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Química Farmacêutica

Autores: Profa. Kátia Cirlene Alves Botelho


Prof. Fabrício Soares Arantes
Prof. Rildo Yamaguti Lima
Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro
Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano
Professores conteudistas: Kátia Cirlene Alves Botelho /
Fabrício Soares Arantes / Rildo Yamaguti Lima

Kátia Cirlene Alves Botelho

Doutora pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas na USP (2009), bacharel em Química pelo Instituto de Química da USP
(2000) e Farmácia na Universidade Paulista – UNIP (2016). Tem experiência na área de farmácia, com ênfase em fármaco e
medicamentos. Atua na docência para o curso de Farmácia desde 2008, tornando-se professora a partir de 2010 na UNIP/SP, onde
ministra aulas de Química Farmacêutica, Tecnologia Químico-Farmacêutica, Farmacologia e Controle de Qualidade de Fármacos e
Medicamentos. Já produziu material e exercícios aplicados para o ensino semipresencial de Farmácia na UNIP para as disciplinas
de Química Orgânica e Introdução à Farmacologia.

Fabrício Soares Arantes

Mestre em Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica pela USP e graduado em Farmácia pela Universidade Camilo Castelo Branco.
Atua desde 2010 no Ensino Superior, desde 2016 como docente da UNIP, ministrando as disciplinas de Química Farmacêutica e
Tecnologia Químico-Farmacêutica. Já exerceu a função de professor das disciplinas do núcleo básico, como Química Orgânica,
Química Geral, Cálculo e Práticas Farmacêuticas, e também orientou diversos trabalhos de conclusão de curso neste período.
Possui experiência na área de farmácia, com ênfase em síntese e otimização de fármacos, farmácia hospitalar, logística e
atenção farmacêutica.

Rildo Yamaguti Lima

Mestre em Biociência Aplicada (2001) e especialista em Farmacologia e Toxicologia Aplicadas (1998) pela Universidade
Bandeirante de São Paulo. Graduado em Farmácia Bioquímica (Modalidade Fármacos e Medicamentos) pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp (1990). Atualmente é professor adjunto I da UNIP em São Paulo nos cursos de Farmácia,
Enfermagem e Nutrição nas seguintes disciplinas: Química Farmacêutica, Controle de Qualidade Microbiológico e Farmacologia.
É coordenador auxiliar do curso de Farmácia da UNIP desde 2008, campus Chácara Santo Antônio. Tem experiência na área de
farmácia, produção de medicamentos, controle de qualidade, qualificação de fornecedores, auditor de qualidade para produtos
farmacêuticos, com ênfase em química dos fármacos, atuando principalmente nos seguintes temas: toxicidade, anabolizante,
profissão, metabolismo, reações químicas orgânicas, química dos fármacos, controle de qualidade de produtos farmacêuticos e
cosméticos e orientação. Já produziu material e exercícios aplicados para o EaD da UNIP para as disciplinas de Química Orgânica,
Química Farmacêutica, Controle de Qualidade Físico-Químico e Controle de Qualidade Microbiológico.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B748q Botelho, Kátia Cirlene Alves.

Química Farmacêutica / Kátia Cirlene Alves Botelho, Fabrício


Soares Arantes, Rildo Yamaguti Lima. – São Paulo: Editora Sol, 2020.

224 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Anti-histamínico. 2. Antimicrobiano. 3. Antidepressivo. I. Botelho,


Kátia Cirlene Alves. II. Arantes, Fabrício Soares. III. Lima, Rildo Yamaguti.
IV. Título.

CDU 615.011

U508.95 – 20

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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permissão escrita da Universidade Paulista.
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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


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Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Kleber Nascimento
Lucas Ricardi
Vitor Andrade
Sumário
Química Farmacêutica

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9
Unidade I
1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM QUÍMICA FARMACÊUTICA......................................................... 11
1.1 Conceito, evolução histórica, relação com outras disciplinas............................................ 11
1.2 Desenvolvimento de fármacos........................................................................................................ 12
1.3 Definições: droga, fármaco, medicamento e remédio........................................................... 20
1.4 Teoria da ação dos fármacos: fármacos específicos e inespecíficos.
Principais mecanismos de ação dos fármacos.................................................................................. 20
2 PROPRIEDADES DE FÁRMACOS.................................................................................................................. 23
2.1 Polaridade................................................................................................................................................. 23
2.2 Parâmetros estruturais e físicos que interferem na solubilidade
(hidrossolubilidade/lipossolubilidade).................................................................................................. 23
2.3 Tamanho de partículas: polimorfismo de fármacos............................................................... 23
2.4 Propriedades físico-químicas e atividade biológica................................................................ 24
2.4.1 Coeficiente de partição (Log P) – Caráter ácido/básico de moléculas
de fármacos, ionização, pH x ADME............................................................................................................ 24
2.5 Regra dos cinco de Lipinski............................................................................................................... 32
2.6 Propriedades estereoquímicas (conformação, flexibilidade molecular,
isomeria espacial)......................................................................................................................................... 32
2.7 Interação fármaco-alvo (receptor)................................................................................................. 36
3 METABOLISMO DE FÁRMACOS................................................................................................................... 42
3.1 Reações de fase I................................................................................................................................... 44
3.2 Reações de fase II.................................................................................................................................. 47
3.3 Fatores que afetam o metabolismo de fármacos.................................................................... 49
3.4 Efeito de primeira passagem............................................................................................................ 50
3.5 Uso do metabolismo na otimização de fármacos................................................................... 50
4 ANTI-HISTAMÍNICOS....................................................................................................................................... 51
4.1 Relação estrutura-atividade dos anti-histamínicos (REA/SAR)......................................... 53
4.1.1 Etanolaminas (éteres alquilamínicos).............................................................................................. 54
4.1.2 Etilenodiaminas........................................................................................................................................ 55
4.1.3 Piperazínicos.............................................................................................................................................. 56
4.1.4 Propilaminas.............................................................................................................................................. 57
4.1.5 Fenotiazinas............................................................................................................................................... 59
4.1.6 Dibenzociclo-heptanos/Dibenzociclo-heptenos......................................................................... 60
4.1.7 Anti-histamínicos de segunda geração.......................................................................................... 60
4.1.8 Anti-histamínicos H2 – Agentes antiulcerosos............................................................................ 62
4.1.9 Relação estrutura-atividade dos antagonistas H2 (REA/SAR)............................................... 63
4.2 Anti-inflamatórios................................................................................................................................ 64
4.3 Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs)................................................................................ 65
4.3.1 Salicilatos.................................................................................................................................................... 66
4.3.2 Fenamatos.................................................................................................................................................. 67
4.3.3 Ácidos arilacéticos (heteroarilacéticos).......................................................................................... 67
4.3.4 Ácidos propiônicos (profenos)............................................................................................................ 68
4.3.5 Ácidos enólicos (oxicams)..................................................................................................................... 69
4.4 Inibidores COX-2 seletivos................................................................................................................. 69
4.4.1 Coxibes......................................................................................................................................................... 69
4.5 Anti-inflamatórios esteroidais (AIES) – corticosteroides...................................................... 71
4.5.1 Relação estrutura-atividade (REA/SAR)......................................................................................... 72

Unidade II
5 ANTI-HIPERTENSIVOS..................................................................................................................................... 79
5.1 β-bloqueadores...................................................................................................................................... 80
5.2 Diuréticos.................................................................................................................................................. 84
5.2.1 Tiazídicos..................................................................................................................................................... 85
5.2.2 Derivados tiazídicos................................................................................................................................ 87
5.2.3 Diuréticos de alça.................................................................................................................................... 87
5.2.4 Diuréticos osmóticos.............................................................................................................................. 88
5.2.5 Inibidores da anidrase carbônica....................................................................................................... 89
5.2.6 Diuréticos poupadores de potássio.................................................................................................. 90
5.3 Bloqueadores de canal de cálcio..................................................................................................... 92
5.3.1 Relação estrutura-atividade (REA/SAR) – 1,4-Di-hidropiridinas......................................... 92
5.4 Nitratos orgânicos................................................................................................................................. 94
5.5 Agentes que atuam no sistema renina-angiotensina-aldosterona.................................. 95
5.5.1 Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA)....................................................... 95
5.5.2 Antagonistas de angiotensina II........................................................................................................ 98
6 AGENTES ANTIMICROBIANOS: PENICILINAS, CEFALOSPORINAS, SULFONAMIDAS,
TETRACICLINAS E QUINOLONAS..................................................................................................................100
6.1 Introdução e histórico.......................................................................................................................100
6.1.1 Mecanismo geral de ação antibacteriana....................................................................................104
6.2 Agentes antimicrobianos: penicilinas.........................................................................................106
6.2.1 Introdução e histórico.........................................................................................................................106
6.2.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR)...................................................108
6.2.3 Sinergismo das penicilinas com outros fármacos.................................................................... 115
6.3 Agentes antimicrobianos: cefalosporinas.................................................................................115
6.3.1 Introdução e histórico......................................................................................................................... 115
6.3.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR).................................................. 122
6.3.3 Mecanismo de ação das penicilinas e cefalosporinas........................................................... 125
6.4 Outros antibióticos β-lactâmicos – relação estrutura
química/atividade biológica (REA/SAR).............................................................................................127
6.5 Outros fármacos que agem na biossíntese da parede celular..........................................128
6.6 Agentes antimicrobianos: sulfonamidas (sulfas)...................................................................130
6.6.1 Introdução e histórico........................................................................................................................ 130
6.6.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR).................................................. 132
6.6.3 Mecanismo de ação............................................................................................................................. 134
6.6.4 Síntese das sulfonamidas.................................................................................................................. 135
6.7 Agentes antimicrobianos: tetraciclinas......................................................................................137
6.7.1 Introdução e histórico........................................................................................................................ 137
6.7.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR).................................................. 139
6.7.3 Mecanismo de ação..............................................................................................................................141
6.8 Agentes antimicrobianos: quinolonas........................................................................................141
6.8.1 Introdução e histórico.........................................................................................................................141
6.8.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR).................................................. 143
6.8.3 Mecanismo de ação............................................................................................................................. 146

Unidade III
7 DEPRESSORES E ESTIMULANTES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL..........................................151
7.1 Depressores do sistema nervoso central: barbitúricos e benzodiazepínicos..............151
7.2 Barbitúricos............................................................................................................................................151
7.2.1 Síntese dos barbitúricos..................................................................................................................... 152
7.2.2 Relação estrutura-atividade (REA/SAR)...................................................................................... 153
7.2.3 Mecanismo de ação............................................................................................................................. 155
7.2.4 Propriedades físico-químicas........................................................................................................... 156
7.2.5 Metabolismo........................................................................................................................................... 156
7.3 Benzodiazepínicos...............................................................................................................................158
7.3.1 Relação estrutura-atividade (REA/SAR)...................................................................................... 162
7.3.2 Mecanismo de ação............................................................................................................................. 163
7.3.3 Propriedades físico-químicas dos benzodiazepínicos............................................................ 163
7.3.4 Metabolismo........................................................................................................................................... 164
7.3.5 Relação estrutura-atividade (REA/SAR)...................................................................................... 165
7.4 Estimulantes do sistema nervoso central: anfetaminas e metilxantinas.....................166
7.4.1 Derivados xantínicos........................................................................................................................... 167
7.4.2 Relação estrutura-atividade dos derivados xantínicos (REA/SAR)................................... 168
7.4.3 Mecanismo de ação das metilxantinas........................................................................................ 168
7.4.4 Efeitos adversos das metilxantinas................................................................................................ 169
7.5 Anfetaminas (Fenilisopropilaminas)............................................................................................169
7.5.1 Relação estrutura-atividade das anfetaminas (REA/SAR)....................................................170
7.5.2 Ações comparativas das fenilisopropilaminas.......................................................................... 173
7.5.3 Mecanismo de ação das anfetaminas estimulantes............................................................... 173
7.5.4 Metabolização das anfetaminas..................................................................................................... 174
7.5.5 Efeitos farmacológicos....................................................................................................................... 174
7.5.6 Tolerância de dependência............................................................................................................... 174
7.5.7 Uso clínico e efeitos adversos.......................................................................................................... 175
8 MODIFICADORES SELETIVOS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL:
ANTIPSICÓTICOS E ANTIDEPRESSIVOS......................................................................................................176
8.1 Antipsicóticos.......................................................................................................................................176
8.1.1 Agentes antipsicóticos........................................................................................................................ 178
8.1.2 Antipsicóticos típicos (de primeira geração)............................................................................. 179
8.1.3 Relação estrutura-atividade dos fenotiazínicos e tioxantenos (REA/SAR)................... 179
8.1.4 Relação estrutura-atividade das butirofenonas (SAR).......................................................... 183
8.1.5 Antipsicóticos atípicos (de segunda geração)........................................................................... 185
8.1.6 Mecanismo de ação............................................................................................................................. 187
8.2 Antidepressivos....................................................................................................................................188
8.2.1 Causas bioquímicas dos distúrbios afetivos.............................................................................. 189
8.2.2 Hipótese monoaminérgica da depressão.................................................................................... 189
8.2.3 Classificação dos antidepressivos................................................................................................... 190
APRESENTAÇÃO

Caro aluno(a),

O presente material é de suma importância para que conceitos inerentes à produção de fármacos
e sua introdução efetiva na terapêutica sejam absorvidos. Este livro-texto mostrará como os fármacos foram
introduzidos ao longo dos anos, bem como conhecimentos dos processos de desenvolvimento de
candidatos a fármacos, desenvolvimento da capacidade de análise das relações entre estrutura química
e atividade biológica com base na otimização da potência e seletividade dos fármacos na sua interação
com o receptor, avaliação estrutural do tempo de ação e prevenção de reações adversas. Será possível
obter, ainda, pensamentos crítico e científico necessários para se compreender a importância da
disciplina na ação dos fármacos e no uso terapêutico e racional destes.

Ao se estudar as propriedades físico-químicas, teremos um entendimento mais amplo da ação


farmacocinética e, também, da classificação dos fármacos específicos e não específicos. Todos os
caminhos que levam a fármacos melhores, do ponto de vista farmacológico, serão evidenciados pela
multidisciplinaridade contida na área.

INTRODUÇÃO

Esta disciplina abordará os fármacos a partir dos aspectos referentes a nomenclatura, estrutura
química (tanto do ponto de vista da química orgânica quanto da química inorgânica), propriedades
eletrônicas, estéricas e lipofílicas, mecanismos de ação sob a ótica estrutural, transformações químicas
e metabólicas que possam alterar a ação terapêutica e excreção dos fármacos.

Ao final do livro-texto será possível conhecer os parâmetros físico-químicos e estereoquímicos


que regem as fases de ação dos fármacos, bem como as características de várias classes terapêuticas,
identificar aspectos estruturais em moléculas bioativas, responsáveis pelo reconhecimento molecular de
classes terapêuticas, a saber: anti-histamínicos, anti-inflamatórios, anti-hipertensivos e antimicrobianos
e, por fim, quais os fármacos que atuam no sistema nervoso central.

Bons estudos!

9
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Unidade I
1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM QUÍMICA FARMACÊUTICA

1.1 Conceito, evolução histórica, relação com outras disciplinas

A química farmacêutica também é conhecida por química farmacêutica medicinal, farmoquímica,


química medicinal ou química terapêutica. Neste livro-texto utilizaremos química farmacêutica ou,
simplesmente, QF.

A interdisciplinaridade da QF é necessária para que possamos entender um fármaco, ou mesmo um


candidato a fármaco, desde a sua concepção até a entrada efetivamente na terapêutica; para tanto,
conhecimentos de outras áreas são de suma importância. A seguir mostraremos um esquema das
disciplinas envolvidas com esta multidisciplinaridade.

Química e Farmacotécnica e
bioquímica biofarmacotécnica

Química Farmácia
farmacêutica Farmacologia clínica

Biologia e Toxicologia e
microbiologia patologia

Figura 1

Essa multidisciplinaridade pode ser explicada, pois a QF envolve três etapas fundamentais: a
primeira delas é a etapa da descoberta, que possui como principais objetivos a identificação e a
produção de novas substâncias ativas, que em inglês são chamadas de “lead compounds”; a segunda
é a otimização, nela estão as modificações sintéticas na estrutura do protótipo (aquela que foi
introduzida primeiro na terapêutica) visando o aumento da potência e seletividade e a diminuição
da toxicidade, e também é aqui que são analisadas as relações entre estrutura química e atividade
biológica; por fim, a terceira etapa é a do desenvolvimento, na qual realiza-se a otimização das rotas
sintéticas para que se possa obter o composto bioativo em larga escala, e nessa fase também é possível
fazer modificações com o objetivo de mudar as propriedades farmacêuticas e farmacocinéticas
adequando-se ao uso terapêutico.

11
Unidade I

Observação

Estudos de REA (relação estrutura-atividade) são feitos em uma


estrutura química definida com o objetivo de determinar qual parte é a
responsável pela ação biológica (farmacológico e toxicidade) denominada
grupo farmacofórico.

1.2 Desenvolvimento de fármacos

A introdução de fármacos na terapêutica é algo antigo, portanto, para descrevê-la em sua totalidade
seria necessário rever a história da farmácia. Escolhemos apresentar aqui apenas determinados trechos
para que a presente obra não se tornasse extensa demais. Durante séculos o tratamento terapêutico foi
feito a partir de experimentação com plantas.

Entre tantos prescritores ilustres, vamos citar, por exemplo, Paracelso, considerado o verdadeiro “pai
da farmoquímica”, que viveu entre 1493 e 1541. Para ele, o corpo seria um grande laboratório químico
e a vida um processo químico constante. Costumava buscar na natureza algo que se assemelhasse a
uma determinada patologia, exemplo disto são as flores verônica, que se parecem com a íris do olho
humano e que foram utilizadas por ele para tratamento de pacientes com problemas oculares, ou as
folhas do lilás, que possuem a forma de coração e seriam boas para doenças cardíacas. Sua percepção
natureza-doença fez com que ele ficasse conhecido como fundador da doutrina da assinatura.

Durante muito tempo a fonte principal para o tratamento farmacoterapêutico vinha de princípios ativos
vegetais, porém, com o passar do tempo, com a química orgânica bem desenvolvida e com o advento de
técnicas de análises estruturais como a cristalografia de raios X, a espectroscopia, a RMN etc., a introdução
de fármacos deixa de ser apenas de origem vegetal e passa à produção sintética de moléculas bioativas.
Historicamente é possível agruparmos a introdução de fármacos nos seguintes modelos: ao acaso, triagem
empírica, extração de fontes naturais, modificações moleculares e planejamento racional.

Ao acaso

Na introdução de fármacos na terapêutica, podemos definir ao acaso como sendo uma etapa que não foi
aquela proposta originalmente, já que muitas vezes foi a sorte quem ajudou a descoberta da nova molécula
para determinado fim. O exemplo mais “famoso” é o de Sir Alexander Fleming, que ao estudar colônias da
bactéria Staphylococcus aureus vindas da infecção de soldados, na Primeira Guerra Mundial, causadas por
armas de fogo, percebeu a formação de bolor ao deixar suas colônias sem proteção adequada. Notou ainda
que onde o bolor havia crescido não houve aumento da bactéria em estudo. Ao isolar o fungo, causador do
bolor, descobriu que ele inibia o crescimento bacteriano. A espécie fúngica isolada era Penicillium notatum.
Nascia ali a era da antibioticoterapia, com as penicilinas, e a partir desta descoberta outros antimicrobianos
puderam ser estudados e introduzidos na terapêutica. Outro exemplo ao acaso é o sildenafila, fármaco hoje
utilizado para disfunção erétil (majoritariamente), mas que foi introduzido como fármaco para doenças
cardiovasculares (a mudança no registro só aconteceu após pacientes do sexo masculino relatarem ereção

12
QUÍMICA FARMACÊUTICA

peniana como efeito adverso). Sildenafila foi considerado à época um fármaco blockbuster, ou seja, aquele que
gera um lucro líquido muito aquém do esperado. Podemos ainda salientar a ação antipirética da acetanilida
descoberta pelo erro de uma farmácia de manipulação, que, ao aviar uma receita na qual a prescrição dizia
naftaleno para combater uma parasitose, manipulou acetanilida. Descobriu-se, portanto, a ação antipirética
desta. Outros exemplos serão discutidos quando falarmos das classes terapêuticas.

O CH3
R NH HN N
S O O O
N
O S
N N N
H3C N
O N H
COOH O
H3C
CH3
CH3

Figura 2 – Estrutura química geral das penicilinas, sildenafila e acetanilida

Triagem empírica

Neste caso, como o próprio nome diz, “triagem” significa “seleção”, enquanto “empírica” quer dizer
“experimental”. Com a química orgânica bem fundamentada, pode-se utilizar a seleção de centenas de compostos
que foram testados para diversas patologias diferentes. Uma derivação dessa metodologia é a triagem empírica
racionalmente dirigida, estudo feito a partir da triagem racional de substâncias, e após a descoberta da ação
antipirética da acetanilida buscou-se o estudo de seus metabólitos. Entre tais estudos de metabolização foram
encontradas as ações anti-inflamatória e antipirética do paracetamol, conforme vemos a seguir.

OH

O NH O NH

Acetanilida Paracetamol

Figura 3

Extração de fontes naturais

A fonte mais antiga de introdução de fármacos na terapêutica é a extração de princípios ativos


vegetais. De todos os compostos químicos identificados temos por volta de 18% oriundos de plantas.
Vários são os exemplos, como: a morfina (potente hipnoanalgésico extraído da semente da papoula); a
atropina (antagonista muscarínico), extraída da Atropa belladonna; a quinina (antimalárico), extraída
das cascas da cinchona; paclitaxel, obtido a partir da casca do teixo do Pacífico (Taxus brevifolia) e

13
Unidade I

utilizado como antitumoral etc. Porém, outras são as fontes naturais e delas podemos extrair fármacos
de microrganismos (penicilina) e de fontes minerais na produção dos antiácidos hidróxido de magnésio,
hidróxido de alumínio e carbonato de lítio, que tem ação no transtorno bipolar, na produção de
multivitamínicos etc. De origem animal, temos o exemplo da insulina, que durante muito tempo foi
extraída do pâncreas de porco (hoje obtida graças à tecnologia do DNA recombinante), a heparina,
obtida do intestino de suínos e de bovinos, as vacinas, soros, entre outros. A descoberta de fármacos de
origem animal ainda é pouco explorada. Casos de pesquisa e que valem destaque são os das toxinas
de sapos e veneno de cobras, não apenas como vacinas.

Constam na sequência exemplos de fármacos obtidos de fontes naturais:

C)
A) B)
H2C=HC
O
O O OH N
H
HO N S
O NH O
O
H3CO N
O O
OH O H O O
OH Penicilina COOH
N
O O Quinina

COOH
OH O-
Me Me HO
H2N
+
N O
COOH O
H OH
OH H CH3 N HO
CH3 CH2OH
H
N COOH
Tetrodotoxina OH
Ácido domoico H
CH3CH3
Avarol Alga Chondria armata Peixes da ordem
Esponja Dysidea avara Anti-helmíntico Tetraodontiformis
D) Inibidor do HIV Anestésico local

Figura 4 – (a) Estrutura do fármaco antitumoral paclitaxel, obtido a partir das cascas de Taxus brevifolia; (b) antimalárico, isolado
da casca de Cinchona officinalis; (c) penicilina G: antibiótico, isolado de culturas de Penicillium notatum; (d) fontes marinhas:
importantes fontes de substâncias bioativas

Modificações moleculares

Atualmente a principal estratégia na introdução de fármacos ocorre por esta via, e podemos dizer que
trata-se deum avanço natural da química orgânica. Temos o uso de uma substância química definida como
14
QUÍMICA FARMACÊUTICA

técnica e com ação farmacológica, sendo o protótipo para análogos estruturais. Modificando a estrutura
química do protótipo obtemos o grupo farmacofórico (parte da estrutura química ativa responsável pela
ação biológica) e podemos ainda melhorar as propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas, tornando
os novos compostos mais potentes, seletivos, específicos, com tempo de ação menor ou maior, mudança
na via de administração, nas características organolépticas, nos custos da produção e na sua estabilidade.

De maneira geral, pode-se agrupar as modificações moleculares em processos gerais (simplificação


molecular, replicação molecular, hibridação molecular e adição molecular) e processos especiais
(transformações no anel, bioisosterismo e latenciação).

Tais metodologias estão exemplificadas na sequência:


Bioisosterismo
O CH3 O CH3
H N H
N N
O O N O O N
S S N
N N N N
N H3C N
O CH3 O CH3
H3C
Sildenafila Vardenafila
CH3 CH3
Latenciação

OH CI OH CI

NH NH
CI CI

O O
OH O O
O2N O2N
(CH2)12

H3C
Introdução de grupos volumosos CH3

R NH O
S CH3
CH3 NH S CH3
N
O
O CH3
O N
COOH H3C O
Penicilina O
Meticilina COOH

Figura 5 – Resumo das principais modificações moleculares

15
Unidade I

Adição molecular

N
O
N -
N N+ O
H
Mandelato de metenamina
O
Hibridação molecular O

O
O
HOOC O
OH

+
NH O
O NH O

Paracetamol Ácido acetilsalicílico Benorilato

Replicação molecular
O

O O N+
2 N
+ N+ O

O O
Acetilcolina Succinilcolina

Simplificação molecular
N N

O
CH3O OH HO Levorfanol (1946)
Morfina (1925)
Fenazocina (1959)
HO

O
O

Alfaprodina (1946)

16
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Abertura de anel
CH3 OH O
H3C
CH3
OH
CH3

Estradiol Ácido bisdesidrosinólico

Fármaco Análogo Pró-fármaco


O

OH OH OH
O
HO HO O
NH NH NH
O
HO HO

Epinefrina Isoprenalina Dipivefrina

Figura 6

Planejamento racional

Nesta estratégia de introdução de fármacos na terapêutica temos o uso de programas computacionais


como aliado na descoberta de novos compostos bioativos, na busca do melhor entendimento do
mecanismo de ação de fármacos que já estão na terapêutica, bem como da sua farmacocinética.

Várias são as estratégias do uso computacional para desenvolvimento de novos candidatos a


fármacos. Vamos ressaltar a importância de se conhecer o alvo biológico; para tanto, pode-se utilizar
a metodologia de SBDD (structure-based drug design), ou seja, ao se conhecer bem o sítio de ligação
do alvo podemos planejar uma estrutura química que se ligue a ele perfeitamente. No entanto, quando
não se conhece bem tal sítio, utilizamos a estratégia conhecida como LBDD (ligand-based drug design).
Aqui são exploradas as propriedades e características de uma série de compostos bioativos.

O uso de programas computacionais permite a visualização em três dimensões tanto do fármaco


quanto do receptor. Recentemente foi incorporada a expressão CADD (computer-aided drug design,
desenho de fármacos assistido computacionalmente) às terminologias usadas em QF. Nela, pode-se
determinar a distância interatômica, assim como a densidade eletrônica de compostos de interesse
farmacológico e estudar seu equilíbrio conformacional. Essas propriedades podem explicar de maneira
racional a ação biológica e sugerir, confirmar e descartar hipóteses quanto ao mecanismo de ação em
âmbito molecular mais provável; além disso, elas permitem identificar as interações entre o composto
bioativo e seu receptor.

17
Unidade I

Figura 7 – Simulação em computador da desetilcloroquina (candidato a fármaco)


e falcipaína (enzima encontrada no Plasmodium falciparum)

Saiba mais

Para entender melhor como funciona o uso de ferramentas


computacionais no planejamento de fármacos, leia o seguinte artigo:

CARVALHO, I. et al. Introdução à modelagem molecular de fármacos no


curso experimental de química farmacêutica. Química Nova, Ribeirão Preto,
v. 26, n. 3, p. 428-438, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/qn/
v26n3/15672.pdf. Acesso em: 11 ago. 2020.

A seguir temos um fluxograma que mostra o desenvolvimento de fármacos seguindo o trinômio


proposto por Kubinyi em 1998: dedicação/intuição/sorte.

Planejamento racional
Ao acaso Doença
Triagem empírica
Alvo Efetor
Extração de fontes naturais Definição Definição
Isolamento Isolamento
Modificação molecular
3D 3D

CADD

Protótipo

Síntese

Novo fármaco Nova molécula

Figura 8 – Esquema de estratégia de planejamento de fármacos

18
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Apesar de as estratégias hoje estarem bem definidas, a introdução de um único composto bioativo
pode levar entre 5 e 15 anos, dependendo da patologia a ser alvo. Consta na sequência um esquema
com as etapas envolvidas no desenvolvimento de fármacos.

Das estruturas escolhidas, apenas uma será realmente um fármaco, como mostrado no
esquema a seguir:

Novo fármaco Compostos Centenas de milhares

Protótipos Milhares

Substância líder Centenas

Otimização Dezenas

Candidato Alguns

Fármaco 1

Figura 9 – Busca de novos compostos bioativos

A introdução de fármacos na terapêutica, de modo geral, pode ser resumida em:

• Fármacos de origem sintética.

• Fármacos de origem natural.

• Fármacos semissintéticos.

Conforme a figura mostrada a seguir, pode-se concluir que a maior parte dos fármacos introduzidos
é de origem sintética.
Produtos sintéticos feitos
com produtos naturais
9%
Produtos
derivados
naturais
24%
Produtos
naturais
6% Produtos
sintéticos
56%
Produtos
biológicos
5%

Figura 10

19
Unidade I

1.3 Definições: droga, fármaco, medicamento e remédio

Como diferenciar fármaco, droga, medicamento e remédio? Usualmente, podemos defini-los como:

• Fármaco: toda substância de estrutura química definida que possa alterar o sistema fisiológico
ou o estado patológico, causando benefício ao organismo. Cabe ressaltar que os fármacos podem
ter diversas aplicações. Há fármacos utilizados na erradicação de determinadas doenças; existem
também aqueles administrados a um organismo com carência de alguns elementos essenciais
(vitaminas, hormônios ou sais minerais); já na prevenção de patologias, temos as vacinas e os
soros; no bloqueio de uma função fisiológica de maneira temporária, usam-se os anestésicos;
e em métodos diagnósticos são utilizadas as substâncias auxiliares – um exemplo é o contraste
utilizado em ressonância magnética nuclear (RMN), tomografia, cintilografia etc.

• Droga: este termo pode ser utilizado em duas ocasiões: ao nos referirmos à droga como toda
substância de abuso (aquelas que causam dependência e são ilícitas) ou o princípio ativo extraído
de um produto de origem natural, em geral vegetais.

• Medicamento: associação de um fármaco (ou mais) e substâncias que vão compor uma forma
farmacêutica (excipientes, veículos etc.).

• Remédio: tudo o que causar bem-estar ao indivíduo, aqui cabe também o medicamento, pois
ao agir no organismo, de alguma forma ele causará bem-estar, seja erradicando uma doença ou
eliminando sintomas de uma doença. Vale ressaltar que todo medicamento pode ser considerado
um remédio, mas nem todo remédio é um medicamento.

1.4 Teoria da ação dos fármacos: fármacos específicos e inespecíficos.


Principais mecanismos de ação dos fármacos

Pelas análises estruturais sabe-se que o fármaco tem caráter de ácido orgânico fraco ou básico fraco,
portanto, é capaz de interagir com espécies iônicas e formar sais. Esses conceitos são úteis quando
se deseja modificar as propriedades de solubilidade ou alguma característica organoléptica (cor, odor,
sabor), aumentar a biodisponibilidade ou elevar a potência. Não se pode, no entanto, utilizar quaisquer
íons na formação dos sais. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso de alguns,
entre eles: acetato, cloridrato, estearato, fosfato, carbonato, potássio, sódio, benzatina, procaína etc.

Para que um fármaco exerça seu efeito máximo, devemos levar em consideração três etapas
fundamentais: farmacêutica, farmacocinética e farmacodinâmica.

• Fase farmacêutica ou de exposição: ocorre a desintegração, processo que acontece para que
o fármaco fique biodisponível. Neste ponto ele é liberado da sua forma farmacêutica, sendo
convertido em micropartículas e solubilizando em um determinado meio.

• Fase farmacocinética: o fármaco disponível passa pelas etapas de absorção, nas quais, dependendo
de sua estrutura química, interage com um meio mais lipofílico ou hidrofílico. Sua distribuição é
20
QUÍMICA FARMACÊUTICA

um evento em que ele se liga às proteínas plasmáticas a fim de direcioná-lo ao local de ação. Já a
biotransformação (ou metabolização) se dá quando o fármaco é convertido em substâncias mais
hidrossolúveis para que ocorra a última etapa da farmacocinética, que é a excreção, sendo que a via
principal (mas não exclusiva) é a renal.

• Fase farmacodinâmica: ocorre a interação farmacorreceptor. Nesta etapa a estereoquímica


tanto do fármaco quanto dos grupamentos presentes no sítio de ligação do receptor é de total
interesse aos químicos farmacêuticos na busca de novos candidatos a fármacos.

A seguir temos um esquema que permite uma melhor visualização das fases.

I - Fase
farmacêutica

Dose Desintegração da forma farmacêutica


Dissolução da substância ativa
Fármaco disponível
para absorção
Fármaco disponível (disponibilidade
para ação farmacêutica)
(disponibilidade
biológica)
III - Fase II - Fase
farmacodinâmica farmacocinética

Absorção
Interação Distribuição
farmacorreceptor Metabolismo
Excreção

Efeitos

Figura 11 – Fases de ação de fármacos

Saiba mais

Com o objetivo de conhecer melhor a respeito do tema proposto, leia o


capítulo 1 do livro a seguir:

THOMAS, G. Química medicinal: uma introdução. Rio de Janeiro:


Guanabara Koogan, 2003.

Os fármacos podem ser classificados sob diversos pontos de vista: estrutura química, ação
farmacológica, uso clínico e mecanismo de ação em âmbito molecular. Neste livro-texto seguiremos a

21
Unidade I

Organização Mundial da Saúde (OMS) e abordaremos os fármacos segundo sua ação farmacológica e
uso clínico, ou seja, por classes terapêuticas.

A nomenclatura de fármacos segue o preconizado pela Denominação Comum Brasileira (DCB), a saber:

• Sigla: se houver.

• Nome químico: estabelecido pela IUPAC (International Union of Pure and Applied Chemistry).

• Nome oficial ou genérico estabelecido pela DCB ou pela DCI (denominação comum
internacional): caso não tenha correspondente em português.

• Nome comercial ou fantasia: sem fazer alusão à patologia ou a algo que remeta à ela.

• Sinônimos: quando houver mais de um nome oficial por atualização da nomenclatura.

A inicial de todos os nomes deve começar com letra minúscula, exceto para o caso do nome comercial,
que deverá ser grafado com a primeira letra maiúscula e o símbolo de marca registrada (®).

Exemplos:

COOH
Sigla: AAS.
O Nome químico: ácido 2-acetoxibenzoico.
Nome oficial: ácido acetilsalicílico.
O Nome fantasia: Aspirina®.

Figura 12

Nome químico: [(2,3-diidro-1,5-dimetil-3-oxo-2-fenil-1H-


O N pirazol-4-il)metilamino] metanossulfonato sódico.
N Nome oficial: dipirona sódica.
Na O -
+
Nome fantasia: Novalgina®.
N Sinônimo: metamizol sódico.
S

O O

Figura 13

22
QUÍMICA FARMACÊUTICA

2 PROPRIEDADES DE FÁRMACOS

2.1 Polaridade

Em química, o conceito de polaridade é determinado por dois grupos de substâncias: apolares e polares.

As apolares são aquelas que não apresentam diferença de eletronegatividade, o que pode ser
estudado através da ausência de elementos eletronegativos, por exemplo, um hidrocarboneto, ou pela
geometria da molécula que considera apolar as moléculas simétricas, isto é, tetracloreto de carbono.
Já as substâncias polares são definidas como aquelas nas quais existe diferença de eletronegatividade
entre os elementos eletronegativos presentes ou quando as moléculas se apresentam assimétricas.

Na química farmacêutica e na farmacologia a polaridade é um fator fundamental na solubilidade dos


fármacos: aqueles que forem muito polares terão como característica uma maior hidrossolubilidade e
dificilmente passarão por certas barreiras (a hematoencefálica, por exemplo). Já para os fármacos muito
apolares, a lipofilicidade será um obstáculo para a formulação de determinadas formas farmacêuticas
ou para determinadas vias de administração.

Outro ponto a se levar em consideração está relacionado ao planejamento de compostos bioativos:


dependendo da finalidade do fármaco deve-se escolher grupos que vão conferir maior ou menor
lipossolubilidade a eles.

2.2 Parâmetros estruturais e físicos que interferem na solubilidade


(hidrossolubilidade/lipossolubilidade)

Além da polaridade, o peso molecular, o volume molecular e o tipo de ligação feita entre o fármaco
e a água ou as membranas biológicas podem alterar a solubilidade do fármaco. Por exemplo, a troca
de um grupo -OH por um CH3 pode alterar não somente a solubilidade, mas as propriedades físicas dos
fármacos. É capaz ainda de modificar a ação farmacológica destes.

2.3 Tamanho de partículas: polimorfismo de fármacos

A forma cristalina de um sólido normalmente é caracterizada como um cristal ideal, ou seja, cada
célula se repete de maneira ordenada espacialmente. Para os fármacos, essa forma ideal não existe. Em
uma síntese de fármacos os cristais são produzidos em mais de uma forma, ou seja, existem cristais
diferentes em forma e tamanho que são fabricados; quando isso ocorre, são denominados polimorfos.

Por definição, o polimorfismo é a tendência de um sólido cristalizar em estados cristalinos distintos.


Na produção de fármacos essa tendência pode levar à formação de compostos idênticos, mas com
propriedades físico-químicas e farmacológicas diferentes, já que as condições reacionais, como
determinados tipos de solventes e a temperatura da reação, favorecem a formação de polimorfos. Um
polimorfo instável vai ser convertido em outro mais estável rapidamente dependendo do tempo e da
temperatura de armazenamento, de como ele foi feito (processado) e do tipo de compressão usado para
diminuir o tamanho das partículas.
23
Unidade I

As alterações que podem ocorrer são:


Biodisponibilidade

Polimorfismo Estabilidade química e


física do fármaco

Estabilidade da forma
farmacêutica

Figura 14

Quando não há definição cristalina, tais compostos são chamados de amorfos. Quando há a presença
de água em seu retículo cristalino, são denominados hidratos.

Saiba mais

O artigo a seguir traz um retrospecto do polimorfismo em medicamentos.

ARAÚJO, G. L. B. et al. Polimorfismo na produção de medicamentos.


Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada, v. 33, n. 1, p. 27-36, 2012.

2.4 Propriedades físico-químicas e atividade biológica

2.4.1 Coeficiente de partição (Log P) – Caráter ácido/básico de moléculas de fármacos,


ionização, pH x ADME

Quando um medicamento é administrado por via oral, para que o fármaco exerça seu efeito esperado,
ele precisa passar pelas três fases de ação, como já mostrado. Cada uma delas é influenciada diretamente
por propriedades físico-químicas. Por exemplo: solubilidade, coeficiente de partição (também conhecido
como Log P), grau de ionização, polimorfismo e a espacialidade dos grupos químicos presentes tanto na
estrutura química do fármaco como no sítio de ligação do receptor.

Outro ponto da importância na análise das propriedades físico-químicas é que elas podem ajudar na
orientação específica do receptor, fazendo com que uma série de eventos possa começar e levar ao efeito
biológico esperado. Deficiências nessas propriedades são capazes de ocasionar ineficácia no fármaco.

Deve-se levar em consideração o tipo de transporte que um fármaco faz ao transpor a membrana.
De maneira geral, temos: transporte ativo (que é menos comum; aqui, as membranas possuem um
papel mais especializado, envolvendo gasto de energia e semelhança estrutural entre o fármaco e o
substrato que será transportado) e difusão passiva (a maioria dos fármacos atua nesse processo; nele,
ocorre a passagem de moléculas de um local de maior concentração para outro de menor concentração,
24
QUÍMICA FARMACÊUTICA

atingindo, assim, o equilíbrio). A absorção do fármaco é proporcional ao aumento da dose, e, para tanto,
não há necessidade de transportador específico. A permeabilidade à membrana depende da lipofilicidade
da molécula dada por sua partição, bem como do grau de ionização, uma vez que a forma molecular do
fármaco é a melhor absorvida.
Transporte passivo
Transporte ativo

Difusão
simples Difusão facilitada

Figura 15 – Tipos de transporte de fármacos

As propriedades físico-químicas a serem consideradas são:

2.4.1.1 Parâmetros de solubilidade

A lipofilicidade é um parâmetro de suma importância para um fármaco, pois está diretamente


ligado a todas as etapas da farmacocinética, bem como a sua potência, clearance metabólico, volume
de distribuição, interação com o alvo, passagem para o sistema nervoso central, biodisponibilidade,
toxicidade, entre outros fatores biológicos ou físico-químicos.

Os parâmetros de solubilidade visam identificar qualitativa e quantitativamente a hidrossolubilidade


de um fármaco. Dentre os parâmetros estudados, temos:

Solubilidade

Quando se fala em solubilidade, deve-se lembrar que os fármacos para serem absorvidos necessitam
estar solubilizados no local onde acontecerá a absorção. Como mostrado anteriormente, um fármaco
cuja forma farmacêutica seja sólida precisa passar pelos estágios de desintegração e dissolução a fim de
que possa mudar para as demais fases de ação.

Caso sua solubilidade em determinado meio seja baixa, ele não será absorvido de maneira adequada.
Por exemplo, se ele for pouco solúvel em água, poderá não ocorrer a concentração plasmática ideal; por
outro lado, se for muito solúvel em água, talvez não atravesse as membranas plasmáticas por difusão
passiva, que é o principal meio de transporte de fármacos.
25
Unidade I

Coeficiente de partição, Log P ou P

O coeficiente de partição de uma estrutura química pode ser definido como a razão entre as concentrações
que se estabelecem nas condições de equilíbrio. Isto ocorre quando um fármaco encontra-se dissolvido, ou
melhor, particionado em sistema constituído por fase orgânica e fase aquosa. A medida quantitativa da
partição pode ser obtida pela seguinte equação:

Log P= [FASE ORGÂNICA]


[FASE AQUOSA]

Em que Log P é o coeficiente de partição do composto analisado:

• [FASE ORGÂNICA] é a concentração do fármaco na fase orgânica nas condições de equilíbrio.

• [FASE AQUOSA] é a concentração do fármaco na fase aquosa nas condições de equilíbrio.

Dois pesquisadores, Overton e Meyer, estabeleceram, através de muitos estudos sobre o tema, que
o melhor sistema de solventes a ser empregado na determinação do Log P é o n-octanol como fase
orgânica e o tampão fosfato pH =7,4, uma vez que esses solventes simulariam bem os compartimentos
biológicos. O n-octanol tem uma cadeia apolar com um grupo polar na extremidade, simulando a
membrana biológica (fosfolipídio), já o uso do tampão pH=7,4 simularia os fluídos biológicos. Além
disso, a preferência pelo uso do solvente orgânico ocorre por ele possuir ampla capacidade de dissolução
em diversos compostos químicos e não ser volátil em condições normais de temperatura, além de ser
comercialmente disponível e quimicamente estável. Quando se correlaciona o coeficiente de partição
com a atividade biológica, temos uma parábola que indica lipofilicidade ótima para valores entre 1 e 3,
ou seja, eles são capazes de expressar requisitos farmacocinéticos e farmacodinâmicos ideais.

A figura a seguir ilustra essa lipofilicidade.


Faixa ideal de Log P
1
Biodisponibilidade oral

0,5

0,25

-2 -1 0 1 2 3 4 5 6
Log P

Figura 16 – Correlação bilinear entre atividade biológica e lipofilicidade

26
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Existem diversas metodologias para determinação do Log P:

• Shake-flask (frasco agitado): dentre os métodos disponíveis é o mais simples de se executar.


Nele o fármaco é solubilizado no sistema bifásico (n-octanol/tampão) e por extração, portanto, a
posterior titulação da fase aquosa determina-se na concentração da amostra neste meio. A principal
desvantagem do método é a necessidade de se trabalhar com fármacos de alta pureza.

Fase P = Corg
orgânica
Caq
K2
K1 K1 . Caq = K2 . Corg
Fase
aquosa

Figura 17 – Determinação do coeficiente de partição no sistema orgânico/aquoso

• Cromatografia líquida de alta eficiência (Clae): essa técnica é utilizada para fármacos que
possuem solubilidade muito maior em uma das fases. Uma vantagem dele é a possibilidade de
se trabalhar com fármacos não puros; como desvantagem, temos o custo do equipamento e dos
solventes de alta pureza necessários para sua realização. O tempo de retenção em cromatografia
líquida de alta eficiência é quantitativamente descrito pelo fator de capacidade k’ obtido
através da equação:

k‘ = (tr - t0) / t0

Onde:

k’ = fator de capacidade

tr = tempo de retenção da substância em estudo

t0 = tempo de retenção da fase móvel

A relação entre log k’ e log Pn-octanol/tampão 7,4 é linear, possibilitando seu uso direto, porém, na prática,
utiliza-se a curva de padronização que é obtida mediante leitura de k’ de diversos padrões com
Log P conhecidos. A partir da curva obtém-se a equação:

Log P = a.log k’ ± b

Onde:

Log P= coeficiente de partição


27
Unidade I

Log k’ = fator de capacidade obtido pela técnica CLAE

a e b = coeficientes angulares

• Uso de programas computacionais: existem no mercado diversos programas computacionais


que calculam o coeficiente de partição baseado na fragmentação da molécula do fármaco, assim
como proposto pelo pesquisador Hansch. Cabe aqui salientar que trata-se apenas de uma medida
preditiva e auxiliar no planejamento de compostos bioativos.

Saiba mais

Uma visão mais aprofundada sobre a importância e as maneiras de se


calcular o coeficiente de partição pode ser vista no seguinte artigo:

TAVARES, L. C. QSAR: a abordagem de Hansch. Química Nova, São Paulo,


v. 27, n. 4, p. 631-639, 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/qn/
v27n4/20805.pdf. Acesso em: 11 ago. 2020.

Um exemplo da importância do parâmetro de solubilidade pode ser visto com os fármacos


β-bloqueadores atenolol e metoprolol. A mudança de um grupamento funcional orgânico faz com
que ocorra alteração significativa no coeficiente de partição e, com isso, sua escolha terapêutica
seja criteriosa.

O N O N

Farmacocinética OH H OH H Farmacocinética
Contraindicado Contraindicado
em pacientes com em pacientes com
distúrbios no SNC distúrbios renais
O

Ome NH2

Metoprolol Atenolol
Lipossolúvel pKa = 9,7 pKa = 9,6 Hidrossolúvel
Log P = 1,88 Log P = 0,16
(octanol/água) (octanol/água)

Figura 18

De maneira geral, podemos classificar a solubilidade dos fármacos pelo coeficiente de partição da
seguinte maneira:

• Log P > 1: fármacos lipofílicos

28
QUÍMICA FARMACÊUTICA

• Log P < 1: fármacos hidrofílicos

• Log P = 1: fármacos anfifílicos

Outro exemplo é o caso dos barbitúricos que têm sua ação farmacológica modificada quando ocorre
a substituição de um átomo de oxigênio pelo átomo de enxofre. O primeiro caso possui um caráter mais
hidrofílico, sendo utilizado como ansiolítico, enquanto o seguinte tem o caráter mais lipofílico, sendo
seu uso como anestésico geral.

O S

HN HN HN HN

O O O O

Pentobarbital Tiopental

Figura 19

Digitoxina e digoxina, dois fármacos cardiotônicos obtidos da Digitalis purpúrea, também são
exemplos de como a influência de grupos polares atua no coeficiente de partição. Isso pode ser
analisado em termos do tempo de meia-vida e na absorção no trato gastrintestinal do fármaco, como
veremos a seguir.
OH
HO
CH3 R = H digitoxina
O R = OH digoxina
O CH3
O
O CH3
OH O
O CH3 R
OH O
CH3 O
H
HO

Fármaco Log P Absorção TGI Meia-vida


P [CHCI3/MeOHH2O(16:84)] (%) (h)

Digitoxina (R=H) 96,5 100 144


Digoxina (R-OH) 81,5 70-85 38

Figura 20

29
Unidade I

2.4.1.2 Parâmetro eletrônico

Constante de ionização – pKa

A passagem dos fármacos pelas membranas é influenciada diretamente pelo seu caráter ácido ou básico
fracos. Ao ultrapassar a biofase um fármaco de caráter ácido perderá um próton (H+), formando a espécie
aniônica correspondente, já os fármacos de caráter básico serão protonados e formarão a espécie catiônica.

(Fármaco ácido) (Fármaco básico)


HA H+ + A- BH+ H+ + B

(Meio extracelular)

(Meio intracelular)

H+ + A- HA H+ + B BH+

Figura 21 – Ionização e absorção passiva de fármacos ácidos e básicos

A partir das equações de ionização, temos a constante de ionização, que irá predizer a contribuição
porcentual das espécies ionizadas e não ionizadas. A importância desta propriedade se dá na fase
farmacocinética, pois o quanto está ionizado é proporcional à lipofilicidade, e as espécies não ionizadas,
por apresentarem caráter mais lipofílico, conseguirão atravessar as membranas por transporte passivo,
enquanto as formas ionizadas dificultarão a absorção. Além da fase farmacocinética, tal parâmetro
é importante quando se estuda a interação do fármaco com os resíduos de aminoácidos no sítio de
ligação de um receptor que se dá na fase farmacodinâmica.

Através da equação de Henderson-Hasselbalch podemos ter a predição do quanto de forma


não ionizada temos em um determinado meio. Isso porque o pH do meio influencia diretamente na
absorção dos fármacos.

Atentem para o desenvolvimento da equação de Henderson-Hasselbalch para ácidos:


Ka
HA + H2O H3O+ + A-

A constante de equilíbrio será:


Ka = [H3O+].[A-]
[HA]

30
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Considerando que -logKa = pKa e -log [H3O+]= pH, converte-se essa expressão em logarítmica:

-logKa = -log[H3O+]- log[A-]


[HA]

E, por fim, temos a equação de Henderson-Hasselbalch:

pKa = pH + log[espécie não ionizada]


[espécie ionizada]

A partir desta equação, temos o grau de ionização em porcentagem:

% de ionização [a] = 100


1+10(pKa-pH)

O mesmo raciocínio aplica-se ao desenvolvimento da equação de Henderson-Hasselbalch para


fármacos de caráter básico. Chegaremos então a:

pKa = pH + log[espécie ionizada]


[espécie não ionizada]

% de ionização [a] = 100


1+10(pKa-pH)

Um exemplo da importância da ionização dependente do pH na ação biológica do fármaco pode ser


visto através da análise de uma série de sulfas, como mostram os dados a seguir.

Tabela 1 - Relação entre atividade biológica e pKa de uma série de sulfas

Sulfa Concentração mínima eficaz (M x 10-6) PKa % de ionização em pH = 7


Sulfanilamida 2.500 10,5 0,03
Sulfapiridina 20 8,5 3,4
Sulfatiazol 4 6,8 61,6
Sulfadiazina 4 6,4 80,0

Adaptado de: Korolkovas (1988).

Exemplo de aplicação

O pKa influencia diretamente na absorção de fármacos. Se o pKa de um fármaco é 3,5, em qual pH


fisiológico poderíamos dizer que haveria maior absorção? Pesquise e reflita a respeito.

31
Unidade I

2.5 Regra dos cinco de Lipinski

No planejamento de fármacos leva-se em consideração fatores fundamentais, como tipo de ação


que se deseja obter, estudos de farmacocinética, toxicológicos etc. Agora, quando um fármaco já está
na terapêutica, porém apresenta efeitos adversos graves, pode-se tentar melhorá-lo. Diversas são as
metodologias que podem ser realizadas e foram mostradas anteriormente, porém elas são capazes
de modificar de maneira não eficiente a ação do fármaco. Foi tentando minimizar essas barreiras que
Lipinski, em 1997, estudou a influência de determinadas propriedades físico-químicas (como solubilidade
e permeação em membranas) na ação dos fármacos. A partir do estudo, ele identificou pontos essenciais
que devem ser levados em consideração quando se deseja modificar molecularmente um fármaco (todas
elas deveriam considerar a regra dos cinco de Lipinski). Os pontos fundamentais são:

• Peso molecular <500

• logP <5

• < 5 doadores de H

• < 10 aceptores de H

Caso contrário, absorção e biodisponibilidade oral serão baixas. Esta, regra, no entanto, só deve ser
utilizada para fármacos orais.

2.6 Propriedades estereoquímicas (conformação, flexibilidade molecular,


isomeria espacial)

A maneira como os grupos de um fármaco se apresenta espacialmente, seja por sua conformação,
flexibilidade molecular ou sua disposição tridimensional, é vista em termos de parâmetros estéricos que
influenciarão diretamente a interação do fármaco com o receptor. Esse parâmetro é estudado com base
na forma e no tamanho do substituinte introduzido na molécula do composto matriz, e pode-se medir
o efeito que distâncias interatômicas, conectividade molecular e raio atômico causam na ação biológica.

Com as propriedades físico-químicas estudadas podemos classificar os fármacos em


dois grandes grupos:

Fármacos estruturalmente inespecíficos (FEI)

São chamados de FEI os fármacos que:

• dependem exclusivamente de propriedades físico-químicas (LogP e pKa, por exemplo), ocasionando


a ação biológica esperada;

• necessitam de altas dosagens ou de acúmulo nos receptores aos quais se ligarão, uma vez que são,
em geral, de baixa potência;
32
QUÍMICA FARMACÊUTICA

• não estão ligados a um receptor específico, mas a vários deles;

• possuem diversas estruturas químicas, sem semelhança estrutural, e têm a mesma


ação farmacológica;

• contêm pequenas variações nos grupos acessórios que não ocasionam grande alteração na
ação farmacológica.

Exemplos dessa classe são os antiácidos neutralizadores do suco gástrico – Al(OH)3 e Mg(OH)2 – e os
anestésicos gerais, conforme mostrado a seguir.
Br
Coeficiente de partição óleo: gás = 224
F3C CI Coeficiente de partição cérebro: plasma = 1,94 MAC50 = concentração
MAC50 = 0,7% de 14 atm alveolar mínima necessária
Halotano para provocar imobilidade em
F 50% dos pacientes
Coeficiente de partição óleo: gás = 90,8
CHF2
F3C O Coeficiente de partição cérebro: plasma = 1,57
Isoflurano MAC50 = 1,15% de 1 atm

Figura 22 – Exemplo de FEI

Neste caso vemos que o halotano é mais potente que isoflurano, pois tem um MAC50 menor.

Fármacos estruturalmente específicos (FEE)

São chamados de FEE os fármacos que:

• atuam em receptores específicos;

• são administrados em baixas dosagens, uma vez que eles possuem maior potência;

• dependem da estrutura química para exercer sua ação farmacológica;

• contêm pequenas variações estruturais que levam à mudança brusca na ação ou mesmo a
sua inatividade.

Nessa classe temos os antidepressivos, os ansiolíticos, os antimicrobianos etc.

A partir dos FEE é necessário entender como os fármacos atuam efetivamente sobre seus alvos
biológicos conhecidos como receptores, que de maneira geral podem ser: enzimas, metabotrópicos
(acoplados à proteína G), ionotrópicos (acoplados a canais iônicos), ligados a quinases, nucleares e
ácidos nucleicos.

33
Unidade I

Um modelo proposto pelo químico alemão Emil Fischer para exemplificar a interação e a especificidade
da interação enzima-substrato é o conceito chave-fechadura, no qual abrir ou não abrir a porta revela
a ação do complexo enzima-substrato.

Sítio receptor Atividade


Afinidade intrínseca
Chave Fechadura Agonista natural
Resposta
biológica
Chave Agonista
modificada modificado
Resposta
biológica

Chave falsa
Antagonista
Bloqueio
da resposta
biológica

Figura 23 – Modelo chave-fechadura proposto por Fischer

Pudemos visualizar na figura anterior que há três situações diferentes: a chave original consegue
acionar a fechadura, explicando a função do agonista com o encaixe perfeito sobre o sítio de ligação;
na sequência seria um objeto semelhante ao encaixe da fechadura que também permite acioná-la,
aqui com pequenas alterações estruturais, e mesmo que não possua o encaixe perfeito, é capaz de
interagir com o sítio de ligação do receptor; e, por fim, um objeto totalmente diferente que, além de não
acionar, bloqueia a fechadura, ilustrando como um antagonista funciona.

Um exemplo prático do modelo pode ser visto com os benzodiazepínicos, fármacos que atuam no
SNC no receptor GABA. A modificação estrutural no benzodiazepínico levou à descoberta do flumazenil,
um fármaco antagonista.

N
N O N O
N
CI CI OCH2CH3
N N F
N
F O
Diazepam Midazolam Flumazenil

Figura 24

34
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Quadro 1 – Atividade intrínseca dos benzodiazepínicos

Substância Afinidade do ligante, Ki (nM) Atividade intrínseca do ligante


Diazepam 11,0 Agonista
Midazolam 3,1 Agonista
Flumazenil 1,4 Antagonista

Adaptado de: Barreiro e Fraga (2015).

Efetivamente, a interação farmacorreceptor se dá através dos estudos estereoquímicos de todos


os grupamentos presentes, tanto da estrutura do fármaco quanto dos resíduos de aminoácidos que
compõem o sítio de ligação do receptor. A complementaridade que permite o encaixe do fármaco ao
receptor depende de três fatores estruturais: a estereoquímica dos átomos ou grupos de átomos que estão
presentes no fármaco; a distância interatômica destes; a distribuição e conformação eletrônica destes.

A estereoquímica é o estudo espacial das moléculas. Dependendo da sua composição podemos


ter isômeros geométricos (quando há carbonos insaturados) e isômeros óticos (quando há carbono
assimétrico ou quiral).

Saiba mais

Entenda melhor a estereoquímica de fármacos através da leitura do artigo:

LIMA, V. L. E. Os fármacos e a quiralidade: uma breve abordagem.


Química Nova, v. 20, n. 6, p. 657-663, 1997. Disponível em: https://www.
scielo.br/pdf/qn/v20n6/v20n6a15.pdf. Acesso em: 11 ago. 2020.

No caso de isomeria ótica, temos como exemplo a “tragédia da talidomida”. A introdução de mistura
racêmica desse fármaco causou focomelia nos bebês cujas mães fizeram seu uso com ação antiemética.

O O

N * O O N
N N
H H
O O O O
S-talidomida R-talidomida
ação teratogênica ação antiemética

Um grave problema

Figura 25

35
Unidade I

Depois do ocorrido com a talidomida, a separação de compostos quirais e a análise frente às ações
farmacológicas e toxicológicas tornaram-se obrigatórias e os fármacos passaram a ser comercializados
tanto como mistura racêmica quanto na sua forma opticamente pura.

Observação

Mistura racêmica é a mistura proporcional de dois enantiômeros.

Exemplos de fármacos comercializados em sua forma opticamente pura estão representados a seguir.

Quadro 2

Fármaco Nome comercial Classe terapêutica Venda mundial (milhões, US$)


Amoxicilina Amoxil , Novocilin
® ®
Antibiótico 2.000
Ampicilina Binotal ®
Antibiótico 1.800
Captopril Capoten ®
Controle de pressão 1.520
Enalapril Renitec® Controle de pressão 1.500
Ibuprofeno Motrin® Anti-inflamatório 1.400
Naproxeno Naprosyn ®
Anti-inflamatório 950
Cefalexina Keflex ®
Antibiótico 900

Adaptado de: Coelho (2001).

2.7 Interação fármaco-alvo (receptor)

Entretanto, como efetivamente se dá a interação farmacorreceptor? O processo pode ser explicado


pelos tipos de interação química que ocorrem na formação desse complexo (farmacorreceptor). São eles:

Forças eletrostáticas

Elas podem ocorrer através da formação de dipolos ou de cargas opostas entre o complexo formado.

Iônica

Ocorrerá sempre que houver cargas opostas efetivas entre o fármaco e o receptor:
H O O
+
ligante N H + receptor receptor
H O- O-
H
+
H N

H ligante

Figura 26

36
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Como exemplo temos a interação do AINE flurbiprofeno com o resíduo de aminoácido arginina-120
da ciclo-oxigenase-1.
CH3 CH3
Biofase
OH O
F H
O F - O
+ NH
Flubiprofeno HN
N
O
H Arg 120
O
HN
COX-1

Figura 27

Dipolo-dipolo

Interações desse tipo ocorrem entre grupamentos que possuem polaridades opostas. Essa polaridade
é vista sempre que houver heteroátomos presentes. Por exemplo: O, N, halogênios etc.

Receptor δ+
δ-
O
O

δ- δ+ Ligante

Figura 28

Íon-dipolo

Acontece esse tipo de interação quando o fármaco ou o receptor possuir carga iônica formal e um
heteroátomo que permita a formação de dipolo.

+ δ- Ligante
Receptor N O δ+
R2

Figura 29

Um exemplo para esse tipo de interação pode ser visto entre tromboxana sintase (receptor) que
possui um íon Fe+2 e ozagrel, um antiagregante plaquetário.

37
Unidade I

Tromboxana sintase

N N
+2 N
S – Fe N
OH
N N
O
Ozagrel

Figura 30

Ligação de hidrogênio

Esse tipo de interação também é relatado por muitos autores como sendo ponte de hidrogênio.
Trata-se da interação do H com os elementos eletronegativos: flúor, oxigênio e nitrogênio.

H
H O H O
H N H O
H H
H H
H H
H
H N H N
H O H N
H H
H H

Figura 31

A ação antirretroviral do saquinavir acontece através das ligações de hidrogênio com o sítio de ligação
da aspartil protease do HIV-1. As linhas tracejadas indicam a distância interatômica dessas ligações.

38
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Asp30 Asp25
R O N Asp25’
Gly27 H
O O O
N O O O
2.5 Å
H 2.5 Å
R 3.0 Å
N H H
Asp29 NH2 3.2 Å
3.0 Å O H
O H O
H O
N N N
2.9 Å
H 3.1 Å H
O N R
H O N
O H H
Asp29’
3.0 Å CH3
H
N Saquinavir H3C CH3
O 3.6 Å
Gly48
N H Asp = ácido aspártico
Gly49 Gly = glicina

Figura 32 – Fármaco saquinavir e as interações com seu sítio de ligação

Interação de Van der Waals

Esse tipo de interação, também conhecida como forças de dispersão de London, é composto por forças
atrativas entre grupos apolares. Por ela temos a formação de dipolos induzidos, que de maneira geral é
um tipo de interação muito fraca, porém de suma importância para o reconhecimento molecular do
fármaco pelo sítio de ligação do receptor. O exemplo a seguir é do anti-hipertensivo losartana, que interage
com os receptores de angiotensina II do subtipo 1 (AT1R). Existem múltiplas interações do tipo dispersão
no complexo F-R.

Bolsa L1 Phe182
At1R
Phe171
H3C
N
Ala163
N CI
Ser109
OH

HN N
N Val108
N

Losartana

Figura 33

39
Unidade I

Forças hidrofóbicas

Semelhantes às forças de Van der Waals que atuam com grupos apolares, o presente tipo de interação
ocorre sempre que houver solvatação com a água, quer pelo sítio de ligação, quer pelo fármaco. Um
exemplo dele acontece entre o fator de agregação plaquetária (PAF) e o sítio de ligação que se encontra
solvatado. A aproximação do PAF ao receptor faz com que a água seja “expulsa” e a interação F-R ocorra.
PAF
Interação do PAF com
Biorreceptor do PAF
Bolsa Lipolfílica do
Receptor do PAF

Figura 34

Ligação covalente

Trata-se da mais forte das interações. Dificilmente ela é rompida, levando à inibição enzimática
irreversível ou inativação do sítio de ligação.

Exemplo desse tipo de interação ocorre entre a prostaglandina endoperóxido sintase (PGHS) e o
ácido acetilsalicílico (AAS), um AINE com ação anti-inflamatória. Ao se aproximar do sítio de ligação da
PGHS, uma série de reações envolvendo o campo eletrônico ocorre e o grupo acetila do AAS é transferido
covalentemente para o resíduo serina-530 da PGHS causando inibição irreversível da enzima. Como
consequência, o processo inflamatório (dor, calor) diminui.

40
QUÍMICA FARMACÊUTICA

PGHS
HO O O
O
O OH Ser530
HO N–H
O O
O CH3

PGHS PGHS O
O
H3C O OH
O - Ser530 O N–H
O O
N–H
OH O O CH3

Figura 35

Agora que falamos das possíveis interações entre F-R, devemos nos lembrar que o estudo delas só
se tornou possível graças ao desenvolvimento da estereoquímica, uma vez que a espacialidade dos
átomos permite uma melhor compreensão do que realmente ocorre na ação biológica do ponto de
vista farmacodinâmico.

A estereoquímica estuda os isômeros espaciais. Eles podem ser classificados em dois grupos:

• Diastereoisômeros ou isômeros geométricos: mesmos grupos funcionais (carbono insaturado);


propriedades físico-químicas diferentes, o que é uma vantagem se pensarmos na separação
desses compostos em uma síntese, pois eles terão, por exemplo, ponto de fusão e/ou ebulição
diferentes, fazendo com que sejam facilmente separados, e suas estruturas não são idênticas, daí
vem a separação em Cis/Trans ou E/Z. Em termos de ação biológica, vemos que um isômero não
atua da mesma maneira que o seu correspondente porque a interação que se tem com o sítio de
ligação não é igual.
Fármaco cis ou Z Fármaco trans ou E
a b d b

c d c a

A B A B

C D C D

Figura 36 – Diastereoisômeros interagindo com receptor

• Enantiômeros ou isômeros óticos: isômeros que possuem carbono assimétrico (quiral) têm
a propriedade de desviar a luz polarizada e não são imagens sobreponíveis (especulares), que
41
Unidade I

dependem de como os átomos ou grupos de átomos estão dispostos, serão conhecidos com R ou S.
A ação farmacológica ocorre pelo arranjo espacial tanto do fármaco quanto do receptor. Se a
interação entre os grupos não ocorre de maneira a ocupar o receptor, poderemos ter dois efeitos
imediatos: ação farmacológica não eficiente e efeitos adversos desastrosos (como no caso da
“tragédia” da talidomida?). A espacialidade dos grupos nos dirá o quão potente e eficaz podem
ser tais fármacos, desde que interajam corretamente com os grupos do receptor.

Figura 37 – Interação F-R de compostos quirais

Um em cada quatro fármacos que estão na terapêutica é comercializado na forma de mistura racêmica
(mistura de dois enantiômeros). Na maior parte deles a ação biológica está relacionada a apenas um dos
isômeros, mas o outro não apresenta riscos ao organismo. Embora seja permitida a comercialização de
racematos, aspectos legais tendem a ser mais exigentes em fazer com que a indústria farmacêutica se
preocupe na separação dos enantiômeros e na avaliação toxicológica criteriosa de cada um.

3 METABOLISMO DE FÁRMACOS

O metabolismo ou biotransformação de fármacos é um processo no qual a molécula do princípio ativo


contido na formulação de um medicamento sofre alterações em sua estrutura química, com o objetivo
principal de facilitar sua eliminação, já que tais substâncias são estranhas ao nosso organismo. As mudanças
estruturais que ocorrem durante o metabolismo são promovidas através da ação de diversas enzimas e
as estruturas geradas são chamadas de metabólitos. Os metabólitos podem apresentar diferenças de atividade
biológica em relação ao fármaco original, podendo ser menos ativos e inativos, e em alguns casos podem
produzir efeito diferente do fármaco nativo, gerando problemas como toxicidade ou efeitos colaterais.

Este processo apresenta um papel muito importante na descoberta e desenvolvimento de fármacos,


pois pode afetar parâmetros farmacocinéticos, farmacodinâmicos e de segurança.

O conhecimento sobre as possíveis vias metabólicas para um fármaco fornece uma visão geral sobre
as estratégias que devem ser utilizadas durante o planejamento de novos fármacos, visando fármacos
visando aumentar segurança e eficácia, permitir o entendimento das relações entre estrutura química e
atividade biológica (REA/SAR), promover ajustes na formulação de medicamentos, planejar pró-fármacos
efetivos, bem como evitar interações farmacológicas e formação de metabólitos reativos.
42
QUÍMICA FARMACÊUTICA

As enzimas envolvidas na biotransformação são capazes de introduzir grupos funcionais polares em um


grande número de fármacos. Após a adição deste grupo, o composto obtido é geralmente mais polar e
hidrossolúvel, sendo mais fácil para excretar quando passar através dos rins. Algumas enzimas são capazes
de remover grupos hidrofóbicos presentes na molécula do fármaco, revelando um grupo mais polar que
estava anteriormente mascarado. Por exemplo, algumas enzimas podem remover um grupo metil de um éter,
revelando um grupo hidroxila, que é mais polar, sendo assim o metabólito excretado de maneira mais eficiente.

Podemos classificar tais reações em dois grupos distintos de acordo com a característica geral:
reações de fase I (reações de funcionalização) e reações de fase II (conjugações).

As reações de fase I são as responsáveis pelo surgimento de novos grupos funcionais polares via
oxidação, redução ou hidrólise. Grande parte delas ocorre no fígado, mas em alguns casos como, por
exemplo, a hidrólise de ésteres ou amidas pode acontecer no trato gastrointestinal (TGI), plasma sanguíneo
e em outros tecidos. Os fragmentos orgânicos (grupos) mais sensíveis a reações de oxidação são: aminas
metiladas (N-metil aminas), anéis aromáticos, a última posição (carbono terminal) de cadeias alquílicas,
posição menos impedida de anéis alicíclicos (não aromáticos). Grupos nitro e carbonila são propensos à
redução, enquanto os ésteres e amidas são facilmente hidrolisados.

As reações de fase II geralmente ocorrem também no fígado e são responsáveis pela junção
(conjugação) de substâncias endógenas altamente polares aos grupos funcionais polares presentes na
estrutura do fármaco original ou que foram adicionados a algum metabólito de fase I. Tais metabólitos
têm sua polaridade bastante aumentada, bem como sua taxa de excreção na urina.

HO
O2N H2N H2N O OH
O
OH OH
OH OH O
O O O
NH NH NH
HO CI HO CI HO CI
CI CI CI

Molécula original Metabólito de Metabólito de


(fármaco) fase I fase II

Figura 38 – Exemplos de reações metabólicas de fase I e II

Lembrete

Quanto maior a quantidade de grupos polares na estrutura de um


composto orgânico, ele será mais polar e hidrossolúvel, pois aumenta a sua
capacidade de interagir com água.

A ocorrência de uma reação de fase II não está condicionada à formação inicial de metabólitos de
fase I, podendo acontecer tanto para os produtos de oxidação, redução ou hidrólise (fase I) quanto para
a molécula do fármaco original.

43
Unidade I

3.1 Reações de fase I

A oxidação é a principal via metabólica de fase I, sendo as enzimas que constituem o complexo citocromo
P-450 (CYP-450) as de maior importância na biotransformação dos fármacos. Essas enzimas são hemiproteínas
(contêm um átomo de ferro) que catalisam a reação, a qual resulta na introdução de um átomo de oxigênio
na estrutura do fármaco a partir do oxigênio molecular (O2). As reações promovidas através das enzimas do
CYP-450 podem envolver a oxidação de carbono, nitrogênio, fósforo, enxofre e outros átomos.

Os átomos de carbono mais propensos à oxidação são os mais expostos (última ou penúltima
posição de cadeias alquílicas) ou ativados (vizinhos a heteroátomos ou anéis aromáticos), promovendo
a formação de metabólitos hidroxilados ou dealquilados.

Grupos metil presentes em moléculas de fármacos são comumente hidroxilados, levando à formação
de álcoois que podem por sua vez ser oxidados até o ácido carboxílico correspondente.
OH O O
Álcool Aldeído
CYP-450 desidrogenase desidrogenase
CH3 CH2 CH C OH

Figura 39 – Oxidação de grupo metil até o ácido carboxílico correspondente

Átomos de carbono de grupos alquil (metil, etil etc.) em posição alfa “α” (vizinha) a heteroátomos são
comumente oxidados. O produto hidroxilado resultante é bastante instável e sofre decomposição espontânea
gerando o metabólito da dealquilação, reação comum para éteres, aminas 2ª e 3ª, sulfetos e haletos de alquila.
N-oxidação
O
R1
CYP-450
N N R2
R2
R1
N-hidroxilação
OH
CYP-450
NH N
R1 R1

S-oxidação

O O O
CYP-450 CYP-450
S S S
R R R

Figura 40

44
QUÍMICA FARMACÊUTICA

A formação dos metabólitos ilustrados anteriormente ocorre através da hidroxilação do átomo de carbono
ligado diretamente ao heteroátomo seguido por clivagem (quebra) da ligação carbono-heteroátomo, como
veremos a seguir:
OH O
CYP-450
O CH2R O CHR OH + CHR

Figura 41 – Mecanismo de dealquilação por via oxidação de carbono-α a heteroátomos

Os átomos de carbono insaturados “sp2” (C=C) podem ser oxidados por ação das enzimas do
complexo CYP-450. Os alcenos originam epóxidos altamente reativos, que são desativados por ação da
enzima epóxido hidrolase para formar um diol. Anéis aromáticos presentes na estrutura de fármacos
podem ser oxidados, levando à obtenção do epóxido que pode ser hidrolisado, formando diol ou
sofrendo rearranjo, originando metabólito p-hidroxilado. O epóxido formado por oxidação de carbono
insaturado pode também ser desativado através da reação com glutationa S-transferase para formar
metabólito conjugado.

Observação

Os metabólitos epoxidados podem atuar como agentes alquilantes,


reagindo com grupos presentes em diversas proteínas e ácidos nucleicos
(macromoléculas) e promovendo toxicidade.

Os grupos funcionais contendo heteroátomos (N, O, S) podem também ser metabolizados por
processos oxidativos através da oxidação ou hidroxilação do próprio heteroátomo, gerando metabólitos
por N-oxidação, N-hidroxilação e S-oxidação.
Epóxido HO OH
H H H O H hidrolase
CYP-450 H H
R1 R2 R1 R2 R1 R2
*Epóxido *diól

OH
*diól
CYP-450 OH

O
OH
*p-hidroxilado

Figura 42 – Possibilidades na oxidação de carbonos insaturados via epoxidação

45
Unidade I

Aminas terciárias podem sofrer N-oxidação, dando origem a N-óxidos (óxidos de amina), enquanto
aminas primárias ou secundárias podem originar N-hidroxilaminas. O grupo sulfeto pode sofrer oxidação,
dando origem a sulfóxidos ou sulfonas.
N-oxidação
O
R1
CYP-450
N N R2
R2
R1
N-hidroxilação
OH
CYP-450
NH N
R1 R1

S-oxidação

O O O
CYP-450 CYP-450
S S S
R R R

Figura 43 – Oxidação de heteroátomos

As reações redutivas de fase I são menos comuns do que as oxidativas, porém redução de cetonas,
azo-compostos e grupo nitro tem sido observada em alguns fármacos, originando álcoois e aminas por
ação de redutases.
Citorredução
O Redutase OH

Azorredução
Redutase
R1 N N R2 R1 NH2 + H2N R2
Nitrorredução
NO2 NH2
Redutase

Figura 44 – Exemplos de reduções comuns durante o metabolismo de fármacos

A hidrólise de ésteres e amidas é uma reação metabólica comum, catalisada por esterases e peptidases,
respectivamente. A hidrólise de amidas ocorre de maneira mais lenta do que a hidrólise de ésteres.

A hidrólise é muito importante do ponto de vista da bioativação de diversos pró-fármacos, que são
administrados em sua forma latente. Ela é responsável por converter o pró-fármaco em sua forma ativa,
mais próximo do local de ação.

46
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Hidrólise
O O
Esterase
R2 + R2
R1 O R1 OH HO
O O
Peptidase
R2 + R2
R1 N R1 OH H2N
H

Figura 45 – Hidrólise de ésteres e amidas

Lembrete

A hidrólise de ésteres e amidas é uma reação metabólica comum,


catalisada por esterases e peptidases, respectivamente.

3.2 Reações de fase II

A maioria das reações de fase II é de conjugações catalisadas por um grupo de enzimas chamadas
transferases. O conjugado resultante em geral é inativo e prontamente excretado devido a sua alta
polaridade. As reações de fase II ocorrem por glucuronidação, sulfatação, conjugação com glicina
(aminoácido), acetilação, metilação ou conjugação com glutationa, introduzindo diversas funções
polares na estrutura do fármaco ou metabólitos de fase I.

A reação de glucuronidação ou conjugação com ácido glucurônico é a mais comum e constitui


a principal via metabólica de fase II, podendo ocorrer para um grande número de grupos funcionais
polares como, por exemplo, álcoois, fenóis, hidroxilaminas, ácidos carboxílicos, aminas e tióis. Nessa
reação o ácido glucurônico é transferido ao fármaco a partir de um cofator enzimático chamado de
difosfato de uridina (UDP) por ação de enzimas glucuronato transferase.
HO O
O
OH
OH OH
Glucuronato transferase
Fármaco XH Fármaco X
O OH Metabólito conjugado
O
HO O
O O
HO NH
HO
O P O P O
OH (álcool, tenol, hidroxilamina) N O
OH HO O
XH COOH (ác. carboxilico)
NH2 (amina)
SH (tiol) HO OH
UDP-Ácido glucurônico

Figura 46 – Exemplo de reação de conjugação com ácido glucurônico

47
Unidade I

A sulfatação ou conjugação com sulfato é menos comum do que a glucuronidação, ocorrendo


apenas para álcoois, fenóis, hidroxilaminas e aminas aromáticas. Tal reação acontece por ação de
enzimas que transferem uma molécula de sulfato do cofator 3-fosfoadenosina-5-fosfosulfato (PAPS)
para a estrutura do fármaco.
O-
O
S
Sulfotransferase O
Fármaco XH Fármaco X
NH2 Metabólito conjugado

O O N N

O S O O N N
O
O- O-

OH
XH OH (álcool, fenol, hidroxilamina) O
NH2 (amina) O -
P
O-

O
3-fosfoadenosina-5-fosfosulfato

Figura 47 – Conjugação com sulfato

Fármacos que apresentam ácido carboxílico em sua estrutura podem ser conjugados com o
aminoácido glicina por formação de ligação peptídica.

Primeiramente, o ácido carboxílico presente no fármaco (metabólito de fase I) é ativado por formação
de intermediário Acil-coenzima A, que está ligado ao aminoácido para depois originar o metabólito
conjugado glicina.
O

O O H2N OH O
ATP + CoA
Fármaco Fármaco Fármaco
Glicina
OH CoA NH

OH
O
Metabólito conjugado

Figura 48 – Conjugação com glicina

Grupos funcionais eletrofílicos (reativos) como epóxidos e haletos de alquila podem sofrer conjugação
ao grupo tiol (nucleofílico) presente na estrutura da glutationa, gerando metabólitos conjugados. Essa
reação é catalisada por glutationa transferase, ocorre principalmente no fígado e nos rins e é importante
na desativação de compostos alquilantes formados por reações de fase I e algumas toxinas.

48
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Fármaco Glutationa transferase Fármaco H


O
H N
Br S
O N COOH COOH
NH
HS
NH O

O
COOH COOH
H2N
NH2 Metabólito conjugado
Glutationa

Figura 49 – Conjugação com glutationa

Durante o metabolismo podem acontecer algumas reações que geram metabólitos menos hidrossolúveis
quando comparados à molécula original. É o caso da metilação (transferência de radical metil por ação de
metiltransferases) e da acetilação (transferência de radical acetil por ação de acetiltransferases).

Os grupos propensos à reação de metilação são fenóis, aminas e tióis, enquanto aminas primárias
são sensíveis à acetilação. Tais reações são menos frequentes que as outras conjugações.

Fármaco OH Metiltransferase Fármaco O

Metabólito metilado

Fármaco NH2 Acetiltransferase Fármaco NH

O
Metabólito acetilado

Figura 50 – Reação de metilação e acetilação de fármacos

3.3 Fatores que afetam o metabolismo de fármacos

É importante ressaltar que podem existir diferenças em relação à atividade metabólica de


enzimas envolvidas na biotransformação de fármacos entre indivíduos. Algumas pessoas apresentam
deficiência na produção de uma determinada enzima. Se ela estiver envolvida no metabolismo de
um fármaco, este poderá alcançar níveis tóxicos no organismo; se estiver envolvida na bioativação
de um pró-fármaco, ele será ineficaz para o paciente. Tais diferenças no perfil enzimático entre
populações distintas faz com que existam variações em relação à dose recomendada de um fármaco
em localidades diversas.

Alguns fatores podem influenciar a maneira como um fármaco é metabolizado. São eles:

• Propriedades físico-químicas de fármacos: volume, formato, pka, lipofilicidade etc.

49
Unidade I

• Dieta: atividade enzimática pode ser alterada por compostos provenientes de alguns alimentos.

• Fatores genéticos ou hereditários: diferenças genéticas entre indivíduos ou grupos étnicos


podem levar a distinções significativas no efeito de diversos fármacos. A farmacogenômica estuda
as variações genéticas que levam a diferentes respostas individuais. Futuramente será possível
realizar um estudo genético de um paciente, permitindo a execução de uma previsão sobre quais
seriam os medicamentos mais adequados para um determinado indivíduo.

• Fatores ambientais: tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas e uso crônico de medicamentos


podem também induzir a função hepática, afetando o metabolismo de compostos
biologicamente ativos.

Alguns fármacos são capazes de diminuir ou promover aumento da atividade de enzimas do complexo
citocromo P-450 (CYP-450), levando à ocorrência de interação fármaco-fármaco, na qual a presença
de um afeta a atividade do outro. Portanto, um fármaco pode promover aumento ou diminuição do
efeito de um segundo fármaco que seja administrado de maneira simultânea através de indução ou
inibição enzimática.

A indução leva ao aumento da taxa de conversão metabólica de um segundo fármaco, ocasionando


a diminuição de seu efeito, enquanto a inibição promove diminuição da taxa de conversão metabólica,
aumentando a atividade do segundo fármaco.

Podemos citar como exemplo a interação que ocorre entre warfarina (anticoagulante) e fenobarbital.
O fenobarbital estimula as enzimas CYP-450 e acelera o metabolismo da warfarina, diminuíndo seus
níveis plasmáticos e eficiência.

3.4 Efeito de primeira passagem

Fármacos administrados por via oral passam diretamente pelo fígado antes de alcançarem a
circulação sistêmica, assim uma porcentagem do fármaco é transformada em metabólitos antes mesmo
de ser distribuída para outros locais do organismo, diminuindo a chance de ele alcançar o tecido-alvo.
Esse processo é conhecido como efeito de primeira passagem. A utilização de vias diferentes como, por
exemplo, a endovenosa evita o efeito de primeira passagem, sendo distribuídos no organismo antes de
passar pelo fígado.

Utilizar vias diferentes da oral não garante que o fármaco não seja metabolizado antes de alcançar
seu local de ação, pois o metabolismo pode ocorrer em outros tecidos. Não devemos confundir efeito
de primeira passagem com as reações de fase I, pois elas não ocorrem de maneira exclusiva no fígado.

3.5 Uso do metabolismo na otimização de fármacos

O conhecimento sobre metabolismo e possíveis vias de degradação é muito importante para o


desenvolvimento de novos fármacos, pois através de pesquisas pode-se prever ou detectar a formação

50
QUÍMICA FARMACÊUTICA

de metabólitos tóxicos por meio de métodos computacionais ou experimentais que irão permitir o
planejamento de ações visando a correção de parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos.

Para correção de tais parâmetros podemos utilizar diferentes métodos a fim de gerar modificação
molecular, visando obter aumento ou diminuição da estabilidade metabólica. O crescimento
da estabilidade metabólica pode trazer inúmeras vantagens como, por exemplo, o aumento da
biodisponibilidade e o período de ação permitindo a diminuição de doses e frequência de administração
do fármaco, facilitando a adesão ao tratamento farmacológico.

Com o objetivo de aumentar a resistência à ação de enzimas metabólicas, podemos fazer alterações
em grupos e posições metabolicamente vulneráveis, que irão impedir a degradação de fragmentos
orgânicos, introduzir grupos atratores de elétrons em posições específicas, incorporar grupos volumosos
para produzir impedimento espacial ou promover a substituição de grupos lábeis por bioisósteros, que
valem como estratégia para alcançar maior estabilidade frente às diversas reações metabólicas.

Em alguns casos o aumento da estabilidade metabólica resulta em problemas relacionados ao


acúmulo do fármaco no organismo. Devemos analisar diferentes alternativas em relação às modificações
estruturais sugeridas para correção do metabolismo de um fármaco, pois elas podem afetar a interação
com o organismo, modificando seu efeito terapêutico.

O metabolismo é capaz ainda de ser utilizado para o planejamento de pró-fármacos, auxiliando na


resolução de diversos problemas relacionados ao comportamento do fármaco na fase farmacotécnica
ou farmacocinética como, por exemplo, melhora de biodisponibilidade oral, mascaramento de sabor
desagradável, aumento de especificidade a um determinado tecido, entre outras aplicações.

4 ANTI-HISTAMÍNICOS

Nosso sistema imunológico tem por função reconhecer os agentes nocivos capazes de causar algum
tipo de infecção e tentar se livrar deles. Uma alergia é uma reação exacerbada do nosso organismo a
alergenos como pólen, pelos de animais, poeira e mofo, provocando respostas como prurido, espirros,
urticária, lacrimejamento dos olhos e coriza.

Quando estamos expostos à ação de um alérgeno específico, nosso organismo o detecta e o considera
um invasor prejudicial. Para combatê-lo, nosso sistema imunológico inicia a produção de anticorpos que
se ligam à superfície dos mastócitos, resultando na liberação de histamina (autacoide) como resposta
aos danos teciduais.

A histamina é uma amina biogênica sintetizada a partir do aminoácido histidina por ação da enzima
L-histidina descarboxilase em diferentes células humanas, especialmente os mastócitos, basófilos,
plaquetas, neurônios histaminérgicos, linfócitos e células enterocromafins, armazenada em vesículas
ou grânulos. Sua liberação ocorre através de sinal de superfície, que é quando o antígeno (por exemplo:
pólen) se liga ao anticorpo, promovendo a liberação de histamina.

51
Unidade I

HN O HN
L-histidina descarboxilase
NH2
N N
H2N OH

Histidina Histamina

Figura 51 – Biossíntese de histamina

A liberação de histamina pelas células danificadas promove diversas ações no organismo, como
contração da musculatura lisa dos pulmões e do trato gastrointestinal, causando hipotensão, taquicardia,
vasodilatação e aumento da permeabilidade celular.

O termo anti-histamínico é relacionado a fármacos que promovem ação antagonista sobre


receptores de histamina H1, H2, H3 e H4. O receptor H1 é responsável por muitos dos sintomas de
doenças alérgicas, tais como: prurido, broncoespasmo e contração da musculatura lisa intestinal.
Os receptores H2 são responsáveis principalmente pelo aumento do estímulo das células parietais
a produzir e liberar ácido gástrico que se relaciona a doenças pépticas como úlceras e gastrite.
O receptor H3 está localizado no sistema nervoso central e tem relação com o controle de ritmos
cardíacos e do estado de vigília.

Devido ao importante papel dos receptores histaminérgicos do tipo H1 e H2 em respostas alérgicas e


na secreção de ácido gástrico, diversos antagonistas seletivos foram desenvolvidos nas últimas décadas.

Os antagonistas H1 podem promover bloqueio da liberação da histamina, além de bloquear esses


receptores em diversos tecidos. São classificados como anti-histamínicos clássicos (1ª geração) e
anti-histamínicos não sedativos (2ª geração), de acordo com a capacidade de atravessar a barreira
hematoencefálica.

Os fatores estruturais requeridos para o bloqueio seletivo dos receptores H1 que serão apresentados
a seguir foram observados em diversos estudos de relação estrutura-atividade (REA/SAR).

Os anti-histamínicos de 1ª geração incluem: aminoalquiléteres, etilenodiaminas, propilaminas,


fenotiazínicos, piperazinicos e dibenzociclo-heptenos. Os fármacos de 2ª geração foram
desenvolvidos a partir dos compostos de 1ª geração, modificados para limitar sua distribuição aos
tecidos e se tornar mais específicos aos receptores H1 periféricos, reduzindo a resposta alérgica
sem causar sedação.

Lembrete

O termo anti-histamínico é relacionado a fármacos que promovem


ação antagonista sobre receptores de histamina H1, H2, H3 e H4.

52
QUÍMICA FARMACÊUTICA

4.1 Relação estrutura-atividade dos anti-histamínicos (REA/SAR)

Os requisitos estruturais para atividade anti-H1 são os seguintes:

Ar R1
X Cadeia N
intermediária
Ar R2

Figura 52

Átomo de nitrogênio básico com pka entre 8,5 a 10, geralmente uma amina alifática terciária
para máxima atividade anti-histamínica, sendo que o nitrogênio pode também ser parte de anéis
heterocíclicos como piperidina ou piperazina. Necessário para formar interação iônica no receptor e
obtenção de forma sólida estável através da obtenção de sal.
H
N

N N
H H
Piperidina Piperazina

Figura 53

A cadeia intermediária deve apresentar a distância de dois ou três átomos de carbono. A presença
de ramificação resulta em diminuição da atividade anti-histamínica.

Dois sistemas aromáticos (diaril substituinte) são requisitos para interação com receptores H1, tanto para
os anti-histamínicos de 1ª quanto de 2ª geração. Esses anéis podem estar unidos, originando um anel tricíclico.

N N
H
Fenil Piridina Fenotiazina Dibenzociclo-heptano
(aromático) (heteroaromático) (tricíclico) (tricíclico)

Figura 54

O grupo X serve de espaçador para aumentar a afinidade ao receptor e pode ser carbono (CH, C-O)
ou nitrogênio.

Alterações nessas porções levam a diferenças de potência, biodisponibilidade e reações adversas


apresentadas entre os fármacos da classe. A variedade de ações relacionadas a tais fármacos se deve à
possibilidade de eles se ligarem aos receptores H1, muscarínicos, adrenérgicos e serotoninérgicos.

53
Unidade I

4.1.1 Etanolaminas (éteres alquilamínicos)

Os derivados da etanolamina são caracterizados pela presença do grupo conector CHO e uma cadeia
de dois ou três átomos de carbono separando os sistemas aromáticos (diaril) e o átomo de nitrogênio
(amina terminal).
Ar2
Ar1
C N
O
R

Figura 55

A difenidramina foi o primeiro composto clinicamente utilizado da classe e serviu como protótipo
para o desenvolvimento de diversos análogos. Alguns deles foram obtidos através da introdução de
substituintes na posição para (4) de um dos anéis aromáticos, o que melhorou o perfil terapêutico em
relação à difenidramina, pois diminuíram os efeitos adversos.

A substituição de um dos anéis fenil por um grupo 2-piridil aumenta a atividade anti-histamínica
em até 40 vezes. Alguns desses compostos apresentam assimetria devido à presença de carbono quiral,
no qual o isômero S demonstrou ser mais ativo. A introdução de dupla ligação entre os carbonos α e β
da cadeia intermediária produzirá tontura.
Br CI

N
O N N
O O

Difenidramina Bromodifenidramina Crabinoxamina

CI

N N
N
O O O

Clemastina Difenilpiralina Doxilamina

Figura 56

54
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Os derivados etanolamínicos apresentam significante atividade anticolinérgica, o que contribui para


seu uso terapêutico não só por sua atividade como antiemético, em enjoos e ação anti-Parkinson, mas
aos seus efeitos adversos como boca seca, visão embaçada, retenção urinária, constipação intestinal
e taquicardia. Tonturas e outros efeitos centrais podem ser atribuídos a esses compostos devido à
capacidade de penetrar a barreira hematoencefálica (BHE) e ocupar receptores histaminérgicos centrais.

A maioria dos fármacos dessa classe é extensivamente metabolizada por vias como N-oxidação,
dealquilação, deaminação, oxidação de aldeído e conjugação com aminoácidos.

4.1.2 Etilenodiaminas

Os anti-histamínicos etilenodiamínicos apresentam como característica a presença de átomo de


nitrogênio como grupo conector, uma cadeia de dois átomos de carbono separando os dois sistemas
aromáticos da amina terciária terminal.
Ar1

N R2
Ar2 N

R1

Figura 57

Todos os compostos desta classe são diariletilenodiaminas, com exceção da antazolina, que apresenta
o nitrogênio terminal e parte da cadeia intermediária incluída como parte de um anel imidazolínico.

O protótipo da classe foi a fembenzamina, que serviu como modelo para o desenvolvimento de
análogos mais efetivos. A substituição do anel fenil da benzamina por um sistema 2-piridil produziu
aumento da atividade anti-histamínica, assim como a introdução de substituintes como metil, cloro ou
bromo na posição 4 (para) do anel fenil. A substituição do sistema fenil por sistema 2-tienilmetil e do
sistema 2-piridil por pirimidil produziu crescimento na potência da atividade antagonista H1.

S CH2 N N
HN N

Imidazolina 2-tienilmetil Pirimidil

Figura 58

Em todos esses compostos a presença da amina alifática terminal é necessária para atividade
bloqueadora de receptores H1, pois é significantemente mais básica do que a amina ligada aos
sistemas aromáticos que diminuem sua basicidade. A amina terminal é utilizada para obtenção de sais
farmacologicamente usuais.

55
Unidade I

N N N N
N N
N

Fembenzamina Pirilamina Triplenamina

HO

S
N
N N N N
N N
N
H N N

Antazolina Metapirileno Tonzilamina

Figura 59

As ações anticolinérgica e antiemética de tais compostos são relativamente baixas quando comparadas
aos outros anti-histamínicos de 1ª geração. Os anti-histamínicos fenotiazínicos e piperazinicos também
contêm a porção etilenodiamina em suas estruturas, mas apresentam particularidades em relação aos
seus efeitos no sistema nervoso central.

4.1.3 Piperazínicos

As piperazinas são consideradas etilenodiaminas cíclicas que apresentam grupo CHN como conector.
A cadeia carbônica intermediária e o grupo amina terminal fazem parte de um anel piperazínico. Ambos
os nitrogênios desses compostos possuem basicidade similar.

As principais variações estruturais dessa série são relacionadas na alteração do substituinte da


posição para (4) do anel aromático e da natureza do grupo ligado diretamente à amina terminal do
anel piperazina.

CH N N R

Figura 60

As piperazinas são moderadamente potentes anti-histamínicos com relativa facilidade em produzir


tonturas e disfunções cognitivas e psicomotoras.

56
QUÍMICA FARMACÊUTICA

A atividade de tais compostos é caracterizada por rápido início e longa duração de ação. Esses
agentes apresentam atividade antimuscarínica periférica e central e são utilizados como antiemético ou
agente antivertiginoso.

N N N N

Ciclizina CI Clorciclizina

N N
N N

CI Buclizina Meclizina
CI

Figura 61

Alguns compostos da classe têm demonstrado um forte potencial teratogênico, induzindo diversas
malformações em modelos animais, o que não vem sendo observado em humanos. Os metabólitos
dealquilados têm sido responsabilizados pelos efeitos teratogênicos observados. Estudos metabólicos
demonstram que os compostos dessa classe são metabolizados principalmente via N-dealquilação e
N-oxidação, levando à formação de metabólitos desprovidos de atividade anti-histamínica.

4.1.4 Propilaminas

Os anti-histamínicos derivados das propilaminas são caracterizados estruturalmente por um carbono


sp2 ou sp3 como grupo conector com uma cadeia intermediária de dois carbonos unindo a amina
terminal aos sistemas aromáticos. Os compostos que apresentam carbono saturado como conector
são chamados de feniraminas, que consistem em compostos que possuem um anel fenil, um sistema
2-piridil e uma dimetilamina terminal. Tais compostos diferem apenas em relação ao substituinte ligado
à posição para (4) do anel fenil.

As feniraminas halogenadas são cerca de 20 a 50 vezes mais potentes e apresentam longa duração
de ação quando comparados à feniramina.
Carbono Ar1 Carbono Ar1
saturado insaturado
sp3 R1 sp2 R1
Ar2 N Ar2 N

R2 R2

Figura 62

57
Unidade I

Todas as feniraminas são moléculas quirais, sendo que a atividade anti-histamínica reside no
estereoisômero S.

As propilaminas que apresentam carbono insaturado como conector correspondem aos alcenos
alifáticos e aos derivados cíclicos. Os alcenos de cadeia aberta (alifática) são assimétricos e exibem
diferenças de potência, sendo os isômeros E mais potentes que os isômeros Z. A presença de anel
pirrolidina ligada à amina terminal promove aumento de atividade anti-histamínica.

H
N

Pirrolidina

Figura 63

Os anti-histamínicos dessa classe são os mais ativos, de maior seletividade ao receptor H1 e de menor
atividade anticolinérgica e efeitos relacionados ao sistema nervoso central quando comparados aos
outros anti-histamínicos de 1ª geração. Apresentam meia-vida longa, permitindo administração uma
vez ao dia e são indicados para tratamento de sintomas leves de alergia, e apesar de possuírem menor
probabilidade de produzir sedação, diversos pacientes relatam esse efeito.
CI Br

N N
N
N
N N
Feniramina Clorfeniramina Bronfeniramina

N
N
N Pirrobutamina
Triprolidina
CI

Figura 64

Eles apresentam baixa biodisponibilidade oral (30 a 50%), que pode ser limitada por metabolismo
de 1ª passagem. Os principais metabólitos consistem em produtos dealquilados com o grupo amina
totalmente oxidado, seguido por conjugação à glicina.

58
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Lembrete

As feniraminas halogenadas são cerca de 20 a 50 vezes mais potentes


e apresentam longa duração de ação quando comparados à feniramina.

4.1.5 Fenotiazinas

Esta classe de compostos foi desenvolvida a partir dos derivados da etilenodiamina, na qual foi
adicionada uma ponte entre os substituintes aromáticos.

Nos fenotiazínicos, tal ponte consiste na adição de um átomo de enxofre (sulfeto). Esses compostos
demonstraram não somente atividade anti-histamínica, como também efeito antipsicótico.

Eles apresentam como característica estrutural a presença de cadeia intermediária de dois ou três
átomos de carbono ramificada entre o anel fenotiazínico (tricíclico) e a amina terminal, o que os difere
dos antipsicóticos que não apresentam essa ramificação na cadeia intermediária.

N
R1
N

R3 R2

Figura 65

A presença dessa ramificação origina isomeria ótica, sendo que não foi observada grande diferença
em relação à atividade anti-histamínica e outras propriedades farmacológicas entre os estereoisômeros.

O alongamento da cadeia lateral intermediária ou a introdução de substituintes na posição-2 do


sistema aromático resulta em compostos com diminuída atividade anti-histamínica e acentuação de
propriedades psicoterapêuticas.

A prometazina, que é o principal composto dessa classe, apresenta moderada atividade anti-histamínica
e pronunciado efeito sedativo. É considerado um anti-histamínico de longa duração de ação, pois sua
metabolização ocorre de maneira lenta devido ao impedimento estereoquímico promovido pelo sistema
aromático, dificultando a degradação da amina terminal.

59
Unidade I

S S

N N
N
Prometazina Metildiazina N

Figura 66

Os fármacos dessa classe podem causar tontura e prejudicar tarefas que exigem atenção, além de
potencializar efeitos de analgésicos e outros fármacos sedativos.

Estudos metabólicos demonstram que seus principais metabólitos compreendem produtos


dealquilados, sulfoxidados e hidroxilados na posição 3 do anel fenotiazínico, originando fenóis que
conjugam com ácido glucurônico.

4.1.6 Dibenzociclo-heptanos/Dibenzociclo-heptenos

Os compostos dessa classe são análogos da fenotiazina, na qual o átomo de enxofre foi substituído
por uma ponte etilênica saturada ou insaturada, e o nitrogênio do anel foi substituído por carbono
insaturado (sp2). São potentes anti-histamínicos com moderada ação sedativa e pouca atividade
colinérgica e antiemética. Eles são indicados para reações de hipersensibilidade, como rinite, conjuntivite
e manifestações alérgicas cutâneas, e utilizados ainda como estimulantes do apetite.

N N
H H
Cipro-heptadina Azatadina

Figura 67

4.1.7 Anti-histamínicos de segunda geração

Eles foram desenvolvidos com o intuito de diminuir a ação sedativa e a afinidade aos receptores
muscarínicos, adrenérgicos e serotoninérgicos, tornando-os mais seletivos aos receptores H1. Os
primeiros compostos dessa classe foram desenvolvidos a partir dos anti-histamínicos de 1ª geração,
utilizando substituintes volumosos ligados à amina terciária.

Esses novos compostos apresentam estruturas diversas derivadas dos de 1ª geração, contendo grupos
funcionais polares conectados ao grupo amina ou como substituinte de um dos anéis aromáticos, e não
acumulam no SNC devido à baixa lipofilicidade.

60
QUÍMICA FARMACÊUTICA

A terfenadina e a fexofenadina (seu metabólito obtido por oxidação) apresentam o fragmento


difenilmetilpiperidina similar aos anti-histamínicos piperazínicos e há a presença do substituinte
N-fenilbutanol, que é responsável por aumentar a afinidade aos receptores H1 e diminuir afinidade aos
receptores muscarínicos, adrenérgicos e serotoninérgicos.

R
Fenilbutanol
HO N

OH OH

N N R Terfenadina

OH
Anti H1 piperazínicos
HO N O
OH

Fexofenadina

Figura 68

A loratadina é um análogo estrutural dos anti-histamínicos azatadina e cipro-heptadina. Sua


diferenciação é devida à introdução de carbamato neutro na amina 3ª (básica) e adição de substituinte
cloro no anel fenil. É metabolizada extensivamente por oxidação do grupo carbamato, levando à
obtenção do metabólito ativo desloratadina.
CI
HO
O O N
N N O
O
Cetirizina Ebastina

CI CI

N N

N N
H
O O
Loratadina Desloratadina

Figura 69

61
Unidade I

4.1.8 Anti-histamínicos H2 – Agentes antiulcerosos

Úlceras pépticas são lesões localizadas na membrana mucosa do estômago e duodeno. A dor
associada se deve à irritação causada por exposição das lesões ao ácido gástrico.

Existem diversos fatores capazes de levar ao desenvolvimento de lesões, como estresse, dieta, álcool,
infecção (H. pylori) e uso de fármacos como os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), que são
agravadas devido à presença do ácido estomacal.

O tratamento dessas lesões é feito mediante diminuição dos níveis de ácido gástrico através do
uso de antagonistas de receptores H2 de histamina ou inibidores da bomba de próton em combinação
com antibióticos.

Os antagonistas H2 e os inibidores da bomba de prótons reduzem a quantidade de ácido gástrico


liberado no estômago pelas células parietais.
Acetilcolina

Histamina Gastrina
+
Esôfago + M3
+
H2 Cek2

cAMP +
+ +
Células
parietais

Estômago
CI-
H+

Estômago
Antro Receptores
Esfíncter pilórico
Canal iônico
HCI
Duodeno Bomba de prótons

Figura 70

Medicamentos cuja ação envolve o antagonismo de receptores H2 são utilizados clinicamente para
o tratamento de doenças relacionadas a distúrbios gástrico-esofágicos, incluindo: azia, refluxo, gastrite,
úlceras e outras patologias responsáveis pelo aumento de secreção de ácido gástrico, como a síndrome
de Zollinger-Ellison.

O desenvolvimento de antagonistas H2 partiu do conhecimento da estrutura da histamina, que


histamina que foi utilizado como protótipo para obtenção inicial de análogos estruturalmente ativos
através da introdução de grupos capazes de interagir em regiões extras de ligação não utilizadas pelo
agonista fisiológico histamina, promovendo então o bloqueio dos receptores.

62
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Através de diversas pesquisas foi observada a existência de três regiões de interação nos receptores
do tipo H2, uma para ligação com o anel imidazólico e outras duas para ligação com grupos polares
por meio de ligações de hidrogênio, sendo que para os agonistas existe a necessidade de formação de
ligação iônica extra. Foi observado também que a região para ligação ao anel imidazólico é comum
tanto para os agonistas quanto para os antagonistas.

4.1.9 Relação estrutura-atividade dos antagonistas H2 (REA/SAR)

A maioria destes compostos apresenta estrutura similar ao agonista fisiológico histamina, sendo os
requisitos estruturais básicos os seguintes:
R
NH2
NH NH
HN HN X
N
N
Y
Estrutura geral dos anti-histamínicos H2

Figura 71 – Presença do anel imidazólico substituído na posição-4 (R)

Substituição da amina 1ª (básica, protonável em pH fisiológico) da histamina por guanidina (também


protonável em pH fisiológico) ou grupos isostéricos como tioureia (neutro em pH fisiológico). Tais grupos
devem funcionar como doadores de ligação de hidrogênio, impedindo a formação de ligação iônica,
pois diminuem a atividade agonista.

• Y = Grupo atrator de elétrons (diminuir basicidade da guanidina), favorecendo a formação de


ligação de hidrogênio

Substituição da cadeia de 2 átomos de carbonos (curta) por cadeia alongada de 4 átomos para
afastar o anel imidazólico do grupo polar terminal, permitindo melhor interação com região extra,
produzindo maior atividade antagonista.

Introdução de átomo eletronegativo na cadeia lateral para ajuste de pka do anel imidazólico,
aumentando a força de interação com o receptor.

• X = enxofre “S” ou oxigênio “O” (átomo eletronegativo), sendo que “S” promove maior
potência que “O”.

NH NH NH NH NH NH
S S
HN HN HN
N Burimamida N Metiamida N Cimetidina
S S N
CN
Figura 72

63
Unidade I

Análogos estruturais da cimetidina foram desenvolvidos através de algumas modificações


moleculares, resultando no seguinte farmacóforo:

NH NH
Ar S

NO2

Figura 73

A substituição do anel imidazólico por outros heterocíclicos contendo nitrogênio como furano
(ranitidina) ou tiazol (famotidina, nizatidina) promove diminuição dos efeitos adversos e aumento da
potência em relação à cimetidina.

A substituição do grupo aminociano (cimetidina) por nitrometileno (ranitidina, nizatidina) ou outros


grupos planares que possam produzir ligação de hidrogênio como sulfonamida (famotidina) aumenta
a potência, pois diminui ainda mais a basicidade dos nitrogênios, melhorando também a absorção oral
desses compostos.

HN S HN
N N
S NO2 S NO2
O NH N NH

Ranitidina Nitazidina

NH2
N SO2NH2
H2N
N S N
S

Famotidina NH2

Figura 74

4.2 Anti-inflamatórios

Os anti-inflamatórios são fármacos utilizados para alívio de dores, febre e inflamações e estão entre
os mais prescritos do mundo para o tratamento de artrites reumatoides e de outras doenças articulares
inflamatórias degenerativas.

Muitas das dores, febres, inchaço, náuseas e vômitos associados a doenças em geral resultam da
produção excessiva de prostaglandinas em tecidos danificados. Tais compostos apresentam a habilidade
de inibir a produção de prostaglandinas e outros mediadores químicos que resultam na inflamação,
interferindo em um processo que ocorre naturalmente no organismo conhecido como cascata do
ácido araquidônico.

64
QUÍMICA FARMACÊUTICA

No processo o ácido araquidônico livre é extensivamente metabolizado por ação de enzimas


oxidativas que são responsáveis por sua conversão em prostaglandinas. Em condições fisiológicas
normais, o ácido araquidônico encontra-se complexado junto aos fosfolipídios da membrana celular.
Sua liberação ocorre através da estimulação da fosfolipase A2, enzima ativada em resposta a eventos
traumáticos como dano tecidual, exposição a toxinas ou estímulo hormonal.

O efeito anti-inflamatório dos glicocorticoides esteroidais como a hidrocortisona resulta da


inibição da atividade da fosfolipase A2 via lipocortina, impedindo a liberação de ácido araquidônico.
Os anti-inflamatórios não esteroidais como o ácido acetilsalicílico (AAS) promovem inibição da enzima
prostaglandina endoperóxido sintase (PGHS), conhecida também como ciclo-oxigenase (COX), impedindo
a conversão do ácido araquidônico em prostaglandinas.

As prostaglandinas compõem um grupo de ácidos graxos que ocorrem naturalmente no organismo,


constituídos por 20 átomos de carbono classificados como eicosanoides. Elas apresentam papel
modulatório essencial em diversos processos celulares normais e também relacionados a doenças como
as inflamatórias.

As características estruturais, bem como os requisitos mínimos requeridos para a produção de atividade
e a relação entre estrutura química e atividade biológica destes compostos, serão apresentados a seguir.

4.3 Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs)

Os anti-inflamatórios não esteroidais constituem um grupo heterogêneo de ácidos orgânicos


bastante efetivo para o tratamento de inflamação e dores de leve a moderadas. Seu uso está associado
com diversos efeitos adversos, como: irritação e sangramento do trato gastrointestinal (TGI), disfunção
plaquetária, broncoespasmo e problemas renais.

Esses fármacos exercem ação através da inibição competitiva da ciclo-oxigenase (COX), sendo que a
inibição pode ocorrer de maneira seletiva à COX-2 ou não seletiva, inibindo as isoformas COX-1 e COX-2.

A COX-1 e a COX-2 apresentam diferenças em relação à conformação estrutural e às funções associadas.

A COX-1 está presente em vários tipos de células em diversos tecidos, como vasos sanguíneos,
plaquetas, estômago, rins e intestino, e é classificada como constitutiva. Ela está envolvida na produção
de prostaglandinas responsáveis pelo controle de diversas funções fisiológicas, como proteção gástrica,
agregação plaquetária, manutenção do fluxo sanguíneo renal e pela homeostase vascular.

A COX-2 é a enzima indutiva, encontrada em poucos tipos de células, como macrófagos, leucócitos,
fibroblastos e células endoteliais presentes no local da inflamação. Ela está envolvida na produção de
prostaglandinas mediadoras do processo inflamatório.

OS AINEs seletivos à COX-2 estão livres dos efeitos adversos clássicos relacionados ao trato
gastrointestinal (TGI), não interferindo na produção de prostaglandina fisiológica (constitutiva).

65
Unidade I

Estruturalmente os AINEs apresentam uma porção ácida (ácido carboxílico, enol, sulfonamida) para
interação iônica ao resíduo de arginina que se encontra protonado no sítio ativo da ciclo-oxigenase.
Essa porção ácida está ligada a um anel aromático (ou heteroaromático) que está conectado a um ponto
adicional de hidrofobicidade (pode ser outro anel aromático ou cadeia alquílica).
Grupo ácido
Grupo extensor
polar

A-
Ponto adicional de Sistema aromático
hidrofobicidade X
planar

Figura 75

Os AINEs devem apresentar as seguintes propriedades:

• Todos são ácidos orgânicos com pka entre 3,0 a 5,0. A maioria deles consiste em ácidos carboxílicos
e encontram-se extensivamente ionizados em pH fisiológico. Podem ser tratados com bases para
obtenção da forma salina.

• Eles diferem na lipofilicidade em relação ao caráter hidrofóbico dos grupos aromáticos, da porção
hidrofóbica adicional e de seus substituintes.

• A porção ácida desses compostos é o principal ponto de interação com proteínas plasmáticas por
interação iônica. Todos os AINEs apresentam alta taxa de ligação a essas proteínas.

• O grupo ácido também é o principal ponto de metabolismo por conjugação, sendo a via essencial
de biotransformação à glucuronidação, seguida por eliminação renal.

Os AINEs recebem diferentes classificações químicas de acordo com as suas características estruturais,
que serão apresentadas a seguir.

4.3.1 Salicilatos

São análogos estruturais do ácido salicílico que apresentam potente atividade anti-inflamatória e
média atividade analgésica e antipirética. Os efeitos adversos relacionados ao uso dos compostos se
devem ao fato de eles inibirem a COX-1 em diferentes tecidos. Foram os primeiros AINEs utilizados para
alívio de dores e febres.

66
QUÍMICA FARMACÊUTICA

O O O F O

OH OH O OH
OH O OH OH
O
Ácido salicílico Ácido Salicilato de Difunisal
acetilsalicílico metila

Figura 76

4.3.2 Fenamatos

São análogos estruturais do ácido antranílico que é um isóstero do ácido salicílico. Esses compostos
apresentam em suas estruturas grupo amina básico em posição orto-(2) em relação ao grupo ácido,
fator responsável pela diminuição do risco de causar irritação do TGI. Os compostos mais ativos da classe
possuem grupos alquílicos ou halogênios como substituintes nas posições 2,3 ou 2,3,6 do anel hidrofóbico
adicional (porção N-aril). Foi observado que tais substituintes promovem o efeito estereoquímico de
forçar a não coplanaridade do sistema aromático e o grupo ácido, permitindo melhor interação ao
sítio ativo da COX.
O O O O OH O OH

OH OH OH

NH2 NH NH NH
NH
Àcido CI CI CI CI CI CI
antranílico

Ácido Ácido Diclofenaco Lumiracoxibe


mefenâmico meclofenâmico

Figura 77

4.3.3 Ácidos arilacéticos (heteroarilacéticos)

Estes compostos são derivados do ácido acético, apresentando como substituinte na posição-2 um
anel heterocíclico (indol, pirrol, oxazol) ou carbocíclico (indeno).

O grupo carboxílico é essencial para atividade anti-inflamatória desses compostos. A presença de


metoxi na posição-5 e de grupo metil na posição-2 do anel indólico aumenta a atividade. A introdução
dos grupos fluoreto (F), cloreto (Cl) e trifluormetil (CF3) na posição para-(4) do anel fenil aumenta a
potência anti-inflamatória desses compostos.

A substituição do átomo de nitrogênio do anel indólico por carbono no anel indeno serve para
diminuir a semelhança estrutural com a serotonina (5-HT), causando menos efeitos adversos no SNC.

67
Unidade I

O O
O
OH
OH F OH
O
N
N
O O

S
CI
O Tolmetina
Indometacina Sulindaco
O OH
O OH
O
OH

N O
N O N
H
O

Cetorolaco Etodolaco Oxaprozin

Figura 78

4.3.4 Ácidos propiônicos (profenos)

Os fármacos desta classe derivam dos ácidos arilacéticos, com a diferença que contêm grupo α-metil
como substituinte no carbono vizinho à carboxila. Tal substituinte aumenta a atividade inibitória da
ciclo-oxigenase e reduz a toxicidade dos profenos. O substituinte α-metil introduz isomeria, pois deixa
a molécula assimétrica, sendo que a atividade anti-inflamatória reside no isômero S.

O
O O

OH
OH O OH
F
Ibuprofeno Naproxeno Flurbiprofeno

O O O

O
OH OH OH
O
O S

Fenoprofeno Cetoprofeno Suprofeno

Figura 79

68
QUÍMICA FARMACÊUTICA

4.3.5 Ácidos enólicos (oxicams)

Os oxicams não apresentam o grupo ácido carboxílico livre e são caracterizados pelo sistema
heterocíclico 4-hidroxibenzotiazina. A acidez dos compostos é atribuída ao grupo 4-OH (hidroxila), com
o íon enolato sendo estabilizado por ligação de hidrogênio intramolecular com o grupo amida vizinho,
apresentando valor de pka=6,3.
OH O OH O S

N N N N
N H N H
S S
Piroxicam Meloxicam

Figura 80

4.4 Inibidores COX-2 seletivos

Os anti-inflamatórios seletivos apresentam a vantagem de não produzir os efeitos adversos clássicos


dos AINEs no trato gastrointestinal por não alterarem a produção de prostaglandina constitutiva
(fisiológica). Esses compostos foram desenvolvidos com base nas diferenças estruturais e conformacionais
entre as duas isoformas da ciclo-oxigenase.

As isoformas da ciclo-oxigenase apresentam diferenças significativas em relação à sequência de


aminoácidos presentes no sítio ativo enzimático, resultando na abertura de um bolso lateral hidrofílico
(polar) na estrutura da COX-2, que serve como um ponto adicional de interação para o grupo
sulfonamida (ou isóstero), além da presença de resíduos de aminoácidos mais volumosos no canal
hidrofóbico da COX-1, resultando no estreitamento dele, obstruindo o acesso de grupos volumosos
laterais. Os inibidores não seletivos acessam o sítio de ligação de ambas as isoformas, enquanto os
seletivos não conseguem acesso ao sítio de ligação da COX-1, aumentando sua afinidade pela COX-2.

Tais compostos não apresentam a necessidade de possuir caráter ácido, pois não precisam da
formação de interação iônica no sítio de ligação enzimático.

4.4.1 Coxibes

Os coxibes apresentam pouca semelhança estrutural e química com os outros membros da classe
dos AINEs clássicos. É claro que eles exibem propriedades que permitem a interação com a enzima
COX-2, que irá mediar sua atividade farmacológica.

69
Unidade I

Sítio
ativo Sítio
ativo

Inibidor COX
não seletivo

Sítio
ativo Sítio
ativo

Inibidor
COX-2 seletivo

Figura 81

Com exceção do lumiracoxibe, todos são compostos tricíclicos com altos valores de pka (entre
8,0 e 9,0), o que contrasta com os outros AINEs, que são ácidos fracos com valores de pka entre 3,0 e 5,0,
sendo em sua maioria derivados dos ácidos carboxílicos.

Os coxibes são compostos o-diaril-heterocíclicos, isto é, possuem dois sistemas aromáticos em posição
orto um em relação ao outro, ligados diretamente a um anel central heterocíclico. Apresentam ainda
a presença de substituinte metilsulfona ou sulfonamida (bioisósteros) na posição-4 de um dos anéis
fenil, que irão se acomodar no bolso lateral polar presente na estrutura da COX-2. Possuem também a
característica de serem moléculas mais volumosas que a maioria dos AINEs, fato que impede sua ligação
ao sítio de ligação da enzima COX-1, pois apresenta canal hidrofóbico mais estreito que a COX-2.

70
QUÍMICA FARMACÊUTICA

O O O
H2N H2N
S S CI
S
O O
O N O
N CF3 N
N
N

Celecoxibe Valdecoxibe Etoricoxibe

Figura 82

O protótipo para o desenvolvimento dos coxibes foi a nimesulida, a primeira aril-sulfonanilida


descoberta com seletividade a COX-2 que foi utilizada clinicamente para o tratamento de inflamações.
O
O
S
NH
O

NO2
Nimesulida

Figura 83

4.5 Anti-inflamatórios esteroidais (AIES) – corticosteroides

Os glicocorticoides são hormônios metabólicos com múltiplas atividades biológicas. Eles interagem
com receptores citoplasmáticos específicos, promovendo alteração conformacional no receptor
glicocorticoide e gerando a translocação ao núcleo, onde irão atuar nos fatores de transcrição gênica de
proteínas que estão envolvidas no controle da inflamação.

A inibição da transcrição gênica da fosfolipase A2 (PLA2) e a ativação da transcrição de lipocortina


(inibidor endógeno da PLA2) reduzem a liberação do ácido araquidônico dos fosfolipídios de membrana.
Isto explica como os glicocorticoides possuem propriedades anti-inflamatórias.

Desde que os corticosteroides como a cortisona foram usados no tratamento da artrite reumatoide
devido a sua atividade glicocorticoide, importantes efeitos adversos indesejáveis foram observados,
principalmente relacionados à retenção de sódio, devido à ligação com receptores mineralocorticoides.

Os hormônios glicocorticoides são importantes para a regulação fisiológica do metabolismo de


carboidratos, lipídios e proteínas. Possuem forte atividade anti-inflamatória e imunossupressora, além
de produzirem várias ações no sistema nervoso central.

71
Unidade I

O excesso de glicocorticoides causa diversos problemas clínicos por influenciarem algumas desordens
metabólicas, como: síndrome de Cushing, hipertensão, diabetes, obesidade, anorexia, osteoporose,
desordens imunológicas e psíquicas, doença de Alzheimer, glaucoma e disfunções cognitivas.

Tendo em vista a diminuição dos efeitos colaterais indesejáveis como a retenção de sódio e o
aumento da atividade anti-inflamatória, diversas modificações moleculares foram sugeridas para esses
compostos tendo como base a molécula do cortisol, que é um corticosteroide que ocorre naturalmente.

A fim de entender melhor como ocorre a interação dos compostos, diversos estudos foram produzidos
utilizando modelos de complexos cristalográficos do receptor glicocorticoide obtidos por difração de
raios X, o que permitiu a síntese de diversos ligantes para posterior avaliação de sua afinidade de ligação
ao receptor glicocorticoide, facilitando o entendimento da relação entre a estrutura desses compostos
e sua atividade biológica.

4.5.1 Relação estrutura-atividade (REA/SAR)

Todos os corticosteroides que apresentam efeito sobre os receptores glicocorticoides possuem


moléculas análogas estruturalmente ao cortisol (hidrocortisona) com algumas alterações para aumento
da potencia anti-inflamatória e diminuição dos efeitos adversos indesejáveis.
OH
O

HO OH

O
Cortisol (hidrocortisona)

Figura 84

Tais compostos apresentam em suas estruturas o esqueleto esteroidal (ciclopentanoperidrofenantreno),


que é o resultado da fusão entre os anéis A, B, C e D.
12 17
13
11

1 9
C D 16

2 14
10 8 15
A B
3 7
5
4 6

Figura 85

Todos devem apresentar as seguintes características estruturais:

• presença de 21 átomos de carbono;

72
QUÍMICA FARMACÊUTICA

• grupo cetona (carbonila – C=O) nas posições C3 e C20;

• grupo hidroxila (-OH) nas posições C11, C17 (α-OH) e C21;

• dupla ligação entre os carbonos C4 e C5.

A presença dos grupos cetona em C3 e C20 e das hidroxilas em C11 e C17 é essencial para interação
no receptor (por ligação de hidrogênio) e manutenção da conformação bioativa do esqueleto esteroidal.
O
20 21
18 OH
12 17
11
HO OH
19 13
16
1 9
2 14
10 8 15

3 7
5
4 6 O

Figura 86

Os fármacos dessa classe que apresentam grupo cetona em C11 são inativos in vitro e consistem em
pró-fármacos bioativados in vivo por redução da carbonila.

As principais modificações estruturais descritas na literatura para aumento de afinidade ao receptor


glicocorticoide serão apresentadas a seguir:

• A introdução de dupla ligação entre os carbonos C1 e C2 aumenta a afinidade ao receptor e


a potência anti-inflamatória, pois faz com que o grupo cetona e o anel A fiquem planares,
impedindo que o anel se dobre (impossibilita a alteração da conformação), fazendo com que a
carbonila interaja prontamente por ligação de hidrogênio no receptor. Tal modificação também
produz diminuição da afinidade aos receptores mineralocorticoides, promovendo diminuição da
retenção de Na+.

• A introdução de halogênio (flúor ou cloro) em posição-α em C9 aumenta a potência e o período


de ação, pois eleva a superfície de interação e retarda a oxidação da hidroxila em C11, porém a
atividade mineralocorticoide também sobe.

• A presença de α-metil em C6 aumenta a potência e a duração da ação.

• A introdução de metil ou hidroxila em C16 diminui a atividade mineralocorticoide.

• A presença de metil em C16 junto com α-Flúor em C9 aumenta a atividade anti-inflamatória em


aproximadamente 25 vezes.

73
Unidade I

• A esterificação da hidroxila em C16 e/ou C21 ou a introdução de acetonida entre C16 e C17 aumenta
a lipofilicidade dos glicocorticoides, permitindo sua utilização em formulações de uso tópico, oral
ou em sprays (eleva a permeabilidade).

• A introdução de grupo hidrofóbico (alquil, propionato, anéis hidrofóbicos) em C17-α potencializa


bastante a atividade anti-inflamatória devido ao preenchimento de uma fenda hidrofóbica presente
no receptor, localizada acima do anel esteroidal D, fornecendo pontos adicionais de interação.

• A substituição da hidroxila em C21 promove aumento da lipofilicidade e da potência, permitindo


aplicação tópica.
OH OH OH
O O O

HO OH O OH HO OH

O O O
Hidrocortisona Cortisona Prednisolona
O OH OH
O O OH

HO OH
HO OH HO OH

O F F
O O
Metilprednisolona Dexametasona Betametasona
OH OH
O
O O O
O
HO OH
HO O HO O

O O
CI
F F O
O O
Valerato de betametasona Dirpropionato de betametasona Beclometasona
OH OH CI
O O O
O
HO OH HO O HO O
OH O
O
F F CI
O O O
Triamcinolona Triamcinolona acetonida Furoato de mometasona

Figura 87

74
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Observação
Relembre sempre a fisiologia dos processos inflamatórios, ela poderá
auxiliá-lo a entender melhor os mecanismos de ação dos anti-inflamatórios.

Resumo
Nesta unidade vimos que a química farmacêutica tem importância
multidisciplinar, pois envolve a descoberta, a síntese e a otimização de
fármacos, necessitando de conhecimentos prévios e de trabalho conjunto
com outras áreas. Durante muitos anos a entrada de fármacos na terapêutica
foi feita através de produtos naturais, sobretudo os vegetais. A partir de
1900 a síntese orgânica passou a ter fundamental importância na busca
de compostos bioativos. Atualmente, o uso de programas computacionais
auxilia na diminuição do tempo de entrada de fármacos na prática clínica.

Percebemos que conhecer as propriedades estruturais, eletrônicas


e estéricas é fundamental para entender a farmacocinética e a
farmacodinâmica, uma vez que através delas podemos compreender
melhor a ação dos fármacos. Por meio da descoberta do grupo
farmacofórico e de estudos de relação estrutura-atividade (REA/SAR)
podemos melhorar a potência, a eficácia e a diminuição dos efeitos
adversos, seja através da melhoria de um fármaco que já se encontra na
terapêutica, seja através da modificação dos grupos acessórios.

Observamos que o metabolismo de fármacos é um processo no qual a


molécula do fármaco nativo sofre diversas alterações estruturais (fase I e
fase II) no sentido de torná-la mais polar e mais hidrossolúvel, facilitando
sua eliminação, principalmente por via renal.

Os anti-inflamatórios são compostos capazes de interferir no


processo fisiológico de síntese de prostaglandinas, que são os principais
mediadores da inflamação.

Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) produzem ações através


da inibição da ciclo-oxigenase (COX), enzima responsável pela conversão
de ácido araquidônico livre em prostaglandinas. Tais compostos podem
apresentar seletividade à COX-2 (forma indutiva da enzima) ou inibir as
duas isoformas da enzima COX-1 e COX-2 (não seletivos).

Os anti-inflamatórios esteroidais (AIEs) são compostos derivados


estruturalmente dos hormônios esteroidais, que apresentam em sua
75
Unidade I

estrutura o anel ciclopentanoperidrofenantreno, totalizando 21 átomos de


carbonos. Eles possuem a capacidade de se ligar a receptores glicocorticoides
nucleares que inibem a liberação de ácido araquidônico, produzindo assim
a inibição da produção de prostaglandinas.

Estudamos que os anti-histamínicos são compostos capazes de inibir


reações alérgicas através do bloqueio dos receptores H1 da histamina,
responsável pelos diversos sintomas relacionados as alergias. Eles podem
ser classificados diferentemente de acordo com suas características
estruturais em: etanolaminas, etilenodiaminas, piperazínicos, propilaminas,
fenotiazínicos e dibenzociclo-heptanos.

Por fim, analisamos que anti-histamínicos capazes de inibir os receptores


H2 podem ser utilizados para o tratamento de gastrites e úlceras pépticas
por inibirem a produção de ácido gástrico, sendo classificados como
agentes antiulcerosos, caso da cimetidina e de seus análogos: ranitidina,
famotidina, entre outros.

Exercícios

Questão 1. (CSM/Marinha 2018, adaptada) O paracetamol é um fármaco suscetível à hidrólise em


meio ácido ou básico, conforme a seguinte reação.

O OH OH
O
H+ ou OH-
+
N H2O OH
H H2N

Figura 88

De acordo com a reação apresentada anteriormente, a água age como um nucleófilo, atacando qual
grupamento funcional do fármaco?

A) Ácido carboxílico.

B) Amina.

C) Amida.

D) Álcool.

E) Aldeído.

Resposta correta: alternativa C.

76
QUÍMICA FARMACÊUTICA

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: os ácidos carboxílicos são compostos que possuem o grupamento carboxila na


extremidade da cadeia (carbonila + hidroxila). Dão origem aos ácidos graxos e lipídios.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: aminas são substâncias orgânicas que apresentam um ou mais radicais ligados ao
nitrogênio e são muito utilizadas na produção de outros compostos orgânicos.

C) Alternativa correta.

Justificativa: amidas são compostos orgânicos nitrogenados que apresentam como principal
característica a presença de um grupo carbonila (carbono que realiza uma ligação dupla com o oxigênio),
ligado diretamente a um nitrogênio, que, por sua vez, pode ligar-se a dois átomos de hidrogênio.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: álcoois são compostos orgânicos caracterizados pela presença de um grupo hidroxila
(OH) ligado a um carbono saturado. Todas as substâncias que apresentam esse grupo funcional em sua
estrutura podem corretamente ser identificadas como álcoois.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: aldeído é todo composto orgânico que possui o grupo funcional – CHO – ligado à
cadeia carbônica.

Questão 2. (Comperve/UFRN 2018, adaptada) O cloranfenicol (C11H12Cl2N2O5) é um antibiótico de


amplo espectro que atua na inibição da síntese proteica dos micro-organismos sensíveis. Sua estrutura
química é apresentada na figura a seguir:
OH CI
H
N
CI

O2N O
OH

Figura 89

Com relação à estabilidade do cloranfenicol, em solução aquosa de pH 3,0, o mecanismo de


degradação a que ele está sujeito é:

77
Unidade I

A) Hidrólise.

B) Oxidação.

C) Fotólise.

D) Pirólise.

E) Acidose.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: hidrólise é qualquer reação química na qual uma molécula de água quebra uma ou
mais ligações químicas, sendo, portanto, o mecanismo de degradação do cloranfenicol.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: na oxidação as moléculas, íons ou átomos perdem elétrons durante a reação química.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: na fotólise ocorre a dissociação das moléculas orgânicas complexas por efeito da
radiação eletromagnética.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: na pirólise, a decomposição ocorre pela ação de altas temperaturas. O calor


provoca uma ruptura na estrutura molecular original de um determinado composto em um
ambiente com pouco ou nenhum oxigênio.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: acidose, por exemplo, o sangue, no qual os fluidos corporais contêm muito ácido.

78

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