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Análise de Alimentos

Autores: Profa. Andréa Francisco dos Santos Barata


Prof. Flávio Buratti Gonçalves
Profa. Paula Juliana Nishimura
Colaboradora: Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão
Professores conteudistas: Andréa Francisco dos Santos Barata /
Flávio Buratti Gonçalves / Paula Juliana Nishimura

Andréa Francisco dos Santos Barata

Graduada em Biomedicina pelo Centro Universitário de Araraquara (2006). Doutora em Biotecnologia pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2014). Tem experiência em enzimologia, atuando principalmente nos seguintes temas:
imobilização e produção de enzimas secretadas por fungos filamentosos. Atualmente é coordenadora e professora do curso de
Biomedicina da Universidade Paulista-UNIP Araraquara.

Flávio Buratti Gonçalves

Biomédico graduado pela Universidade de Mogi das Cruzes (1996). Especialista em Diagnóstico Laboratorial de Doenças
Tropicais pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo-FMUSP. Especialista em Acupuntura Tradicional
Chinesa. Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP (2000). Doutor em Patologia Ambiental e
Experimental pela UNIP (2017). Habilitações nas áreas de análises clínicas, microbiologia, imunologia, parasitologia, saúde
pública e acupuntura. Atualmente é coordenador do curso de Biomedicina na modalidade semipresencial e docente da UNIP nas
áreas de microbiologia, imunologia, parasitologia e bioquímica. Suas linhas de pesquisa são patologia ambiental e experimental
(neuroimunopatologia), microbiologia e imunologia. Membro do Banco de Avaliadores (BASis) do INEP.

Paula Juliana Nishimura

Biomédica graduada em 2011 pela UNIP. Mestra em Ciências na área de tecnologia nuclear – aplicações, pela USP. Atuou
como professora da Escola Técnica PapaMike (2013/2015) e da Escola Técnica Projeta (2014/2016). Atualmente, é docente da
Universidade Paulista (UNIP). Tem experiência na área de toxicologia, energia nuclear, microbiologia, parasitologia, saneamento
ambiental, com ênfase no isolamento e caracterização de crotoxinas e análise proteômica do veneno simile de Crotalus vegrandis.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B226a Barata, Andréa Francisco dos Santos.

Análise de Alimentos / Andréa Francisco dos Santos Barata,


Flávio Buratti Gonçalves, Paula Juliana Nishimura. – São Paulo: Editora
Sol, 2021.

132 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Métodos. 2. Vitaminas. 3. Microrganismos. I. Barata, Andréa


Francisco dos Santos. II. Nashimura, Paula Juliana. III. Gonçalves, Flávio
Buratti. IV. Título.

CDU 641.1

U511.35 – 21

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


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Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Aline Ricciardi
Bruna Baldez
Sumário
Análise de Alimentos

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 COMPOSIÇÃO CENTESIMAL DOS ALIMENTOS E ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS
PELA FISCALIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO DE ALIMENTOS E ROTULAGEM.................................................. 11
1.1 Conceito geral de composição centesimal................................................................................. 11
1.2 Métodos analíticos............................................................................................................................... 11
1.2.1 O método analítico de Weende......................................................................................................... 12
1.2.2 O método analítico van Soest............................................................................................................ 14
1.2.3 Nutrientes digestíveis totais (NDP).................................................................................................. 16
1.2.4 Determinação de minerais................................................................................................................... 16
1.2.5 Determinação de vitaminas................................................................................................................. 16
1.2.6 Procedimento para análise quantitativa........................................................................................ 17
1.3 Órgãos responsáveis pela fiscalização, legislação de alimentos e rotulagem.............. 18
1.4 Técnicas de amostragem em análise de alimentos................................................................. 21
1.4.1 Coleta............................................................................................................................................................ 23
1.4.2 Preparação e tratamento da amostra pré-tratamento............................................................ 23
2 ÁGUA EM ALIMENTOS.................................................................................................................................... 25
2.1 Atividade de água (Aa)........................................................................................................................ 26
2.2 Métodos de determinação de umidade....................................................................................... 30
2.2.1 Secagem utilizando estufas................................................................................................................. 30
2.2.2 Secagem utilizando radiação infravermelha................................................................................ 31
2.2.3 Secagem utilizando radiação de micro-ondas............................................................................ 32
2.2.4 Secagem utilizando dessecadores.................................................................................................... 32
2.2.5 Destilação.................................................................................................................................................... 33
2.2.6 Método de Karl Fischer.......................................................................................................................... 33
2.2.7 Físicos............................................................................................................................................................ 33
3 CARBOIDRATOS................................................................................................................................................. 34
3.1 Classificação............................................................................................................................................ 34
3.1.1 Monossacarídeos..................................................................................................................................... 35
3.1.2 Oligossacarídeos....................................................................................................................................... 35
3.1.3 Polissacarídeos.......................................................................................................................................... 35
3.2 Carboidratos redutores....................................................................................................................... 36
3.2.1 Dulçor........................................................................................................................................................... 37
3.2.2 Textura.......................................................................................................................................................... 39
3.3 Métodos de determinação de carboidratos em alimentos.................................................. 41
3.3.1 Pré-tratamento......................................................................................................................................... 41
3.3.2 Métodos de análise................................................................................................................................. 41
4 LIPÍDIOS................................................................................................................................................................ 43
4.1 Estrutura, composição e classificação de ácidos graxos
e triacilglicerídeos (triglicerídeos).......................................................................................................... 44
4.1.1 Ácidos graxos............................................................................................................................................. 44
4.1.2 Triglicerídeos (TGs)................................................................................................................................... 46
4.1.3 Outros lipídios........................................................................................................................................... 47
4.2 Caracterização de óleos e gorduras............................................................................................... 48
4.2.1 Índice de acidez........................................................................................................................................ 48
4.2.2 Índice de peróxido................................................................................................................................... 49
4.3 Processamento de óleos e gorduras.............................................................................................. 49
4.3.1 Hidrogenação de lipídios...................................................................................................................... 49
4.3.2 Interesterificação..................................................................................................................................... 50
4.4 Reações de degradação de lipídios................................................................................................ 50
4.4.1 Reações oxidativas.................................................................................................................................. 50
4.4.2 Reações hidrolíticas................................................................................................................................ 52
4.5 Métodos de determinação de lipídios.......................................................................................... 52
4.5.1 Métodos de quantificação com solvente a quente................................................................... 53

Unidade II
5 PROTEÍNAS.......................................................................................................................................................... 60
5.1 Importância nutricional das proteínas......................................................................................... 65
5.2 Desnaturação e propriedades funcionais das proteínas....................................................... 66
5.2.1 Desnaturação proteica........................................................................................................................... 66
5.2.2 Propriedades funcionais das proteínas........................................................................................... 69
5.3 Métodos de análise de proteínas.................................................................................................... 73
5.3.1 Método de Kjeldahl................................................................................................................................. 73
5.3.2 Digestão....................................................................................................................................................... 73
5.3.3 Destilação.................................................................................................................................................... 73
5.3.4 Titulação...................................................................................................................................................... 74
5.3.5 Cálculo de proteínas totais.................................................................................................................. 74
6 VITAMINAS.......................................................................................................................................................... 76
6.1 Conceitos e características gerais................................................................................................... 76
6.2 Vitaminas hidrossolúveis.................................................................................................................... 77
6.2.1 Vitamina C – ácido ascórbico............................................................................................................. 77
6.2.2 Tiamina (vitamina B1)............................................................................................................................ 78
6.2.3 Riboflavina (vitamina B2)..................................................................................................................... 79
6.2.4 Niacina (vitamina B3)............................................................................................................................ 80
6.2.5 Ácido pantotênico (vitamina B5)...................................................................................................... 82
6.2.6 Piridoxina (vitamina B6)....................................................................................................................... 83
6.2.7 Biotina (vitamina B7)............................................................................................................................. 84
6.2.8 Folato (vitamina B9)............................................................................................................................... 85
6.2.9 Colabamina (vitamina B12)................................................................................................................. 86
6.3 Vitaminas lipossolúveis....................................................................................................................... 87
6.3.1 Vitamina A.................................................................................................................................................. 87
6.3.2 Vitamina D.................................................................................................................................................. 88
6.3.3 Vitamina E (α-Tocoferol)...................................................................................................................... 89
6.3.4 Vitamina K.................................................................................................................................................. 90
7 ADITIVOS ALIMENTARES................................................................................................................................ 91
7.1 Tipos de aditivos.................................................................................................................................... 91
7.1.1 Aromatizantes........................................................................................................................................... 92
7.1.2 Corantes....................................................................................................................................................... 92
7.1.3 Conservantes............................................................................................................................................. 93
8 IMPORTÂNCIA E CARACTERÍSTICAS GERAIS DA MICROBIOLOGIA DE ALIMENTOS.............. 94
8.1 Características gerais dos fungos................................................................................................... 95
8.2 Características gerais das bactérias............................................................................................... 95
8.3 Caracteristicas gerais dos vírus........................................................................................................ 96
8.4 Importância dos microrganismos em alimentos...................................................................... 96
8.4.1 Fatores que influenciam na multiplicação microbiana............................................................ 97
8.5 Microrganismos indicadores da qualidade dos alimentos.................................................100
8.5.1 Escherichia coli.......................................................................................................................................100
8.5.2 Coliformes totais....................................................................................................................................100
8.5.3 Bolores e leveduras...............................................................................................................................100
8.6 Detecção, enumeração e identificação de microrganismos –
métodos clássicos e rápidos...................................................................................................................101
8.6.1 Métodos clássicos..................................................................................................................................101
8.6.2 Métodos rápidos....................................................................................................................................103
8.7 Aspectos clínicos e etiológicos das doenças transmitidas por alimentos (DTAs)......104
8.7.1 Bacillus cereus/intoxicação alimentar...........................................................................................107
8.7.2 Clostridium botulinum/botulismo..................................................................................................107
8.7.3 Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC)......................................................................................108
8.7.4 Salmonella enteritidis/salmoneloses..............................................................................................108
8.7.5 Staphylococcus aureus/intoxicação alimentar..........................................................................109
8.7.6 Vibrio cholerae/cólera..........................................................................................................................109
8.7.7 Listeria monocytogenes...................................................................................................................... 110
8.7.8 Hepatite A..................................................................................................................................................111
8.7.9 Rotavírus....................................................................................................................................................111
8.7.10 Entamoeba histolytica.......................................................................................................................112
8.7.11 Aflatoxinas e outras micotoxinas.................................................................................................. 112
8.8 Vigilância sanitária em alimentos e produtos de origem animal....................................113
APRESENTAÇÃO

Esta disciplina tem como objetivo apresentar os principais tópicos que norteiam a bromatologia, ou
seja, a ciência responsável pela análise dos alimentos.

Você aprenderá os principais componentes dos alimentos, os métodos para análise desses
componentes, os fatores associados à conservação e manutenção deles. Além disso, você vai conhecer
as normas sanitárias que regulam as técnicas de análises, amostragem e rotulagem de produtos e
comercialização dos alimentos.

Também vai rever as características dos principais grupos microbianos causadores de doenças
alimentares, denominadas de DTAs, ou seja, doenças transmitidas por alimentos. Saberá o que são e
a importância dos microrganismos indicadores da qualidade dos alimentos e terá informações sobre
surtos de DTA no Brasil.

Esperamos que este livro-texto desperte seu interesse para a área de alimentos, visto que esta se
configura como uma área promissora para atuação do profissional, tanto no setor da indústria quanto
no de serviços de saúde pública voltados para a vigilância sanitária de estabelecimentos e empresas do
ramo alimentício e para a vigilância epidemiológico na investigação de surtos de DTA.

INTRODUÇÃO

A análise de alimentos é um dos principais pontos a serem observados no setor de nutrição


animal, visando a uma melhoria da produção e da qualidade final do produto que nós, seres humanos
e outros animais, vamos consumir. É uma área muito importante no ensino das ciências que estudam
alimentos, pois ela atua em vários segmentos do controle de qualidade, do processamento e do
armazenamento dos alimentos processados.

A palavra bromatologia deriva do grego: broma vem de bromatos e significa “dos alimentos”; e logos
significa “ciência”. Portanto, por extensão dos termos “bromatos” e “logos”, pode-se definir bromatologia
como a ciência que estuda os alimentos.

O objetivo principal da análise é conhecer a composição química dos alimentos, sua ação no
organismo, seu valor alimentício e calórico, suas propriedades físicas, químicas, toxicológicas e também
adulterantes, contaminantes, fraudes etc. Um estudo mais completo dos alimentos, o que, aqui, propomos,
compreenderá o conhecimento das propriedades gerais: aspecto, aroma, sabor, alterações, estrutura
microscópica e, ainda, determinação do teor de substâncias nutritivas por intermédio de análises
aproximativas. Além da análise aproximativa de um alimento, estudaremos seu controle microbiológico.

Conhecer os alimentos que consumimos e que também fornecemos aos animais é o primeiro passo
para que possamos assegurar uma boa qualidade de vida.

Bons estudos!

9
ANÁLISE DE ALIMENTOS

Unidade I
1 COMPOSIÇÃO CENTESIMAL DOS ALIMENTOS E ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS PELA
FISCALIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO DE ALIMENTOS E ROTULAGEM

1.1 Conceito geral de composição centesimal

Por convenção, chama-se composição centesimal de um alimento a proporção que revela o valor
calórico ou nutritivo, como também a respectiva proporção de componentes em que aparecem, em
100 g de produto considerado, os grupos homogêneos de substâncias que constituem o alimento. Assim,
é possível, a partir da composição centesimal, observar os constituintes de um determinado alimento
em alguns grupos homogêneos, como, também, verificar através de cálculos o seu valor calórico.

Em 1850, sob a direção de Henneberger e Stohmann, um grupo alemão de pesquisa da Estação


Experimental de Weende iniciou um estudo de composição centesimal de alimentos em ração animal,
culminando, em 1864, com a proposta do método analítico Weende.

Essa proposta passou a ser um procedimento comum em análise de alimentos, sendo utilizado hoje
em dia, todavia, com modificações na determinação da umidade, realizada através de secagem por
aquecimento; na determinação da fibra bruta, estabelecida pela fração insolúvel depois do tratamento
com ácido e álcali em resíduo sem gordura e minerais; dos carboidratos, calculados por diferença; dos
lipídios, feita pela extração contínua utilizando éter; do teor de proteína, alcançado pela utilização do
fator 6,25 em relação ao conteúdo de nitrogênio.

O uso do fator 6,25 para a conversão de nitrogênio em proteína fundamentou-se no teor de 16%
desse constituinte em proteína animal isolada, considerando que toda proteína possui igual quantidade
de nitrogênio, e todo o nitrogênio é devido à proteína; porém, posteriormente, verificou-se que as duas
conjecturas não eram verdadeiras.

1.2 Métodos analíticos

Comumente, o objetivo da análise laboratorial dos alimentos baseava-se em fracioná-los em grupos


analíticos homogêneos em relação à utilização digestiva. Convencionalmente, os grupos homogêneos
de substâncias constituintes do alimento são os seguintes:

• umidade ou voláteis a 105 ºC;

• cinzas ou resíduo mineral fixo;

• lipídios, gorduras ou extrato etéreo;


11
Unidade I

• proteína bruta ou extrato nitrogenado;

• carboidratos, glicídios, açúcares ou sacarídeos;

• fibras ou substâncias insolúveis.

A determinação do componente deve ser feita utilizando a medida de uma propriedade física, como
volume ou massa, de absorção de radiação e do potencial elétrico, entre outras.

Basicamente, entre todos os métodos existentes de análises de alimentos, podemos separá-los em


dois tipos: sistemas instrumentais e sistemas convencionais.

Os sistemas instrumentais são aqueles que utilizam equipamentos eletrônicos mais sofisticados,
enquanto os convencionais utilizam apenas a vidraria e os reagentes, em processos de volumetria
e gravimetria.

A seguir, uma breve descrição dos dois métodos analíticos que são os mais utilizados na prática – o
método analítico de Weende e o método analítico de van Soest.

1.2.1 O método analítico de Weende

Nesse método, inicialmente, retira-se a umidade do alimento de modo a separar a matéria seca.
Posteriormente, separa-se o material inorgânico (minerais) do material orgânico. Do componente
orgânico, retiram-se os compostos nitrogenados, ou seja, a proteína, restando os compostos não
nitrogenados. Daí se retira o extrato etéreo, a gordura, restando os carboidratos e as fibras (figura
seguinte). Com exceção da fração extrativos não nitrogenados (azotados), calculada por diferença, as
demais frações são determinadas analiticamente.

Não há isolamento de compostos químicos, apenas dos grupos analíticos homogêneos (os seis
itens mencionados anteriormente). A fração de fibra bruta é determinada utilizando um meio
alcalino e ácido no alimento, em hidrólise sucessiva. A fração de fibra bruta, resultante do processo,
é constituída, basicamente, pelos componentes da parede celular (celulose, hemicelulose lenhina).
Porém ocorre que animais com capacidade fermentativa gastrointestinal são capazes de digerir a
celulose e a hemicelulose.

12
ANÁLISE DE ALIMENTOS

Alimento

Umidade Matéria seca

Matéria Cinza bruta


orgânica

Proteína Gordura Fibra Extratos não


bruta bruta bruta hidrogenados

Figura 1 – Esquema de fracionamento utilizado no método de Weende

Lembrete

Nesse método, por aproximação, toda a proteína possui igual quantidade


de nitrogênio, e todo o nitrogênio é devido à proteína.

O fato de a fração da fibra bruta ser usada ainda hoje como critério da qualidade dos alimentos
deve-se a diversos fatores: falta de conhecimentos a respeito dos processos bioquímicos que influem no
valor nutritivo; conceitos errôneos sobre a sua natureza; imposição do Estado do uso de fibra bruta
na rotulagem dos alimentos compostos.

O teor em proteína bruta é calculado com base no teor nitrogênio definido analiticamente, usando
o fator de 6,25 para converter o nitrogênio total em proteína bruta. Esse valor é obtido através da
estimativa de que a proporção média em N das proteínas é de 16%. Todavia sabe-se que essa proporção
em N dos alimentos não corresponde a essa porcentagem.

Simples e eficiente, esse método é muito usado hoje em dia, principalmente, em nutrição animal
e agronomia. Sua vantagem está no fato de seu custo ser baixo, além de ser prático e fácil de ser
executado e aceito internacionalmente. Em relação às desvantagens, em vez de separar os componentes
em nutrientes, ele separa o alimento em grupos de substâncias; além disso, não separa bem fibras
e carboidratos e, por fim, o valor do fator de correção e a determinação dos componentes não são
muito precisos.

13
Unidade I

1.2.2 O método analítico van Soest

Para resolver a questão da fibra bruta descrita no método de Weende, em 1966, Peter van Soest
propôs o método de soluções detergentes para a análise de alimentos (figura seguinte). Esse método
foi bem aceito, e o método de Weende, aos poucos, foi sendo substituído pelo de van Soest, alterando,
assim, a fração de fibra bruta para fibra de detergente neutro (NDF), fibra de detergente ácido (ADF)
e lenhina do detergente ácido (ADL); e os extrativos não nitrogenados pelos compostos solúveis em
detergente neutro (NDS).

Alimento

Digestão com solução detergente neutra (ND):


Lauril sulfato de sódio

Solúveis em ND: Fibra insolúvel em ND: componentes da


conteúdos celulares parede celular (NDF)

Digestão com solução detergente ácido (AD):


N-cetil-N, N, N-trimetil brometo de amônia

Solúveis em AD: Fibra insolúvel em AD:


hemicelulose e uma fração do celulose e lenhina (ADF)
hidrogênio da parede celular

Digestão com H2SO4 a 72%

Insolúvel: lenhina, cutina, uma fração


Solúvel: celulose do hidrogênio da parede celular e
cinzas (ADL)

Figura 2 – Esquema de fracionamento utilizado no método de van Soest

14
ANÁLISE DE ALIMENTOS

Através do método de van Soest, é possível verificar a digestabilidade dos alimentos, utilizando a
seguinte equação:

Y = 0,98X – 12,9

onde Y é a digestibilidade do alimento (%), X é a porcentagem de componentes celulares e 12,9


representa a constante de excreção fecal metabólica.

Com relação à digestão aparente, o método de van Soest estabeleceu uma equação que permite
estimar a fração de matéria seca ou de matéria orgânica:

D = 0,98 (100 – NDF) + NDF [1,425 – 0,769 log ADL 100] – 12,9
ADF
Essa equação permite que sejam inseridos fatores de correção em relação ao teor de sílica e de
nitrogênio ligado à lenhina.

O quadro seguinte traz, comparativamente, a equivalência entre os métodos de van Soest e de Weende.

Quadro 1 – Equivalência entre os métodos de van Soest e de Weende

Método van Soest Composição do alimento Método Weende


Hidrogenado Não hidrogenado
Gordura bruta
Conteúdos celulares Compostos Lipídio
(solúveis em hidrogenados não Componentes
detergente neutro) proteicos solúveis em água
Proteína solúvel Pectina amido
Compostos solúveis Extratos não
em detergente Proteína insolúvel Hemicelulose hidrogenados
ácido
Componentes da Lenhina
parede celular Compostos alcali-solúvel
(NDF) Compostos
insolúveis em hidrogenados Lenhina
detergente ácido lenhificados alcali-solúvel Fibra bruta
(ADF)
Celulose

Com relação aspecto nutricional, o método van Soest separa melhor os componentes da fração
fibrosa. Da perspectiva nutricional, aparenta ser interessante a substituição da tradicional fibra bruta
pela fibra em detergente ácido, entretanto, vale ressaltar que para determinar os nutrientes digestíveis
totais, utiliza-se a fibra bruta.

Observação

A análise dos nutrientes totais digestíveis é realizada através do


estudo da fibra bruta.
15
Unidade I

Temos que os métodos de van Soest e de Weende fornecem, juntos, informações suficientes sobre a
composição de determinado alimento. Todavia informações complementares constantemente se fazem
necessárias e posteriormente serão abordadas.

1.2.3 Nutrientes digestíveis totais (NDP)

Como os sistemas vistos anteriormente não examinam os demais componentes dos alimentos, de
modo a prover essa lacuna, Henry & Morrison, em 1910, propuseram o sistema nutrientes digestíveis
totais (NDT). Porém, sua utilização é dispendiosa e demorada.

Hoje em dia, calcula-se o NDT utilizando a energia digestível, com a estimativa de que 1 kg de
NDT gera aproximadamente 4.400 Kcal de energia digestível. O NDT pode ser calculado através
da seguinte expressão:

% NDT = (% proteína digestível) + (% extrato etéreo digestível x 2,25) +

(% fibra digestível) + (% extrato não nitrogenado digestível)

1.2.4 Determinação de minerais

Para a determinação da composição de microminerais e macrominerais, a análise é feita pela


técnica de absorção atômica. Os microminerais são explicitados em unidade de mg/kg de alimento ou
PPM (partes por milhão), enquanto que os macrominerais em % dos ingredientes.

1.2.5 Determinação de vitaminas

No caso da determinação de composição de vitaminas, atualmente, está sendo realizada por


cromatografia e espectrofotometria, sendo que antigamente era feita por sistemas microbiológicos.
As vitaminas A, D e E são explicitadas em unidades internacionais (UI). Todas as outras, em miligramas.

Diante de inúmeros métodos, qual escolher? O primeiro passo a ser dado, antes da análise, é definir
qual o melhor método de análise para cada caso, porque sendo o alimento uma amostra complexa,
os seus diversos componentes podem interferir entre si. Assim, dependendo da situação, um método
pode ser mais adequado para certo tipo de alimento, mas, ao mesmo tempo, não fornecer uma análise
satisfatória para outro.

Portanto, para a escolha do método analítico, devem-se observar os seguintes critérios:

• Em relação à concentração relativa do constituinte: no caso dos componentes maiores que


1% em relação à massa total da amostra, os métodos analíticos gravimétricos e volumétricos
podem ser adequados. Para os componentes menores, entre 0,01 e 1% da massa total, e menores
que 0,01%, frequentemente, para esses casos, torna-se necessário o uso de equipamentos com
maior sensibilidade, como os utilizados nos métodos instrumentais.

16
ANÁLISE DE ALIMENTOS

• Para uma precisão necessária: os métodos clássicos podem atingir uma precisão de 99,9%,
isso quando o componente analisado constitui mais de 10%. A precisão é comprometida quando
componentes constituem frações menores que 10%, portanto, nesse caso, devem-se preferir
métodos instrumentais.

• Quanto à composição química: substâncias interferentes são contumazes em alimentos. Quando


a composição dos materiais é muito complexa, a escolha do método deve considerar a possível
existência de interferentes. Nesse caso, há, também, uma complexidade no próprio processo
analítico, pois, antes de realizar a análise da concentração objetivada, torna-se necessário efetuar
a separação dos interferentes. Como, em geral, as amostras são complexas, quase sempre há a
necessidade de uma separação ou extração prévia dos constituintes a serem examinados.

• Em relação aos recursos disponíveis: em muitos casos, o melhor método ou o mais adequado
para a análise não é possível ser utilizado, ou por causa do seu alto custo, um fator limitante em
função do equipamento necessário, ou mesmo por causa do tipo de reagente.

Observação

A precisão dos métodos clássicos é comprometida quando os


componentes se apresentam em concentrações menores que 10%.

1.2.6 Procedimento para análise quantitativa

Quando se realiza uma análise quantitativa, algumas etapas básicas, essenciais, precisam constar no
procedimento geral. Elas estão descritas a seguir.

Amostragem

Nessa primeira etapa, separa-se uma pequena porção homogênea do material a ser analisado, de
dimensões apropriadas para o trabalho que será realizado em laboratório, de modo que essa porção
represente, perfeitamente, todo o material inicial. Também é imperioso que o volume e a massa da
amostra sejam conhecidos para as operações posteriores.

Processamento (tratamento da amostra)

A preparação da amostra é precisamente o tratamento necessário que precisa ser realizado para as
análises subsequentes, tais como a filtração e moagem de sólidos, a eliminação de gases, entre outros.

Modificação das características químicas e físicas (calibração)

Nessa etapa, será feita a preparação da amostra. O tipo de tratamento feito aqui depende
essencialmente do método analítico escolhido e da natureza do material estudado.

17
Unidade I

Comumente, o componente de interesse pode ser extraído com o uso de solvente, que pode ter
água ou algum solvente orgânico, ou talvez seja necessário utilizar ácido. Contudo é imperioso que os
reagentes químicos inseridos na preparação da amostra não interfiram nos próximos passos da análise
ou, em caso contrário, pelo menos, deverão ser facilmente removidos.

Separações

Esse passo baseia-se na supressão de substâncias interferentes, pois, não raro, as propriedades físicas
utilizadas na análise quantitativa de uma espécie podem ser confundidas com outras substâncias e,
nesse caso, torna-se imprescindível a subtração desses interferentes antes da análise final.

Uma forma para eliminar a substância interferente é transformá-la em outra espécie inóxia, o que
pode ser realizado por oxidação, redução ou complexação, ou, outra forma seria o seu insulamento em
uma fase separada, utilizando a subtração com solventes e cromatografia.

Medidas analíticas

Esse é o ponto principal de todo o processo analítico. É aqui que é realizada a medição qualitativa
do componente na amostra.

Análise dos resultados

Com os dados em mãos, nesse passo, a análise dos resultados é realizada de forma apropriada,
com um software adequado à análise de dados, com o intuito de se extrair as medidas das médias, os
desvios padrões, as incertezas estatística e instrumental, os coeficientes de variação e a covariação e
incerteza final.

1.3 Órgãos responsáveis pela fiscalização, legislação de alimentos e rotulagem

O Brasil possui diversas instituições responsáveis pela fiscalização de alimentos, todavia, destacam-se
duas principais: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (Mapa). Também é compartilhada entre outros órgãos da administração pública: o
Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade
e Tecnologia (INMETRO), Defesa do Consumidor (Decon), entre outros.

Definida pela Lei n. 9.782/1999, a Anvisa, de modo geral, tem responsabilidade na coordenação, na
regulamentação, no controle e na fiscalização dos alimentos destinados ao consumo humano, desde a
produção até a comercialização final, assegurando a saúde pública.

Dividimos os alimentos sob seu domínio da seguinte forma:

• os que apresentam obrigatoriedade no registro para o comércio – Resolução-RDC n. 27/2010,


Anexo II (BRASIL, 2010);

• os que são dispensados de registro – Resolução-RDC n. 27/2010, Anexo II (BRASIL, 2010);


18
ANÁLISE DE ALIMENTOS

• os que além de serem dispensados de registro, são também dispensados de informar o início de
fabricação – Resolução n. 23/2000, item 5.1.6 (BRASIL, 2000).

Cabe, ainda, à Anvisa a regulamentação, o controle e a inspeção de produtos de origem vegetal, desde
a fabricação até a comercialização no varejo; de produtos de origem animal, no comércio varejista; e
demais produtos processados, desde a indústria até o comércio varejista, como águas envasadas, bebidas,
alimentos, seus respectivos insumos, aditivos alimentares, embalagens, contaminantes orgânicos, sobejos
de agrotóxicos e medicamentos e, por fim, produtos e serviços que, de algum modo, possam gerar risco
à saúde pública.

Em relação ao Mapa, de acordo com a Lei n. 1.283/1950 (BRASIL, 1950), é de sua responsabilidade
a inspeção de todos os alimentos unicamente de origem animal, como ovos, pescados, carnes, mel,
leite e seus derivados; e também as bebidas alcoólicas, fermentadas e não alcoólicas; e, por fim, os
vegetais in natura, comestíveis e não comestíveis, preparados, transformados, manipulados, recebidos,
acondicionados, depositados e em trânsito enquanto localizados nas indústrias, fábricas, usinas, nas
propriedades rurais e nos estabelecimentos entrepostos.

Pelo Decreto n. 30.691/1952 no Art. 51 (BRASIL, 1952), é vedado a qualquer empresa realizar
comércio de produtos de origem animal para outro país ou mesmo para outros estados da federação,
sem o registro na Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa). E, além disso, no caso
do comércio para outros países, a empresa deverá atender à normalização específica estabelecida pela
Dipoa para esse fim.

Dessa forma, para que se possa iniciar o processo de produção e comercialização, tanto nacional
quanto internacionalmente, os estabelecimentos desses produtos devem prover o registro no órgão.

Como mencionado, apesar de a responsabilidade principal pela inspeção e fiscalização, no Brasil,


pertencer principalmente à Anvisa e ao Mapa, entretanto, no processo da regulação dos alimentos,
há, também, muitos outros órgãos responsáveis. Todavia esses órgãos só podem exercer essa atividade
através de portarias, resoluções ou instruções normativas, de modo que não é permitido exceder o
termo da lei, velando para que suas ações não sejam inconstitucionais, sob pena de anulação.

Nesse contexto, há a possibilidade de conflito de competências sobre um mesmo produto, existindo


mais de um órgão responsabilizado sobre a produção de determinados alimentos.

Destaca-se que a Anvisa tem a responsabilidade pela inspeção de todos os produtos do mercado.
Portanto, mesmo que um produto seja também de responsabilidade do Mapa, quando estiver no
comércio, a sua fiscalização pertence à Vigilância Sanitária, concernindo a ela notificar, ou, se for o caso,
apreender os produtos, quando não estiverem em conformidade com a legislação do Brasil.

Os conflitos de legislações produzem vulnerabilidades nas operações de prevenção e proteção à


saúde do consumidor. Já a multiplicidade na fiscalização ocorre, por exemplo, quando um único fiscal
apenas, em uma cidade, for o responsável pelo monitoramento de todos os tipos de estabelecimentos,
utilizando a mesma legislação para todos eles, quando as empresas têm características diferentes.
19
Unidade I

A Resolução-RDC n. 275/2002 normaliza a fiscalização na fabricação de produtos alimentícios.


Ela, às vezes, é usada na fiscalização da agroindústria e da indústria, sendo que para a primeira já
há uma legislação específica: a Instrução Normativa Mapa n. 22/2010, para a fiscalização de bebidas,
fermentados acéticos, vinhos e derivados da uva e do vinho e de suas matérias-primas.

A Lei n. 1.283/1950, no caso da fiscalização no comércio varejista, concerne ao Ministério


da Agricultura a inspeção de produtos de origem animal em empresas varejistas e atacadistas.
Concomitantemente, o Decreto-Lei n. 986/1969 incumbe à Anvisa o monitoramento de locais onde
há manipulação, fabricação, beneficiamento, acondicionamento, conservação, transporte, depósito,
distribuição ou venda de alimentos. Desse modo, o estabelecimento pode impedir a fiscalização por
um órgão de saúde, caso já tenha sido fiscalizado pelo da agricultura, prejudicando o mister realizado
pela vigilância sanitária.

O quadro seguinte mostra os tipos de alimentos regulamentados pelo Mapa em três subcategorias
– vegetais in natura, bebidas em geral e produtos exclusivamente de origem animal.

Quadro 2 – Esquemas com os alimentos regulamentados pelo Mapa

Produtos
Vegetais in natura Bebidas em geral exclusivamente de
origem animal
Carnes e derivados
Bebidas não alcoólicas Leite e derivados
Bebidas alcoólicas Ovos e derivados
Bebidas fermentadas Mel e derivados
Pescados e derivados

O quadro seguinte mostra os tipos de alimentos regulamentados pela Anvisa em duas subcategorias
– aditivos alimentares e demais alimentos processados.

Quadro 3 – Esquemas com os alimentos regulamentados pela Anvisa

Aditivos alimentares Demais alimentos processados


(registro obrigatório)
Alimentos com registro obrigatório
Alimentos com dispensa em registro

A duplicidade de regulamentação ocorre quando há mais de um órgão responsável pela normalização


do mesmo produto ou especificação, o que compele a empresa a anuir com as duas regulamentações.
Como exemplo disso, pode-se citar a especificação em relação à rotulagem de alimentos.

Quanto à rotulagem, a Anvisa estabelece alguns regulamentos técnicos. Temos a Resolução-RDC


n. 259/2002, que normaliza a rotulagem de alimentos embalados; a Resolução-RDC n. 359/2003,
que discorre a respeito das porções de alimentos embalados para fins de rotulagem nutricional;
e a Resolução-RDC n. 360/2003, que expõe sobre rotulagem nutricional de alimentos embalados,
impondo a rotulagem nutricional.

20
ANÁLISE DE ALIMENTOS

O Mapa define os seguintes regulamentos técnicos: a Portaria n. 371/1997, que normaliza a


rotulagem de alimentos embalados; a Instrução Normativa n. 22/2005, que normaliza a rotulagem de
alimentos de origem animal embalados.

Há ainda a Portaria INMETRO n. 157/2002, que admite o Regulamento Técnico Metrológico e que
designa o modo de apresentar a quantitativamente o conteúdo líquido dos produtos pré-medidos.

Adicionalmente, há também o Decreto n. 4.680/2003, conhecido como Lei de Rotulagem, que


normaliza quanto aos alimentos e ingredientes designados ao consumo humano ou animal, fabricados
a partir de organismos geneticamente modificados ou que os contenham. Assim, todos os alimentos
fabricados a partir de matéria-prima transgênica necessitam de rotulação informativa, de modo a
instruir o consumidor com um símbolo específico dessa finalidade.

Percebe-se que é necessário somar várias legislações de modo a obter uma rotulagem precisa para
diferentes tipos de alimentos. Em alguns momentos, a legislação exprime anfibologias e conflitos de
competências entre os órgãos ajuizados de fiscalização e regulamentação. Daí a necessidade
de conhecimento e estudo das normas e legislações que se aplicam em cada tipo de negócio e
empreendimento, para impedir possível confusão de duplicidade de regulamentação e inspeção.

Saiba mais

Para saber mais sobre os órgãos responsáveis pela fiscalização e pelas


normas de segurança em alimentos, acesse o site da Anvisa:

Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br. Acesso em: 17 mar. 2021.

1.4 Técnicas de amostragem em análise de alimentos

O preparo das amostras é de importância fundamental para a qualidade dos dados obtidos e o
resultado final da análise dos alimentos. Qualquer falha nesse processo ou caso ele não seja bem
executado, comprometerá todo o resultado final.

A amostragem compreende uma série de operações com o objetivo de obter uma porção pequena
e adequada ao método de análise já definido, do material inicial, mas que ao mesmo tempo represente
todo o conjunto da amostra, ou seja, essa porção pequena deve conter a mesma composição química,
propriedades físicas e químicas do material em estudo.

Vimos anteriormente que o passo inicial em análise de alimentos é justamente a definição do método
de análise que será utilizado, cuja escolha depende de diversos fatores, como o custo do método, os
equipamentos disponíveis, a precisão requerida para os dados finais, o tipo de amostra e, entre eles, a
quantidade de amostra inicial disponível para a análise.

21
Unidade I

Escolha do método Amostragem Tratamento


de análise

Calibração, Avaliação dos


Medida analítica
separação resultados

Figura 3 – Esquema sequencial dos processos de análise

O que se deseja no processo de amostragem é assegurar que os resultados sejam confiáveis, que eles
representem informações verdadeiras do material em estudo, além disso, os erros cometidos aqui não
poderão ser compensados ou corrigidos nas etapas seguintes. Desse modo, é imperioso que o analista
tenha, tanto quanto possível, o conhecimento prévio da amostra, de modo a avaliar alguns fatores,
como a qualidade média da uniformidade da amostra total.

O material é uniforme em relação a sua composição, propriedades físicas e químicas? Quanto


à natureza do lote, qual seu tamanho? Há divisão em sub-lotes? Está a granel ou embalado? Sobre a
natureza do material, o tamanho unitário, a história prévia e custo e a natureza dos procedimentos de
teste, são destrutivos ou não? E o tempo e custo das análises?

Estatisticamente, há dois tipos de amostragem: a amostragem ao acaso, quando o material total


possui uma distribuição aleatória, sem um padrão definido ou preferencial, em que cada porção tem
a mesma probabilidade de ser escolhida como amostra; e a amostragem representativa, quando há
padrões de variações, ou seja, variações sistemáticas. E, nesse caso, deve-se dividir o material em porções
ou secções maiores de modo que essas secções possam ser um conjunto representativo da amostra total.

Amostra

É homogênea? Não

Sim Homogeneizar

Análise

Figura 4 – Esquema sequencial do processo de amostragem

Lembrete

A amostra é uma fração do material que representa perfeitamente o


alimento analisado.

22
ANÁLISE DE ALIMENTOS

1.4.1 Coleta

Precisa haver integração e sincronia entre o sistema de coleta e o laboratório de análise, pois o envio
de amostras não deve exceder a capacidade de análise e o processamento do laboratório, sendo que as
amostras reservadas para a análise de composição deverão ser enviadas separadamente às reservadas
para análises microbiológicas em recipientes limpos com embalagens originais de modo a preservar as
características dos materiais.

No caso de produtos perecíveis, devem ser acondicionados em recipientes isotérmicos, juntamente


com uma substância refrigerante, sem que haja contato entre ambos. Deve-se atentar para que o tempo
decorrido entre a coleta e o momento em que a amostra chegue ao laboratório seja o menor possível,
evitando a necessidade de estocagem prévia entre coleta e entrega ao laboratório. Ainda, é necessário
observar as condições de exposição da amostra até o final da análise quanto a fatores que possam
modificá-la relativamente às suas características iniciais, como contaminantes, exposição à radiação
solar e umidade, entre outros

1.4.1.1 Coleta da amostra bruta

Tanto quanto possível, a amostra necessita ser uma representação, não apenas em relação à
composição, mas também quanto à distribuição do tamanho dos grãos. Quando a amostra é um líquido,
o processo de amostragem torna-se mais simples, pois se já não for homogênea, haverá a necessidade
de combinar as diversas partes a fim de obter uma amostra representativa do todo através da agitação
e homogeneização e, então, a coleta deverá ser feita de regiões da parte de baixo, do meio e do alto do
recipiente, de modo a garantir a representatividade. No caso de sólidos, caso não haja homogeneidade,
a amostra deve ser moída e, em seguida, misturada.

Quanto à quantidade, a coleta vai depender do tamanho do lote. Se o material estiver em lotes,
como, por exemplo, de latas ou caixas, a amostragem deve conter entre 10% e 20 % em relação ao total
de embalagens ou de 5% a 10% da massa total do material. Caso o lote seja muito grande, o que torna
inviável a coleta ou análise nas proporções descritas, então se faz o seguinte cálculo da quantidade a
ser analisada: raiz quadrada do número de unidades do lote. O resultado desse cálculo será a quantidade
de amostras a serem coletadas.

Já para uma única embalagem ou lotes pequenos, todo o material poderá ser utilizado como uma
amostra bruta.

1.4.2 Preparação e tratamento da amostra pré-tratamento

Em todo o processo prático de análise, este é o ponto mais crítico, pois é aqui que, em geral, se gasta
a maior parte do tempo, em que os erros aparecem mais frequentemente e cujo custo pode ser elevado.

É nessa etapa que a amostra sofre a transformação necessária para que se torne apta ou adequada
às etapas subsequentes na determinação de seus constituintes, objetivando a sua conversão em uma

23
Unidade I

mistura homogênea. Nesse ponto, ocorrem os processos de filtração e secagem, moagem e separação
de constituintes de sólidos, entre outros.

No caso de alimentos secos, de acordo com a necessidade de cada método escolhido, opera-se a
redução de seu tamanho através de um processo manual chamado de quarteamento ou pela utilização
de um equipamento amostrador (Boerner ou Riffle).

Alimentos úmidos, por exemplo, queijos e chocolates, devem primeiro ser ralados; para frutas,
vegetais e peixes, picá-los e moê-los, para posterior processo de quarteamento ou uso de um
amostrador; devem ser guardados em refrigeração. Alimentos em emulsão, como o requeijão, manteiga
e margarina, devem ser aquecidos em recipientes fechados antes da mistura para amostragem.

Os líquidos devem ser muito bem misturados, para, na sequência, retirarem-se amostras de partes do
fundo, do meio e do topo do recipiente. Essas partes serão misturadas em outro recipiente e constituirão
a amostra final.

A dissolução de uma amostra significa a sua transformação em uma mistura, isto é, quando a
amostra, em qualquer estado da matéria (gás, líquido ou sólido), é dissolvida em determinados líquidos,
a temperaturas baixas, ocorrendo ou não uma reação química. Já a abertura da amostra significa
transformá-la em outra, no estado sólido, por meio de reações químicas.

1.4.2.1 Tratamento

Se a etapa anterior visava, principalmente, à homogeneização da amostra, nesta, objetiva-se os


processos de desintegração, que dependem fundamentalmente do método de análise escolhido, bem
como das características da amostra, a fim de obter uma extração eficaz do componente analisado.

Assim, entre os processos de desintegração, podemos destacar três: a desintegração mecânica,


que utiliza liquidificadores ou moedores, como por exemplo, moinhos Willey, tanto para amostras
secas quanto para amostras úmidas; a desintegração enzimática, que faz o uso de enzimas, como as
carboidrases e proteases, a fim de catalisar a desintegração de carboidratos e proteínas; e a desintegração
química, que com a aplicação de detergentes sintéticos e ureia, entre outros, realiza a dispersão dos
constituintes analisados.

Devido a diversos fatores, muitas vezes, as análises não podem ser realizadas logo após seu preparo
ou coleta, necessitando serem preservadas em seu estado original até o exame final. Assim, existem
alguns modos de conservação, os quais se destacam o controle de oxidação, como o próprio nome diz,
serve para reduzir as ações oxidativas do material a temperaturas baixas através do uso de nitrogênio
líquido; neutralização da atividade enzimática para materiais vivos; controle microbiano, usando a
combinação de congelamento, conservantes e remoção de umidade; por fim, o controle das alterações
dos lipídios devido à própria ação de tratamento da amostra, resfriando-a rapidamente. Estando a
utilização de cada um na dependência do tipo de material e da técnica escolhida.

24
ANÁLISE DE ALIMENTOS

A maior parte das modificações, após a coleta, que se manifestam nos materiais em estudo, é
devido à umidade. Alimentos que possuem alto teor de umidade estão mais sujeitos a essas alterações.
Contudo, o oposto também é possível, quando há a absorção de umidade. Outros fatores também
ocorrem: contaminação devido ao desgaste mecânico dos moedores; oxidação relacionada ao processo
de homogeneização; ataque de microrganismos; perda de elementos voláteis; decomposição química,
entre outros.

2 ÁGUA EM ALIMENTOS

Imagine a situação na qual possuímos a amostra de um alimento, e nosso objetivo seja determinar
a quantidade total de água ou a umidade presente nesse material.

Nosso primeiro passo é medir a massa inicial dessa amostra, depois de submetê-la por um
determinado tempo a um processo de secagem em que constatamos que já não há mais a presença de
umidade no alimento, medimos, então, sua massa final, e assim, com esses dados, tanto da massa final
quanto da inicial, podemos determinar a quantidade total de água que estava presente no alimento, em
porcentagem, antes do processo de secagem:

% de umidade =
(mi − mf ) ×100
mi

onde, mi é a massa inicial e mf é a massa final da amostra, depois de submetida ao processo de secagem.

Essa medida é o teor de umidade, cuja importância está diretamente ligada à qualidade e estabilidade
do alimento. Além disso, assim como nos casos de combustíveis veiculares, a água também é utilizada
como um adulterante, pois os custos dos alimentos estão relacionados à sua quantidade, ou seja, à
sua massa. Dessa forma, quanto maior o teor de umidade, maior é a probabilidade de o produto ser
fraudado. Um exemplo é o que ocorre com a adição de água no leite.

Todavia o teor de umidade fornece apenas um dado geral, e não indica, por exemplo, como é feita a
distribuição dessa água ou como ela está ligada ao alimento. Por que é importante saber isso? O senso
comum diz que quanto maior a quantidade de água, maior a chance de que ocorra a proliferação de
algum microrganismo, correto? Depende.

É de suspeitar que a água presente nos alimentos não esteja ligada de modo uniforme. Você sabe
como as moléculas de água do próprio alimento estão ligadas a ele?

Porque se uma parte dessa água estiver fortemente ligada a outras substâncias do alimento, os
microrganismos não conseguirão utilizá-las para o seu desenvolvimento. Assim, surge o conceito de
água livre, que representa aquela fração de água fracamente ligada ao alimento e presente entre
os poros intragranulares do material com a característica de solvente e que participa de reações
químico-enzimáticas e permite o desenvolvimento de microrganismos e o conceito de água ligada
ou combinada, que possui uma ligação mais forte com as substâncias presentes no alimento e, por
25
Unidade I

conseguinte, não atua como solvente, retardando as reações enzimáticas e químicas, não permitindo o
crescimento de microrganismos.

Exemplo de aplicação

Conhecer as propriedades da água permite relacionar a importância destas com a conservação de


alimentos, sobretudo os desidratados, que acabam tendo um maior tempo de validade; e também refletir
quão importante é a água para o equilíbrio hídrico na manutenção de nossas atividades metabólicas.
Vale a pena conhecer mais sobre esse tema.

Água total

Moléculas de
Moléculas de água ligada
água livre

Figura 5 – Representação ilustrativa de água total, água ligada


e água livre presentes em uma amostra de alimento

Existe ainda uma parte da água total que não é nem água ligada e nem água livre, a chamamos
de água absorvida. Ela constitui uma camada bem fina de água que se liga tanto à superfície externa
quanto interna de amidos, proteínas e outros tipos de coloides macromoleculares.

2.1 Atividade de água (Aa)

Enquanto o teor de umidade significa a água total presente no alimento, ou seja, é a água livre mais
a ligada e a absorvida, a atividade de água (Aa) representa apenas a água livre, aquela que atuará
como solvente, interagirá com os microrganismos e participará das atividades enzimáticas. Dessa forma,
podemos estabelecer uma relação entre o valor de Aa e a conservação dos alimentos. Quanto maior o
valor de Aa em determinado alimento, maior é a capacidade de microrganismos se desenvolverem nele.

Conceitualmente, Aa é definida pela relação entre a pressão do vapor de água presente no alimento
(P) e a pressão do vapor de água pura (Po) à mesma temperatura, expressada por:

P
Aa =
Po

26
ANÁLISE DE ALIMENTOS

Mantendo-se a temperatura constante, percebe-se que a Aa, percentualmente, é sempre cem vezes
maior que e a umidade relativa de equilíbrio do ar (URE) em um ambiente fechado. Assim, temos que:

URE
Aa =
100

Existem diversos métodos para determinar a atividade de água. Um deles é submeter o alimento a
ambientes com umidade relativa do ar controlada a temperaturas constantes (isotermas), com a medição
frequente de sua massa (seca e úmida), até que não se perceba mais variações, ou seja, se alcance o
equilíbrio. Tem-se, desse modo, a isoterma de adsorção, que é a representação da pressão parcial da
umidade presente no alimento.

massa de água
Adsorção de água =
massa de material seco

0,5
Massa de água (g)/Massa de matéria seca (g)

0,4

I II III
0,3

0,2

0,1

0
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
Atividade de água (Aa)

Figura 6 – Gráfico da isoterma de adsorção e atividade de água (Aa)

Observe a figura anterior. Na região I, também conhecida como monocamada BET


(Brunauer-Emmett-Teller), com Aa aproximadamente até 0,2, a água é mais fortemente ligada às
demais substâncias do alimento, incorporada às proteínas, mantém a estrutura, não deixando o alimento
se deteriorar. Na região II, mais ampla, entre 0,2 e 0,85, a água em forma de multicamadas não está
totalmente livre, atua como solvente e possui elevado gradiente de Aa. E na região III, conhecida como
Bulk, possui maior concentração de água livre, a água fica contida em capilares, atuando como solvente
na formação de soluções.

A parcela de água livre dentro dos alimentos afeta a sua atividade microbiológica, física, química
e enzimática, de modo que a pressão relativa (Aa) que o vapor de água desempenha nos alimentos

27
Unidade I

depende de causas intrínsecas, como a umidade e a composição do alimento; e extrínsecas, como a


umidade e a temperatura externas ao alimento. Dado que, se a temperatura externa ao qual o alimento
estiver exposto for constante, a umidade interna vai se modificar até se equilibrar com a umidade
externa, alterando para mais ou para menos a massa do alimento. Como se pode observar através do
quadro e da figura seguintes, o desenvolvimento de microrganismos está diretamente relacionado à
atividade de água, então, podemos, também, em um ambiente controlado, determinar a Aa através de
um estudo do crescimento de microrganismos no alimento.

Outros métodos para determinar a atividade de água através de equipamentos eletrônicos utilizam
sempre padrões de referência para a pressão de vapor de água. Com base nesses padrões, o alimento é
submetido a sensores que determinam sua resistência ou à corrente que o atravessa. Qualquer variação
desses indicadores relaciona-se diretamente com a variação da pressão ou umidade de água presentes
no próprio alimento.

Na análise de alimentos, é fundamental a determinação da atividade de água, porque através dessa


medida, é possível prever o crescimento de microrganismos e as possibilidades de reações químicas e a
estabilidade física dos alimentos em prateleiras, além de possibilitar avaliar a troca de umidade entre os
diversos constituintes presentes no alimento e o próprio ambiente externo.

De modo geral, quanto menor o valor da Aa, maior a probabilidade de conservação dos alimentos.
Para a atividade de água, o valor máximo possível é 1, que é o caso da água pura. Para alimentos, valores
próximos a 1 ou acima de 0,9 são considerados altos e, assim, possuem maior probabilidade de
desenvolverem microrganismos com maior velocidade, caso haja alguma contaminação, pois as soluções
diluídas dos alimentos atuam como substrato para o seu crescimento, ao mesmo tempo em que valores
abaixo de 0,6, tem-se um decréscimo significativo no desenvolvimento de microrganismos.

Na figura a seguir, pode-se verificar que para valores abaixo de 0,8 e acima de 0,4, há um favorecimento
das reações enzimáticas e químicas, pois, nessa faixa, ocorre uma elevação da concentração dos
reagentes. Já para valores abaixo de 0,3, a concentração de água livre é tão baixa que não há dissolução
dos constituintes do alimento, o que diminui a velocidade das reações, excetuando as reações de
oxidação lipídicas, cujo acontecimento se verifica tanto a baixos quanto a altos valores de Aa.

A seguir, veja o quadro com valores de atividade de água em relação a alguns tipos de microrganismos.

Quadro 4 – Atividade de água (Aa) para o crescimento


de microrganismos patógenos

Aa para pico na velocidade


Microrganismos de crescimento
Clostridium botulinum (tipo E) 0,97 a 0,95
Clostridium botulinum (tipo A) 0,95 a 0,93
Clostridium perfringens 0,95 a 0,93
Salmonella spp. 0,95 a 0,92

28
ANÁLISE DE ALIMENTOS

Aa para pico na velocidade


Microrganismos de crescimento
Staphilococcus aureus 0,86
Penicillium viridicatum 0,83
Aspergillus parasiticus 0,82
Penicillium cyclopium 0,85 a 0,81
Aspergillus flavus 0,80 a 0,78
Aspergillus ochraceus 0,83 a 0,77
Bactérias halofílicas 0,75
Bolores xerofílicos 0,65
Fungos osmofílicos 0,60

Adaptado de: Barbosa-Cánovas et al. (2007); Barbosa et al. (2007, p. 97).

Oxidação Escurecimento
1,0 1,0
Taxa relativa de

Taxa relativa de
deterioração

deterioração
0,5 0,5

0 0
0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
Atividade de água (Aa) Atividade de água (Aa)

Atividade enzimática Crescimento de mofos


1,0 1,0
Taxa relativa de

Taxa relativa de
deterioração

deterioração

0,5 0,5

0 0
0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
Atividade de água (Aa) Atividade de água (Aa)

Crescimento bacteriano
Produção de toxinas
1,0
Taxa relativa de
deterioração

0,5

0
0,2 0,4 0,6 0,8 1,0
Atividade de água (Aa)

Figura 7 – Deterioração em alimentos em função da atividade de água

Visto que Aa é a água que atuará como solvente disponível às reações químicas e enzimáticas,
quanto maior o seu índice, dependendo da composição do material, haverá maior número dessas reações
e também da oxidação. Desse modo, a deterioração dos alimentos é consequência direta de
reações enzimáticas e químicas causadas por microrganismos ou pela desintegração do próprio
substrato devido a enzimas presentes nele. O desenvolvimento de microrganismos ocorre devido ao
29
Unidade I

aumento do valor de Aa que induz ao crescimento microbiano. De maneira oposta, na diminuição da


Aa, os microrganismos, objetivando abrandar a falta de água celular, equilibram a pressão osmótica em
sua membrana celular, acumulando alguns solutos, como o glicerol, íons K+, glutamato, e outros, o que
influencia em seu metabolismo e causa a diminuição do crescimento da população.

Para a rancidez, alguns microrganismos, como Clostridium, leveduras e bolores, entre outros, são
produtores de enzimas lipolíticas que interagem e reagem com as gorduras presentes nos alimentos,
o produto dessa reação são os ácidos, aldeídos e cetonas responsáveis pelo odor e sabor próprio
da rancidez.

A modificação da viscosidade pode se originar através de duas vias, concomitantes ou


independentes: a modificação que provém do aumento do número de bactérias e, por conseguinte,
aumento de material capsular das células de bactérias responsáveis pela ampliação da viscosidade; e
modificações devido à coagulação doce (geleificação) subsequente à produção de enzimas proteases.
Já o escurecimento do alimento, o que não é causado por reações, como a de Maillard, pode surgir
devido à proliferação de diversos microrganismos, por exemplo, os Pseudomonas ou Proteus, causando
manchas pretas.

2.2 Métodos de determinação de umidade

2.2.1 Secagem utilizando estufas

A água é retirada do alimento através de aquecimento, em que o calor se propaga por condução.
Devido ao fato de que, em geral, a condutividade térmica dos alimentos é baixa, este processo pode
levar até 18 horas a uma temperatura de 100 °C para ser finalizado, contribuindo com a evaporação de
outros componentes voláteis ou com reações de decomposição, gerando uma superestimação do valor
de umidade obtido.

Apesar de ser um processo muito simples de ser realizado, a secagem utilizando estufas possui
a complicação de não conseguir remover a água completamente devido à formação de crostas na
superfície que impedem sua evaporação para o exterior, ou porque as ligações de hidratação da água
são mais fortes em alguns casos, dificultando a difusão dentro do alimento.

Entre os diversos agentes que influem na precisão do método de secagem por estufa, destacam-se
a temperatura, que, para uma estufa simples que não utiliza vácuo, pode ser um pouco acima do valor
de ebulição da água e, dependendo do substrato, vai até aproximadamente 155 °C; já para estufas que
utilizam vácuo, esse valor pode ser mais baixo, cerca de 70 °C, resguardando a amostra de decomposição
e evitando a formação de crostas na superfície.

Quanto menor o tamanho das partículas dos alimentos, maior é a área de contato entre sua
superfície e a atmosfera, portanto o processo de secagem ocorre mais rápido.

Os cadinhos de alumínio transferem melhor o calor para os alimentos do que os cadinhos feitos de
porcelana ou vidro devido à maior condutividade térmica dos metais, fazendo com que a evaporação
ocorra mais rapidamente. Quanto ao seu formato, os mais rasos permitem maior difusão e área de
contato com a atmosfera, elevando também a velocidade de evaporação da água.
30
ANÁLISE DE ALIMENTOS

As estufas, como já mencionado, as que trabalham com vácuo e, adicionalmente, as com ventilação
forçada, são melhores do que as estufas simples, pois propiciam maior velocidade de evaporação.

A medição da massa da amostra deve ser feita sempre a frio, quando já há um relativo equilíbrio
na variação da massa, pois, a quente, essa variação ainda é elevada.

Quanto ao tempo, este pode variar de 6 a 7 horas, dependendo da quantidade de água presente
no material, esse processo termina quando o valor de medição da massa se torna constante, ou seja, já
não varia mais.

Mesmo sendo o método mais utilizado, ele possui diversas limitações, dependendo do tipo
de alimento, tais como material com alto ter de açúcar ou gordura, que deve ser necessariamente
aquecido, no máximo, a 70 °C em estufas a vácuo devido ao fato de que algumas espécies dessas
substâncias se desagregarem nessa faixa de temperatura liberando água, a valores mais altos, as
reações de caramelização são aceleradas. Esse método não é útil para alimentos condimentados, pois
eles apresentam muitas substâncias voláteis, nesse processo, serão confundidos com a massa de água
vaporizada, levando a um erro de medição.

Os alimentos com tendência a absorver umidade necessitam de serem isolados da atmosfera ao


saírem da estufa, e a massa deve ser medida rapidamente ao atingirem a temperatura ambiente. Deve-se
analisar a viabilidade do uso desse método em produtos que contenham proteína e açúcares redutores,
pois podem sofrer a reação de Maillard, gerando compostos voláteis carbonílicos, dióxido de carbono,
entre outros, que durante a medição da massa, serão confundidos com a massa de água evaporada.

Por fim, um fator que pode ser determinante para a precisão que se deseja na análise é a imprecisão
do valor da temperatura dentro da estufa, que devido ao gradiente de propagação do calor, pode variar
em 3 °C entre o valor do ponto medido pelo termopar e a temperatura do ponto em que esteja a amostra.

2.2.2 Secagem utilizando radiação infravermelha

Utiliza aquecimento se baseando na propagação de calor por radiação infravermelha. A radiação


infravermelha é uma radiação eletromagnética, com faixa de comprimento de onda entre 700 µm e
50.000 µm, que se propaga em qualquer meio. Esse método corrige dois pontos falhos do processo
anterior de secagem por estufa: a imprecisão, devido à propagação por condução, que depende da
área de contato da atmosfera ao redor do substrato; e como penetra melhor no material, o tempo de
secagem da amostra, nesse caso, pode ser reduzido a mais da metade do tempo total.

A fonte fornecedora de radiação eletromagnética é uma lâmpada que opera na faixa do infravermelho
com potência que varia entre 250 W e 500 W, fornecendo uma temperatura de aproximadamente 700 °C
no filamento. Assim, a calibração da temperatura absorvida pela amostra depende de sua espessura
e de sua distância até o filamento da lâmpada, que, para ambos os casos, quanto menor, maior a
penetração da radiação. Por exemplo, para uma distância de 10 cm e uma espessura de aproximadamente
12 mm, com uma lâmpada operando na faixa de potência descrita anteriormente, o tempo necessário
para retirar a água de uma amostra de alimentos de grãos fica em torno de 10 minutos, enquanto de
31
Unidade I

carnes, 20 minutos. Esse tipo de equipamento possui a vantagem de possuir uma balança interna para
a medição automática da massa. Além disso, é necessária uma boa instalação elétrica, com o uso de
estabilizadores, de modo a fornecer uma corrente elétrica para a lâmpada com o mínimo de variação
possível para garantir uma potência contínua e a repetibilidade da análise.

Todavia, como o processo se dá com uma amostra por vez, e dependendo da quantidade de material
total, pode tornar a análise lenta e, por conseguinte, custosa na rotina do laboratório.

2.2.3 Secagem utilizando radiação de micro-ondas

Assim como no método anterior, neste, se usa também a radiação eletromagnética, porém com uma
diferença: o comprimento de onda. Nesse processo, a faixa de micro-ondas varia de 1 mm até 1 m de
comprimento de onda, e a frequência de 300 GHz até 0,3 GHz. Justamente por causa dessa frequência,
esse processo se torna o mais rápido entre os descritos.

O que ocorre é que a irradiação eletromagnética de micro-ondas consegue penetrar profundamente


nos alimentos, com o ápice de eficiência na frequência de 2,5 GHz, interagindo muito bem com as
moléculas de água. Como essas moléculas são dipolares, ao interagir com a radiação, elas oscilam
tentando se alinhar com o campo eletromagnético produzido, ora numa direção, ora noutra.
Com esses movimentos sucessivos de oscilação, naquela frequência de irradiação, têm-se a agitação das
moléculas e a consequente elevação de temperatura da água presente na amostra rapidamente. Além
disso, o aquecimento se dá de modo seletivo, em locais onde há umidade, evitando a formação de crosta
em volta do material. Pode-se, dependendo do caso, adicionar algumas substâncias absorvedoras de
umidade, como cloreto de sódio, porque como o aquecimento ocorre muito rapidamente, isso evitaria
que o material jorrasse para fora. Ou utilizar substâncias absorvedoras de radiação eletromagnética,
como o óxido de ferro, com o intuito de acelerar ainda mais o processo de secagem pelo aumento
de temperatura.

Dependendo do equipamento, de acordo com sua potência, e do substrato analisado, consegue-se


processar de 2 g a 30 g de amostras por vez, com um tempo variando entre 2 a 90 minutos.

Nesse método, o ponto crítico encontra-se na calibração do equipamento. Deve-se conhecer


muito bem a relação energia-tempo de aquecimento para cada tipo de amostra a fim de evitar o
superaquecimento e eversão da amostra.

2.2.4 Secagem utilizando dessecadores

É um processo muito simples, porém lento, em que basicamente se utiliza um dessecador juntamente
com substâncias absorvedoras de umidade em vácuo a uma temperatura de aproximadamente 50 °C.
Sua vantagem é o baixo custo e a simplicidade de operação, e a desvantagem é o tempo lento
de secagem.

32
ANÁLISE DE ALIMENTOS

2.2.5 Destilação

Na destilação, inicialmente, mistura-se o material com um solvente que possua um ponto de ebulição
maior do que o da água, utilizando um destilador, aquece-se a mistura. No recipiente coletor, veem-se
os dois níveis dos líquidos, o da água em baixo e o do solvente na parte superior. Separa-se, então, a
água do solvente, e faz-se a medida de sua massa.

Assim como no caso da secagem por dessecadores, este é um método muito lento. Sua precisão
é comprometida por fatores como a evaporação incompleta da água; pela solubilidade da água no
solvente utilizado; conglutinação da água na parede do vidro, dificultando o escoamento; entre outros.

2.2.6 Método de Karl Fischer

É um método químico que utiliza uma substância dissecante, o regente de Karl Fischer, daí o seu
nome. Sua composição é basicamente feita por iodo e solventes, que podem ser piridina e metanol,
por exemplo. Ao colocar em contato esse reagente com o alimento, por causa da presença de água da
própria amostra, inicia-se a reação de redução do I2 para o I até que não haja mais água no material.

Faz-se a medição de água da amostra utilizando a titulação visual ou eletrométrica. No caso da


titulação visual, a cor varia sequencialmente de um amarelo claro, quando ainda há água, passando para
amarelo escuro no meio da reação, até chegar ao marrom, quando a concentração de iodo é máxima, ou
seja, toda a água do material foi consumida, e termina a reação de redução.

A medição por eletrométrica é mais precisa que a visual e utiliza eletrodos de platina, bateria e
dispositivos eletrônicos, como resistores e galvanômetro, e se baseia na polarização e despolarização
do cátodo e do ânodo durante a reação de redução do iodo. Quando há o consumo de toda a água e o
aumento da concentração de iodo, há passagem de corrente no circuito eletrônico, que é detectado pelo
galvanômetro, indicando o fim da reação. Para os dois casos, a quantidade total da água na amostra é
calculada através de titulação.

Em geral, esse é um método alternativo ao de secagem a vácuo, e utilizado em alimentos com baixa
quantidade de água, ricos em açúcares e proteínas.

2.2.7 Físicos

Há diversos métodos físicos para a determinação do teor de água nos alimentos, em geral, o custo é
diretamente proporcional a sua precisão.

Entre os mais precisos e caros, destacam-se o de ressonância nuclear magnética (RNM), que
além de ser uma medida muito precisa, não destrói a amostra, é muito rápida, de aproximadamente
1 minuto, e pode ser usado também para medir o teor de gordura, simultaneamente; o de absorção
de radiação infravermelha, que, como o próprio nome diz, utiliza o processo físico em que a água
absorve radiação infravermelha a qual é proporcional à quantidade de água presente na amostra; o

33
Unidade I

de cromatografia gasosa, que é um processo complexo, além do teor de umidade de alimentos, pode
ser utilizado para determinar a composição química de diversas amostras.

Entre os métodos mais baratos e, portanto, mais simples e menos precisos, salientamos a medida
de densidade, que varia de acordo com a quantidade de água presente no material; a medida da
corrente, que atravessa um alimento e é proporcional à quantidade de água; a medida da constante
dielétrica, em que seu valor e sua variação indicam o teor de água presente na amostra.

3 CARBOIDRATOS

Carboidratos são os macronutrientes mais abundantes, cuja constituição molecular é composta


vários elementos distintos, mas, basicamente, distinguimos as moléculas de carbono, oxigênio e
hidrogênio na proporção fundamental: CH2O.

Figura 8 – Representação molecular de um carboidrato

3.1 Classificação

Podem ser classificados ou divididos em três tipos, de acordo com a complexidade de sua estrutura
e quanto às suas características em comum: monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos.

Quadro 5 – Classificação dos carboidratos quanto às suas características

Carboidratos Características Exemplos


Forma unitária mais simples. São classificados de acordo
Monossacarídeos Glicose, galactose e frutose
com a cadeia principal de carbono

Formados por dois monossacarídeos por meio de ligações


Dissacarídeos Sacarose, maltose e lactose
glicosídicas

Formados por vários monossacarídeos unidos por ligações


Polissacarídeos Amido, celulose e glicogênio
glicosídicas

34
ANÁLISE DE ALIMENTOS

3.1.1 Monossacarídeos

São carboidratos de formato mais simples não polimerizados, sendo mais facilmente absorvidos pelo
organismo humano. Usualmente, em sua composição básica, a sua estrutura apresenta entre três e sete
carbonos, sendo classificados nas formas a seguir:

• Trioses: três carbonos nas ligações da cadeia principal. Exemplo: molécula de aldotriose.

• Tetroses: quatro carbonos nas ligações da cadeia principal. Exemplo: molécula de eritrose.

• Pentoses: cinco carbonos nas ligações da cadeia principal. Exemplo: molécula de tibose.

• Hexoses: seis carbonos nas ligações da cadeia principal. Exemplo: molécula de galactose.

• Heptoses: sete carbonos nas ligações da cadeia principal. Exemplo: molécula de sedoheptulose.

3.1.2 Oligossacarídeos

Os carboidratos oligossacarídeos são açúcares solúveis em água formados a partir dos


monossacarídeos e, portanto, possuem uma estrutura de complexidade intermediária entre estes e os
polissacarídeos. Exemplos de oligossacarídeos são os dissacarídeos e os trissacarídeos.

Para formar dissacarídeos, trissacarídeos ou mesmo polissacarídeos, é necessário que os


monossacarídeos se unam entre si. A ligação é chamada de glicosídica (covalente) e se faz entre duas
hidroxilas: uma do carbono anômero de um monossacarídeo com qualquer outra do monossacarídeo
vizinho, com eliminação de uma molécula de água. Para duas ligações, forma-se um dissacarídeo, caso
haja a ligação de mais um monossacarídeo, forma-se um trissacarídeo, e assim por diante.

3.1.3 Polissacarídeos

São carboidratos formados por longas cadeias de monossacarídeos por ligações glicosídicas,
insolúveis em água. Por exemplo, o amido é formado por muitas moléculas de glicose através
de ligações glicosídicas em estrutura amilose; o glicogênio, assim como o amido, é formado por
ligações glicosídicas, porém com moléculas maiores e mais ramificadas em estruturas chamadas de
amilopectina; as dextrinas surgem na hidrólise do amido através do processo de digestão; a celulose
constitui a estrutura celular de vegetais, formadas por moléculas de glicose sem ramificações, não são
digeridas pelo organismo humano.

35
Unidade I

CH2OH

CH2OH
H O
O
H
CH2OH O
H O OH H
H H
H O OH H
O H H OH
H
O OH H
H H OH

H OH H

Figura 9 – Molécula de celulose

3.2 Carboidratos redutores

Um carboidrato é redutor quando seus grupos aldeídos ou cetonas não participam das ligações
glicosídicas e, desse modo, estando livres, doam elétrons a outra molécula sofrendo a oxidação. Todos os
monossacarídeos, alguns dissacarídeos e oligossacarídeo são redutores, por exemplo, maltose, galactose,
lactose, glicose e frutose. Não será redutor o carboidrato que tiver os dois carbonos anoméricos em sua
ligação glicosídica.
Grupo funcional dos Grupo funcional das
aldeídos cetonas

O O

C C H C C C

Figura 10 – Representação dos grupos funcionais aldeído e cetona

Como veremos adiante, o uso de uma solução de sulfato de cobre (reagente de Benedict) é utilizado
para a detecção de lactose no leite, pois o aldeído da lactose na presença de cobre sofre oxidação
tornando-se um aldeído carboxílico, enquanto que o cobre é reduzido. Veja a figura:
Aldeído

O H
C
Aldeído Ácido
H C OH carboxílico
C O
HO C H R C + Cu ++ → Cu + + R C
H OH
H C OH

H C OH

CH2OH

Figura 11 – Reação de redução do grupo aldeído

36
ANÁLISE DE ALIMENTOS

Um exemplo de açúcar não redutor é a sacarose (α-glicose + β-frutose) que possui os dois carbonos
anoméricos em sua ligação glocosídica. Ela só se torna redutora se passar pelo processo de hidrólise
ácida ou ação de alguma enzima, quebrando em monossacarídeos.
CH2OH
CH2OH

H O H O H
H
OH H H OH
OH O CH2OH

H OH OH H
Carbonos
anoméricos

Figura 12 – Ligação glicosídica da glicose e frutose formando a sacarose

Outro exemplo de atuação de carboidratos como agentes redutores é uma reação mais complexa,
chamada de reação de Maillard, que ocorre a altas temperaturas devido à união de açúcares redutores,
seu grupo aldeído, com o grupo amínico dos aminoácidos.

Aldeído HO CH3

O
OH O N
OH
HO
CH3 + OH + H
O
O OH
HO
H
NH2 HO
OH
Amina
HO
HO
HO

Figura 13 – Representação química da reação de Maillard3.3 Funções nos alimentos

Em alimentos, os aminoácidos se apresentam de duas maneiras: alimentos açucarados ou alimentos


amiláceos. Os açucarados originam-se naturalmente, por exemplo, em frutas e mel, ou são produzidos
artificialmente, na forma de sorvetes, bolos, refrigerantes etc. Da mesma maneira, os amiláceos provêm
naturalmente, como a batata, a mandioca e o arroz, ou são produzidos com amido, como o pão e o
macarrão, por exemplo.

3.2.1 Dulçor

É uma característica intrínseca, sensorial e relativa ligada ao paladar e que varia de acordo com o
tipo de açúcar. Em geral, para que essa característica possa ser percebida pelo paladar, os alimentos

37
Unidade I

precisam de uma concentração mínima, como no caso da sacarose, que é de 0,3%; para a frutose é
0,2%; e a glicose tem 0,07%.

Segundo Shallenberger e Birch (1975), o caráter doce acontece por causa do efeito das ligações
atômicas de hidrogênio no receptor de sabor nos grupos α-glicol, entre a parte de sabor doce e o
receptor de sabor na molécula.

Saiba mais

Para saber mais sobre dulçor e edulcorantes, leia o artigo:

CARDOSO, J. M. P.; BATTOCHIO, J. R.; CARDELLO, H. M. A. B. Equivalência de


dulçor e poder edulcorante de edulcorantes em função da temperatura
de consumo em bebidas preparadas com chá-mate em pó solúvel. Ciência
e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 24, n. 3, p. 448-452, jul./set. 2004.
Disponível em: https://bit.ly/2NyjJK6. Acesso em: 16 fev. 2021.

A análise sensorial é feita por degustadores especialistas que produzem uma escala de intensidade
para cada tipo de açúcar, comparativamente à sacarose. Apesar de subjetiva, essas tabelas fornecem
uma base de dados confiáveis para a indústria alimentícia. A confiabilidade dos valores das tabelas, além
do treinamento do profissional de degustação, depende de outros fatores, pois existem diversas causas
que afetam a doçura de um alimento.

Como, em geral, os alimentos são compostos por mais de um tipo de açúcar, deve-se considerar que
o grau de doçura é uma mistura de mais de um tipo deles. A seguir, as causas que estabelecem o sabor
doce dos alimentos:

• Forma isomérica do açúcar: dependendo da concentração da mistura das formas α,β-glicose,


consegue-se um valor de intensidade mais doce do que apenas a forma isolada de α-glicose.

• Sinergismo: a mistura de tipos diferentes de açúcares também influencia a sensação de doçura,


como se observa no caso do mel, que é composto por cerca de 35% de glicose, 40% de frutose e
2% de sacarose, e o xarope de milho, que possui 18% de glicose, 1% de frutose e 9% de sacarose,
aproximadamente.

• Concentração: quanto maior, mais intensa é a sensação para o paladar. Por exemplo, uma
concentração de 10% de sacarose consegue o mesmo efeito que cerca de 20% de lactose.

38
ANÁLISE DE ALIMENTOS

• Quanto à forma cristalina: é mais doce na forma cristalina do que em solução. Por exemplo, é
mais difícil a percepção do doce em alimentos viscosos. Há uma variação quanto ao sabor devido
à sua textura.

• Temperatura: quanto maior a temperatura, menor a doçura relativa.

Quadro 6 – Valores de doçura relativa à sacarose (arbitrário igual a 1)


para diversas substâncias adoçantes

Açúcar Doçura
Lactose 0,16
Galactose 0,32
Maltose 0,33
D - Glicose 0,74
Sacarose 1,00
Açúcar invertido 1,25
D - Frutose 1,74
Ciclamato de sódio 30
Aspartame 180
Sacarina 300
Sucralose 650
Alitame 2.000
Taumatina e monelina 3.000

Adaptado de: Cardoso, Battochio e Cardello (2004); Brito, Câmara e Bolini (2007).

3.2.2 Textura

Devido à estrutura e concentração, a forma de amido de polissacarídeos nos alimentos é a principal


responsável pela característica sensorial de textura. Com relação a sua estrutura, basicamente, é
uma combinação de amilases e amilopectinas. Alimentos como arroz, feijão e trigo são importantes
fontes de amido.

A amilose possui configuração cristalina, em que as moléculas de glicoses em junções lineares


são unidas entre si por ligações glicosídicas, apresenta formato helicoidal com ligações de pontes de
hidrogênio entre os radicais de hidroxila.

A amilopectina possui estrutura ramificada de cadeias lineares de glicoses unidas por ligações
glicosídicas. O inchaço nos grânulos de amido que se verifica durante seu cozimento ocorre devido à
amilopectina, que consegue absorver grande quantidade de água.

39
Unidade I

CH2OH
O
OH
O O
CH2OH CH2OH
OH
O O O
OH OH OH
O O O O

OH OH OH

Figura 14 – Representação da molécula amilopectina

A seguir, veja as características e os fatores determinantes da textura de um alimento.

• Gelatinização do amido: processo com aplicações culinárias na forma de espessantes.


Constitui-se de alterações da estrutura cristalina do amido devido ao rompimento das ligações
atômicas de suas moléculas, e, ao mesmo tempo, estabelecendo pontes de hidrogênio com
moléculas de água. Nesse processo, inicialmente, o amido é disperso em água causando o
inchamento dos grânulos, seguido de aumento da temperatura até o ponto de gelatinização, que
varia de acordo com o tipo de amido.

Quadro 7 – Fontes de amido e suas respectivas


temperaturas de gelatinização

Amido Temperatura (ºC)


Trigo 53 a 64
Mandioca 59 a 70
Milho 61 a 72
Batata 62 a 68
Arroz 65 a 73
Batata doce 82 a 83

Adaptado de: Costa et al. (2017).

• Higroscopicidade: característica do açúcar cristalino conforme a absorção da umidade da


atmosfera, causando empedramento, pode afetar sua textura. Quanto menor for o tamanho dos
grânulos, maior a superfície de contato com a atmosfera, portanto, maior sua capacidade de
absorver umidade.

• Temperatura: a temperatura afeta a solubilidade dos carboidratos, tanto na forma de amido


como na de açúcares, desse modo, é também um fator que afeta sua cristalização, a sua textura,
nos processos de gelatinização e higroscopicidade.

40
ANÁLISE DE ALIMENTOS

• Forma: um fator importante na determinação da textura dos alimentos, dado que a forma
cristalina hidratada é menos solúvel que a forma cristalina anidra.

• Tamanho: tem-se mais ou menos uma textura cremosa, de acordo o tamanho dos cristais.
Pequenos cristais do tamanho de mícrons podem frear novas cristalizações e manter assim sua
textura ou funcionar como núcleos para novas cristalizações, como no caso do leite condensado.

• Quantidade: de acordo com o número de cristais (sólidos), o alimento se torna mais ou menos
viscoso. A lactose, por exemplo, contribui para aumentar o total de sólidos em sorvetes e, assim,
tornar maior sua viscosidade.

3.3 Métodos de determinação de carboidratos em alimentos

3.3.1 Pré-tratamento

Durante a análise do teor de carboidratos nos alimentos, existem substâncias que podem interferir
nesse processo. A necessidade primeva da remoção desses constituintes visa um resultado confiável e
sua validação.

Destacam-se como principais interferentes proteínas, lipídios, pigmentos solúveis, clorofila,


constituintes fenólicos, substâncias ativas opticamente como os aminoácidos. No caso de lipídios e
clorofila, a remoção faz-se com uso de éteres de petróleo, pois os carboidratos são insolúveis nesses
solventes, obtendo-se uma solução aquosa de açúcares.

Temos técnicas de separação por descoloração, resina de permuta iônica e precipitação por agentes
clarificantes. Para amostras opacas ou pouco claras, dependendo do caso, realiza-se a clarificação
utilizando agentes que farão a precipitação dessas substâncias interferentes na medição de açúcares.

Entre os tipos de agentes clarificantes, temos a solução de acetato de chumbo usada para descolorir
soluções; ácido fosfotungístico e ácido tricloroacético que não descolorem, porém precipitam proteínas;
sulfato de zinco e ferrocianeto de potássio, que precipitam proteínas e ao mesmo tempo fazem a
descoloração parcial da amostra; e o uso de sulfato de cobre, especificamente para a determinação de
lactose no leite.

Para que uma substância seja classificada com um agente clarificante, deve possuir a propriedade de
conseguir retirar os componentes que interferem na medição de açúcares da amostra, sem, contudo, se
tornar também um interferente e nem alterar o resultado da análise, o mesmo valendo para o precipitado.

3.3.2 Métodos de análise

As análises qualitativas são fundamentadas em reações de coloração: originadas na condensação de


substâncias provindas da decomposição de açúcar (hidroximetifurfural) em contato com ácidos (ácido
sulfúrico) e compostos orgânicos (antrona e fenol); pertencentes ao grupo carbonila, características

41
Unidade I

redutoras de açúcares que reduzem em soluções alcalinas de sais de cobre, prata, bismuto e mercúrio.
A limitação desses processos é a imprecisão inerente a todo tipo de análise qualitativa.

Temos a reação de Fehling, que é uma solução de sulfato de cobre e tartarato de sódio e potássio com
formação de um precipitado de cor marrom; reação de Barfoed, uma reação em que é possível discernir,
pela sua velocidade, monossacarídeos de dissacarídeos redutores; reação de Seliwanoff, fundamentada
na interação entre ácidos com pentoses, hexoses e compostos aromáticos (resorcinol e anilina), gerando
compostos coloridos.

Ao contrário de outros componentes presentes nos alimentos, no caso de carboidratos, não existe
um método único com a capacidade de quantificar todos os carboidratos concomitantemente. Por
causa disso, com frequência, faz-se uso de mais de uma técnica para esse tipo de análise através de
métodos químicos e físicos, desde princípios que envolvem o índice de refração até o estudo da banda
de absorção do material, utilizando radiação ultravioleta.

Entre os quantitativos, destacamos os mais utilizados:

• Refratometria: um método físico baseado no princípio da refração da luz que atravessa a amostra.
É rápido, simples e utiliza um equipamento chamado refratômetro. Porém determina apenas a
quantidade total de açúcar presente, não distinguindo entre os tipos diferentes do material.

• Espectrofotometria: compreende um conjunto de técnicas colorimétricas que analisam


a quantidade total de açúcar e, dependendo do reagente, conseguem fazer a distinção entre
os tipos presentes. Utiliza vários tipos de reagentes para cada tipo de açúcar analisado, mas
um único equipamento espectrofotômetro. Entre as técnicas de espectrofotometria, temos a
Somogyi-Nelson, que é baseada na reação do grupo cetônico ou aldeídico, apesar de seus
reagentes possuírem baixo custo e toxicidade, não determina a quantidade de cada tipo de açúcar
redutor. A de Fenol-sulfúrico, que é simples e precisa, todavia, como utiliza o ácido sulfúrico, seu
manuseio é perigoso. A técnica de ANDS (ácido 3,5-dinitrossalicílico), que é rápida e confiável,
contudo o manuseio de fenol e bissulfito de sódio trazem riscos à saúde.

• Análise titulométrica: um método químico cujo açúcar redutor é o agente titulante. É um método
com baixo custo, porém, em relação aos demais métodos, é o menos preciso; entre a técnica
principal, destaca-se a de Lane-Eynon. Apesar de sua preparação ser demorada, a titulação deve
ser feita rapidamente devido ao aquecimento, de modo a impedir a decomposição de açúcares.

• Cromatografia: é o mais complexo e também o mais preciso. Além de conseguir quantificar


individual e concomitantemente os vários açúcares existentes no material. O fator limitante desse
método está nos custos envolvidos para a mão de obra técnica e para o equipamento. Entre
as técnicas, temos a CLAE (Cromatografia Liquida de Alta Performace), que utiliza o princípio
de índice de refração. A eletroquímica é uma soma da CLAE e a eletroquímica com eletrodos
feitos de ouro.

42
ANÁLISE DE ALIMENTOS

• Polarimetria: um método físico e preciso que faz a análise do ângulo de rotação da luz polarizada
ao atravessar o material de estudo e, assim, há necessidade de a amostra ser opticamente ativa.
É muito utilizada para a análise de amido.

• Biossensor eletroquímico: sua vantagem está em ser rápido, preciso, de baixo custo de operação
e sem a necessidade de pré-tratamento para a análise. Seu princípio consiste, basicamente, na
análise da corrente elétrica gerada na redução de água oxigenada pela oxidação da glicose.

Os vários métodos existentes fundamentam-se em conceitos químicos e físicos diversos, e para cada
amostra e cada caso, deve haver uma técnica mais adequada. A escolha do método deve levar em conta
muitos fatores, como aplicabilidade, necessidade, viabilidade, tempo de análise, toxicidade e também os
custos envolvidos.

De modo geral, a titulometria é o método mais adequado para uma análise qualitativa, porém pouco
usual para a quantitativa, devido a sua imprecisão. As técnicas de cromatografia são as melhores no
estudo quantitativo de teor de açúcares, sejam redutores ou não redutores, com a limitação apenas
relacionada aos custos operacionais envolvidos.

4 LIPÍDIOS

Os lipídios, assim como as proteínas e os carboidratos, são compostos orgânicos macromoleculares


amplamente distribuídos na natureza. De modo geral, os lipídios desempenham importantes funções
como ser um componente estrutural celular, para armazenamento de energia, como precursores de
hormônios, transporte e absorção de moléculas lipossolúveis, por exemplo, as vitaminas A, D, E e K etc.
Do ponto de vista químico, são definidos de acordo com a sua solubilidade, ou seja, são solúveis em
solventes orgânicos apolares (por exemplo, álcoois, clorofórmio, hexano etc.) e pouco solúveis em água
(MCCLEMENTS; DECKER, 2010; CAMPBELL; FARREL, 2015; FRAIZER, 2015).

Com relação à composição dos lipídios, eles podem ser classificados em três grupos (FRAIZER, 2015):

• Lipídios simples: aqueles que quando hidrolisados liberam duas classes de produtos (por
exemplo, os triglicerídeos quando hidrolisados liberam a molécula de glicerol e seus respectivos
ácidos graxos).

• Lipídios compostos: aqueles que quando hidrolisados liberam três ou mais classes de produtos
(por exemplo: a lecitina – fosfatidilcolina – quando hidrolisada, pode liberar a molécula de glicerol,
grupo fosfato e moléculas de ácidos graxos).

• Lipídios derivados: lipídios não hidrolisáveis como tocoferol, colesterol, vitamina A.

Nos alimentos, são normalmente denominados como gorduras (sólidos) e óleos (líquidos) quando em
temperatura ambiente (25 °C), sendo essa diferença de ponto de fusão determinada pela diversidade de
estruturas químicas que podem ser encontradas com prevalência dos ésteres de ácidos graxos de cadeia

43
Unidade I

carbônica longa, porém, não menos importantes, temos os fosfolipídios, o colesterol, os tocoferois etc.
(FRAIZER, 2015).

Ainda devido às diferenças químico-estruturais, os lipídios desempenham importantes funções na


qualidade dos alimentos, principalmente no que se refere a textura, sabor, nutrição, reações de oxidação
e isomerização, entre outras (MCCLEMENTS; DECKER, 2010). Dessa forma é de suma importância adquirir
conhecimentos básicos sobre a composição e a estrutura dessa macromolécula a fim de conseguir
entender as transformações que ocorrem nos alimentos a nível nutricional, tecnológico e de segurança
alimentar, correlacionando-as e as reconhecendo em nosso cotidiano.

4.1 Estrutura, composição e classificação de ácidos graxos e triacilglicerídeos


(triglicerídeos)

4.1.1 Ácidos graxos

Os ácidos graxos (figura a seguir), como a própria expressão sugere, são compostos constituídos por
uma cadeia carbônica alifática (cadeia aberta não ramificada) derivada de hidrocarbonetos, na qual uma
das extremidades apresenta o grupo carboxil ou ácido carboxílico e, na outra extremidade, o grupo metil
(RUSTAN; DREVON, 2005).

A) B)

Figura 15 – Estrutura química representativa de moléculas de ácidos graxos.


A) ácido graxo de cadeia carbônica saturada; B) ácido graxo de cadeia carbônica insaturada

44
ANÁLISE DE ALIMENTOS

Na natureza, incluindo os alimentos, os ácidos graxos apresentam normalmente uma cadeia alifática
composta por número par de carbonos que podem estar ligados entre si apenas por ligações simples,
sendo denominado de ácido graxo saturado; ou apresentar uma ou mais duplas ligações, o que o define
como ácido graxo de cadeia carbônica insaturada (NELSON; COX, 2014) (figura anterior).

Os ácidos graxos insaturados que apresentam apenas uma dupla ligação são chamados de
monoinsaturados. Aqueles que apresentam duas ou mais duplas ligações entre os carbonos da cadeia
alifática são chamados de poli-insaturados. Em sistemas biológicos, os ácidos graxos insaturados, de
modo geral, apresentam as duplas ligações em configuração cis, ou seja, os hidrogênios ligados a esses
carbonos estão geometricamente do mesmo lado do plano. No entanto podemos ter também ácidos
graxos insaturados cujas duplas ligações adotam a configuração trans (hidrogênios em lados apostos
do plano). Essa configuração pode ser encontrada naturalmente em carnes e leite de ruminantes ou ser
produzida industrialmente durante o processo de hidrogenação de óleos vegetais (NELSON; COX, 2014;
FRAIZER, 2015).

Na quadro a seguir, estão discriminados os ácidos graxos mais comuns encontrados na natureza.

Quadro 8 – Ácidos graxos comuns encontrados na natureza

Ácidos graxos saturados


Número de átomos de Número de duplas
Nome comum Fonte
carbono ligações ou insaturações
Ácido butírico 4 0 Manteiga
Ácido caproico 6 0 Manteiga
Ácido caprílico 8 0 Óleo de coco
Ácido cáprico 10 0 Óleo de palma
Ácido láurico 12 0 Óleo de coco
Ácido mirístico 14 0 Óleo de noz moscada
Ácido palmítico 16 0 Triglicerídeos
Ácido esteárico 18 0 Triglicerídeos
Ácido araquídico 20 0 Óleo de amendoim
Ácidos graxos insaturados
Número de átomos de Número de duplas
Nome comum Fonte
carbono ligações ou insaturações
Ácido palmitoleico 16 1 Manteiga
Ácido oleico 18 1 Óleo de oliva
Ácido linoleico 18 2 Óleo de linhaça
Ácido linolênico 18 3 Óleo de linhaça
Ácido araquidônico 20 4 Tecido nervoso

Fonte: Ucko (1992, p. 399).

As características físicas de um lipídio são em grande parte determinadas pelo grau de insaturação e
comprimento da cadeia carbônica, como podemos observar no quadro anterior. Entre essas características,

45
Unidade I

temos o ponto de fusão, que é fator determinante para um lipídio ser classificado como óleo ou gordura,
e a solubilidade em água.

Sabe-se que quanto mais longa for a cadeia do ácido graxo e quanto menos ligações duplas ela
tiver, mais baixa é a solubilidade em água, já quanto ao ponto de fusão, cadeias carbônicas menores
apresentam menores ponto de fusão, enquanto os ácidos graxos da cadeia mais longa têm pontos de
fusão mais altos. Na relação ponto de fusão e cadeia carbônica saturada ou insaturada, os ácidos graxos
insaturados possuem um ponto de fusão mais baixo em comparação aos ácidos graxos saturados de
comprimento de cadeia semelhante (MCCLEMENTS; DECKER, 2010; KOSTIK; MEMETI; BAUER, 2013).

Quadro 9 – Ponto de fusão dos ácidos graxos de acordo com


tamanho da cadeia carbônica e insaturações

Ácidos graxos saturados


Nome Nome Número Número de Ponto de
sistemático comum de carbonos duplas ligações fusão (ºC)
Ácido n-dodecanoico Ácido láurico 12 0 44,2
Ácido n-tetradecanoico Ácido mirístico 14 0 53,9
Ácido n-hexadecanoico Ácido palmítico 16 0 63,1
Ácido n-octadecanoico Ácido esteárico 18 0 69,6
Ácido n-eicosanoico Ácido araquídico 20 0 76,5
Ácido n-tetracosanoico Ácido lignocérico 24 0 86,0
Ácidos graxos insaturados
Nome Nome Número Número de Ponto de
sistemático comum de carbonos duplas ligações fusão (ºC)
Ácido cis-9-hexadecenoico Ácido palmitoleico 16 1 1 a -0,5
Ácido cis-9-octadecenoico Ácido oleico 18 1 13,4
Ácido cis-, cis-9, Ácido linoleico 18 2 1-5
12-octadecadienoico
Ácido cis-, cis-, cis-9, 12, Ácido a-linolênico 18 3 -11
15-octadecatrienoico
Ácido cis-, cis-, cis-, cis-5, 8, Ácido araquidônico 20 4 -49,5
11, 14-eicosatetraenoico

Fonte: Nelson e Cox (2014, p. 358).

4.1.2 Triglicerídeos (TGs)

A composição dos óleos e gorduras presentes nos alimentos é majoritariamente constituída por
triglicerídeos, também conhecidos como triacilgliceróis.

Os triglicerídeos são moléculas formadas através da reação de esterificação que ocorre entre o grupo
hidroxila (-OH) de um álcool (glicerol) e o grupo ácido carboxílico (-COOH) de três ácidos graxos, ou seja,
são ésteres de três ácidos graxos unidos à molécula de glicerol (BELITZ; GROSCH; SCHIEBERLE, 2009).
Além dos triglicerídeos, também podem ser encontrados monoacilgliceróis (um ácido graxo ligado ao

46
ANÁLISE DE ALIMENTOS

glicerol) ou diacilgliceróis (dois ácidos graxos ligados ao glicerol). Esse último, apesar de pouco comum
nos alimentos, vem sendo produzido industrialmente por se tratar de um excelente emulsificante
(MCCLEMENTS; DECKER, 2010).

Exemplo de aplicação

O conhecimento sobre lipídios é extremamente importante, visto que são elementos essenciais para
a homeostase do nosso organismo, mas que também podem estar associados a inúmeros quadros de
doenças graves, como a aterosclerose e o acidente vascular cerebral. Vale a pena conhecer mais sobre
esse assunto.

A composição dos ácidos graxos ligados à molécula de glicerol pode variar bastante, isto é, os ácidos
graxos podem ser iguais ou diferentes, podem ser saturados ou insaturados, de cadeia carbônica média
(8 a 12 carbonos) ou longa (>12 carbonos) e raramente cadeia curta (<8 carbonos); essa condição é o
que possibilita a ampla variedade de triglicerídeos presentes na natureza, assim como nos alimentos
(FRAIZER, 2015).

Diferentemente de outras moléculas lipídicas como os fosfolipídios, ácidos graxos, colesterol etc.,
os triglicerídeos não ocorrem como componentes estruturais de membrana celular, eles são estocados
nas células para serem usados como principal forma de armazenamento de energia para animais,
sementes e determinadas frutas (por exemplo, abacate). Os TGs são moléculas altamente energéticas,
ou seja, a oxidação completa é capaz de gerar cerca de 9 kcal/g, que é mais que o dobro da energia
gerada pela oxidação de um grama de carboidrato ou proteínas (~4 kcal/g) (CAMPBELL; FARREL, 2015).

Nos alimentos, os TGs, além de fonte dietética de energia, estão associados ao transporte e absorção
das vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e à sensação de saciedade, e contribuem para deixar os alimentos
mais palatáveis. Do ponto de vista tecnológico, são importantes moléculas anfifílicas que atuam
estabilizando a interface óleo:água, ou seja, atuam na estabilidade de alimentos emulsionados como
sorvetes, maionese, chocolate etc. (YADA; BRYKSA; NIP, 2012).

4.1.3 Outros lipídios

Fosfoacilgliceróis

Fosfoacilgliceróis ou fosfoglicerídeos ou glicerofosfolipídios são lipídios caracterizados


quimicamente por apresentarem em sua estrutura a molécula de glicerol, em que um dos grupos
álcoois (-OH) esteja esterificado com uma molécula de ácido fosfórico e não por um grupo ácido
carboxílico presente nos ácidos graxos. Em tais moléculas lipídicas, também são encontrados dois
ácidos graxos esterificados na molécula de glicerol. O lipídio composto resultante é chamado de
ácido fosfatídico. Nessa classe de lipídios, temos a fosfatidilcolina (lecitina), fosfatidiletanolamina
(cefalina), fosfatidilglicerol (cardiolipina) etc. A lecitina, como já mencionado, é um importante
agente emulsionante e surfactante muito utilizado como aditivo pela indústria alimentícia, pois

47
Unidade I

quimicamente apresenta uma cauda hidrofóbica e uma extremidade hidrofílica (“cabeça” hidrofílica),
o que permite a estabilização da interface óleo:água (YADA; BRYKSA; NIP, 2012; NELSON; COX, 2014).

Ceras

São denominadas de ésteres de ácidos graxos saturados e insaturados de cadeia carbônica longa
(14-36 átomos de carbono) com álcoois de cadeia carbônica longa (16-22 átomos de carbono), ou seja,
tratam-se de moléculas formadas pela ligação entre o grupo ácido carboxílico de um ácido graxo de
cadeia longa com a hidroxila de um álcool também de cadeia longa, sendo essa ligação denominada
de ligação éster (figura a seguir). Em tecidos animais e vegetais, atuam como agentes impermeabilizantes
superficiais. São encontradas em penas, pelos e pele como também no recobrimento de caules, folhas,
frutas e sementes. Como exemplos, temos a cera de abelhas, cera de carnaúba etc. (BELITZ; GROSCH;
SCHIEBERLE, 2009; NELSON; COX, 2014).
Grupo ácido Ligação
carboxílico éster
Grupo
O hidroxila O
-H2O
CH3(CH2)14 — C — OH + HO — CH2 — (CH2)28 — CH3 CH3(CH2)14 — C — O — CH2 — (CH2)28 — CH3
Ácido 1-triacontanol Triacontanol palmitato
palmítico

Figura 16 – Estrutura química representativa de uma molécula de um cerídeo composto


pelo ácido palmítico (C16) e o álcool 1-triacontanol (C30)

Esteroides

Moléculas constituídas por um esqueleto carbônico formado por três anéis de seis carbonos e um
anel de cinco carbonos, ou seja, quatro anéis hidrocarbonados fundidos denominados por anéis A,
B, C e D (Figura 36a), isto é, os esteroides não se apresentam sob a forma de ésteres como os lipídios
discutidos até aqui. Entre os esteroides importantes, temos o colesterol, os hormônios sexuais etc.
(NELSON; COX, 2014).

4.2 Caracterização de óleos e gorduras

4.2.1 Índice de acidez

O índice de acidez é um parâmetro de qualidade utilizado para óleos e gorduras para quando se
quer determinar o grau de deterioração que pode ocorrer através de condições que possibilitem o
processo de rancidez hidrolítica, em que a ação de lipases e/ou o aquecimento inadequado dos óleos
e gorduras podem liberar ácidos graxos livres que além de aumentarem a acidez, também promovem a
liberação de aromas e sabores indesejáveis e reduzem a estabilidade oxidativa das matrizes alimentares
(CECCHI, 2003).

48
ANÁLISE DE ALIMENTOS

O índice de acidez é determinado pela técnica de acidez titulável do tipo ácido/base e é definido como
o número de miligramas de hidróxido de potássio necessário para neutralizar um grama da amostra.
Esse método pode ser aplicado para óleos vegetais brutos e refinados e gorduras animais conforme
descrito em métodos físico-químicos para análise de alimentos do Instituto Adolfo Lutz (INSTITUTO
ADOLFO LUTZ, 2008).

4.2.2 Índice de peróxido

O índice de peróxido é outro importante parâmetro de qualidade que ajuda a verificar o estado
de conservação de óleos e gorduras. É uma das técnicas mais utilizadas para determinar o grau de
oxidação que ocorre principalmente durante a auto-oxidação. O processo de auto-oxidação pode ser
acelerado por condições inapropriadas de armazenamento, exposição ao oxigênio, exposição à luz e a
altas temperaturas e pelo contato com íons metálicos (CECCHI, 2003).

A degradação por auto-oxidação pode ocorrer praticamente em todos os alimentos que possuem
triglicerídeos constituídos por ácidos graxos insaturados que em estágios avançados de deterioração,
terá como efeito o comprometimento das características organolépticas dos alimentos (cor, aroma,
sabor e textura), bem como a perda de valor nutricional, pois os produtos gerados durante a
auto-oxidação também atuam degradando oxidativamente vitaminas lipossolúveis, ácidos graxos
essenciais (linoleico e linolênico), proteínas etc. (RAMALHO; JORGE, 2006).

Os resultados são expressos em miliequivalentes de peróxido por 1.000 g de amostra após se


dissolver uma massa conhecida de amostra em uma solução de ácido acético:clorofórmio contendo
iodeto de potássio. Na presença de radicais peróxido, o iodeto de potássio (KI) será oxidado liberando
iodo elementar (I2), que será quantificado através da técnica de titulação com uma solução padrão de
tiossulfato de sódio usando como indicador amido solúvel (INSTITUTO ADOLFO LUTZ, 2008). Somado
ao índice de acidez e índice de peróxido, outras determinações, como índice de iodo e índice de
saponificação, também são realizadas (CECCHI, 2003).

4.3 Processamento de óleos e gorduras

4.3.1 Hidrogenação de lipídios

O termo “hidrogenação” é o nome que se dá para a reações em que ocorre a adição de hidrogênios
nos pontos de insaturação de uma cadeia carbônica, ou seja, onde há duplas ligações entre carbonos.

A hidrogenação de lipídios é realizada em óleos vegetais que apresentam em sua constituição


triglicerídeos constituídos de ácidos graxos mono ou poli-insaturados, cujas duplas ligações
serão transformadas em ligações simples entre carbonos através da adição de átomos de hidrogênio.
Essa é uma reação muito importante para a indústria alimentícia, que tem por finalidade converter óleos
líquidos em gorduras semissólidas com diferentes viscosidades e aplicações (por exemplo, margarinas,
banha vegetal etc.). Além disso, a hidrogenação permite um aumento na estabilidade das gorduras
frente a reações de oxidação que ocorrem principalmente em ácidos graxos insaturados que, por sua
vez, são convertidos ácidos graxos saturados, portanto mais estáveis (FRAIZER, 2015).
49
Unidade I

Para que a reação de hidrogenação aconteça, são necessárias condições bastante específicas.
De modo geral, os óleos vegetais são expostos ao gás hidrogênio em condições de alta temperatura
(>150 °C e <180 °C) e alta pressão (2 a 10 atm.), tendo ainda o níquel como um catalisador da
reação. Como reação secundária ao processo de hidrogenação, temos a isomerização de gorduras
cis- para trans- principalmente dos ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs). Essa é uma reação
altamente indesejável, uma vez que a presença de gorduras trans- reduz a qualidade nutricional dos
alimentos (FRAIZER, 2015), pois está associada a um maior risco de desenvolvimento de doenças
coronarianas (OTENG; KERSTEN, 2020). Em contrapartida, as gorduras trans- são mais estáveis às
reações de oxidação e possuem maiores pontos de fusão, pois adquirem um comportamento muito
semelhante ao das gorduras saturadas. Nos alimentos, a presença de gorduras trans- melhora a
textura, o sabor e aumenta a vida útil do produto (OTENG; KERSTEN, 2020).

4.3.2 Interesterificação

É sabido que o tipo e a distribuição dos ácidos graxos nas moléculas de triglicerídeos são fundamentais
para determinação das características físico-químicas de uma gordura (ponto de fusão, solubilidade,
viscosidade, estabilidade) (FRAIZER, 2015).

A interesterificação é um processo no qual se faz a redistribuição (rearranjo) dos ácidos graxos na


molécula de glicerol resultando em um novo triglicerídeo que apresentará características físico-químicas
diferentes do triglicerídeo inicial. O processo consiste, portanto, em quebra simultânea de ligações éster
existentes e formação de novas ligações nas moléculas de glicerol com a vantagem de que, durante esse
processo, os ácidos graxos não são alterados em sua estrutura, não permitindo a formação de gorduras
trans-, pois não promove a isomerização de duplas ligações dos ácidos graxos e não afeta o seu grau de
saturação dos (RIBEIRO et al., 2007).

O processo de interesterificação pode ser realizado por duas vias principais: a via química e a via
enzimática, de modo aleatório ou específico, de acordo com as condições e a composição do meio
de reação (MCCLEMENTS; DECKER, 2010). Essa tecnologia já vem sendo muito empregada visando à
obtenção de gorduras mais moldáveis, como é o caso das margarinas interesterificadas.

4.4 Reações de degradação de lipídios

4.4.1 Reações oxidativas

A degradação dos lipídios ocasionadas por reações oxidativas se dá por uma sequência de reações
complexas que provocam alterações químicas gerando sabores e odores característicos reconhecidos
facilmente como rançosos. As alterações químicas são resultantes do contato entre os lipídios e
o oxigênio, em que os ácidos graxos que se encontram esterificados ao glicerol (triglicerídeos
e fosfolipídios) são degradados formando produtos voláteis responsáveis pelo aroma de ranço
(MCCLEMENTS; DECKER, 2010).

A principal causa de oxidação dos lipídios nos alimentos é o processo de auto-oxidação lipídica, que
ocorre na presença de oxigênio. Esse processo é desencadeado pela formação e ação de radicais livres na
50
ANÁLISE DE ALIMENTOS

cadeia carbônica dos ácidos graxos, principalmente, nos poli-insaturados. As reações de auto-oxidação
podem ser divididas em três etapas: iniciação, propagação e terminação (MCCLEMENTS; DECKER, 2010;
YADA; BRYKSA; NIP, 2012; FRAIZER, 2015).

Iniciação

Formação de radicais livres pela ação de pró-oxidantes como íons metálicos, luz e radicais peróxidos.

Esses pró-oxidantes, por serem altamente reativos, oxidam a cadeia carbônica do ácido graxo
pela retirada de um hidrogênio, gerando, dessa forma, moléculas com elétrons não pareados (radicais
livres) altamente reativas (radical ácido graxo conhecido como radical alquil – R•). Durante a formação
do radical ácido graxo, ainda podem ocorrer modificações químicas nas moléculas de ácidos graxos
poli-insaturados, nas quais os carbonos envolvidos na dupla ligação sofrem o processo de isomerização,
passando à configuração trans-. Todo esse processo é chamado de fase de iniciação (BELITZ; GROSCH;
SCHIEBERLE, 2009).

Os radicais livres são moléculas ou átomos que apresentam elétrons não pareados.

Propagação

Os radicais livres gerados na fase de iniciação vão reagir com o oxigênio atmosférico formando
radicais peróxido (ROO•). O radical peróxido, por sua vez, vai atuar sobre um novo ácido graxo
retirando novamente mais um hidrogênio, formando, dessa forma, um novo radical ácido graxo (R•)
e de um hidroperóxido de ácido graxo (ROOH). Portanto, a reação é propagada de um ácido graxo
para outro (BELITZ; GROSCH; SCHIEBERLE, 2009).

Terminação

Os radicais livres formados nas fases anteriores começam a reagir entre si pela combinação entre dois
radicais e formação de moléculas não radicais. Nessa fase, os aromas e sabores de ranço são marcantes
devido ao elevado grau de degradação lipídica (BELITZ; GROSCH; SCHIEBERLE, 2009).

Saiba mais

Você pode saber mais sobre radicais livres com a leitura do texto a seguir:

SINHORINI, J. L. O que são radicais livres? Cepeusp, 2021. Disponível


em: https://bit.ly/3tAxffI. Acesso em: 16 fev. 2021.

As formas de evitar que essas reações aconteçam envolvem cuidados no armazenamento


(temperatura, luz, oxigênio), embalagem (luz e oxigênio) e uso de agentes antioxidantes. A análise do
índice de peróxido é uma forma de verificar a qualidade oxidativa de um lipídio. Esse parâmetro
de qualidade está presente nos rótulos principalmente de óleos vegetais, como o azeite de oliva.
51
Unidade I

4.4.2 Reações hidrolíticas

A degradação dos lipídios nos alimentos por reações hidrolíticas ocorre normalmente pela ação
enzimática de lipases ou durante a exposição dos lipídios a altas temperaturas, como é o caso das
frituras. De modo geral, na rancidez hidrolítica, nome dado a esse tipo de degradação de lipídios, os
ácidos graxos que se encontram esterificados ao glicerol na molécula de triglicerídeo serão hidrolisados,
ou seja, serão liberados sob a forma de ácidos graxos livres. Quando livres no alimento, os ácidos graxos
promovem o aparecimento de aromas indesejados de ranço (principalmente ácidos graxos de carbônica
curta voláteis), reduzem a estabilidade oxidativa, causam formação de espuma (óleos de fritura) e o
sabor de “sabão” nos alimentos atribuído aos ácidos graxos livres de cadeia longa etc. (MCCLEMENTS;
DECKER, 2010; YADA; BRYKSA; NIP, 2012).

No caso da rancidez hidrolítica causada pela ação de lipases, a indústria, principalmente a de


óleos, promove a inativação dessa enzima via química ou física com a finalidade de produzir óleos
com o mínimo de degradação e, dessa forma, obter um produto mais estável e com maior vida útil de
prateleira. Vale ressaltar que os ácidos graxos livres são mais susceptíveis às reações de auto-oxidação,
principalmente, quando poli-insaturados. O grau de degradação ocasionada pela rancidez hidrolítica é
em parte determinado pelo índice de acidez. No quadro a seguir, estão os valores de índice de peróxido
e o índice de acidez preconizados pela Resolução de Diretoria Colegiada RDC n. 270, de 22 de setembro
de 2005, do Ministério da Saúde e da Agência de Vigilância Sanitária-Anvisa (BRASIL, 2005).

Quadro 10 – Índice de acidez e índice de peróxido


para óleos vegetais comestíveis

Tipo de óleo Índice de peróxido Índice de acidez


Óleo de soja refinado Máximo 10 meq/kg Máximo 0,6 mg KOH/g
Óleo de milho refinado Máximo 10 meq/kg Máximo 0,6 mg KOH/g
Óleo de girassol refinado Máximo 10 meq/kg Máximo 0,6 mg KOH/g
Óleo de canola refinado Máximo 10 meq/kg Máximo 0,6 mg KOH/g
Máximo 0,8 g/100 g em ácido
Azeite de oliva extra virgem Máximo 20 meq/kg oleico ou < 0,8%

Adaptado de: Brasil (2005).

4.5 Métodos de determinação de lipídios

As análises qualitativa e quantitativa dos lipídios em alimentos são necessárias para que se atenda
as normas quanto à rotulagem nutricional, verificar se o alimento atende a padrões de qualidade e
identidade e a especificações de fabricação e, principalmente, se atende aos requisitos mínimos que
garantam segurança alimentar aos consumidores.

Conforme já mencionado anteriormente, os lipídios são moléculas orgânicas que apresentam pouco
ou nenhuma solubilidade em água, mas são solúveis em solventes orgânicos apolares. Os métodos de
quantificação de lipídios dos alimentos estão baseados nesse princípio de solubilidade, ou seja, são

52
ANÁLISE DE ALIMENTOS

usados solventes orgânicos que por questões de compatibilidade química, são predominantemente
apolares, conseguem dissolver e extrair os lipídios a partir de uma matriz alimentar. O tipo de método
empregado sempre terá que se adequar às características físico-químicas do alimento que se deseja
analisar, bem como com o que se deseja analisar de forma que haja o mínimo de degradação da amostra,
ou que a degradação não afete o que se pretende analisar (ELLEFSON, 2017).

4.5.1 Métodos de quantificação com solvente a quente

Os métodos de quantificação de lipídios por extração a quente envolvem três etapas principais.

A primeira delas é a extração propriamente dita, na qual a amostra será submetida à extração de
seus lipídios com o solvente a quente. A escolha do solvente empregado deverá levar em conta as
características dos componentes lipídios presentes na amostra, mas, de modo geral, os dois solventes
mais usados são o éter de petróleo e o éter etílico por terem uma capacidade de extração mais ampla
(CECCHI, 2003).

A segunda etapa da técnica é separar o solvente dos lipídios extraídos por evaporação, para isso, o
extrato lipídico obtido será submetido a uma fonte de calor a uma temperatura suficiente para que
o solvente entre em ebulição. Após a separação, a eliminação do solvente, a fração lipídica resultante,
será quantificada por pesagem (terceira etapa) (CECCHI, 2003).

O resíduo obtido não é constituído unicamente por lipídios, mas por todos os compostos que nas
condições da determinação, possam ser extraídos pelo solvente como ácidos graxos livres, lecitinas,
ceras, pigmentos, além dos esterois, fosfolipídios, vitaminas lipossolúveis, óleos essenciais etc., porém
em quantidades relativamente pequenas, que não chegam a representar uma diferença significativa
durante a quantificação (INSTITUTO ADOLFO LUTZ, 2008).

Para execução dessa técnica, é necessário que o analista conheça previamente a composição dos
alimentos e a infraestrutura do laboratório para que a escolha do método seja adequada. Somado a
isso, para os métodos de extração de lipídios a quente, devem ser levados em conta alguns cuidados
(CECCHI, 2003):

• A extração dos lipídios será mais efetiva em alimentos secos, o que facilita uma penetração
homogênea do solvente na amostra, para tanto, podem ser usadas amostras que foram tratadas
durante a determinação de umidade.

• O tamanho da partícula influencia no tempo e na eficiência da extração, os lipídios de alimentos


que foram reduzidos a partículas menores são mais fácil e rapidamente extraídos.

• Durante a coleta e o preparo da amostra, devem-se adotar procedimentos capazes de evitar a


degradação, pois, caso contrário, o resultado pode não ser representativo.

53
Unidade I

• Nos alimentos em que os lipídios podem se encontrar ligados a outras moléculas, como
carboidratos e proteínas, não é recomendada a extração direta com solvente a quente, deve-se
realizar inicialmente uma hidrólise ácida ou básica para facilitar a extração com o solvente.

• O tempo e a temperatura empregados na extração devem ser cuidadosamente determinados para


que não haja comprometimento da amostra.

Entre os métodos de extração a quente mais utilizados, está o que emprega o equipamento
de soxhlet. Trata-se de um método oficial segundo a Association of Official Analytical Chemists
(AOAC, 1995), que é seguido pelo Instituto Adolfo Lutz (INSTITUTO ADOLFO LUTZ, 2008).

Nesse sistema, a extração dos lipídios ocorre através de um fluxo intermitente de solvente, o que
permite que a amostra não esteja em contato constante com o solvente em ebulição e evita a sua
decomposição indesejada. Outra vantagem do uso do equipamento de soxhlet é poder analisar amostras
sólidas, porém possui como desvantagens o uso de maiores volumes de solventes e pode ocorrer a
saturação do solvente que permanece em contato com a amostra antes de ser sifonado, o que pode
dificultar e prolongar o tempo de extração (CECCHI, 2003).

Na figura a seguir, é apresentada uma ilustração geral de um equipamento de soxhlet.

Saída de água de
resfriamento

Tubo condensador
Entrada de água de
resfriamento
Dedal de papel
Material sólido a
ser extraído
Tubo condutor
Material passa através de vapor
da parede do dedal

Sifão

Balão
Solvente
Manta aquecedora

Figura 17 – Representação ilustrativa de um equipamento de soxhlet

54
ANÁLISE DE ALIMENTOS

Em certos casos, podem ser aplicados outros métodos na determinação dos lipídios, como a
extração com solvente a frio (método de Bligh-Dyer ou Folch), hidrólise ácida (método de Gerber ou
Stoldt- Weibull) ou alcalina (método Rose-Gotllieb-Mojonnier) ou ainda por extração a quente (método
de Goldfish).

Para quantificação de lipídios específicos, ou seja, ácidos graxos específicos, ainda podem ser usadas
técnicas de química fina como a cromatografia gasosa, o infravermelho, a absorção por raio-x e a
ressonância magnética nuclear. Entretanto, são métodos que necessitam de equipamentos caros e mão
de obra altamente qualificada, o que pode inviabilizar a aplicação em análises de rotina (ELLEFSON, 2017).

Resumo

Conhecemos a composição centesimal dos alimentos e os órgãos


responsáveis pela fiscalização, legislação de alimentos e rotulagem, sobre a
água nos alimentos, além dos carboidratos e lipídios.

Por meio dos conhecimentos adquiridos, pudemos compreender


melhor de que forma são compostos os alimentos e por quais métodos tais
constituintes podem ser mais bem estudados e avaliados.

Também debatemos a importância da rotulagem e das informações


presentes no rótulo como forma de garantir ao consumidor pleno
conhecimento acerca do produto que ele está consumindo.

Foi possível compreender o que são carboidratos e lipídios, como são


classificados e a importância deles na composição dos alimentos e na nossa
dieta. Pelo estudo dessas moléculas, compreendemos o quão essenciais são
e, ao mesmo tempo, percebemos o que as situações de deficiência, bem
como de excesso, podem ocasionar no indivíduo.

55
Unidade I

Exercícios

Questão 1. Veja a tabela a seguir, que apresenta a composição centesimal de diferentes


produtos lácteos.

Tabela 1 – Composição centesimal de produtos lácteos

Composição centesimal (g/100g)


Alimento
Umidade Cinzas Lipídios Proteínas Carboidratos
Doce de leite 26,87 1,04 6,88 5,38 58,14
Leite A 87,27 0,59 3,80 3,28 4,91
Leite B 87,31 0,56 3,80 3,22 5,11
Leite C 87,95 0,54 3,10 3,24 5,17
Leite em pó integral 2,98 5,34 25,72 25,68 40,19
Manteiga 15,39 1,90 82,15 0,24 ---
Queijo minas 43,70 3,74 29,21 23,11 ---
Queijo muçarela 47,10 3,59 23,14 25,16 ---
Queijo parmesão 32,10 3,98 34,84 28,12 ---
Queijo prato 43,20 2,59 27,02 25,60 ---
Iogurte 85,87 0,71 2,16 4,29 5,26

Disponível em: TORRES, E. A. F. S et al. Composição centesimal e valor calórico de alimentos de origem animal.
Ciênc. Tecnol. Aliment., Campinas, v. 20, n. 2, p. 145-150, 2000.

Assinale a alternativa que indica de maneira correta os alimentos que apresentam, respectivamente,
maior proporção de matéria mineral, de compostos nitrogenados e de moléculas solúveis em
extrato etéreo.

A) Leite C, leite em pó integral e manteiga.

B) Doce de leite, manteiga e queijo parmesão.

C) Manteiga, queijo parmesão e doce de leite.

D) Leite em pó integral, queijo parmesão e manteiga.

E) Iogurte, queijo prato e leite B.

Resposta correta: alternativa D.

56
ANÁLISE DE ALIMENTOS

Análise da questão

A composição centesimal do alimento indica a proporção relativa dos seus componentes (água,
compostos minerais, carboidratos, lipídios e proteínas). Usualmente, é indicada em gramas por 100 gramas
de alimento (g/100g).

Existem diversas técnicas experimentais para a determinação da composição centesimal de um


alimento. De maneira geral, a determinação da matéria mineral é realizada pela queima do alimento,
até a obtenção de cinzas (durante o processo de queima, o carbono contido nas moléculas orgânicas
é convertido a CO2, e restam apenas os compostos inorgânicos). A determinação dos lipídios é feita
por extração, utilizando-se éter como solvente (lembre-se de que os lipídios são solúveis em solventes
apolares, como o éter). O teor de proteína, por sua vez, é alcançado pela utilização do fator 6,25 em
relação ao conteúdo de nitrogênio (as proteínas são ricas em átomos de nitrogênio).

Na tabela apresentada, os alimentos com maior teor de cinzas, de proteínas e de lipídios são,
respectivamente, o leite em pó integral, o queijo parmesão e a manteiga.

Questão 2. No Brasil, as principais instituições responsáveis pela fiscalização dos alimentos


são a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa).

Em relação às atribuições e às competências dessas instituições, avalie as afirmativas.

I – A Anvisa faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS) e tem como uma das principais atribuições
assegurar a saúde pública por meio da regulamentação, do controle e da fiscalização dos alimentos
destinados ao consumo humano.

II – Alguns alimentos, como aqueles utilizados para o controle do peso corporal, precisam,
obrigatoriamente, de registro na Anvisa para serem comercializados. Outros, no entanto, são isentos de
registro, como os pães e os biscoitos industrializados.

III – Em alguns casos, pode existir mais de um órgão responsável pela regulamentação do produto
alimentício. Carnes, por exemplo, estão sob responsabilidade do Mapa. Porém, a partir do momento em
que são oferecidas no varejo, cabe à Anvisa fiscalizar, notificar, ou, se for o caso, apreender esses produtos.

IV – Os alimentos produzidos a partir de organismos geneticamente modificados devem ter


rotulagem informativa. No entanto, caso o produto seja oriundo de animal que foi alimentado com
ração transgênica, não há necessidade de se rotular.

57
Unidade I

É correto o que se afirma somente em:

A) I, III e IV.

B) I, II e III.

C) II, III e IV.

D) I e III.

E) II e IV.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: a Anvisa é o órgão responsável pela promoção da saúde da população. Parte integrante
do SUS, sua criação se dá pela Lei n. 9.782/1999. A principal atribuição da Anvisa é realizar o controle
sanitário de diversos produtos (tais como medicamentos, alimentos e cosméticos) e serviços (como,
por exemplo, portos, fronteiras e aeroportos). Em relação aos alimentos, a Anvisa é responsável pela
coordenação, pela regulamentação, pelo controle e pela fiscalização dos alimentos destinados ao consumo
humano, desde a produção até a comercialização final. Cabem, ainda, à Anvisa, a regulamentação, o
controle e a inspeção de produtos de origem vegetal, desde a fabricação até a comercialização no varejo;
de produtos de origem animal, no comércio varejista; e demais produtos processados, desde a indústria
até o comércio varejista, tais como águas envasadas, bebidas, alimentos, seus respectivos insumos,
aditivos alimentares, embalagens, contaminantes orgânicos, sobejos de agrotóxicos e medicamentos e,
por fim, produtos e serviços, que, de algum modo, possam gerar risco à saúde pública.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a Resolução RDC n. 27/2010 discrimina os alimentos que obrigatoriamente necessitam


de registro para o comércio. São eles: alimentos com alegações de propriedade funcional e/ou de saúde;
alimentos infantis; alimentos para nutrição enteral; embalagens que incorporam novas tecnologias
(recicladas); novos alimentos e novos ingredientes; e substâncias bioativas e probióticos isolados com
alegação de propriedade funcional e/ou de saúde. Os alimentos dispensados de registro são, entre
outros, os açúcares e os produtos para adoçar, os alimentos para controle de peso e para dietas com
restrições de nutrientes, os alimentos para gestantes e nutrizes, para idosos e para atletas, as misturas
para o preparo de alimentos e os alimentos prontos para o consumo.

Portanto, todos os produtos alimentícios citados na afirmativa II são isentos de registro na Anvisa.

58
ANÁLISE DE ALIMENTOS

III – Afirmativa correta.

Justificativa: é de responsabilidade do Mapa a inspeção dos alimentos unicamente de origem


animal, tais como ovos, pescados, carnes, leite, mel e seus derivados e também as bebidas alcoólicas,
fermentadas e não alcoólicas, os vegetais in natura, comestíveis e não comestíveis, enquanto localizados
nas indústrias, nas fábricas, nas usinas, nas propriedades rurais e nos estabelecimentos entrepostos.

A fiscalização dos produtos alimentícios no local onde são comercializados no varejo,


independentemente de sua origem, é de responsabilidade da Anvisa. Portanto, no caso de alimentos
cárneos, os dois órgãos assumem responsabilidade: o Mapa até o momento em que as carnes são
armazenadas em entrepostos, e a Anvisa no local de comercialização para o público.

IV – Afirmativa incorreta.

Justificativa: tanto os alimentos transgênicos quanto os alimentos derivados de animais que


foram alimentados com ração transgênica devem conter, na embalagem, símbolo constituído da
letra “T” maiúscula dentro de um triângulo de fundo amarelo. No caso de animais alimentados com
ração transgênica, essa informação deve estar indicada logo abaixo do símbolo.

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