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Fisioterapia Pediátrica

Autora: Profa. Débora Pedrolo Parisi


Colaboradoras: Profa. Roberta Pasqualucci Ronca
Profa. Marília T. Coutinho C. Patrão
Professora conteudista: Débora Pedrolo Parisi

Possui graduação em Fisioterapia pela Universidade Cidade de São Paulo (Unicid-1998), residência clínica
pela Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD-1999), mestrado em Bioética pelo Centro Universitário
São Camilo (2007) e doutorado em Patologia Experimental pela Universidade Paulista (UNIP-2017). Docente na
UNIP desde 2001 – professora adjunta – das disciplinas Controle Motor e Neurociências, Fisioterapia Pediátrica e
Fisioterapia Neurofuncional. Coordenadora do curso de pós-graduação em Fisioterapia Neurofuncional do Instituto
Imparare desde 2016.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P232f Parisi, Débora Pedrolo.

Fisioterapia Pediátrica / Débora Pedrolo Parisi. – São Paulo:


Editora Sol, 2021.

200 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Diagnóstico. 2. Quadro clínico. 3. Tratamento. I. Título.

CDU 615.8-053.2

U510.57 – 21

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcello Vannini
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Bruna Baldez
Jaci Albuquerque de Paula
Sumário
Fisioterapia Pediátrica

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR............................................................................................. 11
1.1 Considerações gerais............................................................................................................................ 11
1.1.1 Embriogênese.............................................................................................................................................11
1.2 Desenvolvimento neuropsicomotor normal.............................................................................. 16
1.2.1 Considerações gerais.............................................................................................................................. 16
2 REFLEXOS PRIMITIVOS................................................................................................................................... 19
2.1 Principais aquisições motoras.......................................................................................................... 29
2.2 Desenvolvimento de habilidades motoras finas e cognitivas............................................. 40
2.3 Prematuridade........................................................................................................................................ 41
2.4 Escalas padronizadas de avaliação................................................................................................. 44
3 PARALISIA CEREBRAL..................................................................................................................................... 46
3.1 Introdução................................................................................................................................................ 46
3.2 Considerações gerais............................................................................................................................ 46
3.3 Diagnóstico e classificação................................................................................................................ 53
3.4 Distúrbios associados à PC................................................................................................................ 62
4 ABORDAGENS ASSOCIADAS À PC............................................................................................................. 69
4.1 Avalição física e funcional da PC.................................................................................................... 69
4.2 Tratamento clínico e de reabilitação............................................................................................. 71
4.3 Correções cirúrgicas na PC................................................................................................................ 79

Unidade II
5 DEFEITOS DO FECHAMENTO DO TUBO NEURAL................................................................................... 86
5.1 Mielomeningocele (MMC)................................................................................................................. 89
5.2 Diagnóstico pré-natal......................................................................................................................... 93
5.3 Características clínicas da MMC..................................................................................................... 94
5.4 Classificação da MMC segundo os níveis preservados da medula espinhal................. 95
5.5 Complicações decorrentes da MMC.............................................................................................. 95
5.5.1 Deformidades da coluna vertebral................................................................................................... 95
5.5.2 Deformidades nos membros inferiores........................................................................................... 97
5.5.3 Hidrocefalia..............................................................................................................................................100
5.5.4 Síndrome da medula presa ou ancorada.....................................................................................104
5.5.5 Risco de fraturas e feridas.................................................................................................................105
5.5.6 Alergia ao látex.......................................................................................................................................106
5.6 Prognóstico de deambulação na MMC......................................................................................106
5.7 Objetivos de tratamento..................................................................................................................111
6 SÍNDROME DE DOWN OU TRISSOMIA DO CROMOSSOMO 21....................................................116
6.1 Formas de anormalidades cromossômicas...............................................................................117
6.2 Complicações associadas à SD.......................................................................................................122
6.2.1 Instabilidade atlantoaxial.................................................................................................................. 122
6.2.2 Cardiopatias congênitas.................................................................................................................... 123
6.2.3 Hipotonia muscular............................................................................................................................. 123
6.2.4 Frouxidão ligamentar.......................................................................................................................... 124
6.2.5 Demências............................................................................................................................................... 124
6.2.6 Obesidade................................................................................................................................................. 125
6.2.7 Alterações otorrinolaringológicas.................................................................................................. 125
6.3 Diagnóstico clínico.............................................................................................................................126
6.4 Objetivos do tratamento da fisioterapia....................................................................................128

Unidade III
7 DOENÇAS NEUROMUSCULARES E AMIOTROFIA ESPINHAL PROGRESSIVA (AMEP)
DA INFÂNCIA........................................................................................................................................................134
7.1 Distrofias musculares progressivas..............................................................................................134
7.2 Distrofia muscular de Duchenne (DMD)....................................................................................134
7.2.1 Herança genética.................................................................................................................................. 137
7.2.2 Quadro clínico........................................................................................................................................ 137
7.2.3 Progressão da DMD.............................................................................................................................. 139
7.2.4 Alterações posturais decorrentes da evolução da DMD e
alterações cardiorrespiratórias................................................................................................................... 140
7.3 Distrofia muscular de Becker (DMB)...........................................................................................141
7.4 Distrofia muscular tipo cinturas (DMC).....................................................................................142
7.5 Diagnóstico médico............................................................................................................................143
7.6 Tratamento fisioterapêutico...........................................................................................................143
7.7 Amiotrofia espinhal progressiva (AMEP) da infância...........................................................144
7.8 AMEP tipo I ou Werdnig-Hoffmann............................................................................................146
7.9 AMEP tipo II ou forma intermediária ou doença de Dubowitz........................................149
7.10 AMEP tipo III ou doença de Kugelberg-Welander ou forma branda...........................150
7.11 Critérios para o diagnóstico..........................................................................................................151
7.12 Tratamento clínico e de reabilitação........................................................................................151
8 ARTROGRIPOSE MÚLTIPLA CONGÊNITA (AMC) E OSTEOGÊNESE IMPERFEITA (OI).............152
8.1 Classificação da AMC.........................................................................................................................153
8.2 Quadro clínico da AMC.....................................................................................................................155
8.3 Diagnóstico da AMC..........................................................................................................................156
8.4 Fisioterapia na AMC...........................................................................................................................156
8.5 Introdução à osteogênese imperfeita (OI)................................................................................157
8.6 Classificação da OI..............................................................................................................................158
8.6.1 Classificação proposta por Sillence (1979)................................................................................. 158
8.7 Diagnóstico............................................................................................................................................160
8.8 Quadro clínico.......................................................................................................................................161
8.9 Tratamento da OI.................................................................................................................................162
8.9.1 Tratamento clínico................................................................................................................................ 162
8.9.2 Tratamento da fisioterapia na OI.................................................................................................... 163
8.10 Introdução à displasia congênita de quadril (DCQ)............................................................164
8.11 Tratamento da DCQ..........................................................................................................................166
8.12 Doença de Legg-Calvé-Perthes...................................................................................................168
APRESENTAÇÃO

Esta disciplina tem como objetivo geral capacitar o aluno a realizar a avaliação e o tratamento
fisioterapêutico em crianças com disfunções decorrentes principalmente de lesões dos sistemas nervoso
(central e periférico) e musculoesquelético.

Nos conteúdos e exercícios que se encontram distribuídos nesta disciplina, são analisadas as diferentes
estratégias de tratamento atuais e desenvolvidas a habilidade de avaliação das disfunções decorrentes de
comprometimento neurológico e musculoesquelético, mediante a elucidação e prática dos procedimentos
adequados; a capacidade de identificação, a partir dos procedimentos de avaliação, dos objetivos
terapêuticos de curto, médio e longo prazo; e a habilidade de programar a intervenção fisioterapêutica a
partir da identificação dos objetivos terapêuticos e da escolha das estratégias adequadas, preparando o aluno
para compreender as disfunções neurológicas sob a perspectiva da inclusão social.

Por meio da leitura dos conteúdos e da resolução consistente dos exercícios, esperamos que você
não apenas compreenda a importância da abordagem fisioterapêutica em pediatria, mas obtenha amplo
conhecimento dos processos patológicos e reabilitativos.

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a)

Iniciaremos este livro-texto abordando o processo de embriogênese, as principais aquisições motoras e


cognitivas de 0 até 2 anos de idade, os riscos da prematuridade e as principais infecções materno-fetais, as
principais características da criança com sinais de atraso do desenvolvimento motor, a encefalopatia
crônica não progressiva – mais popularmente conhecida como paralisia cerebral –, seus aspectos clínicos,
classificação, quadro clínico, distúrbios associados, avaliação e tratamento.

Em seguida, abordaremos os defeitos de fechamento do tubo neural, especialmente a


mielomeningocele. Estudaremos a síndrome de Down e a importância da estimulação precoce.

Também vamos aprender sobre as doenças neuromusculares, incluindo as principais distrofias


musculares; as doenças de neurônio motor, especialmente as amiotrofias espinhais progressivas;
e as principais disfunções musculoesqueléticas que afetam a criança, como a artrogripose múltipla
congênita, as disfunções de quadril e a osteogênese imperfeita.

Lembre-se de que, além do conteúdo proposto, é importante fazer a leitura da bibliografia


complementar indicada.

Bons estudos!

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FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Unidade I
1 DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR

1.1 Considerações gerais

Iniciaremos o estudo da formação embrionária do sistema nervoso central (SNC), desde a concepção
até a formação completa do sistema nervoso, e então passaremos ao estudo do desenvolvimento motor
extrauterino, desde o nascimento até o primeiro ano de vida do bebê.

1.1.1 Embriogênese

O desenvolvimento humano começa quando o óvulo é fertilizado pelo espermatozoide, formando


uma única célula chamada zigoto ou ovo, sendo esta uma célula totipotente altamente especializada,
contendo cromossomos e genes derivados da mãe e do pai. A fertilização, portanto, ocasiona a produção
de uma nova célula, a qual apresenta um genoma exclusivo, diferente do genoma da mãe e do pai, além de
restaurar o número diploide de cromossomos.

Como observamos no parágrafo anterior, é importante saber que o desenvolvimento humano


começa antes do nascimento do bebê, ou seja, na fase intrauterina. Você já deve ter estudado sobre isso
na escola, mas será que você se lembra de que durante a gestação há diversas mudanças importantes
acontecendo o tempo todo? Veremos sobre isso agora.

Habitualmente, a fecundação ocorre na ampola da tuba uterina e termina com o entrelaçamento


dos cromossomos maternos e paternos na metáfase da primeira divisão mitótica do zigoto.

Lembrete

As células totipotentes são capazes de se diferenciar em todos os


tecidos que formam o corpo humano, incluindo a placenta e os anexos
embrionários. As células totipotentes incluem os zigotos (quando o
espermatozoide fertiliza o óvulo).

A clivagem consiste em repetidas divisões mitóticas do zigoto, levando a um rápido aumento no


número de células. Essa divisão começa cerca de 30 horas após a fecundação. Durante a clivagem, o zigoto
se divide por mitose em duas células, e cada uma delas rapidamente se divide em mais duas células. O
processo continua a se repetir, formando rapidamente uma esfera sólida de células denominada mórula.

11
Unidade I

A clivagem difere-se da divisão celular convencional que ocorre em muitos tipos de células em toda
a vida de um organismo, pois, durante a clivagem, cada célula‑filha formada tem aproximadamente a
metade do tamanho da célula‑mãe. Por outro lado, depois da divisão celular convencional, as células
crescem até o tamanho aproximado da célula‑mãe antes de sofrerem a próxima etapa de divisão.

Com cada clivagem, o citoplasma é dividido à medida que os núcleos são replicados, e a relação
nucleocitoplasmática se aproxima da relação de uma célula somática do organismo. Outro efeito da
clivagem é a produção de um embrião multicelular. As células da mórula e do subsequente blastocisto
(estrutura formada pelo surgimento de uma cavidade na mórula) são denominadas blastômeros.

Quando há de 12 a 32 blastômeros, o concepto é chamado de mórula. As células internas da mórula


chamam-se embrioblasto ou massa celular interna e são envolvidas por uma camada de blastômeros
que formam o trofoblasto.

Logo após a entrada da mórula no útero (por volta de quatro dias após a fecundação), os blastômeros
são separados em duas partes: o trofoblasto, que dará origem à parte embrionária da placenta; e o
embrioblasto, que é o primórdio do embrião.

Nesse estágio, o embrião é chamado de blastocisto e, após aproximadamente seis dias da fecundação,
adere-se ao epitélio endometrial. A implantação do blastocisto se completa durante a segunda semana
do desenvolvimento. No décimo dia, o embrião está completamente implantado no endométrio.

Oviduto

2 células
Primeira 4 células
clivagem

8 células Útero
Migração do pronúcleo
Mórula
Endom

Ovário Blastocito
Fertilização
é
trio

Ovócito I

Zona pelúcida Crescimento


Maturação do do ovócito
ovócito e ovulação Blastocito separa-se
da zona pelúcida
Nidação do
embrião

Figura 1 – Processo de fecundação e nidação do embrião

Cerca de três semanas após a concepção, a gestação normal pode ser detectada pela ultrassonografia.
A gastrulação é o início da morfogênese. Durante a gastrulação, as células sofrem extensos movimentos

12
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

umas em relação às outras, alterando suas posições. Isso faz com que as células entrem em contato com
novos vizinhos e permite o repasse de informações entre as células, acabando por alterar seus destinos. Um
efeito da gastrulação é estabelecer os folhetos teciduais primitivos, denominados folhetos germinativos.
São formados três folhetos germinativos primários, chamados de ectoderma, mesoderma e endoderma. Os
folhetos germinativos dão origem a tecidos e primórdios de órgãos durante o desenvolvimento subsequente.

Em relação ao ectoderma embrionário, ocorre no embrião a indução neural, levando à formação da


placa neural, o primeiro rudimento do SNC, a qual irá se dobrar em um tubo neural. As células da crista
neural se originam nas margens laterais da placa neural durante a formação do tubo neural.
Placa neural

Epiderme
Dobramento
Prega neural

Sulco neural

Epiderme

Crista neural
Tubo neural

Figura 2 – Fechamento do tubo neural

Observação

O termo “morfogênese” significa o desenvolvimento da forma e da


estrutura dos vários órgãos e partes do corpo.

A placa neural forma‑se primeiro na extremidade cefálica do embrião e, então, diferencia‑se


na direção craniocaudal. As bordas laterais da placa neural também dão origem a uma importante
população de células, as células da crista neural, que se destacam durante a formação do tubo neural e
migram para dentro do embrião para formar uma variedade de estruturas.

Como podemos ver, a placa neural vai se diferenciar craniocaudalmente, ou seja, ela é mais larga
cranialmente e mais afilada caudalmente. E é essa porção cranial expandida que dará origem ao cérebro.
Mesmo nesse estágio muito inicial de diferenciação, o futuro cérebro é visivelmente dividido em três
regiões: prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo. A porção caudal mais estreitada da placa neural
(contínua cranialmente com o rombencéfalo) forma a medula espinhal. Com isso, podemos observar a
formação do nosso SNC.

13
Unidade I

A neurulação converte a placa neural em um tubo neural oco recoberto pelo ectoderma cutâneo. O
tubo neural, em seguida, começa a se diferenciar em cérebro e medula espinhal. Antes mesmo do fim da
quarta semana, grandes regiões do cérebro – prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo – tornam‑se
evidentes, e neurônios e glia começam a se diferenciar no neuroepitélio do tubo neural.

Com o decorrer da neurulação, células da crista neural separam‑se das bordas laterais das dobras
neurais e migram para vários locais do organismo, onde se diferenciam para formar uma grande
variedade de estruturas e tipos celulares.

Portanto, por volta do 22º dia de gestação, ocorre um espessamento do ectoderma dorsal do embrião,
formando um sulco longitudinal (sulco neural) que se aprofunda progressivamente, dando origem à
goteira neural. Os lábios da goteira neural se fundem, formando o tubo neural.
Núcleo vermelho
Trato teto-espinal
Trato rubro-espinal
Metatálamo Pedúnculo cerebelar superior
Lemnisco medial
Tálamo
Lemnisco lateral
Núcleo estriado Cerebelo
Pedúnculo cerebelar médio
Trato vestíbulo-espinal
Núcleo grácil

Medula oblonga
Hipotálamo Fibras do funículo posterior
Nervo vestibular
Vestíbulo
interno do Nervo
Retina do olho Nervo ouvido gustativo Trato espinotalâmico
óptico Cócclea Papila gustativa
Nervo cocclear
Nervos sensoriais

Pele
Nervo motor
Medula espinhal
Músculo

Figura 3 – Formação das vesículas encefálicas

Observação

Na terceira semana de gestação, o ectoderma na linha mediana


posterior sofre espessamento (placa neural). As margens laterais se elevam
(pregas neurais) de cada lado de uma depressão central (sulco neural), e
então as pregas neurais se opõem e se fundem, fechando o sulco neural
e criando o tubo neural.
14
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

A coluna vertebral e a medula espinhal iniciam sua formação por volta do 19º dia pós-concepção.
O tubo neural se fecha na linha média em cinco pontos distintos de forma não sincronizada até o
29º dia. Esse modelo explica como é possível a ocorrência de defeitos de fechamento na coluna em
diversas localizações, os quais serão abordados no decorrer deste livro-texto e que são muito comuns
na nossa vivência profissional.

Na quinta semana de gestação, notam-se três vesículas encefálicas primárias, que são o prosencéfalo,
o mesencéfalo e o rombencéfalo, além da flexura cefálica (entre mesencéfalo e prosencéfalo) e da
flexura cervical (entre encéfalo e medula espinhal).

Já na sétima semana de gestação, notam-se cinco vesículas secundárias, ou seja, o prosencéfalo,


formando o telencéfalo e o diencéfalo; o mesencéfalo, que origina o próprio mesencéfalo; e o
rombencéfalo, que origina o metencéfalo e o mielencéfalo.

Figura 4 – Vista inferior do encéfalo humano

Lembrete

Logo após a fase de gastrulação, a placa neural inicia o processo de dobra


sobre si e fusão, dando origem à goteira e ao tubo neural, respectivamente,
para, em seguida, ser coberta pelo tecido mesenquimal. O fechamento do
tubo neural inicia-se na região cervical e progride em direção tanto cranial
quanto caudal a partir desse ponto.

15
Unidade I

Quadro 1 – Vesículas encefálicas

Vesícula encefálica primária Vesícula encefálica secundária


Telencéfalo – hemisférios cerebrais
Prosencéfalo
Diencéfalo – epitálamo, tálamo e hipotálamo
Mesencéfalo Mesencéfalo – mesencéfalo
Metencéfalo – ponte e cerebelo
Rombencéfalo
Mielencéfalo – bulbo

Figura 5 – Ressonância magnética do encéfalo

1.2 Desenvolvimento neuropsicomotor normal

1.2.1 Considerações gerais

Ao iniciar o estudo do desenvolvimento infantil, devemos considerar que ele não depende
exclusivamente da criança, pois outros fatores poderão intervir no desenvolvimento dela. Com isso, será
necessário avaliar, por exemplo, o ambiente ao qual essa criança pertence.

Ao nascimento, os bebês encontram-se em fase de dependência absoluta, necessitando de outro


ser humano para sobreviverem e se desenvolverem. Eles apresentam condições biológicas para que seu
desenvolvimento ocorra, mas necessitam de um ambiente que ofereça condições adequadas para a
sua sobrevivência.
16
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

A partir de agora, iremos considerar principalmente o desenvolvimento motor do bebê nos primeiros
meses de vida extrauterina. Sabemos que o desenvolvimento motor é o processo de mudança no
comportamento motor, relacionado com a idade do indivíduo. O desenvolvimento motor inclui mudanças
associadas à idade tanto na postura quanto no movimento, que caracterizam o comportamento motor.

Muitas vezes, é enfatizado que a aquisição das habilidades motoras ocorre devido à maturação do
SNC (visão neuromaturacional). Hoje, porém, considera-se que o ambiente favorável apresenta papel
marcante nesse desenvolvimento motor do bebê. Obviamente, o desenvolvimento neural é necessário
para que o bebê adquira essas habilidades, mas a prática e a oportunidade de interagir em um ambiente
adequado favorecem o desenvolvimento motor.

Exemplo de aplicação

Vamos pensar em um exemplo prático. Qual criança deve apresentar um desenvolvimento


neuropsicomotor mais adequado: uma criança criada em um ambiente familiar ou uma criança mantida
em uma instituição ou um abrigo? Nessas situações de acolhimento (institucionalização), o abrigo passa
a ser necessário nos casos de abuso, omissão ou extrema pobreza familiar, mas será este um ambiente
favorável para o desenvolvimento dessa criança? Reflita.

Voltando especificamente para a aquisição das habilidades motoras, o desenvolvimento do controle


postural no primeiro ano de vida é um processo gradual e complexo que levará à independência motora
e à interação do indivíduo com o meio.

O neonato é totalmente dependente, mas, durante o primeiro ano de vida, adquire grande
independência física, que passa a realizar com eficiência em habilidades motoras grossas – rolar, sentar,
engatinhar e levantar-se – e em habilidades motoras finas, tais como a manipulação de objetos de
diferentes formas e tamanhos.

É necessário compreender como é possível controlar a postura e os movimentos por meio da


aquisição de habilidades, que são parte da nossa vida diária. Esse conhecimento será importante durante
a avaliação e o tratamento do paciente.

O ganho e treino das aquisições motoras iniciam-se ainda na vida intrauterina, sendo caracterizados
inicialmente por padrões motores estereotipados chamados de reflexos primitivos. Principalmente nas
últimas semanas de gestação (último trimestre), ocorre um intenso processo de mielinização, e, após o
nascimento, ocorre a conquista das habilidades motoras.

Observação

A expressão “padrões motores estereotipados” refere-se a comportamentos


motores repetitivos e não funcionais.

17
Unidade I

O neonato é incapaz de apresentar controle postural contra a ação da força da gravidade, e esse
controle ele adquirirá de forma gradual, conseguindo alinhar os segmentos do corpo, tanto em relação
ao outro quanto em relação ao ambiente, até ser capaz de adquirir a postura ortostática (ficar em pé).

Devido à posição fetal intrauterina, principalmente no final da gestação, ao nascer, considera-se que
o neonato apresenta uma postura em tríplice flexão (postura fetal), ou seja, flexão de cabeça, tronco e
membros, o que leva a um encurtamento fisiológico dos grupos musculares flexores e um alongamento
fisiológico dos grupos musculares extensores.

Figura 6 – Postura fetal ao nascimento

Figura 7 – Hipertonia flexora fisiológica

Observação

O termo “neonato” é utilizado para o bebê recém-nascido até completar


o primeiro mês de vida.

18
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Você deverá considerar que o neonato ainda apresenta comportamentos motores imaturos, ou
seja, uma atividade motora predominantemente reflexa. Isso ocorre porque os núcleos subcorticais
apresentam um amadurecimento anterior ao do córtex, porém, conforme ocorre a maturação cortical,
esses reflexos primitivos acabam sendo modulados.

Uma característica importantíssima do desenvolvimento motor do neonato durante principalmente


o primeiro ano de vida é que ele ocorre da região craniana-caudal e de forma próximo-distal, ou seja:
primeiro o bebê apresenta controle de cabeça para depois ter controle do tronco superior, e assim
sucessivamente – o mesmo ocorre com a cintura escapular, os cotovelos e a função manual.

Lembrete

O neonato não apresenta a capacidade de manter controle postural


contra a ação da força de gravidade, ainda não é capaz de controlar
seu corpo, assumindo normalmente uma postura fletida típica, a qual
corresponde à posição mantida na fase intrauterina (postura fetal ou de
tríplice flexão).

Durante o primeiro ano de vida, as atividades reflexas são moduladas de acordo com a evolução do
SNC, passando para movimentos mais complexos e voluntários. No processo de maturação cerebral, as
experiências sensório-motoras do bebê contribuem para o desenvolvimento das habilidades motoras,
através do estabelecimento e da reorganização de sinapses e da formação de novas redes neurais.

2 REFLEXOS PRIMITIVOS

Neste tópico, serão descritos a seguir os comportamentos reflexos normais apresentados pelo
neonato e quando, em média, é esperado que eles sejam modulados.

• Reflexos de sobrevivência: são considerados reflexos de sobrevivência a reação automática, o


reflexo de procura, a sucção e a deglutição.

Observação

Os reflexos primitivos estão presentes no bebê, mas são gradativamente


modulados e inibidos à medida que ocorre a maturação encefálica.

• Reação automática ou de sufocamento: ao colocar o neonato em decúbito ventral, ele será


capaz de girar o rosto, liberando as vias aéreas superiores. Trata-se da primeira extensão da cabeça
partindo da flexão, um reflexo de sobrevivência, uma vez que, mesmo sem ter o controle da
cabeça contra a ação da força de gravidade, ele consegue virar parcialmente a cabeça, permitindo
assim a respiração adequada.

19
Unidade I

Figura 8 – Reflexo de sufocamento

• Reflexo de sucção: reflexo importante para a alimentação, desencadeado pela estimulação dos
lábios. No caso de bebês prematuros ou com lesão neurológica associada, é possível que esse
reflexo seja débil, o que dificultará a alimentação do neonato.

Figura 9 – Reflexo de sucção

• Reflexo de deglutição: resposta reflexa da deglutição do alimento ou da saliva.

• Reflexo de procura ou dos pontos cardeais: ao dar o estímulo em um dos cantos da boca, o neonato
procura o estímulo externo, virando o rosto em busca do estímulo – no caso, seria a busca pelo
alimento. Geralmente, ocorre o movimento de sucção em seguida. Isso facilita a amamentação.

20
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 10 – Reflexo de procura ou dos pontos cardeais

Lembrete

Os reflexos de procura, deglutição, sucção e sufocamento são também


chamados de reflexos de sobrevivência e podem estar ausentes ou
diminuídos, por exemplo, em um bebê prematuro.

• Reflexo magnético: em decúbito dorsal, partindo da flexão dos joelhos e dos quadris, o examinador
deverá comprimir seus polegares contra a sola dos pés do bebê e, lentamente, afastar seus dedos.
Como resposta, as pernas e os quadris do bebê partem para o movimento de extensão, como se
estivessem colados ao dedo do examinador.

Figura 11 – Reflexo magnético

21
Unidade I

• Reação de marcha ou reflexo de marcha automática: o neonato é sustentado em pé pelas


axilas, mantido verticalmente em relação ao solo, com o tronco inclinado para frente. Então, o
examinador realiza uma compressão da sola de um dos pés do bebê contra a base de apoio, e essa
perna irá realizar uma flexão como resposta; do outro lado, ocorrerá uma extensão do membro.
Se o examinador realizar esse movimento de forma alternada, dará a impressão de uma marcha
automática. O bebê precisa ser sustentado nessa posição pelo examinador, uma vez que o neonato
não apresenta controle postural de cabeça, tronco e pelve.

Você já chegou a assistir a algum vídeo de um bebê andando ainda recém-nascido? Aqui
está a explicação.

Figura 12 – Reflexo de marcha automática

• Reflexo de glabela: ao realizar uma compressão com a ponta do dedo na região entre as
sobrancelhas (região glabelar) do bebê, ocorrerá o fechamento dos olhos como resposta. No
caso de se notar uma assimetria nesse fechamento, o examinador poderá suspeitar de um caso
de paresia facial.

Figura 13 – Reflexo glabelar

22
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

• Reação de subida ou placing reaction: o examinador segura o bebê pelas axilas, com os pés
abaixo da borda de um degrau, e levemente toca o dorso do pé do bebê contra este. Como
resposta, o bebê eleva o membro como se subisse o degrau.

Figura 14 – Reflexo de subida ou placing reaction

• Reação de Galant ou reflexo da coluna vertebral: ao colocar o neonato em decúbito ventral e


friccionar o dedo contra a região paravertebral de um dos lados, o bebê irá inclinar o tronco para
o lado estimulado (formando um arco).

Figura 15 – Reflexo de Galant

• Reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA) ou Magno: ao rodar a cabeça do bebê para um
lado, as extremidades dos membros do lado que o rosto está virado estendem-se e, do outro lado,
fletem-se, assemelhando-se ao movimento do esgrimista.

23
Unidade I

Observação

É importante o conhecimento desse reflexo pelo fisioterapeuta, uma vez


que sua persistência levará à dificuldade do bebê em adquirir trocas posturais,
tais como o rolamento e a postura sentada. Além disso, dependendo da
intensidade da persistência desse reflexo, poderá ocasionar uma grande
assimetria postural, levando a casos de escoliose de graus variados.

Figura 16 – Reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA)

Figura 17 – RTCA completo

24
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

• Reflexo tônico cervical simétrico (RTCS): quando ocorre a flexão da cervical, os membros
superiores se flexionam e os membros inferiores estendem-se. Quando ocorre a extensão da
cabeça, os membros superiores estendem-se e os membros inferiores flexionam-se.

Figura 18 – Reflexo tônico cervical simétrico (RTCS)

• Reflexo tônico labiríntico (RTL): quando colocado em posição prona (decúbito ventral), o
lactente assume total flexão, o que impede a liberação das vias aéreas superiores; e, quando
colocado em posição supino, ocorre a extensão do tronco e dos membros, sendo este geralmente
considerado um reflexo patológico presente principalmente no PC tetraparético espástico grave.
Se o bebê realiza uma postura extensora exagerada, recebe o nome de opistótono.

Figura 19 – Reflexo tônico labiríntico (RTL)

25
Unidade I

• Reflexo de preensão palmar: ao dar estímulo na palma da mão do bebê, este realiza o fechamento
da mão como se segurasse o dedo do examinador.

Figura 20 – Reflexo de preensão palmar

• Reflexo de preensão plantar: ao dar estímulo na planta do pé do bebê, principalmente abaixo


do primeiro dedo, os demais dedos assumem uma postura de garra, e ao retirar o estímulo, os
dedos estendem-se.

Figura 21 – Reflexo de preensão plantar

• Reflexo membro de propulsão: em decúbito ventral, o examinador comprime os dedos contra


a planta do pé do bebê, saindo da flexão de quadril e joelho, e o bebê realiza a extensão dos
membros inferiores como se fosse rastejar.

26
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 22 – Reflexo membro de propulsão

• Reação de Moro: divide-se em duas fases. O examinador posiciona o bebê no seu antebraço e,
com a outra mão, segura a cabeça do bebê; em seguida, solta a cabeça do bebê. Como resposta,
o bebê abre a boca, ergue os braços e estende os dedos das mãos como se abrisse um leque
(primeira fase); depois, o bebê fecha a boca, e os braços flexionam (segunda fase).

Figura 23 – Reação de Moro

• Reação de Landau: ao segurar o bebê na posição horizontal e mantê-lo suspenso no ar, ele irá
erguer a cabeça e apresentar extensão dos membros inferiores.

27
Unidade I

Figura 24 – Reação de Landau

• Disposição para o salto ou reação de paraquedas: suspende-se a criança pelo tronco e a aproxima
de forma rápida em direção ao solo. Antes da cabeça chegar ao solo, os braços estendem‑se como
se a criança fosse se apoiar.

Figura 25 – Disposição para o salto ou reação de paraquedas

28
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

A figura a seguir relaciona as reações e os reflexos primitivos de acordo com a idade de início e o
período de inibição de tais atividades.

Idade de início até sua inibição (mês)


Reações e reflexos primitivos
RN 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Reflexo de busca ou procura - 4 pontos cardeais
Reflexo de sucção e deglutição
Reflexo de mordida
Reflexo de vômito
Reflexo de fixação ocular
Reflexo dos olhos de boneca
Reflexo glabelar
Reflexo córneo-palpebrar
Reflexo cócleo-palpebrar
Reflexo de fuga da asfixia ou proteção de vias aéreas
Reflexo de marcha
Reação positiva de suporte
Reflexo de Landau
Reflexo de Moro
Reflexo de natação
Reflexos de preensão palmar
Reflexos de preensão plantar
Reação de anfíbio
Reflexo de Galant
Reflexo de propulsão
Reflexo cutâneo-plantar
Reflexo de colocação palmar
Reflexo de colocação plantar
Reflexo de extensão cruzada
Reflexo magnético
Reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA)
Reflexo tônico cervical simétrico (RTCS)
Reflexo cervical de retificação
Reflexo corporal de retificação
Reação labiríntica de retificação
Reação óptica de retificação

Figura 26 – Reações e reflexos primitivos: idade de início até inibição

2.1 Principais aquisições motoras

Agora, veremos quais aquisições motoras são esperadas para o bebê durante o seu primeiro ano
de vida, mês a mês. Os marcos do desenvolvimento motor da criança sem lesão neurológica são bem
conhecidos e estabelecidos e seguem uma ordem cronológica, o que pode e deve ser usado para avaliar
possíveis alterações motoras decorrentes de lesões neurológicas.
29
Unidade I

Primeiro mês de vida

Como já vimos, ao nascer, há um predomínio do tônus flexor, sendo este aumento considerado
fisiológico. O neonato não é capaz de adaptar-se às mudanças de postura, não apresenta reações de
equilíbrio nem reações de proteção.

O neonato apresenta muita atividade reflexa primitiva (a maioria dos reflexos primitivos ainda
não foi modulada). Em decúbito dorsal, predomina o padrão flexor: geralmente, a cabeça posiciona-se
para um dos lados, sendo que o bebê pode apresentar preferência por um dos lados. Os ombros ficam
retraídos e elevados, e os cotovelos e dedos das mãos em flexão. Os membros inferiores permanecem
com os quadris rodados externamente, com joelhos fletidos.

Em decúbito ventral, predomina também a postura flexora. A pelve fica elevada, o que leva a uma
maior transferência do peso corporal para a cabeça, dificultando a extensão cervical. Devido à elevação
e à retração da cintura escapular, torna-se impossível ao neonato descarregar o peso nos antebraços, o
que favoreceria a extensão da cabeça.

Ao tentar puxar o neonato pelas mãos para a postura sentada, a cabeça ficará pendente para trás,
pois o bebê ainda não é capaz de controlá-la. Isso significa que ele não tem controle de cervical – não
apresenta controle de tronco e não realiza trocas posturais.

Figura 27 – Primeiro mês de vida do bebê

Segundo mês de vida

Com dois meses, o bebê ainda apresenta predomínio do tônus flexor em decúbito dorsal, menor que
no primeiro mês de vida, mas já é capaz de realizar movimentos de esperneios alternados e apresenta o
corpo de forma mais simétrica.

Em decúbito ventral, a cintura escapular permanece retraída. Permanece a flexão no quadril com as
pernas rodadas externamente, e o bebê eleva mais a cabeça, mas não a mantém erguida. Ao ser puxado
para a posição sentada, começa a controlar a simetria da cabeça, porém ainda sem controle cervical.

30
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Ele também não apresenta reações de equilíbrio nem de proteção e ainda apresenta muita atividade
reflexa primitiva.

Os membros inferiores estarão um pouco mais estendidos, porém serão mantidos em flexão durante
a maior parte do tempo.

Figura 28 – Início do controle de cabeça

Terceiro mês de vida

No terceiro mês, conseguimos observar algumas mudanças importantes. Em decúbito dorsal, o bebê
já consegue alinhar a cabeça na linha média, mas demostra preferência por mantê-la rodada para
um dos lados; já começa a levar as mãos à linha média; começa a brincar com objetos (por exemplo, um
chocalho) que são colocados em suas mãos, tentando levá-los até a boca; e já consegue estender melhor
os quadris e joelhos, porém ainda não alcança a linha média.

Em decúbito ventral, o bebê começa a transferir o peso corporal para os antebraços, permitindo
estender a cabeça até 45 graus, mas esse apoio ainda não é estável. Ainda apresenta grande oscilação da
cabeça e maior extensão do quadril com flexão dos joelhos. Ao estender mais o quadril, passa a diminuir
a transferência do peso corporal para a cervical. Lembre-se de que o controle postural ocorre da região
cefálica em direção à região caudal e inicia-se da região proximal para a distal.

Quando puxado para sentar, o bebê ainda não apresenta controle da cervical e da cabeça, mas já
consegue acompanhar o movimento sem deixar a cabeça pendente. Não apresenta controle do tronco,
porém já não apresenta mais o predomínio do tônus flexor. Ainda não apresenta controle das reações
de equilíbrio nem de proteção.

31
Unidade I

Lembrete

Os primeiros três meses de vida do bebê são caracterizados pela presença


de hipertonia flexora fisiológica, orientação à linha média e início do
controle da cabeça em decúbito ventral com apoio no antebraço, levando
à possibilidade de ganho da extensão do tronco e dos membros inferiores.

Figura 29 – Descarga parcial do peso nos membros superiores em decúbito ventral

Quarto mês de vida

Em decúbito dorsal, o bebê apresenta posição simétrica e começa a virar para a posição de decúbito
lateral (para os dois lados); consegue trazer as mãos à linha média, segurar um objeto e levá-lo à
boca. Ele mantém os membros inferiores em rotação externa, com flexão dos joelhos, mas consegue
estendê‑los, com tornozelos em dorsiflexão e dedos em flexão.

Em decúbito ventral, já consegue erguer a cabeça a 90 graus e se apoia nos antebraços com
estabilidade, favorecendo a extensão do tronco. Ainda não assume a postura sentada, apresentando
uma cifose do tronco acentuada. Ocorre um contato maior do bebê com o ambiente; percebe-se o choro
não só para satisfazer suas necessidades alimentares, mas também para interagir, caso não consiga o
que deseja do ambiente.

Quinto mês de vida

Com cinco meses, em decúbito dorsal, o bebê consegue adquirir a primeira troca postural, que é o
rolar para o decúbito ventral (o bebê é capaz de rolar). O tronco está simétrico e alinhado com a cabeça,
e ele realiza movimentos tanto de extensão quanto de flexão dos membros inferiores.

32
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Para explorar melhor o ambiente, prefere assumir a posição de decúbito ventral, conseguindo ter bom
apoio nos antebraços, e começa a transferir o peso de um lado para o outro, ou seja, consegue apoiar
o corpo em só um dos antebraços. Também consegue rodar a cabeça para os dois lados, observando
atentamente o ambiente.

Quando colocado na postura sentada, apresenta uma melhora no ganho da extensão do tronco por
pouco tempo, com bom controle da cabeça, mas ainda não é capaz de ficar sentado sem apoio.

O tônus muscular apresenta-se normal. A movimentação passiva e a maioria dos reflexos primitivos
já estão modulados.

Figura 30 – Troca postural (rolar)

Sexto mês de vida

O bebê consegue rolar com facilidade, preferindo ficar em decúbito ventral, e é capaz de elevar
bem a cabeça nessa postura. Consegue apoiar-se nos antebraços e começa a estender os cotovelos,
transferindo parcialmente o peso para as mãos.

Quando colocado na postura sentada, consegue manter-se por pouco tempo e, ao se deslocar para
frente, consegue apoiar-se nas mãos, surgindo assim a primeira reação de proteção, chamada de reação
de proteção anterior.

33
Unidade I

Figura 31 – Aquisição da postura sentada com apoio

Lembrete

O segundo trimestre de vida do bebê é marcado pela melhora do controle


de cabeça, normalização tônica e aquisição da primeira troca postural, o
rolar. A partir do sexto mês de vida, há o início da postura sentada, surgindo
a reação de proteção anterior.

Sétimo mês de vida

Em decúbito ventral, o bebê consegue erguer bem a cabeça e apoiar o seu peso nas mãos, o que
favorece o desprendimento do tronco e do quadril do solo, treinando para adquirir a próxima troca
postural, que é a postura de gato ou de quatro apoios.

Na postura sentada, apresenta bom controle anterior do tronco, mas ainda não apresenta
controle para os lados nem total extensão do tronco na postura sentada. Ainda realiza a preensão dos
objetos em garra.

Oitavo mês de vida

Nesta fase, o bebê já é capaz de adotar a postura de gato ou de quatro apoios e engatinhar, ainda
sem muita estabilidade. Também já permanece sentado com bom controle de tronco e cabeça, sendo
capaz de virar-se em torno do seu próprio eixo.

Apresenta reações posturais da cabeça sobre o corpo e do corpo no espaço. Quando na postura
sentada, se perde o equilíbrio para os lados, responde com a segunda reação de proteção, chamada de
reação de proteção lateral.

34
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Consegue bater palmas, faz movimento de dar “tchau” com a mão e começa a falar sílabas duplas,
imitar sons e estranhar pessoas desconhecidas.

Figura 32 – Aquisição da postura de quatro apoios ou postura de gato

Nono mês de vida

Nesta idade, a criança já se senta de forma estável e consegue se apoiar para frente e para os
lados com facilidade. Começa a levantar-se segurando em objetos (por exemplo, no berço, apoiada nos
móveis). Quando apoiada, começa a dar os primeiros passos.

Consegue engatinhar com muita rapidez e, quando fica em pé com apoio, faz flexão e extensão do
quadril e dos joelhos. Apresenta bom equilíbrio postural sentada. Indica figuras com o dedo e começa
a pegar objetos com preensão em pinça (entre o polegar e o indicador), realizando atividade mais finas
(motricidade fina em desenvolvimento).

Observação

No terceiro trimestre de vida, o bebê apresenta ganho do controle da


postura sentada, com bom equilíbrio anterior e para as laterais, e passa a
engatinhar e explorar mais o ambiente.

Décimo mês e décimo primeiro mês de vida

A criança já permanece sentada sozinha com bom equilíbrio, levanta-se para ficar em pé segurando
em objetos, mas já pode conseguir ficar em pé sem se apoiar. Consegue andar se segurando ao longo

35
Unidade I

dos móveis e passar para a postura de gato com bom equilíbrio. Quando perde o equilíbrio para trás,
responde com a terceira reação de proteção, chamada de reação de proteção posterior.

Começa a brincar de se esconder, ou seja, começa a brincar com os outros, e não apenas sozinha.

Figura 33 – Aquisição das posturas altas

Décimo segundo mês de vida

A criança consegue adotar a postura ortostática, sendo possível iniciar a troca de passos. Não apresenta
ainda equilíbrio em pé, e as que conseguem andar caminham com a base de apoio mais alargada.

Consegue falar poucas palavras com sentido (por exemplo: mamã, papá) e já percebe quando está
sendo elogiada ou repreendida.

Espera-se que até o décimo quinto mês essa criança seja capaz de andar de forma independente,
porém sem total equilíbrio.

Observação

Ao final do quarto trimestre de vida, é esperado que a criança tenha


controle tanto das posturas baixas (rolar, sentar e engatinhar) quanto das
posturas altas (ajoelhada, semiajoelhada e ortostase) e que, ao final do
primeiro ano, esteja pronta para adquirir a marcha.

36
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 34 – Aquisição de ortostatismo e marcha

Figura 35 – Início da marcha sem apoio

37
Unidade I

Figura 36 – Marcha independente

A habilidade motora manual também ocorre de forma gradual. O quadro a seguir resume os principais
indicadores relacionados ao desenvolvimento da função manual em crianças nos primeiros anos de vida.

Quadro 2 – Desenvolvimento da habilidade manual

Idade Indicador de desenvolvimento


1º mês Mãos comumente fechadas; presença do reflexo de preensão palmar
2º mês Abre e fecha as mãos espontaneamente
Descoberta das mãos; leva as mãos à boca; podem ocorrer as primeiras tentativas de alcance dos
3º mês objetos; transição entre a preensão reflexa e voluntária
Preensão voluntária, tipo cúbito palmar (envolvimento principalmente da região ulnar da palma da
4º mês mão, sem oponência do polegar); pega objetos e leva-os à boca
5º mês Preensão cúbito palmar
Preensão palmar simples ou de aperto; amplia a exploração dos objetos: bate, balança, puxa (com mais
6º mês intencionalidade) e transfere objetos de uma mão para outra
Preensão rádio-palmar, permitindo a pinça inferior (preensão fina); derruba os objetos voluntariamente;
7º mês segura pequenos objetos na palma da mão; consegue segurar um objeto em cada mão
8º mês Pinça inferior; inicia o soltar
Começa a aprender a dar o objeto quando solicitado; preensão rádio-digital ou em pinça superior;
9º mês segura pequenos objetos entre o polegar e dígito de outros dedos
10º mês Dissocia o movimento do indicador; retira e coloca objetos de um recipiente; inicia o uso do copo
11º mês Preensão digital
Realiza pinça fina (preensão entre o dígito do polegar e indicador); solta os objetos quando solicitado;
12º mês realiza encaixes amplos; lança a bola em uma direção
12 até 24 meses Segura o copo; inicia o uso da colher; empilha objetos
Consegue carregar um copo cheio de água sem derramá-lo; imita linhas e círculos; arremessa bola;
enfia contas grandes em um cordão; vira maçanetas em portas; vira uma página por vez de um livro;
24 até 36 meses manuseia brinquedos de encaixe por pressão; segura o lápis entre o polegar e o indicador, apoiando-o
sobre o dedo médio

Fonte: Brasil (2016, p. 65-66).

38
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 37 – Controle da motricidade grossa

Figura 38 – Treino de habilidade motora específica unilateral

Exemplo de aplicação

Se o bebê nascer prematuro, o terapeuta deverá corrigir sua idade gestacional para verificar em qual
estágio do desenvolvimento se encontra ou se já apresenta sinais de atraso do desenvolvimento motor.

Por exemplo: se o bebê for um prematuro de 32 semanas de gestação, devemos corrigir sua idade atual
descontando em torno de oito semanas (pensando em um período gestacional a termo de 40 semanas).

Vejamos o seguinte caso: você irá avaliar uma criança prematura de 32 semanas de gestação.
Atualmente, a criança está com 5 meses de vida, e, durante sua avaliação, notou-se que o bebê ainda
não consegue rolar e apresenta controle de cabeça por períodos curtos. Você poderia afirmar que esse
bebê apresenta um quadro de atraso motor?

39
Unidade I

Não, você não poderia realizar essa afirmação, uma vez que, se considerarmos a prematuridade
e dermos um desconto de oitos semanas (2 meses de vida intrauterina), esse bebê estaria se desenvolvendo
dentro do esperado.

2.2 Desenvolvimento de habilidades motoras finas e cognitivas

Agora que já vimos sobre a aquisição motora mês a mês do bebê, iremos falar sobre o desenvolvimento
de habilidades motoras finas e cognitivas. No primeiro ano de vida, o desenvolvimento cognitivo e motor
ocorrerão juntos, com predomínio de atividades sensório-motoras. As respostas reflexas primitivas darão
lugar ao controle voluntário do movimento, às habilidades motoras finas e à aquisição da linguagem. O
quadro a seguir expõe as principais aquisições cognitivas esperadas nesse período.

Quadro 3 – Desenvolvimento da habilidade cognitiva e de linguagem

Idade Indicadores de desenvolvimento


Atenta-se à face humana
Comunica-se pelo choro
1 mês
Reage a sons fortes com sustos e aquieta-se ao som da voz humana
Emite pequenos sons guturais
Fixa o olhar na face humana
Comunica-se pelo choro diferenciado
Mantém a atenção ao ouvir a voz humana
2 meses
Segue uma pessoa ou objeto com os olhos na linha média
Explora o mundo externo, com grande interesse por sons, contrastes visuais e luz
Apresenta sorriso social
Fixa o olhar em objetos
Reconhece o principal cuidador, inclusive a fala
Sorri a todos que se aproximam sorrindo
Produz sons nasais
Início de diferentes formações de choro (fome, birra, sono etc.)
3 meses Acalma-se quando se fala com ele
Descobre as mãos
Repete ações agradáveis (por exemplo, levar a mão à boca, brincar com os lábios)
Explora o que está em seu campo visual
Reage e procura a fonte sonora
Consegue segurar brinquedos por alguns segundos, quando colocados em suas mãos
Localiza a fonte sonora
Emite sons vocálicos
Reage quando é chamado pelo nome
Demonstra excitação quando o cuidador brinca com ele
4 meses Descobre os pés
É muito curioso, observa tudo com muita atenção
Explora os brinquedos, ocasionalmente levando-os à boca
Segue visualmente o objeto que cai
Reage ao desaparecimento da face (brincadeira esconde-achou)

40
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Idade Indicadores de desenvolvimento


A capacidade de atenção aumenta e já passa mais tempo em uma mesma atividade
Emite sons vocálicos diferenciados, expressando emoções (ri e solta gritos de alegria ao brincar)
5 meses
Usa movimentos do corpo e sons para chamar a atenção do outro (levanta o braço, segura com a mão)
Olha e pega tudo que está ao seu alcance, levando à boca propositalmente
Brinca na frente do espelho
Explora os objetos de modo variado (bate, aperta, balança)
Demonstra interesse por diversos brinquedos
Apresenta mais interesse por pessoas do que objetos
Balbucia, principalmente na presença do cuidador
6 a 9 meses Direciona o olhar a objetos desejados
Imita gestos ou brincadeiras a partir de modelo
Usa o corpo para atingir os seus objetivos e satisfazer a sua curiosidade (desloca-se no ambiente
para alcançar brinquedos)
Reconhece pessoas familiares, apresentando estranhamento ao novo
Coordena a atenção entre um parceiro social e um objeto de interesse mútuo (atenção triádica)
Quando vê um objeto desaparecer, procura-o mesmo escondido (noção de permanência do objeto)
Produz sons consonantais (“dadada”)
Executa gestos a partir de modelos (dar “tchau”, bater palmas)
9 a 12 meses Entende solicitações simples associadas a gestos (“me dá”, “pega”, “cadê a mamãe?”)
Age intencionalmente (deixa cair objetos de propósito)
Responde ao próprio nome
Executa gestos a pedido sem modelo (mandar beijo, balançar a cabeça)
Surgem as primeiras palavras de duas sílabas
Usa jargão
Entende o “não”
Busca um objeto escondido, certo de que ele está em algum lugar
12 a 18 meses Repete gestos ou atitudes que provocaram risadas
Gosta de jogos de ação e reação (causa e efeito)
Distancia-se da mãe sem perdê-la de vista
Aponta objetos desejados
Direciona a atenção do outro
Explora os brinquedos de modo amplo, descobrindo seus atributos e funções

Fonte: Brasil (2016, p. 72-74).

2.3 Prematuridade

O desenvolvimento de recém-nascidos pré-termo é influenciado pela idade gestacional, pelo peso


ao nascimento e por fatores de risco associados às condições do nascimento. Com os avanços na área
médica, as taxas de sobrevivência de prematuros aumentaram de forma considerável, porém devemos
considerar que eles apresentam um risco maior de ter problemas no desenvolvimento neuropsicomotor
quando comparados a bebês nascidos a termo.

41
Unidade I

Figura 39 – Bebê prematuro (cuidados especiais)

A incidência da prematuridade varia de acordo com o país ou a região, relacionando-se diretamente


com as condições socioeconômicas da população. Os países desenvolvidos apresentam uma incidência
de prematuridade inferior quando comparados, por exemplo, com a América Latina: enquanto em países
desenvolvidos a incidência de prematuridade é de 6% a 8%, na América Latina ela varia de 10% a 40%.

O recém-nascido (RN) é classificado de acordo com a idade gestacional (IG) e com o peso ao nascer.

Vejamos, a seguir, alguns conceitos importantes:

• Idade gestacional (IG): duração da gestação medida a partir do primeiro dia do último período
menstrual normal, sendo expressa em dias ou semanas completas.

• RN pré-termo: menos de 37 semanas completas (menos de 259 dias) de gestação.

• RN a termo: de 37 semanas a menos de 42 semanas completas (259 a 293 dias) de gestação.

• RN pós-termo: 42 semanas completas ou mais (294 dias) de gestação.

Em relação ao peso ao nascimento, o RN é classificado como:

• RN com excesso de peso: acima de 4.000 gramas.

• RN com peso ideal: de 2.600 até 3.600 gramas.

• RN com baixo peso ao nascer: menos de 2.500 gramas.

• RN com muito baixo peso ao nascer: menos de 1.500 gramas.

• RN com peso extremamente baixo ao nascer: menos 1.000 gramas.

42
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Para o cálculo da IG, é necessário que a gestante saiba a data da última menstruação, além de
realizar o exame de ultrassonografia.

Diversos fatores podem contribuir para um parto prematuro, tais como: gestação gemelar, má-formação
uterina, idade materna avançada, abuso de drogas, entre outros.

A assistência adequada ao neonato prematuro deve contar com a presença de uma equipe
especializada, capaz de realizar, se necessário, manobras de reanimação e evitar hipotermia, quadros de
hipóxia ou de anóxia.

Devemos nos atentar para uma avaliação adequada desses prematuros ainda no período de internação
hospitalar e, a longo prazo, com o intuito de identificar possíveis alterações motoras e cognitivas.

No quadro a seguir, são apresentadas as principais complicações que podem ocorrer no RN pré-termo.

Quadro 4 – Principais complicações que ocorrem no RN prematuro

Ocorre devido à imaturidade pulmonar associada à


má adaptação do RN no meio extrauterino e pela
Síndrome do desconforto imaturidade de múltiplos órgãos.
respiratório (SDR) Imaturidade pulmonar: deficiência da surfactante
alveolar, desenvolvimento incompleto do parênquima
pulmonar e complacência aumentada da caixa torácica.
Pausa respiratória superior a 20 segundos acompanhada
Apneia da prematuridade de bradicardia ou cianose, decorrente da imaturidade do
centro respiratório.

Persistência do canal Pode levar a insuficiência cardíaca, edema com


arterial (PCA) hemorragia pulmonar, hipoxemia, diminuição da
perfusão periférica etc.
Devido à deficiência da imunidade específica, pode
Infecções apresentar conjuntivite, meningite e até sepse (infecção
generalizada).
Queda da taxa de hemoglobina devido à incapacidade
renal de produzir eritropoietina de forma adequada.
Anemia da prematuridade Manifesta-se com quadro de palidez, bradicardia ou
taquicardia, taquipneia ou apneia e diminuição da
atividade motora.

Distúrbios metabólicos Pode apresentar hipoglicemia ou hiperglicemia e


hipocalcemia.
Osteopenia do prematuro Caracterizada pela hipomineralização da matriz óssea.
Hemorragia Complicação neurológica com extravasamento
intraperiventricular (HIPV) sanguíneo intracraniano.
Leucomalácia Necrose da substância branca ao redor dos ventrículos
periventricular laterais.

43
Unidade I

Figura 40 – Cuidados especiais na prematuridade

2.4 Escalas padronizadas de avaliação

Ao longo dos anos, foram desenvolvidas algumas avaliações de triagem para verificar o
desenvolvimento motor desses bebês, detectando precocemente possíveis sequelas e favorecendo
o atendimento mais precoce. A seguir, abordaremos as principais escalas utilizadas nessas avaliações.

Test of Infant Motor Performance (Timp)

Trata-se da avaliação de postura e do movimento infantil, que pode ser utilizada com RN de 32 semanas
de idade gestacional até quatro meses de idade corrigida. Avalia a qualidade do movimento, o controle e
alinhamento postural, o equilíbrio e a coordenação de acordo com a evolução do controle da cabeça
e do tronco, supino e posições verticais. É um dos testes mais sensíveis às mudanças ocorridas na
coordenação motora de acordo com a idade em crianças bem pequenas.

44
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Saiba mais

Para saber mais, acesse o site:

https://www.infantmotortest.com/

Alberta Infant Motor Scales (Aims)

Tem como objetivo avaliar as aquisições motoras de crianças até os 18 meses de idade. Através
de avaliação observacional, discrimina e avalia os componentes do desenvolvimento na tentativa de
identificar bebês cujo desenvolvimento motor esteja atrasado e medir esse desempenho através do tempo.

Saiba mais

Para saber mais, leia:

SACCANI, R. Validação da Alberta Infant Motor Scale para aplicação


no Brasil: análise do desenvolvimento motor e fatores de risco para atraso
em crianças de 0 a 18 meses. 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências
do Movimento Humano) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2009. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/
handle/10183/18975/000733746.pdf. Acesso em: 11 nov. 2020.

Motor Assesment of the Developmental Infant (Mai)

Esse teste destina-se a avaliar o desenvolvimento motor de crianças de até um ano de idade que
apresentam alto risco para distúrbios motores, como contribuição para o estabelecimento da base para a
intervenção precoce. Tem como objetivo também monitorar os efeitos do programa de reabilitação,
estabelecer critérios para a intervenção terapêutica e fornecer suporte para a pesquisa como instrumento
de avaliação.

General Movements (GM)

Escala proposta por Prechtl e Beintema (PRECHTL, 1977) que se constitui em um exame neurológico
utilizado para a avaliação do RN a fim de detectar precocemente sinais neurológicos anormais no
período neonatal. Consiste na observação e classificação dos movimentos espontâneos que o bebê
apresenta na posição supina. Prechtl e Beintema (1977) identificaram e descreveram os padrões motores
dos movimentos característicos dos neonatos, que se transformam à medida que o bebê amadurece.
É uma avaliação quantitativa, e não invasiva, que demonstra ser eficaz para a detecção precoce de
anormalidades a partir dos três meses de idade.

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Unidade I

Pediatric Evaluation Disability Inventary (PEDI)

Este instrumento é utilizado para descobrir déficits funcionais, acompanhar progressos e analisar o
resultado de intervenções. A PEDI é um instrumento de avaliação infantil que caracteriza o desempenho
funcional de crianças com idade cronológica entre 6 meses e 7 anos e 6 meses. Porém, pode ser
utilizada quando – apesar da idade cronológica ser superior ao limite indicado – o indivíduo apresentar
desempenho funcional condizente com essa faixa etária, com o objetivo de acompanhamento evolutivo
da criança.

3 PARALISIA CEREBRAL

Agora que estudamos sobre o desenvolvimento humano intrauterino e extrauterino típicos, vamos
abordar algumas doenças, patologias ou condições que encontramos bastante na prática clínica,
começando por uma das mais vistas: a paralisia cerebral (PC).

3.1 Introdução

Como vimos, os primeiros anos de vida da criança são caracterizados como um período no qual
ocorrem a maturação neurológica e aquisição das habilidades motoras, permitindo a constante
aquisição de habilidades funcionais, independência e capacidade de adaptar-se ao ambiente.

Contudo, durante o desenvolvimento infantil, podem ocorrer lesões neurológicas ou a existência


de síndromes genéticas que comprometam o desenvolvimento, acarretando no surgimento de
desordens neuromotoras.

É importante que você saiba reconhecer essas alterações, e, por isso, iniciaremos o estudo da desordem
motora mais frequente na infância, que é a PC.

A PC é responsável por prejudicar o desempenho funcional da criança devido aos comprometimentos


motores, os quais estão diretamente relacionados com as áreas de lesão encefálica. O fisioterapeuta
deve estar apto a reconhecer os diferentes quadros clínicos, seu prognóstico e as principais complicações
associadas, com o intuito de reabilitar o paciente.

3.2 Considerações gerais

O termo “paralisia cerebral” ou “encefalopatia crônica não progressiva” (ECNP) é utilizado para descrever
um grupo de distúrbios do desenvolvimento do movimento e da postura, que levam a incapacidades
funcionais devido a lesões encefálicas durante o desenvolvimento fetal ou infantil. As alterações motoras
geralmente estão associadas a distúrbios sensoriais, cognitivos, comportamentais, perceptuais, da
comunicação, além de quadros convulsivos, e podem causar prejuízos musculoesqueléticos secundários.

Geralmente, o termo ECNP não é utilizado, embora seja o mais correto. Se considerarmos o termo PC,
seu sentido literal seria similar ao termo “morte encefálica” (ou que o cérebro “parou”); já “encefalopatia

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FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

crônica não progressiva ou não evolutiva” seria mais correto, uma vez que se refere a lesões encefálicas
de caráter não progressivo, ou seja, a área da lesão não irá aumentar, e ocorre durante o desenvolvimento
intrauterino ou nos primeiros anos do desenvolvimento pós-natal.

Porém, o termo PC é de domínio da maioria da população e, por conveniência, é o mais utilizado,


lembrando que o paciente e os cuidadores devem ser bem informados a respeito de qualquer doença
ou processo patológico.

A PC foi descrita pela primeira vez em 1843 pelo médico ortopedista inglês William John Little, que
relatou o caso de 47 crianças com quadro de hipertonia elástica nos membros inferiores. Posteriormente,
ainda no século XIX, Freud relatou que alterações durante o nascimento poderiam ser a causa real da
lesão, introduzindo assim o termo PC.

Considera-se que a PC pode ser causada ainda no período pré-natal ou durante o desenvolvimento
infantil. Não há um consenso de qual o limite de idade para ser dado o diagnóstico de PC, mas a maioria
dos autores considera desde o período pré-natal até os 2 anos de idade, embora alguns considerem até
os 5 anos de idade.

Em relação ao fator etiológico da PC, não é possível determinar a causa específica da lesão, porém
existem diversos fatores de risco para esse tipo de paralisia, os quais podem ser identificados durante o
período gestacional (fatores de risco pré-natais), durante o processo do parto (fatores de risco perinatais)
e após o nascimento até os primeiros anos de vida da criança (fatores de risco pós-natais).

Devemos considerar também que, mesmo na presença de um ou mais fatores de risco para a PC, não
podemos afirmar que essa criança terá lesões neurológicas. Por exemplo: se um bebê nascer prematuro
e de baixo peso gestacional, não significa que ele terá PC, e sim que se trata de um bebê de maior risco
para lesão encefálica.

O conhecimento e a identificação desses fatores de risco são importantes para estabelecer o


tratamento precoce e adequado desses bebês. Os mecanismos da lesão encefálica podem ser causados
por processos hemorrágicos e hipóxico (isquêmicos, infecciosos, traumáticos, entre outros).

Um dos eventos que levam ao comprometimento cerebral é a diminuição da oxigenação devido a um


quadro de hipoxemia (diminuição da concentração de oxigênio no sangue) ou de isquemia (diminuição
da perfusão de sangue no encéfalo). No período neonatal, podem ocorrer associados quadros de
hipoxemia e de isquemia, caracterizando o quadro de encefalopatia hipóxico-isquêmica.

Durante o período gestacional, algumas áreas cerebrais são mais suscetíveis a lesões do que outras.
Por exemplo: a substância branca periventricular apresenta maior vulnerabilidade no período entre
26 e 34 semanas de gestação, e, portanto, uma lesão dessa área nesse período pode ocasionar um
quadro chamado de leucomalácia periventricular.

47
Unidade I

No quadro a seguir, são descritos possíveis fatores de risco para PC, divididos em período pré, peri e
pós-natal, para melhor entendimento.

Quadro 5 – Fatores de risco para PC

Fatores pré-natais Fatores perinatais Fatores pós-natais


Gestação gemelar Septicemia
Doenças metabólicas (diabetes, Complicações obstétricas Desnutrição
desnutrição) Prematuridade (antes de Crises convulsivas
Fatores tóxicos (medicamentos, 37 semanas de gestação)
drogas, álcool, tabagismo) Meningoencefalites virais e
Baixo peso gestacional bacterianas
Exposição à radiação (menos de 2.500 kg)
Anóxia/hipóxia
Infecções (TORSCHA) Distúrbio metabólico
Parto prolongado Intoxicações
Abortos prévios
Maus-tratos
Hipertensão arterial (pré-eclâmpsia Apresentação fetal anômala
e eclâmpsia) Afogamento
Nota do índice de Apgar
Alterações placentárias Icterícia

Como podemos observar no quadro anterior, nos fatores de risco pré-natais, há um grupo de
infecções materno-fetais (ultrapassam a barreira placentária) que podem ser associadas a PC. A sigla
TORSCHA é formada a partir da junção das iniciais dessas patologias, que são, respectivamente,
toxoplasmose, rubéola, sífilis, citomegalovírus, herpes, aids e, atualmente, tem-se acrescentado a letra Z,
devido aos casos de microcefalia causados pelo Zika vírus (TORSCHA + Z). Antes de engravidar ou durante
o pré‑natal, o médico deve solicitar a realização de testes sorológicos específicos e de pesquisa de
vírus para excluir a presença de patologias ou oferecer o tratamento adequado durante a gestação.

As infecções materno-fetais serão brevemente descritas a seguir, com o intuito de associarmos a


presença da infecção a possíveis lesões encefálicas. Devemos ressaltar que, em determinados períodos
da gestação, há uma maior suscetibilidade de essas infecções ultrapassarem a barreira placentária,
causando prejuízos neurológicos ao feto.

Vamos começar pelas duas primeiras letras da sigla que vimos, ou seja, falaremos sobre a toxoplasmose.

A toxoplasmose é causada pelo protozoário Toxoplasma gondii (T. gondii), é mais prevalente em
países de clima tropical, com maior incidência nos níveis socioeconômicos mais baixos, com piores
condições higiênico-sanitárias. Em casos de infecção primária (fase aguda) durante a gestação ou em
casos de mulheres imunodeprimidas com ativação infecciosa, pode ocorrer o acometimento fetal.

Se o feto for infectado, poderá ocorrer o quadro da tétrade da toxoplasmose congênita clássica,
caracterizada por coriorretinite, hidrocefalia ou microcefalia, calcificações cerebrais e alteração neurológica.
Outras complicações incluem o risco de aborto fetal, parto prematuro, déficit do desenvolvimento
neurocognitivo do bebê, entre outros. As lesões do SNC de pacientes com toxoplasmose são caracterizadas
por necrose significativa e inflamação circundante. As áreas necróticas podem calcificar e levar a
achados radiológicos sugestivos da lesão causada pelo toxoplasma.

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FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

A toxoplasmose congênita fetal pode levar ao óbito do feto. O exame de ultrassonografia pode
mostrar áreas de calcificações cerebrais ou hepáticas, sinais de hidrocefalia, esplenomegalia, ascite e
pericardite. Já o neonato pode apresentar sinais como coriorretinite, estrabismo, encefalite, convulsões,
microcefalia ou hidrocefalia e atraso no desenvolvimento motor.

A rubéola, também conhecida como sarampo alemão, é uma doença viral aguda, causada pelo
vírus de RNA, e é transmitida de pessoa a pessoa através da propagação de gotículas de secreções
respiratórias de pessoas infectadas. O vírus da rubéola pode infectar a placenta da gestante, podendo
infectar o feto.

A síndrome da rubéola congênita é transmitida pela via transplacentária, após viremia materna.
Trata-se, portanto, de uma doença congênita, e, quanto mais precoce for a infecção em relação à
IG, mais grave será a doença. A infecção materna pode levar ao aborto, à morte fetal ou a anomalias
congênitas, tais como catarata, glaucoma e surdez. A vacinação é a forma de prevenção da doença,
interrompendo assim a transmissão do vírus.

As consequências da rubéola são mais sérias se a infecção ocorrer no primeiro trimestre da gravidez.
As complicações abrangem o risco de aborto espontâneo, morte fetal ou múltiplas alterações sistêmicas,
que incluem catarata, microftalmia, perda auditiva, estenose arterial pulmonar, microcefalia e atraso do
desenvolvimento motor.

Saiba mais
A rubéola e a síndrome da rubéola congênita (SRC) são doenças de
notificação compulsória no Brasil desde 1996. No entanto, a partir de 1999,
a vigilância epidemiológica integrada de sarampo e rubéola foi implementada,
com o intuito de atingir a meta de eliminação do sarampo no país. Assim,
essa vigilância tornou-se mais sensível com o monitoramento da circulação
do vírus da rubéola.
Para saber mais sobre o assunto, leia:
COSTA, F. A. et al. Síndrome da Rubéola Congênita: revisão de literatura.
Revista de Medicina e Saúde de Brasília, v. 2, n. 1, 2013. Disponível em:
https://portalrevistas.ucb.br/index.php/rmsbr/article/view/3895. Acesso
em: 26 nov. 2020.

A sífilis é uma doença crônica infecciosa causada pela bactéria Treponema pallidum, geralmente
adquirida pelo contato sexual com outro indivíduo infectado. Ela é mais comum nas grandes cidades e
em indivíduos jovens e sexualmente ativos.

A sífilis congênita resulta da disseminação hematogênica transplacentária da mãe para o feto, sendo
um grave problema de saúde pública responsável por altos índices de morbimortalidade intrauterina.

49
Unidade I

A detecção no período gestacional é importante para diminuir a incidência de complicações secundárias,


tais como baixo peso ao nascimento, parto prematuro e óbito do neonato.

O risco de infecção fetal é maior nas fases iniciais da sífilis materna não tratada, e o tratamento
adequado e precoce da mãe pode evitar a doença clínica no neonato, mas o neonato infectado, ao nascer,
pode ser normal do ponto de vista clínico. As manifestações clínicas que o neonato pode apresentar
incluem hepatoesplenomegalia, icterícia, déficit auditivo e arqueamento das tíbias.

Saiba mais

A infecção por sífilis pode não apenas colocar em risco a saúde do


adulto, mas também ser transmitida para o bebê durante a gestação. O
acompanhamento das gestantes e parcerias sexuais durante o pré-natal
previne a sífilis congênita e é fundamental. Para entender melhor, leia:

BRASIL. Ministério da Saúde. Sífilis: o que é, sintomas, tratamento e


prevenção. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: http://saude.
gov.br/saude-de-a-z/sifilis. Acesso em: 11 nov. 2020.

O Citomegalovírus (CMV) humano é causado pelo beta-herpes-vírus e pode ser transmitido pelo
contato interpessoal com fluidos corporais infectados (saliva, sangue, urina e secreções genitais).
A transmissão placentária pode ocorrer por infecção materna primária ou secundária (reativação viral
ou exposição a nova cepa do vírus). O feto pode ser gravemente acometido, surgindo sintomas de
icterícia, hepatoesplenomegalia, anomalias no SNC e diminuição do desenvolvimento fetal.

A infecção congênita pelo herpes-vírus pode ocorrer na fase intrauterina, durante o parto ou no
pós-parto, e o neonato poderá apresentar sintomas de infecção de pele, olhos e boca, infecção do
SNC, entre outros.

A transmissão materno-infantil do HIV pode ocorrer da mãe para o bebê pela sua exposição
durante o período gestacional, durante o parto ou pelo aleitamento, sendo necessário adotar medidas
preventivas, como o uso de antirretrovirais pela gestante e pelo neonato – é contraindicado o
aleitamento materno –, para diminuir a ocorrência da transmissão.

Como vocês devem lembrar, em novembro de 2015 ocorreu uma epidemia de bebês microcefálicos
no Brasil, o que foi atribuído à infecção congênita pelo Zika vírus, levantando a possibilidade dessa
infecção provocar diversas lesões neurológicas nos RN. Pouco se sabe ainda em relação à patogênese
da infecção pelo Zika vírus, mas acredita-se que o vírus se replica nas células dendríticas.

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FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 41 – Microcefalia associada ao Zika vírus

Figura 42 – Microcefalia congênita associada à infecção do Zika vírus

Figura 43 – Microcefalia

51
Unidade I

Saiba mais
Para complementar seus estudos, leia os artigos a seguir:
OESER, C.; LADHANI, S. An update on Zika Virus and Congenital Zika
Syndrome. Paediatrics and Child Health, v. 29, n. 1, p. 34-37, 2018.
FRANÇA, G. V. et al. Congenital Zika virus syndrome in Brazil: a case
series of the first 1501 livebirths with complete investigation. The Lancet, v.
388, n. 10.047, p. 891-897, 2016.

Durante o período pós-natal, podem ser adquiridas lesões no SNC, algumas vezes relacionadas a
casos de violência, como aqueles em que a criança é vítima de maus-tratos (síndrome do bebê sacudido),
ou casos de afogamento, infecções por meningite bacteriana, intoxicação, entre outros.

Um quadro relativamente comum apresentado pelo bebê é a icterícia neonatal, uma vez que a
função hepática para conjugação e excreção da bilirrubina não amadurece completamente até cerca
de duas semanas de idade. Quase todo RN desenvolve uma hiperbilirrubinemia não conjugada leve
e transitória, porém esta pode ser exacerbada com a amamentação, devendo ser tratada para evitar
quadros de hepatite neonatal. O tratamento preconizado é a fototerapia.

Lembrete
A hiperbilirrubinemia do RN surge nos primeiros dias de vida,
sendo causada pelo acúmulo de bilirrubina no sangue, deixando a pele
amarelada (ictérico).

A PC não é uma doença de notificação compulsória, e, portanto, no Brasil, não temos dados
relacionados a sua incidência e prevalência. Em países desenvolvidos, considera-se uma prevalência
entre 1,5 e 2,5 casos por 1.000 nascidos vivos; já em países em desenvolvimento, como o Brasil, a
prevalência chega a 7 por 1.000 nascidos vivos. As condições de assistência neonatal podem ser
diretamente relacionadas à incidência de PC como causa pré-natal, e as condições socioeconômicas
às causas pós-natais.

Os indivíduos com PC apresentam incapacidades variadas, que afetam o desenvolvimento


motor e postural e, consequentemente, seu desempenho funcional. Portanto, o diagnóstico da PC é
prioritariamente clínico.

Durante a anamnese, deve ser questionado a respeito de possíveis fatores de risco para PC. Durante
a avaliação física, o terapeuta deve procurar por sinais clínicos que levem à suspeita de PC, tais como:
persistência de reflexos primitivos que deveriam ter sido modulados durante o desenvolvimento infantil;
atraso na aquisição das etapas do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM); presença de movimentos
anormais; alterações do tônus muscular e ausência de reações de proteção e endireitamento.
52
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

3.3 Diagnóstico e classificação

O diagnóstico da PC será baseado na anamnese coletada com os cuidadores, na avaliação clínica, nas
manifestações motoras apresentadas e nos exames de imagem radiológica.

Nos casos mais severos, associados, por exemplo, a más-formações do SNC, como ocorre na
microcefalia, ou nos casos de prematuridade associada ao sofrimento fetal agudo, o diagnóstico pode
ser mais facilmente estabelecido ainda nos primeiros meses de vida do bebê.

Por outro lado, nos casos menos severos de acometimento do SNC, o diagnóstico da PC pode ser
mais tardio, uma vez que as manifestações clínicas podem demorar a ser observadas.

Devemos sempre considerar as queixas apresentadas pelos pais e cuidadores, pois eles são, na maioria
das vezes, os primeiros a perceberem alterações e atrasos no desenvolvimento motor. É frequente
ouvirmos relatos de mães que perceberam precocemente o atraso motor de seu filho, principalmente
por compará-lo com outras crianças ou com seus outros filhos.

Exames complementares de neuroimagem (tomografia computadorizada, ressonância nuclear


magnética, ultrassonografia transfontanela) são utilizados para avaliar a possível extensão da lesão.
Se o paciente apresenta crises convulsivas, é realizado o exame de eletroencefalografia (EEG) para verificar
o tipo de alteração. Recomenda-se ainda a avaliação auditiva, visual e cognitiva com profissionais
especializados, para verificar outras possíveis alterações.

O exame de radiografia simples de crânio possibilita o estudo de alterações da forma do crânio,


aspectos das suturas cranianas, depressões da calota craniana devido à presença de cisto aracnídeo,
além de linhas de fraturas, que podem auxiliar na identificação de possíveis traumas sofridos pelo
bebê ou pela criança. Por outro lado, a radiografia simples de crânio não mostra possíveis lesões
encefálicas ou alterações de vascularização, não sendo, por isso, o exame de maior relevância no
diagnóstico da PC.

O exame de ultrassonografia (USG) fetal é um exame não invasivo, de baixo custo, que contribui para
diagnosticar más-formações do SNC. Já a USG transfontanela pode ser solicitada em casos de investigação
de crescimento anormal do perímetro cefálico (microcefalia, macrocefalia, hidrocefalia). Trata-se de um
exame que não utiliza radiação ionizante, é menos invasivo, e o aparelho é de fácil manuseio e pode ser
levado até o neonato. Ao realizar o exame, o médico pode identificar más-formações do SNC, tais como
agenesias do corpo caloso, cistos aracnoideos, encefaloceles, lissencefalias, hidrocefalias, entre outras.

Observação

O termo “agenesia do corpo caloso” refere-se à ausência do corpo


caloso. A encefalocele é caracterizada quando ocorre a herniação do tecido
encefálico e das meninges por aberturas cranianas. E, na lissencefalia,
ocorre diminuição ou ausência dos giros encefálicos (cérebro liso).
53
Unidade I

O exame de tomografia computadorizada (TC) do crânio pode detectar lesões encefálicas, aumento
do sistema ventricular, más-formações encefálicas e lesões de origem vascular.

O exame de ressonância nuclear magnética (RNM) consegue precisar melhor possíveis áreas de lesão
ou de má-formação, principalmente lesões corticais.

O EEG pode ser solicitado para a verificação de quadros de crises convulsivas, enquanto o exame de
audiometria do tronco cerebral (BERA) pode ser solicitado para verificar a integridade das vias auditivas.

Durante a anamnese, o examinador deve coletar os dados referentes à história da doença, seguindo
uma ordem cronológica e questionando desde o planejamento da gestação: se realizou acompanhamento
gestacional adequado, se teve abortos prévios (espontâneos ou induzidos) e/ou complicações que
possam ter ocorrido durante o período gestacional (infecções, traumas, doenças metabólicas etc.).

Em seguida, deve-se questionar a respeito de: trabalho de parto, tempo gestacional (prematuridade,
gestação a termo, gestação pós-termo), tipo de parto (cesárea, parto normal, uso de fórceps), tempo
de duração do trabalho de parto, nota do índice do Apgar no primeiro e quinto minutos, peso do bebê
ao nascimento e possíveis complicações perinatais – por exemplo, desconforto respiratório do neonato,
necessidade de intubação orotraqueal e crises convulsivas.

O índice de Apgar é uma escala desenvolvida pela médica norte-americana Virginia Apgar
que consiste na avaliação por um pediatra ou médico neonatologista de cinco sinais objetivos do
RN. Avalia-se o estado geral, e é realizado no primeiro e quinto minutos após o nascimento, sendo
considerados a atividade do bebê, a frequência cardíaca, a coloração cutânea, a frequência respiratória
e os reflexos do bebê.

E você, sabe qual foi o seu índice de Apgar ao nascimento? Veja o quadro a seguir para entender melhor.

Quadro 6 – Índice de Apgar (scores)

Pontos 0 1 2
Frequência cardíaca Ausente < 100 por minuto > 100 por minuto
Respiração Ausente Fraca e irregular Choro forte
Tônus muscular Flácido Flexão de pernas e braços Movimento ativo
Coloração Cianótico ou pálido Cianose de extremidades Rosado
Irritabilidade reflexa Ausente Algum movimento Choro

Na interpretação dos scores do índice do Apgar, valores de 7 a 10 pontos indicam uma criança sadia
que, provavelmente, não apresentará sequelas futuras. Já o índice inferior a 7 pontos é um sinal de
alerta para possíveis alterações neurológicas.

54
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

No período pós-natal, deve-se questionar o tempo necessário de internação do neonato: se fez


fototerapia (casos de icterícia), se precisou ficar em ventilação mecânica (por quanto tempo) e se teve
quadro de parada cardiorrespiratória ou infecções pulmonares.

Deve-se também questionar quando os cuidadores perceberam possíveis alterações, quais foram
essas alterações e quais medidas foram tomadas – por exemplo, consultas médicas realizadas, exames
solicitados e procedimentos cirúrgicos.

Durante a coleta da história do paciente, é importante lembrar que a PC é um distúrbio motor não
progressivo, e, portanto, se for relatada uma piora progressiva do quadro apresentado, deve-se avaliar
se é uma patologia progressiva ou degenerativa. Existe um grande grupo de encefalopatias crônicas
progressivas, nas quais há uma piora motora e clínica do paciente. Um exemplo dessas patologias é a
doença de Pelizaeus-Merzbacher (PMD), que se manifesta nos primeiros meses de vida do bebê, com
quadro de hipotonia, e depois é progressivamente substituída por sinais de espasticidade, prejuízo
motor e cognitivo.

Saiba mais

Recomendamos que você assista ao filme a seguir, que retrata o caso de


um garoto com encefalopatia crônica progressiva (adrenoleucodistrofia),
para entender a diferença da evolução clínica da doença progressiva.

O ÓLEO de Lorenzo. Diretor: George Miller. EUA: 1992. 129 minutos.

Lembrete

O diagnóstico da PC baseia-se em: atraso na aquisição das etapas do


desenvolvimento motor esperado para a idade cronológica da criança;
persistência de reflexos primitivos e ausência de reflexos de proteção;
alterações do tônus muscular e da postura.

Alguns sinais de alerta para a presença de lesão neurológica podem ser precocemente observados
pelo examinador. A seguir, serão apresentados alguns itens que devem ser avaliados para auxiliar o
diagnóstico de possíveis distúrbios neurológicos.

O pediatra irá avaliar a medida do perímetro cefálico, verificando o crescimento adequado do


perímetro cefálico e excluindo casos, por exemplo, de microcefalia ou de macrocefalia. Podem ainda
ocorrer casos de anormalidades, como o fechamento precoce da fontanela anterior (cranioestenose),
que pode levar a alterações neurológicas.

55
Unidade I

Serão avaliadas também a evolução e aquisição das etapas do desenvolvimento motor ou sinais de
lesão associada, que incluem quadros de estrabismo, irritabilidade, distúrbios do sono, pobre resposta
motora, entre outros.

A classificação da PC é realizada seguindo dois princípios, que são a área da lesão encefálica e a área
corporal acometida (topográfica). De acordo com a área da lesão encefálica, o PC pode ser espástico ou
piramidal, discinético ou extrapiramidal, atáxico, misto e, menos comum, tipo flácido ou hipotônico. Já
de acordo com a área corporal afetada, ele pode ser tetraparético, diparético, hemiparético e, em casos
menos comuns, utilizam-se os termos “triparético” e “monoparético”.

A seguir, serão apresentados os tipos de PC de acordo com a classificação pela área da lesão e pelo
acometimento corporal.

O PC espástico – mais antigamente chamado de piramidal – é, sem dúvidas, o tipo mais frequente.
Caracteriza-se pelo quadro de liberação piramidal, ou seja, lesões que afetam o neurônio motor superior
e levam ao quadro patológico de espasticidade, a qual é caracterizada por sinais clínicos de exacerbação
dos reflexos osteotendinosos, aumento do tônus muscular (hipertonia elástica ou espástica), clônus e
sinal de Babinski positivo (reflexo cutâneo plantar em extensão).

No PC espástico, a hipertonia elástica predomina em certos grupos musculares (músculos flexores


do membros superiores e extensores dos membros inferiores). Esse aumento do tônus muscular
é caracterizado por ser velocidade-dependente, ou seja, ao realizar o estiramento do músculo de
forma passiva e lenta, ele cede a mobilização; porém, se for feito o mesmo movimento de forma
rápida e abrupta, ocorre a contração reflexa do músculo estirado, caracterizando o aumento do
tônus muscular. Durante a mobilização, há uma grande resistência muscular e uma movimentação
passiva no início do movimento, que cede após algum esforço, lembrando a abertura de um canivete
(sinal do canivete).

O grau da hipertonia muscular é avaliado por meio da escala de Ashworth modificada, a qual será
descrita no quadro seguir.

Quadro 7 – Escala de Ashworth modificada

Grau 1 Aumento do tônus muscular no início ou no final do arco de movimento

Grau 1+ Aumento do tônus muscular em menos da metade do arco de movimento, manifestado


por tensão abrupta e seguido por resistência mínima
Grau 2 Aumento do tônus muscular em mais da metade do arco de movimento
Grau 3 Membro mantido em flexão ou extensão, movido com dificuldade
Grau 4 Parte do membro rígida em flexão ou extensão

Fonte: Luvizutto e Gameiro (2011, p. 707).

56
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

A PC discinética ou extrapiramidal ocorre nas lesões que afetam os núcleos da base (corpo estriado,
substância negra e núcleo subtalâmico), sendo caracterizada pela presença de movimentos involuntários,
que podem ser subdivididos em movimentos atetoides, coreicos ou distônicos.

Os movimentos atetoides estão presentes nas extremidades dos membros, são mais distais, lentos
e vermiformes (parecem movimentos de vermes se deslocando). Os movimentos coreicos são mais
proximais e ocorrem de forma rápida. Já os movimentos distônicos são movimentos em torção, que
levam a uma dificuldade em manter a postura. Sabe-se que lesões do núcleo caudado e do putâmen
provocam hipercinesia (coreoatetoide).

Os movimentos involuntários caracterizam-se por diminuir durante o sono e se intensificar com a


irritabilidade e o choro, ou quando a criança tenta realizar o ato motor voluntário. A presença desses
movimentos involuntários ocorre geralmente de forma simétrica nos membros e na face. Afeta também
o controle dos órgãos fonoarticulatórios, o que ocasiona alterações no ritmo e no volume da voz.
Geralmente, a parte intelectual e cognitiva é pouco afetada (inteligência normal).

A seguir, são caracterizados os movimentos involuntários presentes na PC discinética:

• Atetoide: movimentos involuntários presentes nas extremidades, lentos, serpenteantes (aparecem


durante a execução do movimento voluntário).

• Coreico: movimentos involuntários presentes nas áreas proximais dos membros, rápidos
(dificultam a execução do movimento voluntário).

• Distônico: movimentos atetoides mantidos, com posturas fixas, podem se modificar (parecem
movimentos em torção).

A PC atáxica ocorre nas lesões cerebelares, é uma das formas mais raras e pode acontecer, por exemplo,
em casos de hipoplasia do cerebelo (não desenvolvimento adequado do cerebelo). É caracterizada por
movimentos incoordenados durante o movimento voluntário, dismetria (incapacidade de alcançar
um objeto com precisão), tremor de intenção, marcha ebriosa (parece estar alcoolizada, apresentando
aumento da base de sustentação) e fala disártrica, chamada de fala escandida, que se caracteriza por
ser no início explosiva e, em seguida, lenta e fragmentada.

Já a PC mista seria a combinação das formas descritas anteriormente. Por exemplo: a criança
pode ser um PC espástico e apresentar um componente coreoatetoide ou ser um PC espástico com
componente atáxico. O termo “componente” significa a presença de outro sinal patológico, porém
menos predominante que o primeiro.

A PC flácida ou hipotônica tende a apresentar um prejuízo motor e cognitivo mais grave, e deve-se
excluir outras patologias que podem ser confundidas, tais como encefalopatias progressivas.

57
Unidade I

Quadro 8 – Principais características clínicas da PC


de acordo com a área de lesão encefálica

Tipo clínico Características clínicas

PC espástica Hipertonia elástica, velocidade-dependente


(lesão trajeto do neurônio Associada a encurtamentos musculares e deformidades ósseas
motor superior) Atraso no DNPM e persistência de reflexos primitivos

Presença de movimentos involuntários, que podem ser do tipo coreia


PC discinética (proximal), atetoide (distal) ou distônico
(lesão em núcleos da base) Atraso no DNPM e persistência de reflexos primitivos
Raramente há deformidades

Presença de movimentos incoordenados ou descoordenados


PC atáxica Déficit de equilíbrio
(lesão cerebelar) Dismetria
Marcha ebriosa e fala escandida
PC mista Alterações concomitantes de dois ou mais sistemas
(diferentes áreas de Quadro clínico variável
lesões associadas)
Geralmente trata-se de uma fase de transição
Observada mais nas fases precoces de desenvolvimento do bebê
PC hipotônica
Pode ocorrer em lesões extensas do SNC, e deve-se excluir outras
doenças progressivas

Em relação à classificação de acordo com o acometimento motor da criança, o termo “tetraparesia”


corresponde à forma mais grave de acometimento, na qual o paciente apresenta comprometimento
simétrico dos quatro membros (membros superiores e inferiores), do tronco e da cabeça. Devido ao grave
acometimento motor, geralmente apresenta dificuldades associadas de deglutição e de linguagem.

O termo “PC diparético” é utilizado quando o acometimento dos membros inferiores é maior do que
os membros superiores, porém estes também estão acometidos. Ou seja, a criança terá comprometimento
dos quatro membros, porém os membros inferiores terão um maior comprometimento do que os
membros superiores. Geralmente, esses pacientes apresentam controle de cervical e controle de tronco
razoável, o que lhes permitirá ter maior possibilidade de adquirir a marcha.

O termo “PC hemiparético” é utilizado quando o acometimento motor ocorre em apenas um hemicorpo,
e, geralmente, o paciente pode apresentar uma maior desatenção com o lado afetado do corpo.

Vamos observar o quadro a seguir para maior entendimento das características que
falamos anteriormente.

58
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Quadro 9 – Classificação da PC de acordo com a distribuição topográfica da lesão

Forma clínica Sinais clínicos característicos

Acometimento simétrico e equivalente dos quatro membros


Tetraparesia ou quadriparesia Afeta o controle de cabeça e do tronco
Maior acometimento motor

Acometimento maior dos membros inferiores, porém os membros


Diparesia superiores também são afetados (comprometimento mais leve)
Há maior funcionalidade dos membros superiores
Apenas um hemicorpo (dimídio) encontra-se afetado
Hemiparesia
Há funcionalidade normal no hemicorpo oposto

Figura 44 – PC tetraparética

59
Unidade I

Figura 45 – PC diparética

Figura 46 – PC hemiparética

Comumente são observados distúrbios sensoriais, perceptivos e cognitivos associados às alterações


motoras. Esses distúrbios podem comprometer a parte visual, auditiva, da linguagem e da cognição.

Devido à grande variedade de quadros clínicos na PC, tem sido utilizado um sistema para identificar
o comprometimento motor global, que é conhecido como Gross Motor Function Classification System
(GMFCS), um sistema de classificação da função motora grossa.

60
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

O GMFCS é baseado no movimento iniciado voluntariamente, com ênfase no sentar, nas transferências
e na mobilidade. Trata-se de um sistema padronizado para diferenciar os tipos de PC por níveis de
mobilidade funcional. Pode ser classificado em cinco níveis, sendo o nível I aquele em que o paciente
apresenta mínima ou nenhuma disfunção com respeito à mobilidade comunitária; e o nível V em que o
paciente é totalmente dependente e precisa de assistência para a mobilidade.

A seguir, são descritos os níveis do GMFCS.

Quadro 10 – Níveis do GMFCS

Nível Características clínicas


Criança deambula sem restrições, apresenta dificuldades em atividades motoras, como
Nível I correr e pular
Nível II Criança deambula sem auxílio, mas com limitações na deambulação comunitária
Nível III Criança deambula com apoio, com limitações na marcha fora de casa e na comunidade
Criança tem mobilidade limitada, necessita de cadeira de rodas para locomoção fora de
Nível IV casa e na comunidade
Nível V Criança tem mobilidade gravemente limitada, mesmo com uso de tecnologia assistida

A figura a seguir ilustra as principais características dos níveis do GMFCS.

Figura 47 – Diretrizes de atenção à pessoa com paralisia cerebral

61
Unidade I

3.4 Distúrbios associados à PC

Os distúrbios associados à PC podem ser, como vimos, sensoriais, perceptivos, de linguagem, comportamentais
e cognitivos. A equipe de reabilitação deve avaliar a presença desses distúrbios associados.

As crianças com PC podem apresentar distúrbios oftalmológicos com maior frequência e déficits
visuais de origem cerebral devido a lesões no córtex visual ou alterações decorrentes de processos de
infecção congênita, tais como na toxoplasmose e na rubéola. Devemos considerar que a integridade do
sistema visual é fundamental para o desenvolvimento motor e cognitivo da criança.

Além disso, crianças com PC podem apresentar quadro de sialorreia (incapacidade de deglutir a
saliva), anteriorização da língua, disfagia orofaríngea e refluxo gastroesofágico, levando à desnutrição,
principalmente nos casos de PC tetraparética, uma vez que a ausência do controle cefálico dificulta a
capacidade de deglutição, interferindo de forma negativa no desenvolvimento dessas crianças. Muitas
vezes, torna-se necessário o uso de alimentação parenteral ou de gastrostomia (GTT).

Observação

A GTT é um procedimento cirúrgico para a fixação de um tubo (sonda)


alimentar, ligando o meio interno com o meio externo, com acesso ao
estômago através da parede abdominal

Figura 48 – Sonda usada na gastrostomia

62
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 49 – Botton de gastrostomia

Uma das complicações mais recorrentes e de grande gravidade são as pneumonias de repetição,
principalmente na PC tetraparética. Isso pode ocorrer, por exemplo, nos casos de refluxo gastroesofágico,
disfagia, movimentação inadequada do bolo alimentar, com movimento de anteriorização da língua,
associado ao controle de cabeça deficitário. Esses quadros podem levar a internações recorrentes e ao
risco aumentado de óbito.

Outra complicação associada à PC é a presença do quadro de epilepsia, principalmente nos casos de


lesão cortical. As crises convulsivas são caracterizadas por descargas anormais excessivas e transitórias
da atividade elétrica do encéfalo e podem manifestar-se por uma ampla variedade de sintomas de
acordo com a área cerebral afetada.

As alterações cognitivas, incluindo a deficiência intelectual, podem limitar e até impedir a evolução
no âmbito educacional e social da criança. Torna-se necessário o acompanhamento escolar por uma
equipe especializada e que seja responsável pelas adequações desde o ambiente físico (cadeira, mesa,
parapodium, rampas) até a inclusão de fato do PC.

As complicações musculoesqueléticas secundárias mais esperadas ocorrem em decorrência das


alterações do tônus muscular, do posicionamento inadequado do paciente e da perda da força muscular.
Há uma alta incidência de quadros de deformidades da coluna vertebral (escoliose, cifoescoliose), que
podem levar a uma piora do quadro respiratório (quadro restritivo para a expansibilidade pulmonar).

Nos membros inferiores, há uma alta incidência de subluxação ou luxação de quadril, de causa
multifatorial, o que pode ser um fator contraindicativo para a aquisição da postura ortostática,
dependendo do grau da lesão. A seguir, abordaremos especificamente os possíveis fatores agravantes
para o aparecimento da luxação de quadril.

63
Unidade I

As deformidades musculoesqueléticas dos membros inferiores podem levar à perda funcional


do paciente com PC, sendo indicado, muitas vezes, o tratamento cirúrgico para a melhora do
desempenho motor.

O desenvolvimento da articulação coxofemoral depende da descarga de peso nos membros inferiores,


o que ocorre principalmente a partir da fase do engatinhar. Para que ocorra a formação acetabular e
da angulação femoral, é necessária a transferência do peso nos membros inferiores.

Se pensarmos no PC tetraparético espástico que não adquiriu posturas altas do desenvolvimento


motor e apresenta associado aumento do tônus muscular dos músculos adutores do quadril, haverá
um risco maior desse quadril não ser formado de forma adequada, aumentando também o risco da
subluxação da região.

A hipertonia dos músculos adutores do quadril, associada à permanência da postura sentada (maior
flexão do quadril, com anteversão do colo femural), poderá também favorecer à luxação. Portanto, há
uma maior incidência de subluxação do quadril nos pacientes não deambuladores, principalmente nos
tetraparéticos, seguidos pelo diparéticos. A figura a seguir ilustra o quadro de luxação de quadril na PC.

Figura 50 – Luxação do quadril em PC

No quadril, podem ocorrer encurtamentos e deformidades em flexão, adução e rotação interna.


A avaliação do encurtamento dos músculos flexores de quadril pode ser realizada utilizando o teste
de Thomas, no qual o paciente é colocado em decúbito dorsal, o terapeuta mantém seus membros
inferiores em flexão de quadril e joelhos (posição inicial) e, em seguida, realiza a extensão passiva do
quadril do membro avaliado. Se existir uma flexão residual, o teste será positivo para o encurtamento.
É frequente o encurtamento dos músculos flexores de quadril e joelho devido à permanência na postura
sentada na cadeira de rodas, sendo mais comum no PC tetraparético e diparético, e menos frequente
no hemiparético.

64
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 51 – Teste ou Manobra de Galleazi

Figura 52 – Manobra de Thomas

A deformidade em adução do quadril ocorre em consequência de hipertonia muscular dos músculos


adutores de quadril e dos isquiotibiais mediais. O teste utilizado para avaliar a hipertonia desses grupos
musculares é o teste de abdução lenta e brusca, no qual o paciente é mantido em decúbito dorsal, com
os membros inferiores em extensão, e o terapeuta segura os tornozelos do paciente, que sai da adução
do quadril (posição inicial) para a abdução máxima do quadril (posição final). Primeiro, realiza-se o
65
Unidade I

movimento de forma lenta para avaliar a amplitude do movimento; em seguida, realiza-se o movimento
de forma rápida para verificar se existe hipertonia elástica dos músculos adutores do quadril e se existe
simetria entre os dois lados.

A)

B)

Figura 53 – Teste de abdução lenta e brusca

No geral, os encurtamentos e as deformidades na articulação do joelho acompanham as alterações


do quadril. Comumente encontra-se encurtamento dos músculos flexores do joelho, o que pode ser
avaliado através do teste do ângulo poplíteo, no qual o paciente permanece em decúbito dorsal, com
o quadril fletido a 90 graus, e o examinador mantém a flexão do quadril, parte da flexão do joelho
(posição inicial) e vai para a extensão máxima do joelho (posição final), observando se existe flexão
residual do joelho, ou seja, o encurtamento muscular do membro avaliado.

66
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

A)

B)

Figura 54 – Teste de Ely-Duncan

Figura 55 – Teste do ângulo poplíteo

No pé e no tornozelo, uma das deformidades mais encontradas é o pé em equino, devido à


hipertonia do músculo tríceps sural, porém podem aparecer outras deformidades, tais como pé valgo,
pé varo e hálux valgo.

67
Unidade I

Figura 56 – Deformidade em equino (pé equino)

Figura 57 – Deformidade em equino

Figura 58 – Deformidade no membro superior espástico em flexão de punho e dedos

A seguir, estão elencados os testes ortopédicos comumente utilizados para a avalição de encurtamento
muscular ou presença de hipertonia elástica.

68
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Quadro 11 – Testes especiais

Teste Decúbito para avaliação Objetivo do teste


Teste de Thomas Dorsal Verificar encurtamento de músculo psoas
Teste do ângulo poplíteo Dorsal Verificar encurtamento de músculos isquiotibiais
Avaliar simetria da abdução do quadril e se há
Teste de abdução lenta e brusca Dorsal hipertonia elástica de músculos adutores de quadril
Verificar possível presença de luxação de quadril
Teste de Galeazzi Dorsal (confirmada apenas com exames radiográficos)
Verificar encurtamento muscular ou hipertonia
Teste de Ely Duncan Ventral elástica do músculo reto femural

4 ABORDAGENS ASSOCIADAS À PC

4.1 Avalição física e funcional da PC

A avaliação deve começar pela anamnese completa, prestando-se atenção a dados de antecedentes
familiares, detalhes relativos à gestação (possíveis fatores de risco para PC), complicações relativas ao
parto, condição do bebê ao nascimento, análise de exames complementares e evolução da criança até o
presente momento (incluindo avaliações médicas prévias, tratamentos realizados e cirurgias).

O fisioterapeuta deve, sempre que possível, iniciar a avalição em um ambiente calmo e tranquilo.
Deve sempre considerar que a criança com PC será encaminhada para o serviço de reabilitação em idades
muito precoces e que os cuidadores estão muitas vezes ansiosos e receosos com o que está por vir.

Torna-se necessário, portanto, acalmar os cuidadores em relação aos tratamentos, explicando


minuciosamente o plano de tratamento, quais as reais necessidades da criança e qual o seu
possível prognóstico.

Outro ponto a ser destacado é que, muitas vezes, o bebê ou a criança não aceitam ficar separados de
seus cuidadores e acabam tendo crises de choro ou de não aceitação do terapeuta. Em primeiro lugar,
deve-se ganhar a confiança tanto do paciente quanto de seus cuidadores.

Antes de retirar a criança do colo dos cuidadores, deve-se utilizar recursos lúdicos (de preferência
sonoros e luminosos) que chamem a atenção da criança e facilitem a interação terapeuta-paciente.
Durante as primeiras sessões, é aconselhável que o cuidador permaneça na sala de atendimento, para
que a criança se sinta mais confiante e segura.

O fisioterapeuta deve brincar com a criança, usar sua imaginação para distraí-la e, ao mesmo tempo,
entretê-la durante a terapia, evitando torná-la monótona e chata. Os brinquedos devem ser adequados
à faixa etária da criança e estar de acordo com a capacidade funcional por ela apresentada.

Aos poucos, solicita-se aos cuidadores que se retirem da sala de atendimento por curtos períodos,
para que seja treinado esse desapego tanto do paciente quanto do cuidador.

69
Unidade I

Muitos dados coletados durante a avaliação do fisioterapeuta são obtidos através da observação do
comportamento motor da criança. Deve-se observar com atenção o que ela é capaz de realizar sozinha,
se necessita de algum auxílio e qual a possibilidade de ela conseguir realizá-lo de forma independente.

Para isso, o terapeuta deve observar se a criança é capaz de realizar trocas posturais baixas (rolar, sentar
com e sem apoio e adotar a postura de quatro apoios ou gato) e altas (ajoelhada, semiajoelhada, ortostase
e marcha), se apresenta alinhamento corporal adequado e ajustes posturais adequados para a idade.

Observa-se também a presença de movimentos atípicos ou anormais, tais como alteração de tônus
muscular, presença de movimentos involuntários ou incoordenados; e se há reflexos primitivos, se estes
são compatíveis com a idade da criança ou se já deveriam ter sido modulados, tornando-se patológicos.

No quadro a seguir, são propostos os itens que devem ser observados e analisados pelo fisioterapeuta
durante a avaliação motora da PC.

Quadro 12 – Avaliação motora na PC

Item avaliado pelo examinador O que observar durante a avaliação


Ordem cronológica de aquisição das etapas motoras
Aquisição das etapas do DNPM (posturas altas e baixas)
Ordem cronológica para a modulação dos reflexos primitivos, os
Persistência de reflexos primitivos quais podem passar a ser considerados patológicos se não forem
corretamente modulados
Apresentação de hipertonia elástica, hipotonia muscular
Alteração do tônus muscular ou tônus flutuante
Presença de movimentos involuntários (atetoide, coreico ou distônico)
Presença de movimentos atípicos ou movimentos incoordenados
Alteração nas reações de proteção Não apresentação de reação de proteção anterior, lateral ou posterior

Alteração no controle cervical, alinhamento da cabeça em relação ao


Alteração nas reações de endireitamento corporal tronco e alinhamento do tronco superior e inferior

Alteração do equilíbrio postural Alterações nas reações de equilíbrio estático e dinâmico


Presença de encurtamentos musculares ou deformidades ósseas e
Presença de alterações musculoesqueléticas assimetrias posturais

Exemplo de aplicação

Imagine a seguinte situação: é solicitada a avaliação fisioterapêutica de uma criança de 2 anos de


idade, com hipótese diagnóstica de PC. Durante a avaliação, você notou que a criança não adquiriu
nenhuma troca postural, não apresenta controle postural e não realiza reações de proteção e de
endireitamento. Em relação ao tônus muscular, ela apresenta hipertonia elástica nos membros superiores
e inferiores. Qual seria o melhor diagnóstico fisioterapêutico para essa criança?

Podemos diagnosticá-la como um PC tetraparético espástico, uma vez que aos 2 anos de idade ela
já deveria ter marcha independente e ter adquirido total controle postural e espástico devido à presença
da hipertonia elástica nos músculos dos membros superiores e inferiores.

70
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

4.2 Tratamento clínico e de reabilitação

O tratamento farmacológico na PC relaciona-se com o tratamento das complicações secundárias à


lesão cerebral, sendo o tratamento da espasticidade um dos principais objetivos clínicos.

O tratamento da espasticidade pode incluir o uso de medicamentos orais, bloqueio nervoso


periférico (uso da toxina botulínica ou fenolização), tratamento cirúrgico, uso de órteses e tratamento
conservador (reabilitação).

Os medicamentos orais podem influir no tônus muscular pela ação no SNC, sendo os mais utilizados
o baclofeno, o tizanidina, o dantrolene e o diazepam.

O baclofeno é um análogo do neurotransmissor GABA, que leva a uma inibição dos reflexos
medulares, porém é mais utilizado em lesados medulares. Apresenta como efeito colateral o risco de
sedação excessiva, alucinação e alteração hepática.

A tizanidina age nos receptores alfa-2 adrenérgicos diminuindo os reflexos polissinápticos,


provavelmente por diminuir a liberação dos neurotransmissores excitatórios pré-sinápticos, mas há risco
de sedação excessiva, tontura, astenia, bradicardia, entre outros. O dantrolene sódico age no músculo
inibindo a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático, causando fraqueza muscular. Como efeitos
colaterais, pode causar sedação leve, náuseas, vômitos e diarreia.

O diazepam age nos receptores GABA, com ação principalmente supraespinhal (córtex cerebral,
tálamo, núcleos da base, cerebelo, formação reticular do tronco) e na medula espinhal. Como efeitos
colaterais, pode causar sedação e alteração hepática e sanguínea.

Outra possibilidade de tratamento considerado conservador é o bloqueio nervoso periférico


utilizando a toxina botulínica tipo A (TBA) ou o fenol. A TBA é uma neurotoxina produzida pela bactéria
anaeróbica Clostridium botulinum, que, aplicada em dose adequada em músculos específicos, leva a
um bloqueio neuromuscular seletivo por inibição da acetilcolina no terminal nervoso periférico.

O mecanismo de ação da toxina botulínica ocorre devido a uma denervação química específica que
leva ao impedimento da liberação de acetilcolina na junção neuromuscular. Os alvos moleculares da ação
da toxina botulínica são as proteínas SARE e SNAP25, que estão envolvidas na fusão de vesículas contendo
neurotransmissores com a membrana plasmática. Ao degradar essas proteínas, a toxina botulínica impede que
a acetilcolina seja liberada nas placas motoras, e, portanto, não ocorre contração do grupo muscular afetado.

A toxina botulínica inativa os terminais colinérgicos dos nervos periféricos, bloqueando a liberação
da acetilcolina na terminação pré-sináptica e impedindo sua liberação na fenda sináptica. Por
isso, não ocorre a despolarização do terminal pós-sináptico nem a contração muscular (o músculo
permanece em repouso).

Essa inativação se dá em quatro fases: ocorre a ligação da toxina botulínica aos receptores colinérgicos na
superfície pré-sináptica; em seguida, a absorção da toxina botulínica pelas células que contêm vesículas de
71
Unidade I

acetilcolina; a toxina atravessa a membrana da vesícula de acetilcolina e atinge o citoplasma da célula; e, por
fim, por meio de proteólise, o mecanismo de liberação da acetilcolina é inibido.

Durante a avaliação clínica, deve-se identificar o padrão da disfunção motora, avaliando quais
grupos musculares encontram-se espásticos, qual a habilidade do paciente em controlar esses músculos
e quais os riscos para eventuais encurtamentos e deformidades que podem prejudicar o movimento.

Recomenda-se a utilização de eletroestimuladores para a determinação dos pontos motores, a fim


de obter uma melhor aplicação da toxina. A ação da toxina tem início nas primeiras 72 horas após a
aplicação, e seu efeito dura cerca de dois a seis meses, com média esperada de três meses.

Figura 59 – Aplicação de injeção de toxina botulínica

Há algumas contraindicações absolutas ao uso da toxina botulínica – alergia conhecida ao


medicamento, infecção local ou gravidez – e contraindicações relativas – doença neuromuscular
associada, lactação e deformidades.

Lembrete

A toxina botulínica tipo A (TBA) é uma neurotoxina que bloqueia a


transmissão neuromuscular, diminuindo de forma transitória a hipertonia
elástica. Age na junção mioneural, impedindo a liberação de acetilcolina
frente ao estímulo nervoso e inibindo, assim, a contração muscular.

Ocorre a denervação química parcial e transitória da musculatura. Com


a inibição da liberação da acetilcolina na junção neuromuscular, ocorre o
efeito miorrelaxante.

72
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Saiba mais

Sugerimos a leitura dos artigos a seguir:

SPOSITO, M. M. M. Toxina botulínica do tipo A: mecanismo de ação. Acta


Fisiátrica, v. 16, n. 1, p. 25-37, 2009. Disponível em: https://www.revistas.
usp.br/actafisiatrica/article/view/103037/101317. Acesso em: 13 nov. 2020.

TEIVE, H.; ZONTA, M.; KUMAGAI, Y. Tratamento da espasticidade: uma


atualização. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 56, n. 4, 1998. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004
-282X1998000500025. Acesso em: 13 nov. 2020.

O uso do fenol para a espasticidade pode ser indicado na neurólise de nervos motores, porém há
o risco de afetar a parte sensitiva do nervo periférico, causando um quadro de parestesia dolorosa.
Quando o fenol é aplicado, nota-se um relaxamento muscular praticamente instantâneo, mas o risco de
causar alteração sensorial acaba, muitas vezes, inviabilizando seu uso, sendo mais indicada pela equipe
médica a aplicação da toxina botulínica.

O uso do bloqueio nervoso periférico poderá ser indicado quando a hipertonia muscular interferir
nas atividades de vida diária do paciente, quando a resposta aos fármacos orais não for suficiente e
quando houver dúvidas a respeito de encaminhar ou não o paciente para cirurgia. Caso o membro já
apresente deformidades ósseas, o uso do bloqueio será contraindicado.

Após a aplicação do bloqueio nervoso periférico, as terapias deverão ser reforçadas, e deverão ser
prescritas, quando necessárias, órteses de posicionamento para melhorar os ganhos em decorrência da
aplicação do bloqueio periférico.

Para que o tratamento de reabilitação seja o mais adequado possível, deve-se considerar alguns
fatores que podem influenciar as terapias e a recuperação funcional do paciente.

Um fator que influencia diretamente a capacidade de recuperação do paciente é a idade do indivíduo.


Sabemos que, quanto mais precocemente a criança com lesão neurológica for encaminhada para a
reabilitação, maiores serão suas chances de recuperação com maior eficiência. O SNC é capaz de se
reorganizar após uma lesão, e, quanto mais precocemente for estimulado de forma adequada, melhor
será o ganho funcional do indivíduo.

A equipe de reabilitação na PC deverá envolver, além das especialidades médicas, o fisioterapeuta,


terapeuta ocupacional (TO), fonoaudiólogo, psicólogo, ortetista, nutricionista, psicopedagogo, entre
outros profissionais.

73
Unidade I

A avaliação da marcha na PC deve ser realizada para verificar a necessidade de dispositivos que
possam auxiliar na deambulação desses pacientes. Sabe-se que crianças que conseguem adquirir a
postura sentada até os 3 anos de idade terão grande possibilidade de adquirir a marcha, devido ao
controle postural do tronco. Por outro lado, quanto maior o acometimento motor do paciente, menor
será sua chance de deambular.

Em relação à atuação do fisioterapeuta no manejo da PC, existem alguns objetivos de tratamento.


A seguir, conheceremos os principais.

Estimular o desenvolvimento neuropsicomotor

O fisioterapeuta deverá estimular as aquisições motoras específicas para a idade da criança.


Considerando o DNPM normal e sabendo que este ocorre de maneira céfalo-caudal e próximo-distal, é
necessário estimular o controle da região cervical, utilizando estímulos sonoros e luminosos adequados
à idade, favorecendo o controle da extensão e flexão da cabeça, das rotações e inclinações.

A criança com PC, principalmente nos casos de tetraparesia espástica, tende a apresentar um padrão
flexor dos membros superiores, chamado de postura em castiçal (elevação dos ombros, com adução e
retração das escápulas, flexão dos cotovelos, punhos e dedos). Na postura de castiçal, ao ser colocada
em decúbito ventral, torna-se impossível a criança realizar a extensão da cervical, uma vez que ela não
consegue apoiar os antebraços e abaixar a cintura escapular. Portanto, o fisioterapeuta deverá alinhar a
região escapular, permitindo a descida dos ombros, favorecendo a extensão cervical.

Também é necessário permitir o alinhamento dos membros superiores, ajudando o paciente a levar
as mãos à linha média e as mãos à boca, por exemplo. Se ele apresentar a persistência do RTCA ao rodar
a cabeça para um dos lados, haverá a extensão do membro superior e inferior do mesmo lado e a flexão
do membro superior e inferior do outro lado, impossibilitando que ocorra um movimento de forma
simétrica. Para tanto, o terapeuta deverá treinar a simetria na execução de determinado movimento e a
transferência adequada do peso corporal.

O terapeuta deve orientar os pais ou cuidadores a mudar constantemente a criança de posição,


dando-lhe a oportunidade de vivenciar novos padrões de movimento. São comuns, por exemplo, em
casos de PC tetraparético grave, deformidades na conformação da calota craniana (achatamento da
região posterior do crânio). Nesses casos, pode-se perceber que a criança deve permanecer grande parte
do dia em decúbito dorsal, sendo pouco estimulada a adotar outros decúbitos.

Cabe ao terapeuta ensinar aos cuidadores como posicionar a criança de forma confortável e
adequada em decúbito ventral (com o devido cuidado nos casos de crianças com uso de traqueostomia
ou gastrostomia), decúbito lateral e na postura sentada com ou sem apoio. É possível confeccionar
uma calça de posicionamento, a qual pode auxiliar no posicionamento da criança ou uso de cunhas de
espuma que facilitem o posicionamento em decúbito ventral, favorecendo a transferência do peso para
o tronco e estimulando, assim, o controle de cabeça.

74
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 60 – Calça de posicionamento

Figura 61 – Postura sentada com auxílio da calça de posicionamento

Na postura sentada (sedestação), deverá ser estimulado o controle de tronco, com base de apoio
adequada. Veja se o apoio ocorre na região isquiática ou com apoio sacral – se a criança ficar sentada
com apoio sacral, a tendência é que haja uma maior cifose torácica, o que dificultará o controle do
tronco e o alcance funcional, além de favorecer a hipertonia extensora nos membros inferiores nos
casos de PC espásticos.

A seguir, são descritos possíveis posicionamentos nos diferentes decúbitos:

• Decúbito dorsal: utilizar o apoio da calça de posicionamento ou de cunha de espuma, evitando


a hiperextensão da região cervical, e permitir o alinhamento da cintura escapular, auxiliando a
criança a levar as mãos à linha média.

• Decúbito ventral: utilizar o apoio da calça de posicionamento ou de cunha de espuma para


alinhar a cintura escapular, permitindo a descarga de peso nos antebraços e nas mãos e o controle
de cabeça (podem ser feitos estímulos visuais e sonoros).

75
Unidade I

• Decúbito lateral: deixar os membros superiores posicionados à frente da criança, na linha


média, e evitar padrões extensores nos membros inferiores, que podem favorecer a rotação
posterior do tronco.

• Sentado: evitar sentar em sacro, o que pode favorecer o aumento da cifose torácica, e estimular
o controle do tronco superior e inferior, retirando os apoios aos poucos.

Treinar trocas posturais

O terapeuta deverá estimular a realização de trocas posturais (rolar, sentar adotar postura de quatro
apoios, engatinhar, ajoelhar, semiajoelhar, ortostase e marcha) de acordo com as possibilidades do
paciente. Se a criança é incapaz de adotar a postura sentada sem apoio, possivelmente não estará apta
para deambular sem auxílio; por outro lado, se não for estimulado o ortostatismo, poderá existir um
risco maior para alterações do quadril ou alteração do crescimento ósseo, caso não seja feita a descarga
de peso nos membros inferiores (efeito piezoelétrico).

Deve-se, portanto, priorizar a aquisição das posturas baixas (rolar, sentar, gato) nas fases iniciais
do tratamento, favorecendo, assim, o adequado controle de cabeça e do tronco. Isso tornará possível a
aquisição das posturas mais altas (ajoelhada, semiajoelhada, ortostase e marcha).

Deve-se avaliar o que o paciente é capaz de realizar de forma independente, se necessita de auxílio
ou se é dependente para realizar a troca postural. O terapeuta deve estimular o paciente a realizar a
troca do modo mais independente possível e, quando auxiliar, utilizar pontos-chave (cintura escapular,
cintura pélvica, fossa poplítea), favorecendo o mínimo auxílio durante a troca postural.

Treinar equilíbrio e controle postural

O controle postural é, por definição, a habilidade de um indivíduo assumir e manter a posição


desejada durante uma atividade estática ou dinâmica e deve estar presente em cada movimento
realizado, junto a contrações musculares apropriadas e informações sensoriais adequadas, garantindo a
posição corporal. As informações sensoriais (aferências), provenientes dos sistemas visuais, vestibulares,
auditivos e somatossensoriais, auxiliam o SNC a realizar os ajustes posturais necessários.

O termo “equilíbrio postural” refere-se à habilidade de manter o centro de massa do corpo, dentro
dos limites de estabilidade, por meio da inter-relação das forças da gravidade e dos músculos e das
forças inerciais. Pode-se dizer que a tarefa básica do equilíbrio é a manutenção da estabilidade corporal
tanto em condição estática quanto dinâmica.

Na PC, tanto o controle postural quanto o equilíbrio postural podem sofrer interferências devido a
alterações do tônus muscular ou à presença dos movimentos involuntários ou incoordenados, associados
ao atraso na aquisição das trocas posturais.

76
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Os déficits de equilíbrio são proeminentes no PC atáxico, sendo que a criança apresentará alterações
na base de sustentação. Por exemplo: em ortostase, terá um afastamento maior entre os pés (base de
apoio alargada) para ter maior estabilidade, apresentando oscilações do tronco em diversas direções.

Já o PC discinético, devido à presença dos movimentos involuntários, apresentará dificuldades em


manter-se na postura, uma vez que o movimento involuntário poderá ocorrer em qualquer direção.

No caso do PC espástico, o aumento do tônus poderá dificultar os ajustes posturais, pois a hipertonia
elástica impedirá a criança de ter o controle dos grupos agonistas e antagonistas de forma adequada.

Evitar encurtamentos musculares e deformidades ósseas

No PC espástico, devido à postura mantida de contração de determinados grupos musculares, é


esperado o desenvolvimento de encurtamentos musculares e, em casos mais graves, o desenvolvimento
de deformidades ósseas. Sem a ação correta entre agonistas e antagonistas, podem surgir padrões de
movimentos em massa, o que costumeiramente é chamado de padrão de movimento. No caso dos
membros superiores, é mais comum a hiperatividade dos grupos flexores, e, nos membros inferiores,
dos grupos extensores.

Para evitar os encurtamentos musculares, o fisioterapeuta deve alongar os grupos musculares mais
afetados, além de usar recursos de eletroterapia para ativar determinados grupos musculares. Deve-se
também orientar aos cuidadores que realizem esses alongamentos em domicílio.

O uso de órteses também auxilia no alongamento prolongado e no posicionamento adequado do


membro afetado. Por exemplo: para evitar o pé e tornozelo em equino, utilizar a órtese tornozelo‑pé
(antiequino, suropodálica); ou, para evitar a adução excessiva do polegar, indicar o uso do abdutor
de polegar.

Figura 62 – Exemplo de órtese suropodálica

77
Unidade I

As órteses são dispositivos que auxiliam a função do membro afetado, promovendo a prevenção de
deformidades, o realinhamento e o posicionamento adequado.

Para evitar os encurtamentos musculares nos membros inferiores, deve ser feita a descarga de peso
adequada, evitando, assim, casos de má-formação acetabular e osteopenia. O terapeuta deve estimular
o uso precoce de equipamentos que favoreçam a aquisição da postura ortostática – a indicação do
parapodium deve ser feita de forma precoce, desde o primeiro ano de vida.

Figura 63 – Parapodium

Figura 64 – Órtese abdutor do polegar

78
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Tratar complicações respiratórias

As complicações respiratórias são uma causa importante de mortalidade na PC. Pelo menos dois
terços desses pacientes apresentam tosse e presença de roncos durante a alimentação, e alguns
podem apresentar apneia. Fatores relacionados que podem contribuir para o desenvolvimento de
doença pulmonar nesses pacientes incluem: aspiração pulmonar; infecções recorrentes, levando a
bronquiectasias e deformidades da coluna vertebral, principalmente cifoescoliose; e obstrução das vias
aéreas superiores (hipertrofia de amígdalas, adenoides, gengiva) e inferiores (asma).

O tratamento dependerá das complicações apresentadas, incluindo manobras de higiene brônquica,


aspiração orotraqueal, manobras de reexpansão pulmonar e posicionamentos adequados. Alguns
pacientes mais graves são traqueostomizados ou dependem de ventilação mecânica.

4.3 Correções cirúrgicas na PC

Por último e em alguns casos, apenas o tratamento conservador não será o suficiente, sendo
necessária a realização de cirurgias.

A correção da flexão de quadril, por exemplo, pode ser realizada pela tenotomia intrapélvica do
tendão do músculo psoas, que é seccionado na altura do osso ilíaco, de 4 cm a 5 cm acima do ligamento
inguinal, mantendo íntegro o ventre muscular.

A correção da adução dos quadris, quando o paciente apresenta, por exemplo, marcha em tesoura,
é a tenotomia dos músculos adutores de quadril, o que pode impedir o agravamento de quadros de
luxação de quadril. Porém, o cirurgião ortopédico deve evitar casos de abdução exagerada do quadril
(hipercorreção).

A rotação interna do quadril é basicamente causada pela anteversão do colo femural, sendo que o
trocânter maior fica posteriorizado, levando à fraqueza muscular do glúteo médio. A correção cirúrgica
utilizada é a osteotomia femural derrotativa (derrotatória) intertrocantérica, associada, quando
necessário, à varização do colo femural.

A correção da flexão do joelho pode ser realizada através do alongamento fracionado do músculo
semimembranáceo e grácil, evitando o hiperalongamento muscular, que pode levar a um recurvo do joelho.

A correção do pé e tornozelo em equino, quando dinâmica, pode ser tratada com o auxílio de órtese
curta de polipropileno, que bloqueia o tornozelo em 90 graus, associado ou não ao bloqueio nervoso
periférico. O alongamento do tendão calcâneo tem sido cada vez menos indicado, usado só em casos
mais graves com risco de deformidade.

79
Unidade I

Figura 65 – Correção cirúrgica de luxação de quadril

Na PC, o médico cirurgião deverá considerar que, além da perda de continuidade articular, existe um
desequilíbrio de forças que altera a dinâmica do quadril, ocasionando deformidades em flexão, adução
e rotação interna, causadas pelo desequilíbrio de forças dos adutores, psoas e isquiotibiais mediais, que
tendem a levar o quadril a uma situação de luxação ou subluxação.

Saiba mais

Conheça as diretrizes da pessoa com PC:

BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de atenção à pessoa com


paralisia cerebral. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. Disponível em: http://
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_paralisia_cerebral.
pdf. Acesso em: 13 nov. 2020.

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FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Resumo

Nesta unidade, vimos que a gestação humana é subdividida de muitas


maneiras para facilitar o entendimento das complexas alterações que
ocorrem no organismo em desenvolvimento ao longo do tempo. Em relação
à embriologia após a fecundação, forma-se o zigoto, o período embrionário
(ou seja, do embrião, geralmente do começo da quarta semana até o final
da oitava) e o período fetal (ou seja, do feto, do começo do terceiro mês
até o nascimento). Após o nascimento, espera-se que o bebê apresente o
desenvolvimento motor adequado a sua idade.

Devemos considerar que os reflexos primitivos são respostas


automáticas e estereotipadas a um estímulo externo. Devem estar presentes
ao nascimento, porém serão modulados ao longo dos primeiros meses
de vida pós-natal.

Foram descritas as principais aquisições motoras esperadas nos quatro


primeiros trimestres de vida do bebê:

• De 0 até 3 meses: apresenta hipertonia flexora fisiológica, melhora do


alinhamento da cintura escapular, para que torne possível o controle
de cabeça, não realiza trocas posturais, não apresenta reações de
equilíbrio nem de proteção.

• Dos 4 aos 6 meses: é esperado o controle de cabeça, maior simetria


dos membros superiores, que ele consiga rolar por volta dos 5 meses,
iniciar a partir dos 6 meses a postura sentada com apoio anterior dos
membros superiores e iniciar a reação de proteção anterior.

• Dos 7 aos 9 meses: é esperado o controle de tronco superior e


inferior, que ele consiga sentar com bom controle de tronco, assumir
a postura de gato ou quatro apoios e iniciar o controle da reação de
proteção lateral.

• A partir dos 10 meses: espera-se que o bebê comece a assumir as


trocas posturais altas (ajoelhada, semiajoelhada, ortostase e marcha).
Ele inicia o controle da pelve e dos membros inferiores, começa a
ficar em ortostase apoiando-se em objetos, e é esperada a marcha
por volta dos 10 aos 15 meses de idade. Apresenta reação de
proteção posterior.

81
Unidade I

A PC engloba um grupo de distúrbios do desenvolvimento do movimento


e da postura, que levam a incapacidades funcionais, devido a lesões
encefálicas durante o desenvolvimento fetal ou infantil.

O diagnóstico da PC baseia-se em três grupos de possíveis alterações que


indicam a presença de lesão neurológica: o atraso na aquisição das etapas
do desenvolvimento motor esperado para a idade cronológica da criança;
a persistência de reflexos primitivos e a ausência de reflexos de proteção e
alterações do tônus muscular e da postura.

A classificação da PC é realizada seguindo dois princípios: a área da


lesão encefálica e a área corporal acometida (topográfica). De acordo com
a área da lesão encefálica, o PC pode ser espástico ou piramidal, discinético
ou extrapiramidal, atáxico, misto e, menos comum, flácido ou hipotônico.
Já pela área corporal afetada, ele pode ser tetraparético, diparético,
hemiparético e, em casos menos comuns, triparético e monoparético.

Devido às desordens motoras apresentadas, essas crianças precisam


receber uma intervenção terapêutica de forma precoce e bem organizada,
com o intuito de proporcionar o maior grau de independência possível.

Ao fisioterapeuta, caberá estimular ao máximo a independência motora,


enfatizando na aquisição das etapas motoras normais a melhor distribuição
do peso corporal e facilitando o início do movimento voluntário, além de
estimular as reações de endireitamento e equilíbrio postural.

Devemos lembrar que, associadas à PC, diversas outras complicações podem


estar presentes, incluindo alterações oftalmológicas, cognitivas, ortopédicas e
distúrbios de deglutição, sendo necessária, portanto, a intervenção.

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FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Exercícios

Questão 1. (Enade 2016) Em consulta de avaliação fisioterapêutica a uma criança de três anos de
idade, com diagnóstico de paralisia cerebral e tetraparesia espástica, o fisioterapeuta observou padrão
flexor em membros inferiores e superiores, incapacidade de permanência em sedestação sem apoio e
ausência de controle cervical e tronco.

Com base nesse quadro clínico, avalie as afirmativas, em relação aos equipamentos assistivos
indicados para a criança.

I – A cadeira de rodas adaptada auxilia o alinhamento corporal e, consequentemente, a


modulação do tônus.

II – A órtese rígida tornozelo-pé auxilia o alinhamento articular e previne posturas viciosas.

III – A órtese extensora de lona para membros inferiores e superiores auxilia o controle e/ou prevenção
de deformidades.

É correto o que se afirma em:

A) I, apenas.

B) II, apenas.

C) I e III, apenas.

D) II e III, apenas.

E) I, II e III.

Resposta correta: alternativa E.

Análise da questão

Crianças com paralisia cerebral espástica apresentam hipertonia muscular. A musculatura


esquelética permanece em estado de contração involuntária e constante, o que resulta em rigidez
e tetraparesia (fraqueza ou diminuição da força muscular). Consequentemente, desenvolvem-se
distúrbios do movimento, da coordenação e do equilíbrio. Além disso, se essas crianças não forem
precocemente mantidas em posição alinhada, acabam por desenvolver deformidades do tronco, do
pescoço e dos membros.

83
Unidade I

Para evitar a ocorrência de tais deformidades, o fisioterapeuta deve orientar os pais sobre a importância
do uso precoce, pela criança, de equipamentos auxiliares. Os equipamentos auxiliares incluem:

• a cadeira de rodas adaptada, que apresenta apoio cervical e suporte para o tronco, de modo a
prevenir a escoliose e outras deformidades;
• as órteses rígidas tornozelo-pé, que mantêm a articulação do tornozelo e o pé posicionados em
ângulo de 90 graus, de modo a prevenir a deformidade em equino;
• as órteses extensoras de lona, que mantêm os membros inferiores e superiores totalmente
estendidos durante os momentos de estimulação motora.

Questão 2. O neonato apresenta, de maneira predominante, tônus flexor. Ele não é capaz de se
adaptar às mudanças de postura e não apresenta reações de equilíbrio ou de proteção, mas já apresenta
uma série de reações e de reflexos primitivos. Em relação à avaliação desses reflexos, leia as afirmativas
e assinale a alternativa correta.

I – Os reflexos de sucção, de deglutição, de mordida e de vômito devem estar presentes, mas os


neonatos devem ser orientados espacialmente, já que o reflexo de busca ou de procura somente se
desenvolve a partir do segundo mês de vida.

II – A compressão da sola de um dos pés do neonato contra a base de apoio, quando ele é sustentado
em pé pelas axilas e mantido verticalmente em relação ao solo, com o tronco inclinado para frente,
deve resultar na manutenção do repouso dos membros inferiores, pois a criança somente desenvolve o
reflexo de marcha automática ao se aproximar do primeiro ano de idade.

III – O reflexo tônico cervical assimétrico desenvolve-se ao final do primeiro mês de idade. Sua
persistência por mais de quatro meses pode levar à dificuldade de se realizar trocas posturais, tais como
o rolar e o sentar, e ao desenvolvimento de assimetria postural e escoliose.

IV – A ausência bilateral do reflexo de Moro, que se refere aos movimentos da boca e dos braços do
neonato em resposta à retirada do apoio da cabeça, sugere danos no sistema nervoso central.

Estão corretas apenas as afirmativas:

A) I e II.
B) II e III.
C) III e IV.
D) I e III.
E) II e IV.

Resposta correta: alternativa C.


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FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: além dos reflexos de sucção, de deglutição, de mordida e de vômito, o neonato também
deve apresentar o reflexo de busca ou procura: ao estimular um dos cantos da boca do neonato, ele vira
o rosto na direção do estímulo, e geralmente ocorre o movimento de sucção em seguida. O reflexo de
busca, portanto, está relacionado com a procura do alimento (no caso, o peito materno) pelo neonato.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o reflexo de marcha automática deve estar presente logo nas primeiras horas de vida.
Para verificá-lo, o neonato é sustentado em pé pelas axilas, mantido verticalmente em relação ao solo,
com o tronco inclinado para frente, e, então, o examinador realiza a compressão da sola de um dos
pés do neonato contra a base de apoio. A perna cujo pé recebeu a compressão se flexiona, enquanto
ocorre a extensão da outra perna. Se o examinador realizar esse movimento de forma alternada, dará
a impressão de uma marcha automática, daí o nome do reflexo. A persistência do reflexo de marcha
automática além do terceiro mês de vida é uma indicação precoce de lesão neurológica, e a sua ausência
desde as primeiras horas de vida é um sinal precoce de encefalopatia grave.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: o reflexo tônico cervical assimétrico, que se desenvolve durante o primeiro mês de
idade, consiste no seguinte: ao rodar a cabeça do bebê para a direita, os membros da direita estendem‑se
e os da esquerda sofrem flexão, e vice-versa, o que lembra o movimento do esgrimista. A persistência
do reflexo tônico cervical assimétrico além do quarto mês de vida leva à dificuldade de adquirir trocas
posturais, tais como o rolar e o sentar. Além disso, dependendo da intensidade da persistência desse
reflexo, pode se desenvolver grande assimetria postural, que resulta em variados graus de escoliose.

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: na avaliação da reação de Moro, o examinador posiciona o neonato no seu antebraço


e, com a outra mão, segura a cabeça dele. Em seguida, solta a cabeça do neonato, e, como resposta,
ele abre a boca, ergue os braços e mantém os dedos das mãos estendidos. Logo em seguida, o neonato
fecha a boca, e os braços se flexionam. A ausência bilateral do reflexo de Moro sugere danos cerebrais
ou da medula espinhal.

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