Você está na página 1de 147

BIOLOGIA

MOLECULAR E
BIOTECNOLOGIA

Fernanda Stapenhorst
Técnicas básicas em
biologia molecular
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as principais técnicas de biologia molecular.


 Estimar a importância das técnicas aplicadas à biologia molecular.
 Analisar a aplicação das técnicas de biologia molecular.

Introdução
Para a realização de pesquisas e diagnósticos em biologia molecular,
algumas técnicas são utilizadas, as quais permitem a avaliação de parâ-
metros moleculares em uma amostra. Essas técnicas são empregadas em
testes de paternidade, na avaliação forense de amostras de DNA de uma
cena de crime, em diagnósticos de patologias, entre outras aplicações.
Neste capítulo, você vai estudar as principais técnicas de separação
de moléculas, como DNA, RNA e proteínas. Estudará também as técnicas
de detecção dessas moléculas e de amplificação de DNA, bem como
suas aplicações e importância.

Principais técnicas de biologia molecular

Técnicas de separação de moléculas


Muitas vezes, para analisarmos moléculas como DNA, RNA e proteínas,
devemos separá-las previamente. Isso permite a análise de um fragmento
ou de uma proteína específica. Existem técnicas que permitem a separação
dessas moléculas de acordo com seu peso molecular, como a eletroforese em
gel de agarose ou em gel de poliacrilamida. Além de ser um passo inicial de
algumas técnicas de análise molecular, a eletroforese em gel também é muito
utilizada como procedimento único, como veremos a seguir.
2 Técnicas básicas em biologia molecular

Eletroforese

A eletroforese em gel é uma técnica de separação de moléculas por meio


de um gel sobre o qual é aplicada uma diferença de potencial. Ela pode ser
utilizada para a separação de proteínas, DNA e RNA. Vamos inicialmente
falar da aplicação da eletroforese na separação de proteínas. Essa técnica
baseia-se no fato de que a aplicação de um campo elétrico em uma solução
que contém uma molécula proteica faz com que a proteína migre a uma
velocidade que pode variar de acordo com sua carga líquida, seu tama-
nho e sua forma. A carga de uma proteína vai depender dos aminoácidos
que a compõem. A separação de proteínas é geralmente feita em um gel
de poliacrilamida-SDS (dodecilsulfato de sódio), o qual possui ligações
cruzadas como uma matriz, pelas quais as proteínas migram. Essa matriz
é feita pela polimerização de monômeros, de modo que o tamanho do
poro pode ser ajustado de acordo com as proteínas que se deseja estudar.
Inicialmente, as proteínas são dissolvidas em um detergente fortemente
carregado negativamente, o SDS. Isso vai fazer com que a proteína seja
desnaturada em uma cadeia estendida e totalmente solúvel na solução.
Nesse processo, as proteínas adquirem uma carga negativa, de forma que,
ao aplicarmos uma voltagem, migrem para o polo positivo. Assim, são
excluídas as variáveis carga e forma, de maneira que apenas o tamanho
da proteína irá influenciar na velocidade de migração.
Em uma malha de poliacrilamida, as proteínas maiores terão sua ve-
locidade retardada em relação às menores, que passarão pelos poros mais
facilmente. Dessa forma, as proteínas de uma amostra são separadas em
bandas individuais de proteínas, arranjadas de acordo com seu peso mo-
lecular. Para a visualização dessas bandas, o gel é corado com o corante
azul de Coomassie ou com coloração de prata, a qual detecta até mesmo 10
ng de proteína. Algumas vezes, as proteínas são marcadas com um isótopo
radioativo, de maneira que a exposição do gel a um filme resulta numa
autorradiografia em que as bandas de proteínas são visíveis (ALBERTS
et al., 2017) (Figura 1).
Técnicas básicas em biologia molecular 3

a) Amostra aplicada no b) subunidades,


Proteína com duas
A e B,
gel com uma pipeta unidas por uma Proteína com uma
ligação dissulfeto única unidade
Cátodo A B C
Cuba de plástico S-S

AQUECIDAS COM SDS E MERCAPTOETANOL


_
__ __ _ __
__ __ ___ ___ ___ __
__ __ __ _
___ _ _ _ __ ____ _____ ___ ___ _ _ __ __ _ _ __
_ _ _ ___ _SH_ ___ _
_ _ _ _ _ __ _ _ _ _ __ ___
_ __
__ _ __ ____ __ _ _ _
Tampão _
__
__ ___ _HS _ ______ __
Moléculas
__ _ _ __
_
_ _
_ _ __ __
__ _ ___
_ _ __ _ __ _
__ ___ ___ _ _____ __ _ de SDS
__
__ _ __ _ ___ ___
__ _ _ _ _ carregadas C
Gel + A
_ _ __
B negativamente
Ânodo
ELETROFORESE EM GEL DE POLIACRILAMIDA

B
Tampão C

A
c) Massa
+

molecular Placa de gel de poliacrilamida


1 2 3 4 5
(dáltons)
100.000

40.000

15.000

Figura 1. Eletroforese em gel. a) Aplicação da amostra no aparelho de eletroforese. b)


Tratamento com SDS e mercaptoetanol, para a proteína adquirir carga negativa, e separação
das cadeias polipeptídicas em diferentes subunidades. c) Exemplo de um gel contendo
bandas de proteínas separadas pelo seu peso molecular.
Fonte: Alberts et al. (2017, p. 453).
4 Técnicas básicas em biologia molecular

Outra técnica que pode ser empregada é a eletroforese em gel de agarose,


muito usada para a separação de moléculas de DNA, RNA e proteínas maiores
do que 200 kDa. Como o DNA e o RNA possuem cargas negativas, não é
preciso solubilizá-los em SDS antes da eletroforese para que migrem para o polo
positivo. De maneira semelhante ao que ocorre na eletroforese de proteínas em
gel de poliacrilamida, os fragmentos de DNA e de RNA serão separados pelo
seu tamanho. Os fragmentos maiores, sendo mais lentos, ficam posicionados
na parte superior do gel (ALBERTS et al., 2017).

Importância e aplicação

Os diferentes métodos de eletroforese em gel permitiram o desenvolvimento


de novas técnicas, como as técnicas de detecção de moléculas que veremos
a seguir. A eletroforese em gel permite que fragmentos de DNA, mRNA e
proteínas específicas sejam analisados separadamente. Essas técnicas são
utilizadas em diversas áreas do conhecimento, como ciências forenses, biologia
molecular, genética, microbiologia e bioquímica. A eletroforese de ácidos
nucleicos pode ser utilizada para:

 estimar o tamanho de moléculas de DNA após o uso de enzimas de


restrição, como em um mapa de restrição de DNA clonado;
 a análise de produtos de PCR, verificando se o gene de interesse foi
amplificado, como em testes diagnósticos ou em testes forenses de
impressão digital de DNA;
 a separação de moléculas como um passo do Southern blot e Northern blot.

A eletroforese de proteínas pode ter as seguintes aplicações:

 determinação do peso molecular de uma proteína;


 diagnóstico para a presença de proteínas anormais em uma amostra;
 separação de proteínas como um passo do Western blot.

Técnicas de detecção de moléculas


A detecção de moléculas específicas, como fragmentos de DNA, mRNA e
proteínas, é muito utilizada tanto na pesquisa como em testes diagnósticos.
Para todas as técnicas de detecção que veremos a seguir, o primeiro passo é
Técnicas básicas em biologia molecular 5

a eletroforese em gel. O Western blot é a técnica para a detecção de proteínas


específicas, o Southern blot para a detecção de fragmentos de DNA e o Northern
blot para a detecção de mRNA. A primeira dessas técnicas a ser desenvolvida
foi o Southern blot, que recebeu este nome pelo pesquisador que a criou, Edwin
Southern. As demais técnicas foram nomeadas por sua similaridade com o
Southern blot, em um trocadilho com as coordenadas geográficas.

Western blot

Após a realização da eletroforese em gel de proteínas, é possível identificar


uma proteína específica pela exposição de todas as proteínas presentes no gel
a um anticorpo contra esta proteína de interesse, marcado com um isótopo
radioativo ou corante fluorescente. Para isso, inicialmente deve-se transferir
as proteínas do gel para uma membrana de nitrocelulose ou de náilon. O gel é
posicionado em cima da membrana, e uma corrente elétrica é aplicada, fazendo
com que as proteínas do gel migrem em direção à membrana, mantendo a
organização que possuíam no gel. Como a membrana é uma superfície que
se liga facilmente a proteínas e, portanto, a anticorpos, deve-se fazer um
procedimento para impedir a interação entre o anticorpo que será utilizado e
a membrana. O bloqueio de ligações inespecíficas é feito pela exposição da
membrana a uma solução contendo proteínas, que normalmente é uma solução
com 5% de albumina bovina ou até mesmo leite em pó diluído em tampão.
Assim, essas proteínas irão ligar-se à membrana em todos os lugares onde as
proteínas que migraram não se encontram, fazendo com que o anticorpo que
será posteriormente utilizado não consiga se ligar em lugar algum da membrana
que não sejam os sítios de ligação para a proteína de interesse.
Após o bloqueio, a membrana está pronta para ser incubada com o anticorpo
que reconhece a proteína de interesse. Uma solução de tampão e anticorpo é
preparada, e a membrana fica nesta solução overnight. Na maioria das vezes,
são utilizados dois anticorpos para a detecção das proteínas: um anticorpo
primário reconhece a proteína de interesse e, após a incubação, um anticorpo
secundário, contendo uma marcação radioativa ou fluorescente, reconhece
o anticorpo primário. Assim, este sinal pode ser detectado e é possível fazer
a quantificação da proteína de interesse (ALBERTS et al., 2017; B., MAH-
MOOD; YANG, 2012).
6 Técnicas básicas em biologia molecular

Você sabe como ocorre a eletrotransferência?


O gel é posicionado acima da membrana e entre filtros de papel, previamente molhados
com tampão de transferência. Esse “sanduíche” é posicionado no aparelho, onde é
aplicada uma corrente elétrica que faz com que as proteínas do gel migrem para a
membrana.

Southern blot

De modo semelhante ao que ocorre com o Western blot, a técnica de Southern


blot pode ser utilizada para a separação e identificação de fragmentos de fita
dupla de DNA. O método é muito similar ao Western blot: primeiro, é feita a
eletroforese de DNA, na qual o DNA é clivado com endonucleases de restrição
e separado, de acordo com o tamanho, pela eletroforese em gel de agarose. Em
seguida, o gel é exposto a uma solução alcalina para que haja a desnaturação
das moléculas de DNA, separando as fitas. Esse processo é necessário para
a posterior hibridização de sondas. Depois disso, é feita a transferência dos
fragmentos para uma membrana de nitrocelulose ou de náilon. Essa técnica,
diferentemente do Western blot, utiliza sondas de DNA com marcadores radio-
ativos ou químicos para a detecção. O uso de sondas baseia-se no princípio de
hibridização das moléculas de DNA de fita simples e de RNA com uma nova
fita complementar. Assim, é utilizado um pequeno fragmento de DNA de fita
simples, chamado de sonda, marcado radioativamente ou quimicamente, cuja
sequência de nucleotídeos seja complementar à sequência do fragmento de
DNA de interesse. Dessa maneira, a membrana é exposta à sonda de hibridi-
zação. Em seguida, é feita a detecção do sinal da sonda por autorradiografia,
no caso de marcadores radioativos ou fluorescentes (ALBERTS et al., 2017).

Northern blot

Esta técnica é similar ao Southern Blot, mas é utilizada para a separação e identifi-
cação de moléculas de mRNA. Essas moléculas são separadas de acordo com o seu
tamanho na eletroforese em gel de agarose. Em seguida, é realizada a transferência
para uma membrana de nitrocelulose ou de náilon. De forma semelhante ao que
ocorre no Southern Blot, a membrana é incubada com uma solução contendo uma
Técnicas básicas em biologia molecular 7

sonda de DNA marcada complementar ao mRNA de interesse. Assim, as moléculas


de RNA que hibridizam com a sonda são detectadas pelo sinal da sonda, por meio
de autorradiografia ou por meios químicos (ALBERTS et al., 2017).

Importância e aplicação
As técnicas de detecção de moléculas são amplamente utilizadas na biologia
molecular e na bioquímica. A técnica de Western blot é utilizada para a de-
tecção qualitativa de proteínas específicas e modificações de proteínas. Além
disso, a partir dessa técnica, pode ser feita uma análise semi-quantitativa
da proteína de interesse, analisando-se o tamanho e a intensidade da banda
correspondente na membrana. Assim, é possível analisar se, em determinadas
condições, uma proteína está mais ou menos presente, além do uso para a
verificação da produção de proteína após clonagem. Ademais, essa técnica
é utilizada para diagnósticos médicos de doenças como o HIV, variante da
doença de Creutzfeldt-Jakob e doença de Lyme.
O Southern blot, por sua vez, pode ser utilizado para a identificação de
genes homólogos de diferentes espécies, com base na sequência já conhecida
de uma espécie. A membrana é exposta a uma sonda cuja sequência é com-
plementar à sequência do gene de interesse de outra espécie, de modo que
os fragmentos que hibridizarem com essa sonda possam ser posteriormente
analisados (CLARK; PAZDERNIK, 2012). Além disso, essa técnica também
pode ser utilizada para a impressão digital de DNA, muito presente nas ciências
forenses (NELSON; COX, 2005).
Por fim, o Northern blot é utilizado para a análise dos padrões de expres-
são gênica entre tecidos, órgãos e diferentes condições de uma célula. Essa
técnica já foi utilizada para a avaliação da expressão de oncogenes e de genes
supressores de tumor em células cancerígenas em comparação com células
sadias (STREIT et al., 2009). A técnica também pode ser utilizada para avaliar
mutações (DURAND; ZUKIN, 1993).

Técnicas de amplificação de DNA


Uma das técnicas mais utilizadas na biologia molecular é a PCR (reação em
cadeia da polimerase), que amplifica o DNA e permite sua análise por técnicas
que requerem grandes quantidades de DNA. A partir dessa técnica, outras
variações foram desenvolvidas, como a PCR em tempo real.
8 Técnicas básicas em biologia molecular

PCR convencional

A PCR é uma técnica muito utilizada em biologia molecular. Tem como obje-
tivo amplificar fragmentos de DNA para serem posteriormente utilizados em
outras análises. Para a realização dessa técnica, são necessários os seguintes
elementos:

 DNA isolado do organismo que se deseja estudar;


 primers, que são pequenas sequências de nucleotídeos complementares
às sequências das duas fitas nas extremidades do fragmento que se
deseja ampliar. Esses oligonucleotídeos irão fornecer o ponto de partida
necessário para a síntese da fita complementar pela DNA-polimerase;
 DNA-polimerase de bactérias termofílicas. Como a técnica requer o
aquecimento da solução contendo todos os elementos a altas tempera-
turas, deve ser utilizada uma DNA-polimerase que suporte essas con-
dições. Em geral, é utilizada a enzima da bactéria Thermus aquaticus,
chamada de Taq DNA-polimerase;
 nucleotídeos que servirão como matéria prima para a síntese de novos
ácidos nucleicos, chamados de desoxinucleotídeos trifosfato (dNTP);
 íons de magnésio divalente, que servem como cofator para a
DNA-polimerase;
 tampão de reação, o qual fornece as condições ideais para as reações
ocorrerem;
 equipamento termociclador, onde a técnica é feita. Realiza os ciclos de
temperatura necessários.

A técnica de PCR baseia-se no seguinte princípio: quando aquecidas a aproxi-


madamente 100°C, as moléculas de DNA desnaturam, havendo a separação das
fitas; quando expostas a 65°C por um certo período, as fitas voltam a ligar-se,
ou hibridizar. Assim, inicialmente os elementos acima são aquecidos a uma
temperatura de 90 a 96°C para que haja a desnaturação do DNA. Depois disso,
a temperatura cai para 65°C para que os primers possam se anelar na região
de interesse do DNA molde. Por fim, a temperatura sobe para 70°C para que a
DNA-polimerase realize o alongamento da nova fita de DNA a partir dos primers.
A cada ciclo, são realizados esses três passos, e em geral são necessários de
20 a 30 ciclos para a amplificação do DNA (ALBERTS et al., 2017). Como as
fitas formadas a cada ciclo serão utilizadas como molde para a síntese de novas
fitas no próximo ciclo, há um crescimento exponencial no número de cópias,
de forma que, a cada ciclo, dobram-se o número de cópias de DNA (Figura 2).
Técnicas básicas em biologia molecular 9

Figura 2. PCR. A cada ciclo, os primers anelam-se na fita molde de DNA para que a DNA-
-polimerase realize o alongamento, sintetizando novas fitas. Cada molécula de DNA formada
em um ciclo é utilizada como molde para o próximo, havendo um aumento exponencial
no número de moléculas de DNA.
Fonte: Khan Academy (c2018).

PCR em tempo real

Novas tecnologias permitem a realização da técnica de PCR com o monitora-


mento da amplificação em tempo real, por meio da emissão de fluorescência
por sondas. A reação ocorre em tubos de vidro, visto que esse material per-
mite a passagem da luz para a ativação do fluoróforo e para a monitoração
da fluorescência emitida. São adicionadas sondas fluorescentes que se ligam
ao DNA, cuja emissão de fluorescência aumenta com essa ligação. Algumas
sondas mais simples não são específicas para uma sequência, de forma que
emitem fluorescência ao ligarem-se em DNA de dupla fita, como a sonda SYBR
Green. Esse tipo de sonda monitora apenas a quantidade de DNA dupla fita.
Para garantir que uma sequência específica está sendo amplificada, é neces-
sário o uso de uma sonda sequência-específica, como a sonda TaqMan. Essa
sonda consiste em dois fluoróforos ligados por uma sequência de DNA que se
hibridiza com o meio da sequência-alvo. Quando estes fluoróforos estão ligados
à sonda, não há a emissão de fluorescência. Quando a sonda se liga ao DNA-
-alvo, a Taq polimerase corta a sonda em nucleotídeos, soltando os fluoróforos
e permitindo a liberação da fluorescência, a qual pode ser detectada (Figura 3).
Assim, a fluorescência está diretamente relacionada à quantidade de sequências
específicas que foram amplificadas. Dessa forma, a técnica é quantitativa, pois
mede a quantidade de produto que está sendo produzido. Por isso, a PCR em
10 Técnicas básicas em biologia molecular

tempo real muitas vezes é chamado de PCR quantitativo (qPCR). Além disso,
como essa técnica mede a amplificação do DNA em tempo real, é possível
acompanhar a amplificação a cada ciclo (CLARK; PAZDERNIK, 2012).

Primer

DNA-alvo

hv
Primer

Rodar
Sonda
PCR
hv

Novo DNA Taq polimerase

Alongamento hv

Flourescência
liberada

Sonda de DNA
degradada pela
Taq

Figura 3. PCR em tempo real. A sonda fluorescente hibridiza


com a sequência-alvo. Ao encontrar a sonda, a Taq polimerase
degrada os DNA da sonda, liberando o fluoróforo, o qual irá
emitir a fluorescência.
Fonte: adaptada de Clark e Pazdernik (2012, p. 184).
Técnicas básicas em biologia molecular 11

Importância e aplicação
As técnicas de PCR são muito utilizadas na biologia molecular e nas ciências
forenses. Primeiramente, a PCR permite o isolamento de fragmentos de DNA pela
amplificação de regiões específicas. Assim, a PCR tradicional é muito utilizada
como um primeiro passo de diversas técnicas, visto que a partir de uma pequena
quantidade de DNA podem ser obtidas quantidades maiores. Algumas das técnicas
que utilizam a PCR tradicional para a amplificação do material são o sequencia-
mento, a genotipagem e a clonagem (THERMO FISHER SCIENTIFIC, [201-?]).
Além disso, a PCR tradicional pode ser utilizada nas ciências forenses, em testes
de paternidade e na impressão digital de DNA. A PCR em tempo real, por outro
lado, apresenta resultados quantitativos, sendo um método com maior precisão
e sensibilidade. Essa técnica é muito utilizada para a quantificação da expressão
gênica, detecção de patógenos, genotipagem de polimorfismos de nucleotídeo
único (SNPs), análise de variação no número de cópias, análises de microRNA e
quantificação viral (THERMO FISHER SCIENTIFIC, [201-?]).

A impressão digital de DNA pode ser realizada tanto pela


PCR quanto pelo Southern blot. O Southern blot, entre-
tanto, é mais trabalhoso e requer grandes quantidades
de DNA. No vídeo a seguir, você pode ver como funciona
a impressão digital de DNA.

https://goo.gl/L7cE9i

ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
CLARK, D. P.; PAZDERNIK, N. J. Molecular biology. 2nd ed. Amsterdam: Elsevier, 2012.
DURAND, G. M.; ZUKIN, R. S. Developmental regulation of mRNAs encoding rat brain
kainate/ampa receptors: a northern analysis study. Journal of Neurochemistry, v. 61,
n. 6, p. 2239–2246, 1993.
12 Técnicas básicas em biologia molecular

KHAN ACADEMY. Polymerase chain reaction (PCR). c2018. Disponível em: <https://
www.khanacademy.org/science/biology/biotech-dna-technology/dna-sequencing-
-pcr-electrophoresis/a/polymerase-chain-reaction-pcr>. Acesso em: 15 abr. 2018.
MAHMOOD, T.; YANG, P. C. Western blot: technique, theory, and trouble shooting.
North American Journal of Medical Sciences, v. 4, n. 9, p. 429-434, 2012.
NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger principles of biochemistry. 4th ed. New York: W.
H. Freeman, 2005.
STREIT, S. et al. Northern blot analysis for detection and quantification of RNA in
pancreatic cancer cells and tissues. Nature Protocols, v. 4, n. 1, p. 37-43, 2009.
THERMO FISHER SCIENTIFIC. Real-time vs. digital PCR vs. traditional PCR. [201-?]. Disponí-
vel em: <https://www.thermofisher.com/br/en/home/life-science/pcr/real-time-pcr/
real-time-pcr-learning-center/real-time-pcr-basics/real-time-vs-digital-vs-traditional-
-pcr.html>. Acesso em: 15 abr. 2018.

Leitura recomendada
EXPLICAÊ. Biologia: biotecnologia: teste de DNA: DNA fingerprint. YouTube, 9 jul.
2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TuzeOv4zqX0>. Acesso
em: 15 abr. 2018
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Conteúdo:
BIOQUÍMICA
AMBIENTAL
Interações
moleculares nos
organismos vivos
Luiza Monteavaro Mariath

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar as relações moleculares e seus processos nos organismos vivos.


>> Reconhecer os conceitos básicos de biologia celular e molecular.
>> Analisar de que forma a variabilidade genética pode atuar na diversidade e
no desenvolvimento dos organismos vivos

Introdução
As células de todos os organismos vivos armazenam a informação hereditária em
moléculas de DNA na forma de um código genético. O DNA é uma macromolécula
essencial para todos os seres vivos, sendo responsável por transmitir às células
as informações necessárias para a síntese de proteínas e, assim, determinar as
funções dos organismos.
O fluxo da informação genética nos organismos vivos ocorre em um único sen-
tido: do DNA para o RNA e do RNA para a proteína. Essa sequência da transmissão
da informação genética é conhecida como dogma central da biologia molecular e
é universal para todas as células dos seres vivos. Durante a transcrição, o DNA é
transcrito em RNA. No processo de tradução, o RNA serve de molde para a síntese
de proteínas. Ainda que esses processos moleculares sejam muito precisos e
estejam sujeitos a mecanismos de revisão e correção, alguns erros podem ocorrer
em diferentes etapas, gerando modificações no DNA. A variabilidade genética é
2 Interações moleculares nos organismos vivos

responsável por tornar cada indivíduo único e é fonte essencial da evolução dos
organismos.
Neste capítulo, você vai estudar os processos moleculares envolvidos na via
de transmissão da informação genética, seus componentes e funções.

Importância da estrutura e função


dos ácidos nucleicos para o fluxo
da informação genética
Todos os organismos vivos são formados por células, estruturas que repre-
sentam a menor unidade de matéria viva. As células dos organismos vivos
são complexas e diversas, mas todas possuem uma maquinaria capaz de
desenvolver as funções básicas dos organismos e, assim, modular suas ca-
racterísticas morfológicas e fisiológicas. Todas as células vivas armazenam a
informação hereditária em um código comum — o código genético —, na forma
de moléculas de DNA de fita dupla, como veremos ao longo deste capítulo.
O material genético é, em última instância, o responsável pelas propriedades
dos organismos. Ainda que exista significativa similaridade entre as células
dos variados tipos de organismos, diferenças celulares fundamentais os di-
videm em dois grupos principais: seres procariotos e eucariotos. Organismos
procariotos, como as bactérias, são unicelulares e apresentam organização
celular mais simples, sem a presença de organelas. Os organismos eucario-
tos, como plantas pluricelulares, animais e fungos, são mais complexos e
apresentam organelas com funções especializadas, como o núcleo celular,
responsável por armazenar o material genético (ALBERTS et al., 2010; ZAHA;
FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).
Os ácidos nucleicos são macromoléculas essenciais para todos os orga-
nismos vivos, sendo responsáveis por transmitir às células as informações
acerca das proteínas que devem ser produzidas, sua sequência de aminoácidos
e função biológica. Dessa forma, os ácidos nucleicos são os responsáveis por
estocar e transmitir a informação genética na célula. Existem dois tipos de
ácidos nucleicos: ácido desoxirribonucleico (DNA) e ácido ribonucleico (RNA).
O estudo da genética molecular foca na inter-relação entre esses dois ácidos
Interações moleculares nos organismos vivos 3

nucleicos e no seu papel para a síntese de polipeptídeos (componentes bási-


cos de todas as proteínas). Nos organismos eucariotos, o DNA é encontrado
principalmente nos cromossomos dentro do núcleo das células, embora
pequenas moléculas de DNA também estejam presentes nas mitocôndrias e
nos cloroplastos (presentes apenas em células vegetais) (STRACHAN; READ,
2013; ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).
O DNA e o RNA são polímeros formados por nucleotídeos unidos de forma
linear por meio de ligações fosfodiéster. Cada nucleotídeo é formado por um
grupamento fosfato, uma pentose e uma base nitrogenada. No RNA, o açúcar
pentose é sempre a ribose, enquanto no DNA é a desoxirribose. Existem cinco
diferentes bases nitrogenadas: a adenina (A), a guanina (G) e a citosina (C) são
comuns ao DNA e ao RNA, enquanto a timina (T) é encontrada apenas no DNA
e a uracila (U), apenas no RNA. A informação genética é estocada na cadeia
de polinucleotídeos do DNA (ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).
Nas células vivas, uma nova molécula de DNA é produzida a partir de um
molde formado por uma fita de DNA pré-existente. As bases da fita existente
pareiam com as bases da fita que está sendo sintetizada, de acordo com
a regra da complementaridade de bases: A pareia com T e C pareia com G.
Assim, uma estrutura de fita dupla é formada, e as duas fitas são torcidas
(enroladas) entre si para formar a estrutura de dupla-hélice do DNA (Figura 1).
Isso é o que chamamos de gene corresponde a um segmento único, ou seja,
uma pequena parte de DNA que é transcrito (copiado), formando uma molé-
cula de RNA que é, posteriormente, traduzida em uma proteína. Dessa forma,
diferentes sequências formadas pelas quatro bases do DNA (A, C, T e G)
são responsáveis por codificar sequências de aminoácidos que compõem
a estrutura primária das proteínas (ALBERTS et al., 2010; ZAHA; FERREIRA;
PASSAGLIA, 2012).
O fluxo da informação genética ocorre em um único sentido: do DNA para
o RNA e do RNA para a proteína. O DNA é transcrito em RNA que, por sua vez,
é utilizado para a síntese de polipeptídeos que formarão as proteínas. Todas
as células expressam sua informação genética nesse mesmo sentido, desde
bactérias até seres humanos. Dada tal universalidade, essa sequência da trans-
missão da informação genética é conhecida como dogma central da biologia
molecular (Figura 2) (ALBERTS et al., 2010; ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).
4 Interações moleculares nos organismos vivos

Figura 1. A estrutura da dupla-fita de DNA. O DNA é um polímero formado por quatro diferentes
nucleotídeos: adenina, timina, guanina e citosina. A base adenina se liga com a timina e a
base citosina se liga com a guanina.
Fonte: Alberts et al. (2017, p. 176).
Interações moleculares nos organismos vivos 5

Figura 2. Dogma central da biologia molecular. O fluxo da informação


genética nas células dos organismos vivos flui sempre num mesmo
sentido: do DNA ao RNA (transcrição) e do RNA à proteína (tradução).
O processo de geração de uma nova molécula de DNA a partir de outra
pré-existente é chamado de replicação.
Fonte: Girardi, Subtil e Rangel (2018, p. 17).

A replicação do DNA para a manutenção


da estabilidade genética
Antes de iniciarmos os estudos acerca dos processos moleculares que per-
mitem a decodificação da informação genética a partir do DNA em RNA e
proteína, é importante entendermos como as células se organizam e garantem
a estabilidade genética. O desenvolvimento de um ser vivo, bem como sua
manutenção e reprodução, exige que novas células sejam produzidas. Para
tanto, todos os organismos devem duplicar, de forma altamente precisa, seu
DNA antes de cada ciclo de divisão celular. Isso garante que as duas células-
-filhas, geradas no processo de mitose (divisão celular), sejam geneticamente
6 Interações moleculares nos organismos vivos

iguais à célula-mãe que lhes deu origem. Esse processo de duplicação do DNA
é conhecido como replicação e se baseia na complementaridade de bases
do DNA (ALBERTS et al., 2010).
A replicação tem início quando as duas fitas que formam o DNA se desen-
rolam por uma enzima denominada helicase. A partir daí, cada uma das fitas
de DNA serve de molde para a produção de uma fita de DNA complementar
utilizando os quatro nucleotídeos do DNA (A, C, T e G). As duas fitas de DNA
recém-sintetizadas (fitas “filhas”) são idênticas à molécula parental que
serviu de molde. A enzima que catalisa a incorporação dos nucleotídeos e
a consequente polimerização do DNA é conhecida como DNA-polimerase
(STRACHAN; READ, 2013). A Figura 3 apresenta o processo de replicação do DNA.

Figura 3. Replicação do DNA. No processo de replicação, a molécula de DNA se “desen-


rola”, e cada uma de suas fitas serve de molde para a síntese de uma nova fita de DNA.
Fonte: Strachan e Read (2013, p. 9).
Interações moleculares nos organismos vivos 7

Apesar da universalidade do dogma central da biologia molecular,


os processos moleculares variam em complexidade nos diferentes
tipos de organismos. Importantes peculiaridades, como a presença de enzimas
específicas e etapas diferenciadas, podem ser observadas nos processos em
eucariotos e procariotos. Ainda que o processo biológico geral seja o mesmo
para todos os tipos de organismos, é importante saber que diferenças existem
e são essenciais para modular a complexidade dos seres vivos.

Do DNA à proteína: fluxo da informação


genética nos organismos vivos
A primeira etapa da decodificação de um genoma é a transcrição, processo pelo
qual uma molécula de RNA é sintetizada a partir do DNA de um gene. Genes
são segmentos de DNA que estão distribuídos ao longo da sequência de DNA
e servem como molde para a produção de moléculas de RNA complementares
por meio do processo de transcrição. A tradução, por sua vez, é o processo
no qual um polipeptídeo é formado a partir da molécula de RNA sintetizada.
Alguns produtos formados a partir da informação contida em um gene são
essenciais para o funcionamento de todas as células, enquanto outros são
produzidos em apenas algumas células e em momentos específicos. Os pro-
cessos de transcrição e tradução tornam possível, portanto, que as células
leiam e expressem as instruções genéticas dos seus genes (ALBERTS et al.,
2010; STRACHAN; READ, 2013).
A transcrição e a tradução ocorrem em organismos eucariotos e procario-
tos, mas algumas peculiaridades diferenciam os processos entre esses dois
grupos de organismos. Nos organismos eucariotos, a transcrição ocorre no
núcleo celular, enquanto a tradução ocorre no citoplasma. Nos organismos
procariotos, como não existe um núcleo individualizado, ambos os processos
acontecem no citoplasma, de forma acoplada. Além disso, os transcritos
primários de mRNA de eucariotos são amplamente processados após a trans-
crição, diferentemente dos transcritos de procariotos, que sofrem pouco ou
nenhum processamento (ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).
8 Interações moleculares nos organismos vivos

A transcrição é o processo de síntese de moléculas de RNA que conecta


a informação presente no genoma (que chamamos de genótipo) com as ca-
racterísticas funcionais da célula e dos organismos (que chamamos de fe-
nótipo), sendo um passo essencial para a expressão gênica, ou seja, para a
expressão das informações contidas nos genes de cada indivíduo. Durante a
transcrição, a sequência de nucleotídeos de um gene é copiada sob a forma
de uma sequência de nucleotídeos de RNA. Como vimos, o RNA é um polímero
linear quimicamente muito similar ao DNA. O RNA possui a base uracila (U)
(em vez da timina, presente no DNA), que também estabelece ligação com a
base adenina (A). Dessa forma, as propriedades de complementaridade por
pareamento de bases também se aplicam ao RNA. Apesar de quimicamente
similares, DNA e RNA estruturalmente diferem de forma significativa. Enquanto
o DNA se apresenta na forma de uma hélice de fita dupla, o RNA se apresenta
como fita simples (ALBERTS et al., 2010; ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).
Usualmente, apenas uma das duas fitas de DNA serve como molde para a
síntese de RNA (Figura 4). A enzima que realiza a transcrição do DNA em RNA é
a RNA-polimerase. A transcrição inicia com a abertura e desespiralização da
dupla-hélice de DNA. Ao menos uma das duas fitas de DNA age como molde
para uma nova molécula de RNA. Assim, durante a transcrição, temporiamente
se forma um híbrido RNA-DNA com a cadeia nascente de RNA. A enzima RNA-
-polimerase move-se ao longo do DNA que está sendo transcrito, de forma
a desenrolar a dupla-hélice e permitir a exposição de uma nova região de
fita-molde para o pareamento de bases por complementaridade. Quando um
pareamento adequado é estabelecido entre a fita-molde de DNA e a cadeia
nascente de RNA, o ribonucleotídeo a ser incorporado é covalentemente
ligado à cadeia de RNA em formação. Ao final da transcrição, quando a RNA-
-polimerase encontra um sinal de terminação, a fita de RNA recém-sintetizada
é liberada (ALBERTS et al., 2010; STRACHAN; READ, 2013).
A maioria dos genes dos organismos é responsável por determinar a
sequência de moléculas de RNA que, por sua vez, indicam a sequência de
aminoácidos de proteínas. Esses RNAs são chamados de RNA-mensageiros
(mRNA). Entretanto, para um pequeno número de genes, o produto final será
o próprio RNA, sem que haja a produção de uma proteína. Entre esses dife-
rentes tipos de RNA existentes, destacam-se o RNA-transportador (tRNA) e o
RNA-ribossomal (rRNA), que serão importantes para o processo de tradução
(ALBERTS et al., 2010).
Interações moleculares nos organismos vivos 9

Figura 4. Visão geral do processo de transcrição. Durante a transcrição, ocorre a separação


da dupla-hélice de DNA, que serve de molde para a síntese do transcrito de RNA. Ao longo
do processo, ribonucleotídeos complementares ao DNA molde são adicionados à cadeia
nascente de RNA pela ação da enzima RNA-polimerase. Após a transcrição, a fita de RNA-
-mensageiro recém-sintetizada servirá de molde para a produção de um polipeptídeo durante
o processo de tradução.
Fonte: Strachan e Read (2013, p. 13).

Antes da tradução, as moléculas de mRNA da maior parte dos genes euca-


rióticos passam por um processamento também chamado de splicing. Quando
um gene é transcrito, formando uma molécula de RNA, tanto sequências
chamadas de éxons quanto sequências chamadas de íntrons, que compõem
os genes, são copiadas. Os éxons são sequências codificantes responsáveis
por carregar as instruções genéticas para a produção do mRNA maduro.
Os íntrons são sequências intervenientes não codificantes presentes na
sequência da maior parte dos genes. No splicing, os íntrons presentes no
transcrito primário são removidos e descartados para que ocorra a formação
do mRNA maduro, que contém apenas os segmentos de éxons. O splicing do
pré-mRNA em mRNA maduro é realizado por um complexo de moléculas de
RNA e proteínas denominado spliceossomo. O processo de splicing é uma
etapa primordial que antecede a tradução do mRNA (ALBERTS et al., 2010;
STRACHAN; READ, 2013).
Após a produção do mRNA maduro no núcleo celular, ocorre sua migração
para o citoplasma, onde ele se ligará aos ribossomos para iniciar a tradução e
a síntese de polipeptídeos. Os ribossomos são grandes complexos formados
por RNA-proteína e são arranjados em duas subunidades. O processo de tra-
dução, como o nome indica, envolve a conversão da informação de RNA para
proteína. A sequência de nucleotídeos do mRNA é traduzida em uma sequência
de aminoácidos de um polipeptídeo por meio de um sistema conhecido como
código genético. A sequência nucleotídica do mRNA é lida em grupos de
três nucleotídeos (trincas ou triplets). Cada conjunto de três nucleotídeos é
chamado de códon e cada códon especifica um aminoácido (ou o término do
processo de tradução) (ALBERTS et al., 2010; STRACHAN; READ, 2013).
10 Interações moleculares nos organismos vivos

A tradução do mRNA em proteína utiliza RNAs transportadores (tRNAs).


Tais tRNAs reconhecem e se ligam aos códons do mRNA ao mesmo tempo que
carregam e se ligam ao aminoácido correspondente àquele códon. Cada tRNA
possui seu próprio anticódon, uma sequência de trinucleotídeos que pareia
com o códon complementar na molécula de mRNA. Além do anticódon, o tRNA
possui outra região crucial, na sua extremidade 3’, que é responsável por ligar
o aminoácido correspondente. Para que um aminoácido seja adicionado na
cadeia crescente de polipeptídeo, o códon no mRNA deve ser reconhecido
pelo pareamento de bases com o anticódon do tRNA que carrega o aminoácido
correspondente (ALBERTS et al., 2010; STRACHAN; READ, 2013).
É importante destacar que o ribossomo possui três sítios e, dependendo do
papel desempenhado por um tRNA na tradução, este pode se localizar em um
ou outro sítio do ribossomo. O início da tradução ocorre quando o ribossomo
localiza um códon de iniciação, que contém a sequência de nucleotídeos AUG.
A partir disso, um tRNA iniciador, carregando uma metionina (aminoácido
codificado pelo códon de iniciação AUG), se liga ao sítio P do ribossomo. Após
o pareamento de bases do anticódon desse tRNA iniciador com o códon AUG
no mRNA, um tRNA complementar ao segundo códon do mRNA se liga ao sítio
vizinho no ribossomo (sítio A). Forma-se, então, uma ligação peptídica entre os
dois aminoácidos, que ficam ligados ao tRNA presente no sítio A. Em seguida,
ocorre o deslocamento do ribossomo pela cadeia de mRNA, posicionando o
tRNA iniciador no sítio de saída (sítio E) e o tRNA que carrega o dipeptídeo
no sítio P. O sítio A fica, portanto, livre para receber um novo tRNA com um
anticódon complementar ao terceiro códon, e uma nova ligação peptídica será
formada. Esse processo é repetido sucessivas vezes até o aparecimento de
um códon de parada, que sinaliza que o polipeptídeo está completo e deve
se desligar do ribossomo. Existem três códons de terminação principais em
mRNAs transcritos a partir de genes nucleares: UUA, UAG e UGA. Quando um
códon de terminação é encontrado, um fator de liberação da proteína entra
no sítio A do ribossomo (em vez de um tRNA), o que serve de sinal de que o
polipeptídeo deve se desligar do ribossomo. A partir disso, o polipeptídeo
formado será submetido a diferentes etapas de processamento e modificações
até a formação da proteína madura (STRACHAN; READ, 2013).
Interações moleculares nos organismos vivos 11

A Figura 5 apresenta o processo de tradução de uma molécula de mRNA


em proteína.

Figura 5. Tradução de uma molécula de mRNA em proteína. O ribossomo é montado em duas


subunidades principais: uma maior (onde ocorre o processo de tradução) e uma menor.
Na etapa 1, um tRNA se liga ao sítio A do ribossomo vazio. Na etapa 2, uma ligação peptídica é
formada. Na etapa 3, a subunidade ribossômica maior sofre um deslocamento, fazendo com
que o tRNA do sítio A passe a ocupar o sítio P, e o tRNA do sítio P passe a ocupar o sítio E (sítio
de saída, para a liberação do tRNA). Na etapa 4, a subunidade menor se desloca, carregando
o mRNA três nucleotídeos a frente. Isso faz com que processo ocorra novamente, deixando
um sítio A ribossomal livre para que uma nova molécula de tRNA se ligue.
Fonte: Alberts et al. (2017, p. 343).
12 Interações moleculares nos organismos vivos

Nesta seção, citamos brevemente dois termos muito utilizados no


estudo da genética: genótipo e fenótipo. Entender o significado
desses termos é essencial quando estudamos os processos de biologia molecular
e as consequências das modificações nesses processos. O genótipo se refere
à constituição genética total de uma célula individual ou de um organismo.
É também utilizado para indicar os alelos em um locus específico (em uma
posição específica do genoma). O fenótipo diz respeito às características físicas,
fisiológicas e funcionais de uma célula ou organismo, que são influenciadas por
fatores genéticos e ambientais. Dessa forma, o genótipo em um determinado
locus pode influenciar no fenótipo, mas outros fatores genéticos e ambientais
também têm efeitos na apresentação fenotípica.

Para facilitar seu entendimento acerca do processo de tradução,


assista à animação “Translation”, do canal NDSU Virtual Cell Anima-
tions, no YouTube.

Modificações no DNA que influenciam


a variabilidade genética e
o desenvolvimento dos organismos vivos
As moléculas de DNA dos organismos vivos devem ser transmitidas de geração
para geração da maneira mais fidedigna possível, visando à perpetuação do
material genético. Para isso, as taxas de mutação devem ser mantidas em
valores mínimos. As células vivas necessitam que os genes exerçam suas
atividades corretamente, pois modificações nas sequências dos genes podem
resultar em consequências graves para os processos celulares. Ainda que a
manutenção da integridade do genoma seja importante para a sobrevivência
dos organismos, as moléculas de DNA não são estáticas. Isso é importante
para garantir a variação genética, essencial para a evolução. Portanto, para
a existência da vida e da biodiversidade, é necessário um equilíbrio entre
a ocorrência de variações e o reparo no DNA (WATSON et al., 2015; ZAHA;
FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).
Interações moleculares nos organismos vivos 13

O termo mutação genética refere-se a qualquer alteração hereditária no


DNA, sejam mudanças no número de cromossomos, na estrutura cromossô-
mica ou na sequência dos genes individuais. As mutações genéticas podem
se originar de diferentes formas. Uma delas é a ocorrência de falhas durante
o processo de replicação do DNA. A maquinaria enzimática de replicação do
DNA desenvolve funções de correção de erros por meio de mecanismos de
revisão de leitura dos nucleotídeos recém inseridos. Entretanto, ainda assim,
alguns erros permanecem. Além das falhas na replicação, ocorrem lesões no
material genético por causas ambientais. Substâncias químicas naturais e
artificiais, além da radiação, atuam ocasionando quebras na molécula de DNA
e alterando quimicamente suas bases (WATSON et al., 2015; ZAHA; FERREIRA;
PASSAGLIA, 2012).
Muitas das variações no DNA não ocasionam qualquer efeito fenotípico, ou
seja, são silenciosas e não interferem na síntese de proteínas e no funciona-
mento celular. Por outro lado, muitas das alterações no DNA estão associadas
a consequências negativas ou positivas, seja no nível individual, seja no nível
de espécie. Nesta seção, estudaremos as consequências das modificações
genéticas. Uma grande vantagem na ocorrência de uma taxa pequena e
controlada de mutações é a variabilidade genética. Essa fonte constante de
novas variantes possibilita que os organismos vivos se ajustem aos ambientes
físicos e biológicos em constante modificação (WATSON et al., 2015).
A variação genética hereditária é a principal responsável pelas diferen-
ças observadas entre os indivíduos de uma mesma população. A seleção
natural é um processo biológico segundo o qual a variabilidade genética
herdada é responsável por fornecer aos indivíduos diferentes capacidades
de reprodução, de geração de prole saudável e de sobrevivência. A aptidão
de um organismo leva em consideração sua habilidade para sobreviver e se
reproduzir. Em alguns casos, variações genéticas em sequências funcional-
mente importantes podem, sozinhas, interferir na aptidão de um indivíduo.
Nesses casos, a mutação genética pode remover ou alterar um nucleotídeo ou
aminoácido importante, alterar o processamento do mRNA e/ou proteína ou,
ainda, causar a terminação prematura da proteína. Indivíduos que carregam
variantes associadas a consequências funcionais importantes para a célula
usualmente apresentam menor sucesso reprodutivo. Mutações danosas são
negativamente selecionadas a fim de conservar sequências funcionalmente
importantes. Esse processo é conhecido como seleção purificadora e resulta
14 Interações moleculares nos organismos vivos

em uma redução na diversidade genética. Por outro lado, uma nova variação
que resulte em vantagem seletiva e aumente a aptidão de seu portador estará
sujeita à seleção positiva, que promoverá a disseminação dessa variante na
população (STRACHAN; READ, 2013).
As mutações são o principal fator que resulta em variabilidade genética,
permitindo que novos alelos surjam e, com eles, apareçam novas caracterís-
ticas nos organismos. Essa variabilidade genética é fundamental para que
existam variações fenotípicas dentro da espécie e para a seleção natural
e evolução das espécies. Variações genéticas são comuns e muitas delas
não causam alteração no fenótipo. Outras variantes alteram o fenótipo,
mas estão associadas à variação normal dos organismos. No caso do ser
humano, por exemplo, variantes genéticas são responsáveis pelas variações
de pigmentação, estrutura corporal, metabolismo, entre outros, o que torna
cada indivíduo único. Algumas variantes, entretanto, são patogênicas e estão
associadas à ocorrência de doenças (STRACHAN; READ, 2013).

Engenharia genética como ferramenta para novas


descobertas científicas
O estudo das mutações genéticas levou pesquisadores a explorarem a pos-
sibilidade do aparecimento de novas características desejáveis por meio da
indução de mutações. Muitos estudos, utilizando diferentes tipos de plantas,
demonstraram resultados promissores da abordagem. Por exemplo, linhagens
cultivadas de cevada apresentaram maior produtividade e resistência a partir
de ensaios de indução de mutações (ZAHA; FERREIRA; PASSAGLIA, 2012).
A engenharia genética é um termo que engloba um conjunto de técnicas
de biologia molecular por meio das quais fragmentos de DNA de origens
distintas são combinados para originar um novo DNA: o DNA recombinante.
A tecnologia do DNA recombinante é muito utilizada na clonagem de genes e
na modificação genética de organismos. Assim, metodologias de engenharia
genética podem ser utilizadas para modificar genes e inseri-los em cromos-
somos da célula, permitindo que se tornem parte permanente do genoma.
Quando a célula utilizada para a transferência do gene é um óvulo fertilizado
em um animal ou uma célula vegetal totipotente em cultura, é possível produzir
organismos transgênicos que expressam o gene mutante e o transferem para
sua progênie. A engenharia genética possibilita a modificação de células e
organismos de maneira muito específica e tem papel cada vez mais impor-
tante para a agricultura e para o desenvolvimento de terapias para doenças
genéticas (ALBERTS et al., 2010).
Interações moleculares nos organismos vivos 15

Referências
ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
GIRARDI, C. S.; SUBTIL, F. T.; RANGEL, J. O. Biologia molecular. Porto Alegre: SAGAH, 2018.
STRACHAN, T.; READ, A. Genética molecular humana. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
WATSON, J. D. et al. Biologia molecular do gene. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.
ZAHA, A.; FERREIRA, H. B.; PASSAGLIA, L. M. P. (org.). Biologia molecular básica. 4. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2012.

Leitura recomendada
TRANSLATION. [S. l.: s. n., 2010]. 1 vídeo (3 min). Publicado pelo canal ndsuvirtualcell.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5bLEDd-PSTQ&t=189s. Acesso em:
13 abr. 2021.

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos


testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da
publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas
páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores
declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou
integralidade das informações referidas em tais links.
DIMENSÕES
BIOLÓGICAS E
BIOQUÍMICAS DA
ATIVIDADE
MOTORA

Salma Hernandez
Células procariontes
e eucariontes
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as diferenças entre procariontes e eucariontes.


 Descrever as estruturas que compõem uma célula procarionte.
 Reconhecer as características presentes em uma célula eucarionte.

Introdução
Acompanhando as linhas teóricas que descreveram a origem e a evolução
dos organismos vivos na Terra, é impossível não admitir um aumento na
complexidade e na organização das células, independentemente da linha
teórica a que se fundamenta sua origem. As células indiscutivelmente
evoluíram, tornando-se mais complexas e especializadas para executar
funções importantes e determinantes para a perpetuação da vida. Nesse
sentido, estão situadas as células procariontes e eucariontes, sendo as
primeiras mais simples e as outras mais complexas e organizadas.
Ambas as células constituem uma grande infinidade de organismos
vivos e são, portanto, vitais para nosso ecossistema. O aprofundamento
sobre a visão dessas células também nos remete ao processo de evolução
dos organismos vivos, passando dos seres mais simples para os mais
complexos e especializados como nós mesmos.
Portanto, neste capítulo, você entenderá quais são as principais di-
ferenças entre as células procariontes e eucariontes, além de ser capaz
de reconhecer e descrever suas estruturas e características, realizando
relações com os seres representantes dessas características.
2 Células procariontes e eucariontes

Organização celular
A classificação dos seres vivos foi proposta a fi m de facilitar o estudo sobre
esses organismos e de se compreenderem suas relações evolutivas. Atual-
mente se admite que todos os organismos estão incluídos em três grandes
domínios: Bacteria, Archaea e Eukarya. Essa classificação foi proposta por
Carl Woese (1928-2012), em 1990, e criada por meio de dados de análise
de nucleotídeos de RNA ribossômico. O domínio Bacteria agrupa todas as
bactérias verdadeiras ou simplesmente bactérias que são seres procarion-
tes. O domínio Archaeae inclui todas as arqueas, que anteriormente eram
consideradas erroneamente como grupo basal das bactérias e também são
procariontes. O domínio Eukarya, por sua vez, é composto de todos os
organismos eucariontes existentes, estando inclusos nesse grupo os reinos
Protoctista (algas e protozoários), Fungi (fungos), Plantae (plantas e vegetais)
e Animalia (animais).
Refletindo essas classificações, no estudo segmentado por classificações
no ramo da biologia, as células podem ser avaliadas diante de sua estruturação
organizacional. Desse modo, aquelas que possuem uma estruturação mais sim-
ples, principalmente no quesito material genético, são consideradas procariontes,
como os Lactobacillus, uma bactéria presente em nossa flora intestinal, enquanto
aquelas que possuem uma estruturação mais complexa e material genético envolto
por membrana são consideradas células eucariontes, como animais (incluindo a
nós mesmos), plantas, vegetais, fungos, algas e protozoários (BRODY; BRODY,
1999; LOPES; ROSSO, 2013; REECE et al., 2015).
O termo procarionte é oriundo dos termos gregos pro = primeiro e ka-
ryon = noz ou amêndoa, núcleo, organismos unicelulares na sua vasta maio-
ria e que apresentam material genético disperso no citoplasma. Já o termo
eucarionte provém do grego eu = bom, perfeito e karyon = noz ou amêndoa,
núcleo, organismos que possuem um envoltório para o material genético e
diversas organelas citoplasmáticas.
Os organismos procariontes não possuem nenhum tipo de divisão interna
por membranas, estando ausentes várias organelas. Eles se caracterizam por
não apresentarem um envoltório para o material genético e pela presença de
ribossomos, estando ausentes outras organelas. Já os organismos eucariontes
são caracterizados pela presença de um envoltório que circunda o material
genético (a carioteca) e a presença de várias organelas com funções especí-
ficas dispostas no citoplasma. Tais características conformam as principais
diferenças entre esses organismos.
Células procariontes e eucariontes 3

As células procariontes surgiram primeiro, bilhões de anos atrás, na era


primitiva, e possuem um núcleo mais simples, isto é, o material genético (DNA)
fica esparso no citoplasma sem nenhuma separação. Pelo grande processo de
seleção natural a que são submetidas essas células, desde a era primitiva, elas
possuem grande diversidade de formatos, colorações e características ligadas
ao meio em que vivem. As células procariontes são extremamente resistentes
às condições extremas, como alta salinidade, radiação, condições climáticas,
entre outros. São menores quando comparadas com as células eucariontes
(enquanto as procariontes medem, geralmente, entre 1 e 5 µm, as eucariontes
medem entre 10 e 100 µm). Em geral, são unicelulares, porém são células
extremamente organizadas e realizam funções vitais de um organismo dentro
de uma única célula. Outra característica dessas células é que possuem a ca-
pacidade da taxia, isto é, mobilidade por meio de uma estrutura denominada
flagelo, não sendo, porém, todas que possuem essa capacidade. As trocas de
substâncias com o meio externo são realizadas por meio da parede celular,
que apresenta permeabilidade. Os procariotos se reproduzem rapidamente
por um processo chamado fissão binária, no qual uma célula se divide em
duas, depois em quatro, em oito e assim por diante. Além disso, possuem a
capacidade de mutação e recombinação gênica, garantindo a perpetuação e
a proliferação dessas células. Por fim, é importante ressalvar que as células
procariontes não formam seres pluricelulares, mas podem se constituir em
colônias. Sua nutrição é realizada por energia proveniente da luz (fototrófica)
ou de compostos químicos (quimiotrófica) (AMABIS; MARTHO, 2006;
JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2005; LOPES; ROSSO, 2013; REECE et al, 2015).
Confira na Figura 1 os formatos e tamanhos diferentes das bactérias.

Figura 1. a) Cocos; b) bacilos; c) espiralados.


Fonte: Adaptada de Alberts et al. (2017a, p. 13).
4 Células procariontes e eucariontes

Já as células eucariontes são caracterizadas pela presença de estruturas


e organelas ausentes nos procariontes. Seu núcleo é organizado, possuindo
uma membrana que circunda o material genético. Além disso, apresenta
organelas cujas funções são especializadas e vitais ao organismo vivo,
e, por esses motivos, são mais complexas do que as células procariontes.
O processo evolutivo das células procariontes para as eucariontes não
é totalmente claro, mas acredita-se que ao longo de bilhões de anos as
membranas das células procariontes tenham emitido invaginações de sua
superfície e, por meio da multiplicação dessas invaginações e do aumento
da complexidade, aglomeraram-se ao redor do bloco inicial, formando uma
das primeiras estruturas características das células eucariontes: o retículo
endoplasmático. A partir desse evento teriam surgido as demais organelas
das células eucariontes.
Por toda essa estruturação celular, as células eucariontes possuem a capa-
cidade de trocar substâncias com o meio externo por meio dos processos de
endocitose e exocitose (AMABIS; MARTHO, 2006; JUNQUEIRA; CAR-
NEIRO, 2005; LOPES; ROSSO, 2013; REECE et al, 2015).

O link a seguir traz uma animação dos processos de endoci-


tose e exocitose, ambos processos de troca de substâncias
das células eucariontes (MEMBRANA…, 2017).

https://goo.gl/Qbhpn9

Por possuírem citoesqueleto, estrutura cuja função proporciona suporte


celular, podem apresentar formatos irregulares. Geralmente são unicelulares e
possuem reprodução sexuada, isto é, divisão celular, tanto por meio da mitose
quanto da meiose (AMABIS; MARTHO, 2006; JUNQUEIRA; CARNEIRO,
2005; LOPES; ROSSO, 2013; REECE et al, 2015).
Células procariontes e eucariontes 5

São principais exemplos de células eucariontes os fungos, os protozoários, os animais


e as plantas. A Figura 2 ilustra uma célula animal e uma célula vegetal. Repare como
ambas são organizadas, complexas e possuem estruturas parecidas.

Figura 2. Células animal e vegetal.


Fonte: Adaptada de Tefi/Shutterstock.com.

No organismo humano, as células procariontes formam mais de 100 tipos


de células que dão origem aos tecidos com funções específicas em nosso
organismo. Essas células estão presentes em nossos tecidos epitelial, conjun-
tivo, muscular, nervoso. De maneira geral, é importante frisar que todos nós
possuímos tanto células procariontes como eucariontes e que a relação dessas
células ocorre de maneira suficientemente equilibrada para que tenhamos
condições de saúde para a sobrevivência. Assim, ambas são importantes para
o estabelecimento e a prevalência da vida em nosso ecossistema.
Diante disso, acredita-se que as células complexas eucariontes tiveram
origem e evoluíram de uma célula mais simples, mas também importante, as
células procariontes sobre as quais veremos a função e as características mais
detalhadamente a seguir.
6 Células procariontes e eucariontes

No site a seguir, você encontrará mais detalhes das dife-


renças entre as células procariontes e eucariontes (STEIN,
[2017?]).

https://goo.gl/yxdCyd

Organização das células procariontes


As células procariontes são células unicelulares dos domínios Bacteria e Archaea,
possuem uma organização mais simples em comparação às células eucariontes,
seu material genético fica espalhado no citoplasma e poucas organelas estão
presentes. A seguir, vamos analisar quais são suas principais características.
Essas células são revestidas pela parede celular, estrutura localizada no
exterior da membrana celular cuja função está ligada com a proteção contra
a entrada excessiva de água e agentes patógenos, além de garantir forma e
rigidez à célula. Essa estrutura é formada por polissacarídeos, aminoácidos e
peptidoglicano, um polímero de açúcares associados e polipeptídeos.
A membrana celular é uma camada lipoproteica (bicamada fosfolipí-
dica) que separa o conteúdo citoplasmático do meio em que ela se encontra e
controla as trocas de substâncias com o meio ambiente. Alguns procariontes
ainda possuem uma camada externa à parede celular chamada cápsula, uma
estrutura mucosa composta principalmente de polissacarídeos. A cápsula, além
de favorecer a adesão às superfícies, impede a desidratação e dá proteção à
célula. Assim, estão dispostas de fora para dentro a cápsula (quando presente),
a parede celular e a membrana celular.
O citoplasma é o espaço correspondente à área intracelular. Nele está
contido o citosol, um material gelatinoso formado por água, proteínas, íons,
sais minerais, açúcares e aminoácidos. O citoplasma de cada célula varia de
acordo não apenas com cada espécie, como também com o tecido do qual a
Células procariontes e eucariontes 7

célula faz parte, podendo ser dividido, de acordo com a densidade do citosol,
em: ectoplasma, mais denso e localizado na região mais externa da célula; ou
endoplasma, menos denso, mais fluido, e que fica na região mais interna da
célula. Também se sabe que o citoplasma da célula procarionte é bem mais
complexo se comparado às células eucariontes, nas quais encontramos um
sistema de membranas, citoesqueleto e diversas organelas.
No citoplasma, é possível encontrar ribossomos, pequenas unidades res-
ponsáveis pela síntese proteica. O nucleoide ou cromatina é a região irregular
onde se localiza o material genético; trata-se de uma estrutura semelhante ao
núcleo, porém, não é envolta por membrana. É o nucleoide que determina as
características da célula e comanda as suas atividades. Os plasmídeos são
pequenos fragmentos moleculares de DNA capazes de se reproduzir indepen-
dentemente do DNA cromossômico.
Para a realização da locomoção celular são utilizados os flagelos ou
cílios, estruturas citoplasmáticas anexas à membrana plasmática das célu-
las. Os cílios são curtos e finos (semelhante ao fio de cabelo) e podem ser
relacionados à locomoção e à remoção de impurezas. A função primária
dos cílios consiste em movimentar fluido sobre a superfície celular ou des-
locar células isoladas por meio de um fluido. Já os flagelos são longos e
relacionam-se basicamente com a locomoção, trabalhando como chicotes
que puxam e empurram o organismo pela água. Estruturalmente, cílios e
flagelos são idênticos. Ambos são cilíndricos, exteriores às células e cobertos
por membrana plasmática. Internamente, cada cílio ou flagelo é constituído
por um conjunto de nove pares de microtúbulos periféricos de tubulina,
circundando um par de microtúbulos centrais. O movimento dos flagelos é
muitas vezes ondulante, enquanto o dos cílios é semelhante a um chicote:
uma batida para a frente, na qual o cílio se estende totalmente golpeando o
líquido circundante, seguida por uma fase de recuperação, na qual ele retorna
à sua posição original com um movimento de enrolamento que minimize o
arrasto viscoso (AMABIS; MARTHO, 2006; JUNQUEIRA; CARNEIRO,
2005; LOPES; ROSSO, 2013).
A Figura 3 ilustra uma célula bacteriana com as estruturas características
dos seres procariontes.
8 Células procariontes e eucariontes

Figura 3. Célula bacteriana.


Fonte: Adaptada de Designua/Shutterstock.com.

Você sabia que vírus não são nem procariontes nem eucariontes?
Vírus são parasitas obrigatórios, isto é, para multiplicar seu material genético necessi-
tam estar dentro de outro organismo. São constituídos basicamente de uma cápsula
proteica que envolve o material genético (DNA ou RNA), não realizam a maioria
das funções vitais características dos seres vivos, nem possuem células, tampouco
organização celular. Por essas características, alguns estudiosos classificam os vírus
como acelulares.
Até hoje persiste uma discussão entre os cientistas a respeito do fato de os vírus serem
seres vivos ou não. Muitos cientistas os consideram apenas partículas infecciosas, pelo
fato de serem acelulares e por não manifestarem nenhuma atividade vital quando se
encontram fora de células. Outros defendem que eles são seres vivos extremamente
econômicos, já que reduziram ao máximo as funções vitais, mantendo apenas a carac-
terística mais típica da vida, que é a capacidade de reprodução, o que lhes possibilita
ser classificados como organismos celulares bastante simples.

Desse modo, destacamos a importância dos organismos procariontes, pois,


ainda que constituam seres mais simples, são importantes para a manutenção
do ecossistema e a perpetuação da vida em nosso planeta. Também cabe refletir
Células procariontes e eucariontes 9

que foi a partir desses seres mais simples que houve intensas modificações
permitindo e resultando em seres mais complexos e organizados. A seguir,
vamos analisar a constituição dos seres eucariontes.

Organização das células eucariontes


As células eucariontes pertencem ao domínio Eukaria, são mais complexas que
as procariontes, sendo sua principal diferença para com as células procariontes
a carioteca, uma membrana que envolve o material genético. Porém, por ser
uma célula mais complexa, apresenta outras características que as diferem.
Vamos analisá-las as seguir.
As células eucariontes apresentam um citoesqueleto composto de micro-
túbulos e filamentos intermediários que garantem a estrutura e a organização
interna da célula. A membrana plasmática envolve o citoplasma e controla
as trocas de substâncias com o meio ambiente; semelhante às células proca-
riontes, possui uma bicamada fosfolipídica que separa o interior da célula do
ambiente exterior. A facilidade de as moléculas cruzarem a membrana depende
de seu tamanho e polaridade. Algumas moléculas pequenas, apolares, como
oxigênio, podem passar diretamente pela porção fosfolipídica da membrana,
enquanto outras moléculas maiores e mais polares, hidrofílicas, como ami-
noácidos, devem cruzar a membrana por canais proteicos, um processo que
geralmente é regulado pela célula. No citoplasma (espaço correspondente à
área intracelular), é possível identificar o retículo endoplasmático (liso ou
rugoso) que constitui sacos membranosos ocos distribuídos por toda a célula,
os quais se relacionam com a síntese de proteínas e lipídeos. O retículo endo-
plasmático rugoso possui ribossomos aderidos à sua membrana e, portanto,
está relacionado com a síntese de proteínas, podendo ser encontrado em
grande quantidade no fígado, por exemplo. Já o retículo endoplasmático liso
relaciona-se com a síntese de lipídeos e hormônios esteroides, desintoxicação
de medicamentos e venenos, além de armazenamento de íons cálcio. Nas
células musculares, um tipo especial de retículo endoplasmático liso chamado
retículo sarcoplasmático é responsável pelo armazenamento de íons cálcio
necessários para a ativação das contrações coordenadas das células muscu-
lares. As mitocôndrias são responsáveis pela respiração celular, e é por meio
dessa organela que é produzida a energia celular (ATP). Muitos dos passos da
respiração celular acontecem dentro da mitocôndria, que possui formato oval
e duas membranas: uma externa, envolvendo toda a organela, e uma interna,
com muitas saliências internas chamadas cristas que aumentam a área de
10 Células procariontes e eucariontes

superfície. O complexo de Golgi localiza-se próximo ao núcleo, é constituído


por vesículas achatas cuja função é concentrar, armazenar e secretar proteínas.
Suas funções são modificar, armazenar e exportar proteínas sintetizadas no
retículo endoplasmático rugoso e, além disso, originar os lisossomos e os acros-
somos dos espermatozoides. O núcleo é formado pela carioteca, cromatina
e nucléolo, cujas funções são respectivamente: delimitar o núcleo, armazenar
material genético, e síntese de ribossomos. O núcleo é como o “cérebro” da
célula, pois é a partir dele que partem as “decisões”. É onde se localizam os
cromossomos compostos de moléculas de ácido desoxirribonucleico, DNA,
que carrega toda a informação sobre as características da espécie e participa
dos mecanismos hereditários. Os ribossomos possuem mesma função que nas
células procariontes: são pequenas unidades responsáveis pela síntese proteica.
Eles são fundamentais para o crescimento, a regeneração celular e o controle
metabólico. Lisossomas ou lisossomos são bolsas esféricas que armazenam
enzimas digestivas responsáveis pela digestão celular, degradando substâncias
como lipídeos, carboidratos e proteínas. Quando comparados aos ribossomos,
esses são bem maiores. A peroxissoma é uma organela esférica semelhantes
aos lisossomos quanto à sua função. São estruturas responsáveis por digerir
diversas substâncias, visto a quantidade de enzimas que contêm. O que os
difere dos lisossomos é o tipo de enzima que apresentam (enzimas oxidases).
Os centríolos são pequenos pedaços de microtúbulos que exercem função
vital no processo de divisão celular e ajudam no momento da separação.
Possuem, portanto, a capacidade de duplicação durante o ciclo da divisão
celular, organizando o fuso acromático. Após o processo de duplicação, os
centríolos migram em direção aos polos da célula. Além disso, os centríolos
auxiliam na formação dos cílios e dos flagelos. Os vacúolos, espaços que
conferem volume à célula, além de armazenarem nutrientes e água, tratam-se
de espaços preenchidos por solução de água, sais, açúcares etc. Em células
animais é rara a presença de vacúolos, só podendo ser vista em células do
tecido adiposo, pois estas terão vacúolos que servem como reserva energética,
armazenando gordura. Os organoplastos possuem funções variadas, podendo
armazenar substâncias para reserva nutritiva, hídrica ou pigmentos, como
os cloroplastos nas células vegetais responsáveis pela fotossíntese, ou ainda
regular pH, controlar a entrada e saída de água por osmorregulação, fazer a
digestão e excretar os resíduos (AMABIS; MARTHO, 2006; JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2005; LOPES; ROSSO, 2013).
A Figura 4 representa uma célula animal eucarionte e suas principais
características.
Células procariontes e eucariontes 11

Figura 4. Célula animal eucarionte.


Fonte: Alberts et al. (2017b, p. 642).

Assim, cabe refletirmos toda a história da concepção da vida na terra


e seus diversos e intermináveis processos evolutivos, partindo de células
procarióticas, simples como as bactérias, até a formação dos organismos
mais complexos e completos, como nós mesmos, por meio das células eu-
carióticas também.
12 Células procariontes e eucariontes

ALBERTS, B. et al. Fundamentos da biologia celular. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017a.
ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017b.
AMABIS, J. M.; MARTHO, G. R. Fundamentos da biologia moderna: volume único. 4. ed.
São Paulo: Moderna, 2006.
BRODY, D. E.; BRODY, A. R. A evolução e o princípio da seleção natural. In: As sete maiores
descobertas científicas da história. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 221-238.
JUNQUEIRA, L. C. U.; CARNEIRO, J. Biologia celular e molecular. 8. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2005.
LOPES, S.; ROSSO, S. Bio: volume único. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MEMBRANA Plasmática VI endocitose, exocitose e Pi. Videoaula ministrada por Me Salva. [S. l.],
2017. 1 vídeo (11min04s). Disponível em: <https://goo.gl/Qbhpn9>. Acesso em: 30 out. 2018.
REECE, J. B. et al. Biologia de Campbell. 10. ed. Porto Alegre: 2015.
STEIN, T. Células procariontes e células eucariontes. Diferença, [S. l.], [2017?]. Disponível
em: <https://goo.gl/yxdCyd>. Acesso em: 30 out. 2018.
Conteúdo:
DIMENSÕES
BIOLÓGICAS E
BIOQUÍMICAS DA
ATIVIDADE
MOTORA

Salma Hernandez
Divisão celular:
mitose e meiose
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar o processo de divisão celular e sua importância para o


organismo.
 Descrever as etapas da divisão celular por mitose.
 Explicar as etapas da divisão celular por meiose.

Introdução
Refletindo sobre a teoria celular, é possível afirmar que uma célula só
pode ser originada a partir de outra célula. Dessa maneira, o processo
de divisão celular representa a forma como as células originam outras
células, implicando em crescimento do organismo, reparo de lesões e
manutenção da estrutura do indivíduo, bem como a perpetuação de
nossa espécie por meio da produção de gametas.
Neste capítulo, você estudará os processos de divisão celular que
ocorrem em nosso organismo, analisando os processos de divisão celular
mitose e meiose.

Divisão celular — o ciclo da vida


Desde a concepção, estamos constantemente nos dividindo. Apesar de parecer
estranho, nos dividimos o tempo todo e continuamos inteiros. Na verdade,
nossas células, nossas menores unidades constituintes, estão sempre em ati-
2 Divisão celular: mitose e meiose

vidade de divisão celular. A divisão celular é o processo que se inicia na


célula ovo (zigoto) e perdura por toda a nossa vida. O tempo todo estamos
renovando e/ou criando nossas células (ALBERTS et al., 2017; JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2012).
Esse processo é importante em nosso organismo, pois se relaciona com seu
crescimento e desenvolvimento, além do reparo de lesões e manutenção das
estruturas e sistemas do ser humano. O processo de divisão celular também
garante a perpetuação da espécie, pois transmite o material genético das células
em divisão. Esse processo de divisão está contido no ciclo celular (conjunto
de fases que uma célula passa com o intuito de se duplicar, originando duas
células novas).
O ciclo celular deve ser compreendido pelo conjunto de fases que a célula
passa, cujo objetivo é se duplicar e formar células novas. Inicialmente, há o
crescimento da célula para posterior divisão, terminando o processo com a
divisão em células filhas. Este ciclo é composto por interfase, fase M e citoci-
nese (Figura 1). Essas fases são complexas e garantem o funcionamento normal
das células, ao passo que os possíveis erros nesses processos são relacionados
com a morte celular e/ou eventos tumorais celulares.
Na interfase ocorre um crescimento da célula e o preparo para a divisão
celular. Trata-se da fase mais longa do ciclo celular, pois há a duplicação
do material genético e das organelas, a atividade celular continua intensa
sintetizando proteínas, transcrevendo genes e aumentando sua massa, o que
proporciona tempo para o processo ocorrer normalmente. Cerca de 90% do
tempo do ciclo celular é tido na interfase.
Por ser longo, esse processo é subdivido em três: G1, S e G2. A fase G1,
a primeira a ocorrer, é marcada pela intensa atividade celular, síntese de en-
zimas e reserva proteica. Na fase S ocorre a duplicação do material genético
propriamente e, com isso, o aparecimento da cromátide irmã. Nessa fase,
inicia-se o movimento dos centrossomas para os polos da célula. Por fim,
a fase G2 continua em intensa síntese de proteínas e crescimento celular.
A divisão celular está prestes a acontecer, e os centrossomas se posicionam
corretamente nos polos celulares.
Divisão celular: mitose e meiose 3

Figura 1. Representação do ciclo celular completo evidenciando o


tempo gasto em cada fase.
Fonte: Alberts et al. (2017, p. 605).

Na fase M (também conhecida como fase mitótica ou período de divisão


celular) ocorre a divisão celular propriamente dita. Nessa fase ocorrem a mitose
(ou a meiose quando aplicável) e a citocinese, durante aproximadamente 1
hora. Em comparação ao processo de interfase, a fase M é bastante rápida. A
célula já com seu material e organelas duplicados, organiza seus componentes e
distribui de forma equiparada entre as células filhas, finalizando seu processo
com a divisão do citoplasma e as individualizando em membranas plasmáticas
separadas (citocinese).

É possível existir uma fase a mais no ciclo celular. A chamada fase G0 não ocorre em
todas as células, nessa etapa, a célula entra em um estágio de repouso e não entra
em processo de divisão celular (fica “dormente”). É observada nas células que se
encontram diferenciadas para funções especializadas em nosso organismo e, por
isso, não se dividem mais.
4 Divisão celular: mitose e meiose

Nossas células musculares e nervosas são altamente especializadas para as funções de


contração e captação/integração de informações. Essas células representam tipos de
células que se encontram na fase G0. Apesar de não estarem em atividade de divisão
celular, elas possuem uma alta atividade citoplasmática, sintetizando e secretando
proteínas. Isso significa que as células musculares e nervosas, bem como as hemácias,
são tipos celulares que se encontram permanentemente em G0, até que elas ou
organismo morra.

A divisão celular está contida no ciclo celular, mais especificamente,


constitui a fase M do ciclo celular. Você deve estar se perguntando, mas,
de fato, como as células se dividem? Talvez a pergunta correta seria: Por
que as células se dividem? Dependendo da finalidade, podem ocorrer dois
tipos de divisão celular em nosso organismo. A primeira, como já visto, é
a mitose, a mais comum e que ocorre indiscriminadamente todo o tempo,
sua função é produzir duas células idênticas à mãe, com o mesmo mate-
rial genético. O processo da mitose ocorre de maneira mais rápida que a
outra possibilidade de divisão celular, podendo produzir uma quantidade
enorme de células filhas. Já a meiose é um tipo de divisão celular cuja
função é produzir quatro células filhas ou gametas. As células filhas são
diferentes da célula mãe, geneticamente diferentes entre si e iguais no nú-
mero de cromossomos, ou seja, na meiose (descrita a seguir) são formadas
células-filhas, com metade do número de cromossomos da célula-mãe. A
meiose reduz a quantidade do material genético dos gametas de diploide
para haploide e, com a fusão deles na fertilização, a diploidia da espécie é
restabelecida, garantindo nossa variabilidade genética (ALBERTS et al.,
2017; JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2012).
Esses processos de divisão celular (Figura 2) são extremamente com-
plexos e garantem a vida e a perpetuação de nossa espécie. A seguir, va-
mos detalhar esses processos, observando suas características, funções e
diferenças.
Divisão celular: mitose e meiose 5

Figura 2. Esquema ilustrando as fases da mitose e meiose celular. Alte-


rações na aparência de um nucléolo em uma célula humana durante o
ciclo celular, em que apenas o núcleo da célula está representado. Na
maioria das células eucarióticas, a membrana nuclear se desorganiza
durante a mitose, como indicado pelos círculos tracejados.
Fonte: Alberts et al. (2017, p. 330).
6 Divisão celular: mitose e meiose

Mitose — a fábrica de células em série


Na mitose ocorre a distribuição dos cromossomos da célula somática mãe
de forma igual entre as duas células filhas, isso significa que, a partir de
uma célula são produzidas outras duas células com o mesmo número de
cromossomos, porque, antes da divisão celular, há a duplicação do material
cromossômico. Esse processo ocorre, por exemplo, quando há uma lesão e,
portanto, a necessidade de reposição tecidual. Esse processo, apresentado
na Figura 3, é subdividido em prófase (duplicação do DNA e centríolos),
metáfase (alinhamento entre os pares formados na fase anterior), anáfase
(cromossomos migrando para lados opostos da célula) e telófase (membrana
celular se divide em duas partes) (ALBERTS et al., 2017; JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2012).

 Prófase: no início da mitose, o centrossomo e os cromossomos já se


encontram duplicados. Na prófase os cromossomos começam a se
condensar, tornando-se visíveis ao microscópio óptico. Então, é possível
ver claramente o cromossomo, que é constituído por duas cromátides
irmãs ligadas por um centrômero. Os centríolos se deslocam para polos
opostos da célula, formando o fuso acromático (ou fuso mitótico), o
invólucro nuclear desorganiza-se e os nucléolos desaparecem (para que
aconteça a divisão dos cromossomos).
 Prometáfase: ocorre a dissolução do envelope nuclear em fragmentos.
Na região do centrômero, cada cromátide irmã possui uma estru-
tura proteica denominada cinetocoro. Alguns dos microtúbulos do
aparelho se ligam ao cinetocoro, arrastando os cromossomos até ao
centro da célula.
 Metáfase: os cromossomos condensados se alinham no centro da célula,
formando a chamada placa metafásica ou placa equatorial, antes de
terem seus centrômeros duplicados e da ocorrência do encurtamento
das fibras cinetocóricas pelas duas células-filhas, fazendo com que
cada cromátide-irmã vá para cada polo das células em formação. Os
estudos de cariótipos são realizados nessa etapa, pois os cromossomos
estão totalmente condensados e visíveis.
Divisão celular: mitose e meiose 7

 Anáfase: o centrômero se duplica e passa a formar dois cromossomos


independentes. As fibrilas ligadas a esses dois cromossomos encolhem,
migrando para polos opostos da célula e ocasionando em ambos os
polos o mesmo número de cromossomos, com o mesmo conteúdo
genético, igual ao da célula mãe.
 Tefófase: os cromossomos descondensam e ficam menos visíveis, o invó-
lucro nuclear se reorganiza em torno de cada conjunto de cromossomos
e os nucléolos reaparecem. Inicia-se, então, o processo de citocinese
(divisão do citoplasma individualizando as membranas plasmáticas
separadas).

Figura 3. Representação dos ciclos da mitose.


Fonte: Chandar e Viselli (2011, p. 191).
8 Divisão celular: mitose e meiose

Embora a mitose aconteça muito mais vezes, outro importante processo


de divisão celular ocorre em nosso organismo. É por meio da meiose que
nossos gametas são produzidos, isto é, nossos espermatozoides e óvulos,
as células da vida que serão responsáveis pela produção de um novo ser
com material genético combinado proveniente das células do pai e da mãe
progenitores.

Meiose — um processo diferenciado,


formação dos gametas
No processo de divisão por meiose, ocorre a redução do número de cromos-
somos pela metade e duas divisões nucleares sucessivas — I e II (Figura 4).
Desse modo, originam-se quatro células-filhas, com a metade do número de
cromossomos da célula inicial, devido à separação dos cromossomos homó-
logos (para a produção das células sexuais ou gametas). Cada célula-filha tem
apenas um cromossomo de cada par de homólogos. A interfase que precede a
meiose é idêntica à que precede a mitose (ALBERTS et al., 2017; JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2012).
Na divisão I (ou divisão reducional) há uma redução do número de cro-
mossomos e a separação dos homólogos. Essa divisão é tida pelas etapas
descritas a seguir.

 Prófase I: essa etapa é bastante complexa, sendo subdividida em cinco


partes descritas a seguir.
■ leptóteno — condensação dos cromossomos já duplicados;
■ zigóteno — ocorre o emparelhamento dos cromossomos homólogos
(sinapse), formando um bivalente;
■ paquíteno — durante a sinapse podem surgir pontos de cruzamento
entre as cromátides dos cromossomos homólogos (quiasmas), ocor-
rendo a troca de pedaços entre cromossomos homólogos ou crossing
over em que alguns genes que se encontravam no cromossomo paterno
passam para o cromossomo materno e vice-versa (variabilidade
genética);
Divisão celular: mitose e meiose 9

■ diplóteno — os cromossomos homólogos começam a se afas-


tar, mas permanecem ligados pelas regiões nas quais ocorreu a
permutação;
■ diacinese — desaparece o nucléolo e a membrana nuclear. Os cen-
tríolos migram para os polos da célula e forma-se o fuso acromático.
 Metáfase I: a membrana celular desaparece. Há cromossomos muito
condensados, presos às fibras do fuso e que ficam dispostos na região
mediana da célula (plano equatorial).
 Anáfase I: ocorre o deslocamento dos cromossomos homólogos para
polos opostos na célula. Essa anáfase diferencia-se da anáfase da mitose,
pois não ocorre o rompimento dos centrômeros, ocorrendo a migração
de cromossomos inteiros.
 Telófase I: ocorre a descondensação do nucléolo e a formação de dois
núcleos com metade do número de cromossomos. A citocinese (divisão
do citoplasma) é promovida.

No período entre uma divisão e outra, não há nova duplicação do material


genético, e esse momento é conhecido como intercinese (período entre uma
divisão e outra). Posteriormente a intercinese, inicia-se a meiose II, que muito
se assemelha ao processo da mitose, uma vez que o número de cromossomos
permanece igual.
Na divisão II (ou divisão equacional) há separação das cromátides irmãs. Esse
processo é muito semelhante à mitose, ou seja, há formação de células haploide
a partir de outras haploides. Essa etapa tem as subdivisões apresentadas a seguir.

 Prófase II: ocorre a condensação dos cromossomos e a duplicação dos


centríolos. O nucléolo e a carioteca voltam a desaparecer.
 Metáfase II: os centríolos estão prontos para serem duplicados e os
cromossomos organizam-se na região equatorial.
 Anáfase II: as cromátides-irmãs se separam e migram para cada um
dos polos da célula, puxadas pelas fibras do fuso.
 Telófase II: as fibras do fuso desaparecem e os cromossomos já se
encontram nos polos da célula. A carioteca surge novamente e o nucléolo
se reorganiza. Por fim, ocorre a citocinese e o surgimento de quatro
células-filhas haploides.
10 Divisão celular: mitose e meiose

Figura 4. Representação dos ciclos da meiose.


Fonte: Alberts et al. (2017, p. 1001).

Acesse o link a seguir para ver um vídeo da professora Carol do canal Evolucional, apre-
sentando um resumo dos processos de divisão celular mitose e meiose (MITOSE…, 2014).

https://goo.gl/7DiwZi
Divisão celular: mitose e meiose 11

Após a elucubração desses processos de divisão celular, fica evidente


que nossa pequena unidade celular possui o poder de orquestrar todo nosso
organismo, controlando ciclos, iniciando processos, dividindo-se e multi-
plicando-se incessantemente na busca da manutenção da nossa vida. Sem
dúvida alguma, os processos de divisão celular representam a renovação
constante e a perpetuação de nossa espécie da forma mais inteligente possível.
Afinal, possuir a visão sistêmica de nosso organismo é importante, mas
saber o funcionamento das partes é fundamental para uma boa e diferencial
atuação profissional.

1. Durante o processo de divisão 3. A respeito do processo de divisão


celular por mitose há um momento celular por mitose, assinale a alter-
em que os cromossomos ficam nativa que identifica corretamente o
evidentemente no equador da processo de divisão celular.
célula, facilitando sua visualização a) Durante a mitose as cromátides
ao microscópio. Que fase específica irmãs não se separam.
é essa? b) Os óvulos e espermatozoides
a) S. são produzidos por divisões
b) Prófase. mitóticas.
c) Anáfase. c) A mitose consiste em duas divi-
d) Metáfase. sões celulares sucessivas.
e) Telófase. d) Durante a mitose ocorre a per-
2. Ao avaliar uma placa contendo cé- mutação ou crossing-over.
lulas em um microscópio, é possível e) A mitose é um processo que dá
analisar uma duplicação do material origem a duas células haploides.
genético. A interfase da divisão 4. A variedade genética é um fenô-
celular observada em microscópio meno garantido pela permutação
corresponde a qual dos seguintes de cromossomos homólogos,
períodos? também chamada de crossing over.
a) Entre as fases G1 e G2 do ciclo Esse fato ocorre durante a prófase
celular. I do processo de divisão celular do
b) Entre a prófase I e a prófase II da tipo meiose. Identifique em qual
meiose. subfase da prófase I de fato isso
c) Durante a metáfase do ciclo acontece.
celular. a) Paquiteno.
d) Entre a prófase I e a prófase II da b) Leptóteno.
meiose. c) Zigóteno.
e) Entre a anáfase e a telófase da d) Diacinese.
mitose. e) Diplóteno.
12 Divisão celular: mitose e meiose

5. Considerando as fases do processo V. Telófase II — cada uma das


de meiose, analise as afirmações a células formadas apresenta
seguir e assinale a alternativa correta. cromossomos não duplicados e
I. Anáfase I — cromossomos du- geneticamente diferentes.
plicados nos polos da célula com VI. Metáfase II — cromossomos não
divisão dos centrômeros. alinhados no equador da célula e
II. Telófase II — cromossomos não permutados.
encontram-se nos polos e dupli- a) I e II estão corretas.
cados. b) III e IV estão corretas.
III. Metáfase I — cromossomos per- c) V e VI estão corretas.
manecem unidos pelos quiasmas. d) II e V estão corretas.
IV. Prófase I — permuta gênica e) IV e V estão corretas.
entre cromossomos homólogos.

ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
CHANDAR, N.; VISELLI, S. Biologia celular e molecular ilustrada. Porto Alegre: Artmed,
2011.
JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Biologia celular e molecular. 9. ed. Rio de Janeiro: Gua-
nabara Koogan, 2012.
MITOSE e meiose. Videoaula ministrada por professora Carol. [S. l.], 2014. 1 vídeo
(5min33s). Disponível em: <https://goo.gl/7DiwZi>. Acesso em: 21 nov. 2018.
Conteúdo:
CITOLOGIA
HISTOLOGIA
E GENÉTICA

Helen da Rosa
O ciclo celular
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Reconhecer a divisão celular em que o material genético é distribuído


de maneira idêntica para as células-filhas.
„„ Identificar os mecanismos celulares da divisão celular em eucariotos.
„„ Explicar o sistema de controle molecular que regula o progresso do
ciclo celular eucarioto.

Introdução
Uma célula se reproduz ao executar uma sequência organizada de
eventos nos quais o material genético é distribuído de maneira idêntica
para as duas células-filhas. Nesse contexto, para produzir duas células-
-filhas geneticamente idênticas, o DNA de cada cromossomo deve ser
fielmente replicado, e os cromossomos replicados devem, por sua vez,
ser precisamente distribuídos às células-filhas, de forma que cada uma
receba uma cópia de todo o genoma.
Os eventos do ciclo celular devem ocorrer em uma determinada
sequência, como a replicação do DNA, a mitose e a citocinese. Essa
sequência deve ser preservada, mesmo se uma etapa leve mais tempo
do que normalmente levaria. Sensores monitoram o nível de cada fase
e enviam sinais para um sistema de controle para evitar que o próximo
processo inicie antes que o anterior termine.
Neste capítulo, você vai estudar o ciclo de duplicação e divisão celular,
conhecido como ciclo celular, mecanismo essencial pelo qual todos os
seres vivos se reproduzem, bem como o sistema de controle do ciclo
celular.
2 O ciclo celular

Ciclo celular, divisão celular e material genético


O ciclo celular constitui uma sequência ordenada de eventos pelos quais uma
célula duplica seus conteúdos e se divide em duas. Ou seja, quando uma célula
se reproduz, ela duplica (replica) todos os seus cromossomos para distribuir de
maneira idêntica todo o seu material genético para as duas células-filhas. Dessa
forma, garante a transmissão de seus genes para a próxima geração de células.
A Figura 1 apresenta o ciclo celular de uma célula eucariótica:

1. interfase, em que ocorre o crescimento celular e a duplicação dos


cromossomos;
2. segregação dos cromossomos;
3. divisão celular.

Células-filhas

3 DIVISÃO
CELULAR

CICLO 1 CRESCIMENTO CELULAR


CELULAR E DUPLICAÇÃO
DOS CROMOSSOMOS

2 SEGREGAÇÃO
DOS CROMOSSOMOS

Figura 1. As células se reproduzem pela duplicação do seu conteúdo e pela divisão


em duas, um processo chamado de ciclo celular. Para simplificar, usamos uma célula
eucariótica hipotética – cada uma com apenas uma cópia de dois cromossomos dife-
rentes – para ilustrar como cada ciclo celular produz duas células-filhas geneticamente
idênticas. Cada célula-filha pode se dividir mais uma vez ao passar por outro ciclo celular,
e assim por diante, de geração em geração.
Fonte: Alberts et al. (2017, p. 604).
O ciclo celular 3

Esse ciclo de duplicação e divisão, conhecido como ciclo celular, é o


principal mecanismo pelo qual todos os seres vivos se reproduzem. De fato,
a manutenção da vida depende da capacidade das células em armazenar, re-
cuperar e traduzir as características genéticas. Tais informações são passadas
de uma célula para a célula-filha por meio da divisão celular. Nesse cenário,
como o ciclo celular/divisão celular distribui o material genético de maneira
idêntica para as duas células-filhas? Ou seja, como as células duplicam seus
cromossomos, que carregam a informação genética?
Estudos comprovaram que o DNA contém todas as informações necessárias
para o desenvolvimento e para o funcionamento de todos os organismos. De
fato, o DNA coordena toda a atividade biológica e armazena a informação
genética que é transmitida de uma célula-mãe para as células-filhas. Porém,
para que a célula transmita essa informação, ela deve, antes da divisão celular,
duplicar o seu material genético, ou seja, replicar o seu DNA.
Nesse contexto, a replicação do DNA é o processo que precede a divisão
celular e no qual são produzidas cópias idênticas das moléculas de DNA pre-
sentes na célula-mãe e então herdadas pelas duas células-filhas, garantindo,
assim, a manutenção das características genéticas. A replicação do DNA celular
ocorre durante a fase S do ciclo celular e constitui um processo necessário
para assegurar que as instruções contidas no DNA sejam passadas fielmente
adiante para as células-filhas.

Mecanismos celulares da divisão celular


em eucariotos
O objetivo do ciclo celular é duplicar de maneira fidedigna todo o conteúdo
de DNA presente nos cromossomos e, então, distribuir esse material de DNA
para as células-filhas geneticamente idênticas, de forma que cada célula receba
uma cópia integra de todo o genoma. Além de DNA, a célula também duplica
suas organelas e o seu tamanho antes de dividir; se isso não ocorresse, a cada
divisão haveria a formação de célula cada vez menor.
De forma geral, o ciclo celular está dividido em duas principais etapas:

„„ interfase, período no qual a célula não está se dividindo, mas está na


fase de duplicação do DNA e também produz organelas adicionais e
componentes citosólicos, em antecipação à fase de divisão celular;
4 O ciclo celular

„„ fase mitótica (M), período no qual a célula está se dividindo e que


consiste em uma divisão nuclear (mitose) e em uma divisão citoplas-
mática (citocinese) para formar duas células idênticas (TORTORA;
DERRICKSON, 2010).

O ciclo celular de uma célula eucariótica envolve quatro fases. Observando


sob um microscópio, os dois eventos mais marcantes no ciclo celular é a mitose
(quando o núcleo se divide) e a citocinese (quando a célula se divide em duas),
mecanismos que constituem a fase M do ciclo.

Interfase
A interfase é um período de alta atividade metabólica em que a célula duplica o
seu DNA e organelas proporcionando, assim, o seu crescimento. A interfase é
composta de três fases: G1, S e G2. Na fase S, ocorre a síntese do DNA; nas fases
G, são considerados períodos em que não há duplicação de DNA e, portanto,
denominados como intervalos ou interrupções na replicação do DNA. Análise
microscópica de uma célula na interfase demonstra uma membrana nuclear
claramente definida, um nucléolo e uma massa de cromatina entrelaçada.
Após o término das fases G1, S e G2 da interfase, inicia-se a fase mitótica.

Fase G1

A fase G1 corresponde ao intervalo entre a fase mitótica e a fase S. É a fase


na qual a célula encontra-se metabolicamente ativa, em que duplica a maioria
de suas organelas e componentes citosólicos. A replicação dos centrossomos
também ocorre na fase G1.

Em geral, para uma célula com um tempo de ciclo celular completo de 24 horas, a
fase G1 corresponde a 8 a 10 horas. No entanto, a duração da fase G1 é muito variável,
sendo bastante curta em células embrionárias ou células cancerosas.
O ciclo celular 5

Fase S

A fase S, intervalo entre a fase G1 e G2, em geral dura 8 horas. É nessa fase
que ocorre a duplicação do DNA, resultando na formação de duas células
idênticas com o mesmo material genético.

Fase G2

Corresponde ao intervalo entre a fase S e a fase mitótica e dura em torno de


4 a 6 horas. Nessa fase, há a continuidade do crescimento celular, bem como
a síntese de proteínas em preparação para a divisão celular e finalização da
replicação dos centrossomas.

Fase mitótica
Na fase mitótica ocorre a mitose (divisão nuclear) e a citocinese (divisão
citoplasmática). Os eventos que ocorrem durante a mitose e a citocinese são
visíveis à microscopia, pois a cromatina se condensa em cromossomos distintos.

Mitose

A mitose ocorre em todas as células somáticas eucariotas e consiste na distribui-


ção de dois conjuntos de cromossomos em dois núcleos separados, resultando
na divisão exata das informações genéticas. A mitose é um processo contínuo,
porem para tornar mais didaticamente compreensível, ela é subdividida em
quatro etapas: prófase, metáfase, anáfase e telófase.

Citocinese

A citocinese consiste na divisão do citoplasma e das organelas da célula em


duas células idênticas. A citocinese inicia na fase final da anáfase com a for-
mação de um sulco de clivagem da membrana plasmática e se completa após
a telófase, momento em que se pode perceber o início de um estrangulamento
na região central da célula que está terminando sua divisão, resultando na
separação completa da célula, o que caracteriza o fim da citocinese. Nas
6 O ciclo celular

células de alguns organismos, a mitose ocorre sem a citocinese, o que resulta


em células com mais de um núcleo.
Vale ressaltar que a citocinese nas células animais é diferente da que ocorre
nas células vegetais. Nas células vegetais, que se caracterizam por apresentar
uma parede celular rígida, a citocinese não ocorre por estrangulamento. Ou
seja, nas células vegetais, durante a telófase, vesículas provenientes do com-
plexo de Golgi são formadas e se movimentam para o centro da célula, onde
se fundem e formam a placa celular. A placa celular cresce até que se fusiona
com a membrana plasmática da célula.

Sistema de controle do ciclo celular


A replicação e a divisão de DNA e organelas ocorre de maneira ordenada graças
a uma rede complexa de proteínas reguladoras que fazem parte do sistema de
controle de ciclo celular, que garantem que processos importantes do ciclo
(replicação de DNA e mitose, por exemplo) ocorram coordenadamente e cada
processo acabe antes que o próximo inicie. Para isso, existem pontos críticos
do ciclo por meio de retroalimentação a partir das etapas que vão ocorrendo.
Se não houvesse retroalimentação, um bloqueio ou um atraso em qualquer
processo seriam catastróficos. O DNA nuclear é replicado antes que o núcleo
inicie sua divisão, ou seja, a fase S deve preceder a fase M. Se a síntese de
DNA é desacelerada ou interrompida, a mitose e a divisão celular também
serão atrasadas. Da mesma forma, se o DNA é danificado, o ciclo deve inter-
romper em G1, S ou G2, para que a célula possa reparar o dano antes que a
replicação do DNA inicie ou seja completada, ou antes que a célula entre na
fase M. O sistema de controle do ciclo celular tem essa capacidade por meio
de mecanismos moleculares, chamados de pontos de verificação ou pontos
de checagem (check-points).
Existem três pontos principais de checagem. Na transição de G1 para a
fase S, as proteínas confirmam se o meio é favorável para a proliferação antes
da replicação do DNA. A proliferação celular em animais requer nutrientes
suficientes e moléculas-sinal específicas no meio extracelular; se não houver
essas condições, as células podem atrasar seu progresso em G1 e até mesmo
entrar em um estado de repouso conhecido como G0 (G zero). O segundo
ponto de checagem é na transição de G2 para a fase M, em que o sistema
confirma que não existem danos no DNA e que ele está totalmente replicado,
garantindo que a célula não entre em mitose sem um DNA intacto. Por último,
durante a mitose, a maquinaria garante que os cromossomos duplicados estão
O ciclo celular 7

devidamente ligados ao citoesqueleto e, nesse caso, ao fuso mitótico, antes


que o fuso separe os cromossomos e os segregue para as duas células-filhas.
Nos animais, a transição de G1 para a fase S é de extrema importância como
um ponto no ciclo celular em que o próprio sistema de controle é regulado.
Sinais de outras células estimulam a proliferação celular quando mais células
são necessárias – e bloqueiam quando não o são. Dessa forma, o sistema de
controle do ciclo celular tem um papel central na regulação do número de
células nos tecidos do corpo. O funcionamento errôneo desse sistema é uma
das muitas causas de processos carcinogênicos.

O sistema de controle do ciclo celular tem um papel central na regulação do número


de células nos tecidos do corpo. Quando o sistema funciona mal, divisões celulares em
excesso podem resultar em tumores. O câncer é responsável por cerca de um quinto
das mortes nos Estados Unidos a cada ano. No mundo, de 100 a 350 pessoas, a cada
grupo de 100 mil, morrem de câncer todos os anos.

Algumas características do ciclo celular, incluindo o tempo necessário para


completar determinados eventos, variam muito de um tipo de célula para outro,
mesmo dentro de um mesmo organismo. Entretanto, a organização básica do
ciclo é essencialmente a mesma em todas as células eucarióticas, e todos os
eucariotos parecem usar maquinarias e mecanismos de controle semelhantes
para ativar e regular os eventos do ciclo celular. O principal mecanismo do
sistema de controle do ciclo celular é uma série de interruptores moleculares
que operam em uma sequência definida e orquestram os eventos principais
do ciclo, incluindo a replicação do DNA e a segregação de cromossomos
duplicados.
O sistema de controle do ciclo celular regula a maquinaria do ciclo celular
pela ativação e pela inibição cíclicas das proteínas-chave e dos complexos
proteicos que iniciam ou regulam a replicação de DNA, mitose e citocinese.
Tal regulação é realizada em grande parte pela fosforilação e desfosforilação
de proteínas envolvidas nesses processos essenciais. As reações de fosforila-
ção que controlam o ciclo celular são realizadas por um grupo específico de
proteínas-cinase, ao passo que a desfosforilação é realizada por um grupo
de proteínas-fosfatase.
8 O ciclo celular

O sistema de controle do ciclo celular depende de proteínas-cinase ativadas


ciclicamente, que estão presentes nas células em proliferação durante todo o
ciclo celular. Contudo, elas são ativadas apenas em momentos apropriados no
ciclo, após o qual elas são rapidamente inibidas. Assim, a atividade de cada uma
dessas cinases aumenta e diminui de maneira cíclica. Algumas das proteínas-
-cinase, por exemplo, tornam-se ativas no final da fase G1 e são responsáveis
pela transição da célula para a fase S; outra cinase se torna ativa logo antes
da fase M e promove o início do processo de mitose. A ativação e a inibição
das cinases no momento apropriado são de responsabilidade, em parte, de
outro grupo de proteínas no sistema de controle – as ciclinas. As ciclinas não
têm atividade enzimática por si mesmas, elas precisam se ligar às cinases do
ciclo celular antes que as cinases possam tornar-se enzimaticamente ativas.
As cinases do sistema de controle do ciclo celular são, por isso, conhecidas
como proteínas-cinase dependentes de ciclina, ou Cdks.
O sistema de controle do ciclo celular opera de forma muito semelhante a
um cronômetro que aciona os eventos do ciclo celular em uma sequência de-
terminada. Os pontos de verificação asseguram que a célula progrida para uma
nova fase do ciclo celular somente após a conclusão da fase anterior (Figura 2).

Todo o DNA está replicado? Todos os cromossomos estão ligados


de forma apropriada ao fuso mitótico?
Todos os danos no DNA estão reparados?
SEPARAÇÃO DOS
ENTRADA NA MITOSE CROMOSSOMOS DUPLICADOS

G2 CONTROLADOR

G1
S

ENTRADA NA FASE S
O meio é favorável?

Figura 2. O sistema de controle do ciclo celular assegura que pro-


cessos-chave no ciclo ocorram na sequência apropriada. O sistema
de controle do ciclo celular é mostrado como um braço controlador
que gira no sentido horário, acionando processos essenciais quando
alcança determinados pontos de transição no disco externo. Esses
processos incluem a replicação do DNA na fase S e a segregação
dos cromossomos duplicados na mitose.
Fonte: Alberts et al. (2017, p. 606).
O ciclo celular 9

O sistema de controle pode interromper temporariamente o ciclo em pontos


de transição específicos – em G1, G2 e fase M – caso as condições extracelulares
e intracelulares sejam desfavoráveis. Vejamos agora o sistema de controle nas
diferentes etapas do ciclo celular.

Fase G1
A fase G1 é uma etapa de atividade metabólica elevada, em razão do cres-
cimento celular e do reparo, constituindo, assim, um importante ponto para
tomada de decisões para a célula. Os sinais intracelulares fornecem informações
sobre o tamanho da célula e os extracelulares refletem o meio; a maquinaria
de controle do ciclo celular pode pausar a célula de forma transitória em G1
(ou em um estado não proliferativo prolongado, G0) ou permitir que ela se
prepare para entrar na fase S de outro ciclo celular. Após a fase crítica de
G1 para a fase S, a célula normalmente prossegue por todo o resto do ciclo
celular rapidamente, em até 12 a 24 horas em células de mamíferos. Células
de mamíferos só irão se multiplicar após o estímulo por sinais extracelulares,
chamados de mitógenos, produzidos por outras células. Na ausência de mi-
tógenos, o ciclo celular permanece em G1; se essa ausência for prolongada, o
ciclo é interrompido e a célula entrará em estado não proliferativo, no qual a
célula pode permanecer por muito tempo.

Fase S
Antes da divisão celular, a célula deve replicar seu DNA. A replicação deve
ocorrer com extrema acuidade para minimizar o risco de mutações na próxima
geração de células. De igual importância, cada nucleotídeo no genoma deve
ser copiado uma vez – e somente uma vez – para evitar os efeitos danosos da
multiplicação gênica.

Fase G2
Quando ocorre o dano no DNA, há sinalização do sistema de controle do
ciclo celular para atrasar o progresso ao longo da transição G1 para a fase S,
impedindo que a célula replique DNA danificado. Porém, quando ocorrerem
erros durante a replicação do DNA ou se a replicação está incompleta, o
10 O ciclo celular

sistema de controle do ciclo celular utiliza um mecanismo que pode retar-


dar o início da fase M, por meio do complexo M-Cdk, que é inibido pela
fosforilação em determinados sítios. Para a progressão para mitose, esses
grupos fosfatos inibidores devem ser removidos por uma proteína-fosfatase
ativadora denominada Cdc25. Quando o DNA é danificado ou replicado de
forma incompleta, a própria Cdc25 é inibida, impedindo a remoção desses
grupos fosfatos inibidores. Por isso, M-Cdk permanece inativo e a fase M
não é iniciada até que a replicação do DNA esteja completa e qualquer dano
ao DNA seja reparado. Quando a célula replica seu DNA com sucesso na
fase S e progride para G2, ela está pronta para entrar na fase M. Durante esse
período relativamente curto, a célula dividirá seu núcleo (mitose) e então seu
citoplasma (citocinese)

Fase M
A fase M inclui a mitose mais a citocinese e ocorre rapidamente – cerca de uma
hora em células de mamíferos; é considerada a fase mais importante do ciclo
celular. Durante esse período, a célula reorganiza todos os seus componentes
e os distribui de forma igual entre as duas células-filhas. As fases anteriores
servem para estabelecer condições para a ocorrência adequada para a fase M.

Óvulos fertilizados de vários animais são adequados para estudos bioquímicos do


ciclo celular, pois são excepcionalmente grandes e se dividem rapidamente. Um óvulo
da rã Xenopus, por exemplo, tem apenas 1 mm de diâmetro. Após a fertilização, ele
se divide rapidamente, para partir o óvulo em várias células menores. Esses ciclos
celulares rápidos consistem principalmente em fases S e M repetidas, com fases G1
ou G2 muito curtas, ou mesmo ausentes, entre eles. Não há uma nova transcrição de
genes – todas as moléculas de mRNA e a maioria das proteínas necessárias para esse
estágio inicial do desenvolvimento embrionário já estão presentes no interior do óvulo
muito grande durante o seu desenvolvimento, como um oócito no ovário da mãe. Nos
ciclos de divisão iniciais (clivagem), não ocorre crescimento da célula, e todas as células
do embrião se dividem em sincronia, diminuindo progressivamente a cada divisão.
O ciclo celular 11

ALBERTS, B. et al. Fundamentos da biologia celular. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
TORTORA, G. J.; DERRICKSON, B. Princípios de anatomia e fisiologia. 12. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.

Leituras recomendadas
LODISH, H. et al. A. Biologia celular e molecular. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
SADAVA, D. et al. Vida: a ciência da biologia. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. (v. 1:
Célula e hereditariedade).
CITOLOGIA,
HISTOLOGIA
E GENÉTICA

Lucimar Filot da Silva Brum


Organização celular: célula
procariótica e eucariótica
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Classificar os dois tipos de células existentes (procarióticas e


eucarióticas).
„„ Diferenciar as células procarióticas das eucarióticas.
„„ Relacionar o tipo de células com os diferentes tipos de organismos
vivos existentes.

Introdução
Você sabia que existem milhões de espécies diferentes de seres vivos
no planeta, como bactérias, insetos e vegetais? Você sabe o que essas
espécies têm em comum? Sabe estabelecer as diferenças entre elas?
Neste capítulo, você vai descobrir essas respostas e vai estudar a
unidade fundamental da vida, a célula.

Células procarióticas e eucarióticas:


classificação
As células são unidades fundamentais da vida e todos os seres vivos são cons-
tituídos por elas. Alberts et al. (2017, p. 1) definem células como “[...] pequenas
unidades delimitadas por membranas, preenchidas com uma solução aquosa
concentrada de compostos e dotadas de uma capacidade extraordinária de criar
cópias delas mesmas pelo seu crescimento e pela sua divisão em duas [...]”.
Nesse contexto, existem seres vivos unicelulares, que fazem parte das formas
mais simples de vida, e também alguns seres constituídos de um aglomerado
de células individuais, em que cada uma apresenta uma função especializada.
Eles são denominados organismos superiores, por exemplo, o ser humano.
92 Organização celular: célula procariótica e eucariótica

Saiba também que existem inúmeros tipos de células, as quais variam


no tamanho, na aparência e na função. Além disso, as suas constituições e
necessidades químicas são diversas. As diferenciações no formato, no tamanho
e nas necessidades químicas estão relacionadas às respectivas diferenças na
função de cada tipo de célula.
No entanto, apesar de diferirem quanto ao formato e aos níveis de com-
plexidade estrutural, todas as células vivas, com base nas características
funcionais e estruturais, podem ser agrupadas em dois grandes grupos: as
células procarióticas e as células eucarióticas.
Os seres procariotos são menores e mais simples que os eucariotos. Alguns
organismos eucariotos unicelulares apresentam forma de vida independente
(p. ex., ameba e leveduras), enquanto outros vivem em agrupamentos multi-
celulares (p. ex., plantas, animais e fungos).
A presença ou ausência de núcleo é utilizada como base para a simples
classificação da célula em procariótica ou eucariótica. Nas células procarió-
ticas, toda a informação genética está agrupada em um cromossomo circular
simples, na região denominada nucléolo. Já nas células eucarióticas, o material
genético está dividido em múltiplos cromossomos agrupados em uma região
circundada por uma membrana, formando o núcleo, uma estrutura caracte-
rística dessa linhagem celular.
Agora, veja algumas das diferenças básicas das células procariontes e
eucariontes.

Diferenças entre células procarióticas e


eucarióticas
Quando você visualizar as células procarióticas no microscópio eletrônico,
verá que elas apresentam estrutura simples, não contendo núcleo, ou seja, seus
cromossomos não são separados do citoplasma por membrana. Em geral, nas
células procarióticas, a única membrana existente é a membrana plasmática.
Organização celular: célula procariótica e eucariótica 93

A célula procariótica mais estudada é a bactéria Escherichia coli, pois, devido à simpli-
cidade estrutural e à rapidez com que se multiplica, permite ampla e fácil análise por
meio de estudos de biologia molecular.

A estrutura dos seres procariotos pode ser esférica, em forma de bas-


tão ou espiralada (Figura 1). Em geral, são pequenos (micrômetros), mas
há variabilidade no tamanho, e, em algumas situações, há procariotos com
tamanho 100 vezes maior. Os procariotos (p. ex., bactérias) apresentam uma
cobertura protetora resistente, ou parede celular, circundando a membrana
plasmática, que envolve um único compartimento contendo o citoplasma e
o DNA (ALBERTS et al., 2017). A espessura da membrana é variável e, em
geral, constituída por um complexo de proteínas e glicosaminoglicanas, e tem
como função a proteção da célula.

2 µm
Células esféricas Células em forma de bastão Células espirais
(ex.: Streptococcus) (ex.: Escherichia coli, Salmonella) (ex.: Treponema pallidum)

Figura 1. Diferentes formatos de células procarióticas.


Fonte: Alberts et al. (2017, p. 13).

O citoplasma possui polirribossomos, que são ribossomos ligados a molé-


culas de RNA mensageiro. Em geral, encontram-se dois ou mais cromossomos
idênticos e circulares alocados na região denominada de nucleoides e que, em
algumas situações, se encontram fixados à membrana plasmática. Além disso,
94 Organização celular: célula procariótica e eucariótica

o citoplasma das células procarióticas é constituído por apenas uma membrana,


que a separa do meio externo e, em alguns casos, podem existir invaginações
da membrana plasmática que adentram no citoplasma, se enovelam e formam
os mesossomos.
Ao contrário das células eucarióticas, as células procarióticas não têm
citoesqueleto. Porém, a principal diferença entre as células eucarióticas e as
procarióticas é a pobreza de membranas nas células procarióticas, em que
se verifica que o citoplasma não está subdividido em compartimentos. Nas
células eucarióticas, há extenso sistema de membranas, o que contribui para a
formação de microrregiões que contêm diferentes moléculas com respectivas
funções especializadas.

As células procariotas se reproduzem rapidamente, se dividem em duas, e em condições


de alimento abundante podem se duplicar em apenas 20 minutos. Portanto, devido à
alta velocidade de crescimento e capacidade de trocar porções de material genético,
ocorre rápido desenvolvimento de populações de células procarióticas, que adquirem
de forma rápida a capacidade de utilizar uma nova fonte de alimento ou resistir à morte
induzida por antibióticos (caracterizando um mecanismo de resistência a antibióticos).

As células eucarióticas, em geral, são maiores e mais complexas do que as


células procarióticas. Todas as células eucarióticas têm um núcleo e inúmeras
outras organelas, das quais a maioria é envolta por membrana e comum a todos
os organismos eucarióticos. Ou seja, as células eucarióticas são estruturadas
em duas partes morfologicamente bem distintas: núcleo e citoplasma, em que
o citoplasma é envolto pela membrana plasmática, e o núcleo pelo envoltório
nuclear. O citoplasma possui organelas, por exemplo, as mitocôndrias, o
retículo endoplasmático, o aparelho de Golgi, os lisossomos e os peroxissomos.
Agora, considerando em particular as funções de tais organelas na manutenção
da vida de uma célula eucariótica (Figura 2), abordaremos de forma breve
algumas das principais organelas encontradas nas células eucarióticas:
Organização celular: célula procariótica e eucariótica 95

„„ Núcleo: uma das principais características da célula eucarionte é a


presença do núcleo. É a organela mais proeminente em uma célula
eucariótica e constitui o depósito de informações da célula. Ele é envol-
vido por duas membranas concêntricas que formam o envelope nuclear
e contém moléculas de DNA – polímeros extremamente longos que
codificam as informações genéticas do organismo.
„„ Mitocôndrias: organelas esféricas ou alongadas cuja função é liberar
energias de forma gradual das moléculas de ácidos graxos e glicose,
provenientes dos alimentos, produzindo calor e moléculas de ATP
(energia usada pelas células para inúmeras atividades, como secreção,
mitose, etc.).
„„ Retículo endoplasmático: estrutura formada por uma rede de vesí-
culas achatadas, vesículas esféricas e túbulos que se intercomunicam,
formando um sistema contínuo. Existem nas células o retículo endo-
plasmático rugoso (ou granular) e o retículo endoplasmático liso.
„„ Aparelho de Golgi: organela também conhecida como complexo de
Golgi, é constituída por inúmeras vesículas circulares achatadas ou
esféricas.
„„ Lisssomos: organelas de tamanho e forma variáveis, cujo interior é
ácido e contém enzimas hidrolíticas, que são utilizadas pelas células
para digerir moléculas introduzidas por pinocitose, fagocitose, ou até
mesmo organelas da própria célula.
„„ Peroxissomos: organelas caracterizadas pela presença de enzimas
oxidativas (p. ex., catalase). O conteúdo enzimático dos peroxissomos
varia muito de uma célula para outra, e sabe-se que até mesmo em uma
mesma célula a composição enzimática é variável. Tais enzimas são
produzidas pelo polirribossomos no citosol, e, em muitas situações,
como forma de adaptação e defesa para a destruição de moléculas
estranhas que penetram na célula, por exemplo, álcool e medicamentos.
96 Organização celular: célula procariótica e eucariótica

ORGANELA CELULAR

Núcleo Aparelho de Golgi


Retículo endoplasmático

Mitocôndrias
Centrossoma Lisossomos Ribossomos

Figura 2. Organelas de célula eucariótica.


Fonte: Timonina/Shutterstock.com.

Os tipos de células e os diferentes tipos de


organismos vivos existentes
Todas as espécies existentes na Terra evoluíram de uma célula ancestral comum.
Ou seja, a partir desse ancestral, surgiram dois tipos de células: as procarióticas
e as eucarióticas. Existem evidências de que as células eucarióticas teriam
evoluído a partir de uma simbiose (organismos que se auxiliam mutuamente),
ou seja, bactérias primitivas teriam sido fagocitadas por uma célula eucariótica
ancestral, e ambas teriam vivido como colaboradoras.
Você sabia que as bactérias são exemplos típicos de células procarióticas
e não contêm núcleo? Os termos “bactéria” e “procarioto” são usados como
sinônimos, porém, além das bactérias, existem outros organismos vivos que
também são classificados de procariotos, as arqueias. De fato, antigamente,
havia uma única classificação para os procariotos; apesar disso, estudos mole-
culares revelaram a existência de dois grupos. Com isso, os procariotos ficaram
divididos em dois domínios: Bacteria e Archaea. As espécies que vivem no
solo ou nos causam doenças pertencem ao domínio Bacteria. Por outro lado,
os procariotos do domínio Archaea estão distribuídos pelo solo e também em
habitat hostis para a maioria da outras células, por exemplo, locais com alta
Organização celular: célula procariótica e eucariótica 97

concentração de sal, poluídos com detritos industriais, extremamente quentes


(vulcão) ou gelados (Antártica) e também são encontrados em locais anaeróbios.
As células eucarióticas são encontradas em todos os representantes dos
reinos vegetal e animal, bem como fungos (leveduras, cogumelos e bolores)
e protistas (protozoários).

Referência

ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

Leitura recomendada
LODISH, H. et al. Biologia celular e molecular. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BIOLOGIA
CELULAR

Sílvia Regina Costa Dias


Estrutura da membrana
plasmática
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir a função da membrana plasmática.


„„ Identificar a estrutura da membrana plasmática.
„„ Reconhecer a organização dos principais constituintes da membrana
plasmática.

Introdução
Neste capítulo, você vai aprender sobre a estrutura, as funções e a cons-
tituição química das células. A célula é a unidade básica de todos os
seres vivos, podendo existir isoladamente (em organismos unicelulares)
ou em conjunto (organismos pluricelulares ou multicelulares), podendo
constituir, inclusive, tecidos complexos, órgãos e sistemas. Além disso, cabe
à célula produzir material extracelular, de constituição química variável,
e que também dá as características ao tecido — a matriz extracelular.
Você também aprenderá quais são as principais funções da membrana
plasmática, como ela está organizada e a sua composição química, além
de reconhecer as suas principais propriedades e sua importância.

Funções da membrana plasmática


A membrana plasmática (ou celular) tem numerosas funções celulares. Ela
atua na manutenção de microambientes, formando uma barreira que impede o
conteúdo celular de escapar e se misturar com o meio circundante, definindo
os meios intra e extracelulares e as interações célula-célula e célula-matriz
extracelular (inclusive na formação dos tecidos). Nesse sentido, a membrana
celular, além de envolver o ambiente interno da célula, controla a troca entre os
meios, nos processos de endocitose (processo de internalização de partículas)
2 Estrutura da membrana plasmática

e exocitose (processo de externalização de produtos celulares) (JUNQUEIRA;


CARNEIRO, 2012).
Assim, a membrana plasmática é o primeiro contato entre o que “está dentro
ou fora da célula”, participando dos fenômenos de reconhecimento celular e
transmitindo informações para o interior da célula, permitindo, assim, que
ela responda a esses “estímulos” externos e participe de uma variedade de
processos vitais, incluindo apresentação e reconhecimento de moléculas,
catálise, detecção de sinal, citocinese, formação celular e motilidade (PONTES
et al., 2013).
Dessa forma, a função de uma célula relaciona-se diretamente com a
constituição e a estrutura da sua membrana plasmática. Nesse momento, é
importante ressaltar que as células eucariotas, exceto os eritrócitos, têm o
citoplasma compartimentalizado em organelas membranares, cuja constituição
e estrutura, apesar das peculiaridades pertinentes a cada organela, são similares
à membrana plasmática (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2012).

Nas células eucarióticas (à exceção dos eritrócitos humanos), são organelas membra-
nares: carioteca, retículos endoplasmáticos liso e rugoso, aparelho de Golgi e vesículas
diversas. A mitocôndria é uma organela que tem dupla membrana, a interna e a externa,
sendo que a primeira apresenta dobramentos, denominados cristas mitocondriais.

Veja a seguir as funções da membrana plasmática das células eucarióticas.

„„ Define os limites e a forma da célula.


„„ Separa o meio intracelular e extracelular.
„„ Controla a entrada e a saída de moléculas/partículas da célula — per-
meabilidade seletiva.
„„ É responsável pela manutenção da constância do meio intracelular.
„„ É responsável pelo reconhecimento célula-moléculas (por meio de
receptores específicos localizados na membrana), célula-célula e célula-
-matriz extracelular.
„„ Pode iniciar a sinalização de reações citoplasmáticas, aumentando a
eficiência do sistema.
Estrutura da membrana plasmática 3

„„ Promove a comunicação celular por meio da presença de estruturas


intercelulares específicas (as junções comunicantes), formadas por
proteínas específicas associadas à membrana.
„„ Promove a adesão celular (entre células) e a adesão célula-matriz, ga-
rantindo a formação e a integridade dos tecidos.

Estrutura das membranas plasmáticas


As membranas plasmáticas e das diferentes organelas celulares têm de espes-
sura, aproximadamente, 7 a 10 µm e podem ser vistas apenas no microscópio
eletrônico. Trata-se de uma estrutura trilaminar composta de duas camadas
eletrodensas (escuras) e uma camada eletrolúcida (clara) central (Figura 1).
Essa estrutura é chamada unidade de membrana (ALBERTS et al., 2017;
JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2012; 2013).

(a)

(b)

Figura 1. Estrutura trilaminar de uma unidade de membrana celular. (a) Imagens de mi-
croscopia eletrônica de transmissão mostram, à esquerda, a membrana plasmática de duas
células vizinhas, separadas pelo espaço extracelular. À direita, está a unidade de membrana
de cada célula. Observe que a estrutura da bicamada lipídica fica evidenciada pela presença
de duas linhas densas (região hidrofílica dos fosfolipídios), separadas por uma linha clara
(região hidrofóbica, constituída pelas cadeias de ácidos graxos dos fosfolipídios). (b) Esquema
3D ilustrativo da unidade de membrana — regiões hidrofílica e hidrofóbica.
Fonte: Adaptada de (a) de Bioninja ([201-?]); (b) luminance studio/Shutterstock.com.
4 Estrutura da membrana plasmática

Esse aspecto ao microscópio eletrônico é explicado pela organização mo-


lecular das membranas, que estão organizadas em uma bicamada fluida de
fosfolipídios (fosfoglicerídeos e esfingolipídios). Os lipídios das membranas
são moléculas longas, com uma extremidade hidrofílica (polar e solúvel em
água) e uma cadeia hidrofóbica (apolar e insolúvel em água) — portanto,
uma molécula anfipática (Figura 2a) (MEZA et al., 2010; JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2012; 2013). As moléculas da dupla camada de lipídios estão
dispostas com suas cadeias hidrofóbicas direcionadas ao interior da membrana.
Já as cadeias hidrofílicas (polares) ficam direcionadas aos meios intracelular
e extracelular, que são ambientes aquosos (Figura 2c).

Lipídios
Os lipídios mais frequentes nas membranas plasmáticas são os fosfolipídios
(Figura 2a), o olesterol (Figura 2b) e, além deles, existem também os gli-
colipídios (lipídios associados a carboidratos, associados ou não a radicais
fosfato) (Figura 2c).

„„ Fosfolipídios: são os lipídios mais comuns da membrana. Têm uma


cauda de ácido graxo ligada, por meio de uma molécula de glicerol, a
uma “cabeça” de fosfato ligado a um álcool (hidrofílica) (Figura 2a).
Dentre os fosfolipídios, destacam-se a fosfatidilserina, a fosfatidileta-
nolamina, a fosfatidilcolina, o fosfatidilinositol e o fosfatidilglicerol.
A esfingomielina, muito comum nas células do tecido nervoso, é um
fosfolipídio no qual o glicerol é substituído por uma esfingosina (neste
caso, o álcool associado é a colina) (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2012;
PRESTON; WILSON, 2014).
Estrutura da membrana plasmática 5

„„ Colesterol: o colesterol é o segundo lipídio mais comum na membrana,


constituindo cerca de 25% da membrana plasmática. É hidrofóbico,
mas contém um grupo hidroxila polar que o puxa para a superfície
externa da bicamada, na qual se aloja entre os fosfolipídios adjacentes.
Entre o grupo hidroxila e a cauda de hidrocarboneto está um núcleo de
esteroide, que o tornam relativamente inflexível (Figura 2b). Assim, a
adição de colesterol à membrana interfere na sua viscosidade, reduzindo
a sua fluidez e a tornando mais forte e mais rígida (MEZA et al., 2010;
JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2012; PRESTON; WILSON, 2014). Está
também relacionado à sinalização celular (MEZA et al., 2010).
„„ Glicolipídios: presentes na monocamada externa, é um tipo de lipídio
pequeno, mas fisiologicamente importante (Figura 2c). É composto
por uma cauda de ácido graxo associada, por meio da esfingosina, a
uma cabeça hidrofílica de carboidrato. Assim, os glicolipídios criam
uma capa de carboidrato celular envolvida nas interações célula-célula,
inclusive apresentando antigenicidade (JUNQUEIRA; CARNEIRO,
2012; PRESTON; WILSON, 2014).

Proteínas
A atividade metabólica das membranas plasmáticas é dependente das proteínas
que participam da sua formação. Elas podem ser classificadas em dois grandes
grupos: as proteínas integrais (ou intrínsecas) e as proteínas periféricas
(ou extrínsecas) (Figuras 2c e 3). As primeiras estão firmemente aderidas à
membrana plasmática, compondo parte de ambas monocamadas lipídicas, e
correspondem a cerca de 70% das proteínas de membrana. Aquelas proteínas
integrais que atravessam toda a unidade de membrana, fazendo contato do meio
extracelular com o citoplasma, são chamadas de proteínas transmembrana,
que podem atravessar a membrana uma única vez (unipasso) ou várias vezes.
Nesse último caso, são chamadas de proteínas transmembrana de passagem
múltipla (ou multipasso). As proteínas periféricas, ao contrário, se prendem às
superfícies externas da membrana, compondo apenas uma das monocamadas
lipídicas (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2012).
6 Estrutura da membrana plasmática

(a)
Colina (polar)
Cabeça hidrofílica

Grupamento
fosfato
Polar

(b)

Glicerol

Ácido
graxo
Cauda hidrofóbica
Apolar (hidrocarbonetos)

saturado
Ácido
graxo
insaturado

(c) Cadeia de carboidratos da glicoproteína


Cadeia de carboidratos do glicolipídio

Proteína
transmembrana Fosfolipídio
Proteína periférica

Figura 2. (a) Estrutura geral de um fosfolipídio. (b) Estrutura química de uma molécula de
colesterol. (c) Bicamada lipídica da membrana plasmática, com suas proteínas e cadeias de
carboidrato associadas a proteínas ou lipídios na monocamada externa da membrana. As
faces hidrofílicas (círculos amarelos) interagem com o espaço extracelular e o citoplasma,
ambos aquosos (caráter polar); as cadeias hidrofóbicas ficam voltadas para dentro da
membrana.
Fonte: Adaptada de (a) struna/Shutterstock.com; (b) Alila Medical Media/Shutterstock.com; (c) Jamilia
Marini/Shutterstock.com.
Estrutura da membrana plasmática 7

Proteína
transmembrana
multipasso
Membrana
celular

Proteína
transmembrana Proteína Proteína ancorada
unipasso periférica a lipídio
Figura 3. Proteínas integral (unipasso e multipasso) e periférica de membrana. Observe
que há a representação de uma proteína periférica que está ancorada em um lipídio da
monocamada da membrana.
Fonte: Adaptada de Designua/Shutterstock.com.

A passagem de substâncias através da membrana celular não ocorre sempre


da mesma forma e depende do tipo de substância (permeabilidade seletiva).
Em alguns casos as substâncias podem atravessar a membrana sem a inter-
venção específica de moléculas transportadoras — transporte não mediado
(osmose e difusão simples) —, enquanto em outros casos são as proteínas
membranares que facilitam esse transporte — transporte mediado (transporte
ativo e difusão facilitada).
O termo geral proteínas de transporte engloba três categorias principais
de proteínas: canais (agem como poros nas membranas e sua especificidade é
determinada primeiramente pelas propriedades biofísicas no canal) (Figura 4a),
carregadoras (ligam na molécula a ser transportada em um lado da membrana
e depois a liberam do outro lado) (Figura 4b) e bombas (relacionadas ao trans-
porte ativo primário, usam energia diretamente, usualmente da hidrólise do
trifosfato de adenosina [ATP], para bombear os solutos contra o seu gradiente
ou potencial eletroquímico) (Figura 4c). Essas proteínas exibem especificidade
para solutos por elas transportados. Embora uma determinada proteína de
transporte seja em geral altamente específica para os tipos de substâncias que
transporta, sua especificidade comumente não é absoluta (COLODETE, 2013).
8 Estrutura da membrana plasmática

Figura 4. Três classes de proteínas transportadoras de membrana: (a) canais, (b) carreadoras
e (c) bombas. Proteínas canais e carreadoras podem mediar o transporte passivo de soluto
pela membrana (por difusão simples ou difusão facilitada) a favor do gradiente de soluto
e potencial eletroquímico.
Fonte: Colodete (2013, documento on-line).

Existem três tipos de proteínas transportadoras (transporte secundário):


simporte, antiporte e uniporte (Figura 5). Nas proteínas do tipo simporte,
as duas substâncias se movem na mesma direção através da membrana. Nas
do tipo antiporte, ocorre o movimento de um soluto a favor do gradiente de
prótons, impulsionando o transporte ativo de outro soluto na direção oposta
do gradiente (transporte acoplado). Nas proteínas do tipo uniporte, apenas um
soluto é transportado e ocorre a favor do gradiente eletroquímico. No trans-
porte por meio de proteínas simporte e antiporte, o íon ou soluto transportado
simultaneamente com os prótons move-se contra seu gradiente de potencial
eletroquímico, de modo que se trata de transporte ativo. Nesses casos, a energia
que governa esse transporte é proporcionada pela força-motriz de prótons, em
vez de diretamente pela hidrólise de ATP. O transporte realizado por proteínas
uniporte é mediado pelos canais e certos transportadores a favor do gradiente
de potencial elétrico (SANDERS; BETHKE, 2000; RAMOS; MARTINS;
FAÇANHA, 2005; COLODETE, 2013).
Estrutura da membrana plasmática 9

Uniporte Simporte Antiporte

Figura 5. Mecanismos para o transporte de moléculas mediado por proteínas através das
membranas biológicas — simporte, uniporte e antiporte.
Fonte: Adaptada de Gungner/Shutterstock.com.

A membrana plasmática do eritrócito tem papel-chave na manutenção da forma


bicôncava da célula e é composta por 42% de lipídios, 52% de proteínas e 7% de
carboidratos. É funcionalmente parecida com as outras membranas celulares e tem
as mesmas propriedades biofísicas das de outras células. A membrana eritrocitária faz
parte do citoesqueleto e proporciona flexibilidade e resistência à célula, propriedades
necessárias, uma vez que as células sanguíneas estão submetidas, constantemente, a
traumas ligados à dinâmica do sistema cardiovascular. No artigo disponível no link a
seguir, Pinto et al. (2013) apresentam as características e a constituição da membrana
plasmática eritrocítica.

https://qrgo.page.link/exe6C

Organização da membrana plasmática


Apesar de morfologicamente parecidas e com a mesma organização molecular
básica, as unidades de membrana não são iguais, nem na morfologia nem
nas funções. Assim, as membranas plasmáticas variam muito na composição
química e nas propriedades biológicas. A proporção entre os tipos de lipídios
varia de acordo com o tecido e o tipo celular, assim como a distribuição dos
10 Estrutura da membrana plasmática

lipídios em cada camada é assimétrica (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2012;


2013). Isso significa dizer que as moléculas que compõem a bicamada têm
natureza lipídica, mas que diferem entre si, na sua estrutura e propriedade
química (mais polar ou menos polar, com cadeias cíclicas ou lineares, com
cadeias de ácidos graxos maiores ou menores, por exemplo). Além disso, o tipo
e a proporção de cada fosfolipídio/colesterol em cada monocamada lipídica
da membrana são variáveis (Figura 6) (MEZA et al., 2010).

% total de fosfolipídios
Monocamada interna Monocamada externa

Fosfatidilserina

Fosfatidiletanolamina

Fosfatidilcolina

Esfingomielina

Figura 6. Constituição fosfolipídica da membrana plasmática em cada monocamada


lipídica. Observe a assimetria lipídica (porcentagem constitutiva) da membrana plasmática e
a estrutura química dos principais lipídios da membrana plasmática em suas monocamadas
externas e internas.
Fonte: Adaptada de Meza et al. (2010).

Na organização da membrana, as proteínas periféricas estão concentradas


na sua face citoplasmática, na qual podem ligar-se a componentes do citoes-
queleto, definindo, inclusive, o formato da célula. Já as proteínas integrais
estão presentes no lado externo da membrana e estão muito relacionadas aos
fenômenos de sinalização celular. Parte dessas proteínas são glicoproteínas,
cujos resíduos glicídicos são adicionados aos glicolipídios e a outras moléculas
da face externa da membrana, constituindo o glicocálice (JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2012).
Estrutura da membrana plasmática 11

Glicocálice
A superfície externa da membrana plasmática apresenta uma região rica
em carboidratos ligados a proteínas ou a lipídios, denominada glicocálice.
O glicocálice é uma “extensão” da própria membrana — ele não é uma camada
separada. Ele é composto por moléculas produzidas e secretadas pela própria
célula e é constituído pelos glicídios ancorados à monocamada externa da
membrana, pelas glicoproteínas integrais da membrana e por proteoglicanos
secretados e adsorvidos à membrana (ALBERTS et al., 2017; JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2012; 2013).

Quase todas as células de mamíferos produzem proteoglicanos, sendo estes secretados


para a matriz extracelular, inseridos na membrana plasmática ou armazenados em
grânulos secretores. Essas moléculas, além de constituírem o glicocálice, são impor-
tantes componentes da matriz extracelular e está envolvido em uma série de funções.
Acesse o link a seguir e leia o artigo que descreve a importância dos proteoglicanos
na constituição e na fisiologia dos tecidos.

https://qrgo.page.link/7c8V4

O glicocálice protege a célula e facilita várias interações entre células, por


exemplo, o reconhecimento de substâncias por parte da célula. Ele é funcional-
mente muito importante para a célula e sua composição não é estática — varia
conforme a atividade funcional da célula num determinado momento, assim
com ovaria de uma célula para outra e, na mesma célula, varia de acordo com
a região da membrana (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2012).
A fibronectina é uma importante e abundante glicoproteína secretada
pela célula e que passa a fazer parte do glicocálice e que tem a função de
unir umas células às outras e à matriz extracelular. É ela quem faz contato
entre o citoesqueleto celular (presente no citoplasma) e a proteínas da matriz
dos tecidos, dentre elas o colágeno (ALBERTS et al., 2017; JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2012; 2013).
12 Estrutura da membrana plasmática

O glicocálice endotelial (Figura 7) é determinante na permeabilidade vascular, é capaz


de limitar o acesso de moléculas à membrana plasmática da célula endotelial e media
o transporte enzimático e funciona como barreira permeável. Além disso, o glicocálice
restringe moléculas que influenciam na interação de moléculas, eritrócitos, plaquetas
e leucócitos, controlando a expressão de moléculas de adesão. A disfunção da síntese
e a organização do glicocálice nessas células é um importante indicativo de alterações
na fisiologia vascular.

Figura 7. Representação do glicocálice endotelial em condições fisiológicas normais. PQ


— parênquima; CE — células endoteliais e GCX — glicocálice.
Fonte: Esper et al. (2016, documento on-line).

Acesse os artigos — “Glicocálix. Una estructura a considerar en el enfermo grave”, de


Esper et al. (2016), e “Importancia médica del glucocáliz endotelial”, de Frati-Munari
(2013) —, disponíveis nos respectivos links a seguir para saber mais sobre o glicocálice
endotelial.

https://qrgo.page.link/zuPYt

https://qrgo.page.link/kP3bN
Estrutura da membrana plasmática 13

Mosaico fluido
A membrana plasmática não é uma estrutura estática, os lipídios se movem
ao longo da monocamada ou mesmo entre camadas, num movimento deno-
minado flip-flop, e essa movimentação ao longo da monocamada ou entre as
camadas proporciona fluidez à membrana (Figura 8). Esse conceito de fluidez
da membrana está relacionado não apenas à movimentação dos lipídios, está
relacionado a aspectos dinâmicos da célula — o transporte de moléculas entre
os meios intra e extracelular (PONTES et al., 2013).

Figura 8. Esquema ilustrando a mobilidade dos lipídios na mesma monocamada (mudança


rápida de posição) ou entre monocamadas (mudança mais lenta), no movimento de flip-
-flop. Essa mobilidade é uma das características que caracteriza e justifica o nome dado ao
modelo de membrana plasmática atual: mosaico fluido.
Fonte: Adaptada de ellepigrafica/Shutterstock.com.

Assista ao vídeo disponível no link a seguir, que descreve as principais características


relacionadas à fluidez da membrana plasmática.

https://qrgo.page.link/8gkTY
14 Estrutura da membrana plasmática

Esse dinamismo da membrana plasmática se dá também porque em meio


à bicamada lipídica são encontradas proteínas que têm inúmeras funções
celulares, dentre elas a de facilitar e/ou transportar íons ou outras moléculas
polares específicas. Essas proteínas associadas à membrana também têm
mobilidade ao longo das monocamadas. Esse aspecto heterogêneo e fluido da
membrana plasmática dá nome ao modelo descrito por Sanger e Nicholson,
em 1972, e atualmente aceito: modelo mosaico fluido (Figura 9) (ALBERTS
et al., 2017; JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2012; 2013).

O nome mosaico decorre da presença de diferentes constituintes químicos na com-


posição da membrana plasmática: proteínas, carboidratos e lipídios. A palavra fluido
decorre da propriedade dos lipídios e das proteínas de poderem se movimentar dentro
da matriz da bicamada lipídica.

Meio extracelular
Carboidrato
Proteína do tipo alfa-hélice

Glicolipídio

Proteína
globular Fosfolipídios
Colesterol
Citoplasma

Figura 9. Modelo mosaico fluido da membrana plasmática.


Fonte: Adaptada de Emre Terim/Shutterstock.com.
Estrutura da membrana plasmática 15

Assista ao vídeo disponível no link a seguir, que descreve as principais características,


constituintes e funções da estrutura da membrana plasmática.

https://qrgo.page.link/aZuXE

Exemplo
Os neurônios são as células excitáveis do sistema nervoso. Os sinais são
propagados por meio de potenciais de ação (PAs), ou impulsos elétricos, ao
longo da superfície neuronal. Cada neurônio tem um axônio, cujas terminações
fazem contatos sinápticos com outros neurônios e podem estar envoltos por
uma camada protetora chamada mielina.
A membrana plasmática do neurônio mantém concentrações diferenciais de
íons entre os espaços intra e extracelular. Uma vez que os íons são carregados
eletricamente, seu movimento provoca um gradiente elétrico e, conforme
se movem através da membrana a favor de um gradiente de concentração,
ocorre um acúmulo de carga, o que impede que mais íons se movam através
da membrana.
Cada íon tem uma concentração intra e extracelular diferente, e a per-
meabilidade da membrana é diferente para cada íon. A permeabilidade da
membrana determina a facilidade com que um íon pode atravessá-la. A fim
de determinar o potencial de repouso da membrana, é preciso considerar as
concentrações intra e extracelular de diferentes íons, bem como a permeabi-
lidade da membrana para cada um.
As diferentes concentrações de íons intra e extracelulares são mantidas por
proteínas de membrana que agem como bombas iônicas. A mais proeminente
delas é a Na/K ATPase, que bombeia Na+ (sódio) para fora da célula, em troca
de K+. Os PAs são impulsos elétricos ou alterações no potencial da membrana,
que percorrem a superfície de um neurônio. O mecanismo subjacente ao PA
é a alteração na permeabilidade da membrana para diferentes íons, primeira-
mente para o Na, quando se inicia um PA, e, em seguida, para o K na fase de
recuperação. Os PAs são o meio de comunicação entre os neurônios.
16 Estrutura da membrana plasmática

Em axônios não mielinizados, o fluxo de corrente passiva flui ao longo


do axônio e abre continuamente os canais de Na+ (corrente ativa) que estão
inseridos ao longo de todo o comprimento do axônio. A regeneração contínua
dos PAs ao longo de todo o comprimento dos axônios é chamada de condução
contínua (Figura 10a).
Em axônios mielinizados, os canais de Na+ estão acumulados nas lacunas
da bainha de mielina (nó). A corrente passiva é levada por um longo segmento
de axônios mielinizados. No nó, a alteração no potencial de membrana provoca
a abertura dos canais de Na+ e, com isso, a regeneração do PA. O PA parece
“saltar” de nó em nó, o que é chamado de condução saltatória (Figura 10b).
A esclerose múltipla é uma doença neurológica crônica que afeta adultos
jovens. A lesão subjacente é a perda da bainha de mielina em torno dos axô-
nios (desmielinização) e a perda de axônios (neurodegeneração). É possível
observar inflamação grave nas áreas de desmielinização, o que acredita-se
ser um mecanismo subjacente para a desmielinização e a neurodegeneração.
A desmielinização prejudica o desempenho do sistema nervoso central, a
perda da bainha de mielina causa um bloqueio na condução no interior desse
axônio e um axônio mielinizado conduz os PAs pela condução saltatória. Sem
a bainha de mielina, os grupos de canais de Na+ ficam distantes e a corrente
passiva se espalha antes que o próximo grupo de canais de Na+ possa ser ativado.
Uma forma que o sistema nervoso central usa para responder ao bloqueio
de condução é colocar canais de Na+ ao longo do axônio desmielinizado para
deixar a condução contínua não saltatória. Em alguns casos, a inserção de
canais de Na+ no axônio desmielinizado é bem-sucedida, condutância contínua
é estabelecida e o PA pode ser propagado, embora em ritmo mais lento.
A perda funcional permanente da esclerose múltipla é ocasionada pela perda
axonal e pela morte neuronal. Essa perda axonal se deve ao prejuízo no papel
de proteção da bainha de mielina, à inserção de canais de Na+ deficientes e
à incapacidade de remielinizar. (KREBS; WEINBERG; AKESSON, 2013).
Estrutura da membrana plasmática 17

Figura 10. (a) Condução contínua do PA na membrana plasmática de um axônio.


(b) Condução saltatória do PA em um axônio revestido pela mielina. Observe a disposição
das proteínas de membrana, que constituem canais de sódio, íon responsável pela despo-
larização da membrana plasmática do neurônio.
Fonte: Krebs, Weinberg e Akesson (2013, p. 12).

ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
BIONINJA. Membrane models. [201-?]. Disponível em: https://ib.bioninja.com.au/stan-
dard-level/topic-1-cell-biology/13-membrane-structure/membrane-models.html.
Acesso em: 5 out. 2019.
18 Estrutura da membrana plasmática

COLODETE, C. M. Fluxo molecular e iônico das proteínas de transporte em membranas.


Perspectivas Online: Ciências Biológicas & da Saúde, v. 11, n. 3, p. 43−52, 2013. Disponível
em: https://www.seer.perspectivasonline.com.br/index.php/biologicas_e_saude/
article/viewFile/11/9. Acesso em: 5 out. 2019.
ESPER, R. C. et al. Glicocálix: una estructura a considerar en el enfermo grave. Revista
de la Asociación Mexicana de Medicina Crítica y Terapia Intensiva, v. 30, n. 2, p. 130−136,
2016. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/1e18/11193937d5f8846d5dbd3
a6766179df59334.pdf. Acesso em: 5 out. 2019.
FRATI-MUNARI, A. C. Importancia médica del glucocáliz endotelial. Archivos de Cardio-
logía de México, v. 83, n. 4, p. 303−312, 2013.
JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Biologia celular e molecular. 9. ed. Rio de Janeiro: Gua-
nabara Koogan, 2012.
JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2013.
KREBS, C.; WEINBERG, J.; AKESSON, E. Introdução ao sistema nervoso e à neurofisiologia
básica. In: KREBS, C.; WEINBERG, J.; AKESSON, E. Neurociências ilustrada. Porto Alegre:
Artmed, 2013.
MEZA, U. et al. La membrana plasmática: modelos, balsas y señalización. REB, v. 29, n.
4, p. 125−134, 2010. Disponível em: https://www.medigraphic.com/pdfs/revedubio/
reb-2010/reb104d.pdf. Acesso em: 5 out. 2019.
MOREIRA, C. Membrana celular. Revista de Ciência Elementar, v. 2, n. 2, 0062, 2014. Dispo-
nível em: https://www.fc.up.pt/pessoas/jfgomes/pdf/revistaCienciaElementar_v2n2.
pdf. Acesso em: 5 out. 2019.
PINTO, W. J. et al. Topologia das principais proteínas da membrana e do citoesque-
leto eritrocitário. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, v. 12, n. 1, p. 106−120, 2013.
Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/cmbio/article/view/6422/6613.
Acesso em: 5 out. 2019.
PONTES, B. et al. Membrane elastic properties and cell function. PLoS One, v. 8, n. 7,
e67708, 2013.
PRESTON, R. R.; WILSON, T. E. Fisiologia da célula e da membrana. In: PRESTON, R. R.;
WILSON, T. E. Fisiologia ilustrada. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 1−15.
RAMOS, A. C.; MARTINS, M. A.; FAÇANHA, R. A. Atividade ATPásica e pirofosfatásica em
microcromossomos de raízes de milho colonizadas com fungos micorrízicos arbuscu-
lares. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 29, p. 207−213, 2005.
SANDERS, D.; BETHKE, P. Membrane transport. In: BUCHANAN, B. B.; GRUISSEM, W.;
JONES, R. L. (ed.). Biochemistry & molecular biology of plants. USA: American Society of
Plant Physiologists, 2000. p. 110−158.
BIOLOGIA
CELULAR

Daikelly Iglesias Braghirolli


Organelas biossintéticas:
o retículo endoplasmático
e os ribossomos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir as características e as funções do retículo endoplasmático (RE)


e dos ribossomos.
„„ Verificar as diferentes condições em que ocorre a síntese de proteínas
nos ribossomos.
„„ Identificar os processos pelos quais o RE orienta a síntese, a modificação
e a distribuição de proteínas.

Introdução
Os ribossomos e o RE desempenham importantes funções celulares.
Os ribossomos são responsáveis pela síntese de todas as proteínas pre-
sentes nas células e no líquido extracelular. Enquanto isso, o RE é uma
organela com funções também relacionadas à síntese proteica, assim
como ao processamento e à distribuição de proteínas. Ele também ar-
mazena íon cálcio e participa da produção de lipídios.
Neste capítulo, você compreenderá quais são as principais funções
e características dos ribossomos e do RE. Além disso, você identificará
como a síntese de proteínas pode acontecer e como o RE atua na sua
modificação e distribuição.
2 Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos

Estrutura e função do retículo endoplasmático e


dos ribossomos
O RE é uma organela presente em células eucarióticas, que apresenta função
central na produção de proteínas e lipídios. Além disso, essa organela também
atua como um reservatório do íon Ca2+.
O RE é uma organela formada por um sistema de membranas duplas,
lipoproteicas, mergulhadas no citosol. Essa organela se encontra espalhada
por toda a célula e sua estrutura varia em relação a sua organização. As suas
membranas podem formar uma rede de túbulos ramificados e sacos achata-
dos, chamados cisternas (Figura 1). Também podem formar vacúolos, que
armazenam diferentes moléculas e vesículas, estruturas independentes em
formas de bolsas, que podem se destacar da membrana. Tais estruturas estão
em constante mudança e podem se transformar um no outro. As cisternas, por
exemplo, ao armazenar algumas substâncias, podem ter sua membrana dupla
distendida e, assim, assumir um aspecto de vacúolo. Os túbulos e as cisternas
são interconectados e suas membranas são contínuas à membrana nuclear
externa. Assim, o RE se estende da membrana nuclear por todo o citoplasma,
constituindo a maior organela da maioria das células eucarióticas. A membrana
dupla do RE é contínua e representa mais da metade das membranas totais de
uma célula animal. O espaço interno do RE é único, sendo chamado de lúmen
ou espaço cisternal. Esse espaço pode ocupar até 10% do volume celular total
(ALBERTS et al., 2017; COOPER; HAUSMAN, 2007).
Como citado anteriormente, o RE apresenta várias funções vitais às células,
estando presente em praticamente todos os tipos celulares. Porém, cada tipo
celular pode apresentar demandas funcionais diferentes, de acordo com suas
características. Assim, o RE apresenta variações estruturais em algumas
regiões, que se tornam bastante especializadas, a fim de cumprir algumas
demandas celulares específicas. Dois exemplos são os domínios chamados
retículo endoplasmático rugoso (RER) e retículo endoplasmático liso (REL)
(Figura 1). O RER, ou RE granuloso, corresponde a regiões do RE cobertas por
ribossomos em sua membrana externa. Enquanto isso, o REL corresponde a
regiões do RE não associadas a ribossomos (ALBERTS et al., 2017; COOPER;
HAUSMAN, 2007). A membrana do REL é contínua à do RER e, normal-
mente, se dispõe na forma de túbulos que se anastomosam (JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2017). Em algumas áreas do REL, ocorre o desprendimento de
vesículas, contendo proteínas ou lipídios, para o transporte até o complexo de
Golgi. Essas áreas são chamadas de RE transicional (ALBERTS et al., 2017).
Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos 3

O RER apresenta como função principal a separação do citosol e o armaze-


namento de proteínas que são destinadas à exportação ou ao uso intracelular.
Ainda, o RER realiza a modificação de proteínas, como glicosilação, hidroxi-
lação, sulfatação e fosforilação. Além disso, essa organela realiza a síntese de
fosfolipídios, a síntese de proteínas integrais da membrana celular e a montagem
de proteínas formadas por várias cadeias polipeptídicas. Enquanto isso, o
REL realiza a produção de fosfolipídios para todas as membranas celulares.
Ainda, de acordo com o tipo celular, o REL é o local onde ocorre a produção
de hormônios esteroides e processos de biotransformação como conjugação,
oxidação e metilação (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2017).
Uma outra função do RE é o armazenamento do íon cálcio. O lúmen do RE
apresenta uma alta quantidade de proteínas que se ligam ao Ca2+, possibilitando
o seu armazenamento. Células musculares apresentam o REL modificado,
que é denominado retículo sarcoplasmático. O retículo sarcoplasmático é
responsável por liberar e armazenar cálcio durante a contração das fibras
musculares (ALBERTS et al., 2017).

O RER é encontrado em grandes quantidades nas células que apresentam alta produ-
ção e secreção de proteínas. Assim, essa organela é abundante em células acinosas
do pâncreas, que secretam enzimas digestivas, em fibroblastos, que apresentam
alta produção de colágeno, e em plasmócitos, que secretam as imunoglobulinas
(JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2017).
Enquanto isso, o REL é abundante naquelas células que participam e apresentam alto
metabolismo lipídico. As células dos testículos e ovários, que produzem hormônios
esteroides como testosterona e progesterona, apresentam alta quantidade do REL.
Os hepatócitos também exibem alta quantidade dessa organela. Essas células são
as principais responsáveis pelo processo de biotransformação, no qual substâncias
lipofílicas são metabolizadas em produtos mais hidrofílicos, a fim de facilitar a sua
excreção. Dessa forma, essas reações são empregadas para a inativação de substâncias
exógenas ao organismo e para a inativação de determinados hormônios, ocorrendo,
predominantemente, no REL (COOPER; HAUSMAN, 2007; JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2017).
4 Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos

Os ribossomos são partículas ribonucleicas, isto é, são complexos formados


por ácido ribonucleico (RNA) e proteínas. Eles desempenham função central
na síntese de proteínas, realizando a “leitura” das moléculas de RNA mensa-
geiro (mRNA) e promovendo a ligação entre aminoácidos. Essas organelas
não apresentam membrana e são responsáveis pela síntese de todas as pro-
teínas integrais e solúveis, encontradas nas células e no espaço extracelular.
Os ribossomos podem ser encontrados associados ao RE ou livres no citoplasma
(Figura 1). Eles são compostos por três ou quatro tipos diferentes de RNA,
chamados RNA ribossomais (rRNA) e cerca de 83 proteínas diferentes, sendo
organizados em duas subunidades, uma maior e outra menor (ALMEIDA;
PIRES, 2014) (LODISH et al., 2014). Os ribossomos de células eucariontes,
por exemplo, são denominados ribossomos 80S. Eles são formados por uma
subunidade maior, denominada 60S, e uma subunidade menor, chamada 40S.
Enquanto isso, células procariontes, como as bactérias, apresentam ribosso-
mos 70S formados pelas subunidades 50S e 30S. A unidade S (Svedberg)
expressa a taxa de sedimentação do ribossomo. Ela considera a velocidade de
sedimentação da partícula e a aceleração utilizada no processo (ALMEIDA;
PIRES, 2014).
Em células eucariontes, a maior parte do rRNA que compõe as duas subu-
nidades dos ribossomos é produzida no nucléolo, enquanto as proteínas são
produzidas no citoplasma. Essas proteínas migram em direção ao núcleo e
nesse compartimento se associam aos rRNA. Após, as subunidades maiores e
menores, já prontas, migram por meio dos poros nucleares para o citoplasma
celular (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2017).

No link a seguir, você poderá aprender um pouco mais sobre o RER e o REL e comparar
diferentes tecidos do nosso organismo em relação à presença dessas organelas.

https://qrgo.page.link/JWUKH
Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos 5

Retículo endoplasmático
liso Célula
Retículo endoplasmático
rugoso Cisternas
Núcleo Envelope nuclear
Poros nucleares

Ribossomos

Figura 1. RER, REL e ribossomos. Observe que o RER apresenta ribossomos aderidos a sua
membrana externa.
Fonte: Adaptada de VectorMine/Shutterstock.com.
6 Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos

Diferentes condições em que ocorre


a síntese de proteínas
As proteínas são moléculas formadas, predominantemente, por aminoácidos,
que executam funções estruturais, bem como atuam como efetores de grande
parte dos processos celulares. Elas são produzidas de acordo com as infor-
mações contidas no ácido desoxirribonucleico (DNA), a partir do processo
de tradução (COOPER; HAUSMAN, 2007).
Todas as proteínas são sintetizadas nos ribossomos. Esse complexo se liga
ao mRNA e, a partir disso, o processo de tradução inicia. Apesar da síntese
proteica iniciar com a tradução do mRNA, para que se torne uma proteína
funcional, a cadeia peptídica formada pode precisar passar por diferentes
modificações, como enovelamento e adição de grupamentos químicos. Muitas
dessas modificações ocorrem no RE (COOPER; HAUSMAN, 2007).
A síntese de proteínas pode ocorrer em ribossomos livres ou em ribossomos
associados ao RE. Proteínas que ficarão livres no citosol ou serão incorporadas
no núcleo celular, mitocôndrias, peroxissomos e cloroplastos (presentes nas
células vegetais) são produzidas em ribossomos livres. Ao final do processo de
tradução, essas proteínas são liberadas diretamente no citosol. Enquanto isso,
os ribossomos aderidos à membrana do RE produzem proteínas específicas,
destinadas à secreção ou à incorporação ao RE, complexo golgiense, lisossomos
ou membrana plasmática (COOPER; HAUSMAN, 2007).
O destino das proteínas que são produzidas normalmente é definido por
sequências de aminoácidos específicas, presentes na sua estrutura primária.
É importante destacar que toda a síntese de proteínas inicia em ribossomos
livres do citosol celular. Porém, quando as proteínas são direcionadas ao lúmen
do RE durante o processo de tradução, os ribossomos são, primeiramente,
associados à membrana do RE. Esse processo é mediado pela “sequência sinal”,
uma sequência de aminoácidos presentes na extremidade amino-terminal da
cadeia peptídica que está sendo sintetizada pelo ribossomo. Essa sequência
apresenta 20 aminoácidos, sendo que vários deles são apolares (ALBERTS
et al., 2017; COOPER; HAUSMAN, 2007).
Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos 7

Dessa forma, o RE captura as proteínas do citosol, à medida que elas são


produzidas. Ele pode capturar proteínas transmembrana e proteínas solúveis
em água. As proteínas transmembrana são parcialmente translocadas para a
membrana do RE e se inserem nela. Essas proteínas podem permanecer na
membrana do RE, assim como podem ser direcionadas à membrana da célula
ou à membrana de outras organelas. Enquanto isso, as proteínas solúveis em
água são totalmente transportadas para o interior do retículo. Essas proteínas
são secretadas para o exterior celular, são direcionadas ao interior de outras
organelas ou permanecem no lúmen do próprio RE (ALBERTS et al., 2017).
O direcionamento de proteínas ao lúmen do RE pode ocorrer enquanto elas
ainda estão sendo sintetizadas, por meio do processo chamado “transporte
simultâneo à tradução”, ou também, após sua tradução ter sido completada no
citosol, por meio do processo denominado “transporte posterior à tradução”.
Nas células eucariontes, normalmente ocorre o transporte simultâneo à tra-
dução. Enquanto isso, o transporte posterior à tradução ocorre normalmente
em leveduras (COOPER; HAUSMAN, 2007).
No transporte simultâneo à tradução, a sequência sinal é guiada para o
RE por meio de dois componentes-chaves: a partícula de reconhecimento
de sinal (SRP) e o receptor SRP, presente na membrana do RE. A SRP é um
complexo formado por seis polipeptídeos e um RNA citoplasmático pequeno.
Essa partícula transita entre o RE e o citosol celular, ligando-se à sequência-
-sinal e à subunidade maior do ribossomo. Ao se ligar, a SRP causa uma
pausa temporária do processo de tradução, até que o ribossomo seja ligado à
membrana do RE. Essa pausa na tradução evita que a cadeia peptídica seja
liberada no citosol celular.
A SRP ligada ao ribossomo migra em direção ao RE, onde estabelece
ligação com o receptor de SRP, presente na membrana do RE. O estabeleci-
mento dessa ligação faz com que o complexo SRP-ribossomo interaja com
uma proteína translocadora, presente na membrana do RE. Em seguida, a SRP
e o receptor de SRP são liberados e a cadeia polipeptídica é transferida para
o lúmen do RE. A transferência da cadeia polipeptídica para o interior dessa
organela ocorre por meio de um canal proteico presente em sua membrana,
chamado translócon. À medida que a cadeia crescente de aminoácidos é
8 Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos

transportada para o lúmen do RE, o processo de tradução continua. Ao final, a


sequência sinal da cadeia é clivada por uma enzima peptidase sinal, liberando
a cadeia polipeptídica no lúmen do RE (Figura 2) (COOPER; HAUSMAN,
2007; ALBERTS et al., 2017).

Figura 2. Transporte de proteínas simultâneo à tradução. Note que a SRP se liga à sequência
sinal do peptídeo em crescimento e ao receptor de SRP, presente na membrana do RE.
Fonte: Alberts et al. (2017, p. 674).

Enquanto isso, o transporte posterior à tradução, isto é, quando a proteína


é transferida ao RE após a sua tradução completa, não requer a SRP. Nesse
mecanismo, as proteínas são produzidas em ribossomos livres no citosol e
suas sequências-sinal são reconhecidas por receptores distintos, associados
ao translócon na membrana do RE. Para que possam entrar no translócon,
as proteínas precisam ser mantidas em uma conformação não dobrada. Essa
conformação é mantida por proteínas chaperonas citosólicas Hsp70. Um outro
tipo de chaperona Hsp70, chamada BiP, também participa do transporte pelo
translócon. Essa proteína está presente no interior do RE e é responsável
por puxar o polipeptídeo para dentro do RE, por meio do canal (COOPER;
HAUSMAN, 2007).
Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos 9

A sequência sinal ou peptídeo sinal corresponde a uma sequência de aminoácidos pre-


sentes na extremidade amino-terminal da cadeia peptídica que está sendo produzida
e que determina o seu direcionamento. Essa hipótese foi demonstrada pelo biólogo
Günter Blobel, que o fez ganhar o Prêmio Nobel de Medicina, em 1999.
No link a seguir, você poderá aprender um pouco mais sobre a hipótese de sinal.

https://qrgo.page.link/H7q6V

O papel do retículo endoplasmático na síntese,


modificação e distribuição de proteínas
Como vimos anteriormente, o RE apresenta um grande papel no que se refere
à síntese, ao processamento e à distribuição de proteínas. No que se refere à
distribuição, o RE atua translocando proteínas transmembrana em direção à
membrana celular e a membranas de organelas presentes nas células. Além
disso, o RE atua na secreção de proteínas e no transporte proteico para o
interior de organelas celulares (ALBERTS et al., 2017).
As proteínas transmembrana, também chamadas de proteínas integrais de
membrana, são proteínas que atravessam a bicamada lipídica. O deslocamento
dessas proteínas inicia com a sua inserção na membrana do RE. Após, elas
seguem seu destino, sendo transportadas por meio das próprias membranas, por
meio do caminho: RE complexo golgiense membrana plasmática ou endosso-
mos lisossomos. As proteínas transmembrana podem se orientar de diferentes
formas por meio da membrana, como também podem transpassar a membrana
em um número variável de vezes. As diferentes orientações das proteínas são
determinadas no momento que a cadeia polipeptídica é transportada para o
lúmen do RE (COOPER; HAUSMAN, 2007).
As proteínas solúveis podem seguir a chamada “via secretora” (Figura 3).
Por meio dessa via, elas são secretadas para o meio extracelular ou são des-
tinadas a diferentes compartimentos celulares. A via secretora inicia com a
síntese proteica no RER. Após, as proteínas são destinadas para o complexo
golgiense e, a partir deste, são deslocadas em vesículas secretoras para o
exterior celular ou para os compartimentos intracelulares específicos.
10 Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos

Figura 3. Representação da via secretora. Logo após sua síntese, as proteí-


nas se deslocam do RE para o complexo golgiense. Após, essas proteínas
seguem seu destino, sendo transportadas no interior de vesículas.
Fonte: Adaptada de Alberts et al. (2017).

O papel do retículo endoplasmático na modificação e


no dobramento das proteínas
O RE é a organela na qual as proteínas são dobradas para adquirirem suas
formas tridimensionais. Proteínas com estrutura quaternária, isto é, que são
formadas por mais de uma subunidade, são também montadas no RE. No lúmen
dessa organela também ocorrem modificações proteicas como glicosilações,
formação de ligações dissulfeto e adição de grupos glicolipídicos. Assim,
muitas das proteínas encontradas no lúmen do RE estão em trânsito. Ali elas
são processadas e encaminhadas ao seu destino final. Esse processamento
ocorre por proteínas residentes no RE (ALBERTS et al., 2017; COOPER;
HAUSMAN, 2007).
O transporte das proteínas para o lúmen do RE ocorre em sua forma não
dobrada. O dobramento das cadeias polipeptídicas ocorre no interior dessa
organela, com o auxílio das proteínas chaperonas. As chaperonas Hsp70, por
exemplo, se ligam às cadeias polipeptídicas e atuam como mediadoras de
seu dobramento e, também, de sua montagem, quando a proteína resultante
é formada por mais de uma subunidade.
Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos 11

Durante o dobramento, ligações dissulfeto podem ser formadas entre os


resíduos de cisteína que formam a cadeia peptídica. Diferentemente do citosol,
o interior do RE apresenta um meio oxidante, o qual favorece a formação
das ligações dissulfeto. Além disso, o RE apresenta, em seu lúmen, a enzima
proteína dissulfeto isomerase. Essa enzima catalisa a oxidação dos grupos
sulfidrila (-SH) presentes no grupo lateral dos resíduos de cisteína, levando
à formação das ligações dissulfeto. Praticamente todas as proteínas encon-
tradas no interior das organelas e no meio extracelular apresentam ligações
dissulfeto entre seus resíduos de cisteína, que são formadas no RE (COOPER;
HAUSMAN, 2007; ALBERTS et al., 2017).
A glicosilação de proteínas também é uma função biossintética muito
importante realizada pelo RE. A glicosilação corresponde à reação na qual
pequenos açúcares são ligados covalentemente às proteínas, levando à formação
das chamadas glicoproteínas. Essa reação ocorre, normalmente, enquanto a
cadeia polipeptídica é transportada para o interior do RE. Os oligossacarídeos
ficam armazenados na membrana do RE, ligados ao lipídio dolicol e, então,
são ligados à cadeia polipeptídica. Essa ligação frequentemente ocorre nos
grupamentos amino (-NH2) da cadeia lateral dos resíduos de asparagina, o que
leva à formação dos chamados oligossacarídeos ligados ao N. Para ser ligado
à proteína, o oligossacarídeo é liberado do dolicol, por meio do rompimento
da ligação entre os dois, uma ligação pirofosfato. Ao ser rompida, essa ligação
libera uma grande quantidade de energia que é, então, utilizada para a reação
de glicosilação. Essa reação é catalisada por uma enzima também presente na
membrana do RE, a oligossacaril transferase. Além da ligação à asparagina,
os oligossacarídeos também podem ser ligados ao grupo hidroxila da cadeia
lateral de resíduos de serina, treonina ou hidroxilisina (COOPER; HAUSMAN,
2007; ALBERTS et al., 2017).
Muitas das proteínas são montadas ou dobradas incorretamente (mais
de 80%). Assim, uma outra função bastante importante do RE é a análise
da estrutura das proteínas e a degradação daquelas que foram dobradas in-
corretamente. Nesse processo, o desafio é selecionar somente tais proteínas
para a degradação. Assim, as proteínas montadas ou dobradas incorretamente
devem ser distinguidas daquelas que ainda estão sendo montadas. Muitas
vezes, os oligossacarídeos ligados ao grupamento -NH2 da asparagina atuam
como marcadores para essa seleção. Eles funcionam como “cronômetros”,
relacionando o tempo que uma proteína pode permanecer no RE (ALBERTS
et al., 2017). As mesmas proteínas que auxiliam no dobramento das proteínas,
no lúmen do RE, também podem atuar como “sensores” para o enovelamento
12 Organelas biossintéticas: o retículo endoplasmático e os ribossomos

ou montagem incorreta de proteínas. Um exemplo é a proteína chaperona BiP,


que, além de atuar “puxando” as cadeias polipeptídicas para o interior do
RE, também reconhece proteínas que foram enoveladas de forma incorreta
ou cadeias polipeptídicas que ainda não foram unidas aos seus complexos
oligoméricos. Tais proteínas se se ligam às cadeias dobradas incorretamente
e as mantêm no RE, não deixando que sejam transportadas pelo complexo
golgiense ou sigam seu destino final. Em vez disso, elas encaminham essas
proteínas para uma via de degradação. Normalmente, as proteínas enoveladas
de forma incorreta acabam sendo transportadas do RE para o citosol celular
por meio dos canais translócon. No citosol, essas proteínas são marcadas com
ubiquitina e degradadas no proteossomo (ALBERTS et al., 2017; COOPER;
HAUSMAN, 2007).

No link a seguir você poderá ler um pouco mais sobre o direcionamento de proteínas,
mediado pelo RE.

https://qrgo.page.link/NBeVs

ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
ALMEIDA, L. M. de; PIRES, C. Biologia celular: estrutura e organização molecular. São
Paulo: Érica; Saraiva, 2014. (Série Eixos).
COOPER, G. M.; HAUSMAN, R. E. A célula: uma abordagem molecular. 3. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2007.
JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica: texto e atlas. 13. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2017.
LODISH, H. et al. Biologia celular e molecular. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
FUNDAMENTOS DA
BIOLOGIA CELULAR
4ª Edição
Tradução:
Ardala Elisa Breda Andrade (Caps. 4, 11)
Research Scientist, Texas A&M University. Mestre e Doutora em Biologia Celular e Molecular pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Sul (PUCRS).

Carlos Termignoni (Caps. 2, 3)


Professor titular do Departamento de Bioquímica e pesquisador do Centro de Biotecnologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Biologia Molecular pela
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Cláudia Paiva Nunes (Caps. 8, 9)


Pesquisadora do Laboratório de Genética Humana e Molecular da PUCRS.
Mestre e Doutora em Ciências Biológicas: Bioquímica pela UFRGS.

Cristiano Valim Bizarro (Caps. 6, 13)


Professor adjunto da PUCRS. Mestre e Doutor em Biologia Celular e Molecular pela UFRGS.

Denise Cantarelli Machado (Caps. 5, 20)


Professora titular da Escola de Medicina da PUCRS.
Pesquisadora do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUCRS. Especialista em Biotecnologia pela UFRGS.
Mestre em Genética pela UFRGS. Doutora em Imunologia Molecular pela University of Sheffield, UK.
Pós-Doutora em Imunologia Molecular pelo National Institutes of Health (NIH), USA.

Gaby Renard (Iniciais, Caps. 1, 10, 15, 18, Glossário)


Pesquisadora sênior do Centro de Pesquisas em Biologia Molecular e Funcional da PUCRS.
Mestre e Doutora em Ciências Biológicas: Bioquímica pela UFRGS.

Gustavo Roth (Índice)


Professor adjunto da Faculdade de Engenharia da PUCRS. Mestre em Biologia Molecular e Celular pela PUCRS.
Doutor em Ciências Naturais (Dr. rer. nat.) pela Universidade de Hanover.
Pós-Doutorado na Quatro G Pesquisa e Desenvolvimento Ltda, TECNOPUC.

José Artur B. Chies (Caps. 7, 17, 19)


Professor titular do Departamento de Genética da UFRGS. Mestre em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS.
Doutor em Sciences de La Vie Specialité en Immunologie pela Université de Paris VI (Pierre et Marie Curie).

Leandro Vieira Astarita (Cap. 14)


Professor adjunto da Faculdade de Biociências da PUCRS. Doutor em Botânica pela
Universidade de São Paulo (USP). Pós-Doutor pela Kansas State University.

Paula Eichler (Cap. 12)


Mestre em Ciências Biológicas: Fisiologia pela UFRGS. Doutora em Ciências Biológicas: Fisiologia Humana pela USP.
Pós-Doutora em Bioquímica pela UFRGS. Pós-Doutora em Biologia Celular e Molecular pela PUCRS.

Rosane Machado Scheibe (Cap. 6)


Doutora em Biologia Molecular pela University of Sheffield, Inglaterra.

Sandra Estrazulas Farias (Cap. 16)


Doutora em Bioquímica e Biologia Molecular pela UNIFESP. Professora associada do
Departamento de Fisiologia e pesquisadora do Centro de Biotecnologia da UFRGS.

F981 Fundamentos da biologia celular [recurso eletrônico] / Bruce


Alberts ... [et al.] ; [tradução: Ardala Elisa Andrade ... et al.]
; revisão técnica: Ardala Elisa Breda Andrade, Gaby Renard.
– 4. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2017.

Editado como livro impresso em 2017.


ISBN 978-85-8271-406-5

1. Biologia. 2. Biologia celular. I. Alberts, Bruce. II. Título.

CDU 576

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094


15
Compartimentos intracelulares
e transporte de proteínas

A qualquer momento, uma típica célula eucariótica está executando milhares de ORGANELAS DELIMITADAS
reações químicas diferentes, sendo que muitas delas são mutuamente incompa-
POR MEMBRANAS
tíveis. Uma série de reações produz glicose, por exemplo, ao passo que outra a
degrada; algumas enzimas sintetizam ligações peptídicas, enquanto outras as
hidrolisam, e assim por diante. De fato, se as células de um órgão como o fígado DISTRIBUIÇÃO DE
fossem rompidas e seus constituintes misturados em um mesmo tubo de ensaio,
o resultado seria um caos químico, e as enzimas celulares e outras proteínas
PROTEÍNAS
seriam rapidamente degradadas pelas suas próprias enzimas proteolíticas. Para
que a célula funcione de modo eficaz, os diversos processos intracelulares que TRANSPORTE VESICULAR
ocorrem de maneira simultânea devem, de alguma forma, ser segregados.
As células desenvolveram várias estratégias para segregar e organizar as
suas reações químicas. Uma estratégia utilizada tanto pelas células procarióti- VIAS SECRETÓRIAS
cas como pelas eucarióticas é agregar as diferentes enzimas necessárias para
catalisar uma determinada sequência de reações em um grande complexo pro-
teico. Esses complexos multiproteicos são usados, por exemplo, na síntese de VIAS ENDOCÍTICAS
DNA, RNA e proteínas. Uma segunda estratégia, muito mais desenvolvida em
células eucarióticas, consiste em confinar os diferentes processos metabólicos
– e as proteínas necessárias para efetuá-los – em compartimentos delimitados
por membranas. Como discutido nos Capítulos 11 e 12, as membranas celulares
fornecem barreiras seletivamente permeáveis pelas quais o transporte da maior
parte das moléculas pode ser controlado. Neste capítulo, consideramos essa es-
tratégia da compartimentalização dependente de membrana.
Na primeira seção, descrevemos os principais compartimentos delimitados
por membranas, ou organelas delimitadas por membranas, das células eucarióti-
cas e consideramos, brevemente, as suas principais funções. Na segunda seção,
discutimos como a composição proteica dos diferentes compartimentos é defini-
da e mantida. Cada compartimento contém um conjunto único de proteínas, as
quais devem ser transferidas seletivamente a partir do citosol, onde são produzi-
das, para o compartimento no qual elas são utilizadas. Esse processo de trans-
ferência, chamado de distribuição de proteínas, depende de sinais presentes na
sequência de aminoácidos das proteínas. Na terceira seção, descrevemos como
certos compartimentos delimitados por membranas de uma célula eucariótica
se comunicam com outros pela formação de pequenos sacos membranosos, ou
vesículas. Essas vesículas se destacam de um compartimento, movem-se pelo ci-
tosol e se fundem com outro compartimento em um processo chamado de trans-
porte vesicular. Nas duas últimas seções, discutimos como esse tráfego constante
de vesículas também fornece as principais rotas para a liberação de proteínas da
célula pelo processo de exocitose e para sua importação pelo processo de endo-
citose.
488 Fundamentos da Biologia Celular

Figura 15-1 Nas células eucarióticas, Núcleo Lisossomos


as membranas internas criam comparti-
mentos que segregam diferentes pro-
cessos metabólicos. Exemplos de muitas
das principais organelas delimitadas por
membranas podem ser observados nesta
micrografia eletrônica de parte de uma
célula hepática, vista em secção transversal.
Os pequenos grânulos pretos visualizados
entre os compartimentos são agregados
de glicogênio e as enzimas que controlam
a sua síntese e degradação. (Cortesia de
Daniel S. Friend.)

Peroxissomo Mitocôndria Retículo


5 μm endoplasmático
rugoso

ORGANELAS DELIMITADAS POR MEMBRANAS


Enquanto uma célula procariótica consiste em um único compartimento que
é envolvido pela membrana plasmática, as células eucarióticas são elaborada-
mente subdivididas por membranas internas. Quando uma secção transversal
de uma célula vegetal ou animal é examinada por microscopia eletrônica, nu-
merosos sacos definidos por membranas, tubos, esferas e estruturas de formato
irregular podem ser visualizados, com frequência arranjados sem muita ordem
aparente (Figura 15-1). Essas estruturas são todas organelas distintas delimita-
das por membranas, ou partes de tais organelas, cada uma delas contendo um
conjunto único de grandes e pequenas moléculas e desempenhando uma função
especializada. Nesta seção, revisamos essas funções e discutimos como as dife-
rentes organelas delimitadas por membranas podem ter evoluído.

As células eucarióticas contêm um conjunto


básico de organelas delimitadas por membranas
As principais organelas delimitadas por membranas de uma célula animal es-
tão ilustradas na Figura 15-2, e suas funções estão resumidas na Tabela 15-1.
Essas organelas são circundadas pelo citosol, o qual é envolto pela membrana
plasmática. O núcleo é em geral a mais proeminente das organelas nas células
eucarióticas. Ele é circundado por uma dupla membrana conhecida por envelope
nuclear e se comunica com o citosol pelos poros nucleares que transpassam o
envelope. A membrana nuclear externa é contínua à membrana do retículo en-
doplasmático (RE), um sistema contínuo de sacos e tubos de membrana interco-
nectados que, em geral, se estende pela maior parte da célula. O RE é o principal
local de síntese de novas membranas na célula. Grandes áreas do RE possuem
ribossomos ligados à superfície citosólica, sendo por isso chamado de retículo
endoplasmático rugoso (RE rugoso). Os ribossomos sintetizam ativamente proteí-
nas que são encaminhadas para dentro da membrana do RE ou para o interior
do RE, um espaço chamado lúmen. O retículo endoplasmático liso (RE liso) não
possui ribossomos. É relativamente escasso na maioria das células, porém é al-
tamente desenvolvido em outras para realizar funções específicas: por exemplo,
ele é o local de síntese dos hormônios esteroides em algumas células endócrinas
da glândula suprarrenal e o local onde uma variedade de moléculas orgânicas,
incluindo o álcool, é detoxificada nas células hepáticas. Em muitas células euca-
Capítulo 15 • Compartimentos intracelulares e transporte de proteínas 489

Figura 15-2 Uma célula do revestimento


Endossomo do intestino contém o conjunto básico
de organelas delimitadas por membranas
Mitocôndria
presentes na maioria das células ani-
Lisossomo
mais. O núcleo, o retículo endoplasmático
Aparelho
(RE), o aparelho de Golgi, os lisossomos,
de Golgi os endossomos, as mitocôndrias e os pe-
Citosol roxissomos são compartimentos distintos
Peroxissomo separados do citosol (cinza) por pelo menos
Retículo
endoplasmático uma membrana seletivamente permeável.
com polirribossomos Os ribossomos são mostrados ligados à
ligados à membrana superfície citosólica de porções do RE, cha-
mado de RE rugoso; o RE que não possui
ribossomos é chamado de RE liso. Outros
ribossomos podem ser encontrados livres
Ribossomos livres no citosol.
Núcleo Membrana plasmática

15 μm

rióticas, o RE liso também sequestra Ca 2+ do citosol; a liberação e a recaptura de


Ca 2+ do RE liso estão envolvidas na rápida resposta a diversos sinais extracelula-
res, conforme discutido nos Capítulos 12 e 16.
O aparelho (complexo) de Golgi, situado normalmente próximo ao núcleo, re-
cebe proteínas e lipídeos do RE, modifica-os e, então, despacha-os para outros
destinos na célula. Pequenos sacos de enzimas digestivas denominados lisos-
somos degradam as organelas antigas, bem como macromoléculas e partículas
captadas pela célula por endocitose. No seu caminho até os lisossomos, os ma-
teriais endocitados devem passar primeiro por uma série de compartimentos de-
nominados endossomos, os quais distribuem algumas das moléculas ingeridas e
as reciclam de volta para a membrana plasmática. Os peroxissomos são pequenas
organelas que contêm enzimas utilizadas em uma variedade de reações oxidati-

TABELA 15-1 As principais funções dos compartimentos delimitados


por membranas em uma célula eucariótica
Compartimento Principal função

Citosol Local de várias vias metabólicas (Capítulos 3 e 13); síntese de


proteínas (Capítulo 7); o citoesqueleto (Capítulo 17)

Núcleo Contém o genoma principal (Capítulo 5); síntese de DNA e


RNA (Capítulos 6 e 7)

Retículo endoplas- Síntese da maior parte dos lipídeos (Capítulo 11); síntese de
mático (RE) proteínas para distribuição às várias organelas e à membrana
plasmática (este capítulo)

Aparelho de Golgi Modificação, distribuição e empacotamento de proteínas e


lipídeos para as suas secreções ou transporte para outra orga-
nela (este capítulo)

Lisossomos Degradação intracelular (este capítulo)

Endossomos Distribuição de materiais endocitados (este capítulo)

Mitocôndrias Síntese de ATP pela fosforilação oxidativa (Capítulo 14)

Cloroplastos (em Síntese de ATP e fixação de carbono pela fotossíntese (Capí-


células vegetais) tulo 14)

Peroxissomos Oxidação de moléculas tóxicas


490 Fundamentos da Biologia Celular

vas que degradam lipídeos e moléculas tóxicas. As mitocôndrias e os cloroplastos


(nas células vegetais) são envoltos por uma dupla membrana e são o local de
ocorrência da fosforilação oxidativa e da fotossíntese, respectivamente (discutido
no Capítulo 14); ambos contêm membranas internas especializadas na produção
de ATP.
Diversas organelas delimitadas por membranas, incluindo o RE, o aparelho
de Golgi, as mitocôndrias e os cloroplastos, são mantidas em seus locais relati-
vos na célula por ligações ao citoesqueleto, em especial aos microtúbulos. Os
filamentos do citoesqueleto fornecem vias para o movimento das organelas e
para o direcionamento do tráfego de vesículas entre uma organela e outra. Esses
transportes são controlados por proteínas motoras que usam a energia da hidró-
lise do ATP para propulsionar as organelas e vesículas ao longo dos filamentos,
como discutido no Capítulo 17.
Em média, as organelas delimitadas por membranas ocupam, juntas, cerca
de metade do volume de uma célula eucariótica ( Tabela 15-2), e a quantidade
total de membranas associadas a elas é enorme. Em uma típica célula de ma-
míferos, por exemplo, a área da membrana do RE é de 20 a 30 vezes maior do
que a da membrana plasmática. Em termos de sua área e massa, a membrana
plasmática corresponde somente a uma pequena fração do total de membranas
na maioria das células eucarióticas.
Pode-se aprender muito sobre a composição e a função de uma organela
a partir do seu isolamento das outras estruturas celulares. Na sua maioria, as
organelas são muito pequenas para serem isoladas manualmente, porém é pos-
sível separar um tipo de organela das outras por centrifugação diferencial (con-
forme descrito no Painel 4-3, p. 164-165). Uma vez que uma amostra purificada
de um tipo de organela tenha sido obtida, as proteínas das organelas podem
ser identificadas. Em muitos casos, as próprias organelas podem ser incubadas
em um tubo de ensaio sob condições que permitam o estudo de suas funções.
Mitocôndrias isoladas, por exemplo, podem produzir ATP a partir da oxidação
de piruvato em CO2 e água, desde que sejam adequadamente supridas de ADP,
fosfato inorgânico e O2.
510 Fundamentos da Biologia Celular

As proteínas sofrem modificações adicionais e


são distribuídas pelo aparelho de Golgi
O aparelho de Golgi em geral está localizado próximo ao núcleo celular e,
em células animais, costuma estar nas proximidades do centrossomo – uma
pequena estrutura do citoesqueleto localizada próximo ao centro celular (ver
Figura 17-12). O aparelho de Golgi consiste em um conjunto de sacos achatados
delimitados por membrana, denominados cisternas, que estão amontoados como
pilhas de pães pita. Cada pilha contém de 3 a 20 cisternas (Figura 15-26). O
número de pilhas de Golgi por célula varia bastante dependendo do tipo celular:
algumas células con-têm uma única pilha grande, e outras contêm centenas de
pilhas muito pequenas. Cada pilha de Golgi possui duas faces distintas: uma face
de entrada, ou cis, e uma face de saída, ou trans. A face cis é adjacente ao RE, e a
face trans está vol-tada em direção à membrana plasmática. A cisterna mais
externa de cada face está conectada a uma rede de vesículas e tubos
membranosos interconectados (ver Figura 15-26A). As proteínas solúveis e
de membrana entram na rede cis--Golgi pelas vesículas transportadoras
derivadas do RE. As proteínas viajam pe-las cisternas em sequência por meio de
vesículas transportadoras que brotam de uma cisterna e se fundem com a
próxima. As proteínas deixam a rede trans-Golgi em vesículas transportadoras
destinadas à superfície celular ou outra organela do sistema de endomembranas
(ver Figura 15-18).
Acredita-se que tanto a rede cis quanto a rede trans de Golgi sejam impor-
tantes para a distribuição proteica: as proteínas que entram na rede cis-Golgi
podem mover-se adiante pela pilha de Golgi ou, caso contenham um sinal de
retenção no RE, ser direcionadas de volta ao RE; as proteínas que saem da rede
trans-Golgi são distribuídas de acordo com o seu destino, para os lisossomos (via
endossomos) ou para a superfície celular. Discutimos alguns exemplos de distri-
Capítulo 15 • Compartimentos intracelulares e transporte de proteínas 511

Vesícula
Rede transportadora
cis-Golgi Vacúolo

Cisterna
cis
Cisterna
central

Cisterna
trans

Rede
trans-
-Golgi

(A) (B) 200 nm

Figura 15-26 O aparelho de Golgi consiste em uma pilha de sacos achatados


delimitados por membranas. (A) Modelo tridimensional do aparelho de Golgi
reconstruído a partir de uma série sequencial de micrografias eletrônicas do aparelho
de Golgi em uma célula secretora animal. Para ver como tais modelos são obtidos,
assista à Animação 15.6. (B) Micrografia eletrônica do aparelho de Golgi de uma cé-
lula vegetal, onde ele está especialmente evidente; a pilha está orientada como em
(A). (C) Modelo de pão pita do aparelho de Golgi. (A, redesenhado de A. Rambourg e
Y. Clermont, Eur. J. Cell Biol. 51:189–200, 1990, com permissão de Elsevier; B, cortesia
de George Palade.)

(C)
buição pela rede trans-Golgi adiante e apresentamos alguns dos métodos para
rastrear proteínas por vias secretórias da célula em Como Sabemos, p. 512-513.
Muitas das cadeias de oligossacarídeos que são adicionadas às proteínas no
RE (ver Figura 15-23) sofrem modificações posteriores no aparelho de Golgi. Em
algumas proteínas, por exemplo, cadeias mais complexas de oligossacarídeos
são criadas por processos bastante ordenados, em que açúcares são adiciona-
dos e removidos por uma série de enzimas que atuam em uma sequência rigi-
damente determinada à medida que as proteínas passam pela pilha de Golgi.
Como seria esperado, as enzimas que atuam inicialmente na cadeia de eventos
de processamento estão localizadas nas cisternas nas proximidades da face cis,
enquanto as enzimas que atuam mais tarde estão localizadas nas cisternas pró-
ximas à face trans.

As proteínas secretórias são liberadas da célula


por exocitose
Em todas as células eucarióticas, há uma corrente contínua de vesículas que
são formadas a partir da rede trans-Golgi e que se fundem com a membrana
plasmática no processo de exocitose. Essa via constitutiva de exocitose fornece à
membrana plasmática lipídeos e proteínas recém-sintetizados (Animação 15.7),
permitindo que a membrana plasmática se expanda antes da divisão celular
e renove lipídeos e proteínas nas células que não estão em proliferação. A via
constitutiva também carrega proteínas solúveis para a superfície celular a fim de
serem liberadas ao exterior, um processo chamado de secreção. Algumas dessas
proteínas permanecem ligadas à superfície celular; algumas são incorporadas à
matriz extracelular; outras ainda se difundem para o líquido extracelular para
nutrir ou sinalizar outras células. A entrada em uma via constitutiva não requer
uma determinada sequência de sinais como aqueles que direcionam as proteínas
para os endossomos ou para o transporte de volta ao RE.
Além da via constitutiva de exocitose, que opera continuamente em todas
as células eucarióticas, há uma via regulada de exocitose, a qual atua apenas em
células que são especializadas em secreção. Cada célula secretória especializa-
da produz grandes quantidades de determinado produto – como um hormônio,
514 Fundamentos da Biologia Celular

Figura 15-30 Em células secretoras, as Proteínas solúveis


recém-sintetizadas Lipídeos da membrana
vias regulada e constitutiva da exocitose para secreção plasmática recém-sintetizados
divergem na rede trans-Golgi. Muitas constitutiva
Vesícula
proteínas solúveis são continuamente transportadora SECREÇÃO
secretadas a partir da célula pela via secre- CONSTITUTIVA
tória constitutiva, a qual opera em todas as Exocitose
células eucarióticas (Animação 15.8). Essa não regulada
via também supre continuamente a mem- Membrana plasmática
brana plasmática de lipídeos e proteínas Proteínas da membrana
plasmática recém-sintetizadas
recém-sintetizados. As células secretoras
especializadas têm, além disso, uma via
regulada de exocitose, pela qual proteínas Sinal extracelular
Rede como hormônio ou
selecionadas na rede trans-Golgi são des- trans-Golgi neurotransmissor
viadas para vesículas secretórias, onde as
proteínas são concentradas e armazenadas Transdução
de sinal
até que um sinal extracelular estimule sua
secreção. Não se sabe como esses determi- SECREÇÃO
REGULADA
nados agregados de proteínas secretórias
(vermelho) são segregados em vesículas Exocitose
Vesícula secretória regulada
secretórias. As vesículas secretórias têm Aparelho de Golgi armazenando
proteínas ímpares em suas membranas; tal- proteínas secretórias
vez algumas dessas proteínas atuem como CITOSOL ESPAÇO EXTRACELULAR
receptores para agregados de proteínas
secretórias na rede trans-Golgi.

muco ou enzimas digestivas – que são armazenadas em vesículas secretórias


para posterior liberação. Essas vesículas, que fazem parte do sistema de endo-
membranas, brotam da rede trans-Golgi e se acumulam próximo à membrana
plasmática. Lá, elas aguardam o sinal extracelular que irá estimulá-las a se fun-
dir com a membrana plasmática e liberar seu conteúdo ao exterior celular por
exocitose (Figura 15-30). Um aumento na glicose do sangue, por exemplo, sinali-
za para as células endócrinas produtoras de insulina do pâncreas que elas devem
secretar o hormônio (Figura 15-31).
As proteínas destinadas às vesículas secretórias são distribuídas e empa-
cotadas na rede trans-Golgi. As proteínas que se movimentam por essa via têm
propriedades de superfície especiais que as levam a se agregar umas com as
outras sob as condições iônicas (pH ácido e alta concentração de Ca 2+) que pre-
valecem na rede trans-Golgi. As proteínas agregadas são empacotadas em vesí-
culas secretórias, as quais se destacam da rede e aguardam por um sinal para
se fusionarem com a membrana plasmática. As proteínas secretadas pela via
constitutiva, ao contrário, não se agregam e são, portanto, carregadas automa-
ticamente à membrana plasmática pelas vesículas transportadoras da via cons-
titutiva. A agregação seletiva tem outra função: ela permite que as proteínas de
secreção sejam empacotadas em vesículas secretórias em concentrações muito
mais altas do que a concentração de proteínas não agregadas no lúmen do Golgi.

ESPAÇO EXTRACELULAR
Vesícula secretória
contendo insulina Insulina agregada
Figura 15-31 As vesículas secretórias ar-
Membrana plasmática
mazenam insulina na célula β pancreática.
A micrografia eletrônica mostra a liberação
de insulina no espaço extracelular em res-
posta a um aumento dos níveis de glicose
no sangue. A insulina em cada vesícula se-
cretória é armazenada de forma agregada
bastante concentrada. Após a secreção, os
agregados de insulina dissolvem-se rapida-
mente no sangue. (Cortesia de Lelio Orci,
de L. Orci, J.D. Vassali e A. Perrelet, Sci. Am.
259:85–94, 1988. Com permissão de Scienti-
fic American.) 0,2 μm
Capítulo 15 • Compartimentos intracelulares e transporte de proteínas 515

O aumento da concentração pode ser de até 200 vezes, permitindo que células
secretoras liberem grandes quantidades da proteína prontamente quando esti- QUESTÃO 15-7
muladas (ver Figura 15-30).
Quando uma vesícula secretória ou vesícula transportadora se fusiona com a O que você esperaria que acon-
membrana plasmática e descarrega seu conteúdo por exocitose, sua membrana se tecesse em células que secretam
torna parte da membrana plasmática. Embora isso devesse aumentar enormemente grandes quantidades de proteínas
a área de superfície da membrana plasmática, tal fato acontece apenas de maneira pela via secretória regulada se as
transitória, porque componentes de membrana são removidos de outras regiões da condições iônicas no lúmen do
superfície por endocitose de forma quase tão rápida quanto elas são adicionadas RE pudessem ser mudadas para
por exocitose. Essa remoção devolve tanto lipídeos como proteínas da membrana assemelhar-se às do lúmen da rede
das vesículas à rede de Golgi, onde podem ser novamente utilizados. trans-Golgi?
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
FUNDAMENTOS DA
BIOLOGIA CELULAR
4ª Edição
Tradução:
Ardala Elisa Breda Andrade (Caps. 4, 11)
Research Scientist, Texas A&M University. Mestre e Doutora em Biologia Celular e Molecular pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Sul (PUCRS).

Carlos Termignoni (Caps. 2, 3)


Professor titular do Departamento de Bioquímica e pesquisador do Centro de Biotecnologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Biologia Molecular pela
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Cláudia Paiva Nunes (Caps. 8, 9)


Pesquisadora do Laboratório de Genética Humana e Molecular da PUCRS.
Mestre e Doutora em Ciências Biológicas: Bioquímica pela UFRGS.

Cristiano Valim Bizarro (Caps. 6, 13)


Professor adjunto da PUCRS. Mestre e Doutor em Biologia Celular e Molecular pela UFRGS.

Denise Cantarelli Machado (Caps. 5, 20)


Professora titular da Escola de Medicina da PUCRS.
Pesquisadora do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUCRS. Especialista em Biotecnologia pela UFRGS.
Mestre em Genética pela UFRGS. Doutora em Imunologia Molecular pela University of Sheffield, UK.
Pós-Doutora em Imunologia Molecular pelo National Institutes of Health (NIH), USA.

Gaby Renard (Iniciais, Caps. 1, 10, 15, 18, Glossário)


Pesquisadora sênior do Centro de Pesquisas em Biologia Molecular e Funcional da PUCRS.
Mestre e Doutora em Ciências Biológicas: Bioquímica pela UFRGS.

Gustavo Roth (Índice)


Professor adjunto da Faculdade de Engenharia da PUCRS. Mestre em Biologia Molecular e Celular pela PUCRS.
Doutor em Ciências Naturais (Dr. rer. nat.) pela Universidade de Hanover.
Pós-Doutorado na Quatro G Pesquisa e Desenvolvimento Ltda, TECNOPUC.

José Artur B. Chies (Caps. 7, 17, 19)


Professor titular do Departamento de Genética da UFRGS. Mestre em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS.
Doutor em Sciences de La Vie Specialité en Immunologie pela Université de Paris VI (Pierre et Marie Curie).

Leandro Vieira Astarita (Cap. 14)


Professor adjunto da Faculdade de Biociências da PUCRS. Doutor em Botânica pela
Universidade de São Paulo (USP). Pós-Doutor pela Kansas State University.

Paula Eichler (Cap. 12)


Mestre em Ciências Biológicas: Fisiologia pela UFRGS. Doutora em Ciências Biológicas: Fisiologia Humana pela USP.
Pós-Doutora em Bioquímica pela UFRGS. Pós-Doutora em Biologia Celular e Molecular pela PUCRS.

Rosane Machado Scheibe (Cap. 6)


Doutora em Biologia Molecular pela University of Sheffield, Inglaterra.

Sandra Estrazulas Farias (Cap. 16)


Doutora em Bioquímica e Biologia Molecular pela UNIFESP. Professora associada do
Departamento de Fisiologia e pesquisadora do Centro de Biotecnologia da UFRGS.

F981 Fundamentos da biologia celular [recurso eletrônico] / Bruce


Alberts ... [et al.] ; [tradução: Ardala Elisa Andrade ... et al.]
; revisão técnica: Ardala Elisa Breda Andrade, Gaby Renard.
– 4. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2017.

Editado como livro impresso em 2017.


ISBN 978-85-8271-406-5

1. Biologia. 2. Biologia celular. I. Alberts, Bruce. II. Título.

CDU 576

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094


606 Fundamentos da Biologia Celular

QUESTÃO 18-2
Um sistema de controle do ciclo celular aciona
os principais processos do ciclo celular
Uma população de células em pro- Para assegurar que replicarão todo o seu DNA e organelas e se dividirão de ma-
liferação é corada com um agente neira ordenada, as células eucarióticas possuem uma rede complexa de proteí-
corante que se torna fluorescente
nas reguladoras conhecidas como sistema de controle do ciclo celular. Esse siste-
quando o agente se liga ao DNA, de
ma garante que os eventos do ciclo celular – replicação do DNA, mitose e assim
modo que a quantidade de fluores-
por diante – ocorram na sequência estabelecida e que cada processo tenha sido
cência é diretamente proporcional à
completado antes que o próximo se inicie. Para realizar isso, o próprio sistema
quantidade de DNA em cada célula.
de controle é regulado em determinados pontos críticos do ciclo mediante retro-
Para medir a quantidade de DNA
em cada célula, as células são passa- alimentação a partir dos processos que estão sendo realizados. Sem essa retro-
das por um citômetro de fluxo, um alimentação, uma interrupção ou um atraso em qualquer dos processos poderia
instrumento que mede a quantidade ser desastroso. Todo o DNA nuclear, por exemplo, deve ser replicado antes que o
de fluorescência em células indivi- núcleo comece a se dividir, ou seja, uma fase S completa deve preceder à fase M.
duais. O número de células com um Se a síntese de DNA é desacelerada ou interrompida, a mitose e a divisão celular
dado conteúdo de DNA é colocado também devem ser atrasadas. De maneira semelhante, se o DNA é danificado, o
no gráfico a seguir. ciclo deve interromper em G1, S ou G2, de modo que a célula possa reparar o dano
antes que a replicação do DNA tenha sido iniciada ou completada, ou antes que
a célula entre na fase M. O sistema de controle do ciclo celular consegue tudo
A
isso empregando mecanismos moleculares, muitas vezes chamados de pontos
de verificação, para pausar o ciclo em determinados pontos de transição. Assim,
Número de células

o sistema de controle não aciona a próxima etapa no ciclo, a não ser que a célula
esteja preparada apropriadamente.
O sistema de controle do ciclo celular regula a progressão pelo ciclo celular
B
em três pontos principais (Figura 18-3). Na transição de G1 para a fase S, o sis-
tema de controle confirma que o meio é favorável para a proliferação antes de
prosseguir para a replicação do DNA. A proliferação celular em animais requer
tanto nutrientes suficientes quanto moléculas-sinal específicas no meio extrace-
lular; caso tais condições extracelulares sejam desfavoráveis, as células podem
0
Quantidade relativa atrasar seu progresso por G1 e até mesmo entrar em um estado especializado de
de DNA por célula
repouso conhecido como G0 (G zero). Na transição de G2 para a fase M, o sistema
Indique no gráfico onde você espe- de controle confirma que o DNA não apresenta danos e está totalmente repli-
raria encontrar células que estão em cado, assegurando que a célula não entre em mitose, a menos que o seu DNA
G1, S, G2 e mitose. Qual é a fase mais esteja intacto. Por fim, durante a mitose, a maquinaria de controle do ciclo celular
longa do ciclo celular nessa popula- assegura que os cromossomos duplicados estão apropriadamente ligados a uma
ção de células? máquina citoesquelética, chamada de fuso mitótico, antes que o fuso separe os
cromossomos e os segregue para as duas células-filhas.

Todo o DNA está replicado? Todos os cromossomos estão ligados


de forma apropriada ao fuso mitótico?
Todos os danos no DNA estão reparados?
SEPARAÇÃO DOS
Figura 18-3 O sistema de controle do ci- ENTRADA NA MITOSE CROMOSSOMOS DUPLICADOS
clo celular assegura que processos-chave
no ciclo ocorram na sequência apropria-
M
da. O sistema de controle do ciclo celular é
mostrado como um braço controlador que G2 CONTROLADOR
gira no sentido horário, acionando proces-
sos essenciais quando alcança determina-
dos pontos de transição no disco externo.
Esses processos incluem a replicação do
DNA na fase S e a segregação dos cromos- G1
somos duplicados na mitose. O sistema S
de controle pode interromper tempora-
riamente o ciclo em pontos de transição
específicos – em G1, G2 e fase M – caso as
ENTRADA NA FASE S
condições extracelulares e intracelulares
sejam desfavoráveis. O meio é favorável?
Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 607

Nos animais, a transição de G1 para a fase S é especialmente importante


como um ponto no ciclo celular onde o sistema de controle é regulado. Sinais
oriundos de outras células estimulam a proliferação celular quando mais células
são necessárias – e bloqueiam quando não o são. Dessa forma, o sistema de
controle do ciclo celular possui um papel central na regulação do número de cé-
lulas nos tecidos do corpo. Caso o sistema de controle não funcione de maneira
correta de modo que a divisão celular seja excessiva, pode ocorrer câncer. Dis-
cutimos adiante como os sinais extracelulares influenciam nas decisões tomadas
na transição de G1 para S.

O controle do ciclo celular é semelhante em


todos os eucariotos
Algumas características do ciclo celular, incluindo o tempo necessário para
completar certos eventos, variam muito de um tipo de célula para outro, mesmo
dentro de um mesmo organismo. Entretanto, a organização básica do ciclo é
essencialmente a mesma em todas as células eucarióticas, e todos os eucariotos
parecem usar maquinarias e mecanismos de controle semelhantes para ativar e
regular os eventos do ciclo celular. As proteínas do sistema de controle do ciclo
celular surgiram pela primeira vez há mais de um bilhão de anos, e elas foram
tão bem conservadas durante o curso da evolução que várias delas funcionam
perfeitamente quando são transferidas de uma célula humana para uma de leve-
dura (ver Como Sabemos, p. 609-610).
Por causa dessa similaridade, os biólogos podem estudar o ciclo celular e
sua regulação em uma variedade de organismos, e usar os achados de todos
eles para montar um esquema unificado de como o ciclo funciona. Muitas des-
cobertas sobre o ciclo celular vieram de uma procura sistemática por mutações
que inativam componentes essenciais do sistema de controle do ciclo celular nas
leveduras. Da mesma forma, estudos tanto de células de mamíferos em cultivo
quanto de embriões de rãs e ouriços-do-mar têm sido críticos para examinar os
mecanismos moleculares fundamentais do ciclo e seu controle nos organismos
multicelulares, como os humanos, por exemplo.

O SISTEMA DE CONTROLE DO
CICLO CELULAR
Dois tipos de maquinaria estão envolvidos na divisão celular: um produz os no-
vos componentes da célula em crescimento, e o outro atrai os componentes para
os seus locais corretos e os reparte apropriadamente quando a célula se divide
em duas. O sistema de controle do ciclo celular ativa e inibe toda essa maqui-
naria nos momentos corretos e coordena as várias etapas do ciclo. O cerne do
sistema de controle do ciclo celular é uma série de interruptores moleculares que
operam em uma sequência definida e orquestram os eventos principais do ciclo,
incluindo a replicação do DNA e a segregação de cromossomos duplicados. Nesta
seção, revisamos os componentes proteicos do sistema de controle e discutimos
como eles funcionam juntos para acionar as diferentes fases do ciclo.

O sistema de controle do ciclo celular depende


de proteínas-cinase ativadas ciclicamente
chamadas de Cdks
O sistema de controle do ciclo celular regula a maquinaria do ciclo celular pela
ativação e pela inibição cíclicas das proteínas-chave e dos complexos proteicos
que iniciam ou regulam a replicação de DNA, mitose e citocinese. Tal regulação é
realizada em grande parte pela fosforilação e desfosforilação de proteínas envol-
vidas nesses processos essenciais.
608 Fundamentos da Biologia Celular

Ciclina Como discutido no Capítulo 4, a fosforilação seguida de desfosforilação é


uma das maneiras mais comuns utilizadas pelas células para ativar e depois ini-
bir a atividade de uma proteína (ver Figura 4-42), e o sistema de controle do ciclo
celular emprega esse mecanismo extensa e repetidamente. As reações de fosfo-
rilação que controlam o ciclo celular são realizadas por um grupo específico de
Cinase dependente proteínas-cinase, ao passo que a desfosforilação é realizada por um grupo de
de ciclina (Cdk) proteínas-fosfatase.
Figura 18-4 A progressão pelo ciclo As proteínas-cinase essenciais ao sistema de controle do ciclo celular estão
celular depende de proteínas-cinase de- presentes nas células em proliferação durante todo o ciclo celular. Contudo, elas
pendentes de ciclinas (Cdks). Uma Cdk são ativadas apenas em momentos apropriados no ciclo, após o qual elas são
deve ligar-se a uma proteína reguladora rapidamente inibidas. Assim, a atividade de cada uma dessas cinases aumenta e
denominada ciclina antes de se tornar en- diminui de maneira cíclica. Algumas das proteínas-cinase, por exemplo, tornam-
zimaticamente ativa. Essa ativação também -se ativas no final da fase G1 e são responsáveis pela transição da célula para a
requer a ativação por fosforilação da Cdk fase S; outra cinase se torna ativa logo antes da fase M e promove o início do
(não mostrado, mas ver Animação 18.1). processo de mitose.
Quando ativado, o complexo ciclina-Cdk
A ativação e a inibição das cinases no momento apropriado são de respon-
fosforila proteínas-chave na célula que são
sabilidade, em parte, de outro grupo de proteínas no sistema de controle – as
necessárias para iniciar uma determinada
etapa no ciclo celular. A ciclina também aju- ciclinas. As ciclinas não têm atividade enzimática por si mesmas, elas preci-
da a direcionar a Cdk para suas proteínas- sam ligar-se às cinases do ciclo celular antes que as cinases possam tornar-se
-alvo que a Cdk fosforila. enzimaticamente ativas. As cinases do sistema de controle do ciclo celular são,
por isso, conhecidas como proteínas-cinase dependentes de ciclina, ou Cdks
(Figura 18-4). As ciclinas são assim chamadas porque, diferentemente das Cdks,
as suas concentrações variam de maneira cíclica durante o ciclo celular. As al-
terações cíclicas nas concentrações de ciclina ajudam a promover a formação
cíclica e a ativação dos complexos ciclina-Cdk. Uma vez ativados, os complexos
ciclina-Cdk desencadeiam vários eventos do ciclo celular, como a entrada na fase
S ou na fase M (Figura 18-5). Discutimos como essas moléculas foram descober-
tas em Como Sabemos, p. 609-610.

Diferentes complexos ciclina-Cdk


desencadeiam diferentes etapas do ciclo celular
Existem vários tipos de ciclinas e, na maioria dos eucariotos, diversos tipos de
Cdks envolvidos no controle do ciclo celular. Diferentes complexos ciclina-Cdk
promovem o início de diferentes etapas do ciclo celular. Conforme mostrado na
Figura 18-5, a ciclina que atua em G2 promovendo o início da fase M é chamada
ciclina M, e o complexo ativo que ela forma com sua Cdk é chamado M-Cdk.
Outras ciclinas, chamadas de ciclinas S e ciclinas G1/S, ligam-se a proteínas
Cdk distintas no final de G1 para formar S-Cdk e G1/S-Cdk, respectivamente;
esses complexos ciclina-Cdk ajudam a progressão pela fase S. As ações de S-Cdk
e M-Cdk estão indicadas na Figura 18-8. Outro grupo de ciclinas, denominadas
ciclinas G1, atua antes em G1 e se liga a outras proteínas Cdk para formar G1-
Figura 18-5 O acúmulo de ciclinas -Cdks, que promovem a transição da célula de G1 à fase S. Observamos adiante
ajuda a regular a atividade das Cdks. que a formação dos complexos G1-Cdks nas células animais em geral depende de
A formação dos complexos ciclina-Cdk moléculas de sinalização extracelular que estimulam as células a se dividirem.
ativos desencadeia vários eventos do ciclo As principais ciclinas e suas Cdks estão listadas na Tabela 18-2.
celular, incluindo a entrada na fase S ou na
fase M. A figura mostra as alterações na
concentração de ciclina e na atividade da
proteína-cinase Cdk, responsável pelo con-
trole da entrada na fase M. O aumento da
Mitose Interfase Mitose Interfase
concentração da ciclina relevante (chamada
de ciclina M) ajuda a promover a formação
do complexo ciclina-Cdk ativo (M-Cdk) que Atividade
de M-Cdk
desencadeia o início da fase M. Embora
Concentração
a atividade enzimática de cada tipo de de ciclina M
complexo ciclina-Cdk aumente e diminua
durante o curso do ciclo celular, a con-
centração do componente Cdk não flutua
(não mostrado).
Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 611

Ciclina S Ciclina M

G1 S G2 M G1

Ciclina S Ciclina M

S-Cdk ativa M-Cdk ativa

Figura 18-8 Cdks distintas se associam a diferentes ciclinas para acionar os diferen-
tes eventos do ciclo celular. Para simplificar, apenas dois tipos de complexos ciclina-
-Cdk são mostrados – um que desencadeia a fase S e outro que desencadeia a fase M.

Cada um desses complexos ciclina-Cdk fosforila um grupo diferente de pro-


teínas-alvo na célula. G1-Cdks, por exemplo, fosforilam proteínas reguladoras que
ativam a transcrição de genes necessários para a replicação do DNA. Por meio da
ativação de diferentes conjuntos de proteínas-alvo, cada tipo de complexo pro-
move o início de uma etapa de transição diferente no ciclo.

As concentrações de ciclina são reguladas pela


transcrição e pela proteólise
Como discutido no Capítulo 7, a concentração de uma dada proteína na célula
é determinada pela taxa na qual a proteína é sintetizada e pela taxa na qual ela
é degradada. Durante o curso do ciclo celular, a concentração de cada tipo de
ciclina aumenta gradualmente e então decai de maneira abrupta (ver Figura 18-
8). O aumento gradual na concentração de ciclina é o resultado da transcrição
aumentada dos genes de ciclina, enquanto o decaimento rápido na concentração
de ciclina se deve à degradação específica da proteína.
A degradação abrupta das ciclinas M e S durante a fase M depende de um
grande complexo enzimático denominado – por motivos que se tornarão claros
adiante – complexo promotor de anáfase (APC, do inglês anaphase-promoting
complex). Esse complexo marca essas ciclinas com uma cadeia de ubiquitina.
Conforme discutido no Capítulo 7, as proteínas marcadas dessa forma são dire-
cionadas aos proteassomos, onde são rapidamente degradadas (ver Figura 7-40).
A ubiquitinação e a degradação da ciclina alteram a Cdk ao seu estado inativo
(Figura 18-9).
A degradação da ciclina pode ajudar a promover a transição de uma fase
do ciclo celular para a próxima. Por exemplo, a degradação da ciclina M e a
inativação resultante da M-Cdk levam aos eventos moleculares que finalizam
o processo de mitose.

TABELA 18-2 As principais ciclinas e Cdks de vertebrados


Complexo ciclina-Cdk Ciclina Componente Cdk

G1-Cdk Ciclina D* Cdk4, Cdk6

G1/S-Cdk Ciclina E Cdk2

S-Cdk Ciclina A Cdk2

M-Cdk Ciclina B Cdk1

*Existem três ciclinas D em mamíferos (ciclinas D1, D2 e D3).


612 Fundamentos da Biologia Celular

Figura 18-9 A atividade de algumas


Cadeia de ubiquitina
Cdks é regulada pela degradação da cicli-
na. A ubiquitinação da ciclina S ou ciclina Ciclina
M pelo APC marca a proteína para degra- Cdk
dação nos proteassomos (como discutido ativa UBIQUITINAÇÃO DESTRUIÇÃO
no Capítulo 7). A perda de ciclina torna DA CICLINA DA CICLINA NO
inativa sua Cdk parceira.
POR APC PROTEASSOMO +

Complexo ciclina- Cdk inativa


-Cdk ativo

A atividade dos complexos ciclina-Cdk


depende de fosforilação e desfosforilação
O aumento e a diminuição da concentração de proteínas ciclina têm um papel
importante na regulação da atividade de Cdk durante o ciclo celular, mas deve
haver mais nessa história: embora as concentrações de ciclina aumentem de
forma gradual, a atividade dos complexos ciclina-Cdk associados tende a ser
iniciada abruptamente no momento apropriado do ciclo celular (ver Figura 18-
5). O que poderia acionar tal ativação abrupta desses complexos? Descobriu-
-se que o complexo ciclina-Cdk contém fosfatos inibidores, e que, para se tor-
nar ativa, a Cdk deve ser desfosforilada por uma proteína-fosfatase específica
(Figura 18-10). Portanto, as proteínas-cinase e as fosfatases regulam a ativi-
dade de complexos ciclina-Cdk específicos e ajudam a controlar a progressão
pelo ciclo celular.

A atividade de Cdk pode ser bloqueada por


proteínas inibidoras de Cdk
Além da fosforilação e da desfosforilação, a atividade das Cdks também pode ser
modulada pela ligação de proteínas inibidoras de Cdk. O sistema de controle do
ciclo celular utiliza esses inibidores para bloquear a formação ou a atividade de
certos complexos ciclina-Cdk. Algumas proteínas inibidoras de Cdk, por exem-
plo, ajudam a manter as Cdks em um estado inativo durante a fase G1 do ciclo,
retardando, assim, a progressão para a fase S (Figura 18-11). A pausa nesse ponto
de verificação dá à célula mais tempo para crescer, ou permite que ela espere até
que as condições extracelulares sejam favoráveis para a divisão.

O sistema de controle do ciclo celular pode


pausar o ciclo de várias formas
Como mencionado antes, o sistema de controle do ciclo celular pode atrasar
transitoriamente o progresso pelo ciclo em vários pontos de transição para as-
segurar que os principais eventos do ciclo ocorram em uma ordem específica.
Nessas transições, o sistema de controle monitora o estado interno da célula e as
Figura 18-10 Para que o complexo condições no seu ambiente, antes de permitir que a célula inicie a próxima etapa
M-Cdk seja ativo, os fosfatos inibidores
devem ser removidos. Logo que o com-
plexo ciclina M-Cdk é formado, ele é fos-
forilado em dois locais adjacentes por uma
proteína-cinase inibidora chamada Wee1. Fosfatase
inibidora Pi
(Para simplificar, apenas um fosfato inibidor Ciclina M
é mostrado). Essa modificação mantém P
M-Cdk em um estado inativo até que esses
fosfatos sejam removidos por uma proteína-
-fosfatase ativadora chamada Cdc25. Ainda
Cdk mitótica
não está claro como o momento crítico da M-Cdk M-Cdk
Cinase inibidora
etapa de ativação da fosfatase Cdc25, mos- (Wee1) inativa Fosfatase ativa
trado aqui, é controlado. ativadora (Cdc25)
Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 613

Ciclina Figura 18-11 A atividade de uma Cdk


Cdk
pode ser bloqueada pela ligação de uma
inibidora de Cdk. Neste exemplo, a pro-
teína inibidora (chamada p27) se liga a um
complexo ciclina-Cdk ativado. A sua ligação
impede que a Cdk fosforile proteínas-alvo
Complexo Complexo necessárias para a progressão de G1 para
ciclina-Cdk p27-ciclina-Cdk
ativo p27 inativo a fase S.

do ciclo. Por exemplo, ele somente permite o início da fase S se as condições do


meio forem apropriadas; somente inicia a mitose depois que o DNA foi comple-
tamente replicado; e somente inicia a segregação dos cromossomos depois que
os cromossomos duplicados estiverem corretamente alinhados no fuso mitótico.
Para realizar essa verficação, o sistema de controle utiliza uma combinação
dos mecanismos que descrevemos. Na transição G1-para-S, inibidores de Cdk são
usados para impedir que as células entrem na fase S e repliquem seu DNA (ver
Figura 18-11). Na transição G2-para-M, o sistema reprime a ativação de M-Cdk por
meio da inibição de fosfatases necessárias para ativar a Cdk (ver Figura 18-10). E
ele pode atrasar a finalização da mitose pela inibição da ativação de APC, evitan-
do assim a degradação da ciclina M (ver Figura 18-9).
Esses mecanismos, resumidos na Figura 18-12, permitem que a célula tome
“decisões” sobre progredir ou não no ciclo celular. Na próxima seção, analisamos
em mais detalhes como o sistema de controle do ciclo celular decide se uma cé-
lula em G1 deve se comprometer com o processo de divisão celular.

FASE G1
Além de ser um período de elevada atividade metabólica, crescimento celular e
reparo, G1 é um ponto importante de tomada de decisões para a célula. Com base
nos sinais intracelulares que fornecem informação sobre o tamanho da célula, e
nos sinais extracelulares que refletem o meio, a maquinaria de controle do ciclo
celular pode pausar a célula de forma transitória em G1 (ou em um estado não
proliferativo prolongado, G0), ou permitir que ela se prepare para entrar na fase S
de outro ciclo celular. Uma vez passada essa transição crítica G1-para-S, a célula
costuma prosseguir por todo o resto do ciclo celular rapidamente – em geral den-
tro de 12 a 24 horas nos mamíferos. Portanto, nas leveduras, a transição G1-para-S
às vezes é chamada de Start (Início), pois a passagem por ela representa um com-
prometimento para completar um ciclo celular inteiro (Figura 18-13).

A INIBIÇÃO DA FOSFATASE A INIBIÇÃO DA ATIVAÇÃO


ATIVADORA (Cdc25) BLOQUEIA DE APC RETARDA A
O INÍCIO DA MITOSE FINALIZAÇÃO DA MITOSE

G2 CONTROLADOR

G1
S

Figura 18-12 O sistema de controle


do ciclo celular utiliza vários mecanismos
INIBIDORES DE Cdk BLOQUEIAM para pausar o ciclo em pontos espe-
O INÍCIO DA FASE S cíficos.
614 Fundamentos da Biologia Celular

Nesta seção, consideramos como o sistema de controle do ciclo celular deci-


Prosseguir para a fase S?
Pausar? de entre essas opções – e o que ele faz uma vez que a decisão foi tomada. Os me-
Permanecer em G0? canismos moleculares envolvidos são especialmente importantes, já que defeitos
Não mais se dividir
e diferenciar terminalmente? podem levar à proliferação celular não controlada e câncer.

PARE!
Pont
verificao de
ção G
1
Cdks são inativadas de forma estável em G1
Durante a fase M, quando as células estão se dividindo ativamente, a célula está
repleta de complexos ciclina-Cdk ativos. Se S-Cdks e M-Cdks não forem desa-
Diferenciação tivados no final da fase M, a célula imediatamente replicará seu DNA e iniciará
terminal outro ciclo de divisão, sem perder qualquer tempo significativo nas fases G1 ou
G2. Essa rápida passagem pelo ciclo costuma ser observada em alguns embriões
Figura 18-13 A transição de G1 para jovens, onde as células diminuem de tamanho a cada divisão celular, tendo pou-
a fase S oferece à célula uma encru-
co tempo para crescer nos intervalos.
zilhada. A célula pode prosseguir para
Para conduzir a célula a partir da agitação da fase M para a tranquilidade re-
completar outro ciclo celular, pausar tran-
sitoriamente até que as condições estejam lativa de G1, a maquinaria de controle do ciclo celular deve inativar seu inventário
adequadas ou interromper o ciclo celular de S-Cdk e M-Cdk. Isso ocorre pela eliminação de todas as ciclinas existentes,
– temporariamente em G0, ou permanen- pelo bloqueio da síntese de novas ciclinas e pela atividade de proteínas inibidoras
temente no caso de células terminalmente de Cdk para inibir a atividade de qualquer complexo ciclina-Cdk remanescente.
diferenciadas. O uso de mecanismos múltiplos torna esse sistema de repressão robusto, as-
segurando que essencialmente toda atividade de Cdk seja suprimida. Tal inati-
vação maciça reajusta o sistema de controle do ciclo celular e gera uma fase G1
estável, durante a qual a célula pode crescer e monitorar seu meio antes de se
comprometer com um novo ciclo de divisão.

Os mitógenos promovem a produção de


ciclinas que estimulam a divisão celular
Como regra, as células de mamíferos apenas irão se multiplicar se forem estimu-
ladas por sinais extracelulares, chamados de mitógenos, produzidos por outras
células. Se privadas de tais sinais, o ciclo celular permanece em G1; se a célula é
QUESTÃO 18-3 privada de mitógenos por tempo suficiente, ela interrompe o ciclo celular e en-
trará em um estado não proliferativo, no qual a célula pode permanecer por dias
Por que você acha que as células ou semanas, meses ou mesmo pelo tempo de vida do organismo, como descre-
desenvolveram uma fase especial vemos em breve.
G0 para sair do ciclo celular, em vez A reversão da interrupção do ciclo celular – ou de certos estados não pro-
de apenas parar em G1 e não iniciar liferativos – exige o acúmulo de ciclinas. Os mitógenos agem ativando vias de
para a fase S? sinalização celular que estimulam a síntese de ciclinas G1, ciclinas G1/S e outras
proteínas envolvidas na síntese de DNA e duplicação dos cromossomos. O acú-
mulo dessas ciclinas aciona uma onda de atividade de G1/S-Cdk, que por fim
remove os controles negativos que, caso contrário, bloqueiam a progressão de
G1 para a fase S.
Um controle negativo crucial é mediado pela proteína Retinoblastoma (Rb).
Rb foi primeiramente identificada a partir de estudos de um raro tumor ocular
da infância denominado retinoblastoma, no qual a proteína Rb está ausente ou
é defeituosa. Rb é abundante no núcleo de todas as células de vertebrados, onde
se liga a determinados reguladores de transcrição, impedindo que ativem os ge-
nes necessários para a proliferação celular. Os mitógenos revertem a inibição
mediada por Rb, acionando a ativação de G1-Cdks e G1/S-Cdks. Esses complexos
fosforilam a proteína Rb, alterando a sua conformação de modo que ela se dis-
socie dos reguladores da transcrição, que então estão livres para ativar os genes
necessários para a proliferação celular (Figura 18-14).

O dano ao DNA pode pausar temporariamente


a progressão por G1
O sistema de controle do ciclo celular utiliza vários mecanismos distintos para
pausar o progresso pelo ciclo celular caso o DNA esteja danificado. Isso pode
ocorrer em vários pontos de transição de uma fase do ciclo celular para a próxi-
Capítulo 18 • O ciclo de divisão celular 615

Mitógeno Figura 18-14 Um modo pelo qual os mi-


Receptor ativado do mitógeno tógenos estimulam a proliferação celular
é mediante inibição da proteína Rb.
Na ausência dos mitógenos, a proteína Rb
desfosforilada mantém reguladores especí-
ficos da transcrição em um estado inativo;
esses reguladores da transcrição são ne-
cessários para estimular a transcrição de
Via de genes-alvo que codificam proteínas neces-
sinalização
intracelular
sárias à proliferação celular. A ligação dos
mitógenos a receptores da superfície celu-
lar ativa as vias de sinalização intracelular
G1-Cdk e G1/S-Cdk que levam à formação e ativação dos com-
Proteína Rb
ativados plexos G1-Cdk e G1/S-Cdk. Esses comple-
inativada
Proteína Rb xos fosforilam, e assim inativam, a proteína
ativa P P Rb, liberando os reguladores de transcrição
que ativam a transcrição de genes necessá-
Regulador
da transcrição Regulador da rios à proliferação celular.
inativado transcrição ativo

FOSFORILAÇÃO TRANSCRIÇÃO
DE Rb

TRADUÇÃO

PROLIFERAÇÃO
CELULAR

ma. O mecanismo que opera na transição G1-para-S, que impede que a célula re-
plique o DNA danificado, é especialmente bem compreendido. Os danos ao DNA
em G1 causam um aumento tanto na concentração como na atividade de uma
proteína, chamada de p53, um regulador da transcrição que ativa a transcrição
de um gene que codifica uma proteína inibidora de Cdk chamada de p21. A pro-
teína p21 se liga aos complexos G1/S-Cdk e S-Cdk, impedindo que eles conduzam
a célula para a fase S (Figura 18-15). O aprisionamento do ciclo celular em G1 per-
mite que a célula tenha tempo para reparar o DNA danificado antes de replicá-lo.
Se o dano ao DNA for muito severo para ser reparado, p53 pode induzir a célula
a iniciar o processo de morte celular programada, chamado de apoptose, que dis-
cutimos adiante. Caso p53 não esteja presente ou esteja defeituosa, a replicação
do DNA danificado conduz a uma alta taxa de mutações e à produção de células
que tendem a se tornar cancerosas. Mutações no gene p53 são encontradas em
cerca da metade de todos os cânceres humanos (Animação 18.3).

As células podem retardar a divisão por


períodos prolongados, entrando em estados
especializados de não divisão
Como mencionado anteriormente, as células podem retardar a progressão do
ciclo celular em pontos específicos de transição, para esperar por condições ade-
quadas ou para reparar DNA danificado. Elas também podem interromper o ciclo
celular por períodos prolongados – de maneira temporária ou permanentemente.
A decisão mais radical que um sistema de controle do ciclo celular pode to-
mar é interromper o ciclo celular permanentemente. Tal decisão tem especial im-
portância em organismos multicelulares. Muitas células no corpo humano param
de se dividir permanentemente quando se diferenciam. Nessas células com dife-
renciação terminal, como células nervosas ou musculares, o sistema de controle
do ciclo celular é totalmente desmantelado, e os genes que codificam ciclinas e
Cdks relevantes são inativados de modo irreversível.
616 Fundamentos da Biologia Celular

Figura 18-15 O dano ao DNA pode Raios X causam dano ao DNA


interromper o ciclo celular em G1. Quan-
do o DNA é danificado, proteínas-cinase
específicas respondem ativando a proteína DNA
p53 e impedindo a sua rápida degradação.
Desse modo, a proteína p53 ativada se acu-
mula e estimula a transcrição do gene que
codifica a proteína p21 inibidora de Cdk.
A proteína p21 se liga a G1/S-Cdk e a S-Cdk ATIVAÇÃO DE PROTEÍNAS-CINASE
QUE FOSFORILAM p53,
e os inativa, de forma que o ciclo celular é ESTABILIZANDO E ATIVANDO-A
interrompido em G1. p53
P
p53 ativada,
estável

p53 ATIVA SE LIGA


À REGIÃO REGULADORA
DO GENE p21
NA AUSÊNCIA DE
DANO AO DNA, p53 P
É DEGRADADA
NOS PROTEASSOMOS Gene p21

TRANSCRIÇÃO
mRNA de p21
TRADUÇÃO

p21 (proteína
inibidora de Cdk)

ATIVA INATIVA
G1/S-Cdk G1/S-Cdk e S-Cdk
e S-Cdk complexadas a p21

Na ausência de sinais apropriados, outros tipos celulares interrompem o do


QUESTÃO 18-4
ciclo celular apenas temporariamente, entrando em um estado de repouso cha-
mado G0. Eles mantêm a capacidade de reativar rapidamente o controle do ciclo
Quais podem ser as consequências
celular e se dividir outra vez. A maioria das células hepáticas, por exemplo, está
caso uma célula replique seu DNA
em G0, mas pode ser estimulada para proliferar se o fígado sofrer algum dano.
danificado antes de repará-lo?
A maior parte da diversidade nas taxas de divisão celular no corpo adulto
depende da variação no tempo que a célula permanece em G0 ou em G1. Alguns
tipos de células, incluindo as hepáticas, em geral se dividem apenas uma ou duas
vezes por ano, enquanto certas células epiteliais no intestino se dividem mais do
que duas vezes por dia para renovar o revestimento do intestino continuamente.
Muitas das nossas células estão entre esses dois pontos: elas podem se dividir
caso surja a necessidade, mas isso em geral não é frequente.

FASE S
Antes que a célula se divida, ela deve replicar seu DNA. Como discutimos no
Capítulo 6, essa replicação deve ocorrer com extrema acuidade para minimizar
o risco de mutações na próxima geração de células. De igual importância, cada
nucleotídeo no genoma deve ser copiado uma vez – e somente uma vez – para
evitar os efeitos danosos da multiplicação gênica. Nesta seção, consideramos os
elegantes mecanismos moleculares pelos quais o sistema de controle do ciclo
celular inicia a replicação do DNA e, ao mesmo tempo, impede que a replicação
ocorra mais de uma vez por ciclo celular.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

Você também pode gostar