

Podemos ver que, aos poucos, os conceitos de saúde e doença vão se encaminhando rumo à consideração de

fenômenos multicausais, isto é, deles participando uma série de agentes e determinantes.

Termo utilizado em 1979 por Julius Richmond, sublinha as mudanças necessárias para responder às novas

exigências no campo da saúde.

Saiba mais
REFLEXÃO
Conforme ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 2002, p. 5
“Globalmente, pode afirmar-se que o desenvolvimento do modelo biomédico se centrara na
doença, que a primeira revolução da saúde se centrara na prevenção da doença, e que a
segunda revolução da saúde se centra na saúde”.

São estas as questões das quais nos ocuparemos na próxima aula!

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Os principais conceitos presentes na segunda revolução da saúde estão contidos em importantes documentos,

como os produzidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS); a Declaração de Alma-Ata, de 1978; a Carta de

Ottawa, (1986) e, especificamente para o Brasil, a Constituição Federal de 1988.

Todas estas iniciativas apontam para uma desconsideração da saúde como sendo ausência de doença e inovam

ao centrar a atenção nos processos de promoção e prevenção.

O que vem na próxima aula


Na próxima aula, você estudará sobre os assuntos seguintes:
• O conceito ampliado de saúde;
• A OMS e o conceito de saúde;
• A 8ª Conferência Nacional de Saúde e a Constituição Federal de 1988.

CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Entendeu a necessidade de problematizar o conceito de saúde;
• Reconheceu a saúde como fenômeno multideterminado;
• Identificou os principais determinantes da saúde;
• Concebeu a saúde como fenômeno diferente de ausência de enfermidade.

Referências
ALBUQUERQUE, Carlos Manuel de Sousa; OLIVEIRA, Cristina Paula Ferreira de. Saúde e doença: significações e

perspectivas em mudança. Millenium. n. 25, jan./2002. Revista online do ISPV (Instituto Superior Politécnico de

Viseu). Disponível em: //www.ipv.pt/millenium/Millenium25/25_27.htm. Acesso em: 25 mar. 2012.

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