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SEGMENTO MESA 19

ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS


1 EMLEMENTOSA DE
O RGANISMOS
ICROBIOLOGIA DE

UNI E MULTICELULARES
LIMENTOS

A estrutura celular é a unidade fundamental da maioria dos seres vivos. A célula pode se originar
de uma pré-existente ou, no caso da reprodução sexuada, pela troca de material nuclear entre
dois gametas ou por outros mecanismos, quando se trata de microrganismos .

Os seres vivos podem ser classificados como unicelulares ou multicelulares. A totalidade do


organismo dos seres unicelulares é constituída por uma única célula. No caso desses seres não
apresentarem uma estrutura celular completa, apresentam uma estrutura que permite parasitar
outra célula. Os seres unicelulares têm dimensões microscópicas e, por isso, são denominados de
microrganismos. A organização unicelular é comum, porém não universal nos microrganismos,
ocorrendo em bactérias, parasitos, algas e em alguns fungos. A estrutura celular não é observada
entre os vírus, rickettsias e príons (proteína infectante).

Os organismos multicelulares, embora se originem de uma única célula, são constituídos, no


estado maduro ou adulto, de muitas células permanentemente unidas umas às outras de uma
forma característica. Entretanto, quando um organismo multicelular contém um número
relativamente pequeno de células, também poderá permanecer sob dimensões microscópicas.

Os microrganismos, por muito tempo, estiveram classificados em dois reinos distintos. Os


protozoários, no reino animal e as algas, fungos e bactérias, no vegetal. Inúmeros casos duvidosos
ocorriam. O problema taxonômico foi inicialmente resolvido quando foi criado por Haeckel (1865)
um terceiro reino, o protista, que abrangia os protozoários, fungos, algas e bactérias. Whittaker,

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em 1969, sugeriu a separação dos protistas procarióticos dentro de reinos diferentes, criando
um sistema com cinco reinos: monera (bactérias), protista (algas e protozoários), plantae (plantas
superiores), fungi (bolores e leveduras) e animalia (animais).

Características dos principais grupos de microrganismos


Dentre os agentes infectantes existentes, alguns têm especial interesse para a Microbiologia de
Alimentos, por serem responsáveis por processos de deterioração, por participarem da elaboração
de alimentos ou por serem causadores de doenças alimentares. São eles: bactérias, fungos (incluem
leveduras e bolores), protozoários, vírus e outros, como o príon.

Bactérias
As bactérias são microrganismos amplamente distribuídos na natureza, sendo encontradas em
todos os ambientes. Podem ser responsáveis por doenças no homem, nos animais e nas plantas
ou por deteriorarem os alimentos e materiais diversos. Por outro lado, podem ser úteis de diversas
formas, tais como: compondo o que se denomina microbiota normal do homem, sendo utilizados
na produção de alimentos, como simbiontes na agricultura (fixando nitrogênio, por exemplo,
permitindo, dessa forma, o desenvolvimento do vegetal) e na medicina (produzindo
medicamentos, em especial, os antibióticos).

Dimensões: as bactérias são muito pequenas, possuindo células que têm, geralmente, entre 0,5
a 10 micra de comprimento ou diâmetro. Podem ser vistas sob o microscópio em aumentos
superiores a 400 vezes. Normalmente, os aumentos de 400 a 600 vezes são empregados para
observação a fresco e o de 1000 vezes, para observação de esfregaços de cultura em lâmina,
corados.

Formas: as bactérias podem ser encontradas em inúmeras formas. As células podem, também,
estar unidas formando grupamentos como cachos, cadeias, formações pares, tétrades e outras.

FIGURA 1: Formas características das bactérias

coco típico cocobacilos bacilos vibrio

COCOS BASTONETES

espirilo espiroqueta
ESPIRAIS

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Componentes celulares: cada bactéria é constituída por uma célula simples (procariótica). Os
principais componentes celulares são:

a) Cápsula: é uma substância viscosa que forma uma camada de cobertura, ou envelope ao redor
da célula. Está presente em algumas bactérias, não sendo, entretanto, obrigatória. Tem como
funções: servir como defesa da bactéria contra substâncias nocivas, aumentando seu poder
infectante; funciona também como componente para aderência em tecidos dos hospedeiros e,
ainda, como reserva nutritiva da célula. Os antígenos capsulares, denominados de Vi, podem ser
utilizados para a identificação sorológica de algumas bactérias. Sua composição varia conforme
o microrganismo. Assim, a cápsula de Bacillus megaterium é constituída de polipeptídeos e
polissacarídeos e a de Leuconostoc, apenas de polissacarídeos (dextrana). As cápsulas são
responsáveis pela viscosidade (slime) que surge em alimentos (carne bovina, aves, produtos
cárneos e outros), sendo importante na formação de biofilme. Biofilme é uma comunidade de
microrganismos, aderidas em uma matriz constituída de polímeros orgânicos, sobre uma superfície.
As bactérias adquirem uma série de vantagens vivendo em biofilmes, pois estes funcionam como
uma proteção das células contra o meio ambiente.

b) Parede celular: a presença de uma parede rígida, externamente à membrana citoplasmática,


pode ser demonstrada pela plasmólise. A parede tem como função conferir rigidez à célula,
protegendo-a contra injúrias mecânicas e a ruptura osmótica. É constituída de uma camada basal
(rígida) de glicopeptídeos, ligados por cadeia peptídica. A camada mais externa pode ser de
composição variável (proteínas, açúcares e lipídios).

As bactérias, quando submetidas às soluções da coloração de Gram (cristal violeta, iodo-iodeto,


álcool e safranina), dividem-se em dois grandes grupos: bactérias Gram-positivas, que retêm o
cristal violeta e apresentam coloração violeta escura; e bactérias Gram-negativas, que perdem o
cristal violeta e são coradas pela safranina, apresentando coloração vermelha. Isso ocorre em
função da composição e permeabilidade da parede celular. A parede celular constitui o antígeno
somático (ou antígeno “O”), empregado para a identificação sorológica

c) Membrana celular: é constituída de lipídios (cerca de 40%), proteínas (cerca de 60%) e alguns
carboidratos. Tem como funções: servir de barreira osmótica, pois é impermeável às substâncias
ionizáveis; transportar nutrientes e servir de suporte ao sistema de formação de energia da
célula.

d) Citoplasma: no caso das bactérias, o citoplasma contém as organelas e inclusões típicas de


uma célula procariótica. São elas: região nuclear, onde ocorre concentração de DNA, sendo também
chamada de cromatina; ribossomas e polissomas, que permanecem junto à membrana e são
responsáveis pela síntese de proteína; mesossomas, que são prolongamentos da membrana;
granulações, que podem ser de glicogênio, lipídios, S e Fe, e polimetafosfatos de sódio.

e) Esporos: o esporo é uma estrutura de resistência das bactérias, sendo formada geralmente
quando as condições são adversas para a célula normal (vegetativa). Apresentam grande resistência

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ao calor, às radiações e aos agentes desinfetantes. Os elevados conteúdos de cálcio e de ácido


dipiconílico, associados à baixa umidade dos esporos, são os responsáveis pela maior resistência
dos mesmos às condições adversas. As bactérias formadoras de esporos, de importância em
Microbiologia de Alimentos, pertencem aos gêneros Bacillus, Clostridium e Desulfotomaculum. Os
esporos trazem todas as informações genéticas das células vegetativas que lhes deram origem.
Quando em ambiente propício, germinam e dão origem a células normais (vegetativas). As bactérias
dos gêneros Bacillus e Clostridium produzem um esporo por célula vegetativa. A esporulação não é
um processo de multiplicação. A capacidade de formar esporos é variável entre os gêneros das
bactérias, sendo que um grande número é incapaz de os produzir.

f) Flagelo: quando presente nas células, é responsável pelo movimento das bactérias. É uma
organela de locomoção, que se origina em corpúsculo esférico basal, situado no citoplasma,
próximo à membrana. Os flagelos são constituídos de proteína (flagelina). A energia de sua
movimentação é dada pelo ATP. Os flagelos, quando presentes, constituem o antígeno flagelar
(ou antígeno “H”), utilizado na identificação sorológica de bactérias Gram-negativas. O número
de flagelos por célula bacteriana varia de um a muitos entre as espécies, nesse caso, eles podem
se apresentar ao redor de toda a célula.

g) Pili (fímbria): são estruturas que se projetam da membrana celular atravessando a parede,
que têm como função principal, a aderência da célula sobre superfícies sólidas. As denominadas
fímbrias sexuais estão envolvidas com a troca de material genético entre duas células da mesma
espécie, do mesmo gênero e até entre gêneros diferentes.

Multiplicação: a reprodução das bactérias ocorre por bipartição ou cissiparidade, da seguinte forma:

FIGURA 2: Reprodução das bactérias

parede celular

Membrana celular

Núcleo alongado Sépto transverso completo

Núcleo se divide;
Parede e membrana celulares começam a
Células irmãs separam-se
formar um sépto transverso

Assim, uma célula dá origem a duas, essas duas dão origem a quatro, e assim por diante, em um
crescimento (ou multiplicação) exponencial ou em escala geométrica. O tempo de geração (em

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que uma dá origem a duas), em condições ótimas de multiplicação é, geralmente, de 15 a 20
minutos entre as bactérias denominadas de mesófilas.

Algumas características fisiológicas: as bactérias apresentam espécies que podem se desenvolver


somente na presença de oxigênio (aeróbias), somente na ausência de oxigênio (anaeróbias), ou
tanto na presença quanto na ausência de oxigênio (facultativas). Há bactérias que necessitam de
tensões baixas de oxigênio (3 a 5%) (microaerófilas). Preferem, de um modo geral, ambientes
menos ácidos. Com relação à temperatura, a maioria prefere a faixa de 20 a 45o C; mas muitas
podem se multiplicar em temperaturas de refrigeração ou em temperaturas elevadas (acima de
45 o C). Desenvolvem-se, de preferência, em ambientes com muita disponibilidade de água e ricos
em nutrientes.

Fungos
Esses organismos pertencentes ao Reino Fungi podem existir ou como célula única, ou formar
um corpo multicelular dito micélio, que consiste em filamentos denominados hifas. São
encontrados em condições terrestres úmidas e, devido à ausência de clorofila, são parasíticos ou
saprofíticos, em relação a outros organismos.

Bolores

Os bolores são fungos filamentosos que se encontram amplamente distribuídos na natureza. São
encontrados no solo, em superfícies de vegetais, nos animais, no ar e na água. Estão em maiores
quantidades geralmente nos vegetais, especialmente em frutos, através dos quais provocam
doenças. Nos alimentos, provocam deteriorações (emboloramento) e micotoxinas. São utilizados
na produção de certos alimentos (queijos, alimentos orientais), bem como na produção de
medicamentos (penicilina, por exemplo).

Dimensões: os bolores são bem maiores que as bactérias (mais de 100 micra), podendo ser
examinados em aumentos de 100 vezes ao microscópio.

Estruturas e formas: o talo é a menor porção capaz de exercer todas as atividades vitais. Ao se
desenvolver, forma as hifas (filamentos dos bolores), que crescendo, formam o micélio, um
agregado de hifas. O micélio representa a parte visível do fungo, que se vê nos materiais
embolorados. Geralmente o micélio é branco, com aspecto algodonoso. Após um determinado
estágio do desenvolvimento, os bolores formam esporos de origem assexuada que podem ser
esporangiosporos ou conidiosporos. Esses esporos dão coloração aos bolores (preta, marrom,
azul, verde etc). São também responsáveis pela disseminação dos bolores nos ambientes, pois se
destacam facilmente e são carregados pelo vento. Se caem em local com nutrientes (como os
alimentos), germinam e dão origem a um novo micélio. Alguns bolores apresentam estruturas
especializadas, tais como os rizóides (que servem para fixação do fungo) e estruturas que resistem
mais às condições adversas, tais como os esclerócitos e os clamidosporos.

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FIGURA 3: Esporos, talo, hifa e micélio dos bolores.

Esporângios
Esporângios
jovens
maduros

esporo

hifa

rizóides micélio

Os bolores podem também apresentar estruturas de origem sexuada, tais como esporos
(zigosporos, ascosporos e basidiosporos). Outras estruturas podem também ser vistas nas Figuras
4 e 5.

FIGURA 4 - Estruturas nos gêneros Mucor e Rhizopus

Mucor Rhizopus

esporangiosporo

esporângio

columela

esporangióforo

rizóide

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FIGURA 5- Estruturas nos gêneros Penicillium e Aspergillus

Penicillium Aspergillus

conidiosporos

esterigma

vesícula aspergilar

métulas

esporangióforo

hifa basal

Citologia: os bolores apresentam parede celular de composição variada, dependendo da espécie.


Em alguns, predominam a celulose e a hemicelulose; em outros predomina a quitina. A membrana
celular é semelhante à das bactérias, e o citoplasma é típico de uma célula eucariótica.

Reprodução: ocorre por desenvolvimento do micélio, que é o crescimento ocorrido nos alimentos
de um modo geral, evoluindo para a produção dos esporos não-sexuados. Os bolores se
multiplicam mais lentamente do que as bactérias (mais de três horas para dobrar a massa de
células).

Algumas características fisiológicas: os bolores são, com raras exceções, aeróbicos. Adaptam-
se muito bem a alimentos ácidos, embora cresçam em uma ampla faixa de pH. Com relação à
temperatura, preferem ambientes na faixa de 20o C a 30o C. Grande número de bolores crescem em
temperatura de refrigeração. Os bolores, de modo geral, não se adaptam às temperaturas mais
elevadas. São capazes de crescer em ambientes com baixa disponibilidade de água.

Leveduras

São denominadas leveduras, os fungos unicelulares, conhecidos como fermentos. São também
amplamente distribuídas na natureza na água, no solo, nas plantas, no ar e nos animais. De modo
geral, são encontradas em maior número nas frutas e nas verduras. São utilizadas para a fabricação
de bebidas, pães e outros produtos fermentados, já que, na ausência do ar, fazem a fermentação
alcoólica. Podem provocar, também, deterioração de alimentos e bebidas. Algumas espécies são
patogênicas, causando doenças ao homem, mas que não são transmitidas por alimentos.

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Dimensões: variam de 2 a 20 micra, podendo medir 100 micra de comprimento. A largura varia
geralmente de 1 a 9 micra.

Morfologia são encontradas sob diferentes formas, sendo a oval a mais freqüente.

FIGURA 6: Morfologia das leveduras

redonda oval elíptica apiculada triangular

Citologia: as células são eucarióticas. Podem apresentar cápsulas, como as bactérias. A parede
celular contém glucana, manana, lipídios e fosfatos. A quitina pode estar presente.

Estruturas de reprodução: as leveduras se multiplicam assexuadamente, através da formação de


brotos ou gemas. A célula mãe pode dar origem até a 25 células-filhas.

FIGURA 7- Formação de brotos ou gemas.

Em muitas espécies de leveduras ocorrem sucessivas gemulações, e quando há mais de sete


células juntas, denomina-se pseudomicélio, pela semelhança aos micélios dos bolores. As
leveduras que formam películas sobre a superfície de líquidos, produzem o pseudomicélio.

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FIGURA 8- Formação de pseudomicélio.

As leveduras também produzem esporos de origem assexuada (artrosporos, balistosporos e outros)


e de origem sexuada (ascosporos e basidiosporos). São mais lentas que as bactérias e mais
rápidas que os bolores para se reproduzirem. Levam geralmente de 30 minutos a três horas para
dobrarem a massa celular através da formação de brotos.

Algumas características fisiológicas: as leveduras podem ser aeróbias ou facultivas (chamadas


de fermentativas). As facultativas fazem a fermentação alcoólica, produzindo etanol e gás (CO2 ).
Adaptam-se muito bem (e são muito encontradas) em ambientes ácidos, embora, como os bolores,
possam crescer em diferentes tipos de ambiente com relação à acidez. Como os bolores, preferem
temperaturas na faixa de 20 o C a 30o C. Existem, entretanto, muitas espécies que se multiplicam
sob refrigeração. São raras as que se desenvolvem em temperaturas acima de 45o C. Necessitam
de menos água disponível do que as bactérias e mais do que os bolores.

Vírus
Os vírus são microrganismos muito pequenos (em média 0,1 micra), que são observados apenas
em microscópio eletrônico.

Os vírus não possuem estrutura celular como os outros microrganismos. São constituídos por
ácido nucléico (DNA ou RNA), circundado por uma camada protéica (cápside) e são incapazes de
produzir ATP (adenosina trifosfato), ou seja, energia necessária para as atividades de uma célula
ou organismo superior. Assim, precisam de uma célula viva para se replicar, da qual utilizam as
estruturas celulares que lhes faltam e o ATP da célula parasitada. Utilizam células de animais,
vegetais e mesmo de microrganismos para se multiplicarem, porém são hospedeiros específicos
(o vírus da gripe afeta só o homem, enquanto o vírus da raiva, todos os mamíferos); os vírus que
afetam os vegetais ou os microrganismos não afetam os animais. Os vírus também possuem
organotropismo, ou seja, especificidade por órgãos ou tecidos animais. A especificidade dos
vírus que afetam os microrganismos é tal que permite a classificação de bactérias por fagotipos
(bacteriófagos). São inativos em alimentos, ou seja, não se multiplicam.

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Nos alimentos provocam problemas na fabricação de produtos tais como iogurtes e queijos, pois
os bacteriófagos destróem as células das culturas starter. Os vírus patogênicos como da hepatite
A, da poliomelite e os causadores da gastroenterite (rotavírus e vírus Norwalk) podem ser
veiculados ao homem por água e alimento.

Parasitos
Entre os parasitos, encontram-se os protozoários (microrganismos típicos) e os helmintos
(multicelulares), cuja forma infectante é, em geral, microscópica. Os protozoários são unicelulares
e possuem células eucarióticas. São heterotróficos, móveis na sua maioria. Ocorrem onde a umidade
está presente (mar, todos os tipos de água doce, solo). A grande maioria dos protozoários é
microscópica, tem tamanho variado e sua reprodução ocorre por fissão. Os helmintos podem
alcançar dimensões significativas, porém produzem ovos e outras formas (como cisticercos, no
caso da Taenia solium). Alguns parasitos são transmitidos pelos alimentos. Para esses, as vias de
transmissão e as formas de controle são similares aos das bactérias e vírus. Como esses últimos,
os parasitos não se multiplicam nos alimentos.

Outros agentes infectantes


Existem outros agentes infectantes de importância para os alimentos, como as rickettsias e os
príons, de ocorrência mais rara. As rickettsias, apesar de apresentarem uma estrutura celular, são
incapazes de produzir ATP, por isso também são parasitos intracelulares obrigatórios. A Coxiella
burnetii é uma rickettsia responsável por doença pulmonar no homem, pode ser veiculada por
leite bovino. Os príons apresentam estrutura protéica capaz de se multiplicar no organismo do
hospedeiro, interferindo com o impulso nervoso. É um dos agentes da Encefalopatia Espongiforme
Bovina (EEB, “vaca louca”, em inglês BSE). O príon é transmissível pela carne. É termorresistente
e o seu controle é realizado obrigatoriamente na produção animal.

Classificação genérica dos microrganismos


Vários fatores devem ser considerados na classificação dos microrganismos, tais como temperatura,
pH, umidade, necessidade de oxigênio, formação de esporos, componentes dos substratos e
ecologia.

Com relação à temperatura


Para essa classificação genérica, é importante conceituar temperatura ótima, temperaturas extremas
e termossensibilidade. A temperatura ótima é aquela na qual o microrganismo apresenta sua
maior produtividade; as extremas são faixas de temperatura acima e abaixo da ótima, nas quais
os microrganismos ainda se multiplicam, porém em menor proporção; a termossensibilidade é a
resistência térmica do microrganismo, ou seja, o máximo de temperatura que suporta, sem que
ocorra a morte. Com relação à temperatura ótima, os microrganismos são classificados como

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mesófilos (entre 30 e 450 C), psicrotróficos (entre 25 e 30°C), e termófilos (entre 55 e 750 C). A
temperatura ótima também está relacionada com a termorresistência: quanto mais baixa a primeira,
menor a segunda. Assim, para a destruição das psicrotróficas, é suficiente a temperatura 45-
50 0 C; para as mesófilas, acima de 600 C e para as termófilas, acima de 750 C. Entretanto, alguns
grupos podem apresentar a mesma termorresistência de outros; por exemplo, algumas mesófilas
podem resistir à mesma temperatura de destruição das termófilas. Nesse caso, essas mesófilas
são designadas de termodúricas. Uma psicrotrófica pode apresentar o mesmo padrão de resistência
das mesófilas, ou seja, são psicrotróficas mesodúricas. Atualmente, tem-se verificado que esse
padrão de resistência térmica pode ser induzido, seja por adaptação da célula, seja por seleção
das mais resistentes. Ainda, em determinadas circunstâncias, o tratamento térmico pode não ser
suficiente para causar a morte da célula, mas uma injúria fisiológica. Nesta condição, diz-se que
o microrganismo está em estresse fisiológico, sendo que pode se recuperar, quando as condições
e o substrato (matriz) onde se encontram se tornarem favoráveis. É importante assinalar que as
formas esporuladas apresentam maior termorresistência, quando comparadas com as formas
vegetativas.

Com relação ao pH
As bactérias e os fungos, em geral, preferem ambientes (matrizes) neutros. Entretanto, alguns
deles têm afinidade para ambientes ácidos (pH menores que 5,0), sendo raro os que preferem os
básicos (pH acima de 8,0). Dentre os microrganismos, os fungos (bolores e leveduras) são menos
exigentes quanto ao pH do que as bactérias, o que explica o seu papel na deterioração de frutas.
Os microrganismos podem ser acidófilos ou basófilos, ou seja, têm afinidade para ambientes e
matrizes ácidas ou básicas. Além da alteração de pH, a presença de moléculas não dissociadas de
ácidos, em especial os orgânicos, também inibem ou provocam a morte das células de
microrganismos. Esse fato explica o uso de conservadores ácidos em produtos com pH ácido.
Existem microrganismos acidúricos.

Com relação à umidade


A necessidade de água é universal e inclui as bactérias, bolores e leveduras. Entretanto, a
quantidade de água disponível que favoreça a multiplicação desses microrganismos é diferente
entre os grupos: existem os designados xerofílicos, que são os que têm afinidade por ambientes
secos; os halofílicos, que são os que conseguem romper a ligação de cloreto de sódio com a água
(alimentos cujo conservador é o sal) e os osmofílicos, que são os que conseguem se multiplicar
mesmo na presença de altas concentrações de açúcar. Existem microrganismos halodúricos e
osmodúricos.

Com relação à necessidade de oxigênio


O sistema respiratório dos microrganismos pode ser dependente de oxigênio ou de outros
receptores de elétrons, como o gás carbônico. Os que necessitam estritamente de oxigênio, são
designados de aeróbicos; os que utilizam outros receptores, de anaeróbicos e os que utilizam

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tanto o oxigênio como outros receptores são designados de facultativos. Os aeróbicos têm
metabolismo oxidativo; os anaeróbicos, fermentativos; os facultativos tanto oxidam como
fermentam determinados substratos (matriz). Algumas bactérias podem ser anaeróbicas oxigênio
tolerantes, como o Clostridium perfringens, enquanto outras são aeróbicas ou anaeróbicas estritas,
ou seja, não toleram outros receptores de elétrons no seu processo respiratório. Considerando
que os microrganismos são encontrados em todos os nichos ecológicos, algumas bactérias
necessitam de tensões baixas de oxigênio (de 3 a 5%) e são denominados de microaerófilos.

Com relação à formação de esporos


Como já foi assinalado, algumas bactérias são capazes de produzir esporos. As que produzem
são, em geral, as mesófilas e as termófilas, Gram positivas.

Com relação aos componentes dos substratos (matriz)


Como já assinalado, os microrganismos ocupam vários e diferentes nichos ecológicos e fazem
parte do ciclo de decomposição da matéria orgânica, sendo também deteriorantes. Alguns deles
apresentam sistema de enzimas e processos digestivos que atuam sobre componentes diferentes.
Genericamente, podem ser classificados como autotróficos e heterotróficos. Os autotróficos não
necessitam de matéria orgânica, inclui-se aí os microrganismos ambientais. Os heterotróficos
necessitam de matéria orgânica (carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio), inclui-se aí as
bactérias patogênicas. A classificação também inclui: litotróficos (degradam minerais),
quimiotróficos (degradam substâncias químicas), organotróficos (degradam matérias orgânicas).
Alguns podem apresentar adaptações mistas, sendo então designados de quimiolitotróficos ou
quimiorganotróficos, em função de degradarem esses substratos. No que se refere aos alimentos,
outros grupos podem ser caracterizados: proteolíticos (degradam proteínas), sacarolíticos
(degradam acarose), lipolíticos (degradam gorduras), aminolíticos (degradam amido),
pectinolíticos (degradam pectina), quitinolíticos (degradam quitina) etc. Essa classificação genérica
é importante para a predição de desenvolvimento de determinados grupos de microrganismos
nos diferentes substratos. Os produtos finais dessa degradação podem ser de interesse à indústria
alimentícia (por exemplo, para a fermentação da massa de pão) ou serem indesejáveis, por
alterarem o produto alimentício, tornando-o impróprio para o consumo.

Com relação à ecologia


Os diferentes microrganismos se adaptam aos mais diversos meios ambientes. A ecologia é a
ciência que estuda esta distribuição natural e que inclui os microrganismos. Alguns fazem parte
da microbiota natural dos mais variados tipos de solo, outros da água (marinha, rios, poços
etc.), ou, ainda, como microbiota de espécies animais e vegetais diferentes. No que se refere aos
animais, incluindo o homem, determinados grupos podem ser considerados simbiontes e têm
relação direta e estrita; por exemplo, a E.coli, habitante normal do intestino de animais de sangue
quente, produz uma bacteriocina designada de colicina que “regula” os demais integrantes da
microbiota intestinal, limitando o seu número; também produz e fornece vitamina K ao seu

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hospedeiro. Nessa condição, os integrantes da microbiota natural estão melhores adaptados ao
ambiente a que pertencem, o que significa que são melhores competidores frente aos que não
pertencem ao nicho ecológico específico. É muito importante no estudo da microbiologia dos
alimentos conhecer a adaptabilidade e a capacidade de produzir bacteriocinas de cada um dos
grupos de microrganismos, para avaliar a competitividade do mesmo nos diferentes substratos,
quando em presença da microbiota natural do produto considerado.

M ICRORGANISMOS DE IMPORTÂNCIA NOS ALIMENTOS

Os microrganismos de interesse em Microbiologia de Alimentos encontram-se em três grandes


grupos: bactérias, bolores e leveduras. Certos tipos de vírus e alguns parasitos são, também,
causadores de problemas de saúde pública, sendo importantes porque podem ser veiculados
pelos alimentos.

Bactérias
Gênero Pseudomonas. Vive especialmente no solo e na água, salgada ou doce. Muitas espécies
multiplicam-se bem em temperaturas de refrigeração, algumas produzem pigmentos fluorescentes
e são fitopatogênicas. Pseudomonas aeruginosa é considerado patógeno humano oportunista,
ou seja, é capaz de causar doença quando existe uma alteração da microbiota natural ou quando
as defesas naturais do organismo humano estão prejudicadas, como é o caso de queimados, nos
quais a continuidade da epiderme está lesada e as partes mais profundas da derme e abaixo da
mesma estão expostas.

Pseudomonas sp., de modo geral, são importantes na deterioração de pescado, carnes e derivados,
aves, leite e derivados, mantidos sob refrigeração, pois são psicrotróficas e produzem enzimas
proteolíticas e lipolíticas. São responsáveis pelo aparecimento de limosidade superficial e odores
desagradáveis. Pseudomonas fluorescens, freqüentemente, é implicada na deterioração de carnes
in natura, com produção de pigmento esverdeado.

Gêneros Acinetobacter - Moraxella (Achromobacter). São encontrados, principalmente, no solo


e na água. Normalmente, estão associados às Pseudomonas sp. na deterioração de carnes de
aves, pescado e bovina in natura, seus derivados e produtos de laticínios mantidos sob
refrigeração.

Gênero Alcaligenes. São encontradas no trato intestinal de animais de sangue quente e frio,
águas frescas e produtos laticínios. Algumas espécies são psicrotróficas, podendo estar associadas
a outras espécies na deterioração de pescado, produtos de laticínios, carnes e derivados. Alteração
viscosa no leite pode ocorrer por crescimento de Alcaligenes viscolatis, quando o produto é
mantido sob refrigeração por longo período.

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Gêneros Halobacterium e Halococcus. Vivem em ambientes que contêm alta concentração de


cloreto de sódio, tais como: salinas, lagos salgados e alimentos salgados, como charque, por
exemplo. São responsáveis pela produção de limosidade, de odores desagradáveis e pelo chamado
“vermelhão do charque”, pois suas células produzem pigmentos vermelhos (bactorubeína). A
espécie mais importante desse gênero é Halobacterium salinarum.

Gênero Brucella. É encontrada no solo. Provocam a brucelose, através do contato com portador
humano, ou pelo consumo do leite cru e de produtos de laticínios elaborados com leite não-
pasteurizado e carnes mal cozidas. Pode ser considerado agente de doença ocupacional, pois
acomete com maior freqüência os jardineiros (pelo uso de adubo orgânico não compostado ) e
os trabalhadores de matadouros.

Existem três espécies que causam doenças nos animais e no homem: Brucella melitensis (caprinos);
Brucella abortus (bovinos) e Brucella suis (suínos), sendo todas patogênicas para o homem.

Gênero Sarcina. É um microrganismo que produz pigmento e se encontra amplamente distribuído


na natureza. É importante na deterioração de alimentos mantidos em temperatura superior à de
refrigeração. Espécies deste gênero estão associadas à deterioração do charque (vermelhão),
especialmente Sarcina litoralis.

Gêneros Acetobacter e Gluconobacter. Compõem o grupo das chamadas bactérias acéticas, pois
produzem ácido acético a partir do etanol. São encontradas em frutas e vegetais. São importantes
na produção de vinagres, estando também implicadas na deterioração de sucos de frutas e bebidas
alcoólicas, como vinhos e cervejas, formando películas ou turvações nos mesmos. Acetobacter
aceti é uma espécie usada na produção de vinagres.

Gêneros Lactobacillus, Lactococcus, Streptococcus, Leuconostoc, Pediococcus, Enterococcus e


Vagococcus. Constituem o grupo denominado de bactérias láticas, pois produzem ácido lático a
partir de açúcares, através da fermentação lática. Esta pode ser homolática ( produz praticamente
só o ácido lático), ou heterolática (produz ácido lático, CO2 e ácido acético). O habitat desses
microrganismos é variado, podendo ser encontrados na mucosa bucal, no trato intestinal de
animais, no leite e derivados, na superfície de vegetais e em outros ambientes. São gêneros são
importantes para:

a) laticínios. Espécies de Lactobacillus, Streptococcus e/ou Leuconostoc são utilizadas na produção


de leites e manteiga fermentados e queijos;

b) produção de vegetais fermentados, tais como picles, azeitonas e chucrutes;

c) como probióticos, ou seja, microrganismos que auxiliam à manutenção da saúde, por recompor
a microbiota intestinal e produzir e liberar vitaminas (bifidobactérias, lactobacilos e outros);

d) na deterioração de alimentos e bebidas, provocam acidificação, esverdeamento, viscosidade,


modificações na aparência e sabor, devido à produção de diacetil em alimentos. O tipo de
alteração vai depender das características de cada alimento;.

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SEGMENTO MESA 33

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e) são indicadores de contaminação de origem fecal. As espécies Streptococcus. faecalis e
Streptococcus faecium do gênero Streptococcus são também designadas de enterococos e são
usados como indicadores de contaminação de origem fecal na análise de alimentos.

Gênero Propionibacterium. São bactérias semelhantes às bactérias láticas; entretanto produzem


ácido propiônico, ácido acético e CO2 , durante a fermentação. As espécies Propionibacterium
shermanii e Propionibacterium freudenreichii são importantes na elaboração do queijo suíço.

Gêneros Escherichia, Edwardsiella, Citrobacter, Salmonella, Shigella, Klebsiella, Enterobacter,


Hafnia, Serratia, Proteus, Yersinia e Erwinia. Pertencem à família Enterobacteriaceae . Podem
ser encontradas no trato intestinal dos animais, vivendo saprofiticamente em plantas, ou mesmo,
como patógenos.

De importância, destacam-se nessa família:

a) Coliformes. Grupo que compreende as bactérias entéricas e ambientais. Esse grupo inclui os
coliformes totais e os coliformes de origem fecal.

b) Patogênicos. Espécies dos gêneros Salmonella e Shigella, bem como sorovares das espécies
Escherichia coli e Yersinia enterocolitica são importantes por causar doenças no homem e nos
animais, principalmente veiculadas por alimentos. Inclui-se nessa classe, as E. coli não habitantes
normais do intestino, patogênicas para o homem: E. coli enteropatogênicas clássicas (EPEC), as
enterotoxigênicas (ETEC), as enteroinvasoras (EIEC), as enterohemorrágicas (EHEC) e as
enteroagregativas (EaggEC).

c) Deteriorantes. Espécies do gênero Proteus são importantes na deterioração de produtos de


origem animal (carnes, pescado, aves e ovos), principalmente os refrigerados. O gênero Serratia
está envolvido na deterioração de pães, carnes, ovos e pescado. Já o gênero Erwinia é de particular
importância na deterioração de vegetais (frutas e hortaliças). Representantes do grupo coliformes
podem ser responsáveis pela produção de gases (estufamento) em queijos e em vegetais
fermentados (azeitonas, por exemplo). Alguns representantes, como a Morganella morganii, a
Klebsiella penumoniae e a Hafnia alvei podem tranformar a histidina (amino ácido presente em
peixes, em especial na Família Scombridae e em queijos) em amina tóxica, a histamina, que causa
reações severas no consumidor.

Gêneros Bacillus, Clostridium e Desulfotomaculum. Estão amplamente difundidas no solo, no ar


e na água. Produzem esporos, sendo, por isso, importantes no caso de alimentos que sofreram
tratamento térmico (esterilização ou pasteurização) ou aquecimento (cocção, fritura). Isso porque
as formas esporos são resistentes a temperaturas elevadas, podendo sobreviver a certos tipos de
aquecimento. Posteriormente, podem germinar (dependendo das condições) e se multiplicar,
provocando deteriorações ou doenças alimentares. É interessante observar que durante o
tratamento térmico, as formas vegetativas podem ter sido eliminadas, o que favorece a
multiplicação da bactéria, cujo esporo germinou, pois estará livre da maioria dos seus competidores.

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34
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Certas cepas de Bacillus cereus são importantes por provocarem doenças alimentares. São
encontradas, principalmente, em cereais e produtos amiláceos.

Algumas espécies como Bacillus polymyxa e Bacillus macerans são importantes em alimentos
perecíveis, mantidos à temperatura elevada. B. stearothermophilus e B. coagulans podem causar
problemas de deterioração de produtos enlatados.

Espécies de Clostridium estão muito envolvidas na deterioração de enlatados porque são


esporuladas.Também podem participar da deterioração de outros alimentos, tais como os queijos
duros e azeitonas. São espécies importantes: Clostridium sporogenes e Clostridium butyricum.

O Clostridium botulinum produz toxina (botulínica), responsável por doença alimentar grave. As
conservas caseiras são os veículos principais desta doença.

O Clostridium perfringens causa doença alimentar não muito perigosa, sendo as carnes e seus
produtos derivados os principais alimentos envolvidos.

O gênero Desulfotomaculum também está relacionado com a deterioração de alimentos apertizados.

Gênero Staphylococcus – Staphylococcus aureus. É a espécie de maior interesse para a Microbiologia


de Alimentos, por provocar intoxicação (toxinose) alimentar bastante freqüente em nosso meio,
principalmente nas épocas quentes do ano. É capaz de se multiplicar em alimentos que contenham de
7,5% a 20% de cloreto de sódio (NaCl). Algumas cepas podem produzir enterotoxinas termoestáveis
(não são destruídas pelo calor normalmente empregado no cozimento dos alimentos). S. aureus e
Staphylococcus epidermidis, são comuns nas mucosas nasal e oral do homem e de certos animais,
bem como na pele, pêlo e infecções (feridas e tumores). São levadas aos alimentos, principalmente,
devido a falhas na higiene pessoal e durante a manipulação dos mesmos.

Gênero Micrococcus. Encontram-se amplamente distribuídas na natureza, sendo encontradas na


pele do homem, pêlo de animais, sujidades, solo, água e em muitos alimentos. Algumas espécies
se desenvolvem nos alimentos mantidos sob refrigeração, estando associadas a deteriorações de
produtos de laticínios e de carnes. Nas deteriorações de alimentos, tendem a predominar quando
as temperaturas se aproximam às do ambiente.

Gênero Vibrio. O Vibrio cholerae, agente da cólera, é potencialmente epidêmico e é veiculado por
água, frutos do mar, verduras e outros contaminados com material fecal de portadores e doentes.
O Vibrio parahaemolyticus, agente de gastroenterite, é disseminado só por frutos do mar
contaminados, pois faz parte do ambiente marinho.

Gênero Campylobacter. Apresenta espécies que são de importância em Saúde Pública, por
provocarem doença de origem alimentar. As espécies mais comuns em alimentos são Campylobacter
jejuni, Campylobacter coli e Campylobacter laridis. São encontradas em animais, sendo disseminadas
pelas matérias-primas cruas.

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Gênero Aeromonas. Prefere temperaturas ambientais, mas apresenta multiplicação quando sob
refrigeração. Tem como habitat as águas e pode contaminar vegetais, carnes, pescado e aves.
Aeromonas hydrophila, além de deteriorante, pode estar associada à doença de origem alimentar.

Gênero Listeria. É também capaz de crescer à temperatura de refrigeração dos alimentos. A


espécie Listeria monocytogenes é a mais importante, sendo patógena para o homem e veiculada
pelos alimentos.

Grupo das cianobactérias. Compreende vários gêneros que têm em comum o habitat, pois são
encontrados em águas superficiais, eutrofizadas e estagnadas. As cianobactérias são também
denominadas de algas azuis ou de água doce. Várias espécies podem produzir endotoxinas, que
afetam o homem de diversas formas (hepatotoxinas, neurotoxinas etc). A microcistina é uma
ficotoxina hepatotóxica considerada cancerígena. A floração da cianobactéria nos reservatórios
de água, quando ocorre, é determinada por mudanças climáticas e teor de conteúdo orgânico
disperso.

Fungos
Entre os fungos importantes para os alimentos encontramos as seguintes leveduras e bolores.

Leveduras
Gênero Saccharomyces. Espécies de Saccharomyces, como Saccharomyces cerevisiae, são utilizadas
na obtenção de bebidas destiladas (rum, vodca, uísque e outras), fermentadas (vinho, cerveja) e
na produção de fermento biológico para panificação.

Gênero Kluyveromyces. Possui atividade fermentativa. Espécies de Kluyveromyces são de interesse


industrial (obtenção de álcool e bebidas). Também são importantes na deterioração de laticínios,
carnes e sucos de frutas, provocando fermentações.

Gênero Schizosaccharomyces. É importante na produção de rum e na deterioração de frutas e


vinhos.

Gênero Zygosaccharomyces. Compreende espécies envolvidas em deterioração de alimentos,


como maionese, molhos de saladas, frutas e sucos de frutas e refrigerantes. São resistentes aos
sorbatos e benzoatos.

Gênero Kloeckera. São comuns em frutas, caldo de cana e sucos recém-extraídos. Associadas a
processos de fermentação de sucos de fruta, principalmente no início .

Gêneros Pichia, Hansenula e Debaryomyces. São gêneros freqüentemente envolvidos em


deteriorações de produtos ácidos, tais como picles e outras conservas. Muitas espécies são
tolerantes ou resistentes a concentrações elevadas de sal, deteriorando queijos e outros produtos.

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Também têm tendência a formar películas esbranquiçadas nas conservas abertas. Podem utilizar
os ácidos orgânicos presentes nas conservas, diminuindo a acidez das mesmas.

Gênero Rhodotorula. Algumas espécies são psicrotróficas, comumente envolvidas na deterioração


de alimentos refrigerados. As espécies de Rhodotorula produzem pigmento que varia do cor-de-
rosa ao vermelho. São deteriorantes para produtos de laticínios, carnes e produtos fermentados.

Gênero Cryptococcus. É encontrado no solo, plantas e em frutas, pescado marinho, camarão,


carne bovina crua, refrigerantes, vinhos e grãos de cereais.

Gênero Candida. Envolvido principalmente na deterioração de frutas e sucos. A espécie Candida


guilliermondii está freqüentemente presente em frutos, bem como em sucos, sendo responsável
pela alteração de suas características.

Bolores
Gênero Mucor. As espécies desse gênero são encontradas no solo, esterco, frutas, vegetais e
grãos. Deterioram alimentos, especialmente carnes e produtos cárneos congelados, bem como
frutas e vegetais. Algumas espécies são usadas para a produção de alimentos orientais.

Gênero Rhizopus. Produz enzimas pectinolíticas, importantes na deterioração de alimentos de


origem vegetal. As espécies desse gênero causam podridão mole pós-processamento, devido à
termorresistência de suas enzimas. Algumas espécies são utilizadas na produção de alimentos
orientais fermentados. A espécie Rhizopus stolonifer é muito comum em pães.

Gêneros Aspergillus e Penicillium. São os bolores mais comumente encontrados como deteriorantes
de alimentos, especialmente os vegetais, produtos cárneos e produtos de laticínios. Apresentam
coloração verde, azul, preta e amarelada na sua superfície , quando da formação de esporos.

São também encontradas nesses gêneros as espécies que produzem micotoxinas, tais como
Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus, produtoras de aflatoxina. Deve-se ter cuidados especiais
com os alimentos mofados.

Algumas espécies, como Penicillium roqueforti e Penicillium camemberti, são usadas na produção
de queijos.

Gênero Byssochlamys. Espécies desse gênero produzem enzimas pectinolíticas, podendo provocar
a deterioração de produtos de frutas envasados, tais como purês, sucos e polpas. Por possuírem
estruturas resistentes ao calor, podem sobreviver ao tratamento térmico e se desenvolver em ambiente
com baixíssimo teor de oxigênio (característica que é exceção entre os bolores).

Gênero Geotrichum. É um fungo leveduriforme, muito disseminado em ambiente de laticínios e


equipamentos enlatadores de tomate, sendo usado, inclusive, como indicador de higiene neste
tipo de indústria.

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Vírus
São problemáticos nas indústrias que trabalham com microrganismos úteis (tais como na produção
de iogurtes, queijos), pois os vírus (bacteriófagos) podem destruir as células das culturas starter.
Vírus patogênicos como da hepatite A, da poliomelite e os causadores de gastroenterites
(Rotavírus e vírus Norwalk) podem ser veiculados por água e alimentos. A veiculação alimentar
dos vírus é passiva, uma vez que os mesmos não se multiplicam, a não ser quando dentro de uma
célula viva. Os vírus assinalados como patogênicos têm uma veiculação fecal-oral, mediada ou
não pelos alimentos. Podem ser inativados biologicamente, pelo uso de temperaturas altas e por
determinadas substâncias químicas, usadas na desinfecção de superfícies. Podem também ser
sensíveis a determinadas condições, em especial pH e umidade.

A Febre Aftosa é uma doença contagiosa dos ruminantes domésticos e selvagens, causada por
um vírus da família Picornaviridae, gênero Aphtovirus. O vírus da febre aftosa (VFA) é preservado
sob refrigeração e congelamento, sendo progressivamente inativado em temperaturas superiores
a 50°C e em ambientes com pH acima de 9,0. “Desinfetantes” como o hidróxidos de sódio (2%),
carbonato de sódio (4%) e ácido cítrico (,2%) inativam esse vírus. Por outro lado, o VFA é
resistente aos iodóforos, aos compostos de amônia quaternária, ao hipoclorito e ao fenol, quando
da presença de matéria orgânica. A transmissão do VFA ao homem processa-se através de: leite,
carne e produtos cárneos, produtos apresentando pH acima de 6, quando não tratados pelo calor
e os vegetais produzidos onde circulam animais infectados.

Parasitos
Entre os parasitos, desempenham papel importante nos alimentos alguns protozoários, helmintos
e outros agentes, como miíases e príons.

Protozoários importantes para os alimentos


Alguns protozoários como a Giardia intestinalis (lamblia), Cryptosporidium parvum e Entamoeba
histolytica são transmitidos pela água e via alimentar.

A disenteria amebiana é causada por um protozoário, a Entamoeba histolytica. Essa ameba parasita
o intestino grosso do homem e penetra na parede intestinal, onde provoca ulceração e disenteria.
Também pode atravessar as paredes intestinais e atingir o fígado, partindo deste para outros
órgãos, como os pulmões e cérebro. Quando ocorrem complicações extra-intestinais, essa doença
é denominada amebíase. A transmissão ocorre por meio da ingestão de cistos que contaminam a
água e os alimentos. A profilaxia consiste em medidas de saneamento, de higiene pessoal e de
higiene de alimentos, principalmente os consumidos crus, que devem ser lavados cuidadosamente.
Os ciclos de vida de alguns protozoários encontram-se nas figuras 1 a 3.

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FIGURA 1 - Ciclosporíase (Cyclospora cayetanensis)

Ciclosporíase (Cyclospora cayetanensis): Quando recém passados pelas fezes, o oocisto não é infectivo (1), assim, a transmissão
fecal-oral não pode acontecer e este fato diferencia o Cyclospora de outro importante parasito coccídio, o Cryptosporidium. No
meio ambiente (2) a esporulação acontece depois de dias ou semanas à temperaturas de 22º a 32ºC, resultando na divisão do
esporonte em dois esporocistos, cada um contendo dois esporozoitos alongados (3). Produtos frescos e água podem servir como
veículos de transmissão (4) e o oocisto esporulado é ingerido (em alimento ou água contaminados) (5). O oocisto desencista no
trato gastrintestinal, liberando os esporozoitos que invadem as células epiteliais do intestino delgado (6). Dentro das células,
realizam a multiplicação assexuada e o desenvolvimento sexual para oocistos maduros, que são liberados pelas fezes (7). Os
mecanismos potenciais de contaminação de alimentos e água ainda estão sob investigação.

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FIGURA 2 - Criptosporidíase (Cryptosporidium parvum)

Criptosporidíase (Cryptosporidium parvum): Os oocistos esporulados, contendo 4 esporozoitos, são excretados pelo hospedeiro
infectado através das fezes (e possivelmente por outras rotas, como secreções respiratórioas). Após a ingestão (e possivelmente
a inalação) por um hospedeiro adequado, a desescistação (a) acontece. Os esporozoitos são liberados e parasitam as células
epiteliais (b, c) do trato gastrintestinal (ou outro tecido, como o trato respiratório). Nestas células, o parasito realiza a
multiplicação assexuada (esquisogamia e merogamia) (d, e, f) e a multiplicação sexuada (gametogamia) (g). Uma vez que
ocorre a fertilização dos macrogametas (femininos) pelos microgametas (masculinos) (i), desenvolvem-se os oocistos (j, k) que
esporulam no hospedeiro infectado e são excretados. Como os oocistos esporulam dentro do hospedeiro, a autoinfecção pode
acontecer. Os oocistos são infectivos assim que liberados, assim permitindo transmissão direta ou fecal-oral imediatos. (Note
que os oocistos de Cyclospora cayetanensis, não estão esporulados no momento da excreção e não são infectivos até que a
esporulação seja completada, após dias ou semanas.

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FIGURA 3 - Toxoplasmose (Toxoplasma gondii)

Toxoplamose (Toxoplasma gondii): Animais da espécie do gato (Felidae) são os únicos hospedeiros definitivos conhecidos para os
estágios sexuados do T.gondii e assim são os principais reservatórios da infecção. Os gatos se infectam com o T. gondii por
carnivorismo. Após a ingestão pelo gato de cistos ou oocistos, os organimos viáveis são liberados e invadem as células epiteliais do
intestino delgado, onde pasam por ciclo assexuado, seguido do sexuado e então formam oocistos, que são então excretados. O
oocisto não esporulado leva 1 a 5 dias após a excreção para esporular (tornar-se infectivo). Apesar de os gatos liberarem os oocistos
só por 1 ou 2 semanas, um grande número pode ser liberado. Os oocistos podem sobreviver no meio ambiente por vários meses e são
marcadamente resistentes aos desinfetantes, congelamento e secagem, porém são mortos por calor a 700C por 10 minutos. A
infecção humana pode ser adquirida de várias formas: 1) ingestão de carne infectada mal cozida que contém cistos de Toxoplasma;
2) ingestão de oocistos de alimentos e mãos contaminadas por material fecal; 3) transfusão de sangue e transplante de órgãos; 4)
transmissão transplacentária; 5) inoculação acidental de traquizoitos. Os parasitos formam cistos nos tecidos, mais comumente nos
músculos esqueléticos, no miocárdio e no cérebro; estes cistos podem permanecer por toda a vida do hospedeiro.

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Helmintos
Os helmintos são importantes para a saúde publica, pois podem ser transmitidos ao homem pelos
alimentos. Alguns deles são especialmente significativos em países onde alimentos são servidos crus
ou preparados em condições não higiênicas. A Taenia solium tem o suíno como hospedeiro intermediário
e a Taenia saginata, o bovino. Ambos podem causar dois tipos de doença: a cisticercose e a teníase. O
ciclo desses parasitos é constituído de quatro fases: ovo, larva, cisticerco e verme. A cisticercose inicia-
se com a ingestão do ovo, enquanto que a teníase com a ingestão do cisticerco. A cisticercose, doença
que afeta o sistema nervoso central, é contraída pelo homem quando este ingere alimentos contaminados
com ovos de T.solium, tais como hortaliças não-higienizadas e água não-potável. A doença é grave, pois
o cisticerco pode se alojar no cérebro e ocasionar cegueira. O cisticerco formado no animal é conhecido
popularmente como “canjiquinha”. A teníase, por sua vez, ocorre quando o homem ingere carne crua ou
mal cozida contendo cisticercos que, quando viáveis, fixam-se à mucosa do intestino delgado. Para
impedir esse ciclo, hábitos básicos de higiene, como a lavagem das mãos após o uso do banheiro,
aquisição de carnes inspecionada, bem como sua cocção completa, são indispensáveis. Vale salientar
que o único meio de eliminar os ovos de tênia das folhas e superfícies das hortaliças é a lavagem
individual das folhas. Os ciclos de vida dos principais helmintos encontram-se nas figuras 4 a 10.

FIGURA 4 - Ascaridíase (Ascaris lumbricoides)

Ascaridíase (Ascaris lumbricoides): O verme adulto (1) vive no lúmen do intestino delgado. A fêmea pode produzir até 240.000 ovos/
dia, os quais são liberados pelas fezes (2). Os ovos férteis embrionam e se tornam infectantes após 18 dias a algumas semanas (3), na
dependência das condições ambientais (ótimo, solo úmido, quente e sombreado). Depois de serem ingeridos (4), as larvas eclodem
(5), invadem a mucosa intestinal e são carreadas, via porta e então pela circulação sistêmica, aos pulmões (6). A larva amadurece nos
pulmões (10 a 14 dias), penetra pelas paredes alveolares, ascendem a árvore brônquica até a faringe e são engolidos (7). Uma vez
chegando ao intestino delgado, se desenvolvem em vermes adultos (1). São necessários cerca de 2 a 3 meses da ingestão do ovo
infectivo até a ovoposição da fêmea adulta. Os vermes adultos podem viver 1 a 2 anos.

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FIGURA 5 - Difilobotríase (Diphylobothrium latum)

4
3
11

1 12

10
9

8 5

7
6

Difilobotríase (Diphylobothrium latum): O verme adulto reside no intestino delgado, colado na mucosa. Pode alcançar mais de
10 metros de comprimento, com mais de 3.000 proglotes. Os ovos imaturos são liberados pelas proglotes (cerca de 1.000.000
de ovos por dias por verme) e são liberados pelas fezes. Sob condições apropriadas, os ovos amadurecem (entre 11 e 15 dias),
presos em uma oncosfera que se desenvolve em um coracídio. Após a ingestão por um crustáceo de água doce adequado
(copépode, primeiro hospedeiro intermediário), o coracídio se desenvolve em larva procercoide. Após a ingestão do copépode
por um peixe (segundo hospedeiro intermediário), a larva procercoide migra para o músculo do peixe onde se transforma em
larva plerocercoide (espargano). Quando o peixe pequeno é predado por um maior, o espargano pode migrar para o músculo do
peixe maior. Os homens (hospedeiro ótimo, definitivo) adquirem a infecção por comer peixe cru ou pouco cozido. Os ovos
aparecem nas fezes 5 a 6 semanas após a infecção. Além do homem, muitos outros mamíferos podem também ser infectados.

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FIGURA 6 - Estrongiloidíase (Strongyoides stercoralis)

5 6
4 7
8
19
3
18
2
9

17
1
16
15

14 10

12

11

Estrongiloidíase (Strongyloides stercoralis): é complexo e único entre os helmintos, por seu potencial para autoinfecção e
multiplicação dentro do hospedeiro. Apresenta dois ciclos, o parasitário e o de vida livre. O ciclo parasitário é: as larvas
filariformes, no solo contaminado, penetram pela pele do homem, são transportadas aos pulmões, onde penetram nos espaços
alveolares. São levadas pelos brônquios à faringe, são engolidas e então alcançam o intestino delgado, onde se transformam em
vermes adultos fêmeas. As fêmeas vivem no lumen do intestino delgado e produzem ovos por partenogênese, que geram as
larvas rabdiformes. As larvas rabdiformes podem tanto ser liberadas pelas fezes ou causar a autoinfecção. Na autoinfecção, a larva
se transforma em filariforme, que tanto pode penetrar na mucos intestinal (autoinfecção interna) ou na pele da área perianal
(autoinfecção externa); em ambos os casos, a larva filariforme segue a rota previamente descrita. A autoinfecção é um padrão
exclusivo do Strongyloides entre as demais infecções helmínticas do homem e explica a possibilidade de infecções persistentes
e a hiperinfecção em indivíduos imunodeprimidos.

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FIGURA 7 - Teníase (Taenia saginata)

Teníase (Taenia saginata): O homem é o único hospedeiro definitivo da Taenia saginata. O verme adulto (comprimento:
usualmente 5m ou menos, até 25m) se aloja no intestino delgado, onde se fixa pelo escolex. Produz proglotes (cada verme
tem 1.000 a 2.000 proglotes) que amadurecem, se tornam grávidas, se destacam do verme e migram para o ânus ou são
liberados pelas fezes (aproximadamente, 6 por dia). Os ovos contidos na proglote grávida (80.000 a 100.000 ovos por
proglote) são liberados depois que as proglotes estão livres e passaram pelas fezes. Os ovos podem sobreviver por meses a anos
no meio ambiente. O gado e outros herbívoros se infectam ao ingerir a vegetação com ovos (ou proglotes). No intestino do
animal, os ovos liberam a oncosfera que evagina, invadindo a parede intestinal, e migram para os músculos estriados, onde se
desenvolve em cisticerco. O cisticerco pode sobreviver por vários anos no animal. O homem se infecta pela ingestão de carne
crua ou pouco cozida. No intestino do homem, o cisticerco se desenvolve, por cerca de 2 meses, em verme adulto que pode
sobreviver por mais de 30 anos.

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FIGURA 8 - Teníase (Taenia solium)

Teníase (Taenia solium) Seu ciclo de vida é semelhante ao da T.saginata. Os adultos (comprimento de 2 a 7 m., menos de 1000
proglotes, menos ativas que os da T.saginata, cada uma com 50.000 ovos, longevidade de até 25 anos) se desenvolve não só
no homem mas também em outras espécies animais (macacos, hamster). O cisticerco não se desenvolve só em músculo estriado,
mas também no cérebro, fígado e outros tecidos dos suínos e outros animais, incluindo o homem. O homem desenvolve teníase
quando ingere carne de porco contendo cisticerco pouco cozida (sub processada). Desenvolve a cisticercose pela ingestão de
ovos de T.solium, tanto por consumir alimentos contaminados por material fecal como por autoinfecção. No último caso, o
homem infectado com T.solium adulto ingere os ovos produzidos pelo verme, tanto através de contaminação fecal ou, mais
discutível, de proglotes levadas ao estômago por presistaltismo reverso.

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FIGURA 9 - Triquinelose (Trichinella spiralis)

Triquinelose (Trichinella spiralis): A triquinose é adquirida pela ingestão de carne contendo cistos (larvas encistadas) de
Trichinella (1). Após a exposição ao ácido gástrico e à pepsina, a larva é liberada do cisto (2) e invade a mucosa do intestino
delgado, onde se desenvolve em verme adulto (3) (as fêmeas tem 2,2 mm de comprimento e os machos, 1,2mm; tempo de vida,
4 semanas). Após 1 semana, as fêmeas liberam larvas (4) que migram para os músculos estriados e encistam (5). (Trichinella
pseudospirallis, entretanto, não forma cistos). O encistamento é completado em 4 ou 5 semanas e a larva encistada pode
permanecer viável por vários anos. A ingestão de larvas encistadas perpetuam o ciclo. Os ratos e roedores são os responsáveis
primários na manutenção da endemicidade desta infecção. Animais carnívoros/onívoros, tais como os suínos ou os veados, se
alimentam de roedores ou da carne de outros animais infectados. Espécies diferentes de animais estão envolvidas no ciclo de
vida de espécies diferentes de Trichinella. O homem é infectado acidentalmente, quando consome carne insuficientemente
processada destes animais carnívoros (ou por consumo de alimento contaminado por tal carne).

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FIGURA 10 - Tricuríase (Trichuris trichiura)

Tricuríase (Trichuris trichiura): Os vermes adultos (aproximadamente 4cm de comprimento) vive no ceco e no colon ascendente. Os
vermes fêmea no ceco, põem 3.000 a 20.000 ovos por dia. Os ovos não embrionados são libererados pelas fezes. No solo,
embrionam e se tornam infectivos em 15 a 30 dias. Após a ingestão (mãos ou alimentos contaminados com terra), os ovos
alcançam o intestino delgado e liberam larvas que amadurecem e se estabelecem como adultos no colon. Os vermes adultos se
fixam neste local, com a porção anterior ligada à mucosa. As fêmeas começam a colocar ovos 60 a 70 dias após a infecção. O verme
adulto pode viver por cerca de 1 ano.

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Outros agentes de contaminação


Alguns agentes não têm características que permitam uma classificação entre os tipos definidos
até aqui. São as miíases e o príons.

Miíases
Quando as moscas depositam os seus ovos em matérias orgânicas e, por falta de higiene, ocorre
a ingestão desses ovos, eles podem eclodir no intestino humano, liberando as larvas. As larvas
parasitam o intestino causando a miíase. Entre os principais sintomas da miíase, pode-se citar
cólica, dor de cabeça, diarréia e vômito.

Príons
São agentes infecciosos não convencionais que, ao contrário dos agentes comuns, não induzem
resposta inflamatória ou imunológica. São responsáveis pelas encefalopatias espongiformes bovina
(EEB) e humana. Encefalopatia espongiforme é uma enfermidade infecciosa neurodegenerativa,
também conhecida como Doença do Príon, ocorrendo tanto no homem como em animais. A doença
pode ser fatal e é caracterizada microscopicamente por intensa vacuolização de neurônios, dando
ao tecido cerebral aspecto de esponja, daí ser referida como encefalopatia espongiforme.

A teoria do príon surgiu quando uma proteína resistente às proteases (PrPsc) foi identificada em
cérebros infectados de animais com scrapie (doença que afeta ovelhas e carneiros). Posteriormente,
uma proteína semelhante (PrPc), sintetizada pela própria célula, com peso molecular diferente,
mas com a mesma seqüência de aminoácidos, foi identificada em neurônios de animais sadios.
Isso explica a falta de resposta imunológica ao agente das encefalopatias espongiformes
transmissíveis (EET). A PrPsc pode ser gerada na própria célula por agentes mutantes da proteína
ou penetrar na célula como agente infeccioso (PRÍON), vindo de outro hospedeiro. A PrPsc interfere
no metabolismo celular formando complexos químicos que se acumulam no citoplasma, formando
as vesículas invisíveis no exame histológico.

O príon é transmissível pela carne, sendo o seu controle realizado, obrigatoriamente, na produção
animal. É extremamente resistente aos meios convencionais de desinfecção, como calor, formalina,
radiações ultravioleta e ionizantes, além de outros agentes químicos e físicos.

S IGNIFICADO DOS CONTAMINANTES MICROBIANOS EM ALIMENTOS

Especificamente, pode-se avaliar microbiologicamente um produto sob diferentes diretrizes, que


são:

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Aspectos higiênicos
São as determinações microbianas que permitem avaliar higienicamente um produto, no que se
refere à aplicação de Práticas de Higiene em toda a sua cadeia de produção e exposição ao
consumo. Baseia-se em determinações analíticas de contagem total de bactérias (carga microbiana
total de mesófilos e/ou termófilos e/ou psicrotróficos), contagem total de fungos (bolores e
leveduras), coliformes totais (ambientais). A avaliação de presença/ausência ou de números
baixos desses microrganismos não é suficiente e não está diretamente relacionada com conclusões
sobre o risco do consumidor. Como indicadores higiênicos, estão relacionados com qualidade do
processamento / etapa / procedimento e com a possível deterioração de produtos.

É importante assinalar que a alteração / deterioração é melhor avaliada por parâmetros físicos e
químicos, como caracteres organoléticos, pH, provas de rancificação, produção de gás sulfídrico,
amônia, indol etc. A introdução desses critérios nas normas e padrões legais é questionável, uma
vez que estão relacionados com alteração / deterioração e, portanto, com perda econômica para
a produção e transformação de produtos alimentícios e a avaliação dessa alteração é realizada
por determinações físicas e químicas. Sua inclusão se justifica para produtos que sofreram
processamento tecnológico que impacte esses grupos de microrganismos.

Presença de indicadores fecais


Esse aspecto, em geral incluído nas normas e padrões, tem significado higiênico e sanitário, com as
devidas reservas. Pretende avaliar a qualidade e a presença de contaminação fecal, direta ou
indireta. Esse grupo de indicadores é composto por coliformes (atualmente designados como
termotolerantes ou a 450 C, termos mais éticos do que o termo fecal). A Escherichia coli, como
indicadora de contaminação de origem fecal, é a integrante normal da microbiota intestinal dos
animais de sangue quente e não as denominadas de patógenas - das quais se diferencia
laboratorialmente pelos métodos de análise, características bioquímicas e sorológicas e a pesquisa
de alguns marcadores de virulência. Os estreptococos, designados como enterococos ou estreptococos
fecais, além dos bacteriófagos (colifagos e shigelafagos), também são indicadores de contaminação
fecal. O Clostridium perfringens pode ter procedência fecal e/ou ambiental. É importante assinalar
que esses grupos de bactérias são indicadores, com importância para a maioria das classes de
alimentos, para as quais existem tolerâncias legais, em função do grupo de alimento.

Indicadores de processamento e/ou manipulação


Pertencem a esses indicadores vários grupos de microrganismos, na dependência do produto e
respectivo processamento. Incluem alguns dos grupos citados anteriormente, como contagens
de bactérias e fungos, bactérias aeróbias, anaeróbias, termófilas, psicrotróficas, Staphylococcus
aureus, Bacillus cereus, clostrídio sulfito redutor a 35 e 460 C, coliformes termotolerantes e
ambientais etc. No caso de enlatados, são indicadores de processamento as determinações de

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bactérias mesófilas e termófilas, aero e anaeróbias. No caso de leite pasteurizado, as bactérias


psicrotróficas e mesófilas. Para avaliar seleção, lavagem e desinfecção de verduras, os indicadores
fecais. Para os pratos prontos para consumo, como maionese e produtos de confeitaria, o S.
aureus, os coliformes termotolerantes, o Bacillus cereus, o clostrídio a 46ºC, na dependência do
número encontrado. Esses microrganismos, em função do número/g ou ml, podem ser
significativos de higiene, higiene e sanidade e até impropriedade para o consumo. Para as de
massas alimentícias secas, o Staphylococcus aureus e os coliformes termotolerantes, etc. Podem
fazer parte das normas e padrões legais, porém é questionável a introdução desses conceito
nos critérios legais, uma vez que se relacionam com processamento e não com problema
específico de saúde pública.

Microrganismos úteis
São usados nos processos de transformação de matérias-primas em produtos alimentícios. São
microrganismos controlados, cujo metabolismo sobre os componentes da matéria-prima em
questão dá como resultado final um mesmo metabólito, não tóxico, porém alimentício. São usados
para a fermentação da massa de pão e similares, usados na fabricação de cervejas e chope, de
iogurte, de queijos, de outros produtos designados de fermentados. Alguns deles, como o levedo
de cerveja, têm propriedades consideradas medicamentosas; como fonte de vitaminas do complexo
B e como o iogurte, protetor e restaurador da microbiota intestinal (probióticos). Esse grupo
não faz parte das normas e padrões legais, mas é importante para controle de processos industriais.

Indicadores de risco
São os microrganismos que podem produzir e liberar toxina no produto, como a enterotoxina
estafilocócica, ou causar uma toxi-infecção, como o Bacillus cereus e o Clostridium perfringens
(cujo indicador é o clostrídio sulfito redutor a 460 C), ou ainda causar uma infecção, como a
Salmonella. Como indicadores de risco, são considerados os de maior prevalência e incidência de
casos de DTA e/ou os de maior capacidade de disseminação (larga distribuição geográfica, como
as Salmonelas). O Staphylococcus aureus, Bacillus cereus e Clostridium perfringens são de
distribuição restrita, ou seja, os surtos acontecem predominantemente em comensais de uma
mesma refeição, sendo raro surtos “em aberto”, enquanto a salmonelose é um problema de
saúde pública internacional. Alguns membros desse grupo podem estar incluídos nas normas e
padrões legais. São objeto da Análise de Riscos e da aplicação do Sistema de Análise de Perigos,
Pontos Críticos de Controle (APPCC/HACCP).

Toxinas biológicas
Essa avaliação compreende toxinas de várias origens, como a toxina estafilocócica (da qual o
Staphylococcus aureus é um indicador, não sendo adequada a relação direta entre a presença de

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números iguais ou superiores a 105 com a presença da enterotoxina; o desenvolvimento do
microrganismo em questão é regulado por faixa de temperatura e de umidade do produto não-
linear com a produção e liberação da toxina); a toxina botulínica (idem ao anterior, diferindo
apenas por se tratar, nesse caso, de uma bactéria esporulada, que pode estar “inerte” no produto
alimentício, ou seja, presente porém sem se multiplicar e, portanto, sem produzir e liberar toxina);
as toxinas de algas marinhas que podem se concentrar em moluscos bivalvos, como ostras e mariscos
e em outros animais que partilham do mesmo ambiente aquático; as toxinas de algas de água doce
que podem ser distribuídas pela água de consumo; as toxinas naturais de determinados organismos,
como a tetrodotoxina presente em algumas espécies de baiacu; etc. Muitas dessas toxinas podem
ser determinadas quimicamente, como é o caso das toxinas marinhas e das micotoxinas.

Microrganismos patogênicos
Os possíveis patógenos presentes nos alimentos são bactérias, vírus e parasitos. As bactérias
patógenas são numerosas, incluindo Salmonella typhi, outras Salmonella spp, Shigella spp,
Escherichia coli enteropatogênicas (EPEC = enteropatógena; ETEC = enterotoxigênica; EIEC =
enteroinvasiva; EHEC = enterohemorrágica e EAEC = enteroaderente), Listeria monocytogenes e
outras, Vibrio cholerae O1 e O139, Vibrio parahaemolyticus, Vibrio vulnificus, Vibrio fluvialis e outros
víbrios, Aeromonas hydrophila, Plesiomonas shigelloides, Campylobacter coli, Campylobacter jejuni
e outras. Essas bactérias devem ser consideradas para o diagnóstico (elucidação) de DTA e para
avaliação adicional de riscos saúde pública, necessário em programas.

A avaliação microbiológica, portanto, pode ser direcionada para conclusões diferentes, de acordo
com o grupo que está sendo analisado e as finalidades de análise. Essas avaliações têm por base
as características intrínsecas ou internas do produto alimentício, como pH, água ativa, potencial
de óxido-redução, substâncias antimicrobianas naturais ou adicionadas (aditivos com ação
conservadora); as características extrínsecas ou externas aos quais o produto em questão está
exposto, como embalagem, condições de tempo (validade) e temperatura de comercialização,
condições de manuseio e preparo final antes do consumo etc; a microbiota natural do produto,
uma vez que todos os nichos ecológicos têm uma microbiota específica; o processamento
tecnológico, com conseqüente emprego de processos que permitem exclusão de microrganismos,
como os térmicos, tanto brandos como extremos, de controle de multiplicação, por redução de
água, acidificação, uso de temperaturas baixas, uso de microrganismos úteis para obtenção de
outros produtos, com conseqüente alteração da microbiota natural, entre outros.

Critérios para o estabelecimento de padrões microbiológicos


sanitários em alimentos
Os critérios para o estabelecimento de padrão microbiológico podem ser considerados
isoladamente ou em conjunto conforme a seguir:

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a) caracterização dos microrganismos e ou suas toxinas considerados de interesse sanitário;


b) classificação dos alimentos segundo o risco epedemiológico;
c) métodos de análise que permitam a determinação dos microrganismos;
d) plano de amostragem para a determinação do número e tamanho de unidades de amostras a
serem analisadas;
e) normas e padrões de organismos internacionalmente reconhecidos, Codex Alimentarius e outros
organismos;
f) outros critérios , quando evidências científicas o justifiquem.

F ATORES INERENTES AOS ALIMENTOS E AO AMBIENTE QUE


INFLUENCIAM NA MULTIPLICAÇÃO MICROBIANA

Curva de multiplicação
A multiplicação microbiana significa aumento no número total de células devido à multiplicação
dos organismos individuais em uma cultura ou em qualquer ambiente. É freqüente encontrar-se
o termo crescimento microbiano ao invés de multiplicação, como no caso da conhecida “curva de
crescimento dos microrganismos”.

Em condições ótimas, os microrganismos encontram-se em desenvolvimento balanceado. Durante


esse desenvolvimento, a duplicação de massa vem acompanhada da duplicação de todos os
demais constituintes, como DNA, RNA e proteínas. A multiplicação microbiana obedece a uma
curva (curva de desenvolvimento). A Figura 9 apresenta a curva quando o microrganismo se
encontra nas condições ótimas de temperatura, pH, nutrientes, umidade, presença de receptores
de elétrons e outros fatores importantes para o microrganismos em questão:

FIGURA 9: Curva de desenvolvimento dos microrganismos

C A - fase lag ou de adaptação


D B - fase log ou exponencial
C - fase estacionária
LOG X

B
D - fase de declínio ou morte
A

TEMPO

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Na fase lag, fase de adaptação ou de latência, o microrganismo se adapta ao novo ambiente.
Assim, se um microrganismo presente no solo contaminar uma carne, levará um tempo para se
adaptar ao novo substrato, pois terá que começar a produzir enzimas capazes de digerir nutrientes
como as proteínas. Assim, a fase lag poderá ser longa. Entretanto, se a contaminação da mesma
carne for feita através de resíduos de carne de uma superfície mal higienizada, as bactérias já
estarão adaptadas ao alimento e, assim, vão se multiplicar mais rapidamente, não havendo a fase
lag. Vê-se, portanto, que a contaminação através de resíduos de alimentos (limpeza e sanificação
deficientes) é muito mais problemática.

Na fase exponencial, a multiplicação é em ritmo contínuo, podendo ser avaliada pela seguinte
equação:

Nt = N0 x 2n , onde:

Nt = o número de microrganismos após o tempo t de crescimento;

N0 = o número inicial de microrganismos;

n = o número de gerações.

O valor de n pode ser calculado pela seguinte fórmula: n = t/tg, onde t é o tempo (em minutos)
de crescimento e tg é o tempo de geração, ou tempo necessário para dobrar o número de células
(em minutos).

O tempo de geração varia de acordo com o microrganismo e, para um mesmo microrganismo, o


tempo varia de acordo com as condições ambientais (temperatura, nutrientes, etc.). Assim, uma
bactéria que tem o tempo de geração de 15 minutos, por exemplo, em uma carne a temperatura
ambiente, ao final de 3 horas dará origem a cerca de 4000 bactérias. Isso pode ser calculado da
seguinte forma:

n = t/tg = 180min/15min

n = 12

Nt = N0 x 2n

Nt = 1 x 212

Nt = 4096

Entretanto, isso ocorre em condições ideais para a multiplicação. Se houver qualquer fator inerente
ao alimento, ou ao ambiente, que faça com que o microrganismo multiplique mais lentamente,
aumentando o tempo de geração, ao final do mesmo período de tempo o número de
microrganismos será menor.

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Na fase estacionária a multiplicação é reduzida por limitação de algum fator ambiental (nutrientes,
por exemplo). A população se mantém constante.

Na fase de declínio, o número de microrganismos vivos começa a diminuir, em função da falta de


condições de sobrevivência no ambiente (falta de um nutriente vital, acidez excessiva, substâncias
tóxicas excretadas pelos próprios microrganismos etc.).

É também de interesse a curva de destruição de microrganismos. Nessa curva, é avaliada a


diminuição do número de células viáveis do organismo em questão, quando submetido a condições
destrutivas ou desfavoráveis. O entendimento da curva de multiplicação e da curva de destruição,
relacionadas com os fatores que podem interferir com a viabilidade e número de células viáveis,
faz parte da Microbiologia Preditiva, que, como o nome sugere, permite prever o comportamento
de um determinado microrganismo em um produto alimentício, assim como a eficácia de um
processo que possa inibir a multiplicação ou provocar a morte ( parcial ou total ) das células
vegetativas e formas esporuladas presentes.

Fatores que influenciam a multiplicação microbiana


A qualidade microbiológica dos alimentos é ditada, primeiro, pelo número e tipo de
microrganismos iniciais (contaminação inicial); posteriormente, pela multiplicação ou destruição
total ou parcial desses microrganismos no alimento.

A qualidade das matérias-primas, em função da presença da sua microbiota natural e de


contaminantes patogênicos ou deteriorantes, assim como a higiene (de superfícies, ambiente,
manipuladores) representam a contaminação inicial. O tipo de alimento e as condições ambientais
regulam a multiplicação.

Os fatores inerentes ao próprio alimento são também denominados parâmetros intrínsecos, como
por exemplo, o pH e atividade de água. Já os fatores inerentes ao ambiente que cerca o alimento
são denominados parâmetros extrínsecos, como por exemplo, a temperatura e a umidade relativa.

Em condições ideais, as bactérias são os microrganismos com maior velocidade de multiplicação,


podendo apresentar um tempo de geração em torno de 20 minutos. Assim, mesmo nos casos em
que a contaminação inicial de um alimento é pequena, contagens elevadas poderão ser alcançadas
em um curto espaço de tempo. No entanto, a velocidade de multiplicação de uma bactéria não é
constante, havendo variações acentuadas, dependentes da fase em que se encontram e das
condições ambientais. Os parâmetros intrínsecos e extrínsecos, portanto, também determinam a
velocidade de multiplicação.

As leveduras possuem um tempo de geração (tg) de 30 minutos a três horas; maior, portanto, do
que o das bactérias. Já os bolores (fungos filamentosos), multiplicam-se mais lentamente do
que as leveduras. Dessa forma, em um alimento que forneça condições para o desenvolvimento
dos três grupos de microrganismos, as bactérias dominarão e, por conseguinte, serão a causa

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primeira da deterioração de determinados alimentos. Por outro lado, leveduras e bolores são
importantes na deterioração de alimentos que não apresentam parâmetros que favoreçam o rápido
desenvolvimento das bactérias.

Fatores inerentes aos alimentos


Vários fatores podem influenciar na contaminação dos alimentos, tais como: pH, atividade da
água, potencial de oxirredução, conteúdo dos nutrientes, constituintes microbianos, estrutura
biológica e a microbiota do alimento.

pH

O pH mede a concentração de H+ de um alimento ou solução, o que é representado pela equação:


pH = log 1/[H+ ]. Por essa equação, observa-se que quanto maior a concentração de H+ (caráter
ácido), menor é o pH. Assim, o pH é menor em alimentos ácidos. O pH varia de 0 a 14, sendo 7 o
valor que expressa a neutralidade.

O pH pode ser determinado com o uso de um pHmetro, obtendo-se uma precisão de


aproximadamente 0,01 unidades de pH dentro da faixa de 0 a 14. O pHmetro vem equipado com
um eletrodo de vidro que deve ficar imerso em solução de KCl 3M. Deve, ainda, ser calibrado
diariamente com soluções tampão pH 4 e pH 7.

O pH é um fator de importância fundamental na limitação dos tipos de microrganismos capazes


de se desenvolver no alimento. Tal é a sua influência, que foi proposta uma classificação prática
dos alimentos em função do pH, dividindo-os em três grupos:

1- alimentos pouco ácidos ou de baixa acidez – os que possuem pH superior a 4,5.


2- alimentos ácidos – os que possuem pH entre 4,0 e 4,5.
3- alimentos muito ácidos – os que possuem pH inferior a 4,0.

Alguns valores de pH dos alimentos estão descritos na Tabela 1.

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TABELA 1

Hortaliças pH
Brócolis 6,5
Aspargos 5,7-6,1
Couve- de-bruxelas 6,3
Batata 5,3-5,6
Cenoura 4,9-6,0
Milho 7,3
Azeitona 3,6-3,8
Tomate 4,2-4,3

Frutas pH
Ameixa 2,8-4,6
Figo 4,6
Laranja (suco) 3,6-4,3
Maçã 2,9-3,3
Morango 3,0-3,9
Geléia de frutas 3,5

Carnes pH
Frangos 6,3-6,4
Presunto 5,9-6,1
“Corned beef” 5,5-6,0
Salsichas Frankfurt 6,2
Bovina (moída) 5,1-6,2

Pescados pH
Atum 5,2-6,1
Camarão 6,8-7,0
Peixe fresco (maioria) 6,6-6,8
Salmão 6,1-6,3

Laticínios pH
Creme de Leite 6,5
Manteiga 6,1-6,4
Queijo 4,9-5,9
Leite 6,3-6,5

Fonte: Jay, 1992 e ICMSF, 1980

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A microbiota de alimentos pouco ácidos (pH > 4,5) é muito variada, havendo condições para o
desenvolvimento da maioria das bactérias, inclusive as patogênicas, bolores e leveduras.

Em alimentos ácidos (pH 4,0 a 4,5), a microbiota bacteriana já é bem mais restrita, representada
por bactérias láticas e algumas formas esporuladas do gênero Bacillus e Clostridium, cujos esporos
podem ser de baixa resistência térmica. O pH 4,5 é muito importante em Microbiologia de
Alimentos, pois assinala o valor abaixo do qual previne-se a multiplicação de Clostridium botulinum
e, de modo geral, de outras bactérias patogênicas. Nessa faixa de pH, os bolores e leveduras
encontram-se em condições ótimas para seu desenvolvimento. Nos alimentos muito ácidos (pH <
4,0), a microbiota capaz de se desenvolver é restrita, praticamente, aos bolores e leveduras além
de bactérias láticas e acéticas.

A indústria de alimentos lança mão do efeito do pH sobre os microrganismos para a conservação.


Assim, são elaborados os alimentos fermentados, seja através dos ácidos produzidos pelos
microrganismos que provocam o abaixamento do pH (por exemplo, leites, carnes e vegetais
fermentados) ou utilizando-se acidulantes como ácido cítrico, lático, acético e outros. Dessa
forma, elimina-se o risco de deterioração ou atenua-se o tratamento térmico, no caso de picles,
chucrute, champinhon e palmito em conserva.

Atividade de água (Aa)

A atividade de água é um parâmetro muito importante para o desenvolvimento microbiano. Ela


é calculada pelas fórmulas:

Aa = (P 1 )/(P0 ), onde: P 1 = pressão de vapor d’água da solução (alimento) e

P 0 = pressão de vapor do solvente puro (água).

Aa = U.R./100, onde: U.R. = umidade relativa do alimento.

Aa = n2 /(n1 +n2 ), onde: n1 = número de moles do soluto e

n2 = número de moles do solvente, considerando-se uma solução ideal.

O valor absoluto de atividade de água fornece uma indicação segura do teor de água livre do
alimento, sendo esta a forma ideal de água usada pelos microrganismos. As bactérias são
usualmente mais exigentes quanto à disponibilidade de água livre, seguidas das leveduras e dos
bolores, sendo que, entre esses últimos, algumas espécies destacam-se pela elevada tolerância à
baixa Aa. A possibilidade de alteração microbiana em alimentos cessa em alimentos apresentando
Aa abaixo de 0,60, embora isso não signifique a morte de microrganismos.

O efeito dos diferentes solutos na redução da Aa difere de forma muito acentuada, o mesmo
sendo válido em relação ao efeito inibitório sobre os microrganismos.

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TABELA 2: Valores de Aa em soluções preparadas a partir de vários solutos e mantidas a 25°C.

Concentração Concentração Concentração


Aa de solutos % de solutos % de solutos %
(p/p) (p/p) (p/p)
Nacl Sacarose Glicose

0,995 0,88 8,52 4,45

0,960 48,22 39,66 28,51

0,920 11,90 54,36 43,72

0,900 14,18 58,45 48,54

0,880 16,28 62,77 53,05

0,860 18,18 68,60 58,45

Fonte: CHRISTIAN,1980

Existem alguns grupos de microrganismos que são particularmente resistentes a baixas Aa. São
eles:

a) Microrganismos osmofílicos – necessitam de ambiente com baixa Aa, como produtos com
teores significativos de açúcar , para se desenvolver.

b) Microrganismos osmodúricos – suportam, mas não necessitam de ambientes com elevada


concentração de açúcar.

c) Microrganismos halofílicos – necessitam de ambientes com elevada concentração salina para


se desenvolver.

d) Microrganismos halodúricos – suportam ambientes com alta concentração de sal.

e) Microrganismos xerofílicos – afinidade a ambientes secos.

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TABELA 3: Valores mínimos de Aa permitindo desenvolvimento microbiano a 25°C.

Grupo microbiano Aa mínima

Maioria das bactérias 0,88-0,91


Maioria das leveduras 0,88
Maioria dos bolores 0,80
Bactérias halófilas 0,75
Bolores xerotolerantes 0,71
Bol. xerófilos e leveduras osmófilas 0,60-0,62

Fonte: Farkas,1997

Há uma grande diversidade de métodos para se medir a atividade de água em alimentos. Entretanto,
os mais empregados são os que utilizam higrômetros eletrônicos. Dentre eles, existe medidor de
Aa portátil, que, apesar de seu alto custo, apresenta boa precisão, rápida leitura e ampla aplicação
na indústria de alimentos.

TABELA 4: Valores de Aa em alguns tipos de alimentos.

Valores de Aa Tipos de alimentos


Carnes e pescados frescos, leite e outras bebidas, frutas e hortaliças
> 0,98 frescas, hortaliças em salmoura enlatadas e frutas em calda enlatadas.
0,93 a < 0,98 Leite evaporado, concentrados de tomate, carnes e pescados curados,
sucos de frutas, queijos, pão e embutidos.
0,85 a < 0,93 Leite condensado, salame, queijos duros, produtos de confeitaria,
marmeladas.
0,60 a < 0,85 Geléias, farinhas, frutas secas, caramelo, goiabada, coco ralado,
pescado muito salgado e extrato de carne.
< 0,60 Doces, chocolate, mel, macarrões, batatas fritas, verduras desidratadas,
ovos e leite em pó.

Fonte: Christian, 1980

Potencial de Oxirreduç ão (Redox, Eh)

O potencial de oxirredução (redox) de um ambiente é medido em milivolts (mV). Pode ser


afetado por uma série de compostos. A presença do oxigênio é o fator que mais contribui para o
aumento do potencial redox de um alimento.

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Os microrganismos variam no grau de sensibilidade ao potencial de oxirredução (redox) no meio


de multiplicação e podem ser divididos em grupos, de acordo com o Eh requerido:

a) Aeróbios – requerem Eh positivo (presença de O2 ) (+350 a +500mV). São exemplos, os bolores,


as bactérias como a Pseudomonas, Acinetobacter, Moraxella, Micrococcus, algumas espécies de
Bacillus, e as leveduras oxidativas.

b) Anaeróbios – requerem Eh negativo (ausência de O2 )(+30 a -550mV). O oxigênio é tóxico


para a célula, porque gera peróxidos letais ao microrganismo. Os gêneros Clostridium e
Desulfotomaculum compreendem espécies anaeróbias. Exemplo: Clostridium paraputrificum (requer
ambiente com -30 a -550 mV para se multiplicar).

c) Facultativos – multiplicam-se em Eh positivo e negativo (+100 a -350mV). Exemplo: leveduras


(fermentativas), enterobactérias e Bacillus.

e) Microaerófilos – multiplicam-se melhor em Eh baixo. As bactérias láticas encontram-se nesse


grupo.

Vê-se, então, que se trata de um fator importante a ser usado na conservação dos alimentos e
também permite avaliar quais microrganismos irão se desenvolver em determinados alimentos.
Pode-se, por exemplo, utilizar a exaustão, embalagens não permeáveis ao O2 submetidas a vácuo,
atmosfera com gases inertes, deaeração e carbonatação para se controlar os microrganismos
aeróbios. Esses recursos são usados largamente para queijos, vegetais, produtos cárneos e outros,
a fim de evitar os mofos superficiais.

No caso dos enlatados, o ambiente anaeróbio favorece a multiplicação de bactérias esporuladas,


anaeróbias ou facultativas.

TABELA 5: Potencial de oxirredução em alguns alimentos.

Alimento Potencial de oxirredução-Eh


Leite +200 a +400

Queijo tipo Cheddar +300 a -100


Queijo tipo suíço -50 a -200
Carne in natura -60 a -150

Carne moída +300


Carne enlatada -20 a -150

Suco de uva +409


Suco de Limão +383

Fonte: ICMSF,1980.

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Conteúdo de Nutrientes

Os microrganismos variam quanto às suas exigências aos fatores de multiplicação e à capacidade


de utilizar os diferentes substratos que compõem os alimentos. Assim:

a) Fonte de carbono: pode muitas vezes limitar a multiplicação dos microrganismos. Os


carboidratos complexos (polissacarídeos), tais como o amido e celulose, são diretamente utilizados
por um número restrito de microrganismos. Os bolores são de particular interesse na deterioração
das matérias-primas que contenham esses substratos.

b) Fonte de nitrogênio: constituem os aminoácidos, os nucleotídeos, os peptídeos e as proteínas,


além de outros compostos nitrogenados.

c) Fonte de vitamina: em geral, os alimentos possuem as quantidades necessárias para o


desenvolvimento dos microrganismos. Por exemplo, as frutas pobres em vitaminas do complexo
B, não favorecem a multiplicação de algumas bactérias.

d) Sais minerais: nos alimentos, são fatores indispensáveis para a multiplicação de


microrganismos.

Constituintes antimicrobianos

Na natureza, a estabilidade de alguns produtos de origem animal e vegetal ocorre devido à


presença de constituintes antimicrobianos. São alguns exemplos:

a) Ovo - Possui lisozima (muramidase), que destrói a parede celular das bactérias Gram-positivas.
No albúmen do ovo encontra-se a avidina, uma substância com atividade inibitória sobre algumas
bactérias e leveduras.

b) Amoras, ameixas e morangos - Possuem ácido benzóico com atividade bactericida e fungicida,
sendo mais efetivo em pH na faixa de 2,5 a 4,5.

c) Cravo - Contém eugenol, que atua contra bactérias (Bacillus, Staphylococcus aureus, Aeromonas
e Enterobactérias).

d) Canela - Contém aldeído cinâmico e eugenol, substâncias que atuam contra bolores e bactérias,
respectivamente.

e) Alho - Contém substâncias voláteis (alicinas) que apresentam atividade antimicrobiana. Atuam
sobre as salmonelas, shigelas, micobactérias, Leuconostoc plantarum, Staphylococcus aureus,
Leuconostoc mesenteroides, Bacillus cereus, Clostridium botulinum, Candida albicans, Aspergillus
flavus e Penicillium, entre outros.

e) Leite - No leite cru existem vários grupos de substâncias com atividade antimicrobiana, que
protegem contra a deterioração e inibem a multiplicação de bactérias patogênicas (sistema
lactoperoxidase, lactoferrinas e outras proteínas que se ligam ao ferro).

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ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS SEGMENTO MESA

f) Condimentos e frutas cítricas – A maioria dos condimentos (pimenta, orégano, cebola, coentro,
etc.) e algumas frutas, em especial a casca de frutas cítricas, contêm óleos essenciais que
apresentam atividade antibacteriana e antifúngica. É importante assinalar que o óleo (essência)
pode estar em concentrações baixas no produto natural.

g) Mel – Os diferentes tipos de mel apresentam atividade antimicrobiana, relacionada não só


com o alto conteúdo de açúcares, mas também de aminoácidos específicos e de outras substâncias,
que, embora nem sempre estejam caracterizadas quimicamente, têm a ação inibitória já demonstrada
sobre microrganismos.

Estruturas Biológicas

Constituem uma barreira para o acesso dos microrganismos às partes perecíveis de certos alimentos,
ou seja, às partes que possuem nutrientes que permitem a multiplicação dos microrganismos e
que são (teoricamente) estéreis. Exemplos:

a) cascas de sementes
b) cascas de nozes
c) casca do arroz
d) pele e pêlo dos animais
e) casca ou película das frutas.

Microbiota do alimento

A competição da microbiota inerente ao alimento atua favorecendo ou inibindo certas espécies


ou grupos de microrganismos. Bactérias láticas, por exemplo, podem produzir ácido lático e
bacteriocinas, que inibem ou eliminam certos microrganismos patogênicos presentes no alimento.
Por outro lado, alguns tipos de leveduras podem consumir os ácidos orgânicos de alimentos
ácidos, dando condições para microrganismos, que antes tinham sua multiplicação inibida pela
acidez, se multiplicarem.

Certas bactérias, como Staphylococcus aureus e Clostridium botulinum, são maus competidores e
não se desenvolvem bem em alimentos que apresentem altas contagens de outros microrganismos,
tais como alimentos crus (carne, pescado, verdura etc.).

Fatores inerentes ao ambiente


Os fatores relativos ao ambiente que cerca o alimento poderão atuar positiva ou negativamente
sobre o desenvolvimento dos microrganismos. São eles: temperatura, umidade relativa e presença
de gases.

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Temperatura

A temperatura é um dos fatores ambientais que mais afetam a viabilidade e a multiplicação


microbiana. Apesar da multiplicação microbiana ser possível numa faixa de -8OC até +90OC, a
temperatura ótima da maioria dos patógenos é de 35OC. A temperatura afeta a duração da fase de
latência (lag), a velocidade de multiplicação, as necessidades nutritivas e a composição química
e enzimática das células.

Os efeitos letais do congelamento e resfriamento dependem do microrganismo considerado e


das condições de tempo e temperatura de armazenamento. Alguns microrganismos permanecem
viáveis durante longos períodos de tempo em alimentos congelados.

A resistência a temperaturas mais altas depende, fundamentalmente, da característica do


microrganismo e da matriz (alimento). Dentre os microrganismos patogênicos mais resistentes,
encontra-se o Staphylococcus aureus, cujas células resistem a 60OC por 15 minutos. As formas
esporuladas, como já assinalado, apresentam marcada resistência térmica.

TABELA 6: Classificação dos microrganismos em relação à temperatura:

Temperatura (o C)

Grupo Mínima Ótima Máxima

Termófilos 40 a 45 55 a 75 60 a 90

Mesófilos 5 a 15 30 a 45 35 a 47

Psicrófilos -5 a +5 12 a 15 15 a 20

Psicrotróficos-5 -+5 -5 a +5 25 a 30 30 a 35

Fonte: ICMSF, 1980.

Umidade Relativa (U.R.)

A umidade relativa influencia diretamente a atividade de água do alimento. Se estocarmos um


alimento de baixa atividade de água em ambiente com alta umidade relativa, a Aa do alimento
aumentará, podendo sofrer deterioração por microrganismos.

O binômio U.R./temperatura não pode ser desprezado. Em geral, quanto mais próxima a temperatura
de estocagem for da temperatura ambiental, menor deverá ser a U.R., sendo o inverso também
verdadeiro, no que se refere à estocagem a baixas temperaturas.

Alterando-se a atmosfera gasosa, é possível retardar a deterioração da superfície sem o


abaixamento da U.R.

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Presença de gases no meio

Dois fatores são importantes na estocagem dos alimentos:

a) Influência do CO2 - A estocagem de alimentos em atmosfera contendo CO2 é referida como


estocagem em “atmosfera controlada”. Seu efeito é conhecido desde 1917 e foi colocado em
prática a partir de 1928.

Esse tipo de estocagem é utilizado, em muitos países, para frutas (maçãs e pêras), provocando o
retardamento da putrefação, causada por fungos filamentosos. Esse efeito se deve, provavelmente,
à inibição do etileno pelo gás carbônico. O etileno atua nas frutas como fator de maturação. A
concentração de CO2 geralmente não excede a 10%.

Atmosferas de gás carbônico também têm sido muito utilizadas para prolongar o armazenamento
de carnes. As bactérias Gram-negativas são mais sensíveis ao CO2 do que as Gram-positivas.

Atmosferas contendo misturas de CO2 e O2 têm sido mais eficazes do que atmosferas contendo
somente ar e gás carbônico.

b) Influência do O3 (Ozônio) – certos vegetais, principalmente frutas, são conservados em


atmosfera onde é liberado o O3 , em doses que variam de 2 a 3 ppm. Não é recomendado o seu uso
em alimentos com alto conteúdo de lipídios, pois acelera a rancificação. Tanto o ozônio como o
CO2 são eficazes para retardar alterações superficiais em carnes armazenadas por longo período.

T EORIA DOS OBSTÁCULOS

A estabilidade e a segurança da maioria dos alimentos são baseadas em vários fatores, que visam
evitar a multiplicação dos microrganismos, impedindo a deterioração e a veiculação de doenças
pelos alimentos. As interações entre os fatores intrínsecos e extrínsecos originaram o conceito
dos obstáculos (barreiras) de Leistner. Os obstáculos normalmente considerados na conservação
dos alimentos são: temperatura (alta ou baixa), atividade de água (Aa), pH (acidificação), potencial
redox, conservantes (nitritos, sorbatos, sulfitos), atmosfera modificada, microrganismos
competitivos (bactérias láticas e produtos do seu metabolismo), número inicial (carga) de
microrganismos e o conteúdo em nutrientes. A atuação sinergética desses fatores pode melhorar
a estabilidade (aumento da vida útil) e, conseqüentemente, a qualidade do alimento, tornando-
o inócuo à saúde do consumidor.

Como os fatores que compõem os parâmetros intrínsecos e extrínsecos não são usados
isoladamente, a teoria dos obstáculos está baseada na potencialização ou diminuição do efeito
deletério sobre o microrganismo objeto de controle, considerando a interação entre eles. Por
exemplo, quanto mais rico em nutrientes e, em especial em aminoácidos, o efeito esperado do pH

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SEGMENTO MESA 65

ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS


e da temperatura é menor do que aquele que é alcançado quando o alimento é pobre em nutrientes.
A diminuição esperada quando da aplicação tecnológica de qualquer dos fatores é menor quando
o número inicial de microrganismos contaminantes presentes no alimento for maior do que o
esperado. A interação de pH ácido, de conteúdo ácido ou a adição de conservantes de um alimento
potencializam a ação de temperaturas altas, provocando diminuição e morte dos microrganismos
presentes em maior proporção do que quando da ausência do ambiente ácido ou da presença de
conservantes.

M ÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS E SEUS EFEITOS SOBRE OS


MICRORGANISMOS

A multiplicação microbiana ocorre em função do tipo de alimento e das condições ambientais. O


homem sempre procurou meios de preservar seus alimentos; inicialmente, empregando técnicas
empíricas que se mantêm até hoje, como é o caso da secagem, do uso do sal e da fermentação.

Com o desenvolvimento científico e tecnológico, os métodos empíricos foram sendo aperfeiçoados,


e novas técnicas surgiram para a conservação dos alimentos. Na Tabela 7 constam conceituações
sobre perecibilidade de produtos cárneos em função de alguns fatores, intrínsecos e extrínsecos.

TABELA 7: Temperatura de armazenamento, pH e Aa, na estabilidade de produtos cárneos

Características do pH e Aa Temperatura
alimento
Muito perecíveis pH> 5,2 e Aa>0,95 < + 5ºC
Perecíveis pH 5,2-5,0 (inclusive) ou Aa < 10ºC
0,95-0,90 (inclusive)
Estáveis pH<5,0 ou Aa<0,90 Não requer refrigeração

Fonte: ICMSF, 1980

Os processos de conservação baseiam-se na destruição total ou parcial dos microrganismos capazes


de alterar o alimento, por modificação ou eliminação de um ou mais fatores (intrínsecos ou
extrínsecos) essenciais para a sua multiplicação, de modo que o alimento não se torne favorável
ao seu desenvolvimento. Também podem ser incorporadas aos alimentos substâncias inibidoras
de microrganismos (conservantes).

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No caso da esterilização ou da pasteurização, utilizam-se temperaturas que eliminam os


microrganismos, destruindo total ou parcialmente a microbiota. Outros métodos procuram
dificultar a multiplicação, como o frio, o sal e o açúcar. A retirada do ar inibe muitos tipos de
microrganismos. Nas fermentações, como no caso do iogurte e do picles, ocorre o desenvolvimento
de acidez, que inibe a maioria dos microrganismos, melhorando a conservação. O uso de mais de
um processo (processos mistos) é comum na preservação dos alimentos, como por exemplo, o
leite pasteurizado, para o qual se faz um tratamento térmico e, depois, lança-se mão do frio para
a sua conservação .

O uso do calor na conservação e preparo dos alimentos


O calor elimina as células dos microrganismos quando submetidas a uma temperatura letal. Essa
temperatura varia de acordo com a espécie do microrganismo e com a forma em que se encontra.
Assim, as células vegetativas dos microrganismos são geralmente destruídas em temperaturas da
ordem de 60o C; os esporos são inativados em temperaturas superiores, até acima de 100o C.

A inativação das células vegetativas e dos esporos pelo calor úmido decorre da desnaturação de
proteínas, incapacitando a célula de se multiplicar. O calor seco age nas células por oxidação dos
componentes celulares. Os esporos são mais resistentes em função de seu maior grau de
desidratação e pela sua concentração de sais do ácido dipiconílico.

A resistência de um microrganismo ao calor pode ser determinada, com precisão, através do


valor D. O valor D é definido como o tempo (em minutos), a uma dada temperatura, necessário
para reduzir 90% da população (ou reduzir um ciclo log na curva de sobrevivência térmica) de
um determinado microrganismo.

A curva de sobrevivência térmica demonstra que o tempo é fundamental para a destruição, a uma
dada temperatura, de uma população de microrganismos.

São vários os fatores que influenciam a resistência térmica dos microrganismos:

a) Fatores relacionados com o microrganismo:

- número de esporos ou células vegetativas


- espécie(s) presente(s)
- condições de crescimento
- fase do desenvolvimento

b) Fatores relacionados com o ambiente:

- pH
- composição do alimento
- presença de substâncias inibidoras

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c) Fatores relacionados com o tipo de calor:

- calor seco
- calor úmido

O valor Z é o aumento da temperatura, em graus centígrados, necessário para reduzir em 1 ciclo


logarítmico a curva de destruição térmica.

O calor é utilizado em vários métodos de conservação e preparo dos alimentos, tais como: cocção,
pasteurização, esterilização, secagem e concentração. Nesses métodos, ocorre a eliminação total
ou parcial dos microrganismos, de acordo com o grau de aquecimento (tratamento térmico)
dado ao alimento.

Cocção (Cozimento)
A cocção é um processo de uso de temperaturas altas largamente utilizado, em especial para o
preparo final do produto, antes do consumo. São várias as formas de cocção usadas: fervura,
fritura, assamento etc.

A aplicação do calor também é diferenciada: cozimento em atmosfera normal ou sob pressão e


fritura, pelo uso de uma fonte de calor direta no recipiente; forno convencional, com propagação
do calor no ambiente fechado; forno de microondas, cuja fonte de calor é diferente, pois é por
aplicação de ondas de alto poder de penetração no produto; e outros, em geral com princípios
similares aos acima assinalados.

A ação esperada sobre os microrganismos presentes é também diferenciada, pois a presença de


líquidos (fervura, fritura) potencializa e dissemina melhor o calor do que os ambientes com
menor quantidade de líquido. Quando sob pressão, as temperaturas que são alcançadas são
maiores do que as em atmosfera normal. A cocção de produtos com maior quantidade de água
promove melhor disseminação do calor; já nos alimentos com quantidade menores de água (como
farofa) a disseminação é bastante limitada. O uso do forno convencional é um dos processos
mais demorados, pois o calor atinge primeiro a superfície do produto e é então disseminado
vagarosamente nas partes mais internas, até atingir o ponto mais frio (muitas vezes, o recheio
usado para um peru ou outra ave ainda está frio no final do tempo de assamento da carne).

É interessante observar que a superfície do produto apresenta uma quantidade de bactérias


maior do que a parte interna, exceção dos recheios, que podem apresentar uma carga significativa
de microrganismos. O uso de tampas, papel alumínio e similares durante a aplicação de calor no
forno convencional pode potencializar a ação e penetração do calor no produto.

O emprego do microondas tem características próprias: os de prato giratório permitem aplicação


dos raios em pontos diferentes de um produto sólido, o que facilita a disseminação do calor nos
pontos mais internos. A temperatura da superfície do produto pode ser menor do que a alcançada
no forno convencional, o que pode significar a não inativação dos contaminantes presentes na

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superfície. Por isso, os fornos conjugados (microondas com tostador) são mais eficientes na
diminuição/destruição dos microrganismos do que os não conjugados.

É importante assinalar que a inativação dos microrganismos pelos processos de cocção são efetivos
na diminuição/eliminação das formas vegetativas de bactérias e fungos e de vírus entéricos,
porém a segurança (inocuidade) dos alimentos depende também dos cuidados na manipulação,
exposição e conservação dos mesmos até o consumo.

Pasteurização
É um tratamento térmico que elimina grande parte dos microrganismos presentes no alimento.
Emprega temperaturas inferiores a 100ºC, sendo utilizado nos seguintes casos:

a) Visando eliminar os microrganismos patogênicos - É o caso do leite pasteurizado. O tratamento


térmico é feito a 72 - 75 ºC por 15 – 20 segundos (HTST-high temperature, short time) ou a 60
- 65ºC por 30 minutos (LTLT- low temperature, long time), visando à eliminação da Coxiella burnetii,
microrganismo patogênico de maior resistência térmica encontrada no leite. Esse tratamento,
quando bem feito, destrói outros patógenos do leite, inclusive os microrganismos indicadores
(como os coliformes fecais) e reduz bastante a contagem dos outros microrganismos não
patogênicos presentes. Alguns microrganismos psicrotróficos podem resistir à pasteurização.

b) Visando eliminar os deteriorantes e patogênicos capazes de se desenvolver no produto - É o


caso dos alimentos ácidos (pH entre 4,0 e 4,5) como os produtos de tomate, cogumelos e palmito,
e dos muito ácidos (pH < 4,0) como os picles e sucos de frutas.

No caso dos alimentos muito ácidos, os microrganismos patogênicos não sobrevivem ou não se
desenvolvem (como o Clostridium botulinum) e os deteriorantes do produto são as leveduras, os
bolores, bactérias láticas e acéticas, facilmente eliminadas pelo calor (faixa de 60-90ºC). Assim,
com esse tratamento, o produto pode ser mantido em temperatura ambiente (caso de vinagre,
picles e conservas ácidas ).

No caso dos alimentos ácidos, os patógenos também não resistem (ou não se desenvolvem como
o Clostridium botulinum), em função da acidez (pH). Os deteriorantes capazes de se multiplicar
são as leveduras, os bolores, as bactérias láticas e acéticas e alguns esporulados, tais como
Bacillus coagulans, e certas espécies de Clostridium. Os esporos desses microrganismos não são
muito resistentes, mas, como podem se desenvolver no produto, precisam ser destruídos. Nesses
casos, são usadas temperaturas de 100o C (banho-maria) no tratamento térmico. O pH, entretanto,
é um fator crítico e deverá ser sempre inferior a 4.5 neste tipo de tratamento, pois acima desse
valor, o esporo de Clostridium botulinum, que não é destruído, pode germinar e provocar doença.

Esse tipo de processamento é feito nos alimentos apertizados (embalados em latas ou vidros),
após ou antes da embalagem, como no processamento asséptico (sucos em embalagem tetra-
brick), onde o produto é pasteurizado e, posteriormente, envasado em embalagem esterilizada e
em ambiente asséptico.

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c) Visando eliminar ao máximo a microbiota presente, para inoculação de uma população
selecionada – É o caso dos leites fermentados (iogurte) em que se dá um tratamento mais forte
(80-85o C por 15-20 minutos) do que o da pasteurização normal: resfria-se e adiciona-se uma
população de bactérias láticas selecionadas, para atuar livre de outros microrganismos,
antagônicos ou não.

A pasteurização é um processo que pode ser conduzido nas cozinhas e outros locais onde se
prepara o alimento para consumo. Por exemplo, para a pasteurização de ovos ou gemas e de
outros produtos líquidos, de maior ou menor viscosidade, a utilização de banho-maria, com
agitação ou mistura constante do produto permite alcançar a temperatura e o tempo necessários
para a segurança do produto final. Apesar do processo poder ser realizado nesse nível de preparação
de refeições, é importante assinalar que o produto, após processamento, torna-se
microbiologicamente mais vulnerável, caso ocorra uma recontaminação por patógenos.

A elaboração de conservas em meio ácido é processo conduzido também pelos responsáveis por
refeições. Entretanto, o processo não é conduzido como anteriormente descrito. Uma forma de
controle que tem se mostrado efetiva é considerar a conserva artesanal ou caseira, uma
semiconserva, o que significa que deverá ser mantida sob refrigeração.

Esterilização
A esterilização tem por finalidade a destruição total dos microrganismos presentes. Como isso
implica a eliminação dos esporos bacterianos, são necessárias temperaturas elevadas, acima de
100 o C, o que se consegue com uso das autoclaves, que trabalham com o calor sob pressão.

Viu-se anteriormente, no caso dos alimentos ácidos e muito ácidos, que temperaturas até 100o C
são suficientes para que os alimentos apertizados mantenham-se estáveis à temperatura ambiente.
Para os produtos pouco ácidos (ervilhas, salsichas, almôndegas, sardinhas e outros produtos
enlatados), que têm pH acima de 4,5, há necessidade de destruir os esporos de Clostridium
botulinum, patogênico de maior resistência térmica. Assim, temperaturas entre 115-120o C, devem
ser usadas, por tempo suficiente.

Para calcular o tratamento necessário para esterilizar um produto é preciso conhecer a resistência
do microrganismo alvo, através do seu valor D e Z e determinar a curva de penetração de calor do
produto. Tendo-se esses dados, é possível calcular o valor de F0 (tempo correspondente a 121,1oC
do processo térmico).

Quando se aumenta a temperatura do processo em “1 valor Z”, o tempo do processo pode ser
diminuído 1 ciclo logarítmico ou 10 vezes, ou seja, caso estejamos processando um produto a
118 o C/15 minutos e o Z do microrganismo alvo for 8o C, se aumentarmos a temperatura para
126 o C, o tempo equivalente do processo será de apenas 1,5 minutos.

Aqui é importante o conceito do chamado ponto frio do recipiente ou do alimento, que é a zona de
aquecimento mais lento, sendo, portanto, mais difícil de ser esterilizada. Nos produtos aquecidos

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ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS SEGMENTO MESA

por convecção, esse ponto está próximo ao fundo do recipiente, no eixo vertical. Já nos alimentos
aquecidos por condução, está no eixo geométrico do recipiente, sobre o eixo vertical (Figura 10).

FIGURA 10 Aquecimento do produto em uma lata e o ponto frio.

P
V 1

P
2

P – PONTO FRIO EM PRODUTOS AQUECIDOS


1
POR CONVECÇÃO
P – PONTO FRIO EM PRODUTOS AQUECIDOS
2
PÔR CONDUÇÃO

Os processos de cocção final do produto alimentício não alcançam os níveis de inativação de


microrganismos comparável com os níveis obtidos pela esterilização comercial, mesmo quando
são conduzidos sob pressão. É importante ressaltar que os produtos estéreis são passíveis de
contaminação e de multiplicação de microrganismos após a abertura ou quebra da hermeticidade
da embalagem e conseqüente exposição do produto às diversas fontes de contaminação.

Secagem
Por meio da secagem ocorre a eliminação da água pelo calor, que pode ser conduzido através do
ar quente (secadores adiabáticos) ou de superfície sólida. No primeiro caso, são empregados:

a) secadores de cabina e secadores de túnel (trabalham entre 45-85o C), muito usados para
produção de massas alimentícias, desidratação de vegetais e de carnes;

b) atomizadores (spray-dryer), que trabalham com ar aquecido entre 180-230o C, empregados na


produção do leite em pó e do café em pó;

c) fornos secadores, usados para farinhas; e outros tipos de equipamentos mais sofisticados
(puff-dryer e foam mat dryer).

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No segundo caso, são empregados secadores de tambor (drum-dryer) e outros desidratadores
que empregam vácuo. Esses equipamentos são muito utilizados para a produção de leite em pó
industrial, por exemplo.

Deve-se ter muito cuidado com o local de estocagem dos produtos desidratados, bem como com
a embalagem, pois esses produtos absorvem água com facilidade. Como a Aa é o fator que os
mantém estáveis, a absorção de umidade do ambiente poderá provocar o desenvolvimento de
bolores.

A liofilização é um processo de desidratação que, inicialmente, congela o alimento e, posteriormente,


utiliza temperaturas de 40-50o C e forte vácuo para eliminar a água por sublimação.

Concentração
A concentração é um processo que remove somente parte da água (30 a 60%) dos alimentos,
diminuindo, portanto, a Aa do mesmo. É usada para produção de sucos concentrados, doces em
massa, produtos de tomate (molhos, catchup), geléias e outros.

A evaporação é o processo mais utilizado para a concentração. Para isso, são utilizados
evaporadores, que podem ou não trabalhar sob vácuo. A destruição dos microrganismos durante
o processo depende da temperatura. Nos evaporadores a vácuo, nos quais se pode utilizar
temperaturas baixas (50-60o C), bactérias termófilas poderão, inclusive, se multiplicar. Já a 100o C,
os esporos não são destruídos, ocorrendo somente a destruição de células vegetativas.

Como a quantidade de água disponível nesses tipos de alimentos ainda permite o desenvolvimento
de microrganismos (especialmente leveduras osmofílicas), são necessários métodos
complementares para sua conservação. Assim, os sucos concentrados são congelados ou
adicionados de conservadores; os doces em massa podem sofrer envasamento a quente (tratamento
térmico).

A concentração é possível de ser conduzida nos processos de cocção usados em cozinhas, por
exposição prolongada do produto às fontes de calor, comumente usadas para o preparo de
refeições. São exemplos de pratos prontos obtidos por esse processo os doces em pasta (goiabada
e similares).

Uso do frio na conservação e preparo de alimentos


O frio é bastante utilizado na conservação dos alimentos perecíveis, tanto os de origem animal
como os de origem vegetal. Basicamente, o frio conserva os alimentos porque retarda ou inibe a
multiplicação microbiana. Isso ocorre porque o metabolismo microbiano é efetuado através de
reações enzimáticas, as quais são influenciadas, em suas velocidades, pela temperatura. O
coeficiente Q10 é utilizado para explicar esse fato.

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Q10 = Veloc. (T + 10o C) / Veloc. T, onde :

Q10 = coeficiente de temperatura;

Veloc. = velocidade da reação;

T = temperatura

O Q10 ~ 1,5-2,5 para os sistemas biológicos. Isso significa que a velocidade dobra a cada
aumento de 10o C.

Para a conservação dos alimentos, são empregados a refrigeração e o congelamento.

Refrigeração
Na refrigeração utilizam-se temperaturas superiores às do ponto de congelamento. Pode ser
usada como meio de conservação básica (como no caso das carnes e pescado fresco); como
conservação temporária, até que se aplique outro método (como no leite cru), ou pode ser usada
como método de conservação complementar (como no caso do leite pasteurizado).

A refrigeração não pode ser considerada como forma de eliminação de microrganismos, pois são
poucos os que têm sua viabilidade inibida ou prejudicada, como é o caso do Vibrio parahaemolyticus
e das formas vegetativas do Clostridium perfringens. Na maioria dos microrganismos apenas a
multiplicação ficará inibida (caso dos mesófilos e dos termófilos). Alguns mesófilos, ambientais
e psicrotróficos, entretanto, poderão se multiplicar mais ou menos rapidamente, dependendo da
temperatura utilizada na câmara.

Os produtos reagem de diferentes formas ao armazenamento refrigerado, havendo alguns que


sofrem efeito negativo, como no caso de banana e tomates verdes, os quais não completam o
amadurecimento.

A temperatura utilizada na refrigeração é de máxima importância para a conservação. Deve ser


escolhida de acordo com o tipo de produto e do tempo e condições de armazenamento.

Além da temperatura, outros fatores são importantíssimos no armazenamento por refrigeração.


São eles: umidade relativa, circulação de ar e atmosfera de armazenamento.

a) A umidade relativa pode ter influência sobre o produto que está sendo conservado. Se a
umidade relativa é baixa, pode ocorrer a perda de umidade do alimento (ressecamento), ao
passo que uma umidade relativa alta facilita o crescimento microbiano.

b) A circulação do ar é necessária para que haja uma distribuição uniforme da temperatura dentro
da câmara. Esse ponto é muito importante, pois se a circulação é fraca, a diminuição da temperatura
no interior do alimento pode ser lenta, aumentando o risco de desenvolvimento de patógenos.

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c) A atmosfera de armazenamento é muito usada em câmaras de estocagem de frutas (armazéns),
que empregam uma atmosfera, de um modo geral, composta de 3% de O2 , 5% de CO2 e 92% de N2 .

A refrigeração é utilizada em todos os níveis e etapas da cadeia produtiva e de consumo do


alimento. Matérias-primas de origem animal (pescados, carnes de animais) e vegetal necessitam
do resfriamento ou da refrigeração, como forma mínima para a sua conservação. Várias classes
de produtos industrializados necessitam de utilização da cadeia do frio durante os processos de
distribuição, conservação e comercialização, como leite pasteurizado, queijos moles, embutidos
frescais e outros. Da mesma forma, o uso do frio é indispensável nos locais de preparo de lanches
e refeições, seja para a conservação dos ingredientes e matérias-primas perecíveis, seja para os
produtos já prontos para o consumo.

Congelamento
No congelamento, utilizam-se temperaturas mais baixas do que na refrigeração. Na prática, as
temperaturas usadas situam-se entre -10 a -40°C. No processo de congelamento, ocorre uma
redução da população microbiana. A morte dos microrganismos decorre, principalmente, devido
aos cristais de gelo formados na célula; à desnaturação de enzimas; à perda de gases da célula;
ao abaixamento da Aa e a outros fatores. As bactérias Gram-negativas, especialmente as aeróbias
estritas (como as Pseudomonas), são as que mais reduzem seu número durante o congelamento.
De um modo geral, os alimentos congelam entre 0ºC e -4°C. O congelamento pode ser feito de
modo lento ou rápido. No congelamento lento (3 a 12 horas), há formação de cristais grandes
de gelo no interior da célula e, principalmente, nos espaços intercelulares. Esses cristais irão
afetar fisicamente a célula, podendo causar reações indesejáveis. No congelamento rápido (1 a 3
minutos), tem-se um abaixamento brusco da temperatura, havendo assim formação de pequenos
cristais de gelo, principalmente no interior da célula.

Os métodos disponíveis para congelamento são:

a) congelamento por ar, que pode ser o ar sem movimento (geladeira, freezer) ou ar insuflado
(túneis de congelamento);

b) congelamento por contato indireto, feito através de placas resfriadas por uma substância
refrigerante;

c) congelamento por imersão, que pode ser feito diretamente no meio refrigerante, ou a
pulverização do líquido sobre o produto. Emprega-se, geralmente, o N2 (-195°C) e o CO2 (-
80°C).

No descongelamento, principalmente no caso do produto ter sido submetido a um congelamento


lento, ocorre perda de líquido do tecido animal, em decorrência do rompimento da membrana
celular do tecido. Com isso, as enzimas hidrolíticas que estavam compartimentadas, passam a
atacar o próprio material celular, havendo uma autodigestão. Isso, além de prejudicar o produto,
facilita a multiplicação microbiana. Vê-se portanto, que o produto que sofreu descongelamento

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deve ser utilizado o mais rápido possível, pois se tornou mais sensível ao ataque dos
microrganismos. O descongelamento deve ser feito de forma lenta, sob baixa temperatura (cita-
se de 4 a 10ºC). Primeiramente porque, dessa forma, o tecido não perde muito líquido (tem
tempo de absorvê-lo durante a operação), melhorando a qualidade do produto. Outro fator não
menos importante é que, sob essa temperatura, os microrganismos, principalmente na superfície
das carnes, terão sua multiplicação limitada (o que não ocorre em temperatura ambiente). O
descongelamento realizado em forno de microondas é mais seguro e adequado para a manutenção
das características do produto.

Da mesma forma, o uso adequado do congelamento é indispensável para a qualidade dos serviços
de refeições e lanches. A possibilidade de congelar pratos semi-elaborados ou semiprontos é
uma forma de manutenção da qualidade, da possibilidade de dispor mais rapidamente do produto
e da garantia da segurança, sempre e quando os parâmetros de higiene e de controle de
contaminantes forem cumpridos.

Conservação pelo uso do sal


O sal provoca a diminuição da atividade de água dos alimentos, aumentando sua conservação. Os
alimentos salgados podem, assim, ser mantidos à temperatura ambiente. É o caso do charque, do
bacalhau e de outros pescados salgados. A salga dos alimentos pode ser feita a seco ou através
de salmoura (salga úmida). Na salga a seco, o sal é aplicado na superfície da carne e tende a
retirar umidade e penetrar até que sua concentração seja praticamente uniforme em todo o
produto (cerca de 4,5%). Na salga em salmoura, se usa a imersão do produto em solução salina,
podendo também auxiliar a penetração através de injeções de sal de cura. Pode-se, também, usar
o sistema misto (salmoura e depois salga seca).

Os microrganismos mais problemáticos para os alimentos salgados são os halofílicos. Dentre


eles, as bactérias dos gêneros Halobacterium e Halococcus são as mais problemáticas por produzirem
o “vermelhão”. Essas bactérias podem estar no sal utilizado no processo.

É importante salientar que, após a retirada do sal (dessalgue), o produto se torna suscetível ao
ataque dos demais microrganismos, pois a atividade aquosa deixou de ser limitante.

Os serviços de refeições estão na etapa final do uso e preparo para consumo de produtos
conservados pelo sal. Assim, os cuidados que devem considerar para a segurança (inocuidade)
do produto final estão relacionados com o processo da dessalgue. É importante considerar a
possibilidade de multiplicação de bactérias patogênicas presentes, em especial as que podem
produzir toxinas termoestáveis, como é o caso do S. aureus.

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ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS


Conservação pelo uso do açúcar
O uso do açúcar na produção de alimentos funciona como um bom agente para sua conservação.
Isso porque aumenta a pressão osmótica, diminuindo a Aa, criando, assim, um ambiente
desfavorável para a multiplicação das bactérias e da maioria dos bolores e leveduras. Entretanto,
alguns tipos de microrganismos conseguem se desenvolver, especialmente as leveduras osmofílicas
e bolores. São exemplos de produtos conservados pelo uso do açúcar: geléias, doces em massa,
frutas cristalizadas, frutas glaceadas, frutas em conserva, leite condensado, melaço e mel. Em
geral, mas não obrigatoriamente, esses produtos são conservados em recipientes herméticos.
Esse é um processo usado nas unidades que preparam refeições, pois os produtos assinalados
são também de elaboração caseira e artesanal.

Conservação por fermentação


O uso dos microrganismos para produção de alimentos fermentados é feito há milênios. Só não
se sabia que agentes vivos eram os responsáveis pelas transformações que ocorriam durante os
processos de elaboração de vinhos, de leites fermentados, de pão e outros. A palavra fermentação
(fermentare = ferver) originou-se pela liberação de gás durante a fermentação de uvas no preparo
de vinhos, que se assemelhava a uma fervura. Posteriormente, Gay-Lussac estudou o problema,
dando-se então a conotação de transformação de açúcar em etanol e gás carbônico. Mais tarde,
Pasteur associou a presença de microrganismos aos processos fermentativos.

Na presença de oxigênio, os microrganismos oxidam os compostos orgânicos (carboidratos,


principalmente), transformando-os em CO2 e água. Com isso, obtém o máximo de energia do
composto metabolizado. Entretanto, quando estão na ausência do oxigênio (anaerobiose),
fermentam o composto, dando origem a alcoóis, ácidos e gases, como produtos finais.

Atualmente, o termo fermentação é utilizado em um sentido mais amplo (não apenas relacionado
ao metabolismo anaeróbio), para indicar qualquer processo em que microrganismos (ou suas
enzimas) transformam um composto em outro(s). No caso das indústrias de fermentação, os
compostos produzidos têm interesse econômico.

O uso da fermentação para a conservação dos alimentos baseia-se na modificação das características
da matéria-prima, por ação de microrganismo(s), dando origem a um produto mais estável em
decorrência de compostos produzidos durante a fermentação (ácido lático, ácido acético ou
etanol). Os ácidos, além de atuarem provocando a morte de microrganismos, abaixam o pH . Com
isso, a maioria dos microrganismos não pode se desenvolver, inclusive os patogênicos. Além
desta maior conservabilidade, os produtos fermentados têm maior digestibilidade.

Os bolores também podem participar na elaboração de uma série de produtos fermentados,


especialmente alimentos orientais, certos queijos e salames. Os produtos fermentados são muito
variados, ocorrendo problemas microbiológicos específicos de cada um, que serão tratados

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posteriormente. Entretanto, os produtos elaborados que apresentam baixo pH (iogurte, picles,


salames e vinagres), ou alta concentração de etanol (vinhos) estão mais protegidos de
deteriorações do que os demais. As próprias bactérias láticas, os bolores e as leveduras constituem
as principais barreiras.

A utilização da fermentação teve início com as atividades comuns em cozinhas de famílias e


comunidades: produção de pães, bolos, determinados tipos de queijos fermentados, entre outros.
Atualmente ainda é comum o preparo de leite fermentado no Brasil, porém sem os cuidados que
são necessários, pois o leite não recebe tratamento térmico previamente e a fermentação ocorre
pela ação de microrganismos que o contaminam naturalmente, e não por aqueles selecionados
para esse fim. Esses hábitos devem ser avaliados, considerando as implicações possíveis de
presença de patógenos, para fins de controle de etapas de processo. A elaboração de queijos
frescais com o uso de coalho, porém sem acidificação ou adição de fermentos láticos, também
merecem melhor avaliação microbiológica e de segurança (inocuidade).

Conservação pelo uso de aditivos


A adição de produtos químicos aos alimentos já era praticada pelo homem pré-histórico, através
da defumação, salga e fermentações. Atualmente, com o avanço da indústria química, há uma
grande disponibilidade de substâncias aprovadas para serem utilizadas nos alimentos com diversas
finalidades, tais como: melhorar a sua coloração, textura ou aroma, bem como conservá-los por
maior tempo.

Para a unificação mundial do uso de aditivos, foi criada em 1962, sob os auspícios da FAO/OMS,
o Comitê de Aditivos do “Codex Alimentarius Comission”. Dentre as 11 classes de aditivos
consideradas pela legislação brasileira, estão incluídos os conservadores, que atuam sobre os
microrganismos, aumentando a vida útil dos alimentos. Os conservadores permitidos pela legislação
estão relacionados na Tabela 8

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TABELA 8: Conservadores permitidos pela legislação brasileira
Número de INS CONSERVANTE
200 Ácido sórbico
201 Sorbato de sódio
202 Sorbato de potássio
203 Sorbato de cálcio
209 Heptilpara-hidroxibenzoato
210 Ácido benzóico
211 Benzoato de sódio
212 Benzoato de potássio
213 Benzoato de cálcio
214 Etil para-hidroxibenzoato, Etilparabeno
215 Sódio etil para-hidroxibenzoato, sódio etilparabeno
216 Propil para-hidroxibenzoato, propilparabeno
217 Propil para-hidroxibenzoato de sódio, Na propilparabeno
219 Metil para-hidroxibenzoato de sódio, Na metilparabeno
220 Dióxido de enxofre, anidrido sulfuroso Antioxidante
221 Sulfito de sódio Antioxidante
222 Bissulfito de sódio, sulfito ácido de sódio Antioxidante
223 Metabissulfito de sódio Antioxidante
224 Metabissulfito de potássio Antioxidante
225 Sulfito de potássio Antioxidante
226 Sulfito de cálcio Antioxidante
227 Bissulfito de cálcio, Sulfito ácido de cálcio
228 Bissulfito de potássio Antioxidante
230 Difenilo, Fenilbenzeno
232 Sódio O-fenilfenol
234 Nisina
235 Pimaricina, Natamicina
236 Ácido fórmico
239 Hexametilentetramina
249 Nitrito de potássio Estabilizante de cor
250 Nitrito de sódio Estabilizante de cor
251 Nitrito de sódio Estabilizante de cor
252 Nitrito de potássio Estabilizante de cor
260 Ácido acético
263 Acetato de cálcio Estabilizante / reg. acidez
280 Ácido propiônico
281 Propionato de sódio
282 Propionato de cálcio
283 Propionato de potássio
290 Dióxido de carbono
316 Eritorbato de sódio Antioxidante
384 Isopropil citrato Antioxidante / sequestrante
384i Isopropil-(mono) citrato Antioxidante / sequestrante
385 Sódio(di)EDTA cálcio, Sódio(di)etilendiamina tetraacetato Antioxidante / sequestrante

Fonte: ABIA - Revisão do Primeiro Compendio MERCOSUL - Alimentos e Bebidas - MERCOSUL/GMC/RES 86/96

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a) Ácido benzóico e seus sais – ocorrem naturalmente em certos alimentos (ameixa, amora),
sendo a sua ação conservadora provocada pelas moléculas não-dissociadas. Sua ação sobre os
microrganismos se dá, segundo alguns pesquisadores, pela destruição das membranas celulares;
outros pesquisadores acham que competem com coenzimas das células ou interferem no
metabolismo energético a nível de acetato. O sal, benzoato de sódio, é mais utilizado devido à
sua solubilidade. É empregado na conservação de concentrados de frutas para refrigerantes
(0,1%), conservas vegetais (0,1%), margarinas (0,1%), sucos de frutas (0,1%) e refrigerantes
(0,035%).

b) Ácido bórico – só tem aplicação na conservação do coalho (0,5%).

c) Ésteres do ácido para-hidroxibenzóico – têm ação semelhante ao ácido benzóico e podem


ser usados em conservas vegetais (até 0,1%).

d) Ácido sórbico - os sais do ácido sórbico são muito utilizados para controlar o crescimento dos
fungos (fungistáticos). Além de atuarem sobre os bolores e as leveduras, controlam o crescimento
das bactérias catalase positivas. Atuam sobre desidrogenases, enzimas responsáveis pelo
metabolismo de carboidratos e lipídios. São usados em doces em massa, queijos (revestimento)
em concentrações de até 0,1%.

e) Dióxido de enxofre e derivados – podem ser aplicados sob a forma de gás (SO2 ) ou sais, tais
como sulfitos e metabissulfitos. Atuam reduzindo ligações S-S de certas enzimas, inativando-as,
bem como reagem com aldeídos no metabolismo de carboidratos, bloqueando-os. São utilizados
na indústria de sucos de uva, vinhos e vinagres para inibir o desenvolvimento microbiano,
especialmente de leveduras e bactérias acéticas. Também são utilizados para conservar sucos de
frutas, geralmente associado ao benzoato.

f) Nitratos – trabalhos científicos comprovam que o nitrato não tem ação inibitória contra
bactérias; sua ação é manifestada apenas após a redução para nitrito, por microrganismos presentes
no produto. Como o cozimento ou a pasteurização eliminam as bactérias redutoras de nitrato a
nitrito, é desnecessário seu uso em produtos cárneos cozidos.

g) Nitritos – têm ação antibotulínica, inibindo a multiplicação de células vegetativas e previnindo


a germinação de esporos de Clostridium botulinum. A atividade antimicrobiana depende da
concentração de nitrito, nível inicial de contaminação microbiológica e interação com sal, pH, Aa
e Eh. O nitrito age pela combinação com as enzimas respiratórias das bactérias anaeróbicas,
inativando-as. Utilizado principalmente para produtos cárneos, em nível máximo de 150 ppm
(0,015%).

h) Propionatos – este ácido e seus sais são efetivos no controle de bolores, por isso são muito
empregados em panificação para inibir estes microrganismos, bem como, associados com acetatos,
inibir bactérias responsáveis pelo rope do pão (Bacillus subtilis). São empregados em produtos
de confeitaria (0,20%), farinhas (0,20%), chocolates (0,20%) e queijos (0,20%).

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i) Nisina – é uma bacteriocina empregada em produtos cárnicos e determinados tipos de queijos
com o objetivo de controlar o desenvolvimento de Clostridium botulinum.

O uso de aditivos químicos tóxicos não deve ser realizado em nível de preparo de lanches e
refeições. Os “aditivos” devem se restringir ao uso de ácidos (acético, por adição de vinagre;
cítrico, por adição de suco de limão) e de determinados condimentos que possam liberar óleos
essenciais. Os corantes usados não têm atividade bactericida, porém é importante assinalar que
alguns apresentam potencial carcinogênico.

Conservação por irradiação


As radiações na faixa do ultravioleta (200-280 nm) são empregadas para inativar microrganismos
da parte superficial dos alimentos, de embalagens ou mesmo de superfícies que entram em
contato com alimentos. Também são empregadas para a purificação do ar.

Os raios gama, obtidos através do cobalto-60 e do césio-137, são empregados e a quantidade


de radiação utilizada dependerá do alimento e do objetivo a ser alcançado. O uso de irradiações
gama na conservação de alimentos começou a ser pesquisado na década de 50, sendo que
apenas em 1963 a FDA permitiu o seu uso em bacon. Em 1964, começou a ser usada para
impedir a germinação de batatinhas. Hoje as radiações ionizantes são utilizadas para quatro
objetivos principais: esterilização, pasteurização, desinfestação e inibição de germinação. As
radiações gama, ionizantes, quando passam pelo alimento, provocam a formação de radicais
livres e de íons. A combinação desses, entre si e com outras moléculas, causa alterações nas
estruturas dos microrganismos, enzimas e constituintes dos alimentos. O peróxido de hidrogênio,
formado durante a irradiação, é um forte agente oxidante e atua contra os microrganismos.
As substâncias nutritivas dos alimentos são também afetadas, em maior ou menor intensidade,
dependendo da dosagem de radiação. As proteínas são desnaturadas, as vitaminas são em
parte inativadas e há um aumento do ranço devido ao ataque aos lipídios.

Atualmente, após uma grande campanha de conscientização a respeito das vantagens e


benefícios do uso das radiações (na conservação e na eliminação de patogênicos dos alimentos),
bem como da inocuidade para homem na sua utilização, esse método começa a ser mais usado
(além do seu uso já consagrado em batatinhas) para alguns alimentos, especialmente frutas.

O uso de processo de irradiação ionizante por serviços de alimentação de coletividades é pouco


explorado. Quando é usado, está relacionado com a aplicação de UV em reservatórios de água
e, mais raramente ainda, para desinfecção de superfícies de trabalho. Para esses usos, entretanto,
é importante o controle do tempo de vida das lâmpadas e a avaliação do comprimento de
ondas emitidas pelas mesmas, que deve ser compatível com a ação esperada. É importante
também as condições em que são empregadas: não sendo capaz de atravessar mesmo superfícies
de vidro, é importante que a superfície esteja totalmente exposta, sem nenhuma sombra.

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Quando se trata de água, ou as lâmpadas estão imersas ou a água deve passar pela radiação UV
em camadas finas (3-5mm), uma vez que a massa de água é uma barreira para a penetração da
onda de luz.

Quanto à irradiação gama ( 60 Co ou 137


Ce), é importante observar que o produto não se torna
radioativo. Ainda, dependendo da quantidade e do tempo de irradiação, o processo industrial
usado pode ter efeito equivalente à pasteurização ou à esterilidade comercial. A rotulagem do
produto deve indicar a melhor forma de conservação, se pelo frio ou se pode ser mantido em
temperatura ambiente. Esse tipo de irradiação é usada para prolongar a vida de vegetais e
impedir o brotamento de batata e outros tubérculos e raízes. Seu uso é regulamentado pelos
Ministérios da Agricultura e da Saúde do Brasil.

Defumação
As carnes defumadas são consumidas há milênios e, ainda hoje, a defumação é empregada como
processo de conservação para conferir sabor e aroma característicos a certos produtos. A fumaça
age como conservador por conter substâncias voláteis tóxicas aos microrganismos, como por
exemplo: ácidos, fenóis, compostos carbonilados, alcoóis, hidrocarbonetos e, especialmente, o
aldeído fórmico. O aquecimento, por sua vez, provoca a evaporação da água e o cozimento do
alimento, diminuindo a Aa do produto, principalmente na parte superficial. A defumação associada
à redução dos microrganismos devido ao calor garante a conservação do produto. O grande risco
nos produtos defumados são os esporulados, especialmente Clostridium botulinum, por falhas
ou processamento inadequado.

O tempo de permanência no fumeiro, bem como a temperatura máxima a ser atingida, depende
do produto. Assim, lingüiças ficam por 3 a 4 horas, mortadelas de 9-13 horas e o presunto tender
até 13 horas.

A defumação é um processo que deve ser conduzido em nível industrial. São raros os produtos
que são elaborados por esse processo em nível de preparo de refeições para coletividades.
Entretanto, o processo pode ser explorado artesanalmente, em especial no que se refere a pescados
defumados. Nesse sentido, é importante que os serviços de alimentação conheçam o processo e
estabeleçam condições de conservação adequadas para o produto final. De preferência, o
congelamento deve ser utilizado para conservar pescados defumados artesanalmente,
considerando as características do Clostridium botulinum tipo E (freqüente no ambiente marinho,
capaz de se multiplicar em temperaturas de 3,30 C, com produção de toxina).

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SEGMENTO MESA 81

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D ETERIORAÇÃO MICROBIANA DE ALIMENTOS

Pode ocorrer por diversos fatores, tais como:

Deterioração por bactérias

Utilização de carboidratos
Praticamente todos os carboidratos podem ser metabolizados como substrato para o
desenvolvimento microbiano. A maioria das bactérias é capaz de metabolizar diretamente mono
e dissacarídeos por um processo oxidativo ou fermentativo. Entretanto, polissacarídeos não
penetram através da membrana celular e devem ser previamente hidrolisados. É o caso de vegetais
que têm a pectina em sua composição, conferindo rigidez. Muitas bactérias apresentam atividade
pectinolítica, causando a hidrólise da molécula de pectina com o conseqüente amolecimento e
liquefação dos tecidos (deterioração denominada “podridão mole”). Dentre essas bactérias,
destacam-se os gêneros: Clostridium, Aeromonas, Enterobacter, Erwinia e Pseudomonas.

A metabolização dos carboidratos por um processo fermentativo dá origem a uma série de produtos
que dependem dos diversos gêneros e espécies de bactérias contaminantes. Assim, quando se
observa no leite um sabor e odor ácidos, é provável a ocorrência de fermentação butírica e lática,
pelos gêneros: Clostridium, Lactococcus, Pediococcus, Lactobacillus, Streptococcus e Leuconostoc.
Esse último gênero, juntamente com algumas espécies de lactobacilos são capazes de produzir
diacetil, que possui aroma bastante pronunciado de manteiga, sendo sua presença inaceitável
em alguns alimentos, particularmente sucos cítricos e cervejas.

Utilização de proteínas e substâncias nitrogenadas não-protéicas


Os microrganismos só conseguem metabolizar as moléculas menores de proteínas, os peptídeos,
e não a proteína intacta, uma vez que esta não consegue penetrar através da membrana celular;
no entanto, compostos com baixo peso molecular, como dipeptídeos e aminoácidos, podem
penetrar e serem metabolizados pela maioria dos microrganismos. Algumas bactérias dispõem
de mecanismo de liberação de enzimas no meio ambiente capaz de quebrar moléculas de nutrientes
que, pelas dimensões, não são aproveitáveis pela célula. Essas enzimas são dispersas no ambiente.

A ruptura da molécula de proteína causa, como alteração principal, modificações na textura do


tecido, com conseqüente amolecimento e mudança no aroma. Por outro lado, a metabolização de
aminoácidos e substâncias nitrogenadas não-protéicas constituem a principal causa de alterações
de alimentos protéicos. Os produtos resultantes irão depender de alguns fatores: tipo de
microrganismo deteriorante, natureza do aminoácido, temperatura, disponibilidade de oxigênio
e tipos de inibidores presentes.

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As bactérias que demonstram intensa atividade proteolítica são: Bacillus, Clostridium, Proteus,
Aeromonas e Pseudomonas. Esse último gênero produz várias alterações em alimentos de origem
animal: modificações no aroma de pescados caracterizado por odor pronunciado de frutas, devido
à metabolização de aminoácidos como glicina, leucina e serina.

Ao contrário do que ocorre na deterioração de carboidratos, que envolve queda do pH devido à


produção de ácidos, na deterioração protéica observa-se uma elevação de pH. Variações nas
medidas de pH podem auxiliar na constatação dessas deteriorações.

Utilização de lipídios
Os óleos puros e as gorduras não são atacados por microrganismos, pois, como já foi visto, eles
não se multiplicam na ausência de água. No entanto, em alimentos gordurosos, que apresentam
uma fase aquosa associada à gordura, o crescimento microbiano pode ocorrer. É o que acontece
com alimentos como creme de leite, margarinas e manteigas.

O processo de deterioração das gorduras denomina-se rancificação. Existem dois tipos de


rancificação: a hidrolítica, geralmente de origem enzimática, podendo ser causada por
microrganismos; e a oxidativa, que não depende da ação de microrganismos.

Os processos de hidrólise e oxidação das gorduras acarretam modificações, principalmente no


aroma dos alimentos. Bactérias produtoras de lipases (enzimas que catalisam a degradação das
gorduras) pertencem aos gêneros: Acinetobacter, Aeromonas, Pseudomonas, Alcaligenes,
Enterobacter, Flavobacterium, Micrococcus, Bacillus e Staphylococcus, entre outras. Muitas dessas
bactérias são psicrotróficas e estão associadas à deterioração de alimentos refrigerados.

Alguns testes químicos são utilizados para medir a intensidade de rancificação oxidativa de
alimentos gordurosos. O índice de peróxidos e o teste do ácido tiobarbitúrico (TBA) constituem
bons indicadores.

Outros tipos de deteriorações


Além da metabolização de lipídios, proteínas e carboidratos, o desenvolvimento microbiano
pode causar também modificações na viscosidade e alterações na cor dos alimentos.

a) Alterações na viscosidade dos alimentos - Ocorrem, normalmente, devido à síntese de


polissacarídeos a partir de dissacarídeos. Essas substâncias originam a formação de um limo
superficial nos alimentos, ou então alteram a viscosidade de alimentos líquidos e também seu
sabor. No leite, por exemplo, o crescimento de Enterobacter aerogenes e Alcaligenes causa um
aumento na viscosidade. Leuconostoc mesenteroides, Bacillus subtilis e E.coli alteram a viscosidade
do leite e de sucos concentrados. Cepas de Lactobacillus plantarum afetam, principalmente, bebidas
(cervejas) e produtos de origem vegetal como chucrutes e outros. As Pseudomonas alteram a
superfície de alimentos, provocando limosidade em carnes frescas e refrigeradas.

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SEGMENTO MESA 83

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b) Alterações na coloração do alimento - Podem ser provocadas por diversos gêneros bacterianos
produtores de pigmentos. Dentre as bactérias produtoras de pigmentos destacam-se os gêneros
Halococcus e Halobacterium, halófilos comumente envolvidos na deterioração de produtos cárneos
e de pescados, salgados e desidratados, que produzem um pigmento – a bactorubeína – que
confere à superfície do alimento coloração rósea a vermelha.

Pseudomonas estão associadas à produção de pigmentos fluorescentes e não-fluorescentes. Em


produtos cárneos refrigerados, é comum a formação de um pigmento de coloração verde
(pioverdina). Cabe acrescentar que se deve diferenciar a coloração esverdeada produzida por
Pseudomonas da que é produzida por bactérias dos gêneros Lactobacillus e Leuconostoc, observada
em alguns produtos cárneos curados, embalados a vácuo. Esse tipo de alteração se deve à oxidação
do pigmento vermelho da carne curada, que se transforma em porfirina pela ação do peróxido de
hidrogênio, metabólito produzido por esses microrganismos.

Alterações devido ao desenvolvimento de bolores e leveduras


Os fungos, compreendendo tanto os bolores como as leveduras, apresentam maior tempo de
geração do que as bactérias; sendo assim, só serão agentes deteriorantes principais quando o
alimento oferecer condições seletivas de multiplicação: pH ácido, atividade de água inferior a
0,94, temperatura entre 25ºC e 28ºC e substrato rico em carboidratos, particularmente açúcares
simples.

Várias espécies de leveduras aparecem deteriorando sucos naturais de frutas, sucos concentrados,
maionese, chucrute, picles, leite condensado, geléias, polpas concentradas, recheios de produtos
de confeitarias, xaropes e produtos desidratados. A ocorrência de espécies patogênicas de
leveduras em alimentos é praticamente desconhecida.

Utilização de proteínas e lipídios


A ação de leveduras sobre proteínas e outras substâncias nitrogenadas é praticamente nula, com
exceção de alguns gêneros de Candida e Torulopsis, que são capazes de atuar sobre lipídios.

Utilização de carboidratos
A utilização de carboidratos pelas leveduras pode ser oxidativa ou fermentativa. As leveduras
oxidativas (film yeasts) são de maior importância, uma vez que crescem na superfície de alimentos
ácidos, como picles e sucos envasados em vidros. Ao utilizarem ácidos orgânicos e alcoóis, elevam
o pH do produto. Com a elevação do pH, pode ocorrer o desenvolvimento de microrganismos
pouco resistentes a ácidos, como é o caso de Clostridium botulinum em picles e outros alimentos
ácidos. As leveduras envolvidas nesse tipo de deterioração são: Pichia, Hansenula, Debaromyces,
Candida e Trichosporon.

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Zigosaccharomyces bailii cresce em meio que contenha até 70% de glicose, além de tolerar
concentrações moderadas de etanol, 10% de cloreto de sódio e apresentar resistência a alguns
conservantes, como benzoato e sorbato de sódio.

Ao contrário das leveduras, a imensa maioria dos gêneros de bolores é aeróbia estrita,
necessitando, portanto, de oxigênio atmosférico para evidenciar crescimento. Uma exceção à
natureza aeróbia estrita dos bolores é o gênero Byssoclamys, particularmente as espécies
Byssoclamys fulva e Byssoclamys nivea, que são importantes agentes de deterioração em alimentos
envasados que apresentam vácuo pronunciado, causando intensa deterioração de vegetais, em
função da atividade pectinolítica. Além disso, a resistência térmica acentuada dessas espécies
contrasta com a maioria das outras espécies de bolores.

Os bolores tornam inaceitável o alimento para consumo quando seu crescimento, representado
pelo micélio, é visível. O micélio é uma massa de hifas que pode apresentar diferentes aspectos e
cores: seco, úmido, gelatinoso, compacto ou não, com aparência algodonosa; pode ser incolor
ou colorido com tonalidades de vermelho, amarelo, castanho, verde, cinza ou preto.

Outro grupo de bolores importantes são os bolores de armazenamento, que provocam deterioração
em grãos e cereais armazenados. Os gêneros envolvidos nesse tipo de deterioração são: Aspergillus
flavus, Aspergillus glaucus, Aspergillus candidus e Penicillium sp. Algumas espécies produzem
micotoxinas, tornando importante o controle da proliferação desses microrganismos em alimentos.

Alguns bolores são psicrotróficos, provocando a deterioração de alimentos refrigerados. São


eles: Penicillium, Cladosporium, Tricothecium e Aspergillus. Os alimentos salgados e parcialmente
desidratados podem ser deteriorados por espécies halofílicas de bolores, como é o caso da
alteração denominada dun em bacalhau salgado, provocada por Sporendonema expizoun. Essa
alteração é caracterizada por pequenos tufos ou pontos de cor preta ou castanho na superfície
do alimento.

A simples presença de micélios, fragmentos de hifas e outras estruturas fúngicas em alimentos


industrializados, bem como contagens acima dos padrões estabelecidos indicam má qualidade
da matéria-prima ou falhas higiênicas ao longo do processo.

Deterioração de alimentos enlatados


Um alimento enlatado está comercialmente estéril quando não apresenta microrganismos capazes
de deteriorar o produto. Sendo assim, por esterilidade comercial, não se subentende esterilidade
absoluta, uma vez que células viáveis podem ser recuperadas de alimentos comercialmente
estéreis. Um alimento enlatado pode sofrer alterações por causas variadas:

a) problemas de natureza microbiológica, que envolvem subprocessamento térmico, resfriamento


inadequado das latas após a esterilização comercial, recontaminação dos alimentos por vazamento
das latas e deterioração pré-processamento térmico;

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b) problemas químicos, particularmente a corrosão interna de latas, com liberação de hidrogênio
e conseqüente estufamento das mesmas;

c) problemas físicos, destacando-se o enchimento excessivo das latas, com ausência ou


inadequação do espaço livre, exaustão deficiente, operação incorreta da autoclave causando
vácuo excessivo nas latas, com conseqüente contração do corpo da lata (abaulamento convexo).

Os gêneros de microrganismos envolvidos na deterioração de enlatados dependerão,


principalmente, do pH dos alimentos. Porém, é importante ressaltar que alimentos enlatados
oferecem riscos potenciais de proliferação de bactérias patogênicas, inclusive Clostridium
botulinum, razão pela qual medidas extremas de segurança devem ser adotadas em seu
processamento.

Outros microrganismos termofílicos podem deteriorar alimentos enlatados. São eles: Bacillus
stearothermophillus, causador da deterioração tipo flat-sour (produção de ácidos a partir de
açúcares, sem formação de gás) em alimentos pouco ácidos. Esse microrganismo é anaeróbio e
pode se desenvolver em temperatura de até 70°C. O Bacillus coagulans é menos resistente à
temperatura, porém tolera mais a presença de ácidos do que o Bacillus stearothermophillus. É,
normalmente, o agente deteriorador de tomates enlatados.

Clostridium thermosaccharolyticum fermenta açúcares com produção de ácidos e de grandes


quantidades de gases, causando o estufamento da lata. Seus esporos são termorresistentes.

Desulfotomaculum nigrificans não atuam sobre açúcares, podendo produzir H2 S, a partir de


aminoácidos sulfurados como cisteína e cistina. O H2 S pode se combinar com o ferro, resultando
na formação de sulfetos. Em conseqüência, tanto o alimento como a superfície interna da lata
adquirem coloração escura.

M ICROBIOLOGIA DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS

Microbiologia de produtos cárneos


Nesse item, trataremos das carnes in natura, dos produtos cárneos curados cozidos e dos produtos
cárneos industrializados.

Carnes in natura
Microbiota inicial – a quantidade e tipo de microrganismos que se desenvolverá na carne
dependerá das condições do animal antes do abate, tais como transporte, condições de estresse
etc. Em se tratando de animal sadio, poucos microrganismos são encontrados, com exceção da

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superfície externa, dos tratos digestivos e respiratórios. Assim, o nível de contaminação geralmente
é menor na superfície interna do que na externa. Essa microbiota pode apresentar diferenças
relacionadas com a espécie, ou seja, a dos bovinos apresenta características ligeiramente diferentes
da dos suínos e dos caprinos.

As medidas preventivas (de controle) para a obtenção de uma carne de boa qualidade incluem o
uso de rações e água de dessedentação isentas de microrganismos patogênicos, a adoção de um
programa eficiente de assistência veterinária aos rebanhos e transporte adequado, evitando-se o
estresse e lesões do animal, bem como o emprego de caminhões adequadamente higienizados
para o transporte.

Alguns grupo de bactérias são responsáveis pela deterioração de carnes:

Os gêneros associados à produção de limosidade superficial são do grupo Pseudomonas-


Alcaligenes. Outros microrganismos, como os micrococos e as leveduras, também podem ser os
responsáveis por essa alteração, porém em alimentos com menor atividade de água do que a
carne fresca.

Alterações na cor podem ocorrer devido ao crescimento de Serratia marcescens, produtora de


pigmentos vermelhos e Pseudomonas syncyanea que transmite cor azul à superfície do produto.
As leveduras também são produtoras de pigmentos, provocando o aparecimento de cores branca,
creme, rosa ou marrom.

Quanto aos bolores, espécies como Sporotrichium carnis e Penicillium provocam o aparecimento
de pontos brancos e verdes, respectivamente.

O esverdeamento por produção de H2 S pode ocorrer em carnes frescas embaladas a vácuo e


armazenadas a temperaturas entre 1ºC e 5ºC. O H2 S reage com a mioglobina formando
sulfomioglobina, de coloração verde. Cabe acrescentar que em carnes com pH >6, esse tipo de
deterioração não ocorre. As bactérias causadoras dessa deterioração são: Pseudomonas mephitica,
Shewanella putrefaciens e Lactobacillus sake.

Microrganismos proteolíticos podem se multiplicar, promovendo a formação de odores


indesejáveis, que envolvem a formação de ácidos voláteis como o fórmico, o acético, o butírico e
o propiônico, modificando também o pH. Portanto, a medida do pH da carne in natura constitui
uma boa indicação das condições da mesma. Já os microrganismos lipolíticos podem, através de
lipases, causar a oxidação das gorduras, a saber: Pseudomonas sp, outras bactérias Gram negativas,
Bacillus, leveduras e bolores. Entretanto, a maioria dos problemas relacionados à rancificação
não são de origem microbiana.

Interpretação da medida de pH em carnes in natura:

a) pH entre 5,1 e 6,2 - carne boa para consumo


b) pH 6,4 - limite crítico de utilização (consumo imediato)

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c) pH acima de 6,4 - início de decomposição.

Quanto aos patógenos, as principais bactérias patogênicas que podem ser encontradas na carne
são Salmonella sp., E.coli patogênica (em especial diarreiogênicas e enterohemorrágicas),
Staphylococcus aureus, Yersinia enterocolítica e Clostridium perfringens.

Entre as bactérias patogênicas, as Salmonellas são que mais oferecem perigo. Normalmente, têm
acesso à carne através de um abate inadequado, quando o conteúdo gastrointestinal foi perfurado.
O uso de rações contaminadas, o transporte como fator de estresse e a posterior contaminação
cruzada, assim como a manutenção de portadores assintomáticos durante a manipulação da
carne, constituem pontos de controle importantes na prevenção da disseminação de Salmonella
sp nos alimentos.

Outras enterobactérias como E.coli e Y. enterocolitica podem contaminar as matérias-primas do


mesmo modo que as Salmonellas. Entretanto, algumas ressalvas devem ser feitas em relação à
E.coli 0157:H7, que tem como reservatório o gado bovino. A legislação americana preconiza
ausência dessa bactéria em 25g de carne in natura e obriga a implantação do programa de APPCC
em frigoríficos, visando a reduzir esse perigo. Em relação à Yersinia enterocolítica, o emprego de
refrigeração adequada, que se mostra efetiva na redução de outras bactérias, não surte o mesmo
efeito no seu controle.

Os esporos de Clostridium naturalmente presentes, provenientes de contaminação fecal direta ou


indireta, podem sobreviver na carne, permanecendo viáveis quando expostos a temperaturas de
refrigeração e de cozimento inadequadas.

Os estafilococos podem contaminar a matéria-prima, principalmente devido à manipulação


inadequada ou a indivíduos portadores. Como não competem bem com outros microrganismos,
não são críticos em carnes in natura.

Os parasitos podem estar presentes como conseqüência da doença do animal. O Toxoplasma gondii
está relacionado com o consumo de carne bovina crua ou mal cozida.

A teníase pode ser transmitida pela carne suína de animal que apresenta cisticercose muscular
(Taenia solium) e pela carne bovina (Taenia saginata).

Produtos Cárneos Curados Cozidos


A microbiota inicial, presente na matéria-prima já foi descrita anteriormente no item carne crua.

A adição de nitritos inibe a germinação de esporos de Clostridium botulinum e o tratamento


témico eliminará as células vegetativas da maior parte dos microrganismos, sendo mais
termorresistentes, os estreptococos e os lactobacilos. É importante verificar a qualidade
microbiológica de ingredientes não cárneos, como por exemplo, dos condimentos, que constituem
fonte de esporos de bactérias e bolores.

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As bactérias láticas que sobreviveram à pasteurização ou tiveram acesso ao produto através de


uma recontaminação, podem diminuir a vida de prateleira de produtos embalados a vácuo,
produzindo esverdeamento pelo acúmulo de peróxido de hidrogênio. A formação de viscosidade
pode ser devido à multiplicação de bacilos psicrotróficos. O desenvolvimento de bolores na
superfície desses produtos pode ser controlado com o uso de ácido sórbico.

A manipulação do produto na etapa de embalagem pode ocasionar uma recontaminação por


patógenos entéricos, cocos e bacilos Gram-positivos, bolores e leveduras. A contaminação
bacteriana ocorre a partir de mãos e superfícies que entram em contato com o produto e a
fúngica ocorre também a partir do ar.

Quanto aos patógenos, as células de Staphylococcus aureus raramente sobrevivem ao tratamento


térmico, acima de 70ºC. No entanto, o produto pode sofrer recontaminação pós-processamento.
Os patógenos são inibidos pela presença de sal e nitritos.

Produtos cárneos esterilizados


A microbiota inicial, presente na matéria-prima, já foi descrita anteriormente no item carnes cruas.

A estabilidade desses produtos se baseia na ação conjunta do tratamento térmico, eventual


adição de nitritos e temperatura de armazenamento.

A esterilização comercial visa eliminar esporos de Bacillus e Clostridium. A introdução de esporos


de B.cereus pode ocorrer através de matérias-primas não cárneas, como amidos, condimentos,
proteínas vegetais etc.

O controle do processamento térmico é feito em duas etapas. Na primeira etapa, devem ser
considerados o controle da temperatura do produto antes do envasamento, o controle do tempo
entre a recravação e o processamento térmico, o controle da recravação das latas e o controle da
exaustão da autoclave. Na segunda etapa, é importante controlar a quantidade e a disposição
das latas na autoclave, bem como tempo e temperatura de esterilização. A separação das latas
esterilizadas das não-estéreis deve ser objeto de observação constante.

Os microrganismos mesófilos anaeróbios pertencentes ao grupo putrefativo são normalmente os


deterioradores de produtos enlatados de baixa acidez. Esse grupo é composto por bactérias
predominantemente proteolíticas (Clostridium sporogenes e Clostridium hystolyticum) que podem
sobreviver ao subprocessamento térmico, uma vez que seus esporos apresentam elevada resistência
térmica. Decompõem proteínas com produção de H2 S, amônia, indol, escatol, H2 e CO2 , causando
estufamento das latas.

A embalagem pode permitir o acesso de microrganismos, uma vez que defeitos existentes na
mesma podem permitir vazamentos, contaminação pós processamento e deterioração do produto.
A inspeção on line das latas para a medição da sobreposição e avaliações visuais, bem como um
bom ajuste da recravadeira constituem a principal medida preventiva.

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A cloração da água de resfriamento constitui importante medida, a fim de eliminar o perigo da
introdução de microrganismos. A determinação do teor de cloro livre constitui boa medida
preventiva.

Quanto aos patógenos, os esporos de Clostridium botulinum constituem o principal perigo. A


medida preventiva se baseia no tratamento térmico com controles rigorosos de tempo e
temperatura. Outros patógenos podem ser introduzidos durante a recravação e no resfriamento
dos enlatados, caso ocorram falhas nessas etapas.

Microbiologia de produtos lácteos


Neste item trataremos dos seguintes produtos: leite pasteurizado, queijo, leite em pó, manteiga
e iogurte.

Leite pasteurizado
Microbiota inicial – A pasteurização elimina o perigo microbiológico (no que diz respeito a
células vegetativas), uma vez empregados corretamente o tempo e temperatura necessários para
a destruição dos microrganismos e desde que o número inicial (carga) não seja anormalmente
elevado. Qualquer contaminação microbiológica posterior significa recontaminação. Entretanto,
vale citar que o calor não elimina alguns microrganismos termorresistentes, conhecidos como
termodúricos. Esse grupo resiste ao tratamento térmico empregado, proliferando no leite quando
a temperatura diminui. São eles: Micrococcus, Streptococcus, aeróbios formadores de esporos
(Bacillus subtilis e Bacillus cereus) e Lactobacillus casei. Geralmente, os termodúricos multiplicam-
se lentamente à temperatura de 5ºC, em contraste com os psicrotróficos; porém, se estiverem
presentes inicialmente em grandes quantidades, podem se desenvolver, causando alterações no
leite armazenado sob refrigeração. A medida preventiva básica, para eliminar esse perigo, constitui-
se em uma boa higienização na produção, transporte e indústria.

As operações de refrigeração e embalagem podem levar até o leite microrganismos provenientes


de bombas, tubulações e válvulas. Descuidos na higienização podem proporcionar a multiplicação
de bactérias Gram negativas, tais como: Pseudomonas, Alcaligenes, Chromobacterium,
Flavobacterium, bactérias termodúricas, coliformes e outras enterobactérias. O envase em
condições assépticas evita a contaminação após a pasteurização.

Em relação à esterilização, processo UHT, o seu maior desafio consiste na eliminação de esporos.
São eles que determinam os parâmetros da esterilização.

A eficiência do processo de esterilização pode ser traduzida como o número de reduções decimais
na população microbiana atingida pelo processo. Isso ocorre em função de dois fatores: tempo
e temperatura utilizados e termorresistência dos esporos bacterianos presentes.

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Alguns outros fatores, como a composição, viscosidade, uniformidade e pH do leite também


afetam a eficiência da esterilização. Entretanto, reduzir a carga inicial de esporos constitui a
medida preventiva mais importante, para que se obtenha um produto de boa qualidade. As ações
a serem implementadas com esta finalidade são: realizar bactofugação e microfiltração do leite,
anteriormente à esterilização, reduzindo os esporos presentes na matéria-prima; melhorar a
higienização desde o produtor até a chegada à fábrica e, finalmente, aumentar a temperatura e/
ou prolongar o tempo de retenção do produto.

As alterações do leite compreendem modificações no sabor e aroma. Podem também aparecer


defeitos físicos como viscosidade e coagulação parcial, porém são menos freqüentes.
Habitualmente, os microrganismos deterioradores são os que recontaminam o leite após a
pasteurização. Especial atenção deve ser dada às bactérias psicrotróficas do gênero Bacillus. A
presença de Bacillus cereus, em particular, constitui um perigo, pois esse microrganismo produz
lecitinase, enzima que degrada os fosfolipídios dos glóbulos de gordura, liberando pequenas
partículas lipoprotéicas que aderem às superfícies de tanques, conferindo uma aparência
desagradável, além de modificar o sabor do produto.

No processo UHT, a deterioração pode ocorrer pela produção de proteases termorresistentes, por
subprocessamento e/ou como resultado de uma contaminação durante a operação de envase.
Membros do gênero Bacillus: Bacillus badius, B. cereus, B. licheniformis, B. polymyxa, B. subtilis e
B. stearothermophillus já foram identificados.

Em certas circunstâncias, alguns esporos altamente termorresistentes, como os da espécie Bacillus


sporothermodurans, que sobrevivem ao processamento térmico (UHT), e chegam ao produto final,
podendo ser detectados em testes que verificam a esterilidade comercial do leite.

Quanto aos patógenos, a pasteurização os destrói ou os reduz até níveis seguros de interesse
sanitário. Entretanto, as enterotoxinas elaboradas por Staphylococcus aureus não são inativadas.
O vírus da febre aftosa pode sobreviver a temperaturas de 72OC por 15-17 segundos. Esse vírus
causa infecções na pele do homem e sua prevenção deve ser feita através de vacinação do gado.
O processo UHT parece ser eficaz na eliminação desse vírus em leite contaminado.

Micotoxinas podem estar presentes em função das rações contaminadas usadas para a alimentação
do gado leiteiro e não são inativadas pelo processo térmico.

Queijos
A microbiota inicial existente no queijo depende da existente no leite. Os equipamentos utilizados
e a manipulação do leite aumentarão a população microbiana. Por outro lado, o armazenamento
do leite durante períodos excessivos, particularmente a temperaturas superiores a 4,4OC permitirá
uma multiplicação rápida das bactérias presentes.

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Os bolores, leveduras e microrganismos anaeróbios formadores de esporos são os que mais
freqüentemente estão envolvidos na deterioração de queijos. O desenvolvimento de bolores,
normalmente, ocorre na superfície de queijos e pode se estender ao interior dos mesmos através
de fissuras. As espécies de Penicillium estão normalmente associadas a este tipo de deterioração.
Uma higienização adequada, bem como um controle rigoroso da umidade ajudam a minimizar o
problema.

Em muitos queijos ocorre a formação anômala de gás evidenciando-se pela presença de “olhos”
na massa. Esse tipo de alteração está normalmente relacionado à presença de bactérias ácido-
propiônicas ou a clostrídios, especialmente Clostridium tyobutyricum e Clostridium butyricum. Os
fatores que normalmente conduzem à produção de gases durante a elaboração de queijos são: o
uso de leite cru, tratamento térmico inadequado, contaminação do leite após a pasteurização e a
lenta produção de ácidos pela cultura starter.

Diversos fatores contribuem para que o queijo não se altere. O pH ácido, geralmente inferior a
5,3, a adição de sal na concentração de 1,5 a 5%, que reduz a atividade de água, a baixa temperatura
de maturação e o baixo potencial de oxirredução.

Quanto aos patógenos, o tratamento térmico inadequado do leite, bem como uma contaminação
posterior podem resultar na presença de salmonelas, Staphylococcus aureus e E.coli patogênica
no queijo; fatores adicionais tendem a incrementar o perigo de patógenos. A magnitude do risco
à saúde pelo consumo de queijos não é a mesma para todos os tipos existente.

As salmonelas podem ser introduzidas no processamento de queijos através de uma higienização


inadequada após a pasteurização e por cultivo starter e/ou coalho contaminado. Queijos que
combinam, em seu processamento, pH elevado (por ser o seu pH normal ou devido a uma atividade
ineficiente da cultura starter) e um ambiente anaeróbio podem apresentar condições favoráveis
para a germinação de esporos de Clostridium botulinum. A introdução de nisina (12,5 mg/kg)
controla o desenvolvimento desse patógeno.

Staphylococcus aureus pode ter acesso ao queijo, caso o leite de gado infectado com mastite for
usado no processamento. A refrigeração adequada, inibindo a produção de toxinas, um tratamento
térmico (pasteurização) combinado com o uso de uma cultura starter ativa e um programa efetivo
de higienização são procedimentos que devem ser empregados com a finalidade de eliminar, ou
minimizar, a presença desse patógeno. Se a concentração do microrganismo for alta na matéria-
prima, a pasteurização não será eficiente na eliminação total desse perigo. Ressalta-se que a
enterotoxina uma vez formada no leite cru não será destruída pela pasteurização.

E.coli enterotoxigênica pode ter acesso ao produto através de pasteurização deficiente ou


recontaminação. O uso de culturas starter ativas, aliadas a um programa efetivo de higienização
são as medidas preventivas indicadas. Cabe acrescentar que, face a uma alta concentração de
microrganismos na matéria-prima, a pasteurização poderá não ser suficiente para a eliminação
do perigo.

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Em queijos elaborados com fungos que apresentam superfície com alto conteúdo em umidade e
pH próximo do neutro, pode ocorrer o desenvolvimento de patógenos como a Listeria
monocytogenes .

Além desses outros agentes podem causar doenças pelo consumo de queijos. Já foram relatados
incidentes por Brucella e por aminas biogênicas. A presença de aflatoxinas em queijos tem sido
também relatada.

Leite em pó
Os principais problemas que podem ocorrer nesse tipo de leite apresentam-se depois da
reconstituição, uma vez que a Aa do leite em pó é tão baixa que não permite o desenvolvimento
microbiano. O leite em pó, quando reconstituído, transforma-se em um produto perecível e está
submetido às mesmas alterações de um leite pasteurizado. A contaminação pode ser procedente
da água, bem como de utensílios utilizados na preparação. É importante que o consumidor seja
advertido sobre a forma correta de utilizá-lo, a fim de garantir a sua conservação.

Patógenos como Staphylococcus aureus e Salmonella Newsbrunswick, já foram envolvidos em


surtos de doença alimentar veiculados por leite em pó. Normalmente, constitui ponto de
contaminação o tanque de alimentação dos evaporadores, proporcionando uma multiplicação
excessiva de Staphylococcus aureus e produção de toxina (que não é eliminada na dessecação),
pasteurização ineficiente, manutenção do leite nos tanques antes da secagem, em temperaturas
inferiores a 65OC e higienização deficiente dos tanques, que deve ser realizada após 3 a 4 horas
de trabalho.

Manteiga
A microbiota inicial da manteiga corresponde basicamente à do creme empregado para sua
elaboração. Se o creme for armazenado em condições precárias de refrigeração, podem surgir
processos de acidificação, fermentações indesejáveis que acarretam, posteriormente, lipólises e
proteólises. A formação de ácidos, fundamentalmente de ácido lático, é provocada essencialmente
por estreptococos láticos, lactobacilos, leveduras e coliformes. Bolores do gênero Geotrichum
candidum também constituem-se em deterioradores. Bactérias Gram-negativas como as
Pseudomonas, Alcaligenes, Acinetobacter, Moraxella, e Flavobacterium são as responsáveis pelos
processos proteolíticos e lipolíticos.

As alterações da manteiga podem ser de origem microbiana ou não. Os perigos químicos, ou de


origem não microbiana, estão relacionados com o processo de rancidez oxidativa e/ou hidrolítica.

As alterações de origem microbiana compreendem:

a) Odor de putrefação – A decomposição da porção protéica do produto e a formação de odores


de putrefação devidos, principalmente, ao ácido isovalérico são as manisfestações mais comuns

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da presença de Pseudomonas putrefaciens. As medidas preventivas (controle) estão baseadas na
realização de uma pasteurização correta do creme, combinada com uma lavagem com água isenta
de bactérias. É essencial, também, que a higienização dos equipamentos seja adequada.

b)Rancidez e odor de frutas – o aroma de ranço da manteiga se deve, fundamentalmente, ao


ácido butírico proveniente da hidrólise da gordura. Essa reação pode ser catalisada por lipases
que se encontram no leite, ou por enzimas produzidas por bactérias e bolores. Porém essas
lipases são destruídas por um correto processamento térmico.

O odor de frutas está associado à atividade lipolítica de bactérias, particularmente, Pseudomonas


fragi e P. fluorescens. A presença desses microrganismos na manteiga está associada a uma
contaminação pós-pasteurização e à utilização de equipamentos e água em condições
insatisfatórias.

c) Odor a malte – É produzido por certas cepas de Streptococcus lactis que produzem 3-metilbutanol.
O crescimento dessa bactéria com posterior produção do aroma pode ocorrer antes da pasteurização
ou após. Mesmo com a destruição pelo tratamento térmico, o aroma permanece no produto.

d) Mudança de cor – O aparecimento de uma cor preta na manteiga evidencia o crescimento da


bactéria Pseudomonas nigrifaciens e indica uma contaminação após o tratamento térmico. O
desenvolvimento de bolores também pode causar o aparecimento de diversas colorações na
superfície da manteiga. As principais medidas preventivas são baseadas no controle de umidade
da sala de embalagem, na qualidade biológica do ar dessa sala, uma vez que os esporos de
bolores podem ser carreados pelo ar. A higienização dos equipamentos, bem como de paredes e
tetos são ainda medidas efetivas de controle.

Patógenos- Staphylococcus aureus, já foram envolvidos em surtos de toxinfecção alimentar,


veiculados por manteiga. Isso indica que as condições higiênicas da indústria processadora, bem
como a qualidade da matéria-prima estavam comprometidas. A temperatura de armazenamento
acima de 10ºC também pode contribuir para a produção de enterotoxina. Vale acrescentar que,
mesmo em manteigas salgadas, existe a possibilidade de multiplicação desse microrganismo, se
as condições de processo forem precárias, pois o Staphylococcus aureus é extremamente resistente
à salga. Já foi relatado em 2000, nos Estados Unidos, um surto de listeriose pelo consumo de
manteiga.

Iogurte
A contaminação ocasional da cultura empregada na elaboração de iogurtes origina uma
fermentação anormal e defeitos físicos. Culturas de Lactobacillus delbrueckii var. bulgaricus,
Streptococcus thermophillus e S.lactis são susceptíveis à contaminação por bacteriófagos. Os
resíduos de antibióticos que estiverem presentes no leite podem interferir na fermentação, uma
vez que ambos os microrganismos são sensíveis à penicilina e às tetraciclinas.

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A multiplicação de microrganismos patógenos é inibida no iogurte pelo pH baixo. Da mesma


forma, os coliformes, se presentes, serão inibidos rapidamente.

As leveduras também podem constituir um problema, pois muitas espécies não são afetadas pelo
ácido lático e multiplicam-se associadas com a cultura de iogurte, resultando na aparição de
sabores estranhos e produção de gases (CO2 ).

Microbiologia de pescados
Incluem-se neste item, os pescados crus, refrigerados e congelados, curados, defumados e
esterelizados.

Pescados crus, refrigerados e congelados


A microbiota dos pescados é influenciada por vários fatores relacionados ao seu habitat, como
a qualidade da água (doce ou salgada), sazonalidade, temperatura, presença de poluentes e
condições de captura, armazenamento, manipulação e conservação. A temperatura da água, que
em geral não vai além de 20°C, afeta de forma significativa a seleção da Microbiota microbiana,
favorecendo a multiplicação de microrganismos psicrofílicos e psicrotróficos. Condições de
armazenamento, manipulação e conservação influenciam a microbiota, afetando não só a qualidade
dos pescados mas também, a saúde do consumidor.

A microbiota do pescado é encontrada no intestino, guelras e superfície corporal. Em pescados


sadios, os tecidos e órgãos internos são estéreis. Os principais gêneros bacterianos que compõem
a microbiota normal do pescado são: Pseudomonas, Moraxella, Acinetobacter, Shewanella,
Flavobacterium, Vibrio, Bacillus, Sarcina, Serratia, Clostridium, Alcaligenes e Corinebacterium. Em
peixes de água doce, além desses, são encontrados também os gêneros Lactobacillus, Streptococcus
e Aeromonas.

Durante o rigor mortis, a autólise e a deterioração do pescado são retardadas; dessa forma, quanto
mais tempo durar esse estado, melhor será a qualidade. Captura em condições inadequadas e
manutenção do pescado em temperaturas elevadas são os principais fatores que aceleram o
término do rigor mortis. Sendo assim, o emprego do frio favorece a manutenção dessa condição,
pois inibe e/ou diminui a ação proteolítica das enzimas. Esse procedimento deve ser prolongado
até o momento do consumo, ou até serem aplicados outros procedimentos de conservação, tais
como: salga, cura, defumação, fermentação e acidificação.

O frio para a conservação de peixes frescos pode ser utilizado de várias formas: gelo britado e em
escamas são os mais empregados. O gelo em escamas apresenta as vantagens de ser menos
pesado e não ser pontiagudo, permitindo melhor conservação da textura do produto. O gelo
mantém o produto entre 0o e 2o C, retardando a atividade deterioradora e a água fria da fusão do
gelo banha a superfície corporal do peixe, removendo muco, sangue, impurezas e a carga
microbiana.

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Devido ao seu baixo custo operacional, a refrigeração com gelo é uma das modalidades mais
empregadas na conservação dos peixes. Entretanto, só será obtido resultado satisfatório se a
qualidade, a quantidade e a colocação do gelo sobre os peixes nos depósitos forem controlados.

Os pescados são considerados deteriorados quando apresentam alterações na cor ou na textura,


desenvolvimento de aromas, odores e slime, ou qualquer outra característica que os tornem
indesejáveis para o consumo.

A deterioração de peixe fresco ocorre através de autólise, oxidação e atividade bacteriana. As


enzimas proteolíticas, naturalmente presentes no suco gástrico, ao atingirem o tecido muscular,
em ação conjunta com as enzimas proteolíticas presentes nos tecidos e na pele, provocam a sua
decomposição, propiciando a disseminação de microrganismos da microbiota intestinal e da
pele.

A deterioração microbiana do pescado, nos primeiros estágios, está essencialmente ligada ao


alto conteúdo de compostos nitrogenados solúveis não protéicos, tais como: aminoácidos livres,
amônia, uréia, ácido úrico e histidina. Ao serem produzidas pela atividade enzimática do próprio
pescado (autólise), após a sua morte, estas substâncias serão metabolizadas pela ação microbiana.
Esgotadas essas substâncias, as bactérias passam a utilizar as proteínas, provocando o
amolecimento dos tecidos e o aparecimento de odores indicativos de estado avançado de
deterioração.

A oxidação das gorduras não-saturadas ocorre durante o armazenamento provocando alterações


no aroma, no sabor ou na coloração do pescado.

A deterioração microbiana, inicia-se após o término do rigor mortis sendo os gêneros Pseudomonas
e Shewanella os que mais predominam nesse processo. P. fluorescens, Pseudomonas fragi e
Streptococcus putrefaciens são as espécies mais envolvidas. Pela sua capacidade de multiplicar
em temperaturas abaixo de 5o C e de utilizar compostos nitrogenados não protéicos são os gêneros
mais importantes nos processos de deterioração dos peixes refrigerados. A produção de
trimetilamina, amoníaco, cadaverina, putrescina, ácidos graxos inferiores, aldeídos, sulfeto de
hidrogênio, mercaptans e indol caracteriza o estado de putrefação. São observadas alterações no
aroma, no sabor, na textura do tecido e na coloração da pele. Além destes gêneros bacteriano,
Sarcina, Micrococcus, Bacillus, Moraxella-Acinetobacter, Alcaligenes e fungos fazem parte da
microbiota deterioradora.

O congelamento é um dos processos mais eficazes para a conservação dos peixes, podendo ser
realizado por vários métodos: salmoura (-17o a -21o C), ar resfriado (-30o C a -45o C), por contato
(em placas) ou por nitrogênio. Fatores como a qualidade da matéria-prima, composição química,
temperatura e tempo de armazenamento e embalagens influenciam na eficácia desse processo.

O congelamento inibe a multiplicação dos microrganismos que causam a deterioração; entretanto,


os esporos bacterianos podem permanecer viáveis e germinar se ocorrerem variações significativas

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ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS SEGMENTO MESA

na temperatura. A qualidade microbiológica dos peixes será sempre afetada se ocorrer demora
entre a captura e a exposição ao frio, seja na forma de resfriamento ou congelamento.

Quanto aos patógenos, os pescados, moluscos e crustáceos podem apresentar uma variedade de
bactérias, vírus e parasitos capazes de causar doenças em humanos. Muitas bactérias de vida
livre, marinhas e de água doce têm sido associadas a doenças, pertencendo a maioria à família
Vibrionaceae: Vibrio parahaemolyticus, V. cholerae O1, V. cholerae não O1, V. vulnificus, V. mimicus,
V. hollisae, V. fluvialis, Plesiomonas e Aeromonas. A contagem desses microrganismos é maior nos
meses de verão, particularmente quando a temperatura da água excede a 15-20°C. São transmitidos
principalmente através da ingestão de frutos do mar contaminados. Outros microrganismos
patogênicos, como Clostridium botulinum tipo E, Giardia e Diphylobothrium, também são veiculados
por pescados. Além desses, agentes infecciosos como vírus da Hepatite A, Salmonella não tifoídica,
Shigella, Campylobacter, vírus Norwalk e vírus da hepatite, comumente associados com poluição
fecal, são evidenciados em pescados oriundos de áreas de captura contaminadas com esgoto. No
entanto o risco maior de doenças associadas ao consumo de pescados se deve à presença de
patógenos como V. parahaemolyticus, Clostridium perfringens, Hepatite tipo A, Salmonella não
tifoídica, Clostridium botulinum, Shigella, Stapylococcus aureus, Listeria monocytogenes e Bacillus
cereus, em função das condições de processamento e preparo.

A multiplicação de patógenos e a formação de toxinas marinhas e outros metabólitos tóxicos


(histaminas) em peixes e produtos de pescados, como resultado do binômio tempo/temperatura
inadequados, podem causar risco à saúde do consumidor. Os vírus patogênicos não se multiplicam
em alimentos. São introduzidos nos pescados e frutos do mar quando as áreas de captura
apresentam poluição fecal ou durante o processamento, provenientes de mãos sujas, utensílios,
equipamentos, água insalubres e por contaminação cruzada.

Pescados Curados
Microbiota inicial – A cura baseia-se no emprego de sais que diminuem a atividade de água da
musculatura dos peixes, minimizando a contaminação microbiana. A salga com salmoura ou a
seco, deve restringir-se a uma única espécie de pescado de cada vez e a peixes de tamanho
aproximadamente uniforme.

Em pescados salgados, as bactérias halotolerantes (Micrococcus) e os halofilícos (Halococcus e


Halobacterium) são responsáveis pela deterioração, sendo esses últimos gêneros causadores de
alterações na cor. As bactérias halofílicas não oferecem risco a saúde.

Patógenos – É necessário utilizar a concentração de sal apropriada durante a salga de peixes,


para prevenir que Clostridium botulinum tipo E e dos tipos B e F, não proteolíticos, produzam
toxinas. Como os esporos de Clostridium botulinum se encontram nas vísceras dos peixes, qualquer
produto a ser preservado, utilizando sal, deve ser eviscerado antes do processamento. Sem
proceder à evisceração, pode ocorrer a formação de toxinas durante o processamento. Peixes
pequenos, devem ser processados de forma que a produção de toxinas seja prevenida. Salmoura

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ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS


que atinja 10% de sal, atingindo uma atividade de água em torno de 0,93 ou um pH igual ou
menor que 4,6, constituem boas medidas preventivas.

Pescados Defumados
Microbiota inicial – A conservação pela defumação afeta a atividade da água dos tecidos do
peixe, restringindo a microbiota microbiana. Peixes frescos submetidos a processos de defumação
apresentam uma variável estabilidade microbiológica, dependendo do tipo de defumação a que
este produto foi submetido.

Como deteriorantes predominam as espécies do gênero Pseudomonas e Moraxella-Acinetobacter,


Bacillus, Micrococcus e fungos.

A combinação dos processos de defumação e resfriamento contribui para a melhor estabilidade


do pescado e diminui também o perigo da germinação e produção da toxina pelo Clostridium
botulinum do tipo E.

Patógenos – Os esporos de Clostridium botulinum estão disseminados na natureza, sendo


encontrados nas guelras e vísceras de peixes, caranguejos, e moluscos. Clostridium botulinum
tipo E é a forma mais comum em água fresca e ambientes marinhos.

Embalagens a vácuo inibem a multiplicação de muitas bactérias deterioradoras, aumentando a


vida de prateleira do produto; no entanto, nessa condição, aumenta a vantagem seletiva para a
multiplicação das cepas de Clostridium botulinum, por serem anaeróbios. A maior preocupação
com relação à segurança desses produtos é, portanto, o potencial aumentado para a formação
de toxina botulínica, antes mesmo que os sinais de deterioração tornem o produto inaceitável
para consumo. Produtos defumados e embalados a vácuo requerem um controle rigoroso na
etapa de refrigeração (ou condições de estocagem por congelamento) ao longo da sua
distribuição).

Os processadores deveriam prever que as temperaturas apropriadas de refrigeração não serão


mantidas em algum momento durante a estocagem, distribuição, comercialização ou manipulação
pelo consumidor de alimentos refrigerados. Pesquisas de casos ocorridos no comércio a varejo
indicam que temperaturas de 7-10ºC não são incomuns. Pesquisas em refrigeradores domésticos
indicam que as temperaturas podem exceder a 10ºC (FDA, 1996).

Pescados esterilizados
Os pescados enlatados, tais como sardinha, atum, salmão etc, quando submetidos à esterilização
comercial, devem estar livres de bactérias viáveis e potencialmente patogênicas. Os perigos de
tais alimentos são os mesmos já descritos para os alimentos enlatados de baixa acidez. Uma
exceção, no entanto, pode ser citada: o envenenamento por escombrídeos. A histamina, resistente
ao calor, pode provocar intoxicação devido ao consumo de atum enlatado.

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Microbiologia de vegetais
Neste item, trataremos dos vegetais in natura, dos minimamente processados, dos congelados,
dos esterilizados, dos desidratados e dos fermentados ou acidificados.

Vegetais in natura
A microbiota inicial pode variar consideravelmente, dependendo do tipo, dos fatores ambientais,
sazonalidade, etc, sendo constituída por microrganismos oriundos do solo, da água, dos insetos
e dos animais. As folhas sofrem a influência do ar; as raízes, do solo. Fatores como uso de
pesticidas, tipo de técnicas agrícolas aplicado durante o cultivo e a poluição por dejetos humanos
ou de animais, também afetam o perfil microbiológico de vegetais.

Logo após a colheita, os vegetais podem apresentar bactérias Gram-positivas e Gram-negativas.


Em vegetais sadios, predominam as bactérias Gram-negativas. As superfícies externas são as
partes que apresentam maior carga microbiana. No entanto, há uma seleção de microrganismos
que se multiplicarão subseqüentemente em função do tipo de estocagem. A refrigeração tende a
selecionar bactérias psicrotróficas como Pseudomonas spp.

A maioria dos microrganismos presentes em vegetais são saprófitas, incluindo bactérias, leveduras
e bolores. Os fungos, incluindo Aureobasidium, Fusarium, e Alternaria, freqüentemente estão
presentes, mas em menor número que as bactérias. Muitos microrganismos da microbiota normal
são consideradas microrganismos deterioradores oportunistas. Esporos de anaeróbios podem
estar presentes, sendo importantes na deterioração de vegetais enlatados.

Os vegetais sadios possuem uma camada de células epidérmicas que proporciona uma barreira
contra a infecção dos tecidos internos. Para que ocorra deterioração, essa barreira deve ser vencida.
Há várias formas de vencer as barreiras externas: por infestações de insetos, lesões provocadas
durante e pós-colheita e ação de alguns microrganismos, em particular, de bolores fitopatogênicos.
Uma vez comprometidas as barreiras externas, os microrganismos rapidamente invadem os tecidos.
Dentro dos tecidos, terão que vencer mais uma barreira, que são as células, cujas paredes são
ricas em celulose e pectina. Assim, somente aqueles capazes de produzir celulase e/ou pectinase
poderão invadir as células. A atividade celulásica é muito importante, pois além de contribuir
para o amolecimento e maceração do tecido, ainda produz glicose, que permite que microrganismos
incapazes de degradar a celulose também se desenvolvam. A degradação das cadeias de pectinas
leva à liquefação das pectinas e completa maceração dos tecidos dos vegetais (podridão mole).

O estado fisiológico dos vegetais afeta de forma dramática a sua susceptibilidade à deterioração
por microrganismos. São mais resistentes à invasão microbiana quando estão fisiologicamente
sadios.

As frutas e vegetais diferem na maneira como se alteram fisiologicamente após a colheita. O


amadurecimento pode avançar a ponto de diminuir a integridade celular e os tecidos deteriorarem.
Após a colheita este processo não está relacionado com atividade microbiana.

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ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS


Com relação aos patógenos, em regiões onde são utilizados dejetos de animais como fertilizantes
ou água contaminada para irrigação, é de se esperar que o produto contenha patogênicos
intestinais como Salmonella, Shigella, vírus da hepatite e parasitos humanos. As principais bactérias
patogênicas isoladas de vegetais crus são Aeromonas (alfafa, aspargo, brócolis, pimentão,
espinafre e saladas), Salmonella (broto de feijão e de alfafa, folhas de beterraba, repolho,
couve-flor, acelga, pimenta, endívia, berinjela, alface, salsa, mostarda, pimentão, espinafre, entre
outros ), Shigella (salsa e saladas de vegetais), E.coli O157:H7 (repolho, acelga e coentro),
Listeria monocytogenes (repolho, cenoura, pepino, broto de feijão, brócolis, alface, pimentão,
batatas, radiche, tomates, saladas pré-embaladas e saladas), Yersínia enterocolitica (repolho,
cenoura, pepino, saladas e outros vegetais), Campylobacter jejuni (alface, cogumelos, batatas,
broto de mostarda, cebolinha e radiche), Staphylococcus aureus (saladas verdes, radiche, alface e
salsa), Bacillus cereus (broto de soja e agrião) e Clostridium botulinum (pimentão e saladas de
vegetais).

Os parasitos que podem ser transmitidos por vegetais são: Giardia lamblia, Taenia solium (ovos),
Ascaris lumbricoides, Cyclospora cayetanensis, Entamoeba histolytica. Foram envolvidos em surtos
associados ao consumo de vegetais os microrganismos: Bacillus cereus (brotos de vegetais),
Campylobacter jejuni ( pepino e alface), alguns sorovares de Salmonella (salada de repolho e
cebola, broto de feijão, broto de alfafa), Shigella flexneri (salada mista), Shigella sonnei (alface),
Vibrio cholerae ( salada de vegetais), E.coli O157:H7 (alface, broto de radiche ), Giardia (cenoura
e outros vegetais), vírus da hepatite A (alface e agrião) e vírus Norwalk (salada temperada).

Há também os patógenos oportunistas, como P. aeruginosa e várias espécies de enterobactérias,


que são comumente veiculados por vegetais crus, representando um risco para indivíduos com
comprometimento imunológico. A ingestão de saladas cruas por esse segmento da população
pode provocar infecção com sérias conseqüências. Nos hospitais, pratos à base de vegetais crus
não são servidos para esse tipo de pacientes.

Ao mesmo tempo em que os avanços nas técnicas agrícolas têm possibilitado um maior suprimento
de produtos de boa qualidade para muitos consumidores durante o ano todo, também têm
permitido a expansão não só da distribuição geográfica, como da incidência de doenças humanas
associadas com um crescente numero de bactérias patogênicas, vírus, protozoários e parasitos.

Outros fatores que têm contribuído para o aumento de doenças associadas com o consumo de
vegetais crus são: a globalização do suprimento de alimentos, o desenvolvimento, pelos
microrganismos, de novos fatores de virulência, a diminuição da imunidade de certos segmentos
da população e mudanças nos hábitos alimentares. Por outro lado em regiões onde são utilizados
dejetos de animais como fertilizantes ou água contaminada para irrigação, o número de surtos
de origem alimentar é bastante significativo.

A lavagem com água potável remove parte das células microbianas. Muitas vezes uma lavagem
vigorosa com água potável pode ter o mesmo efeito que um tratamento com água que contenha
de 100 a 200 ppm de cloro, que em geral, reduz em 10 a 100 vezes a populacão microbiana. A

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primeira lavagem é feita com água potável para remover sujidades como solo, material fecal e
contaminantes grosseiros e a segunda, com água contendo um desinfetante. Listeria monocytogenes
é, em geral, mais resistente aos desinfetantes do que Salmonella, Shigella e E.coli 157:H7.

Pouco se conhece sobre a eficácia dos desinfetantes na destruição dos vírus e parasitos que
contaminam os vegetais. A irradiação por raios gama tem sido apontada como uma poderosa
ferramenta para a descontaminação de alimentos, como frutas, tubérculos e legumes.

Dentre os desinfetantes, o cloro é, sem dúvida, o mais utilizado. Há, no entanto vários trabalhos
questionando a sua eficácia em reduzir de forma significativa os microrganismos patogênicos em
diversos tipos de vegetais e frutas. Vários fatores interferem na atividade de cloro livre sobre os
microrganismos nesses produtos, como nível de contaminação, presença de matéria orgânica,
pH, temperatura e tempo de exposição e substância que libera o cloro (hipocloritos e dióxidos),
assim como o uso de água previamente potável.

Atualmente o dióxido de cloro tem sido indicado para a desinfecção de frutas e verduras, pois a
sua eficácia é menos afetada pelo pH e matéria orgânica e também porque não reage com amônia
para formar cloramina, como ocorre com cloro líquido e hipoclorito.

Vários ácidos orgânicos, incluindo ácido acético (vinagre), ácido lactico e ácido cítrico (limão),
apresentam atividade contra o Vibrio cholerae. A utilização de molhos para salada, contendo
vinagre ou limão, levando ao abaixamento do pH para 4,0 a 3,2 contribui para minimizar a
ocorrência dessa doença de origem alimentar, veiculadas pelas saladas à base de vegetais crus.

Vegetais minimamente processados


A microbiota inicial inicial presente na matéria-prima e as condições de manipulação, distribuição
e armazenamento contribuem para a composição da microbiota dos vegetais minimamente
processados.

Vegetais minimamente processados são definidos como aqueles preparados mediante uma única
ou várias operações unitárias apropriadas, tais como corte, pelagem, fragmentação etc, associadas
a um parcial tratamento de conservação não definitivo, que pode incluir o uso de aquecimento
mínimo, conservador ou radiação. Aliada a esses tratamentos de conservação durante o
armazenamento, distribuição e comercialização, normalmente se utiliza alguma forma de atmosfera
modificada/controlada, envase à vácuo ou exposição dos produtos à baixas temperaturas. Os
produtos minimamente processados são tecidos vivos, cuja respiração é muito incrementada
como conseqüência dos danos causados aos tecidos resultantes das operações do processamento.
Em decorrência, todo vegetal minimamente processado, mostra rápida deterioração sob estocagem
em temperatura ambiente, sendo por isso normalmente mantido sob refrigeração.

Alimentos minimamente processados e refrigerados proporcionam ao consumidor um produto


conveniente, muito parecido com o fresco, mantendo qualidade nutritiva e sensorial e ainda com

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a vantagem de vida útil prolongada. No entanto, têm sido evidenciados nesses produtos perigos
químicos, como os resíduos de pesticidas, ou de outras substâncias utilizadas no processo, em
níveis excessivos ou mesmo resíduos de pesticidas não permitidos.

Com relação aos perigos físicos pode-se listar os fragmentos de metais que podem ser provenientes
dos equipamentos ou oriundos da própria matéria-prima. Nesses produtos além dos
microrganismos patogênicos encontrados nos vegetais crus, são evidenciados outros,
provenientes das etapas de processo, caso essas não sejam realizadas segundo as Boas Práticas
(Portarias 326/MS e 368/MAA).

Vegetais congelados
A microbiota dos vegetais após o congelamento é similar à encontrada no produto antes do
processo, sendo constituída de microrganismos introduzidos do ar.

O branqueamento é aplicado para inativar as enzimas, para estabilizar o produto congelado


durante a estocagem, tendo ainda efeitos na redução da carga microbiana. A multiplicação
bacteriana antes do congelamento não constitui problema, pois o tempo decorrido entre o
branqueamento e o processamento é muito curto. No entanto, pode ocorrer que, para atingir o
peso desejado, o empacotamento feito mecanicamente deva ser completado manualmente, muitas
vezes utilizando reservas do produto que já havia ficado por muito tempo à temperatura ambiente
após sofrer branqueamento. Se a carga microbiana da reserva utilizada for muito elevada, pode
refletir no produto final.

O congelamento elimina ou causa injúria em parte da microbiota. Em geral, bactérias Gram-


negativas são mais sensíveis que as Gram-positivas aos efeitos do congelamento. Por isso, na
maioria dos vegetais congelados, predominam as bactérias láticas, sendo encontrado um
significante número de Leuconostoc mesenteroides e enterococos. No entanto, os Micrococcus,
bastonetes Gram-positivos e Gram-negativos (incluindo coliformes) constituem uma boa parte
da microbiota de alguns produtos.

Em vegetais congelados, a microbiota é inibida pela ação conjunta de temperatura e baixa atividade
de água, decorrente do congelamento da mesma. Contagens de colônias aeróbicas na faixa de
10 1 a 105 /g são consideradas normais em vegetais congelados.

Patógenos - Vegetais congelados, normalmente, não são envolvidos em casos de doenças de


origem alimentar. Isso porque as bactérias patogênicas não formadoras de esporos não sobrevivem
ao branqueamento; além disso, nenhum contaminante patogênico pós-branqueamento pode se
multiplicar à temperatura de congelamento e, ainda, a maioria dos produtos são cozidos ou
aquecidos antes do consumo.

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Vegetais esterilizados
Microbiota inicial - Os esporos de bactérias mesófilas e termófilas são as formas mais
termorresistentes. Entre os mesófilos, encontram-se várias espécies capazes de provocar
deterioração, assim como espécies patogênicas como Bacillus cereus, Clostridium perfringens e
Clostridium botulinum. Os termófilos, mais termorresistentes do que os mesófilos, não são
patogênicos. A sua importância decorre da capacidade de deteriorar alimentos envasados em
condições específicas, como estocagem dos produtos a elevadas temperaturas. Isso implica dizer
que o processamento térmico é projetado para eliminar os esporos capazes de se multiplicar sob
condições normais de estocagem.

Muitos vegetais enlatados são de baixa acidez, pois o seu pH fica acima de 4,5. A esses produtos
é dado, em geral, um tratamento térmico suficiente para destruir os esporos de Clostridium
botulinum, sendo considerados “comercialmente estéreis”.

Os alimentos enlatados, processados para atingir “esterilidade comercial”, não deveriam sofrer
deterioração. No entanto, são várias as causas que podem levar à sua deterioração, destacando-
se as seguintes: deterioração pré-processamento, por subprocessamento, por vazamento (falhas
nas costuras ou de recravagem) por resfriamento inadequado e por estocagem a elevadas
temperaturas.

Em casos de subprocessamento, os mesófilos podem sobreviver e causar alterações bastante


evidentes no produto. A importância desse tipo de alteração é a indicação de que Clostridium
botulinum pode ter sobrevivido e multiplicado, produzindo toxina. O subprocessamento pode
ter ocorrido devido a falhas nos equipamentos, ou falhas na operação do processamento.

Após o processamento, microrganismos podem penetrar através de falhas nas costuras durante o
resfriamento. É muito comum nesses casos a presença de bactérias não esporuladas, que
normalmente não resistiriam ao tratamento térmico. Em geral, observa-se uma microbiota mista,
composta de micrococos, lactobacilos, estreptococos, enterococos. No entanto, se for empregada
água clorada o enlatado pode conter, primariamente, microrganimos formadores de esporos.

Estocagem prolongada a temperaturas elevadas pode causar três tipos de deterioração:

a) deterioração tipo flat sour (vegetais com pH > 4,5) – provocado por bactérias facultativas,
termófilas, produtoras de ácido, mas não de gás, como Bacillus stearothermophilus e Bacillus
coagulans. As extremidades do enlatado se apresentam planas, sendo a aparência do produto
normal, porém o sabor é ácido. O líquido fica turvo e o aroma alterado. O Bacillus stearothermophilus
multiplica-se melhor a temperaturas acima de 43ºC, não se multiplicando acima de 65-75ºC. Já
para Bacillus coagulans, a temperatura mínima encontra-se na faixa de 15-25ºC e a máxima entre
55-60ºC. Se a etapa de resfriamento for bastante prolongada, esses microrganismos poderão
deteriorar os vegetais.

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ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS


b) deterioração por anaeróbios termófilos – produzem grande quantidade de H2 e CO2 , mas
não de H2 S. A lata fica estufada, podendo explodir. C. thermosaccharolyticum é a espécie mais
freqüente nesse tipo de alteração.

c) deterioração sulfídrica – produzida por Desulfotomaculum nigrificans. O H2 S é absorvido pelo


produto, causando escurecimento e desenvolvimento de odor de ovo podre. A lata apresenta
aparência normal, sem estufamento.

Patógenos - vegetais comercialmente esterilizados, em geral, são bastante seguros. No entanto,


têm sido documentados casos de botulismo devido a subprocessamento e também de intoxinação
estafilocócica devido a vazamentos decorrentes de falhas nas costuras das latas. Conservas caseiras
são os principais responsáveis pela maioria dos casos de botulismo alimentar.

Vegetais desidratados
Microbiota inicial: os vegetais podem sofrer ou não branqueamento antes de serem desidratados.
Assim a microbiota de um produto desidratado depende do grau de contaminação do produto
cru, da limpeza dos equipamentos e se sofreu ou não branqueamento. Se o vegetal cru for mantido
por muito tempo a temperatura inadequada, o nível de microrganismos pode aumentar, além de
sofrer contaminação devido a falhas na higienização dos equipamentos.

Durante a desidratação, os vegetais são mantidos na faixa de 80-100 ºC para que ocorra a
evaporação da água. No entanto, a temperatura interna nunca ultrapassa 35-45ºC, de forma que
nos vegetais desidratados raramente ocorre a redução do nível de microrganismos; na realidade,
pode ocorrer uma concentração em um volume menor de alimento. Outro processo utilizado para
a desidratação é a liofilização.

Os microrganismos encontrados em vegetais desidratados que sofreram branqueamento são


aqueles que, normalmente, contaminam as superfícies dos equipamentos, predominando as
bactérias láticas. Em produtos que não sofreram branqueamento, persiste a microbiota dos
vegetais crus.

Patógenos - Formas vegetativas de bactérias raramente estão presentes em produtos desidratados.


No entanto, os esporos de Bacillus cereus, Clostridium botulinum ou Clostridium perfringens, se
presentes no solo, podem ser carreados até o produto final desidratado; porém não apresentam
risco, a não ser que tenham condições de multiplicar-se após a sua reconstituição.

Vegetais fermentados ou acidificados


Microbiota inicial – Os microrganismos envolvidos na fermentação de vegetais podem ser
provenientes do vegetal cru ou da adição de cultura starter.

Durante o processo da fermentação, a interação de vários fatores é responsável pela sua seqüência,
destacando-se: pH, ácidos orgânicos, atividade de água, temperatura, potencial redox e

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concentração de O2 e de CO2 . A fermentação de todos os vegetais, com pequenas variações,


consiste na multiplicação seqüencial de bactérias láticas como: Leuconostoc mesenteroides,
Lactobacillus brevis, Pediococcus acidolacti, Pediococcus pentosaceus e Lactobacillus plantarum.

A principal causa de deterioração consiste na distribuição irregular do sal. Se a concentração for


excessiva em determinados pontos, certas leveduras e bactérias láticas podem multiplicar, tornando
o produto rosado; se a concentração for baixa, o produto pode sofrer deterioração do tipo
podridão mole causada por coliformes e/ou por Erwinia e Pectobacterium. Se o produto for
exposto ao O2 , leveduras oxidativas podem multiplicar e utilizar o ácido lático, aumentando o pH
e permitindo o desenvolvimento de organismos deterioradores menos tolerantes à acidez.

Patógenos – A interação sal, ácido e ausência de oxigênio dissolvido impedem a multiplicação


de células vegetativas de qualquer patógeno de origem alimentar. Os esporos de patógenos
podem sobreviver, mas são incapazes de germinar. Falhas na acidificação podem levar a casos de
botulismo.

Microbiologia de frutas
Neste item trataremos da microbiota e dos patógenos que interferem nas frutas in natura,
congeladas e em conserva, como geléias e compotas.

Frutas in natura
Microbiota inicial – As principais fontes dos microrganismos são as mesmas dos vegetais, incluindo
ar, água, solo, insetos e outros animais, como aves e répteis. No entanto, diferente dos vegetais
a sua deterioração é causada mais por fungos do que por bactérias, com exceção das que
apresentam baixa acidez, como pêras, melancia, melão, entre outras, em que a deterioração é
devida a Erwinia spp e outras bactéria pectinolíticas.

As frutas, para serem consumidas frescas, são freqüentemente colhidas ainda verdes, sendo
amadurecidas durante o transporte ou estocagem. Durante essas operações podem sofrer algum
tipo de injúria, tornando-se vulneráveis à invasão e deterioração por fungos.

As frutas são lavadas ou limpas imediatamente após a colheita; a seguir, são embaladas e
transportadas em caixas de papelão. A etapa de lavagem reduz a contaminação microbiana. Na
superfície tem sido documentado que a limpeza e escovação pode reduzir cerca de 99% da
população de microrganismos das maçãs. No entanto, a água pode ser fonte de microrganismos,
principalmente quando é reciclada e não tratada adequadamente. É também muito importante a
umidade relativa da atmosfera durante a estocagem e a maturação das frutas. Baixa umidade
relativa causa dessecação; elevada umidade favorece a multiplicação de microrganismos.

O pH ácido das fruta inibe a maioria das bactérias. Entretanto as bactérias lácticas, como
Lactobacillus e Leuconostoc, não são inibidas, bem como os bolores e leveduras, sendo responsáveis

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ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS


pelas alterações observadas na maioria das frutas. Os fungos podem invadir os tecidos das frutas
antes ou após a colheita, podendo ficar latentes ou não. Frutas assim contaminadas deterioram-
se rapidamente durante o transporte e a estocagem, levando a grandes perdas através da
contaminação cruzada. Manipulações durante o comércio a varejo, aumentam as injúrias sofridas
pelas frutas, facilitando o desenvolvimento dos fungos e a sua disseminação.

Cada espécie de fruta, devido à variação na sua composição e ao tipo de manipulação que recebe,
está sujeita à deterioração por uma ou mais espécies de fungos. Se a fruta for mole e sumarenta,
a deterioração será mole, podendo resultar no extravasamento do suco. Outras frutas ficam com
aparência seca e descoloridas. O micélio do bolor pode ser visível, apresentando esporos coloridos,
ou estar sob a superfície, quando então aparecem apenas pontos deteriorados. As espécies de
Penicillium são as mais importantes deterioradoras de frutas in natura. A presença de micélio
esverdeado, exsudação, odor indesejável e amolecimento consistem em outros tipos de alterações.
O gênero Alternaria causa o apodrecimento negro de maçãs, frutas cítricas, bananas e abacaxis.
Os morangos podem ser deteriorados pelo bolor Botrytis cinerea, com o aparecimento de uma
área acinzentada, devido ao crescimento do micélio do bolor. Diversos gêneros de leveduras
como Saccharomyces, Hansenula, Pichia, Torulopsis, Candida, Debaromyces e Kloeckera são capazes
de fermentar as frutas produzindo odor e sabor indesejáveis.

Para se minimizar a carga microbiana inicial, as frutas devem ser lavadas, inicialmente com água,
e depois submetidas a uma solução de cloro. Os produtos elaborados a partir de frutas podem
ser recontaminados com esporos de bolores por diversos motivos: área de recepção próxima ou
junto a área de processamento, setor de embalagem com grande circulação de ar, envase a frio,
subprocessamento térmico e qualidade do ar ambiente inadequada, sendo nesse último caso,
necessário a pulverização de sanificante no ambiente para reduzir a carga microbiana.

Patógenos – A maioria das frutas possui barreiras, como baixo pH, presença de substâncias
antimicrobianas, entre outras, que impedem a multiplicação das bactérias patogênicas. No
entanto, a sobrevivência de E. coli O157:H7 foi descrita em suco de maçã e de sidra, cujo pH
encontrava-se abaixo de 4,0. Experimentos em laboratórios têm demonstrado a possibilidade
desse patógeno desenvolver uma gradativa resistência ao pH baixo. Tem sido observado também
que várias bactérias patogênicas, vírus e protozoários capazes de causar doenças no homem
podem ser encontrados em frutas in natura. Alguns desses microrganismos são capazes de se
desenvolver nas frutas inteiras, nos produtos minimamente processados e nos cortes, em função
das manipulações rotineiras e formas de estocagens.

Surtos de doenças associadas ao consumo de frutas são mais freqüentes em países em


desenvolvimento do que em países industrializados. Vários fatores têm contribuído para a
ocorrência e epidemiologia dessas doenças, como a irrigação e outras práticas agronômicas,
higiene durante a manipulação, mudança de hábitos alimentares, aumento de população
imunocomprometida, aparecimento de patógenos emergentes, entre outros. Os principais surtos
foram associados a melão, manga e melancia (Salmonella), maçã (E.coli 157:H7 e Cryptosporidium),
moranguinho e framboesa ( vírus da Hepatite A).

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Vários fungos são capazes de produzir micotoxinas. Penicillium expansum, Penicillium claviforme
e Penicillium urticae produzem micotoxina (patulina), principalmente em frutas em deterioração
e tendo sido evidenciada em sucos de frutas, especialmente a de maçãs. Para se evitar esse tipo
de contaminação, as maçãs infestadas por esses bolores devem ser separadas e descartadas.

Frutas congeladas
Microbiota inicial – A microbiota inicial, presente na matéria-prima, já foi citada anteriormente
no item frutas in natura.

A maioria das frutas é congelada sem sofrer branqueamento prévio, pois o aquecimento causa
amolecimento e perda de umidade. As que se destinam à panificação ou confeitaria, utilizadas
após aquecimento, podem sofrer branqueamento. Algumas vezes são utilizados ácido ascórbico
como antioxidante e ácido cítrico para reter a cor. Frutas cortadas em fatias pequenas e finas
podem ser imersas em solução de sulfito durante 6 horas, para reduzir o número de
microrganismos. Bolores e leveduras podem proliferar nos equipamentos da planta de
processamento e vir a contaminar o produto. O congelamento elimina alguns microrganismos e
causa injúrias fisiológicas em outros.

A microbiota de frutas congeladas consiste, principalmente, de fungos, que, dependendo da


temperatura de estocagem, podem provocar deterioração. O descongelamento parcial desses
produtos predispõe à deterioração, principalmente por leveduras.

Patógenos – Quando manipuladas de forma apropriada, as frutas congeladas não contêm bactérias
patogênicas.

Conservas de frutas e outros produtos


Geléias e concentrados de frutas possuem atividade de água baixa (0.82 a 0.94), característica
obtida pela adição de açúcar. Além disso, esses produtos sofrem ainda a ação do calor (60°C a
82°C), eliminando os fungos osmotolerantes. Assim, a sua deterioração ocorre quando são mal
envasados ou após a sua abertura pelos consumidores. As geléias podem ser deterioradas por
bolores, especialmente Xeromyces bisporus e fermentadas por osmofílicas. As leveduras podem
produzir gás, estufando as latas e/ou produzindo aroma indesejável, através da fermentação de
doces em calda ou em massa, devido provavelmente, a aplicação de temperaturas inadequadas
após o envase.

Muitas conservas de frutas, por serem ácidas, sofrem tratamento térmico na faixa de 85 a 90°C.
Sucos e néctares sofrem rápido aquecimento (93 a 110°C) e, então, são embalados assepticamente.
Esse tratamento é suficiente para matar a maioria das bactérias, bolores e leveduras. Produtos
que sofrem tratamento térmico podem ser deteriorados pelos fungos Byssochlamys fulva,
Byssochlamys nivea, Neosartorya ficheri e Penicillium dangeardii.

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SEGMENTO MESA 107

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As polpas de frutas e as frutas desidratadas podem aparecer com pontos coloridos, devido a
presença de bolores. Os coliformes são agentes deterioradores de grande importância nesse tipo
de produto. Sua presença se deve, principalmente, à manipulação inadequada.

Microbiologia de cereais e seus produtos


Serão tratados neste item os cereais em grãos e os processados, como farinhas, farinha de milho,
amido de milho e semolina, as massas, os produtos de panificação.

Grãos de cereais
Os grãos de cereais incluem trigo, aveia, milho, centeio, sorgo, arroz e outros relacionados. A
soja e o feijão, apesar de não serem grãos, podem estar incluídos nesse item, pois os seus
produtos são muito similares àqueles produzidos a partir dos cereais.

Microbiota inicial - Fatores ambientais influenciam a composição da microbiota dos cereais.


Chuva, luz solar, temperatura e condições do solo durante o período do cultivo e da colheita são
responsáveis pelo tipo e número de microrganismos presentes nos grãos de cereais. Da mesma
forma as práticas agrícolas também contribuem para a seleção dessa microbiota. As pragas no
campo têm veiculado novos microrganismos. Posteriormente, após a colheita, durante o transporte
e a armazenagem, os grãos são, também, contaminados, tornando ainda mais heterogênea a
população microbiana.

Diferentes tipos de cereais apresentam características intrínsecas muito semelhantes, como baixa
atividade de água (Aa), estrutura biológica que serve de barreira à invasão microbiana e fontes
de nutriente, por isso não se observa muita diferença em relação às suas respectivas populações
microbianas. A maioria das espécies de bolores, leveduras e bactérias aeróbias mesófilas
observadas nos cereais são inatas das próprias plantas. Bolores, como Cladosporium, estão
presentes em alguns tipos de grãos, enquanto em outros são encontrados Aspergillus, Fusarium,
Alternaria, entre outros. Rhizopus sp é também bastante comum de ser encontrado, podendo ser
reconhecido devido a cor preta dos seus esporos.

Podem ser isolados também coliformes, e enterococos, provavelmente oriundos de contaminação


com fezes de insetos, ratos, pássaros e outros animais.

As condições de estocagem e conteúdo em umidade dos grãos, temperatura e tempo de


armazenagem são críticos para o desenvolvimento dos microrganismos. O controle de parâmetros
como umidade relativa e temperatura, deve ser efetivo. Caso haja alguma falha nesse controle, as
bactérias do gênero Bacillus e os bolores são os primeiros a se desenvolverem. Entre esses bolores,
a espécie Rhizopus sp é comum. O nível de bactérias nos grãos pode atingir contagens de 106 por
grama. As principais espécies isoladas são do grupo das aeróbias mesófilas produtoras de esporos,
bactérias lácticas, coliformes e pseudomonas. As leveduras e os bolores são encontradas em

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níveis de 104 por grama. Uma secagem adequada (abaixo de 13% de umidade) permite a redução
do número de células viáveis desses microrganismos durante a estocagem.

Patógenos - Bactérias patogênicas como Bacillus cereus, Clostridium perfringens, Clostridium


botulinum e Salmonella, têm sido isoladas de cereais em grãos, porém em níveis baixos e raramente
implicados em casos de doenças de origem alimentar. A baixa Aa desses produtos previne a
multiplicação dessas bactérias. No entanto podem sobreviver ao processo de moagem,
principalmente os produtores de esporos, contaminando as farinhas e conseqüentemente os
seus derivados. Surtos de diarréia por Bacillus cereus são veiculados principalmente por pratos
típicos chineses, à base de arroz, servidos em restaurantes. Os microrganismos presentes no
trigo, centeio, milho e outros produtos relacionados, são provenientes principalmente do solo e
do ambiente no qual são armazenados. As condições de armazenamento são fundamentais para
impedir a multiplicação de bolores e conseqüente produção de micotoxinas.

Secagem e condições de estocagem inadequadas causam a proliferação de inúmeros bolores


produtores de micotoxinas, como Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus (aflatoxina). Para
uma triagem de grãos contaminados com micotoxinas pode ser utilizado o método da fluorescência,
sob luz UV, observando que outros componentes, além das micotoxinas, podem apresentar
fluorescência.

Farinhas, farinha de milho, amido de milho e semolina


A maioria dos microrganismos encontrados em farinhas e outros produtos de moagem têm origem
na matéria-prima. Outras possíveis fontes de contaminação são os equipamentos utillizados no
transporte, carga e descarga e no processamento. Algumas etapas de processo são mais críticas
em relação à contaminação, como umidificação para dar têmpera aos grãos e a espera, por tempo
variado, antes do processamento subseqüente, que pode levar à proliferação de microrganismos.
O controle pode ser feito através do uso de água clorada. O branqueamento reduz a carga
microbiana, embora os esporos permaneçam viáveis.

A produção de amido de milho é feita através de processo de moagem a seco. O amido apresenta
estabilidade bem maior do que os outros produtos derivados de grãos de cereais, pois além de
possuir baixa atividade de água constitui um substrato pouco utilizado pela maioria dos
microrganismos. Dessa forma, somente algumas espécies de bolores e Bacillus, denominados
microrganismos amilolíticos (produtores de amilase) podem degradá-lo.

O Bacillus cereus é sem dúvida o patógeno de maior interesse. Seu habitat é o solo, sendo
encontrado nos grãos, a partir do qual contamina facilmente as farinhas e amido resultantes do
seu processamento. Seu controle na matéria-prima é praticamente impossível, deve-se, portanto,
prevenir seu desenvolvimento, evitando o armazenamento em ambientes com umidade elevada.
Nessas condições, também os bolores podem se desenvolver, com o aparecimento de micélio
típico e formação de esporos, além de produzir micotoxinas. A ocorrência de esporos de bactérias
termófilas em amostras de amido é relativamente freqüente e representa grande preocupação

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quando do seu uso como ingrediente de enlatados de baixa acidez, podendo levar a rejeição
desse ingrediente como matéria-prima industrial.

Produtos à base de farinha de soja, como queijo de soja (tofu), já foram envolvidos em surtos de
salmonelose e yersiniose, sendo a fonte de contaminação a água utilizada no processo produtivo.

Massas e produtos de panificação


A massa de pão caseiro pode apresentar uma alteração conhecida como ropiness, causada por
Bacillus subtilis, na qual ocorre um aumento de viscosidade, conferindo à massa um aspecto de
corda. A fonte desta bactéria é a farinha, sendo o seu crescimento favorecido pela manutenção
da massa em temperatura favorável. Outras alterações podem ocorrer pela multiplicação de bactérias
lácticas, que são as principais deterioradoras de massas, inclusive massas para pizzas. No produto
final, pode haver desenvolvimento de bolores, principalmente se o produto for embalado ainda
quente ou mantido em ambiente com umidade elevada. Os bolores comumente associados são
Rhizopus nigricans (emboloramento negro), Penicillium (emboloramento verde) e Neurospora
(emboloramento rosa).

As massas alimentícias podem ser frescas (que devem ser mantidas em geladeira ou sob
congelamento) ou secas, que apresentam teor de umidade variável, entre 10 e 13% e que são
estáveis à temperatura ambiente. O tempo e as condições de preparo da massa podem permitir a
contaminação e a multiplicação de microrganismos. O processo de secagem deve ser conduzido
de forma a reduzir o número de microrganismos viáveis, além da sua importância tecnológica
para a obtenção de um produto final com qualidade.

Os contaminantes da massa estão relacionados aos da farinha; as outras fontes importantes são os
ingredientes usados no preparo da massa, em seu recheio e/ou cobertura, destacando-se o ovo
(adicionado à massa propriamante dita), carne e derivados (recheio) e queijo e similares (recheio,
cobertura). Em determinados produtos, como os pastéis e as pizzas, o recheio e a cobertura podem
incluir hortifrutigrangeiros crus, como tomate picado e salsinha. O controle desses contaminantes
deve considerar a natureza e as caracterísiticas microbiológicas dos produtos usados.

Os microrganismos mais freqüentemente encontrados, e que devem ser controlados em todas as


variedades de produtos de massas, são o S. aureus e o B. cereus. É difícil evitar a presença dessas
bactérias, embora seja possível. Por isso, o número de células viáveis e a multiplicação devem ser
controlados. Outros patógenos, como Salmonella, Clostridium perfringens, Listeria, Clostridium
botulinum e outros, vão estar associados aos demais ingredientes da massa, do recheio e da
coberturas.

Microbiologia de especiarias e condimentos


Especiarias são plantas (ervas), ou partes das mesmas, secas, que sozinhas ou misturadas, conferem
flavor (sabor e aroma) aos alimentos e bebidas. Os condimentos são especiarias ou mistura de

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especiarias que podem ser formulados com outros ingredientes para estimular o sabor e o aroma
de alimentos. Atualmente as especiarias envolvem também certos vegetais desidratados, como
pimentão, salsa, coentro, alho e cebola.

Microbiota natural – Como a maioria dos vegetais crus, as especiarias acumulam uma microbiota
mista, constituída por bactérias e bolores. A população microbiana varia em função das práticas
agrícolas empregadas, das condições ambientais, dos tratamentos durante a colheita e pós-
colheita das plantas e das características intrínsecas do produto. Algumas especiarias apresentam
uma contagem total elevada, em torno de 107 unidades formadora de colônia/g (UFC/g). Várias
apresentam atividade antimicrobiana. Cravo, canela, alho, cebola e orégano, por exemplo, são
altamente antioxidantes, exibindo a propriedade antimicrobiana.

Dentre as substâncias com atividade antimicrobiana destacam-se: aldeído cinâmico, presente em


canela; eugenol, no cravo; compostos sulfurados, no alho e na cebola; óleos essenciais, da pimenta
do reino; entre outras.

Durante a lavagem e desinfecção dos vegetais e o processamento de especiarias ocorre uma


progressiva redução no número e no tipo de microrganismos. Os principais microrganismos
remanescentes após os tratamentos são Bacillus e bolores. São encontrados também, mais
ocasionalmente e em pequeno número, estreptococos, coliformes, anaeróbios esporulados e
leveduras.

Patógenos - Em especiarias processadas, são encontrados formas esporuladas de Bacillus cereus


e de Clostridium perfringens, porém em contagens baixas. É muito raro encontrar Salmonella,
Shigella e estafilococos coagulase positivos nesses produtos. Os bolores freqüentemente
observados em especiarias incluem Aspergillus e Penicillium. Apesar das espécies de Aspergillus
isoladas de pimenta em pó serem toxigênicas, o nível de aflatoxina detectado nesse condimento
é muito baixo. O óleo essencial de especiarias, como cravo, canela, orégano e semente de mostarda,
inibe o desenvolvimento de bolores e de determinadas bactérias potencialmente patogênicas,
como Clostridium botulinum (150-200mg/l de óleos essenciais de cravo, pimenta, orégano, alho,
cebola e canela), Aeromonas hydrophila e Listeria monocytogenes (extratos de cravo e pimenta
aplicadas diretamente sobre carne de frango cozida e mantida sob refrigeração) e outras, como
a Salmonella.

Da pimenta do reino, tanto em grão como moída, têm sido isolados vários sorovares de Salmonella,
como Oraniemburg, Senftemberg, Lexington e Abaetetuba.

Os condimentos, pelas suas carcaterísticas intrínsecas (Aa baixa, e presença de substâncias anti-
oxidantes, com atividade antimicrobiana) não sofrem deterioração na proporção que ocorre com
os demais grupos de alimentos. São, no entanto, fonte de esporos de bactérias (especialmente
Clostridium) e de bolores. Tratamento com gases, como óxido de propileno ou óxido de etileno e
radiação gama e microondas, reduzem a carga microbiana dos condimentos. O tratamento da
pimenta do reino com óxido de etileno (90% + 10% CO2 ) é capaz de eliminar a Salmonella e

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reduzir em mais de 90% a microbiota do produto. Entretanto, a radiação gama é considerado o
tratamento mais seguro (até 30 kGy), pois o óxido de etileno pode formar compostos tóxicos ao
reagir com lipídios (óleos essenciais).

Microbiolgia de molhos para saladas


Os molhos para saladas têm a sua conservação dependente da adição de vinagre (ácido acético)
ou suco de limão. A vida útil de maionese comercial varia de 9 a 12 meses, sendo a sua estabilidade
mediada pelas características finais do produto. O pH da maionese varia de 3,6 a 4,0, em função
da concentração de ácido acético ( 0,5% a 1,2% ). Além da atividade conservante, o ácido acético
e eventualmente outros ácidos são também responsáveis pelo aroma e sabor da maionese.

Outros conservadores comumente utilizados são: benzoato de sódio e sorbato de potássio. O


conteúdo em óleo varia de 65 a 80%, de sal (NaCl) em torno de 9,0 a 11,0% e de açúcar 7,0 a
10,1%. A atividade de água de um molho com 12,0% de Na Cl é de aproximadamente 0,925. Os
molhos de salada com baixo teor de vinagre e de óleo levam a dois problemas de qualidade
microbiológica: aumento de pH e de Aa, pois essas condições propiciam a multiplicação de
microrganismos.

Microbiota - As principais fontes de contaminação dos molhos de salada são: microrganismos


dos ingredientes, do ar e dos equipamentos. Alguns microrganismos podem sobreviver em baixo
pH apresentado pelos molhos para saladas, permanecendo, no entanto, em números baixos. Têm
sido isolados a partir de molhos não deteriorados o Bacillus subtilis, o Bacillus mesentericus, os
micrococos, os diplococos, as leveduras e vários tipos de bolores.

A microbiota que causa alterações em molhos para saladas é bastante restrita, sendo em geral
composta das espécies de Lactobacillus, Saccharomyces e Zygosaccharomyces. A deterioração da
maionese se dá pelas espécies de Hansenula, Pichia, Geotrichium, Saccharomyces e Lactobacillus.
As alterações mais freqüentes causadas por esses microrganismos são: formação de gases, mudança
na cor, sabor, no odor e na textura.

Patógenos - A sobrevivência dos microrganismos patogênicos depende do pH no produto. Em


pH 5,0 Salmonella e Staphylococcus permanecem viáveis por cerca de 144 horas e 168 horas,
respectivamente, enquanto que em pH 3,2 o tempo de sobrevivência cai para 6 horas e 30 horas,
respectivamente.

Como o ingrediente principal da maionese é o ovo, a possibilidade da presença da Salmonella é


muito alta, sendo este produto um veículo comum de salmoneloses humanas. Entretanto, segundo
Food and Drug Admnistration (FDA), a maionese apresentando pH abaixo de 4,1 promove uma
inativação progressiva de bactérias patogênicas como Salmonella, Staphylococcus aureus,
Clostridium botulinum, Clostridium perfringens, Shigella flexneri, E.coli O157:H7, L. monocytogenes
e Bacillus cereus podendo ficar livre das mesmas. É importante observar que, quando da mistura

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da maionese aos componentes de uma salada, as condições que favorecem a inativação das
bactérias são modificadas, podendo ocorrer contaminação e multiplicação.

Microbiologia de ovos
Microbiota inicial – O ovo das aves geralmente é estéril, embora, desde o início dos anos 80,
tenha sido constatada a presença eventual de Salmonella na gema, pois a mesma pode se encontrar
no ovário ou na parte alta do oviduto da galinha. A proteção do ovo aos contaminantes externos
é conferida pela cutícula, pela própria casca e pela membrana interna. Na clara, a viscosidade, o
pH elevado e a lisozima são fatores que impedem a multiplicação dos microrganismos que
eventualmente tenham acesso ao interior do ovo.

Durante a postura, os ovos podem se contaminar externamente, através de sua passagem pela
cloaca. Logo após a postura e após esfriar, cria-se uma pressão negativa que favorece a entrada
de microrganismos; a contaminação é favorecida quando a umidade relativa do ambiente é elevada.
Em ambientes secos, higiênicos e sem mudança de temperatura, o interior do ovo se preserva das
contaminanções. A cama de postura, com presença de fezes e de outras sujidades, contribui para
que a casca se contamine com microrganismos, inclusive os patogênicos.

A penetração de microrganismos através da casca depende de vários fatores, entre eles: a qualidade
da mesma e da cutícula, medida pela sua densidade específica, sua integridade, tempo e condições
de armazenagem. A contaminação interna dos ovos, pode contribuir para a redução da vida de
prateleira dos mesmos ou levar riscos à saúde do consumidor, particularmente quando abriga
Salmolnella. Dentre os microrganismos envolvidos na deterioração dos ovos destacam-se:
Pseudomonas aeruginosa, Pseudomosnas fluorescens, Pseudomonas putida, P. maltophilia,
Alcaligenses, Proteus, Escherichia, Penicillium, Cladosporium, Sporotrichium, Mucor e Alternaria.

Os microrganismos proteolíticos alteram as características organolépticas do ovo, através da


produção de substâncias como ácido e gás sulfídrico, amoníaco, aminas, indol e uréia. A oxidação
de ácidos graxos leva a alterações no odor e sabor do mesmo.

O metabolismo microbiano pode provocar alterações na coloração da clara e da gema. Deve-se à


multiplicação de P. fluorescens e/ou P.aeruginosa a coloração esverdeada desenvolvida na clara,
acompanhada de fluorescência quando exposta à luz ultravioleta, bem como o aparecimento de
algumas alterações na gema, culminando com o seu rompimento. Esse tipo de alteração pode
ser observada em ovos armazenados em baixa temperatura, pois essas bactérias são psicrotróficas.
Menos freqüente é o desenvolvimento de coloração roxa ou rósea. A coloração rósea é provocada
por algumas espécies de Pseudomonas não produtoras de pigmentos fluorescentes (a gema
apresenta precipitado róseo e a clara possui aparência rosada).

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Manchas roxas, acompanhadas de odor quase imperceptível, são provocadas pelas espécies de
Serratia. Microrganismos como Proteus e às vezes algumas espécies de Pseudomonas e de
Aeromonas, podem provocar alterações caracterizadas pelo enegrecimento (presença de gás
sulfídrico) e odor pútrido. O exame pela ovoscopia mostra que os ovos se apresentam opacos,
pois as gemas enegrecidas se desintegram. Algumas espécies de Pseudomomas, Achromobacter,
Alcaligenses e coliformes podem provocar alterações quase imperceptíveis, pois não desenvolvem
coloração e odor, ou o odor pode ser semelhante ao de frutas. A gema solta-se e no estágio final
pode se desintegrar. A albumina pode se liquefazer.

Os bolores produzem coagulação ou liquefação do ovo, dando lugar a sabor e odores de mofo.
As alterações passam por diversas fases de desenvolvimento:

1) produção de manchas puntiformes que aparecem em grande número dentro e fora da casca. A
cor dessas microcolônias de bolores varia com o gênero envolvido, Penicillium produz manchas
amarelas, verdes ou azuis no interior da casca, Cladosporium, verde escuras ou negras e
Sporotrichium, róseas;

2) produção de mucosidade superficial que ocorre quando a atmosfera em que os ovos são
armazenados é muito úmida, e o desenvolvimento de bolores se dá em toda a casca. Essa
alteração é causada por espécies dos gêneros Penicillium, Cladosporium, Sporotrichium, Mucor
e Alternaria.

3) apodrecimento devido à penetração dos micélios dos bolores através de poros ou rachaduras
da casca. A clara se transforma em gelatina e ocorre o desenvolvimento de manchas anormais
de cor roxa ( Sporotrichium ) ou negra (CLadosporium).

Patógenos - Antes da postura alguns ovos já podem estar contaminados com microrganismos
patogênicos do ovário e oviduto da galinha. Inúmeros surtos de infecção alimentar tem sido
atribuídos à Salmonella Enteritidis veiculada por ovos e seus produtos. Esses surtos têm ocorrido,
praticamente, em todo o mundo. Acredita-se que a contaminação, via casca, seja a principal fonte
de infecção, no entanto a contaminação por esse patógeno internamente na ave, já foi
comprovada. É possível a presença de outras salmonelas, como a Typhimurium e a Heildelberg.

O ovo de galinha é largamente utilizado como alimento na forma de consumo direto ou na


composição de diversos produtos, como biscoitos, maionese, alimentos infantis, sorvetes, molhos
para saladas e doces. Alguns destes alimentos não sofrem tratamento térmico antes do consumo
ou o tratamento é subletal para a maioria dos microrganismos. Dessa maneira, alimentos contendo
ovos ou seus produtos podem ser veiculadores de microrganismos ao homem, especialmente
Salmonella sp.

A contaminação microbiana das cascas dos ovos de consumo e a sua posterior penetração por
microrganismos pode ser minimizada através de vários procedimentos:

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a) coleta dos ovos nos galpões várias vezes ao dia (reduzindo dessa forma o tempo de exposição
ambiental;
b) sanificação da casca após coleta;
c) armazenamento sob refrigeração.

A adoção da higienização da casca dos ovos comerciais com sanificantes pode representar uma
melhora sanitária na qualidade dos mesmos, contribuindo na redução da sua contaminação
microbiana interna, redução dos riscos de doença alimentar e aumento da vida de prateleira.
Quando os ovos são lavados em tanque sem renovação da água ou do sanificante, durante o
processo, a água fica carregada de matéria orgânica e impurezas. A ausência de controle e as
condições impróprias de temperatura e pH da água podem acarretar aumento da carga bacteriana
nos ovos após a etapa de lavagem.

Considerando a possível presença de Salmonella na gema do ovo desde o interior da ave, a


recomendação geral é de que esse produto deve ser transportado, conservado, comercializado e
mantido nas residências, em temperatura de refrigeração, para evitar a sua multiplicação até
níveis que possam significar risco de manifestação da doença, mesmo quando da mistura de ovos
contaminados e não contaminados. A utilização de ovo cru como ingrediente em inúmeros produtos
(maioneses, musses, coberturas de bolo etc) não é indicada, tendo em vista os inúmeros surtos
por Salmonella Enteritidis e a gravidade da doença provocada por essa bactéria. Sendo uma
matéria-prima crítica, o controle se faz através da pasteurização da clara e da gema.

Alimentos prontos para o consumo


Microbiota inicial - é extremamente variada, uma vez que depende da natureza do produto
(carnes, pescados, verduras, cerais etc). As condições de conservação de todas as matérias-primas
e ingredientes usados nos alimentos cozidos podem implicar em contaminações adicionais ou
em aumento do número de microrganismos. Assim, caso a fonte do produto seja insegura (produtor
ou fornecedor desconhecidos), além da microbiota natural de cada natureza de matéria-prima e
ingrediente, a contaminação pode ser maior não só numericamente, mas também com relação à
diversidade de patógenos presentes. Exemplos são: abate clandestino de animais, coleta de
moluscos bivalves (ostras) de regiões marinhas onde incidem terminais de esgoto, verduras
adubadas com estrume ou irrigadas com água poluída por material fecal e por dejetos industriais
e outros.

Além da origem, as condições de armazenamento e transporte podem também, nesta situação de


desconhecidos, interferir negativamente na segurança do produto. Manipuladores de alimentos,
portadores assintomáticos de microrganismos patogênicos, são também considerados como fonte
de contaminação, assim como as superfícies e locais onde se processam estes alimentos. Os
cuidados com a origem e procedência dos ingredientes, assim como com as etapas de transporte,

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SEGMENTO MESA 115

ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS


conservação, condições e ambientes de preparo final e condições de conservação do produto
acabado, são fundamentais para o controle de patógenos, assim como as condições de manutenção
que podem favorecer a multiplicação.

Alimentos elaborados com matérias-primas e ingredientes crus


São vários os pratos prontos elaborados com ingredientes crus: saladas de folhas verdes, cenoura,
cebola, tomate picados, quibe cru, bife tártaro, sashimi e sushi, maionese, mousse, glace elaborada
com clara de ovo crua e outros.

Os processos de preparação, quando possíveis de serem aplicados, têm por objetivo diminuir a
carga microbiana, em especial a seleção, lavagem e desinfecção de hortifrutigranjeiros,
imediatamente antes do consumo. Para outros produtos, entretanto, não é possível a adoção de
tais medidas, como é o caso do consumo de ostras cruas. É aconselhável que pescados consumidos
crus sejam previamente congelados, considerando a presença de parasitos e de Vibrio
parahaemolyticus, que são sensíveis ao congelamento.

As frutas e legumes que são descascados para o consumo podem contaminar-se durante e após o
preparo. É importante considerar as condições de manuseio e a contaminação por utensílios e
equipamentos.

Alimentos cozidos
São considerados os preparados em cozinhas formais ou equivalentes, prontos para o consumo.
Esses produtos são muito variáveis e incluem produtos típicos de regiões mesmo bastante
próximas. São vários os fatores que podem estar relacionados com a presença de patógenos:
matérias-primas e ingredientes muito contaminados; processos de cocção brandos, insuficientes
para reduzir a carga inicial dos microrganismos aos níveis necessários; contaminação por utensílios
e equipamentos, manipuladores e outros. Quando o processo de cozimento reduz drasticamente
o número dos contaminantes, incluindo a microbiota do produto, o fator “competição microbiana”
está em desequiíbrio, o que favorece a multiplicação de um contaminante posterior ou sobrevivente.

Além disso, as características próprias do produto, como pH, Aa, Eh e outros, devem ser
consideradas como importantes para a multiplicação do patógeno. Alguns patógenos estão
específicamente relacionados com determinados grupos de alimentos, como é o caso do Clostridium
perfringens tipo A com carnes cozidas e do Bacillus cereus com produtos de cereais, leite e carne.

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ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS SEGMENTO MESA

Alimentos mistos
São os pratos prontos que contêm alimentos cozidos e crus. A adição de salsinha picada ou de
pimenta do reino sobre alimentos cozidos pode ser uma fonte importante de contaminação para
o prato preparado, assim como os demais ingredientes crus, como folha de alface, cenoura ralada
e outros. Os cuidados de preparo para a montagem final do prato devem considerar as etapas
importantes que minimizem a possibilidade de contaminação e multiplicação de patógenos.

Lanches rápidos
Muitas vezes, sanduíches e salgadinhos são consumidos como lanches rápidos, até em substituição
de refeições. Além da possível presença de patógenos nos recheios dos sanduíches, este é um
produto bastante manipulado. A higiene do manipulador, utensílios e equipamentos é fator que
também pode contribuir para a presença de patógenos. Os salgadinhos (quibe frito, esfiha, coxinha
etc) são preparados, em geral, com antecedência e também podem sofrer recontaminações ou
ser mantidos em condições que favoreçam a multiplicação de patógenos.

Os principais fatores relacionados com a contaminação de pratos prontos para o consumo são: o
emprego de matéria-prima e ingredientes contaminados ou exposição às contaminações e práticas
que propiciam a sobrevivência e a multiplicação dos microrganismos patogênicos. Estes fatores
não são excludentes.

As causas que causam a contaminação são: fontes não confiáveis das matérias-primas e
ingredientes (origem e procedência); manipuladores veiculadores de patogênicos; contaminação
cruzada (inclui contaminação de cozidos por contato direto ou indireto com produtos crus);
equipamentos e utensílios mal higienizados; uso de água contaminada, entre outros.

A multiplicação acontece por falhas nos processos de dessalgue, descongelamento, resfriamento


e manutenção a quente ou a frio, uso de sobras, sem monitoramento adequado e períodos
prolongados entre preparo e consumo, sem adequada manutenção dos alimentos.

A sobrevivência ocorre por tratamento térmico (cocção/reaquecimento) insuficientes.

As falhas que podem favorecer a contaminação, multiplicação e sobrevivência são: cozinha


improvisada (área física inadequada), cozinheiros despreparados tecnicamente (sem conhecimento
de segurança alimentar); percepção equivocada da efetividade da aplicação do calor, como por
exemplo ebulição e percepção da viragem da cor da carne em função da temperatura, que varia
de pessoa a pessoa; preparação inadequada da carne grelhada (churrasco, por exemplo); abuso
da temperatura e tratamento térmico insuficiente (como em processos de descongelamento ou
em cozimento de produtos ainda congelados ou ainda, manutenção de alimentos de alto risco
em temperatura ambiente); utilização de ovos crus para o preparo de maionese, musse e similares;
pontos de venda e consumo de alimentos ao ar livre; entre outros.

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Outros tipos de alimentos
Vários outros produtos podem também apresentar contaminação por patógenos, tais como:
chocolate em barra e bombons (o patógeno mais importante é a Salmonella); mel (deve-se
considerar a possibilidade de veicular esporos de Clostridium botulinum para bebês de até 6
meses de idade, causando o botulismo infantil); tofu e queijo de coalho (Staphylococcus aureus,
Salmonella Typhimurium, Y. enterocolitica e Clostridium botulinum)

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