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Fisiologia Geral

Autora: Profa. Daniella do Carmo Buonfiglio


Colaboradores: Prof. Flávio Buratti Gonçalves
Profa. Claudia Ferreira dos Santos Ruiz Figueiredo
Professora conteudista: Daniella do Carmo Buonfiglio

Daniella do Carmo Buonfiglio é licenciada e bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Metodista de
São Paulo e doutora em Ciências (na área de fisiologia humana) pela Universidade de São Paulo. Seu interesse em
neurofisiologia e, particularmente, na cronobiologia conduziu‑a a realizar o doutorado com o professor doutor José
Cipolla‑Neto, do Instituto de Ciências Biomédicas, da USP. Durante seu doutorado, desenvolveu um projeto paralelo
como parte de um estágio na Université Louis Pasteur, em Strasbourg, França, na qual aprendeu novas técnicas
que seriam utilizadas posteriormente em seu trabalho no Brasil. Já pós‑graduada, decidiu continuar sua linha de
pesquisa, no doutorado, sobre os ritmos circadianos na retina de animais diabéticos, aprofundando nos mecanismos
de ação. Durante seu pós‑doutorado, começou a experiência docente com a orientação de alunos de iniciação
cientifica. Atualmente, ministra aulas de fisiologia humana, citologia e histologia na Universidade Paulista (UNIP),
para os cursos de graduação em Biologia, Farmácia e Biomedicina. Recentemente, retornou à pesquisa, realizando
um novo pós‑doutorado na Universidade de São Paulo, estudando o impacto da obesidade no comportamento
maternal e lactação.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B943f Buonfiglio, Daniella do Carmo.

Fisiologia geral / Daniella do Carmos Buonfiglio. – São Paulo:


Editora Sol, 2019.

172 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-137/19, ISSN 1517-9230.

1. Fisiologia. 2. Sistema cardiovascular. 3. Sistema endócrino.


I. Título.

CDU 612

U502.08 – 19

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Gustavo Guiral
Lucas Ricardi
Sumário
Fisiologia Geral

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA HUMANA.......................................................................................................9
1.1 Organização funcional do corpo humano.....................................................................................9
1.2 Controle do meio interno e homeostase..................................................................................... 10
1.3 Transporte de substâncias por meio da membrana celular................................................. 11
2 SISTEMA CARDIOVASCULAR........................................................................................................................ 12
2.1 Circulação do sangue (circulação pulmonar e sistêmica).................................................... 14
2.2 Ciclo cardíaco.......................................................................................................................................... 16
2.2.1 Bulhas cardíacas....................................................................................................................................... 18
2.3 Débito cardíaco...................................................................................................................................... 18
2.4 Automatismo cardíaco........................................................................................................................ 19
2.5 Potencial de ação cardíaco................................................................................................................ 20
2.6 Ritmicidade cardíaca e o sistema de condução........................................................................ 23
2.7 Eletrocardiograma (ECG).................................................................................................................... 24
2.8 Regulação da pressão arterial.......................................................................................................... 25
2.9 Regulação neural da pressão arterial............................................................................................ 27
2.10 Regulação humoral da pressão arterial..................................................................................... 29
3 SISTEMA SANGUÍNEO.................................................................................................................................... 32
3.1 Composição do sangue (porção líquida e celular)................................................................... 32
3.2 Funções dos eritrócitos, leucócitos e plaquetas....................................................................... 35
3.3 Tipos sanguíneos................................................................................................................................... 39
3.4 Hemostasia.............................................................................................................................................. 42
4 SISTEMA RESPIRATÓRIO................................................................................................................................ 44
4.1 Vias aéreas – porção condutora e respiratória.......................................................................... 44
4.2 Mecânica ventilatória, volumes e capacidades pulmonares............................................... 48
4.3 Difusão dos gases, transporte dos gases pelo sangue e pressões de trocas gasosas.53
4.4 Transporte de oxigênio no sangue................................................................................................. 55
4.5 Controle nervoso da respiração....................................................................................................... 59
Unidade II
5 SISTEMA DIGESTÓRIO..................................................................................................................................... 65
5.1 Estrutura geral do sistema digestório: processos de
mastigação, deglutição, digestão, absorção e defecação............................................................ 65
5.2 Resposta integrada a uma refeição............................................................................................... 72
5.3 Glândulas anexas: fígado e pâncreas............................................................................................ 84
5.4 Digestão e absorção dos carboidratos.......................................................................................... 87
5.5 Digestão e absorção das proteínas................................................................................................ 88
5.6 Digestão e absorção dos lipídios..................................................................................................... 89
5.7 Secreção e absorção de água e eletrólitos.................................................................................. 90
6 SISTEMA RENAL................................................................................................................................................ 90
6.1 Morfologia funcional do rim............................................................................................................ 90
6.2 Filtração glomerular............................................................................................................................. 96
6.3 Absorção, excreção e formação da urina.................................................................................... 99
6.4 Túbulo proximal...................................................................................................................................100
6.5 Alça de Henle........................................................................................................................................101
6.6 Túbulo distal e túbulo coletor........................................................................................................103
6.7 Regulação da reabsorção de NaCl e água.................................................................................104
6.8 Regulação do volume e osmolaridade pelo rim.....................................................................105

Unidade III
7 SISTEMA ENDÓCRINO..................................................................................................................................115
7.1 Classificação dos hormônios..........................................................................................................115
7.2 Regulação da secreção hormonal................................................................................................117
7.3 Sistema hipotálamo‑hipófise.........................................................................................................119
7.4 Neuro‑hipófise (posterior)...............................................................................................................119
7.5 Adeno‑hipófise (anterior)................................................................................................................120
7.6 Glândula tireoide.................................................................................................................................126
7.6.1 Síntese dos hormônios tireoidianos.............................................................................................. 127
7.6.2 Secreção dos hormônios tireoidianos.......................................................................................... 128
7.6.3 Funções dos hormônios tireoidianos............................................................................................ 129
7.7 Glândula paratireoide........................................................................................................................132
7.8 Pâncreas endócrino............................................................................................................................133
7.9 Glândula adrenal.................................................................................................................................136
7.9.1 Medula adrenal...................................................................................................................................... 136
8 SISTEMA REPRODUTOR...............................................................................................................................141
8.1 Gônadas – sistemas reprodutores masculino e feminino...................................................141
8.1.1 Sistema reprodutor masculino.........................................................................................................141
8.1.2 Sistema reprodutor feminino.......................................................................................................... 146
APRESENTAÇÃO

Esta disciplina visa construir, com o aluno, uma base adequada de conhecimentos sobre o
funcionamento dos órgãos e sistemas do corpo humano. A disciplina aborda os aspectos fisiológicos
dos sistemas cardiovascular, sanguíneo, digestório, respiratório, renal, endócrino e reprodutor; e
tem o objetivo geral de possibilitar ao aluno o conhecimento do funcionamento fisiológico do
organismo vivo.

A disciplina pretende demonstrar o desempenho e a disposição dos diversos órgãos, abordando


aspectos fisiológicos, anatômicos e moleculares de cada sistema estudado, para que o aluno possa
integrar esse conhecimento à sua área de atuação profissional.

Inicialmente, faremos uma introdução à fisiologia, quando o aluno será apresentado aos conceitos
básicos de fisiologia e iniciará a investigação da atividade e do equilíbrio do corpo humano.

Na sequência serão estudados os sistemas cardiovascular e sanguíneo, responsáveis pelo transporte


e pela distribuição de substâncias para todo organismo; bem como o sistema respiratório, especializado
na captação do oxigênio (O2) e na eliminação do gás carbônico (CO2).

Posteriormente analisaremos o sistema digestório, que trata dos eventos relacionados à mastigação,
à digestão e à absorção dos nutrientes oriundos da alimentação; além do sistema renal, responsável pela
depuração do organismo.

Por fim será abordado o sistema endócrino, o qual, por meio dos hormônios, modula e integra todas
as funções do organismo.

INTRODUÇÃO

A palavra “fisiologia” origina‑se de dois termos gregos: physis (natureza) e logos (estudo). Então, de
forma literal, significa o estudo da natureza. Entretanto, o termo refere‑se aos estudos dos fenômenos
naturais de origens biológicas, tanto animal quanto vegetal. O presente livro abordará a fisiologia como
a ciência que investiga as funções naturais do organismo vivo e, também, os mecanismos pelos quais
ocorrem os diversos fenômenos biológicos essenciais à vida.

As pesquisas sobre fisiologia humana interrogam as características e os mecanismos do


funcionamento do corpo humano. Para que ele funcione adequadamente, é necessário que todos
os sistemas trabalhem de forma integrada, com o propósito de manter o equilíbrio do meio interno,
denominada “homeostase”. Quando um dos sistemas deixa de funcionar de forma natural, ou seja,
não fisiológica, determinado sistema pode perder total ou parcialmente a função; nesse momento,
entramos em outro campo de estudo: a patofisiologia. Porém, para entendermos os mecanismos das
doenças, antes, precisamos entender como é o funcionamento de um organismo saudável, e isso é
responsabilidade da fisiologia.

7
O estudante sabe, baseado em experiência de vida (de forma empírica), o que é fisiologia. Ao decorrer
das unidades, ele perceberá que diversos eventos fisiológicos, aqui descritos, são observáveis em seu dia
a dia. Ele entenderá, por exemplo, porque salivamos quando sentimos o cheiro de comida apetitosa ou
porque nossas avós estavam corretas quando diziam que, para crescer, precisávamos dormir. O corpo
funciona a partir de diversos processos complexos, que serão abordados neste livro de forma clara e
bastante harmoniosa para facilitar a aprendizagem do estudante de ciências biológicas.

Pretendemos, com este livro, não apenas contribuir para a formação de futuros profissionais, mas
também despertar a disposição, em cada aluno, ao aprofundamento na investigação dessa poderosa
máquina, que é o corpo humano.

8
FISIOLOGIA GERAL

Unidade I
1 INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA HUMANA

1.1 Organização funcional do corpo humano

Em organismos unicelulares, todos os processos vitais ocorrem em uma única célula. O processo
evolutivo dos seres pluricelulares permitiu que vários grupos de células, dentro desse organismo,
desenvolvessem funções específicas. O corpo humano é composto por bilhões de células, cada uma
delas com diferentes funções, por exemplo: existem grupos de células especializadas na digestão dos
alimentos e absorção dos nutrientes, que juntas formam o sistema gastrintestinal; os grupos de
células especializadas na captação do oxigênio (O2) e eliminação do gás carbônico (CO2) formam o
sistema respiratório; grupos de células responsáveis pela remoção dos detritos formam o sistema
renal; as células encarregadas da distribuição dos nutrientes, O2 e produtos do metabolismo formam o
sistema cardiovascular; os grupos de células envolvidas na perpetuação da espécie formam o sistema
reprodutor; e por fim, os grupos celulares envolvidos com a coordenação, integração e o funcionamento
de todos os sistemas formam os sistemas nervoso e endócrino.

Para que funcionem adequadamente as células que compõem os tecidos de todos os animais
multicelulares, a composição intracelular de íons, água (H2O), diversas outras substâncias e o valor do
pH precisam ser mantidos dentro de um valor ideal com um limite estreito de variação. Todas as células
são banhadas por um “meio interno”, chamado de líquido extracelular (LEC). É a partir do LEC que as
células captam O2 e nutrientes necessários, e nele descarregam os produtos resultantes do metabolismo
celular, mantendo um ambiente intracelular (líquido intracelular – LIC) constante e ideal para seu
funcionamento apropriado. O LEC fornece todos os elementos essenciais para as células, garantindo
seu funcionamento.

Observação
Em meados do século XIX, o termo “meio interno” (milieu interieur) foi
designado pelo fisiologista francês Claude Bernard. Ele reconheceu que a
manutenção de sua constituição é fundamental à vida.

A água é o componente mais importante do meio interno. O LIC e o LEC juntos correspondem à água
corporal total (ACT), que constitui, aproximadamente, 60% do peso corporal; a variabilidade desse
valor entre as pessoas depende da idade e da quantidade de tecido adiposo. O LIC representa cerca de
40% da ACT, o LEC representa cerca de 20% (GANONG, 2006; KOEPPEN; STANTON, 2009).

9
Unidade I

O LEC é dividido em dois compartimentos: o líquido intersticial e o plasma sanguíneo circulante.


O líquido intersticial é a parte do LEC que se situa fora do sistema vascular (vasos), banhando as células
dos diversos tecidos do corpo e corresponde a três quartos do volume total do LEC, já o plasma sanguíneo
representa o quarto restante do LEC e preenche o sistema vascular banhando os elementos celulares do
sangue (eritrócitos e leucócitos). A composição do plasma e do líquido intersticial é semelhante, pois
são separados apenas pelo endotélio capilar, uma barreira livremente permeável aos íons e moléculas
pequenas. A principal diferença entre o líquido intersticial e o plasma é o fato do plasma conter
quantidade significativamente maior de proteínas. A capacidade do organismo de manter constantes
o volume e a composição do LIC e LEC constitui um processo complexo que envolve todos os sistemas
orgânicos do organismo (GANONG, 2006; KOEPPEN; STANTON, 2009).

1.2 Controle do meio interno e homeostase

O termo “homeostase” significa estado de equilíbrio, designado pelo fisiologista Walter Cannon (1871–1945),
e refere‑se ao estado de equilíbrio do meio interno, que é um pré‑requisito para o funcionamento adequado dos
fenômenos fisiológicos. Pequenas alterações do meio interno desencadeiam mecanismos homeostáticos que
visam reestabelecer o estado de equilíbrio, conservando a estabilidade do meio interno (DOUGLAS, 2006).

Para que os sistemas orgânicos possam funcionar adequadamente, existe um ponto de ajuste, ou
seja, um valor determinado que garante o bom funcionamento do sistema. Quase todas as substâncias
do organismo, cujas concentrações ou quantidades devem ser mantidas dentro de limites estreitos,
têm um ponto de ajuste, existem mecanismos que monitoram desvios a partir de tal ponto e, então,
mecanismos homeostáticos são recrutados para reestabelecer as quantidades ou concentrações dessas
substâncias no organismo, ou seja, mantê‑las no estado estável balanceado (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Como exemplo, considere a manutenção da quantidade de água em seres humanos. A cada dia, nós
ingerimos volumes diversos de líquido e água, além disso, a água também é produzida pelo metabolismo
celular. Nota‑se que a quantidade de água adicionada ao organismo a cada dia não é constante, embora
possa ser regulada pelo mecanismo que provoca a sede. Além disso, perdemos água por respiração,
suor e fezes; e a quantidade de água perdida por essas vias também não é constante, dependendo de
fatores, como frequência respiratória, temperatura ambiental, atividade física e a presença ou ausência
de diarreia. O corpo mantém o equilíbrio da quantidade de água, assegurando‑se de que o volume de
água adicionada ao organismo a cada dia seja precisamente balanceada pelo volume de água perdida,
mantendo um estado constante de quantidade de água no organismo (KOEPPEN; STANTON, 2009).

O monitoramento da quantidade de água no organismo se dá por meio das variações da osmolaridade


do LEC.

Observação

A osmolaridade é o número de osmoles por litro da solução (por exemplo,


plasma). A osmolaridade é afetada pelo volume dos diversos solutos em
solução e, também, pela temperatura.
10
FISIOLOGIA GERAL

Por um lado, quando ingerimos grande quantidade de água, a osmolaridade do LEC diminui; por
outro, quando perdemos água em excesso, a osmolaridade aumenta. Algumas células do nosso cérebro,
mais precisamente na região do hipotálamo, monitoram as variações da osmolaridade e quando
ocorrem desvios a partir do ponto de ajuste, são ativados mecanismos neurais e hormonais (mecanismos
homeostáticos) que irão regular as osmolaridade do LEC. Por exemplo, quando a osmolaridade do LEC
aumenta (houve perda de água em excesso), as células do hipotálamo detectam esse aumento e mandam
sinais neurais para outra região do hipotálamo, que desencadeia a sensação de sede. Ao mesmo tempo,
a hipófise posterior – localizada abaixo do hipotálamo – secreta o hormônio antidiurético (ADH), que
atua nos rins reduzindo a perda de água por meio da urina. Assim, a ingestão de água é aumentada ao
mesmo tempo em que se reduz sua perda no organismo e, consequentemente, a osmolaridade do LEC
retorna ao ponto de ajuste. Quando a osmolaridade do LEC diminui, o comportamento de sede é inibido,
assim como a secreção de ADH, resultando na redução da ingesta de água e o aumento de sua excreção
pelos rins. Novamente, essas ações fazem com que a osmolaridade do LEC retorne ao ponto de ajuste
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

Saiba mais

Para ampliar as inter‑relações entre os conteúdos da unidade, leia os


artigos a seguir:

BRITO, I; HADDAD, H. A formulação do conceito de homeostase por


Walter Cannon. Filosofia e História da Biologia, v. 12, n. 1, p. 99-113, 2017.
Disponível em: <http://www.abfhib.org/FHB/FHB-12-1/FHB-12-01-06-
Ivana-Brito_Hamilton-Haddad.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2019.

NAVES, L. A. et al. Distúrbios na secreção e ação do hormônio


antidiurético. Arq. Bras. Endocrinol. Metab., v. 47, n. 4, p. 467‑481, ago.
2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/abem/v47n4/a19v47n4>.
Acesso em: 13 maio 2015.

1.3 Transporte de substâncias por meio da membrana celular

Uma característica comum a todos os sistemas biológicos – sejam eles seres procariotos
ou eucariotos, unicelulares ou pluricelulares – é a presença de uma membrana que define os
limites do que é a célula, separando‑a do meio interno (o ambiente em que ela se encontra). Essa
membrana é chamada de membrana celular ou membrana plasmática. Ela delimita a célula,
podendo ser compreendida como uma fronteira que separa o LIC do LEC e funciona como uma
barreira seletiva para a passagem de substâncias entre o interior e o exterior da célula (CURI;
PROCOPIO, 2009).

A membrana plasmática funciona como uma barreira seletiva para o transporte de substâncias entre
o citoplasma e o meio extracelular, no caso de organismos pluricelulares também é uma região de troca

11
Unidade I

de informações entre células. Essas funções da membrana estão relacionadas à sua composição química
e como esses componentes distribuem‑se (CURI; PROCOPIO, 2009). Antes de estudarmos de fato o
tópico transporte de substâncias por meio da membrana celular, discutiremos a composição química
das membranas biológicas.

2 SISTEMA CARDIOVASCULAR

O sistema cardiovascular tem a função primordial de transportar e distribuir nutrientes e oxigênio


para os tecidos, bem como remover os produtos oriundos do metabolismo celular. Para cumprir essa
função, o sistema dispõe de uma bomba, uma série de tubos para distribuição (artérias) e coleta
(veias), e uma rede de vasos finos que permitem trocas rápidas entre os tecidos e o sistema de vasos
(microcirculação) (CURI; PROCOPIO, 2009).

O coração representa, no sistema cardiovascular, a bomba propulsora de sangue que flui dentro
deste compartimento. A circulação do sangue ocorre pela geração de diferença de pressões entre dois
ou mais pontos do sistema cardiovascular, a estrutura responsável por gerar esse gradiente de pressões
é o coração (DOUGLAS,2006).

Miocárdio Pericárdio
(músculo cardíaco)

Figura 1 – Coração: no detalhe, o músculo cardíaco (miocárdio)


e a membrana que reveste o coração externamente (pericárdio)

O coração é uma bomba, porque é formado pelo miocárdio (músculo cardíaco). Trata‑se de um
músculo estriado devido à organização molecular de suas proteínas contráteis. O coração é dividido em
quatro cavidades (ou câmaras cardíacas): átrio direito, átrio esquerdo, ventrículo direito e ventrículo
esquerdo. Os átrios direito e esquerdo são separados entre si pelo septo interatrial, assim como os
ventrículos direito e esquerdo estão separados entre si pelo septo interventricular. Dessas quatro
câmaras cardíacas, os ventrículos são fundamentais como bombas propulsoras do fluxo de sangue, e sua
massa muscular é muito maior que a dos átrios. Os átrios, como o nome indica, representam realmente
os vestíbulos dos ventrículos que, de fato, constituem o coração propriamente dito. Contudo, o átrio
desempenha outra função, além de agir como vestíbulo da função ventricular: é a de atuar como ponto
de geração dos impulsos que excitam o coração a contrair‑se.
12
FISIOLOGIA GERAL

As paredes internas das cavidades cardíacas são recobertas por uma fina membrana endotelial – o
endocárdio –, formando conjuntos de pregas nos orifícios: as válvulas cardíacas, que desempenham
uma função orientadora do fluxo sanguíneo, dentro do coração, e sua participação é exclusivamente
passiva, uma vez que se abrem ou fecham de acordo com as mudanças de pressão a cada lado da válvula
(DOUGLAS, 2006).

As válvulas que separam os átrios dos ventrículos são chamadas atrioventriculares. A válvula
atrioventricular, que separa o átrio direito do ventrículo direito, é chamada válvula tricúspide, e a válvula
atrioventricular, que separa o átrio esquerdo do ventrículo esquerdo, é denominada válvula bicúspide ou mitral.
Elas se abrem no sentido átrio‑ventrículo e fecham‑se no sentido ventrículo‑átrio. As válvulas arteriais,
também chamadas semilunares, localizam‑se entre os ventrículos e as artérias. A válvula pulmonar separa
o ventrículo direito da artéria pulmonar, que leva o sangue venoso (pobre em oxigênio) até os pulmões. A
válvula aórtica separa o ventrículo esquerdo da artéria aorta, que leva o sangue arterial (rico em oxigênio)
para o restante do corpo. O sangue possui um trajeto unidirecional, tanto ao passar pelo coração como pelos
vasos sanguíneos. No coração, o fluxo é direcionado pela presença de válvulas entre os átrios e os ventrículos
e entre os ventrículos e as grandes artérias (DOUGLAS, 2006; CURI; PROCOPIO, 2009).

Crossa da aorta
Veia cava superior
Artéria pulmonar

Valva semilunar
Valva semilunar fechada

Átrio direito Veias pulmonares

Valva tricúspide Átrio esquerdo

Valva bicúspide
Ventrículo esquerdo
Ventrículo direito
Cone muscular cardíaco Endocárdio

Miocárdio
Veia cava inferior
Pericárdio
Septo interventricular

Figura 2 – Cavidades e válvulas cardíacas

Envolvendo o miocárdio, o coração possui um sistema de membranas denominado pericárdio,


que, além de proteger o coração, tem um papel amortecedor dos movimentos, evitando o atrito do
miocárdio com outras estruturas do mediastino. O pericárdio possui duas folhas, a visceral e a parietal,
que deslizam entre si pela existência de uma tênue camada de líquido pericárdico (fluido transcelular)
(DOUGLAS, 2006).

13
Unidade I

Lembrete

O mediastino é a região em que o coração se localiza na cavidade torácica.

2.1 Circulação do sangue (circulação pulmonar e sistêmica)

A contração global do coração é denominada sístole e o relaxamento do miocárdio, diástole. Toda


vez que o coração contrai, o sangue é propulsionado por meio do sistema de vasos sanguíneos espalhados
por todo o corpo. Esse sistema de vasos pode ser dividido em dois grandes circuitos: circulação sistêmica
e circulação pulmonar (DOUGLAS, 2006; CURI; PROCOPIO, 2009).

O sangue venoso retorna ao coração por meio das duas grandes veias cavas (superior e inferior),
que desembocam no átrio direito. A partir dessa câmara, o sangue passa ao ventrículo direito por meio
da abertura da válvula tricúspide. A pequena circulação, ou circulação pulmonar, inicia‑se com a
ejeção do sangue venoso contido no ventrículo direito para a artéria pulmonar por meio da abertura da
válvula pulmonar, que, por sua vez, divide‑se nas artérias pulmonares direita e esquerda, distribuindo
o sangue venoso para os pulmões direito e esquerdo, para ser oxigenado. Ao chegar aos pulmões, o
sangue é oxigenado em um processo denominado hematose (processo de troca gasosa nos alvéolos
pulmonares). Após ser oxigenado, o sangue arterial retorna ao átrio esquerdo do coração por meio das
quatro veias pulmonares, finalizando assim a circulação pulmonar.

É importante ressaltar que, nas artérias, normalmente circula sangue arterial (rico em oxigênio)
e, nas veias, sangue venoso (pobre em oxigênio). Entretanto, na circulação pulmonar, acontece o
contrário, ou seja, nas artérias pulmonares, circula sangue venoso e, nas veias pulmonares, arterial
(CURI; PROCOPIO, 2009).

O sangue arterial que está contido no átrio esquerdo passa ao ventrículo esquerdo por meio
da abertura da válvula mitral (bicúspide). Após o aumento da pressão nessa câmara, o sangue é
bombeado para a artéria aorta por via da válvula aórtica, dando início à grande circulação ou
circulação sistêmica. Da artéria aorta, o sangue é distribuído para todos os tecidos (com exceção dos
pulmões). A partir da artéria aorta, os vasos vão tornando‑se cada vez menos calibrosos à medida que
se aproximam da intimidade dos tecidos, em que formam uma extensa rede de capilares sanguíneos.
É neste último segmento vascular que ocorrem as trocas de nutrientes e gases entre o sangue e
os tecidos. Uma vez que os nutrientes e o oxigênio são difundidos para os tecidos e os produtos
do metabolismo celular, como o dióxido de carbono (CO2), são recolhidos pelos capilares, o sangue
torna‑se venoso. Esses delicados vasos formam as vênulas que se unem, dando origem a vasos cada
vez mais calibrosos. Por fim, são formadas duas grandes veias: a veia cava superior e veia cava
inferior, que conduzem o sangue venoso de volta ao coração (átrio direito), encerrando, desta feita,
o trajeto da grande circulação.

14
FISIOLOGIA GERAL

Circulação pulmonar

Pulmão

Veia
pulmonar

Artéria pulmonar
Circulação sistêmica

Aorta
Átrio
esquerdo
Átrio direito
Ventrículo
Ventrículo esquerdo
direito
Coração

Vasos
capilares

Sangue + oxigênio (O2)

Sangue + CO2

Figura 3 – Circulações sistêmica e pulmonar

Acabamos de ver que, por meio da pequena circulação, o dióxido de carbono (CO2) produzido pelo
metabolismo celular é retirado do sangue venoso e, ao mesmo tempo, as hemácias do sangue são
saturadas com oxigênio por meio da hematose. Durante o trajeto do sangue pela circulação sistêmica,
ele passa por vários territórios, nos quais são adicionadas ou retiradas várias substâncias do sangue.
Assim, ao passar pelos intestinos, os produtos da digestão são reabsorvidos; enquanto atravessam
os órgãos hematopoiéticos, novas células sanguíneas são repostas, em um processo de contínua
renovação dos elementos figurados do sangue; e, transcorrendo pelas glândulas endócrinas, o sangue
recolhe os produtos dessas glândulas e leva‑os aos diferentes órgãos‑alvo. Por outro lado, durante
sua passagem pelos rins, os metabólitos gerados pelas células são eliminados na forma de urina e,
em seu decurso pelo baço, as células sanguíneas debilitadas são removidas. Finalmente, é por meio
da circulação sistêmica que todas as células do organismo são supridas de elementos necessários
para que exerçam suas funções, além de recolher os produtos tóxicos produzidos pelo seu próprio
funcionamento (CURI; PROCOPIO, 2009).

15
Unidade I

2.2 Ciclo cardíaco

As válvulas cardíacas são fundamentais para o funcionamento do coração como uma bomba. Tanto
as válvulas atrioventriculares (tricúspide e mitral) quanto as semilunares (pulmonar e aórtica) são
retificadoras, ou seja, permitem o fluxo de sangue em uma só direção. Quando as válvulas tricúspide e
mitral estão abertas, o sangue irá fluir para o interior dos ventrículos, que se encontrarão em diástole
(relaxados); no entanto, quando as válvulas pulmonar e aórtica estão abertas, o sangue fluirá dos
ventrículos direito e esquerdo, que se encontrarão em sístole (contraídos), para os pulmões e o restante
do corpo, respectivamente.

É importante notar que o controle de abertura e fechamento das válvulas se dá por diferenças de
pressão no interior das câmaras cardíacas, não havendo outro mecanismo envolvido. Acreditava‑se que os
músculos papilares tinham algum papel na abertura das válvulas atrioventriculares; hoje se sabe que a
contração desses músculos tem a função de impedir a eversão das cúspides, evitando, assim, que a válvula
como um todo projete‑se para o interior dos átrios com a força da sístole.

Uma válvula que não se feche ou abra no momento adequado compromete o ciclo cardíaco inteiro.
Se a válvula mitral não se abre na diástole, compromete o enchimento do ventrículo esquerdo; se não se
fecha durante a sístole, permite que o sangue ejetado pelo ventrículo esquerdo retorne ao átrio esquerdo,
podendo adentrar os pulmões, causando a hipertensão pulmonar. No caso da válvula aórtica, se ela não se
fecha adequadamente, o sangue reflui durante a diástole; se não se abre na sístole, o coração tem de fazer
mais força para movimentar o sangue e acaba hipertrofiando‑se (CURI; PROCOPIO, 2009).

O coração, como bomba, funciona a dois tempos:

• esvaziamento durante a contração: sístole;

• enchimento durante o relaxamento: diástole.

Tanto a sístole quanto a diástole podem ser divididas em diferentes fases, ao longo do tempo, de
acordo com o comportamento dos ventrículos e das válvulas submetidas às pressões que eles geram
durante sua atividade cíclica. Esses eventos determinam o ciclo cardíaco (CURI; PROCOPIO, 2009).

O primeiro evento que ocorre na sístole é a contração isovolumétrica. A contração, ou seja,


o encurtamento das fibras musculares cardíacas já começou, mas a pressão exercida por essa
atividade não é suficiente para abrir as válvulas aórtica e pulmonar. As válvulas mitral e tricúspide
permanecem fechadas, o volume no interior dos ventrículos não varia, por isso, é chamada
contração isovolumétrica. A pressão, no entanto, eleva‑se rapidamente e isso forçará, finalmente,
a abertura das válvulas aórtica e pulmonar. O segundo evento que ocorre na sístole é ejeção
ventricular máxima. Quando se abrem as válvulas aórtica e pulmonar, começa a ejeção de sangue
para a grande e a pequena circulação em ritmo bastante acentuado. O terceiro evento é a ejeção
ventricular reduzida: o fluxo de sangue continua em direção às artérias, mas não com as mesmas
velocidade e intensidade de antes. A pressão no interior dos ventrículos cai de modo progressivo,
eventualmente chegando a valores abaixo da pressão da aorta. No entanto, o fluxo permanecerá
16
FISIOLOGIA GERAL

graças à energia cinética da massa de sangue ejetada. A esse fenômeno, dá‑se o nome de inertância.
Em seguida, fecham‑se as válvulas aórtica e pulmonar.

O primeiro evento da diástole é o relaxamento isovolumétrico. Nessa fase, os ventrículos


relaxam‑se progressivamente, com todas as válvulas fechadas, o volume em seu interior não varia, mas
a pressão vai caindo, a atingir valores próximos de zero. O segundo evento é o enchimento diastólico
rápido; nesta fase, as válvulas atrioventriculares abrem‑se e o sangue flui rapidamente para dentro dos
ventrículos, a pressão eleva‑se no interior deles, mas em nível bastante baixo. Em seguida, o terceiro
evento consiste no enchimento diastólico lento, o sangue que já flui para os ventrículos aumenta
ligeiramente a pressão no interior destes e, portanto, o enchimento torna‑se mais lento. O quarto
evento diastólico é a contração atrial. Em um último esforço, os átrios contraem‑se, terminando
por completar o enchimento ventricular antes da próxima sístole, que se irá iniciar pela contração
isovolumétrica (CURI; PROCOPIO, 2009).
A B
1. Diástole 2. Sístole auricular (contração da aurícula)
Válvulas Válvulas
fechadas fechadas
Entrada (dos vasos) (dos vasos)
de sangue Entrada
de sangue

Nónó
SASA Válvulas
Nó abertas
AV

Válvulas
abertas

C 3. Sístole ventricular (contração dos ventrículos)


Válvulas
abertas
Válvula
fechada
Válvula
fechada

Contração

Contração

Figura 4 – Ciclo cardíaco

17
Unidade I

2.2.1 Bulhas cardíacas

As bulhas cardíacas são os sons produzidos pela atividade cardíaca. Quando se contraem, os
ventrículos produzem sons característicos, vibrados essencialmente pelo fechamento das válvulas
atrioventriculares e semilunares. O primeiro som cardíaco é chamado “primeira bulha cardíaca”,
ele coincide com o início da sístole e é representado pelo fechamento das válvulas tricúspide e
mitral. O segundo som cardíaco é a “segunda bulha cardíaca”, ele coincide com o início da diástole
e representa o fechamento das válvulas pulmonar e aórtica. Por se situarem estrategicamente
ao início da sístole e ao início da diástole, o som produzido pelo fechamento das válvulas pode
fornecer informações importantes acerca do funcionamento do coração. Todos os sons anormais
emitidos entre a primeira e segunda bulha cardíaca são causados por fenômenos disparados
durante a sístole, já todos os sons anormais produzidos entre a segunda e a primeira bulha cardíaca
são causados por fenômenos que ocorrem durante a diástole. A detecção dos sons cardíacos faz
parte do exame clínico cardiológico e muitas patologias cardíacas podem ser diagnosticadas pela
ausculta do coração (CURI; PROCOPIO, 2009).

2.3 Débito cardíaco

Chamamos débito cardíaco (DC) ou volume cardíaco minuto (VCM) o volume de sangue que o
coração bombeia em um dado intervalo de tempo na pequena ou na grande circulação. É comumente
expresso em litros por minuto (l/min). Podemos definir DC como o volume ejetado pelo coração (dos
ventrículos esquerdo e direito), em um intervalo de tempo; no caso, um minuto.

Para calcularmos o DC, antes, precisamos saber qual é o volume ejetado pelo coração, e a esse
parâmetro damos o nome de volume sistólico (VS). Portanto, o VS é o volume de sangue ejetado em
cada batimento cardíaco, ou seja, a cada sístole. É necessário saber também a quantidade de vezes que
o coração bate em um minuto – esta segunda variável é definida como frequência cardíaca (FC).
Podemos assumir, então, o DC como o volume de sangue ejetado pelo coração em cada sístole (VS) pela
quantidade de batimentos cardíacos em um minuto (FC). A partir disso, chega‑se à seguinte equação
(CURI; PROCOPIO, 2009):

DC = FC x VS

Um homem adulto em repouso, com cerca de 70 kg, possui um VS de aproximadamente 80 ml, e, se


sua FC for de 65 batimentos por minuto (bpm), o DC será de 5.200 ml/min – valor este representativo da
média da população, embora se deva levar em conta, também, outros fatores, como sexo, peso e altura.
A equação mostra que o DC é diretamente proporcional à FC e ao VS. Se o VS for mantido constante, o
DC é uma função linear da FC. No exercício físico, quando a demanda por oxigênio pelo organismo está
exacerbada, o DC pode aumentar de 4 a 5 vezes, graças ao aumento de ambos, FC e VS, mediado pela
ativação do sistema nervoso simpático.

É importante definir e considerar também o conceito de retorno venoso (RV). Trata‑se ele do
fluxo de sangue que retorna ao coração e entra na câmara ventricular. O retorno venoso influencia
diretamente o volume sistólico e, consequentemente, o débito cardíaco. Dentro de determinados limites,
18
FISIOLOGIA GERAL

o coração transfere o que recebe pelo RV em DC. Isso quer dizer que, se mais sangue retornar ao coração,
em um dado intervalo de tempo, causando maior enchimento do ventrículo durante a diástole e, por
conseguinte, aumento da pré‑carga, o mecanismo de Frank‑Starling, pelo maior estiramento das fibras
do músculo cardíaco, garantirá um volume sistólico (VS) maior na sístole seguinte. Portanto, se houver
aumento no RV, também o haverá no VS (CURI; PROCOPIO, 2009).

Observação

A lei de Frank‑Starling assim determina: “Quanto maior o estiramento


de uma fibra muscular, maior será sua força de contração” (STARLING,
1920).

Devemos considerar também que as variações da frequência cardíaca não significam necessariamente
variações do débito cardíaco. Uma leitura desatenta da equação

DC = FC x VS

levar‑nos‑ia a crer que, aumentando a FC, testemunharíamos sistematicamente o aumento do DC.


É um engano. Para isso ser verdadeiro, seria necessário que o VS permanecesse constante. Uma simples
elevação da FC, pelo uso de marca‑passo, por exemplo, não aumenta o DC, pelo simples motivo de que,
ao aumentarmos a frequência, estaremos diminuindo concomitantemente o enchimento diastólico e,
consequentemente, diminuindo o VS. Se a frequência é excessivamente elevada, a diástole torna‑se
muito curta e o enchimento cardíaco fica muito comprometido.

No homem, uma alteração na FC pode ou não alterar o DC. Isso dependerá do VS e, como já discutimos,
do retorno venoso. Uma situação em que o DC é afetado pela FC é o exercício físico. Variações importantes
do DC são conquistadas com a variação da FC, enquanto o VS permanece constante. O DC pode chegar a
valores de 21 l/min, e o trabalho cardíaco quase quadruplica seu valor, permanecendo o VS em 120 ml. É a
frequência da ordem de 175 bpm que garante esse débito. Nesses casos, é bom lembrar que a duração da
diástole pode ser reduzida em cinco vezes, e a sístole mal chega a uma redução pela metade. Em exercícios
cardíacos muito intensos, nos quais o DC chega a 40 l/min, há a necessidade de aumento também do VS,
porque mesmo frequências da ordem de 200 bpm não conseguem dar conta desse valor de débito.

A FC pode ser verificada pelos batimentos de veias no pescoço, mas, normalmente, a palpação
do pulso é uma das primeiras fontes de informação da ação cardíaca. Por estar sincronizado com o
ciclo cardíaco (embora defasado), o pulso periférico permite‑nos saber a frequência cardíaca (CURI;
PROCOPIO, 2009).

2.4 Automatismo cardíaco

As contrações rítmicas e coordenadas das câmaras cardíacas produzem o fluxo sanguíneo que supre
os órgãos do corpo com nutrientes e oxigênio. Essas contrações são ativadas por impulsos elétricos
gerados espontaneamente por células marca‑passo, localizadas no átrio direito, mais precisamente no nó
19
Unidade I

sinoatrial (NSA). Os impulsos elétricos gerados no NSA são transmitidos sequencialmente ao miocárdio
atrial, ou seja, espalham‑se pelo átrio. Em seguida, o impulso elétrico chega ao nó atrioventricular,
localizado entre os átrios e os ventrículos, sofrendo um pequeno retardo. Ao chegar ao feixe de His,
o impulso elétrico desce entre os ventrículos direito e esquerdo, e espalha‑se completamente pelo
miocárdio ventricular por meio das fibras de Purkinje. A origem e propagação dos impulsos elétricos
pelas células cardíacas dependem da existência de gradientes iônicos por meio da membrana plasmática
e de mudanças transitórias rápidas na permeabilidade da membrana, que permitam fluxos de íons de
acordo com seus gradientes eletroquímicos (CURI; PROCOPIO, 2009).
Nó sinoatrial
(marcapasso) Átrio esquerdo

Átrio direito

Septo
interatrial

Feixe de His
Nó (fascículo
atrioventricular átrioventricular)
Ventrículo
direito
Ventrículo
Septo esquerdo
interventricular

Rede de Purkinje
(miócito condutor
cardíaco)

Figura 5 – Automatismo cardíaco: podemos observar o sistema de excito‑condução,


formado pelo nó sinoatrial, nó atrioventricular, feixe de His e as fibras de Purkinje

2.5 Potencial de ação cardíaco

As células musculares cardíacas são células excitáveis e, assim como sucede a outras células excitáveis,
o citoplasma é eletricamente negativo em relação ao meio extracelular. Por essa razão, a inserção
de um eletródio no citoplasma detecta uma diferença de potencial elétrico por meio da membrana,
comumente denominado potencial de membrana. O potencial de membranas das células cardíacas
(atriais e ventriculares) em repouso é de aproximadamente ‑80 mV. Como já abordado anteriormente, no
capítulo em que estudamos o sistema nervoso, o potencial de membrana em repouso é determinado
basicamente pela existência de gradientes de concentração de íons por meio da membrana plasmática,
que é determinada basicamente por dois fatores:

• em repouso, a membrana plasmática apresenta maior permeabilidade ao potássio (K+) do que a


outros íons;
20
FISIOLOGIA GERAL

• e a presença da bomba de sódio e potássio (Na+‑K+‑ATPase) garante que a concentração de potássio


(K+) seja maior dentro da célula e a concentração de sódio (Na+) maior no meio extracelular.

Além disso, a bomba de cálcio (Ca2+‑ATPase) e o trocador Na+‑Ca2+ mantêm o gradiente de


concentração de cálcio (Ca2+) maior no meio extracelular.

Quando o cardiomiócito é estimulado por uma onda despolarizante e o potencial da membrana


é rapidamente deslocado até um ponto crítico, chamado “potencial limiar”, ocorre então um evento
transitório chamado “potencial de ação”. Os impulsos elétricos gerados no NSA e transmitidos pelo
miocárdio atrial e ventricular são potenciais de ação que se propagam pela membrana celular,
passando de célula a célula. Diferentemente dos potenciais de ação dos axônios e das fibras musculares
esqueléticas, os potenciais de ação cardíacos possuem duração muito longa, de até 500 ms, o que
consequentemente limita a frequência máxima de ativação cardíaca. Frequências cardíacas muito altas
são indesejáveis, pois reduzem o tempo de enchimento ventricular durante a diástole, comprometendo,
assim, a eficiência da bomba cardíaca.

No coração, os potenciais de ação diferem em forma e duração de uma região para outra. Podem ser
classificados como rápidos ou lentos, de acordo com a velocidade da fase ascendente de despolarização,
na transição entre o potencial limiar e o pico. Os rápidos efetivam‑se nas células musculares atriais e
ventriculares, bem como nas células do sistema de condução feixe de Hiss e fibras Purkinje; já os lentos,
nas células nodais do NSA e do NAV.

As células cardíacas que tipicamente apresentam potenciais de ação rápidos têm em


comum o potencial de repouso ou potencial diastólico máximo mais hiperpolarizado (em torno
de ‑80 a ‑90 mV) e, quando ativadas, despolarizam rapidamente, em uma faixa de 200 a 800 V/s,
até atingir o pico do potencial de ação. Essa alta taxa de despolarização está associada a uma
propagação mais rápida do potencial de ação, já o potencial de ação lento está associado à
automaticidade das células marca‑passo do NSA e à baixa velocidade de propagação do impulso
elétrico nas células do NAV. Essas células não apresentam um potencial de repouso estável, mas,
sim, uma lenta e gradual despolarização diastólica, o potencial marca‑passo que, ao atingir o
potencial limiar, dispara um potencial de ação, cuja fase de despolarização, de ascensão ao pico,
é bastante lenta.

A base iônica do potencial de ação reside nas correntes elétricas que fluem por meio da membrana
plasmática, e cujas características dependem das propriedades biofísicas de canais iônicos, tais como:
seletividade iônica, condutância, dependência de voltagem e cinética de abertura e fechamento.
Os canais iônicos são a base molecular dos processos de gênese e condução da atividade elétrica
da membrana celular. Eles são proteínas integrais de membrana, inseridas na bicamada lipídica,
formando poros seletivos aos íons específicos. O poro do canal pode abrir ou fechar em resposta a
determinados estímulos. Os canais que abrem em resposta a mudanças no potencial de membrana
são chamados canais dependentes de voltagem. Quando os canais iônicos abrem, íons seletivos
podem fluir passivamente por meio do poro, de um lado para o outro da membrana, de acordo com
seus gradientes eletroquímicos, gerando correntes iônicas que irão mudar o potencial da membrana
(CURI; PROCOPIO, 2009).
21
Unidade I

A despolarização inicial do potencial de ação rápido é produzida por um influxo (entrada) de


íons de Na+ na célula por meio de canais de Na+ dependentes de voltagem. Isto ocorre quando
o potencial de membrana em repouso é subitamente alterado, por correntes provenientes de um
estímulo externo ou de uma célula adjacente, para um valor limiar de aproximadamente ‑65 mV,
abrindo canais Na+ suficientes para gerar uma corrente de influxo de Na+ que irá despolarizar ainda
mais a membrana, levando à abertura de mais canais de Na+. O influxo de Na+ deveria cessar quando
o potencial de membrana atingisse o potencial de equilíbrio deste íon, entretanto os canais de Na+
inativam‑se antes que o equilíbrio seja alcançado, este é um processo dependente de voltagem e de
tempo. Os canais de Na+ só serão reabertos após a membrana ser repolarizada até seu potencial de
repouso (CURI; PROCOPIO, 2009).

Após despolarização e ascensão até o pico do potencial de ação, ocorre um breve período de
repolarização. Essa repolarização é originada devido à ativação de uma corrente transitória de efluxo
(saída) de K+, que é ativada e inativada muito rapidamente. Em seguida, ocorre o platô de longa‑duração
causado essencialmente pelo influxo de Ca2+ através de canais de Ca2+ tipo L, que sustenta a despolarização
da membrana contra a ação repolarizante das correntes de efluxo de K+, cujos canais iniciam a lenta
ativação nesta fase e atingem máxima condutância na etapa seguinte. A repolarização da célula se dá
com a inativação dos canais de Ca2+ e a ativação máxima dos canais de K+ que leva ao efluxo deste íon e
gera correntes repolarizantes que deslocam o potencial de membrana de volta ao potencial de repouso.
1

2
0

K+ K–
K–
Saída

Entrada
Ca
2+

Na+

Figura 6 – Potencial de ação na célula muscular cardíaca

Diferentemente do que foi descrito anteriormente, a despolarização inicial do potencial de ação


lento das células do NSA e NAV ocorre por um influxo de Ca2+, através de canais de Ca2+ tipo L. Estes
canais têm cinéticas de ativação e inativação mais lentas que os canais de Na+, o que explica a lenta
despolarização inicial neste tipo de potencial de ação. Após atingir o pico, essas células já entram em
repolarização sem passar pelo platô. A repolarização ocorre pelo efluxo de K+ através dos canais de
K+ retificadores de efluxo retardados, que são ativados pela despolarização. Quando o potencial de
22
FISIOLOGIA GERAL

membrana se torna hiperpolarizado, um canal de Na+ é aberto, gerando uma corrente de influxo de Na+
que despolariza lentamente a membrana. Quando a despolarização induzida por esse influxo Na+ atinge
potenciais de aproximadamente ‑50 mV, ocorre ativação dos canais de Ca2+ gerando um influxo de Ca2+,
que resultará um próximo potencial de ação (CURI; PROCOPIO, 2009).

2.6 Ritmicidade cardíaca e o sistema de condução

Em condições normais, o estímulo para a ativação elétrica das câmaras cardíacas origina‑se no
NSA, sendo este considerado o marca‑passo cardíaco. As células do marca‑passo têm a capacidade de
iniciar um potencial de ação na ausência de qualquer estímulo externo. Essa propriedade é denominada
automatismo e está presente nas células do NSA, NAV, feixe de His e fibras de Purkinje. Portanto, além
das células do NSA, as células desses outros locais do eixo de excito‑condução são potencialmente
marca‑passos cardíacos. Essas células não apresentam um potencial de repouso fixo, e sim uma
despolarização basal lenta, causada pelo influxo de Na+ nas células, que, ao atingir um determinado
potencial limiar, desencadeia a despolarização mais rápida, causada pela entrada de Ca2+ nas células e,
em seguida, um potencial de ação.

A frequência de disparos de potenciais de ação pelas células marca‑passo depende da velocidade


da despolarização inicial. As células do NSA conseguem atingir o limiar em menor tempo, portanto
têm maior frequência de disparos. Essa característica confere ao NSA a condição de marca‑passo
dominante, já os outros marca‑passos permanecem latentes. Entretanto, se o NSA falhar, o
marca‑passo latente de frequência intrínseca imediatamente inferior dispara e assume a função
de marca‑passo dominante.

Em condições normais, as células cardíacas estão acopladas eletricamente, de forma que a excitação
de uma única célula resulta na excitação de todas as células do tecido; o miocárdio é considerado
um sincício funcional, pois suas células estão unidas entre si por estruturas chamadas de discos
intercalares. Nesses discos, existem áreas de íntima aposição das membranas das duas células, as
junções comunicantes. As junções comunicantes são canais que comunicam diretamente o citoplasma
das células adjacentes, e são formados por proteínas denominadas conexinas. Esses canais permitem a
condução rápida do potencial de ação entre as células, facilitando o espalhamento da atividade elétrica
pelo miocárdio e o batimento sincronizado do coração. As junções comunicantes são essenciais para a
propagação do potencial de ação cardíaco.

O impulso elétrico formado no NSA, localizado na parede do átrio direito, é transmitido inicialmente
para o átrio direito adjacente e daí para o átrio esquerdo e NAV. No miocárdio atrial, em que o potencial
de ação é do tipo rápido, a velocidade de condução é de 0,8‑1,0 m/s. As câmaras atriais e ventriculares
estão isoladas eletricamente pelo tecido conjuntivo fibroso que separa os átrios e os ventrículos. O impulso
proveniente do NSA para chegar aos ventrículos precisa antes passar pelo NAV. O NAV tem potencial
de ação do tipo lento, com velocidade de condução de 0,02‑0,05 m/s, o que retarda a transmissão do
impulso elétrico dos átrios para os ventrículos. Esse retardo assegura que no momento da contração
atrial os ventrículos estejam relaxados, favorecendo maior enchimento ventricular. Após trafegar
pelo NAV o impulso elétrico atinge o feixe de His, de onde é conduzido para os ventrículos, em alta
velocidade, pelo sistema de condução His‑Purkinje. As células do feixe de His e fibras de Purkinje são
23
Unidade I

especializadas para a condução rápida. Elas têm o diâmetro três vezes maior do que os cardiomiócitos
atriais e ventriculares, menor resistência interna, maior quantidade de junções comunicantes nos discos
intercalares e potenciais de ação do tipo rápido. A velocidade de condução neste sistema é de 1,0‑1,5 m/s
no feixe de His e de 3,0‑3,5 m/s nas fibras de Purkinje.

A atividade elétrica dos ventrículos, ativada por impulsos transmitidos pelas fibras de Purkinje, tem início
no septo e ápice ventricular, depois progride para a base ventricular e em cada região ventricular, progride
do endocárdio para o epicárdio. A velocidade de condução dos potenciais de ação rápidos no miocárdio
é de 0,3‑1,0 m/s. A presença de uma extensa rede de fibras de Purkinje na superfície endocárdica favorece a
sincronia das contrações de ambas as câmaras ventriculares (CURI; PROCOPIO, 2009).

2.7 Eletrocardiograma (ECG)

O ECG é um registro indireto da atividade elétrica do coração, obtido por meio de


eletródios colocados em diferentes pontos da superfície do corpo, em posições já determinadas
por regras convencionadas, denominadas derivações eletrocardiográficas. É uma ferramenta
clínica não invasiva de grande utilidade na detecção e diagnose de irregularidades na condução
elétrica do coração.

Para entender o princípio desse registro, devemos lembrar que a célula cardíaca em repouso tem
a membrana polarizada (superfície interna carregada negativamente em relação à externa). Quando
excitada, a célula cardíaca gera um potencial de ação e o potencial da membrana atinge valores positivos,
havendo inversão local da polaridade da membrana. Portanto, na superfície da célula, haverá separação
de cargas entre a área ativada (local onde está ocorrendo a despolarização) e a área inativa, ainda não
atingida pelo potencial de ação, formando dipolos. Consideram‑se dipolo dois pontos próximos com
cargas elétricas opostas e de mesmo módulo. Um dipolo, em um meio condutor, cria um campo elétrico.
Embora o corpo seja um meio condutor não homogêneo, ele pode conduzir correntes até a superfície da
pele. Portanto, estando o coração imerso no volume condutor do corpo, podemos detectar na superfície
corporal os potenciais gerados por uma série de dipolos que se deslocam na superfície do coração
durante a propagação do potencial de ação. Assim, o ECG registra a variação temporal do potencial
dipolo entre dois pontos na superfície do corpo.

A sequência de ativação cardíaca é iniciada pela onda P, que representa a despolarização do átrio.
Em seguida, há um seguimento isoelétrico denominado PR, que representa o período de condução do
impulso elétrico no NAV, feixe de His e fibras de Purkinje. Como essas estruturas são muito pequenas
em relação à massa dos músculos atrial e ventricular, o campo elétrico gerado pela propagação dos
potenciais de ação nelas não é captado pelos eletródios colocados na superfície corporal, por esse
motivo o segmento PR é isoelétrico. Após o segmento PR, há um conjunto de ondas Q, R e S, denominado
complexo QRS, que representa a despolarização ventricular. Em seguida, ocorre um segundo segmento
isoelétrico chamado ST, que não registra diferença de potencial na superfície corporal, pois todas as
células estão com um mesmo valor de potencial transmembrana. A onda T final representa a repolarização
ventricular. Podemos identificar, ainda, no traçado do ECG, os intervalos PR e QT. O intervalo PR é o
período entre o início da despolarização atrial e o início da despolarização ventricular. O aumento da
duração do intervalo PR pode indicar bloqueio parcial da condução do impulso elétrico no NAV ou feixe
24
FISIOLOGIA GERAL

de His. O intervalo QT é o período entre o início da despolarização ventricular e o final da repolarização


ventricular. A duração do intervalo QT correlaciona‑se à duração do potencial de ação ventricular e é
dependente da frequência cardíaca (CURI; PROCOPIO, 2009).
R
+1 mV

+0,5
voltagem

T
P

0
Q S

–0,5 segmento
segmento intervalo ST
PR QRS

intervalo
PR intervalo QT

tempo

Figura 7 – Eletrocardiograma típico

2.8 Regulação da pressão arterial

A pressão arterial (PA) é uma das variáveis hemodinâmicas de medida mais comum, pois, além de
ser aferida de modo fácil, pode fornecer informações importantes sobre a homeostase cardiovascular. A
pressão arterial, como o próprio nome indica, representa a pressão existente dentro das grandes artérias.
O valor da PA é muito diferente em diversos locais da circulação. Quando medimos a PA de uma pessoa,
em geral, aferimos essa medida no braço, pois a artéria braquial fica, aproximadamente, na altura da raiz
da aorta. Portanto, ao aferirmos a pressão na artéria braquial estamos, na verdade, aferindo a pressão
que o sangue exerce sobre as paredes da artéria aorta torácica. Como ao longo das grandes artérias a
pressão é relativamente constante, a PA medida na artéria braquial passou a ser considerada a medida
padrão da pressão nas grandes artérias (CURI; PROCOPIO, 2009).

A PA é a medida da força exercida pelo sangue contra as paredes das grandes artérias. A pressão
estática, em um vaso de paredes elásticas (como as artérias), aumenta diretamente com o volume de
líquido no interior do vaso, e esse aumento depende das características elásticas da parede. A pressão
dinâmica, em um vaso cilíndrico, depende de outros fatores, dos quais o mais importante é a energia
cinética da massa líquida contida no vaso. Uma massa líquida impulsionada com certa velocidade
tem energia cinética. Ao encontrar uma região de resistência em que a velocidade tende a diminuir,
aumenta‑se a pressão. A quantidade de sangue dentro das artérias depende do fluxo de entrada (débito
cardíaco) e de saída (migração do sangue das artérias de maior calibre para a microcirculação), ou seja,
25
Unidade I

depende do fluxo de sangue que o ventrículo esquerdo ejeta para dentro do sistema arterial e do ritmo
de esvaziamento do sangue dos grandes vasos arteriais para a circulação periférica. O efluxo de sangue
do sistema arterial para a microcirculação depende, em larga escala, da resistência vascular periférica,
a qual se localiza principalmente nas arteríolas.

Como a quantidade de sangue dentro das artérias não é constante, e varia com os fluxos de entrada
e saída do sangue para a microcirculação, a pressão arterial também adquire um caráter pulsátil, isto é,
varia continuamente durante o ciclo cardíaco desde um valor máximo, chamada pressão arterial
sistólica, pois coincide com a sístole ventricular, até um valor mínimo, a pressão arterial diastólica, que
consiste no menor valor da pressão dentro das artérias, fato que ocorre no final da diástole ventricular.

As grandes artérias são vasos essencialmente elásticos, e a complacência das artérias também
influi na capacidade do sistema arterial de acomodar a massa sanguínea ejetada a cada sístole. Como
a complacência vascular sofre pequenas variações ao longo da vida (há uma redução de complacência
com o envelhecimento), os mecanismos que afetam/regulam a pressão arterial, em curto e médio prazo,
são aqueles capazes de modular primordialmente a mecânica de contração. Consequentemente, esses
mecanismos também modulam o débito cardíaco e/ou a resistência vascular periférica, que depende
basicamente das modificações no diâmetro das arteríolas (quanto menor o diâmetro, maior a resistência
imposta ao fluxo e, inversamente, quanto maior o diâmetro, menor a resistência imposta ao fluxo). O principal
papel do sistema circulatório é fazer o sangue chegar a todos os capilares do organismo em quantidade e
pressão suficientes para manter a boa perfusão de todos os tecidos; para que isso ocorra adequadamente,
é necessário que exista uma diferença de pressão entre as grandes artérias e a microcirculação, suficiente
para deslocar o sangue em direção aos tecidos periféricos.

O coração, como bomba circulatória, é capaz, por meio da contração ventricular, de fornecer essa diferença
de pressão para a perfusão adequada dos tecidos. No entanto, a pressão arterial depende do funcionamento
cardíaco, ou seja, do débito sistólico (DS) e da frequência cardíaca (FC), assim como do grau de contração da
musculatura lisa presente nas arteríolas, responsável pelo maior componente da resistência periférica total
(RPT). Dessa forma, podemos representar a PA com a seguinte equação:

PA = (DS x FC) x RPT

A PA pode ser modificada por alterações do DS, FC e RPT. Esses três parâmetros são fatores modulados
tanto por mecanismos neurais como por mecanismos humorais. O controle neural é determinado, em
grande parte, pela ação do sistema nervoso simpático no coração e arteríolas. O controle humoral, por
sua vez, é assegurado por um grande conjunto de substâncias químicas lançadas na corrente sanguínea
(atuam como hormônios) ou por agentes químicos de ação local (parácrinos ou autócrinos). Pode‑se
dizer que o controle neural é mais eficiente para produzir os ajustes rápidos da pressão arterial, isto é,
aqueles que ocorrem a cada momento, como, por exemplo, nas mudanças posturais, no esforço físico
executado no trabalho ou no exercício, bem como no ciclo sono‑vigília. Para a regulação em longo
prazo, tanto os mecanismos neurais como os humorais estão envolvidos (CURI; PROCOPIO, 2009).

26
FISIOLOGIA GERAL

Saiba mais

A fim de propiciar inter‑relações entre os conteúdos da unidade, leia os


artigos a seguir:

JORGE, A. J. L.; et al. Deficiência da Vitamina D e doenças cardiovasculares.


Int. J. Cardiovasc. Sci. v. 3, n. 4, p. 422-432, 2018. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/ijcs/v31n4/pt_2359-4802-ijcs-20180025.pdf>. Acesso
em: 16 abr. 2019.

RIBEIRO, M. P.; LATERZA, M. C. Efeito agudo e crônico do exercício físico


aeróbio na pressão arterial em pré‑hipertensos. Rev. educ. fis. UEM [online].
2014, v. 25, n. 1, p. 143‑152. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/refuem/
v25n1/1983‑3083‑refuem‑25‑01‑00143.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2015.

2.9 Regulação neural da pressão arterial

A regulação neural é feita pelo sistema nervoso autonômico, que atua modulando tanto a frequência
e a força dos batimentos cardíacos no coração quanto a resistência periférica total nos vasos periféricos,
principalmente nas arteríolas. Os sistemas nervosos simpático e parassimpático agem intensamente no
DS, FC e RPT. O papel do parassimpático no controle da PA é mais restrito, pois ele é capaz de controlar
apenas a frequência cardíaca. Os vasos sanguíneos, salvo algumas exceções, como na genitália, são
desprovidos de inervação parassimpática; já o simpático, dada a grande distribuição das suas fibras no
sistema cardiovascular, possui elevada capacidade de ajuste pressórico por ser capaz de modular as três
variáveis diretamente envolvidas na regulação da PA.

O sistema nervoso parassimpático atua no coração por meio das fibras do nervo vago. Os neurônios
pré‑ganglionares vagais localizam‑se no bulbo em dois grandes núcleos:

• o núcleo motor dorsal do vago; e

• o núcleo ambíguo.

Os axônios desses neurônios fazem sinapse com corpos celulares de gânglios situados na parede
do coração, na região dos átrios e em regiões próximas aos nódulos cardíacos, os chamados gânglios
intramurais. As fibras pós‑ganglionares vão inervar, principalmente, o nó sinoatrial, a musculatura atrial
e o nó atrioventricular. A inervação parassimpática direcionada para as fibras cardíacas ventriculares
é bastante escassa. Quando as fibras parassimpáticas são estimuladas, libera‑se a membrana ao K+ e
diminui a condutância ao Ca2+, determinando uma hiperpolarização nas células do NSA, do NAV e da
musculatura atrial. Essa hiperpolarização produz bradicardia, ou seja, diminuição da FC, por aumentar
o tempo de condução do impulso elétrico por meio do NAV e reduzir a força de contração. Portanto,
durante uma descarga vagal, tanto a FC cai quanto diminui o débito cardíaco e, de acordo com a equação
27
Unidade I

da PA, a alteração desses fatores determina a queda da PA. É importante ressaltar que a participação do
nervo vago no controle usual da PA é bastante restrita, somente se dando em situações excepcionais,
como durante a distensão de vísceras abdominais e na ativação de reflexos que ativam a via eferente
vagal (CURI; PROCOPIO, 2009).

O sistema nervoso simpático tem ampla atuação no controle da pressão arterial. Os gânglios
simpáticos, que constituem a cadeia paravertebral do simpático, recebem inervações de neurônios
pré‑ganglionares simpáticos situados na coluna intermédio‑lateral nos segmentos torácico e lombar da
medula espinal. Desses gânglios, axônios de neurônios pós‑ganglionares simpáticos projetam‑se para o
coração e os vasos sanguíneos, nos quais inervam a musculatura lisa das artérias, arteríolas, vênulas e
veias, controlando o tônus desses vasos.

O tônus simpático é dado pela frequência de descarga de potenciais de ação nessas fibras simpáticas.
O grau do tônus, isto é, o nível em que ele é ajustado, determina‑se por uma complexa rede de informações
oriundas de receptores periféricos que monitoram continuamente a PA (barorreceptores), o volume
sanguíneo (receptores de volume nos átrios) e os níveis de O2, CO2 e pH do sangue (quimiorreceptores).
Essas informações são integradas em grupos neuronais do bulbo que, de acordo com as informações
recebidas, aumentam ou diminuem a atividade simpática dirigida para as arteríolas, o que irá ou diminuir
o tônus vasomotor e a resistência periférica. A atividade simpática dirigida para o coração irá influenciar
a FC e a força de contração ventricular, já que uma extensa rede de fibras pós‑ganglionares simpáticas
distribui‑se por todo o coração, incluindo os nódulos e a musculatura atrial e ventricular. Portanto, o
aumento da atividade eferente simpática determina:

• o aumento da frequência cardíaca e da força de contração;

• o aumento do tônus arteriolar e, consequentemente, da resistência vascular periférica; e

• o aumento do tônus nas vênulas, facilitando o retorno venoso e deslocando sangue do lado
venoso, que possui alta capacitância e baixa pressão, para o lado arterial da circulação.

A modulação da atividade simpática exercida pelo sistema nervoso é capaz de ajustar a PA para valores
desejáveis e necessários para as condições do organismo naquele momento (por exemplo, repouso,
atividade física e sono), mediante alteração dos principais componentes que controlam a pressão. Dada
a amplitude dos efeitos simpáticos sobre as variáveis que controlam a pressão arterial, o nível de tônus
simpático passa a ser um componente da mais alta importância para os ajustes pressóricos, tanto de
curto como de longo prazo.

Os neurônios do bulbo que modulam a atividade simpática dirigida para o coração, vasos sanguíneos
e medula da adrenal, e estão localizados no bulbo ventrolateral rostral e no bulbo ventrolateral
caudal. Os núcleos bulbares de regulação simpática recebem uma enorme gama de aferências
provenientes da periferia, aquelas originadas nos barorreceptores, que informam o valor da PA, bem
como de quimiorreceptores que informam a concentração de O2 no sangue arterial, e de regiões mais
altas do sistema nervoso, como do córtex cerebral e hipotálamo. As informações provenientes do
córtex, que fazem sinapse no hipotálamo, são responsáveis pela taquicardia e o aumento da pressão
28
FISIOLOGIA GERAL

arterial durante várias situações comportamentais, incluindo raiva, excitação sexual e atividade física.
Existem, também, aferências provenientes da formação reticular mesencefálica, que determinam
o aumento da atividade simpática na ocorrência de dor, resultando em taquicardia e aumento da
pressão característicos dessa condição (CURI; PROCOPIO, 2009).

Os barorreceptores, ou receptores de pressão, são estruturas sensíveis ao estiramento que


transformam um sinal mecânico (estiramento) em potenciais elétricos. Como estão localizadas nas
paredes das artérias, essas células detectam variações da pressão no interior das artérias e funcionam
como sensores da PA. O seio carotídeo contém o principal conjunto de células com propriedades
barorreceptoras do organismo, essas células comunicam‑se com neurônios aferentes dos nervos
glossofaríngeo e vago. Quando há aumento da pressão arterial, o barorreceptor é submetido ao
estiramento, resultando em disparos de potenciais de ação. A frequência de disparos de potenciais
de ação originados no barorreceptor aumenta quando há elevação da pressão arterial. Esses sinais
dirigem‑se para o núcleo do trato solitário (NTS), situado no tronco cerebral, por meio das fibras
aferentes dos nervos glossofaríngeo e vago. Como resposta, inibem‑se os neurônios que determinam
o aumento de atividade nos nervos simpáticos que se dirigem para o coração e os vasos sanguíneos.
Portanto, o aumento da pressão arterial produz uma resposta reflexa de diminuição da atividade
simpática, ocorrendo, então, bradicardia e queda da resistência periférica total. A queda do tônus
simpático dirigido para as arteríolas é o principal fator responsável pela redução da PA.

O inverso ocorre quando a pressão arterial diminui. A redução da distensão dos barorreceptores diminui
a frequência de disparos de potenciais de ação nas fibras aferentes dos nervos glossofaríngeo e vago que se
dirigem para o NTS, ocorrendo, então, aumento da atividade simpática, o que determina taquicardia e aumento
da resistência arteriolar, com consequente aumento da PA. Vê‑se, portanto, que os barorreceptores produzem
inibição tônica, via NTS, de núcleos do tronco cerebral responsáveis por originar a atividade simpática dirigida
ao coração e vasos sanguíneos. Assim, o aumento da atividade barorreceptora faz a pressão cair e a diminuição
dessa atividade faz a pressão elevar‑se.

O reflexo barorreceptor é bastante rápido e sensível, capaz de monitorar os valores da PA


momento a momento e, dessa forma, ajustar os níveis de atividade do sistema simpático e
parassimpático, de modo a corrigir eventuais distúrbios, para mais ou para menos, da PA. Os
barorreceptores participam dos ajustes rápidos e de curto prazo da PA. Um exemplo da importância
do barorreflexo é seu papel na regulação pressórica referente às mudanças posturais. Quando um
indivíduo está deitado e coloca‑se rapidamente na posição de pé, ocorre uma rápida redução do
retorno venoso e, consequentemente do débito sistólico, resultando em uma leve queda da PA e
uma pequena diminuição do fluxo sanguíneo cerebral. Os barorreceptores detectam essa pequena
queda da PA, e uma descarga simpática produz taquicardia e vasoconstrição periférica, elevando a
pressão arterial a valores normais (CURI; PROCOPIO, 2009).

2.10 Regulação humoral da pressão arterial

O controle humoral é feito por uma enorme variedade de substâncias (hormônios e mediadores
químicos de produção e ação local) que interferem, principalmente, na modulação do tônus arteriolar.
Um componente importante que exerce um papel de grande significância na regulação da PA é o
29
Unidade I

Sistema Renina‑Angiotensina‑Aldosterona – SRAA –, o qual está mais diretamente envolvido


no controle do sódio total no organismo e, consequentemente, do volume extracelular. Esse sistema
também interfere na resistência vascular periférica, uma vez que a angiotensina II (Ang II), o principal
efetor do SRAA, é também capaz de aumentar a atividade simpática dirigida para o coração e os vasos
sanguíneos. O efeito vasoconstritor direto da Ang II no músculo liso vascular e a ação indireta via
sistema simpático determinam o aumento da resistência vascular periférica e, consequentemente, da
pressão arterial (CURI; PROCOPIO, 2009).

As células justaglomerulares presentes no rim são responsáveis pela produção e liberação de uma
enzima denominada renina. O perfil de produção e liberação dessa enzima para a corrente sanguínea é
determinada por três fatores principais:

• a diminuição da volemia;

• a queda da pressão arterial; e

• o aumento da descarga simpática direcionada para o rim.

Portanto, quando há redução de sódio ou da água total no organismo, hemorragia ou aumento


da atividade simpática renal (baixa ingestão de água e sódio, adoção de postura ereta, estresse),
ocorre o aumento da liberação de renina no sangue. Ela age em seu substrato plasmático, o
angiotensinogênio, uma proteína produzida principalmente pelo fígado, gerando a angiotensina
I (Ang I). Esta, por sua vez, é convertida em angiotensina II (Ang II) por uma enzima chamada
ECA (enzima conversora de angiotensina). A Ang II é responsável pela regulação de sódio total
do organismo, pelo volume extracelular e pela pressão arterial. Ela age em vários locais, incluindo
o rim, o córtex da glândula adrenal, o sistema nervoso e os vasos sanguíneos.

A Ang II tem efeito direto nas fibras musculares lisas dos vasos sanguíneos, aumentando o
tônus arteriolar, causando a vasoconstrição. Ela facilita a liberação de noradrenalina nos terminais
adrenérgicos, potencializando os efeitos da descarga simpática sobre os vasos sanguíneos e atua na
camada glomerular do córtex da glândula adrenal estimulando a produção de aldosterona, que,
por sua vez, atua nos túbulos renais e determina o aumento tanto da reabsorção de sódio e água quanto
da excreção de potássio. A ativação crônica do SRAA leva à retenção de sódio e água (aumentando o
conteúdo total de sódio e água no organismo), determinando um aumento do volume extracelular, o que
também leva ao aumento da PA. A ativação do SRAA não produz uma elevação imediata e grande da PA,
como ocorre, por exemplo, mediante a ativação do simpático. Ao contrário, a ativação da produção da
renina determina o aumento lento e progressivo do sódio total do organismo e, consequentemente, um
aumento pequeno, mas mantido e progressivo, da pressão arterial. O SRAA constitui o principal sistema
de regulação em longo prazo da PA.

A Ang II é um dos mais potentes vasoconstritores endógenos – vale ressaltar que a ECA, além
de converter Ang I em Ang II, também é responsável pela degradação da bradicinina, um potente
vasodilatador, o que contribui ainda mais para o efeito vasoconstritor do SRAA. Devido à função dupla
dessa enzima, muitos remédios que tratam a hipertensão são inibidores de ECA, pois, quando se inibe a
30
FISIOLOGIA GERAL

ECA, ao mesmo tempo, há a diminuição da produção de Ang II e aumento da vida média da bradicinina,
causando uma redução da pressão arterial (CURI; PROCOPIO, 2009).

Outro hormônio que também atua na regulação da pressão arterial é o hormônio antidiurético (ADH)
ou vasopressina. A vasopressina é um hormônio peptídico secretado por neurônios magnocelulares
localizados nos núcleos supraóptico e paraventricular do hipotálamo. É um típico neuro‑hormônio
que, uma vez produzido, é armazenado na neurohipófise, e então liberado para a corrente sanguínea
mediante estímulos específicos. O principal estímulo, para que ocorra a liberação da vasopressina, é o
aumento da osmolaridade intracelular, responsável pela sensação de sede. O aumento da osmolaridade
intracelular é consequência imediata do aumento da osmolaridade plasmática. Uma de suas principais
ações é a retenção de água renal, independente da retenção de eletrólitos. Em situações em que o
indivíduo permanece por tempo prolongado sem ingerir água ou, ainda, quando há perda excessiva de água
sem que haja perda de solutos (por exemplo, respiração), ocorrerá a liberação de vasopressina. Em resumo, a
vasopressina é liberada quando há deficit de água no organismo.

A vasopressina atua nos túbulos renais, mais precisamente nos túbulos coletores, induzindo
a abertura de aquaporinas, que são poros que permitem a passagem de água, por difusão, pela
membrana plasmática para o interstício hipertônico. A retenção renal de água promove aumento
de água total do organismo e diluição do meio extracelular e, em um segundo momento, tal efeito
estende‑se também para o meio intracelular. Sob o efeito desse hormônio, o indivíduo elimina urina
bastante concentrada e de pequeno volume. Tendo em vista que a vasopressina aumenta o volume
do meio extracelular, ele participa da regulação da pressão arterial. Do ponto de vista fisiológico,
entretanto, esse papel é bem menos importante do que a regulação determinada pelo sistema nervoso
simpático e pelo SRAA.

Quando a vasopressina é injetada diretamente na circulação, produz uma potente


vasoconstrição arteriolar, aumento da resistência periférica total e aumento da PA. As
concentrações plasmáticas necessárias para produzir a elevação substancial da PA são,
entretanto, maiores do que aquelas encontradas no plasma em condições fisiológicas. Esse
hormônio passa a exercer um papel importante em situações em que há diminuição da pressão
arterial juntamente com a redução do volume extracelular, como ocorre na presença da
hemorragia (CURI; PROCOPIO, 2009).

Saiba mais

A fim de propiciar inter‑relações entre os conteúdos da unidade, leia o


artigo a seguir:

CARMO, E. C.; FERNANDES, T.; OLIVEIRA, E. M. Esteróides anabolizantes:


do atleta ao cardiopata. Rev. Educ. Fis/UEM, v. 23, n. 2, p. 307‑318, 2012.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/refuem/v23n2/15.pdf>. Acesso
em: 2 jul. 2015.

31
Unidade I

3 SISTEMA SANGUÍNEO

3.1 Composição do sangue (porção líquida e celular)

Denomina‑se sangue o líquido que está contido e circula em um sistema fechado de vasos sanguíneos,
sendo bombeado pelo coração. A partir do ventrículo esquerdo, o sangue arterial é bombeado pelas
artérias e arteríolas até os capilares, quando entra em equilíbrio com o líquido intersticial. Os capilares
deságuam, por meio das vênulas, nas veias, e o sangue retorna ao átrio direito – esse fluxo constitui a
grande circulação (sistêmica). A partir do átrio direito, o sangue venoso flui para o ventrículo direito, que
bombeia o sangue para os pulmões – esse fluxo constitui a pequena circulação (pulmonar). Nos capilares
pulmonares, o sangue equilibra‑se com o O2 e o CO2 do ar alveolar. O sangue não está imóvel, mas circula
nos vasos sanguíneos e, ao mesmo tempo, está em ativa troca com o meio intersticial. Deve‑se levar em
consideração que os líquidos corporais formam com o sangue um sistema de líquidos de intercâmbio
permanente, banhando as células e permanecendo em troca com elas e com o meio externo. Desse
modo, o sangue e os líquidos corporais formam o meio interno (DOUGLAS, 2006; GANONG, 2006).

A massa de sangue dentro do compartimento intravascular é chamada de volemia ou volume


sanguíneo total. Existindo pressão dentro do sistema vascular, poderá haver circulação de sangue.
A volemia está representada no adulto por um valor equivalente a 9% do peso corporal; assim, um
indivíduo com 70 kg deve ter uma volemia de 6,3 litros, ao passo que, em uma criança de 10 kg, a
volemia seria de 0,9 litros de sangue.

A volemia precisa estar dentro de valores muito estritos para que haja uma correta função respiratória.
Diversos mecanismos mantêm um equilíbrio entre os fatores que aumentam o volume, ou fatores de
produção de sangue, às vezes chamados fatores de transfusão, e os fatores que diminuem a volemia,
ou fatores de perda do sangue, às vezes chamados fatores de sangria.

Dentre os fatores de produção que tendem a aumentar a volemia, estão

• a produção de elementos corpusculares (células) na medula óssea, como eritrócitos principalmente;

• a produção de proteínas plasmáticas no fígado e no sistema macrofágico; e

• a absorção de eletrólitos e de água na mucosa intestinal.

Por outra parte, dentre os fatores de perda que tendem a diminuir a volemia, estão

• a destruição dos glóbulos vermelhos circulantes (hemólise, ação do baço e sistema macrofágico);

• a destruição de proteínas plasmáticas, sendo que é um processo ainda pouco definido; e

• a excreção de eletrólitos e de água no nível renal na formação de urina; outras excreções, como
ocorre no nível fecal, sudorese, vômitos ou sangramentos; e a passagem para o compartimento
intersticial, formando‑se edemas ou exsudatos (DOUGLAS, 2006).
32
FISIOLOGIA GERAL

Em condições fisiológicas os fatores de produção são iguais aos fatores de perda de sangue, a
volemia mantém‑se normal e é denominada normovolemia. Se a produção de sangue for maior
que a perda, há hipervolemia ou expansão do volume sanguíneo. A hipervolemia pode manter
a relação entre volume plasmático e volume corpuscular; nesse caso, trata‑se de hipervolemia
normocitêmica, como ocorre em uma transfusão total de sangue; no recém‑nascido, há hipervolemia
policitêmica já que o volume corpuscular está exagerado. A hipervolemia oligocitêmica acontece
na gravidez, quando o volume plasmático está exagerado em relação ao volume corpuscular.

Quando as perdas predominam sobre os fatores de produção de sangue, ocorre hipovolemia ou


retração do volume sanguíneo. Assim como a hipervolemia, a hipovolemia também pode ser classificada
em normo, oligo ou policitêmica. Nas fases iniciais da hemorragia, ocorre hipovolemia normocitêmica.
Nos casos de desidratações por vômito, diarreia ou fístulas; durante cirurgias, nas queimaduras ou
traumatismos, a hipovolemia é policitêmica (o sangue fica concentrado). A hipovolemia oligocitêmica se
apresenta nas fases tardias da hemorragia, ou nas anemias crônicas, e deve‑se à exagerada diminuição
do volume corpuscular.

Nem todo o volume sanguíneo circula com a mesma velocidade de maneira uniforme, ou seja,
em certos territórios, a velocidade circulatória é variável. Por exemplo, nos vasos sanguíneos
do baço, nas veias e sinusoides do fígado, no pulmão e na pele, o sangue circula com uma
velocidade bem reduzida, em relação ao sangue que circula por outros territórios. Os tecidos que
apresentam uma circulação lenta comportam‑se como reservatórios de sangue; isso porque
seriam de fato verdadeiros depósitos, ou reservas de sangue, que podem acelerar suas velocidades
de circulação e assim aumentar o volume de sangue que circula com velocidade maior.

Denomina‑se hematócrito a separação do sangue nas suas duas fases: a corpuscular e


vermelha formada principalmente pelos eritrócitos ou hemácias, e a líquida e transparente,
que é o plasma; o hematócrito informa‑nos a quantidade de células presentes no sangue. O
hematócrito é obtido a partir da centrifugação do sangue não coagulado, é importante na
clínica pois permite conhecer o volume relativo dos corpúsculos em relação ao de plasma,
além de determinar a volemia. Somente por meio do hematócrito, podem‑se separar os dois
compartimentos da volemia.

O plasma constitui a parte líquida não celular do sangue, representando 55%‑60% da volemia,
medido pelo hematócrito. Trata‑se de uma solução aquosa, cujo conteúdo de água é de 90%‑92%; essa
água representa 5% do peso corporal e 25% do volume de água extracelular.

Desde modo, o plasma, junto ao líquido intersticial, formam o volume de líquido extracelular
(LEC). Os glóbulos vermelhos (45%) não fazem parte do compartimento extracelular, porque se
tratam de células sanguíneas. Dos solutos presentes no plasma, destacam‑se os íons Na+, Cl‑, K+,
Ca2+, PO4 2‑, Mg2+, e HCO3 ‑. Estes eletrólitos são importantes no controle do volume líquido em geral
e, em particular, do volume extracelular, mas não do volume plasmático, pois sua distribuição é
similar entre o plasma e o líquido intersticial. Em relação ao meio intracelular, a distribuição desses
eletrólitos é muito diferente, isso se deve às características funcionais da membrana plasmática
(DOUGLAS, 2006).
33
Unidade I

No sangue, também estão presentes substâncias orgânicas que são importantes e estão representadas
fundamentalmente pelas proteínas plasmáticas, pelo nitrogênio não proteico (como ureia e ácido
úrico), pela glicose e pelos lipídios, geralmente ligados a uma proteína, formando lipoproteínas.
Em concentrações muito baixas, porém fisiológicas, encontram‑se hormônios e outras substâncias
fisiologicamente ativas.

As proteínas plasmáticas constituem uma porcentagem importante dos solutos plasmáticos, porque
no adulto normal atingem uma concentração de 6,5%‑7%. Podem ser diferenciadas em três grandes
grupos: albumina, globulinas e fibrinogênio. A albumina é a proteína plasmática de menor peso molecular,
e está no limite do tamanho dos poros funcionais da membrana capilar. Desse modo, somente moléculas
menores que a albumina podem atravessar as paredes capilares e passar até o interstício; o resto (que é
a maior parte) é retido nos capilares e no sangue. São moléculas sintetizadas no fígado e são totalmente
destruídas e substituídas a cada duas semanas.

As globulinas constituem uma família de proteínas com peso molecular maior que o da albumina.
São moléculas formadas no fígado e no sistema macrofágico, sendo algumas liberadas na circulação
e outras permanecem ligadas às células, assim como aos linfócitos, dos quais podem ser liberadas por
estímulos como os corticosteroides. Nesse grupo de proteínas, figura a maior parte dos anticorpos ou
imunoglobulinas. Finalmente, o fibrinogênio é uma proteína de alto peso molecular que tem forma
alongada e diâmetro estreito, formando‑se também no fígado e desempenhando um papel muito
importante na coagulação do sangue. Durante o processo de coagulação sanguínea, o fibrinogênio
é hidrolisado, gerando a fibrina e sendo retirado totalmente do sangue. Quando o plasma sanguíneo
carece de fibrinogênio, passa a chamar‑se soro.

A pressão coloidosmótica ou oncótica (cerca de 25‑30 mmHg) é a força que as proteínas


exercem para atrair água em torno delas, e depende do número de partículas dissolvidas. Desse
modo, a albumina desenvolve uma maior pressão oncótica, pois um dado peso de albumina contém
maior número de partículas, devido ao seu menor peso molecular. Por outro lado, a concentração
plasmática de albumina é maior. O fibrinogênio desenvolve a menor pressão, tanto que seu valor é
desprezado fisiologicamente. Por meio da pressão oncótica controla‑se a passagem de água através
da parede capilar para o interstício; logo, quando a pressão oncótica está alta ocorre a retenção de
líquido no capilar, já que esta pressão opõe‑se à saída de água do capilar. Quando há hipoproteinemia
(especialmente hipoalbuminemia), como no caso de desnutrição, a pressão oncótica diminui, o que
facilita a saída de água do capilar para o interstício, favorecendo a formação de edemas (acúmulo de
líquido na cavidade intersticial.

As proteínas plasmáticas também conferem viscosidade ao plasma. A viscosidade é determinada


pelo atrito entre as superfícies de partículas; assim, quanto maior for o atrito entre as proteínas,
maior a viscosidade. A viscosidade depende mais da forma da proteína que de seu tamanho. Por isso,
o fibrinogênio, uma molécula mais assimétrica, confere a maior parte da viscosidade ao plasma. O
aumento da viscosidade representa maior resistência à passagem de um fluxo de líquido, o que leva
a um aumento da pressão com que o sangue circula, sendo fundamental para a pressão sanguínea
(DOUGLAS, 2006).

34
FISIOLOGIA GERAL

Uma das principais funções das proteínas plasmáticas é o transporte de substâncias no sangue. Os
lipídios, por exemplo, formam lipoproteínas, já que são insolúveis em água e, portanto, não poderiam
ser dissolvidos diretamente no meio aquoso. Do mesmo modo, substâncias como o ferro, o cálcio, o
cobre, sais biliares, a bilirrubina, hormônios e drogas precisam de um carregador proteico. Isso não
significa que todas as substâncias devem ser transportadas por proteínas, porque muitas simplesmente
se dissolvem na água, como os aminoácidos. Muitos hormônios precisam de proteínas para circular
pelo sangue, como os hormônios da glândula tireoide, que precisam de vários transportadores
proteicos: uma albumina denominada pré‑albumina ligante de tiroxina (TBPA) e uma globulina
chamada TBG que se liga à tiroxina. Por outro lado, o iodo liga‑se também a proteínas plasmáticas,
denominadas PBI. As proteínas também transportam produtos do metabolismo, como o ácido lático,
ou enzimas.

A partir de proteínas plasmáticas que são degradadas por enzimas específicas, podem‑se formar
novos compostos com funções diferentes. Por exemplo, a partir de uma globulina pode‑se formar
bradicinina ou angiotensina, que são polipeptídios fisiologicamente ativos (DOUGLAS, 2006).

3.2 Funções dos eritrócitos, leucócitos e plaquetas

Existem três tipos de corpúsculos ou elementos figurados do sangue: eritrócitos, ou hemácias,


ou glóbulos vermelhos; trombócitos, ou plaquetas; e leucócitos, ou glóbulos brancos. Essas células
diferenciam‑se por sua morfologia e suas funções.
p f

Hemácias em vista frontal (f) e de perfil (p)

Figura 8 – Hemácias

Todos os elementos figurados são formados nos órgãos hematopoiéticos, que no adulto normal
estão representados pela medula óssea, localizada no interior dos ossos. A medula óssea produz todos
os tipos de células sanguíneas, mas alguns tipos de linfócitos são produzidos em outros órgãos, como
os gânglios linfáticos. Nas crianças, as células sanguíneas são produzidas ativamente das cavidades
medulares de todos os ossos. Em torno dos 20 anos de idade, a medula óssea das cavidades dos ossos
longos, à exceção da porção superior do úmero e do fêmur, torna‑se inativa. A medula ativa é denominada
medula vermelha, enquanto a medula inativa infiltrada por gordura é denominada medula amarela
(DOUGLAS, 2006; GANONG, 2006).

35
Unidade I

Figura 9 – Plaquetas ou trombócitos

A medula óssea é, na realidade, um dos maiores órgãos do corpo, e seu tamanho e peso aproximam‑se
dos do fígado. Trata‑se também de um dos órgãos mais ativos. Em condições normais, 75% das células
presentes na medula óssea pertencem à série mieloide de células produtoras de leucócitos, e apenas
25% consistem em eritrócitos em processo de maturação, apesar de existirem 500 vezes mais eritrócitos
do que leucócitos na circulação. Essa diferença na medula reflete o fato de que a sobrevida média
dos leucócitos é curta, e a dos eritrócitos é longa. Em determinadas condições patológicas, pode‑se
estabelecer, como fenômeno compensador, atividade hematopoiética de todas as séries sanguíneas no
baço, e até em outros órgãos, como o fígado (DOUGLAS, 2006; GANONG, 2006).

Linfócito Monócito
Leucócitos mononucleados

Eosinófilo ou
Neutrófilo acidófilo Basófilo

Leucócitos polimorfonucleados

Figura 10 – Leucócitos mononucleados e polimorfonucleados

As células‑tronco hematopoiéticas (CTH) são células da medula óssea capazes de produzir


todos os tipos de células sanguíneas. Diferenciam‑se em um ou outro tipo de células‑tronco
comprometidas (células progenitoras). Por sua vez, essas células progenitoras dão origem aos vários
tipos diferenciados de células sanguíneas. Existem reservatórios separados de células progenitoras
de megacariócitos, linfócitos, eritrócitos, eosinófilos e basófilos, já os neutrófilos e os monócitos
originam‑se de um precursor comum. As CTH ocorrem em pequeno número, porém são capazes
de restaurar por completo a medula óssea quando injetadas em um hospedeiro cuja medula óssea
foi completamente destruída. O sangue de cordão umbilical constitui a melhor fonte atual dessas
células‑tronco hematopoiéticas (GANONG, 2006).
36
FISIOLOGIA GERAL

Estruturalmente, as diferenças mais importantes, entre as células circulantes, radicam no fato de que
as plaquetas são apenas fragmentos citoplasmáticos derivados de uma célula que se localiza na medula,
o megacariócito, de modo que seriam verdadeiras bolsas de enzimas, com um metabolismo ativo,
desempenhando um papel importante na hemostasia. Os megacariócitos, que são células gigantes,
formam as plaquetas por fragmentação de porções do citoplasma que logo são liberadas na circulação.
Cerca de 60%‑75% das plaquetas liberadas da medula óssea estão no sangue circulante, e o restante
é encontrado principalmente no baço. As plaquetas aderem ao colágeno exposto na área da lesão,
sendo as paredes vasculares constituídas por uma porcentagem apreciável de tecido conjuntivo e fibras
colágenas. Quando as plaquetas estão aderidas, apresentam modificações metabólicas importantes,
como a liberação de substâncias produzidas ou acumuladas por elas.

Os eritrócitos (hemácias) são células altamente especializadas, sem núcleo nem mitocôndrias,
contendo um alto teor de um pigmento respiratório, a hemoglobina, que lhes permite transportar O2
e CO2. Trata‑se de discos bicôncavos, produzidos na medula óssea. Como outras células os eritrócitos
sofrem contração quando colocados em soluções com pressão osmótica maior que a do plasma normal.
Em soluções com pressão osmótica menor, os eritrócitos intumescem, transformando‑se em células
esféricas, em lugar da forma em disco e perdem finalmente a sua hemoglobina (hemólise). A hemoglobina
dos eritrócitos hemolisados dissolve‑se no plasma, conferindo‑lhe cor vermelha (DOUGLAS, 2006;
GANONG, 2006).

O baço é um filtro importante para o sangue, visto que remove os esferócitos e outros eritrócitos
anormais. Além disso, contém muitas plaquetas e, também, desempenha um papel significativo no
sistema imune. Os eritrócitos anormais são removidos se não forem tão flexíveis quanto os normais, pois
não conseguem espremer‑se através das fendas existentes entre as células endoteliais que revestem os
seios esplênicos (GANONG, 2006).

O pigmento vermelho que transporta o oxigênio nos eritrócitos dos vertebrados é a hemoglobina,
uma molécula globular constituída por quatro subunidades. Cada subunidade comporta um grupo
heme (que contém ferro) conjugado a um polipeptídio. Os polipeptídios são descritos coletivamente
como a porção globina da molécula de hemoglobina. O O2 liga‑se ao Fe2+ presente no grupo heme da
hemoglobina, formando a oxihemoglobina. A afinidade da hemoglobina pelo O2 é afetada pelo pH, pela
temperatura e pela concentração de 2,3‑difosfoglicerato (2,3‑BPG) nos eritrócitos. O 2,3‑BPG e o H+
competem com o O2 pela ligação à hemoglobina desoxigenada, diminuindo a afinidade da hemoglobina
pelo O2 ao provocar uma mudança conformacional das quatro cadeias peptídicas, impedindo a ligação
do O2 ao grupo heme.

A carência de ferro no homem é expressa como anemia homocrômica (pouco ferro).


Etimologicamente, denomina‑se anemia ao quadro de falta de sangue, mas, na realidade, o quadro
refere‑se à diminuição de hemoglobina circulante. No caso da deficiência de ferro na hemoglobina,
o número de hemácias circulantes é normal ou reduzido, mas a quantidade total de hemoglobina
circulante encontra‑se diminuída. Isso determina que esse sangue anêmico perca sua capacidade
de transportar oxigênio, havendo palidez de pele e tecidos, fraqueza e fadiga, sensação de cansaço,
baixo rendimento, dor de cabeça, taquicardia e aumento da ventilação pulmonar (dispneia). A anemia
ferropriva ou ferropênica pode ser causada exclusivamente por insuficiência de ingestão de ferro na
37
Unidade I

dieta ou por alteração da absorção intestinal ou do transporte plasmático. Em resumo, existem várias
causas que determinam o quadro anêmico, por exemplo, por:

• redução anatômica do local de produção medular, causado pela invasão tumoral;

• carência de aporte proteico, necessário para a síntese de hemoglobina;

• falta de absorção de vitamina B12; e

• carência de ferro (DOUGLAS, 2006; GANONG, 2006).

Os leucócitos não representam um tipo único de célula, mas uma família de elementos celulares,
agrupando propriedades comuns e diferentes, segundo o tipo de glóbulo branco. Em condições
normais, o sangue humano contém de 4 mil a 11 mil leucócitos por microlitro. Entre esses leucócitos, os
granulócitos (leucócitos polimorfofuncionales, PMN) são os mais numerosos. Os granulócitos jovens
têm núcleos em forma de ferradura, que se tornam multilobulados à medida que as células amadurecem.
A maioria contém grânulos neutrofílicos (neutrófilos), porém alguns contêm grânulos que se tingem
com corantes ácidos (eosinófilos), enquanto outros exibem grânulos basofílicos (basófilos). Os outros
dois grupos celulares normalmente encontrados no sangue periférico são os linfócitos, que têm
grandes núcleos redondos e citoplasma escasso, e os monócitos, que apresentam citoplasma agranular
abundante e núcleos em forma de rim. Ao atuar em conjunto, essas células proporcionam ao corpo uma
poderosa defesa contra tumores e infecções virais, bacterianas e parasitárias.

Todos os granulócitos possuem grânulos citoplasmáticos que contêm substâncias biologicamente


ativas envolvidas em reações inflamatórias e alérgicas. Os mastócitos são células migratórias
densamente granuladas, encontradas em áreas ricas em tecido conjuntivo, sendo abundantes sob
as superfícies epiteliais. Os grânulos contêm heparina, histamina e numerosas proteases. A heparina
parece desempenhar um papel na formação dos grânulos. Os mastócitos estão envolvidos nas respostas
inflamatórias que combatem os parasitas invasores. Além de sua atuação na imunidade adquirida,
os mastócitos liberam TNF‑α em resposta aos produtos bacterianos por meio de um mecanismo
independente de anticorpos, participando, assim, da imunidade natural inespecífica que combate
infecções. Os monócitos que saem da medula óssea e adentram ao compartimento sanguíneo circulam
por cerca de 72 horas. A seguir, penetram nos tecidos e transformam‑se em macrófagos teciduais.
Os macrófagos são ativados por substâncias produzidas pelos linfócitos T. Uma vez ativados, migram
em resposta aos estímulos quimiotáticos, e englobam, e matam bactérias, desempenhando um papel
fundamental na imunidade. Os linfócitos são elementos‑chave na produção da imunidade. Após o
nascimento, alguns linfócitos são formados na medula óssea. Entretanto, a maioria é produzida nos
linfonodos, no timo e no baço, a partir de células precursoras que, originalmente, vieram da medula
óssea e foram processadas no timo (GANONG, 2006).

Os três tipos de elementos figurados do sangue passam por três etapas fisiológicas:

• a produção de corpúsculos ou hematopoiese;

38
FISIOLOGIA GERAL

• a circulação dos glóbulos na corrente sanguínea, etapa em que os elementos desempenham sua
função. As hemácias e as plaquetas desempenham seu papel no próprio sangue, e os leucócitos
passam do sangue para os tecidos em que cumprem sua função defensiva;

• finalmente, os elementos passam por uma etapa chamada hemocaterese ou eliminação dos
corpúsculos sanguíneos, função que ocorre em órgãos específicos, como o baço e o fígado para
todos os elementos, além dos gânglios linfáticos e dos tecidos, em geral, para os leucócitos.
(DOUGLAS, 2006).

Lembrete

Esquema geral do sistema hematopoiético (conjunto de estruturas


encarregado da produção e distribuição das células sanguíneas): ao saírem
dos órgãos encarregados de sua produção, as células do sangue entram
na circulação e, após certo tempo — que varia para cada tipo de célula —,
são destruídas. Assim, os glóbulos vermelhos permanecem na circulação
durante aproximadamente 120 dias: os granulócitos, nove dias, e os
linfócitos, menos de um dia.

Órgãos de
Órgãos produtores de armazenamento
células sanguíneas
Globina

Heme

Heme
Órgãos que destroem
células sanguíneas
Glóbulos brancos
Glóbulos vermelhos
Plaquetas

Figura 11 – Esquema geral do sistema hematopoiético (conjunto de estruturas


encarregado da produção e distribuição das células sanguíneas)

3.3 Tipos sanguíneos

As membranas dos eritrócitos humanos contêm uma variedade de antígenos de grupos sanguíneos,
também denominados aglutinógenos. Os mais importantes e bem conhecidos são os antígenos A e B,
apesar da existência de muitos outros.

39
Unidade I

Os antígenos A e B são herdados como caracteres dominantes mendelianos, e os indivíduos são


divididos em quatro grupos sanguíneos principais. Os indivíduos do tipo A possuem o antígeno A,
os do grupo B têm o antígeno B, os do tipo AB apresentam ambos os antígenos e os do tipo O não
têm nenhum deles. Esses antígenos são encontrados em muitos tecidos além do sangue, incluindo
glândulas salivares, saliva, pâncreas, rins, fígado, pulmões, testículos, sêmen e líquido amniótico.

Os antígenos A e B consistem em oligossacarídeos complexos. Um gene H codifica uma proteína chamada


fucose transferase, que introduz uma fucose na extremidade desses oligossacarídeos, formando o antígeno H
que habitualmente está presente nos indivíduos de todos os grupos sanguíneos. Os indivíduos do tipo A
possuem uma enzima que realiza uma modificação na molécula de antígeno H, enquanto, nos indivíduos do
tipo B, existe uma enzima que realiza uma modificação diferente, os indivíduos do tipo AB possuem ambas as
enzimas e, portanto, têm as duas modificações no seu antígeno H. Finalmente, os indivíduos do tipo O não têm
nenhuma das enzimas e, portanto, o antígeno H persiste íntegro.

Os anticorpos dirigidos contra aglutinógenos dos eritrócitos são denominados aglutinas.


É comum a presença de antígenos muito semelhantes ao A e ao B em bactérias intestinais e,
possivelmente, em alimentos aos quais os recém‑nascidos são expostos. Portanto, eles desenvolvem
rapidamente anticorpos contra os antígenos ausentes em suas próprias células. Assim, os indivíduos
do tipo A desenvolvem anticorpos anti‑B, os indivíduos do tipo B produzem anticorpos anti‑A, e os
indivíduos do tipo AB não produzem nenhum deles. Quando se mistura o plasma de um indivíduo
do tipo A com eritrócitos do tipo B, os anticorpos anti‑B (presentes no plasma do indivíduo tipo A)
causam aglutinação dos eritrócitos do tipo B. A tipagem sanguínea é efetuada ao misturar
os eritrócitos de um indivíduo com antissoros contendo as várias aglutininas em uma lâmina e
observar se ocorre ou não aglutinação. A determinação do tipo sanguíneo pode ser observado na
figura a seguir (GANONG, 2006).

AB

Anti-A Anti-B

Figura 12 – Determinação do grupo sanguíneo

40
FISIOLOGIA GERAL

Podem suceder reações transfusionais hemolíticas perigosas quando se transfunde sangue


para um indivíduo que tem tipo sanguíneo incompatível, ou seja, quem possui aglutininas contra os
eritrócitos presentes no sangue transfundido. O plasma da transfusão está habitualmente tão diluído
no receptor que raramente provoca aglutinação. Entretanto, quando o plasma do receptor possui
aglutininas contra eritrócitos do doador, as células se aglutinam e sofrem hemólise, a hemoglobina livre
é liberada no plasma. A gravidade da reação transfusional resultante pode variar desde uma pequena
elevação assintomática dos níveis plasmáticos de bilirrubina até icterícia grave e lesão tubular renal
(causada, de algum modo, pelos produtos liberados pelas células hemolisadas), com anúria (falta de
produção de urina) e morte.

Os indivíduos com sangue do tipo AB são chamados “receptores universais”, visto que não possuem
aglutininas circulantes e, assim, podem receber sangue de qualquer tipo sem desenvolver uma reação
transfusional em decorrência de incompatibilidade ABO. Os indivíduos do tipo O são conhecidos
como “doadores universais”, visto que não tem os antígenos A e B, de modo que o sangue tipo O
pode ser dado a qualquer pessoa sem provocar reação transfusional devido à incompatibilidade ABO.
Entretanto, isso não significa que o sangue deva ser transfundido sem antes de submeter a uma prova
cruzada, exceto nas emergências mais extremas, visto que sempre existe a possibilidade de reações ou
de sensibilização em decorrência de incompatibilidades em outros sistemas além do sistema ABO. Na
prova cruzada, os eritrócitos do doador são misturados com o plasma do receptor em uma lâmina, e,
a seguir, observa‑se se ocorre ou não aglutinação. É também aconselhável verificar a ação do plasma
do doador sobre os eritrócitos do receptor, embora isso raramente seja uma fonte de problemas
(GANONG, 2006).
O

A A B B

AB

AB

Figura 13 – Esquema de todas as possibilidades de


doação e recepção de sangue no sistema ABO

Além dos antígenos do sistema ABO, os do sistema Rh são os de maior importância clínica. O fator
Rh, assim denominado em razão do macaco rhesus, por ter sido estudado pela primeira vez utilizando‑se
o sangue desse animal, é um sistema composto principalmente pelos antígenos C, D e E, embora na
realidade contenha muitos mais antígenos. Ao contrário dos antígenos ABO, o sistema não tem sido
detectado em outros tecidos além dos eritrócitos. Sem dúvida alguma, o componente D é o mais
antigênico, e a designação Rh‑positivo, como é geralmente utilizada, significa que o indivíduo possui
aglutinógeno D. O indivíduo Rh‑negativo carece de antígeno D e, portanto, produz a aglutinina anti‑D
quando são injetadas células D‑positivas. O soro de tipagem Rh utilizado na tipificação sanguínea de

41
Unidade I

rotina é o anti‑D. Cerca de 85% dos caucasianos são D‑positivos e 15% são D‑negativos; mais de 99%
dos asiáticos são D‑positivos. Ao contrário dos anticorpos contra o sistema ABO, não há formação
de anticorpos anti‑D sem exposição do indivíduo D‑negativo a eritrócitos D‑positivos por meio de
transfusão ou da entrada de sangue fetal na circulação materna (GANONG, 2006).
Sangue Rh+ Sangue Rh–

Transfusão
não indicada

Transfusão
indicada

Figura 14 – O fator Rh nas transfusões

3.4 Hemostasia

A hemostasia é o processo de formação de coágulos nas paredes dos vasos sanguíneos lesados e
de prevenção da perda de sangue ao mantê‑lo em estado líquido dentro do sistema vascular. Existe
um conjunto de mecanismos sistêmicos inter‑relacionados complexos, que operam para manter esse
equilíbrio entre a coagulação e a anticoagulação (GANONG, 2006).

Quando um pequeno vaso sanguíneo é transeccionado ou danificado, a lesão desencadeia uma série
de eventos que levam à formação de um coágulo. O coágulo fecha a região lesada e impede a perda
adicional de sangue. O incidente inicial consiste na constrição do vaso e na formação de um tampão
hemostático temporário de plaquetas, desencadeado quando as plaquetas ligam‑se ao colágeno e
sofrem agregação. Esse processo é seguido pela conversão do tampão em um coágulo definitivo.

Figura 15 – Tampão hemostático temporário de plaquetas

42
FISIOLOGIA GERAL

A constrição de uma arteríola ou de uma pequena artéria lesada pode ser tão pronunciada a ponto de
obliterar a sua luz. A vasoconstrição é produzida pela serotonina e por outros vasoconstritores liberados
pelas plaquetas que aderem às paredes dos vasos lesados.

A frouxa agregação das plaquetas no tampão temporário torna‑se mais firme, e ele é convertido
no coágulo definitivo pela fibrina. O mecanismo da coagulação responsável pela formação da fibrina
envolve uma cascata de reações em que ocorre a ativação das enzimas inativas, que, por sua vez, ativam
outras enzimas inativas.

A reação fundamental na coagulação do sangue consiste na conversão da proteína plasmática solúvel,


o fibrinogênio, em fibrina insolúvel. Esse processo envolve a liberação de dois pares de polipeptídios de
cada molécula de fibrinogênio. A porção remanescente, o monômero de fibrina, polimeriza‑se então
com outras moléculas de monômeros, formando a fibrina. Em princípio, a fibrina consiste em uma
rede frouxa de filamentos entrelaçados; é convertida em um agregado denso e firme (estabilização) por
intermédio da formação de ligações cruzadas covalentes. Esta ultima é catalisada pelo fator XIII ativado
e exige a presença de Ca2+ (GANONG, 2006).

A B

Figura 16 – Coagulação no interior de um vaso: no detalhe, vê‑se a formação da rede de fibrina

A conversão do fibrinogênio em fibrina é catalisada pela trombina. A trombina é uma serina protease
que é formada a partir de seu precursor circulante, a protrombina, pela ação do fator X ativado. Além
disso, exerce outras ações, incluindo ativação das plaquetas, das células endoteliais e dos leucócitos
mediante pelo menos um receptor acoplado à proteína.

A tendência do sangue de coagular é equilibrada in vivo por reações limitantes, que tendem a
impedir a coagulação no interior dos vasos sanguíneos e a degradar qualquer coágulo que possa se
formar. A antitrombina III é um inibidor da protease circulante, que se liga à serina protease do sistema
de coagulação, bloqueando sua atividade como fatores de coagulação. Essa ligação é facilitada pela
heparina, um anticoagulante de ocorrência natural.

O endotélio dos vasos sanguíneos também desempenha um papel ativo ao impedir a extensão dos coágulos
no interior dos vasos sanguíneos. Todas as células endoteliais, exceto as da microcirculação cerebral, produzem
trombomodulina, uma proteína de ligação da trombina, que expressam em sua superfície. No sangue
circulante, a trombina é um pró‑coagulante; entretanto, quando se liga à trombomodulina, transforma‑se em
43
Unidade I

um anticoagulante, visto que esse complexo ativa a proteína C. A proteína C ativada, junto ao seu cofator, a
proteína S, inativa fatores de coagulação, aumentando a formação de plasmina.

A plasmina (fibrinolisina) é um componente ativo do sistema de plasminogênio (fibrinolítico).


Essa enzima provoca a lise de fibrina e do fibrinogênio, com formação de produtos de degradação
do fibrinogênio, que inibem a trombina. A plasmina é formada a partir do seu precursor inativo, o
plasminogênio. Os receptores de plasminogênio localizam‑se na superfície de muitos tipos diferentes
de células e são abundantes nas células endoteliais. Quando o plasminogênio liga‑se a seus receptores,
torna‑se ativado, de modo que as paredes intactas dos vasos sanguíneos dispõem de um mecanismo
que inibe a formação de coágulos (GANONG, 2006).

Observação

A dengue hemorrágica ocorre em pacientes reinfectados pela doença.


Sua fisiopatologia é desconhecida, acredita‑se que ocorram alterações
na coagulação sanguínea levando a hemorragia e, consequentemente, a
queda da pressão arterial.

4 SISTEMA RESPIRATÓRIO

4.1 Vias aéreas – porção condutora e respiratória

A função básica do sistema respiratório é suprir o organismo com oxigênio (O2) e remover dele o produto
gasoso do metabolismo celular, o gás carbônico (CO2). Nos mamíferos, os pulmões são os órgãos encarregados
de realizar esses processos. Para tanto, nos seres humanos, a superfície pulmonar encarregada das trocas
gasosas é de 70 a 100 m2. Essa enorme superfície fica contida no interior do tórax, distribuída por 480 milhões
de alvéolos pulmonares, variando entre 270 e 790 milhões, com base na altura e no volume pulmonar do
indivíduo. O pulmão direito apresenta três lobos, já o pulmão esquerdo apresenta apenas dois; isso ocorre pois
entre eles está situado o coração, ocupando um espaço denominado mediastino.

3 lobos 2 lobos

Diafragma

Figura 17 – Pulmões direito (com 3 lobos) e esquerdo (com 2 lobos)

44
FISIOLOGIA GERAL

Os pulmões, todavia, não são apenas órgãos respiratórios; participam do equilíbrio térmico, pois com
o aumento da ventilação pulmonar há maior perda de calor e água. Auxiliam também na manutenção
do pH plasmático na faixa fisiológica, regulando a eliminação de ácido carbônico (na forma de CO2).
A circulação pulmonar desempenha o papel fundamental de filtrar eventuais êmbolos trazidos pela
circulação venosa de outros órgãos vitais ao organismo. O homem também utiliza seu aparelho
respiratório para outros fins, como a defesa contra agentes agressores e a fonação (AIRES, 2008).

O sistema respiratório dos mamíferos está constituído pela porção condutora, formada pelas vias
aéreas superiores e árvore traqueobrônquica, encarregadas de acondicionar e conduzir o ar até o interior
dos pulmões; pela porção respiratória, em que efetivamente se realizam as trocas gasosas; e, por uma
porção de transição, interposta entre as duas primeiras, em que começam a ocorrer trocas gasosas,
porém em níveis não significativos (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009).

Quando o ar é inspirado passa pelo nariz ou pela boca indo para a orofaringe. Em seu trajeto pelas
vias aéreas superiores, o ar é filtrado, umidificado e aquecido até entrar em equilíbrio com a temperatura
corporal. Isso decorre de seu contato turbulento com a mucosa úmida que reveste as fossas nasais,
faringe e laringe. Além disso, nessa região, também se dá a filtração das partículas de maior tamanho
que estão suspensas no ar. As vias aéreas superiores atuam, por conseguinte, acondicionando o ar,
protegendo do ressecamento, do desequilíbrio térmico e da agressão por partículas poluentes de grande
tamanho as regiões mais internas do sistema. A respiração nasal é a mais comum e tem duas vantagens
sobre a respiração pela boca: filtração e umidificação do ar inspirado. Entretanto, em casos em que
há obstrução nasal, como em casos de congestão da mucosa nasal, a boca oferece menor resistência
à passagem de ar que o nariz. Durante o exercício, pode ser efetivada respiração bucal junto à nasal
(AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009; CURI; PROCOPIO, 2009).

A porção condutora é formada pelas vias respiratórias superiores (nariz e/ou boca, cavidade nasal/oral,
naso e orofaringe e laringe) e pela árvore traqueobrônquica, até os bronquíolos terminais. As principais
estruturas da laringe incluem a epiglote e as pregas vocais. Em algumas infecções, essas estruturas
podem ficar edemaciadas (inchadas), contribuindo significativamente para a resistência ao fluxo do ar.
A traqueia bifurca‑se assimetricamente, em que o brônquio principal direito apresenta menor ângulo
com a traqueia em relação ao esquerdo. Logo, a inalação de corpos estranhos vai preferencialmente
para o brônquio principal direito. A partir da traqueia, a árvore traqueobrônquica divide‑se
progressivamente, em geral por dicotomia, podendo ocorrer a tricotomia a partir da sexta geração
das vias aéreas. Os brônquios principais são considerados como a primeira geração ou subdivisão da
árvore traqueobrônquica. A segunda geração corresponde aos brônquios lobares, logo os segmentares
e subsegmentares até os bronquíolos terminais (16ª geração). A remoção de partículas poluentes,
contudo, não se faz somente nas vias aéreas superiores. A cada bifurcação do sistema de condução
há geração de turbulência. Também com a progressiva bifurcação do sistema de condução ocorre
o aumento da área de seção transversa total do sistema tubular, e a consequente diminuição
da velocidade do ar conduzido (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009; CURI; PROCOPIO, 2009;
GUYTON; HALL, 2011).

45
Unidade I

Cavidade nasal

Cavidade bucal
Epiglote
Faringe
Glote
Esôfago
Laringe

Figura 18 – Vias respiratórias superiores

As partículas removidas do ar por esses processos caem sobre a camada de muco que recobre o
sistema de condução, e com o muco são removidas em direção à glote pelos batimentos ciliares das
células que formam o epitélio dessa região. Um dos problemas mais importantes em todas as vias
respiratórias consiste em mantê‑las abertas para permitir a fácil passagem de ar para dentro e fora
dos alvéolos. Para impedir o colapso da traqueia, múltiplos anéis cartilaginosos estendem‑se de forma
incompleta pela circunferência da traqueia. Nas paredes dos brônquios, existem placas cartilaginosas
menos extensas que também conferem rigidez a essas estruturas, permitindo ao mesmo tempo o
movimento suficiente para a expansão e contração dos pulmões. Essas lâminas de cartilagem ficam
menos extensas nas últimas gerações de brônquios e desaparecem por completo nos bronquíolos.
Por outro lado, o colapso dos bronquíolos não é impedido pela rigidez da parede. Pelo contrário, são
expandidos pelas mesmas pressões transpulmonares que expandem os alvéolos, ou seja, à medida que
os alvéolos aumentam os bronquíolos também o fazem (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009; CURI;
PROCOPIO, 2009; GUYTON; HALL, 2011).

Bronquíolo
Pomo de Adão
Artéria
Brônquio
Traqueia Esquerdo Alvéolo
Brônquio
direito Veia

Pulmão Pulmão Bronquíolo


direito esquerdo

Figura 19 – Traqueia, pulmões, brônquio, bronquíolo e alvéolo

46
FISIOLOGIA GERAL

Observação

Por um movimento reflexo coordenado, a epiglote “encapa” as pregas


vocais durante a deglutição, impedindo assim a aspiração de comida e
líquidos para o trato respiratório inferior.

A porção de transição está compreendida entre as porções de condução e a respiratória. Inicia‑se


no bronquíolo respiratório, que se caracteriza pelo aparecimento de sacos alveolares esparsos em sua
parede e pelo desaparecimento das células ciliadas do epitélio bronquiolar. Também se observam os
canais de Lambert, pequenos orifícios que permitem a comunicação entre os bronquíolos e os alvéolos
adjacentes (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009).

A partir do último ramo do bronquíolo respiratório surgem os ductos alveolares, que, por sua vez,
terminam em um conjunto de alvéolos, os sacos alveolares. A porção respiratória, então, está formada
pelos ductos e sacos alveolares e os alvéolos (figura anterior). A unidade alvéolo‑capilar é o principal
sítio de trocas gasosas (hematose) em nível pulmonar, sendo composta pelo alvéolo, pelo septo alveolar
e pela rede capilar. Os alvéolos são pequenas dilatações revestidas por uma camada de células. Nos seres
humanos, a superfície pulmonar encarregada pela hematose é de 70 a 100 m2 (sendo essa a maior área
de contato do organismo com o meio ambiente). Essa superfície fica contida no interior do tórax, em um
volume de aproximadamente 4 L, distribuída por centenas de milhões de alvéolos pulmonares. Para que a
hematose se efetue adequadamente, a circulação pulmonar precisa ser muito rica em vasos sanguíneos
(cerca de 280 bilhões de capilares). O espaço entre a membrana epitelial alveolar e o endotélio capilar é
chamado interstício. O septo alveolar é constituído por vasos sanguíneos e fibras elásticas, colágenas e
terminações nervosas. A superfície alveolar é constituída por três tipos de células:

• o pneumócito tipo I, ou célula alveolar escamosa, que é a mais frequente e recobre a


superfície alveolar;

• o pneumócito tipo II, ou célula alveolar granular, que armazena e secreta a substância
surfactante, que reduz a tensão superficial entre as moléculas de água que recobrem o alvéolo
internamente, agindo como um agente anticolabante; e, finalmente,

• os macrófagos alveolares, que constituem uma pequena porção das células alveolares. Os
macrófagos passam livremente da circulação para o espaço intersticial e, a seguir, passam pelos
espaços entre as células epiteliais e se localizam na superfície alveolar (AIRES, 2008; KOEPPEN;
STANTON, 2009; CURI; PROCOPIO, 2009).

Lembrete

Os macrófagos são células do sistema imune que têm função de


fagocitar corpos estranhos, partículas poluentes e bactérias, constituindo
uma barreira com o meio externo.
47
Unidade I

Saiba mais

A fim de propiciar inter‑relações entre os conteúdos da unidade, leia o


artigo a seguir:

FREDDI, N. A.; PROENÇA FILHO, J. O.; FIORI, H. H. Terapia com surfactante


pulmonar exógeno em pediatria. Jornal de Pediatria, v. 79, suplemento 2,
p. S205‑S212, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/jped/v79s2/
v79s2a10.pdf>. Acesso: 2 jul. 2015.

4.2 Mecânica ventilatória, volumes e capacidades pulmonares

A ventilação pulmonar envolve a movimentação do sistema respiratório, que requer a realização


de um trabalho mecânico para vencer forças de oposição: forças elásticas dos tecidos pulmonares
e da parede torácica; forças resistivas resultantes do fluxo de gás pelas vias respiratórias; e a
movimentação dos tecidos do pulmão e da parede torácica. Denomina‑se parede torácica o
conjunto de estruturas que se movem durante o ciclo respiratório, à exceção dos pulmões (CURI;
PROCOPIO, 2009).

Os pulmões são separados da parede torácica pelo espaço pleural. Cada pulmão tem
acoplado a si a pleura visceral e a pleura parietal, que recobre o mediastino (região onde se
localiza o coração), o diafragma e a face interna da caixa torácica. Durante o ciclo respiratório
as duas pleuras não se afastam porque a cavidade pleural é fechada e existe em seu interior uma
película liquida que as une, permitindo que se deslizem uma sobre a outra, similarmente ao que
ocorre quando uma gota de água é colocada entre duas lâminas de vidro (AIRES, 2008; CURI;
PROCOPIO, 2009).

A renovação constante do gás alveolar é assegurada pelos movimentos do tórax. Durante a


inspiração a cavidade torácica aumenta de volume e os pulmões expandem‑se para preencher o espaço
deixado. Com o aumento da capacidade pulmonar e a queda da pressão no interior do sistema, o ar do
ambiente é sugado para dentro dos pulmões. A inspiração é seguida imediatamente pela expiração,
que provoca diminuição do volume pulmonar e expulsão do gás. A expiração normalmente tem
uma duração correspondente a 1,3 a 1,4 vezes a da inspiração. À expiração, segue‑se, normalmente
sem pausa, a inspiração. Ela se faz pela contração da musculatura inspiratória, e a expiração em
condições de repouso é passiva, isto é, não há contração da musculatura expiratória. No entanto,
ao longo da expiração ocorre uma desativação paulatina da musculatura inspiratória, que contribui
para que a expulsão do ar dos pulmões seja suave. A contração dos músculos respiratórios depende
de impulsos nervosos originados dos centros respiratórios (localizados no tronco cerebral), às vezes
diretamente de áreas corticais superiores, também da medula (em resposta a estímulos reflexos
originados nos músculos). O automatismo do centro respiratório mantém o ritmo normal da
respiração, que pode ser modificado por estímulos de centros locais do sistema nervoso, bem como
por alterações químicas no sangue e/ou no líquido cefalorraquidiano. Portanto, os movimentos
48
FISIOLOGIA GERAL

respiratórios estão, até certo ponto, sob o controle volitivo, embora normalmente se processem de forma
automática, sem a participação consciente do indivíduo. Durante certo tempo, a respiração pode ser
intencionalmente acelerada, letificada ou mesmo interrompida. Essas modificações, entretanto, não se
manterão por muito tempo, pois que induzirão um distúrbio na homeostase, e o centro respiratório
comandará respostas compensatórias, que suplantarão os estímulos corticais (AIRES, 2008).

Ar Ar

Diafragma

Inspiração Expiração

Figura 20 – Mecanismos de inspiração e expiração

Os principais músculos da respiração incluem o diafragma, os intercostais externos e o escaleno,


todos eles músculos esqueléticos. Os músculos esqueléticos produzem a força motriz para a ventilação;
a força da contração aumenta quando eles são estirados e diminui quando eles se encurtam. A força
da contração dos músculos respiratórios aumenta quando o pulmão está em seus maiores volumes
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

Lembrete

A musculatura estriada esquelética está presa aos ossos e apresenta


contração voluntária. O diafragma, principal músculo da inspiração, é
inervado pelo nervo frênico e controlado pelo centro respiratório no SNC.

O processo da respiração começa com o ato da inspiração, que é desencadeada pela contração do
diafragma. Ao se contrair, o diafragma desloca‑se para a cavidade abdominal, removendo o abdome
para fora e criando pressão negativa no interior do tórax. A abertura da glote, nas vias aéreas superiores,
conecta o mundo exterior ao sistema respiratório. Como os gases fluem da maior para a menor pressão,

49
Unidade I

o ar move‑se para os pulmões, vindo do meio externo, de forma muito semelhante ao modo como o
aspirador de pó suga ar para seu interior. O volume do pulmão aumenta na inspiração, e o oxigênio
(O2) é levado para o pulmão, enquanto, durante a expiração, o diafragma relaxa, a pressão no tórax
aumenta e o dióxido de carbono (CO2), além de outros gases, fluem, passivamente, para fora dos pulmões
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

Sino frontal
Cavidade nasal
Ar
oxigênio
CO2
gás carbônico Cavidade oral
Ar
oxigênio Epiglote
Esôfago Pulmões
Pleura
Traqueia

Pulmão
O2 Brônquios

CO2 Coração
Encaixe
cardíaco

Diafragma
Alvéolo
(seção transversal)
Estrutura das vias aéreas Duto alveolar
intrapulmonares Músculos lisos Entrada de oxigênio
Veia pulmonar Saída de dióxido de carbono
Artéria pulmonar Vaso capilar
Alvéolos
Células alveolares (tipos 1 e 2)
Bronquíolos
respiratórios

Duto alveolar
Saco alveolar
Poro alveolar

Uma camada de vasos capilares


recobre toda a superfície dos alvéolos

Figura 21 – Durante a inspiração ocorre a entrada de ar (O2) no


sistema respiratório, durante a expiração ocorre a saída de ar (CO2)

O diafragma é o principal músculo da respiração e separa a cavidade torácica da cavidade abdominal.


A contração do diafragma força o conteúdo abdominal para baixo e para frente. Isso aumenta a
dimensão vertical da cavidade torácica e cria diferença de pressão entre o tórax e o abdome. Durante a
respiração, em repouso, o diafragma move‑se aproximadamente por 1 cm; no entanto, durante manobras
50
FISIOLOGIA GERAL

de respiração profunda (capacidade vital) o diafragma pode mover‑se por até 10 cm. O diafragma é
inervado pelos nervos frênicos direito e esquerdo, originados no terceiro a quinto segmentos cervicais
da medula espinhal (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Os outros músculos importantes da inspiração são os músculos intercostais externos, que puxam
as costelas para cima e para frente durante a inspiração. Isso causa aumento nos diâmetros lateral e
ântero‑posterior do tórax. A inervação dos músculos intercostais externos é pelos nervos intercostais
com origem no mesmo nível da medula espinal. A paralisia desses músculos não causa efeito significativo
na respiração porque esta é, em sua maior parte, dependente do diafragma. É por isso que indivíduos
com lesões altas da medula espinal podem respirar espontaneamente. Quando a lesão está acima
de C3 (terceira vértebra cervical), os indivíduos ficam completamente dependentes de um respirador
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

Os músculos acessórios da inspiração (os músculos escalenos, que elevam o esternocleidomastoideo;


o alar nasal, que causa o alargamento das narinas; e os pequenos músculos da cabeça e do pescoço) não
se contraem durante a respiração normal, no entanto, eles se contraem vigorosamente no decorrer do
exercício e, quando a obstrução das vias aéreas é significativa, eles, ativamente, puxam a caixa torácica
para cima. Durante a respiração normal, eles fixam o esterno e as costelas superiores.

A expiração durante a respiração normal é passiva, mas ela passa a ser ativa ao longo do
exercício e da hiperventilação. Os músculos mais importantes na expiração são os da parede
abdominal (reto abdominal, oblíquo interno e externo e transverso do abdome) e os músculos
intercostais internos, que se opõem aos intercostais externos (isto é, eles puxam as costelas
para baixo e para dentro). Os músculos inspiratórios fazem o trabalho da respiração. Durante
a respiração normal, o trabalho é pouco e os músculos inspiratórios têm reservas energéticas
significativas. Os músculos respiratórios podem ser treinados a realizar mais trabalho, mas existe
um limite finito para o trabalho que podem executar. A fraqueza dos músculos respiratórios pode
comprometer o movimento da caixa torácica, e a fadiga dos músculos respiratórios é o principal
fator no desenvolvimento da falência respiratória.

A avaliação da função pulmonar e o estudo da mecânica estática do pulmão (as propriedades


mecânicas de um pulmão cujo volume não está variando com o tempo) começam com a medida
dos volumes pulmonares e dos fatores que determinam esses volumes. Os volumes pulmonares são
convencionalmente divididos em quatro volumes primários e quatro capacidades. Os volumes primários
não se sobrepõem, ao passo que as capacidades são formadas por dois ou mais volumes primários. O
volume corrente (Vc) é o volume de ar movido em cada respiração calma. No ser humano, esse volume
oscila entre 350 e 500 ml. O volume corrente aumenta com o metabolismo como durante o exercício,
nas sobrecargas ou nos processos febris. O volume de reserva inspiratório (VRI) é o máximo volume
de gás que pode ser inspirado após uma inspiração máxima forçada, partindo de uma inspiração basal;
em outras palavras, é a reserva disponível para o aumento do volume corrente – se o volume corrente
exagera, a reserva disponível ou VRI diminui. Em condições de repouso, o VRI corresponde a cerca de
3.100 ml no adulto jovem. O volume de reserva expiratório (VRE) é o volume máximo de gás, que
pode ser expirado, após uma expiração basal. Mede a reserva de expiração e também diminui, quando o
volume corrente aumenta. Em condições de repouso, corresponde a 1.200 ml no adulto jovem. O volume
51
Unidade I

residual (VR) é o volume de ar que permanece nos pulmões após uma expiração máxima forçada, ou
seja, existe um volume de gás, contido nos pulmões, que não é expelido quando o pulmão e o tórax
estão intactos. Esse volume corresponde a 1.200 ml no adulto jovem. A capacidade inspiratória (CI)
corresponde ao volume máximo de gás, que pode ser inspirado, após uma expiração basal. Corresponde,
portanto, à soma dos volumes corrente e de reserva inspiratório, sendo seu valor aproximadamente
de 3.600 ml. A capacidade residual funcional (CRF) iguala‑se ao volume de gás que permanece nos
pulmões, após uma expiração basal. Seu valor é de cerca de 2.400 ml. A capacidade vital (CV) é o
maior volume de gás que pode ser mobilizado até atingir uma expiração máxima, de maneira forçada,
após uma inspiração máxima. A CV corresponde à soma de VRI, VC e VRE e, portanto, tem seu valor ao
redor de 4.800 ml. A capacidade pulmonar total (CPT) é a quantidade de gás contido nos pulmões,
ao final de uma inspiração máxima; portanto, é o maior volume de gás que os pulmões podem conter. É
igual à soma de VRI, VC, VRE e VR ou à de CV e VR, ficando seu valor ao redor de 6.000 ml (AIRES, 2008;
KOEPPEN; STANTON, 2009; DOUGLAS, 2006).

Todos esses volumes e capacidades descritos não são imutáveis, variando conforme a situação
fisiológica ou patológica. Como exemplo, pode‑se citar a capacidade vital que é maior em homens do
que em mulheres, aumenta com a altura e diminui com a idade. Também em um mesmo indivíduo, os
valores desses compartimentos podem diferir conforme a situação postural; assim, um indivíduo em
posição ereta apresenta um aumento da CRF, graças ao aumento do VRE, em relação a quando ele fica
deitado, devido ao deslocamento de sangue do tórax e à movimentação das vísceras abdominais; o VRI
consequentemente diminui.

O volume corrente corresponde a um volume de gás que não vai, em sua totalidade, penetrar nos
alvéolos. Essa parte em que não penetra fica localizada nas vias aéreas (fossas nasais, boca, faringe,
laringe, traqueia, brônquios e bronquíolos terminais), áreas em que não ocorrem trocas gasosas; por esse
motivo, e compartimento é denominado espaço morto anatômico.

O volume do espaço morto (VEM) corresponde a cerca de um terço do volume corrente basal.
Pode ser calculado em indivíduos de estatura normal como aproximadamente 2,2 vezes o peso corporal
em quilos. Entretanto, a aplicação desse cálculo para indivíduos obesos ou crianças foge ao valor
real. O VEM pode variar; assim, pode diminuir após uma traqueostomia ou pneumonectomia ou pode
aumentar, por exemplo, em patologias nas quais os alvéolos são hiperventilados. Considerando‑se a
ventilação necessária para a boa troca gasosa, o espaço morto fisiológico mede todo o volume de ar
que não experimenta hematose. A ventilação do espaço morto fisiológico refere‑se à quantidade total
de ventilação desperdiçada, incluindo a do espaço morto anatômico, assim como aquela não utilizada
nos alvéolos com ventilação excessiva.

A fração do volume corrente que penetra nos alvéolos e que, correspondentemente, sofrerá troca
gasosa, é denominada volume alveolar (VA) e é o volume que tem fundamental importância no
processo de ventilação pulmonar. Portanto, o volume corrente é igual à soma de VA e VEM. Este espaço
corresponde àquele que determina a troca gasosa com o sangue circulante pulmonar. A respiração
basal normal denomina‑se eupneia. Neste caso, a ventilação pulmonar, ou volume corrente‑minuto
(VCM), também é basal. VCM é definido como o volume de ar inspirado, ou expirado, em um minuto,
sendo, portanto, igual ao volume corrente x frequência respiratória (FR) (DOUGLAS, 2006).
52
FISIOLOGIA GERAL

A ventilação pulmonar é o processo por meio do qual o ar contido no interior dos pulmões é
constante e periodicamente renovado. Por outro lado, denomina‑se perfusão o volume de sangue que
irriga o alvéolo pulmonar. A relação entre esses dois parâmetros (ventilação e perfusão) é considerada
fundamental na fisiologia respiratória, já que integra as funções ventilatória e circulatória, que devem
estar harmoniosamente equilibradas. Essa relação mantém o fornecimento adequado de O2 para os
tecidos. Em indivíduos normais, esse desacoplamento é a causa mais comum de hipoxemia (baixa
concentração de oxigênio no sangue arterial) e está presente em quase todas as patologias pulmonares
(DOUGLAS, 2006).

4.3 Difusão dos gases, transporte dos gases pelo sangue e pressões de
trocas gasosas

A troca de gases no organismo, movimentando‑se desde a atmosfera até os alvéolos, ou na direção


contrária, é um processo passivo, pelo qual acontece a transferência de gás por meio da barreira sangue‑gás.

As moléculas de qualquer gás permanecem em movimento constante e aleatório, tanto mais intenso
quanto maior for a temperatura, acarretando colisões entre as diversas moléculas, sendo que, quanto
maior for o número de moléculas e, portanto, maior a concentração de gás, maior será o número de
colisões. Esse processo de movimentação do gás é chamado de difusão e desloca as moléculas do gás do
meio mais para o menos concentrado. Cabe ressaltar que a concentração de um gás deve ser levada em
conta no processo de difusão somente quando ele estiver livre (sem ter agido ou combinado com outras
moléculas) e, assim, por meio de suas colisões, exerça pressão. Por esse motivo, pode‑se estabelecer que
se difunde um gás quando há diferença de pressão.

A lei de Dalton estabelece que, em uma mistura de gases, em qualquer volume, a pressão total
equivale à soma das pressões desenvolvidas por cada gás componente da mistura. Nesse caso,
a pressão de cada gás é denominada sua pressão parcial. Tal conceito é importante, pois a ação
químico‑fisiológica de um gás depende de sua pressão parcial, a qual, por sua vez, depende do número
de moléculas livres, em condições determinadas de pressão e temperatura, independentemente de
outros gases que estejam simultaneamente ocupando o mesmo compartimento (DOUGLAS, 2006).

A pressão atmosférica, ao nível do mar, é de 760 mmHg. Um recipiente que contenha somente nitrogênio,
ao nível do mar, apresentará, segundo a lei de Dalton, uma pressão de 760 mmHg, o mesmo ocorrendo
com a pressão exercida por qualquer mistura gasosa. Assim, se uma mistura gasosa, por exemplo, o ar seco,
estiver ao nível do mar, sua pressão total será igual à soma das pressões parciais de cada gás:

Ptotal = PO2 + PCO2 + PN2 + ... = 760 mmHg

Por outro lado, a pressão parcial de cada gás, em uma mescla gasosa, é igual à pressão total
multiplicada pela porcentagem desse gás, na mistura global. Assim, por exemplo, se a porcentagem de
O2 no ar seco, ao nível do mar, é de 20,93%, sua pressão parcial será:

PO2 = 760 x 20,93 = 159 mmHg


100
53
Unidade I

O mesmo raciocínio aplica‑se para o CO2 (0,04%), para o N2 (79,03%), ou o equivalente para os
componentes de qualquer outra mistura gasosa (DOUGLAS, 2006).

A lei de Henry afirma que o volume de um gás solúvel que se dissolve em um líquido a certa
temperatura é diretamente proporcional à pressão parcial desse gás, ou seja, a pressão parcial de um
gás (Px) é igual à fração dele na mistura gasosa (Fx) multiplicada pela pressão total ou barométrica (PB):

Px = Fx x PB

Como a principal finalidade do processo ventilatório é a manutenção de uma adequada composição


do gás alveolar, o sangue venoso que passa pelos alvéolos está constantemente retirando O2 e eliminando
CO2 para essas estruturas; consequentemente, o ar inspirado encontrará, para misturar‑se, um gás
alveolar com grande PCO2 e baixa PO2, resultante do metabolismo celular (DOUGLAS, 2006).

O ar alveolar não tem as mesmas concentrações de gases que o ar atmosférico. Há várias razões
para as diferenças observadas. Em primeiro lugar, o ar alveolar é substituído apenas parcialmente por
ar atmosférico a cada respiração; o oxigênio é constantemente absorvido do ar alveolar; o dióxido de
carbono sofre constante difusão do sangue pulmonar para os alvéolos. E, finalmente, o ar atmosférico
seco que penetra nas vias respiratórias é umidificado mesmo antes de alcançar os alvéolos (GUYTON;
HALL, 2011).

O ar atmosférico é constituído quase totalmente por nitrogênio e oxigênio; em condições normais,


quase não contém dióxido de carbono e só pouco vapor d’água. Todavia, tão logo o ar atmosférico
penetra nas vias respiratórias, ele é exposto aos líquidos que recobrem as superfícies respiratórias. Mesmo
antes de penetrar nos alvéolos, o ar fica totalmente umidificado. A pressão parcial de vapor d’água na
temperatura corporal normal de 37°C é de 47 mm Hg, que, portanto, é a pressão parcial da água no ar
alveolar. Como a pressão total nos alvéolos não pode aumentar mais do que a pressão atmosférica, esse
vapor d’água simplesmente dilui todos os outros gases no ar inspirado. A umidificação do ar dilui a pressão
parcial de oxigênio, ao nível do mar, de uma média de 159 mm Hg no ar atmosférico para 149 mm Hg
no ar umidificado, enquanto diminui a pressão parcial de nitrogênio de 597 para 563 mm Hg.

Como foi discutido anteriormente, o volume residual dos pulmões, que se refere à quantidade de
ar restante nos pulmões ao término da expiração normal, corresponde a cerca de 2.300 ml. Contudo,
apenas 350 ml de ar novo é levado aos alvéolos a cada respiração normal, sendo expirada a mesma
quantidade de ar alveolar. Por conseguinte, a quantidade de ar alveolar substituído por ar atmosférico
novo a cada incursão respiratória representa apenas um sétimo do total, sendo, pois, necessárias muitas
incursões respiratórias para substituir a maior parte do ar alveolar.

Com a ventilação alveolar normal, cerca da metade do gás é removida em 17 segundos. Quando
a frequência da ventilação alveolar da pessoa é apenas metade do normal, metade do gás é removida
em 34 segundos, e, quando a frequência de ventilação é o dobro do normal, a metade é removida em
cerca de 8 segundos. Essa lenta substituição do ar alveolar tem importância particular na prevenção de
alterações súbitas das concentrações gasosas do sangue. Isso torna o mecanismo de controle respiratório
muito mais estável do que normalmente seria e também ajuda a evitar aumentos e reduções excessivas
54
FISIOLOGIA GERAL

da oxigenação tecidual, da concentração de dióxido de carbono e do pH nos tecidos quando a respiração


é temporariamente interrompida.

4.4 Transporte de oxigênio no sangue

O transporte de oxigênio no sangue depende que o mecanismo de troca seja rapidamente


reversível, de modo que o oxigênio seja captado nos pulmões e difundido para os outros tecidos do
corpo. A hemoglobina (Hb) tem uma estrutura singular que permite isso.

Cada litro de sangue arterial contém aproximadamente 200 ml de oxigênio. Cerca de 3 ml desse
oxigênio (1,5%) estão dissolvidos no plasma ou no citosol dos eritrócitos; somente esse oxigênio
dissolvido contribui para a PO2 do sangue. Os 197 ml de O2 restantes (98,5%) são transportados ligados à
hemoglobina. Embora o oxigênio ligado não contribua para a PO2, ele está em equilíbrio com o oxigênio
dissolvido e, assim, a quantidade de oxigênio ligada à hemoglobina é uma função da PO2.

A molécula de hemoglobina consiste em quatro subunidades – cada uma contendo uma globina
(cadeia polipeptídica globular) – e um grupo heme – contendo ferro. Cada grupo heme tem a
capacidade de ligar uma molécula de oxigênio; então, cada molécula de hemoglobina pode transportar
um total de quatro moléculas de oxigênio. O complexo de hemoglobina e oxigênio ligado é denominado
oxihemoglobina; a molécula de hemoglobina sem oxigênio é denominada desoxihemoglobina.

Nos pulmões, quando as moléculas de oxigênio movimentam‑se do ar alveolar para o sangue


capilar, elas se ligam à hemoglobina; quando o sangue chega aos tecidos‑alvo, as moléculas de oxigênio
dissociam‑se da hemoglobina e se difundem para as células. Para a hemoglobina atuar no transporte de
oxigênio, é crítico que a ligação ao oxigênio ocorra de forma reversível – ou seja, fortemente o suficiente
para captar grandes quantidades de oxigênio nos pulmões, mas não tão forte que não seja possível a
liberação do oxigênio nos tecidos consumidores.

A ligação ou liberação de oxigênio depende da PO2 do líquido no qual está a hemoglobina. Uma alta
PO2 facilita a ligação de oxigênio à hemoglobina, já uma baixa PO2 facilita a liberação de oxigênio da
hemoglobina. A reação do oxigênio com a hemoglobina pode ser escrita como:

Hb + O2 ↔ Hb ∙ O2

na qual Hb é a desoxihemoglobina, O2 é o oxigênio dissolvido no sangue e Hb O2, a oxihemoglobina.


A lei de ação das massas estabelece que um aumento da concentração dos reagentes desloca a reação
para a direita, resultando na geração de mais produto. Desse modo, quando os níveis de oxigênio nos
capilares pulmonares aumentam, mais oxihemoglobina é formada. Reciprocamente, quando os níveis de
oxigênio nos capilares sistêmicos diminuem, a reação é deslocada para a esquerda, para liberar oxigênio
da hemoglobina.

Quanto mais oxigênio estiver disponível no sangue, mais oxihemoglobina será formada. Quando
todos os sítios de ligação de oxigênio de uma molécula de hemoglobina estão ocupados, diz‑se que a
molécula de hemoglobina está 100% saturada (STANFIELD, 2014).
55
Unidade I

A relação entre PO2 e a saturação da hemoglobina pode ser resumida na curva de dissociação
hemoglobina‑oxigênio. Embora a saturação percentual da hemoglobina aumente quando a PO2
aumenta, a curva que descreve a ligação do oxigênio à hemoglobina não é linear, porém tem forma
de S (sigmoide), porque a capacidade da hemoglobina de ligar oxigênio depende de quantas moléculas
de oxigênio já estão ligadas. Especificamente, a ligação de uma molécula de oxigênio à hemoglobina
aumenta a afinidade da molécula pelo oxigênio e, assim, aumenta a probabilidade de outro oxigênio
ligar‑se à hemoglobina. A ligação do oxigênio a uma das subunidades de uma molécula de hemoglobina
induz uma alteração na conformação da molécula, que aumenta a afinidade das demais subunidades
pelo oxigênio (processo chamado cooperatividade positiva), uma vez que essa alteração da PO2 produz
um aumento maior da saturação percentual.

Em pressões parciais muito baixas (menos de 15 mmHg, um nível não habitualmente encontrado
no sangue), a maior parte das moléculas de hemoglobina não tem oxigênio ligado à elas. Nessas
condições, a afinidade da hemoglobina por oxigênio é relativamente baixa e um dado aumento da PO2
produz um pequeno aumento da porcentagem de saturação. Quando a PO2 aumenta, mais moléculas
de hemoglobina ligar‑se‑ão a pelo menos uma molécula de oxigênio, causando aumento da
afinidade da hemoglobina por outras moléculas de oxigênio. Essa relação é observada na parte
mais inclinada da curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio a valores entre 15 e 60 mmHg.
Com valores superiores a 60 mmHg, a inclinação da curva diminui, já que menos sítios de ligação
estão disponíveis à medida que a saturação aumenta. Acima de uma PO2 de aproximadamente
80 mmHg, a curva torna‑se praticamente horizontal.

Pode‑se relacionar a curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio a eventos nos pulmões e outros


tecidos. A PO2 nas artérias sistêmicas é de aproximadamente 100 mmHg e, a essa PO2, a hemoglobina está
98% saturada (atingir 100% de saturação exigiria uma PO2 de cerca de 250 mmHg). Nas veias sistêmicas,
a PO2 é de aproximadamente 40 mmHg e a hemoglobina está aproximadamente 75% saturada. Assim,
em condição de repouso, os tecidos captam apenas 25% do oxigênio transportado no sangue, deixando
uma grande reserva de oxigênio disponível para o caso de aumento das demandas.

Existem pelo menos quatro outros fatores (temperatura, pH, PCO2 e 2,3‑bifosfatoglicerato) que
afetam a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. Alterações da afinidade da hemoglobina por oxigênio
refletem‑se em deslocamentos da curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio para a direita ou para
a esquerda. Diminuições da afinidade fazem a curva deslocar‑se para a direita, indicando que uma PO2
maior é necessária para qualquer dado nível de saturação; um deslocamento para a direita também
indica que o oxigênio é liberado mais facilmente pela hemoglobina, tornando‑se mais disponível para
os tecidos. Aumentos da afinidade causam deslocamentos para a esquerda, indicando que uma menor
PO2 é necessária para a obtenção de qualquer nível de saturação; um deslocamento para a esquerda
também indica que o oxigênio é capturado mais facilmente pela hemoglobina. Em condições normais,
uma PO2 de 45 mmHg produz 80% de saturação da hemoglobina. Com um deslocamento para a
direita, uma PO2 menor que 45 mmHg pode produzir o mesmo nível de saturação.

Considerando os quatro fatores mencionados anteriormente que afetam a afinidade da hemoglobina pelo
oxigênio, os três primeiros – temperatura, pH e PCO2 – cooperam para promover a liberação de oxigênio da
hemoglobina nos tecidos consumidores e a captura de oxigênio pela hemoglobina nos pulmões.
56
FISIOLOGIA GERAL

A temperatura afeta a afinidade por oxigênio por meio da alteração da estrutura da molécula de
hemoglobina. Esse fator é inespecífico, já que a temperatura afeta a estrutura de todas as proteínas.
Contudo, essa alteração estrutural tem importantes consequências funcionais. Quando o metabolismo do
tecido aumenta, a temperatura aumenta, diminuindo, assim, a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio.
Como consequência, o oxigênio é liberado no tecido. Da mesma forma, a diminuição da temperatura do
sangue quando entra nos pulmões aumenta a afinidade da hemoglobina por oxigênio, promovendo a
captação de oxigênio.

O efeito do pH sobre a curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio é conhecido como efeito


Bohr. Quando se liga o oxigênio à hemoglobina, certos aminoácidos da proteína liberam íons
hidrogênio. Portanto, o aumento da concentração dos íons hidrogênio (diminuição do pH) desloca
a curva para a esquerda, fazendo com que alguns oxigênios se dissociem da hemoglobina, mesmo
quando a PO2 se mantem constante. O efeito Bohr é importante porque, quando íons hidrogênio
se ligam à hemoglobina, eles diminuem a afinidade ao oxigênio e, portanto, oxigênio é liberado.
A concentração de íons hidrogênio tende a aumentar nos tecidos ativos, o que facilita a liberação
de oxigênio.

A PCO2 afeta a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio porque o dióxido de carbono reage
reversivelmente com certos grupos amino da hemoglobina, formando carbamino‑hemoglobina
(Hb∙CO2). Portanto, o aumento da PCO2 no sangue, como ocorre quando a atividade metabólica aumenta,
leva ao aumento da concentração de carbamino‑hemoglobina. Quando se liga o dióxido de carbono
à hemoglobina, altera a conformação dela e diminui sua afinidade ao oxigênio, fenômeno conhecido
como efeito carbamino.

O quarto fator, 2,3‑bifosfoglicerato (2,3‑BPG), é um composto químico produzido nos


eritrócitos a partir de um composto intermediário da glicólise, a via anaeróbica pela qual os
eritrócitos obtêm toda sua energia. Quando a concentração da oxihemoglobina está elevada, ela
inibe a enzima que forma o 2,3‑BPG; dessa forma, os níveis de 2,3‑BPG são baixos e exercem
pouco efeito sobre a afinidade da hemoglobina. Em contraste, se os níveis de oxihemoglobina
estão baixos, como ocorre quando o suprimento de oxigênio é limitado, ocorre a síntese do
2,3‑BPG e ele diminui a afinidade da hemoglobina por oxigênio. Esse efeito aumenta a liberação
do oxigênio para os tecidos. As condições que aumentam o 2,3‑BPG incluem a anemia e as
grandes altitudes (STANFIELD, 2014).

Observação

O monóxido de carbono (CO) liga‑se à hemoglobina com mais afinidade


que o oxigênio e impede sua ligação, diminuindo o transporte de oxigênio
no sangue levando à morte por asfixia.

A solubilidade do CO2 no sangue é de cerca de vinte vezes mais que o O2; portanto, consideravelmente
mais CO2 do que O2 está presente em uma solução simples a pressões parciais iguais. O CO2 que se difunde
nos eritrócitos é rapidamente hidratado em H2CO3 devido à presença da enzima anidrase carbônica.
57
Unidade I

Essa enzima é responsável por catalisar (permitir que a reação ocorra em tempos compatíveis com
a fisiologia) a reação. O H2CO3 dissocia‑se em H+ e HCO3 ‑, e o H+ é tamponado, principalmente pela
hemoglobina, enquanto o HCO3– entra no plasma. A seguinte equação ilustra o processo de difusão do
CO2 que ocorre dentro de um eritrócito:

CO2 + H2O ↔ H2CO3 ↔ H+ + HCO3–


H+ + Hb‑ ↔ HHb

Parte do CO2 nos eritrócitos reage com os aminogrupos de hemoglobina e outras proteínas, formando
compostos carbamino.

Observação

Tamponamento é o mecanismo pelo qual ácidos ou bases fracas, com


seus respectivos sais, impendem alterações drásticas no pH de uma solução
por adição ou retirada de ácidos.

Como a desoxihemoglobina liga mais H+ do que a oxihemoglobina e forma compostos carbamino


mais prontamente, a ligação de O2 à hemoglobina reduz sua afinidade ao CO2. Este fenômeno é
conhecido como efeito Haldane. Consequentemente, o sangue venoso transporta mais CO2 do que o
sangue arterial, a captação de CO2 é facilitada nos tecidos e a liberação de CO2 é facilitada nos pulmões.
Cerca de 11% do CO2 adicionados ao sangue nos capilares sistêmicos são transportados para os pulmões
como carbamino‑CO2.

No plasma, o CO2 reage com as proteínas plasmáticas para formar pequenas quantidades de
compostos carbamino e pequenas quantidades de CO2 são hidratadas; mas a reação de hidratação é
lenta na ausência da anidrase carbônica.

Pelo fato do aumento do conteúdo de HCO3– nos eritrócitos ser muito maior do que no
plasma à medida que o sangue passa por meio dos capilares, cerca de 70% do HCO3– formado
nos eritrócitos entra no plasma. O excesso de HCO 3– deixa os eritrócitos por meio da troca por
Cl‑ (íons cloreto). Esse processo é chamado desvio de cloretos. Devido a ele, o conteúdo de Cl‑
dos eritrócitos do sangue venoso é, portanto, significativamente maior do que no sangue arterial
(GANONG, 2006).

Para cada molécula de CO2 adicionada a um eritrócito, há um aumento de uma partícula


osmoticamente ativa na célula (HCO3– ou Cl‑). Consequentemente, os eritrócitos captam água e
aumentam de tamanho. Por essa razão, mais o fato de que uma pequena quantidade de líquido
no sangue arterial retorna por meio dos vasos linfáticos, e não das veias, o hematócrito do sangue
venoso normalmente é 3% maior que o do sangue arterial. Nos pulmões, o Cl‑ sai das células junto
a H2O e, então, elas encolhem.

58
FISIOLOGIA GERAL

4.5 Controle nervoso da respiração

A respiração é um processo automático, rítmico e regulado centralmente por um controle voluntário.


O sistema nervoso central e, em particular, o tronco encefálico funcionam como o principal centro de
controle da respiração. A regulação da respiração requer

• geração e manutenção do ritmo respiratório;


• modulação desse ritmo por alças de retroalimentação sensorial e reflexos que permitem a
adaptação a várias condições enquanto minimizam os custos energéticos; e
• recrutamento de músculos respiratórios que se podem contrair apropriadamente para a hematose
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

O gerador central de padrões (GCP) é composto de muitos grupos de células com propriedades de
marca‑passo. O GCP integra a entrada periférica de receptores de estiramento no pulmão e receptores
de O2 no corpo carotídeo, com informação vinda do hipotálamo e da amígdala. Essa informação
pode ser excitatória ou inibitória. Ainda mais, como os sinais do nervo frênico estão ausentes entre os
esforços inspiratórios, uma chave inspiratória, tipo liga‑desliga, parece operar o sistema, e essa chave
inibe o GCP durante a expiração.

Resumo

O termo homeostase refere‑se ao estado de equilíbrio do meio interno,


que é um pré‑requisito para o funcionamento adequado dos fenômenos
fisiológicos. Pequenas alterações do meio interno desencadeiam
mecanismos homeostáticos que visam reestabelecer o estado de equilíbrio,
conservando, assim, a estabilidade do meio interno.

O sistema cardiovascular transporta e distribui nutrientes e oxigênio


para os tecidos e remove os produtos do metabolismo celular. É composto
por uma bomba (coração), uma série de tubos para distribuição (artérias) e
coleta (veias) e uma rede de vasos finos que permitem trocas rápidas entre
os tecidos e o sistema de vasos (microcirculação). O coração é dividido em
quatro cavidades: átrio direito, átrio esquerdo, ventrículo direito e ventrículo
esquerdo. Os ventrículos são bombas propulsoras do fluxo de sangue, e os
átrios são o ponto de geração dos impulsos que geram a contração.

Dentro das paredes internas das cavidades, estão as válvulas cardíacas


que orientam o fluxo sanguíneo impedindo o refluxo de sangue. A contração
do coração é denominada sístole, e o relaxamento, diástole.

Existem dois grandes circuitos. No primeiro circuito, o sangue venoso


contido no ventrículo direito vai em direção aos pulmões, pela artéria
59
Unidade I

pulmonar, para ser oxigenado. Após ser oxigenado nos pulmões, o sangue
arterial retorna ao átrio esquerdo do coração por meio das veias pulmonares,
finalizando, assim, a circulação pulmonar. No segundo circuito, o sangue
arterial contido no ventrículo esquerdo é bombeado para a artéria aorta,
iniciando a circulação sistêmica. Da artéria aorta, o sangue é distribuído
para todos os tecidos (com exceção dos pulmões), e, finalmente, nos
capilares sanguíneos, ocorre troca de nutrientes. O sangue venoso retorna
ao coração pelas veias cavas, até o átrio direito, fechando o trajeto da
circulação sistêmica.

Débito cardíaco é o volume de sangue ejetado pelo coração em cada


sístole e é modulado pela quantidade de batimentos cardíacos em um
minuto. A ativação do sistema nervoso simpático pode aumentar o débito
cardíaco pelo aumento de suas variáveis. Se mais sangue retornar ao
coração, causando maior enchimento do ventrículo durante a diástole, o
maior estiramento das fibras do músculo cardíaco garantirá um volume
sistólico maior na sístole seguinte.

As contrações rítmicas e coordenadas das câmaras cardíacas são ativadas


por impulsos elétricos gerados espontaneamente por células marca‑passo
do nó sinoatrial (NSA) que se espalham pelos átrios chegando ao nó
atrioventricular, sofrendo um pequeno retardo. Ao chegar ao feixe de His, o
impulso elétrico desce entre os ventrículos direito e esquerdo e espalha‑se
completamente pelo miocárdio ventricular por meio das fibras de Purkinje.

A pressão arterial (PA) é a existente nas grandes artérias, depende do


fluxo de sangue ejetado nas artérias e do ritmo de esvaziamento do sangue
arterial na circulação periférica. O coração fornece a diferença de pressão
para a perfusão adequada dos tecidos. A PA pode ser modificada por alterações
do débito sistólico, frequência cardíaca e resistência periférica total, parâmetros
que são modulados por mecanismos neurais, por meio do sistema nervoso
autonômico e dos barorreceptores; e por mecanismos humorais, por meio do
sistema renina‑angiotensina‑aldosterona e a vasopressina.

O sangue é o líquido que circula nos vasos sanguíneos, sendo bombeado


pelo coração, e a sua massa total dentro dos vasos é chamada de volemia.
Quando há um equilíbrio entre a produção e a perda de sangue, a volemia
mantém‑se normal (normovolemia), mas, se a produção de sangue for maior
que a perda, há hipervolemia e, no caso contrário, ocorre a hipovolemia.
Existem órgãos em que a velocidade de circulação do sangue é menor,
portanto funcionam como reservatórios de sangue.

As células que circulam no sangue são os eritrócitos, os leucócitos e as


plaquetas, que são fragmentos citoplasmáticos atuantes na formação do
60
FISIOLOGIA GERAL

coágulo (hemostasia). Os eritrócitos são células anucleadas que carregam


hemoglobina, o que lhes permite transportar O2 e CO2. Os leucócitos são uma
família de células diferentes que formam o sistema imune. O hematócrito
é o teste clínico que informa a quantidade de células presentes no sangue.

No sangue, também estão presentes as proteínas plasmáticas, a ureia


e o ácido úrico, a glicose e as lipoproteínas. A pressão coloidosmótica é
a força que controla a passagem de água por meio da parede do capilar
para o interstício. Quando há hipoproteinemia, a pressão oncótica diminui,
facilitando a saída de água e favorecendo o acúmulo de líquido na cavidade
intersticial. Uma das principais funções das proteínas plasmáticas é o
transporte de substâncias no sangue.

A presença de antígenos nas células sanguíneas classifica os grupos


sanguíneos em A, B, AB e O. Os indivíduos do tipo A têm anticorpos anti‑B,
os indivíduos do tipo B produzem anticorpos anti‑A, os indivíduos do
tipo AB não produzem nenhum deles, e os indivíduos O produzem os dois
anticorpos. Os indivíduos do tipo AB são receptores universais, porque não
possuem aglutininas circulantes; os do tipo O são doadores universais,
porque que não têm os antígenos A e B. Entretanto, isso não significa que
o sangue deva ser transfundido sem antes ser submetido a uma prova
cruzada. Além do sistema ABO, existe o sistema Rh, sendo que o indivíduo
Rh‑negativo carece de antígeno D.

A função principal do pulmão é a troca gasosa, que consiste em


movimentar O2 para o interior do corpo e remover o CO2. O pulmão também
tem um papel na defesa imunológica por funcionar como a primeira
barreira entre o meio exterior e o interior. O sistema respiratório é formado
por uma porção condutora, que consta das vias aéreas superiores (nariz
e boca) e a árvore traqueobrônquica; uma porção de transição, em que
começa a troca gasosa; e uma porção respiratória, em que efetivamente se
realizam as trocas gasosas.

Nas vias aéreas superiores, o ar é filtrado, umidificado e aquecido


até entrar em equilíbrio com a temperatura corporal. Passando a laringe,
está a traqueia, que se bifurca assimetricamente. A partir da traqueia, a
árvore traqueobrônquica divide‑se progressivamente. Os brônquios são
seguidos pelos brônquios lobares, logo os segmentares e subsegmentares
até os bronquíolos terminais. A cada bifurcação do sistema de condução,
diminui a velocidade do ar conduzido. A partir do último ramo do
bronquíolo respiratório, surgem os ductos alveolares que terminam nos
sacos alveolares. A porção respiratória está formada pelos ductos e sacos
alveolares e os alvéolos. A unidade alvéolo‑capilar é o principal sítio de
trocas gasosas (hematose).
61
Unidade I

A avaliação da função pulmonar se dá a partir dos volumes pulmonares,


que são convencionalmente divididos em quatro volumes primários e
quatro capacidades. O volume corrente (VC) é o volume de ar movido em
cada respiração calma. O volume de reserva inspiratório (VRI) é o máximo
volume de gás que pode ser inspirado após uma inspiração máxima forçada,
partindo de uma inspiração basal. O volume de reserva expiratório (VRE) é
o volume máximo de gás que pode ser expirado após uma expiração basal.
O volume residual (VR) é o volume de ar que permanece nos pulmões após
uma expiração máxima. A capacidade inspiratória (CI) é o volume máximo
de gás que pode ser inspirado após uma expiração basal. A capacidade
residual funcional (CRF) corresponde ao volume de gás que permanece
nos pulmões após uma expiração basal. A capacidade vital (CV) é o maior
volume de gás que pode ser mobilizado até atingir uma expiração máxima,
de maneira forçada, após uma inspiração máxima. A capacidade pulmonar
total (CPT) é o maior volume de gás que os pulmões podem conter.

Como a principal finalidade da ventilação é manter uma composição


do gás alveolar adequada, o sangue venoso que passa pelos alvéolos está
constantemente retirando O2 e eliminando CO2 para essas estruturas,
portanto, o ar inspirado encontrará, para se difundir, um gás alveolar com
grande PCO2 e baixa PO2 resultante das trocas gasosas.

Exercícios

Questão 1. (Vunesp/HCFMUSP, 2015) Qual o principal mecanismo de controle neural da pressão


arterial e a sua resposta autonômica durante a elevação aguda e momentânea da pressão arterial?

A) Mecanorreceptores, aumento da atividade nervosa simpática, diminuição da frequência cardíaca


e vasoconstrição vascular periférica.

B) Barorreflexo arterial, diminuição da atividade nervosa simpática, aumento da frequência cardíaca


e vasoconstrição vascular periférica.

C) Quimiorreflexo, aumento da atividade nervosa simpática, aumento da frequência cardíaca e


vasoconstrição vascular periférica.

D) Barorreflexo arterial, diminuição da atividade nervosa simpática, diminuição da frequência


cardíaca e vasodilatação vascular periférica.

E) Quimiorreflexo, diminuição da atividade nervosa simpática, diminuição da frequência cardíaca e


vasoconstrição vascular periférica.

Resposta correta: alternativa D.


62
FISIOLOGIA GERAL

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: um mecanorreceptor é um receptor sensorial que responde à pressão ou outro


estímulo mecânico. Incluem-se neste grupo os sensores que nos ouvidos são capazes de captar as
ondas sonoras, os sensores táteis e os que são responsáveis pelo equilíbrio postural, ou propriocepção.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: barorreflexo arterial e diminuição da atividade nervosa simpática estão corretas,


porém causa diminuição da frequência cardíaca e vasodilatação vascular periférica.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: os quimiorreflexos são os principais mecanismos de controle e regulação das


respostas ventilatórias às mudanças de concentração do oxigênio e gás carbônico arterial.

D) Alternativa correta.

Justificativa: são células especializadas do Sistema Nervoso Autônomo para controlar a pressão
arterial, sendo, portanto, um importante mecanismo para o controle batimento a batimento da pressão
arterial; atua ajustando a frequência cardíaca e o tônus simpático vascular momento a momento.
Quando a pressão arterial fica muito aumentada, ocorre distensão e excitação dos barorreceptores
(células nervosas receptoras especializadas), situados nas paredes do arco aórtico e da artéria carótida.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a ativação do quimiorreflexo causa aumento da atividade simpática, frequência


cardíaca, pressão arterial e volume minuto.

Questão 2. (Enade 2010) A hemoglobina glicada é um conjunto de substâncias formado a partir de


reações entre a hemoglobina “A” (HbA) e alguns açúcares, sendo que a fração A1c, ligada especificamente
à glicose, representa 80% da hemoglobina A1 total.

Porque

A quantidade de glicose ligada à hemoglobina é diretamente proporcional à concentração média


de glicose no sangue, que permanece associada de forma irreversível à cadeia alfa da hemoglobina por
meio de reação mediada por um sistema enzimático, permitindo uma avaliação do controle glicêmico
médio no período entre 90 a 120 dias que precedem o exame.

63
Unidade I

Acerca dessas afirmativas, assinale a opção correta:

A) As duas afirmativas são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira.

B) As duas afirmativas são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa
correta da primeira.

C) A primeira afirmativa é uma proposição verdadeira, e a segunda é uma proposição falsa.

D) A primeira afirmativa é uma proposição falsa, e a segunda é uma proposição verdadeira.

E) As duas afirmativas são proposições falsas.

Resolução desta questão na plataforma.

64
FISIOLOGIA GERAL

Unidade II
5 SISTEMA DIGESTÓRIO

5.1 Estrutura geral do sistema digestório: processos de mastigação,


deglutição, digestão, absorção e defecação

O organismo está constantemente gastando energia para manter suas funções, isso significa um
consumo metabólico de substâncias que devem ser recuperadas, principalmente por meio da captação
de nutrientes e água do meio ambiente; assim como a eliminação de produtos residuais do metabolismo.
Tais funções são cumpridas por órgãos especializados, cujas funções convergem, constituindo uma
unidade funcional: o sistema gastrintestinal (DOUGLAS, 2006).

O sistema gastrintestinal é formado por órgãos ocos dispostos em série que se comunicam
nas duas extremidades (boca e ânus) com o meio ambiente, constituindo o denominado trato
gastrintestinal (TGI) e pelas glândulas anexas, que lançam suas secreções na luz do TGI. Os
órgãos que compõem o TGI são: a cavidade oral, a faringe (subdividida em nasofaringe, orofaringe
e laringofaringe), o esôfago, o estômago, o intestino delgado (formado pelo duodeno, jejuno e
íleo), o intestino grosso (formado por ceco e cólon, com suas porções ascendente, transversa,
descendente e sigmoide, bem como pelo reto) e o ânus. Esses órgãos são delimitados entre si por
esfíncteres. O esfíncter esofágico superior (EES) ou cricofaríngeo delimita a faringe do corpo do
esôfago, o qual é delimitado do estômago pelo esfíncter esofágico inferior (EEI). O estômago é
delimitado do intestino delgado pelo piloro, e o intestino delgado é separado do intestino grosso
pelo esfíncter ileocecal. A porção distal do intestino grosso diferencia‑se no reto e no ânus com
seus dois esfíncteres, o interno e o externo. No sentido cefalocaudal, as glândulas anexas ao
TGI são: as glândulas salivares, o pâncreas exócrino, o fígado e a vesícula biliar. A secreção das
glândulas salivares é lançada na cavidade oral e as secreções pancreática e biliar no intestino
delgado (AIRES, 2008).

65
Unidade II

Glândulas salivares

Esôfago

Fígado Estômago

Vesícula biliar Pâncreas


Duodeno
Cólon transverso
Cólon ascendente
Jejuno
Cólon descendente
Íleo
Ceco Sigmoide
Reto
Apêndice Ânus

Figura 22 – Trato gastrintestinal (TGI) e glândulas anexas (ou glândulas acessórias)

As secreções lançadas na luz do TGI pelas glândulas anexas, junto às produzidas pelo estômago e
pelos intestinos delgado e grosso, processam quimicamente o alimento ingerido na cavidade oral. Esse
processamento é facilitado pela motilidade do TGI que propicia a mistura, a trituração e a progressão
do alimento no sentido cefalocaudal. O alimento é reduzido a moléculas que podem ser reabsorvidas,
por meio do intestino delgado, para o sistema circulatório. O TGI promove a excreção anal dos resíduos
alimentares que não foram processados ou absorvidos.

Para cumprir suas funções de absorção de nutrientes e água, assim como excreção de produtos
residuais, o TGI apresenta cinco processos fisiológicos básicos, altamente coordenados pelos sistemas
neuroendócrinos intrínsecos do sistema gastrintestinal e do organismo como um todo:

• A motilidade é efetuada pela musculatura do TGI e propicia a mistura dos alimentos com as
secreções, a trituração e a progressão cefalocaudal dos nutrientes, além da excreção dos produtos
não digeridos e não absorvidos.

• As secreções enzimáticas sintetizadas nas glândulas anexas ao TGI assim como as produzidas
pelos estômago e intestino delgado hidrolisam, enzimaticamente, os nutrientes, gerando
ambientes de pH, de tonicidade e de composição eletrolítica adequados para a digestão dos
nutrientes orgânicos.

• A digestão refere‑se à hidrólise enzimática dos nutrientes, transformando‑os em moléculas que


possam atravessar a parede do TGI e serem absorvidas através da mucosa do seu revestimento interno.

66
FISIOLOGIA GERAL

• A absorção consiste no transporte de nutrientes hidrolisados, água, eletrólitos e vitaminas, da luz


do TGI, por meio do epitélio intestinal, para a circulação linfática e sistêmica. A absorção ocorre,
predominantemente, no intestino delgado, o qual absorve todos os produtos da hidrólise dos
nutrientes orgânicos, as vitaminas e a maior parte da água e eletrólitos.

• Finalmente, a matéria fecal formada pelos resíduos do metabolismo é eliminada pelo processo de
excreção saindo do corpo pelo ânus (AIRES, 2008).

Outra função do TGI é a imunológica, por meio do denominado Galt (gut associated lymphoid
tissue), representado por agregados de tecido linfóide, como as placas de Peyer e uma população
difusa de células imunológicas. As placas de Peyer são folículos de tecido linfóide encontrados
mais frequentemente nas porções distais do íleo. As células linfóides da mucosa, lâmina própria
e submucosa são linfócitos, mastócitos, macrófagos, eosinófilos, leucócitos etc. Esse sistema
imunológico é importante para o TGI já que ele possui a maior área do organismo e tem contato
direto com agentes infecciosos e tóxicos. O Galt não só protege contra agentes infecciosos
exógenos, como bactérias, vírus e patógenos em geral, como também o protege imunologicamente
de sua flora bacteriana, que normalmente se localiza no intestino grosso, sendo mais concentrada
no ceco.

O suprimento sanguíneo do intestino é importante por transportar os nutrientes absorvidos


para o restante do corpo. Ao contrário do que ocorre em outros sistemas de órgãos do corpo,
o sangue venoso proveniente do TGI não segue diretamente para o coração. Ele entra primeiro
na circulação porta que o conduz ao fígado. Dessa forma, parte considerável do suprimento
sanguíneo do fígado provém de outra fonte, e não da circulação arterial. O fluxo sanguíneo
gastrintestinal também se destaca por sua regulação dinâmica: cerca de 25% do débito cardíaco
dirige‑se aos vasos esplâncnicos, quantidade de sangue desproporcional à massa do TGI irrigada.
Após uma refeição, o sangue também pode ser desviado dos músculos para o TGI, para servir às
necessidades metabólicas, da parede intestinal e também para remover os nutrientes absorvidos
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

O TGI superior é formado pela cavidade oral, a faringe, o esôfago, o estômago e o duodeno
(parte inicial do intestino delgado). De forma geral, quando o alimento entra na boca ocorre o
processo de mastigação, que forma o bolo alimentício, produto da trituração do alimento e a
secreção de saliva com enzimas digestivas que começam a digestão dos polissacarídeos. Na boca, o
epitélio da camada mucosa é do tipo estratificado pavimentoso não queratinizado, do mesmo tipo
que é encontrado na faringe e no esôfago. A lâmina própria da mucosa da boca apresenta papilas
conjuntivas semelhantes às da pele, continuando‑se com a submucosa, onde encontram‑se as
glândulas salivares. O teto da boca é formado pelos palatos duro e mole. Quando o bolo alimentício
está pronto na cavidade oral, acontece sua passagem do mesmo para a faringe, por meio do
processo de deglutição. Durante esse processo, deve haver uma perfeita sincronização com a
respiração, para evitar a passagem do conteúdo alimentar para as vias aéreas, dado que existe
uma conexão entre as duas vias, respiratórias e digestivas (nasofaringe e orofaringe). A úvula, um
apêndice muscular do palato mole, não permite que o alimento entre na cavidade nasal. Funciona
como um alarme de que algo está passando pela faringe e, a partir disso, ocorre o fechamento das
67
Unidade II

vias respiratórias. Outra estrutura que participa da separação dos sistemas digestório e respiratório
é a epiglote, uma válvula localizada entre a faringe e a laringe (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO,
2009; DOUGLAS, 2006).

Boca

Pálato mole

Pálato duro

Lábios
Faringe
Língua

Figura 23 – Cavidade oral

A faringe é uma estrutura tubular que se estende da base do crânio até o esôfago, localizada
posteriormente à cavidade nasal e à laringe. Essa estrutura participa do processo de deglutição que
ocorre na cavidade oral (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009).

Ao final da faringe, temos o esôfago, que atravessa toda a cavidade torácica e conecta a
faringe ao estômago. No homem, o esôfago cruza o diafragma, unindo‑se ao estômago poucos
centímetros depois. Sua função é de transporte do bolo alimentício. Logo abaixo da faringe,
os músculos esqueléticos que circundam o esôfago formam o esfíncter esofágico superior
(EES). A camada muscular circular lisa da extremidade distal do esôfago possui uma função
diferente e constitui o esfíncter esofágico inferior (EEI). A capacidade do esfíncter de manter
uma barreira gastresofágica, impedido o refluxo, deve‑se também ao fato da última porção do
esôfago encontrar‑se abaixo do diafragma, estando submetida, portanto, às mesmas pressões
intra‑abdominais do estômago (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009).

68
FISIOLOGIA GERAL

De frente

Laringe
Cartilagem
cricoide da
laringe Cartilagem
tireoide da
laringe
Traqueia

Brônquios Artéria aorta


(esquerdo e
direito)

Esôfago Diafragma
(músculo)

Estômago

Figura 24 – Esôfago: atravessa toda a cavidade torácica


e conecta a faringe ao estômago

O estômago é dividido em três regiões: a cárdia, o corpo (também conhecido como fundo ou
corpus) e o antro ou piloro. Funcionalmente, é dividido em duas regiões: as partes proximal e
distal do estômago, tendo funções diferentes na resposta à refeição (KOEPPEN; STANTON, 2009).
Estômago
Esôfago

Músculos
longitudinais Cárdia
Músculos
circulares
Rugosidades
Piloro
Corpo

Duodeno

Figura 25 - Partes do estômago e sua musculatura

Entre as funções do estômago, está a de armazenamento, atuando como um reservatório temporário


para o alimento; ali ocorre a secreção de ácido clorídrico (H+ e Cl‑) para matar micro‑organismos e converter
o pepsinogênio em sua forma ativa (pepsina), uma enzima que começa a digestão das proteínas; a secreção
do fator intrínseco, que absorve vitamina B12, indispensável para a formação de glóbulos vermelhos; a
69
Unidade II

secreção de muco e bicarbonato, para proteger a mucosa gástrica da ação dos ácidos; e a secreção de água
para lubrificação e para prover suspensão aquosa aos nutrientes. No estômago, também ocorre atividade
motora para misturar as secreções (H+ e pepsina) com o alimento digerido e atividade motora coordenada
que regula o esvaziamento do conteúdo para o interior do duodeno.

Na região da cárdia, ocorre a secreção de muco e de bicarbonato. Essa região tem a função de
prevenir o refluxo (a partir do fechamento do EEI) e permitir a entrada do alimento, assim como regular
a saída de gases (eructação). Na região do fundo ou corpo do estômago, ocorre a secreção de H+, do
fator intrínseco, de muco, de bicarbonato, de pepsinogênios e da enzima lipase gástrica. Essa região
funciona como um reservatório do alimento, e é a responsável por gerar a força tônica durante o
esvaziamento gástrico. Finalmente, na região do antro ou piloro, ocorre a secreção de muco e de bicarbonato.
Essa região é responsável pela mistura, trituração e peneiramento do alimento, assim como da regulação
do esvaziamento gástrico por meio do esfíncter pilórico, o qual impede que o bolo alimentício passe
diretamente para o intestino (KOEPPEN; STANTON, 2009).

O intestino delgado compreende a região imediatamente caudal ao esfíncter pilórico até o esfíncter
ileocecal. É formado pelo duodeno, jejuno e íleo, que representam 5%, 40% e 55%, respectivamente, do
comprimento total do intestino delgado. O intestino delgado é o local onde a maioria das enzimas digestivas
atua sobre as substâncias provenientes dos alimentos. Aqui, ocorre a maior parte dos processos digestivos e
absortivos (principalmente do duodeno até a metade do jejuno), assim como alguns processos de controle
endócrino, pois ele produz e secreta hormônios que são liberados na circulação.

O jejuno e o íleo são diferentes, mas normalmente descritos juntos, porque não existe delimitação
nítida entre eles. O jejuno é mais vascularizado e possui uma parede mais espessa; o íleo é o último
segmento do intestino delgado e possui menor vascularização. Desemboca no intestino grosso em um
orifício chamado óstio ileocecal (ou junção ileocecal) (CURI; PROCOPIO, 2009).

Com um diâmetro maior que o intestino delgado, o intestino grosso compõe, aproximadamente,
os últimos 100 cm do TGI. Ele tem início após a válvula ileocecal e abrange o ceco, o apêndice
vermiforme, o cólon (ascendente, transverso, descendente e sigmoide), o reto e o canal anal.
A estrutura do intestino grosso é relativamente homogênea ao longo do seu comprimento,
desempenhando as funções de:

• absorção de água e eletrólitos (removendo até 90% do líquido do conteúdo intestinal proveniente
do íleo);
• produção de muco; e
• formação do bolo fecal (CURI; PROCOPIO, 2009).

Em sua superfície, não se encontram vilosidades, no entanto, há uma delgada borda estriada de
microvilosidades que proporciona maior superfície absortiva. A diversidade e riqueza da população
bacteriana do intestino grosso funcionam como uma barreira complementando a ação do sistema
imune. O canal anal fecha‑se pela contração dos esfíncteres interno e externo. O intestino grosso possui
grande peristaltismo, que são ondas peristálticas intermitentes e bem espaçadas. Essas ondas movem o
70
FISIOLOGIA GERAL

material fecal do ceco para o cólon ascendente, transverso e descendente. À medida que o material fecal
circula pelo intestino grosso, água é constantemente reabsorvida pelas paredes do intestino para os
capilares. Se as fezes ficam muito tempo no intestino grosso, perdem muita água, o que leva ao quadro
de constipação; no caso contrário, quando ocorrem movimentos rápidos do intestino grosso, não é
permitido o processo de reabsorção de água, o que leva ao quadro de diarreia (CURI; PROCOPIO, 2009).

O tecido de revestimento do trato gastrintestinal é composto por camadas constituídas de


células especializadas. A camada mucosa é a camada mais interna (luminal) do TGI e é composta
por epitélio, lâmina própria e lâmina muscular da mucosa. O epitélio é uma camada simples
de células especializadas, que reveste o lúmen do TGI. Forma uma camada contínua ao longo do
tubo com as glândulas e os órgãos que drenam seu conteúdo para o lúmen do tubo. No interior
dessa camada, existem varias células especializadas, sendo as mais abundantes os enterócitos
absortivos, que expressam proteínas importantes para a digestão e absorção dos macronutrientes.
As células enteroendócrinas contêm grânulos de secreção que liberam aminas e peptídeos
que ajudam a regular o funcionamento do TGI. As células da mucosa gástrica também são
especializadas na produção de H+, e as células produtoras de muco produzem a glicoproteína
mucina que ajuda a proteger o trato e lubrificar o lúmen (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009).

A natureza do epitélio varia muito de uma parte do TGI para outra e depende da função que predomina
em cada região. Por exemplo, o epitélio intestinal está projetado para absorção; suas células medeiam
a captação seletiva de nutrientes, de íons e de água. Em contrapartida, o esôfago tem um epitélio
escamoso, sem função absortiva. É um conduto especializado em transporte do alimento engolido,
por isso necessita de proteção contra alimentos ásperos, como as fibras, que é fornecida pelo epitélio
escamoso (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Musculatura circular
Musculatura longitudinal
Esôfago
Estômago
Intestino
delgado
Intestino
grosso

Capa mucosa
Capa submucosa
Capa muscular
Capa serosa

Figura 26 – Revestimento do trato gastrintestinal

71
Unidade II

A superfície do epitélio é formada por vilosidades e criptas. As vilosidades são projeções semelhantes
a dedos que aumentam a área da mucosa, já as criptas são invaginações ou pregas do epitélio. O epitélio
que reveste o TGI é continuamente renovado e substituído por células em divisão, processo que dura em
torno de três dias nos humanos (KOEPPEN; STANTON, 2009).

A lâmina própria, situada diretamente abaixo do epitélio, é constituída, em grande parte, por tecido
conjuntivo frouxo, que contém fibrilas de colágeno e de elastina. É rica em vários tipos de glândulas
e contém vasos linfáticos, linfonodos, capilares e fibras nervosas. A lâmina muscular da mucosa é
fina e é a camada mais interna de músculo liso do intestino (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009).

A camada seguinte é a submucosa, constituída em grande parte por tecido conjuntivo frouxo com
fibrilas de colágeno e elastina. Em algumas regiões do TGI, existem glândulas (invaginações ou pregas da
mucosa) na submucosa. Os troncos nervosos, os vasos sanguíneos e os vasos linfáticos de maior calibre,
da parede intestinal, estão na mucosa junto a um dos plexos do sistema nervoso entérico (SNE), o plexo
submucoso ou plexo de Meissner (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009).

A camada muscular externa ou camada muscular própria consiste, geralmente, em duas


camadas de células musculares lisas: a camada circular interna e a camada longitudinal externa.
As fibras musculares da camada muscular circular estão orientadas de modo concêntrico,
enquanto as fibras musculares da camada muscular longitudinal estão orientadas segundo o
eixo longitudinal do tubo. Entre essas camadas musculares, está o outro plexo do SNE, o plexo
mioentérico, ou plexo de Auerbach. Esses dois plexos constituem o SNE, que auxilia a integrar as
atividades motora e secretora do TGI.

A camada serosa ou adventícia é a camada mais externa do TGI e consiste em uma camada de
células mesoteliais escamosas. Trata‑se de uma parte do mesentério que reveste a superfície da parede
do abdome e suspende os órgãos, na cavidade abdominal. As membranas mesentéricas secretam um
líquido transparente e viscoso que auxilia na lubrificação dos órgãos da cavidade abdominal, de modo
que os órgãos possam movimentar‑se quando as camadas musculares se contraem e relaxam (AIRES,
2008; KOEPPEN; STANTON, 2009).

5.2 Resposta integrada a uma refeição

A resposta a uma refeição é dividida em várias fases. A fase cefálica compreende os


fenômenos fisiológicos de preparação do TGI para a digestão e absorção dos alimentos. A principal
característica dessa fase é a ativação do TGI em prontidão para a refeição. Os estímulos envolvidos
são cognitivos e incluem a antecipação e o pensamento sobre o consumo da comida, o estímulo
olfatório, o estímulo visual (cheirar e ver uma comida apetitosa, quando se está com fome) e,
inclusive, estímulos auditivos.

Os estímulos auditivos foram demonstrados serem eficazes na ativação do TGI em


experimentos clássicos de condicionamento com cães, desenvolvidos por um pesquisador
chamado Pavlov. O pesquisador associou estímulos auditivos (sino) à apresentação de comida
ao cachorro, ou seja, toda vez que tocava o sino, o cachorro recebia alimento, até que, por fim,
72
FISIOLOGIA GERAL

apenas os estímulos auditivos eram capazes de ativar a salivação no cão, sem a necessidade
dos visuais ou olfativos. A equivalência nos seres humanos é, presumivelmente, por exemplo,
ouvir que o jantar está pronto.

Todos esses estímulos sensoriais resultam no aumento do fluxo parassimpático excitatório neural
para o TGI. O fluxo parassimpático aumentado estimula a secreção salivar, de ácido gástrico, a secreção
enzimática do pâncreas, a contração da bexiga e o relaxamento do esfíncter de Oddi (localizado entre
o ducto comum da vesícula biliar e o duodeno). Todas essas respostas melhoram a capacidade do TGI
de receber e digerir o alimento consumido. A resposta salivar é mediada pelo IX nervo craniano e as
respostas remanescentes são mediadas pelo nervo vago (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Saiba mais

A fim de propiciar inter‑relações entre os conteúdos da unidade, leia o


artigo a seguir:

FREITAS, T. M. C.; MEDEIROS, A. M. C.; OLIVEIRA, P. T. and LIMA, K. C.


Síndrome de Sjögren: revisão de literatura e acompanhamento de um caso
clínico. Rev. Bras. Otorrinolaringol. [online]. 2004, v. 70, n. 2, p. 283‑288.
ISSN 0034‑7299. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rboto/v70n2/
a23v70n2.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2015.

Quando o alimento é colocado na boca, inicia a fase oral. Na boca, são gerados alguns estímulos
sensoriais adicionais, tanto mecânicos como químicos (sabor); entretanto, muitas das respostas que são
iniciadas pela presença do alimento na cavidade oral são idênticas àquelas geradas na fase cefálica;
isso ocorre devido a via eferente ser a mesma. A boca é importante para que ocorra a quebra mecânica
do alimento e o início da digestão. A mastigação tritura e mistura o alimento com as enzimas amilase
salivar e lipase lingual, além de lubrificar o alimento, misturando‑o com o muco, para que seja deglutido.
Na boca, a absorção de nutrientes é mínima, embora o álcool e alguns fármacos sejam absorvidos na
cavidade oral, sendo importante para a clínica. A presença do alimento na cavidade oral inicia respostas
mais distais no TGI, incluindo a secreção aumentada de ácido gástrico, a secreção aumentada das
enzimas pancreáticas, a contração da vesícula biliar e o relaxamento do esfíncter de Oddi, mediado pela
via eferente vagal.

As secreções do TGI e das glândulas associadas incluem água, eletrólitos, proteínas e agentes humorais.
A água é essencial para gerar um ambiente aquoso, para a ação eficiente das enzimas. A secreção de
eletrólitos é importante para a geração de gradientes osmóticos que direcionam o movimento da água.
As enzimas digestivas, no fluido secretado, catalisam a quebra de macronutrientes no alimento digerido.
Além do mais, muitas proteínas adicionais secretadas ao longo do TGI têm funções especializadas, como
a mucina e as imunoglobulinas. A secreção é iniciada por sinais múltiplos, associados à refeição, incluindo
os componentes químicos, osmóticos e mecânicos. A secreção é provocada pela ação de substâncias

73
Unidade II

efetoras especificas chamadas secretagogos, atuando sobre as células secretoras. Eles podem agir pelas
três vias conhecidas: endócrina, parácrina e neuroendócrina.

Os componentes secretores inorgânicos são específicos de regiões ou de glândulas dependendo


das condições particulares requeridas nessa parte do TGI. Os componentes inorgânicos são eletrólitos,
incluindo H+ e bicarbonato. Dois exemplos de secreções diferentes incluem o ácido clorídrico (HCl), no
estômago, que é importante para ativar a pepsina e começar a digestão de proteínas, e o bicarbonato, no
duodeno, que neutraliza o ácido gástrico e fornece condições ótimas para a ação de enzimas digestivas
no intestino delgado (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Na boca, existem três pares de glândulas salivares: parótida, submandibular e sublingual. Todas têm a
estrutura típica tubuloalveolar e a parte acinar da glândula é classificada segundo suas maiores secreções:
serosa (aquosa), mucosa ou mista. A glândula parótida produz, principalmente, secreção serosa, a glândula
sublingual secreta, na maior parte, muco, e a glândula submandibular produz secreção mista.
Submaxilar
Sublingual

Parótida

Figura 27 – Glândulas salivares

A composição inorgânica é inteiramente dependente do estímulo e da intensidade do fluxo salivar.


Nos humanos, a secreção salivar é sempre hipotônica e levemente alcalina. Os principais componentes são:
sódio, potássio, bicarbonato, cálcio, magnésio e cloreto. A concentração dos íons varia com a intensidade
da secreção, que é estimulada durante o período pós‑prandial. A alcalinidade da saliva é, provavelmente,
importante para a restrição do crescimento da microbiota na boca, e neutralização do refluxo de ácido gástrico
quando a saliva é deglutida. Os constituintes orgânicos da saliva, proteínas e glicoproteínas, são sintetizados,
armazenados e secretados pelas células acinares. Os principais produtos são a amilase (uma enzima que inicia
a digestão do amido), a lipase (importante para a digestão lipídica), glicoproteínas (mucina que forma muco
quando hidratada) e lisozimas (atacam as paredes de células bacterianas, para limitar a colonização bacteriana
na boca). Embora a amilase salivar comece o processo de digestão dos carboidratos, não é necessária em
adultos saudáveis, devido ao excesso de amilase pancreática.

O controle da secreção salivar é exclusivamente neural. Em contrapartida, o controle da maioria das


outras secreções do TGI é, em sua maior parte, hormonal. A secreção salivar é estimulada pelas duas
74
FISIOLOGIA GERAL

subdivisões, simpática e parassimpática, do sistema nervoso autônomo. O controle fisiológico primário


das glândulas salivares é feito pelo parassimpático. As fibras simpáticas que inervam as glândulas
salivares ramificam‑se do gânglio cervical superior. As fibras parassimpáticas pré‑ganglionares
cursam via ramos dos nervos facial (nervo craniano VII) e glossofaríngeo (nervo craniano IX) e fazem
sinapses com neurônios pós‑ganglionares, nos gânglios das glândulas salivares ou próximas a elas.
As células acinares e os ductos são supridos com terminações nervosas parassimpáticas. A estimulação
parassimpática aumenta a síntese e secreção de amilase salivar e de mucina, melhora o transporte
do ducto, aumenta o fluxo sanguíneo para as glândulas e estimula o metabolismo glandular e seu
crescimento (KOEPPEN; STANTON, 2009).

A deglutição pode ser iniciada voluntariamente, mas a continuação fica quase totalmente sob o
controle reflexo. O reflexo da deglutição é uma sequência rigidamente coordenada de eventos que
levam o alimento da boca para a faringe e da faringe para o estômago, passando pelo esôfago. Esse
reflexo também inibe a respiração e impede a entrada do alimento na traqueia durante a deglutição. A
via aferente do reflexo da deglutição começa quando os receptores de estiramento, em particular aqueles
próximos à abertura da faringe, são estimulados. Impulsos sensoriais (aferências) desses receptores são
transmitidos para o centro da deglutição, localizado no bulbo e na ponte inferior. As respostas motoras
(eferências) passam do centro da deglutição para a musculatura da faringe e do esôfago superior, via
nervos cranianos e para o restante do esôfago por neurônios motores vagais. A fase voluntária da
deglutição é iniciada quando a ponta da língua separa um bolo de massa de alimento da boca e, então,
move o bolo para cima e para trás da boca. O bolo é forçado para a faringe, que estimula receptores de
tato, e estes iniciam o reflexo da deglutição. A fase faríngea da deglutição envolve a seguinte sequência
de eventos, ocorrendo em menos de um segundo:

• o palato mole é puxado para cima e as dobras palatofaríngeas movimentam‑se para dentro, uma
em direção à outra; esses movimentos evitam o refluxo do alimento para a nasofaringe e abrem
uma estreita passagem pela qual o alimento se move para a faringe;

• as cordas vocais aproximam‑se e a laringe é movida para trás e para cima, contra a epiglote; essas
ações evitam que o alimento entre na traqueia e ajudam a abrir o EES;

• o EES relaxa para receber o bolo alimentício; e

• os músculos constritores superiores da faringe contraem‑se fortemente para forçar o bolo


profundamente na faringe. Inicia‑se uma onda peristáltica, com as contrações desses músculos,
que força o bolo de comida por meio do EES relaxado. Durante o estágio faríngeo da deglutição,
a respiração também é inibida por um reflexo. Após o bolo alimentício passar pelo EES, uma ação
reflexa faz com que ele se contraia novamente (KOEPPEN; STANTON, 2009).

75
Unidade II

Peristalse

Bolo alimentar

Parede muscular

Músculo contraído

Músculo relaxado

Figura 28 – Onda peristáltica

Durante a fase esofágica, o esôfago, o EES e o EEI executam duas funções principais. Primeiro,
impulsionam o alimento da boca para o estômago. Segundo, os esfíncteres protegem as vias aéreas,
durante a deglutição, protegendo o esôfago do refluxo das secreções gástricas ácidas (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

Os estímulos que iniciam as variações de atividade do músculo liso, que resultam nas suas funções
propulsoras e protetoras, são mecânicos e consistem em um estímulo faringeano, durante a deglutição,
e em distensão da parede esofágica. As vias são exclusivamente neurais e envolvem reflexos extrínsecos
e intrínsecos que respondem à distensão do esôfago. As variações da função resultante dos estímulos
mecânicos e da ativação das vias reflexas são o peristaltismo do músculo estriado e liso, o relaxamento
do EEI e da porção proximal do estômago.

O EES, o esôfago e o EEI atuam de modo coordenado para impulsionar o material da faringe para o
estômago. Ao final da deglutição, o bolo alimentar passa pelo EES e a sua presença inicia, pela estimulação
de mecanorreceptores e de vias reflexas, uma onda peristáltica ao longo do esôfago, chamado de
peristaltismo primário. Essa onda se desloca pelo esôfago para abaixo, lentamente (3 a 5 cm/s). A
distensão do esôfago pelo movimento do bolo desencadeia outra onda, chamada de peristaltismo
secundário. Frequentemente, esse peristaltismo secundário repetitivo é necessário para retirar o bolo
do esôfago. Dessa forma, quando o bolo atinge o EEI, ele está relaxado para permitir a passagem do
bolo, assim como a cárdia, a porção do estômago que vai recebê‑lo. Isso ocorre a cada deglutição e
sua função é permitir ao estômago acomodar grandes volumes com um aumento mínimo da pressão
intragástrica (relaxamento receptivo).

A fase gástrica começa quando o alimento chega ao estômago. Esse alimento produz a estimulação
mecânica da parede gástrica, pela distensão e pelo estiramento do músculo liso. Diversos nutrientes,
predominantemente oligopeptídeos e aminoácidos, também provocam estimulação química quando
presentes no lúmen gástrico. A regulação da função do estômago, durante a fase gástrica, é
dependente de fatores endócrinos, parácrinos e neurais. Neurônios aferentes, que se dirigem do TGI
76
FISIOLOGIA GERAL

para o sistema nervoso central via nervo vago, respondem a esses estímulos mecânicos e químicos, e
ativam o sistema parassimpático.

As vias endócrinas incluem a liberação de gastrina, que estimula a secreção gástrica, e a liberação
de somatostatina, que inibe a secreção gástrica. Importantes vias parácrinas incluem a histamina, que
estimula a secreção gástrica ácida. As respostas causadas pela ativação dessas vias podem ser secretoras
e motoras; as respostas secretoras incluem a secreção de ácido, pepsinogênio, muco, fator intrínseco,
gastrina, lipase e bicarbonato. Em geral, essas secreções iniciam a digestão proteica e protegem a
mucosa gástrica. As respostas motoras (variações da atividade da musculatura lisa) podem ser inibição
da motilidade da parte proximal do estômago (relaxamento receptivo) e estimulação da motilidade da
parte distal do estômago, que causa peristaltismo do antro. Essas alterações da motilidade desempenham
importantes papéis no armazenamento e na mistura do alimento com as secreções, e estão envolvidas
na regulação da saída do conteúdo estomacal para o intestino delgado (KOEPPEN; STANTON, 2009).

O revestimento interno do estômago é recoberto por um epitélio colunar dobrado, para formar
as criptas gástricas; cada cripta (ou fosseta) é a abertura do ducto, no qual uma ou mais glândulas
gástricas lançam suas secreções. A mucosa gástrica é dividida em três regiões distintas. A pequena
região glandular da cárdia, localizada logo abaixo do esfíncter esofágico inferior (EEI), que contém,
principalmente, células glandulares de secreção de muco. O restante da mucosa gástrica é dividido na
região glandular oxíntica ou parietal (secretora de ácido), localizada acima da incisura gástrica (a
parte proximal do estômago), e na região glandular pilórica, localizada abaixo da incisura (a parte
distal do estômago).

As células epiteliais localizadas na superfície da glândula gástrica estendem‑se para o interior


da abertura do ducto, chamado de istmo. As células parietais, secretoras de HCl e fator intrínseco
(envolvido na absorção da vitamina B12), e as células principais ou pépticas, que produzem
pepsinogênio, estão localizadas na profundidade da glândula. Nessas glândulas também encontram‑se
as células semelhantes a células enterocromafins (ECL) e as células D, que secretam histamina
e somatostatina, respectivamente. As células parietais são particularmente numerosas na região do
fundo, já as células mucosas (produtoras de muco) são mais numerosas nas glândulas da região pilórica
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

O fluido produzido pelo estômago é chamado suco gástrico, e é uma mistura das secreções de
todas as células gástricas. Um dos componentes mais importantes é o íon H+, que forma o HCL, e sua
liberação ocorre em presença de um gradiente de concentração muito acentuado. A principal função do
ácido é a conversão do pepsinogênio inativo (a principal enzima do estômago) em pepsinas, que iniciam
a digestão proteica. Quanto menor o pH do suco gástrico, mais rápida é a conversão de pepsinogênio
para pepsina, e as pepsinas também atuam sobre os pepsinogênios para formar mais pepsinas. Outra
função dos íons H+ é a de impedir a invasão e colonização do intestino por bactérias e outros patógenos
que podem ser ingeridos com o alimento. O estômago também sintetiza quantidades significativas
de bicarbonato e muco, importantes para a proteção da mucosa gástrica contra o ambiente luminal
ácido. No entanto, em humanos saudáveis a única secreção gástrica essencial é o fator intrínseco, que
é necessário para a absorção de vitamina B12.

77
Unidade II

A composição iônica do suco gástrico depende da intensidade de sua produção, quanto maior a
intensidade secretória maior a concentração de ácido. A concentração de potássio é sempre maior no
suco gástrico que no plasma. Por isso, vômitos prolongados podem levar à hipocalemia. Existe também
uma variação considerável na quantidade de ácido produzido entre os indivíduos, sendo sempre maior
durante a noite.

As células epiteliais superficiais também secretam um fluido aquoso que contêm sódio e
cloreto em concentrações similares às do plasma, mas com maior concentração de potássio e de
bicarbonato. O bicarbonato fica retido no muco viscoso que recobre a superfície do estômago;
dessa forma, o muco produzido pela célula mucosa recobre o estômago com uma camada pegajosa
e alcalina. Quando o alimento é ingerido a secreção de muco e de bicarbonato aumenta ainda mais
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

As secreções que contêm as proteínas mucinas são viscosas e pegajosas e, coletivamente, são
referidas como muco. As mucinas são sintetizadas por células mucosas das glândulas gástricas e pelas
células epiteliais superficiais do estômago. O muco é armazenado em grandes grânulos no citoplasma
das células produtoras e são liberados por exocitose. Essas mucinas formam um gel pegajoso que
adere à superfície do estômago. No entanto, esse gel está sujeito a degradação (proteólise) pelas
pepsinas. A proteólise libera fragmentos que não formam géis e, então, dissolvem a camada protetora
de muco. A manutenção da camada de muco protetor requer a síntese contínua de novas mucinas
para repor as mucinas clivadas pelas pepsinas.

O muco é produzido em intensidade significativa no estômago em repouso. Sua liberação ocorre


através dos mesmos estímulos que aumentam as secreções ácidas e de pepsinogênio. O principal
estímulo é a acetilcolina liberada pelas terminações parassimpáticas, próximas às glândulas gástricas.
Se a mucosa gástrica é mecanicamente deformada, reflexos nervosos são evocados para aumentar a
secreção mucosa.

A inervação parassimpática pelo nervo vago é a grande responsável pelas secreções gástricas. Fibras
eferentes extrínsecas terminam em neurônios intrínsecos que inervam as células parietais, as células
ECL e as células endócrinas (que produzem o hormônio gastrina). A estimulação vagal leva à liberação
de pepsinogênio, ácido, muco, bicarbonato e fator intrínseco. A estimulação do sistema nervoso
parassimpático também ocorre durante as fases cefálica e oral, mas a fase gástrica é a que tem a maior
estimulação da secreção gástrica após a refeição.

A estimulação neural via o nervo vago, resulta na liberação de acetilcolina que ativa as células do
epitélio gástrico. As células parietais liberam H+ em resposta à atividade nervosa do vago. Além disso,
frente à ativação parassimpática, os neurônios intrínsecos estimulam, por meio do peptídeo liberador
de gastrina, as células G a secretarem gastrina. A gastrina, liberada na corrente sanguínea, age nas
células parietais estimulando ainda mais a produção H+. A histamina também é liberada em resposta à
estimulação vagal, e as células ECL também respondem à gastrina. Dessa forma, a gastrina e a atividade
vagal levam à liberação de histamina, que potencializa os efeitos da gastrina e da acetilcolina sobre
as células parietais. A presença do alimento no estômago leva à distensão e ao estiramento, que são
detectados por terminações sensoriais na parede gástrica. Por fim, a digestão de proteínas aumenta a
78
FISIOLOGIA GERAL

concentração de oligopeptídeos e aminoácidos livres no lúmen, que são detectados por quimiossensores
na mucosa gástrica.

A presença de ácido na parte distal do estômago ativa mecanismos de inibição das células
parietais, de forma que a produção de H+, estimulada pelo alimento, não prossiga. Quando o pH
do lúmen atinge valores menores que 3, a somatostatina é liberada nas células mucosas do antro.
A somatostatina age nas células G reduzindo a liberação de gastrina e, portanto, a secreção gástrica
ácida (KOEPPEN; STANTON, 2009).

A histamina é o agonista mais forte da secreção de H+, já a gastrina e a acetilcolina são agonistas
muito mais fracos. No entanto, os três agonistas potencializam suas ações sobre a célula parietal. A
gastrina também tem importantes efeitos tróficos: a elevação dos níveis de gastrina faz com que as
células ECL aumentem de tamanho e número.

No estômago, sucede parte da digestão dos nutrientes, mas ela não é essencial, pois a digestão
intestinal é suficiente. Uma pequena parte da digestão dos carboidratos ocorre no estômago, mediada
pela amilase salivar. A amilase é sensível ao pH e inativada em pH baixo, no entanto, parte da amilase
permanece ativa, mesmo no ambiente ácido, por causa da proteção pelo substrato. Assim, quando
o carboidrato ocupa os sítios ativos da amilase, eles protegem a enzima da degradação (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

A digestão dos lipídios também começa no estômago. Os padrões de mistura da motilidade gástrica
resultam na formação de emulsão de lipídios e a lipase gástrica, que adere à superfície das gotas
lipídicas da emulsão, gera ácidos graxos livres e monoglicerídeos, a partir dos triglicerídeos da dieta.
Porém, esses produtos da lipólise não ficam disponíveis para absorção no estômago por causa do baixo
pH do lúmen e essa hidrólise não é essencial para a digestão.

Para que ocorra o avanço do alimento do estômago para o intestino delgado, sobrevêm dois tipos de
movimentos: um de mistura (segmentação) e outro de propulsão (peristalse). O peristaltismo é um anel
de contração que se move e propele o material ao longo do TGI. Ele envolve contrações e relaxamentos
das duas camadas de músculo mediados por eventos neurais. O peristaltismo ocorre na faringe, no
esôfago, no antro gástrico e nos intestinos delgado e grosso. As contrações segmentares permitem a
mistura do conteúdo luminal com secreções do TGI e o aumento da exposição das superfícies mucosas
em que ocorre a absorção; elas acontecem nos intestinos delgado e grosso.

A parte proximal do estômago (o fundo junto com o corpo) produz lentas variações do tônus,
compatíveis com sua função de reservatório. Elas são importantes para receber e armazenar o alimento
e para misturar o conteúdo com o suco gástrico. A geração do tônus da região proximal do estômago é
também uma força motriz na regulação do esvaziamento gástrico. Baixo tônus e, consequentemente,
baixa pressão intragástrica, estão associados ao esvaziamento gástrico lento ou retardo, e o aumento no
tônus dessa região é necessário para ocorrer o esvaziamento normal.

A parte distal do estômago é importante na mistura dos conteúdos gástricos e para a propulsão pelo
piloro, em direção ao duodeno. As camadas musculares são mais espessas no antro gástrico, permitindo
79
Unidade II

a geração de fortes contrações. Na fase gástrica da refeição, o piloro, em geral, está fechado, e as
contrações antrais servem para misturar o conteúdo gástrico e reduzir o tamanho das partículas sólidas
(trituração). Essas mesmas contrações também são importantes para esvaziar o conteúdo estomacal.
O esfíncter pilórico é a junção gastroduodenal. Essa região de alta pressão gerada por contração da
musculatura é importante para regular o esvaziamento gástrico.

A fase do intestino delgado é a parte crítica do TGI para a absorção de nutrientes. Ali, o alimento
é misturado a diversas secreções que permitem sua digestão e absorção, e as funções de motilidade
servem para garantir a mistura adequada e a exposição do conteúdo intestinal (quimo) à superfície de
absorção. Umas das especializações do intestino delgado é a grande área da superfície da mucosa. Isso
porque o intestino delgado é um tubo longo que fica enrolado à cavidade abdominal; existem pregas
ao longo de toda a mucosa e submucosa, e a mucosa tem projeções semelhantes a dedos, chamadas
vilosidades. Por fim, cada célula epitelial tem microvilosidades, em sua superfície apical. Assim, existe
uma grande área de superfície, ao longo da qual ocorrem a digestão e absorção dos nutrientes (KOEPPEN;
STANTON, 2009).
Lúmen do intestino
Veia com
sangue que Absorção de Absorção de nutrientes
vai para o nutrientes pelas células epiteliais
fígado

Microvilosidades
Células epiteliais Açúcares e Ácidos
aminoácidos graxos e
glicerol
Lumen
Camadas musculares Gordura
Grandes dobras circulares Vasos capilares
Vilosidades Veias linfáticas

Absorção de nutrientes
Vilosidade Células epiteliais
ampliada da vilosidade
Parede do intestino

Figura 29 – Superfície do intestino delgado

A principal característica da fase do intestino delgado é a liberação controlada do quimo pelo


estômago, para atender as capacidades digestivas e absortivas do intestino delgado. Além disso, existe
a liberação das secreções pancreática e biliar na parte inicial do intestino delgado (duodeno). A função
dessa região é bem regulada por vias endócrinas, parácrinas e neurais (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Os estímulos que regulam esses processos são mecânicos e químicos, e incluem a distensão da
parede intestinal e a presença de H+, nutrientes no lúmen intestinal e osmolaridade elevada. Esses
estímulos resultam em um conjunto de mudanças que representam essa fase:

• aumento da secreção pancreática;


• aumento da contração da vesícula biliar;
80
FISIOLOGIA GERAL

• relaxamento do esfíncter de Oddi;

• regulação do esvaziamento gástrico;

• inibição da secreção de ácido gástrico;

• interrupção do complexo motor migratório (CMM).

Logo após a refeição, o estômago pode conter mais de um litro de material que será, lentamente,
lançado ao intestino delgado. A intensidade do esvaziamento gástrico depende do conteúdo
de macronutrientes e da quantidade de sólidos na refeição. Dessa forma, sólidos e líquidos, de
composição nutricional similar, são liberados com intensidades diferentes. Os líquidos são liberados
rapidamente, mas os sólidos só são liberados após certo retardo, o que significa que, após uma
refeição com sólidos, há um período durante o qual pouco ou nenhum esvaziamento ocorre
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

A regulação do esvaziamento gástrico é realizada por alterações da motilidade da porção proximal


(fundo e corpo) e distal (piloro) do estômago. A função motora, nessas regiões, é muito coordenada.
Durante as fases esofágica e gástrica da refeição, a resposta reflexa predominante é o relaxamento
receptivo. Ao mesmo tempo, os movimentos peristálticos, na porção mais distal do estômago, misturam
o conteúdo gástrico com as secreções gástricas. O esfíncter pilórico permanece fechado. Mesmo que
ele se abra periodicamente, pouco esvaziamento ocorrerá, pois a porção proximal do estômago está
relaxada, e a bomba antral (contração antral) não é muito forte. Por isso, o esvaziamento gástrico
ocorre por aumento no tônus (pressão intraluminal) na porção proximal do estômago, aumento da força
da contração antral, abertura do piloro, para permitir a passagem do conteúdo, e a inibição simultânea
das contrações do segmento duodenal. O fluxo de quimo, líquido e semilíquido segue o gradiente de
pressão do estômago para o duodeno.

Quando a refeição entra no intestino delgado, ela atua de volta, por vias neurais e hormonais, para
regular a intensidade (ou velocidade) de esvaziamento gástrico, com base na composição química e
física do quimo. Neurônios aferentes, predominantemente de origem vagal, respondem aos nutrientes,
ao pH e ao conteúdo hiperosmótico do quimo, quando ele entra no duodeno. A ativação reflexa dos
eferentes vagais reduz a força das contrações antrais, contrai o piloro e reduz a motilidade gástrica
proximal, resultando em inibição do esvaziamento gástrico. Provavelmente, essa é a mesma via
responsável pela inibição da secreção gástrica ácida que ocorre quando os nutrientes chegam ao lúmen
duodenal. A colecistocinina (CCK) é liberada por células endócrinas, na mucosa duodenal, em resposta
aos nutrientes. Esse hormônio é fisiologicamente importante, além de sua participação em vias neurais,
na regulação do esvaziamento gástrico, na contração da vesícula biliar, no relaxamento do esfíncter de
Oddi e na secreção pancreática.

A quantidade de quimo, no duodeno, diminui quando ele passa para o jejuno; assim, a força da
inibição por retroalimentação intestinal é reduzida pela menor ativação de mecanismos sensoriais, no
duodeno, causada pelos nutrientes. Ao mesmo tempo, a pressão intragástrica, na porção proximal do
estômago aumenta, movendo então o material para o antro e na direção da bomba antral. As contrações
81
Unidade II

peristálticas antrais intensificam‑se e culminam na abertura do piloro e na liberação do conteúdo


gástrico, para o duodeno.

As camadas musculares do intestino delgado atuam para misturar o quimo às várias secreções
digestivas e para movê‑lo ao longo do intestino, de forma que os nutrientes, junto com a água e
os eletrólitos, possam ser absorvidos. Os padrões motores do intestino delgado, durante o período
pós‑prandial, são predominantemente voltados para a mistura e consistem, em sua maioria, em
segmentação e contrações retropulsivas, que retardam a refeição enquanto a digestão ainda está
ocorrendo.

Depois que a refeição foi digerida e absorvida, é importante que os resíduos não digeridos sejam
eliminados do lúmen, para preparar o intestino para a próxima refeição. Essa eliminação é feita pelo
peristaltismo, uma sequência coordenada de contrações, que ocorrem acima do conteúdo intestinal, e
relaxamento, abaixo, e que permitem o transporte do conteúdo por distâncias consideráveis (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

A última é a fase colônica, que se dá no segmento mais distal do TGI: o intestino grosso, composto
pelo ceco, pelas porções ascendente, transversal e descendente do cólon; pelo reto e o ânus. As funções
primárias do intestino grosso são a de digerir e absorver os componentes da refeição, que não podem
ser digeridos ou absorvidos mais proximalmente, reabsorver o fluido remanescente, que foi utilizado
durante o movimento da refeição ao longo do TGI, e armazenar os produtos que sobraram da refeição,
até que possam ser eliminados do corpo. Para a execução dessas funções, o intestino grosso vale‑se
de padrões de motilidade característicos e expressa mecanismos de transporte que impulsionam a
absorção dos fluidos, eletrólitos e outros solutos. O intestino grosso também contém um ecossistema
biológico único, consistindo em muitos trilhões das chamadas bactérias comensais, comprometidas em
processo de simbiose, com o hospedeiro humano. Essas bactérias podem metabolizar componentes da
refeição que não são digeridos pelas enzimas do hospedeiro e tornam seus produtos disponíveis para o
corpo pelo processo de fermentação. As bactérias colônicas também metabolizam outras substâncias
endógenas como ácidos biliares e bilirrubina, influenciando sua disposição. Além disso, essas bactérias
detoxificam os xenobióticos (substâncias originadas fora do corpo, como os fármacos) e protegem o
epitélio colônico de infecção por patógenos invasivos. A microflora colônica também é notável por sua
contribuição para a formação do gás intestinal. Embora grandes volumes de ar possam ser ingeridos
com as refeições, a maior parte desse gás retorna para cima, pelo estômago, formando as eructações.
Entretanto, durante a fermentação dos componentes não absorvidos da dieta, a microflora produz
grandes volumes de nitrogênio, hidrogênio e dióxido de carbono. Aproximadamente 1 litro desses gases
sem odor é excretado diariamente pelo ânus, em todos os indivíduos. Alguns indivíduos podem produzir
concentrações consideráveis de metano. Finalmente, o cólon recebe sinais que o permitem comunicar‑se
com outros segmentos gastrintestinais para aperfeiçoar as funções integradas. Por exemplo, quando o
estômago está cheio, com alimento recém‑mastigado, a presença da refeição ativa um longo arco reflexo
que resulta no aumento da motilidade colônica (o reflexo gastrocólico) e, finalmente, a evacuação do
conteúdo colônico, para abrir caminho para os resíduos da refeição seguinte. De maneira similar, a
presença de conteúdo luminal no cólon causa a liberação de mediadores endócrinos e neuroendócrinos
que alentecem a motilidade propulsiva e reduzem a secreção de eletrólitos no intestino delgado
(KOEPPEN; STANTON, 2009).
82
FISIOLOGIA GERAL

A Cólon B Capa mucosa


Cólon descendente
transverso

Cólon
ascendente
Conexão do
Intestino delgado intestino
grosso com o
delgado

Ceco

Cólon
sigmoide
Reto

Figura 30 – (A) Representação dos intestinos delgado e grosso; (B) Representação do intestino grosso

O cólon é regulado, primariamente e de modo não exclusivo, por vias neurais. A motilidade colônica
é influenciada por reflexos locais, gerados pelo enchimento do lúmen, iniciando assim a distensão e
a ativação dos receptores de distensão. Essas vias reguladoras envolvem, exclusivamente, o sistema
nervoso entérico. Em vários indivíduos, o reflexo ortocólico é ativado quando a pessoa se levanta da
cama pela manhã e promove o impulso matinal para defecar (KOEPPEN; STANTON, 2009).

O estágio final da refeição é a expulsão do corpo os resíduos não digeridos, pelo processo de defecação.
As fezes também contêm os rastros de bactérias mortas; células epiteliais mortas que descamaram
da superfície do intestino; metabólitos biliares, específicos para excreção, como os conjugados dos
xenobióticos, e uma pequena quantidade de água. Na saúde, a evacuação contém pouco ou nenhum
nutriente utilizável. A presença de tais nutrientes, na evacuação, particularmente lipídios (esteatorreia),
significa má digestão, má absorção, ou ambas. A gordura na evacuação é um marcador sensível da
disfunção do intestino delgado, porque é pouco utilizado pela microflora colônica, mas a perda de
carboidratos e proteínas na evacuação também pode ser vista se essa condição agravar‑se.

O processo de defecação requer a ação coordenada das camadas musculares lisa e estriada do reto
e do ânus, bem como das estruturas adjacentes, tais como os músculos do soalho pélvico. Durante o
movimento da massa das fezes produzido pela propagação das contrações de grande amplitude, o reto se
enche com matéria fecal. A expulsão desse material do corpo é controlada pelos esfíncteres anais interno
e externo. O enchimento do reto causa relaxamento do esfíncter anal interno via liberação do polipeptídio
intestinal vasoativo (VIP) e oxido nítrico. O relaxamento do esfíncter interno permite que o mecanismo
de amostragem anal, que pode distinguir se o conteúdo retal é sólido, líquido, ou gasoso, seja ativado.
Após o treinamento higiênico, terminações nervosas sensoriais na mucosa anal geram reflexos que iniciam
a atividade apropriada do esfíncter externo para reter o conteúdo retal ou permitir sua expulsão voluntaria
(por exemplo, flatulência). Se a defecação não é conveniente, o esfíncter externo contrai para prevenir
a saída das fezes. Assim, com o tempo, o reto se acomoda a seu novo volume, o esfíncter anal interno
novamente se contrai e o esfíncter anal externo relaxa (KOEPPEN; STANTON, 2009).
83
Unidade II

Quando a defecação é desejada, por sua vez, a adoção da postura sentada ou agachada altera a
orientação relativa do intestino e das estruturas musculares vizinhas, alinhando as vias para a saída
de qualquer um dos dois, fezes sólida ou líquida. O relaxamento dos músculos puborretais também
aumenta o ângulo retoanal. Depois do relaxamento voluntário do esfíncter anal externo, as contrações
retais movem o material fecal para fora do corpo, algumas vezes seguidas por movimento de massa das
fezes, dos segmentos mais proximais do cólon. A evacuação é acompanhada por contração simultânea
dos músculos que aumentam a pressão abdominal, tais como o diafragma. A expulsão voluntária da
flatulência, por sua vez, envolve uma sequência similar de eventos, exceto que não existe relaxamento
do músculo puborretal. Isso permite que a flatulência possa passar apertadamente pelo ângulo agudo
retoanal, enquanto o material fecal fica retido.

5.3 Glândulas anexas: fígado e pâncreas

A maioria dos nutrientes ingeridos pelos humanos está na forma química de macromoléculas.
Entretanto, essas moléculas são muito grandes para serem absorvidas pelas células epiteliais que
revestem o TGI, e têm de ser quebradas em moléculas menores, por processos de digestão química e
enzimática que ocorrem no duodeno por ação dos líquidos secretados pelas glândulas anexas, o fígado
e o pâncreas (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Vesícula biliar
Estômago

Pâncreas

Duto pancreático

Duto Duodeno
biliar
Esôfago
Fígado

Estômago
Pâncreas
Duodeno

Figura 31 – Localização anatômica das glândulas anexas: fígado e pâncreas

84
FISIOLOGIA GERAL

As secreções originadas no pâncreas são quantitativamente as maiores contribuintes da digestão


enzimática da refeição. O pâncreas também produz importantes produtos secretores adicionais, que são vitais
para a função digestiva normal. Esses produtos incluem substâncias que regulam a função ou a secreção (ou
ambas) de outros produtos pancreáticos, bem como água e bicarbonato. O bicarbonato está envolvido na
neutralização do ácido gástrico, de modo que o lúmen do intestino delgado tenha pH próximo de 7.0. Isso
é fundamental porque as enzimas pancreáticas são inativadas por altos níveis de acidez e também porque a
neutralização do ácido gástrico reduz a possibilidade de que a mucosa do intestino delgado seja lesada por
tais ácidos, agindo em combinação com a pepsina. O pâncreas é o maior contribuinte para o fornecimento
de bicarbonato, necessário para neutralizar a carga de ácido gástrico, embora os ductos biliares e as células
epiteliais do duodeno também contribuam.

Como nas glândulas salivares, o pâncreas tem uma estrutura que consiste em ductos e ácinos. O conteúdo
dos ácinos é esvaziado para o ducto pancreático principal, e daí para o intestino delgado, sob o controle
do esfíncter de Oddi. O pâncreas produz o suco pancreático, que é modificado pelos ductos no caminho
ao intestino delgado. Muitas das enzimas digestivas produzidas pelo pâncreas, particularmente as enzimas
proteolíticas, são produzidas na forma de precursores inativos. O armazenamento, nessas formas inativas,
parece ser criticamente importante na prevenção da digestão do próprio pâncreas. As principais enzimas que
compõem o suco pancreático são: a amilase pancreática, que é encarregada da digestão do amido, tendo
como produto final a maltose; a lipase pancreática, envolvida na digestão de lipídios, que hidrolisa a ligação
de ésteres dos ácidos graxos; a fosfolipase A, que quebra fosfolipídios; a enzima colesterol esterase, que
quebra ésteres de colesterol em colesterol livre; o tripsinogênio, que é a forma inativa da tripsina, envolvida
na digestão de proteínas; e as nucleases, que são encarregadas da digestão de ácidos nucleicos (DNA e RNA).
Além da ação da tripsina na digestão de proteínas ela também participa na ativação das proenzimas do
suco pancreático.

Os ductos do pâncreas podem ser considerados como o braço efetor do sistema de regulação do pH,
desenvolvido para responder ao ácido luminal, no intestino delgado, e secretar quantidades suficientes
de bicarbonato, para neutralizar o pH. Essa função reguladora também requer mecanismos sensíveis ao
pH luminal e transmite essa informação ao pâncreas, assim como a outros epitélios (por exemplo, os
ductos biliares e o próprio epitélio duodenal), capazes de secretar bicarbonato. O mecanismo sensível ao
pH encontra‑se nas células S, localizadas no epitélio do intestino delgado. Essas células especializadas
são estimuladas pela queda no pH no lúmen (abaixo de 4.5) a liberar secretina em resposta aos H+.
Quando a secretina é liberada provoca a secreção de bicarbonato, que aumenta o pH luminal, o que leva
ao bloqueio da liberação de secretina.

A diferença dos ductos pancreáticos, em que a secretina é o agonista fisiológico mais importante, a
CCK tem participação importante nas células acinares pancreáticas. A CCK é produzida pelas células I,
que também estão localizadas no epitélio do intestino delgado. Essas células liberam CCK no espaço
intersticial quando componentes específicos do alimento estão presentes no lúmen, especialmente
ácidos graxos livres e certos aminoácidos. A liberação de CCK pode se dar como resultado da interação
direta dos ácidos graxos ou dos aminoácidos, ou de ambos, especificamente com as células I.
A liberação de CCK também é regulada por fatores liberadores que agem no lúmen e podem estimular
as células I. O primeiro é o fator liberador de CCK, secretado por células parácrinas, ao longo do
epitélio, para a luz do intestino delgado, provavelmente em resposta a produtos da gordura ou da
85
Unidade II

digestão proteica (ou ambos). O segundo fator é o peptídeo monitor, liberado por células acinares
pancreáticas, no suco pancreático. Ambos os peptídeos também podem ser liberados em resposta
a um estímulo neural, o que resulta importante na iniciação da secreção pancreática, durante as
fases cefálica e gástrica, preparando o sistema para digerir a refeição tão logo ela entre no intestino
delgado (KOEPPEN; STANTON, 2009).

O papel primário desses peptídeos parece ser a liberação de CCK, bem como a disponibilidade
resultante das enzimas pancreáticas, para a digestão da refeição no lúmen do intestino. Devido ao fato
desses fatores de liberação serem peptídeos, eles estão sujeitos à degradação proteolítica por enzimas,
como a tripsina pancreática, assim como as proteínas da dieta. As proteínas oriundas da dieta estão
em quantidades muito superiores em relação aos fatores de liberação, assim elas competem com esses
fatores pela degradação proteolítica. O efeito final é que os fatores de liberação estarão protegidos da
quebra enquanto a refeição estiver no intestino delgado e, então, estarão disponíveis para continuar
estimulando a secreção de CCK pelas células I. Uma vez que a refeição tenha sido digerida e absorvida,
os fatores de liberação são degradados e o sinal para a liberação da CCK é terminado.

A CCK estimula a secreção das células acinares por dois mecanismos. Por ser um hormônio
clássico atua através da circulação e chega às células acinares e liga‑se ao seu receptor.
Entretanto, a CCK também estimula vias neurais reflexas que atingem o pâncreas. Terminações
nervosas aferentes vagais nas paredes do intestino delgado respondem à CCK, por expressarem
seu receptor. Para o efeito da CCK sobre o esvaziamento gástrico, a ligação de CCK ativa reflexos
vago‑vagais, que podem aumentar a secreção das células acinares, pela ativação de neurônios
entéricos pancreáticos e liberação de uma série de neurotransmissores, como a acetilcolina, o
peptídeo liberador de gastrina e o polipeptídio intestinal vasoativo (VIP).

Outro importante suco digestivo que é misturado à refeição, quando presente no intestino delgado,
é a bile. A bile é produzida no fígado e sua função é auxiliar na digestão e na absorção de lipídios.
A bile produzida no fígado é estocada e concentrada na vesícula biliar, até sua liberação, em resposta à
ingestão de alimento. A contração da vesícula biliar e o relaxamento do esfíncter de Oddi são induzidos,
predominantemente, pela CCK. Na composição da bile estão os componentes mais importantes para a
fase do intestino delgado, os ácidos biliares. Estes ácidos formam estruturas conhecidas como micelas,
que servem para proteger produtos hidrofóbicos da digestão lipídica, no ambiente aquoso do lúmen.
Os ácidos biliares são detergentes biológicos, e a maioria é reciclada no intestino de volta para o fígado,
após cada refeição, via circulação êntero‑hepática. Assim, os ácidos biliares são sintetizados em forma
conjugada, o que limita sua capacidade de cruzar passivamente o epitélio que recobre o intestino,
retendo‑os no lúmen, para participar na absorção lipídica. Entretanto, quando o conteúdo da refeição
atinge o íleo terminal, após a absorção lipídica ter sido completa, os ácidos biliares conjugados são
reabsorvidos associados aos íons de sódio. Somente uma pequena fração dos ácidos biliares extravasa
para o cólon, onde são desconjugados e sujeitos à reabsorção passiva. O efeito é de ciclar, diariamente,
a maioria dos ácidos biliares, entre o fígado e o intestino, coincidindo com sinais que surgem no período
pós‑prandial. Por exemplo, a CCK é um potente agonista da contração da vesícula biliar (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

86
FISIOLOGIA GERAL

5.4 Digestão e absorção dos carboidratos

A digestão dos carboidratos inicia‑se na boca, por ação da amilase salivar, e continua no duodeno,
por ação da amilase pancreática. Na fase intestinal a digestão ocorre em duas fases: no lúmen do
intestino e, em seguida, na superfície dos enterócitos, no processo de digestão em borda de escova.
Este último é importante na geração de açúcares simples e absorvíveis, apenas na região do intestino
onde eles podem ser absorvidos. Isso limita a sua exposição às bactérias, presentes no lúmen do intestino
delgado, que poderiam usar esses açúcares como nutrientes.

Os carboidratos da dieta são compostos por várias classes moleculares diferentes. O amido é uma
mistura de polímeros de glicose (polissacarídeos), retos e ramificados. Os polímeros de cadeia reta são
chamados de amilose, e as moléculas de cadeia ramificada são chamadas amilopectina. O amido é
uma fonte particularmente importante de calorias, e é encontrado nos cereais. Os dissacarídeos são
a segunda classe, que inclui a sacarose (união de glicose e frutose) e a lactose (união de glicose e
galactose). Muitos itens alimentares de origem vegetal contêm fibras que não podem ser digeridos pelas
enzimas humanas. Esses polímeros são digeridos por bactérias presentes no lúmen colônico, permitindo
recuperar os valores calóricos.

Os dissacarídeos da dieta são hidrolisados em monossacarídeos diretamente na superfície das


células epiteliais do intestino delgado (digestão em bordas de escova), por enzimas hidrolíticas,
chamadas hidrolases, muito glicosiladas ligadas à membrana, que são sintetizadas pelas próprias
células epiteliais do intestino. As hidrolases, fundamentais para a digestão dos carboidratos incluem
a sacarase, a isomaltase, a glucoamilase e a lactase. A glicosilação das hidrolases as protege da ação
das proteases pancreáticas.

Observação

Os níveis da enzima lactase decaem depois do desmame, limitando a


digestão da lactose; quando chega a um determinado limiar, ocasiona a
doença de intolerância à lactose.

Como abordado anteriormente, a digestão do amido é iniciada na cavidade oral, por ação da amilase
salivar. Porém, a maior parte da digestão de amido é feita pela amilase pancreática, no duodeno. Essa
digestão é incompleta e resulta em oligômeros curtos de glicose, incluindo dímeros (maltose) e trímeros,
assim como estruturas ramificadas mais simples. Desse modo, para que ocorra a absorção desses
nutrientes, o amido tem de submeter‑se à digestão em borda de escova.

Uma vez digeridos em monossacarídeos hidrossolúveis, eles têm de ser absorvidos pelo intestino,
por meio das membranas hidrofóbicas. O transportador 1 sódio‑glicose (SGLT1) é um simporte que leva
a glicose (e a galactose) contra seu gradiente de concentração, pelo acoplamento ao sódio. Uma vez
no citosol, a glicose ou a galactose podem ser retidas para as necessidades metabólicas do epitélio, ou
podem sair da célula por meio da membrana basolateral, via o transportador de glicose 2 (GLUT2). A
frutose é levada pela membrana apical, via transportador de glicose 5 (GLUT5). Entretanto, devido ao
87
Unidade II

transporte de frutose não ser acoplado ao sódio, sua entrada na célula é relativamente ineficiente e
pode ser interrompida se forem ingeridas grandes quantidades de alimento contendo esse açúcar. Os
sintomas decorrentes dessa má absorção são similares aos experimentados por pacientes intolerantes à
lactose e que consomem lactose (KOEPPEN; STANTON, 2009).

5.5 Digestão e absorção das proteínas

As proteínas são polímeros solúveis em água que precisam ser digeridas em moléculas menores,
para que seja possível sua absorção. O corpo, em particular o fígado, tem a capacidade de converter
vários aminoácidos, segundo as necessidades do corpo. Entretanto, alguns aminoácidos, denominados
aminoácidos essenciais, não podem ser sintetizados pelo corpo e têm de ser obtidos a partir da dieta
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

As proteínas podem ser hidrolisadas em longos peptídeos simplesmente pelo pH ácido que existe
no lúmen gástrico. Entretanto, para a absorção de proteínas para o corpo, são necessárias as três
fases da digestão mediadas por enzimas. Assim como a hidrólise ácida, a primeira etapa ocorre no
lúmen gástrico e é mediada pela pepsina, produzida pelas células principais, localizadas nas glândulas
gástricas. Quando a secreção de gastrina é ativada por sinais coincidentes com a digestão de uma
refeição, a pepsina é liberada, assim como seu precursor inativo, o pepsinogênio. No pH ácido, esse
precursor é autocataliticamente quebrado para originar mais pepsina. A pepsina é muito específica
na sua ação, quebrando as proteínas em sítios de aminoácidos neutros, com preferência por cadeias
aromáticas ou por grandes cadeias alifáticas. Como esses aminoácidos são raros nas proteínas, a
pepsina não é capaz de digerir completamente a proteína até uma forma que possa ser absorvida pelo
intestino, mas produz uma mistura de proteínas intactas, grandes peptídeos (a maioria) e um número
limitado de aminoácidos livres.

No intestino delgado, as proteínas parcialmente digeridas encontram as proteases provenientes


do suco pancreático. Porém, a ativação das proteases é retardada no intestino, já que a enzima que
ativa a tripsina (enterocinase) está localizada unicamente nas bordas de escova das células epiteliais
do intestino delgado. A tripsina é capaz de clivar todos os outros precursores de proteases secretados
pelo pâncreas, resultando em uma mistura de enzimas que podem digerir quase completamente as
proteínas da dieta. As endopeptidases, enzimas que clivam as proteínas somente nas ligações internas
da cadeia peptídica, como a tripsina, a quimiotripsina e a elastase, são complementadas pela ação das
ectopeptidases, como a carboxipeptidade A e a carboxipeptidase B, que clivam aminoácidos simples na
parte final da cadeia peptídica, localizados na extremidade C‑terminal.

A fase final da digestão proteica ocorre nas bordas de escova. Os enterócitos maduros expressam
diversas peptidases que geram produtos adequados para a captação por meio da membrana apical.
Alguns peptídeos são resistentes à hidrólise, mas o intestino pode também absorver pequenos
peptídeos, que serão digeridos no interior dos enterócitos para liberação dos seus aminoácidos
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

88
FISIOLOGIA GERAL

5.6 Digestão e absorção dos lipídios

Os lipídios fornecem, significativamente, mais calorias por grama do que as proteínas ou os


carboidratos; por isso, têm grande importância nutricional, apesar de serem propensos a contribuir para
a obesidade, se consumidos em quantidades excessivas.

A forma predominante dos lipídios na dieta humana é o triglicerídeo, encontrado em óleos e


outras gorduras. Lipídios adicionais são fornecidos na forma de fosfolipídios e colesterol, originados
principalmente das membranas celulares. Também chegam ao intestino, diariamente, lipídios originados
no fígado, nas secreções biliares. Finalmente, não obstante presentes em pequenas quantidades, as
vitaminas solúveis em gordura (A, D, E, e K) são nutrientes essenciais que deveriam ser suplementados
na dieta, a fim de evitar doenças.

Quando a refeição gordurosa é ingerida, os lipídios liquefazem‑se na temperatura corporal e flutuam


na superfície do conteúdo gástrico. O estágio inicial na absorção dos lipídios é a emulsificação. A mistura
que ocorre no estômago faz com que os lipídios formem pequenas esferas em suspensão, o que aumenta
a superfície da fase lipídica. A absorção dos lipídios também é facilitada pela formação de micelas, com
ajuda dos ácidos biliares.

A digestão dos lipídios começa no estômago com a ação da lipase gástrica. Entretanto, pouca absorção
ocorre no estômago, por causa do pH ácido do lúmen, e a lipólise é incompleta nesse primeiro estágio.
Na verdade, a lipólise gástrica é dispensável em indivíduos saudáveis por causa do excesso das enzimas
pancreáticas. Portanto, a maior parte da digestão se dá no intestino delgado. O suco pancreático contém
três enzimas lipolíticas, cujas atividades são otimizadas em pH neutro. A primeira é a lipase pancreática
que, diferentemente da gástrica, consegue hidrolisar os lipídios, produzindo grandes quantidades de
ácidos graxos livres e glicerídeos. As outras duas enzimas importantes presentes no suco pancreático
são a fosfolipase A2, que hidrolisa os fosfolipídios e é secretada na sua forma inativa para evitar o dano
nas membranas celulares do intestino; e a colesterol esterase, de ação relativamente inespecífica, que
pode quebrar não só os ésteres de colesterol, mas também os ésteres de vitaminas lipossolúveis e até
triglicerídeos. Essa enzima requer ácidos biliares para sua ação.

As micelas formadas pelos lipídios junto aos ácidos biliares ficam em solução, por isso, aumentam
a solubilidade do lipídio no conteúdo intestinal e facilitam a difusão dessas moléculas para a superfície
intestinal absortiva. As micelas não são essenciais para a absorção dos triglicerídeos, dada à relativa
solubilidade dos produtos de sua hidrólise, porém são essenciais à absorção do colesterol e das vitaminas
lipossolúveis. Portanto, se a concentração luminal de ácidos biliares cair abaixo da concentração crítica
de micelas (causada, por exemplo, por cálculo biliar que causa obstrução da saída da bile), o paciente
ficará deficiente dessas vitaminas.

Os lipídios também diferem dos carboidratos e das proteínas, em termos de seu destino, após a
absorção pelos enterócitos. Ao contrário dos monossacarídeos e dos aminoácidos, que deixam os
enterócitos na forma molecular e entram na circulação porta, os produtos da lipólise são reesterificados
nos enterócitos, para formar triglicerídeos, fosfolipídios e ésteres de colesterol. Isso ocorre no retículo
endoplasmático liso. Ao mesmo tempo, os enterócitos sintetizam as proteínas apolipoproteínas, que
89
Unidade II

se combinam com os lipídios ressintetizados, para formar uma estrutura chamada quilomícron, a
qual consiste em um núcleo lipídico (predominantemente triglicerídeo, com muito menos colesterol,
fosfolipídios e ésteres de vitaminas) recoberto por apolipoproteínas. Eles são absorvidos por vasos
linfáticos e passam ao longo da circulação porta e do fígado. Por fim, entram na corrente sanguínea
pelo ducto torácico e servem como veículo para transportar lipídios pelo corpo, para o uso pelas células
em outros órgãos (KOEPPEN; STANTON, 2009).

5.7 Secreção e absorção de água e eletrólitos

A fluidez do conteúdo intestinal, especialmente no intestino delgado, é fundamental para permitir


que a refeição seja propelida ao longo do intestino e para permitir que os nutrientes digeridos se difundam
para seus sítios de absorção. Parte desse fluido é derivada da ingestão oral (1 a 2 litros/dia), mas fluido
adicional é suprido pelo estômago e pelo próprio intestino delgado, bem como pelos órgãos que drenam
para o TGI (8 litros/dia). Entretanto, em indivíduos saudáveis, somente dois litros passam para o cólon
para reabsorção, e apenas 100 a 200 ml saem na evacuação. Além da absorção de eletrólitos junto com
água no intestino, ele também secreta eletrólitos para o lúmen. Essa secreção é regulada em resposta
aos sinais originados no conteúdo luminal e na deformação da mucosa ou de distensão abdominal,
ou de ambos. Alguns secretagogos críticos são a acetilcolina, o VIP, as prostaglandinas e a serotonina.
A secreção garante que o conteúdo intestinal fique apropriadamente fluido, enquanto a digestão e a
absorção estão ocorrendo. Alguns segmentos do intestino podem participar de mecanismos secretórios
adicionais, como a secreção de bicarbonato. Esse bicarbonato protege o epitélio, particularmente nas
porções mais proximais do duodeno, imediatamente abaixo do piloro, da lesão causada pelo ácido e pela
pepsina (KOEPPEN; STANTON, 2009).

6 SISTEMA RENAL

6.1 Morfologia funcional do rim

O organismo humano apresenta dois rins, órgãos com a forma de feijão situados na região lombar,
de ambos os lados da coluna vertebral. Os rins são órgãos que filtram o sangue e produzem a urina,
uma solução aquosa que contém grande número de substâncias dissolvidas, muitas delas produtos
do metabolismo celular que são excretados, como ureia, ácido úrico, creatinina e outros, mas também
eletrólitos como NaCl, KCl, ácidos, bases como o bicarbonato, íons cálcio, fosfato, sulfato, entre
outros, cuja excreção urinária contribui para a regulação da constituição hidrossalina do meio interno,
particularmente do meio extracelular. Portanto, a partir da filtração sanguínea, as duas funções principais
do rim são:

• a eliminação de produtos tóxicos provenientes da degradação de moléculas do metabolismo celular;

• a regulação da constituição do meio interno, por meio da regulação da reabsorção ou secreção de


vários componentes desse meio (CURI; PROCOPIO, 2009).

90
FISIOLOGIA GERAL

Veia cava inferior

Rim Rim

Artéria aorta

Ureter

Bexiga urinária
Próstata

Uretra

Figura 32 – Anatomia do aparelho excretor

O rim é composto por uma parte mais externa ou superficial, o córtex renal, e a porção interna, a
medula renal, constituída por pirâmides, cuja ponta está envolvida pelos cálices; eles, por sua vez,
vão juntar‑se na pélvis renal, estrutura membranosa que vai coletar a urina liberada na ponta das
pirâmides e levá‑la ao ureter. Os dois ureteres, um proveniente de cada rim, terminam na bexiga, e de
lá a urina será levada ao exterior pela uretra, cujo meato ou abertura externa está localizado na ponta
da glande do pênis, no homem, e na região vulvar, na mulher (CURI; PROCOPIO, 2009).

Cápsula glomerular
(ou cápsula de Bowman) Corpúsculo renal
(ou corpúsculo
Cápsula de Malpighi)
Glomérulo
Córtex
Medula Néfron
Duto coletor
Duto coletor maior
(ou duto de Bellini)
Artéria renal Artéria interilobular
Sangue
Árvore cortical
Hilo
Veia renal Cálice menor
Pélvis ou bacinete Cálice maior

Glomérulos
justamedulares
Ureter
Pirâmide
Papila da pirâmide Glomérulos
Veia interiobular
Rim completo

Figura 33 – Anatomia interna do rim humano

91
Unidade II

A circulação renal é iniciada com a artéria renal, entrando no rim pelo hilo, em proximidade
ao ureter, e daí divide‑se em artérias interlobares e arqueadas. Dessas artérias, originam as
artérias interlobulares, das quais partem as arteríolas aferentes dos glomérulos renais, estruturas
responsáveis pela ultrafiltração do sangue. As arteríolas eferentes dos glomérulos dão origem aos
capilares peritubulares, que vão irrigar os túbulos renais, e por fim vão originar as vênulas e veias
renais. As arteríolas e os capilares mais profundos, próximos à medula renal, podem dar origem a longas
alças capilares que se aprofundam na medula, podendo atingir a ponta das pirâmides renais. Somente
depois de completar esse percurso, de volta ao córtex, é que essas alças vão formar vênulas e veias. Tais
vasos capilares longos são chamados vasos retos (vasa recta) e têm grande importância no sistema
contracorrente da medula renal, responsável pela concentração da urina e formação de urina
hipertônica. Há também vasos retos formados diretamente a partir das artérias interlobulares, que não
passam pelo glomérulo. Cada um dos glomérulos, por sua vez, dá origem a um néfron: uma estrutura
tubular que vai modificar o ultrafiltrado do sangue por reabsorção da sua maior parte e por secreção
de algumas substâncias. A urina final formada será levada pelos ductos coletores até a ponta das
pirâmides renais e daí à pélvis renal, ureter, bexiga e, por meio da uretra, ao exterior. Em seu conjunto, os
dois rins contêm cerca de 2 milhões de néfrons, tendo cada néfron a capacidade de formar urina por si
só. Por conseguinte, na maioria dos casos, não é necessário considerar todo o rim, mas apenas a função
de um único néfron, para explicar a função do rim. O néfron é constituído basicamente por:

• um glomérulo, pelo qual o líquido é filtrado do sangue; e

• um longo túbulo no qual o líquido filtrado é transformado em urina no seu trajeto até a pélvis
renal (GUYTON; HALL, 2011; CURI; PROCOPIO, 2009).

Arteríola eferente

Cápsula glomerular
Túbulo contorcido proximal

Glomérulo Túbulo
renal contorcido
distal
Arteríola
aferente

Alça néfrica
Duto
coletor

Figura 34 – Estrutura do néfron: a unidade funcional do rim

As características dos néfrons diferem ligeiramente, dependendo de sua profundidade no interior da


massa renal. Os néfrons cujos glomérulos ficam situados próximo à superfície do rim são denominados
92
FISIOLOGIA GERAL

néfrons corticais. Esses néfrons possuem segmentos delgados muito curtos em suas alças de Henle
(alça néfrica), e as alças penetram apenas por uma distância muito pequena na porção externa da medula.
Cerca de um quinto a um terço dos néfrons apresenta glomérulos localizados na profundidade do córtex
renal, próximo à medula; esses néfrons são denominados néfrons justamedulares. Possuem alças de
Henle muito longas com segmentos delgados especialmente longos que penetram profundamente na
zona interna da medula; algumas seguem até as pontas dos cálices renais. A primeira estrutura que faz
parte do néfron é o glomérulo, em que ocorre o processo de ultrafiltração; em seguida, o ultrafiltrado
penetra em um sistema de túbulos renais, o primeiro dos quais é o túbulo contorcido proximal, repleto
de convoluções que lhe aumentam o comprimento e a área. Segue‑se a parte reta do túbulo proximal,
aprofundada linearmente em direção à medula renal. Essa parte reta já integra a alça de Henle, seguindo‑se
o ramo descendente delgado dessa alça, que é longa nos néfrons justamedulares, percorrendo a faixa
interna da medula externa e toda a medula interna, mas que é quase inexistente nos néfrons corticais,
nos quais não penetra na medula interna. Após a dobra da alça, inicia‑se o ramo ascendente delgado da
alça de Henle, seguido pelo ramo ascendente grosso ou espesso da alça. A alça de Henle é a estrutura
mais importante na geração da hipertonicidade urinária, que é baseada na disposição em contracorrente
desta alça. Esse ramo ascendente aproxima‑se novamente ao glomérulo renal, e é nesse local que se
situa a mácula densa, estrutura diferenciada do túbulo que funciona como um detector de variações na
concentração iônica do lúmen tubular, sendo parte de um mecanismo de regulação da reabsorção de sal.
Em seguida, já de volta ao córtex renal, inicia‑se o túbulo contorcido distal, ao qual se segue um curto
segmento denominado túbulo conector. Começa em seguida o duto coletor cortical, que é formado
pela junção de vários néfrons, e que se aprofunda em direção à medula renal. Seguem‑se o duto coletor
medular externo, na medula externa, e o coletor medular interno, na medula interna, o qual se abre na
ponta da pirâmide renal. O coletor medular externo pode ser subdividido em segmentos da faixa externa e
da faixa interna da medula renal (GUYTON; HALL, 2011; CURI; PROCOPIO, 2009).

Uma característica fundamental da circulação renal é a capilarização na própria circulação arterial,


isto é, entre as arteríolas aferente e eferente do glomérulo. A arteríola aferente subdivide‑se em um tufo
capilar, um novelo de capilares, e esses capilares juntam‑se novamente para formar a arteríola eferente,
sendo que esta agora vai formar os capilares peritubulares, equivalentes aos capilares dos outros
tecidos do organismo. A consequência dessa disposição é que a pressão nos capilares glomerulares
é muito mais elevada (45‑50 mmHg), que aquela nos capilares peritubulares (10‑15 mmHg). Isso
possibilitará a ultrafiltração do plasma nos capilares glomerulares. Esses capilares são cobertos por uma
camada de células epiteliais, que constituem o folheto visceral da cápsula de Bowman, estrutura que
envolve o tufo capilar. O ultrafiltrado que é formado nesse local permanecerá inicialmente entre este
folheto visceral e a parede externa da cápsula de Bowman, o seu folheto parietal, também constituído
por uma camada de células epiteliais. O glomérulo também consta de uma membrana filtrante que,
de dentro do capilar para fora, consta do endotélio capilar, que não é contínuo, mas fenestrado,
com espaços livres entre suas células. Abaixo dessas células encontra‑se a membrana basal, estrutura
constituída de material fibroso, predominantemente de proteínas ligadas a hidratos de carbono. Por
fora, estão as células epiteliais, denominadas podócitos, que apresentam prolongamentos em forma de
pés (pedicélios), que se inserem na membrana basal (CURI; PROCOPIO, 2009).

93
Unidade II

Glomérulo Cápsula de
de Malpighi Bowman
Arteríola
aferente Arteríola
eferente

Túbulo distal Túbulo


proximal

Artéria renal
Túbulo
Veia renal coletor

Alça de
Henle

Figura 35 – Detalhe das estruturas que compõem o néfron

Em volta dos capilares e na base em que se começa a formar o tufo capilar há um conjunto
de células, as células mesangiais, que têm características contráteis e apresentam fibrilas
musculares semelhantes àquelas das células do músculo liso, e são sensíveis a peptídeos
como angiotensina e peptídeo atrial natriurético, que podem elevar a sua contração ou
dilatação, respectivamente, modificando a dinâmica do filtrado glomerular. Por outro lado,
no ângulo entre as arteríolas aferente e eferente, está um conjunto de células denominado
aparelho justaglomerular, composto pela mácula densa, conjunto de células especializadas
da parede do início do túbulo contorcido distal, que se opõe ao glomérulo nesse local. Fazem
parte do aparelho justaglomerular também as células situadas no ângulo entre as arteríolas,
constituindo a almofada polar, e células musculares lisas modificadas da parede da arteríola
aferente, portadoras de grânulos de renina, uma enzima que participa da formação do
peptídeo angiotensina, regulador do tônus vascular que causa a elevação da pressão arterial
por constrição de arteríolas em todo o organismo, por exemplo, quando há perda de sangue
ou retração do volume extracelular. O aparelho justaglomerular, apesar de não se conhecerem
ainda todos os mecanismos de sua atuação, é um importante componente da regulação da
função renal, incluindo a magnitude do ritmo de filtração glomerular (RFG) e da reabsorção de
água e sal ao longo do néfron.

O túbulo contorcido proximal é constituído de três segmentos principais, S1, S2, e S3, com
características celulares próprias. A porção inicial do túbulo, S1, é constituída por células ricas em
mitocôndrias e com orla em escova bem desenvolvida, demonstrando uma grande capacidade de
reabsorção de fluido. O segmento S2 constitui a maior parte do túbulo contorcido proximal (cortical), e
o S3 principalmente a porção reta descendente deste segmento tubular. Esses segmentos tendem a ter
cada vez menos mitocôndrias em direção à alça de Henle, e orla em escova menos desenvolvida (CURI;
PROCOPIO, 2009).

94
FISIOLOGIA GERAL

Os ramos delgados da alça de Henle têm células muito achatadas, com poucas mitocôndrias,
demonstrando assim pouca atividade metabólica e de transporte. Mas têm, mesmo assim, muita
importância no sistema de concentração e diluição da urina. O segmento mais importante desse sistema
é o ramo ascendente grosso, de células cuboides, ricas em mitocôndrias, e responsáveis por uma parcela
importante da reabsorção de sal, embora esse segmento seja impermeável à água. Na região medular, na
faixa externa, está o coletor medular externo e, na interna, o coletor medular interno. Na porção terminal
da pirâmide renal, denominada papila, está o coletor papilar, mais grosso que os demais devido à junção
de vários coletores mais externos. A partir do segmento de conexão situam‑se pelo menos dois tipos
celulares, as células principais, responsáveis pela absorção de NaCl e pela secreção de K+, e as células
intercaladas, responsáveis pela acidificação da urina, por meio da secreção de H+ e da reabsorção ou
secreção de bicarbonato. Nos coletores medulares interno e papilar, a atividade de transporte torna‑se
mais limitada, ocorrendo no fim somente um tipo celular responsável pelos vários tipos de transporte.
Uma característica interessante das células do duto coletor é sua permeabilidade à água, que, na ausência
do hormônio antidiurético, é muito baixa, levando à produção de uma urina muito diluída (hipotônica).
No entanto, sua permeabilidade à água eleva‑se significativamente na presença desse hormônio, o que
causa reabsorção de água e formação de urina hipertônica (concentrada). A permeabilidade à água
dos segmentos tubulares deve‑se à presença de canais de água em suas membranas celulares, que
são moléculas proteicas, denominadas aquaporinas, inseridas nessas membranas. As modificações de
permeabilidade devem‑se à remoção ou inserção desses canais de água.

Uma característica importante do epitélio tubular renal é a densidade de ligação entre as células, que
depende da presença das zônulas de oclusão (tight junctions), que são moléculas proteicas localizadas
próximas à superfície apical e que ligam células adjacentes. Tais complexos limitam o movimento de
fluido e substâncias entre as células, pela assim denominada via paracelular, cuja permeabilidade varia
consideravelmente nos vários segmentos do néfron (CURI; PROCOPIO, 2009).

Cerca de 20‑25% do volume de sangue bombeado pelo coração passa pelos rins por unidade de
tempo. Eis uma magnitude de irrigação tecidual muito maior que aquela de todos os demais tecidos,
e reflete a característica particular dessa circulação; o sangue que irriga o rim não tem unicamente a
função nutriente, mas majoritariamente uma função de depuração desse sangue, além de regular a
constituição do meio interno. Sendo, no humano, o fluxo sanguíneo renal (FSR) de cerca de 1200 ml/
min, e o debito cardíaco de 5000 ml/min, em aproximadamente 4 minutos todo o sangue do organismo
será distribuído pelos aproximadamente 2 milhões de néfrons dos dois rins, onde será filtrado. A partir
da pressão média da artéria renal, da ordem de 100 mmHg, igual à pressão sistêmica, há uma queda
desta pressão ao longo da arteríola aferente, um vaso de resistência, até 50 mmHg no capilar glomerular.
Ao longo dele, há pouca modificação da pressão, que cai novamente ao longo da arteríola eferente até
cerca de 15 mmHg, valor agora semelhante aos dos capilares de outros tecidos, decrescendo depois para
os valores venosos. A característica fundamental dessa circulação é a interposição de uma capilarização
entre duas arteríolas, que mantém a pressão elevada, base para a formação do ultrafiltrado glomerular.
A formação desse ultrafiltrado depende essencialmente das forças descritas por Starling, isto é, do
equilíbrio de pressão hidrostática intracapilar, empurrando o fluido por meio da sua parede e da
pressão oncótica ou coloidosmótica, que tende a manter o fluido (água e solutos dissolvidos) dentro
dos capilares. As proteínas são as únicas moléculas que mantêm pressão osmótica em relação à parede
capilar por terem uma massa molecular elevada, não sendo a parede dos capilares permeável a elas, ao
95
Unidade II

contrário das demais moléculas, bem menores, como íons, glicose, aminoácidos etc. Em consequência,
o ultrafiltrado é uma solução de características semelhantes ao plasma, porém quase sem proteínas.

6.2 Filtração glomerular

A filtração glomerular é o processo que inicia a formação da urina. Nesse evento, cerca de 20%
do plasma que entra no rim e alcança os capilares glomerulares são filtrados, atingindo o espaço
de Bowman. Os 80% de plasma restante, que não foram filtrados, circulam ao longo dos capilares
glomerulares, atingindo as arteríolas eferentes, dirigindo‑se para a circulação capilar peritubular e
retornando à circulação geral (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009).

Arteríola Arteríola
aferente eferente

Cápsula de
Bowman
Glomérulo

Túbulo
proximal

Filtrado

Figura 36 – Filtração glomerular

O fluido filtrado é um ultrafiltrado do plasma e contém todas as substâncias existentes no plasma, exceto
a maioria das proteínas e substâncias que se encontram ligadas a elas, como é o caso dos cerca de 40% do
cálcio circulante. As células do sangue também não passam pelo processo de filtração glomerular. Como
água e soluto são filtrados em proporções iguais, a composição e a concentração do filtrado glomerular
são quase iguais às plasmáticas. Consequentemente, a composição e a concentração do fluido que atinge
a arteríola eferente também são iguais às plasmáticas, porém sua concentração proteica é mais elevada.
Em humanos, o valor da filtração glomerular é cerca de 120 ml/min (CURI; PROCOPIO, 2009).

A barreira de filtração glomerular determina a composição do ultrafiltrado plasmático, restringindo


a filtração de moléculas com base em seu tamanho e carga elétrica. Em geral, moléculas neutras, com
raio menor a 20 Å, são filtradas livremente, moléculas com mais de 42 Å não são filtradas e moléculas
com raios entre 20 e 42 Å são filtradas em graus variáveis. Por exemplo, a albumina plasmática, proteína
com raio de 35.5 Å, é pouco filtrada, e normalmente é reabsorvida com avidez pelo túbulo proximal –
na prática, não se nota albumina na urina. Para qualquer raio molecular, as moléculas catiônicas são
filtradas com mais facilidade que as aniônicas. A menor intensidade de filtração das moléculas aniônicas
explica‑se pela presença de glicoproteínas com carga negativa na superfície de todos os componentes da
barreira de filtração glomerular. Essas glicoproteínas com carga negativa repelem moléculas com carga
semelhante. Como a maior parte das proteínas plasmáticas tem carga negativa, as cargas negativas

96
FISIOLOGIA GERAL

da barreira de filtração restringem a filtração de proteínas, com raio molecular de 20 a 40 Å ou mais


(KOEPPEN; STANTON, 2009).

As forças responsáveis pela filtração glomerular do plasma são as mesmas que estão presentes em
todos os leitos capilares. A ultrafiltração ocorre porque as forças de Starling (pressões hidrostática e
oncótica) impulsionam o líquido da luz dos capilares glomerulares por meio da barreira de filtração, para
o espaço de Bowman. A pressão hidrostática do capilar glomerular (PCG) está orientada para promover o
movimento de líquido do capilar glomerular para o espaço de Bowman. Como o ultrafiltrado glomerular
é desprovido de proteínas, a pressão oncótica do espaço de Bowman (πEB) aproxima‑se a zero. Portanto,
a PCG é a única força que favorece à filtração. A pressão hidrostática no espaço de Bowman (PEB) e a
pressão oncótica do capilar glomerular (πCG) se opõem à filtração (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Existe uma pressão efetiva de ultrafiltração (PUF) de 17 mmHg na extremidade aferente do glomérulo;
já, na extremidade eferente, seu valor é de 8 mmHg (em que PUF = PCG – PEB – πCG). É importante frisar
dois pontos adicionais com relação às forças de Starling e a essa variação de pressão. Em primeiro lugar,
a PCG diminui ligeiramente ao longo do capilar, devido à resistência ao fluxo, causada pelo comprimento
do capilar. Em segundo, a πCG aumenta ao longo do capilar glomerular. Como a água é filtrada e as
proteínas continuam no capilar glomerular, aumenta a concentração de proteínas no capilar e também
a πCG (KOEPPEN; STANTON, 2009).

A intensidade de filtração glomerular (IFG) é proporcional à soma das forças de Starling existentes
por meio dos capilares da seguinte forma:

IGF = Kf [(PCG – PEB) – (πCG – πEB)]

em que Kf é o produto da permeabilidade intrínseca do capilar glomerular pela área de superfície


glomerular disponível para a filtração. A intensidade da filtração glomerular é consideravelmente
maior nos capilares glomerulares que nos sistêmicos, principalmente, porque o Kf é cerca de 100
vezes maior nos capilares glomerulares. Além disso, a PCG é em torno de duas vezes maior que a
pressão hidrostática nos capilares sistêmicos.

A IFG pode ser alterada modificando‑se o Kf ou qualquer uma das forças de Starling. Em pessoas
saudáveis, a IFG é regulada por alterações na PCG, mediadas, principalmente, por alterações na resistência
das arteríolas aferente ou eferente. A PCG pode ser afetada por três maneiras:

• variações da resistência da arteríola aferente, em que a redução da resistência aumenta a PCG e a


IFG e o aumento da resistência as reduz;
• variações da resistência da arteríola eferente, em que a redução da resistência reduz a PCG e a IFG,
e o aumento da resistência as eleva; e
• variações da pressão arteriolar renal, em que o aumento da pressão arterial aumenta,
transitoriamente, a PCG (o que eleva a IFG), e a redução da pressão arterial diminui, transitoriamente,
a PCG (o que reduz a IFG).

97
Unidade II

O fluxo sanguíneo renal (FSR) executa diversas funções importantes:

• determina, indiretamente, a IFG;


• modifica a intensidade da reabsorção de solutos e de água pelo túbulo proximal;
• participa da concentração e da diluição da urina;
• fornece O2, nutrientes e hormônios às células do néfron e devolve CO2, bem como o líquido e os
solutos reabsorvidos à circulação geral; e
• transporta substratos que serão excretados na urina (KOEPPEN; STANTON, 2009).

As arteríolas aferentes e eferentes e as artérias interlobulares são os principais vasos de resistência


dos rins, determinando, dessa forma, a resistência vascular renal. Assim como na maioria dos órgãos, os
rins regulam seu fluxo sanguíneo, ajustando a resistência vascular, em resposta às alterações da pressão
arterial. Esses ajustes são tão precisos que o fluxo sanguíneo permanece relativamente constante
enquanto a pressão varia entre 90 e 180 mmHg. A IFG também é regulada ao longo dessa mesma
faixa de pressões arteriais. O fenômeno pelo qual o FSR e a IFG se mantêm relativamente constantes,
chamado autorregulação, é executado por modificações de resistência vascular, principalmente pelas
arteríolas aferentes dos rins.

A autorregulação do FSR e da IFG se dá por meio de dois mecanismos. Um deles responde a alterações
da pressão arterial, e outro a alterações da concentração de NaCl no líquido tubular. Ambos regulam
o tônus da arteríola aferente. O mecanismo sensível à pressão, chamado mecanismo miogênico,
está relacionado à propriedade intrínseca da musculatura lisa vascular de se contrair quando
distendida. Da mesma forma, quando a pressão arterial se eleva e a arteríola aferente se distende, a
musculatura lisa se contrai. Como o aumento da resistência arteriolar contrabalança o aumento da
pressão, o FSR e a IFG permanecem constantes. O segundo mecanismo é conhecido como feedback
tubuloglomerular. Esse mecanismo envolve uma alça de feedback na qual a mácula densa do
aparelho justaglomerular afere a concentração de NaCl no líquido tubular, convertendo‑a em um
ou mais sinais que afetam a resistência da arteríola aferente e, portanto, a IFG. Quando a IFG
aumenta, elevando a concentração de NaCl no líquido tubular, mais NaCl penetra nas células da
mácula densa, o que leva ao aumento da formação e liberação de ATP e adenosina (um metabolito
do ATP) por essas células, provocando a vasoconstrição da arteríola aferente. Essa vasoconstrição,
por sua vez, faz com que a IFG retorne ao nível normal. Por sua vez, quando a IFG e a concentração
de NaCl no líquido tubular diminuem, menos NaCl penetra nas células da mácula densa, reduzindo
a produção e liberação de ATP e adenosina. A queda da concentração de ATP e adenosina causa
a vasodilatação da arteríola aferente, normalizando a IFG. O oxido nítrico (NO), vasodilatador
produzido pela mácula densa, atenua o feedback tubuloglomerular, e a angiotensina II estimula‑o.
Por tanto, a mácula densa pode liberar vasoconstritores e um vasodilatador que executam ações
opostas sobre a arteríola aferente (KOEPPEN; STANTON, 2009).

98
FISIOLOGIA GERAL

6.3 Absorção, excreção e formação da urina

A formação de urina envolve três processos básicos:

• a ultrafiltração do plasma pelo glomérulo;

• a reabsorção de água e eletrólitos do ultrafiltrado; e

• a secreção dos solutos selecionados para o fluido tubular. Após a sua formação, o filtrado
glomerular circula pelos túbulos renais e a sua composição e volume são modificados pelos
mecanismos de reabsorção e secreção tubular, existentes ao longo do néfron. É chamado de
reabsorção tubular renal o processo de transporte de uma substância do interior tubular para
o capilar sanguíneo que envolve o túbulo; o mecanismo no sentido contrário é denominado
secreção tubular. Pelos processos de reabsorção e secreção, os túbulos renais modulam o volume
e a composição da urina, que, por sua vez, permitem que os túbulos controlem precisamente o
volume, osmolaridade, composição e pH dos compartimentos dos fluidos extracelular e intracelular.
Finalmente, a excreção renal é o processo pelo qual a urina é eliminada pela uretra (AIRES, 2008;
KOEPPEN; STANTON, 2009).

Portanto, o processo de depuração renal, além de se dar pela filtração glomerular, pode também
ser feito por meio da secreção tubular, já que o sangue que passou pelos glomérulos e não foi filtrado
atravessa uma segunda rede capilar, peritubular. Por outro lado, graças à reabsorção tubular, muitas
substâncias depois de filtradas voltam ao sangue que percorre os capilares peritubulares entrando na
circulação sistêmica pela veia renal que sai do órgão.

A reabsorção e a secreção dos vários solutos por meio do epitélio renal são feitas por mecanismos
específicos, passivos ou ativos, localizados nas membranas da célula tubular. Todos os sistemas de
transporte são interdependentes. Por exemplo, um mecanismo importante como a reabsorção de Na+,
que utiliza uma fração significativa de energia, exerce uma grande influência no gradiente eletroquímico
através do epitélio tubular, o que acaba afetando o transporte dos demais solutos pela parede tubular.
Além disso, a reabsorção de sódio e cloreto, os mais abundantes solutos existentes no filtrado glomerular,
estabelece gradientes osmóticos através do epitélio tubular que permitem a reabsorção passiva de água.
Ela passa do interstício para a circulação peritubular por meio de um balanço entre as pressões oncótica
(exercida pelas proteínas plasmáticas) e hidrostática (existentes no interior dos capilares peritubulares).
A reabsorção de água aumenta a concentração dos solutos dentro do túbulo; portanto, a reabsorção de
água modifica o gradiente químico que medeia o transporte passivo de determinados solutos por meio
do epitélio, como no caso da ureia (AIRES, 2008).

Quantitativamente, a reabsorção de NaCl e água representa a principal função dos néfrons.


Aproximadamente 25000 mEq/dia de Na+ e 179 l/dia de água são reabsorvidos nos túbulos renais. Além
disso, o transporte renal de muitos outros solutos importantes está ligado direta ou indiretamente à
reabsorção de Na+ (KOEPPEN; STANTON, 2009).

99
Unidade II

6.4 Túbulo proximal

O túbulo proximal reabsorve em termos aproximados 67% da água filtrada, Na+, Cl‑, K+, e outros
solutos. Além disso, o túbulo proximal reabsorve quase toda a glicose e aminoácidos, filtrados pelo
glomérulo. O elemento‑chave na reabsorção no túbulo proximal é a Na+‑K+‑ATPase (bomba de sódio e
potássio) na membrana basolateral (membrana em contato com os capilares) que transporta ativamente
três íons sódio para fora da célula e dois íons potássio para dentro dela.

O Na+ é reabsorvido por diferentes mecanismos na primeira e segunda metade do túbulo proximal.
Na primeira metade, o Na+ é reabsorvido, principalmente, com bicarbonato e diversos outros solutos
(glicose, aminoácidos, fósforo e lactato). Em contrapartida, na segunda metade, o Na+ é reabsorvido,
em sua maior parte, com Cl. Tal disparidade é mediada pelas diferenças nos sistemas de transporte,
na primeira e segunda metades do túbulo proximal e nas diferenças da composição do fluido tubular,
nessas regiões (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Qualquer Na+ que entre na célula por meio da membrana apical (a que está em contato com os
túbulos) deixa a célula e entra no sangue via Na+,K+‑ATPase. Resumidamente, a reabsorção de Na+ na
primeira parte do túbulo proximal é acoplada à do bicarbonato e a diversas moléculas orgânicas. A
reabsorção de muitas moléculas orgânicas é tão ávida que elas são quase completamente removidas do
fluido tubular na primeira metade do túbulo proximal. A reabsorção de bicarbonato de sódio e do sódio
com solutos orgânicos estabelece um gradiente osmótico transtubular (onde a osmolaridade do fluido
intersticial que banha o lado basolateral das células é mais alto que a osmolaridade do fluido tubular), o
que gera a força que impulsiona a reabsorção passiva de água por osmose. Como mais água do que Cl‑ é
reabsorvido na primeira metade do túbulo proximal, a concentração de Cl‑ no fluido tubular aumenta
ao longo do comprimento no túbulo proximal.

Na segunda metade do túbulo, o Na+ é reabsorvido em sua maior parte com Cl‑ pelas vias
transcelular (através das células) e paracelular (entre as células). O Na+ é, em sua maioria, reabsorvido
com Cl‑, em vez de ser reabsorvido com os solutos orgânicos ou bicarbonato como ânion que o
acompanha, porque os mecanismos de transporte de Na+, na segunda metade diferem dos da primeira
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

O túbulo proximal reabsorve 67% de água filtrada. A força propulsora para a reabsorção de água
é o gradiente osmótico transtubular estabelecido pela reabsorção de solutos (NaCl, glicose‑Na+). A
reabsorção de Na+ com os solutos orgânicos, bicarbonato e Cl‑ do fluido tubular no espaço lateral
intercelular reduz a osmolaridade do fluido tubular e aumenta a osmolaridade do espaço intercelular
lateral. Como as membranas apical e basolateral das células do túbulo proximal expressam canais de
água (aquaporinas), a água é principalmente reabsorvida através das células do túbulo proximal. Uma
pequena porcentagem de água também é reabsorvida através das junções fechadas (via paracelular).
O acúmulo de fluidos e de solutos no espaço intercelular lateral aumenta a pressão hidrostática nesse
compartimento. A pressão hidrostática aumentada força o fluido e os solutos para os capilares. Assim, a
reabsorção de água segue a reabsorção de solutos no túbulo proximal.

100
FISIOLOGIA GERAL

Observação

O nome da doença diabetes mellitus deve‑se à presença de açúcar na


urina (mellitus, em latim, significa “mel”), pela saturação do transporte
renal glicose‑Na+, em decorrência da hiperglicemia.

As poucas proteínas filtradas pelo glomérulo são reabsorvidas no túbulo proximal. Os hormônios
peptídicos, pequenas proteínas e pequenas quantidades de proteínas grandes, como a albumina, são
filtrados pelo glomérulo. Assim, apenas uma pequena porcentagem de proteínas passa pelo glomérulo
e entram no espaço de Bowman. Entretanto, a quantidade de proteína filtrada por dia é significativa,
porque a IFG é alta (KOEPPEN; STANTON, 2009).

As proteínas entram nas células por endocitose intactas ou sendo parcialmente degradadas pelas
enzimas na superfície de células do túbulo proximal. Uma vez que as proteínas e peptídeos estão na
célula, as enzimas as digerem nos aminoácidos constituintes, que, então, deixam a célula, por meio da
membrana basolateral, pelas proteínas de transporte e são devolvidas para o sangue. Normalmente,
esse mecanismo reabsorve quase todas as proteínas filtradas, e, assim, a urina fica livre de proteínas.
Entretanto, devido a esse mecanismo ser facilmente saturado, o aumento das proteínas filtradas
causa proteinúria (presença de proteínas na urina). A ruptura da barreira de filtração glomerular às
proteínas aumenta a filtração de proteínas e resulta em proteinúria, um quadro visto com frequência
nas doenças do rim.

As células do túbulo proximal também secretam cátions e ânions orgânicos. A secreção de cátions
e ânions orgânicos pelo túbulo proximal desempenha um papel‑chave na limitação do corpo aos
compostos tóxicos derivados de reservas endógenas e exógenas (isto é, xenobióticos). Muitos dos
ânions e cátions secretados pelo túbulo proximal são os produtos finais do metabolismo, que circulam
no plasma. O túbulo proximal também secreta numerosos compostos orgânicos exógenos, incluindo
numerosos fármacos e compostos tóxicos. Muitos desses compostos orgânicos podem ligar‑se às
proteínas plasmáticas, e não são prontamente filtrados. Portanto, apenas, uma pequena proporção
dessas substâncias potencialmente toxicas são eliminadas do corpo via excreção após apenas sua
filtração. Tais substâncias são também secretadas dos capilares peritubulares para o fluido tubular. Esses
mecanismos secretórios são muito potentes e removem quase todos os ânions e cátions orgânicos do
plasma que entram nos rins. Assim, essas substâncias são removidas do plasma por filtração e secreção
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

6.5 Alça de Henle

A alça de Henle reabsorve aproximadamente 25% do NaCl filtrado e 15% da água filtrada. A
reabsorção de NaCl, na alça de Henle, ocorre em ambos os segmentos ascendente fino e ascendente
grosso. O ramo descendente fino não reabsorve NaCl. A reabsorção de água ocorre exclusivamente no
ramo descendente fino via aquaporinas. O ramo ascendente é impermeável à água. Além disso, Ca2+ e
bicarbonato são também reabsorvidos na alça de Henle.

101
Unidade II

O segmento ascendente fino reabsorve NaCl por um mecanismo passivo. A reabsorção de água,
mas não de NaCl no ramo descendente fino, aumenta a NaCl no fluido tubular que entra pelo ramo
ascendente fino. Como o fluido rico em NaCl move‑se em direção ao córtex, o NaCl difunde‑se para
fora do fluido tubular, por meio do ramo ascendente fino, para o fluido intersticial medular, ao longo do
gradiente de concentração, dirigido do fluido tubular para o interstício.

O elemento‑chave para a reabsorção de soluto pelo segmento ascendente espesso é a Na+‑K+‑ATPase,


na membrana basolateral. Como ocorre com a reabsorção no túbulo proximal, a reabsorção de cada soluto
pelo ramo ascendente espesso é ligado à Na+‑K+‑ATPase. Essa bomba mantém baixa a concentração de Na+
intracelular, o que gera um gradiente químico favorável para o movimento de Na+ do fluido tubular para a
célula. O movimento de Na+ através da membrana apical a célula é mediado pelo simporte 1Na+‑1K+‑2Cl‑
(NKCC2) que acopla o movimento de um Na+ aos de um K+ e dois Cl‑. Usando a energia liberada pelo movimento
descendente de Na+ e Cl‑, esse simporte direciona o movimento K+ para o interior da célula. O canal de K+ na
membrana plasmática apical desempenha um papel importante na reabsorção de NaCl pelo ramo ascendente
espesso. Esse canal de K+ permite que o K+ seja transportado para a célula via o NKCC2 para reciclá‑lo de volta
no fluido tubular. Como a concentração de K+ no fluido tubular é relativamente baixa, esse K+ é necessário para
a operação continua do NKCC2. Um antiporte de Na+‑K+ (saída de Na+ e entrada de K+ na célula) na membrana
apical da célula também medeia a reabsorção de Na+, assim como a secreção H+ (por meio da reabsorção de
bicarbonato) no segmento ascendente espesso. O Na+ deixa a célula por meio da membrana basolateral via
a Na+‑K+‑ATPase, enquanto o K+, Cl‑ e o bicarbonato deixam a célula pela membrana basolateral, por vias
distintas (KOEPPEN; STANTON, 2009).

A voltagem no decorrer do ramo ascendente espesso é importante para a reabsorção de diversos


cátions. O fluido tubular tem carga positiva, em relação ao sangue, devido à localização única das
proteínas de transporte, nas membranas apical e basolateral. Dois pontos são importantes:

• o transporte aumentado de NaCl pelo ramo ascendente espesso aumenta a amplitude da voltagem
positiva no lúmen; e
• essa voltagem é uma força impulsionadora importante para a reabsorção de diversos cátions,
incluindo Na+, K+, Mg2+ e Ca2+, pela via paracelular (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Em resumo, a reabsorção de NaCl no ramo ascendente espesso ocorre pelas vias transcelular e
paracelular. Cinquenta por cento da reabsorção de NaCl é transcelular e 50% é paracelular. Como o
segmento ascendente espesso não reabsorve água, a reabsorção de NaCl e de outros solutos reduz a
osmolaridade do fluido tubular para menos de 150 mOsm/kg de água. Assim, devido ao ramo ascendente
espesso produzir um fluido que é diluído em relação ao plasma, o segmento ascendente da alça de Henle
é chamado de segmento diluidor.

Lembrete
A osmolaridade fisiológica no fluido tubular é de 300 mOsm/kg de
água. Dependendo do segmento do néfron, essa osmolaridade pode ser
aumentada (hipertonicidade) ou diminuída (hipotonicidade).
102
FISIOLOGIA GERAL

Resumidamente, as características funcionais específicas de cada ramo da alça de Henle são:

• O ramo descendente fino:

— é altamente permeável à água, que é reabsorvida passivamente a favor do gradiente osmótico


existente entre o fluido tubular e o interstício hipertônico que o envolve;

— por estar envolto em um interstício hipertônico e por ter uma alta permeabilidade a sais e
ureia, a concentração do fluido no lúmen aumenta em direção às papilas, tanto por saída de
água como por entrada passiva de solutos.

• Os ramos ascendentes fino e grosso:

— têm baixa permeabilidade à água;

— possuem alta reabsorção de sais gerada pela alta atividade da Na+‑K+‑ATPase; e

— o fluido no interior desses ramos é diluído à medida que sobe para a região cortical, daí serem
chamados segmentos diluidores (AIRES, 2008).

6.6 Túbulo distal e túbulo coletor

O túbulo distal e o túbulo coletor reabsorvem cerca de 8% do NaCl filtrado, secretam quantidades
variáveis de K+ e H+ e reabsorvem quantidades variáveis de água (de 8 a 17%). O segmento inicial do
túbulo distal (começo do túbulo distal) reabsorve Na+, Cl‑ e Ca2+ e é impermeável à água. A entrada de
NaCl na célula por meio da membrana apical é mediada por um simporte de Na+‑Cl‑. O Na+ deixa a
célula via ação da Na+‑K+‑ATPase e o Cl‑ deixa a célula via difusão pelos canais de Cl‑. Assim, a diluição
do fluido tubular começa no segmento ascendente espesso da alça de Henle e continua no segmento
inicial do túbulo distal.

O último segmento do túbulo distal e do ducto coletor são compostos por dois tipos de células: as células
principais e as células intercaladas. As células principais reabsorvem NaCl e água e secretam K+. As células
intercaladas secretam H+ ou bicarbonato e são desse modo, importantes na regulação do balanço ácido‑base.
As células intercaladas também reabsorvem K+ pela H+‑K+‑ATPase, localizada na membrana apical. A
reabsorção de Na+ e a secreção de K+ pelas células principais dependem da atividade da Na+‑K+‑ATPase, na
membrana basolateral. Pela manutenção de baixa concentração de Na+ intracelular, essa bomba gera um
gradiente químico favorável para o movimento de Na+ do fluido tubular para a célula. Como o Na+ entra na
célula através da membrana apical via difusão pelos canais seletivos ao Na+ nas células epiteliais (ENaCs),
na membrana apical, a carga negativa dentro da célula facilita a entrada de Na+. O Na+ deixa a célula por
meio da membrana basolateral e entra no sangue via ação da Na+‑K+‑ATPase. A reabsorção de Na+ gera
voltagem negativa no lúmen no final do túbulo distal e do ducto coletor que gera uma força propulsora para
a reabsorção de Cl‑, pela via paracelular. Quantidade variável de água é reabsorvida pelas células principais,
no final do túbulo distal e do ducto coletor. A reabsorção de água é mediada por aquaporinas (diferentes
daquelas que agem na alça de Henle), localizados na membrana plasmática apical e pelos canais aquaporinas
103
Unidade II

localizados na membrana basolateral das células principais. Na presença do hormônio antidiurético (ADH),
a água é reabsorvida. Em contrapartida, na ausência do hormônio ADH, o túbulo distal e o ducto coletor
reabsorvem pouca água (KOEPPEN; STANTON, 2009).

O K+ é secretado do sangue para o fluido tubular pelas células principais, em duas etapas:

• a captação de K+ por meio da membrana basolateral é mediada pela ação da Na+‑K+‑ATPase;

• o K+ deixa a célula via difusão passiva. Como a concentração de K+ no interior das células é alta
(150 mEq/l) e no fluido tubular é baixa (10 mEq/l), o K+ difunde‑se, diminuindo seu gradiente de
concentração, por meio dos canais de K+, na membrana apical das células, para o fluido tubular.
Embora o potencial negativo nas células tenda a reter o K+ na célula, o gradiente eletroquímico, por
meio da membrana apical favorece a secreção de K+ da célula para o fluido tubular. A reabsorção
de K+ pelas células intercaladas é mediado por H+‑K+‑ATPase, localizadas na membrana apical da
célula (KOEPPEN; STANTON, 2009).
6.7 Regulação da reabsorção de NaCl e água

Existem vários hormônios que regulam a reabsorção de NaCl e, portanto, a excreção urinária de NaCl.
Entre eles, estão: a angiotensina II, a aldosterona, as catecolaminas e os peptídeos natriuréticos. Outros
mecanismos que participam da reabsorção e excreção do NaCl são as forças de Starling e o fenômeno
do balanço glomérulo‑tubular. O ADH é o único hormônio que regula diretamente a quantidade de água
excretada pelos rins.

A angiotensina II é um hormônio que age como um potente estimulador da reabsorção de NaCl


e água, no túbulo proximal. Ele também é encarregado de estimular a reabsorção de Na+ no ramo
ascendente fino da alça de Henle, assim como no túbulo distal e no ducto coletor. A diminuição do
volume do fluido extracelular (LEC) ativa o sistema renina‑angiotensina‑aldosterona, aumentando a
concentração plasmática de angiotensina II.

A aldosterona é sintetizada pelas células da camada glomerulosa do córtex da suprarrenal e estimula


a reabsorção de NaCl. Atua sobre o ramo ascendente espesso da alça de Henle, o túbulo distal e o ducto
coletor. A maioria de seus efeitos sobre a reabsorção de NaCl reflete sua ação sobre o túbulo distal e
o ducto coletor. A aldosterona também estimula a secreção de K+ pelo túbulo distal e ducto coletor e
aumenta a quantidade de transportadores simporte Na+‑Cl‑ no começo do túbulo distal. Ela aumenta a
reabsorção de NaCl pelas células principais, no túbulo distal e no ducto coletor por quatro mecanismos:

• aumento da quantidade de Na+‑K+‑ATPase na membrana basolateral;


• aumento da expressão dos canais de Na+ (ENaC) na membrana apical da célula;
• aumento indireto da expressão de ENaCs na membrana apical da célula através de uma enzima
estimuladora de glicocorticoides no soro; e
• expressão de serina protease que também ativa ENaCs por proteólise. Esses mecanismos aumentam
a captação de Na+ pela membrana apical da célula e facilita a saída de Na+ da célula para o
104
FISIOLOGIA GERAL

sangue. O aumento da reabsorção de Na+ gera voltagem negativa no lúmen do túbulo distal e
ducto coletor. Essa voltagem negativa do lúmen origina a força propulsora eletroquímica para a
reabsorção de Cl‑ por meio das vias paracelulares no túbulo distal e ducto coletor. A secreção de
aldosterona é aumentada pela hipercalemia (aumento da concentração de K+) e pela angiotensina
II (após ativação do sistema renina‑angiotensina‑aldosterona). Pela sua estimulação da reabsorção
de NaCl no ducto coletor, a aldosterona também aumenta indiretamente a reabsorção de água
nesse segmento do néfron (KOEPPEN; STANTON, 2009).

6.8 Regulação do volume e osmolaridade pelo rim

O íon sódio é o principal cátion do meio extracelular e ele exerce pressão osmótica efetiva, estando
diretamente relacionado ao volume desse compartimento. Como o controle do balanço corporal de
sódio é fundamental para a manutenção do volume do LEC, ele também é importante para o controle
da pressão arterial. O organismo possui diferentes receptores para a detecção de alterações da volemia.
Eles são:

• receptores de volume localizados nas paredes das grandes veias;

• receptores de pressão, localizados nas paredes das grandes artérias; e

• receptores de pressão intrarrenais, localizados nas arteríolas aferentes, junto ao aparelho justaglomerular,
que detectam alterações na perfusão sanguínea renal. Em situações de hipovolemia e queda da pressão
arterial, ocorre o estímulo para a liberação de renina na circulação, ativando a cascata do sistema
renina‑angiotensina‑aldosterona, o que aumenta a pressão arterial tanto pela intensa vasoconstrição
sistêmica que provoca como pelo aumento da reabsorção renal de sódio e consequente elevação do
LEC. Em situações de hipervolemia, a liberação de renina é inibida (CURI; PROCOPIO, 2009).

Lembrete

Quando aumenta a pressão arterial, também aumenta o volume


urinário excretado. Os processos de natriurese (excreção de sódio) e diurese
(excreção de água) ocorrem em paralelo.

Frente às alterações do LEC, em resposta aos sinais dos receptores descritos, são ativados diferentes
sistemas efetores que podem causar aumento da volemia (mecanismos antinatriurétricos) ou a sua
diminuição (mecanismos natriuréticos):

O sistema renina‑angiotensina‑aldosterona é ativado a partir da liberação de renina pelas células do


aparelho justaglomerular. Os principais estímulos para a liberação de renina são: hipoperfusão (diminuição
do volume de sangue) ou isquemia (diminuição da quantidade de oxigênio) renal; estimulação adrenérgica
(pela ativação do sistema simpático) e diminuição da concentração de NaCl no lúmen do túbulo
distal reto percebida pelas células da mácula densa (mecanismo de autorregulação renal ou balanço
túbuloglomerular). Na circulação, a renina cliva o angiotensinogênio (peptídeo produzido no fígado),
105
Unidade II

dando origem a angiotensina I. A angiotensina I, pela ação da enzima conversora de angiotensina (ECA), é
clivada, originando a angiotensina II. A angiotensina II age nos seus receptores e provoca:

• vasoconstrição arterial sistêmica;

• vasoconstrição arterial renal;

• aumento da reabsorção renal de sódio. Isso pode ocorrer diretamente, por aumento na reabsorção
tubular de sódio no túbulo proximal, ou indiretamente, por estímulo da síntese e secreção de
aldosterona, que promove a reabsorção distal de sódio; e

• indução da proliferação celular, por exemplo, dos fibroblastos. Esse efeito de substituição do
tecido normal por fibroblastos prejudica o funcionamento de diversos tecidos, contribuindo para
o estabelecimento de doenças (como as glomerulonefrites) (CURI; PROCOPIO, 2009).

O hormônio antidiurético (ADH) ou arginina‑vasopressina está primariamente relacionado à


regulação da osmolaridade do LEC, atuando nos mecanismos de concentração e diluição da urina.
Nas situações de grande hipovolemia, pela ação da angiotensina II no sistema nervoso central, ocorre
estimulação não osmótica para a liberação de ADH. Esse hormônio atua em seus receptores levando a
vasoconstrição arterial sistêmica, diminuindo o ritmo de filtração glomerular e aumentando a reabsorção
renal de água.

Observação

O álcool age inibindo a secreção de ADH, levando a diminuição da reabsorção


de água (aumento da diurese) e a formação de uma urina mais diluída.

A endotelina, o tromboxano A2 e a adenosina são substâncias produzidas nos rins que atuam
nas células vizinhas ou na própria célula. Seus efeitos antinatriurétricos podem ser mediados por
vasoconstrição ou por ação tubular direta, modulando a atividade de transportadores iônicos (CURI;
PROCOPIO, 2009).

O peptídeo natriurético atrial (ANP) é o mais importante. É sintetizado nos miócitos cardíacos e
secretado em resposta ao estiramento do átrio decorrente do aumento do retorno venoso, que pode
estar associado ao aumento da volemia. Hormônios como ADH, glicocorticoides e adrenalina também
estimulam a secreção de ANP. Seus principais efeitos são:

• aumento da natriurese/diurese por vasodilatação da arteríola aferente, levando ao aumento do


ritmo de filtração glomerular, além da diminuição da hipertonicidade medular por vasodilatação
dos vasos retos;

• inibição do sistema renina‑angiotensina‑aldosterona, do ADH e da endotelina, antagonizando


seus efeitos antinatriurétricos;
106
FISIOLOGIA GERAL

• vasodilatação sistêmica, favorecendo a hipotensão arterial e aumentando a permeabilidade


vascular, o que leva à formação de edema (CURI; PROCOPIO, 2009).

As prostaglandinas e o óxido nítrico são moléculas produzidas localmente com ação natriurética
por relaxamento das células mesangiais, vasodilatação dos vasos retos levando à diluição do
interstício medular com perda da hipertonicidade, e diminuição da reabsorção de sódio por meio da
modulação dos transportadores. Em situações em que o sistema renina‑angiotensina‑aldosterona
está ativado, causando intensa vasoconstrição sistêmica, as prostaglandinas são essenciais para
manter a adequada irrigação sanguínea renal, agindo localmente no rim, garantindo a função desse
órgão (CURI; PROCOPIO, 2009).

A formação de urina concentrada ou diluída depende dos segmentos distais do néfron,


pois a reabsorção proximal de água é isosmótica. O plasma é ultrafiltrado no glomérulo
aproximadamente a 300 mOsm/kg. No final do túbulo proximal, o fluido tubular mantém a
mesma osmolaridade, em decorrência da reabsorção isosmótica de água, o que ocorre graças à
presença de aquaporinas na membrana luminal dessas células. Na porção descendente da alça de
Henle, altamente permeável à água, pela presença das mesmas aquaporinas, o fluido tubular vai
se concentrando em equilíbrio com o meio hipertônico do interstício medular até alcançar seu
valor máximo na dobradura da alça. No ramo fino ascendente e no túbulo distal reto, todavia,
a membrana luminal é impermeável à água, onde não tem aquaporinas. Por causa disso, a
reabsorção dos solutos nessa região faz com que o fluido tubular seja progressivamente diluído
até alcançar 50‑100 mOsm/kg no final do túbulo distal reto. Por essa razão, são denominados
segmentos diluidores do néfron. Se não houver reabsorção de água no túbulo coletor, a urina
terá a mesma osmolarilade final em torno dos 50‑100 mOsm/kg, ou seja, hipotônica em relação
ao plasma. Para a urina ser concentrada, a água deverá ser reabsorvida no túbulo coletor, e
para isto é necessário tanto a hipertonicidade do meio intersticial como o túbulo cortical ser
permeável à água. Nessas condições, a osmolaridade urinária pode atingir seus valores máximos,
em torno de 1200 mOsm/kg, ou seja, hipertônica ao plasma.

A formação de um meio hipertônico na medula renal em decorrência da reabsorção de solutos que


ocorre nos segmentos diluidores é fundamental para a reabsorção passiva de água no túbulo coletor.
Esse segmento do néfron pode ser impermeável ou permeável à água, o que depende da inserção de
aquaporinas nas membranas luminais por meio da ação do hormônio antidiurético (ADH). Quando isso
ocorre, a água é reabsorvida osmoticamente da luz tubular para o interstício hipertônico, retornando daí
à circulação sistêmica pelos vasos retos.

Esse sistema é conhecido como sistema contracorrente multiplicador da alça de Henle.


Tal modelo é baseado no fato da estrutura da alça proporcionar a possibilidade do fluido tubular
percorrer a segunda parte desse caminho em sentido oposto ao primeiro: a urina se concentraria
no ramo descendente (permeável à água e impermeável aos solutos) e se diluiria no ramo
ascendente (impermeável à água e permeável aos solutos). Esse modelo leva em consideração dois
gradientes osmóticos: um gradiente vertical de osmolaridade observado no eixo córtico‑medular
e um gradiente horizontal entre o ramo ascendente da alça de Henle e o interstício (CURI;
PROCOPIO, 2009).
107
Unidade II

A ureia concentra‑se na luz do túbulo coletor cortical graças à reabsorção de água pelas
aquaporinas sujeitas à ação do ADH. Uma vez concentrada no túbulo coletor, ao atingir as
regiões medular interna e papilar, pode ser reabsorvida para o interstício a favor de gradiente de
concentração. Assim, estando concentrada no interstício medular a ureia é secretada no ramo
fino ascendente da alça de Henle. Na medida em que o sódio vai sendo reabsorvido ao longo
da alça de Henle, a ureia vai tornando‑se um osmólito importante na luz tubular. Portanto, a
recirculação de ureia não só contribui na geração de hipertonicidade medular por meio de seu
transporte passivo, como permite uma maior reabsorção de sódio, também passivamente, a favor
do seu gradiente de concentração, no ramo fino ascendente da alça de Henle, o que contribui
igualmente para a formação da hipertonicidade medular. Esses mecanismos multiplicadores são
diretamente dependentes do efeito unitário, derivado da reabsorção de NaCl, por meio do epitélio
do túbulo distal reto, impermeável à água, pela associação do transportador na membrana luminal,
à Na+‑K+‑ATPase na membrana basolateral.

A concentração de NaCl no fluido tubular no ramo fino ascendente da alça seria maior que
no interstício, devido à absorção de água verificada ao longo do ramo fino descendente pela
hipertonicidade do interstício. Isso é possível devido à alta permeabilidade à água desse epitélio,
pela presença de aquaporinas na membrana luminal, associada à baixa permeabilidade à ureia.
Por outro lado, a concentração de ureia seria maior no interstício do que no fluido tubular no
interior do ramo ascendente fino da alça de Henle. Essa maior concentração de ureia deve‑se à
sua recirculação. Assim, ocorre reabsorção passiva de NaCl para o interstício e secreção de ureia
na luz tubular.

Os vasos retos possuem papel importante na manutenção da hipertonicidade medular. Além


do baixo fluxo sanguíneo direcionado à medula (menos de 10% do fluxo total), sua organização
em ramos descendente e ascendente, semelhante à alça de Henle, também funciona como um
sistema de contracorrente. Esse sistema denominado contracorrente permutador funciona da
seguinte maneira: o sangue no ramo descendente perde água para o interstício hipertônico (por
meio das aquaporinas) e ganha solutos, aumentando progressivamente a concentração de solutos
no plasma, equilibrando‑se com o interstício. Então, no ramo ascendente, ocorre o inverso, com
entrada de água no vaso e saída e solutos para o interstício. Como a entrada de água no ramo
ascendente é maior que a saída no ramo descendente, a resultante do processo é a remoção de
água e solutos para a circulação sistêmica, com manutenção do interstício hipertônico (CURI;
PROCOPIO, 2009).

Em resumo, ao longo do néfron uma série de forças atua no sentido de modificar a concentração
das substâncias presentes no filtrado glomerular, variando a quantidade de solutos que são excretados
na urina final. A reabsorção de água tende a aumentar a concentração de todos os solutos do fluido
tubular, havendo alguns cuja concentração intratubular varia apenas em função desse processo, não
sendo reabsorvidos nem secretados. Nesse caso, a quantidade de soluto filtrado é igual à excretada na
urina final. Entretanto, a maioria dos solutos encontrados no filtrado é reabsorvida ao longo do túbulo e
volta ao sangue, sendo sua quantidade filtrada maior que a excretada, porém sua concentração na urina
final pode ser maior ou menor que a encontrada no filtrado glomerular, dependendo da quantidade de
água que for reabsorvida nos túbulos. Poucos solutos, como o potássio e o ácido úrico, além de serem
108
FISIOLOGIA GERAL

filtrados são reabsorvidos e secretados pelo epitélio tubular; dessa forma, suas quantidades excretadas
apresentam grandes variações.

A composição da urina difere da do fluido extracelular em vários aspectos. Enquanto 95% dos
solutos do fluido extracelular são constituídos por íons, a urina tem altas concentrações de moléculas
sem carga, principalmente ureia. Um indivíduo normal excreta mais sódio na urina quando sua dieta
salina é elevada do que quando é baixa; porém, em ambas as situações, o equilíbrio entre ingestão e
excreção de sódio é mantido. Similarmente, o volume urinário é maior em condições de sobrecarga de
água em comparação com o quadro de restrição hídrica. Essas relações indicam que não existem valores
normais absolutos para a excreção urinária de água e solutos, havendo uma gama de variações que
reflete a ingestão diária (AIRES, 2008).

Saiba mais

A fim de propiciar inter‑relações entre os conteúdos da unidade, leia o


artigo a seguir:

BASTOS, M. G.; BREGMAN, R.; KIRSZTAJN, G. M. Doença renal crônica:


frequente e grave, mas também prevenível e tratável. Rev. Assoc. Med. Bras.
[online]. 2010, v. 56, n. 2, p. 248‑253. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/ramb/v56n2/a28v56n2.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2015.

Resumo

O trato gastrointestinal (TGI) é um tubo oco subdividido em regiões


que apresentam funções associadas à digestão e absorção dos nutrientes.
Começa na boca, seguido pelo esôfago, estômago, intestino delgado e
intestino grosso e ânus. Existem as glândulas acessórias (glândulas salivares,
pâncreas exócrino e fígado) ao TGI, que auxiliam a digestão por meio da
secreção de substâncias em seu interior.

Tanto o sistema nervoso autonômico (simpático e parassimpático)


como o sistema nervoso entérico (formado por corpos celulares na parede
do TGI) regulam o funcionamento do sistema digestivo. Quando uma refeição
está em diferentes regiões do TGI, os mecanismos sensitivos detectam a
presença dos nutrientes e preparam respostas fisiológicas adequadas para
cada região. Essas respostas são mediadas por vias endócrinas, parácrinas
e neurais.

109
Unidade II

As fases cefálica e oral são as primeiras em resposta a uma refeição. A


salivação ocorre mesmo antes de o alimento ser levado à boca e, junto à
mastigação, forma o bolo que pode ser deglutido e transportado, ao longo do
esôfago, até o estômago. A regulação da secreção salivar é, exclusivamente,
neural, sendo a inervação parassimpática a mais importante. O esôfago tem
esfíncteres em cada extremidade (EES e EEI), que têm funções protetoras na
deglutição e na preservação da integridade de sua mucosa.

Uma vez no estômago, o bolo é armazenado para que ocorra a digestão


mecânica e química do alimento pelas secreções do estômago. A digestão das
proteínas é iniciada nesse compartimento devido à ação da enzima pepsina.
A única secreção do estômago vital é o fator intrínseco, fundamental para
a absorção da vitamina B12, que, por sua vez, é essencial para que ocorra
a síntese das hemácias. O epitélio gástrico secreta bicarbonato e muco
para proteger a mucosa contra o pH ácido. O alimento digerido vai para o
intestino delgado pelo processo de esvaziamento gástrico, que é regulado
por reflexos vagovagais.

Já no intestino delgado ocorre a maior parte da digestão e absorção


dos nutrientes. O duodeno ajusta o fornecimento de nutrientes à sua
capacidade de digerir e absorver, limitando o esvaziamento do estômago.
A digestão e a absorção são auxiliadas pelo suco pancreático e pela bile,
produzida pelo fígado e armazenada na vesícula biliar. Essas secreções são
ativadas por hormônios e sinais neurais desencadeados pela presença da
refeição no intestino delgado. Os ácidos biliares são detergentes biológicos
que solubilizam os lipídios para permitir a sua digestão e absorção.

Os padrões de motilidade do intestino delgado variam. Imediatamente


após a refeição, os movimentos retêm a refeição e a misturam com os sucos
digestivos, provendo tempo suficiente para a absorção dos nutrientes.
Durante o jejum, contrações mais fortes ocorrem ao longo da extensão do
estômago e do intestino delgado, a fim de limpá‑los, periodicamente, de
resíduos não digeridos.

O segmento final do TGI, o intestino grosso, tem como função recuperar a


água utilizada durante a digestão e absorção, assim como o armazenamento
de resíduos não digeridos da refeição até o momento da defecação.

O aparelho justaglomerular é um dos componentes fundamentais da


retroalimentação tubuloglomerular, que regula a IFG e o FSR. As estruturas
que formam o aparelho justaglomerular são a mácula densa, as células
mesangiais extraglomerulares e as células granulares, produtoras de renina
e angiotensina II. A autorregulação permite que a IFG e o FSR se mantenham
constantes apesar de variações na pressão arterial entre 90 e 180 mmHg.
110
FISIOLOGIA GERAL

Nervos simpáticos, catecolaminas, angiotensina II, prostaglandinas, óxido


nítrico, endotelina, peptídeos natriuréticos, bradicinina e adenosina
exercem um controle fino sobre a IFG e o FSR, além de regular a reabsorção
de NaCl pelos rins. O ADH é o principal hormônio que regula a reabsorção
de água.

A secreção de substâncias para o fluido tubular é o meio para a


excreção de vários produtos do metabolismo e também de compostos
exógenos (fármacos) e poluentes do corpo. Muitos ânions e cátions
orgânicos ligam‑se às proteínas plasmáticas e não ficam disponíveis para a
ultrafiltração. Assim, a secreção é sua via principal para excreção na urina.

A regulação da osmolaridade do líquido corporal requer que a quantidade


de água, adicionada ao corpo, seja equilibrada com a quantidade perdida
pelo corpo. A água é perdida pelo corpo por diversas vias (durante a
respiração, pelo suor e pelas fezes), mas são os rins a única via reguladora
de excreção de água. Essa regulação ocorre pela ação do ADH, secretado
pela hipófise posterior. Quando os níveis de ADH são altos, os rins excretam
pequeno volume de urina hiperosmótica. Quando os níveis de ADH são
baixos, é excretado grande volume de urina hiposmótica.

O volume do LEC é determinado pela quantidade de Na+ nesse


compartimento. Para manter constante o volume do LEC, a excreção de
Na+ deve ser equilibrada com a ingestão de Na+. Os rins são a maior via
de excreção regulada de sódio no corpo. Os sensores de volume localizados
principalmente no sistema vascular monitoram o volume e a pressão
sanguínea. Quando ocorre a expansão de volume do LEC, sinais neurais e
hormonais são enviados para os rins a fim de aumentar a excreção de NaCl
e água e, assim, restaurar a volemia normal. Quando ocorre o contrário,
sinais são enviados para os rins para diminuir o NaCl e água excretados.
O sistema nervoso simpático, o sistema renina‑angiotensina‑aldosterona
e os peptídeos natriuréticos são componentes importantes para manter o
balanço no estado estável de sódio.

O organismo humano apresenta dois rins, órgãos com a forma de feijão


situados na região lombar, de ambos os lados da coluna vertebral. Os rins
são órgãos que filtram o sangue e produzem a urina, uma solução aquosa
que contém grande número de substâncias dissolvidas. A unidade funcional
do rim é o néfron.

Os quatro segmentos principais do néfron (túbulo proximal, alça


de Henle, túbulo distal e ducto coletor) determinam a composição e o
volume de urina, pelos processos de reabsorção de solutos e água seletivos
e secreção dos solutos. A formação de urina começa com o movimento
111
Unidade II

passivo do ultrafiltrado plasmático, dos capilares glomerulares para o


espaço de Bowman. As células epiteliais dos capilares glomerulares são
recobertas por uma membrana basal revestida por podócitos. O endotélio
capilar, a membrana basal e os processos podais dos podócitos formam a
chamada barreira de filtração.

A reabsorção tubular permite aos rins reterem substâncias essenciais


e regularem seus níveis no plasma, alterando o grau de reabsorção e/ou
excreção. A reabsorção de sódio, cloreto, outros ânions e cátions junto com
a água constituem a maior função do néfron. As células do túbulo proximal
reabsorvem 67% do ultrafiltrado glomerular e as células da alça de Henle
reabsorvem cerca de 25% do NaCl que foi filtrado, além de cerca de 15%
da água que foi filtrada. Os segmentos distais do néfron (sistema do túbulo
distal e ducto coletor) têm uma capacidade de reabsorção mais limitada.
Entretanto, os ajustes finais na composição e no volume da urina, bem
como a maioria da regulação pelos hormônios e outros fatores, ocorrem
nos segmentos distais.

Exercícios

Questão 1. (Cesgranrio/RJ, adaptada) Nos esquemas a seguir, o aparelho respiratório humano está
sendo representado, e nele são localizadas suas principais estruturas, tais como: vias aéreas superiores,
traqueia, brônquios, bronquíolos, bronquíolos terminais e sacos alveolares, que se encontram numerados.

Figura

112
FISIOLOGIA GERAL

A respeito desse desenho, são feitas três afirmativas:

I – Em 4, o ar passa em direção aos pulmões, após ter sido aquecido em 1.

II – Em 6, o oxigênio do ar penetra nos vasos sanguíneos, sendo o fenômeno conhecido como hematose.

III – Em 8, o gás carbônico proveniente do sangue segue o caminho de volta para o ar.

Indique:

A) Se somente I for correta.

B) Se somente II for correta.

C) Se somente I e II forem corretas.

D) Se somente I e III forem corretas.

E) Se I, II e III forem corretas.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: em 4, na traqueia, o ar será enviado para os pulmões para haver as trocas gasosas
nos alvéolos. Esse ar entrou em 1, pelo nariz, e passa pelas coanas, que servem para aquecer e
umedecer o ar.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: em 6, os gases vão se dirigir para 7, bronquíolos, e 8, alvéolos, onde ocorrerá por difusão
as trocas gasosas através da membrana e dos vasos sanguíneos.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: em 8, nos alvéolos pulmonares, o gás carbônico proveniente do sangue entra por
difusão na membrana pulmonar e segue o caminho para o exterior do corpo.

Questão 2. (Enade 2013) A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), condição clínica multifatorial,
com alta prevalência e baixas taxas de controle, é considerada um dos principais fatores de risco
cardiovascular modificáveis e um dos mais importantes problemas de saúde pública. Estudos clínicos
demonstraram que a detecção, o tratamento e o controle da HAS são fundamentais para a redução dos
113
Unidade II

eventos cardiovasculares. Deste modo, o objetivo primordial do tratamento da hipertensão arterial é a


redução da morbidade e da mortalidade cardiovasculares.

Assim, os anti-hipertensos devem não só reduzir a pressão arterial, mas também os eventos
cardiovasculares fatais e não fatais, e se possível, a taxa de mortalidade.
Fonte: Vl DIRETRIZES BRASILEIRAS DE HIPERTENSÃO. Arquivos Brasileiros de Cardiologia.
São Paulo, 2010, v. 95, p.1-51. Adaptada.

Nesse contexto, avalie as afirmativas a seguir e a relação proposta entre elas.

l – Um paciente em uso de diurético tiazídico pode ter intoxicação por uso concomitante de
digitálico; ter o efeito reduzido de anticoagulantes orais, de agente uricosídico; e ainda apresentar
interação potencialmente fatal com a quinidina.

Porque

ll – Os diuréticos tiazídicos causam hiperpotassemia; elevação da concentração de albumina


sérica; diminuição da excreção renal de ácido úrico e aumento da exposição sistêmica a quinidina por
acidificação da urina, reduzindo sua eliminação.

Acerca dessas afirmativas, assinale a opção correta:

A) As afirmativas l e ll são proposições verdadeiras, e a ll é uma justificativa correta da l.

B) As aafirmativas l e ll são proposições verdadeiras, mas a ll não é uma justificativa correta da l.

C) A afirmativa l é uma proposição verdadeira, e a ll é uma proposição falsa.

D) A afirmativa l é uma proposição falsa, e a ll é uma proposição verdadeira.

E) As afirmativas l e ll são proposições falsas.

Resolução desta questão na plataforma.

114
FISIOLOGIA GERAL

Unidade III
7 SISTEMA ENDÓCRINO

O sistema endócrino, assim como o nervoso, ajusta e integra as atividades dos vários sistemas
corporais, tornando‑as apropriadas às demandas relativas aos ambientes externo e interno. O
sistema endócrino atua por meio de sinais químicos que são secretados na corrente sanguínea por
glândulas que não possuem ductos. Essas moléculas sinalizadoras são denominadas hormônios
e regulam diversos processos metabólicos. Um hormônio, produzido por uma célula secretora e
liberado na corrente sanguínea, age em uma célula alvo que é capaz de reconhecer tal hormônio
e alterar funções em resposta a esse hormônio. Uma célula alvo é capaz de reconhecer um
hormônio a partir do momento em que expressa um receptor específico para esse hormônio.
O receptor hormonal é fundamental para que haja uma resposta endócrina (CURI; PROCOPIO,
2009; GANONG, 2006).

Um hormônio pode agir em uma célula alvo que está distante do seu local de produção, nesse caso,
ele chega através do sangue. Esse sistema de ação hormonal é denominado endócrino. No sistema
de ação parácrino, o hormônio difunde‑se no interstício agindo em células‑alvo vizinhas da célula
secretora e, no sistema de ação autócrino, o hormônio, uma vez secretado, volta a agir na própria célula
secretora (CURI; PROCOPIO, 2009).

7.1 Classificação dos hormônios

Os hormônios podem ser classificados de acordo com a sua natureza química. Dependendo da
composição química de um hormônio, ele pode ser classificado como hidrossolúvel ou lipossolúvel.
Os hormônios hidrossolúveis são hidrofílicos, ou seja, possuem afinidade por moléculas polares, como
a água, já os hormônios lipossolúveis são lipofílicos e possuem afinidade por moléculas apolares,
como os lipídios presentes na membrana plasmática das células. A membrana plasmática representa
uma barreira à passagem de moléculas hidrofílicas e, opostamente, moléculas que são lipofílicas
solubilizam‑se na membrana plasmática, podendo atravessá‑la facilmente. Compreende‑se então
que, dependendo da composição química de um hormônio, ele pode ser hidrossolúvel ou lipossolúvel
e, consequentemente, o mecanismo de ação nas células alvo decorrerá dessa propriedade (CURI;
PROCOPIO, 2009).

Os hormônios hidrossolúveis, os mais abundantes, são proteicos ou peptídicos. Variam desde


um único aminoácido modificado, passando por peptídeos simples até grandes proteínas, que podem
formar cadeias de proteínas glicosiladas (possuem um radical açúcar ligado a um aminoácido) ou
fosforiladas (possuem um grupo fosfato ligado a um aminoácido). Os menores hormônios hidrossolúveis
são os aminoácidos modificados, por exemplo: a tirosina dá origem à adrenalina e à noradrenalina;
a histidina dá origem à histamina; e o triptofano origina a serotonina. A síntese desses hormônios
115
Unidade III

depende da disponibilidade intracelular do aminoácido precursor e da atividade das enzimas que


são responsáveis pelo processo de modificação dos aminoácidos. Os demais hormônios, peptídicos e
proteicos, são expressos por genes específicos e envolvem os mecanismos básicos de síntese proteica
(transcrição gênica e tradução).

Devido à característica polar dos hormônios hidrossolúveis, eles solubilizam‑se facilmente no


interstício e no sangue, de forma que podem circular livres. Entretanto, algumas exceções são encontradas,
como o hormônio do crescimento que circula ligado a uma proteína carregadora. A ligação de um
hormônio a uma proteína circulante tem ao menos duas vantagens, além de propiciar o transporte até
a célula alvo:

• garante um reservatório hormonal circulante, minimizando flutuações nas concentrações


plasmáticas do hormônio; e

• prolonga a meia vida de um hormônio na circulação (CURI; PROCOPIO, 2009).

Lembrete

Meia vida de uma molécula é definida como o tempo necessário para


que sua concentração ou atividade seja reduzida à metade.

O hormônio hidrossolúvel não entra na célula alvo, ele liga‑se a receptores que estão presentes
na membrana plasmática da célula alvo. O fator determinante para que um tecido responda a
um dado hormônio é a presença de um receptor e da maquinaria pós‑receptor na célula. Cada
receptor reconhece um hormônio de forma específica e de alta afinidade, e transforma essa ligação
(hormônio‑receptor) em um sistema de transdução específico que gera um efeito final (CURI;
PROCOPIO, 2009).

Alguns ligantes, quando interagem com seus receptores de membrana, podem causar alteração na
condutância de canais iônicos. Porém, muitos outros ligantes, quando interagem com seus receptores,
ativam mecanismos que envolvem mensageiros químicos intracelulares, que desencadeiam alterações
da função celular. Os ligantes extracelulares (no caso, o hormônio hidrossolúvel) são denominados
primeiros mensageiros, e os mediadores intracelulares são conhecidos como segundos mensageiros
(GANONG, 2006).

Os segundos mensageiros desencadeiam muitas alterações de curta duração na função celular,


por exemplo, alteram a função enzimática, promovem a exocitose e, principalmente, alteram a
transcrição de vários genes. Os segundos mensageiros exercem esses efeitos, em parte, ao ativar
fatores de transcrição que já estão presentes na célula, e esses fatores ativados induzem a transcrição
de outros genes, que, por sua vez, podem ativar outros genes, que induzem efeitos mais prolongados
(GANONG, 2006).

116
FISIOLOGIA GERAL

Os hormônios lipossolúveis são sintetizados a partir de uma molécula precursora lipídica. A


grande maioria desses hormônios deriva do éster de colesterol, e por isso são chamados de hormônios
esteroides. Para que ocorra a síntese desse tipo de hormônio, é necessário que a célula secretora tenha
um aporte do precursor lipídico e tenha, também, as enzimas específicas que metabolizam a molécula
lipídica precursora até chegar a forma ativa. Por meio de conversões enzimáticas, vários metabólitos
vão sendo gerados a partir do precursor, cada um deles com atividade biológica variável tanto na sua
intensidade quanto no tipo de ação.

Os hormônios esteroides podem ser gerados tanto no córtex da glândula adrenal quanto nas gônadas.
O tipo de hormônio a ser sintetizado em cada território depende da presença de enzimas específicas
na célula. Embora bioquimicamente esses hormônios sejam bastante parecidos, a atividade biológica
é bastante diversa, incluindo‑se desde ações no metabolismo do carboidrato (glicocorticoides) e no
balanço hidroeletrolítico (mineralocorticoides) até ações nas funções reprodutivas feminina (estrógenos)
e masculina (andrógenos).

Diferentemente dos hormônios hidrossolúveis, os lipossolúveis não são armazenados em grânulos,


eles são secretados por difusão simples através da membrana plasmática à medida que vão sendo
sintetizados. Dessa maneira, não há estoque na célula secretora, e a secreção hormonal é regulada
diretamente pela maior ou menor atividade da enzima‑chave do processo de síntese hormonal (CURI;
PROCOPIO, 2009).

Por sua característica hidrofóbica, os hormônios lipossolúveis encontram dificuldades para se


deslocar no interstício e no meio sanguíneo, por isso, é fundamental que esses hormônios liguem‑se
a proteínas (estas hidrossolúveis) que, englobando a molécula lipídica, lhe confere solubilidade ao
meio aquoso, permitindo o deslocamento desses hormônios pelo plasma. Existem várias proteínas,
em geral de formato globular e, portanto, chamadas de globulinas, que são ligantes específicos
de vários hormônios lipossolúveis. Além disso, a albumina, proteína encontrada em maior
quantidade no plasma sanguíneo, também é um ligante importante de hormônios lipossolúveis.
Assim, hormônios esteroides circulam ligados a proteínas carregadoras. Em geral, 1% ou menos
do hormônio total presente no plasma está na forma livre, e, portanto, biologicamente ativo. Essa
característica é extremamente importante, pois o efeito biológico dos hormônios lipossolúveis
depende da quantidade de hormônio livre.

Por sua solubilidade em lipídios, os hormônios esteroides conseguem atravessar diretamente


a membrana plasmática das células. Quando livres, imediatamente se difundem para o meio
intracelular e vão agir em seus receptores intracelulares de suas células alvos. A ação dos
hormônios lipossolúveis é desencadeada a partir de sua ligação a receptores intracelulares, cujo
complexo hormônio‑receptor termina por se ligar em sítios específicos da região promotora de
genes alvo, atuando como fatores transcricionais.

7.2 Regulação da secreção hormonal

A secreção hormonal é regulada por retroalimentação, ou seja, baseia‑se no equilíbrio entre o


estímulo e inibição da síntese e secreção do hormônio. Esse equilíbrio tem uma importante base funcional:
o mecanismo de feedback (retroalimentação), que pode ser negativo, como ocorre na maioria
117
Unidade III

dos sistemas hormonais, ou positivo. No feedback negativo, quando a concentração do hormônio


aumenta, são ativados mecanismos inibidores da sua produção, que atuam tanto na síntese quanto
na secreção, fazendo com que a concentração do hormônio diminua. E, uma vez que a concentração
do hormônio diminuir, serão ativados mecanismos estimuladores da sua produção, fazendo com que a
concentração do hormônio aumente. Dessa maneira, ao longo do tempo, a concentração do hormônio
se mantém oscilando em torno de um valor constante. Já o feedback positivo é menos comum nos
sistemas hormonais, e ocorre quando um determinado hormônio tem sua concentração aumentada e
são ativados mecanismos que fazem com que sua síntese e secreção aumente mais ainda. Nesse sistema,
um estímulo recebido é amplificado, por exemplo, as alças de retroalimentação positiva controlam os
processos que levam à ruptura de um folículo através da parede ovariana ou à expulsão do feto de
dentro do útero (CURI; PROCOPIO, 2009; KOEPPEN; STANTON, 2009).

Lembrete

Na retroalimentação (feedback) negativa, a diminuição do hormônio


tireoidiano na corrente sanguínea leva a estimulação de sua produção através
do aumento de tirotrofina. Já o aumento de sua concentração plasmática,
por meio da inibição de sua produção através da diminuição de tirotrofina.

Hipófise

Tirotrofina

Tireoide
Estimula

Inibe

Tiroxina
(baixo) (alto)

Figura 37 – Exemplo de retroalimentação (feedback) negativa

Além dos mecanismos de retroalimentação negativa e positiva, existem variações periódicas na


liberação dos hormônios que são influenciadas por mudanças sazonais, pelos estágios de desenvolvimento,
envelhecimento e pelo ciclo sono‑vigília. Um exemplo é a correlação do hormônio de crescimento, o
GH, com os estágios do sono. No início do sono, há aumento da secreção desse hormônio, porém, nos
estágios mais avançados, há diminuição. Muitas dessas mudanças cíclicas hormonais estão relacionadas
118
FISIOLOGIA GERAL

às alterações da atividade de vias neurais envolvidas no controle da liberação de hormônios (CURI;


PROCOPIO, 2009).

7.3 Sistema hipotálamo‑hipófise

O hipotálamo, apesar de constituir menos de 1% do volume cerebral, é um centro de integração


de funções que visa manter a homeostase do organismo animal. Não existe função no organismo que,
direta ou indiretamente, não seja controlada pelo hipotálamo. O hipotálamo localiza‑se na porção
terminal anterior do diencéfalo, que repousa abaixo do sulco hipotalâmico e à frente dos núcleos
interpedunculares. Divide‑se em uma variedade de núcleos e áreas nucleares, e tem conexões com
diversas estruturas, entre elas a hipófise (CURI; PROCOPIO, 2009; GANONG, 2006).

Embriologicamente, a hipófise surge como uma evaginação do assoalho do terceiro ventrículo e


localiza‑se no interior da sela túrcica, no osso esfenoide na base do crânio, sendo conectada com
o hipotálamo pela haste hipofisária. Também chamada de glândula pituitária, a hipófise é uma
estrutura pequena, porém complexa. No ser humano, possui dois lobos com origens embriológicas
distintas, um lobo epitelial chamado de adeno‑hipófise (ou hipófise anterior) e outro lobo neural
chamado neuro‑hipófise (ou hipófise posterior). A adeno‑hipófise constitui 80% do volume da
glândula e é composta por cinco tipos de células que produzem e secretam seis tipos de hormônios,
enquanto a neuro‑hipófise libera vários neuro‑hormônios. Todas as funções endócrinas da hipófise
estão sob o comando do hipotálamo e são reguladas por alças de retroalimentação positiva e negativa
(CURI; PROCOPIO, 2009; KOEPPEN; STANTON, 2009; GANONG,2006).

Hipotálamo

Tratoipofisário

Neuropófise
(posterior)
Adenoipófise
(anterior)
Hipófise
intermediária

Figura 38 – Representação esquemática do sistema hipotálamo‑hipófise

7.4 Neuro‑hipófise (posterior)

A parte neural da hipófise é denominada neuro‑hipófise e consiste em uma projeção para baixo do
tecido hipotalâmico. Na extremidade superior da neuro‑hipófise, desenvolve‑se uma tumefação em
forma de funil chamada de eminência mediana, que é a região onde a haste hipofisária se insere

119
Unidade III

na base do hipotálamo. A neuro‑hipófise é uma estrutura neurovascular e corresponde ao local de


liberação de neuro‑hormônios que foram produzidos no hipotálamo (CURI; PROCOPIO, 2009; KOEPPEN;
STANTON, 2009).

Neurônios hipotalâmicos, cujos corpos celulares estão localizados nos núcleos supraópticos (NSP)
e nos núcleos paraventriculares (NPV), projetam‑se para a neuro‑hipófise e secretam, em um rico
leito de capilares fenestrados, os hormônios peptídicos antidiurético (ADH, ou arginina vasopressina) e
a oxitocina. Os corpos celulares desses neurônios são denominados magnocelulares (corpos celulares
grandes) e projetam seus axônios para baixo (até a neuro‑hipófise), pela haste infundibular, como
tratos hipotalâmico‑hipofisários. A hipófise posterior é amplamente vascularizada, e seus capilares são
fenestrados, o que facilita a difusão dos hormônios para dentro dos vasos.

O hormônio antidiurético e a oxitocina são hormônios peptídicos, com apenas nove aminoácidos
e com estrutura similar, que diferem entre si em apenas dois aminoácidos. O ADH e a oxitocina são
liberados na neuro‑hipófise em resposta a estímulos detectados primeiramente pelos corpos celulares e
dendritos de neurônios situados no NSO e NPV do hipotálamo. O estímulo leva à exocitose do ADH ou
da oxitocina (dependendo do estímulo) que cai no líquido extracelular da neuro‑hipófise e tem, então,
acesso à circulação periférica, podendo ser detectado no sangue. O ADH age primariamente nos rins,
promovendo a retenção de água (antidiurese). A oxitocina age principalmente no útero de mulheres
grávidas induzindo o parto, atua também nas células mioepiteliais das mamas causando ejeção do leite
durante a amamentação.

7.5 Adeno‑hipófise (anterior)

A hipófise anterior é composta de cinco tipos de células endócrinas que produzem seis tipos de
hormônios e, como mencionado anteriormente, suas secreções estão sob o controle do hipotálamo. Por
isso, antes de analisarmos separadamente cada hormônio da adeno‑hipófise, é importante entender a
organização estrutural e funcional desses eixos endócrinos (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Cada eixo endócrino é composto por três níveis de células endócrinas:

• neurônios hipotalâmicos, que produzem os hormônios liberadores ou inibidores;

• células endócrinas da adeno‑hipófise, que secretam hormônios tróficos;

• glândulas endócrinas periféricas, que secretam hormônios periféricos.

Os neurônios do hipotálamo secretam os hormônios liberadores hipotalâmicos específicos que chegam


na adeno‑hipófise e estimulam, especificamente, a secreção dos hormônios tróficos da adeno‑hipófise.
Os hormônios tróficos da adeno‑hipófise caem na circulação e vão agir em glândulas‑alvo endócrinas
periféricas específicas, estimulando essas glândulas a liberar hormônios periféricos. Esses hormônios
periféricos vão regular aspectos da fisiologia humana e vão, também, exercer uma retroalimentação
negativa (na grande maioria dos casos) sobre o hipotálamo e a adeno‑hipófise, inibindo a produção e a
secreção dos hormônios liberadores e tróficos, respectivamente (KOEPPEN; STANTON, 2009).
120
FISIOLOGIA GERAL

Hipotálamo

Adenoipófise
Neuroipófise

Hipotálamo
Epífese
Hipófise Glândula tireoidea

Glândulas paratireoideas

Timo

Adrenais

Pâncreas

Ovários

Testículos

Figura 39 – Representação das glândulas periféricas controladas pelo sistema hipotálamo‑hipófise

Os grupos de neurônios hipotalâmicos que estimulam a adeno‑hipófise localizam‑se em várias


regiões do hipotálamo, e coletivamente são chamadas região hipofisiotrófica. Os neurônios dessa região
distinguem‑se dos neurônios magnocelulares dos NSO e NPV (que se projetam para a neuro‑hipófise)
por terem corpos celulares pequenos, ou parvicelulares. Os neurônios parvicelulares projetam axônios
para a eminência mediana e lá secretam, de suas terminações axônicas, hormônios liberadores. Os
hormônios liberadores penetram em um plexo primário de capilares fenestrados e são, em seguida,
conduzidos pelos vasos porta hipotalâmico‑hipofisários até um segundo plexo capilar localizado
na adeno‑hipófise. No plexo secundário, os hormônios liberadores difundem‑se para fora dos vasos e
ligam‑se a seus receptores específicos situados em tipos de células específicas dentro da adeno‑hipófise
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

Observação

Um vaso “porta” é definido como o que começa e termina nos capilares


sem passar pelo coração.

121
Unidade III

A conexão neurovascular (haste hipofisária) posicionada entre o hipotálamo e a hipófise é um tanto


frágil e pode ser rompida por traumatismo físico, cirurgia ou doença hipotalâmica. A lesão da haste e o
subsequente isolamento funcional da hipófise anterior provocam um declínio de todos os hormônios da
hipófise anterior, exceto da prolactina (ver adiante).

A adeno‑hipófise é constituída dos seguintes tipos de células endócrinas: corticotrofos, tireotrofos,


gonadotrofos, somatotrofos e lactotrofos.

Os corticotrofos estimulam o córtex da glândula adrenal e, junto ao hipotálamo, constituem o eixo


hipotálamo‑hipófise‑adrenal. Os corticotrofos estão sob o controle do hipotálamo, de onde recebem
estímulos para produzirem o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH; também conhecido como
corticotrofina). Um subgrupo de neurônios parvicelulares hipotalâmicos produz o hormônio liberador
de corticotrofina (CRH). O CRH estimula de modo imediato a secreção de ACTH pelos corticotrofos
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

O ACTH é um peptídeo com 39 aminoácidos sintetizado como parte de um pró‑hormônio maior, a


proopiomelanocortina (POMC). Por essa razão, os corticotrofos também são conhecidos como células
POMC. A POMC alberga a sequência peptídica que originará o ACTH, o MSH (hormônio estimulante
dos melanócitos), as endorfinas (opiódes endógenos) e as encefalinas. O corticotrofo humano expressa
apenas a pró‑hormônio convertase que produz o ACTH, o único hormônio ativo secretado por essas
células. O ACTH circula na forma de hormônio livre e tem uma meia vida curta, cerca de 10 minutos. Ele
liga‑se ao receptor 2 da melanocortina (MC2R) localizado nas células do córtex da glândula adrenal.
O ACTH aumenta de modo abrupto a produção de cortisol e andrógenos adrenais, aumenta a expressão
dos genes das enzimas esteroidogênicas e, em longo prazo, promove tanto o crescimento quanto a
sobrevida das camadas do córtex da adrenal.

A secreção do ACTH tem um padrão diário pronunciado, com um pico no início da manhã e uma queda
no final da tarde, refletindo no perfil de secreção do cortisol que, também, apresenta um pico de secreção no
início da manhã. O eixo‑hipotálamo‑hipófise‑adrenal possui vários reguladores, e vários deles são mediados
pelo SNC. Muitos tipos de estresse, tanto neurogênicos (por exemplo, medo) quanto sistêmicos (como
infecção), estimulam a secreção do ACTH. A resposta a muitas formas de estresse intenso pode persistir, apesar
da retroalimentação negativa desencadeada pelos altos níveis de cortisol. Isso significa que o hipotálamo
tem a capacidade de redefinir o ponto de equilíbrio do eixo em resposta ao estresse. A depressão crônica,
grave, é capaz de redefinir esse eixo como resultado da hipersecreção do CRH e causar uma hipersecreção de
cortisol. Como o cortisol tem efeitos intensos no sistema imunológico, o eixo hipotálamo‑hipófise‑adrenal
e o sistema imune estão intimamente associados (KOEPPEN; STANTON, 2009). As funções do cortisol são
tratadas mais profundamente no tópico sobre a glândula adrenal, mais adiante.

Os tireotrofos regulam a função tireoidiana por meio da secreção do hormônio estimulador da


tireoide (TSH; também conhecida como tireotrofina), esse é o eixo hipotálamo‑hipófise‑tireoide.
Os tireotrofos são estimulados pelo hormônio liberador de tireotrofina (TRH) que é produzido por
um subgrupo de neurônios hipotalâmicos parvicelulares. O TRH é sintetizado como um pró‑hormônio
maior que contém seis cópias do TRH em sua sequência, e liga‑se ao receptor de TRH localizado nos
tireotrofos. Sua liberação segue um ritmo diário de secreção, com níveis mais altos durante a noite, e
122
FISIOLOGIA GERAL

níveis mais baixos por volta da hora do jantar. A secreção de TRH é regulada por numerosos estímulos
mediados pelo SNC, por exemplo, vários tipos de estresses (estresse físico, inanição e infecções) inibem
a secreção de TRH.

Quando o TRH liga‑se ao seu receptor nos tireotrofos, será estimulada a liberação de TSH que é um
hormônio glicoproteico composto de uma subunidade alfa (α‑GSU, subunidade glicoproteica) e uma
beta (β‑TSH). Por sua vez, o TSH liga‑se ao seu receptor localizado nas células epiteliais da tireoide. Como
será discutido mais adiante, a produção dos hormônios tireoidianos, T3 e T4, é um processo complexo
e composto de muitas etapas. O TSH estimula praticamente todos os aspectos da função tireoidiana,
tendo um forte efeito trófico estimulando a hipertrofia, a hiperplasia e a sobrevida das células epiteliais
da tireoide. Em uma situação patológica em que os níveis de TSH estão altos, ocorre um crescimento
notável da glândula tireoide, condição denominada bócio.

Uma vez sintetizados, os hormônios tireoidianos regulam sua própria produção através de uma
retroalimentação negativa. Eles agem tanto nos tireotrofos inibindo a expressão do β‑TSH e diminuindo
sua sensibilidade ao TRH, quanto no hipotálamo inibindo a produção e secreção de TRH (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

Os gonadotrofos secretam as gonadotrofinas, FSH (hormônio folículo estimulante) e LH (hormônio


luteinizante) que regulam a função das gônadas em ambos os sexos – esse eixo é chamado de
eixo‑hipotálamo‑gonadal. O FSH e o LH são armazenados em grânulos distintos e são secretados de maneira
independente pelos gonadotrofos. Suas ações sobre a função gonadal são complexas, principalmente na
gônada feminina, e serão discutidas em detalhes mais adiante. De modo geral, as gonadotrofinas promovem
a secreção de testosterona nos homens e a secreção de estrógeno e progesterona nas mulheres. O FSH
também aumenta a secreção de um hormônio proteico relacionado ao fator de crescimento transformador
β (TGF‑ β), denominado inibina em ambos os sexos.

Tanto a secreção do FSH quanto a do LH são reguladas pelo hormônio liberador de gonadotrofinas,
o GnRH (também conhecido como LHRH) produzido por um subgrupo de neurônios parvicelulares
do hipotálamo. O GnRH é um peptídeo que possui dez aminoácidos, e também é produzido como
um pró‑hormônio maior que é modificado até virar GnRH. O GnRH é liberado de forma pulsátil, e
tanto a secreção pulsátil quanto a frequência de pulsos têm efeitos distintos nos gonadotrofos. Quando
a frequência de liberação for um pulso por hora, o GnRh aumenta a secreção de LH, já quando a
frequência é mais baixa, de um pulso a cada 3 horas, o GnRH aumenta preferencialmente a secreção de
FSH (KOEPPEN; STANTON, 2009).

As gonadotrofinas aumentam a síntese dos esteroides sexuais. Nos homens, a testosterona e o


estrógeno exercem uma retroalimentação negativa sobre o hipotálamo e a hipófise. A progesterona
exógena nos homens também inibe a função gonadotrófica e, por isso, está sendo considerada
como um possível ingrediente de uma pílula contraceptiva masculina. Além disso, a inibina
exerce uma retroalimentação negativa seletiva sobre a secreção de FSH em homens e mulheres.
Nas mulheres, a progesterona e a testosterona exercem uma retroalimentação negativa sobre a
função gonadotrófica hipotalâmica e hipofisária. Em doses baixas, o estrógeno também exerce
uma retroalimentação negativa sobre a secreção do FSH e do LH, contudo, níveis altos de estrógeno
123
Unidade III

mantidos por três dias produzem um pico na secreção de LH e, em menor grau, na secreção de FSH.
Esse é um exemplo de retroalimentação positiva observada no hipotálamo e na hipófise. Os níveis
elevados de estrógeno causam no hipotálamo aumento da amplitude e frequência dos pulsos de
GnRH e, na hipófise, ocorre o aumento da sensibilidade dos gonadotrofos ao GnRH, pelo aumento
no número de receptores de GnRH.

Os somatotrofos produzem o hormônio de crescimento (GH, também chamado de somatotrofina)


que vai ter como alvo o fígado – é o eixo‑hipotálamo‑hipófise‑hepático. O fígado é um alvo importante
do GH, pois esse hormônio estimula a produção hepática do fator de crescimento semelhante à
insulina tipo 1 (IGF‑1). O GH é uma proteína com 191 aminoácidos, e é semelhante à prolactina
(PRL) e ao lactogênio placentário humano (hPL); como consequência dessa similaridade, ocorre uma
certa sobreposição na atividade desses hormônios. Há várias formas de GH no soro, elas constituem
uma “família de hormônios”. A forma com 191 aminoácidos (22 KDa) representa aproximadamente
75% do GH circulante. Cerca de 50% da forma sérica de GH com 22 KDa está ligada à uma proteína
de ligação de GH (GHBP). Os anões de Laron, que não possuem receptores funcionais para o GH, mas
que têm secreção normal de GH, não apresentam níveis detectáveis da GHBP no soro. O GHBP reduz a
depuração renal e aumenta a meia‑vida biológica do GH, que é cerca de 20 minutos. O fígado e os rins
são os principais locais de degradação do GH.

O hipotálamo exerce controle duplo sobre a secreção de GH, ele estimula predominantemente a
secreção de GH por meio de um peptídeo, o hormônio liberador de GH (GHRH). O GHRH intensifica
a secreção de GH e a expressão do gene do GH nos somatotrofos. O hipotálamo também inibe a
síntese de GH por meio de outro peptídeo, a somatostatina. A somatostatina age na adeno‑hipófise
inibindo tanto a liberação de GH quanto a de TSH. A secreção de GH também pode ser estimulada
pela grelina, que é produzida principalmente pelo estômago, mas também é expressa no hipotálamo.
A grelina aumenta o apetite e pode agir como um sinal que coordena a aquisição de nutrientes com
o crescimento.

A retroalimentação negativa é exercida primariamente pelo IGF‑1. O GH estimula o fígado a produzir


IGF‑1 que, por sua vez, inibe a síntese e secreção do GH agindo na hipófise e no hipotálamo. Além disso,
o próprio GH, em uma alça de retroalimentação negativa curta, atua no hipotálamo inibindo a liberação
do GHRH. O GH também atua aumentando a liberação de somatostatina, que irá inibir o eixo (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

O GH apresenta um ritmo diário de secreção, com pico no início da manhã, um pouco antes de
despertar. Essa secreção é estimulada durante o sono profundo, de ondas lentas (estágios III e IV), e
atinge o valor mais baixo durante o dia. Esse ritmo está atrelado a padrões de sono‑vigília, e não a
padrões de claro‑escuro; por essa razão, ocorre um deslocamento de fase nas pessoas que trabalham em
turnos invertidos. A secreção do GH também é pulsátil, sendo regulada por vários estados fisiológicos
diferentes. Em situações de estresse, tanto neurogênico quanto físico, a secreção de GH aumenta. Ele
promove a lipólise (quebra de lipídios), aumenta a síntese de proteínas e antagoniza os efeitos da
insulina, ou seja, impede que a insulina reduza os níveis de glicose do sangue. Não é surpreendente,
portanto, que a hipoglicemia (queda da glicose sanguínea) aguda seja um estímulo para a secreção
de GH e que o GH seja classificado como um hormônio hiperglicemiante. Em contrapartida, o
124
FISIOLOGIA GERAL

aumento da glicemia ou dos ácidos graxos circulantes inibe a secreção de GH. A obesidade também
inibe a secreção de GH, em parte por causa da resistência à insulina (hiperglicemia relativa) e do nível
elevado de ácidos graxos circulantes; já o exercício físico e a inanição estimulam a secreção de GH.
Alguns hormônios também estimulam a secreção de GH; entre eles, estão o estrógeno, os andrógenos
e o hormônio tireoidiano.

Algumas ações do GH são diretas, outras, indiretas (via IGF‑1). Diretamente, o GH age sobre o
fígado, músculos e tecido adiposo para regular o metabolismo energético. Ele desvia o metabolismo
para que os lipídios sejam utilizados como fonte de energia e os carboidratos e as proteínas sejam
preservados, portanto, o GH é um hormônio lipolítico e anabolizante. Lipolítico, pois ativa lipase
sensível aos hormônios, uma enzima capaz de degradar lipídios que vai mobilizar as gorduras do tecido
adiposo, causando um aumento nos níveis séricos de ácidos graxos, que serão utilizados na produção de
energia pelos músculos e fígado e anabolizante, pois age estimulando a síntese proteica. Ele aumenta a
captação celular de aminoácidos e sua incorporação em proteínas, além de inibir a proteólise (quebra de
proteínas). Acredita‑se que a perda muscular que acompanha o envelhecimento é causada, pelo menos
em parte, pela diminuição da secreção de GH que ocorre nessa fase da vida.

O GH altera o metabolismo dos carboidratos, porém parte desse efeito pode ser secundário ao
aumento da mobilização e da oxidação da gordura. O GH aumenta a glicose sanguínea, esse efeito
hiperglicemiante é resultante da diminuição da captação e da utilização da glicose pela musculatura
esquelética e pelo tecido adiposo, e o aumento dos ácidos graxos livres séricos inibe a captação da
glicose por esses tecidos. O aumento da oxidação dos ácidos graxos e, consequentemente, a elevação
da acetil coenzima A (acetil CoA) hepática estimulam a gliconeogênese, que é seguida do aumento da
produção de glicose de substratos como o lactato e o glicerol. Além disso, o GH antagoniza a ação da
insulina, ele produz uma insensibilidade à insulina, e por isso é considerado um hormônio diabetogênico.
Quando secretado em excesso pode causar diabetes mellitus.

Os efeitos indiretos do GH estão relacionados ao crescimento, e são executados via fatores


de crescimento semelhantes à insulina (IGFs). Indiretamente o GH aumenta o crescimento do
esqueleto e das vísceras; crianças sem GH têm atraso de crescimento ou nanismo. O GH também
promove o crescimento das cartilagens, do comprimento dos ossos longos e do periósteo (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

Os IGFs são hormônios multifuncionais que regulam a proliferação, a diferenciação e o


metabolismo celular. Tanto a estrutura quanto a função desses hormônios proteicos são semelhantes
às da insulina. O IGF‑1 e o IGF‑2 são produzidos em diversos tecidos e têm ações autócrinas,
parácrinas e endócrinas. O IGF‑1 é principalmente produzido em adultos e o IGF‑2 em fetos, sendo
considerado um regulador do crescimento fetal. Os IGFs e a insulina reagem de modo cruzado, um
ocupando o receptor do outro, e os IGFs em altas concentrações imitam as ações metabólicas da
insulina. Os IGFs estimulam a captação de glicose e aminoácidos e a síntese de proteínas e DNA, e
medeiam a ação do GH sobre o crescimento das cartilagens e dos ossos.

Embora o GH seja um estimulador eficaz da produção de IGFs, a correlação entre o GH e o IGF‑1 é


muito maior que a correlação com IGF‑2. Durante a puberdade, quando os níveis de GH aumentam, os
125
Unidade III

níveis de IGF‑1 aumentam paralelamente. A insulina também estimula a produção de IGFs, e o GH não
consegue estimular a produção de IGFs na ausência de insulina. A inanição inibe de maneira eficaz a
secreção de IGFs mesmo quando os níveis de GH estão elevados. Os IGFs são mitogênicos e têm efeitos
importantes nos ossos e nas cartilagens. Eles estimulam o crescimento dos ossos, cartilagens e tecidos
moles e regulam todos os aspectos do metabolismo dos condrócitos, que são as células que formam as
cartilagens. Eles estimulam a replicação dos osteoblastos, a síntese de colágeno e matriz óssea. Os níveis
séricos de IGF correlacionam‑se bem com o crescimento nas crianças.

Os lactotrofos produzem o hormônio prolactina (PRL), uma proteína de 199 aminoácidos. A ação
primária da PRL nos humanos está relacionada ao desenvolvimento e ao funcionamento das glândulas
mamárias durante a gravidez e a lactação. Vale ressaltar que há duas diferenças importantes entre os
lactotrofos e as demais células da adeno‑hipófise:

• os lactotrofos não participam de nenhum eixo endócrino. Isso significa que a prolactina age
diretamente sobre as células não endócrinas (principalmente da mama) para produzir as alterações
fisiológicas; e

• a produção e secreção de prolactina são controladas principalmente pelo hipotálamo, que exerce
um efeito inibitório sobre os lactotrofos. Por isso, a ruptura da haste hipofisária e dos vasos
porta hipotalâmicos‑hipofisários leva ao aumento dos níveis de PRL, enquanto todos os demais
hormônios (ACTH, TSH, FSH, LH e GH) diminuem.

Homens e mulheres apresentam concentrações séricas basais semelhantes. A inibição tônica da


PRL é mediada pela dopamina que é secretada na eminência mediana. A inibição da secreção da
dopamina é responsável pela liberação da secreção de PRL. Há também indícios da existência de um
fator liberador de prolactina (PRF). A natureza exata desse composto é desconhecida, embora
muitos fatores que incluem o TRH e os hormônios da família do glucagon (secretina, glucagon, VIP
e polipeptídio inibidor gástrico) sejam capazes de estimular a liberação da PRL.

A PRL é um dos muitos hormônios liberados em resposta ao estresse. As cirurgias, o medo, os


estímulos excitatórios e os exercícios físicos são todos estímulos eficazes. Como ocorre com o GH, o sono
aumenta a secreção de PRL, que exibe um ritmo diário e pronunciado associado ao sono, entretanto, não
a uma fase específica do sono. As drogas que interferem na síntese ou na ação da dopamina aumentam
a secreção de PRL. Os anti‑hipertensivos e os antidepressivos tricíclicos, prescritos frequentemente, são
inibidores da dopamina. A somatostatina, o TSH e o GH também inibem a secreção de PRL (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

7.6 Glândula tireoide

A glândula tireoide foi descrita pela primeira vez em 1656, por Thomas Warton. A palavra “tireoide” vem
do grego e significa “em forma de escudo” – thyreós significa escudo e óides, na forma de. A descoberta
do papel fisiológico da tireoide surgiu de observações que relacionavam a atividade tireoidiana com a taxa
metabólica basal. Atualmente, sabe‑se que a essa função somam‑se outras, como a participação ativa de
seus hormônios nos processos de crescimento e desenvolvimento do organismo dos vertebrados.
126
FISIOLOGIA GERAL

A glândula tireoide está localizada na região anterior do pescoço, abaixo da cartilagem tireóidea e
imediatamente abaixo da cartilagem cricóidea (ou tireóidea), aderida antero‑bilateralmente à traqueia.
Possui dois lobos, direito e esquerdo, unidos por istmo de parênquima glandular. É uma glândula de
tamanho relativamente grande comparada às outras, pesando cerca de 15‑25 g no homem adulto. É
ricamente vascularizada, daí sua cor avermelhada, sendo seu aporte sanguíneo proveniente das artérias
tireóideas superiores e inferiores, que são ramos da carótida; sua drenagem sanguínea é feita pelas veias
tireóideas, que desembocam na veia jugular. Recebe inervação simpática e parassimpática, sendo que
a inervação simpática é a principal responsável pela modulação do fluxo sanguíneo tireoidiano. Frente
à estimulação simpática, o fluxo sanguíneo tireoidiano é reduzido, o que reduz a oferta de TSH para a
glândula, principal hormônio estimulante de sua atividade.

Epiglote

Cartilagem tireoidea
Glândulas
paratireoideas
superiores

Glândula tireóidea
Glândulas
paratireoideas inferiores

Traqueia

Figura 40 – Ilustração das glândulas tireoide e paratireoide

Histologicamente, a tireoide caracteriza‑se por apresentar folículos, que são estruturas globulares
formadas por um epitélio simples cúbico. Quando temos uma hiperatividade da glândula tireoide,
essas células foliculares aumentam em número e tornam‑se cilíndricas e, inversamente (tornam‑se
pavimentosas), quando a atividade tireoidiana diminui. Os folículos tireoidianos são preenchidos
por coloide, cujo principal componente é uma proteína chamada tireoglobulina (TG). O processo de
síntese dos hormônios tireoidiano ocorre em duas etapas; a primeira etapa é intracelular e ocorre nas
células foliculares, e a segunda etapa é extracelular e ocorre no coloide. Entre os folículos, estão células
de origem embriológica distinta das células tireoidianas, chamadas de células C ou parafoliculares.
Elas são responsáveis pela produção da calcitonina, hormônio relacionado ao metabolismo de cálcio
(CURI; PROCOPIO, 2009).

7.6.1 Síntese dos hormônios tireoidianos

Os hormônios tireoidianos, a triiodotironina (T3) e a tiroxina ou tetraiodotironina (T4), apresentam


duas substâncias essenciais em sua composição: o iodo e a tireoglobulina (CURI; PROCOPIO, 2009).

O iodo presente na composição dos hormônios tireoidianos é oriundo da alimentação, portanto,


é necessário um suprimento alimentar adequado de iodo para garantir a síntese dos hormônios
tireoidianos em quantidades apropriadas. A baixa ingestão de iodo é um limitante para a síntese
dos hormônios tireoidianos, reduzindo suas concentrações circulantes e seus efeitos biológicos,
127
Unidade III

condição conhecida como hipotireoidismo. Em populações em que o aporte de iodo nutricional


diário é insuficiente, observa‑se o aumento do volume da tireoide, caracterizando o bócio endêmico.
Os principais alimentos que são fonte de iodo são os de origem marinha, no entanto, para prevenir
o bócio e levando‑se em consideração a variabilidade de hábitos alimentares em todo o planeta,
definiu‑se como estratégia, para garantir a oferta adequada de iodo, a colocação de iodo no sal
de cozinha. O iodo ingerido é reduzido a iodeto no trato digestório, por ação de bactérias, sendo
absorvido no intestino delgado. Na circulação, o iodeto será captado pela tireoide e utilizado para
biossíntese hormonal.

A tireoglobulina (TG) é uma glicoproteína de alto peso molecular, constituída por duas subunidades.
É sintetizada exclusivamente na célula tireoidiana e secretada para o interior dos folículos tireoidianos,
em resposta à ação do TSH. Ela apresenta vários resíduos do aminoácido tirosina, os quais, durante
o processo de síntese dos hormônios, sofrem iodação, razão pela qual é considerada a matriz para a
biossíntese desses hormônios, bem como o reservatório deles.

O processo de síntese inicia‑se com a captação de iodeto (I‑) pela porção basal da célula folicular
tireoidiana. Essa captação ocorre contra o gradiente eletroquímico devido ao potencial de membrana
da célula tireoidiana ser negativo e por ela apresentar alta concentração de iodeto. Esse processo
de captação depende de uma proteína chamada NIS (co‑transportadora de Na+/I‑), que promove a
entrada de iodeto utilizando a força movente do Na+, o qual adentra a célula a partir do gradiente de
concentração do Na+, gerado pela Na+‑K+‑ATPase. Uma vez no interior da célula, o iodeto dirige‑se à
porção apical da célula, onde será oxidado pela enzima tireoperoxidase (TPO) – esse processo depende
de um sistema gerador de peróxido, também localizado no polo apical da célula. A TPO também oxida
um ou dois sítios de algumas tirosinas presentes na tireoglobulina, criando‑se condições para que o iodo
oxidado aí se incorpore.

Quando um iodo é incorporado à tirosina, gera‑se a monoiodotirosina (MIT); quando dois iodos
são incorporados à tirosina, temos a diiodotirosina (DIT). Esse processo de incorporação de iodo à
tirosina, presente na tireoglobulina, é conhecido como iodação da tireoglobulina. Após a iodação
das tireoglobulinas ocorre o acoplamento entre elas, ou seja, ocorre a união entre as MITs e as DITs,
gerando as tironinas iodadas (duas tirosinas = uma tironina), e esse processo também é catalisado
pela TPO. O acoplamento de uma MIT com uma DIT gera a triiodotironina (uma tironina com 3 iodos –
T3), enquanto o acoplamento de duas DITs resulta na geração da tetraiodotironina (uma tironina com 4
iodos – T4). O acoplamento de duas MITs gera a diiodotironina (uma tironina com 2 iodos – T2), que não
apresenta efeito biológico significativo, já que os receptores dos hormônios tireoidianos apresentam
baixa afinidade e especificidade a essa molécula. Essas moléculas geradas permanecem do coloide,
presas à tireoglobulina. A síntese dos hormônios tireoidianos é dependente do hormônio hipofisário TSH
(CURI; PROCOPIO, 2009).

7.6.2 Secreção dos hormônios tireoidianos

Para que os hormônios atinjam a circulação, eles devem ser removidos da tireoglobulina. Inicialmente
ocorre a endocitose do coloide, e esse processo de captação do coloide depende da atividade das
microvilosidoades presentes na membrana apical das células foliculares. Essas expansões citoplasmáticas
128
FISIOLOGIA GERAL

estão voltadas para o coloide e apresentam movimentos, cuja intensidade está relacionada à atividade
da célula folicular. A movimentação dessas microvilosidades faz com que suas extremidades apicais
fundam‑se, e o resultado é a formação de vesículas contendo coloide que se incorporam ao citoplasma.
No citoplasma, as vesículas contendo coloide fundem‑se aos lisossomos, que provocam a quebra da
molécula de tireoglobulina e liberação de T3, T4, T2, MITs e DITs. Os MITs e DITs sofrem ação das desiodases
e as tirosinas e iodos liberados são reutilizados pela glândula (CURI; PROCOPIO, 2009).

Os T3 e T4 liberados das tireoglobulinas, em função de sua lipossolubilidade, difundem‑se por meio


da membrana da célula folicular e caem na corrente sanguínea. Uma porcentagem do T3 que sai da
célula é produto da desiodação de T4 que ocorreu no citoplasma da célula. Cerca de 75% da produção
hormonal tireoidiana corresponde ao T4, sendo os 25% restantes representados pelo T3. Porém, grande
parte do T4 gerado sofrerá desiodação em tecidos periféricos (fígado, rins, músculo esquelético e nos
leucócitos) gerando T3, o qual passa para a circulação contribuindo para a manutenção da concentração
desse hormônio no sangue. O processo de desiodação do T4 ocorre por meio de enzimas conhecidas
como desiodases.

Devido à sua baixa hidrossolubilidade, os hormônios tireoidianos são transportados pela corrente
sanguínea junto com proteínas transportadoras específicas, as TBG (globulina transportadora
de hormônios tireoidianos), a TBPA (pré‑albumina transportadora de hormônios tireoidianos ou
transtiretina – TTR) e a albumina. A TBG e a TBPA possuem maior afinidade ao T4 que ao T3, de modo
que, em termos porcentuais, há mais T3 livre do que T4 circulando na forma livre. Quando os hormônios
tireoidianos dissociam‑se das proteínas transportadoras, ficam na forma livre, tornando‑se disponíveis
para exercerem seus efeitos biológicos em seus tecidos‑alvo.

Como descrito anteriormente, a glândula tireoide está sob o controle do hipotálamo e da hipófise no
eixo hipotálamo‑hipófise‑tireoide. A função tireoidiana é regulada diretamente pelo hormônio tireotrófico
(TSH) produzido pelos tireotrofos da adeno‑hipófise. O TSH estimula todas as etapas de síntese e secreção
dos hormônios tireoidianos, bem como a proliferação das células foliculares tireoidianas. A síntese e
secreção de TSH está sob o controle de dois hormônios hipotalâmicos, o TRH e a somatostatina (SS).
O TRH age estimulando os tireotrofos a produzirem TSH, e a somatostatina age inibindo‑os. Os hormônios
tireoidianos também exercem efeitos diretos nos tireotrofos, reduzindo a secreção de TSH, bem como no
hipotálamo, reduzindo a secreção de TRH e estimulando a liberação de SS. Esse mecanismo de controle da
função tireoidiana, que é desencadeado pela própria concentração plasmática dos hormônios tireoidianos,
é o mecanismo de retroalimentação negativa ou de feedback negativo.

7.6.3 Funções dos hormônios tireoidianos

Apesar da sua solubilidade em meio lipídico o hormônio tireoidiano acessa as células‑alvo através
de proteínas transportadoras específicas (para T3 e T4) localizadas na membrana plasmática.
Os receptores de hormônios tireoidianos são proteínas nucleares que atuam como fatores
transcricionais. Eles reconhecem sequências específicas na região promotora de genes‑alvo dos
hormônios tireoidianos, conhecidas como elementos responsivos aos hormônios tireoidianos,
às quais se ligam, para posteriormente interagirem com o T3. Quando o hormônio se liga ao seu
receptor, ele ativa ou inibe a transcrição de genes específicos e, portanto, a síntese de proteínas
129
Unidade III

específicas, que são as responsáveis pelos efeitos biológicos. Esse mecanismo de ação é denominado
ação genômica. O T3 é o seu principal mediador, já que os receptores dos hormônios tireoidianos
apresentam maior afinidade e especificidade a este que ao T4 (em torno de 10 vezes). Ainda, o T3
apresenta efeito biológico cerca de 4‑5 vezes maior que o T4.

Existem outros efeitos dos hormônios tireoidianos que ocorrem muito rapidamente e na presença
de bloqueadores da transcrição gênica, o que indica que também exerçam ações não genômicas. Essas
ações são mediadas principalmente por T4, T3 reverso e T2, e são evidenciadas em mitocôndrias, no
citoesqueleto e na membrana celular.

De forma geral os hormônios tireoidianos são os principais reguladores da taxa metabólica basal,
sendo imprescindíveis para a manutenção da temperatura corporal. Eles ativam processos que levam à
produção de calor. Suas ações calorigênicas envolvem a ativação da síntese e degradação de carboidratos,
lipídios e proteínas, processos que aumentam tanto a síntese quanto a hidrólise de ATP, processos estes
que geram calor.

Os hormônios tireoidianos agem no metabolismo de lipídios, são potentes estimuladores da


lipogênese no fígado, tecido adiposo marrom e branco e glândula mamária. Por outro lado, eles são
muito eficientes em promover a lipólise nesses mesmos tecidos. O mesmo ocorre com o colesterol,
os hormônios da tireoide estimulam tanto a síntese quanto a degradação do colesterol, sendo que o
catabolismo predomina sobre a síntese. Sobre o metabolismo de carboidratos, os hormônios da tireoide
estimulam a sua absorção intestinal e a produção hepática de glicose (gliconeogênese), aumentando
o aporte de glicose plasmática. Também aumentam a utilização de glicose pelas células e estimulam
a síntese do transportador de glicose isoforma 4 (GLUT4), que é altamente expresso no tecido adiposo
branco, marrom, músculo cardíaco e esquelético. No metabolismo de proteínas, é estimulada tanto a
síntese quanto o catabolismo. Esses efeitos são mais evidentes na musculatura esquelética, que constitui
o principal depósito de proteínas no organismo.

Um indivíduo com hipotireoidismo, situação em que ocorre redução da concentração de hormônios


tireoidianos na circulação e, consequentemente, redução de seus efeitos, apresenta intolerância ao
frio, com ativação de mecanismos que evitam a perda de calor, como vasoconstrição periférica, razão
pela qual ocorrem palidez e ressecamento da pele, enfraquecimento dos cabelos e unhas. Observam‑se
também aumento de massa gorda e da colesterolemia, além de redução da massa muscular decorrente
da diminuição da síntese proteica (CURI; PROCOPIO, 2009).

Ao contrário, no hipertireoidismo, a elevação da calorigênese ativa processos termolíticos para a


manutenção da temperatura corporal, como vasodilatação periférica, de modo que a cútis fique mais
avermelhada e umedecida, os cabelos mais brilhantes, as unhas mais fortes, entre outras alterações.
No hipertireoidismo, observam‑se emagrecimento, cujo grau depende do estado hipertireoidico
estabelecido, e redução da colesterolemia. Há predomínio de catabolismo proteico, razão pela qual
ocorre intensa fraqueza muscular.

Os hormônios tireoidianos têm função essencial no crescimento e desenvolvimento. Eles estimulam


a expressão do gene do GH (efeito genômico), o que aumenta a síntese desse hormônio. Crianças com
130
FISIOLOGIA GERAL

hipotireoidismo apresentam deficit de crescimento, o qual é prontamente reestabelecido pela reposição


de T4. Eles também aumentam a produção de IGFs em tecidos como músculos, bem como influenciam
positivamente a produção do fator de crescimento neuronal (NGF) e IGF no sistema nervoso central. No
período fetal, os hormônios tireoidianos têm um papel essencial na síntese e na secreção da substância
surfactante pulmonar, cuja função é diminuir a tensão superficial alveolar, evitando o colabamento dos
alvéolos pulmonares.

Durante o período embrionário, o T3 é fundamental para o desenvolvimento do sistema nervoso.


O T3 é responsável pela multiplicação celular e sinaptogênese no SNC, assim como pela mielinização
neuronal. Esses efeitos são decorrentes de seu estímulo sobre a síntese de NGF. A vascularização do
sistema nervoso também depende de IGFs produzidos por estímulos tireoidianos. No período neonatal,
o T3 dá continuidade aos processos de sinaptogênese; assim, a deficiência de hormônios tireoidianos
no feto traz consequências extremamente graves para o desenvolvimento do sistema nervoso, levando
ao quadro de cretinismo, caracterizado por um extremo grau de retardamento mental. Essa deficiência
pode ser detectada ao nascimento, com o teste do pezinho, no qual é dosado o TSH que, se elevado,
indica hipotireoidismo congênito. O tratamento imediato com T3 pode fazer com que o quadro seja
praticamente revertido, já que a sinaptogênese e a mielinização poderão ser estimuladas, o que fará os
neurônios, mesmo em número reduzido, poderem estabelecer conexões sinápticas adequadas (CURI;
PROCOPIO, 2009).

No período adulta, os hormônios tireoidianos são importantes para determinar o nível


de atenção, manutenção e desenvolvimento dos processos cognitivos (aprendizado). No
hipertireoidismo, o indivíduo apresenta um estado de alerta contínuo que facilita o aprendizado,
mas, por outro lado, leva à insônia. No hipotireoidismo, o indivíduo apresenta dificuldade de
aprendizado e sonolência.

No sistema cardiovascular, os hormônios tireoidianos conferem maiores velocidade e força de


contração ao músculo cardíaco; isso causa um aumento do volume sistólico. Por essas razões, no
hipertireoidismo, o débito cardíaco encontra‑se elevado. No entanto, a pressão arterial média não se
modifica devido à vasodilatação periférica reflexa que ocorre em virtude do efeito calorigênico dos
hormônios tireoidianos.

No sistema respiratório, os efeitos dos hormônios tireoidianos são decorrentes de suas ações
sobre a taxa metabólica basal. Assim, a elevação da taxa metabólica, observada no hipertireoidismo,
gera aumento no consumo de O2 e da produção de CO2, promove queda da PO2 e pH e aumento
da PCO2 sanguíneos. Essas alterações são rapidamente detectadas por quimiorreceptores centrais
e periféricos, gerando‑se uma hiperventilação reflexa, para correção desses parâmetros (CURI;
PROCOPIO, 2009).

A glândula tireoide contém outro tipo de célula além das células foliculares, são as células
parafoliculares. As células parafoliculares também são denominadas células C, distribuem‑se de
uma forma esparsa na glândula tireoide e produzem o hormônio polipeptídico calcitonina. Ele
age principalmente nos ossos e rins, controlando o metabolismo do cálcio, sendo considerado um
marcador histoquímico bastante útil do câncer medular de tireoide (KOEPPEN; STANTON, 2009).
131
Unidade III

Maiores detalhes sobre a calcitonina serão discutidos adiante junto com o tópico que trata da
glândula paratireoide.

7.7 Glândula paratireoide

As glândulas paratireoides são quatro estruturas localizadas ao redor da glândula tireoide. São
formadas predominantemente por células principais que estão arranjadas em forma de cordões
epiteliais, podendo também estar arranjadas em forma de folículos ou ácinos. O hormônio paratireoide
(PTH) ou paratormônio é o principal hormônio que protege o corpo contra a hipocalcemia (baixos
níveis plasmáticos de cálcio). Seus alvos primários são os ossos e os rins. O PTH também estimula a
produção da 1,25‑di‑hidroxivitamina D (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009).

O cálcio (Ca2+) e o fosfato são essenciais para a vida humana, porque desempenham papéis estruturais
importantes nos tecidos duros (ossos e dentes) e são reguladores importantes das vias metabólicas e de
sinalização. No sangue, a maior parte do fosfato está na forma ionizada do ácido fosfórico, denominada
fosfato inorgânico (Pi).

O cálcio é um nutriente essencial para o organismo que se obtém da ingesta alimentar assim como
de uma vasta reserva nos ossos, que pode ser requisitada para manter os níveis de cálcio circulante
normais nos períodos de restrição alimentar e durante a gravidez e amamentação, quando a demanda
está aumentada. O cálcio circulante é encontrado em três formas: cálcio ionizado livre, cálcio ligado a
proteínas e complexos de cálcio com ânions (por exemplo, fosfatos, bicarbonato ou citrato). A forma
ionizada representa 50% do cálcio circulante e, por ser a forma fundamental para muitas funções
celulares, a concentração de cálcio nos compartimentos extracelular e intracelular está sob o
controle hormonal direto e a sua concentração é mantida dentro de um intervalo de variação
restrito. Uma quantidade reduzida de cálcio (hipocalcemia) ou elevada (hipercalcemia) pode causar
uma grande variedade de alterações fisiopatológicas, que incluem disfunção neuromuscular, disfunção
do sistema nervoso central, insuficiência renal, calcificação de tecidos moles e doenças ósseas.

O Pi também é um nutriente essencial para o organismo e está armazenado em grandes quantidades


nos ossos formando complexos com o cálcio. A maior parte do Pi circulante está na forma ionizada
livre, e há uma pequena parte que circula ligada a proteínas ou na forma de complexos com cátions
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

O Pi é um componente intracelular de importância fundamental. De fato, são as ligações fosfato


de alta energia do ATP que mantêm a vida. A fosforilação e desfosforilação de proteínas, lipídios,
segundos mensageiros e cofatores correspondem às etapas reguladoras básicas de numerosas vias
metabólicas e de sinalização, e o fosfato também forma a estrutura dos ácidos nucleicos.

As duas principais fontes de Ca2+ e Pi circulantes são os alimentos e os ossos do esqueleto. A


1,25‑di‑hidroxivitamina D (também chamada de calcitriol) e o hormônio paratireoide (PTH),
regulam a absorção intestinal de cálcio e fosfato e a liberação desses elementos para a circulação após
a reabsorção óssea. Os principais processos responsáveis pela remoção de cálcio e fosfato do sangue são
a excreção renal e a formação óssea. A 1,25‑di‑hidroxivitamina D e o PTH regulam ambos os processos.
132
FISIOLOGIA GERAL

O principal sinal que estimula a secreção de PTH é a baixa concentração de cálcio circulante.
A concentração extracelular de cálcio é detectada pelos receptores sensíveis ao cálcio das células
principais das paratireoides. Nessas células, quantidades crescentes de cálcio extracelular ligam‑se
a esses receptores e ativam as vias de sinalização que inibem a secreção de PTH (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

A calcitonina é um hormônio produzido principalmente pelas células parafoliculares ou células C


da glândula tireoide. O principal efeito da calcitonina é reduzir os níveis circulantes de cálcio e fósforo,
principalmente pela inibição da saída desses minerais do osso. Portanto, a calcitonina e o PTH agem
antagonicamente regulando os níveis de cálcio no sangue (AIRES, 2008).

7.8 Pâncreas endócrino

O pâncreas endócrino é constituído por aglomerados de células formando estruturas arredondadas


ou ovoides, dispersas no tecido acinar pancreático. Essas estruturas são chamadas ilhotas de
Langerhans ou ilhotas pancreáticas. No pâncreas humano, há de 1 a 2 milhões de ilhotas que
correspondem a 2 % de seu peso total. São estruturas formadas por quatro tipos de células: as
células α, dispostas perifericamente formando um revestimento das ilhotas e são responsáveis
pela produção de glucagon; as células β, produtoras e secretoras de insulina, ocupando a parte
central da ilhota e formando o núcleo dela; as células δ, produtoras de somatostatina, localizadas
na periferia e próximo a capilares; e as células PP, produtoras do polipeptídio pancreático, tendo
a mesma disposição que as células δ. A maior parte da ilhota é composta pelas células β, com 60%
do número total de células e seguidas pelas células α, com 25% das células. A irrigação das ilhotas
é centrifuga, sendo as células β as primeiras a receberem o sangue oxigenado que depois irriga a
periferia. As ilhotas pancreáticas são ricamente inervadas por fibras do sistema nervoso simpático e
parassimpático. A noradrenalina, a acetilcolina, o peptídeo intestinal vasoativo (VIP), entre outros,
são mediadores químicos nas ilhotas (AIRES, 2008).

Figura 41 – Pâncreas e duodeno seccionados (d = duodeno; dpa = duto pancreático acessório;


dpp = duto pancreático principal; cp = cabeça do pâncreas; cop = corpo do pâncreas; cap = cauda do pâncreas)

133
Unidade III

Lembrete

O pâncreas é uma glândula mista por produzir enzimas digestivas


secretadas na luz do duodeno, considerado meio externo (pâncreas
exócrino), e hormônios secretados no sangue (pâncreas endócrino).

A regulação da secreção de insulina é feita fundamentalmente pela quantidade de glicose circulante.


O aumento da glicemia causa elevação da secreção de insulina, a qual, por meio de sua ação nos
diferentes tecidos do organismo, aumenta o transporte de glicose para os mesmos tecidos, diminuindo
a glicemia. Com a diminuição da glicemia, o estímulo secretório desaparece e, consequentemente, a
secreção do hormônio diminui. Assim, é estabelecido um mecanismo regulador da glicemia, fundamental
para a manutenção da homeostasia glicêmica (AIRES, 2008).

Figura 42 – Representação da ilhota pancreática

Além da glicose, outros substratos, hormônios e o sistema nervoso interferem na secreção de


insulina. O sistema nervoso autônomo modula ativamente a secreção de insulina. Durante a fase cefálica
da digestão a secreção de insulina ocorre antes do início da refeição, o aroma do alimento provoca
um reflexo condicionado que determina uma intensa estimulação vagal nas ilhotas pancreáticas. A
acetilcolina, secretada pelas terminações nervosas parassimpáticas, induz a sensibilização das células
β para que ocorra uma resposta secretória mais eficiente de insulina frente ao estímulo alimentar.
Diferentemente, no caso de um estado de alerta, a noradrenalina secretada pelos nervos simpáticos age
nas células β causando a inibição da secreção de insulina, aumentando a glicemia que é necessária para
a reação de alerta do indivíduo.

Vários hormônios participam da modulação da secreção de insulina. Alguns agem diretamente


inibindo as células β, como o glucagon e a somatostatina. Outros, como o cortisol ou o GH, agem
aumentando a resistência periférica à insulina, consequentemente, elevando a concentração de glicose
134
FISIOLOGIA GERAL

circulante, o que leva ao aumento da secreção de insulina. Os hormônios gastrintestinais estimulam a


secreção de insulina, sendo os responsáveis pelo maior aumento da secreção do hormônio logo após a
ingestão do alimento, antes mesmo da sua absorção.

Assim como a insulina, o principal estímulo que regula a secreção de glucagon é a glicemia.
Porém, no caso do glucagon, a diminuição da glicemia é o estímulo que faz as células α secretarem
o hormônio e, por outro lado, o aumento da glicemia inibe a secreção de glucagon, sendo, então, sua
ação contrária à da insulina. O sistema nervoso autônomo, hormônios, ácidos graxos e aminoácidos
interferem na sua secreção.

No caso da somatostatina, a resposta secretória é bastante parecida com a descrita para insulina. O
polipeptídio pancreático ainda não tem uma função completamente conhecida.

A insulina e o glucagon, de forma integrada e por meio de um balanço equilibrado de secreção


e ação (no geral, inversamente proporcional), são responsáveis pela manutenção da homeostasia
glicêmica. Esse equilíbrio envolve a manutenção da glicemia entre 70 e 100 mg/dl. Uma importante
conquista evolutiva dos mamíferos é a capacidade de estocar os nutrientes provenientes de
uma refeição para posteriormente, na ausência de outra refeição, mobilizar esses estoques,
proporcionando substratos necessários para garantir a vida celular e com isso a sobrevivência
do organismo. Nesses processos, a insulina desempenha um papel‑chave, auxiliada pela ação
contrarreguladora do glucagon e ainda de outros hormônios, como catecolaminas, cortisol e GH.
Após uma refeição, o organismo entra em um período caracteristicamente anabólico em que, em
tipos celulares específicos, a insulina estimula:

• a captação de aminoácidos e síntese proteica;

• a captação de glicose, síntese de glicogênio e participação na síntese e estoque de lipídios; e

• a metabolização hepática e estoque de lipídios no tecido adiposo. No estado pós‑absortivo, em


que a concentração de insulina retorna ao basal, a secreção de glucagon aumenta e as vias
metabólicas mencionadas acima começam a reverter os efeitos da insulina, para que o organismo
se mantenha em estado de jejum (AIRES, 2008).

O diabetes mellitus (DM) é uma síndrome metabólica que apresenta, entre outras tantas manifestações,
a hiperglicemia (valores de glicemia ≥126 mg/dl em jejum e ≥200 mg/dl duas horas depois da refeição)
contínua ou intermitente. Classifica‑se o diabetes mellitus em dois grandes grupos: DM do tipo 1,
cuja causa primaria é a falência pancreática (destruição autoimune das células β) e DM tipo 2, cuja
causa primaria é a resistência à insulina (diminuição na resposta das células‑alvo). Entretanto, essa
classificação não exclui a possibilidade de que os portadores de DM tipo 1 desenvolvam resistência à
insulina, assim como os pacientes com DM tipo 2 possam evoluir para falência pancreática, passando a
depender de insulina exógena.

O DM tipo 2 é a forma mais frequente de DM, apresentando um fator genético importante (com alta
incidência familiar). Vários fatores ambientais também estão relacionados ao DM tipo 2, muitos deles
135
Unidade III

relacionados ao envelhecimento, já que a incidência do DM tipo 2 aumenta com a idade. Um importante


fator predisponente é a obesidade, que além de induzir resistência insulínica em resposta à ingestão
excessiva de alimentos, induz superestimulação da secreção de insulina, contribuindo com a exaustão e
falência das células β (AIRES, 2008).

7.9 Glândula adrenal

As glândulas adrenais (ou suprarrenais) são estruturas bilaterais localizadas imediatamente acima
dos rins. As glândulas adrenais são similares à glândula hipófise, pois ambas são derivadas tanto de
tecido neural quanto de tecido epitelial (ou semelhante ao tecido epitelial) e, portanto, são produzidas
duas classes de hormônios, as catecolaminas e os esteroides. Essa glândula é composta por duas grandes
regiões: a medula, que produz adrenalina e noradrenalina e o córtex que, por sua vez, é dividido em três
zonas: a glomerulosa, a fasciculada e a reticular, que produzem mineralocorticoides, glicocorticoides
e androgênios adrenais, respectivamente (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Suprarrenais
Córtex

Rim

Medula

Figura 43 – Adrenal ou glândula suprarrenal (observe a glândula em corte transversal à direita)

A medula da adrenal é formada por células cromafins, derivadas das células da crista neural. As
células cromafins são, na verdade, neurônios simpáticos pós‑ganglionares modificados, e são inervadas
por neurônios simpáticos colinérgicos. Sintetizam o neurotransmissor da classe das catecolaminas
noradrenalina, a partir do aminoácido tirosina. A noradrenalina pode ser transformada em adrenalina
pela ação de uma feniletanolamina N‑metil transferase. A adrenalina é o produto hormonal final da
medula adrenal (KOEPPEN; STANTON, 2009).

7.9.1 Medula adrenal

As catecolaminas adrenomedulares (adrenalina e noradrenalina) são secretadas no sangue e atuam


como hormônios. Cerca de 80% das células da medula adrenal secretam adrenalina e os 20% restantes
secretam noradrenalina. Apesar da adrenalina circulante ser totalmente derivada da medula adrenal,
somente cerca de 30% da noradrenalina vem da medula. Os 70% restantes são liberados pelos terminais
nervosos pós‑ganglionares simpáticos e difundem‑se no sistema vascular.

136
FISIOLOGIA GERAL

A secreção da adrenalina e noradrenalina da medula adrenal é regulada, principalmente, em


resposta a várias formas de estresse, incluindo exercícios, hipoglicemia e hipovolemia hemorrágica.
Os centros autonômicos primários que iniciam a resposta simpática estão no hipotálamo e no
tronco encefálico, e recebem informações do córtex cerebral, do sistema límbico e de outras regiões
do hipotálamo e tronco encefálico.

O sinal químico para a secreção da catecolamina pela medula da adrenal é a acetilcolina, secretada
pelos neurônios pré‑ganglionares simpáticos, que se liga a receptores nicotínicos nas células cromafins.
A acetilcolina estimula a síntese e secreção de catecolaminas, portanto, a síntese de catecolaminas
está intimamente acoplada à sua secreção. Pelo fato da medula da adrenal ser diretamente inervada
pelo sistema nervoso autonômico, a resposta adrenomedular é muito rápida, e as respostas podem ser
antecipadas. Entretanto, alguns estímulos, como a hipoglicemia, produzem uma resposta adrenomedular
mais forte que a da terminação nervosa simpática.

Os receptores adrenérgicos (de adrenalina e noradrenalina) são geralmente classificados em


receptores α e receptores β adrenérgicos. Cada um desses grupos está subdividido em α1 e α2, e β1,
β2 e β3. Ambas as catecolaminas são potentes agonistas dos receptores α, β1, e β2, já a noradrenalina é
um agonista mais potente de receptores β2.

Muitos órgãos e tecidos são afetados pela resposta simpático‑adrenal. Um exemplo é a resposta
ao exercício físico. O exercício físico é similar à resposta luta ou fuga, mas sem o elemento subjetivo
de medo, envolvendo maior resposta adrenomedular (a função endócrina da adrenalina) do que uma
resposta nervosa simpática (função neurotransmissora da noradrenalina). O objetivo geral do sistema
simpático‑adrenal durante o exercício é responder à demanda energética aumentada dos músculos
cardíaco e esquelético, enquanto é mantido um suprimento suficiente de oxigênio e glicose para o
cérebro. A resposta aos exercícios inclui as seguintes ações fisiológicas principais da adrenalina:

• O fluxo sanguíneo aumentado para os músculos é obtido pela ação integrada da noradrenalina e
adrenalina sobre o coração, veias, vasos linfáticos e arteríolas não musculares e musculares.

• A adrenalina promove a glicogenólise no músculo. Promove a lipólise do tecido adiposo,


que é coordenada com o aumento da cetogênese hepática; e o aumento da glicemia pelo
aumento da glicogenólise e gliconeogênese hepática. Os efeitos das catecolaminas sobre o
metabolismo são reforçados por estimularem a secreção de glucagon e inibirem a secreção
de insulina. As catecolaminas também melhoram o suprimento de oxigênio por relaxar a
musculatura lisa bronquiolar.

• As catecolaminas diminuem a demanda de energia pela musculatura lisa visceral. Em geral, a


resposta simpático‑adrenal diminui a motilidade dos músculos lisos no TGI e no trato urinário,
conservando energia onde ela não é necessária (KOEPPEN; STANTON, 2009).

A zona fasciculada é a região central do córtex adrenal e produz o hormônio glicocorticoide


cortisol. É um tecido ativamente esteroidogênico composto de cordões retos de células grandes.
Essas células têm um citoplasma espumoso porque são cheias de gotículas de lipídios que
137
Unidade III

representam ésteres de colesterol armazenados. Tais células produzem e importam o colesterol


do sangue na forma de lipoproteína de baixa densidade (LDL) e lipoproteína de alta densidade
(HDL). O colesterol livre é, então, esterificado e armazenado em gotículas de lipídios. O colesterol
armazenado é continuamente transformado em colesterol livre e esse processo é acelerado em
resposta ao estímulo de síntese do cortisol.

O cortisol é transportado pelo sangue, predominantemente, ligado à globulina ligante de


corticosteroide (CBG), que liga cerca de 90% do hormônio circulante, e à albumina, que liga de 5% a 7%.
O cortisol é reversivelmente inativado pela conversão em cortisona. Essa conversão ocorre em tecidos
que expressam o receptor de glicocorticoides, incluindo o fígado (sítio predominante de inativação,
facilitando sua excreção pelos rins), tecido adiposo e sistema nervoso central (SNC), assim como a pele
(por isso, cremes à base de cortisona podem ser aplicados na pele para frear a inflamação) (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

O cortisol tem uma ampla faixa de ação e é frequentemente caracterizado como “hormônio
do estresse”. Em geral, o cortisol mantém os níveis de glicemia, as funções do SNC e as funções
cardiovasculares durante o jejum, e aumenta a glicemia em episódios de estresse. O cortisol tem
um papel anti‑inflamatório muito importante, diminuindo a atividade do sistema imunológico.
O cortisol também desvia a energia para enfrentar um determinando tipo estresse, inibindo as
funções reprodutoras.

O cortisol, por ser um glicocorticoide, é um hormônio esteroide do córtex adrenal que regula a
glicemia. Ele aumenta a glicemia por estimular a gliconeogênese. O cortisol aumenta a expressão
gênica de enzimas gliconeogênicas hepáticas e diminui a captação de glicose no músculo esquelético
e tecido adiposo. Durante o período interdigestivo (baixa razão insulina‑glucagon), o cortisol promove
a poupança de glicose potencializando os efeitos das catecolaminas sobre a lipólise, disponibilizando
ácidos graxos livres como fonte de energia. O cortisol inibe a síntese de proteínas e aumenta a
proteólise, especialmente no músculo esquelético, fornecendo uma rica fonte de carbonos para a
gliconeogênese hepática.

O cortisol estimula a síntese de eritropoietina e aumenta a produção de células vermelhas.


Ocorre anemia quando há falta de cortisol e policitemia quando o cortisol está em excesso (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

As respostas inflamatória e imune são, frequentemente, parte das respostas ao estresse. Entretanto,
as respostas inflamatória e imune possuem o potencial de causar dano significativo, até a morte,
caso não sejam mantidas em equilíbrio homeostático. Sendo um hormônio de estresse, o cortisol
desempenha um papel importante na manutenção da homeostase imune. O cortisol, junto à adrenalina
e à noradrenalina, reprime a produção de citocinas pró‑inflamatórias, estimulando a produção de
citocinas anti‑inflamatórias.

A resposta inflamatória a lesões consiste em dilatação local de capilares e aumento da permeabilidade


capilar, tendo como resultado edema local e acúmulo de células brancas sanguíneas. O cortisol estabiliza as
membranas lisossomais, diminuindo a liberação de enzimas proteolíticas que aumentam a formação local
138
FISIOLOGIA GERAL

de edema. Em resposta à lesão, os leucócitos normalmente migram para o local da lesão e deixam o sistema
vascular. Esses efeitos são inibidos pelo cortisol, assim como ocorre com a atividade fagocítica dos neutrófilos,
apesar da liberação dos neutrófilos na medula óssea ser estimulada. Análogos de glicocorticoides são utilizados
farmacologicamente devido a suas propriedades anti‑inflamatórias (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Os glicocorticoides aumentam a reabsorção óssea e diminuem a absorção intestinal e renal de cálcio.


Ambos os mecanismos servem para diminuir a [Ca2+] sérica. Como a [Ca2+] sérica cai, a secreção do
hormônio paratireoide (PTH) aumenta e o PTH imobiliza o cálcio dos ossos por estimular a reabsorção
óssea. Apesar de os glicocorticoides serem úteis para tratar inflamações associadas com artrites, o uso
excessivo resultará em perda óssea (osteoporose).

O cortisol inibe a proliferação fibroblástica e a formação de colágeno. Em quantidades excessivas de


cortisol, a pele torna‑se mais fina e facilmente danificada.

O cortisol inibe a secreção e a ação do hormônio antidiurético (ADH). Na ausência de cortisol, a


ação do ADH é potencializada, o que torna difícil aumentar a liberação de água livre em resposta a
uma sobrecarga de água, aumentando a probabilidade de intoxicação hídrica. Esse efeito é balanceado
pelo equilíbrio entre cortisol e cortisona. O cortisol aumenta a taxa de filtração glomerular tanto por
aumentar o débito cardíaco quanto por agir diretamente nos rins.

O cortisol exerce um efeito trófico sobre a mucosa do TGI. Na ausência de cortisol, a mobilidade
do TGI diminui, a mucosa do TGI degenera e a produção de ácidos e enzimas diminui. Já o excesso de
cortisol estimula a secreção de ácido gástrico e pepsina, aumentando o risco de desenvolvimento
de úlceras.

O cortisol é necessário para o desenvolvimento normal do SNC, da retina, da pele, do TGI e dos pulmões.
O sistema mais bem estudado são os pulmões, nos quais o cortisol induz a diferenciação e maturação das
células alveolares tipo II. Durante a parte final da gestação, essas células produzem surfactantes que reduzem
a tensão superficial nos pulmões e permitem o início da respiração no nascimento.

A produção do cortisol pela zona fasciculada é regulada pelo eixo hipotálamo‑hipófise‑adrenal envolvendo
o hormônio liberador de corticotrofina (CRH), ACTH e cortisol. O hipotálamo e a hipófise estimulam a produção
de cortisol que, por sua vez, atua negativamente (feedback negativo) sobre o hipotálamo e a hipófise
para manter seu ponto de equilíbrio. A forma neurogênica de estresse (medo) e a sistêmica (hipoglicemia,
hemorragia, citocinas) estimulam a liberação de CRH. O CRH está, também, sujeito a uma forte regulação
rítmica diária dos núcleos supraquiasmáticos no hipotálamo, fazendo com que o nível de cortisol aumente
no final da madrugada e nas primeiras horas da manhã e vá continuamente declinando durante o dia até
o anoitecer. O ACTH liga‑se ao receptor de mineralocorticoides localizado nas células da zona fasciculada
exercendo seus efeitos de curto, médio e longo prazo (KOEPPEN; STANTON, 2009).

A zona mais interna, a zona reticular, começa a aparecer após o nascimento, aos 5 anos de idade
aproximadamente. O androgênio adrenal, especialmente o DHEAS, o principal produto da zona reticular,
começa a ser detectável aos 6 anos de idade, em um momento chamado de adrenarca. Os níveis
de DHEAS continuam aumentando, atingem o valor máximo entre 20 e 30 anos e, depois, declinam
139
Unidade III

progressivamente com a idade. O DHEAS pode ser convertido de volta em DHEA pelas sulfatases
periféricas. Já o DHEA e a androstenediona podem ser convertidas em androgênios ativos (testosterona
e di‑hidrotestosterona), perifericamente, em ambos os sexos.

Nos homens, a contribuição dos androgênios adrenais para os androgênios ativos é


negligenciável. Em mulheres, entretanto, a adrenal contribui com cerca de 50% dos androgênios
ativos circulantes, que são necessários para o crescimento dos pelos púbicos e axilares, também
para a libido. Androgênios adrenais em excesso nas mulheres podem ocasionar vários graus de
virilização e disfunção ovariana.

O ACTH é o principal regulador de a zona reticular. Ambos o DHEA e a androstenediona ciclam no


mesmo ritmo do cortisol. Ademais, a zona reticular apresenta as mesmas mudanças atróficas que a
zona fasciculada em condições de pouco ou nenhum ACTH. Entretanto, outros fatores devem regular a
função androgênica adrenal.

A zona fina mais externa do córtex adrenal, a zona glomerulosa, produz o mineralocorticoide
aldosterona, que regula a homeostase de sal e a volemia. A zona glomerulosa é minimamente
influenciada pelo ACTH e primariamente pelo sistema renina‑angiotensina, pela [K+] no plasma e pelo
peptídeo natriurético atrial (ANP).

Por não contar com a enzima necessária, as células da zona glomerulosa nunca produzem cortisol,
nem qualquer forma de androgênio adrenal.

No sangue, a aldosterona liga‑se à albumina e à proteína ligadora de corticosteroides com baixa


afinidade, portanto, tem uma meia‑vida curta. A aldosterona atua de forma muito semelhante ao cortisol
(e os hormônios esteroides), liga‑se a um receptor intracelular específico (receptor de mineralocorticoides).
A aldosterona é o mineralocorticoide natural mais forte encontrado em humanos. Esse mineralocorticoide
promove a reabsorção de sódio e água pelos túbulos distais e dutos coletores, enquanto promove a
secreção renal de potássio e íons hidrogênio. A aldosterona produz a absorção de água e sódio no
cólon e nas glândulas salivares; também apresenta um efeito pró‑inflamatório e fibrótico no sistema
cardiovascular e causa hipertrofia e remodelação ventricular esquerda.

Saiba mais

Para entender melhor a ação de hormônios esteroides no corpo em


situações de exercício, aumentando o conhecimento dos conceitos
discutidos na presente unidade, leia o artigo:

AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE. O uso de esteróides


anabolizantes nos esportes. Ver. Bras. Med. Esporte, v. 4, n. 1, p. 31‑36,
Niterói, jan./fev. 1998. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?pid=S151
7‑86921998000100010&script=sci_arttext>. Acesso em: 2 jul. 2015.

140
FISIOLOGIA GERAL

8 SISTEMA REPRODUTOR

8.1 Gônadas – sistemas reprodutores masculino e feminino

O aparelho reprodutor é composto de dois elementos básicos: as gônadas e o trato


reprodutor. As gônadas (testículos e ovários) desempenham uma função endócrina, regulada
pelo eixo hipotalâmico‑hipofisário‑gonadal, e uma função exócrina, a gametogênese. O
trato reprodutor está envolvido em vários aspectos do desenvolvimento, função e transporte
dos gametas, e na mulher, permite a fertilização, implantação e gestação. A gametogênese e
o desenvolvimento do trato reprodutor são dependentes da função endócrina das gônadas
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

Devido às diferenças anatômicas e fisiológicas entre o sistema reprodutor masculino e feminino, nós
iremos estudar primeiro o sistema reprodutor masculino e, em seguida, o feminino.

8.1.1 Sistema reprodutor masculino

O aparelho reprodutor masculino (gônadas e trato reprodutor) está representado na figura a seguir.
Diferentemente da mulher, o sistema reprodutor masculino apresenta uma gametogênese contínua, ou
seja, que perdura por toda a vida. Em um homem adulto, as funções básicas dos hormônios gonadais
são manter:

• a gametogênese (espermatogênese);

• o trato reprodutor masculino e a produção de sêmen; e

• as características sexuais secundárias e a libido. Não existem ciclos dessa atividade no homem
(KOEPPEN; STANTON, 2009).
Ureter
Vesícula
Bexiga seminal

Próstata
Uretra
Glândula de Cowper

Vaso deferente

Testículo
Pênis
Escroto
Uretra

Figura 44 – Representação do aparelho reprodutor masculino

141
Unidade III

As gônadas masculinas são os testículos, que estão fora da cavidade abdominal no escroto. Tal
localização é muito importante, pois mantém a temperatura testicular cerca de 2 graus mais baixa
do que a temperatura corporal, o que é crucial para o desenvolvimento ótimo do espermatozoide.
O testículo humano é recoberto por uma cápsula de tecido conjuntivo e é dividido em cerca de 300
lóbulos por septos fibrosos. Cada lóbulo possui quatro alças de túbulos seminíferos, sendo cerca de
500 túbulos seminíferos por testículo. Cada alça desemboca em uma rede anastomótica de túbulos,
denominada rede do testículo. Essa rede desemboca em ductos menores, os ductos eferentes,
que levam os espermatozoides do testículo para a cabeça do epidídimo. Uma vez no epidídimo,
os espermatozoides passam da cabeça para o corpo e, em seguida, para a cauda do epidídimo.
Do epidídimo, os espermatozoides seguem para o ducto deferente. O espermatozoide viável pode ser
armazenado na cauda do epidídimo e no ducto deferente por vários meses (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Células
intersticiais Espermatozoides
Túbulos seminíferos

Epidídimo
x 180

Túbulos seminíferos

Canal deferente

Figura 45 – Representação esquemática do testículo e do epidídimo do aparelho reprodutor masculino

O compartimento intratubular (dentro do túbulo seminífero) é revestido por um complexo epitélio


seminífero composto por dois tipos celulares: as células espermáticas que estão em vários estágios
de espermatogênese e as células de Sertoli, que são as células de suporte e estão em contato íntimo
com todas as células espermáticas. A espermatogênese envolve os processos de mitose e meiose. As
espermatogônias são células‑tronco que residem no nível basal do epitélio seminífero, elas fazem mitose
para gerar as espermatogônias filhas em um processo chamado de espermatocitogênese. A maioria
das espermatogônias filhas entra em divisão meiótica, o que resulta em um espermatozoide haploide
quando a meiose se completa. À medida que entram na primeira prófase meiótica as espermatogônias
migram para longe da lâmina basal, em direção apical. Neste momento são chamadas de espermatócitos
primários. Ao término da primeira divisão meiótica são chamados de espermatócitos secundários, os
quais rapidamente (cerca de 20 minutos) completam a divisão meiótica. Os produtos da divisão meiótica
são as espermátides haploides, que são células pequenas e arredondadas que sofrerão uma notável
metamorfose denominada espermiogênese. Os produtos da espermiogênese são os espermatozoides.

142
FISIOLOGIA GERAL

crescimento germinativo
Período de Período
Espermatogônias...
(2n)
Espermatócito I
(2n)
maturação
Período de

(meiose)

Espermatócitos II
(n)

Espermátides
Espermiogênese

(n)

Espermatozoides
(n)

Figura 46 – Espermatogênese

À medida que as espermátides sofrem maturação para espermatozoides, o tamanho do núcleo fica
reduzido e uma cauda proeminente forma‑se. A cauda tem as estruturas microtubulares que propulsionam
o espermatozoide, como um flagelo. A cromatina do núcleo do espermatozoide condensa‑se e a maioria
do citoplasma é perdida. A cabeça do espermatozoide apresenta uma estrutura chamada acrossoma,
delimitada por uma membrana que atua como um lisossoma e contém enzima hidrolíticas, importantes
para a fecundação. Essas enzimas permanecem inativas até que a reação acrossômica ocorra (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

Os espermatozoides ficam na superfície luminal dos túbulos seminíferos e a liberação deles


(espermiação) é controlada pelas células de Sertoli. O processo de espermatogênese dura cerca de
72 horas, e a cada 16 dias um grupo de espermatogônias entra no processo, porém nem todas as
espermatogônias iniciam o processo de espermatogênese ao mesmo tempo. Devido à quantidade e ao
tamanho dos túbulos seminíferos, os espermatozoides acabam sendo gerados continuamente (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

As células de Sertoli são as verdadeiras células epiteliais do epitélio seminífero e se estendem da


lâmina basal ao lúmen. Elas circundam as células espermáticas e proporcionam suporte estrutural no
epitélio; elas formam junções aderentes e comunicantes com as células espermáticas em todos os
estágios. E no estágio final, a espermiação requer a destruição final das junções entre as células de
Sertoli e a espermática. As células de Sertoli também formam junções oclusivas entre si fornecendo
base física para a formação da barreira hematotesticular, que divide o epitélio seminífero em um
compartimento basal, contendo espermatogônias e espermatócitos primários, e um compartimento
adluminal, contendo espermatócitos em estágios avançados e todos os estágios subsequentes das células

143
Unidade III

espermáticas. A barreira hematotesticular cria um microambiente especializado e imunologicamente


seguro para o desenvolvimento do espermatozoide.

A célula de Sertoli é essencial para a viabilidade e desenvolvimento da célula espermática.


Porém a espermatogênese é dependente da testosterona produzida pelas células de Leydig, que
estão no compartimento peritubular. Todavia são as células de Sertoli que expressam o receptor
para a testosterona, e não as células espermáticas em desenvolvimento. Da mesma forma que o
FSH (hormônio folículo estimulante), produzido pela hipófise, também é necessário para a produção
máxima de espermatozoides e, novamente, são as células de Sertoli que expressam receptor para o FSH,
e não as espermátides em desenvolvimento. Assim, esses hormônios sustentam a espermatogênese
indiretamente por meio do estímulo funcional das células de Sertoli; daí a importância da existência de
junções comunicantes entre essas células. Além disso, as células de Sertoli convertem a testosterona
em um estrógeno altamente potente (17β‑estradiol), que é capaz de aumentar a espermatogênese
em humanos.

De forma geral, as células de Sertoli geram e mantêm todas as condições necessárias para o
desenvolvimento e sobrevivência dos espermatozoides. Elas possuem um papel endócrino muito
importante, elas produzem o hormônio antimülleriano (AMH), o qual induz a regressão dos
ductos müllerianos embrionários, que são programados para originar o trato reprodutor feminino.
Produzem também a inibina, que retroalimentam negativamente os gonadotrofos, inibindo a
produção de FSH.

O outro compartimento é o peritubular (localizado entre os túbulos seminíferos), que é


composto por elementos neurovasculares, células do tecido conjuntivo frouxo, células imunes e
as células intersticiais de Leydig, que têm como função principal produzir testosterona. Possui
uma rede capilar peritubular riquíssima que proporciona nutrientes para os túbulos seminíferos
(por meio das células de Sertoli) enquanto leva testosterona para fora do testículo, em direção à
circulação periférica.

As células de Leydig são células esteroidogênicas, elas sintetizam, adquirem e armazenam colesterol.
Elas possuem toda maquinaria molecular essencial para a conversão e modificação do colesterol
em hormônios esteroides. O hormônio esteroide produzido pela célula de Leydig é a testosterona,
que tem diversos destinos e múltiplas ações. Devido à proximidade das células de Leydig com os
túbulos seminíferos, quantidades significativas de testosterona difundem‑se para os túbulos e são
concentrados no compartimento adluminal. A quantidade de testosterona nos túbulos seminíferos
é cem vezes superior à quantidade de testosterona circulante, e é determinante para que ocorra a
espermatogênese normal.

A testosterona circulante é convertida em estrógeno em diversos tecidos, mas principalmente no


tecido adiposo. Nos homens, esse estrógeno periférico desempenha um importante papel na maturação
e biologia dos ossos, ele é responsável pelo fechamento das epífises ósseas. Estudos envolvendo
homens com deficiência de aromatase (enzima que converte testosterona em estrógeno), ou seja,
com incapacidade de produzir estrógeno, apresentaram alta estatura e osteoporose. O estrógeno nos
homens também promove a sensibilidade à insulina, melhora os perfis de lipoproteínas (aumenta o
144
FISIOLOGIA GERAL

HDL e reduz triglicerídeos e LDL) e estabelece uma retroalimentação negativa com os gonadotrofos
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

A testosterona também pode ser convertida em di‑hidrotestosterona (DHT), um potente andrógeno


necessário para a masculinização da genitália externa in utero e, para muitas das mudanças associadas
à puberdade, incluindo crescimento e atividade da próstata, crescimento do pênis, escurecimento e
pregueamento do escroto, crescimento dos pelos pubianos e axilares, crescimento de pelos faciais e
corporais, além do aumento da massa muscular.

As ações diretas da testosterona ocorrem em vários tipos celulares. Como mencionado


anteriormente, ela regula a função da célula de Sertoli, induz o desenvolvimento do trato masculino
e possui vários efeitos metabólicos. A testosterona per se aumenta a quantidade de lipoproteínas de
densidade muito baixa (VLDL e LDL), enquanto reduz a lipoproteína de alta densidade (HDL), promove
a deposição de tecido adiposo abdominal, aumenta a produção de eritrócitos, promove o crescimento
e a rigidez dos ossos, exercendo um efeito anabolizante proteico nos músculos. É suficiente para
manter a função erétil e a libido. Tanto a testosterona quanto a DHT atuam pelo mesmo receptor
androgênico (AR).

O testículo é regulado pelo eixo endócrino hipotalâmico‑hipofisário‑testicular. As células de


Leydig apresentam receptores para o LH, o qual atua nas células causando hidrólise dos ésteres
de colesterol e ativação da maquinaria responsável pela síntese de testosterona. Em longo prazo,
o LH promove o crescimento e a proliferação das células de Leydig. A testosterona retroalimenta
negativamente a produção de LH pelo gonadotrofos hipofisário, seja na forma de testosterona, DHT
ou 17β‑estradiol. Eles também inibem a liberação de GnRH pelos neurônios hipotalâmicos. Já as
células de Sertoli são estimuladas tanto pela testosterona como pelo FSH. O FSH estimula a síntese de
proteínas que estão envolvidas com o aspecto funcional de “célula de suporte” da célula de Sertoli,
estimula também a síntese de inibina que retroalimenta negativamente os gonadotrofos, inibindo
seletivamente a produção de FSH.

Além dos testículos, o aparelho reprodutor masculino tem o epidídimo, que é dividido em cabeça,
corpo e cauda, tem o ducto deferente, o ducto ejaculatório, a uretra prostática, a uretra membranosa
e a uretra peniana. Quando os espermatozoides emergem dos ductos eferentes, deixam a gônada e
penetram no trato reprodutor masculino, que tem a função de conduzir o espermatozoide até o final
do trato masculino (ponta da uretra peniana). O final do trato reprodutor masculino conecta‑se ao trato
urinário distal (uretra masculina).

Além disso, o trato reprodutor masculino é importante para que ocorra:

• maturação espermática: os espermatozoides permanecem cerca de um mês no epidídimo, onde


sofrem maturação;

• armazenamento e emissão do espermatozoide: os espermatozoides são armazenados na cauda do


epidídimo e no ducto deferente por vários meses sem que haja perda de viabilidade, e são propelidos
para a uretra via ducto diferente durante o ato sexual (fenômeno chamado de emissão);
145
Unidade III

• produção e mistura do espermatozoide com o conteúdo seminal: durante a emissão a


contração do ducto deferente coincide com a contração das capas musculares das glândulas
sexuais acessórias (vesículas seminais e a próstata); nesse ponto, o espermatozoide é misturado
com todos os componentes do sêmen; e

• ereção e ejaculação, a emissão precede imediatamente à ejaculação, que é a propulsão do


sêmen para fora da uretra masculina. A emissão e a ejaculação ocorrem durante o coito em
resposta a um arco reflexo que envolve estimulação sensorial do pênis (via nervo pudendo),
seguida de estimulação motora simpática da musculatura lisa do trato masculino e estimulação
motora somática da musculatura associada à base do pênis. Entretanto, para que ocorra
a relação sexual em primeiro lugar, o homem tem que atingir e manter a ereção do pênis
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

A ereção do pênis é um evento neurovascular. O pênis é composto de três corpos eréteis: dois
corpos cavernosos e um corpo esponjoso, todos eles constituídos de tecido erétil. A uretra peniana
atravessa o corpo esponjoso. Durante o estado flácido, flui pouco sangue pelos os espaços cavernosos
– isso se deve à vasoconstrição da vasculatura e ao desvio do fluxo sanguíneo para fora dos espaços
cavernosos. Em resposta à excitação sexual, os nervos parassimpáticos cavernosos que inervam a
musculatura lisa vascular liberam óxido nítrico, que causará o relaxamento muscular e vasodilatação.
A vasodilatação permite que o sangue flua para os espaços cavernosos, induzindo a ereção (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

Não existe andropausa definida no homem. Entretanto, à medida que o homem envelhece a
sensibilidade das gônadas ao LH reduz‑se e a produção dos andrógenos decai. À medida que isso ocorre,
os níveis séricos de LH e FSH aumentam. Apesar da produção de espermatozoide, tipicamente, iniciar
seu declínio após os 50 anos de idade, muitos homens podem manter uma função reprodutiva e a
espermatogênese por toda a vida.

8.1.2 Sistema reprodutor feminino

O sistema reprodutor feminino é composto das gônadas, denominadas ovários, e do trato reprodutor
feminino, o qual inclui as trompas de Falópio, útero, colo uterino, vagina e genitália externa
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

Trompa ou tuba

Útero Ovário
Endométrio
Colo
Vagina

Figura 47 – Aparelho reprodutor feminino

146
FISIOLOGIA GERAL

O ovário está dentro de uma dobra do peritônio denominada ligamento largo, próxima à parede
lateral da cavidade pélvica. Como o ovário estende‑se para dentro da cavidade peritoneal, os óvulos
liberados permanecem brevemente na cavidade peritoneal antes de serem capturados pela trompa de
Falópio (KOEPPEN; STANTON, 2009).

O ovário é dividido em um córtex externo e uma medula interna. Elementos neurovasculares inervam
a camada medular do ovário. O córtex do ovário é composto de um estroma densamente celular. No
interior desse estroma, figuram os folículos ovarianos, que contêm um oócito primário circundando
por células foliculares. O córtex é recoberto por uma cápsula de tecido conjuntivo, a túnica albugínea
e uma camada de epitélio simples consistindo em células epiteliais da superfície ovariana. Não existem
ductos emergindo do ovário para conduzir seus gametas para o trato reprodutor. Dessa forma, o processo
de ovulação envolve um evento inflamatório que causa erosão da parede do ovário. Após a ovulação,
as células epiteliais da superfície ovariana rapidamente dividem‑se para reparar a parede (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

Folículo imaturo Vesícula folicular


Células germinativas

Vasos sanguíneos
Folículo maduro

Corpo albígeno

Corpo amarelo
Ovócito expulso
(ovulação)

Figura 48 – Estágios diferentes de desenvolvimento do folículo no ovariano

Lembrete

Diferentemente do feminino, no sistema reprodutor masculino, o canal


deferente transporta os espermatozoides do epidídimo para a uretra.

O folículo ovariano é a unidade funcional do ovário e tem tanto funções gametogênicas como
endócrinas. O ovário de uma mulher, antes da menopausa, contém estruturas foliculares em vários
estágios de desenvolvimento – eis a ordem:

• folículo primordial quiescente;

• folículo pré‑antral (primário e secundário) em crescimento;

• folículo antral (terciário) em crescimento;

• folículo dominante (pré‑ovulatório, de Graaf);

147
Unidade III

• folículo dominante no período periovulatório;

• corpo lúteo (da menstruação ou da gestação); e

• folículos atrésicos (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Os folículos primordiais quiescentes são as estruturas foliculares mais precoces e simples do


ovário. De forma semelhante à interação da célula de Sertoli com o espermatozoide, uma subpopulação
de células granulosas permanece intimamente ligada aos oócitos durante seu desenvolvimento. As
células granulosas fornecem nutrientes para sustentar a maturação do oócito. Os folículos primordiais
representam os folículos de reserva do ovário. Essa reserva é reduzida de um número inicial de 7 milhões
para menos de 300 mil folículos na maturidade sexual. Deles, a mulher ovulará cerca de 450, entre a
menarca (primeiro ciclo menstrual) e a menopausa (cessação dos ciclos menstruais). Na menopausa,
menos de mil folículos primordiais restam no ovário. Devido ao fato da reserva folicular ovariana ser um
número fixo e finito, a velocidade com que os folículos primordiais quiescentes morrem ou iniciam seu
desenvolvimento determinará a expectativa de vida reprodutiva de uma mulher. A idade da menopausa
tem um forte componente genético, mas também é influenciada por fatores ambientais. O tabagismo
reduz significativamente a reserva ovariana. A determinação de um folículo quiescente entrar na fase
inicial de crescimento é principalmente dependente de fatores parácrinos intraovarianos, que são
produzidos tanto pelas células foliculares como pelos oócitos.

Nos folículos primordiais, o gameta é derivado da oogônia que iniciou a primeira divisão meiótica
e que são chamados de oócitos primários. Os oócitos primários passam por grande parte da prófase da
primeira divisão meiótica em um período de duas semanas e, então, param antes de completar a meiose
I (KOEPPEN; STANTON, 2009).

O primeiro estágio de crescimento folicular é o pré‑antral. Um dos primeiros sinais é a aparição de


células granulosas cuboides. Nesse ponto, o folículo é denominado primário. À medida que as células
granulosas se proliferam, formam um epitélio com múltiplas camadas (estratificado) ao redor do oócito.
Nesse ponto, o folículo passa a ser folículo secundário. Quando o folículo secundário adquire de
três a seis camadas de células granulosas, ele secreta fatores parácrinos que induzem as células do
estroma adjacente a diferenciarem‑se em células epitelioides da teca. Uma vez que as células da teca
formam uma camada ao redor do folículo, ele passa a ser chamado de folículo pré‑antral maduro. O
desenvolvimento do folículo está associado a uma movimentação do folículo do córtex externo para o
córtex interno, próximo à vasculatura da medula ovariana. Os folículos secretam fatores angiogênicos
que induzem o desenvolvimento de uma a duas arteríolas, que formam uma coroa vascular ao redor do
folículo. Durante esse estágio, o oócito inicia seu crescimento e secreta glicoproteínas que vão formar
a zona pelúcida. Essa região aumenta a espessura, tornando‑se um local de ligação específico para o
espermatozoide durante a fertilização.

O oócito continua secretando fatores parácrinos que regulam o crescimento e diferenciação das
células foliculares. Durante esse período, as células granulosas expressam receptores para FSH, mas
são primariamente dependentes de fatores secretados pelo oócito para crescer. Elas não produzem
hormônios ovarianos nesse estágio inicial. As células da teca são análogas às células de Leydig
148
FISIOLOGIA GERAL

testiculares, pois residem fora das células de sustentação epiteliais, expressam receptores de LH
e produzem andrógenos. Assim, o principal produto das células da teca é a androstenediona, que é
mínima nesse estágio.

Os folículos pré‑antrais maduros desenvolvem‑se em folículos antrais iniciais. Uma vez que o epitélio
da granulosa tenha aumentado para seis a sete camadas, espaços preenchidos por líquido aparecem entre
as células e coalescem em um antro. Durante um período de cerca de 45 dias, essa onda de folículos
continua crescendo originando folículos antrais grandes e recrutáveis. Tal período é caracterizado por um
crescimento de cerca de cem vezes das células granulosas e um crescimento da cavidade antral, a qual,
progressivamente, divide as células granulosas em duas populações discretas.

As células granulosas murais formam a parede externa do folículo. A camada basal encontra‑se
aderida à lâmina basal e em proximidade às camadas da teca de revestimento interno. As células
granulosas murais tornam‑se altamente esteroidogênicas e permanecem no ovário após a ovulação
para diferenciarem‑se no corpo lúteo.

As células do cumulus (coroa radiata) são as células mais internas que circundam o oócito. Essas
células mantêm‑se aderidas ao oócito e são liberados juntos durante a ovulação. São fundamentais para
que as fimbrias das trompas de Falópio capturem e movam o oócito, por meio de movimento ciliar, ao
longo da extensão da trompa até o local de fertilização.

Os folículos antrais iniciais são dependentes de FSH hipofisário para seu crescimento normal.
Já os folículos antrais grandes tornam‑se altamente dependentes de FSH hipofisário, para seu
crescimento e manutenção da viabilidade. Folículos de 2 a 5 mm são recrutados para entrar em
uma fase de crescimento rápido, pelo aumento transitório de FSH, que ocorre durante o final do
ciclo menstrual anterior.

O oócito cresce rapidamente nos estágios iniciais dos folículos antrais e o crescimento torna‑se
menor nos folículos maiores. Durante o estágio antral, o oócito sintetiza quantidades suficientes de
componentes do ciclo celular, de tal forma que se torna competente para completar a meiose I da
ovulação. Assim, nos folículos primários e secundários iniciais, o oócito não completa a meiose I devido
à falta de proteínas específicas. Entretanto, folículos maiores ganham competência meiótica, mas ainda
mantém a interrupção meiótica até o surto de LH do meio do ciclo.

As células da teca dos folículos antrais grandes produzem quantidades significativas de


androstenediona e testosterona. Os andrógenos são convertidos em estradiol pelas células da granulosa.
Entretanto, nesse estágio, o FSH estimula a proliferação de células da granulosa e induz a expressão da
enzima aromatase, necessária para a síntese de estrógeno. Além disso, as células granulosas murais dos
folículos antrais maiores produzem inibina durante a fase folicular inicial. Níveis baixos de estrógeno e
inibina retroalimentam de forma negativa a secreção de FSH, contribuindo, desta forma, para a seleção
do folículo com o maior número de células responsivas ao FSH.

No final de um ciclo menstrual prévio, um grupo de folículos antrais grandes são recrutados para
iniciar o desenvolvimento rápido e dependente de gonadotrofina. À medida que os níveis de FSH
149
Unidade III

declinam os folículos em crescimento rápido vão sofrendo atresia até que reste apenas um folículo, o
folículo dominante.

O oócito é competente para completar a meiose I, mas permanece preso no folículo dominante até
o surto de LH. O crescimento do oócito continua com uma velocidade menor.

O folículo começa a fase de esteroidogênese ovariana, processo que requer tanto células da teca
como da granulosa. As células da teca expressam receptores de LH e produzem andrógenos. O LH
basal estimula as enzimas esteroidogênicas e os andrógenos produzidos são liberados da teca e se
difundem pelas células granulosas murais ou penetram nos vasos que circundam o folículo.

As células granulosas murais apresentam um grande número de receptores de FSH, sendo que o
FSH estimula a expressão da aromatase, enzima que sintetiza estrógeno a partir de testosterona. O
FSH também induz a expressão de inibina durante a fase folicular. Outra função do FSH é a de induzir
a expressão de receptores de LH nas células granulosas murais durante a segunda metade da fase
folicular. Assim, as células granulosas murais tornam‑se responsivas a ambas as gonadotrofinas, o que
permite que mantenham altos níveis de aromatase, mesmo quando o FSH estiver declinando. Também
garante que as células granulosas murais respondam ao surto de LH.

O período periovulatório é definido desde o início do surto de LH e a ovulação. Simultaneamente


à ovulação, ocorre a luteinização, uma mudança na função esteroidogênica das células da teca e
murais da granulosa. Esse processo culmina com a formação do corpo lúteo, que pode produzir grandes
quantidades de progesterona, junto ao estrógeno, poucos dias depois da ovulação. Assim, o surto de
LH induz o início de processos complexos durante o período periovulatório, que completam a função
gametogênica do ovário e modificam a função endócrina para preparar o trato reprodutor feminino
para a implantação e a gestação.

Antes da ovulação, o oócito primário é competente para completar a meiose, mas fica estagnado na
prófase I. O surto de LH induz o oócito a progredir para a metáfase II. O oócito permanece nessa fase
até a fertilização.

Tanto as células da teca quanto as granulosas murais expressam receptores de LH. O surto de LH induz a
diferenciação das células granulosas. Durante o período periovulatório, o surto de LH induz mudanças na
atividade esteroidogênica das células granulosas murais inibindo a expressão da aromatase e, portanto,
tanto diminuindo os níveis de estrógeno como aumentando os níveis de progesterona.

Após a ovulação, o remanescente da cavidade antral é preenchido por sangue proveniente dos
vasos danificados, dando origem ao corpo hemorrágico. Nos dias seguintes, os eritrócitos e debris
são removidos por macrófagos, e fibroblastos preenchem a cavidade antral com matriz extracelular.
No corpo lúteo maduro, as células granulosas, agora denominadas células granulosas luteínicas,
aumentam de tamanho e enchem‑se de lipídios. Essas células aumentadas colapsam para dentro da
antiga cavidade antral e a preenchem parcialmente. As células da teca, junto aos vasos sanguíneos,
mastócitos, macrófagos, leucócitos e outras células do tecido conjuntivo, infiltram a camada granulosa
em múltiplos locais.
150
FISIOLOGIA GERAL

O corpo lúteo humano está programado para viver em torno de 14 dias (podendo viver dois dias
para mais e para menos, de 12 a 16 dias), a menos que seja resgatado pela gonadotrofina coriônica
humana (hCG), hormônio semelhante ao LH que se origina do embrião implantado. Se resgatado, esse
corpo lúteo permanecerá viável durante a gestação. Depois dos 14 dias, se não ocorrer resgate, o corpo
lúteo é reabsorvido e transformado em um corpo cicatricial denominado corpus albicans, o qual se
aprofunda na medula do ovário e é lentamente absorvido.

A produção de progesterona pelo corpo lúteo aumenta gradualmente com o início do surto de
LH e atinge um máximo durante a fase lútea média. O principal propósito dessa temporização é o de
transformar o revestimento uterino em uma estrutura adesiva e de sustentação para a implantação e
gestação inicial. A produção de estrógeno reduz‑se transitoriamente em resposta ao surto de LH, mas
então volta a aumentar e atinge outro pico na fase lútea média.

A produção hormonal lútea é totalmente dependente de níveis basais de LH, e está fortemente
correlacionada com um padrão pulsátil de liberação de LH. Tanto o LH quanto o FSH são reduzidos a níveis
basais durante a fase lútea, pelo feedback do estrógeno e a progesterona. Além disso, as células granulosas
produzem inibina, a qual reprime seletivamente a secreção de FSH.

O corpo lúteo deve gerar grandes quantidades de progesterona para sustentar a implantação e
início da gestação. Diversos fatores que perturbam a secreção hipotalâmica e hipofisária durante a fase
folicular, incluindo exercícios pesados, jejum, níveis altos de prolactina e função anormal da tireoide,
podem provocar uma deficiência da fase lútea e infertilidade (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Atresia folicular refere‑se à morte de um folículo ovariano. Durante a atresia, as células granulosas
e os oócitos sofrem apoptose. As células da teca persistem e repopulam, em geral, o estroma celular do
ovário. Essas células da teca ainda mantêm receptores de LH e a capacidade de produzir andrógenos,
sendo coletivamente denominadas glândula intersticial do ovário. Os folículos podem sofrer atresia a
qualquer momento durante seu desenvolvimento (KOEPPEN; STANTON, 2009).

A primeira metade do ciclo menstrual é chamada fase folicular do ovário, e é caracterizada pelo
recrutamento e crescimento de 15 a 20 folículos antrais grandes, seguido da seleção de um desses
folículos como folículo dominante e crescimento até que ocorra a ovulação. O folículo dominante deve
conter um oócito totalmente desenvolvido e células somáticas foliculares, que secretam altos níveis de
estrógeno. Dado que o folículo demora vários meses para atingir o crescimento ideal para ser recrutado,
esse processo ocorre independentemente do ciclo menstrual. A segunda metade do ciclo é chamada
fase lútea do ovário, e é dominada pelas secreções hormonais do corpo lúteo. Durante essa fase,
pequenos folículos continuam desenvolvendo‑se no estroma ovariano.

O desenvolvimento folicular final e a função lútea são dependentes das funções hipotalâmicas e hipofisárias
normais. Como acontece no homem, os neurônios hipotalâmicos secretam GnRH de forma pulsátil. O GnRH,
por sua vez, estimula a produção de LH e FSH pelos gonadotrofos na hipófise. Uma alta frequência de pulsos
de GnRH promove a produção de LH, enquanto a baixa frequência favorece a secreção de FSH. A principal
diferença entre os eixos reprodutivos feminino e masculino é o surto de gonadotrofinas no meio do ciclo, o
qual é dependente de um nível alto de estrógeno e constante, proveniente do folículo dominante.
151
Unidade III

A variação hormonal do ciclo menstrual pode ser descrita nas seguintes etapas:

• Evento 1: na ausência de fertilização e implantação, o corpo lúteo regride e morre (luteólise), levando
a uma queda drástica dos níveis de progesterona, estrógeno e inibina no dia 24 do ciclo menstrual.

• Evento 2: na hipófise, o gonadotrofo percebe o final da função lútea pela interrupção do feedback
negativo, o que permite a elevação de FSH, dois dias antes do início da menstruação. A elevação de FSH
pode ser explicada pela baixa frequência de pulsos de GnRH, consequente do alto nível de progesterona.

• Evento 3: o aumento de FSH recruta um grupo de folículos antrais grandes para iniciarem um
crescimento rápido e dependente de gonadotrofina. Esses folículos produzem níveis baixos de
estrógeno e inibina.

• Evento 4: o gonadotrofo responde ao lento aumento de estrógeno e inibina pela redução da


secreção de FSH. A diminuição de estrógeno e progesterona causa um aumento na frequência nos
pulsos de GnRH, aumentando a síntese e secreção de LH.

• Evento 5: o ovário responde à diminuição de FSH com a morte de todos os folículos recrutados
com exceção do folículo dominante, por ser mais responsivo ao FSH. Geralmente, apenas o
maior folículo, com o maior número de receptores de FSH e melhor suprimento sanguíneo, pode
sobreviver. Esse folículo produz grandes quantidades de estradiol e inibina. O FSH também induz
a expressão de receptores de LH nas células granulosas murais do folículo dominante.

• Evento 6: depois que o folículo dominante eleva os níveis de estrógeno acima dos 200 pg/ml
durante 50 horas, o estrógeno produz um feedback positivo nos gonadotrofos, induzindo o surto
de LH no meio do ciclo. Isso é acentuado pela pequena quantidade de progesterona secretada nesse
momento do ciclo. Os receptores de GnRH e a sensibilidade à sinalização pelo GnRH aumentam
muito nos gonadotrofos. O hipotálamo contribui para o surto de gonadotrofina pelo aumento da
frequência de pulsos de GnRH e a secreção de uma pequena quantidade de progesterona.

• Evento 7: o surto de LH induz a maturação meiótica, a ovulação e a diferenciação das células


granulosas em células produtoras de progesterona.

• Evento 8: a elevação dos níveis de progesterona, estrógeno e inibina, pelo corpo lúteo maduro,
retroalimentam negativamente os gonadotrofos. Mesmo com altos níveis de estrógeno, os níveis
de progesterona bloqueiam qualquer retroalimentação positiva. Em consequência, tanto o FSH
como o LH voltam aos níveis basais.

• Evento 9: níveis basais de LH (mas não de FSH) são absolutamente necessários para o funcionamento
normal do corpo lúteo. Entretanto, o corpo lúteo torna‑se progressivamente insensível à sinalização
pelo LH e morrerá a menos que uma atividade semelhante ao LH (no caso, a hCG de um embrião
implantado) aumente. Em um ciclo em que não haja fertilização, o corpo lúteo da menstruação
regredirá em 14 dias, e os níveis de progesterona e estrógeno começarão a declinar em cerca de
dez dias; dessa forma, o ciclo volta ao evento 1 (KOEPPEN; STANTON, 2009).
152
FISIOLOGIA GERAL

Menstruação

Ovulação
FSH
Gonadotrofinas
LH

LTH

os
gen Progesterona
Hormônios Es tró
ovarianos

2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28

Figura 49 – Gráfico da variação dos hormônios sexuais femininos durante o ciclo menstrual

Observação

O teste de gravidez obtido na farmácia detecta o hormônio beta‑hCG


na urina, produzido exclusivamente a partir da implantação do óvulo,
confirmando a gestação.

No ciclo menstrual, o ovário é o relógio primário que coordena esses eventos. O tempo em
que ocorrem os principais eventos de origem hipofisária (a elevação transitória do FSH que
recruta os folículos e o surto de LH que induz a ovulação) é determinado por dois eventos
ovarianos. Eles são, respectivamente, a expectativa de vida regular de 14 dias do corpo lúteo
e o crescimento do folículo dominante até o ponto em que ele possa manter a alta produção
de estrógeno, que induzirá, na hipófise, a mudança por um feedback positivo (KOEPPEN;
STANTON, 2009).

As trompas de Falópio (também denominadas tubas uterinas) são tubos musculares cujas
terminações distais estão próximas a cada ovário e cujas terminações proximais atravessam a parede do
útero. As trompas são divididas em quatro seções (da porção distal para a proximal):

• o infundíbulo, ou terminação aberta da trompa, que possui projeções digitiformes denominadas


fimbrias, que “varrem” a superfície do ovário;

• a ampola, que possui um lúmen relativamente amplo e muitas pregas na mucosa;

• o istmo, o qual possui um lúmen relativamente estreito e menos pregas na mucosa; e

• o segmento intramural ou intrauterino, que se estende por meio da parede uterina nos cornos
superiores do útero.

153
Unidade III

As principais funções das trompas são:

• capturar o oócito durante a ovulação e transferi‑lo para a porção medial (a junção ampola‑istmo),
onde ocorre a fertilização. Secreções da trompa revestem e impregnam o oócito e podem ser
necessárias para a viabilidade e capacidade de fertilização;

• proporcionar um local para o armazenamento do espermatozoide. Mulheres que ovulam até cerca
de cinco dias após uma relação sexual podem engravidar. O espermatozoide permanece viável
por aderir às células epiteliais que revestem o istmo. As secreções da trompa também induzem a
capacitação e hiperatividade do espermatozoide; e

• secretar fluidos que proporcionam suporte nutricional ao embrião antes da implantação


(KOEPPEN; STANTON, 2009).

O tempo da movimentação do embrião para o útero é crítico, porque o útero tem uma janela de
implantação de, aproximadamente, três dias. A trompa precisa reter o embrião recém‑formado até que
ele atinja o estágio de blastocisto (cinco dias após a fertilização) e, então, permitir que o blastocisto
passe para a cavidade uterina.

A parede da trompa é composta por uma camada mucosa, uma muscular dupla e uma camada
externa de tecido conjuntivo. A camada mucosa possui muitas pregas, que quase obliteram o lúmen,
e é revestida por dois tipos de células: ciliadas e secretoras. Os cílios, mais numerosos no infundíbulo,
propelem o oócito em direção ao útero. Quando o oócito penetra na ampola, passa a ser propulsado
pelos cílios e por contrações peristálticas da muscular.

As células secretoras produzem um muco rico em proteínas ao longo da trompa que mantém o epitélio
saudável, movimenta o oócito em direção ao útero e direciona os espermatozoides em movimento
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

O estrógeno secretado durante a fase folicular aumenta o tamanho das células da mucosa, aumenta
o fluxo sanguíneo, promove a secreção de muco espesso no istmo e aumenta seu tônus muscular para
ajudar na fertilização. Altos níveis de progesterona, junto ao estrógeno durante a fase lútea inicial até a
fase média, reduzem o tamanho e função das células epiteliais. A progesterona promove a diminuição
dos cílios, reduz a secreção de muco espesso e relaxa o tônus muscular do istmo.

O útero é um órgão único localizado na linha média da cavidade pélvica entre a bexiga e o reto.
A mucosa do útero é denominada endométrio; a espessa parte muscular que possui três camadas é
chamada miométrio, e o tecido conjuntivo e a serosa externos são denominados perimétrio. As partes
do útero são:

• o fundo, a porção superior às entradas das trompas;

• o corpo do útero, que forma quase todo o órgão;

154
FISIOLOGIA GERAL

• o istmo, uma porção curta e estreitada da parte final inferior do corpo uterino; e

• o colo do útero, que se estende para o interior da vagina.

As funções definidas do útero são todas relacionadas à fertilização e gestação:

• auxiliar o movimento do espermatozoide, da vagina até a trompa;

• proporcionar um local adequado para a adesão e a implantação do blastocisto, o que inclui um


estroma espesso e rico em nutrientes;

• limitar a invasão do embrião em implantação, de forma que ele permaneça no endométrio, e não
alcance o miométrio;

• prover o lado materno da arquitetura placentária madura;

• crescer e expandir junto ao feto, de forma que ele se desenvolva em um ambiente aquoso, e não
adesivo; e

• produzir contrações musculares fortes para, ao final da gestação, expelir o feto e a placenta
(KOEPPEN; STANTON, 2009).

Cerca de dois terços da porção luminal do endométrio são perdidos durante a menstruação. Essa
parte do endométrio é chamada de estrato funcional, e a parte basal do endométrio que permanece
é chamada estrato basal.

As oscilações mensais nos esteroides ovarianos alteram a composição do endométrio uterino. No


momento da seleção do folículo dominante e de sua produção de estrógeno, o endométrio uterino está
terminando a menstruação. O estrato funcional foi descamado e apenas o estrato basal permanece. Os
níveis de estrógeno em elevação, durante a fase folicular média e final, induzem a fase proliferativa do
endométrio uterino. O estrógeno induz o crescimento e a divisão de todos os tipos celulares do estrato
basal. O estrógeno também controla o crescimento uterino indiretamente, pela produção local de fatores
de crescimento. Finalmente, o estrógeno também induz a expressão de receptores de progesterona,
preparando o endométrio uterino para que ele seja capaz de responder à progesterona durante a fase
lútea ovariana.

No momento da ovulação, a espessura funcional foi restabelecida, pelas ações proliferativas do


estrógeno. Após a ovulação, o corpo lúteo produz altos níveis de progesterona, junto com estrógeno. A
fase lútea ovariana muda a fase proliferativa do endométrio uterino para a fase secretória. Em geral, a
progesterona inibe maior crescimento do endométrio e induz a diferenciação das células epiteliais e do
estroma. A progesterona também induz mudanças na capacidade de adesão do epitélio de superfície,
gerando a janela de receptividade para a implantação de um embrião, e promove a diferenciação das
células do estroma para estar preparadas tanto para formar a decídua da gestação ou orquestrar a
menstruação, na ausência de gestação.
155
Unidade III

Em um ciclo não fértil, a morte do corpo lúteo resulta na repentina redução de progesterona, o que
leva a mudanças no endométrio uterino, que redundam na perda do estrato funcional. A menstruação
normalmente dura de quatro a cinco dias e o volume de perda de sangue varia de 25 a 35 ml.
A menstruação coincide com a fase folicular inicial do ovário (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Lembrete

No ciclo menstrual, há alterações sofridas na parede uterina


durante um ciclo menstrual de 28 dias. Tais alterações são devidas à
influência hormonal: a partir do dia 4 do ciclo, estendendo‑se até o dia
14, tem‑se o crescimento do endométrio (fase proliferativa), devido à
ação, principalmente, dos estrógenos. No dia 14 ocorre a ovulação, sob
a influência do hormônio luteinizante. Do dia 14 ao 28, sob a ação de
estrógeno e, principalmente, de progesterona, tem‑se maior proliferação
do endométrio, com expulsão de restos celulares e sangue (menstruação),
em razão da queda da taxa de progesterona
Refrigeração do epitélio descamado, 7 8
proliferação glandular 6 9
5 10 Fase folicular
Menstruação do 1º ao 4º dia 4 11 Proliferação do 5º ao 14º dia

Estrato compacto e estrato 3 12


esponjoso descamam para o Fluxo menstrual
interior do útero, com certa 2 13
quantidade de sangue Ovulação
Se ocorrer a fertilização, a
Início do ciclo implantação do blastocisto 14º dia (± 1 dia)
Primeira perda de sangue 1 dar‑se‑á, aproximadamente, 14
(isquemia): 28º dia; entre o 20º e o 23º dia. Endométrio
vasoconstrição da artéria espiral; Miométrio (somente
necrose do estrato compacto 28 15 parte deste é mostrada)
Estrato compacto
Artéria espiral 27 16
Estrato esponjoso
Glândula dilatada 17
26 Estrato basal
A secreção contém
muco e glicogênio 25 18
Fase progestacional
24 19
23 20 Secreção do 15º ao 27º dia
22 21

Figura 50 – Ciclo menstrual

O colo do útero é a extensão inferior do útero que se projeta para dentro da vagina. O colo atua
como um portão de entrada para o trato feminino superior, e no meio do ciclo, o canal endocervical
facilita a viabilidade e a entrada do espermatozoide. Durante a fase lútea, o canal endocervical impede
a passagem do espermatozoide e de microrganismos, dessa forma, inibindo a superimplantação de um
segundo embrião ou uma infecção ascendente para a placenta, membranas fetais e feto. Ao final da

156
FISIOLOGIA GERAL

gestação, um amolecimento e dilatação do colo permitem a passagem do recém‑nascido, e da placenta,


do útero para a vagina.

A vagina é uma das estruturas copulatórias da mulher e atua como o canal de parto. As células
superficiais do epitélio vaginal descamam‑se continuamente, e a natureza destas células é influenciada
pelo ambiente hormonal. O estrógeno estimula a proliferação do epitélio vaginal e aumenta seu
conteúdo de glicogênio. O glicogênio é metabolizado em ácido láctico por lactobacilos comensais, dessa
forma, mantendo um ambiente ácido. Isso inibe a infecção por bactérias não comensais e fungos.
A progesterona aumenta a descamação das células epiteliais (KOEPPEN; STANTON, 2009).

A genitália externa feminina é circundada pelos grandes lábios (homólogos ao escroto) lateralmente
e pelo monte do púbis anteriormente. É chamada vulva a área que inclui os lábios maiores e o monte
do púbis, junto aos pequenos lábios, o clitóris, o vestíbulo da vagina, as glândulas vestibulares
e o orifício uretral externo. As estruturas da vulva possuem função de excitação e clímax sexual, de
direcionamento do fluxo da urina e de recobrir parcialmente a abertura da vagina, inibindo a entrada
de patógenos.

O clitóris é o homólogo embrionário do pênis, e é composto de dois corpos cavernosos, que o ligam
aos ramos isqueopúbicos e à glande. Tais estruturas são compostas de tecido erétil e sofrem um processo
de ereção, essencialmente da mesma maneira que o pênis. Diferentemente do pênis, o tecido do clitóris é
completamente separado da uretra. Dessa maneira, o clitóris está envolvido na excitação sexual e clímax
durante o orgasmo. A vagina está igualmente envolvida na satisfação sexual, mas também funciona
como órgão copulatório e canal do parto (KOEPPEN; STANTON, 2009).

Resumo

A sinalização endócrina envolve a secreção regulada de um hormônio,


no fluido extracelular; a difusão do hormônio no corpo por meio da
circulação; e a difusão do hormônio para fora do compartimento vascular
no espaço extracelular e ligação a um receptor específico dentro das células
de um órgão‑alvo. A retroalimentação (feedback) negativa representa um
mecanismo importante de controle que confere estabilidade aos sistemas
endócrinos. Os ritmos hormonais dependem de alças de retroalimentação
negativa (na maioria dos casos) e positiva.

De forma geral, as duas grandes classes de hormônios são: (1) os


hormônios proteicos ou peptídicos, que são hidrossolúveis e, por essa razão,
não atravessam as membranas celulares – eles são armazenados em grânulos
nas células secretórias e atuam por meio de receptores de membrana –; e
(2) os hormônios esteroides, derivados de ésteres de colesterol, que são
lipossolúveis e, portanto, atravessam as membranas celulares para agir em
receptores intracelulares. Também diferem dos hormônios proteicos por
não serem estocados em grânulos e circularem associados a proteínas.
157
Unidade III

A glândula pituitária (também chamada de hipófise) é composta de


tecido epitelial (adeno‑hipófise) e tecido nervoso (neuro‑hipófise). Os
neurônios hipotalâmicos magnocelulares dos núcleos supraóptico e
paraventricular projetam seus axônios para baixo, pela haste infundibular,
e terminam na pars nervosa, região posterior da neuro‑hipófise, onde os
neuro‑hormônios são liberados e se difundem para os vasos. A adeno‑hipófise
secreta vários hormônios tróficos que fazem parte dos eixos endócrinos.
Esses eixos são definidos como hipotálamo‑hipófise‑glândula endócrina
periférica. O ponto de equilíbrio do eixo é em grande parte controlado pelo
hormônio periférico através de alças de retroalimentação negativa sobre
o hipotálamo e a hipófise. A adeno‑hipófise contém cinco tipos de células
endócrinas que secretam seis hormônios diferentes. Os corticotrofos
secretam ACTH, os tireotrofos secretam TSH, os gonadotrofos secretam
FSH e LH, os somatotrofos secretam GH e os lactotrofos secretam PRL. A
síntese e liberação desses hormônios da adeno‑hipófise, com exceção da
PRL, são reguladas pelo hipotálamo através de seus hormônios liberadores.
A secreção de PRL é inibida pelo hipotálamo por meio da dopamina.

O GH estimula o crescimento principalmente por meio da regulação


de IGF‑1 e IGF‑2. Além de ser lipolítico e ter um efeito anabolizante sobre
as proteínas, o GH eleva a glicemia reduzindo a utilização de glicose pelos
tecidos periféricos.

A glândula tireoide localiza‑se na região ventral do pescoço e é


composta por dois lobos ao redor da traqueia. Ela é composta por folículos
que, por sua vez, são constituídos por células epiteliais que rodeiam um
lúmen central que contém coloide e hormônios armazenados, sendo os
principais T3 e T4, por terem ação biológica: T4 funciona basicamente como
um pró‑hormônio, sendo convertido a T3, o principal hormônio ativo, e
T3 aumenta e é o maior regulador da taxa de metabolismo basal. Outros
efeitos sobre os sistemas nervoso central e esquelético são cruciais para um
crescimento e desenvolvimento normais.

As glândulas paratireoides estão localizadas ao redor da glândula


tireoide e são responsáveis por regularem o metabolismo de Ca2+
e fosfato. O Ca2+ e o fosfato são essenciais para a vida humana, pois
desempenham funções estruturais importantes nos tecidos duros (ossos
e dentes) e são reguladores importantes das vias metabólicas e de
sinalização intracelular.

O hormônio paratireoide (PTH) e a 1,25‑di‑hidroxivitamina D (estimulada


pelo PTH) regulam a absorção intestinal de cálcio e fosfato e a liberação
desses elementos para a circulação após a reabsorção óssea. O principal sinal
que estimula a secreção de PTH é a baixa concentração de cálcio circulante.
158
FISIOLOGIA GERAL

A calcitonina, um hormônio produzido pela glândula tireoide, reduz os níveis


circulantes de cálcio e fósforo, agindo de forma contrária ao PTH.

O pâncreas é uma glândula mista com um componente exócrino


e outro componente endócrino. O pâncreas endócrino é formado por
ilhotas de Langerhans. Cada ilhota é constituída por quatro tipos de
células: as células α, produtoras de glucagon; as células β, produtoras e
secretoras de insulina; as células δ, produtoras de somatostatina; e as
células PP, produtoras do polipeptídio pancreático.

A glicose circulante é o principal regulador da secreção de insulina,


assim como de glucagon. O aumento da glicemia aumenta a secreção de
insulina e inibe a secreção de glucagon e, antagonicamente, a diminuição
da glicemia leva à inibição da insulina e aumento da secreção de glucagon.
Assim, o equilíbrio entre esses dois hormônios estabelece um mecanismo
regulador da glicemia, fundamental para a manutenção da homeostasia.

O diabetes mellitus (DM) é uma síndrome metabólica que apresenta,


entre outras tantas manifestações, a hiperglicemia contínua ou intermitente.
É classificada em DM do tipo 1, cuja causa primária é a falência pancreática
e DM tipo 2, cuja causa primária é a resistência à insulina. O DM tipo 2
é a forma mais frequente de DM, apresentando um fator genético
importante. Fatores ambientais, como o envelhecimento e a obesidade, são
predisponentes ao DM tipo 2.

A glândula adrenal é composta por um córtex que produz hormônios


esteroides e uma medula que produz catecolaminas. As catecolaminas
(noradrenalina e adrenalina) aumentam a glicemia e os níveis de ácidos
graxos, estimulam a glicogenólise e a lipólise e aumentam o débito
cardíaco, mas têm efeitos seletivos sobre o fluxo sanguíneo em diferentes
órgãos. Já o córtex da adrenal apresenta um zoneamento estrutural e
funcional evidente: a zona glomerulosa, que produz o mineralocorticoide
aldosterona; a zona fasciculada, que produz o glicocorticoide cortisol; e a
zona reticular, que produz os androgênios fracos DHEA e DHEAS.

O cortisol é o hormônio secretado frente a diversas situações de estresse


(neurogênico ou não). Classicamente, é um hormônio hiperglicemiante e,
de forma geral, tem várias funções, sendo das mais importantes o efeito
imunossupressivo e anti‑inflamatório. Os androgênios DHEA, DHEAS e
androstenediona são precursores androgênicos, que podem ser convertidos,
perifericamente, para androgênios ativos e correspondem a 50% do
androgênio circulante nas mulheres. A aldosterona é um mineralocorticoide
natural muito forte, que promove a reabsorção de Na+ e água pelos túbulos
distais e dutos coletores, enquanto promove a secreção renal de H+ e K+.
159
Unidade III

A aldosterona também promove a absorção de água e Na+ no cólon e


glândulas salivares, apresenta um efeito pró‑inflamatório e fibrótico no sistema
cardiovascular e causa hipertrofia e remodelação ventricular esquerda.

Os sistemas reprodutores são compostos por gônadas, trato reprodutor


interno, com glândulas associadas e genitália externa. As glândulas
mamárias são glândulas reprodutoras acessórias, na mulher. As gônadas
têm duas funções principais: a produção de gametas e de hormônios, os
quais são fundamentais para a função normal e cuja produção é regulada
pelo eixo hipotálamo‑hipófise‑gônadas.

No homem, os túbulos seminíferos do testículo contêm células de


Sertoli e células espermáticas em desenvolvimento, que, por meio da
espermatogênese, formam espermatozoides maduros. A testosterona,
produzida fora dos túbulos nas células de Leydig, e o FSH são fundamentais
para a produção de espermatozoides, agindo nas células de Sertoli.
Essas células produzem inibina, hormônio que regula centralmente os
níveis de FSH, e formam a barreira hemato‑testicular, que protege o
processo de espermatogênese.

O trato masculino inclui estruturas tubárias (epidídimo, ductos deferentes


e uretra masculina), glândulas sexuais acessórias (vesícula seminal e próstata) e
o pênis.

No aparelho reprodutor feminino, o folículo é a unidade funcional do


ovário. Os folículos contêm células epiteliais (granulosas e cumulus) e células
do estroma (células da teca). Todas essas células dispõem‑se ao redor do
oócito primário que permanece estacionado na primeira prófase meiótica até
logo antes da ovulação. Os folículos desenvolvem‑se de um folículo pequeno
(primordial) até um folículo antral grande por ação das gonadotrofinas.

O ciclo menstrual é de aproximadamente 28 dias, dirigido pelos seguintes


eventos ovarianos: desenvolvimento de um folículo antral grande em um
folículo pré‑ovulatório (a fase folicular), ovulação, formação e morte do
corpo lúteo (fase lútea). A fase folicular ovariana corresponde às fases
menstrual e proliferativa do endométrio uterino. A fase lútea ovariana
corresponde à fase secretória do endométrio uterino.

O folículo dominante é selecionado em cada ciclo menstrual, sendo


normalmente o folículo com a maior quantidade de receptores para FSH.
Quantidades elevadas de estradiol que ocorrem ao redor do meio do ciclo
(14 dias) exercem feedback positivo na hipófise e induz o pico de LH (e
um surto menor de FSH). O pico de LH induz: (a) maturação meiótica do
oócito primário, de forma que ele progrida para oócito secundário, que
160
FISIOLOGIA GERAL

fica estacionado na metáfase II, (b) ruptura da parede ovariana e folicular,


possibilitando a expulsão do complexo cumulus‑oócito (ovulação), e (c)
diferenciação das células foliculares restantes em um corpo lúteo, que
produz altos níveis de progesterona, estradiol e inibina. Se a gestação não
ocorrer, o corpo lúteo irá morrer em 14 dias, os quais constituem a fase
lútea do ciclo menstrual.

Exercícios

Questão 1. (Enade 2013) O perfil genético de um indivíduo, comumente utilizado na identificação


humana, é baseado na combinação de diversos marcadores moleculares que são herdados de seus
genitores. Esses marcadores são, geralmente, diferenças nas sequências de DNA nuclear entre os indivíduos
(polimorfismos). Em alguns casos, entretanto, a análise do DNA nuclear não é suficiente para se chegar a
uma identidade, sendo a análise do DNA mitocondrial (mtDNA) uma das alternativas recomendadas.

Fonte: LUTZ, S. et al. mtDNA as a tool for identification of humans remains: identification using mtDNA. lntemational Journal of
Legal Medicine (adaptado).

A respeito do uso do mtDNA na análise de paternidade, avalie as afirmativas a seguir e a relação


proposta entre elas:

I – O mtDNA, de herança estritamente materna, não está sujeito à recombinação na meiose, possuindo
centenas de cópias por célula, o que facilitaria a sua chance de recuperação e análise.

Porque

II – Devido ao modo de transmissão, filhos e filhas, assim como a mãe, não podem ser distinguidos
entre si pelo mtDNA, e a análise desse material não deve ser utilizada para fins de confirmação de
paternidade.

A respeito dessas afirmativas, assinale a opção correta:

A) As afirmativas l e ll são proposições verdadeiras, e a ll é uma justificativa correta da l.

B) As afirmativas l e ll são proposições verdadeiras, mas a ll não é uma justificativa correta da l.


C) A afirmativa l é uma proposição verdadeira, e a ll é uma proposição falsa.
D) A afirmativa l é uma proposição falsa, e a ll é uma proposição verdadeira.
E) As afirmativas l e ll são proposições falsas.

Resposta correta: alternativa B.

161
Unidade III

Análise das alternativas

Justificativa geral: a meiose forma gametas com metade do número de cromossomos para que
na fecundação o ser humano mantenha seu cariótipo. O óvulo é uma célula que mantém todas as
organelas, mas o espermatozoide em sua transformação morfológica perde o citoplasma preservando
apenas a carga genética. A mitocôndria possui um DNA próprio que não participa da meiose, portanto
pode ser analisado, mas será o mesmo para todos os organismos pois deriva apenas do óvulo.

O teste de paternidade é realizado com a carga genética nuclear. O mtDNA não indica a paternidade,
pois o espermatozoide durante a fecundação não fornece mitocôndrias para o zigoto. Este fato não
justifica nem a redução da carga genética ocorrida na meiose (formando os gametas), nem a mudança
morfológica do espermatozóide.

Questão 2. (Enade 2010) A avaliação do estado nutricional, incluindo consumo alimentar, perfil
bioquímico e antropometria, constitui importante instrumento da prática do profissional nutricionista.
A síndrome metabólica é um transtorno complexo que promove alterações significativas no perfil
bioquímico e antropométrico. Por isso, o nutricionista tem papel fundamental dentro de equipes
multiprofissionais cujo objetivo é promover ações voltadas para prevenção e tratamento dessa síndrome.

Considerando essas informações e os parâmetros estabelecidos pela Diretriz Brasileira de Síndrome


Metabólica, assinale a opção que apresenta três fatores bioquímicos e/ou antropométricos que
caracterizam o cuidado nutricional e a prescrição dietética específica na síndrome metabólica.

A) Obesidade abdominal, triglicérides plasmático e glicemia de jejum.


B) Triglicérides, ácido úrico plasmático e obesidade abdominal.
C) Composição corporal, glicemia de jejum e HDL-colesterol plasmático.
D) Circunferência da cintura, ácido úrico plasmático e resistência à insulina.
E) VLDL-colesterol, triglicérides plasmático e obesidade abdominal.

Resolução desta questão na plataforma.

162
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

19.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9132/19.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 2

IMAGEM359.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9685/


imagem359.jpg>. Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 3

23.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9132/23.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 4

A) 20.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9132/20.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

B) 20_.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9132/20_.


jpg>. Acesso em: 29 abr. 2015.

C) 20__.jpg. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9132/20__.


jpg>. Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 5

IMAGEM366.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9685/


imagem366.jpg>. Acesso em: 18 maio 2015.

Figura 6

LOSCALZO, J. Medicina cardiovascular de Harrison. Porto Alegre: Artmed, 2014. p.99.

Figura 7

MOHRMAN, D. E.; HELLER, L. J. Fisiologia cardiovascular. Rio de Janeiro: McGraw‑Hill Brasil, 2008. p. 72.

Figura 8

01.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_8391/01.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.
163
Figura 9

03.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_8391/03.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 10

75.GIF. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9202/75.gif>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 11

028.GIF. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_8391/028.gif>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 12

06.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9597/06.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 20145.

Figura 13

10.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9597/10.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 14

12.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9597/12.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 15

85.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9376/85.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 16

A) 03.PNG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9131/03.png>.

B) 04.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9131/04.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

164
Figura 17

29.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9133/29.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 18

28_.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9133/28_.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 19

28.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9133/28.jpg>.


Acesso em: 29 abr. 2015.

Figura 20

IMAGEM348.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9685/


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Figura 21

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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