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Doutora pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas na USP (2009), bacharel em Química pelo Instituto de Química da USP
(2000) e Farmácia na Universidade Paulista – UNIP (2016). Tem experiência na área de farmácia, com ênfase em fármaco e
medicamentos. Atua na docência para o curso de Farmácia desde 2008, tornando-se professora a partir de 2010 na UNIP/SP, onde
ministra aulas de Química Farmacêutica, Tecnologia Químico-Farmacêutica, Farmacologia e Controle de Qualidade de Fármacos e
Medicamentos. Já produziu material e exercícios aplicados para o ensino semipresencial de Farmácia na UNIP para as disciplinas
de Química Orgânica e Introdução à Farmacologia.
Mestre em Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica pela USP e graduado em Farmácia pela Universidade Camilo Castelo Branco.
Atua desde 2010 no Ensino Superior, desde 2016 como docente da UNIP, ministrando as disciplinas de Química Farmacêutica e
Tecnologia Químico-Farmacêutica. Já exerceu a função de professor das disciplinas do núcleo básico, como Química Orgânica,
Química Geral, Cálculo e Práticas Farmacêuticas, e também orientou diversos trabalhos de conclusão de curso neste período.
Possui experiência na área de farmácia, com ênfase em síntese e otimização de fármacos, farmácia hospitalar, logística e
atenção farmacêutica.
Mestre em Biociência Aplicada (2001) e especialista em Farmacologia e Toxicologia Aplicadas (1998) pela Universidade
Bandeirante de São Paulo. Graduado em Farmácia Bioquímica (Modalidade Fármacos e Medicamentos) pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp (1990). Atualmente é professor adjunto I da UNIP em São Paulo nos cursos de Farmácia,
Enfermagem e Nutrição nas seguintes disciplinas: Química Farmacêutica, Controle de Qualidade Microbiológico e Farmacologia.
É coordenador auxiliar do curso de Farmácia da UNIP desde 2008, campus Chácara Santo Antônio. Tem experiência na área de
farmácia, produção de medicamentos, controle de qualidade, qualificação de fornecedores, auditor de qualidade para produtos
farmacêuticos, com ênfase em química dos fármacos, atuando principalmente nos seguintes temas: toxicidade, anabolizante,
profissão, metabolismo, reações químicas orgânicas, química dos fármacos, controle de qualidade de produtos farmacêuticos e
cosméticos e orientação. Já produziu material e exercícios aplicados para o EaD da UNIP para as disciplinas de Química Orgânica,
Química Farmacêutica, Controle de Qualidade Físico-Químico e Controle de Qualidade Microbiológico.
CDU 615.011
U508.95 – 20
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Kleber Nascimento
Lucas Ricardi
Vitor Andrade
Sumário
Química Farmacêutica
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9
Unidade I
1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM QUÍMICA FARMACÊUTICA......................................................... 11
1.1 Conceito, evolução histórica, relação com outras disciplinas............................................ 11
1.2 Desenvolvimento de fármacos........................................................................................................ 12
1.3 Definições: droga, fármaco, medicamento e remédio........................................................... 20
1.4 Teoria da ação dos fármacos: fármacos específicos e inespecíficos.
Principais mecanismos de ação dos fármacos.................................................................................. 20
2 PROPRIEDADES DE FÁRMACOS.................................................................................................................. 23
2.1 Polaridade................................................................................................................................................. 23
2.2 Parâmetros estruturais e físicos que interferem na solubilidade
(hidrossolubilidade/lipossolubilidade).................................................................................................. 23
2.3 Tamanho de partículas: polimorfismo de fármacos............................................................... 23
2.4 Propriedades físico-químicas e atividade biológica................................................................ 24
2.4.1 Coeficiente de partição (Log P) – Caráter ácido/básico de moléculas
de fármacos, ionização, pH x ADME............................................................................................................ 24
2.5 Regra dos cinco de Lipinski............................................................................................................... 32
2.6 Propriedades estereoquímicas (conformação, flexibilidade molecular,
isomeria espacial)......................................................................................................................................... 32
2.7 Interação fármaco-alvo (receptor)................................................................................................. 36
3 METABOLISMO DE FÁRMACOS................................................................................................................... 42
3.1 Reações de fase I................................................................................................................................... 44
3.2 Reações de fase II.................................................................................................................................. 47
3.3 Fatores que afetam o metabolismo de fármacos.................................................................... 49
3.4 Efeito de primeira passagem............................................................................................................ 50
3.5 Uso do metabolismo na otimização de fármacos................................................................... 50
4 ANTI-HISTAMÍNICOS....................................................................................................................................... 51
4.1 Relação estrutura-atividade dos anti-histamínicos (REA/SAR)......................................... 53
4.1.1 Etanolaminas (éteres alquilamínicos).............................................................................................. 54
4.1.2 Etilenodiaminas........................................................................................................................................ 55
4.1.3 Piperazínicos.............................................................................................................................................. 56
4.1.4 Propilaminas.............................................................................................................................................. 57
4.1.5 Fenotiazinas............................................................................................................................................... 59
4.1.6 Dibenzociclo-heptanos/Dibenzociclo-heptenos......................................................................... 60
4.1.7 Anti-histamínicos de segunda geração.......................................................................................... 60
4.1.8 Anti-histamínicos H2 – Agentes antiulcerosos............................................................................ 62
4.1.9 Relação estrutura-atividade dos antagonistas H2 (REA/SAR)............................................... 63
4.2 Anti-inflamatórios................................................................................................................................ 64
4.3 Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs)................................................................................ 65
4.3.1 Salicilatos.................................................................................................................................................... 66
4.3.2 Fenamatos.................................................................................................................................................. 67
4.3.3 Ácidos arilacéticos (heteroarilacéticos).......................................................................................... 67
4.3.4 Ácidos propiônicos (profenos)............................................................................................................ 68
4.3.5 Ácidos enólicos (oxicams)..................................................................................................................... 69
4.4 Inibidores COX-2 seletivos................................................................................................................. 69
4.4.1 Coxibes......................................................................................................................................................... 69
4.5 Anti-inflamatórios esteroidais (AIES) – corticosteroides...................................................... 71
4.5.1 Relação estrutura-atividade (REA/SAR)......................................................................................... 72
Unidade II
5 ANTI-HIPERTENSIVOS..................................................................................................................................... 79
5.1 β-bloqueadores...................................................................................................................................... 80
5.2 Diuréticos.................................................................................................................................................. 84
5.2.1 Tiazídicos..................................................................................................................................................... 85
5.2.2 Derivados tiazídicos................................................................................................................................ 87
5.2.3 Diuréticos de alça.................................................................................................................................... 87
5.2.4 Diuréticos osmóticos.............................................................................................................................. 88
5.2.5 Inibidores da anidrase carbônica....................................................................................................... 89
5.2.6 Diuréticos poupadores de potássio.................................................................................................. 90
5.3 Bloqueadores de canal de cálcio..................................................................................................... 92
5.3.1 Relação estrutura-atividade (REA/SAR) – 1,4-Di-hidropiridinas......................................... 92
5.4 Nitratos orgânicos................................................................................................................................. 94
5.5 Agentes que atuam no sistema renina-angiotensina-aldosterona.................................. 95
5.5.1 Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA)....................................................... 95
5.5.2 Antagonistas de angiotensina II........................................................................................................ 98
6 AGENTES ANTIMICROBIANOS: PENICILINAS, CEFALOSPORINAS, SULFONAMIDAS,
TETRACICLINAS E QUINOLONAS..................................................................................................................100
6.1 Introdução e histórico.......................................................................................................................100
6.1.1 Mecanismo geral de ação antibacteriana....................................................................................104
6.2 Agentes antimicrobianos: penicilinas.........................................................................................106
6.2.1 Introdução e histórico.........................................................................................................................106
6.2.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR)...................................................108
6.2.3 Sinergismo das penicilinas com outros fármacos.................................................................... 115
6.3 Agentes antimicrobianos: cefalosporinas.................................................................................115
6.3.1 Introdução e histórico......................................................................................................................... 115
6.3.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR).................................................. 122
6.3.3 Mecanismo de ação das penicilinas e cefalosporinas........................................................... 125
6.4 Outros antibióticos β-lactâmicos – relação estrutura
química/atividade biológica (REA/SAR).............................................................................................127
6.5 Outros fármacos que agem na biossíntese da parede celular..........................................128
6.6 Agentes antimicrobianos: sulfonamidas (sulfas)...................................................................130
6.6.1 Introdução e histórico........................................................................................................................ 130
6.6.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR).................................................. 132
6.6.3 Mecanismo de ação............................................................................................................................. 134
6.6.4 Síntese das sulfonamidas.................................................................................................................. 135
6.7 Agentes antimicrobianos: tetraciclinas......................................................................................137
6.7.1 Introdução e histórico........................................................................................................................ 137
6.7.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR).................................................. 139
6.7.3 Mecanismo de ação..............................................................................................................................141
6.8 Agentes antimicrobianos: quinolonas........................................................................................141
6.8.1 Introdução e histórico.........................................................................................................................141
6.8.2 Relação estrutura química/atividade biológica (REA/SAR).................................................. 143
6.8.3 Mecanismo de ação............................................................................................................................. 146
Unidade III
7 DEPRESSORES E ESTIMULANTES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL..........................................151
7.1 Depressores do sistema nervoso central: barbitúricos e benzodiazepínicos..............151
7.2 Barbitúricos............................................................................................................................................151
7.2.1 Síntese dos barbitúricos..................................................................................................................... 152
7.2.2 Relação estrutura-atividade (REA/SAR)...................................................................................... 153
7.2.3 Mecanismo de ação............................................................................................................................. 155
7.2.4 Propriedades físico-químicas........................................................................................................... 156
7.2.5 Metabolismo........................................................................................................................................... 156
7.3 Benzodiazepínicos...............................................................................................................................158
7.3.1 Relação estrutura-atividade (REA/SAR)...................................................................................... 162
7.3.2 Mecanismo de ação............................................................................................................................. 163
7.3.3 Propriedades físico-químicas dos benzodiazepínicos............................................................ 163
7.3.4 Metabolismo........................................................................................................................................... 164
7.3.5 Relação estrutura-atividade (REA/SAR)...................................................................................... 165
7.4 Estimulantes do sistema nervoso central: anfetaminas e metilxantinas.....................166
7.4.1 Derivados xantínicos........................................................................................................................... 167
7.4.2 Relação estrutura-atividade dos derivados xantínicos (REA/SAR)................................... 168
7.4.3 Mecanismo de ação das metilxantinas........................................................................................ 168
7.4.4 Efeitos adversos das metilxantinas................................................................................................ 169
7.5 Anfetaminas (Fenilisopropilaminas)............................................................................................169
7.5.1 Relação estrutura-atividade das anfetaminas (REA/SAR)....................................................170
7.5.2 Ações comparativas das fenilisopropilaminas.......................................................................... 173
7.5.3 Mecanismo de ação das anfetaminas estimulantes............................................................... 173
7.5.4 Metabolização das anfetaminas..................................................................................................... 174
7.5.5 Efeitos farmacológicos....................................................................................................................... 174
7.5.6 Tolerância de dependência............................................................................................................... 174
7.5.7 Uso clínico e efeitos adversos.......................................................................................................... 175
8 MODIFICADORES SELETIVOS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL:
ANTIPSICÓTICOS E ANTIDEPRESSIVOS......................................................................................................176
8.1 Antipsicóticos.......................................................................................................................................176
8.1.1 Agentes antipsicóticos........................................................................................................................ 178
8.1.2 Antipsicóticos típicos (de primeira geração)............................................................................. 179
8.1.3 Relação estrutura-atividade dos fenotiazínicos e tioxantenos (REA/SAR)................... 179
8.1.4 Relação estrutura-atividade das butirofenonas (SAR).......................................................... 183
8.1.5 Antipsicóticos atípicos (de segunda geração)........................................................................... 185
8.1.6 Mecanismo de ação............................................................................................................................. 187
8.2 Antidepressivos....................................................................................................................................188
8.2.1 Causas bioquímicas dos distúrbios afetivos.............................................................................. 189
8.2.2 Hipótese monoaminérgica da depressão.................................................................................... 189
8.2.3 Classificação dos antidepressivos................................................................................................... 190
APRESENTAÇÃO
Caro aluno(a),
O presente material é de suma importância para que conceitos inerentes à produção de fármacos
e sua introdução efetiva na terapêutica sejam absorvidos. Este livro-texto mostrará como os fármacos foram
introduzidos ao longo dos anos, bem como conhecimentos dos processos de desenvolvimento de
candidatos a fármacos, desenvolvimento da capacidade de análise das relações entre estrutura química
e atividade biológica com base na otimização da potência e seletividade dos fármacos na sua interação
com o receptor, avaliação estrutural do tempo de ação e prevenção de reações adversas. Será possível
obter, ainda, pensamentos crítico e científico necessários para se compreender a importância da
disciplina na ação dos fármacos e no uso terapêutico e racional destes.
INTRODUÇÃO
Esta disciplina abordará os fármacos a partir dos aspectos referentes a nomenclatura, estrutura
química (tanto do ponto de vista da química orgânica quanto da química inorgânica), propriedades
eletrônicas, estéricas e lipofílicas, mecanismos de ação sob a ótica estrutural, transformações químicas
e metabólicas que possam alterar a ação terapêutica e excreção dos fármacos.
Bons estudos!
9
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Unidade I
1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM QUÍMICA FARMACÊUTICA
Química e Farmacotécnica e
bioquímica biofarmacotécnica
Química Farmácia
farmacêutica Farmacologia clínica
Biologia e Toxicologia e
microbiologia patologia
Figura 1
Essa multidisciplinaridade pode ser explicada, pois a QF envolve três etapas fundamentais: a
primeira delas é a etapa da descoberta, que possui como principais objetivos a identificação e a
produção de novas substâncias ativas, que em inglês são chamadas de “lead compounds”; a segunda
é a otimização, nela estão as modificações sintéticas na estrutura do protótipo (aquela que foi
introduzida primeiro na terapêutica) visando o aumento da potência e seletividade e a diminuição
da toxicidade, e também é aqui que são analisadas as relações entre estrutura química e atividade
biológica; por fim, a terceira etapa é a do desenvolvimento, na qual realiza-se a otimização das rotas
sintéticas para que se possa obter o composto bioativo em larga escala, e nessa fase também é possível
fazer modificações com o objetivo de mudar as propriedades farmacêuticas e farmacocinéticas
adequando-se ao uso terapêutico.
11
Unidade I
Observação
A introdução de fármacos na terapêutica é algo antigo, portanto, para descrevê-la em sua totalidade
seria necessário rever a história da farmácia. Escolhemos apresentar aqui apenas determinados trechos
para que a presente obra não se tornasse extensa demais. Durante séculos o tratamento terapêutico foi
feito a partir de experimentação com plantas.
Entre tantos prescritores ilustres, vamos citar, por exemplo, Paracelso, considerado o verdadeiro “pai
da farmoquímica”, que viveu entre 1493 e 1541. Para ele, o corpo seria um grande laboratório químico
e a vida um processo químico constante. Costumava buscar na natureza algo que se assemelhasse a
uma determinada patologia, exemplo disto são as flores verônica, que se parecem com a íris do olho
humano e que foram utilizadas por ele para tratamento de pacientes com problemas oculares, ou as
folhas do lilás, que possuem a forma de coração e seriam boas para doenças cardíacas. Sua percepção
natureza-doença fez com que ele ficasse conhecido como fundador da doutrina da assinatura.
Durante muito tempo a fonte principal para o tratamento farmacoterapêutico vinha de princípios ativos
vegetais, porém, com o passar do tempo, com a química orgânica bem desenvolvida e com o advento de
técnicas de análises estruturais como a cristalografia de raios X, a espectroscopia, a RMN etc., a introdução
de fármacos deixa de ser apenas de origem vegetal e passa à produção sintética de moléculas bioativas.
Historicamente é possível agruparmos a introdução de fármacos nos seguintes modelos: ao acaso, triagem
empírica, extração de fontes naturais, modificações moleculares e planejamento racional.
Ao acaso
Na introdução de fármacos na terapêutica, podemos definir ao acaso como sendo uma etapa que não foi
aquela proposta originalmente, já que muitas vezes foi a sorte quem ajudou a descoberta da nova molécula
para determinado fim. O exemplo mais “famoso” é o de Sir Alexander Fleming, que ao estudar colônias da
bactéria Staphylococcus aureus vindas da infecção de soldados, na Primeira Guerra Mundial, causadas por
armas de fogo, percebeu a formação de bolor ao deixar suas colônias sem proteção adequada. Notou ainda
que onde o bolor havia crescido não houve aumento da bactéria em estudo. Ao isolar o fungo, causador do
bolor, descobriu que ele inibia o crescimento bacteriano. A espécie fúngica isolada era Penicillium notatum.
Nascia ali a era da antibioticoterapia, com as penicilinas, e a partir desta descoberta outros antimicrobianos
puderam ser estudados e introduzidos na terapêutica. Outro exemplo ao acaso é o sildenafila, fármaco hoje
utilizado para disfunção erétil (majoritariamente), mas que foi introduzido como fármaco para doenças
cardiovasculares (a mudança no registro só aconteceu após pacientes do sexo masculino relatarem ereção
12
QUÍMICA FARMACÊUTICA
peniana como efeito adverso). Sildenafila foi considerado à época um fármaco blockbuster, ou seja, aquele que
gera um lucro líquido muito aquém do esperado. Podemos ainda salientar a ação antipirética da acetanilida
descoberta pelo erro de uma farmácia de manipulação, que, ao aviar uma receita na qual a prescrição dizia
naftaleno para combater uma parasitose, manipulou acetanilida. Descobriu-se, portanto, a ação antipirética
desta. Outros exemplos serão discutidos quando falarmos das classes terapêuticas.
O CH3
R NH HN N
S O O O
N
O S
N N N
H3C N
O N H
COOH O
H3C
CH3
CH3
Triagem empírica
Neste caso, como o próprio nome diz, “triagem” significa “seleção”, enquanto “empírica” quer dizer
“experimental”. Com a química orgânica bem fundamentada, pode-se utilizar a seleção de centenas de compostos
que foram testados para diversas patologias diferentes. Uma derivação dessa metodologia é a triagem empírica
racionalmente dirigida, estudo feito a partir da triagem racional de substâncias, e após a descoberta da ação
antipirética da acetanilida buscou-se o estudo de seus metabólitos. Entre tais estudos de metabolização foram
encontradas as ações anti-inflamatória e antipirética do paracetamol, conforme vemos a seguir.
OH
O NH O NH
Acetanilida Paracetamol
Figura 3
13
Unidade I
utilizado como antitumoral etc. Porém, outras são as fontes naturais e delas podemos extrair fármacos
de microrganismos (penicilina) e de fontes minerais na produção dos antiácidos hidróxido de magnésio,
hidróxido de alumínio e carbonato de lítio, que tem ação no transtorno bipolar, na produção de
multivitamínicos etc. De origem animal, temos o exemplo da insulina, que durante muito tempo foi
extraída do pâncreas de porco (hoje obtida graças à tecnologia do DNA recombinante), a heparina,
obtida do intestino de suínos e de bovinos, as vacinas, soros, entre outros. A descoberta de fármacos de
origem animal ainda é pouco explorada. Casos de pesquisa e que valem destaque são os das toxinas
de sapos e veneno de cobras, não apenas como vacinas.
C)
A) B)
H2C=HC
O
O O OH N
H
HO N S
O NH O
O
H3CO N
O O
OH O H O O
OH Penicilina COOH
N
O O Quinina
COOH
OH O-
Me Me HO
H2N
+
N O
COOH O
H OH
OH H CH3 N HO
CH3 CH2OH
H
N COOH
Tetrodotoxina OH
Ácido domoico H
CH3CH3
Avarol Alga Chondria armata Peixes da ordem
Esponja Dysidea avara Anti-helmíntico Tetraodontiformis
D) Inibidor do HIV Anestésico local
Figura 4 – (a) Estrutura do fármaco antitumoral paclitaxel, obtido a partir das cascas de Taxus brevifolia; (b) antimalárico, isolado
da casca de Cinchona officinalis; (c) penicilina G: antibiótico, isolado de culturas de Penicillium notatum; (d) fontes marinhas:
importantes fontes de substâncias bioativas
Modificações moleculares
Atualmente a principal estratégia na introdução de fármacos ocorre por esta via, e podemos dizer que
trata-se deum avanço natural da química orgânica. Temos o uso de uma substância química definida como
14
QUÍMICA FARMACÊUTICA
técnica e com ação farmacológica, sendo o protótipo para análogos estruturais. Modificando a estrutura
química do protótipo obtemos o grupo farmacofórico (parte da estrutura química ativa responsável pela
ação biológica) e podemos ainda melhorar as propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas, tornando
os novos compostos mais potentes, seletivos, específicos, com tempo de ação menor ou maior, mudança
na via de administração, nas características organolépticas, nos custos da produção e na sua estabilidade.
OH CI OH CI
NH NH
CI CI
O O
OH O O
O2N O2N
(CH2)12
H3C
Introdução de grupos volumosos CH3
R NH O
S CH3
CH3 NH S CH3
N
O
O CH3
O N
COOH H3C O
Penicilina O
Meticilina COOH
15
Unidade I
Adição molecular
N
O
N -
N N+ O
H
Mandelato de metenamina
O
Hibridação molecular O
O
O
HOOC O
OH
+
NH O
O NH O
Replicação molecular
O
O O N+
2 N
+ N+ O
O O
Acetilcolina Succinilcolina
Simplificação molecular
N N
O
CH3O OH HO Levorfanol (1946)
Morfina (1925)
Fenazocina (1959)
HO
O
O
Alfaprodina (1946)
16
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Abertura de anel
CH3 OH O
H3C
CH3
OH
CH3
OH OH OH
O
HO HO O
NH NH NH
O
HO HO
Figura 6
Planejamento racional
17
Unidade I
Saiba mais
Planejamento racional
Ao acaso Doença
Triagem empírica
Alvo Efetor
Extração de fontes naturais Definição Definição
Isolamento Isolamento
Modificação molecular
3D 3D
CADD
Protótipo
Síntese
18
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Apesar de as estratégias hoje estarem bem definidas, a introdução de um único composto bioativo
pode levar entre 5 e 15 anos, dependendo da patologia a ser alvo. Consta na sequência um esquema
com as etapas envolvidas no desenvolvimento de fármacos.
Das estruturas escolhidas, apenas uma será realmente um fármaco, como mostrado no
esquema a seguir:
Protótipos Milhares
Otimização Dezenas
Candidato Alguns
Fármaco 1
• Fármacos semissintéticos.
Conforme a figura mostrada a seguir, pode-se concluir que a maior parte dos fármacos introduzidos
é de origem sintética.
Produtos sintéticos feitos
com produtos naturais
9%
Produtos
derivados
naturais
24%
Produtos
naturais
6% Produtos
sintéticos
56%
Produtos
biológicos
5%
Figura 10
19
Unidade I
Como diferenciar fármaco, droga, medicamento e remédio? Usualmente, podemos defini-los como:
• Fármaco: toda substância de estrutura química definida que possa alterar o sistema fisiológico
ou o estado patológico, causando benefício ao organismo. Cabe ressaltar que os fármacos podem
ter diversas aplicações. Há fármacos utilizados na erradicação de determinadas doenças; existem
também aqueles administrados a um organismo com carência de alguns elementos essenciais
(vitaminas, hormônios ou sais minerais); já na prevenção de patologias, temos as vacinas e os
soros; no bloqueio de uma função fisiológica de maneira temporária, usam-se os anestésicos;
e em métodos diagnósticos são utilizadas as substâncias auxiliares – um exemplo é o contraste
utilizado em ressonância magnética nuclear (RMN), tomografia, cintilografia etc.
• Droga: este termo pode ser utilizado em duas ocasiões: ao nos referirmos à droga como toda
substância de abuso (aquelas que causam dependência e são ilícitas) ou o princípio ativo extraído
de um produto de origem natural, em geral vegetais.
• Medicamento: associação de um fármaco (ou mais) e substâncias que vão compor uma forma
farmacêutica (excipientes, veículos etc.).
• Remédio: tudo o que causar bem-estar ao indivíduo, aqui cabe também o medicamento, pois
ao agir no organismo, de alguma forma ele causará bem-estar, seja erradicando uma doença ou
eliminando sintomas de uma doença. Vale ressaltar que todo medicamento pode ser considerado
um remédio, mas nem todo remédio é um medicamento.
Pelas análises estruturais sabe-se que o fármaco tem caráter de ácido orgânico fraco ou básico fraco,
portanto, é capaz de interagir com espécies iônicas e formar sais. Esses conceitos são úteis quando
se deseja modificar as propriedades de solubilidade ou alguma característica organoléptica (cor, odor,
sabor), aumentar a biodisponibilidade ou elevar a potência. Não se pode, no entanto, utilizar quaisquer
íons na formação dos sais. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso de alguns,
entre eles: acetato, cloridrato, estearato, fosfato, carbonato, potássio, sódio, benzatina, procaína etc.
Para que um fármaco exerça seu efeito máximo, devemos levar em consideração três etapas
fundamentais: farmacêutica, farmacocinética e farmacodinâmica.
• Fase farmacêutica ou de exposição: ocorre a desintegração, processo que acontece para que
o fármaco fique biodisponível. Neste ponto ele é liberado da sua forma farmacêutica, sendo
convertido em micropartículas e solubilizando em um determinado meio.
• Fase farmacocinética: o fármaco disponível passa pelas etapas de absorção, nas quais, dependendo
de sua estrutura química, interage com um meio mais lipofílico ou hidrofílico. Sua distribuição é
20
QUÍMICA FARMACÊUTICA
um evento em que ele se liga às proteínas plasmáticas a fim de direcioná-lo ao local de ação. Já a
biotransformação (ou metabolização) se dá quando o fármaco é convertido em substâncias mais
hidrossolúveis para que ocorra a última etapa da farmacocinética, que é a excreção, sendo que a via
principal (mas não exclusiva) é a renal.
A seguir temos um esquema que permite uma melhor visualização das fases.
I - Fase
farmacêutica
Absorção
Interação Distribuição
farmacorreceptor Metabolismo
Excreção
Efeitos
Saiba mais
Os fármacos podem ser classificados sob diversos pontos de vista: estrutura química, ação
farmacológica, uso clínico e mecanismo de ação em âmbito molecular. Neste livro-texto seguiremos a
21
Unidade I
Organização Mundial da Saúde (OMS) e abordaremos os fármacos segundo sua ação farmacológica e
uso clínico, ou seja, por classes terapêuticas.
A nomenclatura de fármacos segue o preconizado pela Denominação Comum Brasileira (DCB), a saber:
• Sigla: se houver.
• Nome químico: estabelecido pela IUPAC (International Union of Pure and Applied Chemistry).
• Nome oficial ou genérico estabelecido pela DCB ou pela DCI (denominação comum
internacional): caso não tenha correspondente em português.
• Nome comercial ou fantasia: sem fazer alusão à patologia ou a algo que remeta à ela.
A inicial de todos os nomes deve começar com letra minúscula, exceto para o caso do nome comercial,
que deverá ser grafado com a primeira letra maiúscula e o símbolo de marca registrada (®).
Exemplos:
COOH
Sigla: AAS.
O Nome químico: ácido 2-acetoxibenzoico.
Nome oficial: ácido acetilsalicílico.
O Nome fantasia: Aspirina®.
Figura 12
O O
Figura 13
22
QUÍMICA FARMACÊUTICA
2 PROPRIEDADES DE FÁRMACOS
2.1 Polaridade
Em química, o conceito de polaridade é determinado por dois grupos de substâncias: apolares e polares.
As apolares são aquelas que não apresentam diferença de eletronegatividade, o que pode ser
estudado através da ausência de elementos eletronegativos, por exemplo, um hidrocarboneto, ou pela
geometria da molécula que considera apolar as moléculas simétricas, isto é, tetracloreto de carbono.
Já as substâncias polares são definidas como aquelas nas quais existe diferença de eletronegatividade
entre os elementos eletronegativos presentes ou quando as moléculas se apresentam assimétricas.
Além da polaridade, o peso molecular, o volume molecular e o tipo de ligação feita entre o fármaco
e a água ou as membranas biológicas podem alterar a solubilidade do fármaco. Por exemplo, a troca
de um grupo -OH por um CH3 pode alterar não somente a solubilidade, mas as propriedades físicas dos
fármacos. É capaz ainda de modificar a ação farmacológica destes.
A forma cristalina de um sólido normalmente é caracterizada como um cristal ideal, ou seja, cada
célula se repete de maneira ordenada espacialmente. Para os fármacos, essa forma ideal não existe. Em
uma síntese de fármacos os cristais são produzidos em mais de uma forma, ou seja, existem cristais
diferentes em forma e tamanho que são fabricados; quando isso ocorre, são denominados polimorfos.
Estabilidade da forma
farmacêutica
Figura 14
Quando não há definição cristalina, tais compostos são chamados de amorfos. Quando há a presença
de água em seu retículo cristalino, são denominados hidratos.
Saiba mais
Quando um medicamento é administrado por via oral, para que o fármaco exerça seu efeito esperado,
ele precisa passar pelas três fases de ação, como já mostrado. Cada uma delas é influenciada diretamente
por propriedades físico-químicas. Por exemplo: solubilidade, coeficiente de partição (também conhecido
como Log P), grau de ionização, polimorfismo e a espacialidade dos grupos químicos presentes tanto na
estrutura química do fármaco como no sítio de ligação do receptor.
Outro ponto da importância na análise das propriedades físico-químicas é que elas podem ajudar na
orientação específica do receptor, fazendo com que uma série de eventos possa começar e levar ao efeito
biológico esperado. Deficiências nessas propriedades são capazes de ocasionar ineficácia no fármaco.
Deve-se levar em consideração o tipo de transporte que um fármaco faz ao transpor a membrana.
De maneira geral, temos: transporte ativo (que é menos comum; aqui, as membranas possuem um
papel mais especializado, envolvendo gasto de energia e semelhança estrutural entre o fármaco e o
substrato que será transportado) e difusão passiva (a maioria dos fármacos atua nesse processo; nele,
ocorre a passagem de moléculas de um local de maior concentração para outro de menor concentração,
24
QUÍMICA FARMACÊUTICA
atingindo, assim, o equilíbrio). A absorção do fármaco é proporcional ao aumento da dose, e, para tanto,
não há necessidade de transportador específico. A permeabilidade à membrana depende da lipofilicidade
da molécula dada por sua partição, bem como do grau de ionização, uma vez que a forma molecular do
fármaco é a melhor absorvida.
Transporte passivo
Transporte ativo
Difusão
simples Difusão facilitada
Solubilidade
Quando se fala em solubilidade, deve-se lembrar que os fármacos para serem absorvidos necessitam
estar solubilizados no local onde acontecerá a absorção. Como mostrado anteriormente, um fármaco
cuja forma farmacêutica seja sólida precisa passar pelos estágios de desintegração e dissolução a fim de
que possa mudar para as demais fases de ação.
Caso sua solubilidade em determinado meio seja baixa, ele não será absorvido de maneira adequada.
Por exemplo, se ele for pouco solúvel em água, poderá não ocorrer a concentração plasmática ideal; por
outro lado, se for muito solúvel em água, talvez não atravesse as membranas plasmáticas por difusão
passiva, que é o principal meio de transporte de fármacos.
25
Unidade I
O coeficiente de partição de uma estrutura química pode ser definido como a razão entre as concentrações
que se estabelecem nas condições de equilíbrio. Isto ocorre quando um fármaco encontra-se dissolvido, ou
melhor, particionado em sistema constituído por fase orgânica e fase aquosa. A medida quantitativa da
partição pode ser obtida pela seguinte equação:
Dois pesquisadores, Overton e Meyer, estabeleceram, através de muitos estudos sobre o tema, que
o melhor sistema de solventes a ser empregado na determinação do Log P é o n-octanol como fase
orgânica e o tampão fosfato pH =7,4, uma vez que esses solventes simulariam bem os compartimentos
biológicos. O n-octanol tem uma cadeia apolar com um grupo polar na extremidade, simulando a
membrana biológica (fosfolipídio), já o uso do tampão pH=7,4 simularia os fluídos biológicos. Além
disso, a preferência pelo uso do solvente orgânico ocorre por ele possuir ampla capacidade de dissolução
em diversos compostos químicos e não ser volátil em condições normais de temperatura, além de ser
comercialmente disponível e quimicamente estável. Quando se correlaciona o coeficiente de partição
com a atividade biológica, temos uma parábola que indica lipofilicidade ótima para valores entre 1 e 3,
ou seja, eles são capazes de expressar requisitos farmacocinéticos e farmacodinâmicos ideais.
0,5
0,25
-2 -1 0 1 2 3 4 5 6
Log P
26
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Fase P = Corg
orgânica
Caq
K2
K1 K1 . Caq = K2 . Corg
Fase
aquosa
• Cromatografia líquida de alta eficiência (Clae): essa técnica é utilizada para fármacos que
possuem solubilidade muito maior em uma das fases. Uma vantagem dele é a possibilidade de
se trabalhar com fármacos não puros; como desvantagem, temos o custo do equipamento e dos
solventes de alta pureza necessários para sua realização. O tempo de retenção em cromatografia
líquida de alta eficiência é quantitativamente descrito pelo fator de capacidade k’ obtido
através da equação:
k‘ = (tr - t0) / t0
Onde:
k’ = fator de capacidade
A relação entre log k’ e log Pn-octanol/tampão 7,4 é linear, possibilitando seu uso direto, porém, na prática,
utiliza-se a curva de padronização que é obtida mediante leitura de k’ de diversos padrões com
Log P conhecidos. A partir da curva obtém-se a equação:
Log P = a.log k’ ± b
Onde:
a e b = coeficientes angulares
Saiba mais
O N O N
Farmacocinética OH H OH H Farmacocinética
Contraindicado Contraindicado
em pacientes com em pacientes com
distúrbios no SNC distúrbios renais
O
Ome NH2
Metoprolol Atenolol
Lipossolúvel pKa = 9,7 pKa = 9,6 Hidrossolúvel
Log P = 1,88 Log P = 0,16
(octanol/água) (octanol/água)
Figura 18
De maneira geral, podemos classificar a solubilidade dos fármacos pelo coeficiente de partição da
seguinte maneira:
28
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Outro exemplo é o caso dos barbitúricos que têm sua ação farmacológica modificada quando ocorre
a substituição de um átomo de oxigênio pelo átomo de enxofre. O primeiro caso possui um caráter mais
hidrofílico, sendo utilizado como ansiolítico, enquanto o seguinte tem o caráter mais lipofílico, sendo
seu uso como anestésico geral.
O S
HN HN HN HN
O O O O
Pentobarbital Tiopental
Figura 19
Digitoxina e digoxina, dois fármacos cardiotônicos obtidos da Digitalis purpúrea, também são
exemplos de como a influência de grupos polares atua no coeficiente de partição. Isso pode ser
analisado em termos do tempo de meia-vida e na absorção no trato gastrintestinal do fármaco, como
veremos a seguir.
OH
HO
CH3 R = H digitoxina
O R = OH digoxina
O CH3
O
O CH3
OH O
O CH3 R
OH O
CH3 O
H
HO
Figura 20
29
Unidade I
A passagem dos fármacos pelas membranas é influenciada diretamente pelo seu caráter ácido ou básico
fracos. Ao ultrapassar a biofase um fármaco de caráter ácido perderá um próton (H+), formando a espécie
aniônica correspondente, já os fármacos de caráter básico serão protonados e formarão a espécie catiônica.
(Meio extracelular)
(Meio intracelular)
H+ + A- HA H+ + B BH+
A partir das equações de ionização, temos a constante de ionização, que irá predizer a contribuição
porcentual das espécies ionizadas e não ionizadas. A importância desta propriedade se dá na fase
farmacocinética, pois o quanto está ionizado é proporcional à lipofilicidade, e as espécies não ionizadas,
por apresentarem caráter mais lipofílico, conseguirão atravessar as membranas por transporte passivo,
enquanto as formas ionizadas dificultarão a absorção. Além da fase farmacocinética, tal parâmetro
é importante quando se estuda a interação do fármaco com os resíduos de aminoácidos no sítio de
ligação de um receptor que se dá na fase farmacodinâmica.
30
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Considerando que -logKa = pKa e -log [H3O+]= pH, converte-se essa expressão em logarítmica:
Exemplo de aplicação
31
Unidade I
• logP <5
• < 5 doadores de H
• < 10 aceptores de H
Caso contrário, absorção e biodisponibilidade oral serão baixas. Esta, regra, no entanto, só deve ser
utilizada para fármacos orais.
A maneira como os grupos de um fármaco se apresenta espacialmente, seja por sua conformação,
flexibilidade molecular ou sua disposição tridimensional, é vista em termos de parâmetros estéricos que
influenciarão diretamente a interação do fármaco com o receptor. Esse parâmetro é estudado com base
na forma e no tamanho do substituinte introduzido na molécula do composto matriz, e pode-se medir
o efeito que distâncias interatômicas, conectividade molecular e raio atômico causam na ação biológica.
• necessitam de altas dosagens ou de acúmulo nos receptores aos quais se ligarão, uma vez que são,
em geral, de baixa potência;
32
QUÍMICA FARMACÊUTICA
• contêm pequenas variações nos grupos acessórios que não ocasionam grande alteração na
ação farmacológica.
Exemplos dessa classe são os antiácidos neutralizadores do suco gástrico – Al(OH)3 e Mg(OH)2 – e os
anestésicos gerais, conforme mostrado a seguir.
Br
Coeficiente de partição óleo: gás = 224
F3C CI Coeficiente de partição cérebro: plasma = 1,94 MAC50 = concentração
MAC50 = 0,7% de 14 atm alveolar mínima necessária
Halotano para provocar imobilidade em
F 50% dos pacientes
Coeficiente de partição óleo: gás = 90,8
CHF2
F3C O Coeficiente de partição cérebro: plasma = 1,57
Isoflurano MAC50 = 1,15% de 1 atm
Neste caso vemos que o halotano é mais potente que isoflurano, pois tem um MAC50 menor.
• são administrados em baixas dosagens, uma vez que eles possuem maior potência;
• contêm pequenas variações estruturais que levam à mudança brusca na ação ou mesmo a
sua inatividade.
A partir dos FEE é necessário entender como os fármacos atuam efetivamente sobre seus alvos
biológicos conhecidos como receptores, que de maneira geral podem ser: enzimas, metabotrópicos
(acoplados à proteína G), ionotrópicos (acoplados a canais iônicos), ligados a quinases, nucleares e
ácidos nucleicos.
33
Unidade I
Um modelo proposto pelo químico alemão Emil Fischer para exemplificar a interação e a especificidade
da interação enzima-substrato é o conceito chave-fechadura, no qual abrir ou não abrir a porta revela
a ação do complexo enzima-substrato.
Chave falsa
Antagonista
Bloqueio
da resposta
biológica
Pudemos visualizar na figura anterior que há três situações diferentes: a chave original consegue
acionar a fechadura, explicando a função do agonista com o encaixe perfeito sobre o sítio de ligação;
na sequência seria um objeto semelhante ao encaixe da fechadura que também permite acioná-la,
aqui com pequenas alterações estruturais, e mesmo que não possua o encaixe perfeito, é capaz de
interagir com o sítio de ligação do receptor; e, por fim, um objeto totalmente diferente que, além de não
acionar, bloqueia a fechadura, ilustrando como um antagonista funciona.
Um exemplo prático do modelo pode ser visto com os benzodiazepínicos, fármacos que atuam no
SNC no receptor GABA. A modificação estrutural no benzodiazepínico levou à descoberta do flumazenil,
um fármaco antagonista.
N
N O N O
N
CI CI OCH2CH3
N N F
N
F O
Diazepam Midazolam Flumazenil
Figura 24
34
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Saiba mais
No caso de isomeria ótica, temos como exemplo a “tragédia da talidomida”. A introdução de mistura
racêmica desse fármaco causou focomelia nos bebês cujas mães fizeram seu uso com ação antiemética.
O O
N * O O N
N N
H H
O O O O
S-talidomida R-talidomida
ação teratogênica ação antiemética
Um grave problema
Figura 25
35
Unidade I
Depois do ocorrido com a talidomida, a separação de compostos quirais e a análise frente às ações
farmacológicas e toxicológicas tornaram-se obrigatórias e os fármacos passaram a ser comercializados
tanto como mistura racêmica quanto na sua forma opticamente pura.
Observação
Exemplos de fármacos comercializados em sua forma opticamente pura estão representados a seguir.
Quadro 2
Forças eletrostáticas
Elas podem ocorrer através da formação de dipolos ou de cargas opostas entre o complexo formado.
Iônica
Ocorrerá sempre que houver cargas opostas efetivas entre o fármaco e o receptor:
H O O
+
ligante N H + receptor receptor
H O- O-
H
+
H N
H ligante
Figura 26
36
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Como exemplo temos a interação do AINE flurbiprofeno com o resíduo de aminoácido arginina-120
da ciclo-oxigenase-1.
CH3 CH3
Biofase
OH O
F H
O F - O
+ NH
Flubiprofeno HN
N
O
H Arg 120
O
HN
COX-1
Figura 27
Dipolo-dipolo
Interações desse tipo ocorrem entre grupamentos que possuem polaridades opostas. Essa polaridade
é vista sempre que houver heteroátomos presentes. Por exemplo: O, N, halogênios etc.
Receptor δ+
δ-
O
O
δ- δ+ Ligante
Figura 28
Íon-dipolo
Acontece esse tipo de interação quando o fármaco ou o receptor possuir carga iônica formal e um
heteroátomo que permita a formação de dipolo.
+ δ- Ligante
Receptor N O δ+
R2
Figura 29
Um exemplo para esse tipo de interação pode ser visto entre tromboxana sintase (receptor) que
possui um íon Fe+2 e ozagrel, um antiagregante plaquetário.
37
Unidade I
Tromboxana sintase
N N
+2 N
S – Fe N
OH
N N
O
Ozagrel
Figura 30
Ligação de hidrogênio
Esse tipo de interação também é relatado por muitos autores como sendo ponte de hidrogênio.
Trata-se da interação do H com os elementos eletronegativos: flúor, oxigênio e nitrogênio.
H
H O H O
H N H O
H H
H H
H H
H
H N H N
H O H N
H H
H H
Figura 31
A ação antirretroviral do saquinavir acontece através das ligações de hidrogênio com o sítio de ligação
da aspartil protease do HIV-1. As linhas tracejadas indicam a distância interatômica dessas ligações.
38
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Asp30 Asp25
R O N Asp25’
Gly27 H
O O O
N O O O
2.5 Å
H 2.5 Å
R 3.0 Å
N H H
Asp29 NH2 3.2 Å
3.0 Å O H
O H O
H O
N N N
2.9 Å
H 3.1 Å H
O N R
H O N
O H H
Asp29’
3.0 Å CH3
H
N Saquinavir H3C CH3
O 3.6 Å
Gly48
N H Asp = ácido aspártico
Gly49 Gly = glicina
Esse tipo de interação, também conhecida como forças de dispersão de London, é composto por forças
atrativas entre grupos apolares. Por ela temos a formação de dipolos induzidos, que de maneira geral é
um tipo de interação muito fraca, porém de suma importância para o reconhecimento molecular do
fármaco pelo sítio de ligação do receptor. O exemplo a seguir é do anti-hipertensivo losartana, que interage
com os receptores de angiotensina II do subtipo 1 (AT1R). Existem múltiplas interações do tipo dispersão
no complexo F-R.
Bolsa L1 Phe182
At1R
Phe171
H3C
N
Ala163
N CI
Ser109
OH
HN N
N Val108
N
Losartana
Figura 33
39
Unidade I
Forças hidrofóbicas
Semelhantes às forças de Van der Waals que atuam com grupos apolares, o presente tipo de interação
ocorre sempre que houver solvatação com a água, quer pelo sítio de ligação, quer pelo fármaco. Um
exemplo dele acontece entre o fator de agregação plaquetária (PAF) e o sítio de ligação que se encontra
solvatado. A aproximação do PAF ao receptor faz com que a água seja “expulsa” e a interação F-R ocorra.
PAF
Interação do PAF com
Biorreceptor do PAF
Bolsa Lipolfílica do
Receptor do PAF
Figura 34
Ligação covalente
Trata-se da mais forte das interações. Dificilmente ela é rompida, levando à inibição enzimática
irreversível ou inativação do sítio de ligação.
Exemplo desse tipo de interação ocorre entre a prostaglandina endoperóxido sintase (PGHS) e o
ácido acetilsalicílico (AAS), um AINE com ação anti-inflamatória. Ao se aproximar do sítio de ligação da
PGHS, uma série de reações envolvendo o campo eletrônico ocorre e o grupo acetila do AAS é transferido
covalentemente para o resíduo serina-530 da PGHS causando inibição irreversível da enzima. Como
consequência, o processo inflamatório (dor, calor) diminui.
40
QUÍMICA FARMACÊUTICA
PGHS
HO O O
O
O OH Ser530
HO N–H
O O
O CH3
PGHS PGHS O
O
H3C O OH
O - Ser530 O N–H
O O
N–H
OH O O CH3
Figura 35
Agora que falamos das possíveis interações entre F-R, devemos nos lembrar que o estudo delas só
se tornou possível graças ao desenvolvimento da estereoquímica, uma vez que a espacialidade dos
átomos permite uma melhor compreensão do que realmente ocorre na ação biológica do ponto de
vista farmacodinâmico.
A estereoquímica estuda os isômeros espaciais. Eles podem ser classificados em dois grupos:
c d c a
A B A B
C D C D
• Enantiômeros ou isômeros óticos: isômeros que possuem carbono assimétrico (quiral) têm
a propriedade de desviar a luz polarizada e não são imagens sobreponíveis (especulares), que
41
Unidade I
dependem de como os átomos ou grupos de átomos estão dispostos, serão conhecidos com R ou S.
A ação farmacológica ocorre pelo arranjo espacial tanto do fármaco quanto do receptor. Se a
interação entre os grupos não ocorre de maneira a ocupar o receptor, poderemos ter dois efeitos
imediatos: ação farmacológica não eficiente e efeitos adversos desastrosos (como no caso da
“tragédia” da talidomida?). A espacialidade dos grupos nos dirá o quão potente e eficaz podem
ser tais fármacos, desde que interajam corretamente com os grupos do receptor.
Um em cada quatro fármacos que estão na terapêutica é comercializado na forma de mistura racêmica
(mistura de dois enantiômeros). Na maior parte deles a ação biológica está relacionada a apenas um dos
isômeros, mas o outro não apresenta riscos ao organismo. Embora seja permitida a comercialização de
racematos, aspectos legais tendem a ser mais exigentes em fazer com que a indústria farmacêutica se
preocupe na separação dos enantiômeros e na avaliação toxicológica criteriosa de cada um.
3 METABOLISMO DE FÁRMACOS
O conhecimento sobre as possíveis vias metabólicas para um fármaco fornece uma visão geral sobre
as estratégias que devem ser utilizadas durante o planejamento de novos fármacos, visando fármacos
visando aumentar segurança e eficácia, permitir o entendimento das relações entre estrutura química e
atividade biológica (REA/SAR), promover ajustes na formulação de medicamentos, planejar pró-fármacos
efetivos, bem como evitar interações farmacológicas e formação de metabólitos reativos.
42
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Podemos classificar tais reações em dois grupos distintos de acordo com a característica geral:
reações de fase I (reações de funcionalização) e reações de fase II (conjugações).
As reações de fase I são as responsáveis pelo surgimento de novos grupos funcionais polares via
oxidação, redução ou hidrólise. Grande parte delas ocorre no fígado, mas em alguns casos como, por
exemplo, a hidrólise de ésteres ou amidas pode acontecer no trato gastrointestinal (TGI), plasma sanguíneo
e em outros tecidos. Os fragmentos orgânicos (grupos) mais sensíveis a reações de oxidação são: aminas
metiladas (N-metil aminas), anéis aromáticos, a última posição (carbono terminal) de cadeias alquílicas,
posição menos impedida de anéis alicíclicos (não aromáticos). Grupos nitro e carbonila são propensos à
redução, enquanto os ésteres e amidas são facilmente hidrolisados.
As reações de fase II geralmente ocorrem também no fígado e são responsáveis pela junção
(conjugação) de substâncias endógenas altamente polares aos grupos funcionais polares presentes na
estrutura do fármaco original ou que foram adicionados a algum metabólito de fase I. Tais metabólitos
têm sua polaridade bastante aumentada, bem como sua taxa de excreção na urina.
HO
O2N H2N H2N O OH
O
OH OH
OH OH O
O O O
NH NH NH
HO CI HO CI HO CI
CI CI CI
Lembrete
A ocorrência de uma reação de fase II não está condicionada à formação inicial de metabólitos de
fase I, podendo acontecer tanto para os produtos de oxidação, redução ou hidrólise (fase I) quanto para
a molécula do fármaco original.
43
Unidade I
A oxidação é a principal via metabólica de fase I, sendo as enzimas que constituem o complexo citocromo
P-450 (CYP-450) as de maior importância na biotransformação dos fármacos. Essas enzimas são hemiproteínas
(contêm um átomo de ferro) que catalisam a reação, a qual resulta na introdução de um átomo de oxigênio
na estrutura do fármaco a partir do oxigênio molecular (O2). As reações promovidas através das enzimas do
CYP-450 podem envolver a oxidação de carbono, nitrogênio, fósforo, enxofre e outros átomos.
Os átomos de carbono mais propensos à oxidação são os mais expostos (última ou penúltima
posição de cadeias alquílicas) ou ativados (vizinhos a heteroátomos ou anéis aromáticos), promovendo
a formação de metabólitos hidroxilados ou dealquilados.
Grupos metil presentes em moléculas de fármacos são comumente hidroxilados, levando à formação
de álcoois que podem por sua vez ser oxidados até o ácido carboxílico correspondente.
OH O O
Álcool Aldeído
CYP-450 desidrogenase desidrogenase
CH3 CH2 CH C OH
Átomos de carbono de grupos alquil (metil, etil etc.) em posição alfa “α” (vizinha) a heteroátomos são
comumente oxidados. O produto hidroxilado resultante é bastante instável e sofre decomposição espontânea
gerando o metabólito da dealquilação, reação comum para éteres, aminas 2ª e 3ª, sulfetos e haletos de alquila.
N-oxidação
O
R1
CYP-450
N N R2
R2
R1
N-hidroxilação
OH
CYP-450
NH N
R1 R1
S-oxidação
O O O
CYP-450 CYP-450
S S S
R R R
Figura 40
44
QUÍMICA FARMACÊUTICA
A formação dos metabólitos ilustrados anteriormente ocorre através da hidroxilação do átomo de carbono
ligado diretamente ao heteroátomo seguido por clivagem (quebra) da ligação carbono-heteroátomo, como
veremos a seguir:
OH O
CYP-450
O CH2R O CHR OH + CHR
Os átomos de carbono insaturados “sp2” (C=C) podem ser oxidados por ação das enzimas do
complexo CYP-450. Os alcenos originam epóxidos altamente reativos, que são desativados por ação da
enzima epóxido hidrolase para formar um diol. Anéis aromáticos presentes na estrutura de fármacos
podem ser oxidados, levando à obtenção do epóxido que pode ser hidrolisado, formando diol ou
sofrendo rearranjo, originando metabólito p-hidroxilado. O epóxido formado por oxidação de carbono
insaturado pode também ser desativado através da reação com glutationa S-transferase para formar
metabólito conjugado.
Observação
Os grupos funcionais contendo heteroátomos (N, O, S) podem também ser metabolizados por
processos oxidativos através da oxidação ou hidroxilação do próprio heteroátomo, gerando metabólitos
por N-oxidação, N-hidroxilação e S-oxidação.
Epóxido HO OH
H H H O H hidrolase
CYP-450 H H
R1 R2 R1 R2 R1 R2
*Epóxido *diól
OH
*diól
CYP-450 OH
O
OH
*p-hidroxilado
45
Unidade I
Aminas terciárias podem sofrer N-oxidação, dando origem a N-óxidos (óxidos de amina), enquanto
aminas primárias ou secundárias podem originar N-hidroxilaminas. O grupo sulfeto pode sofrer oxidação,
dando origem a sulfóxidos ou sulfonas.
N-oxidação
O
R1
CYP-450
N N R2
R2
R1
N-hidroxilação
OH
CYP-450
NH N
R1 R1
S-oxidação
O O O
CYP-450 CYP-450
S S S
R R R
As reações redutivas de fase I são menos comuns do que as oxidativas, porém redução de cetonas,
azo-compostos e grupo nitro tem sido observada em alguns fármacos, originando álcoois e aminas por
ação de redutases.
Citorredução
O Redutase OH
Azorredução
Redutase
R1 N N R2 R1 NH2 + H2N R2
Nitrorredução
NO2 NH2
Redutase
A hidrólise de ésteres e amidas é uma reação metabólica comum, catalisada por esterases e peptidases,
respectivamente. A hidrólise de amidas ocorre de maneira mais lenta do que a hidrólise de ésteres.
A hidrólise é muito importante do ponto de vista da bioativação de diversos pró-fármacos, que são
administrados em sua forma latente. Ela é responsável por converter o pró-fármaco em sua forma ativa,
mais próximo do local de ação.
46
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Hidrólise
O O
Esterase
R2 + R2
R1 O R1 OH HO
O O
Peptidase
R2 + R2
R1 N R1 OH H2N
H
Lembrete
A maioria das reações de fase II é de conjugações catalisadas por um grupo de enzimas chamadas
transferases. O conjugado resultante em geral é inativo e prontamente excretado devido a sua alta
polaridade. As reações de fase II ocorrem por glucuronidação, sulfatação, conjugação com glicina
(aminoácido), acetilação, metilação ou conjugação com glutationa, introduzindo diversas funções
polares na estrutura do fármaco ou metabólitos de fase I.
47
Unidade I
O O N N
O S O O N N
O
O- O-
OH
XH OH (álcool, fenol, hidroxilamina) O
NH2 (amina) O -
P
O-
O
3-fosfoadenosina-5-fosfosulfato
Fármacos que apresentam ácido carboxílico em sua estrutura podem ser conjugados com o
aminoácido glicina por formação de ligação peptídica.
Primeiramente, o ácido carboxílico presente no fármaco (metabólito de fase I) é ativado por formação
de intermediário Acil-coenzima A, que está ligado ao aminoácido para depois originar o metabólito
conjugado glicina.
O
O O H2N OH O
ATP + CoA
Fármaco Fármaco Fármaco
Glicina
OH CoA NH
OH
O
Metabólito conjugado
Grupos funcionais eletrofílicos (reativos) como epóxidos e haletos de alquila podem sofrer conjugação
ao grupo tiol (nucleofílico) presente na estrutura da glutationa, gerando metabólitos conjugados. Essa
reação é catalisada por glutationa transferase, ocorre principalmente no fígado e nos rins e é importante
na desativação de compostos alquilantes formados por reações de fase I e algumas toxinas.
48
QUÍMICA FARMACÊUTICA
O
COOH COOH
H2N
NH2 Metabólito conjugado
Glutationa
Durante o metabolismo podem acontecer algumas reações que geram metabólitos menos hidrossolúveis
quando comparados à molécula original. É o caso da metilação (transferência de radical metil por ação de
metiltransferases) e da acetilação (transferência de radical acetil por ação de acetiltransferases).
Os grupos propensos à reação de metilação são fenóis, aminas e tióis, enquanto aminas primárias
são sensíveis à acetilação. Tais reações são menos frequentes que as outras conjugações.
Metabólito metilado
O
Metabólito acetilado
Alguns fatores podem influenciar a maneira como um fármaco é metabolizado. São eles:
49
Unidade I
• Dieta: atividade enzimática pode ser alterada por compostos provenientes de alguns alimentos.
Alguns fármacos são capazes de diminuir ou promover aumento da atividade de enzimas do complexo
citocromo P-450 (CYP-450), levando à ocorrência de interação fármaco-fármaco, na qual a presença
de um afeta a atividade do outro. Portanto, um fármaco pode promover aumento ou diminuição do
efeito de um segundo fármaco que seja administrado de maneira simultânea através de indução ou
inibição enzimática.
Podemos citar como exemplo a interação que ocorre entre warfarina (anticoagulante) e fenobarbital.
O fenobarbital estimula as enzimas CYP-450 e acelera o metabolismo da warfarina, diminuíndo seus
níveis plasmáticos e eficiência.
Fármacos administrados por via oral passam diretamente pelo fígado antes de alcançarem a
circulação sistêmica, assim uma porcentagem do fármaco é transformada em metabólitos antes mesmo
de ser distribuída para outros locais do organismo, diminuindo a chance de ele alcançar o tecido-alvo.
Esse processo é conhecido como efeito de primeira passagem. A utilização de vias diferentes como, por
exemplo, a endovenosa evita o efeito de primeira passagem, sendo distribuídos no organismo antes de
passar pelo fígado.
Utilizar vias diferentes da oral não garante que o fármaco não seja metabolizado antes de alcançar
seu local de ação, pois o metabolismo pode ocorrer em outros tecidos. Não devemos confundir efeito
de primeira passagem com as reações de fase I, pois elas não ocorrem de maneira exclusiva no fígado.
50
QUÍMICA FARMACÊUTICA
de metabólitos tóxicos por meio de métodos computacionais ou experimentais que irão permitir o
planejamento de ações visando a correção de parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos.
Para correção de tais parâmetros podemos utilizar diferentes métodos a fim de gerar modificação
molecular, visando obter aumento ou diminuição da estabilidade metabólica. O crescimento
da estabilidade metabólica pode trazer inúmeras vantagens como, por exemplo, o aumento da
biodisponibilidade e o período de ação permitindo a diminuição de doses e frequência de administração
do fármaco, facilitando a adesão ao tratamento farmacológico.
Com o objetivo de aumentar a resistência à ação de enzimas metabólicas, podemos fazer alterações
em grupos e posições metabolicamente vulneráveis, que irão impedir a degradação de fragmentos
orgânicos, introduzir grupos atratores de elétrons em posições específicas, incorporar grupos volumosos
para produzir impedimento espacial ou promover a substituição de grupos lábeis por bioisósteros, que
valem como estratégia para alcançar maior estabilidade frente às diversas reações metabólicas.
4 ANTI-HISTAMÍNICOS
Nosso sistema imunológico tem por função reconhecer os agentes nocivos capazes de causar algum
tipo de infecção e tentar se livrar deles. Uma alergia é uma reação exacerbada do nosso organismo a
alergenos como pólen, pelos de animais, poeira e mofo, provocando respostas como prurido, espirros,
urticária, lacrimejamento dos olhos e coriza.
Quando estamos expostos à ação de um alérgeno específico, nosso organismo o detecta e o considera
um invasor prejudicial. Para combatê-lo, nosso sistema imunológico inicia a produção de anticorpos que
se ligam à superfície dos mastócitos, resultando na liberação de histamina (autacoide) como resposta
aos danos teciduais.
A histamina é uma amina biogênica sintetizada a partir do aminoácido histidina por ação da enzima
L-histidina descarboxilase em diferentes células humanas, especialmente os mastócitos, basófilos,
plaquetas, neurônios histaminérgicos, linfócitos e células enterocromafins, armazenada em vesículas
ou grânulos. Sua liberação ocorre através de sinal de superfície, que é quando o antígeno (por exemplo:
pólen) se liga ao anticorpo, promovendo a liberação de histamina.
51
Unidade I
HN O HN
L-histidina descarboxilase
NH2
N N
H2N OH
Histidina Histamina
A liberação de histamina pelas células danificadas promove diversas ações no organismo, como
contração da musculatura lisa dos pulmões e do trato gastrointestinal, causando hipotensão, taquicardia,
vasodilatação e aumento da permeabilidade celular.
Os fatores estruturais requeridos para o bloqueio seletivo dos receptores H1 que serão apresentados
a seguir foram observados em diversos estudos de relação estrutura-atividade (REA/SAR).
Lembrete
52
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Ar R1
X Cadeia N
intermediária
Ar R2
Figura 52
Átomo de nitrogênio básico com pka entre 8,5 a 10, geralmente uma amina alifática terciária
para máxima atividade anti-histamínica, sendo que o nitrogênio pode também ser parte de anéis
heterocíclicos como piperidina ou piperazina. Necessário para formar interação iônica no receptor e
obtenção de forma sólida estável através da obtenção de sal.
H
N
N N
H H
Piperidina Piperazina
Figura 53
A cadeia intermediária deve apresentar a distância de dois ou três átomos de carbono. A presença
de ramificação resulta em diminuição da atividade anti-histamínica.
Dois sistemas aromáticos (diaril substituinte) são requisitos para interação com receptores H1, tanto para
os anti-histamínicos de 1ª quanto de 2ª geração. Esses anéis podem estar unidos, originando um anel tricíclico.
N N
H
Fenil Piridina Fenotiazina Dibenzociclo-heptano
(aromático) (heteroaromático) (tricíclico) (tricíclico)
Figura 54
O grupo X serve de espaçador para aumentar a afinidade ao receptor e pode ser carbono (CH, C-O)
ou nitrogênio.
53
Unidade I
Os derivados da etanolamina são caracterizados pela presença do grupo conector CHO e uma cadeia
de dois ou três átomos de carbono separando os sistemas aromáticos (diaril) e o átomo de nitrogênio
(amina terminal).
Ar2
Ar1
C N
O
R
Figura 55
A difenidramina foi o primeiro composto clinicamente utilizado da classe e serviu como protótipo
para o desenvolvimento de diversos análogos. Alguns deles foram obtidos através da introdução de
substituintes na posição para (4) de um dos anéis aromáticos, o que melhorou o perfil terapêutico em
relação à difenidramina, pois diminuíram os efeitos adversos.
A substituição de um dos anéis fenil por um grupo 2-piridil aumenta a atividade anti-histamínica
em até 40 vezes. Alguns desses compostos apresentam assimetria devido à presença de carbono quiral,
no qual o isômero S demonstrou ser mais ativo. A introdução de dupla ligação entre os carbonos α e β
da cadeia intermediária produzirá tontura.
Br CI
N
O N N
O O
CI
N N
N
O O O
Figura 56
54
QUÍMICA FARMACÊUTICA
A maioria dos fármacos dessa classe é extensivamente metabolizada por vias como N-oxidação,
dealquilação, deaminação, oxidação de aldeído e conjugação com aminoácidos.
4.1.2 Etilenodiaminas
N R2
Ar2 N
R1
Figura 57
Todos os compostos desta classe são diariletilenodiaminas, com exceção da antazolina, que apresenta
o nitrogênio terminal e parte da cadeia intermediária incluída como parte de um anel imidazolínico.
O protótipo da classe foi a fembenzamina, que serviu como modelo para o desenvolvimento de
análogos mais efetivos. A substituição do anel fenil da benzamina por um sistema 2-piridil produziu
aumento da atividade anti-histamínica, assim como a introdução de substituintes como metil, cloro ou
bromo na posição 4 (para) do anel fenil. A substituição do sistema fenil por sistema 2-tienilmetil e do
sistema 2-piridil por pirimidil produziu crescimento na potência da atividade antagonista H1.
S CH2 N N
HN N
Figura 58
Em todos esses compostos a presença da amina alifática terminal é necessária para atividade
bloqueadora de receptores H1, pois é significantemente mais básica do que a amina ligada aos
sistemas aromáticos que diminuem sua basicidade. A amina terminal é utilizada para obtenção de sais
farmacologicamente usuais.
55
Unidade I
N N N N
N N
N
HO
S
N
N N N N
N N
N
H N N
Figura 59
As ações anticolinérgica e antiemética de tais compostos são relativamente baixas quando comparadas
aos outros anti-histamínicos de 1ª geração. Os anti-histamínicos fenotiazínicos e piperazinicos também
contêm a porção etilenodiamina em suas estruturas, mas apresentam particularidades em relação aos
seus efeitos no sistema nervoso central.
4.1.3 Piperazínicos
As piperazinas são consideradas etilenodiaminas cíclicas que apresentam grupo CHN como conector.
A cadeia carbônica intermediária e o grupo amina terminal fazem parte de um anel piperazínico. Ambos
os nitrogênios desses compostos possuem basicidade similar.
CH N N R
Figura 60
56
QUÍMICA FARMACÊUTICA
A atividade de tais compostos é caracterizada por rápido início e longa duração de ação. Esses
agentes apresentam atividade antimuscarínica periférica e central e são utilizados como antiemético ou
agente antivertiginoso.
N N N N
Ciclizina CI Clorciclizina
N N
N N
CI Buclizina Meclizina
CI
Figura 61
Alguns compostos da classe têm demonstrado um forte potencial teratogênico, induzindo diversas
malformações em modelos animais, o que não vem sendo observado em humanos. Os metabólitos
dealquilados têm sido responsabilizados pelos efeitos teratogênicos observados. Estudos metabólicos
demonstram que os compostos dessa classe são metabolizados principalmente via N-dealquilação e
N-oxidação, levando à formação de metabólitos desprovidos de atividade anti-histamínica.
4.1.4 Propilaminas
As feniraminas halogenadas são cerca de 20 a 50 vezes mais potentes e apresentam longa duração
de ação quando comparados à feniramina.
Carbono Ar1 Carbono Ar1
saturado insaturado
sp3 R1 sp2 R1
Ar2 N Ar2 N
R2 R2
Figura 62
57
Unidade I
Todas as feniraminas são moléculas quirais, sendo que a atividade anti-histamínica reside no
estereoisômero S.
As propilaminas que apresentam carbono insaturado como conector correspondem aos alcenos
alifáticos e aos derivados cíclicos. Os alcenos de cadeia aberta (alifática) são assimétricos e exibem
diferenças de potência, sendo os isômeros E mais potentes que os isômeros Z. A presença de anel
pirrolidina ligada à amina terminal promove aumento de atividade anti-histamínica.
H
N
Pirrolidina
Figura 63
Os anti-histamínicos dessa classe são os mais ativos, de maior seletividade ao receptor H1 e de menor
atividade anticolinérgica e efeitos relacionados ao sistema nervoso central quando comparados aos
outros anti-histamínicos de 1ª geração. Apresentam meia-vida longa, permitindo administração uma
vez ao dia e são indicados para tratamento de sintomas leves de alergia, e apesar de possuírem menor
probabilidade de produzir sedação, diversos pacientes relatam esse efeito.
CI Br
N N
N
N
N N
Feniramina Clorfeniramina Bronfeniramina
N
N
N Pirrobutamina
Triprolidina
CI
Figura 64
Eles apresentam baixa biodisponibilidade oral (30 a 50%), que pode ser limitada por metabolismo
de 1ª passagem. Os principais metabólitos consistem em produtos dealquilados com o grupo amina
totalmente oxidado, seguido por conjugação à glicina.
58
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Lembrete
4.1.5 Fenotiazinas
Esta classe de compostos foi desenvolvida a partir dos derivados da etilenodiamina, na qual foi
adicionada uma ponte entre os substituintes aromáticos.
Nos fenotiazínicos, tal ponte consiste na adição de um átomo de enxofre (sulfeto). Esses compostos
demonstraram não somente atividade anti-histamínica, como também efeito antipsicótico.
Eles apresentam como característica estrutural a presença de cadeia intermediária de dois ou três
átomos de carbono ramificada entre o anel fenotiazínico (tricíclico) e a amina terminal, o que os difere
dos antipsicóticos que não apresentam essa ramificação na cadeia intermediária.
N
R1
N
R3 R2
Figura 65
A presença dessa ramificação origina isomeria ótica, sendo que não foi observada grande diferença
em relação à atividade anti-histamínica e outras propriedades farmacológicas entre os estereoisômeros.
A prometazina, que é o principal composto dessa classe, apresenta moderada atividade anti-histamínica
e pronunciado efeito sedativo. É considerado um anti-histamínico de longa duração de ação, pois sua
metabolização ocorre de maneira lenta devido ao impedimento estereoquímico promovido pelo sistema
aromático, dificultando a degradação da amina terminal.
59
Unidade I
S S
N N
N
Prometazina Metildiazina N
Figura 66
Os fármacos dessa classe podem causar tontura e prejudicar tarefas que exigem atenção, além de
potencializar efeitos de analgésicos e outros fármacos sedativos.
4.1.6 Dibenzociclo-heptanos/Dibenzociclo-heptenos
Os compostos dessa classe são análogos da fenotiazina, na qual o átomo de enxofre foi substituído
por uma ponte etilênica saturada ou insaturada, e o nitrogênio do anel foi substituído por carbono
insaturado (sp2). São potentes anti-histamínicos com moderada ação sedativa e pouca atividade
colinérgica e antiemética. Eles são indicados para reações de hipersensibilidade, como rinite, conjuntivite
e manifestações alérgicas cutâneas, e utilizados ainda como estimulantes do apetite.
N N
H H
Cipro-heptadina Azatadina
Figura 67
Eles foram desenvolvidos com o intuito de diminuir a ação sedativa e a afinidade aos receptores
muscarínicos, adrenérgicos e serotoninérgicos, tornando-os mais seletivos aos receptores H1. Os
primeiros compostos dessa classe foram desenvolvidos a partir dos anti-histamínicos de 1ª geração,
utilizando substituintes volumosos ligados à amina terciária.
Esses novos compostos apresentam estruturas diversas derivadas dos de 1ª geração, contendo grupos
funcionais polares conectados ao grupo amina ou como substituinte de um dos anéis aromáticos, e não
acumulam no SNC devido à baixa lipofilicidade.
60
QUÍMICA FARMACÊUTICA
R
Fenilbutanol
HO N
OH OH
N N R Terfenadina
OH
Anti H1 piperazínicos
HO N O
OH
Fexofenadina
Figura 68
CI CI
N N
N N
H
O O
Loratadina Desloratadina
Figura 69
61
Unidade I
Úlceras pépticas são lesões localizadas na membrana mucosa do estômago e duodeno. A dor
associada se deve à irritação causada por exposição das lesões ao ácido gástrico.
Existem diversos fatores capazes de levar ao desenvolvimento de lesões, como estresse, dieta, álcool,
infecção (H. pylori) e uso de fármacos como os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), que são
agravadas devido à presença do ácido estomacal.
O tratamento dessas lesões é feito mediante diminuição dos níveis de ácido gástrico através do
uso de antagonistas de receptores H2 de histamina ou inibidores da bomba de próton em combinação
com antibióticos.
Histamina Gastrina
+
Esôfago + M3
+
H2 Cek2
cAMP +
+ +
Células
parietais
Estômago
CI-
H+
Estômago
Antro Receptores
Esfíncter pilórico
Canal iônico
HCI
Duodeno Bomba de prótons
Figura 70
Medicamentos cuja ação envolve o antagonismo de receptores H2 são utilizados clinicamente para
o tratamento de doenças relacionadas a distúrbios gástrico-esofágicos, incluindo: azia, refluxo, gastrite,
úlceras e outras patologias responsáveis pelo aumento de secreção de ácido gástrico, como a síndrome
de Zollinger-Ellison.
62
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Através de diversas pesquisas foi observada a existência de três regiões de interação nos receptores
do tipo H2, uma para ligação com o anel imidazólico e outras duas para ligação com grupos polares
por meio de ligações de hidrogênio, sendo que para os agonistas existe a necessidade de formação de
ligação iônica extra. Foi observado também que a região para ligação ao anel imidazólico é comum
tanto para os agonistas quanto para os antagonistas.
A maioria destes compostos apresenta estrutura similar ao agonista fisiológico histamina, sendo os
requisitos estruturais básicos os seguintes:
R
NH2
NH NH
HN HN X
N
N
Y
Estrutura geral dos anti-histamínicos H2
Substituição da cadeia de 2 átomos de carbonos (curta) por cadeia alongada de 4 átomos para
afastar o anel imidazólico do grupo polar terminal, permitindo melhor interação com região extra,
produzindo maior atividade antagonista.
Introdução de átomo eletronegativo na cadeia lateral para ajuste de pka do anel imidazólico,
aumentando a força de interação com o receptor.
• X = enxofre “S” ou oxigênio “O” (átomo eletronegativo), sendo que “S” promove maior
potência que “O”.
NH NH NH NH NH NH
S S
HN HN HN
N Burimamida N Metiamida N Cimetidina
S S N
CN
Figura 72
63
Unidade I
NH NH
Ar S
NO2
Figura 73
A substituição do anel imidazólico por outros heterocíclicos contendo nitrogênio como furano
(ranitidina) ou tiazol (famotidina, nizatidina) promove diminuição dos efeitos adversos e aumento da
potência em relação à cimetidina.
HN S HN
N N
S NO2 S NO2
O NH N NH
Ranitidina Nitazidina
NH2
N SO2NH2
H2N
N S N
S
Famotidina NH2
Figura 74
4.2 Anti-inflamatórios
Os anti-inflamatórios são fármacos utilizados para alívio de dores, febre e inflamações e estão entre
os mais prescritos do mundo para o tratamento de artrites reumatoides e de outras doenças articulares
inflamatórias degenerativas.
Muitas das dores, febres, inchaço, náuseas e vômitos associados a doenças em geral resultam da
produção excessiva de prostaglandinas em tecidos danificados. Tais compostos apresentam a habilidade
de inibir a produção de prostaglandinas e outros mediadores químicos que resultam na inflamação,
interferindo em um processo que ocorre naturalmente no organismo conhecido como cascata do
ácido araquidônico.
64
QUÍMICA FARMACÊUTICA
As características estruturais, bem como os requisitos mínimos requeridos para a produção de atividade
e a relação entre estrutura química e atividade biológica destes compostos, serão apresentados a seguir.
Esses fármacos exercem ação através da inibição competitiva da ciclo-oxigenase (COX), sendo que a
inibição pode ocorrer de maneira seletiva à COX-2 ou não seletiva, inibindo as isoformas COX-1 e COX-2.
A COX-1 está presente em vários tipos de células em diversos tecidos, como vasos sanguíneos,
plaquetas, estômago, rins e intestino, e é classificada como constitutiva. Ela está envolvida na produção
de prostaglandinas responsáveis pelo controle de diversas funções fisiológicas, como proteção gástrica,
agregação plaquetária, manutenção do fluxo sanguíneo renal e pela homeostase vascular.
A COX-2 é a enzima indutiva, encontrada em poucos tipos de células, como macrófagos, leucócitos,
fibroblastos e células endoteliais presentes no local da inflamação. Ela está envolvida na produção de
prostaglandinas mediadoras do processo inflamatório.
OS AINEs seletivos à COX-2 estão livres dos efeitos adversos clássicos relacionados ao trato
gastrointestinal (TGI), não interferindo na produção de prostaglandina fisiológica (constitutiva).
65
Unidade I
Estruturalmente os AINEs apresentam uma porção ácida (ácido carboxílico, enol, sulfonamida) para
interação iônica ao resíduo de arginina que se encontra protonado no sítio ativo da ciclo-oxigenase.
Essa porção ácida está ligada a um anel aromático (ou heteroaromático) que está conectado a um ponto
adicional de hidrofobicidade (pode ser outro anel aromático ou cadeia alquílica).
Grupo ácido
Grupo extensor
polar
A-
Ponto adicional de Sistema aromático
hidrofobicidade X
planar
Figura 75
• Todos são ácidos orgânicos com pka entre 3,0 a 5,0. A maioria deles consiste em ácidos carboxílicos
e encontram-se extensivamente ionizados em pH fisiológico. Podem ser tratados com bases para
obtenção da forma salina.
• Eles diferem na lipofilicidade em relação ao caráter hidrofóbico dos grupos aromáticos, da porção
hidrofóbica adicional e de seus substituintes.
• A porção ácida desses compostos é o principal ponto de interação com proteínas plasmáticas por
interação iônica. Todos os AINEs apresentam alta taxa de ligação a essas proteínas.
• O grupo ácido também é o principal ponto de metabolismo por conjugação, sendo a via essencial
de biotransformação à glucuronidação, seguida por eliminação renal.
Os AINEs recebem diferentes classificações químicas de acordo com as suas características estruturais,
que serão apresentadas a seguir.
4.3.1 Salicilatos
São análogos estruturais do ácido salicílico que apresentam potente atividade anti-inflamatória e
média atividade analgésica e antipirética. Os efeitos adversos relacionados ao uso dos compostos se
devem ao fato de eles inibirem a COX-1 em diferentes tecidos. Foram os primeiros AINEs utilizados para
alívio de dores e febres.
66
QUÍMICA FARMACÊUTICA
O O O F O
OH OH O OH
OH O OH OH
O
Ácido salicílico Ácido Salicilato de Difunisal
acetilsalicílico metila
Figura 76
4.3.2 Fenamatos
São análogos estruturais do ácido antranílico que é um isóstero do ácido salicílico. Esses compostos
apresentam em suas estruturas grupo amina básico em posição orto-(2) em relação ao grupo ácido,
fator responsável pela diminuição do risco de causar irritação do TGI. Os compostos mais ativos da classe
possuem grupos alquílicos ou halogênios como substituintes nas posições 2,3 ou 2,3,6 do anel hidrofóbico
adicional (porção N-aril). Foi observado que tais substituintes promovem o efeito estereoquímico de
forçar a não coplanaridade do sistema aromático e o grupo ácido, permitindo melhor interação ao
sítio ativo da COX.
O O O O OH O OH
OH OH OH
NH2 NH NH NH
NH
Àcido CI CI CI CI CI CI
antranílico
Figura 77
Estes compostos são derivados do ácido acético, apresentando como substituinte na posição-2 um
anel heterocíclico (indol, pirrol, oxazol) ou carbocíclico (indeno).
A substituição do átomo de nitrogênio do anel indólico por carbono no anel indeno serve para
diminuir a semelhança estrutural com a serotonina (5-HT), causando menos efeitos adversos no SNC.
67
Unidade I
O O
O
OH
OH F OH
O
N
N
O O
S
CI
O Tolmetina
Indometacina Sulindaco
O OH
O OH
O
OH
N O
N O N
H
O
Figura 78
Os fármacos desta classe derivam dos ácidos arilacéticos, com a diferença que contêm grupo α-metil
como substituinte no carbono vizinho à carboxila. Tal substituinte aumenta a atividade inibitória da
ciclo-oxigenase e reduz a toxicidade dos profenos. O substituinte α-metil introduz isomeria, pois deixa
a molécula assimétrica, sendo que a atividade anti-inflamatória reside no isômero S.
O
O O
OH
OH O OH
F
Ibuprofeno Naproxeno Flurbiprofeno
O O O
O
OH OH OH
O
O S
Figura 79
68
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Os oxicams não apresentam o grupo ácido carboxílico livre e são caracterizados pelo sistema
heterocíclico 4-hidroxibenzotiazina. A acidez dos compostos é atribuída ao grupo 4-OH (hidroxila), com
o íon enolato sendo estabilizado por ligação de hidrogênio intramolecular com o grupo amida vizinho,
apresentando valor de pka=6,3.
OH O OH O S
N N N N
N H N H
S S
Piroxicam Meloxicam
Figura 80
Tais compostos não apresentam a necessidade de possuir caráter ácido, pois não precisam da
formação de interação iônica no sítio de ligação enzimático.
4.4.1 Coxibes
Os coxibes apresentam pouca semelhança estrutural e química com os outros membros da classe
dos AINEs clássicos. É claro que eles exibem propriedades que permitem a interação com a enzima
COX-2, que irá mediar sua atividade farmacológica.
69
Unidade I
Sítio
ativo Sítio
ativo
Inibidor COX
não seletivo
Sítio
ativo Sítio
ativo
Inibidor
COX-2 seletivo
Figura 81
Com exceção do lumiracoxibe, todos são compostos tricíclicos com altos valores de pka (entre
8,0 e 9,0), o que contrasta com os outros AINEs, que são ácidos fracos com valores de pka entre 3,0 e 5,0,
sendo em sua maioria derivados dos ácidos carboxílicos.
Os coxibes são compostos o-diaril-heterocíclicos, isto é, possuem dois sistemas aromáticos em posição
orto um em relação ao outro, ligados diretamente a um anel central heterocíclico. Apresentam ainda
a presença de substituinte metilsulfona ou sulfonamida (bioisósteros) na posição-4 de um dos anéis
fenil, que irão se acomodar no bolso lateral polar presente na estrutura da COX-2. Possuem também a
característica de serem moléculas mais volumosas que a maioria dos AINEs, fato que impede sua ligação
ao sítio de ligação da enzima COX-1, pois apresenta canal hidrofóbico mais estreito que a COX-2.
70
QUÍMICA FARMACÊUTICA
O O O
H2N H2N
S S CI
S
O O
O N O
N CF3 N
N
N
Figura 82
NO2
Nimesulida
Figura 83
Os glicocorticoides são hormônios metabólicos com múltiplas atividades biológicas. Eles interagem
com receptores citoplasmáticos específicos, promovendo alteração conformacional no receptor
glicocorticoide e gerando a translocação ao núcleo, onde irão atuar nos fatores de transcrição gênica de
proteínas que estão envolvidas no controle da inflamação.
Desde que os corticosteroides como a cortisona foram usados no tratamento da artrite reumatoide
devido a sua atividade glicocorticoide, importantes efeitos adversos indesejáveis foram observados,
principalmente relacionados à retenção de sódio, devido à ligação com receptores mineralocorticoides.
71
Unidade I
O excesso de glicocorticoides causa diversos problemas clínicos por influenciarem algumas desordens
metabólicas, como: síndrome de Cushing, hipertensão, diabetes, obesidade, anorexia, osteoporose,
desordens imunológicas e psíquicas, doença de Alzheimer, glaucoma e disfunções cognitivas.
Tendo em vista a diminuição dos efeitos colaterais indesejáveis como a retenção de sódio e o
aumento da atividade anti-inflamatória, diversas modificações moleculares foram sugeridas para esses
compostos tendo como base a molécula do cortisol, que é um corticosteroide que ocorre naturalmente.
A fim de entender melhor como ocorre a interação dos compostos, diversos estudos foram produzidos
utilizando modelos de complexos cristalográficos do receptor glicocorticoide obtidos por difração de
raios X, o que permitiu a síntese de diversos ligantes para posterior avaliação de sua afinidade de ligação
ao receptor glicocorticoide, facilitando o entendimento da relação entre a estrutura desses compostos
e sua atividade biológica.
HO OH
O
Cortisol (hidrocortisona)
Figura 84
1 9
C D 16
2 14
10 8 15
A B
3 7
5
4 6
Figura 85
72
QUÍMICA FARMACÊUTICA
A presença dos grupos cetona em C3 e C20 e das hidroxilas em C11 e C17 é essencial para interação
no receptor (por ligação de hidrogênio) e manutenção da conformação bioativa do esqueleto esteroidal.
O
20 21
18 OH
12 17
11
HO OH
19 13
16
1 9
2 14
10 8 15
3 7
5
4 6 O
Figura 86
Os fármacos dessa classe que apresentam grupo cetona em C11 são inativos in vitro e consistem em
pró-fármacos bioativados in vivo por redução da carbonila.
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Unidade I
• A esterificação da hidroxila em C16 e/ou C21 ou a introdução de acetonida entre C16 e C17 aumenta
a lipofilicidade dos glicocorticoides, permitindo sua utilização em formulações de uso tópico, oral
ou em sprays (eleva a permeabilidade).
HO OH O OH HO OH
O O O
Hidrocortisona Cortisona Prednisolona
O OH OH
O O OH
HO OH
HO OH HO OH
O F F
O O
Metilprednisolona Dexametasona Betametasona
OH OH
O
O O O
O
HO OH
HO O HO O
O O
CI
F F O
O O
Valerato de betametasona Dirpropionato de betametasona Beclometasona
OH OH CI
O O O
O
HO OH HO O HO O
OH O
O
F F CI
O O O
Triamcinolona Triamcinolona acetonida Furoato de mometasona
Figura 87
74
QUÍMICA FARMACÊUTICA
Observação
Relembre sempre a fisiologia dos processos inflamatórios, ela poderá
auxiliá-lo a entender melhor os mecanismos de ação dos anti-inflamatórios.
Resumo
Nesta unidade vimos que a química farmacêutica tem importância
multidisciplinar, pois envolve a descoberta, a síntese e a otimização de
fármacos, necessitando de conhecimentos prévios e de trabalho conjunto
com outras áreas. Durante muitos anos a entrada de fármacos na terapêutica
foi feita através de produtos naturais, sobretudo os vegetais. A partir de
1900 a síntese orgânica passou a ter fundamental importância na busca
de compostos bioativos. Atualmente, o uso de programas computacionais
auxilia na diminuição do tempo de entrada de fármacos na prática clínica.
Exercícios
O OH OH
O
H+ ou OH-
+
N H2O OH
H H2N
Figura 88
De acordo com a reação apresentada anteriormente, a água age como um nucleófilo, atacando qual
grupamento funcional do fármaco?
A) Ácido carboxílico.
B) Amina.
C) Amida.
D) Álcool.
E) Aldeído.
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QUÍMICA FARMACÊUTICA
A) Alternativa incorreta.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: aminas são substâncias orgânicas que apresentam um ou mais radicais ligados ao
nitrogênio e são muito utilizadas na produção de outros compostos orgânicos.
C) Alternativa correta.
Justificativa: amidas são compostos orgânicos nitrogenados que apresentam como principal
característica a presença de um grupo carbonila (carbono que realiza uma ligação dupla com o oxigênio),
ligado diretamente a um nitrogênio, que, por sua vez, pode ligar-se a dois átomos de hidrogênio.
D) Alternativa incorreta.
Justificativa: álcoois são compostos orgânicos caracterizados pela presença de um grupo hidroxila
(OH) ligado a um carbono saturado. Todas as substâncias que apresentam esse grupo funcional em sua
estrutura podem corretamente ser identificadas como álcoois.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: aldeído é todo composto orgânico que possui o grupo funcional – CHO – ligado à
cadeia carbônica.
O2N O
OH
Figura 89
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Unidade I
A) Hidrólise.
B) Oxidação.
C) Fotólise.
D) Pirólise.
E) Acidose.
A) Alternativa correta.
Justificativa: hidrólise é qualquer reação química na qual uma molécula de água quebra uma ou
mais ligações químicas, sendo, portanto, o mecanismo de degradação do cloranfenicol.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: na oxidação as moléculas, íons ou átomos perdem elétrons durante a reação química.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: na fotólise ocorre a dissociação das moléculas orgânicas complexas por efeito da
radiação eletromagnética.
D) Alternativa incorreta.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: acidose, por exemplo, o sangue, no qual os fluidos corporais contêm muito ácido.
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